Instituto Brasileiro de Admini stração Municipal Municipal – IBAM Laboratório de Admini stração Municipal Municipal – LAM
ABSTENÇÃO E INTERESSE PESSOAL DO VEREADOR
AGOSTO / 2008
ABSTENÇÃO AB STENÇÃO E INTERESSE PESSOAL DO VEREADOR
Instituto Brasileiro de Administ ração ração Municipal – IBAM o Largo IBAM n 1 – Humaitá – 22271-070 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2536-9797 – Fax: (21) 2266-4395 E-mail: E-mail: i
[email protected] [email protected] .br – Web: Web: www .ibam.org.br
É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte
Trabalho elaborado por: Gustavo da Costa Ferreira M. dos Santos Asses As sesso sorr Juríd Ju ríd ico ic o do d o IBA I BAM M
O Laboratório de Admini stração Municipal Municipal - LAM é a unidade do IBAM que tem como missão oferecer aos Governos locais instrumentos da gestão pública mediante assistência técnica à distância. Entre os trabalhos oferecidos pelo LAM, destacam-se modelos de atos normativos e demais documentos que apoiem as Administrações Municipais a viabilizar a organização e o funcionamento dos seus serviços. Criado em 1958, o LAM, núcleo responsável pela produção de idéias e soluções aos anseios das comunidades locais, ao longo de sua existência, vem utilizando diferentes metodologias de trabalho, sempre em sintonia com as transformações jurídico-institucionais enfrentadas pelo país. O desenvolvimento de produtos pelo LAM resulta do apoio sistemático que as Prefeituras, Câmaras Municipais e demais entidades associadas dão ao Instituto, através de suas contribuições anuais.
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ABSTENÇÃO AB STENÇÃO E INTERESSE PESSOAL DO VEREADOR
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SUMÁRIO I – INTRODUÇÃO. INTRODUÇÃO.
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II - INTERESSE PRIVADO E INTERESSE PÚBLICO.
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A) INTERESSE DIRETO E INDIRETO. B) DEVER DE ABSTENÇÃO DO VEREADOR. C) INTERESSES INTERESSE S PRIVADOS QUE NÃO ENSEJAM DEVER DE ABSTENÇÃO. D) INTERESSES PRIVADOS QUE ENSEJAM DEVER DE ABSTENÇÃO.
5 6 8 10
III – DEVER DE PARTICIPAÇÃO E ABSTENÇÃO DE VOTO.
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IV - DIFERENÇA ENTRE ABSTENÇÃO E VOTO NULO.
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V – PROCEDIMENTOS DE VOTAÇÃO E A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE DO PARLAMENTAR.
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A) PROCEDIMENTO SECRETO. B) PROCEDIMENTOS PROCEDIMENTOS SIMBÓLICO E NOMINAL. C) PROCEDIMENTO ELETRÔNICO.
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VI – ABSTENÇÃO E QUORUM.
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VII – EXEMPLOS PRÁTICOS.
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A) LEIS DE EFEITOS CONCRETOS. B) RAZÕES DE FORO ÍNTIMO. C) RESPONSABILIZAÇÃO RESPONSABILIZAÇÃO POLITICO-ADMINISTRATIVA POLITICO-ADMINISTRATIVA DOS VEREADORES. D) LEIS TRIBUTÁRIAS. E) LEIS AMBIENTAIS. F) LEIS URBANÍSTICAS. URBANÍSTICAS. G) REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES. H) LEIS QUE FIXAM A REMUNERAÇÃO DOS VEREADORES. I) LEIS QUE FIXAM A REMUNERAÇÃO DO PREFEITO, VICE-PREFEITO E SECRETÁRIOS MUNICIPAIS.
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VIII – CONCLUSÃO.
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BIBLIOGRAFIA
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I – INTRODUÇÃO. A ética no exercício da atividade parlamentar é assunto que está na ordem do dia. Se, por um lado, há flagrantes e notórios abusos perpetrados por alguns dos nossos representantes no Poder Legislativo, por vezes há excessos quando da avaliação e retaliação de condutas aceitáveis do ponto de vista ético e jurídico por parte das instâncias fiscalizatórias estatais e pela imprensa. A Câmara de Vereadores é órgão ao qual incumbem decisões políticas da maior relevância, de repercussões profundas, extensas e afetas à vida de todos os cidadãos, razão por que os Edis estão permanentemente sujeitos a críticas e avaliações quanto à sua atuação. Muitas vezes, é tênue e sutil a fronteira entre a probidade e a incorreção, devendo o parlamentar estar atento aos limites de sua atuação e às formas de impedir o questionamento de suas atitudes quando do exercício do elevado múnus público que lhe é atribuído. No presente artigo, abordaremos um importante e polêmico tema relacionado diretamente à ética e ao decoro parlamentar: a abstenção de participação em deliberação no caso de haver interesse particular em seu resultado. Afinal, o que constitui um interesse particular que seja apto a impedir a participação do Edil nas deliberações? A relevância da questão é mais evidente quando se observa que o impedimento à participação nas deliberações é cerceamento de um direito constitucionalmente assegurado ao Vereador, que somente pode ser tolhido na presença de relevante razão jurídica igualmente tutelada pela Constituição. Em primeiro lugar, tentaremos estatuir, em tese, parâmetros para o estabelecimento de qual modalidade de interesse privado do Vereador seria contrária ao atendimento do interesse público primário e do bem comum e que, por conta disso, obstaria sua participação na deliberação da Câmara. Conforme demonstraremos no presente trabalho, muitas vezes a concretização do interesse público ocorre, justamente, quando são atendidos alguns interesses privados legítimos dos cidadãos. Perscrutaremos, também, questões procedimentais relevantes e complexas, tais como as formas de manifestação de vontade do Vereador quando das deliberações parlamentares, conseqüências da abstenção no cálculo do quorum e suas repercussões no resultado das votações ocorridas no âmbito do Poder Legislativo. Por fim, tentaremos listar, de maneira exemplificativa, algumas situações práticas com as quais podem se deparar os Vereadores em sua atividade na Câmara, de modo a facilitar o trabalho da Mesa Diretora.
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II - INTERESSE PRIVADO E INTERESSE PÚBLICO. A) INTERESSE DIRETO E INDIRETO. Em todo projeto de lei sujeito à deliberação da Câmara, podemos distinguir dois tipos de interesse: interesse imediato ou direto, consistente na necessidade de regulamentação de determinada matéria; e o interesse mediato ou indireto, o qual representa as aspirações, desígnios, entendimentos e convicções diferentes que existem na sociedade acerca da melhor solução legislativa acerca de um assunto. Nesse sentido, é fundamental a lição de José Afonso da Silva: “A necessidade de regulamentação legislativa de qualquer matéria é determinada pelo imperativo de disciplinar os interesses relativos a ela; não houvesse lutas de interesses sobre determinada matéria, também não haveria necessidade de regulamentá-la através de lei. (...). Por aí se vê que matéria e interesse não se confundem e a distinção tem objetivos práticos na formação da lei. Então, numa lei encontramos a regulamentação da matéria e a regulamentação dos interesses vinculados a ela. (...) Mas isso nos levaria, de qualquer forma, a uma ulterior diferenciação entre interesse direto, constituído pela matéria regulamentada, e interesse indireto, representada por uma particular modalidade de auferimento; vale dizer: diretamente, regulamenta-se certa matéria, mas por meio dessa regulamentação – indiretamente, pois – o que se quer é regulamentar os interesses que ela suscita: protegendo uns juridicamente e, juridicamente, repelindo outros.” 1
Para ilustrar o significado das duas diferentes modalidades de interesse – direto e indireto – podemos citar a deliberação legislativa acerca da prestação de serviços de telecomunicações no país. Em face do desenvolvimento dos meios de comunicação, do surgimento de novas tecnologias e da necessidade de regulamentação estatal sobre a matéria, não há dúvida acerca da existência de um interesse direto ou imediato na edição de normas legais sobre o assunto. No entanto à época da edição do marco legal das telecomunicações, em meados da década de 90, havia no Congresso Nacional grupos que representavam aspirações muito diferentes – dicotômicas, até – quanto à forma de prestação destes serviços: alguns defendiam que os serviços deveriam ser prestados diretamente pelo Estado; outros, que deveriam ser privatizados e prestados por particulares, mediante fiscalização de agência reguladora. Observa-se, portanto, que estas diferentes acepções e opções legislativas representam interesses indiretos ou mediatos , balizados por diferentes ideologias e desígnios diversos relacionados à matéria submetida à deliberação legislativa.
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SILVA, José Afonso da. Princípios do processo de formação das leis no direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964, p. 142-143
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B) DEVER DE ABSTENÇÃO DO VEREADOR. Pertinente é analisar, portanto, a obrigatoriedade de abstenção do Vereador caso haja interesse particular seu na aprovação ou reprovação de determinada deliberação. Embora seja admitida a existência de interesses diversos, multifários e plurais, legitimamente representados pelos parlamentares na atividade legiferante, não são todos eles passíveis de serem chancelados pelo Vereador por meio de seu voto. Mais uma vez, valemo-nos da lição de José Afonso da Silva: “O ato de iniciativa legislativa se põe como ato que contém não só a proposta de disciplinar, mediante lei, em sentido técnico, uma dada matéria, mas também a proposta de regulamentar aqueles interesses particulares que o titular do poder de iniciativa sustenta em relação à matéria indicada. Acrescentamos, em harmonia com o que deixamos expresso mais atrás, que a disciplinação, ou melhor, a necessidade de disciplinar juridicamente os interesses contrastantes em torno de certa matéria é que predetermina a regulamentação da matéria mesma. Num regime autenticamente democrático os interesses a proteger juridicamente na regulamentação de qualquer matéria hão de ser, necessariamente, os da coletividade, os que levem ao desfrutamento do bem comum, do bem estar coletiv o.” 2 (grifo nosso)
Ora, o art. 1º da Constituição da República expressa o caráter democrático do nosso Estado de Direito. A abstenção de parlamentar em caso de interesse particular que não tenha fulcro no atendimento ao bem comum e aos interesses da coletividade decorre, também, do art. 37, caput da CRFB, que eleva os princípios da Impessoalidade e da Moralidade a orientadores da atividade do Estado e que têm aplicabilidade imediata e não dependem de norma infraconstitucional para a produção de seus efeitos típicos. Engana-se quem acha que tais princípios devem ser observados somente quando da atividade estatal executiva, de cunho administrativo – também são princípios orientadores da atividade legislativa. Nesse sentido, já se posicionou reiteradamente o STF: “O princípio da moralidade administrativa — enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico — condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. A atividade estatal , qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado." 3 (grifo nosso)
O interesse público deve orientar, sempre, a atividade legislativa, não podendo o Vereador agir em seu próprio nome. Afinal, o parlamentar é 2
Ibid., p. 145
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ADI 2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-6-02, DJ de 23-8-02
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representante dos interesses da população e, não, de seus próprios interesses. Nesse sentido, ensina Hely Lopes Meirelles: “A atribuição precípua do vereador é a apresentação de projetos de atos normativos à Câmara, com a conseqüente participação na sua discussão e votação. Como membro do Poder Legislativo local, tem o direito de participar de todos os seus trabalhos e sessões, de votar e ser votado para os cargos da Mesa e de integrar as comissões na forma regimental, sem o quê não poderá desempenhar plenamente a representação popular de que está investido. Casos há, porém, em que, por considerações de ordem moral ou de interesse particular nos assuntos em discussão, deverá absterse de intervir e de votar nos assuntos em discussão, deverá abster-se de intervir e votar nas deliberações, justificando-se perante o plenário.” 4
Ademais, o art. 55, § 1º, estabelece: “Art. 55. Omissis. (...) § 1º. É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.” (grifo nosso)
Ora, quando o Vereador está investido em seu mandato, detendo a prerrogativa de deliberar na formação da lei – que é expressão da vontade geral – constitui abuso de suas prerrogativas, ensejadora da violação ao decoro parlamentar (art. 55, § 1º da CRFB), que sua atuação ocorra no sentido de privilegiar um interesse particular em detrimento do interesse da população. A formação da lei é atividade estatal que importa um dever genérico de obediência de toda a população às limitações por ela impostas. Seria, evidentemente, contrário aos objetivos do Estado de Direito que fosse cerceada a liberdade de toda a população em nome do interesse pessoal daquele que foi incumbido de legislar. Ainda mais quando temos em conta o fato de nossa ordem constitucional ser orientada pelo princípio republicano, como bem assevera Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “O País está constituído como uma república, conceito originalmente oposto ao de monarquia, derivado da voz latina res publica, traduzido livremente como coisa comum, (...) como um regime político em que se define um espaço público, distinto do privado, no qual são identificados e caracterizados certos interesses, também ditos públicos, que transcendem os interesses individuais e coletivos dos membros da sociedade e, por isso, passam a ter sua satisfação submetida às
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MEIRELLES. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006 , p. 619
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decisões, normativas e concr etas, de agentes também públicos .” 5 (grifo nosso)
Corolário do que foi exposto é que, havendo interesse particular do Vereador na matéria posta em votação, deve se abster de votar. Nesse sentido, posiciona-se Mayr Godoy: “Nenhum Vereador presente à sessão pode se escusar de votar, a não ser que se declare impedido por razões justificadoras. Se o Vereador tiver interesse na matéria em votação, fica impedido de votar sob pena de nulidade do voto ” 6 (grifo nosso)
Daí, é conseqüência lógica que o Edil, caso tenha interesse particular na aprovação, terá o dever de se abster. Deve haver cautela, entretanto, no cerceamento da prerrogativa do parlamentar de participar das deliberações da Câmara. Embora não exista direito absoluto e imune à imposição de limites legítimos, a efetiva participação nas decisões políticas de competência do Poder Legislativo é prerrogativa constitucional conferida aos Vereadores, que não lhes pode ser retirada sem que haja relevantes fundamentos, que também devem ter supedâneo constitucional. Afinal, o cerceamento de uma prerrogativa constitucional – em particular, a do parlamentar legitimamente eleito pelo povo para a representação de seus interesses – somente pode ocorrer quando haja conflito com um princípio de equivalente hierarquia. C) INTERESSES PRIVADOS QUE NÃO ENSEJAM DEVER DE ABSTENÇÃO. Em quase toda votação, de algum modo, mesmo que indiretamente, haverá algum interesse do parlamentar. Caso seja votada, por exemplo, lei que limite o horário de funcionamento de todos os bares do município, não haveria sentido algum em se sustentar que um Vereador tenha interesse particular em sua aprovação e deva, portanto, abster-se, porque sua residência fica ao lado de um estabelecimento do tipo, que permanece aberto até elevadas horas e o incomoda – incomoda a ele, mas atrapalha, também, a todos os outros vizinhos, que não são parlamentares. Também não se poderia dizer que, pelo simples fato de ser o Edil empresário atuante em determinado ramo de atividade, teria interesse pessoal em uma lei que porventura viesse a beneficiar de algum modo sua atividade econômica – tal entendimento poderia, inclusive, vir a ser frontalmente contrário ao interesse público, caso fosse a referida atividade importante para a economia do Município. Nesse sentido, é de fundamental importância a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao 5
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 78 6 GODOY, Mayr. A Lei Municipal. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1974, p.65
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interesse pessoal de cada um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. Dizer isto, entretanto, é dizer muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é interesse público.” 7
Evidentemente, muitas vezes há uma linha tênue e uma fronteira nebulosa entre o que seja uma norma que privilegie exclusivamente o interesse pessoal do Vereador e a norma que atenda ao interesse público. Afinal, se fosse fácil saber que normas atendem ao interesse público, todas as deliberações seriam unânimes e não haveria discussões acerca das decisões políticas a serem tomadas no momento de elaboração das leis. Antes de parlamentar, o Vereador é, também, um cidadão e, quando uma lei atende ao interesse público, atende, via de regra, a seu interesse pessoal de cidadão. Dizer que não poderá votar quando a aprovação da deliberação simplesmente beneficiá-lo de alguma forma é uma verdadeira excrescência, pois, a contrario sensu, os parlamentares somente poderiam votar nas deliberações cuja aprovação lhes causasse algum prejuízo. Sem dúvida, a população espera do parlamentar que, no exercício de sua sublime função pública, tenha gestos de elevada nobreza e honestidade e, também, capacidade tal de abstração a ponto de observar que seu prejuízo pessoal pode configurar benefício da maioria – afinal, ocorre amiúde que o interesse público não se confunda com interesse unânime. O mais comum é, contudo, que na maior parte das vezes haja interseção entre o interesse pessoal do Vereador e o interesse geral da população e, nestes casos, não será legítimo impedimento à sua participação na deliberação. Mais uma vez, nos valemos das considerações de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Poderá haver um interesse público que seja discordante do interesse de cada um dos membros da sociedade? Evidentemente, não. Seria inconcebível um interesse do todo que fosse, ao mesmo tempo, contrário ao interesse de cada uma das partes que o compõem. Deveras, correspond eria ao mais cabal contr a-senso que o bom para todos f osse o mal de cada um, isto é, que o interesse de todos fosse o antiinteresse de cada um.” 8
Uma concepção de interesse público desvinculada daqueles legítimos interesses dos cidadãos pode levar a uma grande distorção: a confusão entre interesse público – a segurança, a justiça e o bem estar (interesses primários) – em detrimento do interesse do Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público (interesses secundários). Nossa Constituição reconhece que podem, em determinadas situações, constituírem interesses colidentes, uma vez que reconhece a todo cidadão o direito à ação popular; e reconhece ao Estado o direito de se defender, por meio de sua advocacia pública. 7
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 57 Ibid. p. 57
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Por conta da defesa do interesse público como se fosse a antítese da proteção aos interesses legítimos dos indivíduos, surgiu corrente que verdadeiramente sustentava a insubsistência do vetusto princípio da supremacia do interesse público sobre o privado 9 , denunciando seu viés autoritário, o qual remonta aos períodos de governos absolutistas e totalitários. Nessa corrente, foi pioneira a exposição de Humberto Ávila, segundo quem “o referido ‘princípio’ não pode ser entendido como norma-princípio, seja sob o prisma conceitual, seja sob o normativo, nem tampouco pode ser compreendido como um postulado normativo”. 10 Neste entendimento Gustavo Binenbojm 11 apoiou-se, tendo como principal crítica o estabelecimento, a priori, da supremacia de um valor, o que seria incompatível com a própria definição de uma norma-princípio: fluida e passível de ponderação e contextualização. Portanto, a imposição, por meio de um princípio jurídico, de um valor supremo seria um verdadeiro par adoxo, posto que incompatível com a própria concepção do que seja um princípio. 12 D) INTERESSES PRIVADOS QUE ENSEJAM DEVER DE ABSTENÇÃO. Observamos, contudo, que mesmo os críticos mais ferrenhos do princípio da supremacia do interesse público , como é o caso do Procurador da República Daniel Sarmento, insurgem-se contra a idéia de que o poder público poderia prestar-se ao atendimento de interesses privados de seus agentes, defendendo a existência de um princípio d e tutela do int eresse público: “Diante deste quadro, parece-nos inadequado falar em supremacia do interesse público sobre o particular, mesmo em casos em que o último não se qualifique como direito fundamental. É preferível, sob todos os aspectos, cogitar de um princípio de tutela do interesse público, para explicar o fato de que a Administração não deve perseguir os interesses privados dos governantes, mas sim os pertencentes à sociedade, nos termos em que definidos pela ordem jurídica (princípio da juricidade).”13 (grifo nosso)
No objeto de nosso estudo – hipóteses em que o Vereador deve abster-se de votar por ter interesse privado na deliberação da Câmara – devemos considerar a existência de possível interesse público contraposto ao interesse privado do Edil, mas sem cometer abusos que venham a tolher seus direitos fundamentais – em particular, o direito político positivo que lhe é conferido com a assunção do mandato. 9
cf. SARMENTO, Daniel (org.) Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 10 apud. BINENBOJM, Gustavo. “Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direito administrativo”. In: Revista de Direito Administrativo, n. 239. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 14 11 Ibid. 12 Ibid, p. 29 13 SARMENTO, op. cit . p. 114
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Tais observações não são meras digressões filosóficas sem efeitos concretos: é fundamental que se as observe sempre, de modo a não tolher injustamente a prerrogativa mais nobre do Vereador, decorrente de direito político constitucional – a de deliberar no parlamento – que lhe foi conferida pelo escrutínio popular. Caso mal caracterizado o interesse pessoal apto a obstar a sua participação na atividade legislativa, haveria ensejo à intervenção do Poder Judiciário, caso provocado pelo parlamentar cuja deliberação não tenha sido permitida com fundamento inconstitucional. Para que configure verdadeiro interesse particular que obrigue o Vereador à abstenção, deve consistir em manifesto privilégio particular – e somente nesta hipótese ocorrerá impedimento. O interesse pessoal que impeça a participação do parlamentar na deliberação deve ter caráter subjetivo, ou seja, relativo diretamente a sua pessoa e, não, a de classe, gênero ou categoria de cidadãos de que faça parte. Conforme a lição de José Afonso da Silva, a vontade dos parlamentares representa, legitimamente, interesses indiretos/mediatos na regulamentação de matérias pelo Poder Legislativo. Já nos anos 50, o advogado mineiro C. Martins da Silva assim se posicionou, ao comentar dispositivo da Lei Orgânica dos Municípios daquele Estado (Art. 71, V da Lei nº. 28/1947) que previa a obrigatoriedade de abstenção do parlamentar em caso de interesse particular: “O emprego do adjetivo particular , para determinar o interesse, na cláusula do inciso, restringe evidentemente o impedimento aos casos de conveniência própria, direta, ostensiva ou manifesta. Se a Câmara não der pelo impedimento, cabe ao Vereador interessado declina-lo, declarando-se suspeito e, portanto, impedido.” 14 Mesmo que se persista a sustentar a tese de que Vereador não possa votar quando possa se beneficiar do resultado da deliberação, não se pode olvidar, como já esclarecido, que pode, também, ter interesse privado na sua não-aprovação, porque dela lhe adviriam prejuízos. Um parlamentar sujeito a tais “preceitos éticos” ver-se-ia, sempre, em situação kafkiana: deveria abster-se de votar quando a aprovação lhe acarretasse benefícios, e também quando lhe importasse prejuízos. Constata-se, portanto, verdadeiro paradoxo em tomar ao pé da letra a regra da obrigatoriedade de abstenção em caso de interesse pessoal do Vereador, a acarretar um dever de abstenção quase que em todas as ocasiões.
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SILVA, C. Martins. Direito Público Municipal e Administração dos Municípios. Belo Horizonte: Edições Mantiqueira, 1952, p. 306
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III – DEVER DE PARTICIPAÇÃO E ABSTENÇÃO DE VOTO. Em muitas ocasiões, o Regimento Interno não determina expressamente se é possível ou proibido que o Vereador se abstenha de votar. No entanto, a participação dos Edis nas deliberações que competem ao Poder Legislativo tem, como bem ensina Hely Lopes Meirelles, “caráter dúplice de direito-dever . É direito individual resultante de sua investidura no mandato; é dever público para com a coletividade que o elegeu como representante e que, por isso mesmo, o quer atuante em defesa dos interesses coletivos” 15 . Logo, mesmo na omissão do Regimento Interno, é inviável a abstenção sem justo motivo. Neste sentido, entende o Juiz de Direito mineiro Jair Eduardo Santana: “Na votação, o Vereador presente não poderá se escusar da prática do respectivo ato, devendo se abster, porém, quando tiver interesse pessoal na deliberação, sob pena de nulidade desta, caso o seu voto seja decisivo.”16
No entanto, alguns Regimentos Internos de casas parlamentares permitem a abstenção facultativamente. Como exemplo, podemos citar o Regimento da própria Câmara dos Deputados, que em seu art. 180, § 2º dispõe: “Art. 180. A votação completa o turno regimental da discussão. (...) § 2º O Deputado poderá escusar-se de tomar parte na votação, registrando simplesmente "abstenção".
Em sentido oposto, aponta – em nosso entender, acertadamente –, o Regimento do Senado Federal, que em seu art. 306 estabelece: “Art. 306. Nenhum Senador presente à sessão poderá escusar-se de votar , salvo quando se tratar de assunto em que tenha interesse pessoal, devendo declarar o impedimento antes da votação e sendo a sua presença computada para efeito de quorum.”
Na esteira da lição de Hely Lopes Meirelles, entendemos que o “direito a se abster” não se coaduna com a responsabilidade que o exercício do mandato confere aos parlamentares. Nas deliberações acerca de matéria de competência da Câmara existem apenas duas opções: a aprovação e a reprovação. A abstenção coloca-se entre essas duas possibilidades e admiti-la induz à conclusão equivocada de que participação efetiva pode concretizar-se em nada. Quando a população elege seus representantes, deseja que tomem partido nas discussões e posição quanto aos assuntos sobre os quais lhe 15
MEIRELLES, Op. Cit., p. 619 SANTANA, Jair Eduardo. Roteiro prático do Vereador. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 89
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incumbem decidir; não espera que fiquem em cima do muro, ou que lavem as mãos quando demandados a se posicionar. Muito menos admite que interesses escusos que obriguem o parlamentar a não se pronunciar acerca de determinadas matérias sobrepujem o seu poder-dever de decidir acerca dos caminhos que o Município deve seguir. Neste sentido, a possibilidade de abstenção favorece, por óbvio, o fisiologismo, as mumunhas políticas e a tecnocracia, vez que dá azo a pactos e acordos multifários que impeçam o Vereador de exercer o seu mandato por inteiro, a ponto de, por exemplo, absterse para a ninguém desagradar. Não somos ingênuos a ponto de desconhecer o fato de que diálogos, pactos e acordos são inerentes à própria atividade política. O que não pode ser admitido é que eles atrapalhem e embaracem a atividade legislativa. Um exemplo de conseqüência desastrosa de interpretação diversa seria a possibilidade de lideranças partidárias orientarem as respectivas bancadas a se absterem, com o único propósito de obstruir e ilidir o bom andamento dos trabalhos do Poder Legislativo. Sem dúvida, a Mesa deve dispor de poder coercitivo para impedir atitudes antidemocráticas e anti-republicanas como tais, que importam indubitáveis prejuízos para toda a população. Afinal, o povo depende do regular funcionamento das instituições estatais, que não podem restar sujeitas ao arbítrio dos agentes políticos e ao império de interesses políticos menores. Nesse sentido, o Regimento deve dar à Mesa condições de obrigar os parlamentares a tomar partido nas deliberações, instruindo-os a se manifestar a favor ou contrariamente nas deliberações sujeitas a análise do plenário. Nesta esteira, o IBAM já se posicionou contrariamente à ampliação de hipóteses, por meio de emenda ao Regimento, em que haja possibilidade de abstenção por parte parlamentar: “No caso em análise, pretende-se ampliar as normas regimentais que permitem a abstenção do voto parlamentar. Ocorre que, apesar dessa matéria ser afeta ao Regimento Interno, entendemos que as possibilidades do Vereador abster-se de votar as matérias levadas a Plenário devem ser restritas. Lembre-se que a regra é a discussão e votação dos projetos pelos parlamentares, a abstenção do voto tem caráter excepcional; de modo que, sustentamos que a norma regimental que prevê abstenção do voto, apenas, no caso do Vereador possuir interesse pessoal na votação do projeto, não deve ser alterada a fim de que novas situações permissivas sejam previstas. As demais normas procedimentais a respeito do requerimento de abstenção, do seu cômputo para fins de quorum, etc são aquelas previstas no Regimento Interno, que não devem ter caráter ampliativo, mas excepcional, ao contrário devem, sempre, observar o princípio representativo do qual deflui a obrigação do Vereador de votar .“ 17
Entendemos, portanto, que os Regimentos Internos das Câmaras Municipais não podem admitir a abstenção como sendo uma livre faculdade ou 17
IBAM: P/1165/05
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opção do Vereador. O Edil somente poderá escusar-se de votar quando houver interesse pessoal ou relevante razão de ordem moral que impeça sua participação na deliberação. Caberá ao próprio parlamentar, em primeiro lugar, a análise da necessidade de se abster, a qual deverá ser justificada, sem prejuízo do juízo de razoabilidade e proporcionalidade a ser feito, obrigatoriamente, pela Mesa da Câmara, a respeito das razões apresentadas pelo Vereador. Havendo dúvida ou discussão a respeito da amplitude da obrigatoriedade de abstenção, deverá o Presidente da Câmara suscitar precedente regimental para análise do plenário, uma vez que cabe ao plenário a última palavra sobre a interpretação do Regimento Interno.
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IV - DIFERENÇA ENTRE ABSTENÇÃO E VOTO NULO. É importante diferenciar a abstenção do voto nulo. A abstenção é a renúncia ao exercício do direito de votar. Quando o Vereador se abstém de votar, abre mão de uma prerrogativa inerente ao seu mandato. Já quanto ao Vereador que profere um voto nulo, não se pode dizer que se absteve, uma vez que não deixa de participar do processo deliberativo. O voto é nulo, em verdade, quando há nele vício formal ou material insanável que lhe retire a validade. Cumpre ressalvar, porém, que o fato de ser vedada a abstenção na maioria das hipóteses não é bastante para se chegar à conclusão de que um Vereador não possa deixar de manifestar sua opinião nas deliberações. Afinal, o Regimento poderia, em tese, estabelecer a faculdade para os parlamentares de anularem o voto quando do procedimento de votação – neste caso, haveria participação do Edil no processo deliberativo, mas seu voto não poderia ser computado para efeitos de aprovação ou reprovação da deliberação, por ter vício que lhe retire a validade. Contudo, por conta da forma como habitualmente são organizados os procedimentos deliberativos – conseqüência lógica do caráter público de que é revestida a atividade do Poder Legislativo – o Vereador não tem a opção de anular o voto. Como é cediço, os procedimentos de votação podem ser símbólicos, nominais ou secretos 18 . Conforme observaremos no próximo item, somente no procedimento secreto é, habitualmente, possível anulação do voto.
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MEIRELLES. Op. cit. p. 664
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V – PROCEDIMENTOS DE VOTAÇÃO E A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE DO PARLAMENTAR. A) PROCEDIMENTO SECRETO. Em razão da publicidade e da transparência características das instituições republicanas, os procedimentos secretos de votação na Câmara dos Vereadores são exceções e somente podem ocorrer quando o sigilo tenha fundamento de relevância que justifique a não observância da publicidade que é inerente à atividade estatal. Vejamos a lição de Mayr Godoy: “A publicidade do debate e da votação leva a considerações maiores. Já se entendeu que certas matérias deveriam ficar no segredo das paredes parlamentares como meio de garantir a segurança do legislador. Muito se viu contra e a favor a essa prática; todavia, na ação legislativa, são raríssimas as matérias que podem admitir a discussão e a aprovação cobertas pelo sigilo. Afora as homenagens dependentes de ato legislativo que aqui e ali o parlamento presta, não se pode pinçar outro tipo de propositura que pudesse tramitar em segredo sem que a comunidade tivesse a oportunidade de manifestar seu agrado ou desagrado, antecipando a eficácia normativa. Nos casos de homenagens, a publicidade do debate e da votação, se contrários, traria dissabores ao homenageado, evidente, não queridos no instante da iniciativa – daí a justificação do sigilo.” 19
As votações secretas, em geral, dão-se por meio de cédulas não identificadas em envelopes indevassáveis. Por uma questão meramente lógica, é possível que o Vereador não manifeste sua vontade nessas ocasiões, uma vez que, caso deixe a cédula em branco, ou não deixe nela clara a sua orientação, este não poderá ser computado para fins de aprovação ou desaprovação da deliberação. Nestas hipóteses, como a cédula não fornece nenhum instrumento para a identificação do parlamentar, não será possível saber quem foi o responsável pela nulidade. Pode-se observar claramente o que foi aqui explanado no Modelo de Regimento Interno do IBAM: “Art. 316. Para a votação secreta com uso de cédula, far-se-á a chamada dos Vereadores por ordem alfabética, sendo admitidos a votar os que comparecerem antes de encerrada a votação. (...) § 3º. Nas votações secretas com uso de cédula não será admitida, em hipótese alguma, a retificação de voto, considerando-se nulo o vot o que não atender a qualquer das exigências regimentais. ”
B) PROCEDIMENTOS SIMBÓLICO E NOMINAL.
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GODOY, Mayr. Técnica Constituinte e Técnica Legislativa. São Paulo: Leud, 1987, p. 79
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Já nas votações simbólicas e nominais, o Edil é, via de regra, compelido a manifestar expressamente sua orientação. Vejamos, mais uma vez, a lição de Mayr Godoy: “Chama-se votação simbólica a que se opera mediante a simples contagem dos que se levantaram no instante que a matéria foi posta a votos – a regra é a de que os favoráveis permanecem sentados, e, se os parlamentar es em pé não superam a metade dos presentes, dá-se a aprovação.”20
A votação simbólica é um procedimento muito simples, em que não há verificação individual dos votos. Os Vereadores, por meio de gestos físicos (ou se levantando, ou erguendo um braço), manifestam a sua vontade expressamente em plenário, no que são observados pelo Presidente ou por outra pessoa qualquer a que o Regimento atribua esta função – a de contabilizar se houve quórum para aprovação. Observa-se que, em qualquer das hipóteses, o Vereador não tem alternativa: ou permanece sentado, ou se levanta; ou mantém o braço abaixado, ou o ergue. Logo, de qualquer modo, não tem a opção de anular o voto de forma alguma. O mesmo ocorre nas votações nominais21 . Senão vejamos: “A votação nominal se faz pela chamada dos parlamentares para que se pronunciem a favor ou contra a matéria. A secretaria anota os votos e a presidência proclama o resultado.”
Consoante a forma como é conduzida a votação nominal, observa-se que não há como o Vereador manifestar-se de outro modo que não “a favor” ou “contra”. Vejamos o que dispõe o Modelo de Regimento Interno do IBAM: “Art. 312. Nos casos previstos neste Regimento Interno, ao submeter qualquer matéria a votação nominal, o Presidente convidará os Vereadores a responderem sim ou não, conforme sejam favoráveis ou contrários, a medida que forem sendo chamados.”
Quando o Vereador encontrar-se impedido em razão da existência de interesse privado di reto e subjetivo , não poderá votar. Nesta hipótese, não há uma faculdade de abstenção, mas verdadeiro dever de se abster , sob pena de nulidade do voto proferido. Nos casos das deliberações simbólicas ou nominais organizadas de acordo com o procedimento aqui exposto, deverá manifestar-se pela ordem, na forma do Regimento Interno, para que sua vontade não seja computada para fins de aprovação ou reprovação da proposição.
20
Ibid. p. 75 Existem, também, Câmaras em que há equipamento eletrônico para registro dos votos. Nestes casos, o equipamento deve identificar o autor do voto, e, para todos os efeitos, trata-se, por conta disso, de votação nominal. 21
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C) PROCEDIMENTO ELETRÔNICO. Cumpre, no entanto, fazer derradeira observação. Em face do desenvolvimento das novas tecnologias, existem diversas Casas Legislativas que aderiram ao sistema eletrônico de cômputo de votos. Não podemos enquadrá-lo com exatidão em nenhum dos procedimentos aqui aduzidos, mas certo é que este recurso alia as vantagens das votações simbólicas e nominais – notadamente a celeridade das primeiras com a possibilidade de identificação exata dos votantes das segundas. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, a qual integram 513 parlamentares, sem dúvida sua adoção é um grande avanço. Por outro lado, em virtude do art. 180, § 2º do Regimento Interno daquela Casa, para que o Deputado se abstenha, basta premir o botão, sem qualquer necessidade de justificativa ou motivação, o que, conforme já afirmamos, entendemos ser ilegal. Outro problema, já ocorrido no Senado Federal em episódio deplorável da política brasileira, é a vulnerabilidade do painel eletrônico a fraudes, especialmente em votações secretas, nas quais o parlamentar não tem como saber como votaram seus pares. Caso a Câmara Municipal deseje instituir o procedimento eletrônico de votação, o que é medida muito louvável, deverá diligenciar para evitar qualquer possibilidade de fraude. Além disso, não poderá permitir que a abstenção seja uma livre opção do Edil, tal como ocorre na Câmara dos Deputados. Deverá, portanto, adotar sistema que somente admita posicionamento “ contra” e “a favor ”, sendo a abstenção somente admitida pela Mesa nos casos em que seja legítima, ou seja, em que haja interesse pessoal do Edil abstêmio ou relevante razão de ordem moral que o impeça de participar de determinada matéria sujeita a deliberação.
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VI – ABSTENÇÃO E QUORUM. É importante esclarecer as repercussões da abstenção no que se refere ao quorum para realização da sessão com poder deliberativo. Quorum é a quantidade mínima de parlamentares na Câmara para a realização de atividades e deliberações da competência do Poder Legislativo. Existem exigências de quorum diferentes para cada situação, as quais são estabelecidas na Constituição, na Lei Orgânica ou no Regimento Interno. Daí, podemos diferenciar o quorum de instalação ou abertura do quorum de deliberação, bem como do quorum de aprovação É essencial, para o deslinde da matéria, deixar bem clara a diferença entre quorum de deliberação e quorum de aprovação. O quorum de deliberação é o número de parlamentares necessários para que se possa iniciar deliberação/votação de determinada matéria. Já o quorum de aprovação é o número de votos necessários para aprovação do objeto da deliberação. O quorum de instalação/abertura, por sua vez, é o número de parlamentares necessários para o início dos trabalhos do Poder Legislativo, incluindo as discussões sem caráter deliberativo. É, em geral, estabelecido nos Regimentos Internos como sendo de um terço (1/3). Em razão do princípio democrático (art. 1º, CRFB), via de regra as deliberações do Poder Legislativo são tomadas por maioria. Portanto, para fins de cálculo do quorum necessário tomada de decisões do plenário e órgãos colegiados da Câmara Municipal, fundamental que se entenda as diferentes acepções do conceito de maioria, notadamente as de maioria absoluta, relativa ou simples e qualificada: - maioria absoluta – compreende mais da metade do número total de membros da Câmara, considerando-se os presentes e ausentes. Para o seu cálculo, deve-se observar o número total de Vereadores, incluindo o Presidente da Mesa, e dividi-lo por 2 (dois). A maioria absoluta representa o primeiro número inteiro superior à metade. Logo, em uma Câmara composta de 11 parlamentares, incluindo o Presidente, a maioria absoluta é de 6 (seis), já que 11 / 2 = 5,5, e 6 (seis) é o primeiro número inteiro superior a 5,5 (cinco inteiros e cinco décimos). Como exemplo da aplicação do cálculo da maioria absoluta, podemos citar o quorum de deliberação obrigatório do Poder Legislativo (art. 47, CRFB), ou seja, é a regra geral acerca do número mínimo de Vereadores que devem estar presentes para que se possa decidir acerca de uma matéria, no exemplo retromencionado seria de 6 Vereadores, correspondente, no caso, à maioria absoluta dos membros do Legislativo. Também é este o quorum de aprovação para a cassação de mandato de parlamentar, ou seja, o número de votos necessários para tal procedimento (art. 55, § 2º da CRFB). - maioria relativa ou simples – a maioria simples calcula-se a partir do número de Vereadores presentes à sessão. A forma de cálculo é parecida com a maioria absoluta, mas desconsideram-se os Vereadores ausentes . Logo, em Laboratório de Admini stração Municipal – LAM
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uma Câmara composta por 11 (onze) Vereadores, numa sessão em que estejam presentes 8 (oito) parlamentares, toma-se o número 8 e divide-se por 2. A maioria relativa, neste caso, consiste em 5, já que 8 / 2 = 4, e 5 (cinco) é o primeiro número inteiro superior a 4 (quatro). A maioria relativa é a regra geral para o quorum de aprovação nas deliberações da Câmara, ou seja, o número de votos necessários para que se aprove deliberação sujeita a análise da Câmara. - maioria qualificada – é aquela que compreende proporção superior à maioria absoluta estabelecida em relação ao total de membros da Câmara, sendo a mais comum a de 2/3 (dois terços). Quando da aplicação da proporção necessária para aprovação obtém-se número inteiro, este é suficiente para a aprovação, uma vez que se exigem dois terços, apenas, e, não, mais de dois terços. Logo, em Câmara composta por 12 (doze) parlamentares, a maioria qualificada de dois terços é de 8 (oito) Vereadores. No entanto, caso da aplicação do cálculo da proporção resulte número não inteiro, deve-se buscar o primeiro número inteiro superior à proporção exigida, a exemplo do que ocorre na maioria absoluta e qualificada. Logo, em Câmara composta por 19 (dezenove) Edis, obtém-se o número 12,666..., e tem-se com maioria qualificada de dois terços o número 13 (treze). Não se pode considerar alcançado o quorum caso se obtenha apenas 12 (doze) votos, já que é inferior à aplicação da fração de 2/3 (dois terços) do total de parlamentares da Casa, que, no exemplo dado, é de 12,666.... Como exemplo de aplicação do quorum de aprovação de maioria qualificada, temos as deliberações acerca de modificações na Lei Orgânica do Município (art. 29, CRFB), que devem ser tomadas, sempre, 2/3 (dois terços) do total de membros da Câmara de Vereadores. A presença do Vereador que se abstém entra na contagem do total dos presentes, mas o fato é que, embora presente, não votou, pois se abster significa não votar. Ou seja, a abstenção não acarreta deixe de ser considerada a presença do Vereador para fins de abertura da sessão ( quorum de instalação/abertura) ou para deliberação (quorum de deliberação), mas faz com que não seja computado voto para fins de aprovação da matéria ( quorum de aprovação). Mayr Godoy, com argúcia, observa a possibilidade de haver problemas relacionados à existência de abstenções, principalmente em Câmaras de Municípios pequenos, nas quais o voto do parlamentar tem um peso muito grande: “Outra circunstância contradiça na vida parlamentar que perturba o cálculo do ‘quorum’, notadamente nas Câmaras menores, é a decorrente da declaração de impedimento por alguns vereadores na votação de matéria que exija ‘maioria absoluta’ ou ‘maioria qualificada’. O cálculo do ‘quorum’ decorre do número de componentes e não dos que votam; assim, declarando-se impedido de votar por ser parte interessada na matéria, o vereador pode acarretar o que pretendia. Embora tecnicamente seu impedimento seja imposição legal, ou, no caso contrário, quando dá causa, pela sua abstenção forçada, por esse expediente consegue a rejeição do que
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pretendia por razão que o ‘quorum’ não se reduz com esse voto não computado.”22 (grifo nosso)
Observa-se, portanto, que quando o Vereador tem interesse em que a matéria não seja aprovada, a obrigatoriedade de abstenção não se prestaria a tutelar a isenção e a independência necessária na atividade legiferante, caso permanecesse idêntico o cálculo do quorum de aprovação. Ao contrário: a abstenção acabaria tendo idênticos efeitos do voto em sentido contrário ao projeto submetido à deliberação. A situação pode tornar-se crítica quando vários Vereadores de uma mesma Casa tiverem interesse particular dessa natureza: se forem a maior parte dos parlamentares presentes na sessão, a abstenção acarretará inarredavelmente a reprovação da matéria. Como proceder nestas hipóteses? Existe entendimento tradicional que sustenta que, como a abstenção não significa voto a favor, nem contra, o Vereador abstêmio deveria ser totalmente desconsiderado para fins de quorum de aprovação. Portanto, seria somente contabilizado para fins de quorum de deliberação, ou seja, quando da aferição do número de parlamentares necessários para o início da votação. Nesse sentido, é a posição de Mayr Godoy: “A abstenção não é contada como voto, apenas para integrar o “quorum”, daí porque um só voto a favor , nenhum contra e várias abstenções podem decidir pela aprovação ou rejeição de determinada matéria.”23
Ao comentar a afirmativa de Mayr Godoy, José Nilo de Castro foi lacônico: “É simplesmente cruel decidir, desse modo, por toda a comunidade. Mas teoricamente não está incorreto.” 24
Nessa mesma linha, José Cretella Jr. assim se posiciona: “Presentes os congressistas, a deliberação poderá ser aprovada, no caso limite, até por um voto a favor contra zero, na hipótese em que todos os outros 33 se abstenham de votar.” 25
Isto significa, portanto, que, instalada a sessão e presente o quorum de deliberação, os Vereadores que se abstiverem seriam totalmente desconsiderados do cálculo do quorum de aprovação. Dessa forma, sendo a aprovação de determinada matéria sujeita à aquiescência da maioria simples, esta seria calculada a partir do número de votantes, e, não, a partir da 22
GODOY, Mayr. A Câmara Municipal. Manual do Vereador. São Paulo: Leud, 1989, p. 71-72 Ibid.. p. 70 24 CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 173 25 CRETELLA JUNIOR., José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1992, vol. II, p. 2484 23
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quantidade de parlamentares presentes, independentemente de qual houver sido o quorum de instalação e deliberação. Tal solução é completamente razoável, já que dizer que a abstenção não altera o número de votos necessários para a aprovação da matéria importaria dizer que abster-se é medida idêntica a votar não, o que não é verdade. Não se confunda a abstenção decorrente da presença de interesse particular com aquela do Presidente da Câmara, que, via de regra, de modo a preservar a isenção e a independência no exercício da direção da Mesa, não vota nas deliberações da Casa. Registre-se que, caso seu voto seja apto a provocar o desempate, o Presidente pode exercer o seu direito próprio de parlamentar – a participação nas deliberações do Poder Legislativo. Portanto, não vota quando sua abstenção não for apta a alterar o resultado da deliberação, mas o faz quando necessário. De outra feita, a abstenção decorrente da existência de interesse particular é um imperativo constitucional, um dever do qual não pode o Vereador se privar, de modo que, conquanto a manifestação de sua vontade possa alterar o resultado da deliberação, subsistirá o seu impedimento legal de votar. Portanto, conquanto o Presidente da Câmara deixe de votar, sua presença é computada para efeitos de cálculo do quorum de aprovação. Como exemplo de aplicação do entendimento de Mayr Godoy, José Cretella Jr. e José Nilo de Castro, uma Câmara formada por 17 (dezessete) parlamentares, em que estejam 15 (quinze) presentes para deliberar sobre projeto de lei ordinária, sujeito à quorum de aprovação de maioria simples: caso dois Vereadores devam se abster, somente 13 (treze) poderão votar – dentre os quais se inclui o Presidente, em caso de empate. Portanto, o quorum de aprovação, ao invés de ser calculado a partir dos 15 (quinze) presentes, será calculado a partir dos 13 potenciais votantes, de modo a não haver identidade entre a abstenção e o voto pela não aprovação da matéria. Portanto, para a aprovação, serão necessários 7 (sete) votos, uma vez que este é o primeiro número inteiro superior à metade de 13 (treze). É óbvio que a solução por eles proposta somente pode ser aplicada quando seja a aprovação sujeit a a maioria simples. Isto porque nos casos em que a Constituição exige maioria absoluta e maioria qualificada, as quais se calculam a partir do total de componentes da Câmara, inclusive os ausentes, é impossível sustentar que a abstenção diminuiria o quorum de aprovação. Afinal, o quorum de aprovação, nesses casos, é fixo e estabelecido diretamente na Constituição, ao contrário do que ocorre quando se exige maioria simples, que é casuística e depende do número de presentes na sessão. É o caso, por exemplo, da derrubada de veto aposto pelo Prefeito (art. 66, § 4º da CRFB), para a qual se exige maioria absoluta de votos, assim como o quorum necessário para cassação do mandato de parlamentar por conta de infração de natureza político-administrativa (art. 55, § 2º c/c art. 29, caput CRFB). Na mesma Câmara utilizada no exemplo, formada por um total de 17 (dezessete)
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Vereadores, seria impossível sustentar que a maioria absoluta exigida na Constituição pudesse ser diminuída na medida em que houvesse abstenções por parte de alguns dos parlamentares. Como proceder quando houver necessidade de muitos parlamentares se absterem nas hipóteses em que a Constituição exija maioria qualificada ou absoluta, sem que isso acarrete inarredável reprovação da matéria? Ou ainda: há como se evitar que haja situações-limite como as que os ilustres juristas se referiram, em que somente um parlamentar decide por todos os outros que venham a se abster? A indagação encontra resposta na figura do suplente. Conforme define Jair Eduardo Santana, “suplente é o substituto legal do Vereador empossado, possuindo apenas uma expectativ a de vir a sucedê-lo no curso da legislatura, em decorrência de hipóteses legais ” 26 . Podemos inferir, portanto, que na hipótese de a abstenção de Edis com interesse pessoal na deliberação prejudicar o regular funcionamento da Câmara, deverá a Mesa fazer a convocação dos respectivos suplentes, para que estes votem no lugar dos titulares do cargo eletivo. Seria o caso, por exemplo, de mais da metade dos parlamentares, em determinada Câmara, se absterem de votar determinada matéria. De qualquer forma, é imprescindível que o procedimento a ser seguido pela Mesa nos casos de abstenção seja regulado pelo Regimento Interno e que, em caso de omissão, seja suscitado precedente regimental, para assegurar o cumprimento do princípio da Legalidade (art. 5º, II e art. 37, caput, CRFB).
26
SANTANA, Jair Eduardo. Tratado Teórico e Prático do Vereador. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 48
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VII – EXEMPLOS PRÁTICOS. É impossível elencar todas as hipóteses e matérias em que possa ocorrer, mas a presunção geral que deve prevalecer é a de que o parlamentar tem o direito de participar de todas as deliberações. Havendo dúvida acerca da existência de interesse particular impeditivo, deve prevalecer a presunção geral. O impedimento em razão de interesse particular somente será oponível ao Vereador quando for subjetivo, pessoal, particular, manifesto, evidente, inegável, patente, incontestável e notório . Além disso, deve ser interesse privado passível de ser auferido por meio de critérios objetivos, de modo a não sujeitar o Vereador ao arbítrio e a idiossincrasias da Mesa Diretora. Caso constatada a presença de interesse privado na deliberação, há verdadeiro dever de abstenção, de modo que, não se abstendo o parlamentar de votar voluntariamente, poderá ser impedido pela Mesa. Ressalte-se que o impedimento é aplicável não somente para os casos em que se delibere acerca de projeto de lei, mas também em projetos de resolução e de decreto-legislativo em que esteja presente o interesse particular do Edil. Cumpre ressalvar, contudo, que o fato de ser particular, subjetivo e pessoal não impede que mais de um Vereador esteja impedido na mesma ocasião. Afinal, é um interesse pessoal, mas não necessariamente exclusivo : pode, por exemplo, tratar-se de interesse relativo a um bem em condomínio de dois ou mais Edis, a uma atividade econômica exercida por dois ou mais Edis, ou uma situação funcional de que dois ou mais Vereadores compartilhem em concreto. Buscaremos, neste capítulo do trabalho, elencar algumas situações que ensejam o impedimento do Vereador, com base em precedentes do Instituto. A) L EIS DE EFEITOS CONCRETOS. O exemplo mais ordinário de deliberação de competência da Câmara que importa dever de abstenção ao Vereador interessado consiste nos atos normativos de efeitos concretos. São de efeito concreto as leis que não são dotadas de generalidade e abstração. Ou seja, consistem nas leis que tenham destinatário certo e definido, e que não obriguem, indiscriminadamente, tantos quantos venham a se situar sob a sua incidência. Logo, é facilmente identificável o destinatário direto do comando contido na Lei. Caso o objeto de uma lei de efeitos concretos seja de interesse particular do Vereador, deverá abster-se de votar. As leis de efeitos concretos, embora devam observar, em sua formação, as normas de processo legislativo, são consideradas pela doutrina atos administrativos em sentido material 27 . No entanto, têm natureza jurídica de lei, uma vez que possuem imperatividade (obrigatoriedade) e normatividade (atribuem poder ou dever de fazer ou de não fazer). A diferença em relação às 27
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 711
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leis em sentido material é que aquelas possuem concretude e individualização. Podemos citar, como exemplos: - Leis que autorizem a alienação de bens imóveis. Se, por
exemplo, houver deliberação consistente na autorização de venda de bem público e existir interesse claro e evidente do Edil na concretização do referido contrato – por ser de sua propriedade ou de sua família, por exemplo – ele deverá se abster de votar. - Leis que autorizem a tomada de empréstimos . Pode, eventualmente, haver interesse particular de Edil na tomada de empréstimo de determinada instituição financeira pelo Município, hipótese em quê deverá abster-se, de modo a preservar a isenção e a independência no exercício de seu mandato. - Leis que autorizem a concessão de subvenções e auxílios financeiros. Consoante determina o art. 167, VIII c/c art. 26 da LC n.º 101/2000, a destinação de recursos, por meio de subvenções ou auxílios financeiros, para cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deve ser autorizada por meio de lei específica. Caso exista interesse particular do Edil na concessão de tal auxílio, consistente, por exemplo, no fato de ser ex-integrante de determinada associação civil que seja beneficiária de subvenção, deverá abster-se de votar na deliberação. - Leis que abram créditos orçamentários. Os créditos orçamentários
autorizam despesas públicas. Existem casos em que o Vereador pode ter interesse particular na realização de determinada despesa, como, por exemplo, na hipótese de subvenção conferida a associação civil de que faça parte. Nestes casos, deve abster-se de votar. Ressalte-se que, caso o crédito orçamentário conste no corpo de um projeto de lei orçamentária dentre outros em que não tenha interesse privado, deverá, na forma do Regimento Interno, pedir que seja aquele ponto votado em separado, para que possa participar da deliberação do resto da proposição. B) RAZÕES DE FORO ÍNTIMO. O interesse particular que enseja a abstenção pode consistir em relevante razão de ordem moral, dos que se definem como de consciência ou de foro íntimo. Como exemplos, podemos citar as hipóteses em que deliberação importe benefício de pessoa contra quem determinado Vereador nutra grande hostilidade, ou de pessoa com quem tenha relação de afeição íntima, bem como questões religiosas, filosóficas e assemelhadas, de envergadura apta a, legitimamente, justificar a abstenção. Tal possibilidade decorre diretamente do direito à inviolabilidade de consciência e de crença (art. 5º, VIII da Constituição), de que não deixa de gozar o Vereador mesmo no exercício do mandato, em decorrência de sua condição de cidadão. Mais uma vez, valemo-nos da lição cinqüentenária de C. Martins da Silva:
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“Se a Câmara não der pelo impedimento, cabe ao Vereador interessado decliná-lo, declarando-se suspeito e, portanto, impedido. Mas há situações em que, embora não ostensivo ou manifesto, pode ocorrer o impedimento, principalmente o impedimento de ordem moral, da ordem daqueles que se definem como de consciência ou de fôro íntimo. Indiquemse, por exemplo, a inimizade capital, a amizade íntima, além de outros que eventualmente surjam. Então, será o próprio Vereador o juiz de sua existência, sendo-lhe facultado, assim, a declaração de suspeição e o ato, conseqüente, de abster-se de votar.” 28
Tal hipótese, a qual configura 29 exceção à regra geral de participação ativa nas deliberações, somente poderá ocorrer excepcionalmente e deverá ser auferida no caso concreto. Não poderá ser declarado impedimento desta categoria ex officio pela Mesa, uma vez que, em relação a objeções de tal natureza, é o próprio Edil o juiz de sua existência. A justificativa do Vereador, no entanto, estará sujeita à análise da Mesa, a qual, embora não possa avaliar o mérito da declaração de impedimento, poderá analisar a proporcionalidade e a razoabilidade dos motivos que ensejam a abstenção, podendo ser negada caso haja flagrante tentativa de obstar o bom andamento dos trabalhos do Poder Legislativo. C) RESPONSABILIZAÇÃO VEREADORES.
POLITICO-ADMINISTRATIVA
DOS
Nos procedimentos politico-administrativos de cassação de mandato dos Vereadores, de competência da Câmara Municipal (art. 55, § 2º c/c art. 29, caput CRFB), por óbvio não poderá o Vereador acusado votar na deliberação acerca da cassação de seu próprio mandato, devendo abster-se de votar. Além disso, em razão do princípio do devido processo legal ( due process of law), inviável que Vereador que tenha feito a denúncia vote na referida deliberação, de modo a assegurar a ampla defesa do acusado. D) LEIS TRIBUTÁRIAS. As leis tributárias operam efeitos muito relevantes nas mais diversas esferas sociais. Além das óbvias repercussões nas atividades econômicas do Município, também afetam a vida do cidadão. Essencial, portanto, entender em que ocasião o interesse do Edil pode entrar em confronto com o interesse público, de modo a impedi-lo de deliberar na análise de projeto de lei referente ao tema. É comum que os Vereadores sejam verdadeiros líderes comunitários, representantes de associações de moradores, de bairros e de localidades 28
SILVA, C. Martins. Op. Cit , p. 306 Outro exemplo de escusa de consciência reconhecida pela Constituição é a dispensa do serviço militar obrigatório (art. 5º, VIII c/c art. 143, § 1º), 29
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específicas do Município. Ao deliberar acerca de projeto de lei que alterasse as normas relativas ao IPTU e que viessem a beneficiar esta localidade, estaria este Vereador impedido de participar? O Vereador, ao ser eleito, é representante de toda a população e deve buscar o bem comum; não pode ter seu nobre mister reduzido à advocacia em nome de seus eleitores – alguns diriam. Ora, o Vereador, justamente por ser representante de toda a população, não exerce o seu mandato com um “carimbo” – representante desta ou daquela associação de moradores, por exemplo – segundo o qual será obstada sua atuação quando a Edilidade entender que há conflito de interesses. Ademais, conforme já explicitado, tal interesse pode ser legítimo, verdadeiro, sincero, honesto e coincidente, portanto, com o interesse público, que não é sinônimo de interesse do Estado. Se uma lei tributária acaba por diminuir a arrecadação, é contrária ao interesse do Erário, sem dúvida – mas pode ser do interesse público, por ser mais justa e coerente com a realidade local. Obstar a participação do Vereador por conta do simples fato de que o bairro em que fica a sua base eleitoral será beneficiado com a alteração da legislação do IPTU é uma verdadeira excrescência, uma vez que se adentra no mérito de um ato político do processo legislativo – a votação -, o que é absolutamente inviável e anti-jurídico. Diferente, contudo, seria a hipótese de o Vereador ser proprietário de uma grande terreno, beneficiária único de alteração da legislação tributária. Nesta hipótese, há verdadeiro interesse manifesto, patente, inegável, notório, evidente e exclusivo do Vereador, o qual não pode utilizar-se de suas prerrogativas conferidas constitucionalmente para lhe dar azo. É claro que não se olvida a hipótese em que exista injustiça no ordenamento jurídico de que tenha sido vítima o Vereador. Neste caso, poderá usar de sua palavra para convencer seus pares, mas deverá se abster de votar, uma vez que está presente interesse particular.. Vereador que exerce atividade econômica. O mesmo raciocínio aplicase no caso de lei tributária que venha a afetar diretamente atividades econômicas. Ora, o simples fato de um Vereador já ter sido representante de entidade de classe que tenha interesse na alteração da legislação tributária, ou ser empresário atuante no ramo afetado pela mudança não basta para que haja obrigatoriedade de abstenção. Há interesse particular do parlamentar, no entanto, quando seja ele, em razão de circunstâncias peculiares daquela localidade, o único ou um dos únicos beneficiários imediatos de lei abstrata e genérica, de competência da Câmara. Voltemos, por exemplo, à hipótese do parlamentar-empresário: caso seja ele o único, ou um dos únicos empreendedores daquela atividade econômica na área de jurisdição do município, sem dúvida há, nesta lei genérica, um caráter concreto. Por outro lado, caso projeto de lei em votação diminua ou aumente a alíquota de ISS de determinado serviço e tenha sido o Vereador, antes de eleito, ligado ao sindicato patronal da categoria afetada pela alteração, ou seja, mesmo, empresário atuante naquele ramo da economia, não pode tal fato ser invocado para obrigá-lo a se abster. Afinal, a alíquota já encontra limitações máximas e
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mínimas em Lei Complementar, e é perfeitamente legítimo que, no parlamento, exista defesa de interesses de ramos específicos da economia, o que é até muito comum, uma vez que, por vezes, a importância deles para o bem comum do Município, ao gerar empregos e provocar a circulação de riquezas, pode justificar um ajuste das alíquotas dos tributos. E) LEIS AMBIENTAIS. O município, suplementando a legislação vigente (art. 30, I e II c/c art. 23, IX da CRFB), no exercício de sua autonomia (art. 18 da CRFB/88), pode editar leis em matéria de meio ambiente. Muitas vezes, as leis ambientais, a despeito de serem essenciais à preservação do patrimônio ecológico, vão de encontro a interesses econômicos, financeiros e pessoais de munícipes. Quando é o Vereador tem interesse particular afetado por proposição de matéria ambiental, também deve se abster de votar. No entanto, do mesmo modo que nos exemplos já expostos, o interesse deve ser subjetivo e pessoal, não podendo corresponder àquele da classe ou categoria de cidadãos a que pertence, de modo genérico. Caso se excluam da deliberação todos os Vereadores que tenham interesse genérico na aprovação de lei ambiental, acabar-se-ia por desconsiderar interesses também legítimos do município, como, por exemplo, o desenvolvimento econômico. Ademais, muitas vezes Vereadores que são representantes de setores econômicos de produção têm importantes contribuições a trazer para a feitura da legislação ambiental, por conta do conhecimento técnico e específico a respeito de sua área de interesse. É de se observar que na legislação ambiental, especificamente, é bastante comum que haja interesse pessoal do Vereador na não aprovação. Afinal, leis que protegem o meio ambiente resguardam interesses de toda a coletividade, tendendo a se valer, para tal, de limitações legitimamente impostas aos particulares: impedimento de construir, de exercer determinada atividade econômica em determinado local e sob determinados condicionamentos, de emitir determinado nível de ruído em determinada localidade, dentre outras. Assim, deve-se atentar para a possibilidade de existirem limitações a direitos de algum Vereador, existentes em projetos de lei em matéria ambiental, que possam vir a afetar a sua imparcialidade quando da deliberação. Nessas hipóteses, e não somente naquelas em que tenha interesse particular em vê-lo aprovado, também deve se abster de votar. Tal situação pode ocorrer não apenas com um dos parlamentares, mas com vários dos que componham a Câmara Municipal, notadamente quando compartilhem de um mesmo interesse privado comum. Situação que foi objeto de análise do IBAM foi a de um projeto de lei em matéria ambiental que afetava diretamente a indústria açucareira de um município. Dos 9 (nove) Vereadores que integravam a Câmara, 5 (cinco) prestavam serviços diretamente para usinas, sendo frontalmente afetados pela aprovação da proposição. Neste caso, era
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evidente que, caso não se abstivessem, acabaria m por satisfazer seu interesse pessoal: a de que o projeto não fosse aprovado 30 . A solução para a questão, como já sinalizado no capítulo V do trabalho, é a convocação, pela Presidência, dos respectivos suplentes para votar no lugar dos titulares, de modo a garantir a isenção necessária no procedimento de elaboração da Lei. F) LEIS URBANÍSTICAS. O mesmo raciocínio até agora utilizado para delimitar o interesse pessoal apto a obstar a participação do Vereador no procedimento legislativo de votação aplica-se quanto às normas urbanísticas de competência municipal. A este respeito, é pertinente a lição de Hely Lopes Meirelles: “As atribuições municipais no campo urbanístico desdobram-se em dois setores distintos: o da ordenação espacial, que se consubstancia no plano diretor e nas normas de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano e urbanizável, abrangendo o zoneamento, o loteamento e a composição estética e paisagística da cidade; e o de controle da construção, incidindo sobre o traçado urbano, os equipamentos sociais, até a edificação particular nos seus requisitos estruturais funcionais e estéticos, expressos no código de obras e normas complementares.” 31
É evidente que, no exercício de tal competência, é possível que o Município venha a editar normas contrastantes com o interesse pessoal de alguns munícipes. Entretanto, assim como em nosso exemplo a respeito das leis tributárias, não pode ser considerado ilegítimo o seu interesse de cidadão que é morador de determinado bairro, e mesmo de ex-líder comunitário que deseja um ordenamento do espaço público mais adequado à realidade do local de suas origens. Defender que Vereador em tal situação deva se abster é até contraproducente, uma vez que ele, mais que seus pares, é íntimo e conhece com maior detalhe a realidade daquele local, as necessidades e as aspirações daquela população. Diferente seria, contudo, a situação de Vereador proprietário de grande empreiteira que almeja lançar edifício de muitos pavimentos em local em que somente se pode construir casas: nesta hipótese, teria interesse particular na aprovação de lei que alterasse a legislação urbanística de modo a permitir esta construção. Ou então, hipótese muito comum, a de Vereador que seja proprietário de empresa fabricante de determinado equipamento de segurança predial, que passaria a ser exigido nas construções como requisito para concessão de “habite-se”. Nesse caso, em face do aumento exponencial da demanda pelo produto, o que caracteriza seu interesse de empresário atuante neste ramo da economia, deveria abster-se de votar.
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IBAM: P/1485/07 MEIRELLES. Direito Municipal..., p. 537
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G) REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES. É comum que Vereadores sejam, também, servidores municipais. Havendo compatibilidade de horários, podem até permanecer no exercício do cargo (art. 38, III da CRFB). Não havendo, podem se licenciar para exercer mandato eletivo, optando pela remuneração que lhes aprouver. Situação que já foi objeto de análise deste Instituto foi a necessidade de abstenção de Vereador que fosse, também, servidor público do município, em caso de votação de projeto de lei que visasse a alteração do Regime Jurídico dos Servidores Públicos. Pertinente colacionar o entendimento exarado no parecer 1243/01: “É preciso que se entenda, porém, que a abstenção em virtude do interesse da matéria, diz respeito às questões pessoais, individuais. Dispõe, a respeito, a Resolução nº 17/89 da Câmara Federal: “Art.180. Omissis. § 6º - Tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o Deputado dar-se por impedido e fazer a comunicação nesse sentido à Mesa, sendo o seu voto considerado em branco, para efeito de quorum”. No caso da consulta, o projeto de lei beneficia a totalidade dos servidores, de modo a não exigir a abstenção de voto do Vereador, já que o projeto não é de interesse individual, mas de interesse coletivo. Anota, porém, J. Antunes de Carvalho que “a ética comum, que preside as relações sociais e familiares das pessoas, há de merecer-lhe (ao Vereador) a mais religiosa fidelidade... o representante do povo há de refletir, nas suas palavras, nos seus atos, no seu modo de viver enfim, o condicionamento desse mesmo povo ao influxo de umas tantas regras morais assentadas na consciência coletiva, e por isso havidas como impostergáveis” ( In Direitos e Deveres do Vereador , apud Diogo Lordello de Mello, O Papel do Vereador e a Câmara Municipal, Rio de Janeiro: IBAM, 1981, p.120). O comportamento ético que se espera do Vereador impede-o de votar nas matérias nas quais tenha interesse, mas na hipótese presente o interesse é coletivo, geral, não individual. Entretanto, como o voto do Vereador há de refletir os valores do conjunto da sociedade, é de se admitir que haja, no caso, abstenção. Como, porém, só de modo indireto o presente projeto de lei pode atender a um interesse particular, o exercício do voto não configura, em sua inteireza, atentado à ética. Cabe argumentar, ainda, que não havendo vedação expressa inserta na LOM ou no Regimento Interno da Câmara, não se pode impedir o voto do Vereador.” 32
Caso diferente seria, no entanto, alteração estatutária que, embora representasse alteração no regime jurídico como um todo, acarretasse efeitos exclusivos e, portanto, individuais para o Vereador. Suponhamos que a alteração proposta visasse modificar os critérios e parâmetros para aquisição do direito a 32
IBAM: 1243/01
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uma vantagem remuneratória que viesse a, imediatamente, fazer com que somente aquele Vereador passasse a dela fazer jus. Nesta hipótese, haveria verdadeiro interesse privado que obstaria o seu direito de deliberar acerca da matéria. H) LEIS QUE FIXAM A REMUNERAÇÃO DOS VEREADORES. Compete à Câmara fixar, por meio de lei, os subsídios dos Vereadores, de uma legislatura para a outra (art. 29, VI, CRFB). Embora exista, sempre, interesse particular por parte dos Edis em tal deliberação, em razão da faculdade de reeleição que lhes é garantida, a Constituição exige que a lei seja editada na legislatura anterior, de modo a garantir a isenção e imparcialidade quando de tal deliberação. I) LEIS QUE FIXAM A REMUNERAÇÃO DO PREFEITO, VICE-PREFEITO E SECRETÁRIOS MUNICIPAIS. Conforme determina o art. 29, V da CRFB, compete ao Poder Legislativo fixar os subsídios dos referidos agentes políticos, integrantes da estrutura do Poder Executivo. Hipótese que já foi objeto de análise deste Instituto, e que ocorre amiúde nos Municípios brasileiros, é aquela na qual existem Vereadores que são parentes próximos de tais agentes. Na ocasião, tratava-se de lei sobre a qual deliberaram a esposa e o irmão do Prefeito Municipal, e que fixou o seu subsídio em valor exorbitante. Uma vez que seus votos foram decisivos, este Instituto entendeu pela nulidade da sessão que aprovou a aludida lei, pelo quê deveria ser realizada nova deliberação: “No caso em apreço, conforme narrado na consulta, questiona-se a participação de dois Vereadores, esposa e irmão do Prefeito, na aprovação da lei que fixou o subsídio do Prefeito Municipal. De fato, o grau de parentesco pode ser invocado de modo a sustentar a nulidade da votação, nos moldes do art. 131 do Regimento Interno, caso se demonstre que os votos dos dois Vereadores foram decisivos para a aprovação da lei municipal. Nesse caso, deve-se compreender que a nulidade do processo de votação contamina a própria lei municipal, de modo que ela deve ser considerada inconstitucional por ofender os princípios constitucionais que regem a atuação da Administração Pública (art. 37 da CF) e que se aplicam também no processo legislativo. No caso em tela, há ofensa ao princípio da moralidade, o qual confere suporte const itucional ao art. 131 do Regimento Interno da Câmara Municipal consulente.“ 33
No caso relatado, fica clara a possibilidade de haver obrigatoriedade de abstenção caso haja interesse privado consistente na vantagem (ou desvantagem) direta concedida, por deliberação, a parente próximo do Vereador. 33
IBAM: P/0303/07
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VIII – CONCLUSÃO. Por derradeiro, já que se fala em atendimento ao interesse público na atividade parlamentar, é pertinente a análise de uma questão corrente no sistema representativo contemporâneo. Reconhecendo-se que vivemos em uma sociedade complexa, em que coexistem diversos grupos com as mais variadas ideologias, convicções, crenças e visões de mundo, é pertinente saber: afinal, a quem representam os parlamentares? Ao partido? Ao bairro? À cidade? Aos empresários? Aos trabalhadores? Falar em um interesse público geral e abstrato parece muito difícil, quando observamos que cada candidato, na sua campanha, atua em favor de uma causa diferente daquela de seu adversário. Existem candidatos que dizem que irão defender os interesses de determinado bairro, de um partido, outros, das mulheres, dos deficientes, dos negros, dos homossexuais, dos trabalhadores, e, até, de times de futebol. Como conciliar isso com um regime democrático e representativo? Quando surgiu a idéia de um mandato representativo, era inviável o reconhecimento da legitimidade destes grupos tão diversos. Não é por outro motivo que se repudiava o mandato imperativo – ou seja, cujo titular deveria obedecer a vontade de seus eleitores, sob pena de perda do mandato. O parlamentar representava a vontade geral e, no momento de sua investidura, poderia manifestá-la inclusive contrariamente à vontade de seus eleitores. O reconhecimento, contudo, da existência de diferentes ideologias – e até de noções diversas de “interesse público “ – e, especialmente, a existência dos partidos políticos, fez cair por terra a idéia desta representação sem qualquer identidade com os governados. A idéia de um partido político, nos primórdios da democracia representativa, era repugnante. Entretanto, a realidade de uma sociedade complexa e plural não podia prescindir de sua existência. Nesse sentido, assevera Paulo Bonavides: “Não havia lugar para o partido político na democracia, segundo deduziam da doutrina de Rousseau e seus intérpretes mais reputados. Hoje, entende-se precisamente o contrário. A democracia é impossível sem os partidos políticos.” 34
Muito pertinente é fazer tais considerações hoje, em que as recentes decisões do STF e do TSE apontam para a perda do mandato em caso de infidelidade partidária. Que é isto, senão um afrouxamento do dogma do mandato representativo e a recepção da idéia de um mandato imperativo? O partido, antes ignorado pelas legislações e somente reconhecido pela realidade social, foi sendo cada vez mais regulamentado, até que, reconhecido pela Lei Maior e tendo a sua disciplina totalmente incrustada ao próprio sistema eleitoral, fez com 34
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 350
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que a atuação do parlamentar estivesse, cada vez mais, sujeita ao chamado funcionamento parlamentar dos partidos. Não se pode dizer que o parlamentar deixou de representar a vontade geral para passar a representar a vontade do partido – tanto é que pode, nas deliberações, votar contra aquilo que dispuser a liderança do partido na Casa. Tampouco que deixou de representar a população como um todo, e passou a ser mandatário de grupos isolados, com interesses desarraigados do bem comum e do interesse de todo o povo. O que se reconhece é que a composição do Parlamento deve representar, proporcionalmente, a pluralidade de ideologias e visões de mundo encontradas em uma sociedade complexa como a nossa. E cada partido é – ou deve ser – uma agremiação política que congregue pessoas de concepções ideológicas semelhantes, unidas para a atuação junto às instâncias político-eleitorais. A grande conclusão a que se pode chegar com o presente trabalho é que não há incompatibilidade entre o atendimento ao interesse público e as diferentes ideologias que compõem a sociedade, as quais se encontram representadas na Câmara de Vereadores . Existem ideais diversos e, até, antagônicos defendidos pelos diferentes parlamentares, e isto não é incompatível com a democracia. Muito pelo contrário: a democracia é o reconhecimento da pluralidade de pensamentos e a possibilidade de vê-los, todos, representados no Poder Legislativo é o objetivo maior a ser perseguido por um regime realmente democrático. A pluralidade de idéias representadas no parlamento municipal já representa, em si e per si, o atendimento a um interesse público, portanto. O que não se admite é que interesses escusos, desvinculados de uma concepção de justiça social e bem estar geral venha a desvirtuar-se em nome de um interesse privado – geralmente econômico – do Edil. A abstenção do Vereador, nestes casos, visa resguardar, justamente, que o ideal de justiça que tem a maior parte da sociedade seja aquele aplicado na elaboração da lei. Não se nega, no entanto, a possibilidade de haver diferentes “ideais de justiça” de acordo com ideologias diversas, mas que seja aquele defendido pela maioria da população o positivado na lei. Desse modo, e de maneira a assegurar a independência e a inviolabilidade do parlamentar em sua atividade legislativa, devemos sempre cuidar para não tolher o exercício dos direitos políticos positivos que lhe são assegurados constitucionalmente com a assunção do mandato, na condição de representante da população. Concluímos, portanto, que a abstenção de voto do parlamentar deve ser obrigatória quando sua participação importe em prejuízo à própria representação popular, por haver, em seu favor, interesse privado inegável, direto e ostensivo. Quando, por outro lado, tal interesse particular for, em análise mais ampla e abrangente, o interesse de um grupo da população, ainda que dele o parlamentar faça parte – e consistir na garantia de interesses privados
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legítimos, portanto – não se lhe pode ser imposta obrigação de abstenção, sob pena de haver verdadeira ofensa ao princípio democrático que rege nosso Estado (art. 1º, CRFB).
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