VARIEDADES LINGUÍSTICAS
Profª Silvana Romani
“Alguns sonham com uma língua uniforme. Só pode ser por mania repressiva ou medo da variedade, que é uma das melhores coisas que a humanidade inventou. E a variedade linguística está entre as variedades mais funcionais que existem. Numa língua uniforme talvez fosse possível pensar, dar ordens e instruções. Mas, e a poesia? E o humor?” Sírio Possenti, em Porque (não) ensinar gramática nas escolas?
Domingo à tarde, um político vê um programa de televisão. Um assessor passa por ele e pergunta: - Firme? O político responde: - Não, Sírvio Santos.
“Todas as variedades de uma língua têm recursos linguísticos suficientes para desempenhar sua função de veículo de comunicação, de expressão e de interação entre os seres humanos. A linguagem popular (variedades nãopadrão da LP) é coerente, segue as tendências naturais do português e tem uma lógica histórica.” Marcos Bagno em A língua de Eulália
TROCA DO “L” PELO “R” CRÁUDIA GROBO TERRESTRE PRANTA BROCO CHICRETE
Fenômeno fonético conhecido por rotacionismo
LATIM EcclesiaPlagaSclavuFluxu-
FRANCÊS église plage esclave flou
ESPANHOL iglesia playa esclavo flojo
PTGUÊS igreja praia escravo frouxo
O que era “L” em latim manteve-se em francês e espanhol, mas em português transformou-se em “R”!
O rotacionismo é um fenômeno fonético que participou da formação da Língua Portuguesa padrão ao longo dos séculos. Portanto, o “probrema” não é um problema!
Observe: TRECHOS DE “OS LUSÍADAS” – Camões “E não de agreste avena, ou frauta ruda” “Era este Ingrês potente, e militara” “Nas ilhas de Maldiva nasce a pranta” “Onde o profeta jaz, que a lei pubrica”
Fenômeno fonético conhecido por assimilação É
a força que faz com que dois sons diferentes, mas com algum grau de parentesco, tornem-se iguais. EX. O som LH é produzido com a ponta da língua tocando o céu da boca (palato), muito perto do ponto onde é produzida a semivogal I.
Por assimilação: produz-se “i” no lugar de “lh”. LP padrão padrão Abelha Batalha (batáye) Falha Filha Palha
LP não-padrão
abeia bataia faia fia paia
Francês
abeille (abéy) bataille faille (faye) fille (fíye) paille (páye)
Explicação para a vitória do “i” sobre o “LH” em Francês.
Em francês, essa troca fonética pertence a língua padrão e não carrega a mesma carga de preconceito que há em LP. Era na fala dos burgueses que ocorria a assimilação do “I” nas ocorrências de “LH”. Ora, foi exatamente essa classe que desbancou a aristocracia, os nobres e os grandes proprietários de terra. A mudança de classe social também significou a mudança da variedade linguística dominante.
Toda língua se modifica de forma ininterrupta e imperceptível para os falantes A LÍNGUA PORTUGUESA NÃO ENCERROU SEU PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO NO SÉCULO XVI. Observe: TÉGULA > TEG’LA > TEGLA > TEYLA > TELHA
Continuar essa linha de transformação do idioma e acrescentar TÊIA seria um grande passo linguístico e político.
Um outro exemplo de assimilação CANTANO – FALANO – COMENO – QUANO -
-
“n” e “d” são consoantes dentais (ponta da língua ou porção dianteira da língua em contato com os alvéolos dos dentes incisivos superiores). por serem da mesma zona de articulação ocorreu a assimilação do D pelo N.
Tendência a transformar as palavras em PAROXÍTONAS. A
LP é essencialmente paroxítona.
Os
Lusíadas, por exemplo, têm 8816 versos. Desse total: 8325 com rimas em paroxítonas, 482 com rimas em oxítonas, e 9 com rimas em proparoxítonas.
LATIM HómineLítteraFrígiduFábulaSpéculuBárbaruMiráculuTégulaParábola-
LP PADRÃO homem letra frio fala espelho bravo milagre telha palavra
O
registro popular do idioma apenas dá continuidade a essa tendência. LP PADRÃO LP NÃO-PADRÃO Árvore Córrego Fósforo Música Pássaro Sábado
arvre corgo fósfro musga passo sabo
Conclusão Os
textos em registro não-padrão do nosso idioma também possuem uma gramática (um conjunto de regras) e, portanto, podem ser estudados. Por esse motivo, é comum questões em vestibulares que abordem textos pertencentes aos registros nãopadrão do idioma.
Autores populares mais abordados em questões: PATATIVA DO ASSARÉ e ADONIRAN BARBOSA. “Pra gente aqui sê poeta E fazê rima compreta Não precisa professô; Basta vê no mês de maio Um poema em cada gaio E um verso em cada fulô”
Patativa do Assaré
Unifesp – 2009 Considere o texto de Patativa do Assaré: Coisas do meu sertão Seu dotô, que é da cidade Tem diproma e posição E estudou derne minino Sem perdê uma lição, Conhece o nome dos rio, Que corre inriba do chão, Sabe o nome das estrela Que forma constelação,
Conhece todas as coisa Da histora da criação E agora qué i na Lua Causando admiração, Vou fazê uma pregunta, Me preste bem atenção: Pruquê não quis aprendê As coisa do meu sertão?
a)
O texto apresentado afasta-se das convenções ortográficas da língua e da norma padrão. Em que medida se podem considerar legítimos os usos nele presentes? b) Transponha para a norma padrão da língua as passagens: E agora qué i na Lua e Pruquê não quis aprendê/As coisa do meu sertão?
Unicamp - 2009
É sabido que as histórias de Chico Bento são situadas no universo rural brasileiro. a) Explique o recurso utilizado para caracterizar o modo de falar das personagens na tira. b) É possível afirmar que esse modo de falar caracterizado na tira é exclusivo do universo rural brasileiro? Justifique.
“Mas quando alguém te disser tá errado ou errada Que não vai S na cebola e não vai S em feliz Que o X pode ter som de Z e o CH pode ter som de X Acredito que errado é aquele que fala correto e não vive o que diz” Fernando Anitelli, em Zazulejo.