Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Departamento de Antropologia – DAN Programa de Pós -Graduação em Antropologia Social – PPGAS Disciplina: Teoria Antropológica Contemporânea Docente: Jean Segata Discente: Lucas Rocha de Macedo Período: 2014.2
RESENHA HOMI BHABHA, LOCAIS DA CULTURA
Natal/RN, 12 de Dezembro de 2014 2014
O presente texto trata-se de uma resenha descritiva realizada a partir da leitura da introdução do livro O Local da Cultura , escrito em 23 páginas por Homi Bhabha. O exemplar em língua portuguesa foi traduzido do inglês por Myrian Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves, publicado em 1998 pela Editora UFMG, Belo Horizonte, e conta com um volume de 395 páginas. Em sua publicação original, recebeu o título The Locations of Culture, lançado em 1994 pela editora Routledge simultaneamente em Londres, Nova York e Canadá. O autor é indo-britânico; nasceu em Mumbai, Índia, em 1949, e desenvolveu grande parte de sua carreira na Inglaterra e EUA, concluindo seu doutorado em Literatura Inglesa pela Universidade de Oxford. Atualmente ministra a cadeira de Linguagem e Literatura Inglesa e Americana na Universidade de Harvard, desde 2001, e é Diretor do Centro de Humanidades da mesma instituição de ensino. Em sua Introdução à obra, intitulada Locais da Cultura, o autor busca, de maneira geral, romper com a ideia de que este conceito possuiria limites certos e fixos. Para ele, não haveria como considerar a cultura como sendo um produto único e de sociedades delimitadas, cujos efeitos terminam nas fronteiras da comunidade. Bhabha trabalha com um conceito fluido de demarcações, segundo o qual é inviável a crença em uma pureza cultural. Haveria, portanto, vários locais que criam e desenvolvem o referido conceito, os quais são interconectados e se influenciam mutuamente, interferindo diretamente no resultado final expressado. Para tanto, ele se utiliza das acepções modernas de sociedade, pautadas na esfera internacionalista e globalizada, que ampliou os contatos e intercessões mútuas das nações, originando o que ele denominou de entre-lugares, - ou seja, a ponte que possibilita tais interferências. Trabalhando com a ideia de hibridismo cultural, ele sugere que estes novos parâmetros possibilitam uma redefinição das tradições, decorrentes das influências diretas entre os hábitos destas comunidades. As culturas, então, tornam-se miscigenadas, compostas por elementos de outras civilizações que são absorvidos e internalizados. Esta abordagem, por sua vez, faz lembrar a obra de Harold Berman (2004) sobre a formação da tradição jurídica ocidental, afirmando que as Revoluções são responsáveis por manter uma tradição e, ao mesmo inová-la, implementa-la e torná-la plausível para o novo período que segue. Segundo este historiador, elas se originam em períodos de crise, quando há uma busca por um estado anterior que se considerava válido, distinto do então vigente. O resultado, no entanto, jamais poderia ser o retorno, e sim uma mescla onde se mantinha parte da tradição e ao mesmo inovava-a. Nesse sentido, ambas as obras se assemelham ao falarem acerca da não linearidade do tempo cronológico, que nada mais é do que uma construção humana a qual somente fará sentido para um contexto socio-local específico. O tempo, assim como as fronteiras, é fluido e mescla inúmeros acontecimentos paralelos que jamais poderiam ser organizados de forma apropriada.
Posto tanto, o autor passa a discorrer acerca do poder das minorias em influenciar tais tradições. Segundo Bhabha, sendo nos períodos de transição que ocorrem as maiores mudanças, ele vai trabalhar o conceito de aquisição de poder (empowerment) pelas minorias que ocorre (ou deveria ocorrer) nestes espaços. Baseando-se no que escreve Renée Green (sem ano, citada pelo autor), ele explica como estas minorias adquirem força quando associadas pelas semelhanças que as tornam marginalizadas, como por exemplo as mulheres negras e irlandesas, unidas pela opressão de sexo e gênero, apesar da aparente distinção cultural. Ademais, estas minorias é que seriam responsáveis pela transmissão das tradições às gerações seguintes, uma vez que são justamente quem contam as histórias de seu grupo. Tais atos, unidos, consequentemente, viabilizam o hibridismo cultural, uma vez que tem-se a tradição oral sendo influenciada pelos contatos com outros grupos, dando a eles o poder ( empowerment ) de influenciar um discurso social a nível nacional. Com fulcro no exposto, Homi Bhabha vai expor o estranhamento que surge destas transições, relacionando o trauma individual aos contextos sociais mais amplos e coletivos. Para tanto, ele se utiliza do exemplo contido nos romances As Histórias de Meu Filho, de Nadine Gordimer (1990, citada pelo autor) e Beloved, de Toni Morrisson (1987, citada pelo autor), nos quais as personagens principais compreenderam melhor e aceitaram um conflito pessoal ao observarem-no de uma perspectiva externa. Utilizando o romance como reflexo de uma situação social, o autor se baseia na obra de Guillermo Gomez-Peña, Emmanuel Levinas, dentre outros (1991; 1987, citados pelo autor) para justificar a importância deste estranhamento. Ela se origina quando residir no que ele denomina “além” possibilita o afastamento para que se o bserve as contradições internas, ou seja, como uma forma de viabilizar a análise crítica do meio no qual encontra-se inserido. Aqui, há menção à análise formulada por Elizabeth Fox-Genovese (1988, citada pelo autor), acerca do infanticídio como revolta contra o sistema escravocrata e a propriedade do senhor escravista. Ao relacionar isto com o infanticídio cometido por Sethe, protagonista de Beloved, Bhabha viabiliza ao leitor a compreensão que a própria personagem teve, a qual só pode ser percebida após seu estranhamento. Apesar de ser um texto complexo, conforme reconhecido pelas próprias tradutoras, em nota introdutória à versão brasileira, a leitura atenta da obra de Homi Bhabha possibilita a captura de elementos basilares para pensar o estudo antropológico, em especial o que desenvolvo no momento. Tratando acerca de sensibilidades jurídicas (GEERTZ, 1998) e buscando-as a nível individual, desenvolvo uma pesquisa no meu local de trabalho, cuja noção de estranhamento é essencial para desligar a mente do campo jurídico, onde graduei, e envolvê-la melhor no pensamento etnográfico. Alem disto, ela vem como forma de atenuar os julgamentos morais e de valor que terminaram por surgir do convívio diário com os sujeitos que compõem meu campo.
Quanto à ideia de limites culturais fluidos, considero-a importante para pensar as esferas de cada magistrado e sua gama subjetiva-cultural individual (se é que ela de fato existe). Não se pode pensá-los como sujeitos desligados do mundo e de si mesmos, nem se pode conceber sua sensibilidade individual (acaso exista) como algo isolado. Naturalmente, elas deverão ser interligadas, até porque eles possuem uma formação cultural semelhantes enquanto sujeitos, já que se encontram em uma mesma localidade, e a descrição de algo estático poderia comprometer seriamente a análise dos dados de campo. Finalmente, a tomada de exemplos por parte dos livros literários abre todo um leque de possibilidades à escrita antropológica, visto que, conforme afirma Bhabha, eles refletem, mesmo que de forma errática, uma realidade histórica. Tem-se, assim, um texto que vale o esforço da leitura, pela luz que abre às novas possibilidades de análise de campo. Os vários exemplos e metáforas utilizados clareiam a ideia de que fluidez cultural, dos entre-locais em que se encontram, do consequente hibridismo cultural e da possibilidade de aquisição de poder pelas minorias, através do discurso e da propagação da tradição oral. Destarte, Homi Bhabha termina por reconhecer, assim, a cultura (e mesmo a sociedade), pelo que ela é: complexa e desordenada.
REFERÊNCIAS
BERMAN, H. Introdução; A origem da tradição jurídica ocidental na Revolução Papal. In:______. Direito e Revolução: A formação da Tradição Jurídica Ocidental . São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004. p. 11-62; 111-154. GEERTZ, C. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. In: ______. O Saber Local: Novos ensaios em antropologia interpretativa . Petrópolis: Editora Vozes, 1998. p. 249-356.