A Qualidade da Vida Espiritual (palestra do monge Anselm Grün, Mosteiro de São Bento-Ba; em 14 de abril de 2010)
Por Ângela Peroba Com a serenidade estampada no rosto e no olhar doce, o monge/escritor Dom Anselm Grün abriu sua fala com a palavra chave do tema de sua palestraespiritualidade . Traduzindo, ele disse que o verdadeiro significado do vocábulo vem de uma vida vivida a partir da fonte do Espírito Santo. Nesse sentido, o monge revelou que toda pessoa que se alimenta dessa Fonte, estará fortalecida para as adversidades do cotidiano. A partir desse centro, Dom Anselm atestou, que acontece muitas vezes durante suas palestras em empresas, de ouvir depoimentos sobre pessoas que se dizem esgotadas por causa do trabalho. t rabalho. Anselm Grün assegurou, que o trabalho não é a origem do esgotamento que a grande parte se queixa, mas sim, a fonte na qual essas pessoas se alimentam no seu dia
a dia. “Ao invés de buscarem a fonte do Espírito Santo, a força divina que
verdadeiramente nos alimenta, buscam a fonte turva, que está por exemplo no
perfeccionismo, no ego, como em um caso que vou mencionar”.
Ele contou que um terapeuta fez sucessivas queixas porque estaria exausto devido às sessões terapêuticas com os pacientes, etc., mas entretanto, Dom Anselm mergulhando nas inquietações do psicanalista, pôde sentir que a fonte onde ele se
alimentava era o ego e não o seu interior, lugar onde se encontra o “Reino de Deus”.
Certamente ali no seu interior, o terapeuta não se esgotaria atendendo e ouvindo seus
pacientes; “o foco é onde a pessoa busca seu alimento, seu vigor”.
Anselm Grün atentou para as cinco consequências a partir da conexão que fazemos com o Espírito Santo. Com esse poder que recebemos da fonte original de todas as virtudes e força, falou que a primeira coisa nova será o encontro com o próximo; a segunda consequência é a saúde- São João diz em seu Evangelho, que ser saudável é conectar-se com a própria fonte; a consequência terceira é o encontro de uma força renovada no caminho, nos levando para as virtudes teologais (esperança, fé e amor), nos conferindo força para a vida. A quarta consequência, diz Anselm, está nos frutos produzidos por aquele que como ramo, encontra-se na videira; a consequência seguinte é uma alma depurada, com a purificação das emoções negativas e doentias feita no silêncio, na sua fonte interior. Esse caminho de silêncio, meditação, leitura da palavra bíblica e conexão com a fonte interior, levará o ser a uma clareza maior para um encontro com o outro, um diálogo mais sereno e frutífero nas relações humanas. Ele contou que trabalha como um dos diretores da abadia beneditina de Münsterschuarzach, na Alemanha, há 36 anos, entre mais de 300 funcionários; afirmando que como em toda comunidade, “nem sempre vivemos como santos e precisamos nos preparar para não cairmos na trama da permuta de xingamentos; um xingando de um lado e o outro respondendo com mais
xingamento, isto é, com mais emoções sujas”.
Para esse enfrentamento pacífico, Dom Anselm defendeu como caminho infalível para a pacificação e clareza, a prática da meditação diária, um espaço de silêncio
orante na vida de cada um. “A partir dessa conexão, Deus me levará até a fé e a leveza, o que tira de nós aquele peso das pequenas coisas”. Nesse espaço de silêncio, a pessoa deve sentir e dizer para si mesmo: “eu sou uma benção, um ser de luz, construindo assim, uma imagem de vida mais transparente”. Ele disse em seguida que “não existe fé sem linguagem, nem linguagem sem fé”, querendo dizer com isso que a relação de qualidade com o próximo tem a ver com sua fé e linguagem, entendendo essa última com o calor humano que é transmitido nas inter-relações do cotidiano. Nesse sentido, o monge lembrou o quanto é nefasta a
aridez de uma pessoa e disse com sabedoria que “ninguém deseja se resfriar na minha frieza”.
Reportou-se à Boa Nova que conta a história dos discípulos no caminho de Emaús, ao se encontrarem com Jesus, lembrando que o Evangelho diz muito bem que os
corações deles “queimavam”, e é o fogo que identifica as coisas do Espírito. Os Pais da Igreja, disse Anselm, falavam acertadamente que “a linguagem constrói a casa”. Ressaltou também as fronteiras entre a esperança e a expectativa, afirmando não
serem diferenças apenas de semântica. “É essencial o valor das coisas que brotam da esperança, como o amor, fonte espiritual que habita no nosso interior, fonte de
energia e força do Espírito Santo”.
Rituais Dom Anselm falou que o caminho da espiritualidade é um caminho concreto, podendo utilizar-se de “alguns facilitadores como rituais, não como um passe de
mágica, mas como algo palpável”. Ilustrou que pode ser uma alternativa de se ganhar vigor e força, “o ritual do toque de um a imagem que pode fazer com que você se sinta tocado por Deus, ou igualmente acender uma vela e fazer silêncio”. Tudo isso, acrescentou, “gera um espaço sagrado, um lugar de cura”.
Citou um exemplo que não pode ser subestimado porque revela quanto vale a qualidade e o empenho de cada pessoa na criação desse espaço de excelência espiritual. Uma senhora com muitos filhos e tarefas externas, usava como tempo sagrado o momento dos seus cinco minutos durante o banho e isso produzia na sua vida muitos frutos que ninguém lhe podia mais tirar. Complementou com outro testemunho de uma mãe com muitos filhos bem sucedidos na profissão, que utilizava-se de um ritual que também lhe trazia muito vigor espiritual. Ela reunia-se com a família toda durante datas festivas, como o Natal e que isso lhe trazia qualidade na vida espiritual. Mencionou ainda a sintonia que podemos construir com as raízes de antepassados, recordando devoções que antes eles assim faziam; isso também constitui uma fonte de alimento espiritual. Outro ritual recomendado é o gesto de se levantar a mão como distribuição de bençãos, assim como diz a Palavra. Dom Anselm ressaltou nesse sentido o quanto orar é essencial; fez uma pérola
de síntese, afirmando que “o lugar saudável é o lugar da oração”, contestando em contrapartida, certas práticas de sacrifício da ascese cristã, defendendo por outro
lado, os exercícios de caráter espiritual/interior. Esse é o caminho, disse o monge, onde é possível saborear e se construir um eu forte. Completou em seguida, o quanto é importante buscar- se a sabedoria de “transformar vícios em desejos, coisas
reprimidas em sentimentos expressos”.
Sobre a ocorrência da depressão que tem se abatido sobre tantos na atualidade, Anselm voltou a falar à respeito do tipo de alimento que a maioria se nutre, reportando-se às tantas imagens negativas e turvas que as pessoas costumam
colocar no seu interior. Disse ainda que “viver com mais força não tem a ver com piedade; mística é estar acord ado para a vida”, como bem diz o jesuíta Anthony de Melo, reportou-se.
Enfatizou ao final que esse lugar é “um espaço sagrado, é o Reino de Deus em nós; um espaço livre do julgamento do outro, onde nada pode penetrar”. Nesse espaço interior, acrescentou, “encontra-se a imagem que Deus fez de nós; é o espaço onde somos claros, limpos de toda sujeira e memórias negativas; é um espaço imaculado, o
mistério de Deus em casa”.