COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO
Apocalipse
SIMON KISTEMAKER
DKm m ÇiO:
EDIÇÃO:
Características de cada Comentário do Novo Testamento de William Hendriksen e Simon Kistemaker •
Uma tradução do texto bíblico comentado de autoria do próprio comentarista.
•
Uma introdução a cada livro do NT aborda data, autoria, questões gramaticais, etc.
•
Os comentários propriamente têm o objetivo de esclarecer para o pesquisador o sentido da passagem.
•
Resumos ao final de cada unidade de pensamento ajudam os que preparam aulas, palestras ou sermões a partir deste comentário.
•
Os esboços dos livros da Bíblia apresentam a sua estrutura orgânica. Antes de cada divisão principal são repetidas as respectivas seções dos esboços.
•
Os problemas tratados em notas de rodapé permitem ao estudante continuar a sua pesquisa sem maiores interrupções, detendo-se onde e quando desejar para obter informações adicionais.
•
Poucos comentários conseguem manter consistente a sua linha teológica como o fazem os comentários desta série. Essa coerência teológica dá segurança ao pesquisador.
•
A piedade dos comentaristas transparece em cada página, ao lado de sua erudição. Os textos não são áridos, mas denotam um profundo temor de Deus. São comentários altamente inspiradores.
COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO
Apocalipse s SI MON
KISTEMAKER
Comentário do Novo Testamento - Exposição do livro de Apocalipse © 2004, Editora Cultura Cristã. Publicado originalmente em inglês com o título New Testament Commentary, Exposi tion o f the Book o f Revelation por Baker Books, uma divisão da Baker Book House Company, P.O. Box 6287, Grand Rapids, M I 49516-6287. © 1993 by Simon J. Kistemaker. Todos os direitos reservados. A tradução da Escritura do texto de Apocalipse é do próprio autor. As citações da Escritura, exceto as de outro m odo indicadas, são da tradução de Almeida, Revista e Atualizada da SBB. Ia edição em português - 2004 3.000 exemplares Tradução Valter Martins Revisão Cláudio César Gonçalves Vagner Barbosa Editoração Cassia Rejane Neves da Luz Gonçalves Capa Expressão Exata
Kistemaker, Sim on Apocalipse / Sim on Kistemaker. São Paulo: Editora C u ltu ra Cristã, 2004. Tradução de Valter M artins 7 84 p . ; 14 x 21 cm. " (Coleção C om entário do N ovo Testamento) ISBN 85-86886-93-9 1. C om entário bíblico 2. Exegese 3. Estudo Bíblico 4. Teologia bíblica. I T ítu lo II. Série. C D D 2 1 ed. 228
Publicação autorizada pelo Conselho Editorial: Cláudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, André Luís Ramos, Mauro Fernando _ Meister, Otávio Henrique de Souza, Ricardo Agreste, Sebastião Bueno Olinto, Valdeci da Silva Santos.
G
CMTOAA CUITUAA CAISTA Rua Miguel Teles Júnior, 394 - Cambuci 01540-040 - São Paulo - SP - Brasil Fone (0**11) 3207-7099 - Fax (0**11) 3209-1255 www.cep.org.br -
[email protected] 0 8 0 0 -1 4 1 9 6 3
Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor. Cláudio A ntônio Batista Marra
S u m á r io
°
4
A p o c a l ip s e
20. A Derrota de Satanás e o Dia do Juízo (20.1-15)................... 667 21. A Nova Jerusalém (21.1-27).................................................... 693 22. A Árvore da Vida e Conclusão (22.1-21)............................... 726 Bibliografia................................................................................ 749 índice de Autores......................................................................759 índice da Escritura e Outros Escritos A ntigos...................... 767
A b r e v ia t u r a s
AB ACNT ANRW AssembSeign ASV ATR AusBRev AUSDDS AUSS BASOR Bauer
BBR BETL lovaniensium BF2 BGBE Bib BibSac BibToday BbTrans
Anchor Bible Augsburg Commentary on the New Testament Aufstieg und Niedergang der römischen Welt Assemblées du Seigneur American Standard Version Anglican Theological Review Australian Biblical Review Andrews University Seminary Doctoral Dissertation Series Andrews University Seminary Studies Bulletin o f the American School o f Oriental Research Walter Bauer, W. F. Arndt, F. W. Gingrich, and F. W. Danker, A Greek-English Lexicon o f the New Testament 2d ed. Bulletin fo r Biblical Research B ib lio th eca ephem eridum th eo lo g icaru m B ritish and Foreign B iblie Society, The New Testament, 2d ed., 1958 Beiträge zur Geschichte der biblischen Exegese Biblica Bibliotheca sacra The Bible Today The Bible Translator
6
BibZ BIS BJRL BoJT BTB BZNW Cassirer CBQ Ciem. ConcJourn ConcTheMonth ConcTholQuart ConNT CTJ Eccl. Hist. EDNT EDT EphThL EvQ ExpT FilolNT FoiVie GNB
GTJ HDR HeythJoum HNT HNTC HTR ICC Interp ISBE JB
JBL
A p o c a l ips e
Biblische Zeitschrift Biblical Interpretation Series Bulletin o f the John Rylands University Library o f Manchester Banner o f Truth Biblical Theological Bulletin Beihefte zur Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft Heinz W. Cassirer, G od’s New Covenant: A New Testament Translation Catholic Biblical Quartely (Epistle of) Clement [of Rome] Concordia Journal Concordia Theological Monthly Concordia Theological Quarterly Conierctanea neotestamentica Calvin Theological Journal Eusebius, Ecclesiastical History Exegetical Dictionary o f the New Testament Evangelical Dictionary o f Theology Ephemerides theologicce lovanienses Evangelical Quartely Expository Times Filologia neotestamentaria Foi et vie Good News Bible Grace Theological Journal Harvard Dissertations in Religion Heythrop Journal Handbuch zum Neuen Testament Hoiman New Testament Commentary Harvard Theological Review International Critical Commentary Interpretation International Standard Bible Encyclopedia, rev. ed. Jerusalem Bible Journal o f Biblical Literature
A br eviatura s
JETS JSNT JSNTSup JSOT JTS KJV KNT LCL Liddell LXX Merk MLB MM MNTC Mojfatt MSJ MT NAB NAC NASB NCB NCV NEB Neotest Nes-Al27
NIBCNT NICNT NIDNTT
7
Journal o f the Evangelical Theological Society Journal fo r the Study o f the New Testament Journal for the Study o f the New Testam ent: Supplement Series Journal fo r the Study o f the Old Testament Journal o f Theological Studies King James Version (Authorized Version) Kommentaar op het Nieuwe Testament Loeb Classical Library H. G Liddell, R. Scott, andH. S. Jones, A GreekEnglish Lexicon, 9lh ed. Septuagint Augustinus Merk, ed., Novum Testamentum Grcece et Latine, 9th ed. The Modern Language Bible J. H. Moulton and G. Milligan, The Vocabulary o f the Greek Testament, 1930 Moffatt New Testament Commentary James Moffatt, The Bible: A New Translation The M aster’s Seminary Journal Masoretic Text of the Hebrew Bible New American Bible New American Commentary New American Standard Bible New Century Bible The Everyday Bible, New Century Version New English Bible Neotestamentica Eberhard and Erwin Nestle, eds.; rev. Barbara and Kurt Aland et al., Novum Testamentum Grcece, 27,h ed. New International Biblical Commentary on the New Testament N ew In tern a tio n a l C om m entary on the New Testament New International Dictionary o f New Testament Theology
8
NIGTC NIV NIVAC NJB
NJBC NKJV NLT
NovT NRSV
n.s. NTC NTS NTT Peterson Phillips RB REB
RevExp RevThom RSV
SB SBL SJT SNTSMS Souter SP StudTheol SwJT Talmud TDNT Thayer Theod. ThLZ TNT
A p o c a l ip s e
New International Greek Testament Commentary New International Version NIV Application Commentary New Jerusalem Bible New Jerome Biblical Commentary New King James Version New Living Translation Novum Testamentum New Revised Standard Version new series New Testament Commentary New Testament Studies Nederlands theologisch tijdeschrift Eugene H. Peterson, The Message J. B. Phillips, The New Testament in M odem English Revue biblique Revised English Bible Review and Expositor Revue thomiste Revised Standard Version H. L. Strack and P. Billerbeck, Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch Society for Biblical Literature Scottish Journal o f Theology Society for New Testament Studies M onograph Series Alexander Souter, ed., Novum Testamentum Grcece Sacra Pagina Studia Theologica Southwestern Journal o f Theology The Babylonian Talmud Theological Dictionary o f the New Testament Joseph H. Thayer, Greek-English Lexicon o f the New Testament Theodotion Theologisch Literaturzeitung The New Translation
A br ev ia tu ra s
TNTC TR TrinJ TynB UBS4 Vogels VoxEv WBC WPC WTJ WUNT ZNW ZPEB
9
Tyndale New Testament Commentaries The Textus Receptus: The Greek New Testament according to the Majority Journal Trinity Journal Tyndale Bulletin United Bible Societies, Greek New Testament 4th ed. H. J. Vogels, ed., Novum Testamentum Grcece et Latine, 4th ed. Vox evangelica Word Biblical Commentary Westminster Pelican Commentaries Westminster Theological Journal W issenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament Zeitschrift fü r die neutestamentliche Wissenschaft Zondervan Pictorial Encyclopedia o f the Bible
In tro d u ção
E sb o ç o A. B. C. D. E. F. G. H. I. J. K. L.
Padrão Linguagem Figurativa Base Bíblica Autor Tempo, Lugar e Cenário Métodos de Interpretação Unidade Aceitação na Igreja Destinatários e Propósito Teologia Sumário Esboço
título grego deste livro é Apokalypsis (aquilo que está sendo des coberto); os leitores, porém, podem sentir que não há muito revelado. O Livro do Apocalipse não parece concretizar o que seu título prom ete, confundindo seus leitores com todas as imagens, fi guras e núm eros que ali se encontram. Os pastores geralm ente só pregam a sétupla série de cartas escritas às sete igrejas existentes na Ásia M enor, registradas nos capítulos dois e três. As pessoas consideram o livro como sendo Escritura, porém deixam de fazer uso dele como tal. Para muitos leitores, Apocalipse não é revelação, mas, antes, um mistério profético que excede o entendimento hum a no. Não obstante, neste último livro da Bíblia Deus nos perm ite ver algo de Cristo e da Igreja no céu e na terra - e o que vemos é deveras assustador. Quando examinamos cuidadosamente este livro, começamos a com preender que ele não é uma mera composição humana semelhante aos apocalipses de 1 Enoque (2 Esdras no OT Apocrypha) e 2 Baruque. No Apocalipse, o Deus Triúno está revelando sua Palavra ao leitor, isto é, Deus mesmo está falando ao seu povo. Isso se faz evidente nas palavras introdutórias: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu” (1.1), e nas cartas às sete igrejas. Ali ouvimos a voz de Jesus, que conclui cada carta com as palavras: “o Espírito diz às igrejas” (2.7,11, 17,29; 3.6,13,22). O último capítulo registra a voz de Jesus (2 2 .7 ,12 20), a voz do Espírito (22.17) e a advertência divina para que não se acrescente ou subtraia nada deste livro (22.18-19). Negligenciar esta mensagem seria o mesmo que tirar parte das Escrituras. Deus nos A
14
A pocalipse
manda respeitar Apocalipse como sua santa Palavra, e nos instrui a lêlo com reverência.1A advertência que Jesus pronuncia em 22.18, 19 pode ser comparada a uma nota de Copyright na página de expediente em um livro moderno. Testifico a todos quantos ouvem essas palavras da profecia deste livro. Se alguém acrescentar-lhe algo, Deus lhe acrescentará as pragas escritas neste livro. E se alguém tirar algo das palavras da profecia deste livro, Deus tirará sua participação na árvore da vida e na cidade santa, que se acham descri tas neste livro. Todo o Livro do Apocalipse chama a atenção para seu compositor primário, Deus. Ele é o artista divino, o principal arquiteto. Este é um volume divinamente construído no qual Deus exibe a obra de sua mão.
A. Padrão 1.
O s N úm eros
Uma das características primordiais do Apocalipse que salta à vis ta do leitor é o uso de números e seu significado. A um grau surpreen dente, o número sete é predominante, tanto explícita quanto implicita mente. Este número não deve ser tomado literalmente, mas deve ser entendido como uma idéia que expressa totalidade ou completude.2Por exemplo, Jesus manda João escrever cartas a sete igrejas: Efeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia (1.11). Essas igrejas estavam situadas seguindo uma rota de forma oval, no sentido oeste para o norte, e então do leste para o sul. A igreja de Colossos, porém, localizada na vizinhança de Laodicéia, é omitida, e o mesmo se dá com a congregação vizinha de Heliópolis (Cl 4.13). Papias, estudio so do apóstolo João, serviu como pastor na igreja de Heliópolis. Paulo pregou na igreja de Trôade (At 20.5-12; 2Co 2.12), cerca de setenta milhas ao norte de Pérgamo, porém Trôade não está inclusa na lista. Apocalipse é dirigido somente às sete igrejas da província da Ásia (1.4)? A resposta é não, porquanto Jesus se dirige às igrejas de todos os tempos e todos os lugares. O número sete simboliza completude.3
1. W illiam M illigan, The Revelation o f St. John (Londres: M acmillan, 1886), p. 6. 2. O número sete aparece cinqüenta e quatro vezes no Apocalipse. Veja Stephen A. Hunter, Studies in the Book o f Revelation (Pittsburgo: Pittisburgh Printing, 1921), p. 248. 3. William Hendriksen, Mais Que Vencedores (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1987, p. 58.
Introdução
15
O número sete antecede muitos substantivos, inclusive espíritos (1.4; 3.1; 4.5; 5.6), castiçais de ouro (1.12; 2.1), estrelas (1.16, 20; 2.1; 3.1), castiçais (1.13,20; 2.5; 11.4), selos (5.1; 6.1), chifres (5.6), olhos (5.6), anjos (8.2,6; 15.1, 6-8; 16.1; 17.1; 21.9), trombetas (8.2, 6), trovões (10.3), coroas (12.3), cabeças (12.3; 13.1; 17.3, 7, 9), pragas (15.1,6), taças (15.7; 16.1), montes (17.9) e reis (17.10). Além disso, há sete mil pessoas mortas por causa de um terremoto (11.13). Em todos esses exemplos, o número sete aparece explicitamente. Mas o uso implícito deste número é ainda mais notável. Há duas passa gens que registram cânticos de louvor entoados por um a hoste celestial. A primeira está em 5.12, com sete atributos que grafamos em itálico: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder e riqueza e sabedoria e força e honra e glória e ações de graças\ A segunda passagem (7.12) também contém sete atributos: Amém! Louvor e glória e sabedoria e ações de graças e honra e poder e força sejam ao nosso Deus para todo o sempre. Amém! Ainda mais, há sete beatitudes no Apocalipse, grafadas aqui na for ma abreviada: • • • • • • •
“Bendito é aquele que lê” (1.3) “Benditos são os mortos que morrem no Senhor” (14.13) “Bendito é aquele que vigia” (16.15) “Benditos os que são chamados” (19.9) “Bendito e santo é aquele que tem parte” (20.6) “Bendito é aquele que guarda as palavras” (22.7) “Benditos os que lavam suas vestiduras” (22.14)
Igualmente nesta série, gafanhotos, descritos como cavalos em 9.7 10, exibem sete marcas distintas: (1) coroas de ouro em suas cabeças;
16
A p o c a l ips e
(2) rostos de homens; (3) cabelos de mulheres; (4) dentes de leões; (5) couraças de ferro; (6) asas que emitem som de cavalos atroando e car ros em batalha; (7) caldas e ferrões de escorpiões. A palavra grega amion (cordeiro), referindo-se a Cristo, ocorre vinte e oito vezes - a soma de sete vezes quatro. Enquanto o número sete significa completude, o nú mero quatro é o símbolo numérico do mundo criado. A expressão logo ou depressa, com referência ao cumprimento da profecia e do regresso de Jesus, aparece sete vezes (1.1; 2.16; 3.11; 22.6, 7, 12, 20).4E, por fim, o termo a(s) palavra{s) de Deus aparece exatamente sete vezes (1.2, 9; 6.9; 17.17; 19.9, 13; 20.4).5 O número quatro representa as quatro criaturas viventes, quatro anjos, quatro cantos da terra, quatro ventos e quatro anjos atados junto ao Eufrates. Categorias de quatro permeiam todo o Apocalipse. • “tribo e língua e povos e nação” (5.9) • “louvor e honra e glória e poder” (5.13) • “pela espada, pela fome, pela doença e pelos animais selva gens” (6.8) • “vozes, e trovões, e relâmpagos, e terremotos” (5.8; 16.18) • “homicídios, feitiçarias, prostituição e furtos” (9.21) • “muitos povos e nações e línguas e reis” (10.11) • “harpistas, músicos, flautistas, trombeteiros” (18.22) O número quatro descreve a criação divina: os quatro cantos da terra, isto é, as quatro direções do vento (7.1; 20.8). Deus é o governante de e em sua criação, o que é evidente à luz do uso da expressão relevan te “aquele que vive para todo o sempre”, que ocorre quatro vezes (4.9, 10; 10.6; 15.7).
4. A referência em 11.14, “o terceiro ai logo virá”, focaliza não o regresso de Jesus, mas seu juízo. 5. Richard Bauckham, The Theology ofth e Book ofR evelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), p. 110; e também The Clim ax o f Prophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 35. A palavra grega Ttopvéioc (fornicação) também ocorre sete vezes, porém isso deve ser interpretado à luz da grande prostituta cujos pecados sobem (literalmente, estão penetrando) até o céu (18.5) e estão com ple tos. Também a palavra fo ice ocorre sete vezes (14.14-19) para assinalar a completude do juízo divino.
In tro d u ç ã o
17
O número três aparece com freqüência: três quartos de cevada (6.6); três anjos (8.13); três pragas de fogo, fumaça, e enxofre (9.18); três espíritos imundos (16.13); a grande cidade foi divida em três partes (16.19); três portões de cada lado: leste, norte, sul, oeste (21.13). A série de três se refere à Deidade com o tríplice clamor das criaturas viventes, dizendo: “Santo, santo, santo” (4.8); e uma descrição do po der de Deus que era, que é e que há de vir (4.8; ver 1.4, 8). Note tam bém a série de Jesus Cristo, de Deus e de seus servos (1.1); Jesus Cristo é a fiel testemunha, o primogênito dos mortos e o soberano dos reis da terra (1.5).6Aliás, a série de três ocorre por todo o livro. Dez é o número de completude no sistema decimal. Este número no Apocalipse se refere a dez dias de perseguição (2.10); uma descrição do dragão com dez chifres (12.3); a besta que sai do mar com dez chifres e dez coroas (13.1); e a besta escarlate que tinha dez chifres (17.3,7,12, 16). Como dez é o número que se relaciona com os servos e atividades de Satanás, o número doze descreve os eleitos das doze tribos (7.5-8); a mulher, simbolizando a Igreja, com doze estrelas em sua cabeça (12.1); e a nova Jerusalém com doze portões, doze anjos, doze tribos de Israel (21.12). Esta cidade tem doze fundamentos sobre os quais os doze no mes dos apóstolos estão escritos (21.14); ela mede em comprimento, largura e altura doze mil estádios (21.16); e de ambos os lados do rio, fluindo do trono de Deus, está a árvore da vida que produz doze colhei tas de fruto (22.2). Da mesma forma, o termo anciãos (grego presbyteroi) aparece doze vezes. No Apocalipse, o contraste entre dez e doze é de fato notável. O número doze descreve o povo de Deus; o número dez está associado a Satanás, seus seguidores e suas ações.
2. Contraste Apocalipse é um livro cheio de polaridades: Cristo versus Sata nás; luz versus trevas; vida versus morte; amor versus ódio; céu versus inferno. Por todo o livro, este contraste vem a lume em todos os deta lhes. João retrata a Trindade como Pai, Filho e Espírito Santo (ver o comentário sobre 1.4, 5); por comparação, a trindade de Satanás é o diabo, a besta e o falso profeta (capítulos 12 e 13). As palavras “que é, que era e que há de vir” (1.4, 8; 4.8) são uma paráfrase do nome 6. Hunter (Studies, p. 246) descreve o número três com o sendo o número divino. Ver J. P. M. Sw eet, R evelation, WPC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 14.
18
A p o c a l ips e
divino (Ex 3.14,15). A besta, porém, é aquela que “uma vez era, e não é, e que está para emergir do abismo e caminha para a destruição”, ou “a besta que era e não é e aparecerá” (17.8). O bem e o mal são con trastados em Deus o Pai versus Satanás o dragão (1.4 e 12.3, 9); o Filho de Deus versus o Anticristo (1.5 e 13.1-14); o Espírito Santo versus o falso profeta (1.4 e 13.11-17; 19.20); a noiva de Cristo versus a prostituta (19.7, 8; 21.9 e 17.1-18); e Jerusalém versus Babilônia (21.9-27 e 16.19).7 Deus reveste seu Filho com autoridade para fazer sua vontade (1.1), enquanto Satanás dá poder e autoridade à besta (13.2). Jesus assentase em seu trono (3.21), e igualmente Satanás tem seu trono (2.13; 16.10). O Filho aparece como o Cordeiro que foi morto (5.6); por contraste, a besta com sete cabeças tem uma cabeça com uma ferida mortal que foi curada (13.3). O Cordeiro tem sete chifres e sete olhos (5.6), enquanto a besta que emerge da terra é semelhante a um cordei ro com dois chifres (13.11). Jesus se revela como aquele que foi mor to, porém está vivo para todo o sempre (1.18), o que é parodiado pela besta que emerge do mar e que fora fatalmente ferida, porém viveu (13.3, 12, 14). Inversamente, Satanás, a besta e o falso profeta são lançados no lago de fogo. Este é o lugar de morte eterna, onde são atormentados para todo o sempre (20.10, 14). Jesus detém as chaves da Morte e do Hades (1.18); Satanás detém a chave do abismo (9.1). Jesus é vitorioso e “destinado ao triunfo final”; Satanás, porém, que parece ser bem su cedido, “na verdade é condenado à derrota ignominiosa e eterna”.8 O reino de Cristo e o reino de Satanás revelam contrastes adicio nais: os crentes recebem o selo do Deus vivo em suas frontes (7.2, 3); osincrédulos têm a marca da besta em sua mão direita e na fronte (13.16). Os crentes portam o nome do Cordeiro e do Pai em suas frontes (14.1); os incrédulos têm o número 666, que é o nome e o número da besta (13.17,18).9Note também os apóstolos do Senhor versus os falsos após tolos em Éfeso (18.20 e 2.2); e os anjos servindo a Deus versus os 7. Ver Howard W. Kramer, “Contrast as a Key to Understanding The Revelation to St. John”, ConcJoum 23 (1997): 108-17. 8. M illigan, R evelation o f St. John, p. 111. 9. Refere-se a Didier Rochat, “La vision du trône: Un clé pour pénétrer l ’A pocalypse”, Hokhma 49 (1992): 7.
In tro d u ç ã o
19
demônios controlados por Satanás (12.7-9); a vitória de Cristo e os santos versus a derrota do Anticristo e seus seguidores (19.11-21).
3. Ênfase Quando realçamos algo em impresso, usamos o ponto de exclama ção ou escrevemos em itálico. Essas convenções, porém, não eram disponíveis nos dias dos escritores bíblicos. Empregavam a técnica de repetição para chamar a atenção do leitor. Uns poucos exemplos das Escrituras deixam este ponto esclarecido. Deus chamou Moisés à sarça ardente no Monte Sinai, e disse: “Moisés, Moisés” (Êx 3.4); Jesus con tou a Pedro sobre o pedido de Satanás para peneirar os discípulos como trigo, e pronunciou as palavras: “Simão, Simão” (Lc 22.31); e o Senhor ressurreto chamou Paulo perto de Damasco, dizendo: “Saulo, Saulo” (At 9.4). O duplo uso de um nome equivale à ênfase. O povo judeu recorria à repetição a fim de realçar o desígnio de um conceito. Agiam assim com freqüência com o intuito de comunicar dois exemplos que transmitiam a mesma mensagem. No Egito, José inter pretou sonhos: um para o copeiro e outro para o padeiro (Gn 40.8-22); e dois sonhos para faraó (Gn 41.1-40). Moisés recebeu poder para rea lizar dois milagres na presença dos israelitas: converter seu cajado em serpente e fazer sua mão ficar leprosa (Êx 4.1 -7). A literatura de nature za sapiencial, especialmente Salmos e Provérbios, está saturada de paralelismo que clarifica o ponto que o escritor intenta enfatizar. Aqui está um exemplo dentre muitos: “No caminho da justiça está a vida; nessa vereda está a imortalidade” (Pv 12.28). O mesmo princípio permeia a estrutura do Apocalipse, onde en contramos repetição com o intuito de ênfase. João registra as palavras de um anjo que clama em alta voz: “Caída, caída está Babilônia, a grande” (18.2); e os reis da terra, os mercadores e os marinheiros cla mam: “Ai, ai da grande cidade” (18.10, 16. 19). A carta à igreja de Pérgamo contém estas linhas: No entanto, tenho contra você algumas coisas: você tem aí pessoas que se apegam aos ensinos de Balaão, que ensinou Balaque a armar ciladas con tra os israelitas, induzindo-os a comer alimentos sacrificados a ídolos e a praticar imoralidade sexual. De igual modo você tem também os que se apegam aos ensinos dos nicolaítas. (Ap 2.14, 15)
20
A po c a l ip s e
Jesus não está dizendo que sua menção é a duas classes de pessoas a igreja de Pérgamo, senão que está dizendo que os que têm seguido os ensinos de Balaão e doutrinas errôneas são as mesmas pessoas. Não há diferença entre o intuito de Balaão e os nicolaítas. Balaão intentava der rotar os israelitas através de profecia enganadora; de igual modo, os nicolaítas tiveram acesso na igreja com doutrina enganadora.10Os dois partidos revelam a mesma intenção: conquistar pessoas para Deus. Da mesma forma, os ensinos de Jezabel, que se denomina profetiza, não diferem dos ensinos de Balaão e dos nicolaítas (2.20-23). O cântico de Moisés e o cântico do Cordeiro não são dois hinos diferentes, mas um e o mesmo, porque enaltecem os feitos do Senhor Deus Todo-Poderoso (15.3,4). Tanto os reis do oriente quanto os reis do mundo inteiro deflagram sua guerra contra Cristo e seus seguidores (16.12, 14). Quando João caiu aos pés do anjo para o adorar, o anjo lhe disse que não o adorasse, mas a Deus (19.10). No último capítulo do Apocalipse, João de novo relata que se prostrou aos pés de um anjo para o adorar, e que lhe fora dito que adorasse a Deus (22.8, 9). A repetição serve para enfatizar o mandamento de não adorar a criatura, mas o Criador.
4. Repetição O princípio de repetição visando à ênfase e clareza é também evi dente na descrição da fuga da mulher para o deserto durante 1260 dias, para um lugar que Deus lhe havia preparado (Ap 12.1-6). Nos últimos oito versículos lemos novamente que ela fugiu para o deserto, em um lugar que lhe fora preparado por um tempo, tempos e metade de tempo (12.14). João apresenta duas descrições do mesmo evento, pois o lugar que Deus lhe preparara é o deserto, e a extensão de tempo é a mesma: 1260 dias iguais a 42 meses (11.2, 3) ou 3 anos e meio. No entanto, há uma diferença: a do ideal e a do real. Por exemplo, os primeiros poucos versículos do capítulo 12 pintam a cena da mulher gloriosa “vestida do sol e com a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas em sua cabeça” (12.1). Ela está grávida e dá à luz um filho que governa com vara de ferro e é arrebatado para o trono de Deus. Esta cena é um ideal que aponta para a realidade que está além do próprio quadro. Essa 10. O termo n ico la íta é uma com binação do verbo grego n ik a o (conquisto) e o substantivo laos (pessoas); isto é, conquisto pessoas. Comparar Bauckham, T heology, p. 124.
Introdução
21
realidade assume a forma do nascimento de Cristo e inclui sua ascen são ao trono de Deus. A realidade está expressa na cena de guerra no céu, quando Satanás, então plenamente identificado (v. 9), é arrojado para a terra com seus anjos. O diabo compreende que seu tempo é bre ve; se enfurece e deflagra guerra perseguindo a mulher. Esta mulher foge para um lugar preparado para ela, e ali recebe auxílio vindo da terra (v. 16). O resto de sua descendência - os crentes - declara guerra espiritual contra Satanás, e individualmente enfrenta a incandescência de sua ira (v. 17). Assim, a primeira cena que retrata a mulher exaltada é idealista, enquanto que a segunda cena que descreve a Igreja perse guida é realista. Entre a primeira e segunda cena, João interpôs o relato sobre a guerra que Miguel e seus anjos deflagraram contra o dragão e seus anjos. Quando o dragão, isto é, Satanás, é arrojado na terra juntamente com seus anjos, a Igreja não só enfrenta sua ira, porém o vence por intermédio do sangue do Cordeiro e do testemunho da Palavra de Deus (12.10, 11). Ao colocar o relato desta batalha entre as duas cenas que retratam a mulher, o intuito é demonstrar que “o plano de redenção será concretizado” entre pessoas, não entre anjos.11
5. Paralelos Todo o Livro do Apocalipse se acha permeado de paralelos que são apresentados em múltiplos de sete. Há sete cartas às igrejas da Ásia Menor; há sete selos seguidos de sete trombetas e concluídos com sete taças. Começando com as cartas às sete igrejas, observamos paralelos em sua estrutura. Cada carta consiste de sete partes: 1. A destinação a cada uma das sete igrejas na Ásia M enor (2.1, 8, 12, 18; 3.1, 7, 14). 2. Um aspecto da aparição do Senhor a João em Patm os (2.1,8,12, 18; 3.1, 7, 14). 3. Uma avaliação da saúde espiritual da igreja individual (2.2,3,9, 13, 19; 3.1, 2, 8, 15). 4. Palavras de louvor ou reprovação (2.4-6, 9. 14, 15, 20; 3.1-4, 810, 16, 17). 5. Palavras de exortação (2.5, 10, 16, 21-25; 3.2, 3, 11, 18-20). 11. M illigan, Revelation ofS t. John, p. 122.
22
A p o c a l ip s e
6. Promessas àquele que vencer (2.7, 11, 17, 26-28; 3.5, 12, 21). 7. Ordem para se ouvir o que o Espírito diz às igrejas (2.7, 11, 17, 29; 3.6, 13, 22). Nas primeiras três cartas, a seqüência dos itens 6 e 7 se reverte. Isso se dá através de uma divisão das sete em três e quatro cartas respectiva mente. O segundo item em cada caso apresenta um aspecto singular da aparição de Jesus. O esquema abaixo mostra como a descrição que João faz de Jesus no capítulo 1 é repetido nas cartas às igrejas:
Descrição Sete estrelas em sua mão direita Castiçais de ouro O primeiro e o último, que morreu e voltou a viver Espada de dois gumes Olhos como de fogo; pés como bronze polido Sete espíritos e sete estrelas Alguém que detém as chaves Testemunha fiel
Primeiro em
Repetido em 2.1 2.1 2.8
2.12
2.18 3.1 3.7 3.14
Em seguida, as sete trombetas e as sete taças revelam paralelos distin tos; primeiro, catalogando partes individuais; e, segundo, seguindo uma seqüência idêntica (ver a discussão nos capítulos 8 e 16). A seqüência das partes nos sete selos não é tão marcante como na das trombetas e taças.12Mas ainda no fluir dos sete selos observamos uma ênfase tanto na terra quanto no céu. As três séries de selos, trombetas e taças conclui cada uma com uma referência à consumação do mundo. Revelam uma progressão que cresce em intensidade dos selos para as trombetas e para as taças.13O sexto selo e também o sétimo introduzem o grande dia da ira de Deus e a ira do Cordeiro, o que ninguém é capaz de suportar. Todas as classes de pessoas gritam aos montes e rochas que as escondam da face daquele que está sentado no trono (6.15-17). O clangor da sétima trombeta faz com que os 12. Comparer D ale Ralph D avis, “The Relationship between the Seals, Trumpets, and B ow ls in the B ook o f Revelation”, JETS 16 (1973): 149-58. 13. Jon P au lien , D e co d in g R e v e la tio n ’s T rum pets: L ite r a r y A llu sio n s a n d the Interpretation o f Revelation 8.7-12, A U SD D S 11 (Berrien Springs, M ich.: Andrews University Press, 1987), p. 342.
Introdução
23
vinte e quatro anciãos adorem a Deus e digam: “As nações se iraram; e chegou a tua ira. Chegou o tempo de julgares os mortos” (11.18). E, por fim, depois que o sétimo anjo derrama sua taça, ouve-se uma forte voz que sai do trono de Deus, dizendo: “Está feito” (16.17). O furor da ira de Deus faz com que todo monte e ilha se escondam de sua presen ça. As três séries não só terminam com uma descrição da consumação, mas também revelam paralelismo. Os paralelos destacam expressões que incluem esconder, a ira de Deus, montes, terremotos, relâmpagos e vozes. O intuito dessas três passagens supramencionadas é apontar para o Dia do Juízo, quando o fim tiver chegado.
6. Divisão O paralelismo expresso nos três grupos (selos, trombetas e taças) sugere que o escritor não está apresentando uma seqüência cronológi ca, mas, sim, diferentes aspectos dos mesmos eventos. Isso é ainda mais enfático quando notamos as freqüentes referências indiretas e diretas ao juízo final. • Cristo está vindo com as nuvens (1.7). • O juízo para os pecadores é iminente, enquanto os santos cercam o trono (6.16; 7.17). • Chegou o tempo para julgar os mortos (11.18). • Avindadojuízoésim bolizadapeloJuizqueceifaaterra(14.15,16). • A ira de Deus é derramada como uma descrição do juízo final (16.17-21). • Esta descrição é ainda mais vívida com respeito ao cavaleiro do cavalo branco que vem julgar com justiça e fazer guerra a seus inimigos (19.11-21). • O juízo chega a seu clímax quando os livros são abertos e cada pessoa é julgada (20.11-15). William Hendriksen chama essas sete referências ao juízo final de “paralelismo progressivo [que] divide o Apocalipse em sete partes.” 14 14. Hendriksen, M ore Than Conquerors, Essa obra foi publicada em português pela Editora Cultura Cristã com o título M ais que Vencedores (N. do Editor), pp. 121, 36. Herman Bavinck escreve: “Os selos, as sete trombetas e as sete taças não constituem uma série cronológica, mas correm paralelamente, e em cada caso nos levam ao fim , a luta final do poder anticristão” (The L ast Things: H ope f o r This World an d the Next,
24
A p o c a l ip s e
1. Cristo no meio dos sete castiçais de ouro (caps. 1-3) 2. o livro com sete selos (4-7) 3. as sete trombetas do juízo (8-11) 4. a mulher e o menino perseguidos pelo dragão e auxiliares (12-14) 5. as sete taças da ira (15-16) 6. a queda da grande meretriz e das bestas (17-19) 7. o juízo; o novo céu e a nova terra (20-22)
7. Conclusão O último livro da Escritura é único em sua estrutura. Revela um autor humano a quem Deus inspirou para escrever o Apocalipse. João apresenta grupos de ilustrações que comunicam um número de even tos, contudo tais eventos devem ser percebidos como diferentes aspec tos da mesma seqüência de ocorrências. Com cada grupo adicional lança-se nova luz nas ilustrações, de modo que o leitor adquire um melhor entendimento da mensagem do Apocalipse. Não é João, mas Deus, quem põe em relevo sua composição com extraordinário cuidado, provando ser o grande arquiteto deste livro extraordinário. Apocalipse revela pre cisão e clareza inigualáveis com respeito à sua estrutura, ao uso de números e figuras, e à escolha de palavras. O último livro da Bíblia demonstra um Deus que age pessoalmente, do começo ao fim.
B. Linguagem Figurativa Como os livros proféticos e a literatura de natureza sapiencial do Antigo Testamento estão cheios de sinais, assim o último livro do Novo Testamento tem sua parcela de símbolos. João às vezes interpreta um símbolo, como no caso de “aquela antiga serpente chamado diabo, ou Satanás” (12.9) e as águas que João observa como sendo “povos e mul tidões e nações e línguas” (17.15).l50utras vezes, o cenário, usos e características de uma dada palavra fornecem uma explicação. O que org. John B olt e tranduzido por John Vriend [Grand Rapids: Eerdmans, 1996], p. 119). Ver S. L. Morris, The D ram a ofC hristian ity: An Intepretation o fth e Book ofR evelation (Grand Rapids: Baker, 1982), p. 29; Craig S. Keener, Revelation, NIVAC (Grand Rapids: Zondervan, 2000), p. 34. 15. Merrill C. Tenney (Interpreting Revelation [Grand Rapids: Eerdmans, 1957], p. 187) cataloga dez sím bolos que João explica em seu Apocalipse: sete estrelas são sete anjos das igrejas (1.20); sete castiçais são igrejas (1.20); sete lâmpadas são sete espíritos de Deus (4.5); taças de incenso são orações dos santos (5.8); grande multidão representa os que
Introdução
25
precisamos considerar é uma descrição adequada da linguagem figu rativa.
1. Descrição O mundo está cheio de símbolos que podem comunicar diversos significados a um observador. Por exemplo, uma bandeira de uma na ção particular é uma fonte de orgulho nacional para aquele país que, viajando no exterior, de repente reconhece o emblema de sua pátria natal. Mas para o cidadão de uma nação que foi tratada injustamente pelo governo e forças armadas do país supramencionado, a vista de sua bandeira o enche de aversão e desgosto. A cruz é um símbolo que fala profundamente a um cristão, porém gera antipatia nas pessoas de mui tas outras religiões. A um observador, um símbolo comunica significa do que é proporcionado pelo contato direto ou indireto que ele teve com o campo que um símbolo representa. Eis uma definição de símbo lo dada por um dicionário: “Alguma coisa que substitui ou sugere algo mais por razão de relacionamento, associação, convenção ou seme lhança acidental; especialmente um sinal visível de algo invisível.” 16 Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento estão repletos de lin guagem simbólica que se relaciona a uma variedade de classes: nature za, pessoas e nomes, números, cores e criaturas. Analisemos cada uma mais detidamente.
2. Natureza Deus advertiu a Adão e Eva a não comerem da árvore do conheci mento do bem e do mal, e pôs querubins com uma espada flamejante na entrada do Jardim do Éden para que guardassem o caminho à árvore da vida (Gn 2.9,17; 3.22,24). Referências à árvore da vida aparecem não só no início, mas também no fim da revelação escrita de Deus (Ap 2.7; 22.2,14,19). A linguagem simbólica do Apocalipse é evidente em 22.2: “De cada lado do rio estava a árvore da vida, que frutifica doze vezes por ano, uma por mês. As folhas da árvore servem para a cura das nações” (Comparar Ez 47.12). provêm da grande tribulação (7.13,14); o grande dragão é o diabo ou Satanás (12.9); sete cabeças da besta são sete montes (17.9); dez chifres da besta são dez reis (17.12); águas representam povos, multidões, nações, línguas (17.15); a mulher é a grande cidade (17.18). 16. Webster ’s N ew C ollegiate D ictionary (Springfield, Mass.: Merriam-Webster, 1981), p. 1.172.
26
A p o c a l ips e
Deus mandou que Elias permanecesse no Monte Sinai, porque o Senhor estava para passar. Soprava um grande e poderoso vento, um terremoto abalava o monte e um fogo ardia; Deus, porém, não estava em nenhum deles. Sua aparição era semelhante a uma brisa suave (lR s 19.11-12). O Livro do Apocalipse está cheio de expressões simbólicas relativas à natureza, inclusive um vento forte (6.13; 7.1), um terremoto (8.5; 11.19; 16.18), um fogo consumidor (8.7; 20.9) e um período de silêncio (8.1). Jesus instituiu o sacramento do batismo com água e o da Ceia do Senhor com pão e vinho. Seu corpo partido e seu sangue derramado simbolizam que o crente é perdoado, reconciliado com Deus e parti cipante das riquezas e glória eternas. Em seu ensino sobre a lei, Jesus usou o símbolo do jugo (Mt 11.30). E quando Paulo descreve a arm a dura espiritual do cristão, ele faz referência aos calçados do evange lho da paz, ao cinto da verdade, à couraça da justiça, ao escudo da fé, à espada do Espírito, ao capacete da salvação e à comunhão no Espí rito (Ef 6.13-18). O escritor do Apocalipse recorre ao simbolismo de uma voz como de trombeta (4.1), um mar de vidro (4.6), o firmamento enrolado como um rolo (6.14) e um rio da água da vida (22.1).
3. Pessoas e Nomes O Novo Testamento freqüentemente emprega nomes, não para in dicar pessoas como tais, mas para sua condição, significação e obra. Para ilustrar, Abraão personifica o pai de todos os crentes, e Moisés personifica a lei de Deus (Lc 13.16; 19.9; 24.27). Moisés e Elias estão com Jesus no Monte da Transfiguração, onde Moisés incorpora a lei e Elias, os profetas (Mt 17.1-8). Paulo designa Adão como o pai da raça humana (Rm 5.14; ICo 15.22, 45), e Tiago descreve Jó como a incor poração da perseverança (Tg 5.11). O A pocalipse de João registra nomes que ilustram fidelidade (Antipas: 2.13), engano (Balaão: 2.14) e sedução (Jezabel: 2.20). Faz menção de Sodoma e Egito como símbolos de imoralidade e escravi dão, respectivamente (11.8). Para ele, o Monte Sião é o símbolo da nova Jerusalém, que desce do céu, habitação de Deus, com seu povo (Ap 14.1; 21.2, 3).
In tro d u ç ã o
27
4. Números Já discutimos determinados números, mas para completar temos também que analisar a significação de números individuais.17Assim, o número um denota unidade, a qual para os judeus estava codificada em seu credo: “Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus, o Senhor é um ” (Dt 6.4). Dois é o número de pessoas que precisam validar um teste munho num tribunal; no Apocalipse (11.3), duas testemunhas são re presentantes da Igreja de Deus na terra. O número três descreve o Deus Triúno (1.4, 5). Quatro se refere à criação divina como é evi dente à luz das quatro direções dos ventos e as quatro estações do ano. Cinco é um número redondo e, como tal, não tem muita signifi cação simbólica. Assim, cinco meses (9.5, 10) significa um período de duração in d efin id a. Seis sim boliza a luta de Satanás pela completude, porém sempre fracassa em sua realização; daí o número da besta ser um seis triplo (Ap 13.18). Por toda a Escritura, mas espe cialmente no Apocalipse, sete significa com pletude.18O número dez retrata a plenitude do sistema decimal; o número doze exemplifica a perfeição;19e o número mil sugere uma multidão. Daí, a figura 12.000 estádios, descrevendo o comprimento, a largura e a altura da nova Jerusalém , se relaciona com a perfeição na form a de um cubo (21.16).20Um cubo tem doze quinas, isto é, quatro no alto e quatro no fundo com quatro nos lados. Uma quina mede 12 mil estádios, que vezes doze é igual a 144.000 mil estádios. A espessura ou altura dos 17. Para um estudo detalhado sobre a significação simbólica dos números no Apocalipse, ver James L. R esseguie, R evelation Unsealed: A N arrative C ristical Approach to John’s A pocalypse, BIS 32 (Leiden: Brill, 1998), pp. 48-69; Adela Yarbro Collins, “Numerical Sym bolism in Jewish and Early A pocalyptic Literature”, ANRW , 11.21.2, pp. 1.221-87. 18. O conceito sete é proeminente no Antigo Testamento: a palavra bom ocorre sete vezes em G ênesis 1; D eus criou uma semana de sete dias. Sete sacerdotes, tocando sete trombetas, andaram ao redor da cidade de Jerico no sétim o dia, sete vezes (Js 6.4). E Daniel fala de sete “setes” (9.25). 19. F ilo (On R ew ards a n d Punishm ents 65) afirma que o número doze, com o nas doze tribos de Israel, é “o número perfeito”. 20. Consulte Sw eet, Revelation, p. 15. Homer, Hailey (R evelation: An Introduction a n d Com m entary [Grand Rapides: Baker, 1979], pp. 46, 47) chama o número doze “um a idéia religiosa espiritual” . G regory K. B eale (The B ook o f R evelation : A Com m entary on the Greek Text, NIGTC [Grand Rapids: Eerdmans, 1998], p. 61) enfatiza que este número ocorre doze vezes na descrição da nova Jerusalém (2 1 .9-22.5).
28
A p o c a l ip s e
muros é de 144.000 cúbitos, que é o quadrado de doze. Por fim, as doze tribos de Israel, consistindo cada uma de 12.000, perfaz o total de 144.000 (7.4-8), que é também o número dos redimidos que jazem em pé diante do Cordeiro (14.1, 3).21 João viu que o número de tropas montadas destruídas por quatro anjos era de 200.000.000 (9.16). Esse número sim boliza um exérci to incalculável de homens e cavalos designados como forças opos tas a Deus, seu Ungido e seu povo. Os anjos são liberados para destruírem essas forças, de modo que um terço da hum anidade é morta. O uso que o autor faz da expressão “tempo, tempos e metade de um tem po” (12.14) concorda com 42 meses e 1.260 dias (11.2, 3; 12.6; 13.5). A expressão “tempo, tempos e metade de um tem po” deriva de Daniel 7.25, a qual se refere ao período de três anos e meio. Os núm eros evidentem ente comunicam um a m ensagem sim bólica, pois ninguém é capaz de designar com precisão a data do cumprimento.
5. Cores Os tons de cores que João menciona no Apocalipse são branco,22 vermelho (6.4; 12.3), escarlate (17.3, 4; 18.12, 16), preto (6.5, 12), lívido e verde (6.8; 8.7), azul (9.17), amarelo (9.17) e púrpura (17.4; 18.12,16). Outra cor é o ouro; aparece neste livro numerosas vezes, ou como adjetivo, ou substantivo. Para algumas das cores mencionadas na Escritura, o contexto pare ce fornecer um significado simbólico. Por exemplo, branco é a cor que denota santidade, pureza, vitória e justiça. Disse Deus ao povo de Isra el: “Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlate, se tornarão brancos como a neve” (Is 1.18; ver SI 51.7); em sua transfiguração, as roupas de Jesus se tornaram brancas, de um brilho resplandecente (Mc 9.3); e o anjo do Senhor, no túmulo de Jesus, estava vestido com roupa
21. Comparar Henry Barclay Swete, Com m entary on R evelation: The G reek Text with Introduction, N otes, an d Indexes (1911); reimpresso em Grand Rapids: Kregel, 1977), p. cxxxv. Ele cataloga os números que ocorrem no Apocalipse: 2, 3, 3 e m eio, 4, 5, 6, 7, 10, 12, 24, 42, 144, 666 (ou 616), 1.000, 1.260, 1.600, 7.000, 12.000, 144.000, 100.000.000 e 200.000.000. 22. A pocalipse 1.14 (duas vezes); 2.17; 3.4, 5, 18; 4.4; 6.2, 11; 7.9, 13, 14; 14.14; 18.11, 14 (duas vezes); 20.11.
Introdução
29
branca (Mt 28.3). Semelhantemente, no Apocalipse as roupas dos san tos no céu são brancas (4.4; 6.11; 7.9, 13, 14; comparar 3.4, 5, 18). O cavaleiro que monta o cavalo branco é vitorioso e se faz acompanhar de anjos vestidos com vestes brancas e que montam cavalos brancos (6.2; 19.11,14). O Filho do Homem, sentado numa nuvem branca, com uma coroa de ouro em sua cabeça e um cetro em sua mão, surge como vitorioso vencedor que ceifa sua lavoura (14.14); e, finalmente, a cor do trono de Deus é branco, para expressar juízo e justiça (20.11). O vermelho é a cor da guerra, como é evidente do sangue derrama do sobre a terra, quando o cavaleiro que monta o cavalo vermelho brande sua grande espada (6.4). O dragão vermelho se prepara para matar o menino ao nascer, e deflagra guerra contra o arcanjo Miguel e seus anjos (12.3, 7-9). O preto retrata a fome, como ilustrada pelo preço de alimento tão inflacionado: “Um quilo de trigo por um denário, e três quilos de cevada por um denário, e não danifique o azeite e o vinho” (6.6). Significa tam bém trevas, quando o sol deixa de emitir sua luz (Is 13.10; Mt 24.29; Ap
6 . 12). Das cores que João menciona no Apocalipse, o branco e o preto são notáveis. Enquanto a púrpura indica riqueza (18.16), o ouro denota a perfeição do céu (21.18, 21).23Outras cores ocorrem esporadicamente neste livro, e seus contextos falham para esclarecer o seu uso.
6. Criaturas Do mundo animal, João selecionou numerosos representantes para ilustrar determinados conceitos. Os animais quadrúpedes são um cava lo para ser montado (6.2-9), um cordeiro destinado a ser morto (5.6), um leão com boca devoradora (13.2), um urso apoiado em seus pode rosos pés (13.2), um boi em toda sua força (4.7) e um leopardo em toda sua rapidez (13.2). Os répteis são uma serpente representando Satanás (12.9, 15; 20.2), um escorpião exibindo seu ferrão (9.3, 5, 10) e rãs descrevendo maus espíritos (16.13). As aves são os abutres que se empanturram sobre seus cadáveres (19.17, 18) e a águia com suas asas estendidas (8.13). Os insetos são representados pelos gafanhotos que
23. Entre outros, ver G ervais T. D. A n gel, NIDNTT, 1.205; e Joyce G. Baldwin, NIDNTT, 2.96.
30
A po c a l ips e
retratam uma praga (9.3). Todas essas criaturas, a seu próprio modo, aumentam o simbolismo do Apocalipse.
7. Conclusão Nenhum livro no Novo Testamento, como o Livro do Apocalipse, contém tanta ocorrência do conceito grande, Expresso pelo termo gre go megas, e traduzido diversamente por “alto”, “imenso” e “intenso” . O que João vê só pode ser descrito em termos de tamanho, volume, intensidade e importância: anjos com vozes volumosas, de modo que cada criatura é capaz de ouvi-las (por exemplo, 6.10); “enormes pedras de granizo, de cerca de trinta e cinco quilos cada uma” (16.21); intenso calor (16.9); grande autoridade (18.1); e Babilônia, a Grande (18.2). Não obstante, nem todo detalhe é simbólico e carente de interpreta ção. Ao explicarmos o conteúdo do Apocalipse, devemos ter em mente a mensagem central de uma passagem e considerar os detalhes como pictóricos e descritivos. A mensagem é primária; os detalhes, secundá rios. A não ser que a mensagem demande uma interpretação das partes individuais, devemos evitar descobrir um significado mais profundo em cada componente.24Nem toda informação no Apocalipse é simbóli ca. Se o escritor declara que a erva é verde (8.7), e que uma couraça é vermelha, azul e amarela (9.17), ele meramente descreve os objetos. Quando palavras como verde, azul e amarelo ocorrem apenas uma vez em dado contexto, não temos motivo para suspeitar que expressem uma linguagem simbólica. Outras passagens se relacionam à história, tais como o exílio do autor na ilha de Patmos (1.9); o Dia do Senhor (1.10); as cartas às sete igrejas (capítulos 2 e 3); e os versículos conclusivos do capítulo 22. Ocorre uma alusão à história no nascimento do menino que é arrebatado para o céu (12.5). João apresenta o resto do Apocalipse em visões introduzidas pela frase repetitiva: Eu vi. A conclusão a que devemos chegar é que os números, imagens e expressões de grandeza devem ser interpretados como símbolos que apresentam a idéia de totalidade, plenitude e perfeição. Muito do sim bolismo de João se deriva das Escrituras veterotestamentárias e do con texto eclesiástico na época em que ele viveu. Notemos que a mente judaica do primeiro século recebia e apresentava informação por meio 24. Hendriksen, More Than conquerors, p. 40.
Introdução
31
de quadros, ilustrações e símbolos. À guisa de contraste, a mente grega daquela época lidava com conceitos abstratos que analisava e explica va com clara exatidão verbal. Ainda que João gastasse tempo conside rável em um ambiente grego, e escrevesse seu livro no idioma grego, sua composição reflete uma mentalidade oriental que comunica revela ção com a corroboração de imagens pictóricas. A mente hebraica vê Deus como uma fortaleza, uma rocha, um escudo e um libertador (SI 18.2). E tais imagens devem ser vistas em sua totalidade, e não com respeito a cada detalhe individual. João escreve o Apocalipse a partir de uma perspectiva veterotestamentária.
C. E m basam ento Bíblico Em suma, os quatrocentos e quatro versículos do Apocalipse divul gam umas quinhentas alusões ao Antigo Testamento.25Para ser preciso, há quatorze citações incompletas do Antigo Testamento (uma parelha ocorre em 7.17 e 21.4). Os versículos do Apocalipse aparecem abaixo, com a porção citada em itálico: • 1.7 “Eis que ele vem com as nuvens, e todo olho o verá, até mesmo aqueles que o traspassaram', e todos os povos da terra se lamentarão por causa dele” (Dn 7.13; Zc 12.10). • 2.27 “Ele as governará com cetro de ferro e as despedaçará como a um vaso de barro” (SI 2.9). • 4.8 “Santo, santo, santo é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso” (Is 6.3; Am 3.13 LX X ). • 6.16 “Eles gritavam às montanhas e às rochas: “Caiam sobre nós e escondam-nos da face" (Os 10.8). 25. Nes-A 127, U B S 4. Sw ete (R evelation , p. cxl) e Bruce M. M etzger (Breaking the Code: U nderstanding the Book o f Revelation [Nashville: Abingdon, 1993, 1993], p. 13) nota que dos 404 versículos no A pocalipse, 278 versículos fazem alusão a uma passagem veterotestam entária. Ferrell Jenkins conta 348 citações e a lu sões no Apocalipse. Ver seu O ld Testament in the Book o f Revelation (Grand Rapids: Baker, 1972), p. 24. Ver a tradução de Jan Fekkes em seu Isaiah an d Prophetic Traditions in the Book o f R evelation, JSNTSup 93 (Sheffield: JSOT, 1994), p. 62. Steve M oyise ( The O ld Testament in the B ook o f Revelation, JSNTSup 115 [Sheffield: Sheffield A cadem ic Press, 1995], p. 14) assevera que “o A pocalipse ... não contém uma única citação.” E Elisabeth Schüssler Fiorenza (The B ook o f R evelation: Justice and ju dm en t [Filadélfia: Fortress, 1985], p. 135) declara que A pocalipse nunca cita o A ntigo Testa mento.
32
A p o c a l ip s e
• 7.16 “Nunca mais terão fom e, nunca mais terão sede. Não os afligirá o sol, nem qualquer calor abrasador” (Is 49.10). • 7.17 “E Deus enxugará de seus olhos toda lágrima” (Is 25.8). • 11.11 “Mas, depois dos três dias e meio, entrou neles um sopro de vida da parte de Deus, e eles ficaram em p é ” (Ez 37.5, 10). • 14.5 “E em sua boca não se achou mentira” (Zc 3.13; Is 53.9). • 15.3a “Grandes e maravilhosas são tuas obras, ó Senhor Deus Todo-Poderoso” (SI 111.2). • 15.3b “Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei das na ções” (Dt 32.4; SI 145.17; Jr 10.7). • 15.4 “Quem não te temerá, ó Senhor, e não glorificará o teu nome? Pois só tu és santo. Todas as nações virão e adorarão diante de ti” (Jr 10.7; SI 86.9). • 19.15 “E ele os apascentará com uma vara de ferro” (SI 2.9). • 20.9 “Saiu fogo do céu e os devorou” (2Rs 1.10, 12). • 21.4 “E Deus enxugará toda lágrima de seus olhos” (Is 25.8). • 21.7 “E eu serei seu Deus, e ele será meu filho” (2Sm 7.14). João faz alusão quase a cada livro do cânon veterotestamentário. A maioria das referências provém dos Salmos, de Ezequiel e de Daniel. Além disso, há os cinco livros de Moisés; os livros históricos de Josué, Juizes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias e Ester; a literatura de natureza sapiencial de Jó, Provérbios, Cantares; o profeta Jeremias; Lamentações; e todos os profetas menores, com a exceção de Ageu. Com excessão de Rute, Eclesiastes e Ageu, João faz alusão a cada livro do Antigo Testamento. João faz alusão ao Novo Testam ento em cada capítulo de seu livro. Para ilustrar, Jesus m enciona o diabo e seus anjos como sen do am aldiçoados e consignados ao fogo eterno (Mt 25.41); João faz referência ao dragão ou diabo e seus anjos, como sendo expulsos do céu e arrojados na terra (12.7-9; com parar Lc 10.18). O autor estava fam iliarizado com muitos livros do Novo Testam ento, prin cipalm ente os Evangelhos, Atos, m uitas das epístolas de Paulo, Hebreus e as epístolas de Tiago, Pedro, João e Judas. Ele estava igualm ente fam iliarizado com a literatura apócrifa: 2 M acabeus, Tobias, 2 Baruque, Siraque, Sabedoria de Salomão e os Salmos de Salomão.
Introdução
33
Não esperamos que no exílio em Patmos João tivesse acesso a to dos os rolos da literatura bíblica e extra bíblica. Tampouco esperamos que João enrolasse e desenrolasse um rolo em particular a fim de achar passagens para a composição de seu Apocalipse. Em vez disso, inferi mos de suas alusões e citações incompletas no Apocalipse que ele con fiou em sua memória para os ensinos das Escrituras. Do princípio ao fim, toda a estrutura do Apocalipse está entremeada com pensamentos e expressões extraídos dos escritos da Palavra de Deus. Nele vemos a obra artística de Deus, o autor primário da Bíblia. João se serve como o autor secundário plenificado com o Espírito Santo para abrir o último volume do cânon. O último livro do Novo Testamento é também conhecido como um volume doxológico, pois ele cataloga numerosos hinos e cânticos basea dos nas Escrituras. São os hinos entoados pelas quatro criaturas viven tes (4.8); os vinte e quatro anciãos (4.10,11); as criaturas e os anciãos (5.9, 10); os anjos (5.12); todos os seres vivos (5.13); a grande multi dão (7.10); os anjos, os anciãos e as criaturas (7.12); os santos com roupas brancas (7.15-17); o sétimo anjo (11.15); os vinte e quatro anciãos (11.16-18); os santos vitoriosos (15.2-4); o terceiro anjo e uma voz vinda do altar (16.5-7); um anjo com grande autoridade (18.1-3); outra voz celestial (18.4-8); uma vasta multidão de anjos e santos (19.1-3); os vinte e quatro anciãos e uma voz vinda do trono (19.4, 5); e uma grande multidão (19.6-8). Concluímos que Apocalipse é realmente o clímax de todo o cânon da Escritura. Como tal, o livro deve ser visto à luz do restante da Bíblia. O Apocalipse desvenda os ensinos da Palavra de Deus, focalizando a aten ção na vinda do Messias. A primeira vinda do Cristo está simbolizada no nascimento do menino que foi arrebatado ao céu (12.5,13). Mas o cum primento da segunda vinda de Jesus em parte alguma é indicada. O livro cataloga a promessa de seu regresso e na fervente súplica do Espírito e da noiva (a Igreja) para que ele venha logo (22.7, 12, 17,20).
D. A utoria 1. Evidência Externa Em parte alguma do Evangelho de João há alguma referência a João, filho de Zebedeu, o fiel discípulo e apóstolo de Jesus. De igual modo, as três epístolas atribuídas a João omitem o nome do discípulo
34
A p o c a l ip s e
amado, ainda que em duas delas o escritor se refere a si como “o an cião” (2Jo 1 e 3Jo 1). Poderíamos dizer que o autor exclui seu nome pessoal movido por modéstia, e se refira a si apenas como “o ancião” em virtude de sua idade avançada. Mas, no Apocalipse, o autor não se arreceia de usar seu nome pessoal, pois ele se identifica quatro vezes como João (1.1, 4, 9; 22.8). Poderia uma e a mesma pessoa compor um a literatura de três gêneros diferentes: Evangelho, Epístola e Apocalipse? O vocabulário selecionado, a linguagem e a dicção do Evangelho e da Epístola são plenamente semelhantes, mas as do Apocalipse são completamente dessemelhantes dos demais escritos. Quem é o autor do Apocalipse? O Novo Testamento cataloga pelo menos cinco pessoas com o nome João: João Batista, João, filho de Zedebeu, João, pai de Simão Pedro (Jo 21.15-17), João Marcos (At 12.12) e João, pertencente à família do sumo sacerdote (At 4.6). O nome era comum no judaísmo, e em hebraico era Yohanan e em grego, Ioannes ou Ioanes. Poderia haver duas pessoas diferentes com o mesmo nome res ponsáveis pela composição da literatura joanina? Os pais da Igreja pri mitiva atribuíram o Livro do Apocalipse a João o apóstolo. Assim, Justino Mártir, na primeira parte do segundo século (cerca de 135) escreveu: “Houve certo homem entre nós cujo nome era João, um dos apóstolos de Cristo, que profetizou, por meio de revelação que lhe foi feita.”26O autor do Fragmento Muratoriano, datado de aproximadamente 175, atribuiu Apocalipse a João, a quem considerava ser o apóstolo. Cerca de 180, Irineu comentou que sabia de pessoas que tinham visto o autor do Apocalipse. Presume-se que as pessoas em quem ele pensava fossem Papias e Policarpo, discípulos do apóstolo João.27Também faz menção de João como tendo escrito durante o reinado do imperador Domiciano (81-96). E Melito, bispo de Sardes e contemporâneo de Irineu, compôs um comentário não muito extenso sobre o Apocalipse de João. Escritores 26. Justino Mártir, D iálogo com Trifo 81, em The A nte-N icene Fathers, org. Alexander Roberts e James Donaldson, vol. 1, The A postolic Fathers, Justin Martyr, an d lrenaeus (reimpressão, Grand Rapids: Eerdimans, sem data), p. 240. N ote que o lapso de tempo entre a morte de João (presumivelmente em 98 d.C.) e o comentário de Justino Mártir é de pelo m enos quarenta anos, quando testemunhas oculares ainda podiam testificar da veracidade de sua afirmação. Irineu (Eusébio, Eccl. H ist. 3.39.5-6) escreve que o apóstolo João viveu “até os tempos de Trajano”, o qual foi imperador de 98 a 117. 27. Ver Irineu C ontra H eresias 3.11.3; 4.20.11; 4.35.2; 5.30.1; e Eusébio, H istória E clesiástica 5.8.5.
I ntrodução
35
das primeiras poucas décadas do terceiro século (Clemente de Alexandria, Tertuliano, Orígenes, Hipólito e Cipriota) deram a João o crédito da au toria do Apocalipse. Em suma, a autoria joanina é forte desde os primei ros escritores do segundo século até a metade do terceiro. Naquela épo ca, são insignificantes os ataques desferidos contra a integridade do Apocalipse, da parte de Alogi da Ásia Menor e dos seguidores de Gaio, em Roma.28 No terceiro século, Dionísio de Alexandria, que exerceu sua atividade desde 231 a 264, questionou a autoria solidamente estabele cida de João, o apóstolo. Ele viajou para Efeso, onde ouviu acerca de dois túmulos que eram reivindicados como a sepultura de João. Ele concluiu que um deles pertencia ao presbítero João e o outro ao apósto lo do mesmo nome. Estudou o vocabulário escolhido, a dicção, o estilo e a linguagem do Apocalipse, comparou-o com o Evangelho e as Epís tolas de João, e chegou à conclusão de que o autor deste livro não foi o apóstolo, e, sim, João o Ancião. Ele agiu assim com base numa afirma ção feita por Papias mais de um século antes29e mais tarde citado por Eusébio (Hist. Ecles. 3.39.4) em 325: E se por acaso chegava alguém que também havia seguido os presbíteros, eu procurava discernir as palavras dos presbíteros: o que disse André, ou Pedro, ou Filipe, ou Tomé, ou Tiago, ou João, ou Mateus, ou qualquer outro dos discípulos do Senhor, porque eu pensava que não aproveitaria tanto o que tirasse dos livros como o que provém de uma voz viva e durável.30 O grego indica nitidamente que Papias usa o pretérito (disse) para descrever os apóstolos que tinham passado e o tempo presente (esta28. Consultar Sw ete, Revelation, p. cxiv. Ned B. Stonehouse (The A pocalypse in the Ancient Church [G oes, Netherlands: Oosterbaan e Le Cointre, 1929], p. 71), depois de examinar a oposição do A logi e do partido de Gaio, conclui que não há provas de alguma evidência de oposição ao Apocalipse na Á sia M enor durante o segundo século. 29. Papias com pôs um a série de cinco volum es, Interpretation o f the Sayings o f the Lord, nos anos 95 a 110 d.C. A s obras não são muito extensas, mas os fragmentos são preservados na H istória E clesiástica de Eusébio. Robert W. Yarbrough, “The Date o f Papias: A Reassessm ent”, JETS 26 (1983): 181-91; Robert H. Gundry, M atthew (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), pp. 610-11; John Wenham, R edating Matthew, M ark, and Luke (Londres: H odd ere Stoughton, 1991), p. 122. 30. Eusébio: H istória E clesiástica, tradução de W olfgang Fischer (São Paulo: N ovo Século, 1999, p. 111.
36
A po c a l ip s e
vam [lit. estão] dizendo) para aqueles que ainda estavam vivos. Com a repetição da frase o presbítero João, Papias quer comunicar que ele está pensando na mesma pessoa, isto é, em João, discípulo e apóstolo do Senhor, que era o único dos doze apóstolos que ainda vivia. Há mais. Na Igreja primitiva, um ponto de vista quiliástico particu lar enfrentou oposição: alguns escritores, inclusive Papias, Justino Mártir e Irineu, defendiam o ponto de vista de um reino milenial [mil anos] do Senhor sobre esta terra. Mas os líderes alexandrinos, Dionísio e Eusébio, rejeitaram tal doutrina.31 Repudiaram o ponto de vista quiliástico, e Eusébio, particularmente, asperge o caráter de Papias. O que isso tem a ver com a autoria do Apocalipse? Empresta apoio à pressuposição de que o autor do Apocalipse não foi o apóstolo, mas o presbítero João. Para o crédito de Dionísio, notamos que ele considerava esse presbítero como “santo e inspirado”.32Seu argumento, porém, é enfraquecido por sua própria declaração de que havia outras pessoas na província da Ásia que se chamavam João. Ele alega: “Portanto, não contradirei que ele se chamava João e que este livro é de João. Porque inclusive estou de acordo de que é obra de um homem santo e inspirado por Deus. Mas eu não poderia concordar facilmente em que este fosse o apóstolo, o filho de Zebedeu e irmão de Tiago...”33Mas os escritores nos primeiros séculos da Era Cristã nada sabiam de alguém chamado João o apóstolo, exceto o filho de Zebedeu. Além disso, o argumento de Dionísio é en fraquecido ainda mais em virtude de ter recebido a informação das duas sepulturas a partir de boatos. Os pais da Igreja primitiva são incapazes de confirmar que existis se uma pessoa chamada João, o Presbítero. Aliás, Dionísio expressa uma mera suposição: “Simplesmente creio que houve outro [João] en tre aqueles que eram da Ásia.”34À guisa de contraste, cremos que a única pessoa chamada João, que podia falar às igrejas com a autoridade revelada no Apocalipse é João, o apóstolo de Jesus Cristo. Já quase no 31. E uséb io, H istó ria E c le siá stica 3 .3 9 .1 2 -1 3 ; 7 .2 4 .1 . Ver Gerhard M aier, D ie Offenbarung und d ie Kirche, W UN T 25 (Tübingen: Mohr, 1981), p. 107; Stonehouse, A p ocalyp se in the A ncient Church, p. 133; Comparar Charles E. H ill, Regnum Caelorum : P attern s o f Future H ope in E arly C hristianity (Oxford: Clarendon, 1992). 32. Consultar Eusébio, H istória E clesiástica 7.25.7. 33. Ibidem, 7.25.14. 34. Ibidem, 7.25.16.
Introdução
37
fim do quarto século, Jerônimo atribui as últimas duas epístolas de João, não ao apóstolo, mas ao presbítero; não obstante afirma que o apóstolo escreveu ambos, o Evangelho e o Apocalipse.35Além do mais, em sua idade avançada, João poderia ou identificar-se como sendo “o ancião” (ver 2Jo 1; 3Jo 1) ou usar seu nome como faz no Apocalipse. Ninguém além de João poderia reivindicar indisputada autoridade na Igreja já quase no fim do primeiro século. A evidência externa permanece inabalável, porque a crítica de Dionísio repousa principalmente sobre a base dogmática da discussão milenial, uma multiplicidade de pessoas chamadas João e uma notícia não confir mada acerca de duas sepulturas supostamente pertencentes a João.
2. Evidência Interna Três vezes no capítulo 1 (vs. 1 ,4 ,9 ) e uma vez no capítulo 22 (v. 8), o autor se identifica como se chamando João. Ele fala como uma pes soa com inquestionável autoridade, que é bem conhecida de todas as igrejas na província da Ásia (Turquia ocidental). Banido para a ilha rochosa de Patmos, a oeste da cidade portuária de Mileto (perto de Efeso), o escritor usa simplesmente o nome João. Em seu banimento, ele escreve o último livro do cânon em um tipo aramaico de grego. Para a questão concernente ao tempo do exílio de João, consulte a seção sobre a data do Apocalipse. Se presumirmos que João escreveu sua obra já quase no final do reinado de Domiciano, em 95, nossa dedução é que ele já era bem ido so. E possível que em sua velhice ele revertesse paulatinamente ao uso de seu idioma pátrio, o aramaico. Quando as pessoas bilíngües ou multilíngües ficam idosas, às vezes voltam a falar seu idioma nativo. João não é exceção. Uma objeção a esta teoria é que o Evangelho de João e as Epístolas, compostos uns poucos anos antes ao Apocalipse, revelam aceitavelmente bom grego, livre de construções não usuais encontradas em Apocalipse. Notemos, porém, a diferença em gênero: o
35. Jerônimo D e viris illustribus 9. M uitos estudiosos crêem que um só autor com pôs as três epístolas, e que as similaridades verbais no Evangelho de João e nas Epístolas inequ ivocam en te apontam para o m esm o escritor. Contudo Gerhard A . Krodel (R evelation, AC NT [M inneapolis: Augsburg, 1989], pp. 61, 62) escreve: “A erudição moderna em geral concorda com D ionísio, porém atribui a autoria de todos os escritos joaninos a outras pessoas (plural), e não ao apóstolo João.”
38
A po c a l ips e
Evangelho é um relato ininterrupto da vida e ensinos de Jesus; o Apocalipse, porém, é um desvendamento de cenas celestiais. William Hendriksen comenta: “Nesta conexão, não nos esqueçamos de que, quando João escreveu o último livro da Bíblia, sua alma enfrentava uma condição tal de profunda e íntima emoção, de perplexidade e êxta se (pois se achava ‘no espírito’), que sua educação judaica pregressa poderia ter aflorado com mais intensidade, e poderia ter influenciado até mesmo seu estilo e sua linguagem.”36 Suspeitamos que em Éfeso, onde João compôs o Evangelho e as Epístolas, tivesse escribas aptos dando-lhe assistência. Em pregar escribas na escritura de cartas e documentos era uma prática comum durante o primeiro século, porquanto Paulo e Pedro até mesmo menci onam nominalmente seus amanuenses: Paulo se refere a Tércio (Rm 16.22) e Pedro faz menção de Silas (IPe 5.12). Mas no exílio João se encontrava sozinho e tinha que confiar em sua própria habilidade auto ral, e assim escreveu em grego sem o auxílio de oradores nativos. O vocabulário do Apocalipse difere notavelmente daquele do res tante dos escritos de João, e este ponto é crucial no tocante à questão da autoria. Ao comparar o Evangelho de João com o Apocalipse, Dionísio de Alexandria comentou corretamente que enquanto o Evangelho e as Epístolas de João tinham muito em comum, o mesmo não se poderia dizer do Evangelho e o Apocalipse. Então escreveu: “O Apocalipse, porém, é totalmente diferente desses escritos, e estranho a eles; de cer to modo, dificilmente existe uma sílaba em comum entre eles.”37 Entre tanto, este é um exagero grosseiro, porque é possível demonstrar pela evidência substancial que existem muitas similaridades. A expressão o Verbo de Deus (19.13) é uma indiscutível referência ao versículo introdutório do Quarto Evangelho: “No princípio era o Verbo, e o Ver bo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1.1). E uma sucessão de termos em ambos, Evangelho e Apocalipse, expressa o mesmo: • • • •
água da vida (Jo 4.10, 11; 7.38; Ap 21.6; 22.1, 17) videira (Jo 15.1, 4, 5; Ap 14.18, 19) pastor (Jo 10.11; Ap 7.17) vitória (Jo 16.33; Ap 2.7, 11, 17, 26; 3.5, 12, 21; 21.7)
36. Hendriksen, M ore Than conquerors, p. 12. 37. Eusébio, H istória E clesiástica 7.25.22.
Introdução
39
• luz (Jo 1.4, 5, 7, 8, 9; Ap 18.23; 21.24; 22.5) • amor (Jo 13.35; 15.9, 10, 13; 17.26; Ap 2.4, 19) • testificar (Jo 1.7, 8, 15, 32, 34; Ap 1.2; 22.16, 18, 20) Em seu zelo para desmentir a autoria apostólica do Apocalipse, Dionísio exagerou sua posição e prejudicou gravemente seu argumento.38Swete escreve: “Das 913 palavras usadas no Apocalipse, 416 são também en contradas no Evangelho, mas as palavras comuns a ambos os livros são ou de um tipo mais ordinário, ou são partilhadas por outros escritores do N[ovo] T[estamento].”39 Diferenças concernentes a questões tais como a ortografia do termo Jerusalém e um sinônimo para a palavra cordeirom são insignificantes, porquanto comunicam a mesma idéia.41 A maior divergência corre por conta do estilo do Evangelho de João e do Apocalipse. Dionísio de Alexandria comparou o estilo de cada livro e comentou que o Evangelho foi “escrito em grego escorreito”, o qual ilustra a “mais profunda habilidade literária de João” no tocante à dicção, raciocínio e construções. E escreveu no tocante ao autor do Apocalipse: “Observo seu estilo e o uso que faz do idioma grego sem exatidão, senão que emprega idiotismos bárbaros, em alguns lugares cometendo solecismos bem evidentes.”42Dionísio foi o primeiro dentre muitos escritores a notar inconsistências gramaticais e interrupções es truturais abruptas no Apocalipse.43Tais solecismos são óbvios no texto 38. Para uma discussão detalhada sobre diferenças no vocabulário catalogadas por D ionísio, ver Rober L. Thomas, R evelation 1 -7 : An Exegetical C om m entary (Chica go: M oody, 1992), pp. 5-7. 39. Sw ete, R evelation , p. cxxvii. 40. O quarto Evangelho destaca duas vezes a palavra grega am nos (cordeiro, Jo 1.29, 36) expressa por João Batista, e uma vez ele tem o termo arnion (cordeiro, João 2 1.15) pronunciada por Jesus. A primeira palavra está ausente no Apocalipse, mas a segunda ocorre ali vinte e oito vezes em referência a Jesus, e uma vez em referência à besta (13.11). Presum im os que esse segundo termo era precioso para o apóstolo. 41. R. H. Charles, A Criticai and E xegetical Com m entary on the R evelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), l:xxx-xxxi. Charles cataloga alguns exem plos, e Sw ete (R evelation , p. cxxii) nota que hapax legom ena são poucos. 42. Eusébio, H istória E clesiástica 7.25.25-26. 43. “O grego do A pocalipse difere em grau extraordinário do grego do quarto Evange lho. Ele não só exibe uma maior liberdade em abundância de vocabulário e fraseologia elaborada; é simplesmente refratário das restrições de gramática.” James Hope M oulton, Â C ram m ar o fN e w Testament Greek, vol. 2, parte 1 (Edimburgo: Clark, 1908), p. 33.
40
A p o c a l ips e
grego, mas não aparecem nas traduções. São erros gramaticais: primei ro, do caso nominativo que segue a preposição apo (de), a qual governa o caso genitivo: “daquele que é e que era e que há de vir” (1.4). Em seguida, o caso nominativo se põe em oposição a outros casos, como se faz evidente na saudação: “de Jesus Cristo, a fiel testemunha” (1.5). Aqui, a preposição grega governa o caso genitivo do substantivo Jesus Cristo; mas as três palavras seguintes, que deveriam estar no genitivo, em vez disso estão no caso nominativo. E, terceiro, embora na tradução não notemos nenhuma interrupção na sentença: “Àquele que nos ama e nos liberta de nossos pecados por seu sangue, e nos fez um reino” (1.5b, 6a), no grego o autor escreve dois particípios, ama e liberta, seguidos de um verbo finito fez. Estas são apenas as primeiras poucas inconsis tências entre outras numerosas no restante do Apocalipse.44 Tais discrepâncias não constituem um caso de ignorância nem de lapso de memória, mas devem ser atribuídas à intenção deliberada de João. Para ilustrar, o escritor quebra a regra gramatical ao apresentar o caso genitivo depois da preposição apo em 1.4, mas na sentença seguin te, “e dos sete espíritos que estão diante do trono”, ele corretamente es creve o genitivo. Aliás, ele usa esta preposição trinta e uma vezes no Apocalipse, e em cada caso ela é escrita corretamente, com a exceção da sentença supramencionada. Devemos concluir que João deliberadamente escreve aramaico grego com o intuito de aproximar o idioma hebraico ao ponto de quebrar regras gramaticais gregas.45Daí, a frase daquele que se relaciona com a estrutura do verbo hebraico “Eu sou” (Êx 3.14; Jo 8.58). Aliás, a tradução grega do Antigo Testamento tem esta expressão ho e im i ho õn (Eu sou aquele que é [Êx 3.14 L X X ]). E no texto grego do Salmo 118.26 (117.26 LX X ) surge a expressão ho erchom enos (aquele que está vindo). O dito “aquele que é, que era, que há de vir”, com a adição de “o Todo-Poderoso”, ocorre como uma quádrupla afirmação da deidade, eternidade, presença e poder de Deus (1.8; 4.8). Esses quatro títulos de Deus estão na mente de João como substantivos indeclináveis,
44. Sw ete (pp. cxxiii-cxxiv) apresenta uma lista de peculiaridades. A ssim faz Ernest B. A lio, Saint Jean l ’apocalypse, Études bibliques (Paris: Gabalda, 1921), pp. cxxxvcxlvii. 45. M illigan (R evelation o f St. John, p. 255) nota trinta e nove ocorrências no A pocalipse.
Introdução
41
não de uma perspectiva grega, mas de um ponto de vista semítico.46E, por último, o povo judeu estava familiarizado com a interpretação da Bíblia Hebraica corroborada pelos Targums Aramaicos no culto das si nagogas. Ali o rabino interpretava o Pentateuco e os Profetas dos Targums, traduções aramaicas das Escrituras veterotestamentárias.47 O autor do Apocalipse possui um invejável conhecimento das Es crituras veterotestamentárias, e o reflete no estilo deste último livro do cânon. Impregnado do vocabulário dos profetas veterotestamentários, João intencionalmente adota seu modo de expressão mesmo quando resulta em gramática grega deficitária.
3. Características As obras literárias de João exibem determinadas características de afinidade. Um exemplo de similaridade estilística são as sentenças coordenadas na literatura de João. Por exemplo, enquanto Lucas ge ralmente compõe seu Evangelho e Atos num estilo subordinado de sentenças severas, João adota um estilo coordenado de sentenças bre ves e simples que freqüentemente começam com a conjunção e. Isso é um fato especialmente nas seções em forma de narrativa do Evan gelho e em todo o Apocalipse.48João reflete um estilo semítico de escrita, e Lucas, um estilo helenístico que às vezes se aproxima do grego clássico. A literatura joanina nos três gêneros (Evangelho, Epístolas e Apocalipse) exibe uma extraordinária similaridade em estrutura. Uma relevante característica de algumas partes do Evangelho é uma aborda gem em forma de espiral ao material em mãos. Um exemplo é o Prólogo, no qual João desenvolve um tema contínuo, reiterando sua descrição do Logos (o Verbo), como se faz evidente em 1.1 e 14; sua referência a João 46. Ruurd Jan van der M eulen, D e O penbaring in het L aatste B ijbelboek (Utrecht: Den Boer, 1948), p. 17. Martin Kiddle (The R evelation o f St. John, M NTC [Londres: Hodder e Stoughton, 1940], p. 7) escreve: “M esm o uma paráfrase do nom e imutável de Deus deve ser preservada de declinação.” 47. Bruce K. Waltke, “The Textual Criticism o f the Old Testament”, em B iblical C riticism : H istorical, L itera ry and Textual, org. R. K. Harrison, B. K. Waltke, D. Guthrie, e G. D . Fee (Grand Rapids: Zomdervan 1978), p. 72. Ver também Sw eet, R evelation , p. 40. 48. Ver Ver.i S. Poythress, “Johannine Authorship and the U se o f Intersentence Conjunctions ;n the B ook o f Revelation” , WTJ 47 (1985): 329-36.
42
A po c a l ips e
que veio para testificar em 1.6-9 e 15a; e a vinda de Cristo em 1.10,11 e 15b-17. A mesma configuração em forma de espiral caracteriza o assim chamado discurso de despedida de Jesus (capítulos 14-17). Por exem plo, João escreve sobre o Espírito Santo, que é o Consolador e o Espírito da verdade enviado pelo Pai em nome de Jesus (Jo 14.16,26). Ele reitera esta informação nos dois capítulos seguintes (Jo 15.26; 16.7, 13). Com fraseologia repetitiva e crescente ele escreve sobre a relação Pai-Filho, culminando com a oração sumo sacerdotal de Jesus no capítulo 17. Na Primeira Epístola de João, notamos igualmente uma abordagem em for ma de espiral na composição. Os conceitos pecado e amor exemplificam este estilo em forma de espiral. Finalmente, o Apocalipse está saturado da reiteração de temas.49 Por exemplo, pense nos elementos repetitivos nas sete cartas, nas sete trombetas e nas sete pragas. As características nas obras joaninas são únicas e parecem apontar para um e o mesmo autor. Formam a subestrutura sobre a qual cada gênero individual é construído e a qual sugere uma identificação de seu autor. Compreendemos que nem toda pergunta foi respondida e nem todo problema foi solucionado, não obstante aquilo que foi apresenta do nos ajuda a estabelecer a identidade do escritor do Apocalipse.
4. Conclusão Nos tempos modernos, muitos estudiosos têm rejeitado a autoria apostólica do Apocalipse.50Agem assim, entre outras coisas, com base 49. Referência a Schüssler Fiorenza, R evelation, p. 171. 50. Sw eet (R evelation , p. 37) escreve: “A maioria dos estudiosos modernos acredita, com D ionísio, que o autor não poderia ter escrito o E vangelho e igualm ente as E písto las” . E W ilfrid J. Harrington {R evelation, SP 16 [C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993], p. 9) declara: “H oje é amplamente aceito, ou pelo m enos seriamente discutido, que ex iste algum a ligação, ainda que tênue, do A p ocalipse com o E vangelho”. Concernente ao ponto de vista de D ionísio, Leon Morris (R evelation, edição revista TNTC [Leicester: In ter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987], p. 29) corretamente observa: “O s estudiosos mais recentes raramente fizeram mais do que repetir e elabo rar a posição que ele assum iu” . Outros estudiosos assum em uma posição neutra, di zendo que o autor era um profeta judeu cristão chamado João (comentários de Kiddle, pp. xxxv-vi; Beasley-M urray, p. 37). Mas por causa da sólida evidência externa e corroborativa interna favorecendo a autoria apostólica, muitos estudiosos se deixa ram persuadir de que João, filho de Zebedeu, escreveu o A pocalipse (entre outros, Donald Guthrie, W illiam Hendriksen, Philip Edgcum be H ughes, George E. Ladd, Leon Morris, Merrill C. Tenney, Robert L. Thomas).
In tro d u ç ã o
43
nos diferentes estilos no tocante ao quarto Evangelho e ao Apocalipse. É possível que um autor componha livros de diferentes estilos? A res posta é afirmativa e pode ser provada com muitos exemplos extraídos dos tempos antigos e modernos, para mencionar apenas as obras de C. S. Lewis.51Além disso, notamos que o Apocalipse de João difere dos apocalipses judaicos com respeito à autoria: apocalipses são escritos com pseudônimos, mas mediante seu próprio testemunho João é o au tor do Apocalipse. Ele profetiza não em nome de algum outro, mas em seu próprio nome. Donald Guthrie comenta: “[Este era] um departamen to da tradição que só podia ter surgido através da convicção de que o espírito de profecia se tornara uma vez ativo e que não havia necessidade de pseudônimos”.52 E Leonhard Goppelt corrobora: “Sobre o Apocalipse de João: Para uma interpretação de todo o livro é importante notar que o vidente, em conformidade com o A[ntigo] T[estamento], do qual a des crição de suas experiências revelatórias é reminiscente, se equipara aos profetas do A[ntigo] T[estamento] sem esconder-se atrás de pseudônimo de um deles como fazem os demais escritores apocalípticos.”53 Outra diferença entre os escritores judeus de apocalipses e João é o tempo e lugar de composição, bem como os destinatários. E pratica mente impossível determinar quando e onde e a quem os apocalipses judaicos eram escritos e sob quais circunstâncias viviam seus autores. À guisa de contraste, João é aberto e direto quando informa a seus leitores que ele se encontrava na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus - tempo de perseguição e exílio (1.9). Além disso, os primeiros 51. Austin Farrer ( The R evelation o f St. John the D ivin e [Oxford: Clarendon, 1964], p. 49) escreve: “Escrever son etos e escrever sobre esportes requer estilo s bem dife rentes, contud o suponho que o crítico possa com ju stiça alegar recon h ecer o Shakespeare dos sonetos no Shakespeare de expressões poéticas contidas nos jo g o s seus contem porâneos” . 52. Donald Guthrie, N ew Testament Introduction, 4"1ed. (Downers Grove: Inter-Varsity, 1990), p. 935. Ver também a discussão sobre o estilo do A pocalipse em D . A . Carson, D. M oo e L. Morris, N ew Testament Introduction (Grand Rapids: Zondervan, 1992), pp. 478-79. E les vêem A pocalipse de forma abrangente “com o profecia disposta em um m olde apocalíptico e escrita em forma de carta” (p. 479). G. R. Beasley-M urray (The B ook o f R evelation, NC B [Londres: Oliphants, 1974], pp. 12-14) também o de nomina de carta. D e fato, o Apocalipse tem um nome e uma saudação no início (1.4, 5a) e uma bênção no fim (22.21). 53. Leonhard Goppelt, Typos: The Typological Interpretation o f the O ld Testament in the New, tradução de Donald H. M advig (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 197, nota 81.
44
A p o c a l ips e
três capítulos do Apocalipse não apenas identificam os destinatários ao dar nomes, mas ainda descrevem circunstâncias que indicam uma data possível. Problemas relativos a ênfases teológicas que tangem a evidência interna são discutidas na seção introdutória sobre teologia. Ainda que haja dificuldades insignificantes com respeito ao conteúdo do Apocalipse, concluo com base na evidência externa quase sólida e no auxílio da evidência interna que o apóstolo João é o autor do Apocalipse.
E. T em po, Lugar e Cenário Os estudiosos têm defendido uma data ou precoce ou tardia para a composição do Apocalipse - a data precoce situa-se em meados dos anos sessenta, e a data tardia em meados dos anos noventa. O período precoce refletiria as perseguições cristãs enfrentadas durante os últi mos poucos anos do reinado de Nero (64-68); o período tardio visualizaria os últimos anos de Domiciano (95-96). Os proponentes da data precoce e tardia para o Apocalipse combi nam a evidência que têm visualizado de ambas as fontes, externas e internas; em outros termos, o que os escritores dos primeiros poucos séculos dizem sobre a data do Apocalipse e o que o próprio livro indica sobre uma possível data de composição.
1. Fontes Externas Uma fonte primária de informação é Irineu, que foi discípulo de Policarpo que, por sua vez, foi discípulo do apóstolo João. Irineu serviu como bispo em Lion, sul da França, e escreveu defesas volu mosas da fé cristã. Comentando Apocalipse com referência ao nome da besta (13.18), ele escreve: Entretanto, não incorrerei no risco de pronunciar positivamente o nome do Anticristo; pois se fosse necessário que seu nome seja distintamente revelado na presente época, ele teria sido anunciado por aquele que rece beu a visão apocalíptica. Pois ela não foi vista muito tempo antes, mas quase em nossos dias, já no fim do reinado de Domiciano.
Introdução
45
O texto está preservado em latim por Irineu e em grego por Eusébio.54Em ambos os textos, latino e grego, o sujeito do verbo fo i visto está ausente e tem de ser completado. Irineu quis dizer que o Apocalipse foi visto? Ou pretendia dizer que João, o escritor do Apocalipse, foi visto? Alguns dos que apóiam a data precoce para o Apocalipse enfatizam que o sujeito do verbo é João. Argumentam com base no contexto de que é mais lógico concluir ser o escritor do que o escrito como o sujeito diretivo. Alegam que Eusébio facilita sua esco lha citando Irineu duas vezes: em primeiro lugar, “como essas coisas são assim, e o número se encontra em todas as cópias aprovadas e anti gas, e os que viram João face a face o confirmam”; e, em segundo lugar, “pois ele [o livro] foi visto, não muito antes, mas quase em nossa geração, já no final do reinado de Domiciano”.55Concluem que nessas citações o verbo ver teria a mesma referência, de modo que o sujeito desse verbo não era o Apocalipse, mas João. Assim, o apóstolo foi visto nos últimos anos de Domiciano, enquanto o Apocalipse já estava em circulação já por quase três décadas. Entretanto, o contexto dessas passagens em Irineu e Eusébio reve lam que ambos os autores tinham em mente o livro, e não o apóstolo. Irineu dedica um capítulo inteiro (cap. 30) ao número e nome do Anticristo (Ap 13.18), e no decurso de sua discussão ele escreve: “Mas isso foi visto não muito antes, mas quase em nossos dias, já no final do reinado de Domiciano”. Essa sentença é uma explicação da preceden te, que termina com a expressão “visão apocalíptica”. Conseqüente mente, o sujeito é o mesmo em ambas as sentenças. E Eusébio, notan do a grande crueldade da perseguição de Domiciano e o banimento do apóstolo João para Patmos, menciona o Apocalipse e então cita as palavras de Irineu supramencionadas. O contexto dessas palavras nos escritos de ambos, Irineu e Eusébio, sugere que o sujeito não é João, mas o Apocalipse.56 Em seguida, o nome de Domiciano está ausente dos escritos de Clemente de Alexandria e de Orígenes quando mencionam o banimento 54. Irineu C ontra H eresias 5.30.3 (em Pais A postólicos, pp. 559-60); Eusébio, H istó ria E clesiástica 3.18.3; 5.8.6. 55. Eusébio, H istória E clesiástica 5.8.5-6 (LCL); e Irineu Conta H eresias 5.30.3. 56. Ibidem, John A. T. Robinson (Reclating the N ew Testament [Filadélfia: Westminster, 1976], p. 22) observa que tomar João o sujeito do verbo f o i visto “é muito dúbio”.
46
A po c a l ip s e
de João para Patmos. Clemente diz que João, sendo exilado em Patmos, regressou a Éfeso “depois da morte do tirano”.57E Orígenes declara: “O imperador dos romanos, como ensina a tradição, condenou João à reclusão na ilha de Patmos.”58Os advogados de uma data precoce para Apocalipse alegam que as palavras tirano e imperador não apontam para Domiciano, mas para Nero. Concluem que a tradição externa só pode dizer com certeza que João foi exilado em Patmos, onde compôs o Apocalipse, porém não onde ele o escreveu. Em razão das afirmações indefinidas dos escritores do segundo e terceiro século, assim os pro ponentes de uma data precoce asseveram, a evidência em prol da data do Apocalipse parece favorecer o tempo das perseguições de Nero. No quarto século, porém, Eusébio e Jerônimo escreveram que João foi ba nido para Patmos durante o reinado de Domiciano. E Eusébio, citando Clemente de Alexandria - “porque depois da morte do tirano ele [o apóstolo João] se transferiu da ilha de Patmos para Éfeso”, menciona Domiciano nominalmente no mesmo capítulo.59 Antes de Irineu escrever Against Heresies [Contra Heresias], apro ximadamente em 185, um historiador cristão chamado Hegesipo, em meados do segundo século, compôs o livro Five Memoirs [Cinco M e mórias]. Apenas fragmentos dessa obra foram preservados por Eusébio e estão refletidos nas seguintes afirmações que realçam o termo histó ria e são atribuídas a Hegesipo: Nesse tempo em que a história tem seqüência, o apóstolo e evangelista João ainda vivia, e foi condenado a viver na ilha de Patmos em razão de seu testemunho da palavra divina. Depois de Domiciano haver reinado quinze anos, Nerva o sucedeu [9698], As sentenças de Domiciano foram anuladas e o senado romano de cretou o regresso daqueles que injustamente tinham sido banidos e a res tauração de suas propriedades. Aqueles a quem foi confiado escrever a
57. Clem ente de Alexandria Who Is the Rich M an That Shall Be Saved? 42, em The Ante-N icene F athers, org. Alexander Roberts e James Donaldson (reimpressão, Grand Rapids: Eerdmans, sem data), 2.603; Eusébio, H istória E clesiástica 3.23.6. 58. Orígenes, M ateus 16.6. Ele escreve a palavra grega basileus (rei), que significa imperador (IP e 2.13, 17). 59. Ibidem.
Introdução
47
história daqueles tempos o relataram. Nesse tempo também a história dos antigos cristãos relata que o apóstolo João, depois de seu banimento para a ilha, voltou à sua residência em Éfeso.60 Lawlor conclui: “No entanto, se as duas passagens referidas são realmente de Hegesipo, temos este testemunho de que João o apóstolo foi banido para Patmos sob Domiciano, e residiu em Éfeso sob Nerva. Equivale dizer que ele deve ser adicionado ao pequeno grupo de teste munhas primitivas à data tardia e autoria apostólica do Apocalipse. E isso está saturado de significação.”61Hegesipo, que provavelmente nas ceu em cerca de 110, não fornece evidência de que João escreveu o Apocalipse antes da destruição de Jerusalém. Ainda que os autores dos primeiros séculos não fossem tão preci sos como esperaríamos que fossem, não podemos dizer que a evidência aponte esmagadoramente na direção de uma data precoce. Ao contrá rio, há importante evidência em prol da data tardia. Aliás, a data tardia tradicional é uma concebível opção que é muito mais corroborada pela evidência interna do Apocalipse.
2. Evidência Interna a. Medição do Templo Um dos textos no Apocalipse que falam do templo e da cidade san ta é crucial para os que defendem uma data precoce, pois alega-se que, à guisa de ampliação, o templo de Jerusalém está ainda de pé quando se ordena ao apóstolo João que o meça. Eis textualmente as palavras em 11.1-3: Deram-me um caniço semelhante a uma vara de medir, e me disseram: “Vá e meça o templo de Deus e o altar, e conte os adoradores que lá estiverem. Exclua, porém, o pátio exterior; não o meça, pois ele foi dado aos gentios. Eles pisarão a cidade santa durante quarenta e dois meses. Darei [poder] às minhas duas testemunhas, e elas profetizarão durante mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco.”
60. Eusébio, H istória E clesiástica 3.18.1 e 3.20.8-9 (LCL). Ver também Lawlor, Eusebiana: E ssays on the E cclesiastical H istory o f Eusebius P am phili, c. 264-349 d.C. Bishop o f C aesarea (1912; reimpressão, Amsterdã: Philo, 1973), pp. 50-53. 61. Lawlor, Eusebiana, p. 95.
48
A p o c a l ips e
O argumento consiste em que todo o Novo Testamento mantém silên cio sobre o desaparecimento do templo. Esse chocante evento, predito por Jesus nos Evangelhos e cumprido quarenta anos depois de sua ascensão, presumivelmente teria sido mencionado no Apocalipse se este livro fosse escrito depois da queda de Jerusalém. Certo escritor conclui: “Já se mos trou que no tempo da composição do Apocalipse o complexo do templo é mencionado como estando ainda de pé. E inconcebível que um livro da natureza do Apocalipse pudesse deixar de mencioná-lo como já estando destruído, se o Apocalipse tivesse sido escrito depois de 70 d.C.”62 O Novo Testamento usa o termo grego hieron para o complexo do templo (por exemplo, Mt 24.1; At 3.1) e a palavra naos para o santu ário interior (ver M t 27.51). Em todo o Apocalipse João nunca usa o prim eiro term o em referência ao templo, mas sempre o segundo (dezesseis vezes).63 O Santo dos Santos era o lugar do sumo sacerdo te, o qual tinha acesso ali uma vez ao ano, no Dia da Expiação. Ali ele estava na presença do Deus Todo-Poderoso a fim de aspergir sangue por si mesmo e pelo povo de Israel em remissão de pecados (Lv 16.614). Mas quando Jesus, o sacrifício perfeito, derramou seu sangue na cruz e morreu, a cortina do Santo dos Santos rasgou-se de alto a baixo (Mt 27.51). Deus então fez saber que não mais só o sumo sacerdote, mas todo o seu povo, poderia ter livre acesso à sua presença. A ênfa se, pois, não está no complexo do templo em Jerusalém antes de seu desaparecimento. Ao contrário, João acentua que o povo de Deus que agora está com Jesus, seu Mediador, tem o privilégio de entrar na presença de Deus (Hb 9.24). Eles são o templo de Deus e oferecem seus sacrifícios de louvor em seu altar. Por contraste, o átrio exterior, onde ficava o altar que fora dado aos gentios, os incrédulos, que são expulsos da presença de Deus. Tripudiam a cidade santa, a qual não mais é santa, e, sim, profana e figuradamente se chama Sodoma e Egito (11.8; ver também Lc 21.24). A intenção de João não é transm i 62. Kenneth L. Gentry Jr., Before Jerusalem Fell: D ating the Book o f R evelation (Tyler, Tex.: Institute for Christian Econom ics, 1989), p. 192. 63. A pocalipse 3.12; 7.15; 11 .1 ,2 , 19 (duas vezes); 14.15, 17; 15.5, 6, 8 (duas vezes); 16.1, 17; 21.22 (duas vezes). Nenhum outro livro neotestamentário tem tantas ocor rências: há nove em Mateus; quatro em Lucas e quatro em 1 Coríntios; três no Evange lho de M arcos e três no de João; duas em Atos e duas em 2 Coríntios; e uma em E fésios e uma em 2 Tessalonicenses.
Introdução
49
tir uma interpretação literal do templo e da cidade terrena, mas, antes, uma compreensão simbólica do povo de Deus que habita em sua pre sença, isto é, em seu templo.64 Além disso, se o período de quarenta e dois meses, ou 1.260 dias, se refere ao início das guerras judaicas e termina com a destruição de Jerusalém, seríamos capazes de determinar a data para a composição do Apocalipse. Esse período durou da primavera de 67 ao outono de 70, até a queda de Jerusalém. As perseguições instigadas por Nero tam bém tiveram esta duração: do final de outono de 64 a nove de junho de 68, quando o imperador tirou sua própria vida. Uma data aproximada para o Apocalipse seria então em meados ou fins dos anos 60.65 Interpretando o tempo completo de quarenta e dois meses, ou 1.260 dias, não simbólica, mas literalmente, cria-se um número de proble mas. Primeiro, esses números aparecem também nos contextos (12.6; 13.5) onde uma interpretação literal não é possível. Segundo, Nero põe fogo à cidade de Roma em julho de 64, e certamente que não aguardou até o final de outono daquele ano para fazer dos cristãos o bode expiatório. Terceiro, a revolta judaica contra Roma irrompeu na prima vera de 66 e terminou com a destruição de Jerusalém em agosto-setembro de 70. E, concluindo, o ato de calcar aos pés a cidade santa pelos gentios só podia começar quando Jerusalém caísse nas mãos dos solda dos romanos. Situar os quarenta e dois meses depois de setembro de 70 é fazer confusão, pois não há nenhum incidente histórico que caracteri ze seu término. João descreve o conflito entre Cristo e Satanás, o povo de Deus e os populachos de Satanás. Ele descreve simbolicamente a cena de con flito, de modo que os números do relato do capítulo 11 devem ser inter pretados semelhantemente. Além do mais, as outras partes deste capí tulo recebem uma interpretação figurada: a vara de medir, o ato de medir, as duas oliveiras e as duas lâmpadas (11.1-4). Onde uma passa gem está saturada de simbolismo, alguém não esperaria literalismo. Concluímos, dizendo que o texto de 11.1-3 não prova uma data anteri or à ruína de Jerusalém em 70.
64. Consultar Bauckham, Clim ax o f P rophecy, p. 272. 65. Gentry, Before Jerusalem Fell, p. 156; David Chilton, The D ays o f Vengance: An E xposition o f the B ook o f Revelation (Fort Worth, Tex.: D om inion, 1987), p. 4.
50
A p o c a l ip s e
b. O Número da Besta Há outra passagem que assume um ponto focal na discussão da data do Apocalipse: “Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Seu número é 666” (13.18). Comecemos com o mistério do número 666, o qual numerosos es tudiosos atribuem a Nero, que é então designado como o Anticristo. Escrevendo extensamente sobre esse número, Irineu realça o perigo de se conhecer o número do Anticristo: “Além do mais, outro perigo, de modo nenhum trivial, surpreenderá aos que presumem conhecer o nome do Anticristo.”66Ele nota que não há falta de nomes, e menciona três que preenchem o número 666: Evanthas, Lateinos e Teitan (isto é, Tito, que destruiu Jerusalém). Ele chama a atenção para Teitan como um prospecto, porém se contém de escolher algum desses nomes: Não obstante, não incorrerei no risco de proaunciar positivamente o nome do Anticristo; pois se fosse necessário que seu nome tivesse que ser dis tintamente revelado nestes tempos atuais, ele teria sido pronunciado por aquele que teve a visão apocalíptica.67 No encerramento do segundo século, Irineu hesitou aventurar-se a dar um significado exato a esse misterioso número. Só foi nos idos de 1830 que quatro estudiosos alemães propuseram o nome de Nero César como sendo o número 666.68No século 20 têm-se feito sugestões adicio nais: por exemplo, Vespasiano, Tito e Domiciano.69 A escolha de Nero César para o nome a interpretar o número 666 requer a adição da letra n ao nome a formar Neron Caesar. Essa é a soletração do nome hebraico (aramaico), a qual tem sido verificada com a
66. Irineu, Contra H eresias 5.30.1 67. Ibidem, 5.30.3. 68. O. F. Fritsche (1831); F. Benary (1836); F. H itzig e E. Reuss (1837). R efere-se a D. Brady, The C ontribution o f British W riters betw een 1560 e 1830 to the Interpretation o f R evelation 13.16-18 (the N um bers o f the Beast): A Study in the H istory o f Exegesis, BG BE 27 (Tubingen: Mohr, 1983), p. 292. 69. R espectivam ente, W. G. Baines, “The Number o f the Beast in R evelation 13.18”, H eythJoum 16 (1975): 195-196; Ethelbert Stauffer, “666 (A poc. 13.18)”, C onN T 11 (1947): 237-41.
Introdução
51
redação de um manuscrito Murabbacat dos Rolos do Mar Morto.70Se presumirmos que João tinha em mente Neron Caesar, temos de notar que uma variante textual que tem a redação 616 soletra Nero Caesar. Mas já no segundo século Irineu o discute e o rejeita. Assim, se entendermos o número 666 como uma referência enigmática a Nero, temos que formu lar a pergunta por que João escreve francamente sobre os “sete montes” (17.9); os escritores romanos comumente usam esta expressão para de signar Roma. E se dissermos que 666 é igual a Nero como a besta, então o contexto apresenta dificuldades. Primeiro, uma das cabeças da besta recebeu um golpe mortal administrado por uma outra pessoa (13.3), Nero, porém, cometeu suicídio, enquanto a besta continua viva. Segundo, a ferida fatal que foi curada simboliza a volta à vida. Esta é claramente uma paródia de Satanás em seu esforço de imitar a ressurreição de Cristo (comparar 13.3 e 1.18). E a lenda de Nero voltando à vida (Nero redivivus) “se adequa a dar à besta a simulação da futura vinda de Cristo”.71Terceiro, em 13.16,17a besta ordena que todos os seus seguidores portassem esse número impresso em sua mão direita e na fronte. Sem esse número nin guém podia comprar nem vender. Mas os historiadores romanos não registram nada sobre tal decreto, nem em Roma nem nas províncias. Não obstante, o Apocalipse reiteradamente faz menção da marca da besta ou do número de seu nome (14.9; 15.2; 20.4). Mesmo que identifiquemos o número da besta com o nome de Nero, a questão permanece, se João queria comunicar um período na história ou contrastar Satanás e Cristo, o vencido e o vencedor. Sugiro que uma interpretação simbólica se ade qua melhor ao contexto. O capítulo 13 retrata o poder de Satanás sobre o mundo, de modo que, quem recusar-se a receber sua marca, será excluído. Em suma, Satanás parece ter vencido os santos: “Se alguém vai para o cativeiro, para o cativeiro vai. Se alguém deve ser morto a espada, a espada ele será morto. Aqui está a perseverança e a fé dos santos” (v. 10). João, não obstante, revela um contraste no próximo capítulo, onde o Cordei 70. Consultar P. B enoit, J. T. M ilik e R. de Vaux, es., D isc o v erie s in the Judaean D e se rt o f Jordan II (Oxford: O xford U niversity Press, 1961), p. 18, lâmina 29. B eale (R evelation, p. 24) pergunta “por que o autor não usaria uma forma grega em vez da forma hebraica.” 71. Bauckham, C lim ax o f P rophecy, p. 437; ver também M illigan, Revelation o f St. John, p. 319
52
A p o c a l ips e
ro e os 144.000 santos se encontram de pé no Monte Sião com o nome do Cordeiro e o nome de seu Pai escrito em suas frontes (14.1). Os seguidores de Satanás têm o número de seu nome marcado em sua mão direita e na fronte; o povo de Deus porta os nomes do Cordeiro e do Pai escritos em suas frontes (14.1).72João não indica que cada seguidor de Satanás tenha sido marcado com o número 666, e não diz que todos os seguidores do Cordeiro portam o número do nome de Jesus indelevel mente escrito em suas frontes. João fala simbolicamente. Ele contrasta Satanás, que capacita a besta, e Cristo, que lidera seus santos à vitória. Os santos “são aqueles que estão seguindo o Cordeiro para onde ele vá” (14.4). A mensagem dos capítulos 13 e 14 é que o poder de Satanás é limitado, pois Cristo já venceu o mundo. c. Os Sete Reis A passagem relacionada que sugere referência a um tempo se en contra no capítulo 17. “São também sete reis: Cinco já caíram, um ain da existe, e o outro ainda não surgiu; mas, quando surgir, deverá per manecer durante pouco tempo. A besta que era, e agora não é, é o oita vo rei. É um dos sete, e caminha para a perdição” (17.10, 11). Quem são esses sete reis ou imperadores? Se começarmos com Júlio César e adicionarmos os nomes de seus sucessores (Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio e Nero), então é óbvio que Nero é o número seis na dinastia dos Césares. Mas quem é o número sete e quem é o número oito? No ano depois da morte de Nero (68-69), três sucessores governaram, cada um poucos meses: Galba, Oto e Vitélio. No outono de 69, Vespasiano, general das forças romanas que sitiavam Jerusalém, foi convocado a com parecer a Roma, onde veio a ser o imperador, e governou por um período de dez anos. Vespasiano designou seus filhos Tito e Domiciano a suce derem-no. Tito reinou de 79 a 81, e Domiciano, de 81 a 96. Alguns intérpretes esposam a opinião de que Augusto é o primeiro imperador mencionado na Escritura, e que os três pretendentes ao trono (Galba, Oto e Vitélio) não devem ser contados. Esta seqüência põe Vespasiano como o número seis, Tito o número sete e Domiciano o número oito.73No
72. Referência a Bauckham, Clim ax o f Prophecy, p. 399. 73. Friedrich Diisterdieck, C ritical and Exegetical handbook to the R evelation o f John (N ova York e Londres: Funk e W agnalls, 1886), p. 53.
Introdução
53
entanto, outros começam com Calígula e omitem os três pretendentes e põem Domiciano como o número seis.74 Em vez de computar os imperadores romanos, alguns estudiosos identificam os capítulos 2 e 7 com Daniel, e sobre essa base falam de reinos seculares que surgem, florescem e entram em colapso. Em seqüência, esses reinos são a antiga Babilônia, Assíria, Neo-Babilônia, Medo-Pérsia, Greco-Macedônia e Roma.75Roma é o número seis e se adequa ao texto: “cinco já caíram, um existe.” Roma é ainda o podero so império, enquanto que o sétimo império ainda não surgiu. A objeção é que o texto não fala de reinos, mas de reis. Ainda que isso seja verda de, há validade para a palavra reinos. O texto hebraico de Daniel 7.17 tem a redação: “Quanto a essas quatro grandes bestas, quatro reis sur girão da terra” ( n r s v ) . O termo reis é traduzido em várias versões, inclusive a Septuaginta, como “reinos”, porquanto reinos sobre os quais governam reis são maiores e mais duráveis do que seus governantes. Radicado nas Escrituras veterotestamentárias, João olha para as profe cias de Daniel e considera os reis como representantes de seus reinos. Quando escreve o verbo cair em “cinco [reis] já caíram”, este verbo se aplica mais adequadamente a impérios que declinam do que a reis que são destronados. Os impérios seculares que se lançam contra o reino de Deus, ou caem em colapso ou são destruídos. Somente o reino do céu é que dura para sempre, enquanto todos os demais impérios perecem. O conflito retratado no Apocalipse é entre Satanás, que alega ter domínio sobre os reinos deste mundo (Lc 4.6) e Cristo, que é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores (17.14; 19.16). A dm itindo-se que João poderia estar fazendo alusão a sete governantes históricos da segunda metade do primeiro século, diría mos, antes, que ele escreve o número sete como o símbolo de completude e indica sua totalidade. Não obstante, João escreve acerca de um oitavo 74. Por exem plo, Krodel, R evelation, p. 297. 75. C onsultar H endriksen, M ore Than co n q u e ro rs, pp. 171. S. G reijdanus, D e O penbaring des Heeren aan Johannes, KNT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 349. Henry A lford tem a mesm a seqüência de reinos, mas denomina Babilônia antiga de Egito, e a Assíria, de N ínive. Ver seu James-Revelation, vol. 4, parte 2 de A lfo rd ’s Greek Testament: An E xegetical and C ritical Com m entary (1875; reimpresso em Grand Rapids: Guardian, 1976), p. 70. E ver W illiam M illigan, The B ook o f Revelation (N ova York: Armstrong and Son, 1893), p. 285.
54
A po c a l ip s e
que é dentre os sete: “E a besta que uma vez era e agora não é, é o oitavo e é um dos sete, e caminha para sua destruição” (17.11). A inter pretação deste versículo deve ser vista à luz do contexto precedente, onde João fala da besta que “subirá do abismo e segue para sua destrui ção” (17.8). Esta besta subirá do abismo, que é o lugar onde os anjos maus são mantidos, os quais têm seu próprio domicílio e sua própria designação em seu im pério maligno. A besta não é um dos sete governantes, mas é a concentração do mal que neles habita; ela é maior que qualquer um individualmente. Esta besta é a personificação do Anticristo (comparar 2Ts 2.3, 4); ela surge do poço, mas está a cami nho da destruição. Conclusivamente, o oitavo personifica o Anticristo, o qual já perdeu a batalha contra Cristo, ainda quando a guerra propri amente dita ainda não terminou.
3. Cenários das Igrejas João escreveu sete cartas a igrejas individuais sediadas na província da Ásia. O conteúdo dessas cartas revela seu cenário e reflete o tempo em que foram compostas. Mesmo uma leitura cursiva deixa a impressão de que seus recipientes não constituíam a primeira geração de cristãos, mas a segunda. As condições nas sete igrejas dificilmente confirmam a noção de que fazia bem pouco tempo que as pessoas tinham recebido o evange lho. Lemos de um abandono do primeiro amor, das práticas dos nicolaítas, da perseguição, do martírio, das doutrinas de Balaão, da tolerância de imoralidade sexual, do aprendizado dos profundos segredos de Satanás e de ser possuidor de riquezas terrenas. Aliás, o cenário dessas igrejas não comporta o que sabemos das igrejas fundadas e pastoreadas por Paulo na década de 50. Por exemplo, Paulo ministrou durante três anos (53-56) em Éfeso e escreveu epístolas a Timóteo, que era pastor ali na década de 60. Nada em Atos ou nas epístolas de Paulo corresponde às condições prevalecentes na igreja de Éfeso quando João escreveu a epístola que Jesus ditou. Apostasia e fé em degenerescência tinham entrado em Éfeso e em outras igrejas. Nem as epístolas pessoais endereçadas a Timóteo em meados da década de 60, nem as epístolas gerais de Pedro destinadas à mesma região nesse tempo refletem a situação descrita nas cartas de Je sus às igrejas na província da Ásia. Paulo fez oposição aos judaizantes que entraram sorrateiramente nas igrejas que ele fundara, porém as sete cartas do Apocalipse revelam vários adversários, inclusive os nicolaítas,
Introdução
55
os seguidores de Balaão e os seguidores de Jezabel. “Quando lemos as sete epístolas do Apocalipse, especialmente as últimas quatro, nos senti mos numa atmosfera diferente. O que agora se esforça para lograr plena vitória não é a mesquinhez do judaísmo, mas a imoralidade selvagem e profana do paganismo; e o cristão tem de vencer, não o judaísmo, mas o mundo em seu sentido amplo.”76 Se optarmos por uma data precoce em prol do Apocalipse, encontra remos problemas em razão do material concreto apresentado em Atos e nas Epístolas de Paulo. Como já observamos, Paulo serviu à igreja de Éfeso em meados da década de 50, e Timóteo era pastor ali na primeira metade da década de 60. Falta-nos qualquer evidência de João ter sido pastor em Éfeso antes do massacre de Jerusalém; mas, mesmo que ele estivesse em Éfeso, seu tempo de serviço antes de seu exílio teria sido curto. Em segundo lugar, as sete cartas às igrejas na província da Ásia parecem mostrar que João estava bem familiarizado com a condição es piritual de cada uma delas. Mas dificilmente parece possível que João estivesse ali só por um curto período, à parte da instrução de Jesus para que ele escrevesse essas cartas. Em terceiro lugar, temos dúvida se João teria vindo a Éfeso na primeira parte da década de 60, porque, endere çando sua carta aos efésios em 62, Paulo não poderia ter deixado de mencionar a João e a incumbi-lo de sua obra. Em quarto lugar, em seus escritos, tanto Paulo quanto Pedro mantêm silêncio sobre os labores de João em Éfeso. Isso parece indicar que João não foi a Éfeso durante sua vida. E, por último, Policarpo escreveu uma carta à igreja em Filipos e indica que, quando Paulo compôs sua carta canônica aos Filipenses em 62, o conhecimento de Cristo ainda não tinha entrado em Esmirna.77
4. Perseguições sob Domiciano Em todo o Apocalipse João faz alusão à perseguição que o povo de Deus teve que suportar. Ele pessoalmente experimentou dificuldades, sendo banido para a ilha de Patmos “por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus” (1.9). E escreve palavras de encorajamento à igreja de Esmirna: “Eis que o diabo está para lançar alguns dentre vocês na prisão, para que sejam provados, e terão tribulação durante dez dias”
76. M illigan, R evelation o f St. John, p. 334. 77. Policarpo, To the P hilippians 11.3.
56
A po c a l ip s e
(2.10). Ele faz referência aos santos que foram mortos (2.13; ver tam bém 6.9, 10; 16.6; 18.24; 19.2; 20.4), e alerta os leitores para o tempo de provação (3.10). Certamente que Nero deu vazão à sua fúria contra os cristãos em Roma e os entregou à morte. Domiciano, porém, é tam bém conhecido como perseguidor do povo de Deus? Advogados de uma data precoce optam pelas perseguições movidas por Nero da déca da de 60, enquanto os que defendem uma data tardia visualizam Domiciano e meados da década de 90. Entretanto, falta evidência de escritores seculares e cristãos da primeira fase que prove que as perse guições instigadas ou por Nero ou por Domiciano se difundiram pelas províncias. Clemente de Alexandria, no início do terceiro século, nota que Nero e Domiciano foram os únicos imperadores que caluniaram o ensino cristão e falsamente acusaram os cristãos.78E, um século de pois, Eusébio escreve que Domiciano viera a ser “o sucessor da campa nha de hostilidade contra Deus movida por Nero”.79Essas referências não provam a questão, contudo é inegável que o conteúdo do Apocalipse fala de perseguição e sofrimento. O Apocalipse apresenta história e profecia, realismo e idealismo, fato e incerteza. Os primeiros destinatários experimentaram ou estavam experimentando opressão, po rém tinham que preparar-se para abusos mais severos. Paulo registra uma das afirmações dos cristãos confessionais mais antigas: “Jesus é Senhor” (IC o 12.3). Esta declaração estava em con flito direto com a dos romanos: “César é Senhor.” Os romanos conside ravam a recusa de expressar seu credo como um sinal de insubordina ção ao imperador e ao estado. O repúdio à autoridade mais elevada no império era considerado traição punível por meio de execução ou exí
78. Registrado por Eusébio, H istória E clesiástica 4.26.9. Para um estudo com pleto, ver Leonard L. Thompson, The Book o f R evelation: A pocalypse an d Em pire (N ova York e Oxford: Oxford University Press, 1990), especialm ente pp. 95-115. 79. Eusébio, H istória E clesiástica 3.17.1. Para historiadores seculares, ver Tácito, Annals e H istories, e Suetônio, L ives o f the Twelve C aesars. Consultar também Albert A. B ell Jr., “The D ate o f John’s Apocalypse: The Evidence o f Som e Roman Historians Reconsidered”, NTS 25 (1977-78): 93-102. B ell afirma em termos definitivos: “Visto que o A pocalipse tem sua origem na província da Ásia, aí deve haver alguma evidên cia convincente de que a ação assumida contra os cristãos em Roma teve paralelo na Ásia munindo João com seu lampejo. E não há nenhuma” (p. 97). E ver Krodel, R evelation, pp. 38, 39.
In tro d u ç ã o
57
lio. Para o cristão, a mais elevada autoridade sobre a terra e no céu era o Senhor Jesus Cristo. Render homenagem ao imperador equivalia a abandonar o Mestre que os redimira. Para os romanos, o Cristianismo se tomara uma religião exclusivista que não tolerava nenhum compro misso, pois seus seguidores falavam do reino de Deus no qual Jesus governava como rei. Em virtude de sua adesão à fé cristã, os cristãos como uma classe tinham que suportar perseguição nas mãos dos ofici ais romanos que eram designados a reforçar a religião do estádo em cada cidade e vila. Esses oficiais tinham a autoridade de punir as pesso as que se recusassem a honrar a César, executando-os ou os exilandoos.80 Durante o reinado do imperador Trajano (98-117), Plínio, o Jovem, serviu como governador da província de Bitínia (110-113) e solicitou do imperador orientação sobre como punir os cristãos que recusassem obediência à lei romana ou ao culto religioso.81Plínio informou a Trajano que ele solicitara aos réus acusados de ser cristãos pelo menos três vezes a renunciarem sua fé em Cristo; e os advertira que seriam puni dos. Ao persistirem, então emitiu ordem para que fossem executados.82 Aparentemente, não foi Plínio que iniciou a perseguição aos cristãos, mas meramente seguiu o padrão de procedimento. Ele apenas se acon selhou por causa dos numerosos casos que tinham diante de si. E quan do Trajano respondeu que Plínio seguisse a política romana estabe lecida,83averiguamos que a execução dela já tinha começado na última década do primeiro século. Há ainda mais evidência relativa à província da Ásia, e particular mente a Éfeso, no tempo do imperador Domiciano. Em 89-90, o tem plo do Sebastoi (família de Vespasiano, Tito e Domiciano) estava dedi cado. Era costume designar diretores do templo nas cidades que ti nham dedicado um templo para o culto aos imperadores. S. Friesen escreve:
80. Ray Summers, Worthy Is the Lamb: An Interpretation o f Revelation (Nashville: Broardman, 1951), pp. 92, 93. 81. Pliny the Younger, L etters and P anegyricus, trad. Betty Radice, LCL (Cambridge, M ass.: Harvard University Press; Londres: Heinemann, 1962), 10.96 (2:285-91). 82. Pliny, L etters 10.96.3. 83. Ibidem, 10.97.
58
A po c a l ip s e
Portanto, Neokoros [diretor do templo]84veio a ser um título cobiçado, apesar dos antigos empenhos na Ásia para moderar seu conferimento. A divulgação explosiva do termo indica não meramente um novo título de cidade de significação local, mas uma mudança fundamental na identifi cação dessas cidades - mudança na qual o culto aos imperadores exercia um papel crucial. As inovações que começaram com o templo asiático dos Sebastoi em Éfeso mudou o discurso público de religião e identidade no Mediterrâneo oriental por séculos.85 A importância dos templos dedicados aos imperadores romanos não pode ser estimada em relação ao Apocalipse. Pérgamo, cidade localiza da ao norte de Éfeso, na província da Ásia, era conhecida pelo culto ao imperador. Aqui a religião do estado era praticada e ofertas eram apre sentadas à imagem do imperador.86 O culto ao imperador dedicado a Domiciano, que era honrado como dominus et deus (senhor e deus), tornou-se um fenômeno prevalecente em Éfeso, e João se deparou com ele na década de 90. “Quando João denunciou o culto imperial, ele não estava atacando um fenômeno sócio-religioso à margem. Os desenvolvimentos provinciais do culto aos imperadores que se manifestava no templo dos Sebastoi indicam que o culto aos imperadores exercia na sociedade um papel crescentemente importante em muitos níveis.”87À luz do culto ao imperador em Éfeso, 84. Este termo grego ocorre uma vez no N ovo Testamento (At 19.35). 85. S. Friesen, “The Cult o f the Roman Emperors in Ephesos: Temple Wardens, City Titles, and the Interpretation o f the Revelation o f John”, em Ephesos, M etropolis o f A sia: Ann Interdisciplinary A pproach to Its Archaeology, Religion, and Culture, org. H. K oester, Harvard T h eo lo g ica l Studies 41 (V alley F orge, Pa.: Trinity P ress International, 1995), p. 236. Estou em dívida com meu colega Charles E. H ill por chamar-me a atenção para esse estudo. 86. Consultar W illiam M. Ramsay, The L etters to the Seven Churches o f A sia and Their P lace in the Plan o f the A pocalypse (Londres: Hodder e Stoughton, 1904; reimpresso em Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 292, 293. Ver também Colin J. Hemer, The Letters to the Seven Churches o f A sia in Their Local Setting, JSNTSup 11 (Sheffield: JSOT, 1986), p. 84. Consultar S. F. Price, Rituals and P ow er: The Roman Im perial C ult in A sia M inor (Cambridge: Cambridge University Press, 1984), p. 221, 87. Price, R ituals, p. 249. Consultar também Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reim presso em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 201; Thom as escreve (Revelation 1 -7 , p. 184): “O culto ao imperador é constantemente considerado uma agência do poder de Satanás”. Tem-se descoberto moedas que retratam Dom iciano; Trazem as palavras dom inus et deus (senhor e deus) com uma im agem do filho do imperador, cuja mão alcança sete estrelas (comparar Ap 1.20).
I ntrodução
59
não constitui ausência de realismo datar a composição do Apocalipse dentro da última parte do reinado de Domiciano.
5. Oposição Judaica Durante as primeiras poucas décadas após o Pentecostes e a funda ção da Igreja, os cristãos desfrutavam da proteção das autoridades ro manas em razão de estarem eles postos no mesmo nível com os judeus. Os romanos concordavam com a legitimidade da religião judaica, e seus adeptos estavam isentos do culto ao imperador. Os seguidores de Cristo achavam refúgio sob a proteção que os romanos concederam ao povo judeu. Quando Jerusalém e seu templo foram destruídos, a sepa ração legal de Judaísmo e Cristianismo, que já estava se concretizando gradualmente, veio a ser paulatinamente mais permanente. O povo ju deu estava entre os primeiros a lançarem acusações contra os cristãos diante dos romanos, de modo que os judeus vieram a ser uma ameaça distinta à Igreja. O concílio judaico de Jamnia reuniu-se no ano 90 para reconhecer a extensão do cânon veterotestamentário. Ao mesmo tem po, acrescentaram uma maldição sobre os cristãos nas assim chamadas Dezoito Bênçãos, oração essa que fazia parte da liturgia da sinagoga. Os judeus procuravam fazer oposição aos cristãos, expulsando-os de suas casas de culto e negando-lhes proteção civil. Na verdade, constituíam-se em perseguidores da comunidade cristã e se converteram em agentes de Satanás. Em suas cartas às igrejas de Esmirna e Filadélfia, João notifica essas sinagogas judaicas e as associa com Satanás: • “Conheço ... a blasfêmia dos que se chamam judeus e não o são, mas são sinagoga de Satanás” (2.9). • “Farei com que os que são da sinagoga de Satanás, e que se cha mam judeus e não o são, mas são mentirosos; sim, farei com que venham e se curvem diante de seus pés, e confessem que eu os amo” (3.9). Quando Plínio executou numerosos cristãos cujos nomes lhe foram entregues por um informante, presumimos que entre os informantes esta vam membros das sinagogas locais. Concluímos que na última década do primeiro século a perseguição era uma inegável realidade, e que Apocalipse reflete aquele período em que os crentes viviam e morriam.
60
A p o c a l ip s e
6. Conclusão O Apocalipse nota que João estava exilado na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus (1.9). Nota que Antipas, fiel testemunha de Jesus, fora entregue à morte na cidade de Pérgamo: “onde Satanás vive” (2.13). Ainda quando o Apocalipse menciona só um exílio e uma exe cução, os cenários históricos, sociológicos e religiosos na última parte do primeiro século testificam da perseguição a numerosos cristãos. Ainda que muitos crentes fossem entregues à morte em Roma, nos últimos anos do reinado de Nero, os cristãos também tinham que suportar sig nificativa perseguição por todas as províncias romanas da Ásia Menor nos dias do imperador Domiciano. A veracidade de Irineu pode ser questionada por causa de algumas histórias duvidosas acerca de João. Em contrapartida, ele estava fami liarizado com Policarpo (69-155), que fora discípulo do apóstolo e ser viu de ponto da última parte do primeiro século à última parte do se guinte. Esperaríamos que Policarpo e Irineu pelo menos relatassem algo acerca de João que fosse historicamente confiável. A referência de Irineu implica que o Apocalipse de João data do tempo em que expirou o governo de Domiciano.
F. M odos de Interpretação 1. Métodos Há basicam ente quatro m étodos de interpretação: preterista, historicista, futurista e idealista. Alguns intérpretes se acomodam a uma combinação de dois ou mais pontos de vista, e argumentam que João escreveu a seus contemporâneos, aos crentes de todas as épocas e aos que estarão presentes na Segunda Vinda de Jesus. Consideremos esses quatro pontos de vista em separado e em profundidade. a. Preterista O título preterista é uma combinação das duas palavras latinas praeter (passado) e ire (ir), significando aquilo que já passou, isto é, pertence ao passado. Em conformidade com esse ponto de vista, tudo o que está registrado no Apocalipse já se cumpriu no primeiro século, tempo em que João escreveu este livro. Os preteristas ensinam que o simbolismo contido no Apocalipse representa eventos históricos que se concretizaram durante a segunda metade do primeiro século; o Li
In t r o d u ç ã o
61
vro do Apocalipse se relaciona com aquilo que ocorreu no passado, porém não tem referência ao presente e ao futuro. É preciso fazer distinção entre uma ala direita e uma ala esquerda da escola preterista. A ala direita ensina a inspiração do Apocalipse e assim tem uma visão elevada da Escritura, enquanto a ala esquerda rejeita a inspiração deste último livro da Bíblia.88Os da ala direita afirmam que a maior parte do Apocalipse já se cumpriu nos dias do império romano do primeiro século. Os preteristas “vêem o Apocalipse como um livro restri to aos dias de perseguição na Ásia Menor, porém sentem que ele contém apenas, pelo menos em grande extensão, um interesse literário pelas pes soas de nosso tempo”.89E a ala esquerda põe o Apocalipse no mesmo nível de qualquer outro apócrifo ou apocalipse pseudepigráfico. Em suma, os preteristas ou negligenciam ou ignoram o elemento preditivo, pois seu enfoque se volta inteiramente para os eventos histó ricos do primeiro século. As objeções ao ponto de vista preterista são estas: Primeiro, ainda que os preteristas digam que a mensagem do Apocalipse pode ser apli cada a qualquer época ou geração, fracassam em apreciar o progresso existente neste livro. O Apocalipse pinta progresso nos eventos preditivos que eventualmente culminam na vinda do Juiz juntamente com juízo sobre todas as pessoas. Isso esclarece os relatos dos sete selos, das sete trombetas e das sete taças. E difícil ver que a seqüência progressiva em cada um desses perfis tenha referência somente aos eventos contemporâneos da última metade do primeiro século. Em segundo lugar, o ponto de vista preterista comunica o pensa mento de que a mensagem do Apocalipse tinha significação primária para os crentes do prim eiro século; daí, para os crentes de eras subseqüentes, esta mensagem tem importância apenas secundária. Os cristãos perseguidos dos dias de Nero receberam palavras de conforto vindas do Apocalipse de João, quando ouviam o Cristo vitorioso falar-
88. Referido por Philip Schaff, H istory o f the Christian Church, 3a edição (1910; reimpresso em Grand Rapids: Eerdmans, 1950), 1.837-38. Schaff define a ala direita com o aqueles “que reconhecem uma profecia real e verdade permanente no livro [do A pocalipse]”, e a ala esquerda com o os que o consideram com o “um sonho de um visionário que foi falsificado pelos eventos”. 89. Summers, Worthy Is the Lam b, p. 44. Consultar também Charles, Revelation, l:clxxxiii; Harrington, Revelation, pp. 16, 17.
62
A p o c a l ips e
lhes diretamente. Mas a igreja universal ao longo do tempo cósmico também ouve essa mesma voz de Cristo falando-lhes diretamente em suas circunstâncias pessoais. De igual modo, Paulo escreveu suas epís tolas a Igrejas e indivíduos específicos, mas a mensagem dessas cartas é tão relevante à Igreja do mundo inteiro hoje como o era para os cris tãos nos meados do primeiro século. Em terceiro lugar, os preteristas identificam a besta do Apocalipse, no capítulo 13 com o imperador Nero, especialmente no que respeita ao número 666 no versículo 18 desse capítulo. Mas a soletração desnaturai do nome Neron requerida no hebraico para completar esse número con tinua sem convencer. Sem dúvida que João estava plenamente familiari zado com a perseguição sob Nero, porém limitar a perseguição só a um imperador em um período particular na história parece irreal. Por fim, as sete cartas às sete igrejas na província da Ásia deixam a impressão distinta de que Jesus falava à segunda geração, ou mesmo à terceira, de cristãos apóstatas. Por exemplo, ordena-se à igreja em Éfeso: “Lembre-se de onde caiu! Arrependa-se e pratique as obras que prati cava no princípio” (Ap 2.5). Paulo fundou a igreja em Éfeso em 53 e trabalhou ali por três anos. Escreveu sua epístola aos Efésios em 62; e depois de sua soltura da prisão, enquanto Timóteo era o pastor da igreja em Éfeso, Paulo, em aproximadamente 64, compôs 1 Timóteo, dirigin do-se a ele e à igreja local. Se, como dizem os preteristas, o Apocalipse foi escrito em cerca de 65, então a carta à igreja em Éfeso (Ap 2.1-7) revelaria sincera devoção ao Senhor. Esse não é o caso. À guisa de contraste, tanto Efésios quanto 1 Timóteo refletem problemas, porém os de uma igreja em franco crescimento e desenvolvimento. b. Historicista O Apocalipse, segundo a visão histórico-contínua, apresenta um conciso esboço do desenvolvimento da Igreja desde o dia de Pentecos tes até a consumação. A história secular e a história religiosa são entrelaçadas, e os proponentes têm tentado interpretar os eventos de seu próprio período na história como preditos no Apocalipse. Henry Barclay Swete cataloga uns poucos exemplos de eras passadas nas quais escritores tentaram encontrar correspondência entre o Apocalipse e os eventos em seus próprios dias. Assim, no final do século 12, Joachim de Fiore, que morreu em 1202, considerava a besta emergida do mar (13.1) como sendo o Islã, o qual foi fundado pelas Cruzadas. Para ele,
Introdução
63
Babilônia era a Roma profana, e identificou algumas das sete cabeças da besta (17.3,9,10) com governantes de seu tempo. Mais de um sécu lo depois, Francisco de Paris via o Anticristo como um pseudo-papa.90 Os reformadores do século 16 identificaram o papa e o papado com o Anticristo. Tanto Martinho Lutero quanto seu amigo reformador João Calvino não hesitaram em chamar o papa de o Anticristo.91 Contudo, outros consideram o Apocalipse como um calendário de eventos que começa com o tempo de João na ilha de Patmos em 96. Designando os sete selos e as sexta trombeta à Igreja primitiva e à Idade Média, entendem Apocalipse 10 e 11 como sendo o tempo da Reforma e aplicam a mensagem da sétima trombeta à Igreja verdadei ra. As duas bestas do capítulo 13 são o papa e o poder papal, as sete pragas se cumpriram na Revolução Francesa e nas convulsões sociais, e a destruição de Babilônia é a queda do papado.92As variações quanto ao método de aplicar a mensagem do Apocalipse à história são nume rosas e por si mesmas se destroem. Estas são as objeções feitas a este ponto de vista histórico: Em pri meiro lugar, o texto do Apocalipse não se inclina para a apresentação histórica contínua; história e literatura apocalíptica não se adequam. Em segundo lugar, se o Apocalipse pretendesse ser continuamente his tórico, a Igreja primitiva e as gerações sucessivas teriam sido incapazes de usufruir o benefício de uma mensagem que não se aplicaria a elas. Além disso, há intérpretes que aplicam o livro à Igreja Ocidental, como se a Igreja Oriental não existisse. Além do mais, os adeptos do ponto de vista histórico às vezes recorrem a interpretações triviais que são não apenas fantasiosas, mas que estão desonrando a Escritura. E, por fim, os métodos usados para calcular épocas na história com base nos nú meros apocalípticos são, na melhor das hipóteses, cômicos e terrivel mente enganosos. 90. Sw ete, R evelation, pp. ccxii-xiii; ver também Alan F. Johnson, revelation, em The E x p o sito r’s B ible Com m entary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12-409. 91. Martin Luther, The C ath olic E pistles, em L u th e r’s Works, org. Jaroslav Pelikan (St. Lous: Concordia, 1976), 30.252.53; John Calvin, II T hessalonians (rep. Grand Rapids: Baker, 1981), pp. 330, 331; e The F irst E pistle o f John (rep. Grand Rapids: Baker, 1981), p. 190. 92. Consultar Albert Barnes, N otes on the N ew Testament: R evelation, org. Robert Frew (rep. Grand Rapids: Baker, 1949), pp. lvi-lxii.
64
A p o c a l ips e
c. Futurista A visão futurista na interpretação do Apocalipse consiste em que a maior parte do livro, começando com 4.1, pertence ao futuro. Os pro ponentes enfatizam que as profecias deste livro se cumprirão um pouco antes, durante e depois do regresso de Jesus à terra. São as visões do trono, o rolo lacrado com sete selos que serão abertos um a um, as sete trombetas, as duas testemunhas, a mulher e seu filho, as sete taças, a grande prostituta, a queda de Babilônia. Todos esses são eventos que ocorrerão antes da vinda de Cristo. Aliás, o escritor do Apocalipse, ao longo de todo o livro, aponta para o dia do regresso de Cristo. O elemento profético é um componen te inegável, pois João escreve a palavra profecia sete vezes no Apocalipse (1.3; 11.6; 19.10; 22.7, 10, 19). João escreve à luz do grande e terrível dia do prometido regresso de Jesus. E, nesse aspecto, sua mensagem é profética, O futurista compara o vocabulário de Apocalipse 1.1 e 19 com o de 4.1. Nas primeiras duas mensagens (1.1, 19), João realça as coisas que logo devem acontecer e escreve abaixo o que ele viu das coisas que são e acontecerão posteriormente. Na última mensagem, diz-se a João: “Suba para cá, e lhe mostrarei o que deve acontecer depois dessas coisas” (4.1). A divisão, de conformidade com o futurista, cai em duas catego rias: primeira, as coisas que pertencem ao tempo em que João vivia; segunda, todas as coisas que pertencem ao futuro. O futurista interpreta o Apocalipse literalmente, e considera a segunda parte deste livro como um testemunho de “os tempos do fim, quando as conseqüências cósmi cas estarão em jo g o , e quando as forças su p ern atu rais serão liberadas”.93Esta visão do Apocalipse é escatológica e põe ênfase no dia do regresso de Cristo. Há, não obstante, uns poucos problemas com essa abordagem de cunho futurista. Um deles é que ela faz com que “os três primeiros capítulos do Apocalipse venham a ser irrelevantes para a Igreja contem porânea”.94Outro problema é que a ênfase profética focaliza o regresso de Cristo. Ninguém porá em dúvida que a Igreja deve espe 93. Tenney, Interpreting R evelation, p. 140. 94. Johnson, R evelation, p. 409; consultar também Robert H. M ounce, The Book o f R evelation, edição revista, NICNT (Grand Rapids; Eerdmans, 1998), p. 28.
Introdução
65
rar ansiosamente esse regresso, porém isso não significa que as pro fecias no Apocalipse não se cumprirão até a Segunda Vinda. Se fosse assim, então a Igreja dos dias de João até hoje não foi capaz de apli car a mensagem dessas profecias ao tempo posterior ao primeiro sé culo. Então a Igreja deve esperar pacientemente e considerar abenço ados os que estiverem presentes na vinda do Senhor, porque somente aqueles santos é que verão a consumação (2 2.7,10,18,19). João, não obstante, está escrevendo a seus contemporâneos e aos crentes nos séculos sucessivos; ele tem uma mensagem para a Igreja do mundo inteiro e de todas as épocas. O livro está saturado com palavras de conforto para o povo de Deus em todo lugar e em todos os tempos. d. Idealista O último método para se interpretar o Apocalipse é a escola idealista. Ela interpreta o Apocalipse como um livro de princípios que contrastam o Cristo vitorioso e seu povo com um Satanás derrotado e seus seguido res. João delineia esse contraste do princípio ao fim do livro, desde Jesus de posse das chaves da Morte e do Hades, no capítulo 1, ao diabo, a Morte e ao Hades sendo lançados no lago de fogo, no capítulo 20. Quando Jesus proferiu a seus discípulos seu discurso acerca das últimas coisas (Mt 24; Mc 13; Lc 21), ele lhes deu princípios que transmitiriam, a eles e aos crentes de todas as eras, o conforto e a certeza de que ele está sempre presente com eles. Da mesma forma, João na ilha de Patmos recebeu não uma visão da Igreja em tempos subseqüentes, ou no fim dos tempos, mas ideais que reanimam os crentes no conflito espiritual que enfrentam. Ele descreve Cristo apre sentando princípios que por fim erradicarão o mal do mundo, e põe em realce os princípios opositores que Satanás e suas hordas põem em prática. O Apocalipse não é uma história de eventos que têm ocor rido no passado ou uma profecia de eventos que se concretizarão no futuro. E um livro que enche o povo de Deus com conforto e m otiva ção para suportar até o fim. Os idealistas enfatizam os princípios nes te livro de modo que sua mensagem seja aplicável aos cristãos de todas as gerações, desde o tempo de João até o fim das eras. Hendriksen apresenta o propósito do Apocalipse e enfatiza o con forto que a Igreja militante recebe em sua luta contra as forças de Sata nás. Ele escreve que o livro está
66
A po c a l ips e
cheio de auxílio e conforto para os cristãos perseguidos e padecentes. A eles é dada a certeza de que Deus vê suas lágrimas (7.17; 21.4); suas orações exercem influência nas atividades do mundo (8.3,4) e sua morte é preciosa a seus olhos. Sua vitória final é garantida (15.2); seu sangue será vingado (19.2); vivem e reinam para Cristo pelos séculos dos sécu los. Ele governa o mundo no interesse de sua Igreja (5.7, 8). Ele virá outra vez a fim de receber seu povo para si em “a ceia nupcial do Cordei ro”, e para viver com eles para sempre em um universo rejuvenescido (21 .22).95
Os crentes que lêem o Apocalipse sabem que Jesus jamais os aban dona, mas que está sempre perto de seus santos. Sabem que são a noiva e que Jesus é o noivo (19.7; 21.2, 9). Portanto, visto que o Espírito e a noiva solicitam que ele venha (22.17), Jesus lhes assegura que ele virá depressa (22.20). Deus controla a História do princípio ao fim, e João reflete esse fato no Apocalipse. Aqui João não especifica eventos particulares, e, sim, princípios que se aplicam a tendências e conseqüências inerentes que surgem em qualquer época e lugar. A questão do tempo como tal tem pouca relevância no Apocalipse, porque ele não é cronológico, mas um princípio duradouro que governa este livro. O tempo é descrito em termos de quarenta e dois meses ou 1.260 dias (11.2, 3; 12.6; 13.5), e pelas expressões tempo, tempos e metade de um tempo (12.14), e um breve tempo (6.11; 20.3). O tempo é apresentado como uma idéia em forma sintética que não pode ser qualificada em termos de anos ou séculos. Milligan conclui: “Portanto, não temos o direito, ao interpre tarmos o Apocalipse, de interpor o pensamento de um longo ou de um breve desenvolvimento de eventos. Ele é uma representação na qual uma idéia, não o tempo necessário para a expressão da idéia, exerce a parte principal.”96 O Apocalipse toma por empréstimo imagens, sinais, símbolos, no mes e números do cenário religioso e cultural do autor, e através deles apresenta uma mensagem que é universal e permanente. A mensagem não se limita a algum tempo ou lugar específico, mesmo quando esses 95. Hendriksen, M ore Than conquerors, p. 7. 96. M illigan , R evelation o f St. John, p. 153; comparar S. L. M orris, D ra m a o f C hristianity, pp. 28, 29.
Introdução
67
termos e expressões representam cenas extraídas dos países adjacentes ao Mar Mediterrâneo e outros lugares do Oriente Médio. As objeções à escola idealista dizem respeito à ausência de ênfase à História e à profecia. E essas são preocupações legítimas, pois todo exegeta cuidadoso deve se precaver de que nenhuma parte do Apocalipse seja negligenciada. Aliás, a maldição divina repousa sobre todos quantos omitem partes de sua revelação (Ap 22.19). O idealista, não obstante, reconhece que muitas partes do Apocalipse se inclinam para os cenários históricos, porém esses cenários podem ser aplicados a muitas épocas na história da igreja cristã. João estava apto a designar um número de visões para seus próprios dias, mas também os crentes que têm sofrido ou estão sofrendo perseguição ainda hoje têm sido aptos a visualizar sua situação pelo espelho do Apocalipse. No que diz respeito às profecias, os idealistas ensinam que estas estão se cumprindo no decurso do tempo e se cumprirão na consuma ção, quando Jesus regressar. Sabem que o que ele prometeu se cumprirá no tempo em que o Pai designou por sua própria autoridade (Mt 24.36; At 1.7). Mas também crêem que o Apocalipse não ensina que a Segun da Vinda de Cristo já se tornou uma realidade. O livro ensina que ele voltará como prometeu, não que ele já veio.97A passagem em 19.11-21 é uma visão de uma ocorrência que se concretizará. É preciso dizer uma palavra final concernente a uma posição idea lista contemporânea. Nem todos os intérpretes defendem um conceito elevado da Escritura, e alguns usam o Apocalipse como um documento para causas específicas. Para esses intérpretes, o Apocalipse é um livro saturado com princípios éticos que assistem seus leitores nas lutas coti dianas, nas áreas econômicas, raciais e sexuais. Usam o Apocalipse como fonte para o ensino da teologia da libertação, no auxílio aos po bres em sua luta contra a opressão econômica. Encontram nesse livro informação adequada para o combate contra a discriminação racial e a supressão das minorias. Alguns interpretam o Apocalipse como base para se construir uma teologia feminista. Assim, vêem nos capítulos 10 ao 15 um quadro de uma comunidade e seus opressores, de profetas 97. A p ocalipse 11.17 e 16.5 devem ser vistos em seu contexto, isto é, João retrocede ao cum prim ento da prom essa de Jesus de vir rapidamente (ver o com entário sobre esses versículos).
68
A p o c a l ip s e
que são comissionados, de inimigos reveladores na comunidade e de uma libertação que surge no tempo da ceifa escatológica.98 Esta ênfase realça as necessidades e os interesses humanos, porém age assim como pretexto para negligenciar as verdades eternas da reve lação de Deus em Jesus Cristo. A mensagem do Apocalipse é muito mais ampla, porquanto nos aponta o Cristo vitorioso e seus seguidores que são mais que vencedores.
2. Interpretações Hermenêuticas Há dois conceitos distintos sobre o tempo da Segunda Vinda de Jesus: ambos dizem respeito ao reinado de mil anos de Cristo. Esse período terá lugar entre o fim da presente era e o Juízo Final? Ou o período se refere a um tempo indefinido que está em vigência mesmo agora? Um comentário não deve inclinar-se a fazer uma extensa dis cussão sobre os quatro conceitos milenistas: amilenismo, pós-milenismo, premilenismo e dispensacionalismo. Estudos especializados fazem isso muito bem.99Assim, com o devido respeito a outros conceitos, me li mito a alguns pontos nas convicções premilenista e amilenista. a. Premilenismo O regresso de Jesus sobre as nuvens do céu inaugura um período de mil anos de paz e prosperidade. Este é o conceito premilenista, o qual ensina que Jesus volta antes do início do período de mil anos.100O con ceito tem muitas variações no tocante a seqüência, número e classifica ção dos crentes, condições e extensão de tempo. Sustenta que, quando Cristo voltar, Satanás será amarrado e os santos ressuscitarão e reina
98. Elisabeth Schüssler Fiorenza entende a m ensagem do A pocalipse com o uma visão de “libertação das estruturas eclesiásticas opressivas e da dominação destrutiva dos que têm o poder neste mundo” . Ver seu Invitation to the B ook o f R evelation: A Com m entary on the A pocalypse (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1981), p. 32; e seu B ook o f R evelation, p. 199. Ver também Tina Pippin, D eath and D esire: the Rhetoric and G ender in the A pocalypse o f John (Louisville: Westmintest/John K onx, 1992), pp. 70, 72, 80. 99. Ver, entre outros, Craig A. Blaising, “P rem illennialism ”; Kenneth L. Gentry Jr., “P ostm illennialism ”; e Robert B. Strimple, “A m illennialism ”, em Three Views on the M illennium an d B eyond, org. Darrell L. B ock (Grand Rapids: Zondervan, 1999); e C. M arvin Pate, org., F our Views on the B ook o f R evela tio n (Grand Rapids: Zondervan, 1998). 100. A palavra vem do latim pre (antes), m ille (mil) e annus (anos).
Introdução
69
rão com Cristo durante mil anos sobre esta terra. “Este reino milenial terminará com uma rebelião final e o último julgamento.” 101 Os santos ressuscitados incluirão ambos os grupos: judeus e gentios, e se juntarão aos crentes que serão transformados em glória no tempo do regresso de Jesus. Reinarão nesta terra com verdade e graça, embora Jesus governe sobre os crentes com vara de ferro (2.27; 12.5; 19.15; SI 2.9). Durante esse reinado de mil anos, a influência do pecado e da morte ainda cobrirão esta terra. Não obstante, o mal será mantido em restrição, a retidão prevalecerá e a justiça será superior. A terra produzirá abundân cia de alimento e até mesmo o deserto florescerá.102 Os proponentes deste conceito encontram algumas dificuldades. Uma delas é que o quadro dos santos que são glorificados no corpo e na alma, mas que vivem em um mundo que ainda está unido ao pecado e à morte, não conseguem projetar a perfeição. Como é possível que os santos vivam alegremente em uma terra que ainda geme sob a maldição do pecado, sujeitada à frustração com a morte em pleno controle e o mundo incrédulo vivendo em iniqüidade (Rm 8.20, 21)? Como é possível o perfeito viver entre os imperfeitos e o isento de pecado viver entre os pecadores? Os amilenistas asseveram que, no regresso de Cristo, os santos são glorifica dos e os não-cristãos são condenados à ruína eterna. E esses destinos são finais.103Em seguida, o número mil com respeito ao fim dos tempos ocor re somente em Apocalipse 20 e em nenhum outro lugar nas Escrituras. Nem Jesus nem os apóstolos usam uma referência de tempo definido quan do ensinam a doutrina das últimas coisas. E, finalmente, como sabemos que o número mil deve ser tomado literalmente no capítulo 20? Se a res posta é que esta é profecia, então devemos voltar a duas passagens na profecia de Ezequiel, onde Deus fala em termos escatológicos: • “Então aqueles que morarem nas cidades de Israel sairão e usarão armas como combustível e as queimarão: os escudos, pequenos e 101. George Eldon Ladd, A Com entary on the Revelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 261. Ver o capitulo de Ladd, “Historic Prem illennialism ”, em The M eaning o f the M illennium, org. Robert G Clouse (Dowers Grove: Inter-Varsity, 1977). 102. A nthony A . H oekem a, The B ible a n d the Future (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p .181. 103. Ver Vernon S. Poythress, “2 Thessalonians 1 Supports Am illennialism ”, JETS 37 (1994): 529-38; Andrew K uyvenhoven, The D ay o f C h rist’s Return (Grand Rapids: CRC Publications, 1999), pp. 92, 93.
70
A p o c a l ip s e
grandes, os arcos e flechas, os bastões de guerra e as lanças. Du rante sete anos eles as utilizarão como combustível” (39.9). • “Durante sete meses a nação de Israel os [cadáveres] estará se pultando a fim de purificar a terra” (39.12). Ambos os versículos usam o número sete, o qual deve ser interpretado não literalmente, mas simbolicamente. Como símbolo, este número signi fica totalidade e completude de destruição e purificação. De igual modo, o número mil, no Apocalipse, comunica não um significado literal, mas sim bólico. Denota a totalidade de tempo no qual Satanás é amarrado e os santos estão reinando com Cristo. Expressa não tempo, mas completude.104 b. Amilenismo O segundo conceito é conhecido como amilenismo. Este termo co meça com o prefixo a e deixa a impressão de que seus proponentes não têm qualquer interesse em um período milenial. Tal não é o caso, pois esses proponentes de fato crêem em um milênio, ainda que não em sentido literal, mas em sentido simbólico. Entendem o termo como um período de extensão indeterminada. O amilinista Hoekema nota que “o milênio de Apocalipse 20 não é exclusivamente futuro, mas está agora no processo de realização” .105 Os amilenistas enfatizam a doutrina do reino de Cristo que foi pro clamado por João Batista e por Jesus (Mt 3.2; 4.23; Mc 1.14, 15). Jesus é o Rei neste reino, pois seu discurso de entronização registra as palavras: “toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Com a exceção de Judas, todos os escritores neotestamentários fazem menção do reino de Deus. Descrevem o reino como sendo espiritual (ver Jo 18.36), contudo tangivelmente presente nesta terra e manifes tado em outros lugares. Sabem que Jesus eventualmente entregará o reino ao pai na consumação (IC o 15.24). Portanto, ensinam, primeira mente, que o reino está presente agora; em segundo lugar, que depois do regresso de Cristo a ressurreição e o juízo se concretizarão; e, em terceiro lugar, que Cristo governará eternamente o reino ou uma terra nova e aperfeiçoada (comparar Mt 26.29; 2Pe 3.13; Ap 19.9). 104. Consultar M illigan, R evelation o f St. John, p. 212; Patrick Fairbairn, Ezekiel and the B ook o f H is P rophecy (Edimburgo: Clark, 1876), p. 423. 105. Hoekem a, The B ible a n d the Future, pp. 173, 174. Beale (R evelation, p. 973) sugere o termo “m ilênio inaugurado”.
Introdução
71
A cena delineada em Apocalipse 20.4 é o céu, onde Cristo reina e onde os santos estão com ele sentados em tronos. Em numerosas passa gens por todo o Apocalipse, o trono de Cristo está sempre posto no céu, bem como seu povo.106Além do mais, pelo menos em dois versículos o termo alma significa almas que vivem sem seus corpos (6.9; 20.4). A passagem 20.4-6 apresenta pelo menos uma dificuldade, a saber: a interpretação da frase “Esta é a primeira ressurreição” (v. 5.b). Os premilenistas dizem que, se há uma primeira ressurreição, então, por implicação, há uma segunda. E se a segunda é a ressurreição física do corpo, então podemos presumir que a primeira deve ser interpretada na mesma linha. Uma primeira ressurreição deve ser seguida de uma se gunda ressurreição, da mesma forma que uma segunda morte é prece dida por uma primeira. Concluem, pois, que há um intervalo de mil anos entre essas duas ressurreições.107 Não obstante, este argumento cuidadosamente delineado suscita uma interessante pergunta: qual é o significado e seqüência do verbo voltar a viver nos versículos 4 e 5? Se as almas daqueles que foram decapita dos (v. 4b) voltam a viver e agora reinam com Cristo no céu (v. 4d), então João não comunica o pensamento de uma ressurreição física, mas a passagem da morte física para uma vida glorificada no céu. E os que morreram, porém, não voltaram a viver (v. 5a), experimentam o exato oposto dos santos que estão com Cristo. Os incrédulos não vivem nem reinam, mas estão espiritualmente mortos, e com a segunda morte es tão condenados para sempre (2.11; 20.6b, 14; 21.8). João escreve sobre os incrédulos como um parêntese (v. 5a); então prossegue e diz que os crentes que voltaram a viver e reinam com Cristo já experimentaram a primeira ressurreição. Ele acrescenta que sobre essas almas a “segunda morte não tem poder”.108No contexto dos versículos 4-6, a primeira ressurreição comunica uma ressurreição espiritual.
106. A pocalipse 1.4; 3.21; 4.2-6, 9, 10; 5.1, 6, 7, 11, 13; 6.16; 7.9-11, 15, 17; 8.3; 11.16; 12.5; 14.3; 16.17; 19.4, 5; 20.4, 11, 12; 21.3, 5; 22.1, 3. A s expressões trono de Satanás (2.13), o trono do d ra g ã o (13.2) e o trono d a besta (16.10) se referem aos tronos terrenos em contraste com os tronos celestiais. 107. Referência a Tenney, Interpreting R evelation, p. 154. 108. Ver H oekem a, The B ible and the Future, pp. 236, 237. Consultar também James A. Hughes, “R evelation 20.4-6 and the Question o f the M illennium ”, WTJ 35 (197273); 281-302, especialm ente 299, 300.
72
A p o c a l ips e
Certa comentarista escreve que, se a primeira ressurreição for in terpretada espiritualmente (isto é, as almas que voltam a viver) e a segunda, literalmente (isto é, os mortos que não voltam a viver), “en tão há um fim de toda significação na linguagem, e a Escritura é apa gada como testemunho definitivo de alguma coisa”.109Note, porém, que João não está dizendo que os mortos voltam a viver; ele apenas realça que as almas voltam a viver. A ênfase recai sobre a relação espiritual que os crentes têm com Jesus; os incrédulos não desfrutam desse relacionamento. Ainda quando dissermos que por implicação há uma ressurreição e uma primeira morte, é significativo que João omita a ambas. Ele põe ênfase espiritual na primeira ressurreição e na segunda morte, pois os crentes na primeira ressurreição estão parti lhando da vida que Cristo confere através de sua ressurreição. Paulo o estabelece assim: • Ou vocês não sabem que todos nós, que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados em sua morte? Portanto, fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de que, assim como Cristo fo i ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova (Rm 6.3, 4, ênfase acrescida). • Isso aconteceu quando vocês foram sepultados com ele no batismo, e com ele foram ressuscitados mediante a fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos (Cl 2.12, ênfase acrescida). Quando os crentes morrem, suas almas continuam vivendo no céu, onde reinam com Cristo. Participam plenamente da ressurreição de Cris to, pois “seu viver e reinar com ele é interpretado por sua incorporação nele”.110Além do mais, assim como Cristo ressuscitou dentre os mor
109. Alford, R evelation , p. 732. 110. Philip Edgcum be H ughes, The book o f the Revelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 214; comparar Norman Shepherd, “The Resurrections o f Revelation 20”, WTJ 37 (1974): 34-43. Para um debate sobre os conceitos am ilenista e premilenista, ver Meredith G. Kline, “The First Resurrection”, WTJ 37 (1974): 366-75; J. Ramsey M ichaels, “The First Resurrection: A R esponse”, WTH 39 (1 9 7 6 -7 7 ): 1 0 0-109; M eredith G. K line, “The First R esurrection: A Reaffirmation”, WTJ 39 (1976-77): 110-19.
In tro d u ç ã o
73
tos fisicamente, também os crentes ressuscitarão como o atesta a Escri tura (por exemplo, ICo 15.20-23). João ensina a ressurreição física em seu Evangelho (Jo 11.23-26), mas no Apocalipse ele ilumina os crentes acerca de sua ressurreição espiritual (20.4-6). Somente os crentes rece bem vida eterna, enquanto “o resto dos mortos não viverão até que se completem os mil anos” (20.5a). Os incrédulos ressuscitam “para ver gonha e desprezo eterno” (Dn 12.2). O verbo grego ezêsan (voltar a viver) ocorre no contexto de Apocalipse 20.4, 5. Ele aparece também no singular na parábola do filho perdido (Lc 15.24, 32), onde o pai exclama que seu filho mais novo tornou a viver, significando que seu filho experimentara um renascimento espiritual.111 O apóstolo João tem uma propensão para usar palavras que dizem mais que seu significado comum. Por exemplo, o termo mundo pode significar criação, humanidade e/ou pessoas que se põem contra Deus. Com freqüência, sem notificar, ele muda de uma conotação para outra. Ele deixa ao leitor a compreensão da intenção do escritor de uma pala vra particular pelo criterioso estudo do contexto. Esse enfoque exegético não garante nenhuma unanimidade entre os estudantes do Apocalipse, mas apresenta um desafio a cada um para que seja diligente no estudo da Palavra.
G. U nidade O autor do Apocalipse demonstra do começo ao fim uma consis tente unidade desse livro. Ele usa as mesmas frases e expressões nos paralelos das sete cartas às igrejas na província da Ásia. Há a mesma term inologia com respeito ao contraste entre o Cordeiro e a Besta; e há frases semelhantes que aparecem nos capítulos individuais, espe cialmente as dos primeiros três capítulos (1-3) e os últimos três (2 0 22). São abundantes os exemplos com menor variação. A frase fará guerra contra eles ocorre em muitos capítulos (2.16; 11.7; 13.4, 7; 17.14; comparar 19.19). Vocabulário idêntico surge já no início e pró 1 1 1 .0 verbo grego e zê sen (ele viveu) se aplica também à besta que emerge do mar, a qual foi ferida à espada e tornou a viver (13.14). Mas a besta, com o o Anticristo, m odela uma ridícula imitação de Cristo, uma paródia. A besta recebeu uma ferida fatal, foi curada e viveu (13.3, 12, 14); Cristo morreu e voltou a viver (Rm 14.9). A besta é con sgn ad a ao lago de fogo (19.20; 20.10), enquanto Cristo reside para sempre na nova Jerusalém com seus santos (22.3, 4).
74
A p o c a l ip s e
ximo ao fim do Apocalipse: “para mostrar a seus servos aquilo que logo deve acontecer” (1.1 e 22.6). E e m 3 .1 2 e 2 1 .2 o autor tem quase o mesmo vocabulário: “a nova Jerusalém que descia do céu da parte de meu Deus.” Vocabulário idêntico aparece com mais freqüência nos três primeiros capítulos (1-3) e nos últimos três capítulos (20-22) do Apocalipse, no entanto outros capítulos têm sua porção de paralelos. Esses incidentes corroboram a unidade deste último livro do cânon neotestamentário. Não obstante, Swete astutamente observa que, se assumirmos que a unidade do Apocalipse é a obra de um só autor, então devemos aten tar para o reaparecimento de figuras simbólicas. Considere a imagem da Morte e do Hades nos capítulos 1, 6 e 20. Além disso, note a recorrência de termos e formas inusitadas em todos os componentes do Apocalipse; por exemplo, o abismo ocorre sete vezes (9.1,2, 11; 11.7; 17.8; 20.1, 3); meio do céu, três vezes (8.13; 14.6; 19.17); e o termo marca, sete vezes (13.16, 17; 14.9, 11; 16.2; 19.20; 20.4). Arepetição de sete incidentes em relação aos selos, ao toque das trombetas e às pragas é uma marca registrada. O estilo de João, seu vocabulário, a escolha de palavras e a sintaxe testificam da unidade deste livro.112
1. Teoria da Compilação Uma olhadela na superfície do pensamento pode suscitar algumas perguntas, especialmente se o leitor notar as divisões no Apocalipse. Depois da introdução e das sete cartas (caps. 1-3), há uma transição; então vem o seguimento de muitos capítulos (caps. 4-11); e o último seguimento é o maior (caps. 12-22). Daí, os estudiosos perguntam se o autor teria usado outros apocalipses na composição de seu Apocalipse. Tais livros eram disponíveis na segunda parte do primeiro século, es critos em hebraico ou aramaico com traduções para o grego. Poderia um escritor cristão ter extraído material desses livros e acrescentado seu próprio material apocalíptico? As perguntas podem se multiplicar, porém o resultado se centra no uso das fontes. Seguindo os estudiosos do século 19, certo comentarista fez reviver a teoria da compilação que baseia o Apocalipse em apocalipses judai-
112. Consultar Sw ete, R evelation, pp. xlvi-xlix; Charles, R evelation, 1:1 xxxviii; Beckwith, A pocalypse, pp. 22, 24.
In tro d u ç ã o
75
cos e num a redação cristã. J. M assyngberde Ford propôs que o Apocalipse deve ser dividido em duas partes. Ela escreve que os capí tulos 4-11 são derivados do círculo de João Batista, porque a frase “ele veio” reflete a expectativa de João Batista e de seus discípulos. Esta parte pode ser datada, na forma oral, ao tempo de João Batista, e assim vem antes do ministério de Jesus. A segunda parte consiste dos capítu los 12-22, a qual é oriunda dos seguidores de João Batista, que pode riam ou não tomar-se cristãos. Ela data da segunda metade da década de 60, antes da queda de Jerusalém. E, finalmente, ela escreve que “um discípulo de João Batista, cristão judeu”, supriu os três primeiros capí tulos do Apocalipse e alguns versículos do capítulo 22.113 Essa teoria falha em várias afirmações. Primeiro, ela é totalmente subjetiva. Segundo, não há evidência, seja oral ou escrita, que corro bore a teoria. Terceiro, as peculiaridades lingüísticas parecem provir do autor e não de algum editor cristão anônimo. Finalmente, ainda que o autor do Apocalipse tivesse usado material existente, ele desen volveu o livro de tal maneira que o mesmo leva o timbre de sua pró pria personalidade.
2. Escritos Judaicos João recorreu aos livros veterotestamentários de Ezequiel, Zacarias e Daniel, e tomou por empréstimo sua imagem para seu Apocalipse. Ele era também um contemporâneo de escritores judaicos de cunho apocalíptico, cujos livros eram conhecidos nos dias dos apóstolos. Um número de traços que caracterizam a literatura apocalíptica é peculiar a esse período: escatologia, visões, mensagens secretas, dependência li terária e pseudônima.114E pelo menos três apocalipses judaicos reve lam similaridades com referência ao Messias: 1 Enoque, 4 Esdras (2 Esdras) e 2 Baruque. O primeiro livro (1 Enoque) data do primeiro século antes de Cristo e é citado em Judas 14. Entre os tópicos discuti dos nesse livro estão passagens relativas à pessoa e ofício do Messias e os justos que habitam eternamente com Deus, o Messias e os anjos. 113. M assyngberde Ford, Revelation: lntroduction, Translation, an d C om entary, AB 38 (Garden City, N.I.: Doubleday, 1973), pp. 3 ,4 . Ela conclui: “Assim os capítulos 4 11 e 1 2 -22 devem ser postos antes dos Evangelhos, talvez bem anteriores ao NT. Formam um elo profético entre a Antiga e a N ova Aliança e preparam o cam inho para os E vangelhos” (p. 37).
76
A po c a l ips e
Esse livro reanimava os crentes que solicitamente esperavam a vinda do Messias. O segundo livro (4 Esdras [2 Esdras]) foi escrito depois da destruição de Jerusalém, durante o reinado de Domiciano. Reflete o pessimismo de seu tempo entre os judeus. Não obstante, ele descreve o reinado do Messias, o juízo vindouro e a reconstrução de uma nova Jerusalém. Retrata o Messias aplicando castigo, destruindo seus inimi gos e congregando as tribos de Israel. O terceiro livro (2 Baruque) foi composto depois da destruição de Jerusalém e contém um ponto de vista otimista do futuro. O escritor olha para o governo do Messias, o juízo no qual os justos são enaltecidos e os ímpios, condenados, a res surreição, a terra renovada e uma Jerusalém celestial. Ainda que esses apocalipses partilhem de aspectos messiânicos com o Apocalipse, as diferenças entre eles e o último livro do cânon são marcantes. O Apocalipse de João é inspirado e colocado no cânon; os outros não são inspirados e carecem de posição canônica; a inspiração é uma das marcas de canonicidade. “O Apocalipse de João é diferenci ado do Apocalipse de Baruque ou de Esdras justamente como o Livro de Daniel é diferenciado do Livro de Enoque.” 115
3. Apocalipses Cristãos Há poucos apocalipses que se originaram dos séculos im ediata mente após o período apostólico. Seus compositores deram a esses documentos os nomes de alguns apóstolos: O Apocalipse de Pedro, o Apocalipse de Estêvão e o Apocalipse de Tomé. Os últimos dois eram gnósticos e foram considerados apócrifos, mas o primeiro tinha as pectos canônicos, visto que Clemente de Alexandria se inclinava a considerá-lo uma obra genuína de Pedro. M as, com o tem po, o A pocalipse de Pedro foi sendo posto entre os livros espúrios e apócrifos. No quarto século, o Apocalipse de Paulo veio a lume como explicação das coisas inexprimíveis, que não podem ser ditas (2Co 12.4). Swete, referindo-se a Agostinho, caracteriza essa obra como fútil, “a qual não é menos visível que sua presunção” .ll6De todos os 115. Sw ete, R evelation , pp. xxix-xxx. Bauckham ( C lim ax o f P rophecy, p. 39) c o menta: “Sua [de João] distinção pode ser comparada ao de um apocalipse jud aico em relação aos outros ou pode ser devido à sua consciên cia e m ensagem proféticas deliberadam ente cristãs.” 116. Sw ete, R evelation, p. xxxii.
Introdução
77
apocalipses, somente o escrito por João foi recebido pela Igreja como livro inspirado, que ocupa um lugar no cânon. Nele encontramos a revelação de Deus, porquanto ele [Deus] conduz a um clímax a soma total de sua Palavra escrita.
H . A ceitação na Igreja Os escritores, no terceiro século, aceitaram o Apocalipse como pro cedente do apóstolo João. Incluem Justino Mártir (ver seu Diálogo a Trifão 81.15) e seu contemporâneo, Irineu, o qual faz referência ao Apocalipse como Escritura. Perto do encerramento do segundo século, as Igrejas Ocidentais já tinham aceitado plenamente o Apocalipse de João, de conformidade com o Fragmento M uratoriano.117 Nos primórdios do terceiro século, Tertuliano, igualmente, testificou da origem apostólica do Apocalipse. Ele escreveu em oposição a Marcião que, em meados do século anterior (150), rejeitou o Apocalipse e dei xou-o fora de seu cânon. Tertuliano escreveu: “Temos também as igre jas adotivas de João. Pois ainda que Marcião rejeite seu Apocalipse, a ordem de seus bispos, quando investigado desde seus primórdios, re pousa em João como seu autor.” " 8Em suma, a evidência no terceiro século endossa de forma esmagadora a autoria joanina. De um grupo de pessoas conhecido como Alogi surgiram objeções à autoria joanina na última metade do segundo século. Rejeitavam a doutrina do Logos no Prólogo do Evangelho de João, e conseqüente mente renunciaram o Apocalipse; atribuíam a autoria deste livro a Cerinto, o gnóstico. Eusébio cita Gaio de Roma, o qual escreveu: “No entanto também Cerinto, por meio de revelações, que diz serem escri tas por um grande apóstolo, apresenta milagres com a mentira de que lhe teriam sido mostradas por ministério de anjos.”119A oposição à au toria joanina do Apocalipse surgiu primeiramente de profetas heréticos e falsos que pretendiam desacreditar o Cristianismo. A igreja de Alexandria aceitou o Apocalipse de João. Mas depois que Dionísio veio a ser bispo, em 248, ele expressou sua oposição ao 117. “Pois também João, no A pocalipse, ainda que escrito às sete igrejas, não obstante fala a todos.” Consultar Stonehouse, A pocalypse in the Ancient Church, p. 83. 118. Tertuliano, Contra M arcião 4.5. 119. H istória E clesiástica 3.28.2. [Extraído da versão brasileira, N ovo Século, São Paulo, p. 101],
78
A p o c a l ips e
quiliasma, atribuindo o Apocalipse, não ao apóstolo, mas ao presbítero João. Assim , a oposição ao ensino quiliástico com referência a Apocalipse 20 entrou em debate acerca da autenticidade desse livro. Q uase um século m ais tarde, o historiador Eusébio, da igreja alexandrina, em 325, também questionou a autoridade do Apocalipse e expressou dúvidas acerca de sua posição no cânon. Entendia que a Igreja, por fim, aceitou o livro como genuíno, contudo ele mesmo não nutria hostilidade em catalogá-lo como espúrio. Em duas passa gens ele qualifica a posição do Apocalipse no cânon, dizendo: “Se isso parece correto”, e “se a opinião parece correta, o Apocalipse de João, que alguns rejeitam , porém outros o alinham entre os genuínos”.120A guisa de contraste, seu contemporâneo, Atanásio, su priu a Igreja com uma lista de Escrituras canônicas que incluía o Apocalipse como o último livro do cânon. Durante a segunda metade do quarto século, concílios eclesiásticos reconheceram a presença do Apocalipse no cânon neotestamentário. Uma exceção foi o Concílio de Laodicéia, reunido em 360, o qual om i te o livro de sua lista de escritos canônicos reconhecidos. Este concílio seguiu a Igreja Oriental do quarto século em excluir o Apocalipse do cânon. Mas, em outras partes da Igreja, concílios e líderes de igrejas reconheceram o Apocalipse como um livro inspirado que fazia parte do cânon. O Concílio de Hippo Regius, reunido em Numídia (moderna Algéria), quando Agostinho estava presente como presbítero, em 393, concordou com a inclusão do Apocalipse. Assim procedeu o Concílio de Cartago, em 397 e 419. Concordemente, Agostinho e Jerônimo con firmaram as decisões dos concílios norte africanos. No Oriente, a atitu de das igrejas em prol da inclusão do Apocalipse no cânon foi mudada nos primórdios do sexto século. Cerca de 508, a Peshitta Filoxeniana da Ig re ja s íria co n tin h a o A p o c a lip se com o p a rte do cânon neotestamentário. Quando Martinho Lutero traduziu o Livro do Apocalipse para o alemão, em 1522, ele o pôs com Hebreus, Tiago e Judas entre os livros não numerados em sua lista canônica das Escrituras neotestamentárias. Ele catalogou todos os 27 livros como parte do cânon, mas visto que pôs um critério de valor em cada livro, os quatro supracatalogados fi-
120. Eusébio, História Eclesiástica 3.25.2,4, respectivamente; ver também 7.25.1-27.
In tro d u ç ã o
79
caram sem número. Lutero alegava que esses quatro não pregavam a Cristo e ao evangelho da justificação pela fé. No prefácio de sua tradu ção de 1522, ele escreveu: “Sobre este livro do Apocalipse de João, deixo cada um livre para adotar suas próprias idéias, e não obrigaria a ninguém a adotar minha opinião ou critério; digo o que sinto. Não apro veito mais de uma coisa neste livro, e isso me faz crer que ele não é apostólico, nem profético.” Ele mudou de opinião sobre o Apocalipse no prefácio da edição de 1545, no qual escreve sobre o Apocalipse: “Podemos tirar proveito deste livro e fazer bom uso dele.” 121Na verda de ele achou nesse livro a mensagem de Cristo, e por isso disse: “Está junto de seus santos e no fim conquista a vitória.” Entretanto, Lutero manteve o Apocalipse entre os livros não numerados de seu catálogo canônico. João Calvino considerava as Escrituras como sendo por si mesmas autenticadas com respeito à sua origem, caráter e autoridade divinos. Para ele, o testemunho interno do Espírito Santo no coração do crente confirmava e selava a inspiração dos livros canônicos. Ainda que Calvino nunca tivesse escrito um comentário sobre o Apocalipse, isso não quer dizer que ele rejeitasse este livro. Ao contrário, uma rápida visão das Escrituras indica que seus comentários e as Instituías corro boram o fato de que os reformadores aceitaram a canonicidade do últi mo livro da Bíblia.122Calvino escreveu comentários sobre a maior par te dos livros do Antigo e do Novo Testamento, compôs suas Instituías, pregou diariamente na igreja de São Pedro em Genebra, manteve cor respondência com numerosas pessoas dentro e fora da igreja, e ensinou seus alunos na Academia de Genebra. Em condição física pobre, ele manteve um programa tenaz que levou sua vida a um fim prematuro com a idade de 55 anos. É de fato espantoso que ele fosse capaz de realizar tudo o que conseguiu nesses anos. Se ele tivesse escrito um comentário sobre o Apocalipse, ele o teria publicado.123
121. Martinho Lutero, Works o f M artin Luther (Filadélfia: Holman, 1932), 6 .4 8 8 ,4 8 6 . 122. Calvino citou o Apocalipse umas quarenta vezes em seus escritos. Ver T. H. L. Parker, Calvin's N ew Testament Com mentaries (Grand Rapids: Eerdmans, 1971), p. 78. 123. Parker declara: “(1) N ão se conhece nenhuma cópia de um comentário; (2) o silêncio contemporâneo é mais forte contra do que qualquer afirmação em prol de tal com entário.” Ver seu C a lvin ’s N ew Testament Com m entaries, p. 75.
80
A p o c a l ips e
I. D estinatários e P ropósito A quem João endereçou seu livro? E que motivo teve ele para escrevê-lo? Estas duas perguntas são significativas, pois se dirigem a todos os leitores do A pocalipse. Os três prim eiros capítulos do Apocalipse informam ao leitor que Jesus fala aos membros das sete igrejas na província da Ásia: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia. Não obstante, as congregações de Colossos e Hierápolis (Cl 4.13) não são mencionadas, ainda que estivessem loca lizadas na vizinhança de Laodicéia. Paulo passou algum tempo na ci dade de Trôade (At 20.6; 2Co 2.12), contudo nenhum a carta é endereçada a esse lugar. Cerca de duas décadas depois que João escre veu o Apocalipse, Inácio de Antioquia escreveu cartas às igrejas já estabelecidas de Trales e Magnésia, na província da Ásia. Esperaría mos que essas igrejas já existissem próximo ao final do primeiro sécu lo, porém não são mencionadas no Apocalipse. Por que somente sete igrejas estão em pauta? Só podemos presumir que as igrejas às quais João enviou as cartas são representantes da Igre ja universal de Jesus Cristo. Com respeito à localização, as sete congre gações formam uma trajetória em forma oval, das quais outras tantas igrejas podiam ser alcançadas. Em círculo sempre crescente, a mensa gem foi se espalhando por todo o mundo, de modo que nenhuma igreja escapa. O número sete simboliza completude e sugere que Jesus apela para todos os crentes cristãos em todos os lugares e em todas as épocas. A mensagem do Apocalipse é para “todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro” (22.18). Igualmente, todos quantos lêem e estu dam esse livro são chamados bem-aventurados (1.3). E, finalmente, a ordem reiterada, “aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”, é endereçada a todos.124Todo crente é impelido a ouvir a voz de Jesus; e todos os que ouvem e obedecem receberão as bênçãos espi rituais prometidas por Jesus. O propósito do Apocalipse visa reanimar e confortar os crentes em sua luta contra Satanás e seus correligionários. O livro divulga que, nesse conflito entre Cristo e Satanás, Cristo é o vencedor, e Satanás é o vencido. Ainda quando Satanás e seu exército deflagrem guerra contra
124. Apocalipse 2.7, 11, 17, 29; 3.6, 13, 22.
Introdução
81
os santos na terra, os quais enfrentam sofrimento, opressão, persegui ção e morte, Cristo é vitorioso. E Cristo quem encoraja seu povo a resistir às furiosas investidas do maligno, pois também reinarão com Cristo e se assentarão com ele em seu trono (3.21). Jesus estende con forto a todos os crentes, porque Deus vê suas lágrimas e as enxuga (7.17; 21.4). Deus ouve suas orações e, em resposta, influenciará o curso da História (8.3, 4). Os santos que morrem no Senhor são deno minados bem-aventurados, pois seus bons feitos não são esquecidos (14.13). O sangue dos mártires será vingado (19.2); os santos vestidos com vestes brancas estão presentes nas bodas do Cordeiro (19.7-9), e reinarão com Cristo para todo o sempre (5.10; 22.5). Portanto, esse livro de consolação dirige a atenção de cada crente para o julgamento do mundo e para a vitória final da Igreja. Ainda que Satanás se oponha à marcha do evangelho e ao crescimento da Igreja no mundo inteiro, seu poder é limitado e eventualmente se deparará com o fim, quando ele e seus agentes forem lançados no lago de fogo (20.10). Cristo já logrou vitória para sua Igreja em sua conquista sobre as forças de Satanás e seus correligionários. Conseqüentemente, a men sagem do Apocalipse é uma mensagem de esperança, porquanto Cris to, que já venceu o mundo, por fim vingará seus santos. Ele guiará seu povo a um estado de eterna bem-aventurança, na qual ele é o esposo, e seu povo é a esposa (19.1-9; 21.2, 9).
J. Teologia Como a pedra de arremate da Palavra escrita de Deus, o Apocalipse, conseqüentemente, apresenta ensino teológico sobre os seguintes temas: • • • •
Deus o Pai como revelador e soberano; Jesus Cristo concernente à sua pessoa e obra; o Espírito Santo como aquele que lidera e guia; os santos na terra que sofrem e os que já se encontram no céu, que triunfam; • o futuro do mundo e seus habitantes.
1. Senhor Deus Todo-Poderoso Os três primeiros capítulos do Apocalipse descrevem Jesus Cristo, no entanto por todo o livro o enfoque está em Deus. Ele é a figura central. Ele deu sua revelação a Jesus para mostrá-la a seus servos (1.1);
82
A po c a l ips e
revela sua palavra (19.13); prepara um lugar seguro para seu povo (12.6); e a ele seus servos tributam glória e honra (1.2, 4-6). O Livro do Apocalipse destaca o nome de Deus em cada capítulo, enfatizando do princípio ao fim o governo de Deus, sua santidade e jus tiça. Bauckham escreve nestes termos: “A teologia do Apocalipse é su blimemente teocêntrica. Essa, juntamente com sua doutrina distintiva de Deus, é sua maior contribuição para a teologia neotestamentária.”125Na abertura do livro, João descreve Deus nas saudações às sete igrejas na província da Ásia: “Graça e paz a vocês, da parte daquele que é e que era e que há de vir, e da parte dos sete espíritos que estão diante do trono” (1.4). Aqui o trono de Deus é mencionado pela primeira vez, o qual é a expressão pivô nesse livro, ocorrendo umas 45 vezes, porquanto desse trono Deus governa o universo. Aqui está a sede da autoridade e do po der; aqui está a santidade que inspira todas as criaturas de Deus a adorálo. Aqui a justiça é administrada quando alguém comparece diante do grande trono branco e todos os livros são abertos (20.11-15). João apresenta um retrato mui descritivo do trono de Deus no capí tulo 4, onde de forma judaica típica ele faz referência àquele que se assenta no trono posto no céu (4.2). João apresenta uma coleção de símbolos quando descreve a parte central do céu: o trono. Deus tem a aparência do jaspe e do sardônio; um arco-íris com os matizes da esme ralda envolve o trono; vinte e quatro tronos ocupados por vinte e qua tro anciãos cercam o trono (4.3). Então as reverberações de relâmpagos são vistas, e o eco de trovões é ouvido; sete lâmpadas luzentes e um mar de vidro límpido estão postos diante do trono (4.5, 6a); e quatro criaturas viventes, no centro e ao redor do trono, cantam incessante mente os louvores de Deus (4.6b-ll). Em 15 dos 22 capítulos do Apocalipse, João faz menção do trono de Deus, e em muitos desses capítulos a palavra ocorre reiteradamente.126Aquele que se acha assentado no trono é o Senhor Deus Todo-Poderoso, que governa eternamente com justiça e verdade (por exemplo, ver 1.8; 4.8; 15.3; 16.7). Os santos obedecem aos manda mentos de Deus (12.17; 14.12), porque constituem o reino e são sacer125. Bauckham, Theology, p. 23. 126. Apocalipse 1.4; 3.21 (duas vezes); 4.2 (duas vezes), 3 ,4 (três vezes), 5 (duas vezes), 6 (três vezes), 9 ,1 0 (duas vezes); 5 .1 ,6 ,7 ,1 1 ,1 3 ; 6.16; 7 .9 ,1 0 ,1 1 (duas vezes), 15 (duas vezes), 17; 8.3; 11.16; 12.5; 14.3; 16.17; 1 9 .4 ,5; 20.4, 11,12; 21.3, 5; 22.1, 3 ,4 .
In tro d u ç ã o
83
dotes para Deus (1.6; 5.10). Todos os santos e anjos o adoram e o invocam como nosso Deus (5.10; 7.3, 10, 12; 12.10; 19.1). Inclusive Jesus chama seu Pai de meu Deus (3.2, 12 [quatro vezes]). A santidade de Deus permeia todo o livro; as quatro criaturas vi ventes cantam: “Santo, santo, santo é o Senhor Deus Todo-Poderoso, que era, que é e que há de vir” (4.8). A primeira parte de seu cântico é extraída da visão de Isaías, na qual os serafins usam uma fraseologia semelhante em sua invocação (Is 6.3). O Criador deste mundo deve ser adorado por todas as suas criaturas (4.10; 5.14; 7.11; 11.1, 16; 14.7; 15.4; 19.4; 22.8, 9). Os santos comparecem diante dele para adorá-lo (7.9-15), são privilegiados por terem acesso ao templo de Deus (3.12; 7.15) e são os habitantes da nova Jerusalém (3.12; 21.2, 3, 10, 27). Todos quantos blasfemam o nome de Deus (13.6; 16.9,11,21) me recem a ira de Deus (14.10, 19; 15.1, 7; 16.1; 19.15). Os que viram o efeito das pragas endureceram seus corações e se recusaram a arrepen der-se, ainda quando Deus lhes deu tempo para arrepender-se (2.21; 9.20; 16.9, 11). João menciona a ira de Deus, porém não faz referência expressa ao amor de Deus.127Não obstante, em relação aos santos, Deus demonstra seu amor, dando-lhes a vida (11.11), preparando-lhes um lugar no deserto (12.6), cumprindo suas promessas (21.3, 7) e sendolhes uma fonte de luz (21.23; 22.5). Satanás prova ser o grande imitador de Deus. Ele se apresenta em forma tríplice: o diabo, a besta e o falso profeta (16.13; 19.20; 20.10). O dragão, isto é, Satanás, está de pé na praia do mar como uma besta que emerge do mar (13.1). Tudo isso é uma imitação do Deus que cria o mundo, fazendo-o emergir das águas primevas. O falso profeta, isto é, a besta que emerge da terra, engana os habitantes da terra, fazendoos prestar homenagem à besta (13.11, 14). Aqui está a imitação da Pa lavra de Deus e do Espírito que guia os santos a cultuarem a Deus. Como Deus, Satanás tem seu trono (2.13; 13.2); seus súditos o cultuam (13.4, 8, 12, 15; 16.2; 19.20); e seus reis o servem (17.12). A esses reis e à besta é dada autoridade para governar somente enquanto Deus o determinar. Sua destruição é infalível. O trio mau de Satanás chegará ao fim quando o vitorioso Filho de Deus aparecer e Deus esta belecer o juízo. 127. Consultar Swete, Revelation, p. clx.
84
A p o c a l ips e
2. O Cristo Vitorioso Já fazia mais de sessenta anos que Jesus subira ao céu quando ele se revelou a João na ilha de Patmos. Enquanto estava na terra, ele apa receu em forma glorificada ao círculo íntimo dos três discípulos: Pedro, Tiago e João (Mt 17.1-8). Pedro escreve sobre esse acontecimento, di zendo que ele e seus condiscípulos “fomos testemunhas oculares de sua majestade. Ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando da suprema glória lhe foi dirigida a voz que disse: Este é o meu Filho amado, em quem me agrado” (2Pe 1.16, 17). Depois de sua ressurrei ção, Jesus apareceu dez vezes a seus seguidores, ainda que às vezes não o reconhecessem em seu estado de glória (por exemplo, Lc 24.16, 37; Jo 21.4). De igual modo, a aparição de Jesus a João era demais para o apóstolo assimilar, pois João caiu aos pés de Jesus “como morto” (1.17). João descreve a gloriosa aparição de Jesus da mesma maneira que descreve o trono de Deus. Ele não menciona o nome de Jesus, assim como evita usar o nome de Deus na descrição do trono. Em linguagem simbólica, ele retrata o Filho do Homem como uma pessoa de radiância supernatural: sua face era como o sol; sua cabeça e cabelos, brancos como a lã ou a neve; seus olhos, como um fogo ardente; seus pés, como o bronze polido; sua voz, como o som de águas impetuosas; sua boca, como uma espada afiada (a Palavra de Deus); e sua roupa, como um manto que chega até os pés, com uma faixa de ouro em volta de seu peito (1.13-16). João descreve o Jesus vitorioso montando um cavalo branco; usando muitas coroas em sua cabeça; seus olhos eram como fogo ardente; vestindo um manto salpicado de sangue; portando os tí tulos: o Verbo de Deus e Rei dos reis e Senhor dos senhores; e com uma espada afiada que saía de sua boca (19.11-15). A descrição que João faz de Jesus é extraordinária, pois é impos sível que olhos mortais contemplem a face do Cristo glorificado, cujo brilho é como o sol na plenitude de seu esplendor. Os olhos cintilan tes de Jesus fazem com que todos se curvem diante dele em adoração. Ele governa em majestade e glória como alguém que foi coroado re petidas vezes com muitas coroas. As palavras de sua boca penetram e julgam todos os pensamentos e atitudes humanos; nada está oculto dele (Hb 4.12, 13). A cor branca descreve sua cabeça e cabelos, e
In tro d u ç ã o
85
simboliza a pureza e integridade, o ato de cavalgar um cavalo branco subentende a vitória de um rei, e a faixa de ouro que circula seu peito subentende realeza. O Cristo exaltado, como o sacerdote real, ocupa o centro de sua Igreja. Ali ele retém os sete anjos (mensageiros) das sete igrejas em sua protetora mão direita. Ali ele fala às sete igrejas na província da Ásia com mensagens que abrangem a Igreja universal. Ali ele capacita cada congregação a deixar a luz do evangelho brilhar em um mundo espiri tualmente sombrio. Igualmente, como rei, ele governa com uma vara de ferro (2.27; 12.5; 19.15) e julga com justiça (19.11). Ele é o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, que é um título messiânico para o Rei dos reis (5.5). Seus adversários invocam as montanhas e as rochas para que os escondam do Deus que está assentado no trono e da ira do Cordeiro de Deus (6.16). Deus e o Cordeiro, ambos, recebem o louvor e a sauda ção dos seres celestiais e dos santos glorificados - o Cordeiro é louva do porque ele foi morto.128O Cordeiro conduz os santos que ele mesmo comprou (14.4), enquanto os santos, debaixo do altar, que clamam por justiça sobre os inimigos de Deus, recebem ordem de esperar até que chegue a consumação (6.10, 11). Os que foram convidados à ceia do Cordeiro se regozijam porque eles, como a esposa, encontram Cristo, o esposo (19.7, 9; 21.9). Não obstante, tanto a esposa quanto o Espírito se põem a clamar a este sacerdote e rei que venha depressa (22.17). Jesus partilha com Deus as características divinas com respeito ao culto, à autoridade e um reino. Deus ocupa o centro do trono, e o Cordei ro está de pé naquele mesmo centro (5.6; 7.17). Enquanto Deus está sen tado no trono do juízo (20.11), o Filho está em pé com ele nesse trono (3.21). Deus, no céu, governa supremamente, mas faz isso através do Filho do Homem, cujo reino eterno jamais será destruído (Dn 7.13, 14; ver Ap 1.13; 14.14). Deus reflete sua eternidade nas palavras; “aquele que é e que era e que há de vir” (1.4, 8; 4.8; 11.17; 16.5). Jesus, porém, partilha igualmente da mesma eternidade; pois ele disse aos judeus: “An tes que Abraão fosse eu sou” (Jo 8.58). A vida terrena de Jesus expirou na cruz, e assim “ele era”. E o povo o chamou “Aquele que vem”, isto é, o Messias esperado (comparar SI 118.26; Mt 11.3; Jo 11.27). Em suma, as palavras “Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim” se referem a 128. Apocalipse 5.6, 8, 12, 13; 7.9, 10,14, 17; 15.3.
86
A po c a l ip s e
ambos: Deus e Cristo (21.6 para Deus; 22.13 para Cristo). A versão mais breve, “Eu sou o Alfa e o Omega”, para Deus (1.8) tem seu eco em Jesus, nas palavras “Eu sou o primeiro e o último” (1.17).129 Não obstante, em parte alguma do Apocalipse João denomina Je sus como Deus, e assim ele evita deixar a impressão de que ele ensina a existência de dois Deuses. Ainda, porém, que João nunca denomine Jesus de Deus, com o uso dos pronomes ele põe Jesus no mesmo nível de Deus. Em mais de uma passagem, onde menciona Deus e o Cordei ro, ele escreve os pronomes seu, o e ele no singular. Por exemplo, com adendo em itálico, lemos: • “Serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos” (20.6). • “E nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e seus servos o servirão, e contemplarão sua face. E seu nome estará em suas frontes” (22.3, 4). João chama Jesus de o Filho de Deus (2.18) e Verbo de Deus (19.13). Ele nota que Jesus fala a Deus como “meu Deus” (3.12) [quatro vezes], implicando a subordinação do Filho ao Pai. Ele descreve Jesus como o primogênito dos mortos, o soberano dos reis da terra (1.5), a Raiz e Geração de Davi (5.5; 22.16), o Leão da tribo de Judá (5.5) e a brilhan te Estrela da Manhã (22.16).130Ele atribui características divinas a Je sus, pondo-o junto a Deus, porém se refreia de fazer Deus e Jesus exatamente iguais. Note que Deus é chamado o Criador de todas as coisas (4.11), enquanto Jesus se descreve como a “origem [grego a rc h ê da criação” (3.14). A palavra origem não deve ser interpretada em sen tido passivo, como se Jesus fosse criado ou recriado, mas no sentido ativo, isto é, que ele é aquele que gera e chama a criação à existência (Jo 1.1; Cl 1.15-18; Hb 1.2).131Jesus Cristo recebe a revelação de Deus, a qual passa a João (1.1); ele é o Cordeiro que foi morto e com seu sangue comprou os santos para Deus (5.6,9); e como o Cordeiro ele dá as boas-vindas à sua noiva, isto é, à Igreja, para a festa nupcial (19.7-9; 129. Atribuído a Bauckham, Clim ax o f Prophecy, pp. 33-34; e seu Theology, pp. 2528; Paulien (D ecoding R evelation’s Trumpets, p. 349, escreve: “A linguagem aplicada a Yahweh é livremente aplicada a Cristo”. 130. Comparar Sw ete, R evelation, pp. clxii-clxiii. 131. Ver Greijdanus, O penbaring, p. 106; Bauckham, Theology, p. 56.
Introdução
87
21.9). João ensina que Cristo é o agente de Deus na criação, na reden ção e na consumação. Além do mais, no capítulo quatro, João relata que Deus recebe lou vores infindáveis (4.8, 11), mas no próximo capítulo os santos e os anjos entoam três cânticos saudando o Cordeiro (5 .9 ,1 0 ,1 2 ,13b). Ali ás, no último desses três cânticos adoram a ambos: “àquele que se as senta no trono” e ao Cordeiro. É interessante notar que João fala do Cordeiro justaposto a Deus, pois as doxologias são dirigidas a ambos (7.10,17; 14.4; 22.1, 3). A adoração a Cristo “conduz à junção do culto a Deus e a Cristo, numa fórmula em que Deus retém a primazia”.132 O título Cordeiro de Deus sugere o sacerdócio e a realeza, como expressos em cântico pela multidão celestial que adora o Cordeiro: Tu és digno de receber o livro e de abrir-lhe seus selos, pois foste morto, e com teu sangue compraste para Deus gente de toda tribo, língua, povo e nação. Tu os constituíste reino e sacerdotes para nosso Deus, e eles reinarão sobre a terra. (5.9, 10)
João usa também o título Cristo em conexão com poder, autoridade e reino. O reino do mundo agora pertence a Cristo, que governa com poder e autoridade (11.15; 12.10; comparar 20.4,6). Esse reino perten ce a ambos: Cristo e Deus, pois ambos reinarão para todo o sempre (11.15,17). Cristo é o soberano vencedor que se assenta junto a seu Pai no trono (3.21). Cristo, o Cordeiro, é vitorioso sobre as forças do Anticristo, “porque ele é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis” (17.14). Satanás não só imita a Deus; ele também parodia Jesus Cristo na aparência de um cordeiro. No Apocalipse, a palavra cordeiro ocorre vinte e nove vezes, vinte e oito das quais têm referência ao Senhor, e uma ao falso profeta de Satanás, isto é, a besta que emerge da terra (13.11). O cordeiro de Satanás não fala as palavras de Deus, mas as do dragão, isto é, Satanás (20.2). A besta de Satanás tem uma cabeça mor talmente ferida, a qual é curada (13.3), enquanto Jesus é o Cordeiro
132. Bauckham, C lim ax o f P rophecy, p. 139. Ele põe em relevo o fato de que, quando João m enciona D eus e Cristo juntos, escreve um verbo singular ou um pronome singu lar (11.15 e 6.17; 22.3, 4).
88
A p o c a l ips e
que foi morto (5.6). Além do mais, Satanás é líder em seu reino (16.10; 17.12) e os reis deste mundo lhe estão sujeitos.133Satanás demanda cul to de seus súditos, os quais têm de ter a marca da besta em sua mão direita e na fronte.134Mas todos os que portam a marca da besta enfren tam a ira de Deus, bebem o cálice do furor de Deus e são atormentados com enxofre ardente na presença dos santos anjos e do Cordeiro (14.9, 10). A besta, o falso profeta e Satanás são lançados no lago de fogo e enxofre (19.20; 20.10). Cristo é o vencedor.
3. O Espírito Santo Paulo e Pedro, igualmente, ensinam a doutrina da Trindade na par te introdutória de duas de suas epístolas (Rm 1.1-4; IPe 1.1,2). Embo ra mais indireto, João também faz menção das três pessoas da Trinda de. Na saudação às sete igrejas na província da Ásia, ele faz menção de Deus o Pai como “aquele que é e que era e que há de vir”. Ele chama Jesus Cristo nominalmente e o identifica com “a fiel testemunha, o primogênito dos mortos e o soberano dos reis da terra” (1.5). O Espíri to Santo é descrito como “os sete espíritos diante do trono [de Deus]”. O termo os sete espíritos de Deus, também traduzido “sétuplo espírito de Deus”, denota a completude do Espírito (3.1; 4.5; 5.6). O Espírito Santo é o Espírito de Deus, como é evidente à luz das passagens supramencionadas; mas, ao mesmo tempo, ele é também o Espírito de Cristo. João descreve o Cordeiro em duas passagens como mantendo “os sete espíritos de Deus” (3.1) e como tendo “sete chifres e sete olhos, os quais são os sete espíritos de Deus” (5.6). O Espírito Santo permanecia em João para revelar-lhe verdades espi rituais em visão. Assim João estava no Espírito no Dia do Senhor (1.10); ele estava no Espírito em pé na porta aberta no céu (4.2); um anjo o transportou ao deserto enquanto estava no Espírito (17.3); e, por fim, ele foi levado pelo Espírito a um alto monte para contemplar a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu (21.10). A pergunta é se João em Patmos estava no Espírito (1.10) e assim permaneceu no Espírito. Se a resposta é positiva, então as três passagens seguintes (4.2; 17.3; 21.10) retratam a agência do Espírito transportando João ao céu, ao deserto e ao grande e
133. A pocalipse 16.14, 16; 17.2, 10, 12 (duas vezes), 18; 18.3, 9; 19.19. 134. A pocalipse 9.20; 13.4 (duas vezes), 8, 12, 15; 14.9, 11; 16.2; 19.20.
Introdução
89
alto monte, respectivamente. A profecia de Ezequiel confirma esta inter pretação em muitas passagens, pois o Espírito de Deus elevou o profeta reiteradamente. O Espírito levou Ezequiel à Jerusalém, à Babilônia, ao vale de ossos secos e ao templo do Senhor (Ez 3.12, 14; 8.3; 11.1, 24; 37.1; 43.5). Paulo foi arrebatado até o terceiro céu, e não lhe foi permiti do falar a alguém sobre o que viu e ouviu (2Co 12.2-4). João, porém, controlado pelo Espírito Santo, tinha de divulgar a revelação de Deus, a qual lhe foi dada através de Jesus Cristo (1.1).135 O papel do Espírito Santo consiste em revelar a verdade de Deus através de Jesus Cristo. Ele é o revelador e inspirador, como é evidente à luz da afirmação repetitiva e conclusiva nas sete cartas às sete igrejas: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas.” 136O Espírito, pois, fala em prol do Senhor Jesus Cristo às igre jas na província da Ásia, em particular, e à Igreja universal, em geral. Concernente ao povo de Deus, a voz vinda do céu diz a João que escreva a segunda beatitude: “Bem-aventurados são os mortos que desde agora morrem no Senhor.” Ao que o Espírito Santo acrescenta: “Sim, para que descansem de seus labores, porque suas obras os seguirão” (14.13). E o Espírito, juntamente com a Igreja, roga a Jesus que venha (22.17). O Espírito fala também através dos mensageiros que testemunham por Jesus e que proclamam o testemunho de Jesus. Por exemplo, João se achava na ilha de Patmos “por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus” (1.9). As duas testemunhas que profetizam durante 1.260 dias terminam seu testemunho quando a besta as ataca e mata (11.3, 7). São chamadas mártires, cujo termo em grego significa primariamente “teste munha”, e sacrificaram suas vidas por Jesus na batalha contra Satanás (12.11,17; 20.4). Essas testemunhas são não só os clérigos ordenados que fielmente proclamam o evangelho; são os membros individuais da Igreja, o corpo de Cristo, que testificam onde quer que Deus as coloque. Bauckham escreve assim: “Aqueles que dão testemunho de Jesus certamente não são apenas profetas (19.10), mas cristãos em geral (12.17).”137São instrumen 135. Ver Bauckham, Clim ax o f P rophecy, p. 159; comparar Jean-Pierre Ruiz, Ezekiel in the A pocalypse: The Transformation o f P rophetic Language in R evelation 16.11719.10 (Frankfurt am Main: Peter Lang, 1989), pp. 300-303. 136. A p ocalispe 2.7, 11, 17, 29; 3.6, 13, 22. Ver Beckw ith, A pocalypse, p. 317; J. C. D e Sm idt, “The H oly spirit in the book o f R evelation - Nom enclatura”, N eo test 28 (1994): 229-44. 137. Bauckham, Clim ax o f Prophecy, p. 161.
90
A p o c a l ips e
tos do Espírito através dos quais ele faz conhecido o testemunho de Jesus e em prol dele; e esse testemunho é obra do Espírito Santo. Concluindo, o Senhor Deus emprega os espíritos dos profetas (22.6). Satanás, porém, tem seus espíritos imundos para fazer sua convocação (16.13,14). Esses espíritos saem das bocas do trio profano: o dragão, a besta e o falso profeta. Mas quando Deus envia seu poderoso anjo, o qual, saindo da presença de Deus, ilumina a terra com seu esplendor (comparar Ez 43.1-5), sua ruína é selada (Ap 18.2). Ainda que o sangue dos profetas e dos santos seja derramado sobre a terra (18.24), Deus vinga seu sangue (19.2). Seus santos é que são convidados à ceia das bodas do Cordeiro (19.9).
4. Os Santos Os santos mencionados no Apocalipse estão tanto na terra quanto no céu. Os membros das sete igrejas na província da Ásia estavam na igreja que lutava contra o pecado, tinham enfrentado as doutrinas en ganosas e atraentes, e tinham suportado opressão e perseguição. Jesus os reanimou em suas lutas espirituais; censurou-os por sua indolência; chamou-os ao arrependimento; insistiu com eles a que fossem fiéis até a morte; e instruiu-os a conservarem o que possuíam. Jesus havia liber tado os santos de seus pecados (1.5), porém não de seus adversários, cujos pecados são acumulados até o céu (18.4, 5). Os santos que estão na terra apresentam suas orações a Deus, e isso não através de intermediários, mas diretamente. Essas orações, apre sentadas não aos santos nem aos anjos, mas a Deus, são misturadas com o incenso que os anjos lhe ofereceram em taças de ouro (5.8; 8.3, 4 ).138Além do mais, os santos oferecem essas orações individual e coletivamente na ocasião em que há silêncio no céu “por cerca de meia hora” (8.1). Deus ouve as vozes de seu povo na terra quando o invocam em suas aflições. E chega o tempo de Deus afinal responder quando chegar o reino de Cristo, e também quando Cristo começa a julgar os ímpios e a galardoar os santos (11.18). Além disso, os santos na terra sofreriam perseguição por causa da palavra de Deus (1.9; 6.9; 20.4) e do testemunho de Jesus e em prol
138. Comparar Luther Poellot, R evelation: The Last B ook in the B ible (St. Louis: Concordia, 1962), p. 871.
I ntrodução
91
dele.139Seu sangue é espalhado sobre esta terra numa extensão tal que os opressores dos santos são descritos como embriagados com ele (17.6). Embora encoraje os mártires nesta terra, o Apocalipse enaltece os san tos por sua paciênciaefé em D eus(13.10; 14.12). Os santos sabem que sua perseverança e confiança nunca são ineficazes, porque seus feitos justos os seguirão (14.13). Ainda que Satanás, a besta e o falso profeta sejam guerreiros formidáveis e vençam batalhas, Cristo é o Vitorioso que conduz os santos na terra à vitória. O Apocalipse atribui vitória a Cristo e a seus seguidores. Ainda quando as forças de Satanás extin gam a vida do povo de Deus, o qual é fiel ao ponto de se deixar matar, a vitória final pertence a Cristo e aos santos.140Deus nunca abandona seu próprio povo; este pertence ao seu acampamento (20.9). João escreve acerca dos santos no céu: são exortados a regozijar-se com os profetas e apóstolos (18.20); seus atos justos são simbolizados pelo linho fino (19.8); já lavaram suas roupas brancas no sangue do Cordeiro (7.14); e entoam louvores a Deus e ao Cordeiro (7.10). São inumeráveis; estão vestidos com roupa branca; estão segurando em suas mãos ramos de palmeiras da vitória; e estão em pé diante do trono (7.9). Com os anjos e anciãos, os santos adoram a Deus, o qual, através de seu anjo, lhes ordena que ajam assim. Por exemplo, João quer pres tar tributo ao anjo que o instruía a escrever outra beatitude: “Bemaventurados são aqueles que foram chamados ao banquete das bodas do Cordeiro”, ao quê o anjo acrescentou: “Estas são as verdadeiras palavras de Deus” (19.9). Não obstante, o anjo repreende a João por querer adorá-lo e ordena ao vidente que adore a Deus. Quando João novamente deseja adorar o anjo que lhe mostrava as palavras e visões celestiais, o anjo enfatiza que ele, assim como João, é mero servo e que a adoração deve ser rendida só a Deus (22.9). Nenhuma criatura no céu ou na terra é digna de adoração. Somente Deus e o Cordeiro recebem tributos dos anjos, dos quatro seres viventes, dos vinte e quatro anciãos e da incontável multidão de santos no céu e na terra. Deve-se adorar a Deus, o Criador e Redentor, pois ele é santo. Aliás, os santos no céu que já são vitoriosos sobre a besta entoam o cântico de Moisés e do
139. A pocalipse 1.2, 9; 6.9; 12.17; 19.10; 20.4. 140. A pocalipse 1.18; 2.8; 11.7; 12.7-9; 13.7; 17.14; 19.11, 19. Ver Hendriksen, M ore Than conquerors, pp. 8, 9.
92
A po c a l ip s e
Cordeiro, dizendo: “Quem não te teme, ó Senhor, e não glorifica o teu nome? Pois somente tu és santo, porque todas as nações virão e adora rão diante de ti” (15.4). Deus é chamado “O Santo” (16.5); ele é “santo e verdadeiro” (6.10; ver também 3.7), e suas palavras são fiéis e verda deiras” (21.5). Os santos são privilegiados por viverem na presença de Deus. Reiteradamente, João usa a expressão diante do trono de Deus (por exem plo, 1.4; 7.15; 20.12). Eles têm a liberdade de permanecer na presença de Deus, porque Cristo já abriu o caminho para o interior do santuário. Quando a nova Jerusalém descer à terra, não se vê templo naquela cida de. O Senhor Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro são seu templo, porque os santos estarão para sempre em sua presença (21.22). Não haverá noi te, pois a glória de Deus e do Cordeiro são sua luz (21.23; 22.5). Na consumação, o futuro se converte em eterno presente de Deus, onde o tempo cósmico não mais existe e a perfeição é completa. A guisa de contraste, os incrédulos clamam aos montes e às rochas para que os cubram e os escondam da face de Deus e da ira do Cordeiro (6.16). Bem que poderiam reconhecer que Deus é soberano (11.13), porém, recusam-se a arrepender-se (9.21; 16.9, 11). Enquanto os san tos em glória estão sempre na presença de Deus, os pecadores são bani dos para sempre para o lago de fogo e enxofre (21.8).
5. Profecia O Apocalipse é um livro de profecia, como o indicam seu primeiro e último capítulos (1.3; 22.7, 10, 18, 19). Mas ainda que as profecias veterotestamentárias chamem a atenção para a primeira vinda de Jesus Cristo, as profecias no Apocalipse focalizam sua Segunda Vinda. A palavra profecia, no Apocalipse, é abrangente em seu escopo, isto é, não só revela o futuro, mas também inclui revelação que Deus já deu. Isso se torna claro com respeito à maldição que é lançada sobre alguém que porventura acrescentar ou subtrair a profecia deste livro (22.18, 19). Limitar a expressão a profecia deste livro ao Apocalipse dificilmente se harmoniza quando consideramos as centenas de alu sões que o Apocalipse faz ao Antigo e ao Novo Testamento. Este livro incorpora plenamente “a palavra de Deus e o testemunho de Jesus” (1.2).141Além do mais, as palavras em 22.18, 19 não foram pronuncia 141. Comparar Beasley-Murray, Revelation, p. 347.
In tro d u ç ã o
93
das por João, e, sim, por Jesus, cuja voz demonstrava enfaticamente sua plena autoridade no pronome pessoal Eu, na sentença “eu testifico a todos os que ouvem”.142Em sua própria natureza, revelação bíblica é profecia, e não pode limitar-se à predição. Bauckham enfatiza os ele mentos relacionados da profecia bíblica: discernimento da situação em que o profeta vive e intui na natureza e propósito de Deus; predizendo o que deve acontecer mediante a compreensão de como Deus cumpre o estabelecimento de seu reino universal; e a demanda aos ouvintes da profecia a que respondam pondo em prática o propósito de Deus em seu mundo contemporâneo.143Além disso, a profecia, apontando para um cumprimento futuro, está expressa nas promessas de Deus a seu povo (21.5-7); nas sete beatitudes (1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7, 14); na palavras de Jesus a João e às sete igrejas (1.17-20; 2.1-3.22); e nos anúncios angelicais e celestiais (10.6, 7; 11.18; 17.7-18; 22.6). A mensagem profética do Apocalipse revela a vitória de Cristo sobre o mal e seu reinado com seu povo. Seu reinado é agora e não mais tarde; agora em princípio, e na consumação em plena realidade (comparar 11.15). O Apocalipse é uma mensagem de conforto e esperança para os cristãos que vivem entre a ascensão e o regresso de Jesus vindo sobre as nuvens do céu. Ele não deve limitar-se ao primeiro século nos dias de João, nem deve restringir-se ao tempo imediatamente antes e depois do regresso de Cristo. A mensagem do Apocalipse é para todo leitor e ouvinte da profecia deste livro, sem limites de tempo cósmico.
K. Sumário Este livro é a conclusão da revelação de Deus, isto é, das Escritu ras. Deus, neste livro, completa a revelação divina do cânon e notifica ao leitor que nada se deve acrescentar nem subtrair de sua Palavra es crita (22.18, 19). Em outros termos, o leitor deve atentar bem para os 66 livros da Escritura, os quais são completos e apresentam uma unida de em mensagem e conteúdo.
142. Sw ete, R evelation, p. 311; Robert L. Thom as, Revelation 8 -2 2 : An E xegetical C om entary (Chicago: M oody, 1995), p. 514. 143. Bauckham, Theology, pp. 148, 149.
94
A p o c a l ips e
1. Sinopse O Apocalipse consiste de duas partes: os capítulos 1-11 retratam a Igreja sendo perseguida pelo mundo; os capítulos 12-22 descrevem o ataque de Satanás a Cristo e a sua Igreja. A primeira parte descreve os crentes e descrentes em conflito sobre a terra; e a segunda parte ilustra a intensidade desse conflito entre Satanás e Cristo com sua Igreja. O dragão, as bestas e a prostituta atacam a Igreja (capítulos 12-20); João, porém, cataloga sua derrota em ordem reversa: a prostituta, as bestas e o dragão. No fim, todos esses inimigos são vencidos.144 O Apocalipse desvenda a batalha entre Deus e Satanás, Cristo e o Anticristo, o Espírito Santo e o falso profeta, os santos e os pecadores, a cidade de Deus e o mundo. As armas que Cristo e seus seguidores usam nesse conflito são a verdade e a Palavra de Deus; Satanás e seus correligionários recorrem à mentira e ao engano. Nesse conflito, Cristo e os santos são vitoriosos, enquanto que os oponentes de Deus enfren tam derrota e destruição.
2. Conteúdo O livro começa com um prólogo que sucintamente declara a ori gem de seu conteúdo: Deus faz conhecida a Jesus Cristo sua revela ção, o qual, através de seu anjo, a envia a João para o benefício dos leitores e ouvintes (1.1-3). Não obstante o título Apocalipse, os pou cos versículos seguintes mostram as características de uma carta: o remetente, os recipientes, as saudações e a doxologia (1.4-8). Após mencionar os destinatários, João relata sua experiência como exilado na ilha de Patmos, em um dia particular, o Dia do Senhor, quando Jesus lhe apareceu com uma mensagem destinada às sete igrejas na província da Ásia (1.9-20). Jesus envia uma carta a cada uma das sete igrejas (Éfeso, Esm irna, Pérgam o, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia), nas quais ele os elogia ou os censura (2.1-3.22). Essas sete cartas contêm uma reflexão para a Igreja universal e têm uma relevante mensagem para qualquer igreja em todo e qualquer período da História que ela exista.145
144. Atribuído a Hendriksen, M ore Than conquerors, pp. 22. 145. Comparar David E. Aune, R evelation 1 -5 , W BC 52A (Dallas: Word, 1997), pp. lxxii-lxxv.
In t r o d u ç ã o
95
Havendo registrado uma descrição do Cristo glorioso (1.12-16), João agora vê uma porta aberta que conduz ao céu, onde lhe é permiti do visualizar o trono de Deus. Vinte e quatro anciãos e quatro criaturas viventes cercam esse trono e entoam louvores a Deus (4.1-11). O Cor deiro, em pé no centro do trono, é considerado digno de quebrar os sete selos do rolo e olhar para ele. Uma hoste incontável de anjos com os anciãos, as criaturas viventes e todas as demais criaturas enaltecem a Deus e ao Cordeiro (5.1-14). Então o Cordeiro abre quatro selos e qua tro cavaleiros montando quatro cavalos surgem representando vitória, guerra, fome e morte (6.1-8). O quinto selo constitui uma visão do céu, com almas perguntando a Deus quanto tempo têm ainda que esperar antes do Dia do Juízo; e o sexto selo é uma visão da terra, com os inimigos de Deus em cavernas e sob rochas, escondendo-se da ira de Deus e do Cordeiro (6.9-17). Antes de João descrever a abertura do sétimo selo, ele registra a selagem dos 144.000 e a reunião de uma multidão inumerável em pé diante do Cordeiro, vestida de mantos brancos que foram lavados no sangue do Cordeiro (7.1-17). Depois da abertura do sétimo selo, as orações dos santos sobem e os sete anjos tocam suas trombetas (8.1-5). As primeiras seis trombetas dão início a pragas de queimadura, destrui ção, amargura, trevas, sofrimentos e morte (8.6-9.21). Mas antes que a sétima trombeta seja tocada, João descreve uma anjo poderoso em pé no mar e na terra com um pequeno rolo em sua mão. O anjo entrega o rolo a João, que recebe a ordem para profetizar (10.1-11). Então João apresenta duas testemunhas que profetizam e são mortas; elas, porém, ressuscitam dentre os mortos, enquanto seus inimigos morrem em um terremoto (11.1-14). A sétima trombeta é tocada, hinos são entoados e o templo de Deus no céu é aberto (11.15-19). Isso marca a conclusão da primeira metade (capítulos 1-11) do Apocalipse. A segunda parte do Apocalipse inclui um relato do nascimento de um menino, Satanás perde sua luta contra Miguel, o arcanjo, e o dragão com seus demônios são precipitados na terra (12.1-12). Sobre a terra deflagra-se guerra entre Satanás e a mulher com seu recém-nascido (12.13-13. la); uma besta, emergindo do mar, controla o mundo (13.1b10), e uma besta, emergindo da terra, controla a mente do mundo (13.1118). A cena se transfere da terra para o céu, onde 144.000 santos ado ram o Cordeiro (14.1-5), enquanto na terra o evangelho é proclamado,
96
A p o c a l ip s e
os adversários são punidos e os santos são consolados (14.6-13). Tam bém na terra o Filho do Homem e seus anjos ceifam a vinha, enquanto o lagar da ira de Deus desfere juízo sobre os incrédulos (14.14-20). A ira de Deus contra seus inimigos é executada em sete pragas que são derramadas de sete taças: dores, o mar se converte em sangue, os rios e fontes se convertem em sangue, calor em sequidão, ruína, secura e des truição total (15-16.21). A seção seguinte retrata o juízo divino sobre a Babilônia profana: a prostituta que cavalga a besta simboliza o poder mundano, e a mulher propriamente dita representa a grande cidade que governa os reis do mundo (17.1-18). Essa cidade cai, enquanto reis, mercadores e turistas prantei am sobre ela, porém perecem com ela (18.1-24). Então em seqüência vem a vindicação dos santos (19.1-8), a ceia das bodas do Cordeiro (19.9, 10) e a vitória de Cristo sobre seus inimigos (19.11-21). O capítulo 20 descreve o reinado de mil anos, Satanás sendo con signado ao lago de fogo, o julgamento dos mortos e a M orte e o Hades sendo lançados no lago de fogo (vs. 1-15). Com a eliminação dos inimigos de Deus, por fim chega o tempo da renovação. João vê a nova Jerusalém que desce do céu da parte de Deus, o qual estará para sempre com seu povo (21.1-8). O apóstolo apresenta uma descrição simbólica da Cidade Santa através da medição de seu tamanho, o qual é em forma de um cubo; seus fundamentos são decorados com pedras preciosas e seus portões, com pérolas; e suas ruas são feitas de ouro puro (21.9-21). A cidade não necessita de um templo nem da luz do sol ou da lua, porque Deus e o Cordeiro são seu templo e sua luz (21.22-27). Nela está o trono de Deus e do Cordeiro, e todos os san tos que rendem homenagem (22.1-6). O Apocalipse termina com a súplica para que se cumpra logo a promessa do regresso de Jesus (22.7-21).
L. Esboço Em geral, os intérpretes do Apocalipse se encontram em um ou em outro campo: ou adotam a abordagem progressiva, ou a abordagem cíclica de sua estrutura. O método progressivo, também chamado su cessivo ou linear, apresenta um desenvolvimento contínuo do princí pio ao fim do Apocalipse. O método cíclico, comumente conhecido como a teoria da recapitulação, visualiza o conteúdo do livro de várias
In tr o d u ç ã o
97
perspectivas, e realça seus segmentos paralelos.146A primeira abordagem interpreta o livro literalmente, até onde isso é possível; a segunda abor dagem apresenta uma interpretação figurativa. Escolhi o método cíclico, o qual evidencia paralelismo progressivo em cada ciclo sucessivo e reve la novas perspectivas no desenrolar da mensagem divina à Igreja. Esses dois métodos de interpretação têm um conceito diferente do tempo apresentado no último livro do cânon: tempo cronológico ou tempo simbólico. O tempo cronológico é apenas de significação passa geira no Apocalipse, porque não é tempo, mas princípio que governa esse livro. Com o tempo simbólico, porém, seções paralelas não se guem necessariamente umas às outras em seqüência; em vez disso, elas dão ao leitor diferentes perspectivas do mesmo ensino que finalmente resulta em um clímax definitivo. Em outros termos, o progresso em paralelos sucessivos se relaciona com a seqüência temporal, mas com intensidade e ênfase.147 O simbolismo do número sete no Apocalipse é de tal importância, especialmente onde ele aparece em passagens paralelas, que escolhi o método de dividir o livro em sete visões do panorama que abarca a revelação de Deus. Essas sete visões são precedidas por uma introdu ção e sucedidas por uma conclusão. Além do mais, as visões 1, 2, 3 e 6 têm segmentos introdutórios que realçam o cenário de cada visão indi vidual, e as visões 2 e 3 têm interlúdios. Onde o texto bíblico claramen te indica sete partes para uma visão, ali as cataloguei em seqüência: sete cartas, sete selos, sete trombetas e sete taças. E, para terminar, as numerosas ocorrências da frase e eu vi deu a Apocalipse “um caráter quase técnico”.148É real a tentação de dividir 146. Esta teoria recua ao terceiro século, quando Victorinus de Pettau em Pannonia (moderna Hungria) escreveu um comentário sobre o Apocalipse (ver J.-R Migne, ed., Patrologia Latina [Paris, 1844-64], 5.288-344). Ver também Beale, R evelation , pp. 121-51; John M. Court, Myth and H istory in the Book o f Revelation (Atlanta: John Knox, 1979), pp. 5-7. 147. Christopher R. Smith “The Structure o f the Book o f Revelation in Light of Apocalyptic Literary Conventions”, N ovT 36 [1994] observa que a referência do tem po de 1.260 dias, 42 meses, três anos e meio, ocorre somente depois de 10.8. “A fórmula três anos e meio ocorre sete vezes depois de 10.8, porém não nas visões de Babilônia ou Jerusalém” (ênfase dele). 148. Leroy C. Spinks, “A Critical Examination of J. W. Bowman’s Proposed Structure of the Revelation”, EvQ 50 (1978): 18.
98
A p o c a l ip s e
o livro com base nessas ocorrências, mas tais tentativas resultam em artificialidade objetável que tentei evitar. O esboço abaixo tem sete visões com sete partes só naquelas visões onde o texto bíblico o per m ite.149 I. Introdução (1.1-8) A. Prólogo (1.1-3) B. Saudação (1.4-5a) C. Doxologia (1.5b, 6) D. Profecia (1.7, 8) II. Visão 1: A Igreja na Terra (1.9-3.22) A. Aparição Gloriosa de Jesus (1.9-20) 1. Local (1.9-11) 2. Aparição (1.12-16) 3. Mensagem (1.17-20) B. As Sete Cartas (2.1-3.22) 1.Éfeso (2.1-7) a. Elogio (2.1-3) b. Censura (2.4, 5) c. Promessa (2.6, 7) 2. Esmirna (2.8-11) 3. Pérgamo (2.12-17) a. Violência (2.12, 13) b. Censura (2.14-16)
149. Atribuído a John Wick Rowman, T h e F ir s t C h r is tia n D r a m a (Filadélfia: Westminster, 1955); e seu artigo: “The Revelation to John: Its Dramatic Structure and Message”, I n te rp 9 (1955): 436-53; R. J. Loenertz, T he A p o c a ly p s e o f S a in t J oh n (Londres: Sheed e Ward, 1947); Spinks, “A Critical Examination”; Hendriksen, M a is qu e' V e n c ed o res, pp. 34, 35; S. L. Morris, D r a m a o f C h ristia n ity ’, p. 29; Elisabeth Schüssler Fiorenza, “Composition and Structure of the Book of Revelation”, C B Q 39 (1977): 344-66; também o capítulo 6 em seu B o o k o f R e v e la tio n ; James L. Blevins, “The Genre of Revelation”, R v E x p 1 1 (1980): 393-408. Ver também as observações de G. B. Caird, A C o m m e n ta ry on th e R e v e la tio n o f St. J oh n th e D iv in e (Londres: Black, 1966), pp. 105,106; Smith, “Structure of the Book of Revelation”, pp. 373-93; Michael Wilcock, T he M e s s a g e o f R e v e la tio n : 1 S a w H e a v e n O p e n e d (Downers Grove: InterVarsity, 1975), pp. 15-18.
Introdução
4.
5.
6.
7.
c. Promessa (2.17) Tiatira (2.18-29) a. Saudação e Louvor (2.18, 19) b. Reprovação e Mandamento (2.20-25) c. Promessa (2.26-29) Sardes (3.1-6) a. Advertência (3.1-3) b. Promessa (3.4-6) Filadélfia (3.7-13) a. Saudação e Reconhecimento (3.7, 8) b. Exortação (3.9-11) c. Promessa (3.12, 13) Laodicéia (3.14-22) a. Descrição (3.14-16) b. Reprovação (3.17, 18) c. Admoestação (3.19, 20) d. Promessa (3.21, 22)
III. Visão 2: O Trono de Deus e os Sete Selos (4.1-8.1) A. O Trono de Deus (4.1-5.14) 1. O Trono no Céu (4.1-11) a. Em e diante do Trono (4.1-6a) b. Doxologias ao Trono (4.6b-ll) 2. O Rolo Selado (5.1-5) 3. Louvor ao Cordeiro (5.6-14) B. Os Sete Selos (6.1-8.1) 1. O Primeiro Selo: O Cavalo Branco (6.1, 2) 2. O Segundo Selo: O Cavalo Vermelho (6.3, 4) 3. O Terceiro Selo: O Cavalo Preto (6.5, 6) 4. O Quarto Selo: O Cavalo Amarelo (6.7, 8) 5. O Quinto Selo: A Paciência dos Santos (6.9-11) 6. O Sexto Selo: O Dia do Senhor (6.12-17) a. Na Natureza (6.12-14) b. Para os Incrédulos (6.15-17) 7. Interlúdio: Os Santos (7.1-17) a. Os 144.000 Selados (7.1-8) b. A Grande Multidão (7.9-12) c. Uma Entrevista (7.13-17)
99
A p o c a l ip s e
8. O Sétimo Selo: O Julgamento dos Incrédulos (8.1) IV. Visão 3: As Sete Trombetas (8.2-11.19) A. Introdução (8.2-5) B. Sete Anjos Tocam as Trombetas (8.6-11.19) 1. A Primeira Trombeta (8.6, 7) 2. A Segunda Trombeta (8.8, 9) 3. A Terceira Trombeta (8.10, 11) 4. A Quarta Trombeta (8.12) 5. Os Três Ais (8,13) 6. A Quinta Trombeta (9.1-12) a. O Abismo e as Forças Demoníacas (9.1-6) b. Os Gafanhotos (9.7-12) 7. A Sexta Trombeta (9.13-21) a. Uma Ordem Divina (9.13-16) b. Uma Visão Descritiva (9.17-19) c. Recusa ao Arrependimento (9.20, 21) 8. Interlúdio (10.1-11.14) a. O Anjo e o Livrinho (10.1-11) (1) Um Anjo Poderoso (10.1-4) (2) A Mensagem do Anjo (10.5-7) (3) O Rolo e Seu Propósito (10.8-11) b. As Duas Testemunhas (11.1-14) (1) O Templo (11.1, 2) (2) O Poder das Duas Testemunhas (11.3-6) (3) A Morte das Duas Testemunhas (11.7-10) (4) A R essurreição das D uas T estem unhas (11.11-14) 9. A Sétima Trombeta (11.15-19) a. Os Dois H in o s (ll.15-18) b. AAliança Divina (11.19) V. Visão 4: Aspectos de Guerra e Salvação (12.1-14.20) A. A Mulher e o Dragão (12.1-17) 1. A Mulher, o Filho e o Dragão (12.1-6) 2. Guerra no Céu (12.7-9) 3. Cântico de Vitória (12.10-12) 4. Socorro e Segurança para a Igreja (12.13-17)
Introdução
101
B. A B esta do Mar (13.1-10) 1. Descrição (13.1-4) 2. Poder e Autoridade (13.5-10) C. A B esta da Terra (13.11-18) 1. Paródia de Cristo (13.11-14) 2. A Marca da Besta (13.15-18) D. O Cordeiro (14.1-5) E. Quatro Mensagens (14.6-13) 1. O Primeiro Anjo (14.6, 7) 2. O Segundo Anjo (14.8) 3. O Terceiro Anjo (14.9-12) 4. Uma Voz Celestial (14.13) F. A Ira de Deus (14.14-20) VI. Visão 5: As Sete Taças do Juízo (15.1-16.21) A. O Cenário (15.1-8) 1. Os Santos e o Cântico (15.1-4) a. Anjos e Pragas (15.1) b. Vencedores e Sua Ode (15.2-4) 2. Templo, Anjos e Pragas (15.5-8) B. As Sete Taças (16.1-21) 1. A Primeira Taça (16.1, 2) 2. A Segunda Taça (16.3) 3. A Terceira Taça (16.4-7) 4. A Quarta Taça (16.8, 9) 5. A Quinta Taça (16.10, 11) 6. A Sexta Taça (16.12-16) 7. A Sétima Taça (16.17-21) VII. Visão 6: Vitória para Cristo (17.1-19.21) A. Introdução (17.1, 2) B. Conflito e Juízo (17.3-19.10) 1. A M ulher e a Besta (17.3-18) a. A Tentativa de Sedução (17.3-6) b. AExplicação do Anjo (17.7-11) c. A Soberania do Cordeiro (17.12-14) d. O Propósito de Deus (17.15-18) 2. Cânticos de Condenação e Destruição (18.1-24)
A p o c a l ip s e
a. O Primeiro Lamento (18.1-3) b. A Ordem de Libertação (18.4-8) c. A Queda de Babilônia (18.9-20) (1) O Canto Fúnebre da Realeza ((18.9, 10) (2) O Lamento dos Mercadores (18.11-17a) (3) O Lamento dos Capitães Marítimos (18.17b-19) (4) Contraste (18.20) d. Símbolo e Cântico de Condenação (18.21-24) 3. Cânticos de Louvor, Bodas e Culto (19.1-10) a. Três Hinos e um Mandamento (19.1-5) b. As Bodas (19.6-9) c. O Culto (19.10) C. A Batalha Decisiva (19.11-21) 1. O Cavaleiro e Seus Exércitos (19.11-16) 2. A Batalha Final contra o Anticristo (19.17-21) VIII. Visão 7: Novo Céu e Nova Terra (20.1-22.5) A. Derrota de Satanás e a Morte (20.1-15) 1. A Prisão de Satanás (20.1-3) 2. Os Santos no Céu (20.4-6) 3. A Derrota e Desaparecimento de Satanás (20.7-10) 4. O Dia do Juízo (20.11-15) B. A Nova Jerusalém e a Árvore da Vida (21.1-22.5) 1. Deus e Seu Povo (21.1-8) 2. A Cidade Santa (21.9-14) 3. O Adorno da Cidade (21.15-21) 4. A Luz da Cidade (21.22-27) 5. A Árvore da Vida (22.1-5) IX. Conclusão (22.6-21) A. O Regresso de Jesus (22.6-17) B. Advertência (22.18, 19) C. Promessa e Bênção (22.20, 21)
C de
o m e n t á r io
A p o c a l ip s e
E sbo ço I. Introdução (1.1-8) A. Prólogo (1.1-3) B. Saudação (1.4, 5a) C. Doxologia(1.5b, 6) D. Profecia (1.7, 8) II. Visão 1: A Igreja na Terra (1.9-3.22) A. Aparição Gloriosa de Jesus (1.9-20) 1. Localidade (1.9-11) 2. Aparição (1.12-16) 3. Mensagem (1.17-20)
C apítulo
1
°
I n t r o d u ç ão e A parição G lo r io sa de J e sus ( A p o c a l i p s e 1.1-20) 1 Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar a seus servos o que em breve deve acontecer. E ele o fez conhecer, enviando seu anjo a seu servo João, 2 que testificou das coisas que ele viu, isto é, a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo. 3 Bem-aventurado é aquele que lê em voz alta e aqueles que ouvem as palavras desta profecia e prestam atenção nas coisas escritas nela. Porque o tempo está próximo. 4 João, às sete igrejas na [província da] Ásia: A vocês, graça e paz da parte daquele que é e que era e que há de vir, e da parte dos sete espíritos que estão diante de seu trono, 5 e da parte de Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primogênito dos mortos e o soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama e por seu sangue nos libertou de nossos pecados, 6 e nos fez um reino e sacerdotes para seu Deus e Pai: a ele seja a glória e o poder para todo o sempre. Amém. 7 Eis que ele vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram, e todas as tribos da terra se lamentarão por causa dele. Sim, é verdade, amém. 8 E sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, o que é e que era e que há de vir, o Todo-Poderoso.
1
I. Introdução 1 1-8
.
As palavras introdutórias de João em seu Evangelho descrevem Jesus como o Verbo de Deus (Jo 1.1), e no versículo de abertura de sua Primeira iípístola ele introduz Jesus como aquele de quem os discípulos
A p o c a l ip s e 1.1-3
106
ouviram “a palavra da vida” (lJo 1.1-3). No Apocalipse ele declara que Deus deu a Jesus sua revelação para transmiti-la a João, o qual a escre veu e a transmitiu à Igreja. Ainda que o título do último livro do cânon às vezes seja expresso como A R evelação de Jo ã o , ele é de fato A R e v e laçã o de Jesu s Cristo. Além do mais, havendo recebido a revelação de Deus, Jesus se revela a João na ilha de Patmos. Ele lhe ordena a escrever sete cartas às sete igrejas na província da Ásia. Jesus de fato é a Palavra viva de Deus, e João está na ilha por causa da palavra de Deus e do testemunho que ele apresentou acerca de Jesus. Em suma, João foi fiel na proclamação da revelação de Deus em Jesus Cristo. João começa o primeiro capítulo do Apocalipse com um prólogo duplo, no qual ele primeiro declara a origem e os destinatários do Apocalipse, e então a formulação da primeira das sete beatitudes deste livro.1 Ao identificar-se como João, ele se dirige às sete igrejas na província da Ásia e as saúda no nome de Deus, do Espírito Santo e de Jesus Cristo (1.4, 5). Intencionalmente, ele põe Jesus por último nessa saudação trinitariana, porque João faz Jesus conhecido como o Reden tor que voltará nas nuvens.
A. Prólogo
1.1-3 1. Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mos trar a seus servos o que em breve deve acontecer. E ele o fez conhecer, enviando seu anjo a seu servo João, 2. que testificou das coisas que ele viu, isto é, a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo.
a. “Revelação de Jesus Cristo.” O termo A p o ca lip se se deriva d palavra grega a p o ka lyp sis , que significa algo que se descobre ou se revela. Tecnicamente, como um título, o termo se relaciona a apenas um livro em todo o cânon das Escrituras, isto é, Apocalipse; mas os leitores iniciais não estavam fam iliarizados com a palavra grega a p o k a ly p sis , a qual ocorre oito vezes no Novo Testamento, treze delas nas epístolas de Paulo.2De tempo em tempo, Deus revelava mensa 1. Apocalipse 1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7, 14. 2. Lucas 2.32; Romanos 2.5; 8.19; 16.25; 1 Coríntios 1.7; 14.6, 26; 2 Coríntios 12.1, 7; Gálatas 1.12; 2.2; Efésios 1.17; 3.3; 2 Tessalonicenses 1.7; 1 Pedro 1.7, 13; 4.13; Apocalipse 1.1.
107
A p o c a l ip s e 1.1-3
gens a seu povo, mas no Apocalipse ele apresenta um extensa desco berta de sua revelação bíblica a Jesus. Daí um título mais extenso para este livro é “A Revelação de Deus a Jesus Cristo”. Quando Jesus Cristo compartilha a revelação que recebera, na quele momento ela se converte em sua própria revelação. Aliás, o título deste livro também pode significar que Jesus Cristo apresenta revelação sobre ele mesmo. Esse é o caso na segunda metade do capítulo e em outros lugares, onde ele se revela a João e aos leitores das cartas (1.12, 13; 2.1, 8, 12, 18; 3.1, 7, 14). Jesus é tanto “o objeto quanto o conteúdo da revelação”, que em última análise lhe pertence.3 Ele não é um anjo que a transferiu para João, mas é o revelador de si mesmo e sobre si mesmo. Em suma, a revelação de Jesus é tanto subjetiva quanto objetiva. O duplo título Jesus Cristo lhe é dado como nome e uma descrição de seu ofício medianeiro. Nos versículos e capítulos seguintes, o nome isolado ocorre ou como Jesus (por exemplo, 1.9) ou Cristo (por exem plo, 11.15).4 O duplo título fala ao leitor não só quem Jesus é, mas tam bém o que ele fez e continua fazendo como Senhor e Salvador. Essa combinação aparece na abertura do livro para identificá-lo plenamente (ver também 1.2, 5). Ele é o Filho de Deus que apareceu em forma humana para tomar sobre si a obrigação de redimir e restaurar o povo da aliança de Deus. b. “Que Deus lhe deu para mostrar a seus servos o que em brev deve acontecer.” Note que Jesus Cristo é subordinado a Deus, que ao dar a Jesus a revelação, implicitamente o designa para uma atribuição. O verbo dar não é meramente uma entrega de um dom, mas, antes, transmite a tarefa de fazer a revelação de Deus conhecida a seu povo (Jo 12.49; 14.27; 17.8). Jesus Cristo recebe a tarefa de mostrá-la na forma de uma demonstração pictórica. O livro propriamente dito é um 3. George Eldon Ladd, C o m m e n ta ry on the R e v e la tio n o fJ o h n (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 21; Leon Morris, R e v e la tio n , rev. ed. TNTC (Leicester: InterVarsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 46; S. Greijdanus, D e O p e n b a rin g d e s H ee re n a a n Joh an n es, KNT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 5. 4. Eugene H. Peterson ( R e v e r s e d T h u n d er: The R e v e la tio n o f J oh n a n d th e P r a y in g Im a g in a tio n [São Francisco: Harper & Row, 1988], p. 28) incisivamente escreve: “O Apocalipse nos dá a última palavra sobre Cristo, e a palavra é que Cristo é o centro e está no centro. Sem esse centro controlador, a Bíblia é uma mera enciclopédia de religião com não mais enredo do que um telefone de diretoria.”
A p o c a l ips e 1.1-3
108
eloqüente testemunho de que essa exibição é dada por meio de sinais, símbolos, nomes, números, cores e criaturas. No início deste livro, suas características pictóricas já se tornam visíveis no verbo mostrar. Ele sugere ao leitor como o livro deve ser lido e entendido. A palavra servos denota não escravos, mas o povo de Deus que obedientemente faz sua vontade (ver 2.20; 7.3; 19.2,5; 22.3,6). Aqui a palavra contém uma mensagem singular, enquanto em dois outros luga res ela tem uma mensagem dual: “seus servos, os profetas” (10.7; 11.18), que é uma denominação veterotestamentária comum (por exemplo, Jr 7.25;E z38.17;D n9.10; Am 3.7). A mensagem singular declara que os servos de Deus escapam da tentação, exibem seu selo em suas frontes e entoam seus louvores. Os servos de Deus devem ser informados acerca das coisas que em breve devem acontecer. Qual é o significado da palavra em bre ve? Para os destinatários das sete cartas, significava que a persegui ção logo seria uma realidade. Mas este é apenas um aspecto das coisas que acontecerão. Ao longo dos séculos, os servos de Deus têm experimentado que as coisas que Jesus lhes fez conhecidas re almente ocorreram. Portanto, a Igreja, hoje, ansiosamente espera pelo regresso prometido de Jesus. A repetição das palavras “o que em breve deve acontecer” é significativa, porque são parte do último capítulo do Apocalipse (22.6) que caracteriza a promessa de e a petição pelo regresso do Senhor (comparar também 4.1 e Dn 2.28, 29). Para citar uma palavra revitalizante de Pedro: “O Senhor não é vagaroso em manter sua promessa, como alguns a julgam dem ora da” (2Pe 3.9). c. “E ele a fez conhecida, enviando seu anjo a seu servo João.” É significativo que o verbo fazer conhecida / significar no idioma grego está relacionado com o substantivo sinal. Aqui, pois, é uma prefiguração do método no qual se transmite a revelação. O transmissor da mensa gem é um anjo, o qual difere de Jesus Cristo, o revelador. Um anjo é um mensageiro, nunca um revelador (ver IPe 1.12). E esse anjo transmite a mensagem a João, o autor do Apocalipse (22.6, 16). Aqui está a primeira autodesignação de João (1.1, 4, 9; 22.8), a qual ele apresenta na terceira pessoa como “seu servo”. d. “Que testificou das coisas que viu, isto é, a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo.” Esperaríamos João apresentar o tempo
109
A po c a l ipse 1.1-3
presente do verbo testificar, como fez nas palavras conclusivas de seu Evangelho: “Este é o discípulo que testifica dessas coisas, e que as escreveu” (Jo 21.24). No caso do Apocalipse, porém, João está recorrendo à técnica de se visualizar da perspectiva de seus leitores. Devem compreender que, ao escrever no pretérito, “testificou”, João se situou no tempo quando recebeu o Apocalipse. Este é o assim chamado aoristo epistolar.5 Alguns estudiosos são de opinião que João escreveu no p retérito porque ele prim eiro escreveu seu Apocalipse e depois acrescentou o prólogo.6 Mas isso é improvável, visto que João escreveu não em tiras individuais de papiro, mas em um rolo, o que impossibilita acrescentar um prólogo. O autor prim ei ro teve que ver as coisas que lhe eram reveladas antes de poder registrá-las em um livro. “A palavra de Deus” não significa a pessoa de Jesus Cristo (19.13; Jo 1.1), mas se refere à revelação de Deus. O Apocalipse não tem sua origem em João, que é seu mero escritor, mas em Deus, que revela sua palavra aos leitores através de João (1.9). E “o testemunho de Jesus Cristo” é a completação desta sentença, a qual, na forma ligeiramente alterada, aparece reiteradamente em todo o livro (1.9; 6.9; 12.17; 20.4). A pergunta é se o genitivo na frase testemunho de Jesus Cristo é subjetivo ou objetivo. Subjetivamente, o testemunho pertence a Jesus, que é o mensageiro da palavra de Deus (ver Jo 3.31 -34). Objetivamente, a frase aponta para os servos fiéis de Deus, inclusive João, que procla mam a palavra e pregam acerca de Jesus. Neste texto particular, con tudo, a escolha é o genitivo subjetivo, visto que o contexto o demanda. A prim eira frase, palavra de Deus, chama a atenção para ele, e semelhantemente a segunda o requer. Ainda quando essas frases per tençam ao Apocalipse, elas incorporam a plenitude de seu conteúdo, isto é, as numerosas alusões ao Antigo Testamento juntamente com a vida terrena e o ministério de Jesus. 5. Ver Morris, R evelation, p. 47; Henry Barclay Swete, Com m entary on R evelation (1911; reimpresso em Grand Rapids; Kregel, 1977), p. 3; Greijdanus, O penbaring, p. 8; Robert L. Thomas, Revelation 1 -7 : An E xegetical Com m entary (Chicago: M oody, 1992), p. 62. 6. Atribuído a IsbonT. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimpresso em Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 422-23; comparar Robert H. M ounce, The Book o f Revelation, ed. rev. N IC N T (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 43.
A p o c a l ips e 1.1-3
110
3. Bem-aventurado é aquele que lê em voz alta e aqueles que ouvem as palavras desta profecia e atentam para as coisas nela escritas. Porque o tempo está próximo. a. “Bem-aventurado é aquele que lê em voz alta e aqueles que ouvem as palavras da profecia.” Esta é a primeira das sete beatitudes do Apocalipse (1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7, 14). A expressão bem-aventurado é às vezes traduzida por “feliz”, porém seu significa do vai além de felicidade. Ela aponta para o “Deus de quem emanam todas as bênçãos”, para tomar emprestada a linha inicial da doxologia de Thomas Ken. E em ambos os Testamentos, Antigo e Novo, as bên çãos do Senhor estão refletidas nos rostos deleitosos de seus servos fiéis (ver, por exemplo, os numerosos Salmos, Profetas e as Beatitudes).7 As bênçãos do Senhor descem tanto à pessoa que lê em voz alta as palavras deste Apocalipse no culto local quanto aos ouvintes que ou vem reverente e obedientemente essas palavras. Nas antigas sinago gas, a Lei e os Profetas eram lidos nos dias de sábado (Lc 4.16; At 13.15; 15.21); e, nas igrejas, os Evangelhos e as Epístolas eram adicio nadas à leitura das Escrituras (lT m 5.18; Cl 4.16; lTs 5.27). O tempo dos verbos ler e ouvir está no presente, para indicar que esse não é meramente um único exercício, mas que, ao contrário, o exercício reli gioso deve ser mantido regularmente, com especialidade no Dia do Senhor. Este exercício subentende cultuar a Deus e fortalecer os cren tes em sua fé. O termo profecia aparece sete vezes no Apocalipse (1.3; 11.6; 19.10; 22.7, 10, 18, 19) e não se refere necessariamente a predições. Profecia neste livro se relaciona a Deus que, através de seus mensageiros, faz sua verdade conhecida a seu povo. Profecia significa uma continuação da palavra de Deus nas Escrituras veterotestamentárias e indica que Deus é seu autor que endossa com sua autorida de. A mensagem profética do Apocalipse, portanto, assume seu corre to lugar entre os outros livros do cânon. b. “E atentam para às coisas nela escritas.” Por intermédio destas palavras de profecia, os mensageiros de Deus conclamam o povo a 7. Salm o 1.1; 112.1; 119.1; 128.1; Isafas 30.18; Jeremias 17.7; Mateus 5.3-12. D avidE . Aune (Revelation 1 -5 , W BC 52A [Dallas: Word, 1997], p. 11) realça que a beatitude em A pocalipse 1.3 é única, porque “ela é formulada em am bas as pessoas, terceira singular ( ‘aquele que lê’) e a terceira plural ( ‘aqueles que ouvem ’), daí procedente uma bênção na com unicação que se processa.”
111
A po c a l ipse 1.1-3
uma vida de obediência e amor a ele. São os ouvintes das palavras que são lidas; eles devem converter estas palavras em atos a fim de de monstrarem que são deveras filhos de Deus e seguidores de Jesus. Devem fazer com que estas palavras escritas nunca percam seu poder e autoridade. “Porque o tempo está próximo.” O idioma grego tem pelo menos duas palavras para tempo: a primeira é chronos, da qual temos os derivados “crônico” e “crônica”, que denotam calendário de mais lon ga ou mais curta duração. A segunda é kairós, e significa um momen to oportuno ou um tempo de decisão. Esta é a palavra usada na senten ça “porque o tempo está próximo”. Para os leitores do Apocalipse, o tempo está próximo para fazer uma decisão. A palavra ocorre sete vezes no Apocalipse (1.3; 11.18; 12.12, 14 [três vezes]; 22.10).8 Com a composição deste livro, o kairós chegou; ao lado do chronos, ele transpõe a passagem das eras. “Ainda que o fim ainda não tenha che gado, e o kairós ainda esteja em progresso, tanto do que estava ocor rendo já ocorrera, que agora, com toda certeza, podemos visualizar o fim com mais solicitude.”9 O Livro do Apocalipse, reiteradamente, declara que seu conteúdo se relaciona com a proximidade do tempo (1.1,3; 22.6,10). Ele informa aos leitores que sua mensagem é aplicável ao tempo em que estão vivendo: o conflito entre Deus e Satanás, Cristo e o Anticristo, o Espí rito Santo e os falsos profetas, a Igreja e a imoralidade estão ocorrendo em seu próprio tempo. Conseqüentemente, cada geração tem se apro priado e aplicado a mensagem do Apocalipse. E cada geração de cren tes deve esperar com sincera expectativa o regresso do Senhor. 8. Jõrg Baumgarten, EDN T, 2.232-35. Ver referências adicionais em A pocalipse 2.16, 25; 3.11; 6.11; 10.6; 11.2, 3; 12.6; 17.10; 22.7, 20. Consultar M. Eugene Boring, R evelation, Interpretation (Louisville: John Konx, 1989), pp. 68-70. 9. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. Joh n ’s Revelation (Columbus; Wartburg, 1943), p. 34. Consultar Louis A. Vos, The Synoptic Traditions in the A pocalypse (Kampen: Kok, 1965), pp. 178-81; Sam Hamstra Jr., “An Idealist V iew o f Revelation”, em F our Views on the B ook o f R evelation, org. C. Marvin Pate (Grand Rapids: Zondervan, 1998), p. 100. N o m esm o volum e, C. Marvin Pate (“A Progressive D ispensationalist V iew o f R evelation”, p. 136) observa: “Para os primeiros cristãos, a Parousia era um epílogo, se bem que muito importante, à primeira vinda de Cristo.” A guisa de contraste, Gregory K. B eale (The Book o f Revelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC [Grand Rapids: Eerdmans, 1998], p. 185) fala do aspecto “já-eainda-não” do fim dos tempos.
A po c a l ips e 1.1-3
112
Palavras, Frases e Construções Gregas em 1.1-3 Versículo 1
ct õeí yeyéoGíu - “aquilo que deve acontecer.” A palavra ôel denota a necessidade de que Deus controle. O tempo aoristo do infinitivo visa a constar a abrangência do tempo do começo do fim.10 Versículo 2
è(iapTÚpT|06y, fiapTupíav - estas duas palavras (testificar e testemunho) são expressões tipicamente joaninas, que freqüentemente aparecem no Evan gelho, nas Epístolas e no Apocalipse. O verbo é o aoristo indicativo ativo e seu cognato é substantivo acusativo. Versículo 3
ol
ctKoúovteç - o artigo definido introduz uma classe de pessoas. O verbo
ouvir (no particípio presente) é seguido do acusativo que expressa o ato de
ouvir e espera obediência. yfYpaii|iévüt - este é o particípio ativo perfeito “tem sido escrito”. O tempo perfeito implica que a ação, ocorrendo no passado, tem efeito durativo para o presente e futuro. Koapóç - Agostinho fazia diferença entre kairós e chronos, dizendo: “Os gregos de fato usam kairós como um tempo em particular - não tanto um [tempo] que passa em uma alteração de divisões, mas como um [tempo] que é percebido... como tempo para colher, juntar uvas, calor, frio, paz, guerra e algo afim. Falam de chronoi como as próprias divisões do tempo.”11
B. Saudação 1.4, 5a 4. João, às sete igrejas na [província da] Ásia: A vocês, gra ça e paz da parte daquele que é e que era e que há de vir, e da parte dos sete espíritos que estão diante de seu trono, 5a. e da parte de Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primogênito dos mortos e o soberano dos reis da terra. a. “João, às sete igrejàs na [província da] Ásia.” Esta auto-identificação (ver vs. 1,9) apresenta o escritor como uma pessoa bem conhe cida na parte ocidental da Ásia Menor (moderna Turquia). Ele se iden 10. Atribuído a Lenski, R evelation, p. 29. 11. Augustine L etters 197.2. Richard C. Trench, Synonym s o f the N ew Testament, org. Robert G. Hoerber (Grand Rapids: Baker, 1989), p. 223.
113
A po c a l ips e 1 .4 ,5a
tifica no Apocalipse porque este gênero difere de seu Evangelho e Epístolas. Os leitores não necessitavam de mais identificação, a não ser João, porque para os cristãos em toda a província da Ásia havia unicamente uma pessoa que pudesse falar com autoridade, a saber, o apóstolo. Como membros das sete igrejas que residiam na província da Ásia (a região ocidental da Ásia Menor), eles conheciam o venerável João. Quando Jesus apareceu a João em Patmos, ele mencionou as sete igrejas nominalmente: Efeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia (v. 11). Essas sete igrejas recebem saudações do Deus Triúno, e além disso elas obtêm o texto do Apocalipse. Note que esta é a primeira vez que o número sete aparece no Apocalipse - sete significa completude. C om eçando com o endereçam ento, João dem onstra que o Apocalipse é escrito na forma epistolar. Em suma, a primeira linha do versículo 4 equivale ao endereço em um envelope. b. “Graça a vós e paz da parte daquele que é e que era e que há de vir.” A saudação de graça e paz também ocorre em outras epístolas neotestamentárias (Fp 1.2; IPe 1.2); outras cartas acrescentam mise ricórdia (lT m 1.2; Jd 2). A saudação com graça (charis) é um a va riante do grego chairein, que era a saudação comum da população de fala grega (At 23.26); a palavra paz (hebraico Sãlôm , expressa aqui pelo grego eirêne) era usada por pessoas judias como uma saudação. Além do mais, João difere de outros escritores de cartas ao pro nunciar saudações evocando os nomes das três pessoas da Trindade. Ele descreve o Pai como “aquele que é e que era e que há de vir”. Esta saudação é única e revela a infinitude de Deus com respeito ao presen te, passado e futuro. Deus é de eternidade a eternidade e não está circunscrito dentro do tempo. A descrição de Deus deve ser também aplicável a “Jesus Cristo [que] é o mesmo ontem e hoje e para sempre” (Hb 13.8). O Messias era conhecido como “aquele que vem” (Mt 11.3; Jo 11.27). Nesta sau dação trinitariana, porém, Jesus Cristo tem um lugar, e igualmente os sete espíritos, isto é, o Espírito Santo. Paulo, costumeiramente, saúda os destinatários de suas Epístolas no nome de Deus o Pai e do Filho Jesus Cristo; aqui, não obstante, os três são mencionados e precedidos pela preposição [da parte] de. Neste ponto do grego, a gramática é extremamente embaraçosa, tendo
A po c a l ip s e 1 .4 ,5a
114
os tradutores que criar, ajeitando uma tradução mais suave. Os críti cos se apressam em declarar que o autor do Apocalipse não pode ter sido o escritor do quarto Evangelho, o qual escreve em grego aceitável sem erros gramaticais. Concluem que, se o apóstolo João escreveu o Evangelho, então outro João teria escrito o Apocalipse. Isso não é ne cessariamente assim, se considerarmos que o apóstolo João se encon trava em Efeso cercado por assistentes, onde escreveu seu Evangelho, porém estava totalmente a sós em Patmos. Em virtude de sua herança judaica, João não ousaria imprimir quaisquer mudanças à designação “Eu sou”, por meio da qual Deus se revela (Ex 3.14; ver também Jo 8.58). A tradução grega do Antigo Testamento tem a expressão ho õn (aquele que é, Êx 3.14 L X X ), a qual é exatamente a que João escreve neste texto. João se recusa a ter o título “Eu sou” conforme as regras da gramática grega. Assim, ele quebra as regras gramaticais a fim de não desacreditar a imutabilidade de Deus. E João é consistente em sua recusa, como se faz evidente à luz de outros passos onde as mesmas expressões aparecem (1.8; 4.8; 11.17; 16.5). Sua fraseologia, “aquele que era”, se refere a Deus, que existiu na eternidade antes que o tempo cósmico viesse à existência. E a frase futurística, aquele que há de vir, aparece no texto grego do Salmo 118.26 (117.26 L X X ). Assim, toda a sentença “daquele que é e que era e que há de vir” deve ser entendi da como um substantivo inalterável.12 c. “E da parte dos sete espíritos que estão diante de seu trono.” João reitera a frase sete espíritos umas poucas vezes no Apocalipse (3.1; 4.5; 5.6), mas não a explica. Algumas traduções trazem “o sétuplo Espírito” ou “sete Espíritos” como redação ou no texto ou na margem. As interpretações da expressão sete espíritos variam: Primeiro, alguns estudiosos dizem que são sete anjos, visto que os espíritos são às vezes chamados anjos (Hb 1.7, 14).13Mas os anjos são seres criados, subordinados a Deus, e no Apocalipse nunca são chamados espíritos. 12. John P. M. Sw eet {Revelation, WPC [Filadélfia: Westminster, 1979), p. 65) aconse lha prudência para não precipitar este ponto. D e igual modo, B eale, Revelation, pp. 188, 189. M encionam a irregularidade do nome do diabo (20.2). João, porém, escreve títulos e descrições no caso nominativo (2.13, 20; 3.12; 20.2). 13. Boring, R evelation, p. 75; Josephine M assyngverde Ford, Revelation: Introduction, Translation, and Com m etary, AB 38 (Garden City, N.I.: Doubleday, 1975), p. 377. Ford os chama “anjos do trono”. Ver também R. H. Charles, A C ritical and Exegetical C om m entary on the R evelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1.12,13.
115
A po c a l ips e 1 .4 ,5a
O termo sete anjos ocorre com freqüência (15.1,6-8; 16.1; 17.1; 21.9). Aliás, os anjos permanecem servos de Deus que nunca podem exercer o papel da terceira Pessoa na Trindade. Segundo, outros afirmam que os sete espíritos são “símbolos da ma jestade divina”, como seres poderosos através dos quais Deus abençoa a Igreja.14Esses seres poderosos, contudo, são inferiores a Deus e assim não podem completar a plenitude da Trindade expressa na saudação. Terceiro, o Apocalipse fala do Espírito, mas nunca usa o título Es pírito Santo. Em vez disso, presumimos que João emprega o simbolis mo do número sete e assim descreve o Espírito. Os sete espíritos (1.4; 3.1; 4.5; 5.6) são enviados a todas as nações do mundo, para que atra vés do fiel ensino da Palavra, confiado à Igreja, as pessoas por toda parte venham a conhecer e a cultuar a Deus.15O número sete significa a plenitude do Espírito Santo em sua Pessoa e obra como exemplificada na profecia de Zacarias 4.2, 6.l6No Lugar Santo do templo, Zacarias vê um castiçal de ouro com sete luminárias, cada uma tendo sete bicos e pavios (v. 2). A abundância de óleo simboliza o Espírito Santo em operação, como é evidente à luz da declaração divina: “Não por força nem por poder, mas por meu Espírito, diz o Senhor Todo-Poderoso” (v. 6). Deus governa esta terra não por meio de um poder terreno, mas por meio de seu Espírito. Em suma, João recorre à profecia de Zacarias quando escreve a saudação em seu Apocalipse. d. “E da parte de Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primogênito dos mortos e o soberano dos reis da terra.” Uma vez mais (como no v. 1) João escreve o nome completo Jesus Cristo para enfatizar a vida terrena de Jesus e seu ofício messiânico. Ele é a segunda Pessoa na Trindade, mas João o pôs em terceiro lugar. João primeiramente vê o templo como o lugar onde Deus o Pai habita no Santo dos Santos. Então ele nota no Santo Lugar o candelabro com as sete galhetas simbolizando o Espírito Santo. E, por último, vê o altar onde o sangue era derramado para remissão dos pecados, apontando para a obra medianeira de Jesus Cristo. Esta interpretação encontra sua base na expressão “diante de 14. Martin Kiddle, The R evelation o f St. John (reimpressão em Londres: Hodder e Stoughton, 1943), p. 8. 15. Ver Richard Bauckham, The Clim ax o f P rophecy: Studies on the B ook o fR eveltion (Edimburgo: Clark, 1993), p. 336. Atribuído a Eduard Schweizer, TDNT, 6.450. 16. Comparar SB, 3.788.
A po c a l ip s e 1 .4 ,5a
116
seu trono” (v. 4), referindo-se a Deus em seu trono. O candelabro em frente do Santo dos Santos exemplificava o Espírito Santo. E no altar é Jesus Cristo quem “nos livrou de nossos pecados por meio de seu sangue” (v. 5b).17 Três designações são conferidas a Jesus Cristo: ele é a testemunha fiel, o primogênito dos mortos e o soberano dos reis da terra. Primeiro, consideremos “a testemunha fiel”, que no grego é traduzido enfatica mente como a testemunha, isto é, aquela que é fie l (3.14). João po deria ter tomado a frase do Salmo 89.36, 37, onde Deus menciona sua fidelidade à linhagem de Davi: “Sua linhagem continuará para sempre e seu trono durará diante de mim como o sol; ele será estabelecido para sempre como a lua, a fiel testemunha no céu.” O trono tipifica “a auto ridade divinamente outorgada sobre a terra”.18Deus fez um juramento à linhagem de Davi de que ela se sentaria no trono e agora o cumpriu em Jesus Cristo. Jesus, como o primogênito dos mortos, já venceu a morte e exerce autoridade absoluta sobre os vivos e os mortos igualmente (Cl 1.18). Ele governa soberanamente sobre os reis da terra. A fraseologia deriva do Salmo 89.27, onde Deus diz concernente a Davi: “Eu o designarei como meu primogênito, supremamente exaltado sobre os reis da ter ra.” A promessa de Deus se cumpriu em Jesus Cristo, a quem tudo o que existe se tem submetido.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 1.4,5a Versículo 4
«to - esta preposição governa o caso genitivo, mas aqui é sucedida pelo caso nominativo ó w v K a l ó rjv kou ó è p x ó p .fv o ç . A construção gramatical desta sentença é incorreta em mais de um sentido. João, porém, escreve partindo de uma perspectiva segundo a qual o nome de Deus não pode ser alterado por regras gramaticais. Swete observa que Filo (Life ofAbraham 24 § 121) escreve que o nome de Deus é ó oít/ e que o Targum Pseudo-Jonathan sobre Deuteronômio 32.39 lê: “Eu sou aquele que é e que era e que há de ser”. E, 17. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors (reimpresso em Grand Rapids: Baker, 1982), p. 53. 18. W illem A. VanGemeren, Psalm s, em The E xpositor ’s Bible Com mentary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1991), 5.582. Consultar também A llison A. Trites, “Martys and Martyrdom in the Apocalypse: A Semantic Study”, N o vT 15 (1973): 72-80.
117
A po c a l ips e 1 .4 ,5a
mesmo na poesia grega, a vida divina é descrita como “Zeus era, Zeus é e Zeus será”. Swete conclui: “Assim os apocalipses extraem uma nota familiar tanto para os ouvidos judaicos quanto para os ouvidos helenistas.”19 João prova que conhece a gramática grega, pois em trinta das trinta e nove vezes no Apocalipse ele corretamente constrói a preposição átró, com o caso genitivo. Evidentemente, ele mostra deferência para com o nome divino. V e rsíc u lo 5 a
ó [iáptiiç, ó t t l o t ó ç - “a testemunha fiel.” João costumeiramente escreve títulos e descrições no nominativo, mesmo quando a gramática grega demande o genitivo (por exemplo, 2.13,20; 3.12; 20.2). O termo nópiuç significa, primari amente, alguém que testifica e, secundariamente, alguém que sofre a morte. Neste versículo, ambos os significados são relevantes mesmo quando o pri meiro significado seja enfatizado e o segundo, implícito.20
C. D oxologia 1.5b, 6 A divisão do parágrafo no meio do versículo 5 se torna necessária por causa do tema. João se move da saudação trinitariana para a doxologia e a aplica a Jesus e a Deus o Pai.
5b. Aquele que nos ama e por seu sangue nos libertou de nossos pecados, 6. e nos fez um reino e sacerdotes para seu Deus e Pai: a ele seja a glória e o poder para todo o sempre. Amém. a. “Aquele que nos ama e por seu sangue nos libertou de nossos pecados.” João prossegue em seus comentários sobre Jesus Cristo, devotando-lhe louvores. A descrição gráfica de Jesus, “que nos ama”, só aparece aqui no tempo presente. Note que o tempo presente é justa posto com o pretérito de “nos libertou” para intensificar o contraste de um ato contínuo e um ato completado. Jesus nos mostra seu amor per manente, o qual se expressa em sua obra consumada na cruz do Calvário. Ali ele nos liberta do pecado e da culpa de uma vez por todas. Vemos o vívido contraste entre o soberano sobre os reis da terra, que demonstra seu amor derramando seu sangue pelos pecados, e nós, pecadores que nada merecem. Robert Thomas observa corretamente: “Este é o único exemplo no N[ovo] T[estamento onde seu amor é assim descrito.”21 19. Sw ete, R evelation, p. 5. Ver aune, Revelation 1 -5 , p. 30. 20. Atribuído a Trites, “Martys and Martyrdom in the A pocalypse”, pp. 72-80. 21 Thomas, R evelation 1 -7 , p. 70.
A po c a l ips e 1.5b, 6
118
Algumas traduções têm a redação “nos lavou”, que no grego difere de “nos libertou” somente em uma vogal (Àoúacoai e líioavii), e tem a mesma pronúncia. Seja qual for a redação preferida, a lavagem do pecado resulta em ser libertado. b. “E nos fez reino e sacerdotes para seu Deus e Pai.” João tinha em mente uma passagem veterotestamentária que combina os concei tos reino e sacerdotes. Ele ponderava sobre a cena do Monte Sinai, onde Deus disse aos israelitas: “Ainda que toda a terra seja minha, vós sereis para mim reino e sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19.5, 6). Agora ele reconhece Jesus como Rei e Sacerdote que, havendo purifi cado seu povo do pecado, queria que eles fossem reino e sacerdotes dignos da apresentação a seu Pai (5.10). Essas pessoas constituem um santo sacerdócio no qual presentemente servem como sacerdotes de Deus e de Cristo (20.6; IPe 2.9). O reino de Jesus difere de um reino terreno, como ele mesmo disse a Pilatos (Jo 18.36). Ele tem cidadãos em cada área, setor e segmento da vida. Esses cidadãos buscam viver obedientemente segundo as nor mas do reino de Cristo; oram por todos os que se acham investidos de autoridade e se conduzem pacificamente em piedade e santidade (1 Tm 2.2). Demonstram o amor do Senhor Jesus auxiliando os pobres e ali mentando os famintos (Mt 25.37-40); defendem os direitos dos que vivem em desvantagem (Dt 24.17; lTm 5.16), preocupam-se com as pessoas necessitadas (G16.10), e proclamam e ensinam o evangelho de Jesus Cristo (Mt 28.19,20). Como cidadãos do reino, eles testificam do presente reinado de Jesus no mundo atual.22Os seguidores de Cristo, os quais edificam seu reino, honram-no como Senhor dos senhores e Rei dos reis, e expressam verbalmente sua oração diária: “Venha o teu reino” (M t6.10;L c 11.2). c. “A ele seja a glória e o poder para todo o sempre. Amém.” A fraseologia exata desta doxologia ocorre somente aqui no Apocalipse, e é quase a mesma doxologia de Paulo em Romanos 11.36. João registra doxologias em outras partes do Apocalipse com expressões semelhan tes (5.12-14; 7.12; 11.15).Observe, porém, que neste versículo ele atri bui a doxologia a Jesus Cristo. 22. Andrew J. Bandstra, “’A Kingship and Priests’: Inaugurated Eschatology in the A pocaliypse”, CTJ 27 (1992): 10-25.
119
A p o c a l ips e 1.7,8
Palavras, Frases e Construções Gregas em 15b, 6 V e rsíc u lo 5 b
Xvoavxi rj|iâç - “nos pondo em liberdade.” Esta redação conta com o apoio dos melhores manuscritos (^ )18N AC 161 l ) e é refletida no Antigo Testamento (Is 40.2 LXX).23 A outra redação é Àoúoauti rpaç (nos lavou). Ela foi seguida pelos tradutores da KJV e NKJV. €K- João usa esta preposição 135 vezes no Apocalipse numa variedade de formas. Aqui ela ocorre com o verbo libertar. Entretanto, muitas testemunhas têm a preposição àiró. V e rsíc u lo 6 t w v a lc ó v c o v - ainda que os principais manuscritos omitam estas duas palavras da fórmula elç xouç oãújvaç, os estudiosos se mostram relutantes em omiti-las aqui, por causa da freqüente ocorrência da construção completa em outras partes do livro.24
D. Profecia 1.7,8 7 Eis que ele vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram, e todas as tribos da terra se lamentarão por causa dele. Sim, é verdade, amém. Este versículo tem a aparência de ser uma passagem litúrgica que foi composta e circulava na Igreja cristã primitiva. É uma estrofe que nos Novos Testamentos gregos e nas traduções modernas é formado em quatro linhas, seguidas da conclusão: “Sim, é verdade, amém.” Aqui é um anúncio profético baseado nas profecias veterotestamentárias acerca do Messias como o “filho do homem” (Dn 7.13; Zc 12.10) e referências neotestamentárias ao sofrimento e regresso de Jesus (Mt 26.64; Jo 19.34, 37; lTs 4.17). Este é o primeiro anúncio do regresso de Jesus, que veio a ser mais pronunciado no último capítulo do Apocalipse (22.7, 12, 20). João fala não só acerca do sofrimento e 23. Ver Bruce M. M etzger, A Textual C om m entary on the G reek N ew Testam ent, 2 a ed. (Stuttgart: D eutsche B ibelgesellschaft; N ova York: United B ible Societies, 1994), p. 662. 24. A pocalipse 1.18; 4 .9 ,1 0 ; 5.13; 7.12; 10.6; 11.15; 15.7; 19.3; 20.10; 22.5.
A po c a l ip s e 1.7,8
120
triunfo de Jesus, seu sacerdócio e realeza, mas também acerca de seu iminente regresso. João olha para o futuro e vê Jesus regressando nas nuvens do céu, como ele mesmo prometeu (Mt 24.30). João chama a atenção de seus leitores para a realidade da vinda de Cristo, dizendo: “Eis!” . Ele o constrói com o tempo presente, ele está vindo, que tem uma conotação futura e incontestável, “ele virá”. Para João pessoal mente, em certo sentido, essas palavras foram confirmadas quando Jesus lhe apareceu na ilha de Patmos. Agora ele escreve para contar aos leitores do Apocalipse que o regresso de Jesus é realmente iminen te e que cada um esperaria por sua vinda. Scoffers afirma que a vinda de Jesus nas nuvens é destituída de realidade, porquanto vastas áreas do mundo, de tempos em tempos, não têm nuvens (2Pe 3.3, 4). João, porém, informa a todos que Jesus deveras regressa assentado sobre uma nuvem (14.14-16), e que sua vinda é súbita. Nuvens são sinais visíveis nos quais Deus exibe sua majestade, e nuvens cercavam Jesus e seus anjos (Ex 13.21; Mt 16.27; 24.30, 31). Nas palavras do salmista: “Ele faz das nuvens sua carrua gem” (SI 104.3).25 João empresta a linguagem da profecia messiânica de Zacarias 12.10. Apontando para o regresso visível de Jesus, ele declara que todo olho o verá. Ele escreve o adjetivo e o substantivo, todo olho, no singu lar para indicar a inclusividade de todas as pessoas - crentes e incrédu los igualmente. A sentença até mesmo os que o traspassaram perten ce não só aos judeus e gentios que cercavam a cruz de Jesus. Ela se refere também a todas as pessoas que o desprezam, o ridicularizam e o rejeitam. São impossibilitados de escapar, ainda quando clamem às ro chas e aos montes que os cubram (Ap 6.16; Lc 23.30; Os 10.8). O Apocalipse não dá nenhuma indicação de que os inimigos de Cristo virão ao arrependimento, de modo que todos os que se recusaram a depositar sua fé em Jesus enfrentarão o Juiz de toda a terra. João escreve “todas as tribos da terra”, o que pode referir-se às tribos de Israel alinhadas em 7.4-8 ou a todos os povos e nações do mundo.26 25. Consultar R. B. Y. Scott, “Behold Ha Cometh with Clouds”, NTS 5 (1959): 127-32. 26. Norm an H illyer, N ID N TT, 3.871; M ounce, R e ve la tio n , p. 51; G reijdanus, O penbaring, p. 22; Alan Johnson observa que, embora tribos seja um termo usado em referência a Israel no Antigo e no N ovo Testamento, João “usap h ylai em vários lugares para indicar mais amplamente os povos de todas as nações (5.9; 7.9; 11.9; 13.7; 14.6)
121
A po c a l ips e 1.7,8
Além do mais, a expressão lamentarão por causa dele significa uma demonstração ou lamento externo, mas não necessariamente uma tristeza íntima e genuíno arrependimento. Os pranteadores baterão em seus peitos com seus punhos e deplorarão a vida que viveram. Encherse-ão de remorso, porém não de arrependimento, quando virem Jesus. Em razão de não se arrependerem, enfrentarão sua própria perda no juízo.27Em seu discurso escatológico, Jesus fala do sinal do Filho do Homem se exibindo no céu, “e todas as nações da terra lamentarão” (Mt 24.30). Quando o virem vindo com poder e glória, as pessoas que se recusaram a reconhecê-lo compreenderão que é tarde demais para se arrependerem. João conclui essas linhas poéticas com uma afirmação: “Sim, é verdade, amém.” A primeira parte desta afirmação é uma ex pressão idiomática grega; a segunda, uma expressão idiomática hebraica.
8. Eu sou o Alfa e o Omega, diz o Senhor Deus, o que é e que era e que há de vir, o Todo-Poderoso. Aqui vem a primeira autodesignação de Deus, a qual João reitera com uma adição em 21.6: “Eu sou o Alfa e o Omega, o Princípio e o Fim.” Não obstante, a pergunta é se essas palavras se referem a Deus ou a Cristo. De um lado, o Eu sou foi expresso por Deus quando cha mou Moisés da sarça ardente: “Eu sou quem sou” (Ex 3.14). No Evan gelho de João, porém, Jesus se identifica reiteradamente com a fórmula Eu sou', por exemplo, “Antes que Abraão nascesse, eu sou” (Jo 8.58). Tanto Deus quanto Jesus se identificam como sendo “Eu sou o Alfa e o Omega”. Note estes paralelos: Deus: Eu sou o A lfaeoÔ m ega(1.8). Cristo: Eu sou o Primeiro e o Último (1.17). Deus: Eu sou o Alfa e Omega, o Princípio e o Fim (21.6). Cristo: Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim (22.13).28
Os paralelos são idênticos, ainda que não Jesus, mas Deus, seja chamado Todo-Poderoso (1.8; 4.8; 11.17; 15.3; 16.7,14; 19.6,15; 21.22; - uso esse que parece natural aqui também”. Ver seu R evelation, em The E x p o sito r’s B ible Com m entary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Papids: Zondervan, 1981), 12.423. 27. Gustav Stahlin, TDNT, 3.850. 28. Bauckham, C lim ax o f Prophecy, p. 34; ver também seu Theology o f the Book o f Revelation, New Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), pp. 26, 54, 55.
Ap o c a l ips e 1.7,8
122
e 2Co 6.18).29 Não obstante, Cristo é eterno e pode dizer que ele é o primeiro e o último, o originador e aquele que completa a obra da cria ção e redenção. Ele é a primeira e a última letra do alfabeto grego (isto é, tudo, do A ao Z); ele é o Verbo de Deus em sua plenitude. Assim vemos “Cristo como o agente divino tanto na criação divina em todas as coisas, quanto no cumprimento escatológico de Deus de todas as coisas”.30Jesus é aquele que foi enviado por Deus o Pai para anunciar as palavras de Deus (Jo 3.34). Este versículo sum aria o prim eiro segm ento do capítulo 1, enfatizando a divindade de Jesus Cristo como um com Deus o Pai. O Senhor Jesus Cristo, desde a eternidade, sempre foi um com o Pai, veio à terra a fim de pagar a pena de nosso pecado através de sua morte e ressurreição, e está nos transmitindo a promessa de seu regresso. Je sus mesmo está pronunciando as palavras deste texto, como se faz evidente à luz do segmento seguinte (vs. 17, 18), onde ele se identifica como o primeiro e o último, o vivente que esteve morto, mas que vive eternamente, tendo as chaves da Morte e do Hades. Jesus assume o centro do palco nos oito primeiros versículos deste capítulo: • nos versículos iniciais, como agente divino da revelação (vs. 1,2); • na saudação, como a fiel testemunha, o primogênito dos mortos e o soberano dos reis da terra (v. 5 a); • na doxologia, como o redentor e rei (vs. 5b, 6); • no anúncio profético de seu regresso (v. 7); • e em sua declaração de sua eternidade, divindade e poder (v. 8). John F. Walvoord corretamente conclui: “Se nada mais tivesse sido escrito além do contido nesta porção introdutória do capítulo 1, teria constituído uma tremenda reafirmação da pessoa e obra de Cristo, como não se encontra em nenhuma seção comparável da Escritura.”31 29. Charles (R evelation , 2.387 n. 4) escreve que o versículo 8 “é inquestionavelm ente interpolado” e deve ser rejeitado para restaurar a ordem certa do pensamento. Ele, porém, não foi capaz de documentar esta afirmação com evidência de manuscrito. Além disso, Jesus se revela com o D eus, e assim fala estas palavras e usa a designação o Todo-Poderoso. 30. Bauckham, Theology, pp. 56, 57.
31. John F. Walvoord, The Revelation o f Jesus Christ (Chicago: Moody, 1966), p. 40.
123
A po c a l ips e 1.7,8
Palavras, Frases e Construções Gregas em 1.7,8 Versículo 7 Kcu[/omai. - o futuro médio do verbo kótttg) indica “bater alguém no peito como um ato de lamento”. Descreve uma demonstração externa de tristeza. Versículo 8 ’/AA.(})0£...’'Q - Metzger nota que a primeira letra do alfabeto é soletrada, mas não a última.32Alguns manuscritos acrescentam as palavras âpx"n K0£L TeA.oç (o princípio e o fim). Visto ser mais fácil explicar as adições do que as omissões, os editores do texto grego descartam a adição. 9 Eu, João, irmão e companheiro de vocês na tribulação, no reino e na perseverança que estão em Jesus, estava na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. 10 Eu estava no Espírito no dia do Senhor, e ouvi por trás de mim uma voz forte, como o som de trombeta, 11 dizendo: O que você vê, escreva num livro e envie às sete igrejas: Efeso, Esmima, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia. 12 E voltei-me para ver a voz que me falava, e quando me voltei vi sete candelabros de ouro. 13 E entre os candelabros estava alguém semelhante a filho de homem, com um manto que chegava a seus pés e um cinturão de ouro em volta de seu peito. 14 Sua cabeça e seus cabelos eram brancos como a lã, como a neve, e seus olhos, como chama de fogo. 15 E seus pés eram como o bronze extrema mente refinado como numa fornalha, e sua voz era como o som de muitas águas. 16 E segurava em sua mão direita sete estrelas, e uma espada de dois gumes que saía de sua boca, e seu rosto era como o sol quando brilha em todo seu fulgor. 17 E quando o vi, caí a seus pés como morto. E ele estendeu sua mão direita sobre mim, dizendo: Não tema, eu sou o Primeiro e o Ultimo. 18 E eu sou o que vive e que esteve morto, e eis que estou vivo para todo o sempre. E tenho as chaves da Morte e do Hades. 19 Escreva, pois, as coisas que você viu, tanto as presentes como as que acontecerão depois. 20 Quanto ao mistério das sete estrelas que você viu em minha mão direita, e dos sete candelabros de ouro: as sete estrelas são os sete anjos das sete igrejas, e os sete candelabros são as sete igrejas.
II. V isão 1: A Igreja na Terra 1 .9 -3 .2 2 Após a introdução ao Livro do Apocalipse, João descreve as primeiras sete visões que dividem o Apocalipse. As demais visões, em seqüência, são 32. Metzger, Textual Commentary, p. 663 n. 2.
A p o c a l ip s e 1.9-11
124
• O Trono de Deus e os Sete Selos (4.1-8.1) • Os Sete Anjos Tocando Trombetas (8.2-11.19) • Aspectos de Guerra e Salvação (12.1-14.20) • As Sete Taças do Juízo (15.1-16.21) • Vitória de Cristo (17.1-19.21) • Novo Céu e Nova Terra (20.1-22.5) Começamos com a primeira visão, que inclui as cartas às sete igrejas.
A. A parição G loriosa de Jesus
1.9-20 Décadas depois da ascensão de Jesus, este aparece a João na ilha de Patmos e fala, a ele e às igrejas, no continente. Aqui é a voz de Jesus que agora, em gloriosa aparição, fala à Igreja do primeiro século e os séculos seguintes. As mensagens que ele traz são louvor e censu ra, exortação e promessa. Adequam-se à igreja de qualquer lugar ou tempo ao longo das eras, pois o repetido refrão dirigido a seu povo é para que vença através de sua fidelidade até o fim. /. Localidade 1.9-11
9. Eu, João, irmão e companheiro de vocês na tribulação, no reino e na perseverança que estão em Jesus, estava na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. a. “Eu, João, irmão e companheiro de vocês na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus.” O escritor do quarto Evangelho e das epístolas Joaninas evita identificar-se nominalmente, mas o autor do Apocalipse não deixa dúvida quanto a sua identidade. Já nos versículos 1 e 4, seu nome aparece, e ele agora escreve: “Eu, João, irmão e com panheiro de vocês.” Ele deixa bem claro quem é e onde está, a saber: ele é um irmão espiritual e companheiro no sofrimento que foi exilado na costa da Ásia M enor (Turquia), uma ilha isolada chamada Patmos. A fórmula “Eu [4- nome pessoal]” não se limita a João. Paulo faz refe rência a si mesmo como “Eu, Paulo” (G15.2; E f 3.1; Cl 1.23; lTs 2.18; Fm 19), e no Apocalipse Jesus diz: “Eu, Jesus” (22.16).33 A razão para 33. Ver também Daniel 7.15, 28; 8.1; Apocalipse 22.8.
32 5
A po c a l ips e 1.9-11
o uso do pronome enfático, eu, é para evitar algum mal-entendido na identificação e na afirmação de que a mensagem do orador é autêntica. João é bem conhecido de seus leitores, porém tem que compreen der que em seu exílio algo de extraordinário e significativo tem aconte cido: ele viu o Senhor Jesus Cristo e recebeu dele mensagens para que fossem entregues às igrejas. Em vez de se autodenominar apóstolo, ele prefere os termos irmão e companheiro, e assim se põe em pé de igualmente com seus leitores. Paulo e Pedro reiteradamente se põem nesse nível (por exemplo, At 15.23; Rm 15.14; 2Pe 1.10; 3.15). Ainda quando os apóstolos recebessem autoridade delegada da parte de Je sus, consideravam-se irmãos espirituais em relação a todos os que o servem e o seguem. João corrobora o conceito irmão com o termo companheiro, que significa mais que parceiro ou amigo. Ele qualifica este termo com o acréscimo da expressão “na tribulação, no reino e na perseverança que estão em Jesus”. No papel de companheiro ele partilha os sofrimentos com seus leitores que têm de suportar em três áreas: tribulação, reino e perseverança. Examinemos estes três em seqüência. Primeiro, tribulação. Jesus disse a seus discípulos que experimenta riam grande angústia (Mt 24.21; Jo 16.33). Paulo, semelhantemente, dis se aos cristãos de Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia: “Devemos passar por muitas dificuldades para entrarmos no reino de Deus” (At 14.22). Tais dificuldades, inevitavelmente, devem concretizar-se em decorrência da vinda do reino de Deus. Para os cristãos, dificuldades necessariamen te pertencem ao mundo no qual Deus os colocou como seu povo.34 Segundo, reino. A expressão reino se relaciona com tribulação; neste mundo, um acompanha intimamente o outro (ver At 14.22). Como cidadãos no reino de Deus, os cristãos experimentam constante pres são das pessoas que constituem os inimigos de Deus, de sua Palavra e de seu povo. De todos os livros do Novo Testamento, o Apocalipse, especialmente, relata o quanto a tribulação se intensifica quando o rei no se aproxima da consumação. Terceiro, perseverança. João a menciona no Apocalipse como um dos aspectos característicos de alguém que segue a Cristo.35Como, porém, explicamos a seqüência dos três substantivos que estamos exa 34 Atribuído a Reinier Schippers, NIDNTT, 2.808; Heinrich Schlier, TDNT, 3.144. 35. A pocalipse 1.9; 2.2, 3, 19; 3.10; 14.12.
A p o c a l ips e 1.9-11
126
minando? Como o reino se relaciona com ambas, tribulação e perseve rança? Os membros desse reino devem necessariamente sofrer e su portar, como é evidente à luz das cartas às igrejas em Éfeso, Esmima, Pérgamo, Tiatira e Filadélfia. De um lado, os cristãos enfrentam tribu lação em decorrência de viverem no reino; do outro, recebem de supor tar pacientemente, de modo que o reino venha através de sua fidelidade a Cristo. Quando visualizamos, por esse prisma, o reino entre tribulação e perseverança, qualquer tensão é suavizada.36 Um hino sobre o sofri mento por Cristo, cantado na Igreja primitiva, tem esta linha: “Se perse verarmos, também com ele reinaremos” (2Tm 2.12). b. “[Eu, João,] estava na ilha chamada Patmos por causa da pala vra de Deus e do testemunho de Jesus.” O Apocalipse é o único livro do Novo Testamento que declara o lugar onde foi composto: na ilha de Patmos. Essa ilha está localizada umas quarenta milhas a sudoeste de Mileto (At 20.15), a qual servia de porto para Éfeso. Ela mede dez milhas de norte a sul e seis de leste a oeste, e consiste de montes que sobem oitocentos pés acima do nível do mar. Patmos é uma ilha rochosa e vulcânica, para a qual o governo romano, no primeiro e segundo século, bania os exilados.37Durante o fim do reinado do imperador Domiciano (81-96), João foi enviado a esta ilha, em suas próprias palavras, “por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus”. A conjunção por causa é significativa, pois ilustra a razão por que João estava nessa ilha. Ele não foi para lá com o fim de começar uma igreja, porque a população era esparsa. Ele poderia ter enviado um cooperador em seu lugar. E não visitou Patmos por esperar que Jesus lhe apareceria ali. Para João, o aparecimento de Jesus era inteiramente inesperado. Não, João foi banido na qualidade de líder das igrejas na pafte ocidental da Ásia Menor. Os romanos perseguiam os cristãos que não reconheciam César como Senhor, mas, sim, Jesus Cristo; os oficiais romanos consideravam João como 36. Philip Edgcumbe Hughes, The Book o f the R evelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 23. Ver também Lenski, R evelation , pp. 55, 56; Walter Radi, EDNT, 3.406. 37. Plínio, N atural H istory 4.12.23. Além disso, ver Irving A. Sparks, ISBE, 3.690. Aune (R evelation 1 -5 , p. 79) anota os termos latinos, relegatio (banimento temporário) e d eportatio (deportação). Plínio o Jovem (L etters 10.56) faz menção de um banimento de três anos com o “relegatio”. Ver também Gerhard A. Krodel, R evelation, ACNT (M inneapolis: Augsburgo, 1989), p. 93.
127
A po c a l ips e 1.9-11
fomentador da religião cristã. A tradição diz que, depois da morte de Domiciano, seu sucessor, Nerva, liberou João e lhe permitiu regressar a Éfeso.38 João fielmente proclamara e ensinara a Palavra de Deus; escreve ra o testemunho de Jesus (Jo 21.14); e foi conhecido como o venerando ancião nas igrejas da Ásia Menor (2Jo 1; 3Jo 1). Não admira que ele fosse aprisionado quando estalou a perseguição em Éfeso. A frase tes temunho de Jesus pode ser interpretada ou no sentido de o evangelho de Jesus, ou a pregação desse evangelho por Jesus (comparar v. 2).39 Ambas as interpretações são aplicáveis neste caso.
10. Eu estava no Espírito no dia do Senhor, e ouvi por trás de mim uma voz forte, como o som de trombeta. Tanto Pedro quanto Paulo entraram em êxtase quando o Senhor lhes falou em visão. Pedro entrou em êxtase quando estava no eirado de Simão, o curtidor, em Jope (At 10.9,10); e Paulo experimentou êxta se no tempo de Jerusalém (At 22.17,18). João não estava adormecido, mas plenamente desperto, quando o Senhor lhe falou. Seus sentidos estavam alertas ao ponto de perceber com mente clara, focalizar os olhos, com os ouvidos bem abertos, e assim assimilou a informação que Jesus passou e, finalmente, registrou-a. A frase no Espírito ocorre também em 4.2, onde João é convidado a olhar para o céu; em 17.3, onde um anjo o conduz ao deserto; e em 21.10, onde o anjo o levou a um alto monte a fim de contemplar a nova Jerusalém descendo do céu. Estas passagens apontam para a estreita relação existente entre Jesus e o Espírito Santo, em transmitir a João o conteúdo do Apocalipse.40 38. Eusébio, H istória E clesiástica 3.20.8-9: “D epois de D om iciano reinar quinze anos, Nerva o sucedeu [96-98], As sentenças de Domiciano foram anuladas e o Senado Roma no decretou o regresso dos que tinham sido injustamente banidos e a restauração de suas propriedades ... Naquele tempo, também ... o Apóstolo João, depois de seu banimento para a ilha, reassumiu seu dom icílio em É feso” (LCL). 39. A expressão o testem unho de Jesus aparece seis vezes no A pocalipse (1 .2 ,9 ; 12.17; 19.10 [duas vezes]; e 20.4). R Vassiliadis (“The Translation o f Martyria lesou”, BibTrans 36 [1985]: 129-34) diz que a expressão tem im plicações martirológicas e significa “testemunha (da morte) de Jesus” com o um genitivo objetivo. 40. Aune (R evelation 1 -5 , p. 82) prefere a tradução “Eu caí em êxtase profético no dia do Senhor”. Ainda que a ação do Espírito Santo pudesse estar implícita em sua tradução (p. 63, 10a), o fato de a mesma não estar declarada enfraquece a fraseologia do texto grego. Ver R. Bauckham, “The Lord’s D ay”, em From Sabbath to L ord’s D ay, org. D. A. Carson (Grand Rapids: Zondervan, 1982), pp. 222-32.
A p o c a l ip s e 1.9-11
128
João escreve que se achava em Espírito no Dia do Senhor. Este é o único lugar no Novo Testamento onde esse dia é assim descrito, pois em outros lugares ele é referido como o primeiro dia da semana.41 É o dia da ressurreição do Senhor, e no fim do primeiro século os cristãos já tinham começado a indicá-lo não como sendo o primeiro dia da sema na, mas o dia do Senhor (comparar a expressão a Ceia do Senhor, ICo 11.20). E o dia dedicado ao Senhor. O texto não se refere ao eventual regresso do Senhor e o Dia do Juízo, mas ao aparecimento de Jesus a João no primeiro dia da semana - um dia consagrado a Cristo. João ouve atrás de si uma voz forte que soava como trombeta. Para ele, o som dessa forte voz foi inesperado e surpreendente. Entre tanto, a ressonância da trombeta lhe falava de sua origem celestial. João se lembrou de Deus promulgando os Dez Mandamentos no Sinai, onde os israelitas ouviram o som de trombeta (Êx 19.16, 19; 20.18). O início do Ano Novo era marcado pelo soar de trombeta; aliás, no pri meiro dia do sétimo mês, o mês judaico de Tishri (setembro-outubro), o povo celebrava a Festa das Trombetas (Lv 23.24; Nm 29.1-6). Este era o prelúdio ao Dia da Expiação no décimo de Tishri. Em seu discurso escatológico, Jesus fala de seu regresso como que acompanhado pela convocação ao som de trombeta (Mt 24.31; ver lTs 4.16). Em suma, o soar de trombeta introduziu o advento de um novo intervalo. O som de trombeta, no Apocalipse, chama a atenção para uma importante mensagem (por exemplo, 4.1), e a intensidade da voz de manda prontidão e obediência. Ainda que neste versículo a voz não seja intensa, nos versículos subseqüentes o discurso é de Jesus mesmo, que se autodenomina “o Primeiro e o Ultimo”, o vivente que está vivo para todo o sempre (vs. 17, 18).
11. Dizendo: O que você vê, escreva num livro e envie às sete igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadél fia e Laodicéia. 41. M ateus 28.1; M arcos 16.2, 9; João 20.1, 19; A tos 20.7; 1 Coríntios 16.2. É interessante notar que em grego o primeiro dia da semana é chamado h ê m e r a k y r i a d ê (o dia do Senhor), com segunda-feira com o o segundo dia, terça o terceiro e quarta o quarto etc. N os países de língua portuguesa, ocorre o m esm o fenôm eno: o primeiro é dom ingo (D ia do Senhor), segunda-feira o segundo dia e terça-feira o terceiro etc. Ver também D idaqu ê 14.1; Inácio, M agnesians 9.1; Eusébio, H istória E clesiástica 4.26.2; e consultar A d o lf Deissm ann, Light fro m the Ancient E ast (reimp. Grand Rapids: Baker, 1978), pp. 361-63.
129
A po c a l ips e 1.9-11
A voz divina que se dirige a João lhe ordena que tome uma pena e um rolo e escreva mensagens a sete igrejas que se encontram na provín cia da Ásia. Essas são igrejas às quais João servia antes de ser exilado em Patmos. Agora Jesus tem algo a dizer a cada uma dessas sete con gregações. João recebe a ordem de escrever as epístolas e de providen ciar para que sejam enviadas e entregues nos respectivos endereços. “O que você vê” se refere não meramente ao aparecimento do Senhor e às mensagens que ele deve despachar às igrejas, mas a todo o conteúdo do Apocalipse. Tudo o que ele observa e ouve deve ser registrado para o benefício de toda a Igreja. A ordem de escrever está no tempo presente, para indicar que ele deve continuar seu registro até o fim. Ele deve formar um rolo de tamanho adequado (aproximada mente cinco metros), registrar a revelação de Deus e tomá-lo disponí vel a cada congregação (comparar 1.3). Ainda que surja pergunta so bre a estrutura do Apocalipse, seu conteúdo tem sido sempre apresen tado como um livro único, e nunca apareceu em partes individuais. A trajetória das sete cidades que são mencionadas em seqüência é oval em sua forma e pode ter sido uma rota postal. A rota é de Éfeso no centro, Esmirna e Pérgamo no sudeste, então Tiatira e Sardes no sul. William M. Ramsay conjetura que, a partir dessas cidades secun dárias, foram enviadas cópias do Apocalipse às cidades vizinhas. Es sas cidades incluem Colossos, Hierápolis, na vizinhança de Laodicéia; então Trale, Magnésia e Mileto na parte central da província; e, por último, Trôade, ao norte de Pérgamo.42Essas sete cartas, contudo, se destinam à Igreja universal. É mais provável, pois, que João esteja usando o número sete simbolicamente para comunicar a idéia de completude. Daí, nenhuma igreja é excluída, pois Jesus tem uma men sagem para cada uma.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 1.9-11 Versículo 9 trj 0àl(|)6l - o artigo definido controla três substantivos: tribulação, reino e perseverança. Pertencem à mesma categoria e seguem a mesma seqüência. 42. Atribuído a W illiam M. Ramsay, The Letters to the Seven Churches o f A sia and Their P lace in the Plan o f the A pocalypse (Londres: Hodder e Stoughton, 1904; reimp. Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 191,192; Colin J. Hemer, The Letters to the Seven Churches o f A sia in Their L ocal Setting, JSNTSup 11 (Sheffield: JSOT, 1986), pp. 14, 15.
A p o c a l ip s e 1.9-11
130
tt|v (iap-cupíav ’Iipoí) - o genitivo é outro subjetivo (pertencente a Jesus) ou objetivo (por Jesus). Ambos são aplicáveis aqui.
Versículo 10 tfj KupiccKfj r p ép a - note que o adjetivo significa pertencente ao Senhor. Em sua carta aos magnésios (9.1), Inácio escreve “não mais observando o sábado, mas vivendo na observância do Dia do Senhor”.
Versículo 11
Àeyoúoriç - gramaticalmente, este particípio presente teria estado no acusativo para modificar o substantivo voz, e não o genitivo dependente trom beta; isso ocorre novamente em 4.1.
2. Aparição 1.12-16
12. E voltei-me para ver a voz que me falava, e quando me voltei vi sete candelabros de ouro. 13. E entre os candela bros estava alguém semelhante a filho de homem, com um manto que chegava a seus pés e um cinturão de ouro em volta de seu peito. a. “E voltei-me para ver a voz que me falava.” Como nos primeiros oito versículos deste capítulo, e também no restante dos versículos, a ênfase recai sobre o Senhor Jesus Cristo. A descrição que João faz do Jesus glorificado deve ser interpretada não literalmente, mas simbolica mente. É impossível que João expresse uma aparição celestial em ter mos humanos exatos; assim, ele emprega o termo comparativo como (por exemplo, como um filho de homem, v. 13). Compare também a hesitação de Paulo quando, referindo-se à sua visão do paraíso, expres sa sua incapacidade de falar das coisas que ouvira (2Co 12.4). João relata que ao ouvir a voz que falava atrás de si, volta-se para identificar a pessoa que lhe falava.43Em grego, ele escreve o verbo lalein (falar), significando que ele quer identificar o som da voz, e não o conteúdo da mensagem. Perguntamos se João teria reconhecido a voz de Jesus depois de tantas décadas transcorridas, porém não temos resposta. Sabemos que o som que ele comparou a uma trombeta o alertava a esperar uma voz do céu. 4 3. Comparer Jam es H. C harlesworth, “The Jew ish R oots o f C hristology: The D iscovery o f the Hypostatic Voice”, SJT 39 (1986): 19.41.
131
A p o c a l ips e 1.12-16
b. “E quando me voltei, vi sete candelabros de ouro.” Em vez de identificar uma pessoa, ele descreve primeiro as circunstâncias e então a pessoa propriamente dita. As circunstâncias não são uma só, mas sete candelabros de ouro. O tabernáculo continha um candelabro feito de ouro puro com sete lâmpadas (Ex 25.31, 37). O templo de Salomão tinha dez candelabros de ouro: cinco à esquerda e cinco à direita, de frente para o interior do santuário (lR s 7.49); e Zacarias viu somente “um candelabro de ouro maciço, com um recipiente para azeite na par te superior e sete lâmpadas e sete canos para as lâmpadas” (Zc 4.2). Ainda quando as imagens vistas por João estejam baseadas no Antigo Testamento, aqui ele usa a palavra candelabros, o que ele completa com o número sete. Os candelabros são sete igrejas (Ap 1.20), e sete denota completude. Isto é, João apresenta um quadro da Igreja inteira. c. “E no meio dos candelabros estava alguém “como um filho de homem” (ver também 14.14). Que conforto para a Igreja sobre a terra! João primeiro descreve a Igreja e então pinta seu Senhor, que sempre caminha no meio dela (2.1). Jesus, como o Filho do Homem, está sem pre caminhando entre as igrejas, o qual faz resplandecer sua luz para dispersar as trevas deste mundo. Ele não se confina às esferas celestiais; ao contrário, ele está com a Igreja na terra a fim de ser sua fonte de luz (Jo 8.12). As igrejas, recebendo dele sua luz, devem ser, por sua vez, portadoras de luz; se fracassarem nesse dever, Jesus removerá seu candelabro de seu lugar, e cessarão de sua Igreja (2.5). Ao dizer “como um filho de homem”, João chama a atenção para Daniel 7.13, 14, onde este título descreve o Messias como soberano deste universo. O Filho do Homem é divino, habita a eternidade, possui autoridade final e é o soberano de um reino indestrutível. Este quadro expressa majestade, poder e autoridade que nenhum ser humano pode igualar. Durante seu ministério terreno, Jesus aplicava a si o mesmo Filho do Homem com o propósito de identificar-se com a humanidade apostatada, a fim de redimir seu povo. Aqui, pois, está o majestoso Senhor caminhando por entre as igrejas com o fim de reprová-las e de encorajá-las, de dar-lhes ordens e de enaltecê-las. d. “Com um manto que chegava a seus pés e um cinturão de ouro em volta de seu peito.” Esta sentença pode significar que Jesus é sumo sacerdote usando um manto comprido e branco. Alguns comentaristas discordam, dizendo que a evidência para provar a tese é insuficiente,
A p o c a l ip s e 1.12-16
132
porque outros dignitários também usavam um manto comprido. Con cluem que o manto longo e a faixa de ouro caracterizam a dignidade da pessoa assim paramentada.44Não obstante, a descrição da vestimenta do sumo sacerdote inclui linho fino (branco, At 23.3), uma faixa e ouro (Êx 28.4, 5; 29.5; Sabedoria de Salomão 18.24). O Apocalipse apre senta Jesus tanto como rei quanto como sacerdote que liberta seu povo do pecado por meio de seu sangue (1.5; comparar 5.9). A precariedade de interpretar a sentença como uma referência ao sacerdócio de Jesus não pode ser excluída. A faixa de ouro usada em torno do peito é também o paramento dos sete anjos que saíram do templo vestidos de linho límpido e luzente com faixas de ouro em torno de seu peito (15.6; comparar Dn 10.5). Portanto, o vocabulário de João descreve a dignidade e elevada posi ção do Filho do Homem.
14. Sua cabeça e seus cabelos eram brancos como a lã, como a neve, e seus olhos, como chama de fogo. 15. E seus pés eram como o bronze extremamente refinado como numa fornalha, e sua voz era como o som de muitas águas. a. “Sua cabeça e seus cabelos eram brancos como a lã, como a neve.” Uma vez mais, João só pôde descrever a aparição de Jesus pelo uso de termos comparativos, semelhante e como, em todos esses dois versículos. A terminologia é reminiscência da descrição que Daniel faz de Deus, a quem o profeta chama o Ancião de Dias: Tronos foram colocados, e um ancião se assentou. Sua veste era branca como a neve; o cabelo era branco como a lã. Seu trono era envolto em fogo, e as rodas do trono estavam em chamas (Dn 7.9).
O que nesta passagem Daniel atribui a Deus, João, com variação, designa a Cristo. Jesus aparece como Deus, porquanto ele é um com o Pai com respeito à eternidade, pureza e santidade. Daniel também nota que “um filho de homem... aproximou-se do Ancião de Dias e foi conduzido à sua presença” (7.13). A cabeça e cabelos de Jesus eram brancos como a lã, ao que João acrescenta que eram brancos 44. B eckw ith, A pocalypse, p. 438; Thom as, R evelation 1 -7 , pp. 99, 100; Sw ete, R evelation, pp. 15, 16; Charles, Revelation, 1.27, 28.
133
A p o c a l ip s e 1.12-16
como a neve.45E óbvio que João não possui um rolo escrito de Daniel à sua disposição, e, confiando na memória, ele tenta aproximar-se do vocabulário bíblico. Cabelos brancos ou grisalhos demandam respeito e devem ser considerados como uma “coroa de esplendor” (Lv 19.32; Pv 16.31). b. “Seus olhos eram como chama de fogo.” Esta sentença reflete uma vez mais uma memória não exata de Daniel 7.9. Nessa passagem, o trono de Deus era como chama de fogo, mas aqui João aplica a chama aos olhos de Jesus. Ele parece ter em mente a fraseologia de uma visão semelhante que lê: “seus olhos, como tochas de fogo” (Dn 10.6). A intenção de João é dizer que nada escapa aos olhos penetran tes de Jesus. Ele corrobora isso na carta à igreja de Tiatira (2.18), onde Jesus diz que ele é aquele “que sonda mente e coração” (2.23). c. “E seus pés eram como o bronze extremamente refinado como em fornalha.” Admito que a tradução “bronze fino” é uma aproxima ção, porque o grego dá um nome a “um metal ou liga, a natureza exata da qual é desconhecida”.46 O metal parece assemelhar-se ao bronze polido ao qual outro metal contribui para lustrá-lo (comparar Ez 1.7; Dn 10.6). Não temos informações adicionais se João deseja comunicar que o metal está ainda na fornalha ou já saiu dela. Tampouco entende mos o que se supõe representar por bronze polido, exceto dizer que ele reflete a glória divina. O saltério ensina que os pés de Jesus pisam sobre seus inimigos (SI 110.1). d. “E sua voz era como o som de muitas águas.” Retratamos João no litoral de Patmos, ouvindo as ondas se chocando contra as rochas. Em outro lugar ele usa linguagem semelhante (14.2; 19.6) para comuni car a imagem da insistência do mar, que é poderosamente persistente e 45. Charles (R evelation, 1.28) chama as palavras “brancas com o a n eve”, uma glosa marginal que é “extremamente incômoda em seu presente contexto”. Que essas três palavras são uma glosa é improvável, porque João recorre ao paralelismo hebraico que, neste caso, ele empresta da profecia de Daniel. E argumentos sobre transposições acidentais faltam na evidência dos manuscritos. G. K. Beale observa: “Cerca de cinqüenta por cento das referências veterotestamentárias nos versículos 7-20 são de Daniel e, dessas, a maioria vem de Daniel 7 e 10” (The Use o f D an iel in Jewish A pocalyptic L iterature and in the Revelation o f St. John [Lanham, Md.: University Press o f America, 1984], p. 171). 46. Bauer, p. 875. Hemer (L etters to the Seven Churches, p. 116) conjetura “uma liga de cobre com zinco m etálico”, a qual ele chama “copper-zinc”.
A p o c a l ip s e 1.12-16
134
incansável. A passagem veterotestamentária que sublinha esta senten ça é Ezequiel 43.2, onde o profeta descreve a glória de Deus e diz: “Sua voz era como o som de muitas águas” (N K JV ). Esta passagem é agora atribuída a Jesus.
16. E segurava em sua mão direita sete estrelas, e uma es pada de dois gumes que saía de sua boca, e seu rosto era como o sol quando brilha em todo o seu fulgor. Este último versículo da passagem sobre a aparição de Jesus ca taloga três aspectos físicos: sua mão direita, sua boca e seu rosto. Esses aspectos não devem ser entendidos literalmente, mas simboli camente; também deve-se rejeitar uma interpretação astrológica das sete estrelas.47 a. “E segurava em sua mão direita sete estrelas.” João não recorre a uma fraseologia extraída do Antigo Testamento. Antes, Jesus mesmo fornece a explicação das sete estrelas: “as sete estrelas são os anjos da sete igrejas” (v. 20). Os anjos são os mensageiros de Deus designados para servi-lo nas sete igrejas (2.1, 8, 12, 18; 3.1, 7, 14). A mão direita pode ser interpretada como uma fonte de poder e proteção. Por exemplo, ambos, o Antigo e o Novo Testamento, falam de estar assentado à mão direita de Deus como indicativo de possuir autoridade (por exemplo, SI 110.1; Hb 1.3). O salmista menciona a salvação provinda de sua mão direita (ver SI 44.3; 60.5). A expres são, pois, simboliza refúgio e segurança através do poder divino que Jesus provê para seu povo que o serve como mensageiro. Dele rece bem autoridade delegada e podem esperar sua solicitude sempre pre sente. Jesus Cristo nunca esquece os seus, mesmo quando se encon tram no vale da morte como em tempos de perseguição severa (com parar At 7.55). b. “E uma espada de dois gumes saía de sua boca.” A imagem da espada representa simbolicamente a palavra expressa de Cristo. Essa palavra é mais cortante que uma espada de dois gumes, e é capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração (Hb 4.12; ver tam 47. Uma moeda cunhada durante a primeira parte do reinado de Dom iciano (81 -96 d.C.) retrata sua esposa Dom itia com o rainha do céu e seu filho assentado sobre um globo estendendo sua m ão para sete estrelas. Ethelbert Stauffer, Christ a n d the C aesar, trad. K. e R. Gregor Smith (Londres: SCM , 1955), p. 152; Hemer, L etters to the Seven Churches, pp. 4, 214 n. 8; Walvoord, R evelation, p. 45.
135
A po c a l ips e 1.12-16
bém Ef 6.17). A arma mais cortante do arsenal romano era a espada de dois gumes, mas se esse implemento lembrava a língua humana perma nece uma questão aberta. Em seu regresso, Jesus destruirá o iníquo com o sopro de sua boca (2Ts 2.8). Jesus luta contra seus inimigos, não com armas materiais, mas com sua espada; a batalha não é contra a carne e o sangue, mas contra as forças espirituais das trevas (Ef 6.12). Na guerra, essa espa da executa juízo e destrói as obras do maligno (2.12,16; 19.15,21; ver também Is 11.4; 49.2). Em suma, no grego, o verbo sair é um particípio presente denotando que a palavra divina emana continuamente da boca de Jesus. Ela é constantemente ativa, protegendo os seus e provando ser destrutiva a seus oponentes. c. E seu rosto era como o sol quando brilha em todo seu fulgor.” A fraseologia deriva de Juizes 5.31, onde Débora e Baraque concluem seu cântico, dizendo: “Assim pereçam todos os teus inimigos, ó Senhor! Os que te amam, porém, sejam como o sol quando se levanta em sua força.” Quando Mateus registra a transfiguração, ele escreve que o rosto de Jesus resplandeceu como o sol (Mt 17.2; comparar 13.43). João não escreve a palavra grega regular para rosto (prosõpon), mas a expressão opsis, que no grego clássico significa aparência ou rosto. João teria em mente o rosto de Jesus depois de descrever seus cabelos, cabeça e olhos? Ou tem em mente a aparência completa do Senhor? Não temos como determinar o significado exato. O que pode mos dizer é que de Jesus a luz irradia com tanta radiância que se asse melhava ao sol em seu pleno fulgor. Em outros termos, era humana mente impossível fitar o rosto de Jesus. William Hendriksen escreve que a descrição de Jesus deve ser tomada em sua inteireza. Tenho apresentado uma interpretação versículo por versículo, porém é proveitoso olhar para o quadro completo nas palavras dele: Note que o Filho do Homem é aqui retratado como que vestido de poder e majestade, e de reverência e terror. Aquele manto real longo; aquele cinto de ouro em volta do peito; aqueles cabelos tão radiantes, brancos como neve, sobre os quais o sol brilha tanto que fere a vista; aqueles olhos flamejantes, olhos que perscrutam cada coração e penetra cada canto se creto do mesmo; aqueles pés incandescentes que visam a esmagar os perversos; aquela voz que ressoa como as ondas poderosas que estron-
A p o c a l ip s e 1.12-16
136
deiam contra os rochedos de Patmos; aquela grande espada afiada, longa, pesada, com dois gumes cortantes; aquela aparência por inteiro “que se assemelha ao sol que brilha em sua força”, brilho esse intenso demais para os olhos humanos fitarem - o quadro inteiro, tomado como um todo, é figura de Cristo, o Ser Santo, vindo para purificar suas igrejas (2.16,18,23) e castigar os perseguidores de seus eleitos (8.5ss.)48
Palavras, Frases e Construções Gregas em 1.12-15 Versículo 12
èlctlei, - o grego usa ÂaXelu para denotar que o ato de falar e Aiyeiv para enfatizar o conteúdo do que se fala (ver v. 17, onde ocorre o particípio pre sente Àéyuv). Versículo 13
- estão faltando os artigos definidos que poderiam prece der os dois substantivos (assim também Dn 7.13, grego antigo e Theod.). Além disso, o adjetivo o |í o l o v teria sido seguido do dativo em vez do acusativo.49 Aqui e em 14.14, João escreve um solecismo. u íò v àv0pcóiTou
Versículo 15
nenuptiJiiéyriç - o caso genitivo e não o caso dativo ou nominativo plural é a redação mais difícil, daí a mais preferida. A solução de inserir Tfjç xa/lKO/Upávou depois do particípio perfeito passivo é recomendável (ver os comentários de Beckwith, Greijdanus, Swete e Thomas). Como alternativa, é possível repetir mentalmente a palavra Ká|nvoç no caso genitivo e converter o particípio em um genitivo absoluto, porque Kccjuvoç é feminino. Em uma construção com genitivo absoluto, está faltando o substantivo ou pronome em tempos.50
3. Mensagem 1.17-20 A últim a parte do capítulo contém a m ensagem de Jesus para João. Serve de introdução às sete epístolas que ele d eve enviar às 48. Hendriksen, M ore Than Conquerors, pp.56, 57. 49. Ver A pocalipse 1.15; 2.18; 4 .3 ,6 ,7 ; 9 .1 0 ,1 9 ; 1 3 .2 ,4 ,1 1 ; 18.18; 2 1 .1 1 ,1 8 . C onsul tar Friedrich B lass e Albert Debrunner, A G reek G ram m ar o f the N ew Testament, trad, e rev. Robert Funk (Chicago; University o f Chicago Press, 1961), § 182.4; A. T. Robertson, A G ram m ar o f the G reek N ew Testament in the Light o f H istorical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 530. 50. Ver Aune, R evelation 1 -5 , pp. 65, 66; comparar Beckwith, A pocalypse, p. 439.
13 7
A po c a l ip s e 1.17-20
igrejas na província da Ásia. Dominado pelo temor à vista de Jesus, João ouve palavras de conforto quando Jesus se identifica como o Cristo ressurreto. 17. E quando o vi, caí a seus pés como morto. E ele esten
deu sua mão direita sobre mim, dizendo: Não tema, eu sou o Primeiro e o Último. Ver Jesus em sua aparência glorificada era uma prova forte demais para João, não tanto por causa da fragilidade humana como por causa da consciência de sua total indignidade em contemplar a glória de Cris to. Ele caiu por terra aos pés de Jesus, que é a postura comum dos santos aos quais se permite estar na presença da santidade. João já tinha contemplado sua glória no monte da transfiguração; e quando ouviu a voz vinda do céu, ele e seus companheiros caíram em terra sobre seus rostos (Mt 17.6). A Escritura revela que os santos dos tem pos do Antigo e do Novo Testamento tiveram experiências semelhan tes.51 A verdade é que os seres humanos são inaptos para encarar a majestade divina: os pecadores se prostram e reconhecem a presença da impecabilidade. Ao cair por terra, João sentiu como se estivesse morrendo. Não obstante, seus sentidos estavam alertas, pois estava plenamente côns cio de Jesus em pé perto dele. O Senhor lhe apareceu, não para tirarlhe a vida, mas para mostrar-lhe seu divino poder e majestade, fato esse que João tinha que notificar às igrejas. João e as igrejas igualmen te tinham de estar bem cientes do terrível aparecimento de Cristo, e isso em preparação para a mensagem que Jesus tinha para elas.52Jesus estendeu sua mão direita sobre João e lhe ordenou que não tivesse medo. A mão do Senhor tocou João para estabelecer contato físico e sua voz lhe disse que não tivesse medo. Daniel também foi tocado e ergueu-se depois de contemplar as visões celestiais, e a ele também foi dito que não temesse (Dn 8.18; 10.10,12). Ao tocar João, Jesus dotouo com energia para poder encarar o futuro; ao mesmo tempo, ele pro nunciou palavras que eram um eco do passado: “Não tema.” Jesus com freqüência ordenava a seus discípulos que parassem de temer, que estivessem no meio do turbulento lago da Galiléia (Mt 14.27), no monte 51. G ênesis 17.3; J osu é5.14; Juizes 13.20; Ezequiel 1.28; 3.23; 43.4; 44.4; Daniel 8.17; 10.9; M a teis 17.6; Lucas 5.8; A tos 9.4. 52. Compaiar Greijdanus, O penbaring, p. 36.
A p o c a l ip s e 1.17-20
138
da transfiguração (Mt 17.7), em uma viagem missionária (At 18.9), ou em custódia (At 23.11). Jesus nunca abandona os seus. Nas palavras “eu sou o Primeiro e o Último”, João reconheceu Jesus, que é o “Eu sou” (por exemplo, ver Jo 8.58). Jesus é também o primeiro como o Criador (Jo 1.1-3), o autor da salvação (Hb 2.10) e o primogênito dentre os mortos (Cl 1.18). Ele é também aquele que con duzirá todas as coisas à completação; e assim, ao ser o cumprimento de todas as coisas, ele é o fim. Ele é o primeiro e o último, o princípio e o fim. Que glorioso ânimo é saber que Jesus se situa no princípio e no fim da história humana, e que está sempre com os santos. 18. E eu sou o que vive e que esteve morto, e eis que estou vivo para todo o sempre. E eu tenho as chaves da Morte e do Hades. a. “E eu sou o que vive e que esteve morto, e eis que estou vivo para todo o sempre.” Jesus declara que é eterno, divino e “a exata representação do Ser de Deus” (Hb 1.3). Ele é aquele que vive, em contraste com todos os deuses do paganismo. Note que ele não diz que está vivo, mas que é aquele que vive e que possui a vida eterna (Jo 5.26). Ele é o doador da vida (Jo 6.33; lJo 5.11), e a vida que dá é eterna. E assim ele é o grande “Eu sou” (Jo 8.58). Jesus personifica a vida e ao mesmo tempo ele pode dizer: “Estive morto.” Ele se refere a sua morte sacrificial na cruz do Calvário, onde venceu a morte por amor dos que retinham o medo da morte (Hb 2.14, 15). Ele fala de um evento histórico, quando seu corpo jazeu sem vida no túmulo fora da cidade de Jerusalém. O contraste é notável, pois aquele que é a vida permite que seu corpo se submeta à morte. O que ele restaura é um corpo físico que sofreu a morte para que jamais viesse a morrer outra vez. Daí, ele exulta triunfantemente na vida e exclama: “Eis que estou vivo para todo o sempre” (Dt 32.40; Dn 4.34; 12.7; Ap 4.9, 10; 10.6; 15.7). Seu corpo, o qual João viu e descreveu, é vivo e de aparência gloriosa. Nesta última sentença, Jesus primeiro diz a João que olhasse detidamente para a aparência física do Senhor; em seguida ele enfatiza que na vida do Senhor não existe limite de tempo, pois ele vive eternamente. Sua vida é imortal, indestrutível e imutável. A veracidade indisputável da ressurreição de Cristo leva todo crente a regozijar-se em seu poder de abrir os túmulos e ressuscitar os mortos. b. “E eu tenho as chaves da Morte e do Hades.” Aquele que tem uma chave é capaz de destrancar portas que dão acesso a possessões,
13 9
A p o c a l ip s e 1.17-20
a tesouros e a segredos. Possuir uma chave significa ter poder e au toridade. Mas ninguém na face da terra é capaz de reivindicar poder sobre a Morte e o Hades. Jesus, que triunfou sobre a morte e o túmulo, possui as chaves para destrancá-los. São estas as chaves que perten cem à Morte e ao Hades (genitivo subjuntivo) ou são as chaves que conferem a alguém o poder sobre eles (genitivo objetivo)? É evidente que Jesus, que venceu a Morte e o Hades, tem poder sobre eles e assim possui também suas chaves.53Isto é, ambos os genitivos, objetivo e subjetivo, se aplicam, pois Jesus tem pleno poder sobre a morte e o túmulo (Jo 5.28; comparar também Mt 16.19). Incidentalmente, o An tigo Testamento com freqüência fala sobre “os portões da morte” (Jó 17.16; 38.17; S19.13; 107.18). Qual é o significado de Hades? Ele é diferente de morte? É equiva lente a túmulo? Ou é a morada da morte no submundo? Primeiro, o Apocalipse personifica Morte e Hades (6.8; 20.13, 14). Em seguida, Morte é um estado; e Hades, um lugar. Terceiro, ainda que Morte e Hades sejam forças poderosas (6.8), na consumação seu poder chega ao fim e ambos são lançados no lago de fogo (20.14). Por último, todos enfrentam a morte antes de Cristo voltar; os crentes não entram no Hades, porém adentram os portais do céu (Fp 1.23; 2Co 5.8).540 s ímpios, porém, estão no Hades. Todos os seres humanos comparece rão perante o tribunal de Deus e serão julgados; os santos, porém, cujos nomes estão registrados no livro da vida, estarão para sempre com Cristo. Daí, é incorreto interpretar o Hades como sendo o túmulo, pois todos voltarão ao pó (Gn 3.19). Jesus Cristo tem autoridade sobre a Morte e o Hades e, quando fala, ambos se submetem a ele. Ele é o Vitorioso que possui poder absoluto.
19. Escreva, pois, as coisas que você viu, tanto as presentes como as que acontecerão depois. A ordem “escreva, pois, o que você viu” é uma repetição de um versículo precedente (v. 11). Depois de João descrever a aparência de Jesus, a responsabilidade de escrever lhe é dada novamente, junto com 53. Os rabinos hebreus mencionam quatro chaves que estão nas mãos de Deus: “as chaves da vida, dos túmulos, do alimento e da chuva” (Targum Pseudo-Jonathan sobre D t 28.12); ou três chaves: “do nascimento, da chuva e da ressurreição dos mortos” (Talmude B abilónico, Sanhedrin 113a). Atribuído a SB , 1.737; e aos comentários de Sw ete (p. 20); Beckwith (p. 441); Charles (1.33). 54. Comparar Hans Bietenhard, NIDNTT, 2.207; Joachim Jeremias, TDNT, 1.148, 149.
A p o c a l ip s e 1.17-20
140
a sentença: “o que você viu”, agora no pretérito. Muitos estudiosos interpretam as partes deste versículo no passado, no presente e no fu turo como uma divisão do Apocalipse. • “O que você viu” aponta para a aparição de Jesus a João (1.9-20). • “As coisa presentes” se referem à condição espiritual das sete igrejas (caps. 2 e 3). • “As que acontecerão depois” é uma alusão ao período do tempo de João ao tempo do regresso do Senhor. Outros ressaltam que as três referências ao tempo (passado, pre sente e futuro) se derivam de uma fórmula que estava em uso durante séculos em muitas culturas em todos os países que circundavam a ba cia do Mediterrâneo. Esta fórmula, descrevendo profecias, abarca a totalidade da história e busca descortinar seu significado.55Poderíamos considerar esta fórmula como sendo um dito proverbial que transcende ao tempo e que comunica o sentido de comprimir toda a história. A sentença “o que você viu” deve ser entendida à luz do versículo 11, “o que você vê”. João viu a aparência de Jesus, inspiradora de reverência, que permaneceu com ele enquanto escrevia seu livro. A impressão que ele recebeu pode ser formulada numa breve sentença: “Jesus está no pleno controle de tudo quanto tem transcorrido, trans corre e transcorrerá.” Somos incapazes de determinar se João escreveu o Apocalipse gradativamente na forma das instruções e visões que ele recebeu, ou se ele compôs o livro inteiro depois de haver recebido toda a informa ção. Se interpretarmos as três sentenças do versículo 19 na forma não seqüencial, mas compreensível, elas assumem uma perspectiva global. 55. Sw ete, R evelation, p. 73; W. C. van Unnik, “A Formula Describing Prophecy”, NTS 9 (1963): 86-94, e em Sparsa Collecta: The C ollected Wrítings ofW . C. Van Unnik, parte 2 (Leiden: Brill, 1980), pp. 183-93; Gregory K. Beale, “The Interpretive Problem o f Rev. 1.19”, N ovT 34 (1992): 360-87. É interessante observar que o vocabulário da terceira parte (“O que está para acontecer depois dessas coisas”) é um eco do que Daniel disse ao rei Nabucodonosor: “O rei, tua mente se voltou para as coisas futuras, e aquele que revela os mistérios te mostrou o que vai acontecer”, e “o grande Deus mostrou ao rei o que acontecerá no futuro” (Dn 2.29, 45; ver especialm ente v. 45 na LXX [Theod.]). G eoffrey B. W ilson (R evelation [W elwyn, Inglaterra: Evangelical Press, 1985, p. 25) observa: “Por isso este versículo não anuncia o ‘programa’ do Apocalipse, exceto até onde ele relaciona constantemente o presente com o futuro”.
141
A po c a l ips e 1.17-20
As coisas que João viu, as que são e as que acontecerão depois todas essas partes se aplicam a todas as igrejas do passado, do pre sente e do futuro. E assim a sentença “o que você viu” se refere não necessariamente ao tempo passado, mas à totalidade. Semelhantemente, a frase “as coisas que são” não se limita ao tempo presente dos dias de João, mas é todo-inclusiva. E as palavras “o que acontecerá depois dessas coisas” implicam tudo o que ocorrerá desde o momento em que João recebeu a ordem para escrever até o fim do tempo cósmi co.56Concluímos que todo o conteúdo do Apocalipse é significativo para toda e qualquer igreja que já existiu ao longo dos séculos, que hoje existe e que existirá no futuro. A mensagem do Apocalipse, pois, é de conforto e segurança para todos os crentes do passado, do presente e do futuro.
20. Quanto ao mistério das sete estrelas que você viu em minha mão direita, e dos sete candelabros de ouro: as sete es trelas são os sete anjos das sete igrejas, e os sete candelabros são as sete igrejas. Como leitores do Apocalipse, esperamos sugestões quanto a como interpretar seus símbolos e entender sua mensagem. Espalhados por todo o livro estão os auxílios-chave que facilitam nossa interpretação. Não significa dizer que um símbolo em particular tem apenas uma ex plicação. João escreve a expressão mistério, a qual ocorre quatro ve zes no Apocalipse (1.20; 10.7; 17.5, 7). As duas primeiras se relacio nam com as coisas pertencentes à Igreja e a Deus, enquanto as duas últimas pertencem à grande prostituta. Mistérios são segredos ocultos de nossa compreensão, a menos que sejam explicados. Jesus elucida os símbolos das estrelas e dos candelabros. Ele de clara que as sete estrelas são anjos, e os sete candelabros, sete igrejas. Mas os anjos são seres celestiais enviados como mensageiros de Deus? São anjos guardiães, um para cada congregação?57O termo anjo é comum no Apocalipse, ocorrendo sessenta e sete vezes. Mas é impos sível sustentar que na literatura joanina uma dada palavra deva ter por toda parte o mesmo significado, a menos que o autor indique uma mu 56. Beale, R evelation, pp. 152-70; ver seu “Interpretive Problem o f Rev. 1.19: , pp. 360-87. Consultar também seu John ’s Use o f the O ld Testament in Revelation, JSNTSup 166 (Sheffield: Sheffield A cadem ic Press, 1998), pp. 169-71. 57. Atribuído a Daniel 10.13; 10.20-11.1; 12.1; Mateus 18.10; Atos 12.15.
A p o c a l ip s e 1.17-20
142
dança. Dizer que os anjos devem significar seres etérios e nunca mensageiros humanos é contrário a outras passagens da Escritura (Mc 1.2 [Ml 3.1]; Lc 7.24; 9.52). De um ponto de vista analítico, por que Jesus instruiria João a escrever cartas a sete anjos individuais? Note que em grego o pronome você (seu) e os verbos respectivos nessas cartas estão no singular, o que o inglês é incapaz de transmitir (por exemplo, 2.2). E os anjos santos seriam responsáveis pelos pecados dos membros das sete igrejas? Não seria um sentido preferível se ele o mandasse escrever a representantes dessas igrejas, os quais eram responsáveis pelo bem-estar espiritual de seus membros?58Sabemos que Jesus está segurando as sete estrelas (mensageiros) em sua mão direita (v. 16) para enviá-las com autoridade e para protegê-las. A interpretação de que os mensageiros às congregações são seus pasto res faz sentido se considerarm os os pastores com o enviados e comissionados por Cristo. São responsáveis pelo desenvolvimento es piritual do povo de Deus. Os sete candelabros são as sete igrejas. Note a diferença com respeito à primeira parte da explicação: as sete estrelas são os anjos das sete igrejas. Não são chamados “sete anjos”, e no grego são mera mente chamados “anjos”, sem o artigo definido. A ênfase, pois, não recai no número de anjos, ou na classe inteira de anjos, mas em sua capacidade de ser representantes. Os pastores vêm e se vão, mas a responsabilidade pastoral permanece.59 Durante a era veterotestamentária, Israel era indiviso e represen tava uma unidade. Nos tempos apostólicos, entidades nacionais emer giram na formação de sinagogas, por exemplo, a sinagoga dos homens livres e dos judeus de fala grega (At 6.9). Quando as igrejas foram estabelecidas, diferenças nacionais e idiomáticas tiveram seu papel. Não obstante, todas essas igrejas que confessavam Jesus Cristo como seu Senhor expressam unidade básica. São os candelabros de ouro que dissipam as trevas do mundo em que Deus as colocou. 58. H ughes (R evelation , p. 31) escreve: “Ainda que seja possível conceber um anjo guardião sendo designado a cada igreja, é improvável que as cartas tenham sido endereçadas a esses espíritos. Entender esses anjos com o seres humanos, sejam líderes da igreja local ou delegados designados, é portanto muito mais satisfatório.” Comparar Hendriksen, M ais que Vencedores, p. 77, n. 16. 59. Ver Greijdanus, O penbaring, p. 42.
14 3
A po c a l ips e 1.17-20
Palavras, Frases e Construções Gregas em 1.17-20 Versículo 17 |if]
Versículo 18 (ú v el(ii - esta é uma construção perifrástica equivalente ao tempo pre sente progressivo do indicativo “eu estou vivo”.
Versículo 19 a eloív - a gramática correta demanda um verbo singular com um sujeito plural neutro, mas em grego coinê esta regra nem sempre é observada.
Versículo 20 mç èu tà lu%yíaç tkç xpuaâç - os comentaristas pensam que esta frase é dependente da expressão fxuoxripiov e deve ser escrita no caso genitivo. João, porém, poderia ter pretendido pôr mais ênfase nas sete estrelas como um mis tério do que nos sete candelabros. O acusativo é um acusativo absoluto.
E sboço (continuação) B. As Sete Cartas 2.1-3.22) 1. Éfeso (2.1-7) a. Elogio (2.1-3) b. Censura (2.4, 5) c. Promessa (2.6, 7) 2. Esmirna (2.8-11) 3. Pérgamo (2.12-17) a. Violência (2.12,13) b. Censura (2.14-16) c. Promessa (2.17) 4. Tiatira (2.18-29) a. Destinatário e Louvor (2.18, 19) b. Reprovação e Ordem (2.20-25) c. Promessa (2.26-29)
C a p ít u l o
2
C a r t a s a E f e s o , E s m i r n a , P é r g a m o e T ia t ir a ( A p o c a l i p s e 2.1-29) 1 Ao anjo da igreja em Éfeso, escreva: Estas são as palavras daquele que tem as sete estrelas em sua mão direita e anda no meio dos sete candela bros de ouro. 2 Conheço suas obras, seu trabalho árduo e sua perseverança, e que você não pode tolerar malfeitores, que põe à prova os que dizem ser apóstolos, mas não o são, e descobriu que eram impostores. 3 E você tem perseverado e suportado sofrimentos por causa de meu nome, e não tem desfalecido. 4 Con tra você, porém, tenho isto: você abandonou seu primeiro amor. 5 Lembre-se, pois, do lugar do qual você caiu! Arrependa-se e pratique as obras que pratica va no princípio. Se não se arrepender, virei a você e tirarei seu candelabro do lugar. 6 Entretanto, há uma coisa a seu favor: você odeia as práticas dos nicolaítas, as quais eu também odeio. 7 Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao vencedor darei permissão de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus.
2
B. A s Sete Cartas 2.1-3.22 De várias formas, o capítulo 1 é uma introdução às sete cartas enviadas às igrejas na província da Ásia. Jesus fala a João em Patmos e lhe ordena duas vezes a escrever cartas às sete igrejas no conti nente (1.11, 19). Ele se revela como aquele que é o Primeiro e o Último, aquele que vive e que sofreu a morte, mas está vivo, e que tem a autoridade final sobre a Morte e o Hades. Além disso, cada carta segue o endereço a cada igreja e tem uma linha inicial que é tomada da descrição de Jesus que João registrou. Cada uma das sete
Ap o c a l ip se 2.1-3.22
146
igrejas apresenta um aspecto diferente da aparência, poder e autori dade de Jesus.
Igreja
Texto
Aparência de Jesus
Éfeso
2.1
Esmima Pérgamo Tiatira
2.8
Sardes Filadélfia Laodicéia
3.1 3.7 3.14
Sete estrelas em sua mão direita; candelabros de ouro (1.16,13) Primeiro e Último, que morreu e voltou a viver (1.17,18) Espada de dois gumes (1.16) Olhos como fogo ardente; pés como bronze polido (1.14,15) Sete espíritos e sete estrelas (1.4,16) Segurando a chave (1.18) Testemunha fiel (1.5)
2.12 2.18
Essas sete cartas revelam também um paralelismo que é único: Alguns são mais extensos, outros são mais curtos em seu tamanho, mas cada carta consiste de sete partes: 1. O endereçamento a cada uma das sete igrejas na Ásia Menor. 2. Um aspecto da aparência do Senhor para João em Patmos. 3. Uma avaliação da saúde espiritual da igreja individual. 4. Palavras de louvor e reprovação. 5. Palavras de exortação. 6. Promessas ao vencedor. 7. Uma ordem para ouvir o que o Espírito tem a dizer às igrejas. As três primeiras igrejas (Éfeso, Esmirna e Pérgamo) encerram as cartas individuais com promessas. As últimas quatro (Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia) encerram com a ordem de ouvir atentamente o que o Espírito tem a dizer às igrejas. Jesus elogia e censura quatro congregações: Éfeso, Pérgamo, Tiatira e Sardes. Ele enaltece duas: Esmirna e Filadélfia. E admoesta uma: Laodicéia. Estas sete são representantes da Igreja universal; as sete cartas são endereçadas a toda região onde o povo de Deus se congre ga para o culto, comunhão e expansão do espírito.1 Portanto, o número 1 .0 Cânon Muratoriano, datado da última parte do segundo século, descreve Apocalipse nestes termos: “João também, embora escrevesse o Apocalipse a sete igrejas, não obstante fala a todas elas.” A referência é a David E. Aune, R evelation 1 -5 , W BC 52A
147
A p o c a l ips e 2.1-3.22
sete não deve ser tomado em um sentido absoluto, mas, antes, como símbolo que aponta para completude. Inversamente, durante sua tem porária permanência em Éfeso, João conhecia bem de perto as igrejas na área adjacente. Ficavam a uma distância de dois ou quatro dias de viagem a pé, porque Éfeso estava localizada convenientemente em um círculo de formato oval com essas sete igrejas. Teria João enviado sete cartas, uma a cada igreja individual a que foi endereçada? R. H. Charles argumenta dizendo que as sete cartas foram escritas numa data anterior à composição de todo o Apocalipse, enviadas às igrejas individuais e com adaptação final feita para o Apocalipse.2 Mas se considerarmos a evidência apresentada no Novo Testamento, contestamos. Primeiro, ainda quando as cartas de Paulo fossem endereçadas a igrejas e indivíduos, a igreja como um todo partilhou delas. Aliás, ele instruiu as congregações a que todas as demais lessem suas cartas (Cl 4.16; lTs 5.27). As epístolas do Novo Testamento que são denominadas católicas [universais] são realmen te cartas destinadas à Igreja universal. Segundo, Jesus se revelou a João e então o instruiu a escrever, pelo que indicou que o capítulo 1 forma uma introdução inseparável às sete cartas. Aliás, Jesus pesso almente se dirige às igrejas, como é evidente à luz do uso repetitivo do pronome pessoal eu, enquanto João, com plena autoridade apostólica, serve como autor secundário dessas cartas. Terceiro, Jesus instrui João a escrever não meramente as cartas, mas um livro, no qual fez observações e então enviou o livro inteiro às igrejas (1.11).3 Essas cartas foram compostas como parte da revelação que Jesus queria que fosse lida e ouvida por todos os membros das igrejas (1.3). Em último lugar, o Apocalipse é uma unidade do princípio ao fim, na qual as sete cartas formam uma parte integrante.4 Assim, a promessa de (Dallas: Word, 1997), p. 130. N os anos iniciais do segundo século, Inácio escreveu sete cartas em seu caminho para Roma. Entre elas estão as cartas às igrejas de Éfeso, Esmirna e Filadélfia. 2. Ver R. H. Charles, A C riticai an d E xegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1:37. 3. William M. Ramsay, The Letters to the Seven Churches ofA sia and Their P lace in the P lan o f the A pocalypse (Londres: Hoder e Stoughton, 1904; reimp., Grand Rapids: Baker, 1979), p. 37. 4. Comparar G. R. Beasley-Murray, The B o o k o f Revelation, NCB (Londres: Oliphants, 1974), p. 71.
A po c a l ips e 2.1-7
148
Jesus feita a todos os crentes consiste em que o vencedor será bemaventurado (2.7, 11,17,26; 3.5,12,21); todos eles ouvem o que Jesus diz: “Eis que em breve venho. E meu galardão está comigo para dá-lo a cada um segundo sua obra. Eu sou o Alfa e o Omega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (22.12,13). Podemos visualizar a árvo re da vida no paraíso e comer dela (2.7; 22.2). E os que têm escrito neles o nome de Deus e da nova cidade têm o direito de entrar (3.12; 21.27; 22.14). As sete igrejas enfrentavam perigos que eram comuns a todas elas. Tinham que suportar oposição das forças externas e decepção vinda dos movimentos no seio da igreja. Eram caluniados pelos judeus (2.9); inclusive a testemunha fiel de Jesus, Antipas, foi morta na cidade onde Satanás vive (2.13). A profetisa chamada Jezabel queria que os segui dores de Cristo participassem de sua idolatria, imoralidade e indulgên cia (2.20-25). Os falsos apóstolos, isto é, os nicolaítas, introduziram doutrinas enganosas (2.2, 6, 15). As tentações para concessões eram reais, e ceder-lhes era prova letal para a fé dos crentes. Então havia as seduções à lassidão na conduta cristã e o convite à confiança nas ri quezas terrenas (3.1, 17). Jesus, porém, ordenou que os leitores e os ouvintes dessas cartas fossem fiéis até o fim e conservassem o que possuíam. Se atendessem, teriam o privilégio de sentar-se com ele em seu trono (3.21). 1. Éfeso 2.1-7 A Cidade A cidade de Éfeso tinha uma história variada que remontava a sé culos antes que essa carta fosse endereçada à igreja que florescia den tro de seus muros. As riquezas acumuladas provindas do comércio e da religião possibilitou à Éfeso reedificar um templo que fora destruído pelo fogo. Esse templo foi dedicado à deusa Artemis (Diana para os romanos) e era servido por inumeráveis sacerdotes e sacerdotisas. Ele foi considerado uma das sete maravilhas do mundo. Os efésios cons truíram um teatro que podia oferecer assento para cerca de vinte e quatro mil pessoas - a cidade tinha uma população estimada em mais de duzentas mil pessoas. Ramsay chamou Éfeso a cidade de câmbio, porquanto o Rio Cayster, junto ao qual ela estava situada, assoreava e
149
A po c a l ips e 2.1-7
eventualmente tomava seu porto inútil.5 Isso provou ser um contratem po para os interesses comerciais da cidade, onde o tráfico da terra conectava o tráfico do mar. Mas, ao longo do primeiro século depois de Cristo, Éfeso continuou sendo um imenso centro industrial, especial mente de artefatos religiosos; e a um passo, um centro administrativo para o governo romano (At 19.24, 31, 38). Além disso, Éfeso possuía um templo erigido para promover a reli gião imperial de Roma. A cidade dedicou o templo dos Sebastoi (a família de Vespasiano, Tito e Domiciano) em 89-90 d.C., e, segundo o costume, destinou os jardins do templo ao culto do imperador.6Em Éfeso, a relação entre o culto de Artemis e a religião do estado de Roma era bem estreita. Além do mais, os prefeitos romanos forçavam o povo a adorar o imperador Domiciano e a fazer uma profissão de fé: “César é Senhor.” Os cristãos se indispuseram em pôr César acima de Cristo, pois seu moto era: “Jesus é Senhor” (IC o 12.3). Como resultado, so freram perseguição. O Cristianismo é exclusivo, porquanto não admite compromisso com outras religiões (Jo 14.6; At 4.12). Na última parte do primeiro século, ele entrou em colisão com Roma, que a princípio permitiu proteção aos cristãos sob a cobertura da religião judaica. Quando, porém, as autori dades romanas compreenderam que o Cristianismo era diferente do Judaísmo, e que não se desviaria dos ensinamentos de Cristo, deixaram de ser tolerantes com os cristãos. Não conseguiam entender que esse povo que se separava do mundo compreendia uma sociedade comple tamente distinta. Aliás, eles sentiam tanta aversão pelo absolutismo dessa nova religião, que buscaram eliminá-la exigindo observância ao culto do imperador. Os cristãos, porém, rejeitavam até mesmo uma obediência simulada à religião do estado, visto que não aceitavam nenhum rival a Jesus Cristo. Numerosas fontes revelam que, por séculos, o templo de Artemis era um declarado lugar de refúgio para todos quantos cometessem algum 5. Ramsay, L etters to the Seven Churches, pp. 210-36. 6. S. Friesen, “The Cult o f the Roman Emperors in Ephesos: Temple Wardens, City Titles, and the Interpretation o f the Revelation o f John”, em Ephesos, M etropolis o f A sia: Ann Interdisciplinary A pproach to Its Archaeology, Religion, an d Culture, ed. H. Koester, Harvard Theological Studies 41 (Valley Forge, Pa.: Trinity Press International, 1995), p. 236.
15 0
A po c a l ips e 2.1-7
crime. Inclusive partes da cidade a um só tempo vieram a ser a condi ção de asilo. Por exemplo, a área adjacente ao templo inclusive propi ciava impunidade aos criminosos. Na época em que João escreveu o Apocalipse, em 95 d.C., as partes interiores do templo de Artemis eram um abrigo seguro para qualquer ladrão, assaltante, mercador de escra vo e saqueador de templo.7 O nível de moralidade no seio da população da cidade era notoria mente baixo. As pessoas eram libertinas, supersticiosas, vis e violentas. O filósofo grego, Heráclito, residente em Éfeso, supostamente teria comentado que “a moral do templo era pior que a moral dos animais, pois nem mesmo os cães promíscuos mutilam uns aos outros”.8 Os judeus que residiam na cidade aparentemente eram numerosos, ricos e influentes.9 Haviam estabelecido uma comunidade judaica, cujos residentes podiam desfrutar do privilégio de cidadania romana. Cons truíram sua sinagoga com a proteção legal de Roma a fim de observar sua própria religião, inclusive a guarda do sábado. Ainda que, quando Paulo foi pela primeira vez a Éfeso, receberam bem a doutrina de Cris to (At 18.19-21), logo a rejeitaram e ao mesmo tempo se tornaram virulentamente hostis ao Cristianismo (At 19.23-41, especialmente 33). Não obstante, Paulo trabalhou ali por três anos com resultados positi vos entre judeus e gentios igualmente (At 19.17-20; 20.21). Ele enviou uma epístola à igreja de Éfeso, provavelmente em 62 d.C., durante sua prisão romana. Depois de sua soltura ele visitou Éfeso, da qual Timóteo se tornara pastor (lT m 1.2, 3). João também fixou residência ali e pro vou ser uma influente força. Mas durante os anos finais do reinado do imperador Domiciano (primeira parte dos anos 90), a pressão sobre a igreja agigantou-se por causa do culto do imperador, resultando que João fosse banido para Patmos. a. Elogio 2.1-3
1. Ao anjo da igreja em Éfeso, escreva: Estas são as palavras daquele que tem as sete estrelas em sua mão direita e anda no meio dos sete candelabros de ouro. 7. Para referências, consultar Colin J. Hemer, The L etters to the Seven Churches o f A sia in Their L ocal Setting, JSNTSup 11 (Sheffield: JSOT, 1986), pp. 48-50. 8. Ver W iliam Barclay, Letters to the Seven Churches (Londres: SCM , 1957), p. 18.. 9. Josefo, A ntigüidades 14.7.2 §§ 112-13; Contra Apião 2.4 § 39.
15 1
A po c a l ips e 2.1-7
a. “Ao anjo da igreja em Éfeso, escreva.” Jesus instruiu João a escrever uma breve carta endereçada ao pastor da igreja em Éfeso. Esta igreja poderia ser denominada a igreja mãe na província da Ásia. É provável que os judeus tementes a Deus dessa província que volta vam para casa de sua visita ao Pentecostes em Jerusalém (At 2.9) fossem os primeiros crentes (discípulos, At 19.1) em Éfeso. Paulo e seus associados chegaram até ali a fim de pregar e ensinar as doutrinas de Cristo. E desde que alugara salas da escola de Tirano (At 19.9), os estudantes da Palavra saíam para muitas cidades daquela área promo vendo a expansão do evangelho. Na Igreja primitiva, as pessoas consi deravam Éfeso uma cabeça de ponte na província da Ásia, e daí ser ela a primeira entre as sete igrejas a receber uma carta. b. “Aquele que segura as sete estrelas em sua mão direita.” A primeira identificação de Jesus Cristo feita à igreja é significativa (1.16). Ainda quando a igreja de Éfeso seja a primeira entre as sete, seu pastor é posto no mesmo nível que as outras seis. Jesus diz que ele segura todas elas em sua mão protetora, pois ele é não só seu comissionador, mas também seu guardião. O verbo segurar significa que Jesus tem o máximo poder e autoridade para salvaguardar seus servos (comparar Jo 10.29). Na verdade, todo o seu povo está em sua mão, a fim de que nenhum dano ocorra a qualquer delas fora de sua vontade. c. “E [aquele que] anda no meio dos sete candelabros de ouro diz isto.” Os candelabros de ouro são os membros das igrejas, sobre quem os olhos de Jesus repousam incessantemente (1.12, 13, 20). Represen tam a noiva que aguarda a chegada do noivo, e o noivo espera que sua noiva permaneça fiel, verdadeira e pura. O simbolismo do texto mostra que Jesus quer que as igrejas deixem sua luz brilhar no meio das trevas, onde ele as colocou. Para dar significado adicional à tarefa das igrejas, ele lhes informa que está caminhando por entre elas. “Porque onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20). A luz se difunde partindo de Jesus para seus servos, que proclamam sua Palavra. E os pastores não são meramente portadores de luz, mas, como as estrelas, são doadores de luz. Eles transmitem a luz aos membros das igrejas, os quais, por sua vez, dissipam as trevas que os circundam. Jesus se dirige aos mensageiros das congregações locais, pois eles são responsáveis por levar a mensagem ao povo. Se falharem em o
A po c a l ips e 2.1-7
152
fazer, abafam a luz do evangelho e conservam os membros da Igreja na escuridão. “E como podem ouvir se não há quem lhes pregue?” (Rm 10.14). Jesus fala com autoridade e espera que os servos de sua Pala vra sejam seus embaixadores.
2. Conheço suas obras, seu trabalho árduo e sua perseve rança, e que você não pode tolerar malfeitores, que põe à prova os que dizem ser apóstolos, mas não o são, e descobriu que eram impostores. a. “Conheço suas obras, seu trabalho árduo e sua perseverança”. Jesus não diz que está meramente familiarizado com as obras deles; declara que tem um conhecimento detalhado de tudo o que estão fa zendo, porque nada escapa de sua atenção. Ele louva os efésios, como se faz evidente à luz de três substantivos: obras, trabalho e perseve rança. O pronome possessivo seu é significativo, e por causa de sua repetição enfatiza seu labor e atitude. Este pronome, contudo, está no singular, o que infelizmente o inglês [e também o português] não pode expressar. O uso do singular significa que o pastor a quem Jesus se dirige é responsável pelo bem-estar espiritual da igreja. Mas também com este singular Jesus fala a cada membro da igreja individualmente. O substantivo obras é abrangente e pode ser interpretado no sen tido tanto de feitos bons quanto de malfeitos. Aqui a ênfase é mais no aspecto positivo do termo do que no negativo. Boas obras consistem de trabalho, de um lado, e de perseverança, do outro. Trabalho inclui exercício físico e mental - ambos os quais geralmente são onerosos e exaustivos (comparar Hb 6.10; 10.32-34). A oposição de homens perversos, de apóstolos falsos e de nicolaítas indubitavelmente exauriu as energias dos membros da igreja efésia. Sua atitude era a de paciente tolerância e firmeza em face do conflito espiritual. Incidentemente, a palavra grega hyp o m o n ê, a qual traduzi por “paciente tolerância”, ocorre sete vezes no Apocalipse, e toda vez se refere à perseverança dos santos (1.9; 2.2, 3, 19; 3.10; 13.10; 14.12). Que significa paciente tolerância? É uma qualidade interior que se expressa em esperar por Jesus, em cuja ausência o crente firme mente testemunha em favor dele ao ponto de enfrentar a morte através de perseguição.10 10. Atribuído a Friedrich Hauck, TDNT, 4.588.
153
A po c a l ips e 2.1-7
b. “E que não pode tolerar malfeitores.” Um cristão que pratica boas obras através da paciência externa e interna não pode conformarse com os feitos de pessoas más em seu meio. O verbo grego dyriê, aqui traduzido por “é capaz”, está no singular. Isto é, o indivíduo cujo coração realmente se devota a servir ao Senhor não pode ceder espaço aos maus e àqueles que intencionalmente perpetuam o mal. A máxima de que Deus ama o pecador, porém odeia o pecado, é válida e é aplicada nesta passagem. Um seguidor de Cristo, porém, não pode tolerar malfei tores que se recusam a arrepender-se, porém persistem em fazer o mal. Quem são esses malfeitores? Se observarmos o paralelismo tipica mente hebraico que é usado para realçar ou clarificar um ponto, então veremos o correspondente na segunda parte deste versículo, isto é, os falsos apóstolos. João não comunica uma idéia de dois tipos distintos de malfeitores, mas apenas um. Os impostores são os malfeitores.1' c. “Que põe à prova os que dizem ser apóstolos, mas não o são, e descobriu que eram impostores.” Os cristãos efésios tinham que con frontar-se com missionários itinerantes que se ingressavam na igreja cinicamente e se chamavam apóstolos. Os seguidores de Cristo, po rém, provaram-nos e descobriram que eram falsos. Esses assim cha mados apóstolos pregavam um evangelho que não o de Cristo; não haviam sido designados por Jesus; e eram destituídos de autoridade para servirem a toda a Igreja (ver 2Co 11.13).12Nos dias de Paulo, os falsos apóstolos chegavam com recomendações fraudulentas e exigiam que ele demonstrasse seu apostolado com endosso (2Co 3.1). Entre tanto, Paulo apresentou as marcas de um apóstolo, isto é, a proclama ção de Jesus e seu evangelho; realiza sinais, prodígios e milagres; e os realiza com perseverança (2Co 11.4; 12.12). Os efésios testaram a doutrina e as obras desses apóstolos e descobriram que tais pessoas eram impostoras. 11. “A intolerância aqui comentada é dos malfeitores que alegavam ser apóstolos”, segundo Charles, Revelation, 1.50; ver também Henry Barclay Sw ete, Com m entary on Revelation (1911; reimp. Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 25; Alan F. Johnson, Revelation, em The E xpositor’s Bible Commentary, org. Frank F. Gaelelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.433; W illiam Hendriksen, M ais que Vencedores (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1987), p. 82. 12. Consultar Simon J. Kistemaker, Exposition o f the Second E pistle to the Corinthians, NTC (Grand Rapids: Kaker, 1997), p. 376; C. K. Barrett, “F1SEYAAITOSTO AOI (2Co 11.13)”, em E ssays on P aul (Filadélfia: Westminster, 1982), p. 92.
A p o c a l ips e 2.1 -7
154
Visto que Jesus faz menção dos nicolaítas nominalmente (v. 6) e registra sua presença também na igreja de Pérgamo (2.15), a sugestão de que essas pessoas eram os falsos apóstolos não é absolutamente fora de propósito. Não obstante, não temos certeza de que fossem originários da Palestina ou fossem enviados pelos judaizantes. Aproximando-se com pretensão e ostentação, depararam-se com sumária rejeição dos efésios, os quais odiavam suas práticas. Foram denominados impostores.
3. E você tem perseverado e suportado sofrimentos por causa de meu nome, e não tem desfalecido. a. Composição estilística. Ainda que muito mais no grego, mesmo na tradução a repetição das mesmas palavras é notável. Note os ter mos tem suportado e tolerância neste versículo; também ocorreram no versículo precedente na tradução “paciente tolerância” e “tolera do”. No final deste versículo, João escreve a frase não tem desfaleci do, a qual tem a mesma conotação que o substantivo “trabalho” (v. 2). b. Louvor. Jesus enalteceu a igreja de Éfeso por suas obras, traba lho árduo, tolerância, por testar a falsa doutrina e por chamar os mes tres impostores de intrusos. Agora ele sumaria sua atitude louvando-os por sua perseverança em suportar dificuldades em prol de seu nome. Essas palavras devem ser entendidas como uma referência à ação dis ciplinar que a igreja assumiu e deixou um exemplo para as demais igre jas para agirem da mesma forma. Entretanto, as congregações de Pérgamo e de Tiatira fracassam em desfazer-se dos intrusos (2.15). c. Nome. O testemunho que um cristão dá em favor de Jesus não significa mais que a pessoa do próprio Cristo. O nome cristão implica que alguém pertence e se identifica plenamente com Cristo. Isso signi fica que, se alguém ataca um cristão, ele ataca ao próprio Cristo (At 9.4). O inverso é igualmente verdadeiro: quando alguém assalta a Cris to, ele ofende o cristão. “Se vocês forem insultados por causa do nome de Cristo, são bem-aventurados, pois o Espírito de glória e de Deus repousa sobre vocês” (IPe 4.14).l3Se alguém rejeita a pregação do evangelho, esse mesmo sobrecarrega seu coração e peca contra Cris to. Quando atacam seu nome, mancham sua honra e pecam contra o mandamento de não usar em vão o nome do Senhor (Êx 20.7; Dt 5.11). Além disso, o cristão que falha em defender o nome de Jesus é igual mente culpado à vista do Senhor. Os crentes de Éfeso eram zelosos 13. Comparar também Isaías 66.5; Mateus 5.11; 10.22; 24.9; Lucas 6.22; Atos 5.41.
155
A po c a l ipse 2.1-7
desse nome e eram incansáveis em promover sua honra. Em oposição ao moto “César é Senhor”, ousadamente confessavam que “Jesus é Senhor”. Ao honrarem o nome de Cristo e prontamente suportarem perseguição e dificuldades, os efésios demonstravam que não chega ram à exaustão em sua vida espiritual. b. Censura
2 . 4 ,5 4. Contra você, porém, tenho isto: você abandonou seu pri meiro amor. Em vez de dar seguimento às suas palavras de louvor em favor da igreja líder na província da Ásia, Jesus disciplinou e admoestou os cris tãos efésios. Não obstante seus incessantes esforços em oposição aos homens maus que penetraram na igreja e subverteram seus membros, perseverando incansavelmente e suportando dificuldades por amor do nome de Cristo, algo estava errado em Éfeso. Não mais demonstravam o amor por Cristo que nutriam nos primeiros anos de sua história. Esses foram os dias em que Paulo pregava aquilo que lhes era proveitoso e ensinava publicamente de casa em casa por um período de três anos (At 20.20,21,31). Cerca de uma década depois, Paulo escreveu a Timóteo, que era pastor em Éfeso, e lhe disse que amar com um coração puro, com boa consciência e com fé sincera é o alvo da obra de Deus entre eles. Ele observou que alguns falsos mestres na congregação se devotavam a mitos e a genealogias intermináveis em vez dos requisitos do amor (lT m 1.4-6). Este é o amor recíproco na igreja de Éfeso, ou é o amor do cristão pelo Senhor? Jesus mesmo fornece a resposta ao sumariar o Decálogo, dizendo: “Ame o Senhor, seu Deus, de todo seu coração, de toda sua alma e de todo seu entendimento. Este é o primeiro e maior manda mento. E o segundo é semelhante a ele: Ame seu próximo como a si mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profe tas” (Mt 22.37-40). Com respeito ao Decálogo, Deus é o primeiro, e então seu povo, e o mesmo se dá em relação à Oração do Senhor. O amor genuíno por Deus leva instintivamente a expressar amor pelo pró ximo, enquanto amar o próximo é uma expressão do amor por Deus. Quando Jesus diz que os efésios haviam perdido seu primeiro amor, ele não quer dizer que eles viviam e agiam sem sentir amor por Deus ou
A p o c a l ips e 2.1-7
156
por seu próximo. Ele enfatiza o adjetivo primeiro. Com efeito, uma tradução literal seria: “Você abandonou seu amor, o primeiro [amor].” Havia desaparecido da congregação o viçoso verde da primavera, e agora prevaleciam as sombras furtivas que caracterizam o anúncio da chegada do outono. Expressando-o em termos diferentes, a igreja a que Jesus se dirigiu não mais consistia de crentes da primeira geração, mas de cristãos da segunda e terceira geração. Tais pessoas eram des tituídas do entusiasmo demonstrado por seus pais e avós. Não agiam como propagandistas da fé, mas como zeladores e guardiães. Houve uma óbvia deficiência na ação evangelística em resultado de um modo natural de pensar. Amavam o Senhor, porém não mais com o coração, com a alma e com a mente. A primeira geração fez um extraordinário esforço para que em Éfeso “a palavra do Senhor se difundisse amplamente e crescesse em poder” (At 19.20). Nos últimos anos, Paulo endereçou-lhes uma epís tola e os enalteceu por sua fé no Senhor Jesus e seu amor por seus irmãos cristãos (Ef 1.15). Os filhos e os netos dessas pessoas se opu nham à heresia e demonstravam persistência no preenchimento das necessidades da igreja, porém seu entusiasmo pelo Senhor tinha muito pouco de genuinidade.
5. Lembre-se, pois, do lugar do qual você caiu! Arrependase e pratique as obras que praticava no princípio. Se não se ar repender, virei a você e tirarei seu candelabro do lugar. a. Gramática. Os tempos do verbo grego neste versículo resultam de outro para enfatizar as ações sucessivas dos efésios. Primeiro, há uma ordem para aguçar a memória, a qual é dada no tempo presente como “conserve a lembrança”. Em segundo lugar, o verbo caiu, no pretérito perfeito, indica que transcorreu tempo considerável desde que começou o declínio. De passagem, o tempo parece apoiar não uma data precoce, mas uma tardia, para o Apocalipse. Em terceiro lugar, a ordem para arrepender-se está no tempo aoristo, significando uma ação única que está para terminar uma vez por todas. Em quarto lugar, o mesmo se dá no caso da ordem para se realizar as obras que as pesso as fizeram no início; seu arrependimento deve estar em harmonia com sua decisão de agir com o mesmo entusiasmo que seus predecessores. Em quinto lugar, a ameaça, virei, ainda que traduzida no futuro, real mente está no presente, indicando ação imediata. Em sexto lugar, o
157
A po c a l ipse 2.1-7
verbo removerei, no futuro do indicativo, subentende que a ameaça não é apenas uma possibilidade, mas uma certeza, caso o arrependimento não se concretize. E, por último, o verbo arrepender-se, na segunda sentença, é dado como uma cláusula de escape. b. Ordem. O Senhor aponta não só para as faltas deles; mostralhes também como corrigi-las. Após criticar negativamente sua situa ção espiritual, ele lhes ordena positivamente que a restaurem. Preci sam lembrar-se constantemente de sua posição anterior, renovando sua própria história eclesiástica e recordando o que seus antepassados fize ram na igreja há quarenta anos; e assim que recordarem sua história, devem reconhecer que mudaram para pior. A radiância de seu ardor espiritual se desvanecera. Aliás, sua realização sem brilho fez com que perdessem seu lugar de proeminência entre as igrejas. Fracassaram em sua anterior hegemonia e perderam sua excelência moral. Quando Jesus afirma: “E pratique as obras que praticava no princí pio”, ele tem em mente não as obras que os efésios estiveram pratican do até então, mas, antes, as obras de amor por Cristo. A ênfase recai não na palavra obras, mas na expressão no princípio. Assim como ele perguntara a Pedro na praia do lago da Galiléia: “Simão, filho de João, você realmente me ama mais que estes?” (Jo 21.15), assim ele faz com os membros da igreja em Éfeso acerca de sua devoção indivisa. De vem mudar seu estilo e conduta de vida, isto é, devem arrepender-se e volver 180 graus completos. c. Ameaça. Não obstante, se falharem em corresponder à reite rada chamada de atenção de Jesus a que se arrependam, o Senhor tomará medidas drásticas. Ele está vindo, e já está a caminho, para visitá-los; ele não esperará até sua vinda para a consumação. E mes mo antes de sua vinda final os efésios não mais serão uma igreja.14 Jesus rem overá o candelabro de seu lugar, significando que, como congregação, experimentarão uma completa hecatombe. Uma igreja cessa de ser igreja quando ela não mais serve a seu M estre com genuíno amor e dedicação. Há inclemente evidência de que o cristia nismo nominal enfrenta uma morte natural dentro de uma ou duas 14. Gregory K. B eale, The Book o f Revelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 232. 15. Em sua própria maneira característica, M artinho Lutero observou: “Hin ist hin, jetzt haben sie den Türken” (Se vão com pletamente e agora têm os turcos [isto é, os
A po c a l ips e 2.1-7
158
gerações, e, conseqüentem ente, sai com pletam ente de cena.15 Os membros podem ainda congregar-se, porém se reúnem para propósitos sociais, e não espirituais. Uma década após João haver escrito o Apocalipse, Inácio escreveu uma carta à igreja de Éfeso, na qual ele enaltece os cristãos locais por sua perseverança e sua resistência aos enganos. Ele nota que algumas pessoas da Síria se transferiram para Éfeso com ensinos nocivos, porém os efésios se recusaram a dar-lhes ouvidos. Ele os elogia por serem de uma só mente com os apóstolos no poder de Jesus Cristo.16Evidente mente, as pessoas tinham levado a sério as palavras de Jesus. c. Promessa 2.6,7
6. Entretanto, há uma coisa a seu favor: você odeia as práti cas dos nicolaítas, as quais eu também odeio. Os efésios não vacilaram em questões doutrinais, porquanto per maneceram fiéis aos ensinamentos da Palavra de Deus. Ainda que Jesus tenha censurado os membros da igreja de Éfeso, pastoralmente os enaltece, elogiando-os por sua fidelidade à sua Palavra. Fizeram oposição aos falsos apóstolos e despacharam esses homens perversos de seu meio (v. 2). Agora Jesus insere que os crentes efésios odiavam as obras dos nicolaítas, e acrescenta que ele odeia igualmente essas obras. Note que o ódio é direcionado para as obras, não para pessoas. Jesus odeia o pecado, porém estende seu amor para o pecador. Enquanto o pecado é uma afronta à sua santidade, a missão de Jesus é conduzir os pecado res ao arrependimento (Lc 5.32). Quem eram os nicolaítas? Três opiniões sobre esta pergunta se restringem ao campo das conjeturas, porquanto no Apocalipse os deta lhes são escassos. Primeiro, na Igreja primitiva Irineu ensinava que os nicolaítas eram seguidores de Nicolau, um convertido ao judaísmo que muçulmanos do século 16]). Por certo que hoje essa observação profética é relevante e pode ser traduzida assim: “Quando uma igreja desaparece, o islã assume seu lugar.” Com agradecimento a R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. Joh n ’s R evelation (Columbus: Wartburg, 1943), p. 89. 16. Inácio, Efésios 3.1; 6.2; 8.1; 9.1; 11.2. Consultar Ramsay, L etters to the Seven Churches, p. 241.
159
A po c a l ips e 2.1-7
fora designado diácono (At 6.5).17 Em segundo lugar, outros vêem tais pessoas como sendo gnósticas, seita que procurava infiltrar-se nas igrejas.18Por último, com base na exegese, ainda outros asseguram que os nicolaítas eram pessoas que seguiam os ensinamentos dos falsos apóstolos e de Balaão. Esse pressuposto desfruta de mérito, pois em estilo tipicamente hebraico João escreve na forma de paralelismo para realçar um ponto. Os falsos apóstolos buscavam escravizar a mente das pessoas com suas doutrinas enganosas; os seguidores de Balaão tentavam conquistar pessoas através da fraude; e o nome grego, Nikolaos, significa “ele conquista pessoas”. À guisa de comparação com o que se diz sobre os seguidores de Balaão (2.14) e de Nicolau (2.6, 15), presumimos que esses enganadores pertenciam ao mesmo grupo.19Não obstante, admito que não há certeza sobre este ponto. Em vista da ausência de informação nas cartas às igrejas de Éfeso e de Pérgamo, só podemos conjeturar que o estilo de vida dos nicolaítas se caracterizava pela imoralidade, pela participação em comer alimen to oferecido aos ídolos e pela perversão da verdade (2.14-16). Os cristãos de Pérgamo e de Tiatira se digladiavam com as mes mas doutrinas e estilo de vida fraudulentos (2.14-16,20-24). Não obstante, nessas igrejas muitos sucumbiram ante as fascinações dos intrusos e, subseqüentemente, receberam palavras de repreensão por seu fracas so em seguir Jesus. 17. Irineu, C ontra H eresias 1.26.3; e 3.11.1; ver também H ipólito, Refutação d e todas as H eresias 7.24. 18. Elisabeth SchiisslerFiorenza, The B ook o f Revelation: Justice and Judgm ent (Fila délfia: Fortress, 1985), pp. 116-17; Hommer Hailey, R evelation: An Introduction and C om m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 123, 124; Johnson, R evelation , p. 435. Outras sugestões são formuladas por R. Heiligenthal, “Wer waren die ‘N ikolaiten’ ? Ein Beitrag zur Theologiegeschichte des frühen Christentums”, ZNW 82 (1991): 133-37; W. M. Mackay, “Another Look at the N icolaitans”, EvQ 45 (1973): 111-15. 19. Charles, R evelation, 1.52-53; Philip Edgcumbe Hughes, The Book o f the Revelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 37; Hemer, L etters to the Seven Churches, p. 89; Richard Baudkham, The Theology o f the B ook o f R evelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), p. 124. Comparar Terence L. Donaldson, “Nicolaitans”, ISBE, 3.534. Outros contes tam. Ver Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimp., Grand Rapids: Baker, 1979), p. 460; também os comentários de Lenski, p. 90; Sw ete, p. 28; Thomas, 1.149. Aune observa: “Balaão é um nom e pejorativo, enquanto Nicolau é um nom e honroso.” Ver seu R evelation 1 -5 , p. 149.
A p o c a l ips e 2.1-7
160
7. Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igre jas. Ao vencedor darei permissão de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus. a. “Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.” A fórmula “aquele que tem ouvidos ouça” foi emitida pelos lábios de Je sus durante seu ministério terreno.20Aqui uma versão extensa aparece com as palavras “o que o Espírito diz às igrejas”, ocorrendo em cada uma das sete cartas (2.7,11, 17, 29; 3.6, 13,22). Esta expressão prece de uma promessa em 2.7,11 e 17, e segue uma promessa em 2.29; 3.6, 13,22. A primeira parte desta sentença é um expressão idiomática e se refere à capacidade de uma pessoa ouvir, e uma disposição acompa nhante de dar ouvidos. A segunda parte é uma ordem para ouvir atenta e obedientemente as palavras do Espírito Santo. Jesus fala através do Espírito, como se faz evidente em outras passagens da Escritura (Jo 14.26; 15.26; 16.13,14; At 2.33). A mensagem é dirigida não só à congregação de Éfeso, mas a todas as igrejas. Em outros termos, a mensagem se destina à Igreja universal de todas as eras e lugares. Aqui, pois, está uma prova adicio nal de que a carta a Éfeso não foi enviada separadamente, mas foi entregue a toda a Igreja juntamente com as outras cartas. b. “Ao vencedor darei permissão de comer da árvore da vida, que está no paraíso de D eus.”21 Uma palavra-chave nesta sentença é a expressão vencer, que no grego está no particípio presente: “Aquele que vencer” . Este não é um pretérito ou tempo perfeito como uma ação completa, mas uma realização corrente e contínua, isto é, “o con flito e as provações da presente vida neste mundo e nas igrejas não são finais. A vitória antecipada da Igreja tem seus fundamentos postos na vitória já conquistada por Jesus.”22Cristo venceu a guerra, mas ela 20. Mateus 11.15; 13.9,43; Marcos 4 .9 ,2 3 ; Lucas 8.8; 14.35; ver também Apocalipse 13.9. 21. Charles, o qual conjetura que as cartas individuais foram enviadas em uma data precoce às sete igrejas, afirma que esta sentença foi “adicionada provavelm ente por nosso autor quando editou as visões com o um todo”. Ver seu Revelation, 1.53. As conjeturas só são dignas de consideração quando fracassam todas as soluções a um ponto crucial. Aqui, contudo, não temos nem m esm o um ponto crucial. Ver também S. Greijdanus, D e O penbaring des Heeren aan Johannes, KNT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 62. 22. Walther Günther, NIDNTT, 1.651.
161
A po c a l ips e 2.1-7
ainda não terminou. Não só os mártires, mas cada crente está pessoal mente engajado nessa guerra contra Satanás e seus correligionários. Portanto, cada seguidor de Cristo recebe a promessa de vida eterna e todas as demais promessas que ele faz ao crente (2.10, 17, 26; 3.5, 12, 21). Todas essas promessas são feitas ao vencedor, isto é, a cada cren te genuíno.23 Jesus promete ao vencedor o direito de comer da árvore da vida. Ao referir-se à árvore da vida, ele efetivamente leva o leitor de volta aos primórdios da história humana. Depois que Adão e Eva pecaram, Deus os expulsou do Jardim do Éden e colocou ali um anjo com uma espada flamejante para guardar a árvore da vida (Gn 2.9; 3.22,24). Ao guardar aquela árvore, Deus impediu nossos antepassados de come rem do fruto da árvore da vida, e assim de viverem eternamente no estado destituído de redenção no qual subsistem os anjos apóstatas. A redenção de seu povo, a qual Jesus Cristo conduz à plenitude na consu mação, inclui a promessa de que todo o que vencer comerá da árvore da vida que está no paraíso (Ap 22.2, 14, 19). O termo grego para paraíso ocorre somente três vezes na Escritu ra (Lc 23.43; 2Co 12.4; Ap 2.7). Em Gênesis aparece a expressão Jardim do Éden, a qual na tradução grega do Antigo Testamento se converte em paraíso. Derivada da Pérsia antiga, esta palavra descre ve um parque num vale como um lugar de bênção. No Antigo Testa mento, ela subentende um lugar de deleite, sem a contaminação do pecado. Ela ocorre do princípio ao fim da Escritura.24A palavra des creve a vida abençoada que os crentes terão com Cristo no novo céu e na nova terra. O paraíso de Deus é semelhante, mas também é bem diferente do Jardim do Éden que Deus criou para Adão e Eva.
Nota Adicional sobre 2.1-7 A igreja de Éfeso fora abençoada com pastores excelentes, dentre os quais Paulo e João foram apóstolos de Jesus, e Timóteo um cooperador apostólico. Sabemos que Paulo viveu em Éfeso durante três anos (52-55 d.C.), e que Timó teo ministrou ali durante os anos 60. Presumimos que João tenha deixado 23. Atribuído a Beasley-M urray, Book o f Revelation, p. 78; Stephen L. H om ey, “To Him W ho Overcomes: AFresh Look at What ‘Victory’ Means for the Believer According to the B ook o f Revelation”, JETS 38 (1995): 193-201. 24. Ver também G ênesis 2 .15,16; 3 .3 ,8 ,1 0 ,2 4 ; 13.10; Ezequiel 28.13; 3 1 .8 ,9 ; Joel 2.3.
A po c a l ip s e 2.1-7
162
Jerusalém no final dos anos 60 e fixado residência em Éfeso, onde passou o resto de seus dias, exceto por sua breve estada na ilha de Patmos. Ainda que os crentes tenham sido espiritualmente moldados por esses três homens, co meçaram a declinar em seu amor por Cristo. E ainda que João, como o apóstolo do amor, tenha ordenado que as pessoas amassem umas às outras (ver 1Jo 4 .7 12), não ele, mas Jesus, dirigiu-se aos efésios e os censurou por apartar-se de seu primeiro amor. Jesus, como o Supremo Pastor e Bispo de seu rebanho (1 Pe 2 .2 5 ; 5 .4 ), está caminhando no meio de sua Igreja (2 .1 ). O corpo de Jesus é a Igreja, e não uma sociedade; é um organismo, e não uma organização; é um ser vivo, e não uma entidade formal. Enquanto uma sociedade ou organização pode ser determinada a deixar de pagar seus impos tos e cumprir seus deveres, os membros do corpo de Cristo deixam se ser uma Igreja quando cessam de difundir a luz do evangelho. A palavra church em inglês (Kirche em alemão, kerk em holandês) é oriunda do termo grego kyriakê, que significa “pertencente ao Senhor”. Os idiomas românicos usam derivati vos do grego, ekklêsia , que significa povo de Deus chamado do mundo (église em francês, iglesia em espanhol, igreja em português e chiesa em italiano). Daí, aquelas pessoas que edificam o corpo vivo de Jesus Cristo são a Igreja, porque pertencem a ele.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 2.3-7 Versículo 3 Os tempos verbais neste versículo são significativos: “você tem [exeiç] paciência” é presente; “você tem tolerado [ è p á o T a o a ç ] ” é aoristo; e “você não se desfaleceu [KeKOiríaKeç]” é perfeito. O aoristo pode ser interpretado como constativo, de modo que os três tempos revelam duração.
Versículo 5 Este versículo caracteriza sete verbos dos quais somente dois têm o mes mo tempo e modo. A primeira palavra em uma sentença grega sempre recebe ênfase: livrpóveue - lembre-se! Este é um imperativo no tempo presente para denotar ação contínua. O segundo é m m uKaç, que está no perfeito para impli car que a queda dos efésios começou no passado e continua no presente. O terceiro e o quarto verbo estão no imperativo aoristo e transmitem a ordem de obedecer uma vez por todas: [iíxavór\aov (arrependa-se!) e TraLipov (pratique!). O quinto verbo, que está no tempo presente, ep%o|iai (estou vindo), porém, denota uma ação futura, é seguido por luvípco (removerei), que comunica a idéia de certeza. O sétimo verbo, que está como último na sentença à guisa de ênfase, é repetitivo de certo modo (neTavoipriç, arrependa-se), porém está ex presso no subjuntivo aoristo.
163
A po c a l ips e 2.8-11
Versículo 7 roü t;úÂou tf)ç Çcofjç - “a árvore da vida.” Esta frase tem sido tomada da Septuaginta, de Gênesis 2.9; 3.22, 24. Deve ser entendida como uma frase escatológica (Ap 22.2,14,19; comparar Ezequiel 47.12). “A presença da cruz de Cristo não é ainda evidente nestas passagens do Apocalipse.”25
8 E ao anjo da igreja em Esmirna, escreva: Diz isto o Primeiro e o Último, que esteve morto e está vivo: 9 Conheço sua tribulação, sua pobreza (mas você é rico) e a blasfêmia dos que se dizem judeus e não o são, porém são sinagoga de Satanás. 10 E não tenha medo de tudo o que você está para sofrer. Eis que o diabo está para lançar alguns de vocês na prisão, para que sejam provados, e terão tribulação por dez dias. Seja fiel até a morte, e lhe darei a coroa da vida. 11 Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Aquele que vencer não sofrerá dano da segunda morte. 2. Esm irna
2 . 8-11 A Cidade Esmirna (moderna Izmir), localizada na costa Ocidental da Ásia Menor, tem um porto discreto de frente para uma baía cuja brisa re fresca a cidade durante os meses de verão escaldante e está suprida de um clima aprazível. O porto estimulava a indústria e o comércio, que desenvolveram a cidade de Esmirna numa metrópole comercial. Uma estimativa de sua população nos dias de Paulo atinge a cifra de 250.000 habitantes, a qual nos tempos modernos pode ser quase duplicada. Era uma cidade próspera que ficava no final de uma rodovia principal que cortava os campos férteis do vale Hermo. Politicamente, a cidade bandeou para os romanos e veio a ser um aliado leal. Já em 195 a.C., ela edificou um templo a Dea Roma, a deusa de Roma. Em 26 d.C., ela dedicou um templo ao imperador Tibério e se gabava de ser a principal no culto ao imperador. Essa jactância agradou aos administradores romanos, os quais fomentavam a paz e a unidade que caracterizavam o espírito de Roma por todo o império. William Barclay escreve que, para tomar o espírito de Roma tangível, os romanos apresentaram o imperador como sendo sua incorporação, e 25. H einz-W olfgang Kuhn, E D N T, 2.487. Hemer (L eiters to the Seven Churches, pp. 43, 44) não é hostil em colocar “a Cruz no Paraíso de D eus”.
A p o c a l ip s e 2.8-11
164
assim surgiu o culto ao imperador. Ainda que alguns dos primeiros im peradores discordassem de tal culto, a população o ativou ao ponto de tornar os imperadores divinos.26 Os escritores de um passado longínquo enalteceram Esmirna como a cidade mais bela com respeito aos seus edifícios, templos de Zeus e Sibele, e o traçado de suas ruas. Ela era conhecida como “a coroa de Esmirna”. O nome se originou dos edifícios da cidade, cujo aspecto simétrico tinha a forma de uma coroa.27Mas, além dos edifícios e do traçado da cidade, a natureza também contribuiu para a beleza de Esmirna. A cidade era abençoada com muitos bosques de árvores, en tre as quais árvores cujo resina produzia uma goma aromática de um castanho avermelhado ou castanho amarelado chamada mirra. A pala vra mirra (grego smyrna) aparece no Novo Testamento como um dos presentes preciosos que os homens sábios do Oriente levaram a Jesus e como um ingrediente usado no processo de embalsamamento que Nicodemos levou ao túmulo de Jesus (Mt 2.11; Jo 19.30; ver também Êx 30.23; SI 45.8; Ct 5.5, 13). A população judaica de Esmirna era de bom tamanho, pois são mencionados como uma força que se opunha hostilmente à igreja local. Caluniavam os primeiros crentes, denominando-se judeus, mas na rea lidade pertenciam à sinagoga de Satanás, e moviam perseguição contra os seguidores de Cristo (vs. 9, 10). Por que tão aferradamente se pu nham contra a igreja não é possível responder. Enquanto os membros da igreja de Esmirna eram afligidos pela pobreza, os judeus tinham ri quezas. Por exemplo, segundo uma inscrição do segundo século, os judeus de uma só vez doaram a soma de dez mil denários para um projeto de embelezamento da cidade de Esmirna.28 O registro de sua oposição ao Cristianismo está conectado com o martírio de Policarpo, que em 23 de fevereiro de 155 foi morto devido a sua recusa de negar o nome de Jesus. Ele fora bispo de Esmirna por muitas anos. Como um santo já idoso, ele respondeu ao procônsul que lhe 26. Barclay, L etters to the Seven Churches, p. 32. Comparar Edward M. Blaiklock, “Smyrna”, ZPEB, 5.462. 27. Hemer, L etters to the Seven Churches, p. 60; Ramsay, Letters to the Seven Churches, pp. 256-57. 28. Ramsay, L etters to the Seven Churches, pp. 272, 444 n. 3; W illiam Barclay, The Revelation o f John, T ed. (Filadélfia: Westminster, 1960), 1:92.
165
A po c a l ips e 2.8-11
dava a escolha de amaldiçoar o nome de Jesus e viver, ou confessar seu nome e morrer: “Servi a Cristo durante oitenta e seis anos, e ele nunca me fez mal. Como posso blasfemar meu Rei que me salvou?”29 Por isso o procônsul o sentenciou a morrer na estaca. O registro indica que os judeus tomaram a dianteira, ajuntando lenha para o fogo. Ainda que fosse o sába do, deliberadamente carregaram feixes de lenha e transgrediram a lei.30 Não se pode estabelecer com precisão uma data para a fundação da igreja de Esmirna. Judeus devotos da província da Ásia estiveram na festa de Pentecostes em Jerusalém, quando o Espírito Santo foi derramado (At 2.9), e alguns deles poderiam ter saído de Esmirna e na volta levado o evangelho a sua cidade natal. Alternadamente, quando Paulo foi a Éfeso no início dos anos 50, ele ou seus associados poderi am ter instituído a igreja em Esmirna. A carta de Policarpo à igreja em Filipos poderia indicar que o conhecimento de Cristo ainda não havia chegado a Esmirna quando Paulo, em 62, escreveu sua carta aos filipenses: “Pois ainda não o [Cristo] conhecíamos.”31Inácio, bispo de Antioquia da Síria, foi levado a Roma como mártir em 110. De cami nho, ele se deteve em Esmirna, onde escreveu quatro cartas às várias igrejas; e depois, quando descansou em Trôade, escreveu outras três cartas; uma delas foi endereçada à igreja em Esmirna. A Carta
8. E ao anjo da igreja em Esmirna, escreva: Diz isto o Pri meiro e o Ultimo, que esteve morto e está vivo. Jesus ordena a João a escrever uma carta ao pastor da igreja de Esmirna, e se identifica como “o Primeiro e o Último” (1.17; 22.13). Esta frase constitui a auto-identificação de Deus, que fala a Israel: “Isto é o que diz o S enhor - Rei e Redentor de Israel, o Senhor TodoPoderoso: Eu sou o primeiro e eu sou o último; além de mim não existe Deus” (Is 44.6; 48.12; ver também 41.4). Com a expressão “o Primei ro e o Ultimo”, Jesus define sua divindade como sendo igual em poder e autoridade à de Deus (incidentemente, à parte das palavras “por dez dias”, no versículo 10, as quais são um eco de Daniel 1.12 e 14, não existem outras alusões ao Antigo Testamento na carta a Esmirna.) 29. Eusébio, H istória E clesiástica 4.15.25. 30. Martyrdom o f Polycarp (comparar 8.1 com 13.1). 31. Policarpo aos F ilipenses 11.3.
A p o c a l ip s e 2.8-11
166
Entretanto, Jesus acrescenta a sua auto-identifícação na frase: “que esteve morto e que está vivo” (1.18). Ele é aquele que morreu na cruz do Calvário, venceu a morte e está vivo. Por todo o Apocalipse, está compreendido o contraste entre Deus e Satanás, Cristo e o Anticristo. Portanto, o Anticristo, surgindo como a besta que emerge do mar, tinha uma ferida mortal e contudo viveu (13.3, 12 e 14). Esta descrição do Anticristo revela sua insidiosa imitação da morte e ressurreição de Cris to.32 A diferença entre Cristo e o Anticristo consiste em que Cristo venceu a morte, tem as chaves da Morte e do Hades e, como aquele que vive, comunica vida a seu povo. A besta, isto é, o Anticristo, ferida à espada, é lançada viva, com o falso profeta, no lago de fogo que arde com enxofre (13.14; 19.20).
9. Conheço sua tribulação, sua pobreza (mas você é rico), e a blasfêmia dos que se dizem judeus e não o são, porém são sina goga de Satanás. a. Conheço sua tribulação, sua pobreza (mas você é rico).” Jesus se dirige a cada crente individualmente usando o pronome possessivo singular sua, isto é, ele está plenamente cônscio da tribulação e da pobreza que cada cristão em Esmirna tem suportado em prol do nome de Cristo. A palavra tribulação realmente significa viver sob opres são, em aperturas extremas. Além disso, uma conduz à outra: a opres são resulta em pobreza, quando trabalho e recursos são boicotados por causa do testemunho que alguém dá em favor de Cristo. Os crentes de Esmirna poderiam ter experimentado o confisco de seus bens terrenos, pois a expressão pobreza é a tradução do termo grego p tõ ch e ia , o qual se refere à desprezível pobreza de um mendigo. Paulo escreve aos coríntios acerca dessa condição, quando nota que Jesus Cristo, “ainda que fosse rico, contudo se fez pobre por causa de vocês, para que, através de sua pobreza, vocês viessem a ser ricos” (2Co 8.2, 9). Jesus sublinha essas palavras dizendo a seu povo em Esmirna que eram espi ritualmente ricos. Isso não significa que os crentes devam atrair perse guição e dificuldades a fim de ficarem ricos de possessões espirituais; antes, Jesus quer que sejam fiéis, a ele e à sua palavra, mesmo quando passam por dificuldades e abusos, porque então serão espiritualmente bem-aventurados (Mt 5.11, 12; Tg 2.5). 32. Consultar Richard Bauckham, The Clim ax o f Prophecy: Studies on the B ook o f R evelation (Edimburgo: Clark, 1993), pp. 4 3 2 ,4 3 3 .
16 7
A po c a l ips e 2.8-11
b. “E a blasfêmia dos que se dizem judeus e não o são.” Jesus falou acerca de blasfêmia contra si e contra o Espírito Santo no con texto de expulsão de um demônio numa pessoa que era cega e muda (Mt 12.22-32). Quando o homem chegou a ver, ouvir e falar, o povo perguntou a seus líderes espirituais se Jesus porventura seria o filho de Davi (o M essias). Os fariseus e os mestres da lei, porém, disseram à multidão que “esse sujeito” (Jesus) estava expulsando demônios no nome de Belzebu (Satanás). Os clérigos de Israel deveriam ser os primeiros a reconhecer o Messias quando Jesus curou um cego. Isaías reiteradamente profetizou acerca do Messias, dizendo que em sua vinda ele abriria os olhos dos cegos (Is 29.18; 32.3; 35.5; 42.7; com parar Mt 11.5). Além do mais, aos judeus foram confiadas as próprias palavras de Deus (Rm 3.2), de modo que deveriam ver as promessas messiânicas cumpridas em Jesus Cristo. Em vez disso, tornaram-se, e ainda continuam, veementemente oponentes dele e de sua doutrina. Conhecer a verdade acerca de Deus e negá-la intencionalmente equi vale a blasfêmia. Os judeus experientes na tradição rabínica conheciam o significado de blasfêmia: “O Santíssimo, bendito seja ele, perdoa tudo, porém toma imediata vingança da profanação [isto é, blasfêmia] do Nome.”33Fa ziam rodeios ao pronunciarem o nome de Deus, chamando-o Senhor (Adonai). Jesus, porém, como o Messias, usufruía de divindade e auto ridade em pé de igualdade com Deus, de modo que alguém que, cons cientemente, o rejeitasse seria culpado de blasfêmia. Os judeus de Esmirna se recusaram a reconhecer Jesus como seu Messias e o amal diçoaram juntamente com seus seguidores. Jesus não mais chamava tais pessoas de judeus, isto é, filhos espirituais de Abraão. Os cristãos agora passaram a ser chamados filhos e filhas de Abraão no lugar deles, e os judeus que rejeitaram a Jesus fizeram aliança com o diabo. c. “Mas [eles] são sinagoga de Satanás” (ver 3.9). Os romanos tinham concedido aos judeus em Israel e os da dispersão a isenção das práticas religiosas romanas. Deram-lhes o direito de observarem sua própria religião, a qual era conhecida como uma religio licita (uma religião tolerada). Quando o Cristianismo veio à existência no Pente33. Sifre sobre D euteronom io 32.28 (final); W illiam L. Lane, The G ospel accordin g to M ark, NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), p. 145; Hans Wahrish e C olin Brown, NIDNTT, 3.344.
A p o c a l ip s e 2.8-11
168
costes (At 2.1), os cristãos estavam a salvo sob esta proteção romana outorgada aos judeus até a destruição do templo em 70 d.C. Desde então os judeus passaram a figurar entre os primeiros a acusar os cris tãos aos romanos; diziam que os cristãos honravam como Senhor a Jesus, e não a César. Conseqüentemente, os cristãos não mais desfru taram de proteção civil, mas foram caluniados, perseguidos e com freqüência assassinados. Aqueles judeus que falsamente acusavam os seguidores de Cristo aos romanos, e intencionalmente os oprimiam, na verdade eram agentes de Satanás, os quais vieram a ser os líderes de sua sinagoga. Não equivale a dizer que todos os judeus rejeitaram a Jesus e que Satanás governava todas as sinagogas. Na província da Ásia, Jesus descreveu Esmirna e Filadélfia como lugares onde Satanás instigava a blasfêmia e se estabelecia nas sinagogas locais (2.9; 3.9). Naquelas duas cidades havia também igrejas às quais Jesus elogiou sem pronunciar sequer uma palavra de censura ou correção. Realmen te nos lugares mais trevosos a luz brilha com mais intensidade.
10. E não tenha medo de tudo o que você está para sofrer. Eis que o diabo está para lançar alguns de vocês na prisão, para que sejam provados, e terão tribulação por dez dias. Seja fiel até a morte, e lhe darei a coroa da vida. a. “E não tenha medo de tudo o que você está para sofrer.” Uma vez mais, Jesus pronuncia as palavras “não tenha medo” (1.7). Agora, ao falar a cada crente individualmente, ele expande a expressão “não tenha medo de tudo”. Aquele que está no pleno controle de cada situa ção sabe o que jaz adiante de seu povo; ele revela que estão para entrar num período de sofrimento. b. “Eis que o diabo está para lançar alguns de vocês na prisão, para que sejam provados.” Os cristãos de Esmirna devem estar plenamente cientes de que estão enfrentando uma guerra espiritual na qual estão frente a frente com o diabo. Daí, recebem a ordem de se porem em alerta, pois o diabo incitará as autoridades para que algumas das pesso as da congregação sejam presas com a distinta possibilidade de serem entregues à morte. Isso infligirá medo no coração dos crentes, os quais podem estar prontos a enfrentar o confisco de propriedades e bens, a pobreza extrema e a calúnia. Mas o encarceramento, às vezes sem julgamento, pode resultar em morte. Jesus diz que essa ameaça a suas vidas é para provar sua fé nele.
169
A po c a l ips e 2.8-11
A prisão pode ser uma medida para subjugar uma pessoa rebelde, uma interrupção enquanto a pessoa culpada aguarda o julgamento, ou um prelúdio à sua execução. O contexto do versículo 10, “seja fiel até a morte”, denota que o encarceramento dos cristãos será um “período intermediário de sofrimento na antecipação do martírio”.34 c. “E você terá tribulação por dez dias.” Esta é a segunda vez que o termo tribulação ocorre (v. 9). Aqui, porém, sua duração é específi ca: por um período de dez dias. No Apocalipse, o número dez comunica o significado de plenitude no sistema decimal. E um número simbólico para expressar a completude do período de sofrimento, o qual nem é longo nem curto, mas completo, pois seu término é certo.33 d. “Seja fiel até a morte, e lhe darei a coroa da vida.” Ao longo da história de Esmirna, seus cidadãos tinham sido fiéis primeiramente aos gregos e então aos romanos. Fidelidade a Roma era uma característica bem notória do povo de Esmirna, mas agora Jesus convoca esses segui dores a serem fiéis a ele. Jesus é chamado “o fiel” (1.5; 3.14; 19.11), e assim é Antipas, o mártir de Pérgamo (2.13). Agora se pede aos santos de Esmirna que paguem por sua fidelidade com sacrifício até a morte. Em vista do traçado da cidade de Esmirna, os comentaristas não vêem problema na conexão entre a coroa da cidade e a coroa prometi da aos fiéis seguidores de Cristo. Mas as palavras de Jesus são “a coroa da vida”, a qual lhes era diferente e significativa. A frase prova velmente era idiomática - ela ocorre também em Tiago 1.12 - e pode ser traduzida “a coroa, isto é, a plenitude da vida”. Ela é um emblema da “mais elevada alegria e felicidade, e de glória e imortalidade” .36 Se os santos de Esmirna pagarem com sua vida o testemunho que deram de Jesus, receberão vida imperecível em glória eterna.
11. Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igre jas. Aquele que vencer não sofrerá dano da segunda morte. A repetição da primeira sentença enfatiza uma vez mais a obra do Espírito Santo na comunicação da mensagem de Cristo às igrejas. Note 34. Hemer, L etters to the Seven Churches, p. 68; ver também Ramsay, Letters to the Seven Churches, pp. 273-74. 35. Atribuído aos com entários de Beckwith (pp. 254, 454); Greijdanus (p. 69); Hailey (p. 127); Hendriksen (p. 86), entre outros. 36. Richard C. Trench, Synonym s o f the N ew Testament, org. Robert G. Hoerber (Grand Rapids: Baker, 1989), p. 94-95.
A p o c a l ip s e 2.8-11
170
que esta carta não é endereçada só à congregação de Esmirna, mas a todas as igrejas, de modo que a carta, juntamente com as outras, cons titui uma mensagem universal. E uma vez mais o verbo vencer aparece na forma de promessa. Ao vencedor é dada a promessa de não ser afetado pela segunda morte. A prim eira morte significa o falecimento físico de alguém; a segunda morte é a eterna separação de Deus (ver 20.6, 14; 21.8). Os santos podem sofrer morte física nas mãos dos perseguidores, mas nunca serão separados de Deus. À guisa de contraste, os descrentes serão lançados no lago de fogo (20.14) e sofrerão morte eterna. Isso significa que não experimentarão aniquilamento, mas castigo que ja mais terá fim.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 2.9-11 Versículo 9 t á ê p y a kcú - a maioria dos textos acrescentou essas palavras em confor midade com 2.2,19; 3.1,8,15. Sua inserção, contudo, é mais fácil de explicar que sua omissão. Seguindo a regra de que a redação mais difícil seja provavelmente a original, optei por sua inclusão. aou - o pronome possessivo controla os substantivos tribulação e po breza. Precedendo-os, ele põe ênfase adicional nesses substantivos: sua tri bulação e sua pobreza.
Versículo 10 |ir|ôév - alguns manuscritos trazem a redação |ir|, mas esta indubitavelmente é uma revisão baseada no vocabulário semelhante em 1.17. íõoú - este imperativo médio aoristo, por causa de seu freqüente uso no grego coinê, veio a ser uma partícula demonstrativa que chama o ouvinte ou o leitor a prestar atenção: Eis! Ocorre 26 vezes só no Apocalipse, e mais freqüente mente nos Evangelhos de Mateus e Lucas. e^ete - há variantes que têm o tempo presente ou no indicativo, ou no subjuntivo, exryte. A redação original é difícil de determinar, pois um bom caso pode ser feito para cada uma das variantes. t ov aiáíjjavov rfjç Çwf|ç - o genitivo pode expressar qualidade ou aposição. Das duas, a última é a preferível: “a coroa, isto é, a vida.”
Versículo 11 €K - com o verbo sofrer dano, a preposição tem um significado causal.
171
A p o c a l ip s e 2.12-17
12 E ao anjo da igreja em Pérgamo escreva: Estas são as palavras daquele que tem a espada afiada de dois gumes. 13 Sei onde você vive - onde está o trono de Satanás. Contudo, você permanece fiel ao meu nome e não renunciou à sua fé em mim, nem mesmo quando Antipas, minha fiel testemunha, foi morto entre vocês, onde Satanás vive. 14 No entanto, tenho contra você algumas coisas: você tem aí pessoas que se apegam aos ensinos de Balaão, que ensinou Balaque a armar ciladas contra os israelitas, induzindo-os a comer alimentos sacrificados a ídolos e a praticar imoralidade sexual. 15 De igual modo você tem também os que se apegam aos ensinos dos nicolaítas. 16 Portanto, arrependa-se! Se não, virei em breve até você e lutarei contra eles com a espada da minha boca. 17 Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao vence dor darei do maná escondido. Também lhe darei uma pedra branca com um novo nome nela inscrito, conhecido apenas por aquele que o recebe.
3. Pérgamo 2.12-17 A . Cidade Cerca de sessenta e cinco milhas ao norte de Esmirna, e quinze milhas do Mar Egeu, ficava a cidade de Pérgamo (moderna Bergama). Seu nome tem sido perpetuado no termo inglês parchment (francês parchemin\ holandês perkam enf, espanhol pergamino', [português pergaminho]). A expressão ilustra a indústria de um antigo pergami nho, onde seu povo, devido a um comércio embargado, não podendo comprar os produtos de papel (feito das folhas de papiro egípcio), pre parava peles de animais com o propósito de escrever. A cidade não só negociava essas peles, mas também abriu uma biblioteca que chegou a armazenar cerca de duzentos mil rolos. Veio a ser um centro cultural onde o conhecimento era acumulado, aplicado e disseminado. Localizada numa elevação de cerca de mil pés, Pérgamo servia como uma fortaleza que dominava a zona rural. Era uma cidade que desfrutou de proeminência durante séculos antes que os romanos a invadissem e fizessem dela uma capital. Pérgamo era conhecida como um centro religioso, com templos para Zeus Sõtêr, Atena Nicéfora, Dionísio Catégemo e Asclépio Sõíêr. Construído sobre uma saliência fronteira ao templo de Atena, estava o altar de Zeus. Era o mais es plêndido dos monumentos religiosos por causa de sua altura - cerca de quarenta pés. Asclépio era o deus da cura, e atraía o interesse de
A p o c a l ip s e 2.12-17
172
incontável multidão que sofria de males físicos. Seu símbolo era a ser pente, o qual ainda decora hoje os emblemas da medicina. Depois que os romanos conquistaram Pérgamo, construíram um templo em 129 a.C. Mais tarde, dedicaram o templo a Augusto e a Roma37e introduziram o culto a César. Templos dedicados aTrajano e a Severo foram construídos bem depois. O culto ao imperador tinha seu centro em Pérgamo, e por algum tempo a cidade rivalizou com Esmirna e com Éfeso, pois lhe foi dado o privilégio de designar um administrador ou guardião (neokoros) do templo. Chegou também a ser o primeiro centro romano da província da Ásia.38O procônsul que tinha sua residência ali mantinha o poder da espada para determinar se uma pessoa devia viver ou morrer. Note que a palavra grega sõtêr, aplicada a Zeus e a Asclépio, significa “salvador”. Diante de seu Salvador, Jesus Cristo, era impossí vel para os cristãos reconhecerem esses deuses como salvadores. Além disso, jam ais podiam recitar o moto César é Senhor, porque para eles o título Senhor era reservado exclusivamente para Jesus. Em vez dos duzentos mil ou mais volumes na biblioteca de Pérgamo, manuseavam somente as Escrituras. Em lugar dos numerosos templos, não tinham templo e diziam que sua comunhão cristã e inclusive seus corpos físicos serviam como templo do Espírito Santo (IC o 3.16; 6.19). E em vez da cura de Asclépio, os cristãos ensinavam que Jesus era seu Médico. Em suma, para os cristãos, a vida em Pérgamo era quase insuportável. Por sua recusa em comprometer-se, os cristãos eram ridiculariza dos pelos romanos e outros que os chamavam “christiani”, e pelos ju deus que os rotulavam de “nazarenos”. Eram culpados de infidelidade a Roma, escarnecidos, acusados de sedição, perseguidos e assassina dos. A despeito da perseguição e inclusive por causa dela, a igreja cristã continuava florescente e crescia em número. Em Pérgamo, os cristãos enfrentavam diariamente as pressões de uma sociedade pagã. Caso se recusassem a aceitar um convite a par ticipar de uma festa em honra de uma divindade pagã, não só seriam evitados, mas perderiam seu emprego ou negócio. As pessoas os con sideravam indignos de viver nesta terra. Mas para os crentes fiéis não 37. Tácito, Annals 3.37. 38. Para referência, ver Barclay, L etters to the Seven Churches, pp. 46-53; e R evelation o f John, 1.106-11; Charles, Revelation, 1.60,61; Ramsay, Letters to the Seven Churches, pp. 281-90; Sw ete, Revelation, pp. 34, 35.
17 3
A po c a l ips e 2.12-17
há nada acima de seu Senhor, nenhuma lei humana que assuma prece dência sobre a lei de Deus e nenhuma doutrina que suplante o evangelho. a. Violência 2.12,13
12. E ao anjo da igreja em Pérgamo escreva: Estas são as palavras daquele que tem a espada afiada de dois gumes. 13. Sei onde você vive - onde está o trono de Satanás. Contudo, você permanece fiel ao meu nome e não renunciou à sua fé em mim, nem mesmo quando Antipas, minha fiel testemunha, foi morto entre vocês, onde Satanás vive. Exceto para a saudação, a fórmula introdutória é a mesma que em todas as cartas às igrejas na província da Ásia. A auto-identificação de Jesus é um retrocesso à descrição de sua aparição (1.16). Ainda que apareçam as mesmas palavras, “a espada afiada de dois gumes”, o grego as tem numa seqüência com artigos definidos para ênfase. Lite ralmente, a sentença lê “aquele que tem a espada, a de dois gumes, a afiada”. Não era o procônsul romano ou o governador que decidia so bre questões de vida e de morte, mas era Jesus com a espada, espada de dois gumes de sua palavra procedente de sua boca. Jesus de fato luta com essa espada contra seus inimigos (v. 16; 19.15, 21). a. “Conheço onde você vive, onde está o trono de Satanás.” Plena mente ciente da situação em Pérgamo, Jesus disse aos cristãos locais: “Conheço onde vocês vivem.” Não foi a estranhos, a quem está de passagem ou a turistas que ele se dirigiu (comparar IPe 1.1), mas a residentes permanentes que nasceram e cresceram em Pérgamo e ti nham suas raízes fincadas naquela cidade. Deus os chamara de seu ambiente pagão para vir a ser seu povo. Jesus explica a expressão “onde está o trono de Satanás” com as palavras “onde Satanás habita”. O verbo viver significa que sua habi tação é permanente, assim como os cristãos locais são habitantes per manentes, mas são duas forças opositoras. Satanás parece ter a supe rioridade até que compreendamos que o Apocalipse contrasta Deus e Satanás. Jesus se assenta no glorioso e celestial trono de seu Pai (3.21), e Satanás governa seu trevoso reino (16.10). A palavra trono aparece quarenta e duas vezes no Apocalipse: quarenta se referem ao trono de Deus, e duas, ao trono de Satanás e da besta (12.13; 16.10). Em outros termos, não é Satanás, e, sim, Deus que está no controle.
A p o c a l ip s e 2.12-17
174
Qual é o significado do trono de Satanás? Há pelo menos cinco interpretações:39 • Pérgamo era o centro da religião pagã. • Para o viajante que vinha do oriente, a acrópole tinha o aspecto de um trono. • O altar de Zeus Sõtêr tinha o formato de um trono. • Asclépio Sõtêr era identificado com a serpente. • Pérgamo era o centro do culto ao imperador. Quanto à primeira interpretação, não há dúvida de que Pérgamo era um centro religioso devotado aos ídolos pagãos. As cidades na pro víncia da Ásia, porém, não eram diferentes de Atenas, pois o culto idolátrico orientava o dia no mundo pagão do primeiro século. De con formidade com Paulo, Atenas era uma cidade saturada de ídolos, e seu povo era muito religioso (At 17.16,22). A segunda interpretação segue bem de perto a primeira e difere dela somente na aparência da cidade, a qual ficava situada num planal to elevado. Ainda quando o simbolismo de seu aspecto externo seja notável, a predominância interna do governo de Satanás na vida do povo assume prioridade. Quanto à terceira, o altar de Zeus estabelecido proeminentemente acima de tudo mais é imponente.40Zeus, porém, como deus principal, era cultuado em todos os lugares da Grécia, Macedônia e Ásia Menor - ele era chamado Júpiter pelos romanos (At 14.12 k j v ). A quarta explicação desfruta de mérito, porque o símbolo de Asclépio é uma serpente, e na Escritura Satanás é tipificado pelo símbolo da serpente (Gn 3.1; Ap 12.9; 20.2). Personificado no deus Asclépio, Sa tanás prova ser o grande enganador como aquele que cura a doença e é o salvador do povo. A quinta explicação é decisiva. Enquanto a quarta interpretação chama a atenção para a fraude de Satanás, a quinta ressalta o poder destrutivo de Satanás na perseguição do povo de Deus. Os cristãos que se recusavam a reconhecer César como Senhor e Deus (dominus et 39. Hemer, L etters to the Churches, pp. 84, 85. 40. Ver A d olf Deissm ann, Light from the Ancient East, trad. Lionel R. M. Strachan (reimp. Grand Rapids: Baker, 1978), p. 281 n. 3.
175
A p o c a l ips e 2.12-17
deus) enfrentavam confisco de suas propriedades, exílio ou morte.41 Se considerarmos que Antipas foi morto e João foi exilado por causa do testemunho de Jesus, então esta quinta explicação se adequa ao con texto como um todo. b. “Contudo, você permanece fiel ao meu nome, e não renunciou sua fé em mim, mesmo nos dias de Antipas, minha fiel testemunha, que foi morto entre vocês, onde Satanás vive.” A despeito das dificuldades que os cristãos de Pérgamo enfrentavam, eles permaneciam fiéis a seu Senhor e Salvador Jesus Cristo. São desafiados a defender o nome de Jesus. Esta ação envolve mais do que confessar seu nome: inclui viver em harmonia com as Escrituras e andar nos passos de Jesus (IP e 2.21). Ao levar as autoridades romanas a impor o culto ao imperador e sua subseqüente opressão, Satanás buscava explorar a fraqueza da igreja, daqueles membros que poderiam ser tentados a renunciar sua fé em Jesus Cristo. Não obstante, os crentes defenderam sua posição e con tinuaram sua lealdade a seu Mestre.42 A perseguição que resultava em morte era real, como se faz evi dente no caso de Antipas. Sabemos muito pouco sobre esse homem. Seu nome grego pode significar “contra todas” ou uma forma abrevi ada do nome Antípater, mas isso não tem nada a ver com sua vida e morte. Sua vida é caracterizada pela designação “minha fiel testemu nha” , que é a mesma atribuição pela qual Cristo é conhecido (1.5; comparar 3.14). Sua morte se concretizou algum tempo antes da com posição do Apocalipse, e Antipas poderia ter sido representante de muitos outros. c. “Que foi morto entre vocês, onde Satanás vive.” Estas duas expressões juntas evocam o temor no coração do povo de Deus. Vi vendo próximo à residência de Satanás, os seguidores de Jesus Cristo podem nutrir a expectativa de enfrentar tanto perseguição quanto mor 41. Consultar Ray Summers, Worthy Is the Lamb: An Interpretation o f R evelation (Nashville: Broadman, 1951), p. 93. Aune (Revelation 1 -5 , p. 183) assevera que “não há evidência explícita em 2.12-17 (ou em Ap 2 -3 ) sugerindo que o culto imperial se constituía no principal problema para os cristãos da Á sia” . Não obstante, im plicita mente, o problema era real para os primeiros cristãos. Ver S. R. F. Price, R ituals and P ow er: The Roman Im perial Cult in A sia M inor (Cambridge: Cambridge University Press, 1984), pp. 155-65, 221, 222; Beale, R evelation, pp. 246, 247. 42. Ver D . S. Deer, “W hose Faith/Loyalty in Revelation 2.13 e 14.12?” BibTrans 38 (1987): 328-30.
A p o c a l ip s e 2.12-17
176
te. Sucede que sua habitação e a de Satanás vem a ser a mesma, de modo que o maligno está sempre presente. Jesus, porém, disse a seus discípulos que estão no mundo, porém não pertencem ao mundo (Jo 17.14-18). Ele designa seu povo a levar a mensagem redentiva de salva ção por toda parte desta terra conturbada. Como o Vitorioso, ele tem dito: “Mas tenham bom ânimo! Eu venci o mundo” (Jo 16.33). Este Jesus vitorioso partilha sua vitória com seus seguidores, os quais publi cam pelo mundo a fora o conhecimento de que a palavra de Deus nunca volta vazia, porque essa palavra nunca é limitada (Is 55.11; 2Tm 2.9). b. Censura 2.14-16
14. No entanto, tenho contra você algumas coisas: você tem aí pessoas que se apegam aos ensinos de Balaão, que ensinou Balaque a armar ciladas contra os israelitas, induzindo-os a co mer alimentos sacrificados aos ídolos e a praticar imoralidade sexual. 15. De igual modo você tem também os que se apegam aos ensinos dos nicolaítas. a. “No entanto, tenho contra você algumas coisas: você tem aí pes soas que se apegam aos ensinos de Balaão.” Teríamos esperado dos lábios de Jesus palavras de encorajamento; em vez disso, ouvimos pa lavras de censura. Jesus reprova os cristãos de Pérgamo por causa de algumas fraquezas que demonstravam. As poucas coisas não são ne cessariamente de pouca importância, ainda quando poucas em número. Jesus não enumera essas coisas, senão apenas uma, isto é, a falta de resistência diante do falso ensino e conduta no seio da congregação. Os crentes têm tolerado mestres que estão difundindo sua doutrina in sidiosa e seu estilo de vida. E têm falhado em expulsá-los da igreja. A influência deles está se espalhando como células cancerígenas em um corpo sadio; e medidas radicais têm de ser tomadas antes que seja tarde demais. Enquanto a igreja de Éfeso exerce a disciplina (2.2), a igreja de Pérgamo não faz isso. Os servos de Satanás tiveram acesso à congregação local e bus cavam influenciar fraudulentamente os membros com um estilo de vida incompatível com os que seguem a Jesus. Não temos inform a ção sobre a identidade dos perpetuadores. A expressão você tem aí os que significa que tinham logrado acesso na igreja e tinham sido
177
A po c a l ip s e 2.12-17
aceitos como membros bona fid e ou que foram influenciados por pessoas que não eram da igreja (2Pe 2.15; Jd 11). Jesus chama a atenção para a história de Balaão e de Balaque, registrada em Núm e ros 22-25. Presumimos que os cristãos da segunda e terceira geração de Pérgamo estavam suficientemente familiarizados com o relato da história de Israel, não carecendo de que o escritor fizesse uma expo sição detalhada. b. “[Balaão] ensinou Balaque a armar ciladas contra os israelitas, induzindo-os a comer alimentos sacrificados aos ídolos e a praticar imo ralidade sexual.” Aprendemos por inferência que, depois da tríplice fa lha de Balaão em amaldiçoar os israelitas, ele os induziu a cometer adultério com as mulheres midianitas, a comer alimento oferecido aos ídolos e a adorar deuses pagãos (ver especialmente Nm 31.16 no con texto de Nm 25). O ensino de Balaão era não tanto doutrinal quanto prático: induzir à imoralidade sexual com as mulheres midianitas, comer alimentos sacrificados aos ídolos e a cultuar esses mesmos ídolos (Nm 25.1-3; SI 106.28). Essa foi a pedra de tropeço que Balaque, segundo o conselho de Balaão, colocou diante do povo de Israel para que o mes mo caísse em pecado.43 Os israelitas foram convidados a participar dos ritos pagãos da fertilidade que o povo moabita praticava, cujas mulheres seduziram os homens israelitas a atos sexualmente imorais. Essa pedra de tropeço se assemelhava a uma armadilha comumente usada para apanhar pássa ros. A armadilha tinha uma vareta móvel, de modo que o pássaro, ao tocar a vareta, fazia com que a armadilha se fechasse bruscamente, com o resultado de que o pássaro era preso e morto. Essa pedra de tropeço levou muitos israelitas à morte: prorrompeu-se uma praga que matou cerca de vinte e quatro mil deles (Nm 25.9; ICo 10.8).44 Em Pérgamo, as pessoas que seguiam os ensinamentos de Balaão armavam armadilhas para que os seguidores de Cristo buscassem se gurança pessoal na participação das práticas daqueles que se congre gavam para o culto ao imperador. Primeiro, sugeriam que aos cristãos era perfeitamente aceitável que comessem carne que bem sabiam ti 43. Referência a Filo, Life ofM oses 1.54 §§ 295-97; Josefo, Antigüidades 4.6.6 §§ 126-28. 44. Para a diferença em núm eros totais (2 4 .0 0 0 e 2 3 .0 0 0 ), ver Sim on J. K istem aker, E xposition ó f the F irst E p istle to the C orin th ian s, NTC (Grand Rapids: Baker, 1993), p. 330.
A p o c a l ip s e 2.12-17
178
nha sido sacrificada aos ídolos. Os crentes sabiam que não deviam perguntar pela origem da carne que era vendida no mercado (ICo 10.25), porém sua consciência não lhes permitia participar de uma festa dedicada a um ídolo se a carne fosse comida em um dos salões do templo (IC o 10.19-22). Segundo, os nicolaítas sugeriam que os cristãos se envolves sem em imoralidade sexual. Entretanto, os cristãos sabiam que a lei de Deus os barrava de envolver-se em qualquer relação extraconjugal. Estavam plenamente cônscios das numerosas prostitutas existentes nos recintos do templo que os seduziam a pretextos religiosos. E, por último, os seguidores de Balaão insistiam com os cristãos a sacrificarem um animal no culto oferecido a César. Esse sacrifício, diziam eles, só acar retaria a queima de uma parte insignificante do animal e deixar o resto para uma festa que seria desfrutada pelos cristãos com suas famílias e amigos. Uma vez mais, os seguidores de Cristo sabiam que não podiam cultuar a Cristo e a César simultaneamente.45 À luz da carta de Jesus aos efésios (vrr meus comentários sobre 2.6), sabemos que os ensinamentos e práticas dos nicolaítas constituíam uma abominação a Jesus. Ainda quando a informação concernente a essas pessoas seja escassa, presumimos que o estilo de vida dos nicolaítas era caracterizado pelos pecados de imoralidade sexual, em comer ali mento oferecido aos ídolos e em perverter os ensinamentos apostólicos (2.14-16). Pondo ênfase na liberdade cristã, evidentemente ensinavam que as atividades físicas pertencentes ao sexo e ao alimento não eram pecaminosas. À vista de Deus, contudo, envolver-se em atos sexuais com as prostitutas do templo e entrar em templos pagãos com o fim de comer alimento consagrado a um deus pagão constituía uma violação do Decálogo. Deus dissera: • • •
“Você não terá outros deuses diante de mim” (Ex 20.3). “Você não se curvará diante deles nem os adorará” (Ex 20.5). “Você não cometerá adultério” (Êx 20.14).
45. O C oncílio de Jerusalém exortou os cristãos gentílicos “a abster-se de alim ento sacrificado aos ídolos, do sangue, de carne de animais estrangulados e da imoralidade sexual” (At 15.29). Paulo devotou a maior parte de dois capítulos em sua correspondên cia com os coríntios sobre a questão de comer alimento sacrificado aos ídolos (IC o 8.110; 14.33). Paulo opôs-se ao legalism o judaico, de um lado, e às práticas pagãs, do outro. Ver também Panayotis Coutsoumpos, “The Social Implication o f Idolatry in Revelation 2.13: Christ or Caesar?” BTB 27 (1997): 23-27.
179
A p o c a l ip s e 2.12-17
Da mesma forma, Paulo advertiu os coríntios, dizendo que o corpo não se destina à imoralidade sexual, e, sim, ao Senhor; e admoestou o povo de Deus a não participar dos sacrifícios oferecidos a um ídolo (IC o 6.13; 10.20). Visto que Deus é santo, assim também seu povo deve esforçar-se por uma conduta santa (Lv 11.44, 45; IPe 1.15). c. “De igual modo você tem também os que se apegam aos ensinos dos nicolaítas.” Uma vez mais (v. 6), Jesus menciona os nicolaítas. Aqui ele nota que os crentes de Pérgamo que praticavam os pecados dos nicolaítas de idolatria e imoralidade sexual se assemelhavam aos nicolaítas que os advogavam. Os seguidores de Balaão e os nicolaítas são de fato os mesmos? É preciso que vejamos Satanás em ação como o grande enganador, porque as intenções de Balaão e seus seguidores, bem como as dos nicolaítas, são idênticas: Balaão visava a derrotar os israelitas com um estilo de vida enganoso, e os nicolaítas penetravam a igreja com ensinamentos e práticas enganosos. “Além do mais, os que sustentam a doutrina de Balaão (2.14) provavelmente são as mesmas pessoas que defendiam a doutrina dos nicolaítas.”46 Não temos conhecimento da extensão da influência dos nicolaítas sobre a igreja, porém sabemos que a igreja relaxara na disciplina e permitiu que esses antagonistas da fé cristã se imiscuíssem em seu meio em detrimento espiritual dos crentes. Por causa dessa lassidão, a igreja foi repreendida e convidada a arrepender-se. Os nicolaítas e os que tinham adotado sua doutrina e práticas corrosivas tinham que en frentar Jesus, o qual viria com a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus.
16. Portanto, arrependa-se! Se não, virei em breve até você e lutarei contra eles com a espada da minha boca. O verbo arrepender-se ocorre doze vezes no Apocalipse.47 Oito delas são dirigidas às igrejas em Éfeso, Pérgamo, Sardes e Laodicéia, como uma ordem ao arrependimento; as outras quatro estão no pre térito e se referem aos incrédulos que se recusavam a atender. Os cristãos de Pérgamo tinham que arrepender-se de sua falha em não expulsar os nicolaítas e seus seguidores de seu meio. Tinham que perceber o erro de seu caminho, pois se Jesus odiava as obras dos nicolaítas (2.6), assim também devia proceder seu povo. Por isso ele 46. Schüssler Fiorenza, Book o f Revelation, p. 116. 47. A pocalipse 2.5 (duas vezes), 16, 21 (duas vezes), 22; 3.3, 19; 9.20, 21; 16.9, 11.
A p o c a l ip s e 2.12-17
180
convocou os cristãos a converter-se de sua lassidão a uma vida de vigilância, a reforçar a disciplina e a expulsar de seu meio os nicolaítas e seus adeptos. Se os destinatários se recusarem a obedecer, Jesus virá depressa (o grego tem o verbo vir no tempo presente: ver v. 5). A vinda de Cristo não se refere à Segunda Vinda, mas a seu juízo iminente, que é veloz e infalível. Os nicolaítas não teriam que esperar até a Segunda Vinda para Jesus executar sua ameaça.48Como os midianitas e Balaão expe rimentaram o juízo divino em sua vida, assim os nicolaítas logo encon trariam Jesus como guerreiro em sua carreira terrena. Durante a bata lha que Israel enfrentou contra os midianitas, pela ordem divina, os israelitas mataram Balaão (Nm 31.1-8; Jos 13.22).49 Note que o Senhor chama a igreja ao arrependimento, porém de clara guerra aos nicolaítas. Ele lutará contra eles com a espada de dois gumes que procede de sua boca (ver v. 12), e com essa espada ele mata os ímpios. E isso inclui os nicolaítas e seus adeptos. Os que estão servindo a Satanás e visam destruir a igreja terão que enfrentar a espa da de seu guerreiro e vitorioso Senhor. As boas-novas é que Deus faz com que todas as coisas cooperem para o bem dos que o amam e o servem (Rm 8.28). Todos os que se convertem ao Senhor e se arrependem experimentam seu amor, graça e misericórdia. Ao contrário disso, ele abandona os que se esquecem dele (2Cr 15.2; Is 1.28; 65.11, 12).50 O Senhor honra suas promessas e cancela suas ameaças feitas ao pecador arrependido. Mas quando não existe arrependimento, ele cum pre suas ameaças. c. Promessa 2 .1 7
17. Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao vencedor darei do maná escondido. Também lhe da rei uma pedra branca com um novo nome nela escrito, conheci do apenas por aquele que o recebe. 48. Lenski observa (R evelation , p. 108): “Como no versículo 5, isso se refere a um juízo preliminar, e não meramente ao juízo final.” Ver também G B. Caird, A Com m entary on the R evelation ofS t. John the D ivine (Londres: Black, 1966), p. 41. 49. Talmude babilónico, Sanhedrin 90a, 105a. Ver também SB, 3.793. 50. Comparar Greijdanus, Openbaring, p. 76.
18 1
A p o c a l ip s e 2.12-17
Após a repetitiva exortação para se ouvir o que o Espírito diz às igrejas, o vencedor tem a promessa de receber o maná escondido e uma pedra branca. Que significa a fraseologia dessas duas dádivas? Por quarenta anos, o maná foi o alimento de Israel no deserto até que o povo atravessasse o Jordão e entrasse em Canaã. Deus instruiu Moisés a pôr um vaso de maná em “a arca da aliança”, e assim ele esteve escondido dos olhos humanos (Ex 16.32-34; Hb 9.4). De acordo com o escritor de 2 Macabeus 2.4-7, na destruição do templo de Salomão Jeremias escondeu o tabernáculo com a arca e o altar do incenso numa caverna do Monte Nebo, e selou sua entrada. Os judeus aguardavam a vinda da era messiânica, quando come riam o maná escondido.51 Os cristãos, contudo, reconheceram Jesus como o M essias que introduziu a era messiânica. Desde a vinda de Jesus, seus seguidores têm comido o maná escondido e desfrutado de suas bênçãos. Jesus se denominou de pão da vida, e contrastou-o com o maná que os israelitas comeram no deserto (Jo 6.48,49). Esse pão gerador de vida é, de fato, o alimento espiritual e o maná escon dido do cristão. Para os incrédulos ele está escondido dos olhos físi cos, porém é disponível a todos os que depositam sua fé em Cristo (Mt 11.25; Cl 2.3; 3.3). O significado da pedra branca permanece um mistério, o qual os comentaristas têm tentado resolver de várias maneiras: • Pedras preciosas caídas do céu com o maná. Isso, porém, não passa de lenda. • Pedras brancas eram lançadas nos tribunais de justiça para significar a absolvição do réu, e pedras pretas, para o conde nar. No Dia do Juízo, uma pedra branca caracterizará a absol vição do cristão. O texto, porém, não diz que o vencedor lança uma pedra branca, mas que ele recebe uma pedra branca. Além disso, as pedras lançadas num tribunal não tinham nenhum nome inscrito nelas. • Um objeto branco feito de metal, madeira ou pedra denominado tessera outorgava a seu possuidor certo privilégio na sociedade. Não obstante, a durabilidade dessas substâncias é questionável. 51. SB, 3.793.
A p o c a l ip s e 2.12-17
182
• Uma pedra branca podia ser usada como amuleto ou talismã. Esse costume, porém, pertence à prática de bruxaria, não à dou trina da salvação. • Os edifícios de Pérgamo, nos dias de João, eram feitos de pedra marrom escuro. As inscrições nesses edifícios eram talhadas em b lo co s de m árm ore b ranco. H em er observa: “D ecretos honoríficos da cidade reiteradamente estipulavam que o registro de seus benfeitores deveriam ser gravados em [pedra branca].”52 A objeção consiste em que a palavra grega p s ê p h o s no texto significa “seixo”, não “pedra”. • O peitoral do sumo sacerdote tinha doze pedras, e cada uma delas tinha o nome de uma tribo escrito (Ex 28.21). Semelhan temente, uma pedra branca com o nome individual do crente escrito nela está sempre na presença de Deus. • A pedra pode ser uma pedra preciosa translúcida como um dia mante, no qual o nome de Cristo está escrito. O nome de Cristo está escrito nas frontes dos santos (3.12; 14.1; 22.4).53 As duas últimas interpretações são muito proveitosas. No contexto do Apocalipse, a última parece a mais forte e recebe o endosso de outras passagens. O nome de Cristo significa que os santos lhe perten cem. Já nesta terra, os crentes são conhecidos como cristãos, isto é, seguidores de Jesus Cristo, em cujas pegadas eles andam.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 2.13-16 Versículo 13 olòa - o Texto Majoritário insere a frase tà epya oou kocl (suas obras e), o qual parece ser emprestado de um texto precedente (v. 2). É mais difícil explicar a om issão do que a adição desta frase, e portanto provavelmente não constava no texto original. KocToiKciç - a preposição Ktrcá, precedendo o verbo olk6cj, denota perma nência numa moradia, enquanto a preposição irapá, prefixada ao m esm o verbo, denota viver temporariamente em algum lugar. tíap’ újuv - neste contexto a preposição significa “entre” (comparar Mt 28.15; lC le m .1 3 ).54 52. Hemer, L etters to the Seven Churches, p. 244 n. 108. 53. Consultar Hendriksen, M ore Than Conquerors, pp. 69-71. 54. A. T. robertson, A G ram m ar o f the Greek N ew Testament in the L ight o f H istorical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 614.
183
A po c a l ips e 2.12-17
Versículo 14
KpoaowTaç - o particípio presente não tem o artigo definido, e assim não se refere a um grupo ou categoria específica, mas a “alguém que sustenta”. Ex pressa uma idéia indefinida, èõíôaoKev - o tempo imperfeito significa ação repetida da parte de Balaão. Note que os nomes nesses dois versículos são indeclináveis: Antipas, Balaão, Balaque e Israel. TTopvÉOaai - “cometer imoralidade sexual.” Ainda que este verbo possa ser interpretado como uma referência à apostasia espiritual, o contexto de Núme ros 25 e suas implicações nesta carta apontam primeiramente para a imoralida de sexual e então para a idolatria. Versículo 15
«ai aí) - aqui está o uso ascensional da conjunção “você ainda”. O pro nome está no singular para dirigir-se aos membros individuais da igreja. Versículo 16
no/le|!TÍaw net’ - neste contexto, a preposição |ieiá significa não “com”, mas “contra”. A frase deve ser traduzida “farei guerra contra eles”.55Esta construção ocorre quatro vezes (2.16; 12.7; 13.4; e 17.14) e somente no Apocalipse; é um hebraísmo peculiar ao Apocalipse. 18 Ao anjo da igreja em Tiatira escreva: Estas são as palavras do Filho de Deus, que tem olhos que são como chama de fogo e cujos pés são como o bronze reluzente. 19 Conheço suas obras, seu amor, sua fé, seu serviço e sua perseverança, e [sei que] suas últimas obras são maiores do que as primeiras. 20 No entanto, contra você tenho isto: você tolera Jezabel, aquela mulher que se diz profetisa. Com seus ensinos, ela induz meus servos à imoralidade sexual e a comerem alimentos sacrificados aos ídolos. 21 E lhe dei tempo para que se arrependesse de sua imoralidade sexual, mas ela não quer se arrepender. 22 Por isso, vou fazê-la adoecer e trarei grande sofrimento aos que cometem adultério com ela, a não ser que se arrependam das obras que ela pratica. 23 Matarei os filhos dessa mulher com doença. Então, todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda mentes e corações, e retribuirei a cada um de vocês de acordo com suas obras. 24 Aos demais que estão em Tiatira, a vocês que não seguem a doutrina dela e não aprenderam, como eles dizem, os profundos segredos de Satanás, digo: Não porei outra carga sobre vocês; 25 tão-somente apeguem-se com firmeza ao que vocês têm, até que eu venha. 55. R eferência a C. F. D . M oule, An Idiom -Book o f N ew Testament Greek, 2 a ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), p. 61.
A p o c a l ip s e 2.18-29
184
26 A todo aquele que vencer e guardar minhas obras até o fim, darei auto ridade sobre as nações. 27 Para governá-las com cetro de ferro como vasos de barro que são feitos em pedaços. 28 E como recebi de meu Pai a autoridade, darei ao vencedor a estrela da manhã. 29 Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.
4. T iatira 2 .1 8 - 2 9 A
Cidade
Tiatira (moderna Akhisar) era uma cidade fortificada e situada a cerca de quarenta milhas a sudeste de Pérgamo, num vale espaçoso que conduz ao Rio Hermus. Ela ficava perto da fronteira das províncias Mísia e Lídia e era reivindicada por ambas. Em 190 a.C. os romanos penetra ram no vale e conquistaram a cidade, a qual, por causa de sua localiza ção num vale plano, tinha pouca proteção contra forças superiores. Tiatira estava situada ao longo da rota comercial de Pérgamo a Sardes; a partir de Esmirna, uma artéria principal levava, através do vale, a esta cidade. Portanto, a localização de Tiatira ficava junto às maiores rotas, o que estimulava seu crescimento econômico. Além disso, os artesãos locais produziam uma variedade de mercadoria, porquanto eram padeiros, pin tores, curtidores, marinheiros, oleiros e obreiros em lã, linho e metal (prin cipalmente cobre); e havia escravos revendedores.56Tiatira era um centro industrial controlado por associações, isto é, uniões comerciais. Essas associações prestavam homenagem aos deuses pagãos Apoio e Artemis (também conhecidos como Tyrimnos), e adoravam no santuário de Sabbathe. Os membros da associação eram obrigados a assistir a festa em honra desses deuses, comer carnes em seus templos e transigir em promiscuidade sexual. O não cumprimento dessas regras significava ex pulsão da união comercial, falta de emprego e pobreza. Os cristãos que se recusassem a honrar deuses pagãos, a comer carne sacrificada a um ídolo e a envolver-se em imoralidade sexual comprometiam suas neces sidades materiais. Eram considerados como proscritos da sociedade. Lídia, vendedora de púrpura, era natural de Tiatira, porém havia se mudado para Filipos. Paulo a encontrou em um culto e o Senhor abriu 56. Ramsay, Letters to the Seven Churches, p. 325; Hemer, Letters to the Seven Churches, p. 246 n. 10.
185
A p o c a l ips e 2.18-29
seu coração enquanto ela ouvia o evangelho (At 16.14). Presumimos que ela se tornou temente a Deus em Macedônia, e quando Paulo foi a Filipos ela se converteu à fé cristã. a. Destinatário e Juouvor 2.18,19
18. Ao anjo da igreja em Tiatira, escreva: Estas são as pala vras do Filho de Deus, que tem olhos que são como chama de fogo, e cujos pés são como o bronze reluzente. A expressão Filho de Deus pode significar que Jesus se dirige aos judeus de Tiatira que rejeitavam sua divindade (comparar Hb 1.1 -3). Ainda que a carta não forneça nenhuma indicação de uma presença judaica nessa cidade, não podemos descartar sua influência. A expressão é tam bém relevante para a sociedade pagã daqueles dias, a qual considerava César e Apoio, igualmente, como filhos de deuses. Jesus, porém, é um e único Filho de Deus, que está acima de todos os demais deuses. Com olhos como chama de fogo, nada lhe escapa, como ele mesmo afirma ser aquele que sonda os corações e mentes (v. 23). Na presença santa de Jesus, nada pecaminoso pode entrar nem ser escondido. Com seus olhos como chama de fogo, ele dissipa as trevas e queima as impurezas. Jesus se põe de pé na cidade de Tiatira com pés como bronze relu zente.57Essa liga é durável, estável e firme. O brilho do metal chama atenção, de modo que a população percebe a presença de Jesus. Como ele fixa residência permanente na cidade, assim seus seguidores de vem permanecer ali sem receio. 19. Conheço suas obras, seu amor, sua fé, seu serviço e sua perseverança; e [sei que] suas últimas obras são maiores do que as primeiras. Em pelo menos outras quatro cartas (às igrejas em Éfeso, Sardes, Filadélfia e Laodicéia), Jesus diz que conhece seus feitos.58 Ele está plenamente familiarizado com as obras de amor que os crentes de Tiatira têm mostrado em prol de Deus e de seu próximo. Suas obras incluem 57. H em er (L etters to the Seven Churches, pp. 116, 2 5 0 n. 44) conjetura que o material era uma liga, um “com posto copulativo”, que ele traduz com o copper-zinc [sulfato de zinco]. 58. Sobre a redação variante de 2.9, ver a relevante seção sobre palavras, frases e construções gregas.
A p o c a l ip s e 2.18-29
186
amor e fé como qualidades interiores que dão expressão nas qualida des exteriores de serviço e perseverança. Note que Jesus sumariou a lei em dois mandamentos: amaf ao Senhor Deus de todo o coração, alma e mente; e amar ao próximo como a si mesmo (Mt 22.37-40). Paulo faz do segundo destes a regra primária (Rm 13.9) e Tiago o chama a lei régia (Tg 2.8). Os cristãos de Tiatira demonstravam visi velmente amor por seu próximo e fé e confiança em Deus. Seu serviço aos outros e sua serena paciência eram exemplares em face da dificul dade e da oposição. A igreja não podia receber maior louvor do que o expresso nas palavras “suas últimas obras são maiores que suas primeiras” . Isso significa que suas obras de amor, fé, serviço e perseverança eram cons tantemente crescentes. Com respeito ao amor, Tiatira recebeu pala vras de enaltecimento, enquanto Éfeso recebeu palavras de condena ção. Jesus disse aos cristãos de Éfeso: “Contra você, porém, tenho isto: você abandonou seu primeiro amor” (2.4). b. Censura e Mandamento 2.20-25
20. No entanto, contra você tenho isto: você tolera Jezabel, aquela mulher que se diz profetisa. Com seus ensinos, ela in duz meus servos à imoralidade sexual e a comerem alimentos sacrificados aos ídolos. A mudança de louvor para censura é súbita e brusca. Ainda quan do os crentes tivessem feito um considerável esforço para socorrer as pessoas materialmente necessitadas e a confiar espiritualmente em Deus, toleraram uma influência perniciosa na igreja. Essa influência se espalhara como câncer, de modo que em vez de saúde espiritual da congregação, ela se comprometia seriamente. A igreja de Éfeso odiava as obras dos nicolaítas (2.6); a igreja de Pérgamo permitia que os nicolaítas vivessem em seu meio (2.15); a igreja de Tiatira tolerava a doutrina fraudulenta no seio da congregação. O nome Jezabel se refere à esposa do rei Acabe, que se casara com uma princesa de Sidom. Jezabel insistiu com Acabe a cultuar o deus pagão Baal, bem como a deusa Asera, e a construir um templo e um poste sagrado (lR s 16.31-33; 21.25; ver também 2Rs 9.30-37). A mulher de Tiatira é mencionada com o nome da esposa do rei Acabe, e
18 7
A p o c a l ip s e 2.18-29
ela se autodenominava profetisa.59O Novo Testamento revela que mu lheres profetizavam (Lc 2.36; At 21.9; ICo 11.5). Esta mulher manti nha um posto influente na igreja porque ela era mestra, porém sua instrução era fraudulenta. Ela persuadia a igreja a envolver-se em rela ções sexuais ilícitas nos templos pagãos e ali comer o alimento que fora oferecido a um ídolo. Não surpreende que se dê a esta mulher o nome de Jezabel, porquanto sua homônima no Antigo Testamento persuadia Israel a cultuar a Baal, o deus da fertilidade, e a Asera, a deusa [tam bém] da fertilidade.60Sob o pretexto de religião, o povo caíra no pecado da imoralidade sexual com danosas conseqüências, e no pecado da apostasia por comer alimento em templos pagãos. Note que a ordem de cometer fornicação e comer alimento oferecido a um ídolo é o reverso da seqüência na carta a Pérgamo (2.14). Somos incapazes de identificar esta Jezabel de Tiatira. Dificilmente poderia ela ter sido Lídia, a vendedora de púrpura, que foi uma das pri meiras a ser convertida à fé cristã em Filipos. Lídia se tomara cristã em 50, e Jezabel ensinava em Tiatira em meado dos anos 90. Identificar as duas mulheres é pura especulação, porquanto o Novo Testamento, e ou tras literaturas, não fornecem nenhuma informação. Indubitavelmente, Lídia, antes de sua conversão, era membro da associação e tinha que resol ver o problema de optar por Cristo ou pela associação comercial. A mulher chamada Jezabel poderia ter tido um interesse comercial em Tiatira.61 Aintenção dos seguidores de Balaão (v. 14), dos nicolaítas (vs. 6,15) e de Jezabel é a mesma: enganar o povo de Deus, persuadindo-o a adotar o estilo de vida que lhe permitiria ser aceito no mundo e a manter sua membresia na igreja. Ao acomodarem-se ao estilo de vida que uma asso ciação comercial requeria, os membros da igreja não mais teriam que temer ser desterrados. O Senhor, porém, diz: “Ninguém pode servir a dois senhores” (Mt 6.24; Lc 16.13). Ao que Tiago acrescenta: “Adúlte ros, vocês não sabem que a amizade com o mundo é inimizade com Deus?” (Tg 4.4). 59. Alguns comentaristas adotam a redação variante “sua esposa” [ou, a mulher] Jezabel”. Ver, por exem plo, Henry Alford, Jam es-Revelation, vol. 4, parte 2 de A lfo rd ’s Greek Testament (1875; reimp. Grand Rapids: Guardian, 1976), p. 573. 60. R eferência a Kurt Gerhard Jung, “Asherah”, ISBE, 1.317-18; e “B aal” , ISBE, 1.3.777-79. 61. Hemer, L etters to the Seven Churches, p. 121.
A p o c a l ip s e 2.18-29
188
21. E lhe dei tempo para que se arrependesse de sua imora lidade sexual, mas ela não quer se arrepender. Os verbos neste versículo (dei e não quer) e no precedente (ensi na e engana, v. 20) sugerem que já se passara algum tempo desde que Jezabel havia ingressado na igreja. Em outros termos, os fiéis servos do Senhor a haviam advertido. João bem que poderia ter sido um dos pas tores que a aconselharam . Ele sabia que o Senhor não é lento concernente a suas promessas, porém exerce a paciência (2Pe 3.9) e sempre concede a um pecador conselhos e oportunidade para arrepen der-se. Ninguém pode dizer que Deus age precipitadamente. As Escri turas ensinam reiteradamente que ele é um Deus de misericórdia, que não tem prazer na morte de ninguém. Seu desejo é que as pessoas se arrependam e vivam (ver Ez 18.30-32). Quando, porém, o pecador re jeita seus apelos e advertências, ele escolhe a morte. A mulher chama da Jezabel era um deles. 22. Por isso, vou fazê-la adoecer e trarei grande sofrimento aos que cometem adultério com ela, a não ser que se arrepen dam das obras que ela pratica. 23. Matarei os filhos dessa mu lher com doença. Então, todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda mentes e corações, e retribuirei a cada um de vocês de acordo com suas obras. O texto grego é dado de forma abreviada e carece da fraseologia adicional entre parênteses para obter uma tradução uniforme. Por trás dessa forma podemos detectar paralelismo hebraico, o qual, em sua estrutura simples, deve ser lido como sentenças curtas que reiteram e reforçam umas às outras. • Eis que eu a lançarei em um leito [de sofrimento]. • [Lanço] os adúlteros em grande tribulação, a menos que se arre pendam de seus feitos. • [Se não] matarei seus filhos com doença. Percebemos o paralelo da mulher sedutora e os que ela seduziu, o leito no qual ela sofre e a grande angústia que seus seguidores enfren tam.62 O leito que Jesus tem em mente não é um divã que circula toda 62. N o A pocalipse, o escritor usa a palavra grega m egas oitenta vezes. É variadamente traduzida por “grande”, “alto”, “enorme” e “intenso”. Aqui a palavra descreve a inten sidade do castigo que esses adúlteros experimentarão.
189
A p o c a l ip s e 2.18-29
a mesa que fica na sala de refeição, que estava em voga nos lares orientais daqueles dias. Tampouco é um leito para o descanso de al guém após um dia de labor. A guisa de implicação, é um leito para pacientes atingidos por doença em resultado de uma vida licenciosa. A mulher Jezabel estava ajuntando o que semeara: fora lançada num leito de sofrimento que eventualmente a levou à morte (comparar ICo 11.29, 30).63Não lhe foi dada outra oportunidade para arrependimento, visto que ela se recusou a dar ouvidos. Entretanto, seus seguidores que co meteram adultério e praticaram idolatria em um templo pagão tiveram tempo para arrepender-se de seus desvios. Como agente que os sedu zira, a mulher recebe a punição primária, enquanto que a seus seguido res é dado tempo para se arrependerem. Se derem ouvidos a Jesus, ele revogará sua ameaça. Se, porém, deixarem de prestar atenção à sua advertência, serão golpeados com enferm idade e m orrerão. O paralelismo nesta passagem sugere que interpretemos o termo filhos não literalmente, mas figuradamente, porque os filhos são os seguido res da mulher. Traduzi as palavras gregas que literalmente significam (matar com morte” como “matar com doença” para indicar a causa da morte. (Comparar Ez 33.27, “morrerão de uma praga”).64 Todas as igrejas (as sete e a igreja universal) ouvirão acerca da grande angústia com que esses pecadores são afligidos. Sabem que Jesus é aquele que sonda os corações e as mentes de todas as pessoas, pois nada em um ser humano está oculto de seus olhos. O texto grego literalmente tem a redação: “ele sonda os rins e os corações”, que é um idiomatismo hebraico que surge em muitas passagens (por exemplo, SI 7.9; Jr 11.20; 17.10). O rim e o coração usados como sinônimos indi cam a esfera mais íntima de uma pessoa que oculta os sentimentos, os pensamentos e a moral de alguém. No idioma inglês [e também no português] temos “mentes e corações”. Jesus premia com castigos e galardões igualmente (2.12; 22.12; ver 2Co 5.10). Aqui o juízo sobre Jezabel e seus seguidores é alternado, pois o castigo está em conformidade com os pecados de fornicação, 63. São muitas as interpretações do grego k lin ê . leito, divã da sala de jantar, catre, maca, esquife (Bauer, p. 436). 64. Gerhard A. Krodel, Revelation, A C N T (M inneapolis: Augsburg, 1989), p. 126. Beale (Revelation, p. 264) chama a atenção para o juízo divino em Ezequiel, onde a frase “e eles [vocês] saberão que eu sou o Senhor” (LXX) ocorre cerca de cinqüenta vezes.
A p o c a l ip s e 2.18-29
190
adultério e idolatria. Visto que todas as igrejas têm conhecimento do juízo e de sua execução, pode-se chegar à conclusão de que este texto não se refere primariamente ao juízo final.65
24. Aos demais que estão em Tiatira, a vocês que não se guem a doutrina dela e não aprenderam, como eles dizem, os profundos segredos de Satanás, digo: Não porei outra carga so bre vocês; 25. tão-somente apeguem-se com firmeza ao que vocês têm, até que eu venha. Os fiéis seguidores de Cristo ouvem agora Jesus lhes falando. Determinadamente rejeitaram os ensinamentos e o estilo de vida da profetisa Jezabel, e aderiram aos ensinamentos das Escrituras. Suas instruções e práticas diferiam pouco do que os nicolaítas ensinavam e faziam nas igrejas de Éfeso e Pérgamo (vs. 6, 15), de modo que essa designação pode ser aplicada aos seguidores dela. Qual é o significado da frase “as assim chamadas profundezas [ou as coisas profundas] de Satanás”? De quem é esta fraseologia? Há quem sugira que o escritor está desdenhosamente acusando os mem bros errados da igreja de terem caído na armadilha de conhecer e pra ticar as coisas profundas de Satanás.66Outros pensam que são as pala vras enganosas ditas por Jezabel e repetidas pelos adeptos que falam ao resto da congregação: “Vocês precisam conhecer as profundezas de Satanás.” O mundo pagão naqueles tempos adorava uma serpente como o símbolo de Satanás; os gnósticos também diziam que conheci am as coisas profundas e eram os iniciados. Esse é o oposto dos ensi nos de Paulo, isto é, que o Espírito sonda as coisas profundas de Deus (IC o 2.10). Sabendo disso, os cristãos fiéis de Tiatira dificilmente se deixariam seduzir pelo ousado convite para conhecerem as profundezas de Satanás. Ainda é difícil determinar a origem dessas palavras.67 Jesus afirma: “Não porei outra carga sobre vocês.” O decreto apostó lico formulado pelo Concílio de Jerusalém estipulava que os cristãos gentios “se abstivessem de alimento sacrificado aos ídolos, do sangue, da carne de animais estrangulados e da imoralidade sexual” (At 15.29). Dessas quatro 65. Consultar Charles, R evelation, 2.392-93 n. 7. 66. Comparar, entre outros, John P. M. Sweet, Revelation, WPC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 95. 67. Leon Morris, Revelation, ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 72.
191
A p o c a l ip s e 2.18-29
estipulações, requer-se dos cristãos de Tiatira que observem duas: absti nência de alimento sacrificado aos ídolos e da imoralidade sexual. Entretanto, a sentença supramencionada por si só mais ou menos permanece. Alguns tradutores a têm colocado entre parênteses (Niv et al.), mas então a primeira palavra na sentença seguinte tem de ser deletada, e isso não deve ser feito. Beckwith apresenta uma tradução recomendável desta e da próxima sentença: “Não porei sobre vocês nenhuma outra admoestação pesada além desta: Mantenham firme o que vocês têm .”68 E o que eles possuem? A soma total da fé cristã como depositada nas Sagradas Escrituras, da qual o decreto apostólico era uma parte. Com a inclusão do Apocalipse, essas pessoas receberam o cânon completo do Antigo e Novo Testamento. Eram os destinatários do texto completo da revelação escrita de Deus (comparar Rm 3.2). A promessa “até que eu venha” aponta para a Segunda Vinda de Cristo. c. Promessa 2.26-29
26. A todo aquele que vencer e guardar minhas obras até o fim, darei autoridade sobre as nações, 27. para governá-las com vara de ferro como vasos de barro que são feitos em pedaços. Como em todas as cartas às sete igrejas, Jesus aqui fala do vence dor que é fiel até o fim em realizar as obras de Cristo (Jo 14.12). A justaposição das obras de Jezabel (v. 22) e as obras de Jesus é notável. Fazer a vontade de Deus como revelada em sua Palavra é guardar as obras de Jesus até o fim do tempo cósmico. Essa é a incumbência de Jesus dada a toda a Igreja. Cristo não recusará sua bênção sobre aquele a quem ele faz sua promessa: “Dar-lhe-ei autoridade sobre as nações.” E só nesta carta e na de Pérgamo que Jesus faz uma promessa dupla, a qual ele introduz com o verbo dar. ele dá autoridade e a estrela da manhã (v. 28). A autoridade que Jesus delega a seus seguidores é a mesma pala vra usada por Jesus antes de sua ascensão ao céu: “Toda autoridade no céu e na terra me foi dada” (Mt 28.18). Jesus governa sobre a face desta terra como Rei dos reis e Senhor dos senhores, pois seu nome é conhecido em todos os países do mundo, e seu evangelho é proclamado 68. Beckwith, Apocalypse, p. 470.
A p o c a l ip s e 2 .18-29
192
em incontáveis idiomas. Olhamos para o crescimento da Igreja por nosso prisma. Pelo prisma da igreja de Tiatira, porém, as palavras de Jesus demandavam fé que triunfaria sobre a oposição, engano e tentação. A primeira promessa ao vencedor é reforçada por uma alusão e uma citação de um salmo messiânico: a alusão ao exercício de autorida de sobre as nações é oriunda do Salmo 2.8: “Farei das nações tua he rança, dos confins da terra tua possessão”; a citação se deriva do versículo precedente. A fraseologia e o significado dessa citação do salmo são impertinentes. É uma tradução livre do texto hebraico do Salmo 2.9: “Tu os governarás com cetro de ferro; tu os quebrarás em pedaços como faz o oleiro.” A mudança da segunda para a terceira pessoa, o texto da Septuaginta da primeira sentença tem o verbo grego poimaneis, o qual João adotou e pode ser traduzido “tu pastorearás”. Ele, porém, é tradu zido “tu governarás” porque o contexto sugere que o verbo tem uma conotação negativa.69A tarefa do pastor é cuidar de suas ovelhas e inclui protegê-las de danos. Assim, ele usa sua vara feita da madeira de carvalho, a qual é tão dura como o ferro. Com ela ele ataca a quem ou a qualquer coisa que tentar ferir suas ovelhas. O paralelismo na segunda parte da citação do salmo, “como vasos de barro que são feitos em pedaços”, corrobora o conceito de governar energicamente. Forças opostas ao avanço do evangelho de Jesus serão tratadas com golpes desferidos pela vara dura como o ferro que se encontra na mão de Cristo. Serão feitas em pedaços como faz o oleiro. A fraseologia tomada desse salmo messiânico retrata o cetro régio de Cristo, que simboliza sua autoridade de governar, de exercer a discipli na e de impor juízo. Com Cristo, o crente que vencer terá a autoridade de governar, disciplinar e julgar (IC o 6.2).
28. E como recebi de meu Pai a autoridade, darei ao vence dor a estrela da manhã. 29. Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.
69. Aune, R evelation 1 -5 , p. 210. Os tradutores da Septuaginta se equivocaram com a vogal pontuando na palavra hebraica t é r õ 'em (tu os quebrarás) e a lêem com o t i r e m (tu os governarás). O verbo na Septuaginta, poim ainein (pastorear, governar) pode também significar “destruir”, com uma ocorrência em M iquéias 5.5 (5.6 inglês). Bauer (p. 683) comenta: “A atividade de ‘pastor’ tem resultados destrutivos.” Hemer (Letters to the Seven Churches, pp. 124, 125) vê a “vara de ferro” com o sendo sinônim a da espada em Pérgamo (v. 12). A passagem de M iquéias também menciona sua espada.
193
A po c a l ip s e 2.18-29
A segunda promessa feita ao vencedor é a dádiva da estrela da ma nhã. Este termo aparece uma vez mais no Apocalipse, onde Jesus o aplica a si mesmo: “Eu sou a raiz e o descendente de Davi, a brilhante estrela da manhã” (22.16). Como Cristo apresenta esta estrela a seu seguidor fiel? Há uma conexão sutil entre a referência ao Salmo 2.8, 9 e a alusão a Números 24.17, onde Balaão profetiza: “Uma estrela sairá de Jacó; um cetro surgirá de Israel.” O símbolo do cetro conduziu ao da estrela, pois ambos são símbolos da realeza que o crente partilha. Os santos governam com Cristo e brilham com fulgor como estrelas matutinas.70 A carta é concluída com uma admoestação familiar dirigida a todas as igrejas para que ouçam cuidadosamente a mensagem que o Espírito Santo está transmitindo.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 2.20-25 Versículo 20
TÍiv yuvaiKoc - inserir o pronome possessivo oou seguindo o substantivo yuvaiKa carece de forte testemunho textual e “parece ser o resultado de confu são feita por escriba oriunda da presença de vários exemplos de oou nos versículos 19 e 2 0 ” .71 rj A.€yoi)oa - o caso estaria no acusativo em oposição a ywalKa, mas a mudança para o nominativo é comum em escritores com um antecedente hebraico. Versículo 22 kXÍvt[V - um leito. Variantes têm a redações “prisão”, “forno” e “doença”. Alguns manuscritos latinos trazem luctum, “dor” ou “aflição”. Todas essas redações são pobremente atestadas e são glosas que se destinam a exacerbar o castigo de Jezabel.
70. Ver Hemer, L etters to the Seven Churches, p. 126; e os comentários de Alford (p. 578), Caird (p. 46), Hendriksen (p. 95), Hughes (pp. 52-53) e Sw eet (p. 97). Outros o interpretam com o se referindo a Lúcifer (Is 14.12), mas isso não se adequa ao contexto; ao planeta Vénus, que era o sím bolo da soberania romana, mas este conceito colide com Cristo, que é a estrela da manhã; ao reino milenial de Cristo na terra, mas então os recipientes da carta não receberiam conforto e ânimo em suas lutas diárias. 71. Bruce M. Metzger, A Textual Com m entary on the G reek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 664.
A p o c a l ip s e 2.18-29
194
epywv aí)tf|ç - O TR adota a redação aúitòv em harmonia com o sujeito plural do verbo a r r e p e n d e r - s e . A redação aúrfjç tem forte apoio dos princi pais manuscritos. V ersícu lo 2 3 âiTOKTfvw kv Bavcrtto - “matarei com morte” parece ser uma tautologia, mas isso pode referir-se a um lento, porém infalível, óbito. A tradução “doença” ou “pestilência” para ©avátw, é apropriada. V ersícu lo 2 4
Xéyouotv - “como alguns dizem” é usado em geral para um plural indefini do. O tempo presente é aorístico.72 V ersícu lo 2 5 K p a tr p a it - o imperativo aoristo: Manter firme! Os gramáticos debatem se o aoristo é constativo, complexivo ou terminativo.73Prefiro o constativo, que comprime todo o raio de ação do começo ao fim. Os verbos t e r e m a n te r estão na segunda pessoa do plural, enquanto a fraseologia afim em 3.11 está no singular.
72. Robertson, Gram m ar, pp. 406, 866. 73. Consultar Friedrich Blass e Albert Debrunner, A G reek G ram m ar o f the N ew Testament, trad, e rev. Robert Funk (Chicago: University o f Chicago Press, 1961), § 337.1.
E sboço (continuação) 5. Sardes (3.1-6) a. Advertência (3.1-3) b. Promessa (3.4-6) 6. Filadéfia (3.7-13) a. Endereço e Reconhecimento (3.7, 8) b. Exortação (3.9-11) c. Promessa (3.12, 13) 7. Laodicéia (3.14-22) a. Descrição (3.14-16) b. Reprovação (3.17, 18) c. Admoestação (3.19, 20) d. Promessa (3.21, 22)
C a p ít u l o
3
C a r t a s a Sa r d e s , F il a d é l f ia e La o d ic é ia ( A p o c a l i p s e 3 .1 -2 2 ) 1 E ao anjo da igreja em Sardes escreva: Isto diz aquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas: Conheço suas obras; você tem a repu tação de que está vivo, porém está morto. 2 Esteja em alerta! Fortifique as coisas que restam e que estão para morrer, pois não achei suas obras perfeitas diante de meu Deus. 3 Lembre-se, pois, como você recebeu e ouviu fa mensa gem]; conserve-a e arrependa-se. Portanto, se você não ficar alerta, virei como um ladrão e de forma alguma saberá a que hora eu virei a você. 4 Entretanto, você tem umas poucas pessoas em Sardes que não contaminaram suas roupas, e andarão comigo [vestidas] de branco, porque são dignas. 5 Aquele que ven cer será vestido com roupas brancas. Jamais apagarei seu nome do livro da vida e confessarei seu nome diante do Pai e diante de seus anjos. 6 Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.
3
5. Sardes 3.1-6 A Cidade A cidade de Sardes (moderna Sart) estava situada aproximadamen te a trinta milhas a sudeste de Tiatira e cinqüenta milhas a leste de Esmirna. O nome plural Sardes se refere, em primeiro lugar, à cidade como uma fortaleza no topo de um promontório; e, em segundo lugar, à cidade próspera em comércio, produtos oriundos da agricultura e in dústria relacionada com a posição em nível plano do vale abaixo. Situ ada numa faixa alta e estreita, a fortaleza era, em termos militares, invencível. A cidade só podia ser alcançada do lado sul dessa faixa estreita e elevada que terminava no promontório sobre o qual a fortale za estava edificada. Precipícios íngremes protegiam a cidade, de modo
197
A p o c a l ips e 3.1-6
que não podia ser escalada. Por causa de suas fortes defesas, Sardes veio a ser a capital da Lídia, porém sua localização impedia a expansão e a forçava a permanecer pequena. Era completamente dependente do fértil vale abaixo para todas as necessidades da vida, sendo que todo o suprimento tinha de ser levado para a cidade. A segunda cidade estava situada no vale a cerca de mil e quinhen tos pés abaixo. Muitas pessoas haviam se estabelecido ali: agriculto res que produziam e vendiam seus produtos pecuários; trabalhadores na indústria de lã; e os mercadores que levavam e vendiam suas mer cadorias. Essas pessoas necessitavam de um lugar onde viver e traba lhar. Em tempos de paz, elas prosperavam junto às rotas comerciais que se estendiam do norte ao sul e do leste ao oeste nas províncias de Lídia e Ásia. Sardes ocupava o eixo dessas estradas e se desenvolvia em riqueza. O nome Croesus, rei da Lídia (560-546 a.C.), é parte da história da cidade. Tudo quanto ele tocasse, segundo a lenda, se convertia em ouro. Inclusive a própria natureza contribuía com Sardes, pois Heródoto es creve acerca do Rio Pactolus, que corre através da cidade: “O ribeiro que desce do Monte Tmolus e que traz para Sardes uma quantidade de ouro em pó corre diretamente através do mercado da cidade.” 1Seu su primento era logo exaurido, certamente antes dos romanos ocuparem a área. Croesus, porém, usou a riqueza para estender sua influência, a qual alcançou para além do leste de Sardes. Numa batalha contra Ciro da Pérsia, ele confiou em um oráculo que lhe foi transmitido pela sa cerdotisa de Delfo: “Se você cruzar o Rio Halys, então destruirá um grande império.”2Com suas forças ele cruzou esse rio e destruiu não o império persa, mas o seu próprio. Croesus cria que estaria seguro em Sardes, protegido por sua forta leza inexpugnável. Ele não esperava que Ciro o seguisse, e assim fra cassou em mobilizar suas forças. Quando os exércitos persas chega 1. Heródoto 1.93; 5.101 (LCL). Ver também W illiam Barclay, L etters to the Seven Churches (Londres: SCM , 1957), 1.83; William M. Ramsay, The L etters to the Seven Churches o f A sia an d Their P lace in the Plan o f the A pocalypse (Londres: Hodder e Stoughton, 1904; reimp. Grand Rapids: Baker, 1979), p. 357; Colin J. Hemer, The L etters to the Seven Churches o f A sia in Their L ocal Setting, JSNTSup 11 (Sheffield: JSOT, 1986), p. 131. 2. Heródoto 1.53. Consultar W illiam Barclay, The R evelation o f John, 2a ed. (Filadél fia: Westminster, 1960), 1.143.
A p o c a l ip s e 3.1-6
198
ram a Sardes, Croesus o esperava fora, crendo que ninguém poderia escalar os muros do promontório quase na vertical. Mas quando um de seus homens incidentemente deixou cair seu elmo de um dos mu ros e desceu para recuperá-lo, inadvertidamente demonstrou que o muro podia ser escalado. A noite, os soldados persas escalaram o muro, não encontraram oposição e tomaram a cidade.3Através do descuido de um soldado e falha em guardar os muros, Croesus perdeu a guerra. Quando as pessoas não prestam atenção em sua história, estão re petindo os erros do passado. No terceiro século antes de Cristo, Antíoco o Grande, rei da Síria, enviou seus exércitos contra Sardes (214 a.C.). Seus soldados escalaram os muros desprotegidos da cidade e a captura ram quase da mesma forma que os guerreiros persas fizeram em 546 a.C. Portanto, quando Jesus diz aos crentes de Sardes, “estejam em alerta!” (v. 2), ouviam um eco de seu próprio passado que reforçava sua advertência. Antíoco o Grande forçou cerca de duas mil famílias judias a emigrar-se da Mesopotâmia para Lídia e Frigia, na Ásia Menor.4Os judeus se estabeleceram em muitas das cidades, inclusive Sardes, onde pes quisas arqueológicas têm demonstrado que o idioma aramaico já era conhecido. Josefo registra que os judeus em Sardes desfrutavam de certos privilégios, como receber cidadania e preencher as posições prin cipais como membros do conselho da cidade.5Escavações têm desen terrado as ruínas de uma sinagoga de tamanho razoável datando do terceiro século da Era Cristã. Presumivelmente, ruínas do terceiro sé 3. Heródoto 1.77-84. Ver E. M. Blaiklock, Cities o f the N ew Testament (Londres: R evelll, 1965), pp. 113-15; Colin J. Hemer, “The Sardis Letter and the Croesus Tradition”, NTS 19 (1972): 94-97. 4. Josefo, A ntigüidades 12.3.4 § 149. É possível que haja uma alusão a uma coloniza ção judaica de dias mais antigos em Obadias 20. “Esta companhia de israelitas exila dos que está em Canaã possuirá a terra até Zarefate; e os exilados de Jerusalém que estão em Sefara possuirão as cidades do N eguebe.” Sefara pode ser Sardes, porém certamente é alusivo. Estimativas sobre a população total de judeus na Á sia Menor durante o primeiro século d.C. chegam à cifra de um milhão. Referência a P. W. van der Horst, “Jews and Christians in Aphrofisias in the Light o f Their Relations in Other C ities o f A sia Minor”, ÍV7T43 (1989): 106, 107. 5. Josefo, A ntigüidades 14.10.17 § 235; 14.10.24 § 259. Ver Hemer, L etters to the Seven Churches, pp. 137, 138, 143, 144; Robert North, “Sardis”, ISBE, 4.336-37; David E. Aune, R evelation 1 -5 , W BC 52A (Dallas: Word, 1997), pp. 218, 219.
199
A po c a l ip s e 3.1-6
culo não provam que os judeus viviam em Sardes no primeiro século, contudo sugerem que pessoas judias poderiam ter vivido ali por algum tempo antes disso e que eram ricas, influentes e bastante numerosas ao ponto de poderem ter construído esse complexo de sinagogas.6 Há mais. Jesus nota que umas poucas pessoas em Sardes não ti nham contaminado suas roupas (v. 4). Isso significa que esses poucos se conservaram puros das influências externas e que não se adaptaram às práticas religiosas daqueles dias. Embora ambas as cartas às igrejas de Esmirna e Filadélfia mencionem a “sinagoga de Satanás” e pessoas “que dizem ser judeus e não são” (2.9; 3.9), Sardes não sofreu oposição dos judeus. O evangelho que os cristãos locais proclamavam e aplica vam era fraco demais para ser ofensivo aos judeus. Além disso, tem plos pagãos dedicados a Cibele, Zeus Lídio, Heracles e Dionísio exer ciam influência na religião do povo. Além do mais, o tipo de evangelho que os habitantes de Sardes ouviam dos cristãos não constituía nenhu ma ameaça à sua religião pagã. Sardes foi conquistada pelos romanos em 189 a.C. e sofreu um devastador terremoto em 17 d.C., e por isso o imperador Tibério isen tou a cidade de pagar impostos por um período de cinco anos. Durante esses anos, seus cidadãos edificaram Sardes, fazendo-a surgir das ruí nas e voltar ao seu esplendor anterior. Os judeus enviavam regular mente dinheiro a Jerusalém para a manutenção do templo. Josefo registra que recorreram ao governo da cidade sobre a decisão de César, não para impedi-los de arrecadar taxa no templo e enviá-la a Jerusalém.7 Das sete igrejas, Sardes estava entre as de fervor espiritual mais baixo. Sua acomodação ao seu ambiente religioso protegia a igreja da perseguição, pois dificilmente alguém a notava. Sua vida inofensiva produzia paz religiosa com o mundo, porém resultou na morte espiritual aos olhos de Deus. Afora uns poucos membros fiéis que conservaram ardente o fogo do evangelho, a igreja propriamente dita estava gra dualmente morrendo, como um fogo que lhe falta combustível e ar. Não obstante, entre as cinzas sem chama jaziam uns poucos rescaldos ainda vivos.
6. Aune, Revelation 1 -5 , p. 170. 7. Josefo, A ntigüidades 16.6.6 § 171.
A p o c a l ip s e 3.1-6
200
a. Advertência 3.1-3 1. E ao anjo da igreja em Sardes escreva: Isto diz aquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas: Conheço suas obras; você tem a reputação de que está vivo, porém está morto. a. “Isto diz aquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete estre las.” Jesus se identifica de forma diferenciada na sentença inicial de cada carta individualmente. Aqui ele se revela com a combinação da saudação inicial do livro: “os sete espíritos” (1.4), e uma frase extraída de seu aparecimento a João: “as sete estrelas” (1.16, 20; 2.1). Os sete espíritos descrevem a plenitude do Espírito Santo, a quem Jesus está enviando da parte do Pai (Jo 14.26; 15.26, 27; At 2.33). Jesus diz que ele tem os sete espíritos, isto é, ele recebeu a plenitude do Espírito Santo e exerce autoridade sobre ele. Ele comissiona o Espírito Santo para fazer com que crentes e incrédulos o conheçam e para avivar as chamas da renovação nas igrejas que estão em declínio. O Espírito, pois, é o agente que sopra nova vida na igreja moribunda de Sardes e estimula os membros indolentes à ação. A frase as sete estrelas também ocorre na carta à igreja de Éfeso (2.1), mas ali os crentes tinham perdido seu primeiro amor e tinham caí do de seu auge espiritual (2.4,5); aqui eles são declarados espiritualmen te mortos, o que é muitíssimo pior. Mas, através de seu Espírito gerador de vida, Jesus é capaz e quer receber a Igreja. Ele segura as sete estrelas em sua mão direita (1.16), pois elas são seus mensageiros designados a proclamar a Palavra de Deus, que gera nova vida no interior da Igreja. Jesus dá a esses portadores das boas-novas, concomitantemente, autori dade e proteção. Ele os comissiona a entregar ao povo de Deus não sua própria mensagem, mas a de Deus, b. “Conheço suas obras; você tem a reputação de que está vivo, porém está morto.” Jesus se dirige aos membros da igreja em Sardes e lhes afirma que está plenamente cônscio de suas obras, porém ele não pode enumerá-las porque elas são incompletas aos olhos de Deus (v. 2). Deus não está interessado em frias tentativas de servi-lo. A súmula de sua lei é: “ame ao Senhor seu Deus de todo o seu coração, e de toda a sua alma e de toda a sua mente” (Mt 22.37). A Igreja, em geral, conhecia Sardes como uma congregação que desfrutava da reputação de ser viva. Presumimos que a estatura e in
201
A po c a l ip s e 3.1-6
fluência financeira poderiam ter contribuído para dar à igreja a aparên cia externa de ser espiritualmente florescente. A aparência externa po dia enganar os amigos crentes que a olhassem superficialmente, Jesus, porém, examina a condição íntima da igreja e descobre uma ausência de fé vibrante, que resulta da apatia espiritual. Quase toda a igreja tinha se rendido ao mundo circundante de religião pagã e judaísmo, e em vez de ser uma influência sobre a cultura, viera a ser influenciada por essa mesma cultura. Não surpreende que Jesus a descreva como estando morta. A igreja de Sardes viera a ser uma nulidade em razão de haver fracassado em contribuir para o avanço do evangelho. Jesus disse aos efésios que, se não se arrependessem, ele removeria seu candelabro com o fim de impedi-los de ser uma igreja (2.5). De igual modo, Sardes cessaria de ser uma igreja, a menos que os membros revelassem evi dência de arrependimento.
2. Esteja em alerta! Fortifique as coisas que restam e que estão para morrer, pois não achei suas obras perfeitas diante de meu Deus. 3. Lembre-se, pois, como você recebeu e ouviu [a mensagem]; conserve-a e arrependa-se. Portanto, se você não ficar alerta, virei como um ladrão e de forma alguma saberá a que hora eu virei a você. a. “Esteja em alerta! Fortifique as coisas que restam e estão para morrer.” A primeira ordem é para ser vigilante. Ouvindo-a, os habitan tes de Sardes imediatamente se lembrariam de sua história. O texto grego enfatiza o presente contínuo para indicar que a igreja deve sem pre mostrar que está alerta aos perigos internos e externos: falsos m es tres no seio da igreja e falsa doutrina chegando do lado de fora (compa rar At 20.29-31; ver também Mt 24.24). A ordem de Jesus à vigilância revela que alguma vida está ainda presente na congregação, ainda que a tenha descrito como morta. A segunda ordem é para dar início à tarefa de fortalecer as pessoas, e as coisas que ainda funcionam na igreja. Embora alguns membros ainda estejam ativos, as obras que têm empreendido são incompletas e correm o risco de tomar-se totalmente inativas.8A ênfase nesta senten 8. Aune (R evelation 1 - 5 , pp. 216-219) na tradução e interpretação destaca pessoas, em vez de coisas inanimadas. Entretanto, a frase que segue tem a expressão “suas obras”, que ;erve com o uma explicação de “as coisas”. Ver também Hemer, L etters to the Seven Churches, pp. 143, 144.
A p o c a l ip s e 3.1-6
202
ça está no verbo fortalecer, de modo que tanto os agentes quanto as atividades que ainda ficaram em Sardes são reforçados. As obras de fé e amor praticadas por uns poucos membros devotos têm o potencial de extinguir-se. Incidentalmente, a fraseologia desta sentença ecoa a instrução divina de Israel: “Você não tem fortalecido o fraco” (Ez 34.4; comparar também Lc 22.32). b. “Pois não achei suas obras perfeitas diante de meu Deus.” Jesus examina as atividades da igreja de Sardes, exatamente como Deus pe sou Belsazar na balança e o achou em falta (Dn 5.27). Ele não quer quantidade, e, sim, qualidade. Equivale a dizer que ele quer aquilo que é feito com fé e amor para com Deus e o próximo. Ele quer que o crente seja cheio do Espírito Santo e lhe expresse obras de gratidão. A expres são obras perfeitas comunica o sentido daquilo que é perfeito (ver Mt 5.48). Nenhum israelita podia oferecer ao Senhor um animal defeituo so (Lv 1.3; Dt 15.21; Ml 1.8), pois um animal tinha que ser sem man cha, isto é, íntegro. Assim os cristãos de Sardes tinham que apresentar suas obras diante do Senhor como sacrifícios perfeitos. Jesus usa o pronome possessivo meu cinco vezes quando fala de Deus (3.2, 12 [quatro vezes]; ver também Jo 20.17). Subordinado a Deus, ele cumpre seu papel medianeiro. c. “Lembre-se, pois, como você recebeu e ouviu [a mensagem]; conserve-a e arrependa-se.” Os verbos nesta sentença fornecem ampla evidência de que muito tempo havia transcorrido desde que as pessoas ouviram pela primeira vez e creram na mensagem do evangelho.9 O verbo lembrar parece apontar não para o passado imediato de uns pou cos anos atrás, mas para o passado distante de mais de uma geração. Se o evangelho foi levado a Sardes em meados dos anos 50 e João escre veu o Apocalipse em meados dos anos 90, quarenta anos já haviam transcorrido. Em seguida, o grego tem o tempo perfeito do verbo rece ber para indicar que já transcorrera um tempo considerável. Os cristãos da prim eira geração tinham posto sua fé em ação, mas a segunda geração apenas descansava no que acontecera no passado. Daí, Jesus emite a ordem de guardar na memória o que seus pais fize ram, porque a prim eira geração recebera a mensagem da salvação, ouvira-a e obedientemente seguira suas instruções (ver 2.5). A segun 9. O objeto dos verbos receber e ouvir é o evangelho. Consultar Lous A. Vos, The Synoptic Traditions in the A pocalypse (Kämpen: Kok, 1965), pp. 211-14.
203
A p o c a l ip s e 3.1-6
da geração ainda tinha a mensagem evangélica, porém agora recebe a ordem de salvaguardá-la. Jesus não está dizendo que a Palavra de Deus deva ser conservada em segurança na prateleira ou numa gave ta, mas que seus ensinamentos devem ser conhecidos, seguidos e obe decidos. Assim, ele ordena aos leitores e ouvintes que obedeçam seu evangelho e se arrependam de sua inércia e indolência. O verbo guar dar se relaciona com o evangelho, e o verbo arrepender-se, com a mudança radical do eu interior. Hoje a Bíblia é um bestseller, e milhões de pessoas a adquirem. Ainda que muitas pessoas a leiam regularmente, somente alguns obe decem aos seus ensinamentos. d. “Portanto, se você ficar alerta, virei como um ladrão, e de forma alguma saberá a que hora eu virei a você.” A advertência é direta, pois deixar de dar-lhe atenção resulta inevitavelmente na vinda do juízo do Senhor. Cinco de sete epístolas registram sua vinda (Éfeso, 2.5; Pérgamo, 2.16; Tiatira, 2.25; Sardes, 3.3; Filadélfia, 3.11); três delas trazem esta informação juntamente com a severa advertência ao arrependimento (Éfeso, Pérgamo e Sardes). Isso significa que, nestes três exemplos, o arrependimento das pessoas e a vinda de Jesus devem ser interpretados contra o antecedente histórico daquele tempo. No presente contexto, a vinda de Jesus parece iminente e inespera da. Ele está vindo como um ladrão. Este é um tema comum no Novo Testamento, ou referindo-se ao castigo imediato, ou à Segunda Vinda de Cristo. Aqui, o contexto histórico aponta para o juízo ameaçador.10 O fracasso em arrepender-se inevitavelmente levaria à reprovação do Senhor. As pessoas de Sardes não têm que esperar até ao prometido regresso do Senhor; se fracassassem em arrepender-se, sua inesperada aparição seria como a de um ladrão, cuja vinda pode ocorrer a qualquer momento.11 10. Mateus 24.42-44; Lucas 12.39,40; 1 Tessalonicenses 5.2; 2 Pedro 3.10; Apocalipse 16.15. Ver George E. Ladd, A com m entary on the Revelation o f John (Grand Rapids; Eerdmans, 1972), p. 57; Gregory K. Beale, The Book o f R evelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), pp. 275, 276. A reorganiza ção do texto a parte de 16.15 a 3.3, por R. H. Charles (A C ritical and Exegetical C om m entary on the R evelation o f St. John, ICC [Edimburgo: Clark, 1920], 1.80; 2.49), é destituída de autoridade e não conta com o endosso de nenhum manuscrito. 11. Consultar Richard Bauckham, “Synoptic Parousia Parables and the A pocalypse”, NTS 23(1977): 162-76; e seu “Synoptic Parables Again”, N TS 29 (1983): 129-34.
A p o c a l ip s e 3.1-6
204
b. Promessa 3.4-6
.
Entretanto, você tem umas poucas pessoas em Sardes que não contaminaram suas roupas, e andarão comigo [vestidas] de branco, porque são dignas. Há esperança para a letárgica igreja de Sardes, onde uns poucos membros ainda são fiéis ao Senhor. Entre as cinzas do fogo se encon tram uns poucos tições fumegantes, que com uma lufada de vento arde rão em chama. O grego lê “uns poucos nomes” e comunica a idéia de que o Senhor conhece seus seguidores fiéis individual e nominalmente que nutrem amor por ele. O pequeno número de servos fiéis não tinha contaminado suas rou pas, o que significa que eles não tinham se deixado influenciar pela cultura secular de seus dias. A palavra roupas é um símbolo de sua conduta espiritual e seu estilo de vida moral (Jd 23). Não estavam man chados pelos pecados de adultério e idolatria; não tinham solapado a mensagem do evangelho; e tinham se refreado de se comprometer. Con tinuavam fidedignos em sua palavra empenhada em seu batismo, de seguir a Jesus. Ainda que esses poucos crentes fossem considerados como que fora de moda em relação à sua cultura, andavam sem vacilar nas pegadas dos apóstolos e outros cristãos que tinham trazido e ensi nado o evangelho da salvação. Caminhar com o Senhor Deus é algo exemplificado na vida de Enoque (Gn 5.22, 24) e na vida dos discípu los que andaram com Jesus pela Galiléia e Judéia. Os consagrados seguidores de Jesus andarão com ele e serão ves tidos com roupas brancas. A cor branca, neste texto, significa pureza e santidade.12Suas roupas brancas são a cobertura que o Senhor lhes dá como um manto de justiça (ver Is 61.10). Esses poucos fiéis são dignos. Isto é, aos olhos de Jesus, são declarados dignos, não por cau sa de suas próprias realizações, mas por causa das realizações dele. Suas assim chamadas boas obras nada são senão trapos de imundícia (Is 64.6). Mas ao ouvir obedientemente a voz de Jesus e seguir suas pegadas (ver Ap 14.4), eles, através de sua expiação, são declarados dignos. 4
12. Apocalipse 3.5, 18; 4.4; 6.11; 7.9, 13, 14; 19.14. Ver William Hendriksen, More Than Conquerors, p. 74.
205
A p o c a l ip s e 3.1-6
5. Aquele que vencer será vestido com roupas brancas. Jamais apagarei seu nome do livro da vida e confessarei seu nome diante do Pai e diante de seus anjos. 6. Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. a. “Aquele que vencer será vestido com roupas brancas.” O típico paralelismo hebraico é evidente quando o escritor conecta a referência precedente às roupas brancas com o conceito vencer (ver 2.7). A pessoa que persevera até o fim será salva e triunfará em Cristo (Mt 24.13). Os poucos cristãos fiéis de Sardes são aqueles que vencem as tentações e provações na vereda da vida. Qual, porém, é a importância da palavra assim l Parece natural tomar o advérbio em seu contexto do versículo precedente (v. 4b) e dizer que “assim” deve ser tomado em conexão com roupas brancas como uma conseqüência de andar com Jesus.13 Note a voz passiva no verbo será vestido, o qual denota que Deus dará, ao vencer, as roupas. As roupas são os atos de justiça dos santos (19.8). A cor branco denota pureza, e assim os santos que estão vesti dos com roupas brancas são santos na presença de Deus (7.9, 13). b. “Jamais apagarei seu nome do livro da vida.” Aqui está uma promessa que é fraseada em termos fortemente negativos para injetar certeza aos cristãos fiéis de Sardes. Assegura-lhes que estão absolu tamente a salvo e seguros. Seus nomes foram registrados no livro da vida e jam ais serão apagados. Em outro lugar, Deus testifica a seu povo: “Vejam que eu vos gravei nas palmas de minhas mãos” (Is 49.16). Ele está inseparavelmente ligado a eles, pois que são as meni nas de seus olhos (Dt 32.10; SI 17.8; Zc 2.8). João revela que os nomes inscritos nesse livro da vida foram registrados desde a funda ção do mundo (17.8). O povo judeu conservava registros precisos a respeito de estatísti cas vitais. Quando os judeus regressaram do exílio, fizeram-se listas para o registro de famílias (Ne 7.5, 6; 12.22-24). A exclusão de pessoas dos registros da casa de Israel foi uma prática nos dias de Ezequiel. Os falsos profetas eram completamente isolados e banidos da terra de Isra el (Ez 13.9). Os romanos deveriam apagar o nome de um criminoso dos registros antes de entregá-lo à morte; os cristãos que se recusassem
13. Consultar A une, R evelation 1 -5 , p. 223. B eale (R evelation, p. 278) prefere tomar “assim ” com o particípio presente ho nikòn (“aquele que vencer”).
A p o c a l ip s e 3.1-6
206
adorar César como Senhor eram considerados réus que deveriam per der sua cidadania. Jesus assegura aos fiéis de Sardes que seus nomes jam ais seriam apagados do livro da vida.14Aquelas pessoas que profes savam o nome de Jesus, mas cujo estilo de vida falhava em endossar sua profissão, jamais tiveram seus nomes registrados no “livro da vida” . Jesus lhes afirma que nunca os conheceu e lhes ordena que se apartem dele (Mt 7.21-23). A expressão “livro da vida” é significativa, porque difere daquele livro de “registro civil”; um está no céu, o outro, na terra. No Apocalipse, o livro da vida está onde estão escritos os nomes dos que já receberam o dom da vida eterna (3.5; 13.8; 17.8; 20.12,15; 21.27; e verL c 10.20; Fp 4.3; Hb 12.23). No Antigo Testamento, “ser apagado do livro” na terra significa “morrer”, isto é, ser apagado do registro civil (Êx 32.32, 33; SI 69.28; Dn 12.1). c. “Confessarei seu nome diante do Pai e diante de seus anjos.” Esta é uma palavra de Jesus expressa durante seu ministério terreno e reitera com variações menores: • “Todo aquele que me reconhecer diante dos homens, eu também o reconhecerei diante de meu Pai celestial” (Mt 10.32). • “Eu lhes digo que, quem me reconhecer diante dos homens, o Filho do Homem também o reconhecerá diante dos anjos de Deus” (Lc 12.8). • “Aquele que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai” (2 Ciem. 3.2). Um hino cristão primitivo declara que Jesus desconhecerá uma pes soa que o desconhece (2Tm 2.12), e o paralelo é que, diante de Deus o Pai, Jesus honra os que o honram (ISm 2.30). Nas cortes mais elevadas do céu, diante de Deus e de seus anjos, Jesus confessa os nomes de todos quantos confessarem seu nome na terra. Jesus é um com seu povo e não se envergonha de chamá-los seus irmãos e irmãs (Hb 2.11).15 14. Isbon T. Beckw ith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. Grand Rapids: Baker, 1979), p. 476; John P. M. Sw eet, R evelation, WPC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 100; Alan F. Johnson, R evelation, em The E xpositor’s B ible Com m entary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.450; G. R. Beasley-M urray, The B ook o f R evelation, NC B (Londres: Oliphants, 1974), p. 98. 15. Ver o significado de “nome” em J. William Fuller, “I W ill Not Erase His Nam e from the B ook o f Life (Revelation 3.5)”, JETS 26 (1983): 297-306.
207
A po c a l ip s e 3.1-6
d. “Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igre ja s.” Este é um refrão repetitivo registrado em cada uma das sete cartas. O Espírito Santo fala a todas as igrejas, e não só à congregação de Sardes.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 3.1-6 V e rsíc u lo 1
õvo|ia - esta palavra tem um significado metafórico, “reputação”. V e rsíc u lo 2
yívou ypriyopcjy - o verbo e s t a r com o particípio presente denota uma construção perifrástica, aqui no imperativo. A ordem revela que as pessoas já estão em alerta e devem continuar assim. Mas o verbo imperativo, a x r p ia o v , é o aoristo ingressivo, “começa a fortalecer”. l\ic-XXov - este é um imperfeito epistolar, porque o escritor se põe na posi ção do leitor que, quando lê o verbo, sabe que está no pretérito. Ele é traduzi do como um tempo presente, “está para [acontecer]”. V e rsíc u lo 3
Os tempos e modos verbais, no versículo 3a, variam: |avrpóveue (lembrese!), presente imperativo; e’ÍÀriaç (você já recebeu), indicativo perfeito ativo; r|Kouaaç (você ouviu), o aoristo indicativo; T t p e t , (guarde!), presente imperati vo; netavórioov (arrependa-se!, ver 2.5), aoristo imperativo. O tempo perfeito de e’íÀri4)cc<; parece assumir um tempo aorístico, “especialmente em vista das ocorrên cias relativamente poucas do aoristo indicativo de Xoqipávco no Apocalipse”.16 V e rsíc u lo 4 òXLya ò u á [ia m - “umas poucas pessoas.” O significado figurado do subs tantivo se refere a pessoas que são, cada uma, conhecidas nominalmente (ver At 1.15; Ap 11.13; comparar 18.15). V ersícu lo 5
oikwç - “assim.” O TR tem a redação oikoç (isto), que parece ser uma correção do advérbio ouruç, que foi considerado como supérfluo.17A evidên cia manuscrítica favorece a redação “assim”.
16. Robert Hanna, A G ram m atical A id to the Greek N ew Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 445; A. T. Robertson, A G ram m ar o f the G reek N ew Testament in the Light o f H istorical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 901. 17. Bruce M. Metzger, A Textual Com m entary on the G reek New Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 665.
A p o c a l ip s e 3.7-13
208
7 Ao anjo da igreja em Filadélfia escreva: Isto diz aquele que é santo e verdadeiro, que tem a chave de Davi, que abre e ninguém fechará, e que fecha e ninguém abrirá: 8 Conheço suas obras. Eis que tenho posto diante de você uma porta aberta, a qual ninguém é capaz de fechar. Eu sei que você tem pouca força, e no entanto você guardou minha palavra, e não negou meu nome. 9 Eis que eu farei com que os da sinagoga de Satanás, e que se chamam judeus e não o são, porém mentem - eis que os farei vir e curvar-se a seus pés e admitir que eu o amei. 10 Visto que você tem guardado minha ordem de perseverar, eu também o guardarei da hora da provação que está para vir so bre o mundo inteiro, para provar os que habitam sobre a terra. 11 Eu venho logo; conserve o que você tem, para que ninguém tome sua coroa. 12 Eu farei que o vencedor seja uma coluna no templo de meu Deus. Ele nunca mais sairá dali. Escreverei nele o nome de meu Deus e o nome da cidade de meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu da parte de meu Deus; e nele escreverei meu novo nome. 13 Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.
6. Filadélfia 3.7-13 A . Cidade Localizada a quase trinta milhas a sudeste de Sardes e cerca de sessenta milhas a leste de Esmirna, Filadélfia (moderna Alasehir) foi fundada em 140 a.C. por Átalo Segundo.18Seu sobrenome era Filadelfo, e por amor de seu irmão, Eumenes, ele chamou a cidade Filadélfia, cidade do amor fraterno. Ela estava localizada estrategicamente junto a uma rodovia bem trafegada que ligava o oriente (Ásia) com o oci dente (Europa). Era uma cidade com uma porta aberta através da qual a indústria, o comércio, o idioma e a cultura grega se difundiram da Grécia e M acedônia para a Ásia Menor e Síria. A palavra de Jesus, “eis que tenho posto diante de você uma porta aberta” (v. 8), foi bem rece bida pelos cristãos residentes que ativamente difundiam o evangelho de Jesus Cristo. A área circunjacente a Filadélfia era vulcânica e conhecida como “a terra fumegante”. As cinzas vulcânicas desciam e tornavam o solo extremamente fértil. Nos campos adjacentes à cidade, vinhas pontilha i s . Outro relato declara que o egípcio Ptolomeu Filadelfo fundou a cidade no terceiro século a.C. Consultar Joannes Lydus D e M ensibus 3.32; Aune, R evelation 1 - 5 , p. 234; Hemer, L etters to the Seven Churches, pp. 262, 263 n. 3.
209
A p o c a l ip s e 3.7-13
vam a paisagem, de modo que ela veio a ser conhecida por seus vinhos e bebidas refrigerantes. Não obstante, por causa da atividade vulcânica, esta cidade era abalada por freqüentes terremotos. Um forte tremor de vastou a cidade em 17 d.C., após o qual o imperador Tibério isentou Filadélfia do pagamento de impostos. Ele doou uma soma em dinheiro para ser usada na reconstrução da cidade. Seus habitantes, movidos de medo pelos repetidos tremores, preferiram viver fora dos muros da cida de, em campo aberto. Assim, a promessa de Jesus era significativa para seus seguidores daquela cidade: nunca mais teriam que sair (v. 12). E preciso mencionar outro ponto de interesse. A cidade, devastada pelo terremoto de 17 d.C., e auxiliada financeiramente por Tibério, que rendo honrar o imperador, adotou o nome Neocaesarea (a cidade do novo César). O novo nome permaneceu em voga por cerca de vinte e cinco a trinta anos. Finalmente, para honrar o imperador Vespasiano, cujo reinado durou de 69 a 79, a cidade passou a chamar-se “Flávia”, e tinha um templo para o culto ao imperador. O nome completo de Vespasiano era Tito Flávio Sabino Vespasiano. Uma vez mais, a pro messa de Jesus aos cristãos de Filadélfia, de dar-lhes um novo nome (v. 12), veio a ser significativa. Ramsay habilidosamente sintetiza as características de Filadélfia: “Primeiro, ela era a cidade missionária; segundo, seu povo sempre vi veu sob o medo de hecatombe, ‘o dia de provação’; terceiro, muitos dentre seu povo fixaram sua residência fora da cidade; quarto, ela adotou um novo nome oriundo do deus imperial.” 19 Não só a igreja de Esmirna, mas também os santos de Filadélfia vieram a ser modelos de fidelidade a Jesus Cristo. Ele os louva por sua firmeza, e por toda esta carta ele não expressa nenhuma palavra de reprovação. São muitas as indicações da influência cristã em Filadél fia, pois a igreja permaneceu leal a Jesus através dos séculos, mesmo quando o islamismo veio a ser a religião dominante na região. Na pri meira parte do século 20, cinco congregações cristãs eram ainda flores centes em Filadélfia.20De todas as sete igrejas na província da Ásia, somente a de Filadélfia transpôs os séculos.
19. Ramsay, L etters to the Seven Churches, p. 398. 20. Blaiklock, C ities o f the N ew Testament, p. 122; Henry Barclay Sw ete, Com m entary on R evelation (1911; reimp. Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 53.
A p o c a l ip s e 3.7-13
210
a. Endereço e Reconhecimento 3.7,8
7. Ao anjo da igreja em Filadélfia escreva: Isto diz aquele que é santo e verdadeiro, que tem a chave de Davi, que abre e ninguém fechará, e que fecha e ninguém abrirá: 8. Conheço suas obras. Eis que tenho posto diante de você uma porta aberta, a qual ninguém é capaz de fechar. Eu sei que você tem pouca for ça, e no entanto você guardou minha palavra, e não negou meu nome. a. “Isto diz aquele que é santo e verdadeiro, que tem a chave de Davi, que abre e ninguém fechará, e que fecha e ninguém abrirá.” A autodescrição de Jesus é uma introdução adequada à carta aos crentes de Filadélfia, porque Jesus os incita a nutrir igualmente santidade e autenticidade. A Escritura ensina que, uma vez que Deus é santo, ele espera que todo o seu povo seja santo (Lv 11.45; 19.2; 20.7). Deus é o Santo (Is 40.25; Hc 3.3), aqui, porém, Jesus é chamado santo e verda deiro. Aliás, tanto os demônios quanto os discípulos de Jesus o reco nheceram como o Santo de Deus (Mc 1.24; Lc 4.34; Jo 6.69). De todos os livros do Novo Testamento, o Apocalipse mui freqüentemente cha ma o povo de Deus de os santos.21 Já foram purificados pelo sangue de Cristo e têm acesso à presença de Deus como se nunca tivessem peca do. São a noiva de Cristo, de quem toda mancha ou ruga já foi removi da (Ef 5.26, 27). Só duas vezes no Novo Testamento os dois adjetivos, santo e ver dadeiro, são combinados: uma vez são aplicados a Jesus (aqui), e uma vez a Deus (6.10). Verdadeiro significa aquilo que é genuíno como o oposto de imitação. Jesus nunca quebra sua palavra, mas que preenche todas suas implicações. Os que se chamavam judeus, mas que não eram judeus, demonstravam ser mentirosos. A guisa de contraste, a palavra de Jesus é fidedigna. A c o m b i n a ç ã o e verdadeiro é atribuída a Jesus e às palavras que Deus fala (3.14; 21.5; 22.6). Jesus segura a chave de Davi, o que é uma referência direta à sua linhagem messiânica. As palavras são baseadas em Isaías 22.22: “Po rei sobre os seus ombros as chaves do reino de Davi; o que ele abrir 21. A expressão para san tos (hagioi) ocorre 14 vezes no A pocalipse, 8 em Rom anos, 6 em 1 Coríntios e menos vezes nos demais livros.
211
A p o c a l ip s e 3.7-13
ninguém conseguirá fechar, e o que ele fechar ninguém conseguirá abrir.” Isso é dito de Eliaquim, filho de Hilquia, que serviu ao rei Ezequias como um mordomo fiel. Eliaquim recebeu emblemas régios de autoridade: um manto com cinturão e a chave da dinastia de Davi sobre seus ombros. Ele governou sobre a casa de Davi, Jerusalém e Judá. Ele foi um protótipo de Jesus, o Messias (comparar Is 9.6). Cristo, em contrapartida, segura o cetro do reino de Deus, é o Filho sobre sua casa (Hb 1.8; 3.6) e governa sobre todos os povos.22 A expressão chave, no singular, é precedida pelo artigo definido, e assim difere da primeira descrição de Jesus segurando as chaves da Morte e do Hades (1.18). Jesus é o único que detém autoridade absolu ta com aquela chave régia de Davi (5.5; 22.16). Ele é o soberano abso luto no céu e na terra (Mt 28.18), pois o que ele abre ninguém é capaz de fechar, e o que ele fecha ninguém é capaz de abrir. Sua palavra e ato são finais. O ato de abrir e fechar portas deve ser interpretado no contexto dos judeus em Filadélfia (v. 9). Opunham-se à admissão de gentios, a quem Jesus afetuosamente recebia na comunhão da Igreja cristã. Não obstante, os próprios judeus estavam do lado de fora do reino de Deus, ainda que se considerassem o povo eleito de Deus (Mt 8.12). b. “Isto diz [Jesus]: Conheço suas obras. Eis que tenho posto diante de você uma porta aberta, a qual ninguém é capaz de fechar.” O Senhor está totalmente familiarizado com as obras dos crentes de Filadélfia e não carece de uma lista delas (ver 2.2, 19; 3.15). As duas sentenças sobre uma porta aberta e a impossibilidade de fechá-la parecem ser uma alusão às obras realizadas pela igreja de Filadélfia. Enquanto a igreja de Sardes era ociosa, a de Filadélfia vivia ativamente ensinando e pregando o evangelho de Cristo. Os estudiosos debatem sobre a pontuação deste versículo. Alguns são de opinião que a sentença, “conheço suas obras” deve ser conside rada como um parêntese. Outros pensam que a sentença “eis que tenho posto diante de você uma porta aberta, a qual ninguém é capaz de fe char”, é parentética. E ainda outros fazem três sentenças separadas pela repetição das palavras “eu conheço” precedendo a terceira sentença, 22. B eale, R evelation, p. 285.Ernest Lohmeyer (D ie Ofrenbarung d es Johannes, H NT 16 [Tübingen: Mohr, 1970], p. 35) aplica a chave de Davi à nova Jerusalém.
A p o c a l ip s e 3.7-13
212
“que tem pouca força”, etc. A terceira opção é preferível e é adotada pela maioria dos tradutores.23 Qual é o significado da expressão uma porta aberta? Prim eira mente, o grego indica que essa porta já foi aberta e permanece aberta, ainda que o Senhor possa fechá-la novamente. Em segundo lugar, nada passa por essa porta em direção ao mundo, mas, ao contrário, é preciso entrar por ela em direção ao reino. Em terceiro lugar, o Se nhor tem de abrir a porta para tornar possível e eficiente a obra de evangelismo. Paulo e Barnabé relataram à igreja de Antioquia como Deus “abrira a porta da fé aos gentios” (At 14.27). Deus abre a porta que ninguém é capaz de fechar, de modo que as pessoas podem ter acesso à sua presença. Sempre que ele abre portas para seus obreiros, ali ele abençoa a obra deles, que consiste em apresentar o evangelho (IC o 16.9; 2Co 2.12; Cl 4.3). Ali a obra de missões e evangelismo floresce quando conversos abraçam a fé em Cristo. A despeito da fe roz oposição movida pelos judeus na sinagoga de Satanás (v. 9), o pequeno grupo de cristãos fiéis em Filadélfia recebeu a certeza de uma bênção por haver Jesus aberto a porta aos conversos gentílicos. Em suma, Deus é soberano na obra da salvação, pois ele ou abre ou fecha as portas do serviço (comparar Is 45.1). E a porta que Deus abre é um estímulo aos cristãos para que ativamente se engajem na obra de evangelismo e missões. c. “Sei que você tem pouca força, e no entanto você guardou minha palavra, e não negou meu nome.” Jesus enfatiza a palavra pouca. Ela precede o substantivo força e se relaciona com o número dos santos em Filadélfia. Aos olhos dos judeus locais, esses cristãos eram tão insig nificantes que nem mesmo precisavam considerá-los como uma ame aça. No decurso do ministério terreno de Jesus, o Senhor estimulou os discípulos com estas palavras: “Não tenham medo, pequeno rebanho, pois a seu Pai agradou dar-lhes o reino” (Lc 12.32).
23. Aune (R evelation 1 -5 , p. 228) fica com o texto grego e a frase de repetição, “eu conheço” . A ssim , ele traduz hoti não com o conjunção (“que”), mas com o causal (“por que”). D e modo semelhante, R. C. H. Lenski, The Interpretation ofSt. John 's Revelation (Columbus: Wartburg, 1943), p. 139. O GNB transpôs as sentenças “eu tenho posto diante de você uma porta aberta, a qual ninguém é capaz de fechar” para o final do versículo com o uma sentença conclusiva.
213
A p o c a l ip s e 3.7-13
Dois elogios servem para injetar ânimo no espírito desse pequeno grupo de crentes: tinham guardado a palavra de Jesus e não tinham negado seu nome. Esses dois são opostos em um paralelismo hebraico: o primeiro é positivo e faz alusão ao evangelho de Cristo; o segundo é negativo, com o termo nome incorporado à revelação de Jesus. Guar dar a palavra de Jesus não significa que ela fosse mantida longe da vista, mas que foi guardada da subversão. Não negar o nome significa honrá-lo e ao mesmo tempo fazer conhecida a todos a revelação de Jesus (ver v. 10; 2.13; Jo 8.51; lJo 2.5). A palavra e o nome de Jesus se referem à rev elação especial de D eus que se acha expressa, concomitantemente, no evangelho e no preceito. Seu povo observa esta revelação na palavra e nos atos. Esses dois elogios implicam que os santos fiéis de Filadélfia ti nham suportado oposição da parte de judeus e gentios. Seus adversá rios se opunham ao nome e à mensagem de Jesus, e repudiavam seus seguidores por causa de seu estilo de vida. Não obstante, os santos permaneceram leais ao seu Senhor, e por isso receberam seu louvor e suas bênçãos. b. Exortação 3.9-11
9. Eis que eu farei com que os da sinagoga de Satanás, e que se chamam judeus e não o são, porém mentem - eis que os farei vir e curvar-se a seus pés e admitir que eu o amei. a. o imperativo veja! [eis que!] aparece duas vezes à guisa de ênfase (ver também v. 8). Note a repetição da primeira sentença, a qual ocorre na carta aos cristãos de Esmirna (2.9). E note que a inter rupção no meio do versículo faz com que a segunda parte reforce a primeira. Essas duas partes ilustram a sintaxe hebraica, à guisa de ênfase. b. “Eis que farei com que os da sinagoga de Satanás, e que se cha mam judeus e não o são, porém mentem.” Os tradutores costumam fugir da versão literal: “Eis que farei que os ...”, e substituem o verbo fa ze r no tempo futuro para a redação: “eu dou.” Na segunda parte da sentença, a redação “eu farei” aparece novamente. As últimas palavras, “porém mentem”, não estão na carta a Esmirna, que faz paralelo com este versículo.
A p o c a l ip s e 3.7-13
Apocalipse 2.9
214
Apocalipse 3.9
farei com que os que são sinagoga de Satanás, aqueles que se chamam judeus, que se chamam judeus, e não o são, e não o são, porém são sinagoga de Satanás. porém mentem.
As duas congregações, de Esmirna e de Filadélfia, são as únicas das sete que fazem referência específica ao povo judeu, sua sinagoga e seu senhor, Satanás. Não obstante, estas são também as duas únicas igrejas que recebem louvor sem sequer uma palavra de reprimenda. As pessoas judias que se convertiam ao Cristianismo não mais eram toleradas nas sinagoga depois da destruição do templo e da cidade de Jerusalém em 70 d.C. Duas décadas mais tarde, os líderes judaicos que se achavam em Jânia reconhecem o cânon das Escrituras e formulam as assim chamadas Dezoito Bênçãos. A décima segunda petição nesta oração pronuncia uma maldição sobre os apóstatas: Para os apóstatas, que não haja nenhuma esperança, e que desarraigues de repente o reino da insolência que existe em nossos dias; e que os cris tãos (noserim ) e os hereges (minim ) pereçam num instante, e que sejam apagados do livro da vida, e não estejam inscritos com os justos. Bendito és tu, ó Senhor, que humilhas os insolentes.24
Já em meados do primeiro século, os judeus denominavam o Cris tianismo “a seita nazarena” (At 24.5). Depois que a maldição sobre os hereges foi formulada, os judeus denunciaram igualmente os cristãos judeus e gentios durante os serviços litúrgicos das sinagogas locais. Ainda que nenhum texto datando do primeiro século tenha sobrevivi do, podemos afirmar com segurança que a hostilidade judaica para com os cristãos tornou-se ainda mais acirrada. Descobrimos evidência des se fato nos escritos cristãos datando da última parte do primeiro século e começo do segundo, e em referências esparsas ao Cristianismo na literatura judaica.25
24. W iliam Horbury, “The Benedictions o f the Minim and Early Jewish-Christian Controversy”, JTS, n.s. 33.1 (1982): 19-61, especialm ente pp. 20, 21 e 59, 60. A cita ção é extraída da p. 20. Ver também SB, 4.208-49. 25. Inácio, P hiladelphians 6.1. Ver também João 8.44; 2 Coríntios 11.14, 15.
215
A p o c a l ip s e 3.7-13
Jesus denominou a assembléia judaica “a sinagoga de Satanás” (ver o comentário sobre 2.9). Como os judeus se orgulhavam de ser o povo eleito de Deus, com quem ele fizera uma aliança, Jesus implicitamente diz que eles tinham perdido o direito de serem chamados seu povo. Tornaram -se instrum entos nas mãos de Satanás que, com o seu governante, usava-os para solapar e, se possível, destruir a Igreja. Re jeitaram não só a Jesus, mas também a todos os seus seguidores e, assim, indiretamente, reconheceram Satanás como senhor. Portanto, Jesus os caracterizou como mentirosos, porque não mais podiam rei vindicar ser o povo de Deus. c. “Eis que eu os farei vir e prostrar-se diante de seus pés e admitir que eu o amei.” A Israel como a nação eleita de Deus foi dada a promessa de restauração depois do regresso do exílio. Deus disse: “Reis serão seus padrastos, e suas rainhas serão suas amas diante de você, com o rosto em terra; lamberão o pó de seus pés. Então você saberá que eu sou o Senhor; aqueles que esperam em mim não ficarão decepcionados” (Is 49.23; ver também 6.14). Em vez de os judeus serem honrados, Jesus prediz que honrará os seus fiéis seguidores e evidenciará que ele realmente ama os seus. Isso insinua que as promessas de Deus a Israel agora foram transferidas para os seguidores de Jesus.26Admissivelmente, nem todos os judeus perderam seu direito ao amor de Deus. Todos os que se arre penderam e se converteram a ele continuam experimentando sua graça divina, pois fazem parte do povo pactuai de Deus, redimido por Jesus Cristo. Jesus demonstra seu amor para com os crentes de Filadélfia, dizen do que mesmo os judeus opositores confessarão que ele os ama (com parar Is 43.4). Como a menina de seus olhos, são recipientes de seu insone cuidado.
10. Visto que você tem guardado minha ordem de perseverar, eu também o guardarei da hora da provação que está para vir so bre o mundo inteiro, para provar os que habitam sobre a terra. 11. Eu venho logo; conserve o que você tem, para que ninguém tome sua coroa. a. “Visto que você tem guardado minha ordem de perseverar, eu também o guardarei na hora da provação.” As traduções do versículo 26. Barclay, Revelation ofJohn, 1.165; Johnson, Revelation, p. 453.
A p o c a l i p s e 3.7-13
216
10 variam e, conseqüentem ente, também as interpretações, acaute lando o exegeta a não ser dem asiadam ente dogmático. Comecemos com a expressão introdutória visto que; esta conjunção retrocede ao versículo 8b (“você tem guardado minha palavra, e você não tem negado meu nom e”), de modo que o versículo 9 serve como uma nota explicativa sobre a opressão que os crentes fiéis tinham que suportar. Em segundo lugar, alguns comentaristas advogam a continuida de do versículo 8b (“você guardou minha palavra”) no versículo 10. Mas o termo palavra poderia ter uma conotação diferente quando ela é qualificada por “perseverar”, pois então ela assume o significa do de “ordenar” . Em terceiro lugar, há a seqüência do verbo guardar nos versículos 8 e 10, o qual pode ser interpretado como “obedecer”, como “você obedeceu à minha palavra/ordem”. Mas se o verbo obedecer for adotado, a balança verbal no versículo 10 terá sido destruída: “você tem guarda do minha ordem ... eu também o guardarei.” A escolha, pois, parece inclinar-se para o equilíbrio dos verbos “guardar” e “guardarei”. Em quarto lugar, há a posição do pronome possessivo minha, que é tomado ou como minha palavra/ordem” ( n r s v , n i v ) o u “a palavra de minha paciência”.27Ainda quando uma exceção pudesse ser feita para ambas as posições (comparar Hb 12.1-3), a construção “minha pala vra” (ver v. 8) chama a atenção para uma medida de consistência nesta questão. Não obstante, a Escritura ensina que, havendo suportado so frimento em si mesmo, Jesus socorre seu povo que agora sofre por causa de sua adesão a ele (Hb 2.18). Em último lugar, a preposição de significa conservação ou retira da? Esta preposição pode ser interpretada como significando “atra 27. Lenski, Revelation, p. 143. T. Mueller, “The Word o f M y Patience em Revelation 3 .1 0 ” , C o n c T h e o l-Q u a r t 4 6 (1 9 8 2 ): 2 3 1 -3 4 . M u eller interp reta o p ronom e objetivamente: “Você tem guardado a fé resultando em perseverança em m im .” A l guns com entaristas interpretam “minha perseverança” subjetivamente, referindo-se ao sofrimento e crucificação que Jesus suportou, pois sua paciência era um escândalo para os judeus. A questão se centra no referente, isto é, o pronome se relaciona com o sofrim ento de Jesus na cruz, ou com seus seguidores dos quais se diz terem suportado dificuldades por causa de seu nome? Consultar S. Greijdanus (D e O penbaring des H eeren aan Johannes, K NT [Amsterdã: Van Bottenburg, 1925], p. 100); Charles, R evelation, 1.89; Sw ete, R evelation, p. 56. O contexto parece favorecer a segunda escolha.
217
A p o c a l i p s e 3.7-13
vés de”, no sentido de Deus guardar os crentes a salvo durante um período de dificuldades. Mas também se pode argumentar dizendo que Deus retira seu filho das dificuldades que se lhe deparam. Não obstante, em sua oração como Sumo Sacerdote, Jesus não pede que Deus retire os crentes deste mundo, mas que os proteja das furiosas investidas do maligno (Jo 17.15). Jesus envia seu povo ao mundo com a certeza de que ele os preservará, como se evidenciou na vida e ministério de Paulo (ver At 18.9, 10). O Senhor promete que preser vará seu povo na hora da provação.28 b. “Da hora da provação que está para sobrevir ao mundo inteiro para provar os que habitam sobre a terra.” A palavra hora não se lim ita a sessenta minutos, mas, antes, denota um período de tempo. Mas o que a palavra provação significa e a quem se aplica? Este termo pode significar tentação, teste ou prova, dos quais o último se adequa ao contexto. Aqui o significado de provação é associado com os adversários, aflições e problemas que Deus está enviando ao seu povo para testar sua fé, santidade e caráter.29Deus os está testando e permitindo que Satanás os tente. Para os cristãos, isso significa que em tempos de tentação eles vencem pelo poder de Deus e são fortale cidos em sua fé. Tempos de prova vêm a qualquer igreja e a todos os crentes em todas as épocas. Como a igreja de Esmirna foi lançada em um período de perseguição, assim a igreja de Filadélfia experimentou sua hora de provação. Isso não significa que os cristãos não sofrerão morte física em tais períodos, mas que Deus os protege da morte espiritual. São os vencedores durante sua peregrinação sobre esta terra. “A hora da pro vação” não se limita a um evento particular, mas apresenta um quadro telescópico de toda a massa de provações. Diz respeito não só a Fila 28. Robert H. Gundry, The Church an d the Tribulation: A Biblical Exam ination o f P ostribulationism (Gran Rapids: Zondervan, 1973), p. 57; Beale, Revelation, pp. 290, 291. Para outros pontos de vista, ver Charles C. Ryrie, “The Church and the Tribulation: A R e v ie w ”, B ibSac 131, n. 522 (1974): 173-79; D avid G. W infrey, “The Great Tribulation: Kept ‘o u t o f ’ ou ‘through’? G T J 3 (1982): 3 -1 8 ;Thomas R. Edgar, “Robert H. Gundry and R evelation 3.10”, GTJ 3 (1982): 37-39; Robert L. Thomas, Revelation 1-7: An E x eg etica l C om m en tary (C hicago: M oody, 1992), pp. 2 8 6-88; John F. Walvoord, The R evelation o f Jesus Christ (Chicago: M oody, 1966), p. 87. 29. Thayer, p. 498; Walter Schneider e Colin Brown, NIDNTT, 3.803; Aune, R evelation 1 -5 , p. 231 (lO.h.).
A p o c a l ip s e 3.7-13
218
délfia, mas “se refere em termos gerais a todas as provações que prece dem o regresso de Cristo”.30Além do mais, essa prova abarca toda a terra, de modo que toda a Igreja em um outro tempo, antes do regresso de Cristo, enfrenta severa tribulação. A frase “os que habitam sobre a terra” se aplica aos incrédulos, como se faz evidente à luz de numerosas passagens no Apocalipse, onde ela significa os perseguidores e inimigos dos crentes.31Deus tes tará os incrédulos que perseguem seu povo e os achará em falta. Con cluímos que, neste versículo, o termo provação e o verbo provar apon tam igualmente para crentes e incrédulos. “Para os cristãos, esta tribu lação, além de ser uma ameaça para sua segurança física, também será um teste de sua fé, o qual, pelo socorro do Senhor, serão capazes de agüentar. Para os inimigos da Igreja, contudo, quer judeus ou gen-tios, ela virá como o castigo merecido por sua perversidade.”32 c. Eu venho logo; conserve o que você tem, para que ninguém tome sua coroa.” Aqui está o refrão repetitivo que aparece um número de vezes no Apocalipse (2.16, 25; 22.7, 12, 20; ver também Zc 2.10). No Apocalipse não há tempo cronológico, mas seu princípio é signifi cativo. Séculos vêm e séculos vão, enquanto a Igreja continua a orar: “Maranata, vem, Senhor Jesus!” Não há evidência de quando ele virá, mas a certeza de seu regresso ecoa por todo o Livro do Apocalipse. Jesus vem para confortar seu povo e também para vingar seus inimi gos.33 Jesus instrui a igreja de Tiatira a guardar firme o que ela tem (2.25); também exorta os cristãos de Filadélfia a guardar suas possessões espi rituais. Ele promete à igreja de Esmirna “a coroa da vida” (2.10), aqui, porém, ele declara que os crentes de Filadélfia já possuem a coroa de um vencedor. Conservá-la significa continuar sua lealdade até o fim, e assim serão vencedores. 30. Aune, Revelation 1-5, p. 240. Ver também Herman Hoeksema, Behold, He Cometh! An E xposition o f the Book o f Revelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing A ssociation, 1969), pp. 132, 133. 31. A pocalipse 6.10; 8.13; 11.10 (duas vezes); 13.8, 14 (duas vezes); 17.8; comparar também 13.12; 14.6; 17.2. 32. Schuyler Brown, “The Hour o f Trial (Rev. 3.10)”, JBL 85 (1966); 314. Refere-se também a H ughes, R evelation, p. 61. 33. Comparar Robert L. Thomas, “The ‘Com ings’ o f Christ in Revelation 2 - 3 ”, M SJ 7 (1966): 153-81.
219
A p o c a l i p s e 3.7-13
c. Promessa 3.12,13
12. Eu farei que o vencedor seja uma coluna no templo de meu Deus. Ele nunca mais sairá dali. Escreverei nele o nome de meu Deus e o nome da cidade de meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu da parte de meu Deus; e nele escreverei meu novo nome. Note o uso do pronome possessivo meu, que precede o substantivo Deus, quatro vezes; e o novo nome de Jesus, uma vez (ver também v. 2). Jesus enfatiza sua subordinação a seu Pai (Jo 20.17) e igualmente a autoridade que ele recebeu para escrever seu novo nome em seu povo. a. “Eu farei com que o vencedor seja uma coluna no templo de meu Deus.” Jesus promete fazer do crente uma coluna no templo de Deus. Há pelo menos duas interpretações da palavra coluna. Uma é que os templos antigos tinham um número de colunas esculpidas na forma de seres humanos que circundavam essas estruturas. A segunda é que uma coluna em um templo servia para honrar uma pessoa eminente, assemelhando-se às condecorações anexadas às colunas nas catedrais euro péias. Essas ilustrações, porém, não devem ser tomadas tão a sério, porque o termo coluna tem uma significação simbólica, da mesma for ma como Tiago, Pedro e João eram considerados colunas na Igreja (G1 2.9; comparar também lT m 3.15). A passagem fala não de templos pagãos, nem do templo salomônico em Jerusalém (lR s 7.15-22; 2Cr 3.15-17), mas da nova Jerusalém que está descendo do céu. Isso significa que os santos são honrados no seio desse templo celestial, o qual de fato não é nada menos que a própria presença de Deus. Isso exclui, pois, qualquer idéia de colunas de apoio como nos templos antigos. Em suma, a expressão templo deve ser in terpretada figuradamente. Deus tenciona honrar seu povo em sua pre sença secreta.34 b. “Ele nunca mais sairá dali. Escreverei nele o nome de meu Deus.” A prim eira sentença era significativa para os cidadãos de Fila 34. Richard H. W ilkinson (“The stu/loj o f Revelation 3.12 and Ancient Coronation R ites”, JBL 107 [1988]: 498-501) chama a atenção para o templo de Salom ão, onde em uma coluna reis eram coroados ou um pacto era renovado (comparar 2 Rs 11.14 e 23.3). Mas essas referências têm pouco a ver com uma coluna na nova Jerusalém.
A p o c a l ip s e 3.7-13
220
délfia que, por causa dos freqüentes terremotos, preferiam viver do lado de fora dos muros da cidade, em campo aberto. Tais pessoas viviam toda sua vida com medo de catástrofes naturais; em contraste, os filhos de Deus habitarão perenemente em segurança em sua pre sença (21.3). Jesus promete que porá o nome de Deus no cristão. Em outras duas passagens, João elabora este pensamento dizendo que os nomes do Cordeiro e do Pai são escritos nas frontes dos santos (14.1; 22.4). Note a antítese freqüente no Apocalipse: os santos recebem os nomes de Deus e do Cordeiro, enquanto os incrédulos portam o nome e o número da besta (13.17, 18). c. “E o nome da cidade de meu Deus, a nova Jerusalém que está descendo do céu da parte de meu Deus; e sobre ele escreverei meu novo nome.” A palavra nome ocorre três vezes neste versículo. No ter ceiro caso, ele é qualificado pelo adjetivo novo. Os habitantes de Fila délfia podiam relacionar-se com esses novos nomes, porque, depois do terremoto em 17 d.C., quando o imperador Tibério os isentou do paga mento de impostos e doou dinheiro para a reconstrução de Filadélfia, deram à sua cidade o nome de Neocaesarea. Décadas mais tarde, quan do desejaram honrar o imperador Vespasiano, chamaram-na Flávia. Agora os santos de Filadélfia são informados que neles serão escritos os nomes de Deus, da nova Jerusalém e de Jesus. Esses nomes lhes servem como o passaporte de ingresso à presença de Deus e como sinal de cidadania da Jerusalém que desce do céu. Ainda que a nova Jerusalém seja aqui mencionada de passagem, João fornece uma descrição detalhada dessa cidade em 21.2, 10-27.35 Esta descrição tem por base Ezequiel 48, onde os detalhes da cidade são dados com respeito a dimensões, portões, tribos e nomes. O profeta Ezequiel, com propriedade, conclui esse capítulo, dizendo: “E o nome da cidade daquele tempo será: O SENHOR ESTÁ ALI” (48.35b). A nova cidade é diferente da antiga no que diz respeito à sua forma, as 35. A fraseologia em A pocalipse 3.12; 21.2; e 21.10 é virtualmente idêntica: “a cidade de meu D eus, a nova Jerusalém que está descendo do céu, da parte de meu D eus” (3.12); “a cidade santa, a nova Jerusalém que está descendo do céu, da parte de D eus” ( 21.2);
“a cidade santa, Jerusalém, que está descendo do céu, da parte de D eus” (21.10).
221
A p o c a l ips e 3.7-13
pecto e significação (ver G14.25,26; Hb 12.22). Ali o trono de Deus é estabelecido, em torno do qual todas as nações são congregadas para honrar o nome do Senhor (Jr 3.17; ver também 33.16). Os crentes da cidade de Antioquia foram os primeiros a receber o título cristão, isto é, seguidor de Cristo (At 11.26). Para o mundo, este era um nome de escárnio (At 26.28; IPe 4.16). Mas ao entrar na nova Jerusalém, o cristão recebe o novo nome de Cristo. Não somos infor mados que nome é este, mas somos capazes de dizer que ele pertence à consumação da obra redentiva de Cristo. Este novo nome não mais será ridicularizado, mas será honrado e reverenciado.
13. Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Estas palavras são as mesmas em todas as sete cartas às igrejas na província da Ásia. E elas um a vez mais enfatizam o fato de que a mensagem dessas cartas se destina a todas as igrejas em todo tempo e lugar. Palavras, Frases e Construções Gregas em 3.7-12 Versículo 7
áA.r|0i.vóç - este adjetivo difere de àlr]0r|ç, que significa veraz; a redação no texto significa “leal à idéia”.36 Versículo 8
õéõtoKa - note que o verbo dar deve ser traduzido como “pôr”. Isso tam bém procede quanto ao versículo 9, onde ele tem o sentido de “fazer”, como visto na repetição na segunda parte desse versículo. Aqui o tempo perfeito “eu pus” revela que tempo considerável transcorrera e que o soberano Senhor determina até quando a porta permanece aberta. m xx\v - o pronome pessoal é redundante por causa do pronome relativo no início da sentença (7.2, 9; 13.8, 12; 20.8). Versículo 9
õiõcô - esta é a forma alternativa de òlõu(íl (eu dou).37 aÚToúç - o pronome é o objeto direto do verbo troirioco (eu farei), porém o sujeito dos dois verbos na sentença 'iva.38Esta sentença funciona como um 36. Beckwith, A pocalypse, p. 479. 37. Bauer, p. 192; Friedrich Blass e Albert Debrunner, A Greek Gram m ar o f the N ew Testament, trad, e rev. Robert Funk (Chicago: University o f Chicago Press, 1961), § 94.1. 38. B lass e Debrunner, G reek G ram m ar, § 476.1
A p o c a l i p s e 3.7-13
222
infinitivo (“vir” e “curvar”). Esses dois verbos, contudo, estão no futuro do indicativo, e não no subjuntivo como o verbo yuwaiv (sabem). Versículo 12 kv T(ô vaú> - vacô significa não o complexo do templo, mas o Santo dos Santos; isto é, a própria presença de Deus. èir’ am óv - a preposição e o pronome podem indicar ou “sobre ele” ou “sobre a coluna”. Outras passagens no Apocalipse fazem menção da escrita do nome nas frontes do povo de Deus (14.1; 22.4), as quais argumentam em favor de ó v i k w v , o vencedor. ’kpouaaXriii - esta grafia ocorre três vezes no Apocalipse (3.12; 21.2,10), e nunca no quarto Evangelho; a grafia alternativa, ’IepooóÀ.i)|ia, nunca ocorre no Apocalipse, porém doze vezes no Evangelho de João (1.19; 2.13,23; 4.20, 21, 45; 5.1, 2; 10.22; 11.18, 55; 12.12). Uma tentativa de distinguir a autoria desses dois livros não pode ser sustentada porque “vários autores [Mateus, Lucas e Paulo] usam ambas as formas alternadamente”.39
14 E ao anjo da igreja em Laodicéia escreva: Isto diz o Amém, a testemu nha fiel e verdadeira, a origem da criação de Deus: 15 Conheço suas obras; você não é frio nem quente. Gostaria que você fosse frio ou quente. 16 Assim, porque você é morno, nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo de minha boca. 17 Visto que você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada, no entanto você não sabe que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e nu, 18 eu o aconselho a comprar de mim ouro refinado pelo fogo para que você seja rico, roupa branca para vestir-se, a fim de que sua nudez não se exponha, e colírio para ungir seus olhos, para que veja. 19 Eu repreendo e disciplino aqueles a quem amo. Portanto, seja zeloso e arrependa-se. 20 Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo. 21 Ao que vencer, concederei [o privilégio] de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu mesmo venci e Sentei-me com meu Pai em seu trono. 22 Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.
7. lujodicéia 3.14-22 A . Cidade
Laodicéia estava situada a cerca de quarenta e três milhas a sudes te de Filadélfia, onze milhas a oeste de Colossos e seis milhas ao sul 39. Aune, Revelation 1-5, p. 232 (12.g.).
223
A p o c a l i p s e 3.14-22
de Hierápolis (Cl 4.13), no vale Lico. Ela servia de pórtico para Éfeso, em direção a leste, cerca de cem milhas, a qual era o pórtico da Síria. Até meados do terceiro século antes de Cristo, ela era conhecida como Dióspolis (a cidade de Zeus) e Rhoas. Mas, em aproximadamente 250 a.C., o governador sírio, Antíoco II, estendeu sua influência para o ocidente, conquistou a cidade e deu-lhe o nome de Laodicéia em hon ra de sua esposa Laodice. Os romanos entraram na região em 133 a.C. e fizeram da cidade um centro judicial e administrativo.40Construíram um sistema rodoviário de leste para oeste e de norte para o sul. No cruzamento estava a cidade de Laodicéia, cujo tamanho expandiu-se, tornou-se o principal centro comercial e cumulou riqueza e influên cia. Sua indústria de lã florescia através da produção e exportação da lã negra, o manufaturamento de vestimentas comuns e caras, e a in venção de um colírio eficaz para os olhos. Ela tinha uma florescente escola de medicina que se especializou no cuidado dos ouvidos e dos olhos e desenvolveu um ungüento para o tratamento de olhos infec cionados. Por causa desse ungüento, a escola se tornou m undialm en te famosa. Um terremoto devastador abalou Laodicéia em 17 d.C. e, como outras cidades na província da Ásia, ela recebeu ajuda financeira do governo romano. Em 60 d.C., um segundo terremoto abalou a cidade, e o governo romano ofereceu ajuda financeira para a reconstrução da cidade. Os fundadores da cidade enviaram ao governo uma resposta negativa, notificando que eles mesmos tinham amplos recursos para a reconstrução. De fato, eles mesmos contribuíram para a reconstrução de cidades vizinhas.41 Antíoco o Grande (também conhecido como Antíoco III) levou cerca de duas mil famílias judias de Babilônia para Lídia e Frigia durante meados do terceiro século a.C.42A cidade de Laodicéia, que fazia fron teira com essas duas regiões, deu guarida a muitas dessas famílias, que prosperaram. Quando, em 62 a.C., os judeus quiseram pagar seu impos 40. Hemer, L etters to the Seven Churches, p. 181; consultar também Ramsay, L etters to the Seven Churches, pp. 416, 417; Barclay, Letters to the Seven Churches, 1.108-9; e seu R evelation o f John, 1.173-74; Gerald L. Borchert, “Laodicea”, ISBE, 3.72-74. 41. Tácito, Annals 14.27: “Uma das mais fam osas cidades da A sia, Laodicéia, foi naquele m esm o ano destruída por um terremoto, e, sem qualquer ajuda de nossa parte, se recuperou por seus próprios recursos.” 42. Josefo, A ntigüidades 12.3.4 § 149.
A p o c a l i p s e 3.14-22
224
to anual para a manutenção do templo de Jerusalém, seu carregamento de ouro foi confiscado pelo procônsul Flaco. Parte desse carregamento era de Laodicéia e pesava mais de vinte libras. “Calculava-se que a po pulação judaica de Laodicéia de homens livres no distrito era estimada em 7.500 judeus adultos.”43 A carta à igreja de Laodicéia nada revela sobre a presença judaica, o que poderia significar que essa igreja, como a de Sardes, pregava um evangelho que de modo algum ameaçava os judeus. Tampouco os cristãos laodicenses tinham que enfrentar alguma perseguição por parte da população gentílica, nem existia na igreja ali algum falso profeta, sejam nicolaítas, seguidores de Balaão ou de Jezabel. O templo para o culto a César ocupava o lugar central na cidade de Laodicéia. A igreja se acomodara a outras religiões, refestelava-se nas riquezas materiais, estava contente em viver uma vida de calmaria e em impor as reivindicações de Cristo. Conseqüentemente, Jesus não tem palavra de louvor ou enaltecimento para essa igreja e igrejas semelhan tes que deixam de proclamar sua mensagem de salvação. Um último ponto se deve mencionar nesta breve visão panorâmica. A água que abastecia Laodicéia vinha de Heliópolis, de uma distância de seis milhas, por um aqueduto.44Suas fontes jorravam água quente saturada com carbonato de cálcio; quando a água chegava a Laodicéia, já estava morna. Ainda que esses mananciais quentes possuíssem valor medicinal, e que as fontes salubres atraíssem as pessoas, Jesus compa ra as águas tépidas nas proximidades da cidade à vida espiritual morna dos laodicenses. a. Descrição 3.14-16
14. E ao anjo da igreja em Laodicéia escreva: Isto diz o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, a origem da criação de Deus. 15. Conheço suas obras; você não é frio nem quente. Gostaria que você fosse frio ou quente. 16. Assim, porque você é morno, nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo de minha boca. Afora este texto, o nome Laodicéia ocorre só uma vez em todo o Novo Testamento (Cl 4.13). Sua proximidade de Colossos faz de Epafras 43. Hemer, L etters to the Seven Churches, p. 182. 44. W illiam M. Ramsay, The C ities and B ishoprics o f P hygia, Vol. 1, partes 1 e 2 (1895; reimp. N ova York: Arno, 1975), pp. 48, 49.
225
A p o c a l i p s e 3.14-22
o provável fundador da igreja de Laodicéia (Cl 1.7; 4.12, 13). Paulo enviara uma carta a essa igreja e solicitou que os colossenses providen ciassem que sua carta fosse também lida na igreja dos laodicenses e, vice-versa, que lessem a carta dos laodicenses na igreja de Colossos (Cl 4.16). Não possuímos informação de Paulo haver visitado essa igre ja.45 Provavelmente após seu livramento da prisão romana ele tenha visitado Colossos (Fm 22) e a vizinha Laodicéia. a. “E ao anjo da igreja em Laodicéia escreva: Isto diz o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, a origem da criação de Deus.” De todas as sete cartas às igrejas no ocidente da Ásia Menor, esta é a única descri ção de Cristo que não se deriva da aparição de Jesus a João na ilha de Patmos (1.12-16). Ela é oriunda da saudação, cuja redação é: “e de Jesus Cristo, a fiel testemunha, o primogênito dos mortos” (1.5a). A descrição que Jesus faz de si mesmo como sendo o amém tem sua origem no texto hebraico do Antigo Testamento. O “Amém” co munica a idéia daquilo que é verdadeiro, solidamente estabelecido e fidedigno. Era uma palavra familiar aos adoradores que, associada a uma doxologia, expressava em sua confirmação o que eles haviam ouvido (por exemplo, lC r 16.36; SI 106.48). É o “sim” enfático como uma resposta afirmativa a uma oração ou a conclusão a uma doxologia (Rm 1.25; 9.5; 11.36; 16.27; G1 6.18; Ap 1.7; 5.14; 7.12; 19.4).46Pre cedido pelo artigo definido, o Amém veio a ser personificado no texto hebraico como “o Deus do Amém”, na tradução, “o Deus da verdade” (Is 65.16; comparar 2Cr 1.20). Jesus toma para si este título e o inter preta na sentença seguinte como “a testemunha fiel e verdadeira”. Os termos fie l e verdadeiro são ambos traduções da mesma expressão hebraica Amém. Esta frase elucidativa, a testemunha fiel e verdadeira, é um eco da saudação trinitariana (1,4b-5); sem o termo testemunha ela é descritiva 45. A epístola latina aos laodicenses é apócrifa, pois contém a fraseologia extraída da epístola de Paulo aos gálatas. 46. Referência a J. M. Ross, “A m en”, ExpT 102 (1991): 166-71. L. H. Silbermann (“Farewell to O Amen: A Note on Rev. 3.14”, JBL 82 [1963]: 213-15) sugere que o idioma original do Apocalipse fosse o hebraico ou o aramaico. Não obstante, a evidên cia falha em endossar tal proposta. É melhor dizer que João estava plenamente fam ili arizado com os termos hebraicos, e prontamente fez uso deles. Ver Paul Trudinger, "Ho A m ê n (Rev. 3.14), and the Case for a Sem itic Original o f the A pocalypse”, N ovT 14 (1972): 277-79.
A p o c a l i p s e 3.14-22
226
do cavaleiro que cavalga um cavalo branco (19.11). Significa que tudo o que Jesus fala é indubitavelmente verdadeiro, de modo que no final do Apocalipse lemos a afirmação: “estas palavras são fiéis e verdadei ras” (21.5; 22.6). Por ser uma testemunha fiel, Antipas sofreu o martí rio em Pérgamo (2.13). Cumprindo as profecias veterotesta-mentárias (Is 43.10-13 e 65.16-18), Cristo é o verdadeiro Israel, visto ser ele o “Amém, a testemunha fiel e verdadeira”.47 Ao referir-se Jesus a si mesmo como “a origem da criação de Deus”, percebemos uma estreita ligação com a carta de Paulo aos Colossenses, a qual foi lida pelos laodicenses na liturgia do culto (Cl 4.16). O Senhor se autodenomina “origem [grego archê] da criação de Deus”. Não de vemos interpretar o termo origem passivamente, como se Jesus fosse criado ou recriado, mas ativamente, porquanto Jesus é aquele que gera e chama a criação de Deus à existência (Jo 1.1; Cl 1.15-18; Hb 1.2).48Qual, pois, é o propósito desta descrição? Propõe-se a mostrar que Jesus Cristo fez todas as coisas, e assim as possui e controla. Além disso, todas as coisas foram feitas para servi-lo. A mensagem aos laodicenses consiste em que seu orgulho posto nas riquezas terrenas está no lugar errado, porque todas as coisas pertencem a Jesus, que é digno de louvor e glória. b. “Conheço suas obras; você não é frio nem quente. Gostaria que fosse frio ou quente”. O termo obras aparece também nas outras cartas (2.2, 19; 3.1, 8). Aqui ele significa exatamente o mesmo que na carta à igreja de Sardes (v. 1): feitos incompletos que nem sequer são dignos de menção. Jesus conhecia as obras de Sardes e de Laodicéia, e para estas duas igrejas ele só tinha censura ferina. Não mais estavam ativas nem vivas: os poucos fiéis em Sardes eram como tições fumegantes no meio de uma camada de cinzas; os de Laodicéia eram como seu supri mento de água - nem frio nem quente. Se os laodicenses nunca tivessem ouvido o evangelho, teriam sido frios no sentido espiritual. Presumimos que os cristãos de Laodicéia da 47. Gregory K. Beale, “The Old Testament Background o f Revd. 3.14”, NTS 42 (1996): 133-52. E ver seu J o h n ’s Use o f the O ld Testam ent in R evelation , JSNTSup 166 (Sheffield: Sh effield Academ ic Press, 1998), pp. 273-94. 48. Ver Greijdanus, Openbaring, p. 106; Richard Bauckham, The Theology o f the B ook o f R evelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), p. 56; Hom er Hiley, R evelation: An Introduction and C om m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 157.
227
A p o c a l i p s e 3.14-22
primeira geração tenham aceito o evangelho e fossem ardentes com o fogo e entusiasmo espirituais. Não obstante, seus descendentes eram momos. Não demonstravam interesse em ser testemunhas de Jesus Cris to, em viver uma vida de serviço para o Senhor, nem na pregação e no ensino de seu evangelho para o avanço de sua Igreja e do reino. Ainda que possuíssem as Escrituras, eram apáticos, indiferentes e despreocu pados com as coisas do Senhor (comparar Hb 4.2; 6.4). Não admira que Jesus tenha dito: “Conheço suas obras”, implicando que não exis tia sequer uma. c. “Assim, já que você é morno, nem quente nem frio, estou a ponto de vomitá-lo de minha boca.” As fontes termais, numa distância de seis milhas nas proximidades de Hierápolis, forneciam águas de qualidade medicinal para Laodicéia. Quando a água chegava ali, ela já estava consideravelmente fria e, porque havia na água carbonato de cálcio, ela produzia um efeito nauseabundo nas pessoas que a bebiam. À guisa de contraste, Colossos, a uma distância de onze milhas, era abençoada com fontes que produziam água fria e pura. Cristo não nutre nenhum interesse por um Cristianismo momo, por quanto é de nenhum valor. Ele prefere trabalhar ou com pessoas que são inflamadas com energia para cumprir sua ordem, ou com aquelas que nunca receberam informação acerca da mensagem de salvação e se dispõem a ouvir. Água morna misturada com carbonato de cálcio induz ao vômito. Semelhantemente, os cristãos nominais destituídos de obras espirituais são totalmente sem sabor ao paladar do Senhor, e ele está pronto a vomitá-los de sua boca. Note que Jesus não diz: “Vomitá-lo-ei de minha boca”, mas, antes, “estou para vomitá-lo de minha boca”. Eis aqui a graça do Senhor Jesus, quando ele está dando aos laodicenses tempo para se arrependerem após a leitura de sua carta.49Esta epístola se destina à transformação da atitude mórbida dos recipientes em ar dente solicitude na obra do Senhor, pois a graça sempre precede a con denação (ver v. 19). A igreja de Laodicéia “não se tornou indiferente em decorrência dos interesses profanos que porventura arrefecessem seu natural fer vor, mas ela veio a ser ineficiente por esta razão: crendo que era espiri tualmente bem equipada, seus membros fecharam suas portas e deixa 49. Hendriksen, More Than Conquerors, p. 77; Beckwith, Apocalypse, p. 490; Lenski, Revelation, p. 155.
A p o c a l ip s e 3.14-22
228
ram do lado de fora seu real Provedor”.50Tinham excluído Cristo (com parar v. 20) e acreditavam que podiam viver sem ele. Ao agir assim, vieram a ser totalmente ineficientes como igreja. Sem Cristo, a igreja é morta. b. Reprovação 3.17,18
17. Visto que você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preci so de nada, no entanto você não sabe que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e nu, a. “Visto que você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada.” A fonte do dito parece ser o texto hebraico de Oséias 12.8, o qual revela similaridades distintas: Efraim orgulha-se e exclama: Como fiquei rico e abastado! Em todos os trabalhos que realizei não encontrarão em mim nenhum crime ou pecado.
Embora não possamos determinar se os membros da igreja de Laodicéia eram ou não opulentos, sabemos que os cidadãos locais eram ricos e prósperos. A expressão: “Estou rico e não preciso de nada” ocorre também em uma diatribe de Epictetus, que registra essas palavras oriun das de um meirinho imperial.51 É provável que o dito se tornasse pro verbial entre os ricos. Mas aqui as palavras saem dos lábios dos cris tãos de Laodicéia, que tinham se adaptado plenamente aos concidadãos. E assim, em vez de a igrejá influenciar a sociedade, o que ocorreu foi o inverso, com a sociedade liderando a igreja. Em segundo lugar, a palavra rico poderia apontar ou para as pos sessões materiais ou para as espirituais. Teriam os membros da igreja se identificado com os cidadãos locais que em 60 d.C. tinham rejeitado 50. M. J. S. Rudwick e E. M. B. Green, “The laodicean Lukewarmness”, E xpT 69 (1957-58): 178. Consultar também Stanley E. Porter, “W hy the laodiceans R eceived Lukewarm Water (Revelation 3.15-18)”, TynB 38 (1987): 143-49; Peter W ood, “Local K now ledge in the Letters o f the A pcalypse”, ExpT 73 (1961-62): 263, 264. 51. Epictetus D iatribes 3.7.29. Ver Aune, Revelation 1 -5 , p. 258.
229
A p o c a l ip s e 3.14-22
ajuda financeira de Roma, quando Laodicéia foi devastada por um terremoto? Ou o contexto compele o leitor a entender a palavra como uma referência a riquezas espirituais? A passagem precedente (vs. 1416) e o versículo seguinte (v. 18) levam os comentaristas a adotar a segunda alternativa. A evidência indica que a igreja tinha adotado as normas de Laodicéia e as tinha levado a bom termo na esfera espiritu al. Por exemplo, a cidade conhecida como o centro financeiro erigiu edifícios de bom tamanho, portões e torres logo depois do abalo que destruiu a cidade. Ela se orgulhava de ser independente e de sua habi lidade de ajudar seus vizinhos que sofrem a mesma hecatombe. Os membros da igreja solidariamente aprovaram a demonstração de inde pendência e auxílio ao vizinho. Conseqüentemente, não conseguiram ver a diferença entre riqueza material e espiritual. Vangloriaram-se de sua auto-suficiência e não sentiram necessidade de Cristo. Eram espi ritualmente cegos. Em terceiro lugar, do ponto de vista lógico, inverte-se a ordem: ser rico e tornar-se opulento. Depois de alguém tornar-se opulento, ele ou ela pode dizer: “Eu sou rico.” Mas essa inversão da esperada seqüência ocorre com mais freqüência no Apocalipse (ver 5.2,5; 10.9) e inclusive aparece no quarto Evangelho: “anjos de Deus descendo e subindo so bre o Filho do Homem” (Jo 1.51). Em último lugar, é inconcebível não sentir necessidade de nada, pois o verdadeiro crente, depende de Deus em cada instante, dia e noi te, para o alimento, bebida, lar, teto, roupa, proteção e nutrição espiri tual, ânimo, conforto, amor, alegria, felicidade e outras bênçãos nume rosas. Ser auto-suficiente é o auge da arrogância espiritual, pois a fé e a confiança no Senhor não mais funcionam. b. “Você, porém, não sabe que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e nu.” O contraste introduzido pela adversativa porém é deveras notável. Jesus disse: “Conheço suas obras” (v. 15); e agora afirma aos laodicenses que falta conhecimento neles próprios. Ele usa o pronome pessoal você no singular, à guisa de ênfase, para falar à igreja como um todo. Ele descreve a igreja com cinco adjetivos, dos quais o primeiro é miserável (ver Rm 7.24). Denota a condição munda na das pessoas que desrespeitam os elementos divinos que são essenci ais: uma pessoa rica que carece da riqueza que tem valor diante de Deus. Além de ser espiritualmente falido, o opulento é digno de com
A p o c a l ip s e 3.14-22
230
paixão. Paulo usa a palavra compaixão no superlativo quando escreve sobre pessoas que nutrem dúvidas sobre a ressurreição. “Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, somos, de todos os ho mens, os mais dignos de compaixão” (IC o 15.19 N R SV ). Em vez de serem ricos, os laodicenses são espiritualmente pobres, porque são ce gados pelas possessões materiais (comparar 2Pe 1.9). E, por fim, en contram-se nus diante de Deus e são incapazes de cobrir seu opróbrio. Com apenas cinco adjetivos, Jesus escreveu a miserável condição de les. Os primeiros dois (miserável e digno de compaixão) refletem a condição interior dos laodiceneses, enquanto os três últimos (pobre, cego e nu) descrevem sua condição, tanto interna quanto externa.
18. Eu o aconselho a comprar de mim ouro refinado pelo fogo, para que você seja rico, roupa branca para vestir-se, a fim de que sua nudez não se exponha, e colírio para ungir seus olhos, para que veja. Este versículo liga-se aos três últimos adjetivos do versículo an terior (v. 17), ainda que fora de seqüência. Quando esses três adjetivos (pobre, cego, nu) são removidos, os dois primeiros (miserável e digno de compaixão) desaparecem. Além disso, esses três abarcam todas as bênçãos de que um crente necessita para sua salvação: redenção, justi ficação e santificação. a. “Eu o aconselho a comprar de mim ouro refinado pelo fogo, para que você seja rico.” Em vez de uma censura abrupta e uma ordem cor tante, Jesus aconselha os laodicenses e manifesta sua graça divina. Ele em presta a linguagem do m ercado e faz alusão a uma passagem veterotestamentária: “Venham, comprem vinho e leite sem dinheiro e sem custo” (Is 55.1). Apelando para pessoas que ousadamente afirma vam que não precisavam de nada, o Senhor as convida a comprar dele ouro refinado. Por implicação, ele quer que elas venham a ele como mendigos destituídos, que nunca poderiam comprar essa comodidade. A palavra grega ouro se refere a produtos finamente trabalhados, como jóias ou moedas, e não meramente ao próprio metal (comparar 17.4; 21.18,21 com 9.7; 18.12). Os cambistas de dinheiro no banco de Laodicéia manuseavam a moeda corrente diariamente; Cristo, porém, está aconse lhando as pessoas a irem a ele e a comprarem. No entanto, seu conselho intencionalmente omite o dinheiro, pois a transação deve concretizar-se sem moeda corrente. Só podem obter o ouro de Jesus.
231
A p o c a l i p s e 3.14-22
N ote, pois, o tipo de ouro que Cristo põe à disposição dos laodicenses: “ouro refinado pelo fogo.” E ouro que foi purificado em um grau tal que a incandescência do fogo emana dele (ver IPe 1.7). Essas palavras insinuam a feroz provação que os seguidores de Cristo têm que suportar. Ouro é realmente outro termo para fé, a qual é muito mais preciosa que o ouro. A fé deve ser de uma importância infinita para os laodicenses, pois devem compreender que Jesus está falandolhes em termos espirituais. O que está em pauta aqui é que todas as suas impurezas serão queimadas, de modo que sua fé sai do fogo intacta,52e, conseqüentemente, seu amor por Cristo é puro. b. “Roupas brancas para vestir-se, a fim de que sua nudez não se exponha.” Em uma cidade onde a indústria de roupas provia trabalho e renda para grande número de pessoas, estas palavras continham um apelo direto. A lã negra que as ovelhas produziam era a cor da grande maioria das roupas manufaturadas ali. Os sacerdotes usavam roupas brancas; agora, porém, este é o traje escatológico dos santos que, com a cor branco, atestam santidade e pureza.53Há uma alusão ao Ancião de Dias: “Sua roupa era tão branca quanto a neve” (Dn 7.9; ver Ap 1.14). A razão de alguém vestir-se com roupas brancas é cobrir a nudez do pecado, e assim não se ver exposto à vergonha (comparar 16.15). O Antigo Testamento fornece um número de exemplos onde ou a realida de ou a ameaça de humilhação máxima está centrada em a nudez ser exposta.54 Os cristãos de Laodicéia eram espiritualmente nus, “[pois] todos os teares de sua cidade não poderiam tecer roupas para cobrir seus peca dos. Laodicéia podia suprir o mundo inteiro com suas túnicas e vestes materiais; a justiça, porém, era a roupa branca que Deus demandava (ver 19.8), e esta só podia ser adquirida de Cristo”.55Unicamente Jesus remove o pecado e a culpa, pois unicamente ele pode fornecer o manto branco da justiça. 52. Comparar Sw ete, R evelation, p. 62; Barclay, R evelation, 1.181. 53. A pocalipse 3.4, 5, 18; 4.4; 6.11; 7.9, 13, 14; 19.14. 54. D euteronôm io 28.48; 2 Samuel 10.4; Isaías 20.2-4; 47.3; Ezequiel 16.37-39; 23.10; M iquéias 1.8, 11; N a 3.5. 55. Martin K iddle, The R evelation ofSt. John (Londres: Hodder e Stoughton, 1940), p. 59.
A p o c a l ip s e 3.14-22
232
c. “E colírio para ungir seus olhos a fim de que veja.” A escola de medicina de Laodicéia tornou-se conhecida com as propriedades cura tivas da assim chamada pedra frigia. Essa pedra, que chegara da vizi nha província da Frigia, era reduzida a pó do qual extraía-se um ungüento para a cura de doenças dos olhos.56 Os crentes de Laodicéia eram cegos pela auto-ilusão, incapazes de ver com os olhos espirituais. Com o colírio para os olhos, que Jesus provê, os laodicenses seriam capazes de ver seus próprios pecados na luz da Palavra de Deus e a andar com Jesus, que é a luz do mundo. c. Admoestação 3.19,20
19. Eu repreendo e disciplino aqueles a quem amo. Portanto, seja zeloso e arrependa-se. 20. Eis que estou à porta e bato. Se al guém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo. a. “Eu repreendo e disciplino aqueles a quem amo.” Nesses dois versículos, Jesus admoesta a igreja de Laodicéia.57Como se dá com muito de seu ensino, ele o baseia nas Escrituras veterotestamentárias. Assim, as palavras “eu repreendo e disciplino aqueles a quem amo” são alusivas a Provérbios 3.12 (ver também Hb 12.6): “Porque o Se nhor disciplina os que ele ama.” Jesus transfere a sentença da terceira para a primeira pessoa, e acrescenta o verbo repreender. Além disso, o grego tem o pronome eu no início da sentença para acrescentar ênfase. E, por fim, o Senhor fala em termos gerais. Ele expressa o pronome “aqueles” quando diz “aqueles a quem amo” para indicar que o amor e a disciplina vão juntos em sua relação renovadora. 56. R eferência a Ram say, L etters to the Seven Churches, p. 419; Hemer, L etters to the Seven Churches, pp. 196-99; R R. Berger, “K ollyrium für die blinden Augen, Apk. 3 1 8 ”, N o v T l l (1985): 174-95. Sw ete (R evelation, p. 62) com enta que a pala vra collyriu m é um dim inutivo do grego k ollyra, que é “(1) um pequeno pão de forma, (2) de sua forma de pão fazia-se um tipo de colírio para os olhos ... da papoula, da acácia e outras plantas florescentes; aqui, p ossivelm ente, era usada com referência ao pó regional” . 57. Ramsay, em seu epílogo às sete cartas (Letters to the Seven Churches, pp. 431-33), assevera que os versículos 19-22 se aplicam não meramente à congregação de Laodicéia, mas a todas as sete igrejas. Sua disputa é habilmente refutada por Hemer (L etters to the Seven Churches, pp. 201-7), que com evidência histórica demonstra que a mensagem desses versículos foi dirigida à igreja de Laodicéia.
233
A p o c a l i p s e 3.14-22
Embora o verbo grego agapaõ possa ser traduzido “eu verdadei ramente amo” e o verbop h ile õ , “eu amo” (Jo 21.15-17), esses verbos são freqüentemente vistos como sinônimos. A palavra agapao aparece na carta à igreja de Filadélfia, “eu tenho amado você” (v. 9), aqui, po rém, temos o verbo p h ile õ . Isso não significa que Jesus amava os cren tes de Filadélfia com amor verdadeiro, e os crentes de Laodicéia com afeição.58Ao contrário, significa que dentro do contexto de repreensão e disciplina, Jesus fala à igreja de Laodicéia com amor. b. “Portanto, seja zeloso e arrependa-se.” A renovação se consuma rá quando os recipientes desta carta obedientemente seguirem o duplo mandamento: “seja zeloso” e “arrependa-se”. Logicamente, o ato de arrepender-se precede o de ser zeloso, mas a mente oriental está inte ressada em conceitos, não em análise. O grego revela um jogo de pala vras: o adjetivo zestos (quente, vs. 15, 16, do que temos o derivado “zest”), e o verbo zêlu e (seja zeloso!) têm a mesma raiz. Jesus lhes diz que comecem a ser zelosos em relação a ele com um sentimento que gere fervor espiritual. Zelo é um componente indispensável de amor por Deus.59 Enquanto ser zeloso é um mandamento no tempo presente para denotar continuidade, o imperativo “arrependa-se” é uma ação defi nitiva. Equivale a dizer que os laodicenses devem fazer um giro de 180 graus, esquecendo o passado e adotando solicitamente sua nova vida em Cristo. c. “Eis que estou à porta e bato.” Visto que os membros individuais da igreja de Laodicéia estavam excluídos da vida espiritual, Jesus figuradamente se põe fora da porta de seu coração e bate para obter entrada (comparar Tg 5.9). Ele bate persistentemente para chamar a atenção, de modo que ninguém jamais será capaz de dizer que o Senhor deixou de chamá-los. Ele os chama individual e continuamente, baten do levemente nas portas de seu coração como se os proprietários esti vessem dormindo. A ênfase é posta na responsabilidade de ir à porta e atender a quem está procurando acesso. O Senhor abriu o coração de 58. Hem er (L etters to the Seven Churches, pp. 281, 282 n. 98) observa que “é duvi doso se pode ser m antida uma distinção rígida no uso” em vista do contraste em João 15.9 e 5.20. 59. Ver os ;om entários de Sw eet (p. 108); Sw ete (p. 63); Greijdanus (p. 111); e Charles (1 :.0 0 ).
A p o c a l i p s e 3.14-22
234
Lídia (At 16.14); aqui, porém, ele aguarda a ação do proprietário. Aqui temos a encruzilhada da ação divina e da responsabilidade humana. Quando essas duas surgem em relação à graça eletiva de Deus nos seres humanos, deparamos-nos com um mistério que desafia o entendimento humano. A Escritura ensina a intervenção de Deus e a responsabilidade humana como dois lados da proverbial moeda (Fp 2.12, 13). Alguns estudiosos vêem esta passagem pelo prisma escatológico, como um paralelo à parábola do servo vigilante (Mt 24.33; Mc 13.29; Lc 12.36). Relacionam o texto com a Segunda Vinda de Cristo e de claram que uma interpretação escatológica concorda com um tema semelhante no Apocalipse (2.5,16,25; 3. I I).60Formidáveis objeções, porém, dissuadem outros comentaristas de visualizarem esta parábo la no contexto dos membros da igreja em Laodicéia, a quem Jesus ordena que se arrependam. O Senhor está em pé junto à porta de seu coração, bate reiteradamente, e espera da parte deles uma resposta. O contexto da parábola dos servos vigilantes difere desta passagem em seus detalhes.61 d. “Se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei, e cearei com ele e ele comigo.” O termo alguém indica que o apelo ao arrepen dimento é amplo e inclusivo. Jesus não só está em pé junto à porta do coração de um pecador e bate reiteradamente, mas também fala e apela a ele ou a ela para que se arrependa. Tão logo uma pessoa responda à voz de Jesus (comparar João 10.3; 18.37), este entra em seu coração. Note bem que Jesus está no controle total, pois a ênfase, nesta senten ça, está sobre Jesus que fala, entra no coração de alguém e ceia com a pessoa que responde. E evidente que a responsabilidade de ouvir e res ponder à voz de Jesus repousa sobre o ouvinte. Esta sentença ensina “uma doutrina distintamente joanina”.62Equi vale a dizer que Jesus deseja manter comunhão conosco. Na mente oriental, a hospitalidade nas horas de refeição demonstra a confiança e 60. Vos, S yn optic Traditions, pp. 94-100; Thom as, R evelation 1 -7 , pp. 321, 322; Beckwith, A pocalypse, p. 491; Sw eet, Revelation, p. 109; Sw ete, Revelation, p. 63. 61. Consultar Aune (52A , p. 251), Beasley-Murray (p. 107), Charles (1:100, 101), Greijdanus (p. 112), Johnson (p. 321), Ladd (p. 67), M ounce (p. 114), Walvoord (p. 98). 62. Philip Edgcum be Hughes, The Book o f the Revelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 68. Ver João 6.56; 14.20; 15.4, 5; 1 João 3.24; 4.13, 15, 16.
235
A p o c a l i p s e 3.14-22
o respeito do anfitrião pelo hóspede (SI 41.9), pois o anfitrião já abriu seu lar ao hóspede e parte o pão com ele. Mas aqui é Jesus que assume o papel de anfitrião, pois ele diz que entrará e ceará com seu hóspede a principal refeição do dia. Essa refeição efetuada já no final do dia, após as horas de trabalho, em uma atmosfera de lazer e comunhão íntima. Esse era um momento de diálogo durante o qual se discutiam tópicos saudáveis, ouviam-se gargalhadas e davam-se conselhos para a solu ção de problemas. Esta passagem fala de união com Cristo e do cami nhar diário com e le . Embora ela sugira a celebração da Ceia do Senhor e a festa de bodas quando do regresso do Senhor, especialmente à luz da escatologia do versículo 21, essa não é a principal ênfase no versículo 20.63A ênfase está na comunhão com Cristo. d. Promessa 3.21,22
21. Ao que vencer, concederei [o privilégio] de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu mesmo venci e sentei-me com meu Pai em seu trono. 22. Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espíri to diz às igrejas. João escreveu as palavras familiares “aquele que vencer” como uma reiteração das cartas precedentes, e então escreve a promessa que Jesus faz ao vencedor. Ela indica que Jesus faz esta promessa em primeiro plano aos laodicenses, e então a todos os crentes. Que espantosa graça e misericórdia são estendidas a uma igreja que não recebe do Senhor nenhum louvor! Não obstante, essas pessoas, uma vez que se arrepen dam e vençam, lhes será dado o privilégio de assentar-se com Cristo no trono do Pai (Mt 19.28; Lc 22.28-30). É preciso entender a linguagem como que comunicando uma men sagem simbólica. Somos capazes de compreender a significação do privilégio de sentar-se no trono junto de Jesus. Portanto, é fútil pergun tar se o trono é bastante grande para acomodar os seguidores de Cristo. A mensagem endossada por outras passagens bíblicas consiste em que 63. Ver Robert H. M ounce, The Book o f Revelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 114. Aune (Revelation 1 -5 , p. 261) assevera que Jesus não é o anfitrião, mas o hóspede. A ênfase, porém, nesta passagem é primariamente em Jesus, e secundariamente na pessoa com quem ele comunga. Consultar também Tim Wiarda, “Revelation 3.20: Imagery and Literary Context”, JETS 38 (1995): 203-12.
A p o c a l i p s e 3.14-22
236
os crentes glorificados desfrutam da honra e do dever de julgar as doze tribos de Israel, o mundo e os anjos (Mt 19.28; Lc 22.30; ICo 6.2, 3); e governarão com Cristo (2Tm 2.12; Ap 5.10; 20.4,6; 22.5). A promessa de Jesus tem por base a visão recebida por Daniel: “Então a soberania, o poder e a grandeza dos reinos que há debaixo de todo o céu serão entregues nas mãos dos santos, o povo do Altíssimo. O reino dele será um reino eterno, e todos os governantes o adorarão e obedecerão” (Dn 7.27). Jesus retrocede sua vista para seu sofrimento, morte e ressurrei ção, quando diz que ele também venceu. Ele observa que tomou assen to no trono à mão direita do Pai (Hb 1.3; 8.1; 12.2; ver também Mc 16.19; Ef 1.20). Não obstante, a diferença é que Cristo realizou sua obra medianeira em nosso lugar, e lhe foi dada a honra de tomar assen to junto ao Pai. Em contrapartida, Jesus aguarda e nos diz que, quando vencermos, tomaremos assento junto dele, mediante seu convite. Isso será de fato uma glória. O capítulo encerra-se com o notório refrão de ouvir o que o Espíri to diz às igrejas. E isso significa que toda a Igreja recebe da parte de Cristo a mensagem de louvor, reprovação e promessa. Note também, que no fim das sete cartas às sete igrejas, há uma referência indireta ao Dia do Juízo. Palavras, Frases e Construções Gregas em 3.17-21 Versículo 17
o u - a primeira é causal, “porque” a segunda é recitativa e não é traduzida, e a terceira é a conjunção “que”.64 TTÉttÀoÚTriKa - o indicativo perfeito ativo do verbo ttãoutÉw (eu sou rico, próspero) mostra ação no passado que tem relevância no presente. otiõév - o verbo ter necessidade demanda o caso genitivo oúòévoç, o qual alguns manuscritos têm como uma correção. ò - este é o uso genérico do artigo definido que, com cinco adjetivos, descreve a condição espiritual dos cristãos laodicenses.65 Versículo 18
Os tempos na sentença 'iva mostram três verbos no aoristo (TrlouTipriç, TTepipálr), 4)ayepco0f|) como uma ação única e uma no presente (piéui^ç) como 64. J. K. Elliott, “The Position o f Causal ö u Clauses in the N ew Testament”, F ilolN T 3 (1990): 155-57. 65. Ver Thom as, Revelation 1 -7 , p. 311 n. 48.
237
A p o c a l i p s e 3.14-22
uma ação contínua. “Quando a construção com 'iva é contínua em uma sen tença adicional por |iií, somente |if| é repetida”.66 V e rsíc u lo 1 9
Note a diferença entre os cinco verbos: quatro no presente contínuo (amo, repreendo, disciplino e seja zeloso), e um no aoristo (arrependa-se!), indican do ato único com significação de duração. V e rsíc u lo 2 0
fotr|Ka - “estou” está no tempo perfeito que foi traduzido no presente para dar-lhe um aspecto de permanência. KocL eiotleúaojicu - a conjunção kccl, precedendo o verbo, é deselegante e provavelmente provém do estilo semítico coordenativo no Apocalipse. Sua inclusão é a redação mais abrupta que deve ser retida. V ersícu lo 21
ó VLKÛV - a construção do particípio presente é o nominativo absoluto, porque ela está isolada no começo da sentença (ver também v. 12 e 2.26). ÒGJOU aúttô - esta é uma expressão hebraica que é melhor interpretada, neste contexto, como “eu lhe permito”.
66. Robertson, Grammar, p. 1.413. Ver Barclay, Revelation o f John, 1.185, 186.
E sboço (continuação) III. Visão 2: O Trono de Deus e os Sete Selos (4.1-8.1) A. O Trono de Deus (4.1-5.14) 1. O Trono no Céu (4.1-11) a. Sobre e Diante do Trono (4.1-6a) b. Doxologias no Trono (4.6b-ll)
C a p ít u l o
4
° O T rono no Céu ( A p o c a l i p s e 4.1-11) 1 Depois dessas coisas eu vi, e eis uma porta aberta no céu, e a voz que ouvi no princípio, falando comigo como trombeta, disse: Suba para cá, e lhe mostrarei o que deve acontecer depois dessas coisas. 2 Imediatamente me vi no Espírito, e eis que havia um trono posto no céu, e alguém estava sentado no trono. 3 E o que estava sentado tinha uma aparência semelhante a pedra de jaspe e sardônio, e um arco-íris, parecendo uma esmeralda. 4 E ao redor do trono estavam vinte e quatro tronos, e nos tronos estavam sentados vinte e quatro anciãos vestidos com roupas brancas, e em suas cabeças havia coroas de ouro. 5 E do trono saíam relâmpagos, vozes e estrondos de trovões, e sete tochas acesas ardiam diante do trono, que eram os sete espíritos de Deus. 6 E diante do trono havia, por assim dizer, um mar de vidro semelhante a cristal. E no meio do trono e ao redor do trono estavam quatro criaturas viventes cheias de olhos por diante e por detrás. 7 E a primeira criatura vivente tinha o aspecto de um leão; a segunda criatura vivente tinha o aspecto de um novilho; a terceira criatura vivente tinha rosto como de homem; e a quarta criatura vivente era como a águia quando voa. 8 E cada uma dessas criaturas viventes tinha seis asas, e eram cheias de olhos ao redor e por dentro, e não tinham descanso, nem de dia nem de noite. E cantavam sem cessar:
4
Santo, santo, santo, Senhor Deus Todo-Poderoso, que eras, e que és, e que hás de vir. 9 E toda vez que as criaturas viventes dão glória e honra e ações de graças àquele que está sentado no trono, que vive para todo o sempre, 10 os vinte e quatro anciãos caem diante daquele que está sentado no trono, e adoram aquele que vive para todo o sempre, e lançam suas coroas diante do trono, dizendo: 11 Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber glória e honra e poder,
A po calipse 4
240
porque criaste todas as coisas, e porque por tua vontade passaram a existir, isto é, foram criadas.
III. Visão 2: O Trono de Deus e os Sete Selos 4.1-8.1 No Apocalipse, as visões surgem e terminam de forma abrupta, e não passam de uma para a próxima. Assim, a visão 1 incorpora as cartas às sete igrejas e termina com a carta aos laodicenses; o versículo seguin te (4.1) introduz a visão 2 e conclui com a abertura dos sétimo selo (8.1). Aliás, depois da seqüência de Jesus instruindo João a escrever as sete cartas às igrejas na província da Ásia, a estrutura do Apocalipse sofre mudança, e João traça vários contrastes diretos e indiretos. Primeiro, há o contraste entre os membros pecaminosos dessas sete igrejas versus o indescritível esplendor e santidade de Deus. São seres humanos pecadores em uma terra pecaminosa em contraste com um Deus santo no céu. Em segundo lugar, o capítulo 4 é uma descrição do trono de Deus no céu. Deus, que ocupa esse trono, é o Criador do universo (v. 11). Em contraste, o capítulo 5 descreve o Cordeiro de Deus, que foi morto, como o Redentor de seu povo. É o Cordeiro que é digno de tomar o rolo e de abrir seus selos, porque ele é o Revelador. Em terceiro lugar, o capítulo 6 divulga a hostilidade que Satanás e seus sequazes movem contra Deus. João conclui este capítulo com uma descrição dos horrores dos juízos divinos sobre esses inimigos. A guisa de contraste, o capítulo 7 desvenda a selagem do povo de Deus que, junta mente com os anjos e anciãos, cantam louvores a Deus e ao Cordeiro. A abertura do sétimo selo é seguido por um período de silêncio no céu (8.1). Em quarto lugar, na primeira visão (1.9-3.22), Jesus se revela e endereça às sete igrejas na terra. A segunda visão (4.1-8.1) é dedicada a uma descrição do trono de Deus. Esse trono no céu é o centro do universo e esse é o lugar onde o Cordeiro abre os sete selos. E, por último, a mensagem às sete igrejas é direta e relativamente simples, mas a descrição do trono no céu é esboçada em linguagem simbólica, e assim é a abertura dos sete selos. Esse simbolismo serve para informar ao leitor que Deus não pode ser visto com os olhos hu manos, e que a quebra dos selos para revelar o que foi escrito não pode
2 41
A p o c a l i p s e 4.1 -6a
ser entendida sem perceber-se a autoridade e o poder do Cordeiro. O rolo, para ele, é um instrumento que tem escondido o significado de seu conteúdo até que o Cordeiro tenha aberto os selos. João registra o que lhe é permitido ver e o revela a seus irmãos e irmãs. Ele transmite seu relato com o auxílio das Sagradas Escrituras; esses es critos são parte de seu depósito mental. Por exemplo, o glorioso privilé gio de contemplar o trono de Deus está registrado em muitos lugares.1
A. O T ro n o de D eus 4.1-5.14 Dois capítulos relativamente breves revelam o centro da autoridade divina, isto é, o trono de Deus e o poder de seu Filho, que é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores. Esses capítulos ensinam aos santos na terra que, a despeito das violentas investidas do mal, feitas por Satanás e seus lacaios, o governo de Deus é supremo. Deus nos assegura que ele está desenvolvendo seu plano; ele nos dá sua promessa de que governa toda sua criação através do Cordeiro. Deus governa de seu trono. 1. O Trono no Céu 4.1-11 a. E m e Diante do Trono 4 .1 -6a
1. Depois dessas coisas eu vi, e eis uma porta aberta no céu, e a voz que ouvi no princípio, falando comigo como trombeta, disse: Suba para cá, e lhe mostrarei o que deve acontecer de pois dessas coisas. a. Depois dessas coisas eu vi, e eis uma porta aberta no céu.” A expressão depois dessas coisas aparece dez vezes no Apocalipse, das quais cinco são seguidas do verbo “eu vi”.2Não há indicação sobre o lapso de tempo que passou desde a escrita das sete cartas às igrejas na província da Ásia, porque essa não é a questão em pauta. João está recebendo uma visão diferente; é-lhe dada a única oportunidade de visualizar o céu e de descrever o que ouvia e via. Incidentalmente, 1.1 R eis 22.19; SI 47.8; Isaías 6.1; 63.15; Ezequiel 1.26; Daniel 7.9; A pocalipse 20.11. 2. A pocalipse 1.19; 4.1 (duas vezes); 7.1, 9; 9.12; 15.5; 18.1; 19.1; 20.3. D essas, 4.1; 7.1, 9; 15.5; 18.1 incluem o verbo eu vi.
A p o c a l i p s e 4.1 -6a
242
Paulo também foi arrebatado em visão ao terceiro céu, porém relata que “ouviu coisas inexprimíveis, coisas que ao homem não é permitido declarar” (2Co 12.4). João observa e então afirma, perplexo: “Eis!”, como se o leitor fosse capaz de ver o que lhe é permitido contemplar. A notícia que ele dá está velada por linguagem simbólica e deve ser interpretada em conformidade com esse fator. Equivale a dizer que “porta” para o céu é uma expressão figurada que comunica a João os limites de sua observação celestial. Nem tudo lhe é visível. Note a voz passiva usada aqui, talvez como um artifício lingüístico para esquivarse de escrever o nome de Deus. A sentença, pois, significa que “uma porta foi aberta por Deus no céu”. Mas aquele que está sentado no trono é aterrador demais para ser descrito. Daí o vidente só poder falar de alguém sentado no trono (vs. 2,3, 9, 10; 5.1,7,13), e esse alguém é o Deus Todo-Poderoso. Deus abriu o portal do céu e o deixou aberto para que a João fosse possível ver o trono divino e revelar a soberania de Deus aos amigos crentes. João não foi o primeiro mortal a quem se permitiu ver o céu. Em sonho, Jacó viu uma escada que atingia o céu, donde Deus lhe falou. Jacó exclamou: “Esta nada mais é senão a casa de Deus; este é o portão do céu” (Gn 28.17). Também a Isaías, Ezequiel e Daniel se permitiu ver o trono celestial de Deus (Is 6.1; Ez 1.26; Dn 7.9). b. “E a voz que ouvi no princípio, falando comigo como trombeta.” O vidente conecta a primeira e a segunda visões, identificando somente a voz de Jesus.3A deparar-se João com a voz divina, ele evita identificar ou a Deus ou a Jesus pelo nome. Assim, no relato de seu primeiro en contro no Dia do Senhor, falta o nome de Jesus (1.10-20); também aqui João identifica Jesus denominando-o voz como de trombeta. A referên cia à trombeta é não só um elò conectivo para as duas visões, mas um judeu reagiria imediatamente a esse som só porque ele subentendia que algo importante estava para ser ouvido. A trombeta soou quando o Decálogo foi promulgado (Êx 19.16,19; 20.18), no início do Ano Novo e no começo da Festa das Trombetas (Lv 23.24). Além disso, João tam bém sabia que ela introduziria o regresso do Senhor (Mt 24.31; lTs 4.16). Ele sabia, pelo soar da trombeta, que receberia nova revelação. 3. D avid E. Aune (R evelation 1 - 5 , W BC 52A [Dallas: Word, 1997], p. 282) denomina esta parte do versículo 1 “uma glosa redacional” sem prover evidência de que João a pudesse ter escrito.
243
A po c a l ips e 4.1 -6a
c. “Suba para cá, e lhe mostrarei o que deve acontecer depois dessas coisas.” A voz de Jesus o convida a subir mais alto através da porta, e ver pessoalmente o desenrolar dos eventos que ocorrerão no futuro. Moisés recebera de Deus uma ordem semelhante, que lhe disse: “Suba a mim no monte” (Ex 24.12). Moisés esteve com Deus no Monte Sinai, enquanto a João, em visão, é permitido entrar no céu. Ao convidar João a subir ao céu, Jesus lhe diz que lhe mostrará eventos futuros. Equivale a dizer que a João se permite ver o futuro que descerra diante dele a partir de uma perspectiva celestial. Recebe informação acerca de coisas que devem acontecer; são predeterminadas por Deus e parte de seu plano divino (SI 103.19). Deus está ocupado em desenvolver seu plano de salvação, e a João é dado o privilégio de ver o que está para acontecer na terra, no futuro. Aliás, a frase depois dessas coisas significa “no futuro” (compa rar 1.19). As visões que a João é permitido ver incluem ambos os even tos: realizados e não realizados. Referem-se ao passado, ao presente e compreendem o futuro (ver 1.19).4
2. Imediatamente me vi no Espírito, e eis que havia um tro no posto no céu, e alguém estava sentado no trono. O termo Espírito deve ser grafado com letra inicial maiúscula, em harmonia com 1.10; 17.3; e 21.10. A experiência de João aqui ecoa a de outros santos que estiveram no Espírito (por exemplo, Is 61.1; Ez 11.1, 5). Alguns estudiosos usam o caso abaixo como referência ao espírito humano ou traduzem o texto grego com a frase “em transe profético” .5 Essas traduções, porém, deixam escapar a ação do Espíri to Santo. Note também que de uma maneira indireta João faz alusão às três Pessoas da Trindade (o Pai no trono, a voz de Jesus como o som de trombeta e a agência do Espírito). João notifica que imediatamente se achou no Espírito. Isso pode significar que ele esteve nessa condição o tempo todo, com uma inter rupção, mas que agora experimentou o poder do Espírito pelo qual esta 4. Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eermans, 1998), pp. 317, 318. 5. Robert L. Thomas, Revelation 1 -7 : An E xegetical C om m entary (Chicago: M oody, 1992), p. 338; John F. Walvvord, The R evelation o f Jesus Christ (Chicago: Moody, 1966), pp. 103, 104; W ilfrid J. Harrington, Revelation, SP 16 (C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993), pp. 78, 79; Aune, Revelation 1 -5 , p. 283; G. B. Caird, A C om m entary on the Revelation o f St. John the D ivine (Londres: Black, 1966), p. 59.
A po c a l ips e 4.1 -6a
244
va em condição de ver e ouvir coisas espantosas e sons celestiais. William Hendriksen escreve o seguinte: “Quando uma pessoa se acha ‘no Espírito’, e nesse estado recebe uma visão, há certa suspensão do contato consciente com o ambiente físico.”6Os órgãos físicos inter rompem sua função durante a visão, pois a alma assume suas funções. Assim João vê o trono de Deus e ouve a voz de Jesus. Os rabinos hebreus nos tempos antigos raramente descreviam o trono de Deus movidos pelo medo de profanar o nome divino. Foram proibidos de falar abertamente sobre os mistérios celestiais, e os que falassem sobre o trono corriam o risco de profanar a Deidade. Daí, poucos rabinos ousaram escrever publicamente sobre o tema.7João, porém, recebe a honra de subir à sala do trono, que é a própria presen ça de Deus, e de relatar o que viu ali. Em vez de fazer uma descrição de Deus, o que é proibido (Ex 20.4), ou do céu como tal, João apresenta uma descrição simbólica do trono divino e dos que se congregavam ao redor dele: quatro seres viventes, vinte e quatro anciãos, muitos anjos e todas as demais criaturas de todo o universo. Ele vê o Cordeiro, sete candelabros e um mar de vidro. Se há uma palavra que predomina neste capítulo, esta é o termo trono, o qual aparece treze vezes nos onze versículos. Ele ocorre reiteradamente no Apocalipse, num total de cerca de trinta e sete ve zes. Mas o capítulo 4 é o capítulo que descreve o trono de Deus. O propósito para esta descrição é demonstrar que Deus é o supremo governante deste universo. Ele governa tudo, de modo que nada acon tece fora de sua vontade, seja bom ou ruim. Ele lhes assegura que ele, e não Satanás, está no comando. “Eis por que esta visão do universo governado pelo trono precede, no capítulo 6, a descrição simbólica das provações através das quais a Igreja deve passar.”8
3. E o que estava sentado tinha uma aparência semelhante a pedra de jaspe e sardônio, e um arco-íris, parecendo uma esmeralda. Como pode um ser mortal que tem o privilégio de ver, numa visão, o trono de Deus falar de “alguém sentado” nele? João dá a seus leito res um sentido da majestade e beleza da aparência de Deus e do trono, fazendo referência a três pedras preciosas: o jaspe, o sardônio e a es 6. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 82. 7. SB, 1.974-78; 2.338.
8. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 84.
245
A po c a l ipse 4.1-6a
meralda. O jaspe é também mencionado na descrição da nova Jerusa lém; ali João, falando da glória de Deus, diz: “Sua radiância era como uma pedra preciosa, como a pedra de jaspe cristalizada” (21.11). É possível que seja uma variedade de quartzo com suas cores variadas, de modo que a glória de Deus, transmitida através da pedra, apresenta va uma beleza indescritível. A pedra de jaspe, na antigüidade (ver Ex 28.20; 39.13; Ez 28.13), poderia ser diferente da que hoje damos esse nome. Em geral, os comentaristas comparam seu brilho ao do diaman te.9 Essa radiância é um quadro da “luz inacessível” de Deus que a ninguém permite contemplá-lo (lT m 6.16). À segunda pedra é dado o nome de sardônio; é o vermelho encarnado, vermelho laranja ou casta nho avermelhado (Ap 21.20; Ez 28.13). João viu ao redor do trono um arco-íris da cor da esmeralda. Enu meramos sete matizes no espectro de um arco-íris, e um deles é a cor verde. Sabemos que a esmeralda é verde. Não obstante, João viu todo um arco-íris como um sombreado do verde. De igual modo, uma das pedras preciosas no quarto fundamento dos muros da Nova Jerusalém era esmeralda (21.19). O arco-íris é o sinal do pacto que Deus fez de não destruir a terra novamente por meio de dilúvio (Gn 9.15). João usa a palavra iris para o arco-íris, que era uma palavra não-bíblica. Mas com o intuito de ser claro a seus leitores que tinham em mente um arcoíris, ele não teme adotar o termo (ver 10.1).10Qual é a significação desse semicírculo acima do trono de Deus? O simbolismo do arco-íris não é claro, exceto por dizer que ele expressa a fidelidade de Deus em guardar eternamente a aliança com seu povo; por meio dele, [João] expressa a graça e a misericórdia divinas.
4. E ao redor do trono estavam vinte e quatro tronos, e nos tronos estavam sentados vinte e quatro anciãos vestidos com roupas brancas, e em suas cabeças havia coroas de ouro. A imagem mental que recebemos dos vinte e quatro tronos é a de um quadrado com o trono de Deus no centro e seis tronos em cada lado 9. Bauer, p. 368; Norman Hillyer, NIDNTT, 3.398; ver também a nota em EDNT, 2.170. E ver R. H . Charles, A Critical and Exegetical Commentary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1.114. N o Apocalipse, aN JB traduz consistentem ente “jaspe” por “diamante” . 10. Ver Leon Morris, NIDNTT, 3:1.002; Karl Heinrich Rengstorf, TDNT, 3.341. Caird (R evelation, p. 63) comenta: “M as este não é um arco prismático no céu; ele se assem e lha a uma esmeralda - afirmação essa que aflige a im aginação de todo pensam ento.”
A p o c a l ips e 4.1-6a
246
do quadrado. Nas Escrituras canônicas, o termo vinte e quatro só apa rece no Apocalipse, e se refere ou aos tronos ou aos ancãos (4.4, 10; 5.8; 11.16; 19.4). Isso não leva em conta paralelos que poderiam lançar luz sobre o significado do número vinte e quatro. Sobre esses tronos estavam vinte e quatro anciãos que tinham duas marcas distintivas: estavam vestidos com roupas brancas e usavam coroas de ouro em sua cabeça. Essas marcas, juntamente com a ex pressão tronos, podem ajudar o intérprete na explanação do significa do deste versículo: por exemplo, os santos são convidados por Jesus a sentar-se com ele no trono (3.21), e aos santos no céu é dada autorida de para julgar, assentando-se nos tronos (20.4). Há uma diferença marcante entre anjos e santos. Primeiro, quem recebe esse privilégio são santos, não anjos (IC o 6.2, 3). Segundo, ainda que os anjos apare çam com roupas brancas (ver 19.14; Mt 28.2, 3; Mc 16.5; Jo 20.12; At 1.10), os santos se vestem de branco, que significa a pureza que pro vém de serem eles purificados do pecado (3.4; 7.9). Terceiro, coroas simbolizam autoridade para governar com Jesus (3.21; 5.10; 20.4, 6; 22.5; 2Tm 2.12); esse é um privilégio concedido não aos anjos, e, sim, aos santos. Deus criou Adão do pó da terra (Gn 2.7), coroou-o com glória e honra (SI 8.5) e designou-lhe o governo (Gn 1.28). Deus, porém, criou anjos como espíritos para ministrar e servir às necessidades de seu povo (Hb 1.7, 14). Ainda que Adão pecasse, Jesus, como o segundo Adão, veio para redimi-lo (Rm 5.12,19; ICo 15.45). Mas aqueles anjos que caíram em pecado não são redimidos por Jesus Cristo (Hb 2.16). Adão e Eva, com sua descendência, são criados à imagem de Deus (Gn 1.27); os anjos não são criados à sua imagem, mas são apenas mensageiros (SI 104.4; Hb 1.7).11Quando o povo redimido de Deus é trasladado para a glória, sabemos que ele cerca o trono de Deus e do Cordeiro (Ap 7.9). Seus representantes são os vinte e quatro anciãos que ocupam os tronos para governar e julgar. Usam roupas brancas para simbolizar pureza, e usam coroas para indicar vitória. Como o povo da aliança, recebem o privilégio de governar, enquanto os anjos servem como mensageiros. Hendriksen judiciosamente observa: “Es ses vinte e quatro anciãos são mencionados primeiro pela simples razão 11. Referência a Sim on J. Kistemaker, Exposition o fth e E pistle ofJu de, NTC (Grand Rapids: Baker, 1987), pp. 387, 388.
247
A pocalipse 4.1-6a
de que são os primeiros em importância e em glória acima de todas as criaturas no céu (Gn 1.26; Hb 2.8).” 12 Nos capítulos 4 e 5, João relata que ao redor do trono estão seres viventes, que são seres angélicos, anjos e anciãos. Somos levados a crer que os anciãos são representantes dos santos. Se esse não for o caso, teria sido negligenciada a menção dos santos no céu. A interpretação tradicional dos vinte e quatro anciãos consiste em que esse núm ero é o total de doze vezes dois, doze patriarcas veterotestamentários e doze apóstolos neotestamentários, os represen tantes dos redimidos por Cristo. Victorinus de Pettau, na Pannonia (mo derna Hungria), que morreu em 304, foi o primeiro a sugerir este ponto de vista, em seu comentário sobre o Apocalipse. Muitos estudiosos modernos têm adotado, com variações, este ponto de vista como uma interpretação simbólica desta passagem.13A evidência bíblica estimula esta interpretação, porque os anciãos eram uma parte integrante da vida religiosa de Israel na era veterotestamentária. Nos dias de Jesus e dos apóstolos, os anciãos eram membros do Sinédrio e proeminentes nas comunidades judaicas locais. Em segundo lugar, Paulo designava anciãos nas igrejas que fundava (At 14.23) e instruiu Tito a designá-los em cada cidade na ilha de Creta (Tt 1.5). E, na era pós-apostólica, os anciãos assumiram a liderança no governo das igrejas locais. O termo grego, presbyterion (presbitério) aparece nos escritos de Lucas e nas Epístolas Pastorais para designar um concílio de anciãos (Lc 22.66; At 22.5; lT m 4.14). O termo anciãos (grego presbyteroi) ocorre doze vezes no Apocalipse: por exemplo, assentam-se, curvam-se em adora ção, falam e cantam.14 A unidade do corpo de Cristo é exemplificada no simbolismo da nova Jerusalém. Esta cidade tem um muro grande e alto com doze portões. Os nomes das doze tribos de Israel estão escritos nesses portões. 12. Hendriksen, M ore Than Conquerors, pp. 85, 86. 13. P orexem p lo, os comentários de Alford (p. 596); Barclay (1.194); Greijdanus (pp. 1 22,123); H ailey (p. 168); Hoeksem a (pp. 158,159); Hughes (p. 72); Lenski (pp. 174, 175); Sw eet (p. 118); Sw ete (p. 69). 14. A pocalipse 4.4, 10; 5.5, 6, 8 ,1 1 , 14; 7.11, 13; 11.16; 14.3; 19.4. A. Feuillet (“Les vingt-quatre vieillards de l ’A pocalypse”, RB 65 [1958]: 5-32) interpreta os vinte e quatro anciãos com o os grandes santos no Antigo Testamento, e toma o número vinte e quatro anciãos dos sacerdotes, cantores e porteiros (lC r 24.3-19; 25.6-31; 26.17-19). M as não há grandes santos na era do N ovo Testamento?
A p o c a l ips e 4.1 -6a
248
E o muro da cidade tem doze fundamentos. Os nomes dos doze apósto los do Cordeiro estão escritos nesses fundamentos (21.12, 14). Outro ponto de vista interpreta a expressão anciãos como sendo seres angélicos.15Esses anjos se vestem com roupas brancas, como se faz evidente à luz de numerosas passagens (por exemplo, ver Jo 20.12). Em suas epístolas, Paulo faz alusão a hierarquias angelicais que Cristo criou com respeito a tronos, poderes, governos e autoridades (Cl 1.16; ver também Rm 8.38; Ef 3.10). Além disso, o Antigo Testamento faz referência ao concílio de seres celestiais, consistindo de uma hoste angelical (SI 29.1; 89.7; 103.20; 148.2; Jó 1.6). É provável que o núme ro vinte e quatro, precedendo a palavra anciãos, entendido como an jos, derive das vinte e quatro ordens sacerdotais que são mencionadas no Antigo Testamento (lC r 23.3, 4; 24.4; 25.9-31).16Os anjos, porém, não têm nada em comum com sacerdotes? Os anjos são reis que usam coroas? Os anjos recebem a incumbência de julgar seres humanos? A resposta a essas perguntas é não. Os anjos não se assentam em tronos, porém os santos, sim. Aliás, se os anciãos são anjos, então a humanida de redimida não está representada no trono. Minha conclusão, pois, é que, em numerosos aspectos, os anciãos são de grande importância e de uma hierarquia mais elevada que os anjos. Os vinte e quatro anciãos representam os santos redimidos e, com os anjos e todos os seres viventes, esses anciãos rendem louvores, honra e glória ao Cordeiro (5.12). 5. E do trono saíam relâmpagos, vozes e estrondos de tro
vões, e sete tochas acesas ardiam diante do trono, que eram os sete espíritos de Deus. 6a. E diante do trono havia, por assim dizer, um mar de vidro semelhante a cristal. a. “E do trono saíam relâmpagos, vozes e estrondos de trovões.” Nas palavras iniciais há uma semelhança com o último capítulo do Apocalipse, onde João fala do rio da água da vida. “Ele procede do trono de Deus e do Cordeiro” (22.1). Para João, o trono de Deus retra15. Há pontos de vista adicionais. Para uma pesquisa, ver os comentários de Aune (52A , pp. 288-92), B eale (pp. 323-26) e Charles (1.128-33). 16. Consultar os com entários de Thomas (R evelation 1 -7 , pp. 347-48); Beckw ith (p. 498); M ounce (pp. 121, 122); Johnson (p. 462); Morris (p. 86); Beasley-M urray (pp. 113,114). Ver também Ned B. Stonehouse, Paul bedore the A reopagus an d O ther N ew Testament Studies (Londres: Tyndale, 1957), pp. 88-108.
249
A p o c a lip s e 4.1-6a
ta a majestade e grandeza do Todo-Poderoso. Ele escreve com uma passagem veterotestamentária na mente, a saber: a cena do Monte Si nai, quando Deus dá o Decálogo aos israelitas. “Na manhã do terceiro dia houve trovão e relâmpago, com uma nuvem densa sobre o monte e com um forte clangor de trombeta” (Êx 19.16; comparar Jó 37.4, 5). Devemos ler esta passagem simbolicamente, porque o trono de Deus é tão aterrador que João só pode descrevê-lo por meio de fenômenos naturais, tais como relâmpago, vozes e estrondos de trovão. Esses fe nômenos são símbolos que na natureza exibem a grandeza, o poder e a força de Deus (Jó 36.29, 30; SI 18.13-15; 29.3-5). b. “E sete tochas acesas ardiam diante do trono, que eram os sete espíritos de Deus.” Uma vez mais, o simbolismo deste texto é agora expresso no número sete, o qual ocorre duas vezes. É o número de completude e plenitude. As sete tochas representam uma abundância de luz que flui do trono de Deus, e os sete espíritos são a representação da plenitude do Espírito Santo (ver o comentário sobre 1.4; e ver 3.1; 5.6). João tomou seu simbolismo da candelabro de ouro que ficava no tabernáculo (Êx 25.31-40; 27.20, 21; 40.24, 25; Lv 24.1-4) e da profe cia de Zacarias (4.2). Esse candelabro de sete lâmpadas ficava na área que era fronteira ao Santo dos Santos. A exibição é muito mais a de tochas acesas do que a de um candelabro de azeite ardente (comparar Ez 1.13). O fogo ardente das tochas fornece luz, mas também retrata aquela santidade de Deus, e que os ribeiros não pecam em sua presen ça (SI 18.8; 50.3; 97.3; Dn 7.10). Essas sete tochas representam os sete espíritos de Deus. O simbo lismo da plenitude do Espírito de Deus aponta para a obra que o Espírito Santo realiza com respeito à interpretação da vontade de Deus, ani mando e confortando seu povo, santificando os santos e reprovando os pecadores (ver Jo 16.7-11; At 2.17-21).17 c. “E diante do trono havia, por assim dizer, um mar de vidro, seme lhante a cristal.” João qualifica o objeto de sua observação, indicando que uma área fronteira ao trono se assemelhava a um mar de vidro parecido com cristal. O cristal tem a qualidade da limpidez, de modo que alguém pode ver através dele. Isso significa que os santos no céu 17. Alguns comentaristas (por exem plo, Aune, Charles) consideram a última sentença no versículo 5b com o sendo uma glosa explicativa, mas esse ponto de vista é sem fundamento.
A po c a l ip s e 4.1 -6a
250
são capazes de contemplar a sabedoria de Deus em ação. Ela é clara, porém profunda (Êx 24.9, 10). As interpretações do “mar de vidro” variam. Caird escreve: “O mar de vidro é o reservatório do mal fora do qual surge o monstro [isto é, a besta que emerge do mar] (13.1).” l8Mas é difícil imaginar um tanque do mal no trono de Deus, onde não se permite a entrada do pecado. Outros comparam a frase à bacia de bronze com água em uso no templo de Salomão (lR s 7.23-26; 2Rs 16.17). A lavagem dos pés e das mãos pelos sacerdotes na era veterotestamentária é um símbolo do sangue purificador de Cristo, que lava os pecados dos santos nos tem pos neotestamentários.19Ainda outros sugerem que ele é o firmamento que separa céu e terra; um mar celestial que separava um Deus santo de tudo o que ele fizera; ou um quadro do vítreo Mar Egeu em um dia de verão visto por João exilado em Patmos. Todas essas representa ções têm algum valor, mas, visto que João está descrevendo o céu com símbolos, devemos evitar ser dogmáticos sobre este ponto. Talvez fi zéssemos bem em prestar atenção aos comparativos “por assim dizer” e “semelhante”. O vidro nos tempos antigos era opaco, enquanto o cristal era límpido. A ênfase parece estar posta na limpidez para indicar a compreensão e introspecção infinitas de Deus (ver também 15.2).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 4.1-4 Versículo 1
tj3CJvfl...Àéycov - o substantivo feminino é seguido de um particípio mascu lino para identificar o Senhor como o locutor. lo.lox)ar\ç..\ky(jòv - o primeiro particípio presente caracteriza o ato de falar e, o segundo, o conteúdo do que é dito. À guisa de contraste, Aune omite o primeiro particípio e chama a construção de “um hebraísmo que funciona como oTi recitativo, para introduzir o discurso direto”.20Ele nota construções seme lhantes em 10.8; 17.1; 21.9. 18. Caird, R evelation, p. 65. Ver M. Robert M ulholland Jr., Revelation: H oly Living in an Unholy World (Grand Rapids: Zondervan, Francis Asbury Press, 1990), pp. ISO54. Comparar Gregory K. Beale, “The Problem o f the Man from the Sea in 4 Ezra 13 and Its Relation to the M essianic Concept in John’s A pocalypse”, N ovT 25 (1983): 182-88; B ele, R evelation, p. 327. 19. Referência aos comentários de Greijdanus (pp. 124, 125, Hendriksen (p. 109), Walvoord (pp. 108, 109). 20. Aune, R evelation 1 -5 , pp. 269-282.
2 51
A p o c a lip s e 4.1 -6a
ávápa - esta é uma forma alternativa do segundo imperativo ativo aoristo que normalmente se lê como à v á p r ] 6 i do verbo á v a p a í v w (subir). Versículo 2
Ka0r||ieuo<; - este particípio presente funciona consistentemente como subs tantivo no Apocalipse para referir-se a Deus assentado no trono, e assim evita o uso do nome de Deus. Quando este particípio aparece em cena com a frase preposicional no trono (“alguém assentado no trono”), ocorre um caso curio so de relação. Se o particípio está no caso nominativo, trono está no caso acusativo (èiu tòv Qpávov / touç ©póvouç, vv. 2,4); se o particípio está no caso genitivo, a frase preposicional está no genitivo (èirl toü Bpóvou, v. 10; 5.1); e quando o particípio está no dativo, a frase preposicional está no dativo (ètrl tú> Gpóvw, v. 9).21Visto que a sintaxe grega não requer o caso da frase preposicional para mudar em conjunto com o particípio, a única explicação para este fenôme no é a escolha estilística do autor. Versículo 3
KUKÀóGev - “todo cercado.” Em vez de ser um advérbio de lugar, ele presta um serviço como uma preposição que controla o caso genitivo. O -0ev enclítico significa “fora de” o círculo. Versículo 4
- o caso acusativo pode ser explicado como objeto direto por mentalmente inserir o verbo e íõ o v (eu vi) do versículo 1. irpeopuiépou ç
b. Doxologias ao Trono 4.6b-11
6b. E no meio do trono e ao redor do trono estavam quatro criaturas viventes cheias de olhos por diante e por detrás. 7. E a primeira criatura vivente tinha o aspecto de um leão; a segunda criatura vivente tinha o aspecto de um novilho; a terceira criatu ra vivente tinha rosto como de homem; e a quarta criatura vi vente era como a águia quando voa. a. “E no meio do trono e ao redor do trono estavam quatro criaturas viventes cheias de olhos por diante e por detrás.” A imagem é provenien te da profecia de Ezequiel: “e no meio do fogo havia quatro seres viven tes. Na aparência tinham forma de homem, mas cada um deles tinha quatro rostos e quatro asas” (Ez 1.5, 6; comparar (Is 6.2). João torna 21. Henry Alford, Jam es-R evelation, vol. 4, parte 2 de A lfo rd ’s G reek Testament (1875; reimp. Grand Rapids: Guardian, 1976), p. 594.
A pocalipse 4.6b -l 1
252
essa profecia mais viva, fazendo uma descrição mais vívida do lugar e da aparição do que Ezequiel: as criaturas viventes estão no meio e ao redor do trono. Minha sugestão é que esses seres viventes circulam o trono em quatro pontos que se acham eqüidistantes um do outro, de modo que, de qualquer ângulo que olharmos para o trono, um desses seres ocupa sempre a posição central. Admito que esta é apenas uma suposição, pois ninguém, inclusive João, pode descrever plenamente o trono de Deus. Não obstante, esta explicação fornece clareza.22 Os quatro seres viventes não são partes imóveis do trono; ao con trário, servem a Deus como mensageiros. Aliás, Ezequiel os chama querubins (Ez 10.20, 21), que eram seres celestiais de elevada hierar quia, designados a proteger e guardar, por exemplo, a árvore da vida (Gn 3.24) e a arca da aliança (Êx 25.20). São cheios de vida, sempre alertas e inteligentes. São cheios de olhos na frente e por trás (Ez 1.18), de modo que nada escapa à sua atenção. Juntamente com os anciãos, cantam louvores e dizem: “Amém” (Ap 5.6, 8,11, 14). Falam na aber tura dos primeiros quatro selos (6.1, 3, 5, 7; 7.11; 14.3; 19.4). E um deles segura as sete taças de ouro da ira de Deus para sete anjos (15.7). b. “E a primeira criatura vivente tinha o aspecto de um leão; a segunda criatura vivente tinha o aspecto de um novilho; a terceira cria tura vivente tinha rosto como de homem; e a quarta criatura vivente era como a águia quando voa.” Ezequiel descreve as quatro criaturas viventes como tendo cada uma quatro faces: de homem, de leão, de boi e de águia (1.10). A ordem na visão de João é diferente, porque o rosto de homem ocupa o terceiro lugar. Além disso, os seres viventes de Ezequiel tinham quatro rostos cada um, enquanto os do Apocalipse cada um tem um rosto. Os pais da Igreja (Orígenes, Vitorino e Atanásio) viam os Quatro Evangelhos retratados por esses quatro símbolos. Entretanto, enquanto Orígenes dizia que o homem é Mateus, Marcos a águia, Lucas o boi e João o leão, Vitorino tinha Mateus como sendo o homem, Marcos o leão, Lucas o boi e João a águia; e Atanásio tinha Mateus como o leão, 22. N ão é necessário denominar de glosa as palavras “no meio do trono e ”, com o Charles faz (1.118). Poderia significar no centro de cada um dos lados (Hendriksen, M ais que Vencedores, p. 109). Robert G Hall vê as criaturas viventes com o com ponentes do trono. Ver seu “Living Creatures in the Midst o f the Throne: Another Look at Revelation 4.6”, NTS 36 (1990): 609-13.
253
A p o c a lip s e 4 .6 b -ll
Marcos como o homem, Lucas como o boi e João como a águia.23A confusão testifica de sua imaginação, porém não ajuda a entender o Apocalipse. Ao contrário, esses quatro rostos caracterizam simbolica mente o querubim; incorporam ousadia e coragem, força e tenacidade, inteligência e sagacidade, prontidão e velocidade.24As quatro criaturas viventes são expedidas a servir os membros da Igreja cristã (Hb 1.14). Note que na frase “quatro criaturas viventes” o número quatro é o símbolo numérico de completude na criação.
8. E cada uma dessas criaturas viventes tinha seis asas, e eram cheias de olhos ao redor e por dentro, e não tinham des canso, nem de dia nem de noite. E cantavam sem cessar: Santo, santo, santo, Senhor Deus Todo-Poderoso, que eras, e que és, e que hás de vir. a. “E cada uma dessas quatro criaturas viventes tinha seis asas.” A semelhança com as visões dos profetas Isaías e Ezequiel é evidente, porém há diferenças. Os seres viventes nas passagens veterotestamentárias são ou serafins ou querubins, enquanto João se recusa a darlhes nomes. Na profecia de Isaías, esses seres angélicos têm seis asas: com duas cobrem seu rosto, com duas cobrem seus pés e com duas voam (Is 6.2); na passagem de Ezequiel, porém, eles têm quatro asas (Ez 1.6). O número seis não deve ser interpretado como o número sinistro de incompletude, mas, antes, como três pares de dois, cada um tendo uma função distinta. Essas asas fornecem proteção quando os anjos estão diante de Deus, e ao voarem fornecem rapidez. Ainda que João ecoe frases extraídas das profecias de Isaías, Ezequiel e Daniel, ele mesmo recebeu o privilégio de contemplar o céu para testificar “as coisas que ele viu” (1.2). Reconhecemos que a com preensão de João das coisas celestiais era iluminada enquanto ele esta va “arrebatado no Espírito”.25 23. Charles, R evelation, 1.124. Ver também William Barclay, The R evelation o fjo h n , 2a ed. (Filadélfia: Westminster, 1960), 1.203. 24. Em seu Com m entary on Revelation (1911); reimp. Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 71, Henry Barclay Sw ete conclui com maestria: “As quatro formas sugerem o que é mais nobre, mais forte, mais sábio e mais veloz na natureza animada... inclusive o homem.” 25. Martin K iddle, The R evelation o fS t. John (Londres: Hodder e Stoughton, 1940), p. 70.
A p o c a lip s e 4 .6 b -ll
254
b. “E eram cheios de olhos ao redor e por dentro.” Esta é uma retrospectiva do versículo 6, que descreve as criaturas viventes como cobertas de olhos. A questão aqui diz respeito à expressão por dentro. A imagem desses seres angélicos com olhos ao redor de todo seu corpo é clara, mas uma interpretação literal de olhos no interior de seus cor pos é impossível. Talvez o quadro mental que João queira comunicar seja o de asas dobradas que mantinham os olhos ocultos, mas quando essas asas se estendiam seus olhos ficavam no lado inferior (comparar Ez 1.18). c. “E não tinham descanso nem de dia nem de noite.” Esta senten ça não deve ser interpretada no sentido em que os anjos cantam louvo res a Deus sem cessar. Há diferença entre fazer algo continuamente e sem cessar. Ainda que João introduza uma divisão de tempo, de dia e de noite (ver 14.11), ele emprega terminologia humana ao expressar o conceito de eternidade. Tempo e espaço limitam os seres humanos so bre a terra, os anjos, porém, vivem na eternidade. Os anjos adoram a Deus no céu sem descansar de dia ou de noite, e, em contraste, os adoradores da besta não têm descanso, dia e noite, no inferno (14.11). d. “E cantavam sem cessar: Santo, santo, santo, Senhor Todo-Po deroso, que eras, e que és, e que hás de vir.” Observe que esse cântico faz menção da santidade, do poder exclusivo e da eternidade de Deus, porém nada diz sobre a redenção dos seres humanos. O capítulo 4 descreve o trono e a santidade de Deus, enquanto o capítulo 5 retrata o Cordeiro e a redenção de seu povo. O cântico angelical registrado em Isaías 6.3 é entoado por Serafins. Não há razão para sugerir-se que as quatro criaturas viventes chama das querubins não possam cantar essas palavras. Aune é de opinião que este cântico angelical “fizesse parte de um hino regularmente entoa do na liturgia do templo, ou pelo menos uma fórmula litúrgica cúltica”.26 Além disso, na hinologia cristã o tríplice uso do adjetivo santo é bem conhecido nas palavras de Reginald Heber, Santo! Santo! Santo! Deus Onipotente! Louvam nossas vozes teu nome com fervor! Santo! Santo! Santo! Justo e compassivo! 26. Aune, Revelation 1 -5 , p. 303. Referência feita também a N . Walker, “The Origin o f the T h rice-H o lly ’,” NTS 5 (1959): 132, 133.
255
A po c a l ips e 4 .6 b -ll
És Deus Triúno, Excelso Criador! (Novo Cântico, Ia estrofe) Neste capítulo da sala do trono, as palavras Senhor Deus TodoPoderoso proclamam a veracidade da onipotência de Deus. Nada e ninguém, em toda a criação, pode rivalizar-se com o Todo-Poderoso. É ele quem diz: “Eu sou o Senhor, e não existe nenhum outro” (Is 45.6). Ele é aquele “que era, e que é, e que há de vir”. A seqüência difere levemente da ordem anterior: “que é e que era e que há de ser” (1.4, 8; ver também 16.5). Essas palavras descrevem Deus como independen te do tempo, de eternidade a eternidade.
9. E toda vez que as criaturas viventes dão glória e honra e ações de graças àquele que está sentado no trono, que vive para todo o sempre, 10. os vinte e quatro anciãos caem diante daquele que está sentado no trono, e adoram aquele que vive para todo o sempre, e lançam suas coroas diante do trono, dizendo. Esta passagem é introdutória ao segundo hino de louvor entoado no céu (ver v. 11) pelas criaturas viventes apoiadas pelos vinte e quatro anciãos em culto. Essas criaturas viventes atribuem a Deus glória, honra e ações de graças. Enquanto a combinação “glória e honra” aparece no Antigo Testamento (SI 8.5; Hb 2.7,9; ver também Ap 21.26), o substantivo “gra ças” ocorre principalmente nos livros neotestamentários (por exemplo, At 24.3; Ef 5.4). Glória e honra se relacionam com a perfeição de Deus, mas, ações de graças, a seus dons, quer na criação ou na redenção.27 João se refere a Deus como o ocupante do trono e como Aquele que habita a eternidade. Ao recorrer à circunlocução com o fim de evitar o uso do nome de Deus, ele insinua ser ele o possuidor e o doador da vida, e observa que essa vida é eterna (10.6; 15.7; Dn 4.34). As quatro criaturas viventes recebem de Deus sua vida, cumprem seus mandamentos e jubilosamente cantam seus louvores. A ênfase está no número quatro, que se relaciona com a criação divina. Semelhantemente, a sentença “àquele que vive para todo o sempre” aparece quatro vezes no Apocalipse (4.9, 10; 10.6; 15.7). Deus é o Criador que eternamente governa sobre sua criação.28 27. Ver Sw ete, R evelation , p. 73. 28. Richard Bauckham, The Clim ax o f Prophecy: Studies on the B ook o f R evelation (Edimburgo: Clark, 1993), pp. 31, 32.
A p o c a lip s e 4.6b -l 1
256
Também os vinte e quatro anciãos, representando a humanidade redimida, adoram a Deus, caindo sobre seus rostos diante do trono. Caindo prostrados à moda oriental, rendem homenagem ao único TodoPoderoso. A nenhum anjo se pode prestar reverência; aliás, um anjo reprova João por cair a seus pés, e lhe ordena que adore a Deus (19.10; 22.8,9). É notável quantas vezes no Apocalipse os vinte e quatro anciãos são mencionados caindo diante daquele que está sentado no trono para adorá-lo (5.8,14; 7.11; 11.16; 19.4). Quando pela primeira vez o Messiah [Messias] de Hendel foi apre sentado em Londres, em 1743, na presença do rei George II, o rei, ao ouvir o coro Aleluia, ergueu-se de seu trono.29Ao pôr-se de pé com a cabeça curvada, ele indicava que o rei não era ele, mas Jesus, o Rei dos reis e Senhor dos senhores. O Messias reina para todo o sempre. Os vinte e quatro anciãos lançam suas coroas diante do trono de Deus e lhe rendem a mais sublime adoração, no céu e na terra. Tinham recebi do de Deus mesmo essas coroas, por serem vencedores, porém, res peitosamente, devolvem-nas a Deus, atribuindo-lhe toda glória e honra. Prestam-lhe a mais sublime homenagem, porque só ele vive e governa para todo o sempre. Satanás tentou Jesus para que este se curvasse e o adorasse, po rém o Senhor respondeu citando as Escrituras: “Adore ao Senhor seu Deus e sirva somente a ele” (Mt 4.10; Lc 4.8; Dt 6.13). Satanás tem seu próprio trono (Ap 2.13), porém, na consumação, ele será lançado no lago de fogo (20.10). Não é Satanás, ainda que seja chamado o príncipe deste mundo (Jo 12.31), mas é Deus que está no comando e é digno de receber glória e honra e poder.
11. Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber glória e honra e poder, porque criaste todas as coisas, e porque por tua vontade passaram a existir, isto é, foram criadas. a. “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber glória e honra e poder.” Três cânticos sucessivos no Apocalipse trazem o adjetivo dig no como palavra de abertura, a qual, por causa de sua posição, recebe ênfase (4.11; 5.9,12). Ninguém, em todo o universo, é digno de glória, honra e poder, senão Deus e o Cordeiro. Deus é digno, por causa da criação; e o Cordeiro é digno por causa de sua morte sacrificial. Daí, só 29. Comparer Donna W. Payne e Fran Lenzo, The H an del’s M essiah Fam ily Advent R ea d er (Chicago: M oody, 1999), p. 99.
257
A p o c a lip s e 4 .6 b -ll
o Cordeiro é digno de executar o plano de Deus de salvação e exercer o papel de Rei em seu reino.30 Há diferença entre o cântico das quatro criaturas viventes (v. 8) e o cântico dos vinte e quatro anciãos. Os seres angelicais glorificam a san tidade de Deus, seu poder exclusivo e sua eternidade, enquanto os anciãos glorificam a Deus por sua obra de criação. Além do mais, em vez da expressão ações de graças (v. 9), o cântico contém a expressão poder. b. “Porque criaste todas as coisas.” O poder de Deus é revelado ao criar todas as coisas neste vasto universo. Nós, como seres humanos, somos incapazes de absorver tudo quanto existe, pois somos limitados pelo tempo e espaço. O universo que Deus criou é tão ilimitado que nos extasiamos ante o poder de Deus. O Criador fez todas as coisas, das mínimas partículas até a mais gigantesca estrela. Assim, a obra de cria ção gera nos anciãos a reação para expressar seu louvor ao Senhor Deus. Note que o denominam “Senhor e Deus nosso”. Num cântico posterior eles louvam o Senhor Cristo por os haver comprado (5.9). c. “E por causa de sua vontade vieram a existir, isto é, foram cria das.” A obra de criação depende inteiramente da vontade de Deus; fora de sua vontade nada acontece. Em outros termos, este mundo não veio à existência por sua própria evolução, mas por Deus exercer sua vontade (Hb 11.3). E assim a humanidade, o mundo animal e vegetal, a matéria inanimada, só existem em virtude da vontade de Deus. Isso significa que tudo quanto Deus criou deve servi-lo. A última parte deste versículo tem sido interpretada de várias manei ras, porque a seqüência lógica seria “foram criadas, isto é, existiam”. Ain da que a fraseologia seja imprecisa, a redação realmente deve estar no tempo presente, “existem”, que é a redação endossada por alguns manus critos (ver n k j v ) . Ainda outros testemunhos eliminam as palavras “foram criadas” com o intuito de suavizar de vez o problema.31Aqui está a redação mais difícil e provavelmente a mais correta; ela nos força a aceitar o texto como está e a interpretá-lo com o melhor de nossa habilidade. A explicação sugerida por vários comentaristas é que a expressão, existiam, retrocede ao fato da criação, e a expressão foram criadas tem a ver com o início de sua existência. A vontade de Deus é a causa 30. Erich Tiedtke, NIDNTT, 3.349. 31. Por exem plo, Charles (R evelation, 1.134) chama as últimas duas palavras glosa explicativa adicionada por um escriba que entendeu mal rjoav”.
A p o c a lip s e 4 .6 b -ll
258
da criação, e o Senhor Cristo é o agente da criação (Jo 1.1; Cl 1.15-18; Hb 1,3).32Esta é uma conclusão adequada ao relato da sala do trono de Deus: Deus é soberano em sua criação.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 4.6b-11 Versículo 6b kv néocú - “no meio de” é uma tradução literal do hebraico “do meio de [o fogo]” (Ez 1.5). Versículo 7
e^Gov - o particípio masculino singular em lugar do neutro (por causa de Çtôov) indica que o masculino dá ao ser vivente uma identidade pessoal. Versículo 8 àvá - a preposição tem um sentido distributivo em conexão com números,
“seis asas cada um”.33 í||aÉpaç x á ! vuKxóç - o caso nos dois substantivos é genitivo de tempo para expressar não comprimento, que poderia exigir o acusativo, mas infinidade.34 ayioç - este adjetivo ocorre três vezes sucessivamente à guisa de ênfase. Alguns manuscritos catalogam o adjetivo nove vezes (ver o Texto Majoritário).
Versículos 9,10
Os tempos futuros nos versículos 9 e 10, nos verbos da r glória, ca ir e lançar, no texto grego, podem ser devido à influência semítica: o tempo imper feito hebraico, em alguns casos, pode ser traduzido como futuro. Aqui, porém, o contexto requer uma tradução no presente, e não no futuro. Versículo 11
O artigo definido precede cada um dos três substantivos, “glória e honra e poder”. Ver também os cânticos em 5.13; 7.12. xà uávra - o artigo definido, com o adjetivo, expressa totalidade universal: no universo nada existe que Deus não tenha criado. fjoav Kotl €Kiío0T)oay - alguns manuscritos inserem a partícula negativa oí)K antes do primeiro verbo, enquanto outros descartaram as duas últimas palavras com o fim de elaborar uma seqüência lógica. Os melhores manuscri tos, porém, têm o texto apresentado aqui.
32. Consultar os comentários de Alford (pp. 602, 603), Barclay (1.207), Greijdanus (pp. 130,131), Hailey (p. 172), Hendriksen (pp. 110, 111), Hughes (p. 76), Johnson (p. 464), Diisterdieck (p. 202),Mounce (p. 127), Sweet (p. 121), Swete (p. 75) e Thomas (p. 368). 33. C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New Testament Greek, 2“ ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), p. 66. 34. Comparar Thomas, Revelation 1-7, p. 362 n. 89.
E sboço (continuação) 2. O Rolo Selado (5.1-5) 3. Louvor ao Cordeiro (5.6-14)
C a p ít u l o
5
O R o l o Se l a d o e o C o r d e ir o ( A p o c a l i p s e 5.1-14) E vi na mão direita daquele que está sentado no trono um rolo escrito por 5 1dentro e por fora, selado com sete selos. 2 E vi um anjo poderoso procla mando em alta voz: Quem é digno de abrir o rolo, isto é, de quebrar seus selos? 3 E ninguém no céu ou na terra ou debaixo da terra era apto para abrir o rolo ou olhar para dentro dele. 4 Eu me derramei em pranto, porque não se pôde encon trar ninguém para abrir o rolo ou olhar para ele. 5 E um dos anciãos passou a dizer-me: Não chore; eis que o leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu. Ele está apto a abrir o rolo e seus sete selos. 6 E vi no meio do trono e das quatro criaturas viventes, e no meio dos anciãos, um Cordeiro em pé, como se tivesse sido morto. Ele tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados por toda a terra. 7 E ele veio e tomou o rolo da mão daquele que está sentado no trono. 8 E quando ele tomou o rolo, as quatro criaturas viventes e os vinte e quanto anciãos caíram diante do Cordeiro. Cada um tinha uma harpa e taças de ouro cheias de incen so, que são as orações dos santos. 9 E cantavam um novo cântico, dizendo: Tu és digno de tomar o rolo e de abrir seus selos, porque foste morto e com teu sangue compraste homens [e mulheres] para Deus de toda tribo e língua e povo e nação, 10 e os fizeste para nosso Deus reino e sacerdotes, e governarão sobre a terra. 11 E olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, das criaturas viventes e dos anciãos. E seu número era miríades de miríades, milhares de milhares. 12 Estavam dizendo em alta voz:
261
A po c a l ips e 5.1-5
Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder e riqueza e sabedoria e força e honra e glória e ações de graças. 13 E toda criatura no céu e na terra e debaixo da terra e no mar, e todas as coisas que neles existem, dizendo: Aquele que está sentado no trono e ao Cordeiro sejam ações de graças e honra e glória e poder para todo o sempre. 14 E as quatro criaturas viventes estavam dizendo: Amém. E os anciãos se curvaram e adoraram.
2. O Rolo Selado 5.1-5 No centro do universo, Deus está sentado em seu trono para go vernar tudo quanto ele criou. Ainda que a terra esteja cheia de desor dem e tumulto, de catástrofes naturais de inundações e terremotos, de sofrimento humano em termos de fome e epidemias, guerras e confli tos, não obstante Deus está soberanamente no comando. Ele alimenta as aves do ar e faz os lírios crescerem nos campos (Mt 6.26, 28, 29). Nada acontece fora de sua vontade. Se, pois, Deus cuida de sua gran de criação, muito mais ele cuida de seu povo. O capítulo 4 descreve Deus e seu trono no céu; o capítulo seguinte [5] retrata o Cordeiro de Deus, que é conhecido nas Escrituras veterotestamentárias como o leão da tribo de Judá e a raiz de Davi (Gn 49.9,10; Is 11.1,10). Ele foi morto na cruz do Calvário para redimir seu povo do pecado e da culpa; como porta-voz de Deus, ele foi enviado para revelar sua palavra (Jo 3.31-34). Ele cumpriu a obra sacerdotal para redimir os santos e a obra profética para ensinar-lhes a revelação de Deus. Como vencedor, ele cumpre seu ofício régio. Note os liames verbais entre os capítulos 4 e 5:'
1. Com gratidão a J. Dary 1 Charles, “An A pocalyptic Tribute to the Lamb (Rev. 5.114)”, JETS 34 (1991): 462.
A p o c a lip s e 5.1-5
Apocalipse 4
262
Apocalipse 5
Aquele que se assenta no trono (vs. 2, 9) Aquele que se assenta no trono (vs. 1,7,13) As quatro criaturas viventes As quatro criaturas viventes (v. 6) (vs. 6,8,11,14) Os vinte e quatro anciãos Os vinte e quatro anciãos (v. 4) (vs. 6,8,14) Prostraram-se e adoraram (vs. 8,14) Prostram-se... e adoram (vs. 10,11) Digno (vs. 9,12) Digno (v. 11) Toda criatura (v. 13) Tu criaste todas as coisas (v. 11)
O Cordeiro ocupa o centro de todos os decretos de Deus, pois ele é digno e capaz de quebrar o selo e de abrir o rolo. Nada sucede à parte do Cordeiro, pois ambas, criação e redenção, começam e terminam nele. E, finalmente, a palavra Cordeiro não deve ser tomada literal mente, mas simbolicamente.
1. E vi na mão direita daquele que está sentado no trono um rolo escrito por dentro e por fora, selado com sete selos. João continua revelando o que observara quando lhe foi permitido contemplar o céu e divisar o trono de Deus. Ele revela o que viu no trono, porém evita usar o nome de Deus. Para um judeu, era proibido mencionar o nome de Deus, especialmente em conexão com a habita ção de Deus, seu trono (ver o comentário sobre 4.2). Assim João es creve acerca daquele que está sentado no trono celestial e sua mão direita, que simbolizam o poder e autoridade divinos. A segunda parte deste versículo apresenta inúmeras dificuldades ao intérprete: a aparição do rolo, a mensagem do rolo, o lugar dos sete selos e o simbolismo do rolo selado. a. Aparência do rolo. João diz que o rolo foi escrito de ambos os lados e no dorso, com o intuito de indicar que a mensagem era tão volumosa que ambos os lados do material escrito tinham de ser usados. O termo que ele usa é “rolo”, que normalmente estava escrito somente em seu lado interior liso. No segundo século de nossa era, o códice entrou em uso; um códice consistia de duas folhas individuais unidas em um lado na forma de um livro. Mas o códice ainda não estava em uso no tempo da composição do Apocalipse. Além disso, não podemos esperar que, no papel de exilado em uma ilha desolada, João pudesse ter feito uso de um códice. Ainda que folhas individuais tivessem texto
263
A po c a l ipse 5.1-5
de ambos os lados, esse tipo de livro não se presta à observação de João do rolo que estava escrito “no interior e no dorso” . O volume é um rolo, e não um códice como um manuscrito na forma de livro.2Antes e durante o primeiro século, os rolos com escritura de ambos os lados estavam em uso tanto para propósitos privados quanto públicos. Eram chamados pisthographs (escritura no dorso; ver Ez 2.9, 10). O relato de João forma paralelo com a profecia veterotestamentária de Ezequiel, porém há uma diferença extraordinária. Comparar os versículos.
Ezequiel 2.9,10
Apocalipse 5.1
Então olhei, e vi uma mão estendida para mim. Nela estava um rolo, o qual enrolava diante de mim. Estava escrito de ambos os lados, palavras de lamento, de pranto e de ais.
E vi na mão direita daquele que estava sentado no trono um rolo escrito no interior e no dorso, e selado com sete selos.
Na visão de Ezequiel, o rolo na mão de Deus não está selado, mas é estendido diante dele pelo próprio Deus e entregue diretamente ao pro feta (Ez 2.9,10). Em contraste, o rolo que João viu está selado com sete selos. Somente o Cordeiro é capaz de tomá-lo da mão de Deus e então de quebrar os sete selos e de abri-lo (vs. 1, 3, 5, 7, 9, 12; 8.1).3 Os rolos eram feitos ou de folhas de papiro que cresciam no Delta do Nilo, no Egito, ou de peles de animais. Variavam em extensão para acomodar-se às necessidades do escritor; por exemplo, o tamanho da carta de Paulo aos Romanos e sua carta a Filemom enchiam rolos de onze e meio pés e um pé respectivamente.4Não somos informados acerca da extensão desse rolo celestial, mas o volume da escritura de ambos os lados sugeriria um rolo de considerável comprimento. Outra explicação é a de um documento que era escrito duas vezes: o primeiro documento era selado com sete selos e o segundo, com o mesmo texto, não era selado, e podia ser lido (ver Jr 32.9-15). Esse 2. Emest B. Alio, Saint Jean l ’Apocalypse, Études Bibliques (Paris: Gabalda, 192] ), p. 60. 3. Consultar Richard Bauckham, The C lim ax o f P roph ecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 246. 4. W illiam Barclay, The R evelation ofJohn, 2a edição (Filadélfia: Westminster, 1960), 1.208.
A p o c a lip s e 5.1-5
264
procedimento era comum no mundo antigo, e tais cópias têm sido en contradas; tanto os gregos quanto os romanos faziam uso de tais docu mentos legais.5Esses manuscritos eram selados na presença de sete testemunhas. A similaridade com o rolo na mão de Deus é indubitável, mas as objeções à sua explicação permanecem críticas. David Aune fornece as seguintes objeções: Primeiro, um docu mento escrito em duplicata tinha uma declaração sumariada no lado externo, a qual alguém pudesse ler. Isso tornaria desnecessário selar o documento. Segundo, o conteúdo do segundo rolo não selado está aberto a todos, de modo que os sete selos de Deus perderiam seu propósito. Por que João escreve as palavras “não se podia achar nin guém que abrisse o rolo e olhar para ele” (v. 4), se o documento não selado podia ser lido? Terceiro, no Apocalipse não há menção de sete testemunhas no rolo escrito no interior e no dorso. E, finalmente, a redação preferida do texto é “um rolo escrito no interior e no dorso”, o que se adequa à nossa explicação, enquanto a redação secundária, “um rolo escrito por dentro e por fora” adequa-se à teoria do documento escrito em duplicata.6 b. M ensagem do rolo. Primeiro o rolo, estando visível na mão de Deus, testifica que ele é seu autor. Segundo, a escritura aparece no dorso em grau tal que não se pode acrescentar sequer uma linha. A extensão do escrito produzido é tão volumosa que compreende o plano completo de Deus. Terceiro, como os dois tabletes de pedra em ambos os lados tinham a escritura de Deus (Êx 32.15,16) como um símbolo de completude, assim o rolo, em ambos os lados, tinha a escritura de Deus em sua completude. A abertura dos selos no capítulo 6 revela que o conteúdo do rolo se refere,a um período indefinido da História. Equiva5. O. Roller, “Das Buch mit den sieben Siegeln”, ZNW 36 (1937): 98-113; R. H. Charles, A C ritical an d Exegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1.137. Ver A dela Yarbro Collins, The C om bat M yth in the B ook o f R evelation, HDR 9 (M issoula: Scholars Press, 1976); p. 22. 6. D avid E. A une, R evelation 1 -5 , W BC 52A (1997), pp. 342, 343; Colin J. Hemer, L etters to the Seven Churches o f A sia in Their L ocal Setting, JSNTSup 11 (Sheffield: JSOT, 1986), pp. 2 1 8 , 219. C onsultar Gerhard A. Krodel (R e v e la tio n , A C N T [M inneapolis: Augsburg, 19891, PP- 161, 162), que nota a dificuldade de se escrever no dorso externo de um opisthograph. A s fibras de papiro corriam horizontalm ente (reto) de um lado e verticalm ente (verso) do outro, o que cria problem as para se escrever em ordem.
265
A p o c a lip s e 5.1-5
le a dizer que o rolo revela o plano completo de Deus e o propósito para o mundo todo ao longo das eras, do começo ao fim. Para nós, o rolo com seus selos é evidência do que Deus planejou para a salvação de seu povo. Este plano é mistério preordenado, segundo Paulo, e é reve lado na plenitude do tempo (Ef 1.9-11; 3.9-11). Pedro também fala des se mistério da salvação através de Cristo e acrescenta que os anjos anelam por ele (IPe 1.10-12).7O plano de Deus para a salvação é a vinda de seu reino para contestar o governo de Satanás e proclamar Deus como “o Senhor Deus Todo-Poderoso, que era, e que é, e que há vir” para estabelecer seu reino. Portanto, concluo que o conteúdo do rolo pertence ao propósito secreto de Deus de estabelecer seu reino na terra até que a plenitude de sua glória seja revelada.8 c. Posição dos Sete Selos. Os comentaristas são incapazes de explicar com alguma parcela de satisfação como alguém pode quebrar o primeiro selo e então ler o documento até terminar firmemente com os seis selos. Só quando todos os sete selos estão quebrados é que pode o rolo ser lido. M inha sugestão é que João apresenta o primeiro quadro geral e depois relata os detalhes. Ele fala simbolicamente e não espera que seus leitores interpretem suas palavras literalmente. As sim, ele escreve sobre a abertura do rolo, seguida da quebra dos sete selos (v. 2). João declara o fato de que o rolo está selado e espera que o leitor entenda que quando o Cordeiro toma o rolo da mão direita de Deus, Jesus quebra todos os selos. Depois João continua elucidando o que está por trás de cada selo.9Em suma, João espera que o leitor complete os detalhes depois que o Cordeiro tiver, por fim, quebrado os sete selos. 7. Referência a Homer Hailey, Revelation: An Introduction and Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 179, 180; S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), pp. 132-133; Herman Hoeksem a, Behold, He Com eth! An Exposition o f the Book o f Revelation (Grand Rapids; Reformed Free Publishing Association, 1969), pp. 166-68; William Hendriksen, M ais que Vence dores, pp. I l l , 112. 8. Consultar Richard Bauckham, Climax o f Prophecy, p. 249; ver também seu Theology o f the Book o f Revelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), p. 80. 9. Gregory K. B eale (The Book o f R evelation: A C om m entary on the G reek Text, NIGTC [Grand Rapids: Eerdmans, 1998], p. 347) escreve: “N a verdade, os anteceden tes possivei' do ‘livro’ mostram que uma tal revelação progressiva não poderia de forma alguma ser desirmanado.”
A p o c a l ip s e 5.1-5
266
d. Simbolismo do Rolo Selado. O rolo selado que João apresenta é um símbolo, que se torna evidente quando lemos, primeiramente, que todo o espaço disponível de ambos os lados do documento tenha sido preenchido (algo que no primeiro século os escribas raramente faziam). Segundo, o particípio grego “selado” está numa forma composta para denotar perfeição: ele está totalmente selado. Em uma palavra, o qua dro que João apresenta é permanente.10E, por último, o número sete representa completude. João comunica a impressão de que o rolo com sete selos estava completamente selado. 2. E vi um anjo poderoso proclamando em alta voz: Quem é digno de abrir o rolo, isto é, de quebrar seus selos? 3. E nin
guém no céu ou na terra ou debaixo da terra era apto para abrir o rolo ou olhar para dentro dele. O anjo poderoso falou em alta voz, de modo que todos, em toda a criação, podiam ouvi-lo (para outras aparições de um anjo poderoso, ver 10.1 e 18.21). Note o tempo presente do particípio “proclamando” a indicar que ele continuou a convocar todos a avançar rumo ao trono de Deus. A implicação é que ninguém, atingido pelo pecado, poderia aproximar-se do trono. Somente os que são dignos podem achegar-se. A ênfase sobre o termo digno é significativa, pois no Apocalipse ela é usada exclusivamente em referência a Deus e a Jesus (4.11; 5.9, 12). O adjetivo não significa “apto”. Habilidade aponta para força e proficiên cia, enquanto dignidade diz respeito à qualificação para o propósito de realizar uma tarefa. Em toda a criação, não se pode encontrar ninguém com as qualifi cações para abrir o rolo e quebrar os selos. Incidentalmente, a quebra dos selos ocorre antes da abertura de rolos; João, porém, reiteradamente reverte a seqüência lógica que esperávam os." Em outros termos, a tarefa não é meramente a de quebrar os selos, mas o controle efetivo das conseqüências dessa ação. O anjo convoca todos os que habitam em todas as partes da criação de Deus: no céu, na terra e debaixo da terra (ver Ex 20.4; Fp 2.10). Ele quer saber se há alguma criatura, em qualquer lugar, digna de quebrar os selos e de olhar para dentro do rolo, isto é, de lê-lo. Suscita-se a pergunta se um arcanjo poderoso (Gabriel 10. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. Joh n ’s R evelation (Columbus: Wartbure, 1943), p. 192. 11. Por exem plo, A pocalipse 3.3, 17; 10.4, 9; 22.14.
267
A po c a l ipse 5.1-5
ou Miguel) não poderia ter respondido ao apelo. Os anjos, porém, são meros mensageiros que obedientemente atentam para as ordens divi nas e as cumprem. São indignos porque não podem redimir anjos apóstatas, nem ainda para mencionar a humanidade caída. O teólogo alemão Zacharias Ursinus, em 1563, formulou a pergun ta: “Será que uma criatura, sendo apenas criatura, pode pagar por nós?”. Ele respondeu: “ Não, não pode. Primeiro: porque Deus não quer cas tigar uma outra criatura pela dívida do homem. Segundo: porque tal criatura não poderia suportar o peso da ira eterna de Deus contra o pecado e dela livrar outros.” 12 Quando João escreve as palavras “no céu e na terra e debaixo da terra”, ele não está apresentando um conceito pagão de um universo de três níveis. Ao contrário, ele comunica a descrição da totalidade da criação divina, isto é, todos os anjos e santos no céu; todos os seres humanos na terra; e todos os anjos e pessoas apóstatas destinados ao inferno (Fp 2.10; comparar também Êx 20.4; Dt 5.8).13
4. Eu me derramei em pranto, porque não se pôde encontrar ninguém para abrir o rolo ou olhar para dentro dele. 5. E um dos anciãos passou a dizer-me: Não chore; eis que o leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu. Ele está apto a abrir o rolo e seus sete selos. João derramou lágrimas copiosas em demonstração de profunda tris teza por causa do rolo selado que continha a chave da redenção do povo de Deus. Se o rolo permanecesse selado, o plano de Deus para a salva ção não seria executado, e a raça humana seria para sempre condenada. Ninguém, em todo o universo, se apresentou para responder ao apelo do anjo, quebrando os selos e abrindo o rolo. Nenhum ser humano ou anjo era digno; aliás, seu silêncio testificava de sua indignidade. Ain da quando os seres humanos tivessem tentado e continuassem tentan do repetidamente para operar sua própria salvação, sua óbvia falha os desqualifica. Conseqüentemente, se o rolo permanecesse fechado, a maldição divina continuaria a repousar sobre a humanidade pecadora, a criação não seria libertada da escravidão da decadência (Rm 8.21) e o sofrimento duraria interminavelmente. 12. Catecism o de Heidelberg, P. e R. 14. 13. Ver W illiam Hendriksen, E xposição de Filipenses, CNT (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1992), p. 154 n. 95.
A p o c a l ip s e 5.1-5
268
Note, porém, que um dos anciãos, como representante da humani dade redimida, se dirige a João (ver 7.13). Ele lhe diz que pare de chorar, e focaliza sua atenção em “o leão da tribo de Judá, a raiz de Davi [que] venceu”. O verbo vencer comunica boas-novas. Ele liga este versículo às cartas às sete igrejas, que têm um refrão repetitivo, “aquele que vencer” (por exemplo, 2.7), e também a Jesus que diz: “Eu venci” (3.21; Jo 16.33). Este verbo implica que Jesus é o vencedor sobre a morte e o inferno, as primícias dos mortos e o Rei que subiu ao céu e está sentado à mão direita de Deus. Como vencedor, Jesus é digno de quebrar os selos e desenrolar o documento. Como o autor da salvação, ele recebeu a honra e a distinção de tomar o rolo da mão de Deus e de abri-lo. João usou a linguagem veterotestamentária para descrever Jesus: “o leão da tribo de Judá” é um eco das palavras de Jacó. O patriarca abençoou seus doze filhos e distinguiu Judá como a tribo da qual viria o que governaria. Jacó disse a Judá: “Você é um filhote de leão, ó Judá... O cetro não se apartará de Judá, nem o bastão de comando de entre seus pés, até que venha aquele a quem ele pertence, e a obediência das nações é sua” (Gn 49.9, 10; comparar Hb 7.14).14João chama Jesus “a raiz de Davi”, o que retrocede à declaração dos profetas de que o Messias subiria do tronco de Jessé e essa raiz ou broto de Davi gover naria os povos (Is 11.1, 10; Jr 23.5; 33.15; Zc 3.8). Jesus representa realeza, pois esses são títulos messiânicos que atestam sua condição régia. Como um descendente de Davi (Mt 22.41-45), Jesus é humano; e como Messias, ele é divino.15Ele é digno em virtude de seu papel de Mediador, e ele é capaz em virtude de sua deidade. Ele é o Deus ho mem, e é único e santo. Não há ninguém, em todo o üniverso, digno e capaz de abrir o rolo depois de quebrar seus sete selos. A seqüência no texto grego é rever tida, João, porém, parece insinuar que Jesus quebrou todos os sete se los para ter acesso à mensagem do rolo. Isso está implícito no vocabu lário do versículo seguinte: “Tu és digno de tomar o rolo e de abrir seus selos” (v. 9). O verbo quebrar e abrir combinam as idéias de ser digno e competente para tal tarefa. 14. Ver SB, 3.801. 15. Consultar Robert L. Thomas, Revelation 1 -7 : An E xegetical Com m entary (Chicago: M oody, 1992), p. 388.
269
A p o c a l ip s e 5.1-5
Palavras, Frases e Construções Gregas em 5.1-4 Versículo 1
èuL xf|v ò tíiá v - a preposição seguida do caso acusativo significa o lugar no qual o rolo se encontra: na mão direita de Deus. A maioria das versões inglesas traz “na mão direita”, o que poderia ser interpretado não como exibido pela mão, mas como estando nela (comparar 1.20). irnoGev - em vez de “no dorso”, alguns dos manuscritos secundários (TR, latino, alguns siríacos e cópticos) têm êÇtoBev, “do lado externo”. Os Novos Testamentos Gregos representam a redação primária. Kaxea^tpayLa^évov - o prefixo Kcczá, do composto, intensifica o significado do particípio. É o tempo perfectivo da preposição “de todo selado”.16 Versículo 3, 4
Em ambos os versículos, o indicativo perfeito ocorre nos verbos èôúvato (era apto) e êkàcuov (eu estava chorando). Expressam ação contínua no passado.
3. Louvor ao Cordeiro 3.6-14 As quatro criaturas viventes louvavam a Deus por sua santidade e eternidade, e lhe atribuíam glória, honra e ações de graças. Os vinte e quatro anciãos igualmente cantavam seus louvores enaltecendo-o por sua obra de criação (4.8-11). Agora o enfoque muda de alguém que se acha sentado no trono para o Cordeiro que se acha em pé no centro do trono. O Cordeiro é aquele a quem os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos adoram com cânticos do mais forte louvor. Três vezes sucessivamente, as companhias celestiais jubilosamente expressam seus louvores ao Cordeiro. Primeiro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos entoam um novo cântico; segundo, anjos inumeráveis cantam em alta voz glorificando o Cordeiro; e, terceiro, todas as criatu ras que Deus criou atribuem louvor, honra, glória e poder ao que está sentado no trono e ao Cordeiro. Conclui-se com um Amém procedente dos lábios das quatro criaturas viventes e adoração dos anciãos.
6. E vi no meio do trono e das quatro criaturas viventes, e no meio dos anciãos, um Cordeiro em pé, como se tivesse sido 16. Ver A. T. Robertson, A G ram m ar o f the Greek N ew Testament in the Light o f H istorical R esearch (Nashville: Broadman, 1934), p. 606; Thomas, R evelation 1 -7 , p. 380 n. 24.
A p o c a l ips e 5.6-14
270
morto. Ele tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espí rito de Deus enviados por toda a terra. a. “E vi no meio do trono e das quatro criaturas viventes, e no meio dos anciãos, um Cordeiro em pé, como se tivesse sido morto.” O sujeito nesta sentença é o Cordeiro, não o leão da tribo de Judá, nem a raiz ou rebento de Davi. O Cordeiro é o símbolo do cordeiro morto para a festa da páscoa dos israelitas. O sangue do cordeiro tinha de ser derramado nas laterais e no topo das ombreiras de seus lares, de modo que o anjo da m orte passava sobre os israelitas e poupava a vida de seus primogênitos (Êx 12.1-13). Além disso, o Cordeiro está simbolizado no cordeiro que era levado ao lugar de abate e ferido pela transgressão de seu povo (Is 53.7, 8; At 8.32). João Batista duas vezes designa Jesus como o Cordeiro de Deus (Jo 1.29, 36). E, por fim, Pedro se refere aos redimidos que são libertados “com o precioso sangue de Cristo, um cordeiro sem mácula e sem defeito” (IPe 1.19). Não obstante, o símbolo do Cordeiro também retrata Jesus como líder e soberano. Ele está entronizado e assentado no trono de Deus (Ap 7.17; 22.1, 3). Como o Cordeiro, ele ocupa o trono e expressa sua ira em relação a todos os seus inimigos (6.16).17 O Cordeiro estava em pé como se tivesse sido morto, o que signifi ca um corpo que foi feito em pedaços, porém agora estava restaurado e apto a ficar em pé. As marcas de suas feridas ainda são visíveis, como quando Tomé foi solicitado a olhar para as mãos de Deus e tocar a cicatriz em seu lado (Jo 20.27). O Cordeiro estava no centro do trono de Deus, fora morto, porém está triunfante.18Mas, como podemos visualizar o lugar que Jesus ocupava “no meio do trono e das quatro criaturas viventes e no meio dos anciãos”? Possivelmente, este é um idiomatismo hebraico (ver Lv 27.12 LXX ): “Onde dizemos ‘entre A e B \ o hebraico diz ‘entre A e entre B ’.” l90 Cordeiro estava em pé 17. Consultar Aune, Revelation 1 -5 , pp. 368, 369. 18. Referência a Donald Guthrie, “The Lamb in the Structure o f the B ook o f Revelation”, VoxEv 12 (1981): 64-71. 19. G. B. Caird, A Com m entary on the Revelation o f St. John the D ivine (Londres: Black, 1966), p. 76; ver também Charles, R evelation, 1.140; Aune, Revelation 1 -5 , p. 352; Greijdanus, O penbaring, p. 136; Henry Alford, Jam es-R evelation, vol. 4, parte 2 de A lford’s Greek Testament (1875; reimp., Grand Rapids: Guardian, 1976), p. 607; Friedrich Düsterdieck, C ritical and E xegetical H andbook to the R evelation o f John (N ova York e Londres: Funk e W agnalls, 1886), p. 209.
271
A p o c a l ip s e 5.6-14
entre o trono e os anciãos do outro lado. Esta explicação encontra en dosso no versículo 7, o qual diz que o Cordeiro veio e tomou o rolo da mão daquele que se achava sentado no trono. Em outro lugar, João põe “o Cordeiro no centro do trono” (7.17). Aqui, porém, o local do Cordei ro não tem referência a nenhum dos outros seres. E, por fim, na carta aos laodicenses, Jesus notifica que ele está sentado no trono (3.21); aqui, não obstante, ele está em pé com o propósito de chegar-se a Deus e tomar de sua mão o rolo.20 b. “Ele tinha sete chifres e sete olhos, que eram os sete espíritos de Deus enviados por toda a terra.” O tríplice uso do número sete enfatiza o símbolo de completude com respeito ao Cordeiro. O chifre é o símbolo de força (por exemplo, ver 17.12; Dt 33.17), e com essa força Jesus como o Rei dos reis promove a justiça e o juízo. Com sete chifres, ele possui toda a autoridade para governar o céu e a terra (Mt 28.18; Jo 17.2). Com visão completa - sete olhos - , ele está apto a observar tudo o que acontece no universo; nada escapa à sua ob servação. Em v irtude da visão plena, ele tem conhecim ento, discernimento e entendimento perfeitos; esses são os olhos do Senhor que perfila ao longo do mundo inteiro (2Cr 16.9; Jó 24.23; Pv 15.3; Jr 16.17; Zc 3.9; 4.10). João fornece uma explanação da significação dos sete olhos. São os sete espíritos de Deus comissionados por ele. De início notamos que a expressão sete espíritos se refere à plenitude do Espírito Santo (ver o comentário sobre 1.4; 3.1; 4.5). Ambos, o Pai e o Filho, comissionam o Espírito a percorrer toda a terra (Jo 14.26; 15.26; 16.7; G14.6). Aliás, Jesus comissiona o Espírito Santo à obra de fazer notório o Filho de Deus e sua mensagem de redenção em todas as partes do mundo. Aqui temos uma referência indireta ao derramamento do Espírito Santo por ocasião do Pentecostes, em cujo poder os apóstolos foram enviados “até os confins da terra” (At 1.8). O tempo perfeito do particípio grego, enviado, indica a presença e obra contínuas do Espírito Santo no cora ção e vida do povo de Deus.
7. E ele veio e tomou o rolo da mão daquele que está senta do no trono. 20. Alguns comentaristas (por exem plo, Thomas, Revelation 1 -7 , pp. 389, 390; Swete, Revelation, p. 78) vêem a posição do Cordeiro na parte central dos círculos concêntricos.
A p o c a l ip s e 5.6-14
272
O Cordeiro veio a Deus assentado no trono (ver a explicação do v. 6). De onde estava em pé, ele se moveu por entre as quatro criaturas viventes e os anciãos. Ele tomou o rolo da mão direita de Deus. Ainda que a expressão o rolo ocorra cinco vezes nos primeiros cinco versículos deste capítulo, aqui, no texto grego, a palavra é omitida e deve ser suprida. Ao omiti-la, a ênfase recai sobre o Cordeiro, e não sobre o rolo. É a mão direita daquele que se acha sentado no trono21 que entre ga o rolo ao Cordeiro, subentendendo que Deus o reveste com autori dade para trazer a lume a realização seu conteúdo (comparar 1.1). A mão direita, na cultura Oriental, significa sucesso, enquanto a mão es querda denota algo sinistro. O Cordeiro é capacitado a quebrar os selos e a abrir o rolo (ver 9a).
8. E quando ele tomou o rolo, as quatro criaturas viventes e os vinte e quatro anciãos caíram diante do Cordeiro. Cada um tinha uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. a. “E quando ele tomou o rolo, as quatro criaturas viventes e os vinte e quatro anciãos caíram diante do Cordeiro.” Uma só e a única pessoa, em todo universo, que é digna e capaz de tomar o rolo da mão de Deus, é o Cordeiro. E quando ele toma o rolo e presumivelmente quebra os selos para abri-lo, os quatro seres viventes e os vinte e quan to anciãos, como representantes do mundo angelical e da humanidade redimida, caem em adoração diante do Cordeiro.22Reconhecem seu poder e autoridade; estão jubilosos porque o conteúdo do rolo agora está sendo revelado; deleitam-se na concretização do plano e propósito de Deus; e se regozijam na salvação de seu povo. b. “Cada um tinha uma harpâ e taças de ouro cheias de incenso.” Os anjos e anciãos vocalizam seu cântico acompanhados por uma har pa que cada um dos anciãos possui. A gramática grega favorece os anciãos, e não as quatro criaturas viventes, quem segura a harpa e as taças. Além disso, harpas eram portadas no culto, não por anjos, mas pelos levitas (1 Cr 25.1, 6); e os anciãos é que cumprem os deveres 21. A frase “aquele que está sentado no trono” ocorre reiteradamente no Apocalipse: 4.2, 3, 9; 5.1, 13; 6.16; 7.10, 15; 19.4; 20.11; 21.5. 22. Ainda que o texto deixe fora o verbo “adorar”, a palavra está implícita, com o é evidente à luz do versículo 22, onde ele é usado em com binação com “cair”.
273
A p o c a l ip s e 5.6-14
sacerdotais, e não os anjos. Não obstante, todos eles cantam com o acompanhamento de harpas. Não devemos imaginar harpas modernas, mas, antes, um “instrumento retangular ou em forma de trapézio... com uma média de oito a nove cordas”.23A Escritura se refere à harpa e à lira, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento (2Cr 29.25; SI 33.2; 71.22; 92.3; 98.5; 147.7; 149.3; 150.3; Ap 14.2; 15.2). Os judeus usa vam a harpa como um instrumento convencional para acompanhar o cântico dos Salmos. Isso é evidente à luz das numerosas referências a ela no Saltério. Deus instruiu os israelitas a fazer taças de ouro puro para a liturgia no tabernáculo: “Faça de ouro puro seus pratos e o recipiente para incenso, suas tigelas e as bacias nas quais se derramam as ofertas de bebidas” (Êx 25.29; ver também 37.16). Essas taças eram também usadas no templo de Salomão (2Cr 4.22); foram levadas para a Babilônia (2Rs 24.13) e, eventualmente, foram trazidas de novo para Jerusalém (Ed 1.10). As taças eram objetos achatados na forma de um prato de balança ou um pires nos quais se punha incenso.24 c. “Que são as orações dos santos.” João fornece uma interpreta ção das taças de incenso, recorrendo ao Antigo Testamento para a explicação. Em um dos Salmos, Davi ora a Deus e diz: “Seja minha oração como incenso diante de ti” (SI 141.2; ver também Ap 8.3). São as orações dos santos que se encontram no céu ou na terra? Os santos sob o altar estão clamando a Deus para que julgue as pessoas que lhe são hostis e vingue os mortos por sua causa (6.10). Se limitarmos as orações aos santos no céu, somos bitolados demais. Devemos incluir as petições e louvores de ações de graças dos santos na terra. A expressão santos ocorre com freqüência em Atos, nas Epístolas e no Apocalipse; ela significa “os santos”. No Antigo Testamento, os santos são companheiros de Deus (Dn 7.21, 22); no Novo Testamento, porém, são aqueles que têm sido santificados através de Jesus Cristo. Os santos participam da santidade de Deus por terem acesso na comu nhão com ele.25 23. Ver Daniel A. F oxvog e Anne D. Kilmer, “M usic”, ISBE, 3.440. Consultar também Harold M. B est e David K. Huttar, ZPEB, 4.320. 24. A palavra grega (fucíA/r] (taça) aparece somente no A pocalipse (5.8; 15.7; 16.1, 2 ,3 , 4, 8, 10, 12, 17; 17.1; 21.9). 25. R eferência a Horst B alz, EDNT, 1.20.
A p o c a l ip s e 5.6-14
274
9. E cantavam um novo cântico, dizendo: I\i és digno de tomar o rolo e de abrir seus selos, porque foste morto e com teu sangue compraste homens [e mulheres] para Deus de toda tribo e língua e povo e nação 10. e os fizeste para nosso Deus reino e sacerdotes, e governarão sobre a terra. a. “E cantavam um novo cântico.” Este é o primeiro dos três hinos que exaltam o Cordeiro por sua obra redentora na cruz. Os outros dois hinos são entoados respectivamente pelos anjos e todas as criaturas. Quem são os cantores deste primeiro hino? Pelo menos um estudioso afirma que são os vinte e quatro anciãos, visto que portam harpas.26 Outro argumento consiste na redação da linha “compraste homens [e mulheres] para Deus”, a qual a TR lê: “nos compraste para Deus” (ver k j v , n k j v ). Os quatro seres viventes são incapazes de dizer que o Cordeiro os comprara com seu sangue. Mas esses argumentos são gramática e textualmente questionáveis. A opinião da erudição favore ce a inclusão das quatro criaturas viventes, visto que, com os anciãos, caíram diante do trono em adoração (v. 8) e se espera que expressem seu culto com cânticos. As vinte e oito vozes entoam um novo cântico. O adjetivo novo sugere que o novo é oriundo do antigo, como uma entidade separada. O Antigo Testamento cataloga novos cânticos que celebram os prodi giosos feitos de Deus (SI 33.3; 40.3; 96.1; 98.1; 144.9; Is 42.10). No Apocalipse, porém, os cantores enaltecem a redenção do povo de Deus através da expiação dè Jesus Cristo. Louvam não ao que está sentado no trono, mas ao Cordeiro que já consumou sua obra redentiva. O Cordeiro merece louvor jubiloso, porque triunfou sobre Satanás, morrendo pelos redimidos comprados de toda tribo, língua, povo e nação. O cântico é novo não só “em um ponto do tempo; mais impor tante ainda, é novo e distintivo em qualidade”.27O Cordeiro é digno do mais elevado louvor. 26. Charles, R evelation, 1.146. 27. Robert H. M ounce, The Book o f R evelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1977), p. 135.
275
A p o c a l ip s e 5.6-14
b. “Tu és digno de tomar o rolo e de abrir seus selos, porque foste morto e com teu sangue compraste homens [e mulheres] para Deus de toda tribo e língua e povo e nação.” O Cordeiro é digno porque volunta riamente deu sua própria vida em sacrifício na cruz. Sua morte não foi uma fortuita casualidade ou uma tragédia inevitável. Ele voluntaria mente entregou sua vida em pagamento da pena do pecado, para satis fazer a justiça de Deus, para remover a maldição, para reconciliar o mundo com Deus e para restaurar seu povo à verdadeira comunhão com Deus (14.4; IPe 1.18, 19). Em virtude de sua morte sacrificial, o Cordeiro é digno de tomar o rolo da mão de Deus, de quebrar seus selos e de trazer à realidade seu conteúdo (Ap 13.8; Is 53.7). O Cordeiro morto para redimir seu povo simboliza o sacrifício volun tário do Cristo crucificado,28e ao mesmo tempo a supremacia do Cristo exaltado. Como veremos mais adiante, uma das cabeças da besta que emerge do mar foi morta como paródia da morte de Jesus (13.3). A diferença é que Cristo ressuscitou dentre os mortos, enquanto a besta é eternamente consignada ao lago de fogo (19.20). Ao derramar seu san gue e morrer na cruz, Cristo Jesus pagou pelos pecados de seu povo e os libertou. A guisa de contraste, a besta, tendo sofrido um golpe fatal em uma de suas sete cabeças, escraviza seus seguidores e continua seus ataques contra Deus, seu nome, sua habitação e seu povo (13.4-8). Cristo Jesus comprou seu povo com seu sangue derramado no Calvário. Ele não pagou a Satanás para redimi-los, mas com sua morte na cruz ele satisfez a justiça de Deus. Ele pagou a penalidade que Deus impusera a Adão e Eva, bem como a seus descendentes (Gn 2.17), e os libertou. O povo de Deus deve a Jesus “uma esmagadora dívida reli giosa” por voluntariamente pagar o preço de sua redenção.29 A frase “de toda tribo e língua e povo e nação” ocorre reitera damente no Apocalipse com variações na ordem das palavras (7.9; 10.11; 11.9; 13.7; 14.6; 17.15). A palavra tribo comunica a idéia de laços e descendentes físicos, enquanto o termo língua tem uma 28. Otto M ichel ( TDNT, 7.934 n. 42) nota que a crucificação de Cristo “não tem uma relação estreita com matança, de m odo que a interpretação teológica, e não o evento histórico, dá origem à im agem do Cordeiro morto”. Ver Elisabeth Schüssler Fiorenza, The Book o f R evelation: Justice an d Judm ent (Filadélfia: Fortress, 1985), p. 73. Não obstante, o fato histórico da morte de Cristo na cruz, com o expresso no tempo aoristo grego de e s p h a g ê s (tu foste morto), permanece inalterado. 29. Bauckham, Theology, p. 62.
A p o c a l ip s e 5.6-14
276
conotação muito mais ampla e aponta para a comunicação idiomática. A palavra que traduzi por povo se relaciona com um grupo étnico de descendentes comuns; e a expressão nação se refere a uma entidade política com fronteiras geográficas distintas. Mas por causa do freqüente surgimento dessas quatro categorias no Apocalipse, é melhor interpretálas como um idioma todo-inclusivo.30Jesus chama seus seguidores, ju deus e gentios, de todos os lugares possíveis sobre a face desta terra, de modo que seu povo compõe a Igreja universal. c. “E os fizeste para nosso Deus reino e sacerdotes, e governarão sobre a terra.” Há aqui um paralelo às palavras em 1.6: “e nos fez reino e sacerdotes para seu Deus e Pai” ; e 20.6: “serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos”. João recorre a Êxodo 19.6, onde Deus diz ao povo de Israel que lhes seriam nação santa e reino de sacerdotes (Is 61.6). Como Deus chamou os israelitas para que fossem um povo especial em seu tempo, assim se dirige a seu povo hoje e o instrui para que seja composto de cidadãos em seu reino e o sirvam como sacerdotes dedicados. Essa função é no tempo e na eternidade, para esta presente vida e para a vida por vir. O presente governo dos santos sobre a terra prossegue com Cristo na terra renovada. O texto expressa três pontos: primeiro, os que foram comprados são introduzidos no reino de Deus; segundo, são feitos sacerdotes; e, terceiro, recebem o privilégio de governar como reis.310 texto reza que o Cordeiro os fe z sacerdotes, isto é, já são sacerdotes, estão no reino agora, e certamente [estarão] no futuro. Através de suas orações, mesmo agora governam sobre a terra.
11. E olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, das criaturas viventes e dos anciãos. E seu número era miríades de miríades e milhares de milhares. João usa seus sentidos da visão e vê, como lhe é permitido obser var, e ouve no céu incontáveis anjos ao redor do trono de Deus. For30. Evidentem ente, João usa a fraseologia de Daniel 3.4 (Grego Antigo e Theod.), “nações e terras, línguas e tribos”. Ver Aune, Revelation 1 - 5 , p. 361; B eale, Revelation, p. 359. Leon Morris (R evelation, ed. rev., TNTC [Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987], p. 97) expressa sua objeção porque o vocabulário nos dois docum en tos não é idêntico. João, porém, escreve a frase quáduple sete vezes com variações. Ver Bauckham, Clím ax o fP roph ecy, p. 326. 31. Consultar Diisterdieck, Revelation, p. 214.
277
A p o c a l ip s e 5.6-14
mam a segunda categoria de seres que entoam louvores ao Cordeiro. Em círculos concêntricos, ao redor do trono há quatro seres viventes, então vinte e quatro anciãos e, por fim, uma multidão inumerável de anjos (ver 7.11, onde a ordem inversa começa do lado de fora e não de dentro). Certamente, os quatro seres viventes são angélicos, mas aqui se menciona a incontável agregação de anjos. Somos informados de que seu número é de miríades de miríades, que literalmente traduzido é “dez mil de dez m il”. É melhor calcular em termos de um número imenso, o qual ninguém pode contar. Além disso, a adição “milhares de milhares” não indica um número menor, mas, antes, deve ser entendida como um paralelo ao “miríades de miríades” (ver também 1 Ciem. 34.6). João extrai sua fraseologia de Daniel 7.10, onde o vidente registra sua visão dos assistentes que cercam o trono de Deus: “Milhares de milhares o assistiam; dez mil vezes dez mil estavam diante dele.” Nada nos é dito sobre a aparência externa dessas hostes angelicais, nem algo sobre suas funções. O que se realça neste versículo são as vastas mul tidões de mensageiros celestiais (Hb 12.22).32
12. Estavam dizendo em alta voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder e riqueza e sabedoria e força e honra e glória e ações de graças. Não se faz nenhuma menção a harpas nem a outros instrumentos musicais. Podemos presumir que a hoste celestial cantava, porém o texto reza que emitiam altos brados em uníssono, de modo que o som surgiu como uma só voz. O vocabulário deste segundo hino expressa em grande medida as mesmas idéias que o hino entoado pelas quatro criaturas viventes e os vinte e quatro anciãos (vs. 9,10). Os anjos, porém, não têm necessida de de redenção; têm aprendido da Igreja sobre o mistério da salvação (Ef 3.10; IPe 1.12). Sentem-se extasiados ante o prodígio do amor redentor de Deus em Cristo Jesus. São eles que se regozijam no céu quando um pecador na terra se arrepende e clama a Deus por miseri córdia (Lc 15.7,10). São enviados como mensageiros de Deus (SI 104.4; Hb 1.7), e são servos dos santos que hão de herdar a salvação (Hb 1.14). Entoam em altos brados louvores ao Cordeiro, pois eles mesmos 32. Sobre o cenário de Daniel 7, a referência é a Beale, Revelation, pp. 366-69.
A p o c a l ip s e 5.6-14
278
têm parte integrante no processo da salvação, comunicando as mensa gens divinas ao povo de Deus. E assim os anjos compõem e entoam um hino, dedicado não a Deus, mas ao Cordeiro. Seu cântico é mais compacto e inclusive mais rico em atributos do que o hino entoado pelos querubins e anciãos. É único em virtude de sua sétupla instrução: contém sete substantivos sucessivos que são atribuídos ao Cordeiro: poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e ações de graças. Sete é o número de completude (comparar 7.12). As quatro criaturas viventes atribuíram glória, honra e ações de graças ao Deus que se assenta no trono (4.9), e os vinte e quatro anciãos fazem o mesmo, exceto que, em vez de ações de graças, usam o termo poder (4.11). Não obstante, note que os seres celestiais uma vez afirmam que Deus é digno por causa de sua obra de criação, porém duas vezes declaram o Cordeiro digno por causa de sua obra redentiva (4.11 e 5.9, 12 respectivamente). Alguns estudiosos dividem os sete atributos em qualidades objetivas (poder, riqueza, sabedoria e força) e qualidades subjetivas (honra, glória e ações de graças).33Ainda quando esta demarcação tenha mérito, a questão é se João pretendia comunicar uma divisão de qualidades. Por exemplo, glória é um atributo celestial que as pessoas observam, porém são incapazes de aumentar. À guisa de contraste, honra provém do ato de pessoas que tributam respeito; e o ato de ações de graças “evoca a gratidão do ser humano em resposta aos benefícios recebidos”.34Todas as outras qualidades pertencem a Deus e ao Cordeiro. Este cântico tem sua origem no céu, ainda que as palavras indivi dualmente revelem familiaridade com a doxologia veterotestamentária composta por Davi: “Tua, ó Senhor, é a grandeza e o poder e a glória e a majestade e esplendor... R4queza e honra vêm de ti; tu és o sobe rano sobre todas as coisas. Em tuas mãos estão a força e o poder para exaltar e dar força a tudo. Agora, nosso Deus, te rendemos gra ças e louvamos teu glorioso nome” (1 Cr 29.11 -12). Daí o Antigo Testa mento ser a base para o Novo Testamento, refletido inclusive neste hino celestial. As qualidades que pertencem a Deus são agora atribuídas ao Cor deiro. Essas qualidades são poder como força inerente; riqueza que 33. Lenski, R evelation , p. 210; Greijdanus, O penbaring, p. 142. 34. Thomas, Revelation 1 -7 , p. 406.
279
A po c a l ips e 5.6-14
provém de Deus; e sabedoria que Deus graciosamente concede a seu povo. Força é um sinônimo de poder, e honra e glória freqüentemente aparecem como um par (por exemplo, SI 8.5). Deus outorga essas qualidades a seu povo, e este, por sua vez, expressa sua gratidão a ele e ao Cordeiro.
13. E toda criatura no céu e na terra e debaixo da terra e no mar, e todas as coisas que neles existem, diziam: Aquele que está sentado no trono e ao Cordeiro sejam ações de graças e honra e glória e poder para todo o sempre. Depois que os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos tinham cantado, de igual modo os anjos incontáveis, um terceiro grupo de criaturas, vocalizaram um cântico de louvor. Este terceiro grupo é uma somatória dos demais seres criados por Deus; o vocabulário é uma reiteração do versículo 3 com a adição das duas frases “e no mar, e todas as coisas neles existentes” (ver Êx 20.11; SI 146.6). A última frase compreende a totalidade das criaturas de Deus, pois nada foi dei xado fora. Interpreto a fraseologia como uma linguagem poética desti nada a incorporar tudo o que Deus criou, pois não podemos esperar que Satanás e seus seguidores, no inferno, vocalizem louvores a Deus.35 Todos os seres inteligentes no universo criado de Deus entoam seus louvores: os santos e os anjos no céu, as aves no espaço, seres huma nos na terra e todos os seres vivos na terra e no mar. O assombroso coral de todas essas vozes, louvando a Deus e ao Cordeiro, desafia a imaginação humana. Deus é o Rei da criação que delegou a obra da criação e da redenção a seu Filho. Como Deus recebe tributo de suas criaturas, assim faz ao Cordeiro, pois ele tem completado as obras que Deus lhe designou. Todos os seres inteligentes, em todo o universo, entoam louvores “ao que está sentado no trono e ao Cordeiro”. Os nomes Deus e Jesus não são mencionados. Aliás, as designações aquele e o Cordeiro re velam pleno respeito à Deidade. Enfatizam, primeiramente, o poder absoluto de Deus sobre o universo; e, segundo, a vitória do Cordeiro 35. Alford, R evelation , p. 611; George Eldon Ladd, Com m entary on the R evelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p; 93. Comparar Barclay, R evelation o f John 1.228, 229.
A p o c a l ips e 5.6-14
280
sobre a m orte e o túmulo. O hino que eles entoam é uma afirmação e sumário dos hinos entoados anteriormente (4.11; 5.12). Esta d oxologia evoca um “am ém ” afirm ativo por parte dos representantes que cercam o trono de D eus.
14. E as quatro criaturas viventes estavam dizendo: Amém. E os anciãos se curvaram e adoraram. A s quatro criaturas viventes que se encontravam m ais perto do trono verbalizam sua afirmação, dizendo: “A ssim seja!” Falando no in teresse do restante da criação, eles se dirigem a D eus. Foram os pri m eiros a cantar um hino a D eus (4.8); concluem a hinologia com um solen e “am ém ”, o qual vão pronunciando m ais e mais. Os anciãos prestam hom enagem a D eus e ao Cordeiro, prostrandose diante eles. Seu é o ato conclusivo de louvor e adoração. O escritor do A pocalipse está agora pronto para registrar a quebra dos selos e a aber tura do rolo, bem com o a revelar o que está acontecendo sobre a terra.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 5.6-10 Versículo 6 âpvíov - no Apocalipse, este substantivo ocorre 28 vezes em referência a Jesus, e aparece uma vez denotando a besta que emerge da terra (13.11). O sinônimo á|ivóç, expresso por João Batista, só ocorre duas vezes na literatura joanina (Jo 1.29,36). Jesus usa a palavra ápvíov uma vez quando diz a Pedro que apascen tasse seus cordeiros (Jo 21.15). Esta palavra parece ter sido preciosa a João. c:oxr|KÓç - este tempo perfeito neutro do particípio é traduzido como um presente: “estando de pé.” A variante do perfeito masculino, êairiKcóç, pode ter resultado de ouvir equivocadamente as letras o ew. O particípio Êo^ayiiévov é um perfeito efetivo de uma ação que ocorreu no passado com significação para o presente. Semelhantemente, o particípio pas sivo perfeito, < x i r e a T o d |j . é v o i , denota uma ação que aconteceu no passado, po rém tem significação duradoura para o presente, “enviou”. O gênero masculi no, como a redação mais difícil, é preferível à redação neutra, que é uma adap tação ao substantivo precedente, ttvéÚ[X(xtoí (espíritos). Versículo 7
€LÀr)c|)ev - o perfeito ativo do verbo «|ip
281
A p o c a l ip s e 5.6-14
Versículo 8
a'í eíaiv - o pronome feminino plural tem seu antecedente em fyiáXaç (taças), e não no substantivo neutro Bu^ua^áicov (incenso). Não obstante, o que é explicado não são as taças, mas o incenso. Versículo 9
Tcp 6c« - o TR, Texto Majoritário, e Merk acrescentam o pronome fjiâi;, que parece ser uma emenda de escribas que supriu o objeto direto pelo verbo “compraste”, isto é, “tu nos compraste para Deus”. Mas a adição é fora de lugar, por causa do pronome “os” no versículo 10, “tu os fizeste”. A leitura “nos”, no versículo 10, conta com apoio textual insuficiente.37Seguindo a re gra de que a redação mais difícil mais provavelmente seja a original, adoto o texto grego que não tem pronome e assim não tem objeto para o verbo “com praste”. Provi o objeto direto (homens e mulheres) entre colchetes. Versículos 10
paoiÀfúoouoiv - a evidência manuscrítica para o tempo futuro (reinarão) rivaliza com o tempo presente (reinam). Ainda quando a maioria dos tradutores prefira o futuro, o tempo presente pode ser interpretado como um presente futurístico. De igual modo, o futuro pode ser entendido como tendo qualida des progressivas (por exemplo, Fp 1.18) que começam no presente e continuam no futuro. A redação “reinaremos” (N K JV ) conta com pouco endosso manuscrítico e parece ser uma adaptação.
M oulton, A G ram m ar o f N ew Testam ent Greek (Edimburgo: Clark, 1908), 1.145; Robertson, G ram m ar, p. 897. 37. Bruce M. Metzger, A Textual C om m entary on the G reek N ew Testament, 2“ ed. (Stuttggart: D eutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 666.
E sboço (continuação) B. Os Sete Selos (6.1-8.1) 1. O Primeiro Selo: O Cavalo Branco (6.1, 2) 2. O Segundo Selo: O Cavalo Vermelho (6.3,4) 3. O Terceiro Selo: O Cavalo Preto (6.5, 6) 4. O Quarto Selo: O Cavalo de Cor Pálida (6.7, 8) 5. O Quinto Selo: A Paciência dos Santos (6.9-11) 6. O Sexto Selo: O Dia do Senhor (6.12-17) a. Na Natureza (6.12-14) b. Para os Incrédulos (6.15-17)
C a p ít u l o
6
°>
Os P r i m e i r o s
S e is S e l o s
( A p o c a l i p s e 6.1-17) 1 E vi quando o Cordeiro abriu o primeiro dos sete selos, e ouvi uma das quatro criaturas viventes dizendo com voz semelhante a trovão: Venha. 2 E olhei, e vi um cavalo branco, e aquele que o montava tinha um arco, e lhe foi dada uma coroa, e ele saiu vencendo e para vencer. 3 E quando ele abriu o segundo selo, ouvi a segunda criatura vivente dizer: Venha. 4 E saiu outro cavalo, um vermelho. E àquele que o montava foi dada autoridade para tirar a paz da terra, de modo que matassem uns aos outros; e ali lhe foi dada uma grande espada. 5 E quando ele abriu o terceiro selo, ouvi a terceira criatura vivente dizer: Venha. E olhei, e vi um cavalo preto, e o que o montava tinha uma balança em sua mão. 6 E ouvi como se fosse uma voz no meio das quatro criaturas viventes que dizia: Um quarto de trigo por um denário e três quartos de cevada por um denário, porém não danifique o azeite e o vinho. 7 E quando ele abriu o quarto selo, ouvi a voz da quarta criatura vivente dizendo: Venha. 8 E olhei, e vi um cavalo de cor pálida, e o que o montava chamava-se Morte, e o Hades seguia após ele. E ali lhe foi dada autoridade sobre a quarta parte da terra, para matar com a espada, a fome, a doença e por meio das feras da terra. 9 E quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentaram. 10 E clamavam em alta voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgarás os que habitam sobre a terra e vinga rás nosso sangue? 11 A cada um deles foi dado um manto branco, e lhes foi dito que repousassem um pouco mais, até que se completasse o número de seus conservos, seus irmãos [e irmãs], que estavam para ser mortos como eles o foram. 12 E vi quando ele abriu o sexto selo, e houve grande terremoto, e o sol se tornou negro como um saco feito de pelos, e toda a lua se tornou como sangue.
6
A po cal ipse 6
284
13 E as estrelas do firmamento caíram na terra como uma figueira deixa cair seus figos verdes quando sacudida por vento forte. 14 E o céu foi recolhido como um rolo quando está sendo enrolado, e todo monte e ilha se moveram de seus lugares. 15 E os reis da terra, os grandes homens e generais, os ricos e os poderosos e todo escravo e livre se esconderam nas cavernas e por entre as rochas dos montes. 16 E diziam aos montes e às rochas: Caiam sobre nós e nos escondam da face daquele que está sentado no trono e da ira do Cordeiro. 17 Pois chegou o grande dia da ira deles, e quem é capaz de suportar?
B. O s Sete Selos 6 .1 - 8.1 A seção sobre os sete selos cobre o capítulo 6 e o primeiro versículo do capítulo 8. Seis selos são enfileirados em seqüência no capítulo 6, e o sétimo (8.1) serve como uma chamada ao silêncio no julgamento dos ímpios. Entre o sexto e o sétimo selo, o capítulo exerce a função de interlúdio. Há um interlúdio semelhante na seção sobre as sete trombe tas (ver 10.1-11.14). O capítulo 7 faz uma descrição dos santos, isto é, a Igreja na terra e no céu. Não obstante, o presente capítulo descreve a história do mundo e da Igreja. O relato não é uma seqüência de even tos históricos, nem uma profecia que indica apenas o regresso de Cris to. Ela incorpora o período entre a ascensão de Cristo e seu regresso, durante o qual o evangelho avança até os confins da terra, guerras devastam suas populações, a fome causa sofrimento interminável e a morte é a constante amiga dos que habitam a terra. O capítulo 6 se divide em três partes. Os primeiros quatro selos formam uma unidade que realça as figuras simbólicas de quatro cavalos de cores diferentes. O segundo seguimento descreve as almas debaixo do altar e representa as pessoas que morreram por sua fé no Senhor. E a última seção retrata o julgamento e o terror dos que rejeitam a Cristo. O elemento tempo na unidade sobre os quatro cavalos pode ser interpretado ou seqüencialmente ou simultaneamente, sendo que o se gundo é o preferido. Por exemplo, conquista, guerra, fome e morte são eventos simultâneos em qualquer dada época ou era. Na história mun dial, repleta de violência de uma forma ou de outra, a Igreja ocupa uma posição central, e seu povo reiteradamente sofre o impacto da injúria e injustiça em razão de seu testemunho em prol do Cordeiro. Os seguido res do Senhor devem seguir “as mesmas pegadas que ele mesmo se
285
A p o c a l i p s e 6.1,2
guiu: a vereda do fiel testemunho quando à verdade, mesmo que com isso enfrente a morte”.1A abertura dos selos implica que os santos sobre a terra enfrentam as forças anticristãs até o dia do regresso de Cristo. Não surpreende que os mártires no céu clamem a Deus por justiça. Recebem a ordem de exercer a paciência e saber que Deus soberanamente controla a história mundial. Sua ira e a do Cordeiro são direcionadas contra os que têm fomentado sua inimizade contra Deus, contra sua Palavra e seu povo. Esses inimigos têm de enfrentar o Juiz. Não obstante, durante o juízo, procuram evitar um confronto direto com ele, clamando aos montes e às rochas que os cubram. O sexto selo, com todo seu simbolismo, revela o fim dos tempos, quando o Senhor regressar e chegar o tempo do juízo. O Cordeiro abre os selos, um após o outro, de modo que os eventos descritos pictoricamente no rolo podem cumprir-se. Ao quebrar os se los e abrir o rolo, o Cordeiro inaugura o plano de Deus e revela o que deve acontecer nos tempos antes e durante sua vinda. Ao quebrar os selos, um por um, mostra-se reiteradamente que o Cordeiro é o inicia dor dos eventos deste capítulo. 1. O Primeiro Selo: O Cavalo Branco
6 . 1,2 1. E vi quando o Cordeiro abriu o primeiro dos sete selos, e ouvi uma das quatro criaturas viventes dizendo com voz seme lhante a trovão: Venha. a. “E vi quando o Cordeiro abriu o primeiro dos sete selos.” João está ainda visualizando no céu o trono de Deus, onde o Cordeiro se encontra em pé com o rolo selado em sua mão. Não somos informados sobre o conteúdo do rolo na mão do Cordeiro; simplesmente nos são mostrados os quadros que estão assumindo suas posições. Em outros termos, toda vez que o Cordeiro quebra um selo, ele dá a João um esboço - um quadro que vale milhares de palavras - , de modo que João pode relatar por escrito a série de visões que presenciou. Cada quadro comunica uma idéia geral, com um tema dominando o lugar central na ilustração. A primeira das sete representações é parte da subcategoria dos quatro cavaleiros, e é seguida de três outros juízos. 1. Richard Bauckham, The Theology o f the Book o f Revelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), p. 145.
A po c a l ips e 6.1,2
286
b. “E ouvi uma das quatro criaturas viventes dizendo com voz se melhante a trovão: Venha.” Uma das criaturas viventes não significa necessariamente a primeira em importância. Cada uma das quatro emite a convocação para João se apresentar, ainda quando a primeira fale com uma voz que se assemelha a trovão. O volume com que ele fala equivale a chamar alguém a prestar atenção à ordem de comparecer. A quem se dirige essa ordem? A maioria dos tradutores e comen taristas diz que não é a João, mas é ao cavalo e a seu cavaleiro que se emite a ordem de comparecer. Se dissermos ser João o convocado a comparecer, surge a dificuldade de o vermos cruzando o mar de vidro e se aproximando do Cordeiro no centro do trono. Presumivelmente, o abordado é o cavaleiro, ainda que não sejamos informados onde cavalo e cavaleiro têm de comparecer. Em qualquer caso, não é João, mas o cavalo e o cavaleiro que entram em cena e vão pela terra fora.
2. E olhei, e vi um cavalo branco, e aquele que o montava tinha um arco, e lhe foi dada uma coroa, e ele saiu vencendo e para vencer. Com exceção da primeira frase, “e olhei, e vi”, todas as partes deste versículo são passíveis de diversas interpretações, e têm dado ocasião pelo menos a quatro explicações do significado do cavaleiro: o Anticristo, os partas, Cristo e o evangelho como a Palavra de Deus. Esses pontos de vista não são de origem recente; o último retrocede à Igreja primitiva. a. O Anticristo. O conceito predominante é que o cavalo branco, como o primeiro num grupo de quatro cavalos, deve ser visto como parte de uma força destrutiva de guerra, fome e morte. O cavalo era usado em combate e o arco significa uma arma de pessoas habilidosas. A coroa denota vitória, que é sublinhada pelo duplo uso da frase “ven cendo e para vencer”. E a cor branca aponta para o antigo costume de o cavaleiro vitorioso ter um cavalo branco em seu regresso do campo de batalha. Além do mais, a imagem de um cavaleiro montando um cavalo branco, no capítulo 6, pode ser vista como uma paródia de Sata nás imitando Cristo e seus guerreiros cavalgando cavalos brancos em 19.11,14.0 capítulo 6 descreve a autoridade do Anticristo com respei to a vencer, matar e conduzir o povo de Deus à morte, ao ponto de os santos terem que implorar Deus que intervenha. Mas o governo do Anticristo tem limites. O capítulo 19 revela o Cristo vencedor e vitorio so que lança o Anticristo e o falso profeta no lago de fogo. E, por fim, o
287
A p o c a l ip s e 6.1,2
texto reza: “e lhe foi dada uma coroa”, com a implicação de que Deus, como aquele que supre, impôs limites ao Anticristo. Muito se pode dizer em favor desta interpretação, porém dificulda des a embaraçam. Primeiro, a cor branca, em outras partes do Novo Testamento, e especialmente no Apocalipse, sempre denota santidade, pureza, vitória e justiça. Nunca é usada para descrever Satanás, seus auxiliares ou suas obras. Aliás, Satanás imita Deus e suas obras,2de modo que ele se mascara como um anjo de luz (2Co 11.14). Contudo, no Apocalipse, João alerta o leitor para a decepção das paródias de Satanás, a qual é ilustrada, por exemplo, em 13.3, onde uma das cabe ças da besta foi morta como uma grosseira imitação da morte de Cris to. Mas o relato do cavaleiro que monta o cavalo branco não fornece nenhuma insinuação de alguma imitação de Satanás.3 Em segundo lugar, ao cavaleiro que monta o cavalo branco foi dada uma coroa. Isso significa que Deus é o agente que dá ao cavaleiro uma coroa, pois em todo o Apocalipse o verbo passivo “foi dado” se relacio nado com ambos, os servos e os inimigos de Deus. Alguns estudiosos argumentam dizendo que essa voz passiva deve referir-se a um poder maligno como o recipiente da coroa.4No entanto, o termo coroa (grego stephanos) aplica-se a figuras divinas e redentivas: os redimidos (2.10; 3.11), os anciãos (4.4, 10), a mulher que dá à luz um menino (12.1) e o Filho do Homem (14.14). A exceção é aquela em referência aos gafa nhotos que tinham algo semelhante a coroas de ouro em suas cabeças (9.7), porém semelhança não é a coisa real.5O texto, pois, não afirma 2. Mathias Rissi (“The Rider on the W hite Horse: A Study o f Revelation 6 .1 -8 ”, Interp 18 [1964]: 4 0 7-18) aplica o cavalo branco, a coroa e a vitória ao Anticristo que imita Cristo. Ver também L ouis A. Vos, The Synoptic Traditions in the A pocalypse (Kamper: Kok, 1965), pp. 187-91; Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 377. 3. Referência a David E. Aune, Revelation 6 -1 6 , W BC 52B (Nashville: N elson, 1998), p. 394. Ele notifica que não há argumentos convincentes em abono de uma identifica ção satânica. 4. G. B. Caird (A Com m entary on the Revelation o f St. John the D ivine [Londres: Black, 1966], p. 8) argumenta dizendo que é “a permissão divina outorgada aos poderes m alignos” . M. Robert M ulholland Jr. (R evelation: H oly L iving in an Unholy World [Grand Rapids: Zondervan, Frances Asbury Press, 1990], p. 169) habilmente refuta o argumento de que foi dada uma coroa a um poder maligno. 5. O sinônim o grego, diadem a, aplica-se duas vezes a Satanás e à besta (12.3; 13.1) e uma vez a Cristo, que usa muitas coroas (19.12).
A po c a l ip s e 6.1,2
288
inequivocamente que o quadro do cavaleiro que monta um cavalo bran co retrate uma força maligna. Em terceiro lugar, a frase vencendo e para vencer, no Apocalipse, nunca pertence diretamente a Satanás. Ainda quando o verbo vencer se refira duas vezes à besta a serviço de Satanás (11.7; 13.7), o restan te de suas ocorrências aplica-se a Cristo e aos redimidos.6À guisa de contraste, a despeito de toda a sua astúcia, Satanás é um perene fra cassado; por exemplo, em um capítulo particular (12) João o descreve como cinco vezes perdedor. Satanás é incapaz de ferir o menino (12.4b, 5); ele persegue a mulher, porém Deus lhe prepara um lugar no deserto (12.6, 14). Ele é expulso do céu e mais tarde tenta submergir a mulher numa torrente, a qual é tragada pela terra (12.9,15,16). Ele compreen de que perseguir a Igreja é um fracasso (12.15, 16). Uma vez mais, ele perde quando deflagra guerra contra o descendente da mulher (12.17). No Apocalipse, Satanás não é vitorioso, e, sim, perdedor. b. Os partas. Os romanos nunca puderam subjugar plenamente os partas, que habitavam uma área que agora é conhecida como Iraque e Irã. Em 62 d.C., derrotaram os romanos. Seu general era Vologâses, e suas forças saíram vitoriosas cavalgando cavalos brancos. Usavam arcos e flechas como armas primárias, e um de seus líderes era chamado o Vencedor. A expressão “o tiro de um parta” está ainda em voga hoje, indicando um atirador preciso.7 Atraente como ilustração, esta redação enfrenta limites: os partas declaravam guerra não ofensiva, mas defensiva, pois jamais venceram nenhum imperador romano, nem invasor romano. Além disso, a vitória era simbolizada pelo uso de cavalos brancos em paradas. Por último, os líderes militares, em qualquer época ou lugar, não hesitavam em assu mir o título de Vencedor. Assim, a possibilidade de que João tenha em mente os partas é deveras remota. c. Cristo. William Hendriksen cataloga sete razões para interpretar Cristo como o Vencedor: 6. Quatorze ocorrências no Apocalipse se relacionam com Cristo e os santos: 2.7, 11, 17, 2 6 ;3 .5 , 12, 21; 5.5; 6.2 (duas vezes); 12.11; 15.2; 17.14; 21.7. 7. Tácito, Annals 15.13-17. Consultar Caird, R evelation, p. 80; R. H. Charles,/! C riticai and Exegetical Commentary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1.163; James Moffatt, The Revelation o f St. John the D ivine, em The E xpositor’s Greek Testament, org. W. Robertson Nicholl (reimp., Grand Rapids: Eerdmans, 1956), 5.389; William Barclay, The R evelation o f John, T ed. (Filadélfia: Westminster, 1960), 2.5.
289
A p o c a l ip s e 6.1,2
1. O contexto o favorece, porque João ouve: “Não chore; eis que o leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu” (5.5). 2. O simbolismo da cor branca, no Apocalipse, se refere àquilo que é santo e puro; a coroa se refere a Cristo, que está usando uma coroa de ouro (14.14); e o verbo vencer, com duas exceções (11.7; 13.7), sempre aponta ou para Cristo ou para seus seguidores. 3. O paralelo (19.11) de Cristo cavalgando um cavalo branco é claro, de modo que a Escritura é sua própria intérprete. 4. Por todo o Apocalipse, João desvenda o desígnio de que Cristo é aquele que tem vencido, está vencendo e vencerá. 5. Nos Evangelhos, Jesus ensina que Cristo e a espada seguem um ao outro (Mt 10.34), o que é simbolizado no cavaleiro do cavalo vermelho, a quem é dada uma espada (v. 4). 6. Um Salmo messiânico (SI 45.3-5) descreve o Cristo como caval gando vitoriosamente e com flechas pontiagudas que traspas sam o coração de seus inimigos. 7. A passagem paralela dos quatro cavalos (Zc 1.8) insinua que o cavaleiro é o Anjo do Senhor.8 Este é um excelente arranjo de matéria factual em abono da inter pretação de que Cristo é o cavaleiro que cavalga um cavalo branco. Não obstante, há um problema que vem à tona, a saber: Cristo quebra o primeiro selo e então, ele mesmo, se apresenta em obediência à voz de uma das criaturas viventes.9Ainda que João apresente imagens, deve-se buscar uma interpretação que evite conflitos internos no cená rio deste primeiro selo. Daí, apresento a sugestão de que Jesus, cha mado o Verbo de Deus, está enviando seu evangelho. Note também que da boca de Cristo, que está cavalgando um cavalo branco, se pro jeta uma espada afiada como símbolo concomitante do juízo pendente e da Palavra de Deus (1.16; 2.12, 16; 19.15; e comparar E f 6.17; Hb 8. W illiam Hendriksen, M ore Than C onquerors (reprint, Grand Rapids: Baker, 1982), pp. 93-96. Comparar também Mulholland, R evelation, pp. 168-70. Ver M. Bachmann, “Der erste apokalyptische Reiter und die Anlage des letzten Buches der B ibel”, B ib 67 (1986): 240-75. 9. Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. Grand Rapids: Baker, 1979), p. 518; G R. Beasley-Murray, The Book o f Revelation, NCB (Londres: Oliphants, 1974), p. 131; Leon Morris, Revelation, ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 101.
A po c a l ip s e 6.1,2
290
4.12). Esta simbólica espada de dois gumes é um poder que, de um lado, condena; e, do outro, salva. Além do mais, o arco com as flechas implícitas era um instrumento nas guerras antigas que atingia um inimi go à distância.10 d. O Evangelho. Aqui está a última interpretação desta série: Cris to está enviando seu evangelho, que na história da Igreja tem sempre provado que ela não pode ser detida. A Palavra de Deus não pode ser presa (2Tm 2.9), porque Deus está enviando sua Palavra para cumprir seu propósito (Is 55.11). Esta Palavra se destina a vencer o mundo. O texto grego enfatiza o particípio descritivo vencendo, no tempo presen te, para denotar atividade contínua e o verbo vencer como um estágio que começa uma ação." Admito que o quadro do primeiro selo nada diz do evangelho de Cristo. Não obstante, no discurso escatológico de Jesus, o qual serve como paralelo, o Senhor fala definidamente sobre o evangelho do reino, que deve ser pregado a todas as nações (Mt 24.14; Mc 13.10). Em seu discurso, Jesus fala também de guerra, fome e morte; tudo isso tem seu correlativo na descrição que João faz dos quatro cavaleiros. A procla mação da Palavra de Deus cria reação que resulta em conflitos, intri gas e hostilidade.12 Esta interpretação tem suas raízes na Igreja primitiva. Já no tercei ro século, Vitorino de Pettau, em Pannonia (moderna Hungria), escre veu seu comentário sobre Apocalipse: “O cavalo branco é a proclama ção da Palavra enviada ao mundo com o Espírito Santo. Pois o Senhor disse: ‘Este evangelho será pregado no mundo inteiro, em testemunho aos gentios, e então virá o fim ’.” 13A Palavra de Deus sai vencendo e 10. Friedrich Diisteridieck, Critical and E xegetical H andbook to the R evelation ofJohn (N ova York e Londres: Funk e Wagnalls, 1886), p. 221. 11. Consultar Richard A. Young, Interm ediate N ew Testament Greek: A Linguistic and E xegetical A pproach (Nahville: Boradman & Holman, 1994), p. 123. 12. George Eldon Ladd, Commentary on the Revelation ofJohn (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 99; comparar R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. John’s Revelation (Columbus: Wartburg, 1943), pp. 220,221; Theodor Zahn, D ie Offenbarung des Johannes Kom m entar zum Neuen Testament 18 (Leipzig: Deichert, 1924-26), 2.352, 353. 13. Henry Alford, Jam es-R evelation, vol. 4, parte 2 de A lfo rd ’s G reek Testament (1875; reimp. Grand Rapids: Guardian, 1976), p. 614. John P. M. Sw eet (R evelation, WPC [Filadélfia: Westminster, 1979], p. 138) sugere que os exércitos celestiais em 19.11-16 são os que cavalgam cavalos brancos.
291
A p o c a l ip s e 6.1,2
para vencer, como é evidente à luz do Livro de Atos e da história da Igreja. Aliás, o evangelho é vitorioso do princípio ao fim. Aqui estão alguns comentários conclusivos. João extrai sua infor mação pictórica de duas passagens na profecia de Zacarias. O profe ta relata uma visão de um homem montando um cavalo vermelho, e há também cavalos vermelhos, marrons e brancos (Zc 1.8). Na outra visão ele viu quatro carruagens puxadas por cavalos que eram distin tos pelas cores vermelho, preto, branco e malhado. Esses cavalos par tiam do Senhor em direção ao mundo inteiro: o preto para o norte, o branco para o oeste e o malhado para o sul (Zc 6.1-6). À parte do número e da cor dos quatro cavalos que saem pelo mundo fora, há outro pequeno detalhe que João emprestou de Zacarias. O cavalo ma lhado aparece, no Apocalipse, como um cavalo de cor desbotada, e a seqüência dos cavalos no Apocalipse difere daquele na profecia de Zacarias. Não obstante, em ambos, Zacarias e Apocalipse, os cavalos e seus cavaleiros saem pelo mundo a fora para fazer a vontade de Deus: os cavalos pretos estavam indo vitoriosamente para o país ao norte (Babilônia), e pacificavam o Espírito de Deus (Zc 6.8). No Apocalipse, os cavalos e os cavaleiros saem para a conquista, guerra, fome e morte. Em suma, a mensagem de João é mais específica do que a profecia veterotestamentária. Dos quatro cavaleiros, somente ao último é dado um nome, a sa ber, Morte (v. 8). Os outros três têm descrições, porém não nomes. Dessas descrições pictóricas (branco, vermelho, preto e cor pálida), os intérpretes devem extrair informações pertinentes, porém não neces sariamente nomes. Esses retratos representam forças, condições ou ações. O cavalo vermelho simboliza guerra, o cavalo preto, fome, e o cavalo pálido, morte. Esses três são forças negativas, porém o cavalo branco é uma força positiva: simboliza um poder que é espiritual. Te nho interpretado esse poder como sendo o evangelho que sai “vencen do e para vencer” . Ambas as palavras, coroa e branco, corroboram esta imagem positiva.14E, por último, como o Apocalipse revela con traste do começo ao fim, de igual modo aqui o aspecto positivo do pri meiro cavaleiro se põe em contraste com o aspecto negativo dos outros três cavaleiros. 14. Referência a M. Bachmann, “N och ein Blick auf den ersten apolalyptischen Reiter (von Apk 6.1.2)” , NTS 44 (1998): 257-78.
A p o c a l ip s e 6.3,4
292
Palavras, Frases e Construções Gregas em 6.1 ({jgjvií - ainda que haja variantes no genitivo, dativo e acusativo, o nominativo é o mais difícil de explicar, e por isso provavelmente deve ser a redação original. Com o nominativo, João chama a atenção para a majestade da voz que fala. O nominativo é deixado como “um nominativo pendente”.15 epxou - em alguns manuscritos, o imperativo presente é suplementado por K a i Lõe: “Venha e veja” ( k j v , n k j v ) . Note que a redação mais breve aparece também nos versículos 3, 5, 7. Esse texto mais breve é bem endossa do. Porque não é João a ser convocado que as traduções favorecem, mas os quatro cavaleiros.
2. O Segundo Selo: O Cavalo Vermelho 6.3,4 Os três cavalos seguintes, e seus respectivos cavaleiros, simboli zam a guerra deflagrada, a fome causada e a morte efetivada. Encon tramos um eco da seqüência espada, fome e praga na profecia de Jeremias, o qual usa essa tríade 15 vezes como um ominoso refrão poético.16João elabora este aspecto introduzindo, seqüencialmente, um cavalo e o cavaleiro para efetuar cada um essas três calamidades. Começamos com o cavaleiro do cavalo vermelho. Ele representa o conflito que não se limita a um período específico - por exemplo, o fim dos tempos mas se estende desde a época em que viveram os leito res originais até o fim dos tem pos.17
3. E quando ele abriu o segundo selo, ouvi a segunda criatu ra vivente dizer: Venha. 4. E saiu outro cavalo, um vermelho. E àquele que o montava foi dada autoridade para tirar a paz da terra, de modo que matassem uns aos outros; e ali lhe foi dada uma grande espada. A segunda criatura vivente, tendo a aparência de um novilho (ver 4.7), o que simboliza força e tenacidade, falou. Não se faz menção da altura de sua voz, como no caso da prim eira criatura vivente (v. 1). Todo mundo já está prestando muita atenção quando o grito é 15. Alford, Jam es-Revelation, p. 614. Robert L. Thomas, Revelation 1 -7 : An Exegetical C om m entary (Chicago: Moody, 1992), p. 424. 16. Jeremias 14.12; 21 .7 ,9 ; 24.10; 27.8, 13; 29.17,18; 3 2.24,36; 34.17; 38.2; 4 2.17,22; 44.13. Comparar Ezequiel 14.21. 17. Referência a Beckwith, A pocalypse, p. 519.
293
A p o c a l ip s e 6.3,4
ouvido: “Venha”. Esta ordem significa que o cavalo e o cavaleiro aparecem e partem. a. “E saiu outro cavalo, um vermelho.” Enquanto o branco está para santidade, pureza e justiça, a cor vermelha significa banho de san gue e aponta para a guerra. A palavra grega pyr (fogo) tem uma pala vra relacionada, pyrros, que significa fúria vermelha. Esse derivativo aparece tanto aqui quanto na descrição da fúria do dragão vermelho empenhado em carnificina e em guerra (12.3). O conflito descrito no Apocalipse é o de Deus versus Satanás, Cristo versus o anticristo, e o Espírito Santo versus o falso profeta. Sempre que o evangelho é intro duzido em áreas onde ainda não foi pregado, este conflito é real e às vezes leva ao derramamento de sangue. Jesus mesmo disse: “Não su ponham que vim trazer paz sobre a terra. Eu não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34). E disse ainda: “Vocês ouvirão de guerras e rumo res de guerras ... Nação se insurgirá contra nação, e reino contra rei no” (Mt 24.6, 7). b. “E àquele que o montava foi dada autoridade para tirar a paz da terra.” Os tradutores geralmente inserem a palavra autoridade ou poder para completar o conceito de tirar a paz da terra. O texto literal mente reza: “Foi-lhe outorgado tirar a paz da terra” (N A S B ). O cavalei ro em seu cavalo de cor vermelha personifica o mal que se opõe a Deus, a sua Palavra e a seu povo. Sempre que esse mal penetra, a paz se desvanece. Oposição à pregação do evangelho freqüentemente re sulta em sérios conflitos, inclusive no meio da própria família: “Os inimi gos de um homem serão os membros de sua própria casa” (Mt 10.36; ver também Lc 12.49-53). Não obstante, o mal por si mesmo não tem autoridade inerente, pois Deus concede ao mal autoridade de tirar a paz. Deus está no controle e impõe limites; em suas mãos “repousa o controle sobre as atividades humanas”.18 c. “De modo que matassem uns aos outros; e ali lhe foi dada uma grande espada.” Quem são as pessoas que empunham armas e matam umas às outras? Várias interpretações poderiam ser mencionadas: con flito geral ao longo das eras, guerra civil, cristãos que são mortos, cris tãos matando uns aos outros e os inimigos de Deus. 18. Philip Edgcumbe Hughes, The Book o f the R evelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity: Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 85.
A p o c a l ip s e 6.3,4
294
É possível que haja alguma evidência de que a passagem corrente faça alusão à matança do povo de Deus. O verbo assassinar ocorre 8 vezes no Apocalipse, das quais uma pertence à cabeça morta da besta como imitação do Cordeiro morto (13.3). As outras passagens se refe rem ao assassínio do Cordeiro e de seus seguidores. • • • • • •
“Um Cordeiro em pé como se tivesse sido morto” (5.6). “Foste morto e com teu sangue [os] compraste” (5.9). “Digno é o Cordeiro que foi morto” (5.12). “Vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos ” (6.9). “O Cordeiro que foi morto” (13.8). “Nela foi encontrado o sangue de profetas e de santos, e de todos os que foram assassinados sobre a terra” (18.24).
Outra passagem neotestamentária se refere a ser assassinado: 1 João 3.12 descreve o justo Abel sendo assassinado por seu irmão. Entretan to, esses textos falham em dar informações específicas sobre quem foi morto em Apocalipse 6.4. Fazemos duas observações. Primeira, ainda que a matança dos cris tãos seja um fato comprovado ao longo das eras, neste conflito espiritual contínuo, a referência neste versículo à grande espada não impossibilita o conflito geral. E, segunda, João afirma que, além dos profetas e santos, outras pessoas são assassinadas (18.24).19Se o texto não é claro, fare mos bem em não confiar em probabilidades ou perspectivas dogmáticas.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 6.4 (iáxcíipa (ifyáXri - esta é a espada romana mais curta, aqui modificada pelo adjetivo “grande” para denotar matança que ocorre na guerra. A po^cjxxía é a espada longa (1.16). João parece usar as duas palavras alternadamente, como é evidente nos versículos 4 e 8.
3. O Terceiro Selo: O Cavalo Prelo 6.5,6
5. E quando ele abriu o terceiro selo, ouvi a terceira criatura vivente dizer: Venha. 6. E ouvi como se fosse uma voz no meio 19. O ttoM ichel, TDNT, 7.935. Comparar Richard Bauckham, The C lim a x o f Prophecy (Edimburgo: Clark, 1993), pp. 349 n. 22.
295
A po c a l ipse 6.5,6
das quatro criaturas viventes, que dizia: Um quarto de trigo por um denário e três quartos de cevada por um denário, porém não danifique o azeite e o vinho. A abertura do terceiro selo provoca um grito da terceira criatura vivente, que se dirige a um cavaleiro que monta um cavalo preto: “Ve nha!”, que significa sair e partir. Esta criatura vivente, aparecendo com rosto de homem (4.7), retrata inteligência e sagacidade. O cavalo cavalgado pelo cavaleiro é preto, retratando a fome, como vem ilustrado pela balança para medir o peso do alimento, e pelos pre ços inflacionados em excesso, de trigo e cevada. Deus disse aos israelitas: “Quando eu lhes cortar o suprimento de pão, dez mulheres assarão o pão num único forno e repartirão o pão a peso. Vocês comerão, mas não ficarão satisfeitos” (Lv 26.26; ver também Ez 4.16). Uma diferença das duas cenas precedentes consiste em que, além da ordem: “Venha!”, alguém faz ecoar sua voz e verbaliza uma men sagem. E possível dizer que essa voz não pertence só à terceira cria tura vivente, mas às quatro criaturas que falam concordemente. As palavras de João são vagas, pois afirma que houve “como se fosse uma voz no meio das criaturas viventes”. Lenski sugere que a frase “no meio” não se refere a espaço, mas a relação.20Mas se descrever mos as quatro criaturas viventes circundando o trono de Deus, então a voz que fala deve ser ou do Cordeiro ou de Deus, no meio dessas quatro criaturas. A mensagem de fome é proveniente daquele que se assenta no trono,21que nos tempos bíblicos era ouvida repetidamente (2R 8.1; SI 105.16; Is 14.30; Jr 18.21; 24.10; 27.8. 34.17; 42.16; Ez 5.17; Am 8.11). Deus, que freqüentemente avisava seu povo que a fome vinha, agora, uma vez mais, lhes informa da escassez no supri mento de alimento. A voz de Deus clama: “Um quilo de trigo por um denário, e três quilos de cevada por um denário, porém não danifique o azeite e o vinho.” Ele informa ao ouvinte e ao leitor que quatro produtos no cardá pio são escassos: trigo, cevada, azeite e vinho. A medida aqui usada (grego choinix, palavra só encontrada aqui em todo o Novo Testamen 20. Lenski, R evelation, p. 226. 21. Consultar Rhomas, Revelation 1 -7 , pp. 431, 432; Robert H. M ounce (The Book o f Revelation, ed. rev., NICNT [Grand Rapids: Eerdmans, 1977], p. 144) note que a voz vem de “o centro da sala do trono”.
A p o c a l ips e 6.5,6
296
to) é “uma medida seca, com freqüência usada para grão, quase o equivalente para uma quarta”.22O preço de um quarto de trigo por um denário é excessivamente inflacionado. A parábola dos trabalhadores na vinha relata que um denário é o salário diário de um operário (Mt 20.2). Se um denário comprasse um quarto de trigo, o equivalente de um pão, a um operário seria impossível alimentar sua família com tal quantia. Ele teria que decidir comprar três quartos de cevada por esse mesmo preço, porém a cevada é carente de glúten, uma substância protéica na farinha de trigo que faz a massa coesa. Daí, a cevada é geralmente usada para forragem animal. No fim do cerco de Samaria, nos dias do profeta Eliseu, sete quartos de farinha de trigo eram vendi dos por uma peça [aproximadamente 12 gramas] de prata, e treze quar tos de cevada, pelo mesmo preço (2Rs 7.1, 16, 18). Jesus multiplicou cinco pães de cevada para alimentar cinco mil homens, além de mulhe res e crianças (Jo 6.9; ver também Mt 14.21). Seja como for, se um operário tinha que pagar um denário por um quarto de trigo, ele só podia manter vivo a si, e não teria mais dinheiro para outros itens do cardápio. A mensagem que sai do meio das quatro criaturas viventes falou em alto e bom som a seus leitores e ouvintes. Os cristãos residentes nas cidades de Esmirna, Pérgamo, Tiatira e Filadélfia eram forçados a pertencer às associações comerciais que exigiam deles que cultuassem ídolos. Quando se recusaram e professaram seu compromisso com Cristo, viram-se desempregados e expostos à fome. Experimentaram pessoalmente e de primeira mão os efeitos da inanição. Qual é o significado da ordem de não danificar o azeite e o vinho? Alguns comentaristas fazem referência a um edito promulgado pelo imperador Domiciano em 92 d.C., a saber, que nenhuma nova vinha fosse plantada na Itália, e que metade das vinhas nas províncias roma nas fosse destruída. Os viticultores na Ásia Menor se sentiram tão transtornados com esse decreto, que a ordem foi revogada antes mes mo que entrasse em vigor.23Esta nota histórica seria uma elucidação mui proveitosa nos dias em que João escreveu o Apocalipse, não fos sem duas objeções: o edito nunca entrou em vigor, e não há menção 22. Bauer, p. 883. A Vulgata tem bilibris, que é o equivalente de duas libras. A tradução espanhola de C assiodoro reza: “duas libras”. Ver também Henry Barclay Sw ete, Com m entary on R evelation (1911; reímp. Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 88. 23. Suetônio, D om itian 1.
297
A p o c a l ip s e 6.7,8
alguma ao azeite. Estas duas razões invalidam qualquer tentativa de pôr as palavras de João na perspectiva histórica. A pergunta é se são pessoas ou natureza, simbolizadas pelo cavalo preto, que não deviam danificar o azeite e o vinho. Alguns estudiosos sugerem que os ricos eram capazes de oferecer azeite e vinho, enquan to as massas atingidas pela pobreza tinham que privar-se desse luxo. No entanto, azeite e vinho eram gêneros alimentícios comuns nos dias de João: o azeite era usado para propósitos culinários, e o vinho era a bebida diária. Por que os ricos danificariam esses gêneros alimentícios? Portanto, é melhor aplicar à natureza a ordem de não danificar a colheita de azeitona e de uva. Em outros termos, a ordem consiste em “o limite da praga ordenada pelo Senhor”.24
Palavras, Frases e Construções Gregas em 6.6 nf) àõi.Kr|0 T)ç - “não danifique.” O subjuntivo aoristo, funcionando como imperativo e precedido pela partícula negativa, indica não que esteja presente mente em processo a danificação, mas para que a mesma não ocorra no futuro.
4. O Quarto Selo: O Cavalo de Cor Válida 6.7,8
7. E quando ele abriu o quarto selo, ouvi a voz da quarta criatura vivente dizendo: Venha. 8. E olhei, e vi um cavalo de cor pálida, e o que o montava chamava-se Morte, e o Hades seguia após ele. E ali lhe foi dada autoridade sobre a quarta par te da terra, para matar com a espada, a fome, a doença e por meio das feras da terra. Quando o Cordeiro tiver aberto o quarto selo, a voz da quarta cria tura vivente se fará ouvir. Inicialmente, esta criatura foi descrita como uma águia voando (4.7). Como as outras criaturas, esta enuncia a or dem: “Venha!” (para uma exposição da redação mais breve, ver o versículo 1). a. “E olhei, e vi um cavalo de cor pálida, e o que o montava chama va-se Morte, e o Hades seguia após ele.” O quarto cavalo na série dos primeiros quatro selos é amarelo esverdeado, no texto grego. Os tradu tores geralmente omitem a palavra verde, enquanto alguns qualificam o 24. Düsterd.eck, Revelation o f John, p. 225.
A p o c a l ip s e 6.7,8
298
termo p á lid o com o adjetivo d o e n tia m e n te ou m o rta lm e n te .25 A cor verde amarelado (grego c h lõ r o s ) descreve a morte, e a decomposição provoca náusea. Aqui, pois, está o retrato do cavalo amarelo esverdeado da morte. Note que, de todos os quatro cavaleiros, somente o que monta o quarto cavalo tem um nome: Morte. Alguns intérpretes o chamam p e s tilê n c ia , com base em 2.23, onde a palavra grega th a n a to s (morte) pode ser traduzida “doença”. Aqui, porém, o contexto dá à Morte um escopo muito mais amplo do que meramente pestilência, pois seus mé todos destrutivos incluem espada, fome, doença e feras. Acompanhando a Morte, ainda que não cavalgando um cavalo es pecífico, está o Hades (ver 1.18; 20.13, 14).26Não precisamos vê-lo cavalgando o mesmo cavalo nem caminhando a seu lado; antes, ambos, Morte e Hades, simbolizam o término da vida e uma existência separa da de Deus (comparar Os 13.14). O Apocalipse faz menção desses dois como companheiros: um segue o outro. Aliás, o tempo imperfeito do verbo grego, ak o lo u th ein (seguir) indica uma atividade contínua do Hades. Se a Morte golpeia, o Hades ajunta suas vítimas. O Hades não é a sepultura, pois todas as pessoas que morrem antes do regresso de Jesus voltam ao pó. O Hades é o lugar onde as almas dos incrédulos são mantidas, enquanto que as almas dos crentes estão e estarão com Jesus no céu (ver 1.18). b. “E ali lhes foi dada autoridade sobre a quarta parte da terra, para matar com a espada, a fome, a doença e por meio das feras da terra.” A voz passiva “foi dada” aponta para Deus como o agente que lhes outorga autoridade. Os crentes recebem conforto dessas palavras, pois sabem que Deus está no pleno controle, inclusive quando uma quarta parte da população da terra perece (comparar 9.18, onde um terço da humanidade foi morto). Pertencem a Deus e já foram redimidos pelo Cordeiro (5.9; 7.14, 15) e já estão seguros. A Morte e o Hades, porém, matam e ajuntam milhões e milhões de pessoas de várias maneiras 25. Phillips tem a redação “doentiamente verde na cor”. Ver também “doentiamente pálido” (N EB, REB) e “mortalmente pálido” ( n j b ). 26. Charles (R evelation, 1.169, 170; 2.402, 403) considera as frases “e o Hades seguia após ele” e “para matar com a espada, a fom e, a doença e por m eio das feras da terra” glosas que devem ser omitidas. Ver também Aune, R evelation 6 -1 6 , p. 401. N o entanto, falham em não fornecer evidência para verificar suas afirmações.
299
A po c a l ips e 6.7,8
horripilantes: primeiro, violentamente, com armas de destruição, quer individualmente, ou em massa; segundo, com escassez de alimento que resulta em morte gradual; terceiro, por doenças extravagantes, de um ou de outro tipo; e, quarto, pela instrumentalidade das feras. João ex traiu a fraseologia das profecias veterotestamentárias:27 Pois assim diz o Soberano, o Senhor: Quanto pior será quando eu enviar contra Jerusalém meus quatro terríveis juízos: a espada, a fome, os animais selvagens e a peste, para com eles exterminar seus homens e seus animais!” (Ez 14.21)
Os primeiros leitores do Apocalipse poderiam aplicar sua mensa gem a suas próprias circunstâncias. Enfrentavam constantemente a morte pela espada, inanição e doença; e aguardavam a destruição pe los animais selvagens. O poder romano direta e indiretamente ameaça va sua existência, de modo que viviam constantemente sob a sombra da morte. Não obstante, ao longo dos séculos, o extermínio de grandes segmentos da raça humana é atribuído à guerra, à fome e à doença. A praga bubônica entrou na Europa no século 14 e exterminou vinte e seis milhões de pessoas entre 1346 e 1352. Durante a Segunda Guerra Mun dial, cerca de vinte milhões de pessoas, na Europa, perderam suas vi das, como se deu com igual número na Ásia. Grande número de pessoas morre não acidentalmente, nem por isolamentos comuns e velhice, mas cruelmente nas guerras, conflitos, fome e epidemias. Entretanto, a severidade em eliminar a vida da quar ta parte da terra se refere a um evento catastrófico futuro, e constitui um aviso do juízo de Deus que está por vir.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 6.8 6 v po|i(tm a...í)TTÒ tcô v Brpícov - “pela espada... pelos animais selvagens”. A preposição kv ocorre três vezes, com os substantivos “espada”, “fome” e
27. Ver Ezequiel 5 .12,17; 29.5; 33.27’; Jeremias 14.12; 15.2,3; 21.7. Ver também Beale, Revelation, 384.
A p o c a l ip s e 6.9-11
300
“morte [doença]”. João recorreu a Ezequiel 14.21. A preposição ínro (por) “pare ce estar fora da citação”, e é precedida pelo verbo “matar” na voz ativa, em vez da voz passiva, “de modo que, em certo sentido, os animais selvagens são meros instrumentos dirigidos pelo sujeito do verbo”.28
5. O Q uinto Selo: A 'Paciência dos Santos 6.9-11 A abertura do quinto selo não aponta para um momento específico na história da raça humana, mas faz paralelo com as cenas dos primei ros quatro selos. Isto é, ela ocorre durante o tempo entre a ascensão de Jesus e seu regresso. Quanto mais severa se torna a perseguição con tra os cristãos, mais urgentemente os santos no céu clamam a Deus para julgar os habitantes da terra e vingar o sangue de seu povo. 9. E quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as
almas dos que foram mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentaram. a. “Vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos.” A cena que João visualiza, enquanto o quinto selo é aberto, tem lugar no céu, onde os mártires residem na presença de Deus. De que forma, porém, interpretaremos a palavra altar? O termo ocorre 23 vezes no Novo Testamento, das quais oito estão no Apocalipse (6.9; 8.3 [duas vezes], 5; 9.13; 11.1; 14.18; 16.7). Este versículo aponta para o altar do incenso ou o altar dos holocaustos? O tempo dos sacrifícios expirou quando Cristo morreu na cruz (Hb 9.26; 10.12); portanto, este é o altar do incenso. Além disso, a fumaça que sobe deste altar simboliza as ora ções dos santos (8.3). João parece apresentar sua visão em um contexto judaico, no qual o sangue de um animal, derramado sobre o altar do sacrifício, represen tava a vida do animal morto (Lv 17.11; ver também 4.7, 34). Seme lhantemente, o sangue dos mártires foi simbolicamente derramado no altar de Deus no céu, onde suas almas encontraram um lugar de repou so. Um contemporâneo de João, Rabi Akiba, ensinava que um judeu “sepultado na terra de Israel é como se fosse sepultado debaixo do altar; aquele que é sepultado debaixo do altar é como se fosse sepulta 28. C. F. D. M oule, An Idiom -B ook o f N ew Testament G reek, 2a ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), p. 66.
301
A po c a l ips e 6.9-11
do debaixo do trono de glória”.29João pictoricamente apresenta as al mas dos assassinados estando debaixo do altar de Deus, o que é inter pretado como sendo “entre o trono de Deus”. Neste contexto, ele não se preocupa com os corpos dos mártires. Lemos uma fraseologia se melhante em 20.4 sobre as almas no céu sem qualquer menção aos corpos: “E vi as almas dos que foram decapitados por causa de seu testemunho em prol de Jesus e da palavra de Deus.” b. “Mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemu nho que sustentaram.” Esses mártires tinham sido fiéis a Deus e à sua Palavra, e se dispuseram a morrer por ele. Alguns comentaristas asse veram que o texto fala somente dos santos que tinham sofrido morte violenta por causa de seu testemunho. Mas como é possível que Estê vão e os apóstolos Tiago, Pedro e Paulo estejam incluídos, porém não João, que presumivelmente morreu de morte natural em 98? Ladd judi ciosamente escreve: “Cada discípulo de Jesus é essencialmente um mártir; e João tem em vista todos os crentes que têm assim sofrido.”30 Seu alimento espiritual é a Palavra de Deus, e é do testemunho do Senhor que se nutrem dia a dia. Os term o s a p a la v ra de D eus e o te ste m u n h o aparecem reiteradamente no Apocalipse.31 O testemunho é em prol de Jesus e sobre ele (por exemplo, ver comentário sobre 1.2). A frase aponta para os servos fiéis de Deus que viveram sustentando a palavra e o testemu nho. Enfrentando perseguição e morte (12.11), testificaram da graça e do amor do Senhor. Policarpo, que morreu como mártir na estaca [de tortura] em 23 de fevereiro de 155, em Esmirna, louvou a Deus por o haver recebido “como um sacrifício rico e aceitável”.32Todos os cren tes que, em seus corações, entesouram a Palavra revelada de Deus e o evangelho de Jesus Cristo, confessando seu nome (Rm 10.9, 10), con sideram seu testemunho “como um emblema de compromisso com Cristo-” .33 Sustentando a verdade de Deus no coração e testificando 29. Aboth de R abi Nathan 26 (7c); SB, 3.803. Ver também Talmude Babilónico, Shabbath 152b; Ketuboth 111a; Bcaslcy-M urray, Revelation, p. 135; Charles, R evelation, 1.173. 30. Ladd, R evelation, p. 104. 31. Apocalipse 1 .2 ,9 ; 12.11, 17; 19.10; 20.4. 32. Eusébio, H istória E clesiástica 4.15.34. 33. Thomas, R evelation 1-7 , p. 444. Ver Homer Hailey, R evelation: An Introduction a n d Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 194. Adela Yarbro C ollins (“The
A p o c a l ip s e 6.9-11
302
dela com a boca, alguém identifica os crentes genuínos que se prontificam a morrer em prol da fé.
10. E clamavam em alta voz, dizendo: Até quando, ó Sobera no Senhor, santo e verdadeiro, não julgarás os que habitam so bre a terra e vingarás nosso sangue? No trono de Deus, os santos clamam em alta voz ao Juiz de toda a terra (Gn 18.25), e aqui vindicam a justiça. O volume de sua súplica indica insistência e perseverança, assemelhando à viúva da parábola do juiz injusto. Jesus conclui essa parábola perguntando: “Acaso Deus não fará justiça a seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite?” (Lc 18.7; comparar SI 79.10). O clamor dos mártires é dirigido ao Soberano Senhor, que é quali ficado de “santo e verdadeiro”. A palavra soberano (grego despotês), como um termo estritamente teológico, pode ser usada no Novo Testa mento para falar a Deus em louvor, oração e petição (Lc 2.29; At 4.24; Ap 6.10).34A frase santo e verdadeiro ocorre só duas vezes, aqui e na carta à igreja de Filadélfia, onde se aplica a Jesus (3.7). Santo significa totalmente sem pecado, e verdadeiro significa fidedignidade absoluta. Esses dois conceitos são inseparáveis em sua descrição da Deidade. Os mártires invocam a Deus como santo e verdadeiro em seu ser quando seu sangue na terra clama por justiça. O nome e a honra de Deus são um resultado inevitável, pois seu povo foi criado à sua imagem e comprado para Deus pelo sangue do Cordeiro (5.9). Os santos apelam para ele, para que sua santidade e verdade resplande çam. A falta de atenção à súplica deles de fato equivaleria uma falha em seu Ser. “Até quando não julgarás nem vingarás nosso sangue naqueles que habitam sobre a terra?” (compãrar Zc 1.12). Esta é uma súplica por vingança por parte dos mártires? A resposta é não, porque isso seria indigno dos santos. Estes rogam a Deus por justiça e lhe suplicam que os vingue. Ele mesmo disse: “A vingança é minha; eu retribuirei”, e “o Senhor julgará seu povo” (Dt 32.35, 36; ver também 32.43; Rm 12.19; Hb 10.30). Esta promessa é solene e segura, pois Deus nunca quebra Political Perspective on the Revelation o f John”, JBL 96 [1977]: 241-56) sugere que a morte de cada mártir faz com que o fim chegue mais depressa. 34. Referência a Günter Haufe, EDNT, 1.291; Karl Heinrich Rengstorf, TDNT, 2.48; Hnas Bietenhard, NIDNTT, 2.509.
303
A p o c a l ip s e 6.9-11
sua palavra. O pronome possessivo nosso, em “nosso sangue”, é notá vel, pois Deus não esquece o sangue derram ado de seu povo, e reiteradam ente expressa sua advertência de não derramar sangue inocente.35Deus vindicará seu povo e trará seus inimigos a juízo. A frase “os que habitam sobre a terra” se refere não a cada ser humano, mas, antes, à humanidade que é hostil a Deus.
11. A cada um deles foi dado um manto branco, e lhes foi dito que repousassem um pouco mais, até que se completasse o nú mero de seus conservos, seus irmãos [e irmãs], que estavam para ser mortos como eles o foram. a. “A cada um deles foi dado um manto branco.” A frase manto branco aparece um número de vezes no Apocalipse, significando ves tes de retidão. A cor branca denota santidade (ver 3.4, 5, 18; 4.4; 6.11; 7.9, 13). O que essa roupa simboliza? Alguns estudiosos a to mam no sentido de que os santos que são trasladados para a glória recebem um corpo celestial, o qual é aqui expresso na forma de m an to. Baseiam essa interpretação em escritos apocalípticos judaicos que se referem aos corpos redivivos como “vestes de glória” (7 Enoque 52.16; 2 Enoque 22.8; Ascensão de Isaías 4.16; 9.6, 7).36Entretan to, o uso de um manto branco é uma forma de linguagem antropomórfica, pois não há outra maneira de descrever os santos no céu. O manto branco está para a pureza. b. “E lhes foi dito que repousassem um pouco mais, até que se completasse o número.” João não fornece nenhuma informação sobre quem falava com os mártires, visto, porém, que suplicaram a Deus por justiça, presumimos que quem fala é Deus mesmo. O pedido deles não é negado, mas são informados que descansassem e exercessem a pa ciência por pouco tempo. O repouso deve ser entendido como sendo o tempo de bem-aventurança e revigoramento junto ao altar. Quanto é “pouco tempo” ? Jesus se referia à sua iminente partida quando disse: “Ainda por pouco tempo estou com vocês” (Jo 7.33 KJV) 35. G ênesis 4.10; Ê xodo 21.12; Números 35.33; 2 Samuel 4.11; Salm o 9.12; 106.38; Hebreus 12.24; A pocalipse 16.6; 19.2. O escritor de 1 Enoque 4 7 .1 -4 fala três vezes de “o sangue dos justos”. 36. Consultar os comentários de Caird (p. 86); Charles (1.176, 184-88); e M offatt (p. 392). Ver também Murray J. Harris, R aised Imortal: Resurrection and Im m ortality in the N ew Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), pp. 98, 255.
A p o c a l ip s e 6.9-11
304
e “ainda por pouco tempo a luz está com vocês” (Jo 12.35 k j v ). Em contraste, as almas debaixo do altar devem esperar pelo tempo quando forem chamadas para o juízo que ocorrerá na consumação. Ninguém, nem mesmo o filho do Homem, conhece o tempo desse clímax, porque é Deus o Pai quem estabelece os tempos e as estações (Mt 24.36; At 1.7). No consenso geral, pelo prisma de nossa compreensão, somos incli nados a pensar que “pouco tempo” é um período curto. Pensamos em termos de tempo cronológico, mas os santos residentes na eternidade devem olhar para aquele breve intervalo, partindo da perspectiva celestial, e aguardar. “A espera de ‘um pouco m ais’ é, na avaliação divina, ape nas um momento passageiro, ainda que para nós possa estender-se por eras (cf. 12.12; 20.3).”37 O término do “pouco tempo” chega quando o número desses san tos no céu completar-se. Ninguém na terra sabe quantos santos have rá, porque João nos diz que contemplou “uma grande multidão que nin guém podia enumerar” (7.9). Somente Deus conhece o número total de seus eleitos. Hendriksen observa que o número exato “foi fixado desde a eternidade em seu decreto. Enquanto o número não for com pletado na terra, o dia do juízo final não virá”.38Na conclusão de sua discussão sobre os heróis da fé, o autor de Hebreus escreve acerca da consumação. “Deus planejou algo melhor para nós, para que conosco fossem eles aperfeiçoados” (Hb 11.40). c. “De seus conservos e seus irmãos [e irmãs] que estavam para ser mortos como eles o foram.” Quanto mais perto chegamos do fim, mais feroz Satanás se lança contra o povo de Deus. Ele sabe que o “pouco tempo” rapidamente se escoa. Ele ataca os santos na terra e inclusive mata muitos deles até onde Deus lhe dá permissão de fazê-lo. Mas quando a paciência de Deus chegar ao fim, e o cálice de sua ira transbordar, o tempo do juízo se aproxima (Mt 23.32; lTs 2.16). Ainda que João às vezes recorra ao uso de um paralelo, aqui as frases conservos e irmãos [e irmãs] que estão para ser mortos pode ser assim interpretada: nem todos os cristãos enfrentam uma morte violenta em tempos de perseguição. Todos os crentes genuínos são 37. Alan F. Johnson, Revelation, em The E x p o sito r’s B ible Com m entary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.475. 38. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 106. Comparar também a literatura apócrifa de 1 Enoque 47.4; 4 E sdras (2 Esdras) 2.41; 4.36; 2 Baruque 30.2.
305
A p o c a l ip s e 6.12-17
servos de Deus e enfrentam dificuldades. João, exilado na ilha de Patmos, porém não morto, é chamado “servo” (1.1). Muitos cristãos sofrem de uma forma ou de outra por sua fidelidade a Deus e à sua Palavra, enquanto que outros pagam o preço máximo, sendo mortos. “Os fiéis que se dispuseram a morrer, porém não foram entregues à morte, rece bem o mesmo galardão que aqueles que sofreram o martírio.”39
Palavras, Frases e Construções Gregas em 6.11 irA.r|pü)9côai.v - o subjuntivo aoristo passivo do verbo com pletar é a me lhor leitura, contra TTÀripúouoLv, que é o aoristo ativo, e precisaríamos de um objeto direto subentendido, por exemplo, o curso.40 kcu ol oúvôouI ol ccútgjv Ka! ol áôeÂijxH « ú tú v - o duplo uso da conjun ção içai poderia ser traduzido “am bos, seus conservos e seus irmãos” para indicar dois grupos de pessoas, cada um introduzido por um artigo definido.
6. O Sexto Selo: O D ia do Senhor 6.12-17 Na cena do quinto selo, as almas no céu imploram a Deus que as vindique e vingue seu sangue derramado; são informadas de que de vem ter paciência. Então, na cena do sexto selo, João descreve o Dia do Juízo, quando os incrédulos enfrentam a ira de Deus e do Cordeiro. Ao longo do Apocalipse, João faz referência direta e indireta ao juízo no final dos segmentos e ciclos. Por exemplo, na conclusão de sua introdução, ele faz alusão ao juízo que os incrédulos enfrentam (1.7). No final da última das sete cartas, à igreja de Laodicéia, ele menciona que seus seguidores se sentarão com ele no trono de seu Pai, que é uma referência indireta ao Dia do Juízo (3.21; 20.4). O sexto e o sétimo selos são dedicados ao julgamento dos incrédulos. Se lermos a informa ção que João dá nestes próximos e poucos versículos, entenderemos que ele não está falando de um evento que as pessoas possam ignorar. Ao contrário, ele aponta para o inescapável juízo final, do qual são pre cursoras as catástrofes na natureza.41 39. Hailey, R evelation, p. 196. 40. Consultar A une, Revelation 6 -1 6 , p. 385; Beale, R evelation, p. 395. 41. Comparar Ernest B. Alio, Saint Jean I ’Apocalypse, Études Bibliques (Paris: Gabalda, 1921), p. 90; S. Greijdanus, D e O penbaring d es Heeren aan Johannes, KNT (Amster dã: Van Bottenburg, 1925), p. 157.
A p o c a l ip s e 6.12-17
306
a. N a Natureza 6.12-14
12. E vi quando ele abriu o sexto selo, e houve grande terremoto, e o sol se tornou negro como saco feito de pelos, e toda a lua se tornou como sangue. 13. E as estrelas do firmamento caíram na terra como uma figueira deixa cair seus figos verdes quando sacudida por vento forte. 14. E o céu foi recolhido como um rolo quando está sendo enrolado, e todo monte e ilha se moveram de seus lugares. Após a abertura do sexto selo, João nota sinais na terra e no firmamento. O primeiro elemento que ele menciona é um grande terremoto, um fenômeno não desconhecido dos leitores originais do Apocalipse. Por exemplo, no primeiro século, terremotos devastaram as cidades de Sardes, Filadélfia e Laodicéia. Notifica, porém, que esse terremoto é qualificado pelo adjetivo grande. O sol é eclipsado e a lua adquire uma cor avermelhada. As estrelas despencam para a terra, e o firmamento desaparece. Na terra, a paisagem de montanhas e ilhas muda completamente (comparar 16.18). Tais fenômenos devem ser tomados literal ou simbolicamente? Aliás, um terremoto pode mudar o contorno da terra, e um eclipse pode bloquear a luz do sol e dar à lua a cor de sangue. As estrelas, porém, que são muito maiores que a terra, não podem cair nela, nem o firmamento desaparecer como um rolo que se enrola, e os montes e ilhas normalmente não se movem de seus lugares. Antes de respon der a pergunta supramencionada, demos uma olhadela no restante das Escrituras. a. Antecedente bíblico. Aqui estão algumas passagens que falam de fenômenos naturais (terremoto, eclipse do sol e lua e a queda de estrelas), tanto nos profetas quanto no discurso de Jesus sobre as últimas coisas. • “Em meu zelo e em meu grande furor declaro que naquela época haverá um grande terremoto em Israel” (Ez 38.19). • “O sol se tornará em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e temível dia do Senhor” (J12.31). • “Diante deles a terra treme, os céus estremecem, o sol e a lua escurecem e as estrelas param de brilhar” (J12.10; ver Is 13.10).
307
A p o c a l ips e 6.12-17
• “As estrelas dos céus serão todas dissolvidas, e os céus se enro larão como um pergaminho; todo o exército celeste cairá como folhas secas da videira e da figueira” (Is 34.4). • “Imediatamente após a tribulação daqueles dias, o sol escurece rá, e a lua não dará sua luz; as estrelas cairão do céu, e os pode res celestes serão abalados” (Mt 24.29; também Mc 13.24; ver Is 13.10; 34.4). Ainda que haja outras passagens com fraseologia semelhante (por exemplo, Ag 2.6,7), temos evidência suficiente para perceber que João permite que as Escrituras falem sobre o que acontecerá quando o Dia do Juízo entrar em cena. Todo o universo será afetado, e a terra sofrerá completa mudança. Esse é o dia do Senhor, no qual acontecimentos catastróficos de enormes proporções terão lugar. b. Imagem e realidade. O vocabulário de João revela que ele está p len am en te fam iliariza d o tanto com os en sin o s dos p ro fetas veterotestamentários quanto com o discurso de Jesus sobre as últimas coisas. De um lado, a linguagem que ele usa “dificilmente pode ser tomada com inflexível literalidade”.42Do outro lado, algumas convul sões incomuns na natureza ocorrerão quando o tempo cósmico cessar e a eternidade tomar seu lugar. Um terremoto abala o universo para indi car que a criação de Deus está estreitamente envolvida no Dia do Juízo. O escurecimento do sol e da lua não é o resultado de um eclipse tempo rário, mas, antes, significa que sua luz cessa de ser gerada e refletida. O que predominava no princípio da criação não era a luz, e, sim, as trevas (Gn 1.2), e assim será para os incrédulos quando vier o juízo. As estre las despencando do céu são comparadas a figos verdes que o vento sacode das árvores. A imagem é de estrelas caindo; a realidade consis te de um completo deslocamento das estrelas no espaço sideral. A at mosfera que nos propicia a aparência de um firmamento azul desapare ce e é removida como um lenço de papel encrespado. E, por fim, o contorno desta terra visível nos montes e ilhas muda completamente. Para as pessoas que rejeitam Cristo e são amaldiçoadas por Deus, o cataclismo na natureza é um quadro de terror e medo do qual são incapazes de escapar. Visto que João dedica o próximo capítulo aos santos, agora ele focaliza a atenção nos incrédulos. 42. Ladd, Revelation, p. 108.
A p o c a l ip s e 6.12-17
308
c. Comentários adicionais. João escreve: “O sol tornou-se negro como saco de pelos.” Se a luz solar desaparece, o mesmo ocorre com o calor. Isso significa que o fenômeno não consistia num eclipse ordiná rio, mas em um total escurecimento dos raios solares. Nos dias da antigüidade, um saco feito de pelos de cabrito era negro (comparar Is 50.3). As pessoas em luto usavam o saco de crina para demonstrar sua tristeza, mas o saco também “sugeria que a sociedade estava desequi librada e tinha de ser endireitada”, e indicava uma ameaça de juízo iminente e um apelo ao arrependimento.43 Na luz enfraquecida do sol, a lua se tornou vermelha como a cor de sangue. A cena pressagia a calamidade pendente que recairá sobre o povo. A queda das estrelas na terra não deve ser entendida em termos literais, mas figuradamente. João ainda usa o paralelo dos figos verdes que caem dos galhas e cobrem o chão. Equivale a outra advertência de que o fim está chegando. O céu atmosférico é enrolado como um rolo, como um rolo que já foi escrito é enrolado e guardado num armário. Esse céu é substituído por um novo céu (21.1).44 b. Para os Incrédulos
6.15-17 15. E os reis da terra, os grandes homens e generais, os ricos e os poderosos, e todo escravo e livre se esconderam nas cavernas e por entre as rochas dos montes. 16. E diziam aos montes e às rochas: Caiam sobre nós e nos escondam da face daquele que está sentado no trono e da ira do Cordeiro. 17. Pois chegou o grande dia da ira deles, e quem é capaz de suportar? a. “E os reis da terra, os grandes homens e os generais, os ricos e os poderosos e todo escravo ê livre se esconderam” (ver o paralelo em 19.18). Reis são os governantes supremos na terra, com grandes homens a seu lado na qualidade de conselheiros e administradores. 43. Larry G. Herr, ISBE, 4.256; Gustav Stãhlin, TDNT, 7.63. 44. Os versículos 12-14 catalogam seis partes da criação divina: terra, sol, lua, estrelas, firmamento e “todo monte e ilha”. Os versículos 15-17 enumeram seis classes de socieda de humana que enfrentam o juízo: reis, grandes homens, generais, os ricos, os fortes e “todo escravo e livre”. Beale (R evelation, pp. 403, 404) comenta: “Este paralelismo poderia também endossar a sugestão ... de que o juízo do cosm os, nos versículos 12-14, é uma figura do juízo dos pecadores, nos versículos 15-17. O paralelo do sêxtuplo espécim e poderia enfatizar a imperfeição de ambas as criações, inanimada e humana.”
309
A p o c a l ip s e 6.12-17
Os generais representam as forças armadas e os ricos têm influência econômica. Os homens fortes são poderosos com respeito às facul dades físicas ou mentais. Em meio à escala social estão as multidões de escravos e os que já conquistaram sua liberdade. Aqui está um retrato de todos os níveis da humanidade, do topo ao fundo, que en frenta a vinda do juízo. Tendo rejeitado a Jesus Cristo como o Senhor e Salvador, essas multidões são incapazes de escapar à ira de Deus e do Cordeiro. b. “[Eles] se esconderam nas cavernas e por entre as rochas dos montes.” As tentativas de escapar ao juízo divino terminam em fracas so. As classes de pessoas supramencionadas tentam esconder-se em cavernas e por entre as formações rochosas das áreas montanhosas. Quando, porém, as catástrofes naturais se prorrompem, não existe lugar onde se pode esconder. O que entendemos deste versículo em harmonia com a passagem precedente, onde os montes se moveram de seus luga res? João apresenta outro aspecto deste quadro; posto em termos dife rentes, ele mostra um quadro dentro do quadro de acontecimentos que estão ocorrendo simultaneamente. Bauckham nota que “as imagens apocalípticas são flexíveis, teologicamente significativas e não preten diam reunir em um único quadro literal o que acontecerá no fim”.45 c. “E disseram aos montes e às rochas: caiam sobre nós e escondam-nos da face daquele que está sentado no trono e da ira do Cordei ro.” No oitavo século antes de Cristo, o profeta Oséias profetizou a queda de Israel. A destruição de Samaria seria tão devastadora que o povo clamaria aos montes que o cobrisse e às colinas que caíssem sobre ele (Os 10.8; ver também Is 2.19). De caminho para o Gólgota, Jesus citou essas palavras de Oséias, ao falar às mulheres que o pran teavam e lamentavam por ele (Lc 23.30). E assim ele descreveu a destruição de Jerusalém, a qual seria tão horrível que o povo clamaria aos montes e às colinas que o cobrisse. No Apocalipse, os inimigos de Deus e do Cordeiro vêem os montes se sacudindo e as rochas caindo; no desespero, eles clamam a esses objetos inanimados que caiam sobre eles, pois ser esmagados por eles é preferível a enfrentar a ira divina. Deus é descrito como aquele que está sentado no trono celestial, de cuja face ninguém pode ocultar-se (SI 139.7-12). 45. Bauckham, Climax ofProphecy, p. 209.
A p o c a l i p s e 6.12-17
310
A frase a ira do Cordeiro ocorre somente aqui em todo o Novo Testamento. Isso não significa que a ira se confine ao Cordeiro e ex clua Deus. Tampouco comunica a idéia de que um manso animal como o cordeiro não possa enfurecer-se. A palavra Cordeiro é o símbolo do Cristo que confronta seus inimigos no fim das eras. Essas pessoas são os adversários “[que] farão guerra contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá” (17.14). Além do mais, o Cordeiro abre todos os sete selos do rolo, e é o Cordeiro que desencadeia sua fúria contra seus oponentes. O Cordeiro com o livro da história mundial na mão é o Juiz que dirige sua ira contra seus adversários. Como entenderíamos a ira do Cordeiro? E ela uma emoção do Se nhor, ou é seu pronunciamento do castigo sobre seus inimigos? O con texto é proveitoso na resposta a esta pergunta, pois a palavra ira é reiterada no versículo seguinte juntamente com a frase “o grande dia” (v. 17; ver também Rm 1.18; Hb 3.11). Estas duas expressões apontam para o Dia do Juízo.46 d. “Pois chegou o grande dia da ira deles, e quem é capaz de supor tar?” O texto grego literalmente reza: “Pois ali chegou o dia, o grande dia da ira deles.” Ele põe ênfase primeiramente no verbo chegou, visto ser o primeiro na sentença, e em seguida no substantivo dia, que é seguido do adjetivo descritivo grande. No Novo Testamento, o Dia do Juízo é chamado “o grande dia” e, no Antigo Testamento, de “o dia do Senhor” (Is 13.9; J12.11, 31; Zc 1.14, 15). O verbo chegou é um pretérito com uma conotação presente que aguarda uma realização futura.47João pinta um quadro desse dia, ainda quando o dia propriamente dito ainda não chegou. Isto é, todos os terrí veis cataclismos na natureza e no universo introduzem o grande Dia do Juízo, ainda quando o cumpriihento desse espantoso fenômeno deve aguardar até a consumação. Alguns manuscritos gregos contêm o pronome possessivo singular “a ira dele” (segundo por k j v e NK JV), em vez do plural “ira deles”. Esta redação é gramaticalmente correta por causa do sujeito singular “o Cordeiro” . No Apocalipse, porém, João nunca denomina Jesus de Deus; com o uso do pronome, porém, ele põe Jesus no mesmo nível 46. Consultar Gustav Stahlin, TDNT, 5.424, 425; Hans-Christoph Hahn, N1DNTT, 1.111; W ilhelm Pesch, EDNT, 2.529, 530. 47. Bauer, p. 311.
311
A p o c a l ip s e 6.12-17
com Deus. Por exemplo, lemos: “serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos” (20.6); e “o trono de Deus e do Cordeiro estará nela, e seus servos o servirão” (22.3). “E quem é capaz de suportar?” Esta pergunta retórica tem a res posta implícita: “Ninguém, senão a multidão inumerável.” O salmista e os profetas veterotestamentários formulam a mesma pergunta: “quem pode permanecer diante de ti quando estás irado” (SI 76.7b) e “quem pode suportar o dia de sua vinda? Quem pode ficar quando ele apare ce?” (Ml 3.2; ver Na 1.6). Os inimigos de Deus não estão clamando por misericórdia e não revelam o genuíno arrependimento. Ao contrá rio, buscam esconder-se do Juiz, porém são incapazes de escapar.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 6.17 rjÀGev - o tempo aoristo comunica o significado de que o grande dia “já chegou (isto é, chegou quando os sinais do fim, descritos nos versículos 12-14 começaram)”.48
48. Swete, Revelation, p. 95.
E sboço (continuação) 7. Interlúdio: Os Santos (7.1-17) a. Os 144.000 Selados (7.1-8) b. A Grande Multidão (7.9-12) c. Uma Entrevista (7.13-17)
C a p ít u l o
7
°
7.1-17)
1 Depois disso vi quatro anjos em pé nos quatro cantos da terra, retendo os quatro ventos da terra, para que nenhum vento soprasse na terra, no mar ou em qualquer árvore. 2 E vi outro anjo subindo do Oriente, tendo o selo do Deus vivo, e bradou em alta voz aos quatro anjos a quem foi dado poder de danificar a terra e o mar, 3 dizendo: Não danifiquem a terra, nem o mar, nem as árvores, até que tenhamos selado em suas frontes os servos de nosso Deus. 4 E ouvi o número dos que foram selados: cento e quarenta e quatro mil selados, de todas as tribos de Israel.
7
5 Da tribo de Judá foram selados 12.000; da tribo de Rúben, 12.000; da tribo de Gade, 12.000; 6 da tribo de Aser, 12.000; datribodeNaftali, 12.000; da tribo de Manassés, 12.000; 7 da tribo de Simeão, 12.000; da tribo de Levi, 12.000; da tribo de Issacar, 12.000; 8 da tribo de Zebulom, 12.000; da tribo de José, 12.000; da tribo de Benjamim foram selados 12.000. 9 Depois dessas coisas olhei, e vi uma grande multidão que ninguém podia enumerar, de cada nação e de todas as tribos e povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro. Estavam vestidos com roupas bran cas e com ramos de palmeira em suas mãos. 10 E clamavam com forte voz, dizendo: A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro.
A po c a l ipse 7
314
11 E todos os anjos estavam em pé ao redor do trono, dos anciãos e das quatro criaturas viventes; e se prostraram sobre seus rostos, diante do trono, e adoraram a Deus, 12 dizendo: Amém! Louvor e glória e sabedoria e ações de graças e honra e poder e força sejam ao nosso Deus para todo o sempre. Amém! 13 E um dos anciãos me perguntou: Quem são essas pessoas que estão vestidas de branco - quem são e de onde vieram? 14 E eu lhe disse: Senhor, tu o sabes. E ele me disse: Esses são os que vieram da grande tribulação e lavaram suas roupas e as alvejaram no sangue do Cordeiro. 15 Portanto, estão diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite em seu templo, e aquele que está sentado no trono estenderá sobre eles seu tabernáculo. 16 E jamais terão fome e nunca mais terão sede; nem o sol os afligirá, nem qualquer calor abrasador. 17 Porque o Cordeiro que está no centro do trono os apas centará e os guiará às fontes de água viva, e Deus enxugará de seus olhos toda lágrima.
7. Interlúdio: Os Santos 7.1-17 Observações Preliminares a. Interrupção. Muitos comentaristas vêem o capítulo 7 como um parêntese ou interlúdio entre o sexto e o sétimo selos (ver também o interlúdio entre a sexta e a sétima trombetas, 10.1-11.14). Isso é corre to, não obstante devamos acrescentar que este capítulo é o oposto do selo imediatamente precedente (6.12-17), o qual desvenda o que está acontecendo aos inimigos de Deus. O capítulo 7 revela o que está acon tecendo ao povo de Deus. Como os inimigos enfrentam a ira e o juízo divinos, os santos entoam louvores de livramento a Deus e ao Cordeiro. Todo o capítulo, dedicado aos santos, é mais um pináculo do que uma pausa.1À pergunta suscitada no sexto selo, “quem é capaz de supor1. Referência a Hendrik R. van de Kamp, Israel in O penbaring (Kämpen: Kok, 1990), p. 124.
315
A pocalipse 7
tar?” (6.17), João formula uma resposta: os 144.000 e a incontável multidão. Não as pessoas que pedem aos montes e rochas que as cu bram da ira divina, mas os santos que estão em pé diante do trono. São os selados por Deus, lavados no sangue do Cordeiro, vestidos de rou pas brancas e que seguram os ramos de palmeira em suas mãos. b. A assembléia. O capítulo 7 ensina que, enquanto Deus congrega seu povo, ele suspende o juízo até que o último dos santos esteja con gregado e selado (vs. 2, 3). Os santos que se juntaram à grande multi dão e incluem os 144.000 são o Israel real (vs. 4-9a). Celebram a liturgia da Festa dos Tabernáculos (vs. 9b, 10; Lv 23.40). Além dos santos, todos os habitantes do céu cultuam a Deus (vv. 11, 12). Os santos são descritos como mártires que estão sendo congregados como um só corpo até o fim dos tempos (vs. 1 3 ,14).2E, em último lugar, estão dian te do trono de Deus e do Cordeiro para todo o sempre (vs. 15-17). c. Interpretação. Há duas maneiras de interpretar o capítulo 7, a saber: pode ser interpretado ou literalmente ou simbolicamente. A pri meira interpretação explica o número 144.000 como o número total consistindo de 12.000 pessoas seladas de cada uma das doze tribos de Israel.3O grupo de pessoas que ninguém podia enumerar, tomado de cada nação, tribo, povo e língua, é composto de gentios, ainda quando a palavra propriamente não seja usada. A segunda interpretação ensina uma abordagem simbólica dos números neste capítulo. Ao longo do Apocalipse, os números têm uma significação simbólica, como é evi dente, por exemplo, no número sete, que comunica completude. Assim é mais provável que o número 144.000 (doze vezes doze mil) deva ser interpretado simbolicamente para expressar perfeição.4Isso se faz evi 2. Referência a J. Comblin, “Le réassemblement du peuple de Dieu: A pocalipse 7.2-4, 9-14”, Assem bSeign 66 (1973): 42-49. 3. John F. Walvoord (The Revelation o f Jesus Christ [Chicago: M oody, 1966], p. 143) nota que m uito m ais que 12.000 de cada tribo serão salvos, mas os 144.000 são aqueles que são protegidos durante o tempo da tribulação. Ver também Robert L. Thomas, R evelation 1 -7 : An E xegetical C om m entary (Chicago: M oody, 1992), pp. 4 7 7 ,4 7 8 . 4. Donald Guthrie, N ew Testament Theology (Downers Grove: Inter-Varsity, 1981), p. 640; Alan F. Johnson, Revelation, em The E xpositor’s B ible Com m entary, org. Frank E. G aebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.481; Richard Bauckham, The Clim ax o f Prophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 218; Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A C om m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), pp. 41623; K endell H. Easley, R evelation, HNTC (Nashvill: Broadman & Holman, 1998), pp. 125, 126.
A po calipse 7
316
dente com respeito à medição da nova Jerusalém, que é de 12.000 estádios de comprimento, de largura e de altura - um cubo perfeito e símbolo de perfeição (ver o comentário sobre 21.16). Além do mais, as duas cenas dos 144.000 e da multidão incalculável são dois quadros afins que enfatizam a mesma mensagem. A primeira cena descreve idealismo; e a segunda, realismo. A segunda cena corrobora e amplia a primeira; “as duas imagens retratam a mesma realidade”.5 d. Analogias. A correlação entre os capítulos 7 e 21-22, e seu desenvolvimento, é digna de nota:6 • • • • • • • • •
o selo na fronte (7.3 e 22.4) as doze tribos de Israel (7.4-8 e 21.12) as nações (7.9 e 21.24, 26) o trono de Deus (7.9, 15 e 22.1, 3) o serviço prestado (7.15 e 22.3) o templo (7.15 e 21.22) a habitação de Deus (7.15 e 21.3) sede e fontes de água viva (7.16, 17 e 21.6) as lágrimas enxugadas (7.17 e 21.4)
Isto é, se explicarmos os números e os nomes nos capítulos 21 e 22 simbolicamente, esperamos que os nomes e os números no capítulo 7 sejam também interpretados figuradamente. Igualmente, neste capítulo, João apresenta Apocalipse como uma série de quadros partindo de uma perspectiva simbólica. William Milligan observa: “É costume do Vidente sublimar e espiritualizar todos os nomes judaicos. O templo, o tabernáculo e o altar, o Monte Sião e Jerusalém são para ele as incorporações de idéias mais profundas que aquelas literalmente comunicadas por elas.”7 e. Seqüência. R. H. Charles advoga um número de transposições no Apocalipse; uma delas está no capítulo 7. Ele “restaura” os versículos 5. Richard Bauckham, The Theology o f the Book o f Revelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), p. 76. Mathias Rissi (Time and H istory: A Study on R evelation [Richmond: John Knox, 1966], p. 89) nota que “a designação dos 144.000 com o ‘servos de nosso D eu s’ geralmente é usada para a Igreja de Jesus”. 6. Van de Kamp, Israel en Openbaring, p. 125. 7. W illiam M illigan, The Book o f R evelation (N ova York: Armstrong and Son, 1889), p. 118; Hom er Hailey, Revelation: An Introduction an d Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 205.
317
A p o c a l ip s e 7.1-8
5 e 6 “à sua ordem original, na qual os filhos de Lia são seguidos dos filhos de Raquel, e estes, por sua vez, primeiro pelos filhos da serva de Lia e então pelos da serva de Raquel”.8Não obstante, ele não consegue fornecer prova em prol de sua transposição, porque aqui há testemunhas textuais para o assistir em sua obra. Sua interpretação é estritamente literal e não leva em conta que João não fala do Israel físico, e, sim, do Israel espiritual. Por razões espirituais, Judá é mencionado no topo da lista, e não Rúben, primogênito de Jacó. Judá é o primeiro porque Jesus Cristo descendeu dele; também a mistura dos nomes dos patriarcas se destina a mostrar que os privilégios e condições físicas já terminaram.9 a. Os 144.000 Selados 7.1-8 1. Depois disso vi quatro anjos em pé nos quatro cantos da terra, retendo os quatro ventos da terra, para que nenhum ven to soprasse na terra, no mar ou em qualquer árvore. Quando João escreve “depois disso”, ele está se referindo ao con texto imediatamente precedente: a abertura do sexto selo. O sétimo selo (8.1) será aberto depois que ele tiver descrito as duas visões registradas neste capítulo. João vê quatro anjos, cada um deles ocupan do um dos quatro cantos da terra. Isso não deve ser entendido literal mente, e, sim, simbolicamente, porque aponta para a totalidade da cria ção divina e as quatro direções: norte, leste, sul e oeste. Esses quatro anjos (ver 9.14, 15) têm autoridade sobre os quatro ventos que sopram na terra, e são aptos para controlar e restringir o poder destrutivo desses ventos. R. C. H. Lenski habilidosamente ob serva que a palavra anjos, na forma não modificada, nunca é usada para referir-se aos demônios.10Os anjos são sempre mensageiros de Deus, enviados como seus servos (SI 104.4; Hb 1.7, 14). Uma vez mais, João está se referindo ao Antigo Testamento mentalmente. A expressão os quatro cantos da terra aparece em algumas passagens (por exemplo, Is 11.12; Ez 7.2 KJV). E a frase quatro ventos do céu 8. R. H. Charles, A C ritical and E xegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1.207, 208; 2.405 n. 3. 9. S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, KNT (Amsterdã: Van Botrenburg, 1925), p. 169. 10. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. John ’s R evelation (Columbus: Wartnbure, 1943), p. 245.
A p o c a l ips e 7.1-8
318
ocorre em Daniel 7.2; 11.4; Zacarias 6.5 (verEz 37.9)." Não obstante, o texto reza os quatro ventos da terra, não do céu. Esses quatro ventos são agentes de Deus para executar juízo. Os anjos detêm o poder desses quatro ventos, para que não des truam a grande criação divina com furacões, tornados e tempestades (com parar Jr 49.36). Aos ventos, com seu poder potencialm ente destrutivo, ainda não foi dada permissão para danificar algo na criação divina. Sua criação é sumariada na interessante combinação de terra, mar e árvore. Ela divide as massas terrestres das oceânicas, com a árvore simbolizando o reino vegetal. As árvores altas são excepcional mente vulneráveis à força dos ventos. Fazemos aqui três observações: A imagem do vento no Apocalipse, à parte da ilustração em 6.13, limita-se a este versículo em particular. Em seguida, nós, como seres humanos, somos totalmente incapazes de controlar o tempo atmosférico; é Deus quem envia os ventos (Jo 3.8). E, em último lugar, as catástrofes iminentes causadas por esses ventos são mantidas em sujeição.
2. E vi outro anjo subindo do Oriente, tendo o selo do Deus vivo, e bradou em alta voz aos quatro anjos a quem foi dado poder de danificar a terra e o mar, 3. dizendo: Não danifiquem a terra, nem o mar, nem as árvores, até que tenhamos selado em suas frontes os servos de nosso Deus. a. “E vi outro anjo subindo do Oriente, tendo o selo do Deus vivo.” A palavra outro significa um anjo da mesma categoria, como os quatro precedentes que detinham os quatro ventos. Não podemos dizer muito acerca desse anjo além da origem e da marca de identificação. Sua origem procede do oriente, significando que ele está se aproximando de João da nascente do sol, a fonte de luz. Para ilustrar, o templo de Jeru salém olhava para o oriente, focalizando a atenção na nascente do sol e na presença de Deus (ver Ez 43.2). A marca de identificação do anjo é “o selo do Deus vivo”. Essa marca parece comunicar o cuidado protetor de Deus, o qual ninguém é capaz de subverter ou desfazer. O Deus 11. “O s quatro ventos do céu”, em Zacarias 6.5 ( n j b , n r s v , r e b ), podem ser traduzi dos “o s quatro espíritos do céu”. Um a vez que o termo hebraico rüah também pode significar “espírito”, a pergunta é se ele deve ser traduzido aqui por “ventos” ou “espí ritos”. A LXX tem a redação anem oi (ventos). E, em último lugar, é questionável se esses quatro ventos em quatro cavalos (6.2-7) têm por base Zacarias 6.
319
A po c a l ipse 7.1-8
vivo,12como a fonte de vida que habita a eternidade, está enviando o anjo com a missão de neutralizar o poder destrutivo dos ventos. b. “E bradou com forte voz aos quatro anjos, a quem foi dado o poder de danificar a terra e o mar.” Evidentemente, os anjos enviados por Deus em missão fazem ecoar sua mensagem em alta voz, visto que essa fraseologia ocorre reiteradamente no Apocalipse (10.3; 14.7, 9, 15; 18.2; 19.17). O forte brado se faz necessário para alcançar os limi tes da terra, de modo que os quatro anjos possam ouvir a mensagem do anjo. Os anjos destinatários estão retendo o poder destrutivo de danifi car tanto a terra quanto o mar. c. “Dizendo: não danifiquem a terra, nem o mar, nem as árvores, até que tenhamos selado em suas frontes os servos de nosso Deus.” A palavra dirigida a esses quatro anjos que ora ocupam lugares nas quatro direções, norte, leste, sul e oeste, é para que não danifiquem a terra, o mar e as árvores. Não lhes é permitido nem mesmo que iniciem sua obra destrutiva. Deus dá ao anjo a mensagem, já que Deus é quem cuida de sua criação e, especialmente, de seu povo (comparar 9.4). Je sus afirmou: “Dois pardais não são vendidos por uma pequena moeda? Contudo nenhum deles cairá por terra sem a vontade de seu Pai. E até mesmo os próprios cabelos de sua cabeça estão todos enumerados” (Mt 10.29,30). Ao usar o anjo a palavra árvores, no plural, ele indica que os olhos de Deus estão voltados para todas as coisas de sua criação. Ainda que o anjo que anuncia a mensagem esteja sozinho, ele re presenta uma multidão de auxiliares, quando diz: “Até que tenhamos selados em suas frontes os servos de nosso Deus.” Deus envia seus anjos para selarem seu povo, porque seus servos lhe pertencem e são conhecidos por meio de um selo. O que é precisamente um selo? William Hendriksen observa pri meiramente que “ele é a coisa mais preciosa debaixo do céu”, e em seguida atribui ao selo três funções. Em primeiro lugar, ele protege contra a falsificação; em segundo lugar, ele garante uma propriedade; e, em último lugar, ele certifica a genuinidade de um documento.13 12. A expressão o D eus vivo é prevalecente tanto no Antigo quanto no N ovo Testamento: Deuteronômio 5.26; Josué 3.10; 1 Samuel 17.26, 36; 2 Reis 19.4, 16; Salmo 42.2; 84.2; Isaías 3 7 .4 ,1 7 ; Jeremias 10.10; 23.36; Daniel 6.26; O séias 1.10; Mateus 16.16; 26.63; Atos 14.15. 13. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 110; ver também Beale, Revelation, pp. 409-15.
A po c a l ip s e 7.1-8
320
Como os servos de Deus são marcados com um selo? Como se dá em todo o Apocalipse, João recorre às Escrituras veterotestamentárias. O povo de Judá tinha virado suas costas para Deus e seu templo, e passado a cultuar a natureza. Em uma visão, o profeta Ezequiel viu um homem vestido de linho com pena e tinteiro na mão, o qual recebeu a ordem de ir a Jerusalém e pôr uma marca nas frontes de todos os que se penitenciassem por causa da idolatria na terra (Ez 9.4). Todas as pes soas foram mortas, exceto as que tinham a marca em suas frontes. O símbolo do povo de Deus é a marca invisível do Pai e do Cordeiro (Ap 14.1) para significar que os santos são membros da família de Deus, comprados pelo Filho e plenificados pelo Espírito. Em contraste, os in crédulos têm a marca da besta em sua mão direita e fronte (13.16). Os servos de Deus são não apenas profetas, pastores e oficiais da igreja, mas incluem todos os crentes. Isto é, os que fielmente servem a Deus, amando-o de todo o coração, alma e mente, e amando seu próxi mo como a si mesmos, esses são os servos. A palavra servos, ocorren do em 2.20; 19.2,5; 22.3,6, e no Novo Testamento a expressão servos de Deus, denota os santos. Servas são aquelas pessoas que refletem a glória de Deus todos os aspectos de sua vida. Daí, a marca invisível em suas frontes se torna visível nas palavras e feitos desses dedicados seguidores de Jesus, quando andam em suas pegadas. d. “Selados.” Como um selo se relaciona com os santos? Primeiro estão seguros; e ninguém, nem mesmo Satanás, pode arrebatá-los da mão de Deus (Jo 10.28). Segundo, pertencem a Jesus, e são sua pos sessão. E, terceiro, para eles, sua palavra é verdadeira e imutável, e suas promessas são genuínas. O cristão é selado neste tríplice sentido. O Pai o selou, porque o crente desfruta da proteção do Pai por toda a vida. O Filho o selou, porque ele comprou e redimiu o crente com seu próprio e precioso sangue. Ele é nosso. O Espírito o selou (Ef 1.13), porque ele testifica que somos filhos de Deus (Rm 8.16).14
Não obstante, não estão isentos do mal físico. Muitos cristãos das sete igrejas na província da Ásia eram capazes de testificar desse fato (ver 2.10). Ao longo dos séculos, inumeráveis crentes foram persegui 14. Hendriksen, M ais que Vencedores, p. 138.
321
A po c a l ips e 7.1-8
dos, feridos e mortos, e presentemente ainda o são, por causa de seu testemunho de Cristo. Qual, pois, é o significado de ser selado? A res posta está na palavra até - “até que tenhamos selado em suas frontes os servos de nosso Deus”. Deus posterga o juízo, aqui retratado pelo poder destrutivo dos ventos, até que o último dos santos tenha sido congregado e selado. Os anjos que marcam os crentes com um selo os protegem do juízo vindouro (ver 9.4). E assim, ser marcado com o selo do Deus vivo significa que ele protege seu próprio povo desse juízo (3.10).15Também responde a pergunta suscitada em 6.17: “Pois che gou o grande dia da ira deles, e quem é capaz de suportar?” Não os incrédulos que buscam esconder-se nos montes e rochas, mas os cren tes que são cobertos com o selo de Deus são capazes de suportar diante dele e do Cordeiro, pois não temem o juízo vindouro. Todos os santos, selados com o selo do Deus vivo, são adquiridos; regozijam-se na presença do Cordeiro. Inversamente, os inimigos de Deus enfrentam a ira de Deus e do Cordeiro e são incapazes de esca par (6.15-17).
4. E ouvi o número dos que foram selados: cento e quarenta e quatro mil selados, de todas as tribos de Israel. Note que João se volta do verbo ver para o verbo ouvir, e usa o pretérito: “ouvi.” Em outros termos, ouvir o número dos que receberam o selo é uma indicação de que a soma total não é um segredo. Esse conhecimento não tem que aguardar até que a última pessoa tenha sido marcada com o selo do Deus vivo. Ainda quando a informação se rela cione com o futuro, o verbo foram selados está no pretérito. Deus conhece o número dos que receberam os selos, e João comunica isso simbolicamente aos leitores. O número dos que são selados é 144.000, que é doze vezes doze mil (doze ao quadrado vezes dez cúbitos).160 número doze, no Apocalipse, sempre se refere àquilo que é perfeito: os santos (7.5-8), a mulher com doze estrelas em sua cabeça (12.1), as doze tribos de Israel (21.12), os vários aspectos da nova Jerusalém (2 1 .1 2 ,1 4 ,16 )eo s doze frutos que as árvores produzem (22.2). E o número mil é dez vezes dez vezes dez, que é uma multidão. Dez é o número de plenitude no sistema 15. Reinier Schippers, N1DNTT, 3.500; Gottfried Fitzer, TDNT, 7.951; Tim Schgramm, EDNT, 3.317. 16. Easley, R evelation, p. 125.
A p o c a l ip s e 7.1-8
322
decimal. Daí, 144.000 é um número simbólico que expressa uma multi dão marcada por perfeição absoluta.17Doze tribos de Israel vezes doze apóstolos (21.12, 14) vezes mil é igual a perfeição vezes perfeição ve zes uma multidão. Aqui está o quadro do ideal que é seguido de um quadro do real no versículo 9. “De todas as tribos de Israel.” Uma multidão incalculável comuni ca o conceito de harmonia, unidade e excelência. Embora seja real a tentação de tomar o termo “de todas as tribos de Israel” literalmente, o Novo Testamento ensina que os muros das distinções raciais já foram derrubados. Todos os crentes são um em Jesus Cristo (Rm 10.12; ICo 12.13; G1 3.28; E f 2.14-16; Cl 3.11). A harmonia em Cristo Jesus trans cende todas as divisões étnicas, raciais e sexuais. Em suma, o termo Israel, neste versículo, representa o povo de Deus.
5. Da tribo de Judá foram selados 12.000; da tribo de Rúben, 12.000; da tribo de Gade, 12.000; 6. da tribo de Aser, 12.000; da tribo de Naftali, 12.000; da tribo de Manassés, 12.000; 7. da tribo de Simeão, 12.000; da tribo de Levi, 12.000; da tribo de Issacar, 12.000; 8. da tribo de Zebulom, 12.000; da tribo de José, 12.000; da tribo de Benjamim foram selados 12.000. 17. Karl Heinrich Rengstorf, TDNT, 2.324. Richard Bauckham assevera que os 144.000 são o exército israelita do leão de Judá preparado para conquistar a terra prometida na guerra messiânica. Ver seu “List o f the Tribes in Revelation 7 Again”, JSN T 42 (1991): 99-115; referência ao seu Climax ofP rophecy, pp. 215-37. Ainda que ele veja um modelo em Núm eros 1, Apocalipse 7 aponta para o Cordeiro, que já triunfou (5.5), e a vitória da qual os santos e os anjos compartilham. Além disso, os números 144.000 e 12.000 devem ser entendidos simbolicamente, não literalmente. Segundo, Apocalipse 7 não fala de uma guerra messiânica; aliás, o contexto menciona “servos de nosso D eus” (v. 3), não “soldados de nosso D eus”. Os versículos 4 e 8 são destituídos de termos militares. O nom e de Levi está na lista, pois o contexto não menciona serviço militar ou a posse de terra. E, em último lugar, se os 144.000 são soldados do sexo masculino, então as mulheres estão excluídas desse número. João m enciona o exército do Senhor em 19.19, porém não dá nenhuma indicação de que o próprio exército participe da guerra. Compa rar David E. Aune, R evelation 6 -1 6 , W BC 52B (Nashville: N elson, 1998), p. 436.
323
A po c a l ipse 7.1-8
a. Dificuldades. O primeiro problema que enfrentamos é a fraseologia do versículo 4: “de todas as tribos de Israel”, o qual é explicado com uma lista das doze tribos. Entretanto, em outros lugares do Novo Testamento, a expressão doze tribos se refere a Israel como uma nação, e não às doze tribos individualmente (At 26.7; Tg 1.1). As doze tribos formam a base sobre a qual a estrutura da casa de Deus é edificada e completada, e todos os habitantes da casa de Deus formam uma família sem qualquer divisão. Os crentes de outros povos fora de Israel são enxertados na oliveira, fazendo uso da ilustração de Paulo, e crescem lado a lado com os ramos naturais (Rm 11.17). Jesus disse: “Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco. Devo guiá-las também. Elas também ouvirão minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10.16). b. Estrutura. A seqüência das doze tribos catalogadas aqui difere consideravelmente das registradas em outros lugares do Antigo Testa mento. Por exemplo, “estes foram os filhos de Israel: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Issacar, Zebulom, Dã, José, Benjamim, Naftali, Gade e Aser” (lC r 2.1, 2; ver também Gn 35.23-26). Judá, porém, precede Rúben, o primogênito; Dã está faltando na lista; e, em seu lugar, para fazer o número doze ficar completo, aparece o nome de Manassés, como neto de Israel (comparar a lista em Ez 48.1-7, 23-29). Há pelo menos três aspectos semelhantes nas listas do Apocalipse e de 1 Crônicas. Primeiro, à parte dos dois versículos iniciais no capítu lo dois, o cronista cataloga em primeiro lugar a família de Judá (2.34.23); segundo, ele cataloga a família de Manassés (5.23-26; 7.14-19), porém põe Efraim no lugar de José (7.20-29); e, terceiro, ele omite a família de Dã. A razão para apagar o nome de Dã da lista retrocede a uma narra tiva na qual os descendentes de Dã cometeram idolatria (Jz 18.30, 31). Foram também os primeiros a perpetrarem o pecado da apostasia, pois aceitaram um bezerro de ouro que Jeroboão colocara na parte Norte de Israel como centro do culto. Ele escolheu esse local para que o povo de Israel pudesse cultuar ali e não precisasse deslocar-se para Jerusa lém (lR s 12.29, 30). Em decorrência de grave pecado, a tribo de Dã estava entre os primeiros a serem exilados.18Após o período do exílio chegar ao fim, a Escritura não faz nenhuma outra menção a Dã. 18. Thomas, R evelation 1 -7 , p. 481. A tribo de D ã tom ou-se parte da Síria durante o reinado do rei A sa (lR s 15.20; 2Cr 16.4) e voltou a ser de Israel quando Jeroboão II a
A po c a l ip s e 7.1-8
324
João exclui também Efraim de sua lista. Essa tribo também concor dou com Jeroboão em colocar outro bezerro de ouro em Betei como substituto do verdadeiro culto divino em Jerusalém (1 Rs 12.29). Efraim, pois, não seria agrupado sob o nome de José, porquanto José assumira o lugar de Efraim (ver SI 78.67b; Os 5.3-5). O arranjo das doze tribos no Apocalipse difere por várias razões. Judá é mencionado primeiro em razão de sua tribo ser aquela em cujo meio nasceu Jesus (Mt 1.3; 2.6; Lc 3.33; Hb 7.14; Ap 5.5). O nome de Levi é incluído em virtude de o contexto não ter nada a ver com o serviço militar ou de possessão material de território (Nm 1.47; Dt 10.9). Os estudiosos têm proposto um número de soluções. Por exemplo, Henry Barclay Swete sugere que a seqüência da lista de João se origina em parte da ordem de nascimento dos doze patriarcas, e em parte da locali zação geográfica das doze tribos.19Judá é a tribo régia, seguida de Rúben, o primogênito. À tribo de Gade foi dado o território ao Norte da tribo de Rúben, a leste do Jordão (Js 13.24-28). As tribos de Aser e Naftali fica vam ao norte e na parte central da Galiléia, com a de Manassés no centro de Israel. Simeão e Levi, como filhos de Lia, seguiram Rúben, em sua sucessão de nascimento. As tribos de Issacar e Zebulom ocuparam a parte sudeste da Galiléia. E José e Benjamim eram os filhos de Raquel. De forma semelhante, Richard Bauckham sugere que, nos tempos em que Apocalipse foi escrito, uma lista modificada diferia da ordem padronizada, caracterizando os filhos em relação a suas mães. Os fi lhos de Lia são Judá, Rúben, Levi, Issacar e Zebulom, dos quais o últimos quatro foram colocados em forma de bloco segundo a seqüência, Gade, Aser, Naftali e Manassés.20Esta de fato é uma explicação pro veitosa, ainda que as questões permaneçam acerca de José e Manas sés e a exclusão de Efraim. conquistou (2Rs 14.25); o governador assírio Tiglate-Pileser II assenhoreou-se da área em 722 a.C. e levou seu povo para o exílio (2Rs 15.29). Não obstante, Ezequiel profetizou que D ã receberia um território (E z48.1). Irineu (Contra H eresias 5.30.2) especulou que da tribo de Dã esperaria que saísse o Anticristo. E Daniel 5.6, dos Testamentos dos D oze P atriarcas, declara que a tribo de Dã tinha Satanás com o príncipe guardião. Ver também Charles E. Hill, “Antichrist from the Tribe o f Dan”, JTS, n.s. 46 (1995): 99-117. 19. Henry Barclay Sw ete, C om m entary on Revelation (1911); reimp. Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 98. 20. Bauckham (“List o f the Tribes”, p. 113) usa uma lista do Pseudo Filo e o Testaments o f the Twelve Patriarcs. R. E. Winkle (“Another Look at the List o f Tribes in Revelation 7”,
325
A p o c a l ip s e 7.1-8
A seqüência desses nomes como tais não é importante. “É suficien te dizer que, em termos gerais, é virtualmente impossível explicar a ordem e composição incomuns da lista das tribos, interpretando-a como descritivo do Israel étnico. Visto, porém, nesta lista um retrato da Igreja como o Novo Israel... envolve dificuldades muito simples.”21Significa tiva é a grande multidão que ninguém pode enumerar; ela provém das doze tribos de Israel. Em resposta à Grande Comissão (Mt 28.20), uma multidão mundialmente ampla tem abraçado a fé em Cristo, a qual, com os santos do Antigo Testamento, constitui o número completo dos ser vos de Deus (Hb 11.40).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 7.1-3 V e rsíc u lo 1
|j.r|T€ éirl itco' õévôpov - literalmente, “e não em qualquer árvore.” A partí cula negativa aparece numa sentença introduzida por 'iva e controla as nega ções que seguem. A Nestle-Aland22 leva em conta a divisão de um parágrafo no sentido de um novo segmento, de modo que o versículo 1 situa-se como um versículo introdutório. V e rsíc u lo 2
aúrolç - o pronome pessoal é supérfluo por causa do objeto indireto olç (a quem). A construção é um semitismo, aparecendo reiteradamente no Apocalipse (3.8; 7.9; 13.8,12; 20.8). V e rsíc u lo 3
|j.f| àõiKTÍ0 T)T6 - o subjuntivo aoristo serve como o imperativo aoristo para uma proibição negativa cuja ação ainda não começou. (xetcÓTTwv - esta expressão tem o sentido de “o espaço entre os olhos”.22
b. A . Grande Multidão 7.9-12
9. Depois dessas coisas olhei, e vi uma grande multidão que ninguém podia enumerar, de cada nação e de todas as tri AU SS 27 [19891: 53-67) propõe que D ã é omitodo por que Judas Iscariotes estava associado com essa tribo. 21. Christopher R. Smith, “The Portrayal o f the Church as the N ew Israel in the Nam es and Order o f the Tribes in Revelation 7.5-8”, JSNT 39 (1990): 117. 22. A. T. Robertson, A G ram m ar o f the G reek N ew Testament in the Light o f H istorical R esearch (Nashville: Boadman, 1934), p. 609.
A p o c a l ip s e 7.9-12
326
bos e povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cor deiro. Estavam vestidos com roupas e com ramos de palmeira em suas mãos. a. Método. Ao lermos o Apocalipse, aumenta nossa consciência de que João escreveu o Apocalipse a partir de uma perspectiva judai ca. O autor reiteradamente apresenta seu material em forma conve nientemente repetitiva com o intuito de enfatizar um determinado pon to: dois relatos semelhantes da mesma coisa às vezes enfatiza uma revelação específica que João registra. O primeiro relato é o ideal, en quanto o segundo é a realidade. A figura 144.000 (v. 4) e a soma subseqüente das doze tribos com 12.000 pessoas cada uma (vs. 4-8), entendida simbolicamente, repre senta o ideal. Com o uso de números, João ilustra a perfeição como o ideal. Na próxima ilustração, ele descreve a realidade por meio da qual lhe é permitido ver dentro do céu, isto é, os santos em pé diante do trono de Deus e do Cordeiro (vs. 9-12). Ele descrevera os anciãos e os anjos cercando o trono divino em capítulos precedentes (caps. 4 e 5), agora, porém, ele nota que uma multidão inumerável adentra o céu e se aproxima do trono. O primeiro quadro retrata o povo de Deus a partir de uma perspectiva histórica, enquanto o segundo quadro exibe a multidão incalculável como o produto completado da obra redentiva de Cristo.23 b. Características. A frase depois disso introduz um novo quadro que pertence não à terra, mas ao céu. João ouviu o número 144.000 na cena precedente (v. 4); agora ele vê uma grande multidão que ninguém podia enumerar. Ele nota, primeiramente, as tribos de Israel (vs. 5-8); em seguida ele descreve os santos “de cada nação e de todas as tribos e povos e línguas”. A palavra nação (grego ethnos) significa todas as pessoas que constituem uma nação. Freqüentemente vários grupos de 23. Craig S. Keener, Revelation, NIVAC (Grand Rapids: Zondervan, 2000), p. 212. Raymond E. Brown (An Introduction to the N ew Testament, A nchor B ible Reference L ibrary [Nova York: Doubleday, 1996], p. 788) propõe que a Igreja sucede Israel e, assim, inclui o mundo inteiro. Os 144.000 na terra e a multidão no céu “poderiam estar descrevendo uma Igreja que é tanto terrena quando celestial, tanto militante quanto triunfante”. Ver também Harry R. Boer, The B ook o f R evelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p. 59. J. Ram sey M ichaels (R evelation, IVP NTC [Downers Grove: Inter-Varsity, 1997], p. 113) nota: “Os 144.000 judeus são transformados em uma multidão inumerável de todas as nações da terra!”
327
A po c a l ips e 7.9-12
pessoas formam uma nação inteira, e assim o termo grego deve ser entendido como uma composição plena. Esses grupos de pessoas in cluem os crentes hebreus como parte dessa multidão incontável. A selagem de todos esses santos está compreendida, e por isso não care ce de segunda menção. Aqui está um quadro da Igreja universal em seu mais pleno sentido cumprindo a palavra de Jesus: “E este evange lho do reino será pregado por todo o mundo como testemunho a todas as nações, e então virá o fim” (Mt 24.14). Isbon Beckwith formula a pergunta: “Quem, pois, na intenção do autor, são os 144.000 que estão para ser selados?” Sua resposta é que essas pessoas “são a totalidade do corpo da Igreja, judeus e gentios igualmente”.24Ele nota que esta observação se conforma com João, o escritor do Apocalipse, porque “faz menos violência ao espírito universalista do livro”. Aliás, João menciona os 144.000 uma vez mais em 14.1, onde os santos têm o nome do Cordeiro e do Pai escrito em suas frontes. Esses santos constituem os redimidos. Com os nomes divinos como selo em suas frontes, eles representam a multidão que ninguém pode enumerar. A seqüência das palavras nação, tribo, povo e língua ocorre sete vezes em várias ordens noA pocalipse(5.9;7.9; 10.11; 11.9; 13.7; 14.6; 17.15; ver o comentário sobre 5.9). Neste quadro, todos os santos es tão em pé diante do trono de Deus e do Cordeiro, isto é, diante de seu Criador e Redentor. c. Descrição. Os santos estão vestidos de branco, o que é um cum primento da promessa de Jesus à igreja em Sardes de que os fiéis seriam vestidos de branco (3.4, 5). A cor branca significa santidade. Igual mente as almas debaixo do altar estavam vestidas com roupas brancas (6.11; ver também 3.18; 4.4; 7.13). Aqui está uma cena do céu no trono de Deus e do Cordeiro. Os santos estão segurando ramos de palm eira em suas mãos como sinal de vitória. Dos quatro evangelistas, somente João nota que na entrada triunfal de Jesus, no Domingo de Ram os, o povo tomou ramos de palm eira para recebê-lo. A frase ramos de palm ei ra ocorre duas vezes no Novo Testamento, aqui e em João 12.13 (ver tam bém L evítico 23.40; 1 M acabeus 13.51; 2 M acabeus 24. Isbon T. Beckw ith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. Grand Rapids: Baker, 1979), p. 535 (sua ênfase). Ver também Charles, R evelation, 1.199-201.
A p o c a l ip s e 7.9-12
328
10.7).25A vitória pertence a Jesus Cristo, que venceu Satanás, a morte e o túmulo; a alegria pertence aos santos que celebram essa vitória.26Eles são eternamente gratos pela redenção que Cristo obteve para eles.
10. E clamavam com forte voz, dizendo: A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro. Os santos entoam no céu um cântico em uníssono, ainda quando procedem de muitas nações e falem diferentes idiomas. No céu a con fusão de Babel chegou ao fim e a linguagem dos santos é a mesma para todos. Como em outros lugares, João ouve os habitantes do céu falarem em alta voz; aqui, porém, com júbilo. Entoam um cântico no qual a palavra salvação recebe toda ênfase, em decorrência da obra de redenção consumada pelo Cordeiro. Os redimidos estão em pé diante do trono e diante do Cordeiro. Deus, que está sentado no trono, planejou a obra salvífica em prol de seu povo e comissionou seu Filho para iniciá-la, executá-la e completála. Com seu cântico, eles expressam o louvor e ações de graças a Deus e ao Cordeiro, o qual morreu e ressurgiu do túmulo e subiu ao céu para assumir seu lugar à destra de Deus. Entoam um cântico de vitória que se assemelha ao “Hosana” (Senhor, concede auxílio) que o povo ento ava quando Jesus entrou em Jerusalém (Mt 21.9). Enquanto o povo, cercando Jesus em sua entrada triunfal, rogava por salvação, os santos no céu o louvam por responder sua súplica. 11. E todos os anjos estavam em pé ao redor do trono, dos anciãos e das quatro criaturas viventes; e se prostraram sobre seus rostos, diante do trono, e adoraram a Deus, 12. dizendo: 25. J. A. Draper (“The H eavenly F e a stp f Tabernacles: Revelation 7 .1-17”, JSN T 19 [1983]: 133-47) sugere a possibilidade de que alguns grupos de cristãos guardavam a Festa dos Tabernáculos, os quais deram im pulso à sign ificação e scatológica ao A pocalipse. N ós, porém, não temos que inferir que os ramos de palmeira apontem para uma Festa dos Tabernáculos ou uma Festa da Dedicação celestial. “É inteiramente su ficien te... considerar os ramos de palmeira com o um sinal de alegria festiva” (Friedrich Düsterdieck, C riticai and E xegetical H andbook to the R evelation ofJohn [Nova York e Londres: Funk e W agnalls, 1886], p. 251). Ver também H. Ulfgard, Feast a n d Future: Revelation 7.9-17 and the F east o f Tabernacles, ConNT 22 (Stockholm: A lm qvist & W iksell, 1989). 26. Paul Ellingworth (“Salvation to O urG od” , BibTrans 34 [1983]: 4 4 4 ,4 4 5 ) assevera que a palavra grega sõtêria com unica a idéia veterotestamentária de “vitória” em A pocalipse 7.10; 12.10; 19.1, e deve ser traduzida dessa maneira.
329
A p o c a l ip s e 7.9-12
Amém! Louvor e glória e sabedoria e ações de graças e honra e poder e força sejam ao nosso Deus para todo o sempre. Amém! a. Construção. Uma multidão inumerável está entoando louvores de ações de graças a Deus e ao Cordeiro enquanto o restante dos seres celestiais se prostrava adorando a Deus diante de seu trono. A ordem é o reverso daquela dada no capítulo 5, onde a seqüência dos adoradores é esta: as quatro criaturas viventes, os anciãos, todos os anjos e, por último, “toda criatura no céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e todas as coisas neles” (5.13). Aqui a progressão é a multidão dos san tos, todos os anjos, os anciãos e os quatro seres viventes. O cântico de todos os anjos, dos anciãos e dos seres viventes (5.12) é quase o mesmo que o cantado aqui. Ali eles diziam: “Digno é o Cor deiro que foi morto de receber poder e riqueza e sabedoria e força e honra e glória e ações de graças.” Aqui eles cantam: “Amém! Louvor c glória e sabedoria e ações de graças e honra e poder e força sejam ao nosso Deus para todo o sempre. Amém!” À parte da seqüência, as diferenças são que, em vez de “riqueza”, o presente cântico tem “ações de graças” e o amém tanto no começo quanto no fim. Note que os dois cânticos têm exatam ente sete atributos cada um - o núm ero de completude. O cântico dos redimidos, no versículo 10, é o último cântico dedicado ao Cordeiro no Apocalipse, enquanto este hino é entoado em culto dedicado a Deus. b. Explanação. Os anjos pontuavam seu cântico do princípio ao fim com a palavra amém (assim seja!). A duplicação deste termo insi nua que seu hino foi entoado na forma de antífona em relação ao cântico dos santos. Todos os anjos afetuosamente expressam sua concordân cia com o cântico da multidão inumerável, porque se regozijam acerca de um pecador que se arrepende (Lc 15.10) e se inclinam para visualizar atentamente o mistério da salvação (IPe 1.12). A sétupla série de atributos não pretende ser exaustiva, porém fo caliza os louvores entoados pelos salmistas do Saltério. Eles cantam o poder, a força, o esplendor, a glória, a majestade, a riqueza e a honra de Deus (por exemplo, SI 24.8; 59.17; 62.11; 89.11; ver lC r 29.11). Todas essas virtudes pertencem a Deus, a quem os anjos adoram como “nos
A p o c a l ip s e 7.9-12
330
so Deus”. A ele expressam seus louvores e ações de graças para todo o sempre. Os atributos de louvor, glória, sabedoria, honra, poder e força ocorrem reiteradam ente no Novo Testamento, alguns deles com freqüência, por exemplo, o termo glória e poder.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 7.9 6K TTavTÒç €0vouç - “de cada nação.” Ainda que iravtóç seja singular, as palavras “tribos”, “povos” e “línguas” estão no plural e explicam as formas plurais do adjetivo (“todos”) mentalmente suprido. •rrepi.pep;ir||!évouç - o particípio passivo perfeito de um verbo composto, lite ralmente, “tendo sido envolto” [com mantos]”. O pretérito indica ação no passa do com significação permanente; a voz passiva mostra que Deus é o agente.
c. Uma Entrevista 7.13-17
13. E um dos anciãos me perguntou: Quem são essas pessoas que estão vestidas de branco - quem são e de onde vieram? 14. E eu lhe disse: Senhor, tu o sabes. E ele me disse: Esses são os que vieram da grande tribulação e lavaram suas roupas e as al vejaram no sangue do Cordeiro. a. Pergunta. Anteriormente, um ancião falara a João e lhe dissera que não chorasse, porque o leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, já triunfara (5.5). Agora, pela segunda vez, um deles se aproxima de João. O ancião pergunta de onde vieram os santos vestidos de branco. Essa inquirição não se destina a cumular conhecimento, mas a ensinar um fato. O elo entre os dois, que surge da instrução do ancião a João, é evidente: no primeiro exemplo, João temia que a redenção do povo de Deus não se cumprisse (ver 5.4). Agora, ao inquirir de João, o ancião aponta para a multidão incontável vestida de roupas brancas. Ele quer que João reconheça que o leão de Judá de fato já cumpriu as promes sas veterotestamentárias de salvação. O ancião é o representante da Igreja no céu, e quer que João veja a promessa e o cumprimento. Os santos de roupas brancas são na verdade as pessoas a quem o Cordei ro, com seu sangue, comprou para Deus (5.9). A cor branca denota santidade e pureza, pois o sangue do Cordeiro purificou os santos. Suas roupas são mais brancas que a neve (Dn 7.9).
331
A p o c a l ips e 7.13-17
“Quem são e de onde vieram?” Aqui está uma pergunta que per tence aos estrangeiros que ingressaram e necessitavam de identifica ção. Assim Josué formulou aos gibeonitas a mesma pergunta (Js 9.8; e comparar Jn 1.8). A pergunta e a resposta técnicas constituem um dos métodos de ensino mais antigos. Não é o estudante, mas o professor que faz uma indagação óbvia que requer uma réplica certeira. João deve saber a resposta, porque ele já testificou da abertura do quinto selo, quando os santos no céu receberam vestes brancas (6.11). b. Resposta. A resposta que João dá é breve, objetiva e suficiente. “E eu lhe disse: ‘Senhor, tu o sabes’” (comparar Ez 37.3). Com sua resposta sucinta, João denota que o ancião é aquele que deve fornecer a resposta, porque, como representante da Igreja, ele sabe exatamente quando e de onde os santos vieram. João deveria estar perplexo quan do observava a inumerável multidão celestial. Ele põe à carga de prova sobre seu inquiridor e o força a responder. Ele difere do ancião que tem a resposta à sua própria indagação. c. Identificação. “E ele me disse: ‘Estes são os que vieram da grande tribulação’.” Esta parte do texto é passível de interpretações que dependem da teologia e hermenêutica de um comentarista.27É im possível interpretar o livro do Apocalipse sem um a m etodologia exegética, pois ela afeta até mesmo a tradução, como é evidente neste versículo. A forma do verbo grego, erchomenoi, é um particípio pre sente (“aqueles que estão vindo”), mas é traduzido “vem” ( n a s b ) , “veio” ( k j v ) , o u “tem vindo” (N V l). A maioria dos estudiosos prefere o último, “tem vindo”, por causa do pretérito nos dois verbos seguintes, “lavaram suas vestes” e “as alvejaram”. Definem o tempo presente do particípio “vindo” como sem tempo, de modo que João é capaz de visualizar a multidão à parte da ação dos santos vindos do céu. O verbo tem vindo é vinculado à frase da grande tribulação. Alguns concluem que esta frase se refere ao tempo do fim, quando os crentes ex p erim en tarão o m artírio um pouco antes de C risto regressar.28O contexto, contudo, indica que a frase se relaciona com a multidão inumerável de todas as nações, tribos, povos e línguas (v. 9). 27. Comparar Johnson, R evelation, 12.488. 28. John F. Walvoord, The R evelation o f Jesus Christ (Chicago: M oody, 1966), p. 146; Thomas, Revelation 1 -7 , p. 497.
A p o c a l ip s e 7.13-17
332
Aqui está um quadro de todos os santos vestidos de traje branco em pé diante do trono e do Cordeiro. A expressão a grande tribulação inclui todos os cristãos que têm experimentado opressão e perseguição por toda parte ao longo da História. É uma expressão universal e coletiva que abarca todos os santos ao longo das eras. Estão incluídos todos quantos têm experimentado o ódio e oposição do maligno. As Escritu ras ensinam que o povo de Deus de todos os lugares e de todos os tempos se tem deparado, se depara e se deparará com perseguições, perigos e dificuldades até o fim dos tempos.29Os santos vetero-testamentários sofreram pela causa de seu Deus (ver Hb 11.4-38). Os cris tãos na Igreja prim itiva sofreram pelo nom e de Cristo; crentes incontáveis, no sexto e sétimo séculos, enfrentaram perseguição por sua fé; e hoje mais cristãos perdem suas vidas em perseguições do que em qualquer outro tempo. Todos esses santos têm atravessado grande tribulação. João apresenta um quadro total da multidão celestial vestida com trajes brancos. No Antigo Testamento, uma profecia fala de um tempo futuro “de angústia tal como nunca aconteceu desde o princípio das nações até então” (Dn 12.1). Esta profecia se cumpriu no tempo de Antíoco Epífânio que profanou o templo em Jerusalém e introduziu “a abomina ção que causa desolação”, em 167 a.C. (Dn 9.27; 11.31; 12.11). O que Daniel predisse foi plenamente concretizado (1 Macabeus 9.27). Não obstante, sua profecia também se relaciona com outros tempos difíceis. Jesus citou a profecia de Daniel em “a abominação que causa de solação” (Mt 24.15) e a aplicou à destruição de Jerusalém em 70 d.C. Nesse mesmo contexto, referindo-se à fuga de seus habitantes no in verno ou no sábado, ele disse: “Pois então haverá grande angústia como nunca desde o princípio do mundo até agora - e nunca terá outra igual” (Mt 24.21, e ver passagens paralelas). A profecia de Jesus veio a lume quarenta anos depois, quando Jerusalém foi tomada, seu povo foi morto ou exilado, e sua destruição veio a ser proverbial. Ainda que ninguém duvide da severidade da ruína de Jerusalém e dizimação de seus habi tantes, esta profecia também compreende “todo o período que começa com a devastação em 70 d.C. e prosseguindo até o regresso de Cris29. Referência a Van de Kamp, Israel in Openbaring, p. 144; Greijdanus, Openbaring, p. 175. Beale (Revelation, p. 434) observa que a “’grandeza’ da tribulação é a intensidade da sedução e opressão pelas quais os crentes passam”.
333
A po c a l ip s e 7.13-17
to”.30 É como contemplar os picos dos montes, um atrás do outro, em uma paisagem montanhosa; o primeiro é alto, porém o segundo mais alto ainda. d. Simbolismo. João escreve que esses santos “lavaram suas rou pas e as alvejaram no sangue do Cordeiro” . Disse Deus aos israelitas no M onte Sinai que lavassem suas roupas antes de comparecerem diante dele (Êx 19.10, 14). Apresentar-se diante de Deus com roupas sujas lhe é uma abominação. O ancião que se dirige a João fala sim bolicamente não dos israelitas na terra, mas dos santos no céu que aparecem de traje branco (vs. 9, 13). Esses santos lavaram suas rou pas e as alvejaram, não como dois atos separados, mas como um procedimento único. Note que os santos debaixo do altar receberam trajes brancos (6.11), enquanto aqui as alvejaram. Quando os pecadores confessam seus pecados, Deus perdoa seu povo, fazendo-o puro. Purificam suas rou pas, não através do sangue de seu próprio martírio, mas através do sangue do Cordeiro. Tornar roupas brancas, isto é, puras e santas, só pode ser feito sem exceção através do sangue de Cristo derramado na cru/, do Calvário. É seu sangue que remove as impurezas do pecado. “Sem derramamento de sangue não há perdão [de pecado]” (Hb 9.22). Só podemos interpretar esta passagem em termos simbólicos, porque é impossível imaginar tomar sangue vermelho para alvejar roupas (com parar Gn 49.11). O precioso sangue de Cristo figuradamente purifica os pecadores de todo pecado para apresentá-los a Deus santos e imacu lados (Ef 5.26, 27; lJo 1.7). Os três versículos seguintes parecem ser um hino entoado em adora ção a Deus. É um quadro de bênção celestial com os santos servindo a Deus continuamente, livres dos males e dores terrenos. E um quadro do Pastor guiando e alimentando suas ovelhas, uma ilustração de alegria e felicidade eterna. Por essa razão, os editores e tradutores têm apresenta do o texto em forma poética (por exemplo, Nes-Al27, UBS4, n v i , NR SV).
15. Portanto, estão diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite em seu tempio, e aquele que está sentado no trono estenderá sobre eles seu tabernáculo. 30. Craig L. Blomberg, Matthew, NAC 22 (Nashville: Broadman, 1992), p. 359.
A p o c a l ip s e 7.13-17
334
16. E jamais terão fome e nunca mais terão sede nem o sol os afligirá nem qualquer calor abrasador. a. “Portanto, estão diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite em seu templo.” Este relato da bênção celestial é reiterado no último capítulo do Apocalipse: “E o trono de Deus e do Cordeiro estará nela, seus servos o servirão” (22.3). A cena é descrita de forma seme lhante em 21.3, 4, onde uma voz procedente do trono chama a atenção para Deus habitando com seu povo para ser seu Deus; ele cuida deles removendo deles a morte, a tristeza, o pranto e a dor. A sentença “dian te do trono de Deus” denota que os santos têm acesso direto àquele que ocupa esse trono. Sua relação com Deus é a mesma que aquela que existia no Jardim do Éden, onde Deus andava e falava com Adão e Eva. Especialmente significativo é o serviço contínuo que o povo de Deus presta em sua presença. A palavra templo se refere não à estrutura de um edifício, mas, ao contrário, ao Santo dos Santos, o qual é o lugar onde Deus habita. Alguns comentaristas vêem certo conflito neste versículo com Apocalipse 21.22, onde se lê que a nova Jerusalém não possui templo.31João, porém, explica que “o Senhor Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro são seu templo”, o que significa que, em virtude da permeadora presença de Deus e do Cordeiro, a nova Jerusalém é em si mesma um santuário. Daí, estar na presença de Deus diante de seu trono e servindo-o incessantemente pode-se comparar ao papel exerci do pelo sumo sacerdote. Uma vez por ano, o sumo sacerdote entrava na sacra presença de Deus, momentaneamente, no Dia da Expiação, porém os santos habitam na presença de Deus, não durante poucos minutos, mas para sempre. NSo recebem a aspersão do sangue de um novilho ou um cabrito para serem purificados do pecado, pois têm mais pecado. E não mais fazem petição a Deus pela remissão de pecado, pois estão purificados. Assim o servem continuamente louvando-o e rendendo-lhe graças (22.3). Os santos no céu não conhecem divisão de dia e noite; João observa: “E ali não haverá noite” (22.5).
31. Charles (Revelation, 1215) declara: “Na forma original da visão, 7.9-17 ...provavel mente a frase kv tcô v a u caitoO estava ausente.” Sem evidência manuscrítica, porém, sua observação tem perdido sua força.
335
A p o c a l ip s e 7.13-17
b. “E aquele que está sentado no trono estenderá sobre eles seu tabernáculo.” Esta sentença aparenta ser uma descrição poética de Deus protegendo seu povo. Aquele que está sentado no trono é a frase usada para descrever Deus,32e a sentença ele estenderá sobre eles seu tabernáculo é teologicamente significativa. Aqui está a divi na promessa de que Deus outorga segurança a seu povo com sua pre sença pessoal. Esta é uma doutrina que permeia a Escritura de Levítico ao Apocalipse: o desejo de Deus é habitar com seu povo e que eles o reconheçam como o seu Deus. Note a reiterada fraseologia desse de sejo nas seguintes passagens: • “Estabelecerei minha habitação entre vocês, e não os rejeitarei. Andarei entre vocês e serei o seu Deus, e vocês serão o meu povo” (Lv 26.11,12). • “Farei uma aliança de paz com eles; será uma aliança eterna. Eu os firmarei e os multiplicarei, e porei meu santuário no meio de les para sempre. Minha morada estará com eles; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Ez 37.26, 27). • “ Eu os trarei de volta para que habitem em Jerusalém ; serão o meu povo e eu serei o seu Deus, com fidelidade e justiça” (Zc 8.8). • “Vi a Cidade Santa, a nova Jerusalém, que descia dos céus, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para seu marido. Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele vive rá. Eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles e será o seu Deus” (Ap 21.2, 3). Esta é uma linguagem pactuai que expressa o desejo de Deus por uma comunhão íntima com seu povo, habitando com eles no mesmo santuário. No Jardim do Éden, Deus tinha comunhão com Adão e Eva. Embora o pecado tenha interrompido tal relação, Cristo Jesus a restau rou através de sua obra medianeira. O pleno cumprimento se concreti zará na renovação da criação divina.33 32. A pocalipse 5.1, 7, 13; 6.16; 7.10, 15; 19.4; 20.11; 21.5. 33. Referência a Philip Edgcumbe H ughes, The Book o f the R evelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 99.
336
A p o c a l ip s e 7.13-17
17. Porque o Cordeiro que está no centro do trono os apascentará, e os guiará às fontes de água viva, e Deus enxugará de seus olhos toda lágrima. A mente de João está fixa nas Escrituras veterotestamentárias, particularmente numa passagem que fala da restauração do povo de Deus. “Não terão fome nem sede; o calor do deserto e o sol não os atingirão. Aquele que tem compaixão deles os guiará e os conduzirá para as fontes de água” (Is 49.10; comparar 4.5, 6). O povo de Deus experimentou a privação de alimento e água quando atravessou os de sertos que faziam fronteira com sua terra. Esta passagem veterotestamentária se refere ao regresso do cativei ro babilónico para a terra de Israel. Deus disse a seu povo que não ex perimentariam fome nem sede. Ele os supriria em suas necessidades bá sicas para a vida amenizando sua fome e estancando sua sede em oásis. Ali ele os protegeria do calor do sol e do escaldante vento do deserto. Além do mais, esta passagem, extraída de uma capítulo que des creve o Servo do Senhor, isto é, o Messias, prediz a restauração de Israel (Is 49). O Messias sustentará o povo de Deus com bênçãos espirituais e materiais nesta vida e na vida vindoura. Aqui está uma descrição do sustento e conforto de todos os santos que puserem sua confiança em Deus. Jesus diz: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt 5.6). a. “Porque o Cordeiro os apascentará no centro do trono.” O Cor deiro de Deus que foi morto com o fim de redimir seu povo está em pé no centro, o ponto mediano do trono de Deus. Ele está entre Deus, assentado no trono, e os qu^tfo seres viventes. Nenhum ser está mais perto do próprio Deus do que o Cordeiro, a quem agora é dada a função de Pastor. Essa mudança de função, como tantas no Apocalipse, deve ser entendida simbolicamente. Pedro medita sobre o conceito do Cor deiro sacrificial quando cita Isaías 53.9: “Ele não cometeu pecado al gum, e nenhum engano se achou em sua boca” (IPe 2.22). Então nota que as feridas do Cordeiro curaram seus leitores. “Pois vocês eram como ovelhas desgarradas, mas agora se converteram ao Pastor e Bis po de suas almas” (IPe 2.25). Durante seu ministério terreno, Jesus se revelou como o Pastor de seu povo. Ele chamou a si mesmo de o Bom Pastor, e instruiu Pedro
337
A p o c a l ip s e 7.13-17
para pastorear suas ovelhas (Jo 10.11, 14; 21.16). E, por sua vez, Pedro chama Jesus de o Supremo Pastor, enquanto ele os colegas anciãos o servem como pastores do rebanho de Deus (IPe 5.1-4).34Esses perfis são extraídos do Israel agrícola. Assim Davi compôs o Salmo 23 e o profeta Ezequiel transmitiu a palavra de Deus a seu povo: “Porei sobre eles um pastor, meu servo Davi, e ele os guiará; os guiará e será seu pastor” (Ez 34.23). Jesus, o Bom Pastor, protege suas ovelhas do peri go e da destruição, as guia às pastagens verdejantes e encontra para elas correntes de água refrescante. b. “E ele os guiará às fontes de água viva.” O Cordeiro que agora é Pastor guia suas ovelhas às fontes de água viva. A imagem é uma clara lembrança da mulher samaritana que pediu a Jesus água viva para que não mais tivesse sede e não precisasse voltar ao poço de Jacó (Jo 4.15). Água simboliza vida eterna (Is 55.1; Jo 7.38,39). Já quase no final do Apocalipse, Jesus fala de si mesmo como o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Então oferece a todos os que têm sede que bebam livremente da fonte da água da vida (21.6; 22.17). c. “E Deus enxugará de seus olhos toda lágrima.” Se há um texto na Escritura que conforta os santos, ele é este versículo. Aqui nos depa ramos com a infinita ternura de nosso Deus que é capaz de remover de nossos olhos toda lágrima causada pelo sofrimento, morte e tristeza. João uma vez mais extrai uma citação do Antigo Testamento, onde Deus está dizendo a seu povo que ele tragará a morte para sempre e enxugará as lágrimas de todos os rostos (Is 25.8; ver Jr 31.16). E na visão que João teve da Nova Jerusalém, Deus habita com seu povo e, como seu Deus, enxuga de seus olhos toda lágrima. “Não mais haverá morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque a antiga ordem de coisas já passou” (Ap 21.4). Esta é uma bem-aventurança eterna que só pode ser descrita em quadros emprestados desta cena terrena Deus abençoando como uma mãe que enxuga as lágrimas dos rostos de seus filhinhos. A última linha deste versículo é um quadro de alegria e felicidade, de livramento do pecado e da culpa, de salvação plena e gratuita. É uma cena de vida no mais pleno sentido do termo - estar para sempre 34. Com o rebanho de Deus, os cristãos possuem pastores espirituais. Referência a M ateus 26.31; Marcos 14.27; A tos 20.28; 1 Pedro 5.2; 1 Clemente 16.2; 44.3; 54.2; 57.2. Ver Joachim Jeremias, TDNT, 6.500-502; Aune, R evelation 6 -1 6 , p. 478.
A p o c a l ip s e 7.13-17
338
na presença de nosso Deus da aliança, que habita no meio dos santos glorificados. E o Paraíso restaurado.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 7.14-17 Versículo 14
elpriKct - o tempo perfeito, em vez do aoristo perfeito, que é o “perfeito vívido, dramático, na narrativa”.35 ol èpxó(iÉVOi - alguns intérpretes vêem o particípio articular como um substantivo, “os que chegam”, para eliminar uma referência ao tempo.36 Versículo 15
O grego do Novo Testamento tem duas palavras para o verbo se rvir : que denota o serviço geral de todas as pessoas, e Àf it o u p v e li', que significa serviço em um ofício particular tal como o sacerdócio.37Aqui o tempo presente de X aT p eú o u oiv indica que todos os santos no céu servem a Deus e que o sacerdócio como tal chegou ao fim. A família de À eL T O u p yeív com subs tantivos e adjetivo está ausente do Apocalipse. ÀctTpeúeiv,
Versículo 16
iréoi] èuí - Swete prefere a redação ttcuot] e n (embates contínuos) como “uma conjetura atrativa”.38Mas, a menos que uma redação não faça sentido algum, recorrer ao uso de uma conjectura não é algo recomendável. Neste caso, o texto tem uma mensagem.
35. Lenski, R evelation , p. 260; Robertson, G ram m ar, p. 902; Friedrich B lass e Albert Debrunner, A G reek G ram m ar o f the N ew Testament, trad, e rev. Robert Funk (Chicago: University o f Chicago Press, 1961), § 343.1. 36. Por exem plo, Beckw ith, A pocalypse, p. 545. 37. Consultar Richard C. Trench, Synonyms o f the N ew Testament, org. Robert G Hoerber (Grand Rapids: Baker, 1989), pp. 137-39. 38. R evelation, p. 105.
E sboço (continuação) 8. O Sétimo Selo: O Julgamento dos Incrédulos (8.1) IV. Visão 3: Sete Trombetas (8.2-11.19) A. Introdução (8.2-5) B. Sete Anjos Tocando Trombetas (8.6-11.19) 1. A Primeira Trombeta (8.6, 7) 2. A Segunda Trombeta (8.8, 9) 3. A Terceira Trombeta (8.10, 11) 4. A Quarta Trombeta (8.12) 5. A Quinta Trombeta (8.13)
C a p ít u l o
8
O S é t im o S e l o e a s P r im e ir a s Q u a t r o T r o m b e ta s (A p o c a lip s e
8.1-13)
1 E quando ele abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu por cerca de meia hora. 2 E vi sete anjos que se achavam em pé diante de Deus, e lhes foram dadas sete trombetas. 3 E veio outro anjo e se pôs junto ao altar. Ele tinha um incensário de ouro e lhe foi dado muito incenso para oferecê-lo com as ora ções de todos os santos no altar de ouro que está diante do trono. 4 E da mão do anjo subiu diante de Deus a fumaça do incenso com as orações dos santos. 5 E o anjo tomou o incensário e o encheu com fogo do altar e o lançou sobre a terra. E houve estrondos de trovões, luzes de relâmpagos e um terremoto. 6 E os sete anjos que seguravam as sete trombetas se prepararam para tocá-las. 7 E o primeiro anjo tocou a trombeta, e granizo e fogo misturado com sangue foram lançados sobre a terra. E um terço da terra foi queimado, e um terço das árvores foi queimado, e toda a erva verde foi queimada. 8 E o segundo anjo tocou a trombeta. E algo como um enorme monte em chamas foi lançado ao mar, e um terço do mar se converteu em sangue. 9 E um terço das criaturas marítimas morreu, e um terço das embarcações foi destruído. 10 E o segundo anjo tocou a trombeta. E uma grande estrela caiu do firmamento, ardente como uma tocha, e caiu sobre uma terça parte dos rios e sobre as fontes de água. 11 E o nome da estrela era Absinto, e uma terça parte das águas se converteu em absinto, e muitas pessoas morreram por causa das águas que se tornaram amargas. 12 E o quarto anjo tocou a trombeta. E uma terça parte do sol, uma terça parte da lua e uma terça parte das estrelas escureceu, de modo que uma terça parte deles ficou escura, bem como uma terça parte do dia, e também uma terça parte da noite. 13 E vi, e ouvi uma águia voando pelo meio do céu, dizendo em alta voz: Ai, ai, ai dos habitantes da terra, por causa da trombeta que está para ser tocada pelos outros três anjos.
8
341
A p o c a l ip s e 8.1
8. O Sétimo Anjo: O Julgamento dos Incrédulos
8.1 1. E quando ele abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu por cerca de meia hora. O sétimo selo segue o sexto, e é separado pelo interlúdio do capítu lo 7. Os dois selos têm um propósito comum, a saber: a descrição de Deus julgando os incrédulos. Note que a seqüência dos primeiros qua tro selos descreve os cavalos e seus cavaleiros. O quinto selo revela as almas debaixo do altar solicitando que Deus vingue seu sangue derra mado. E o sexto selo descreve os ímpios rogando aos montes e às ro chas que os cubram da ira de Deus e do Cordeiro. O sétimo selo é uma continuação do sexto selo, porém agora surge um período de silêncio “ou precedendo ou seguindo o juízo final” .! Ao longo do Apocalipse, João contrasta a bem-aventurança dos santos no céu e o horror dos ímpios quando a ira de Deus os golpeia. Este contraste é evidente na segunda metade do capítulo precedente, descrevendo a sorte dos redimidos (7.9-17), e nos versículos que reve lam a sorte dos inimigos de Deus no Dia do Juízo (6.12-17). “Entretanto, a abertura do sétimo selo não pode seguir o sexto em seqüência cronológica, porque o conteúdo desse selo descreveu o dia final da ira (6.12-17).”2A mensagem de ambos os selos se relaciona com o mesmo evento, a saber: o julgamento dos ímpios. A estrutura do Apocalipse mostra uma ênfase sempre crescente em forma de espiral sobre o juízo vindouro. João descreve os ímpios enfren tando seu fim quando se vêem frente a frente com a ira de Deus (6.17). Então, no interlúdio do capítulo 7, ele descreve a selagem dos 144.000 que, triunfando sobre sua tribulação, entram na presença de Deus. O ca pítulo 8 começa com um período de silêncio no céu que inspira reverên cia com referência a Deus e seus inimigos. Deus ouve as orações dos santos que sobem, e castiga os ímpios. Este tema, ocorrendo com tanta 1. Gregory K. Beale, The Book ofR evelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapidss: Eerdmans, 1998), p. 448 (ênfase dele). 2. G eoffrey B. W ilson, Revelation (W elwyn, Inglaterra: Evangelical Press, 1985), p. 77; ver também R. C. H. Lenski (The Interpretation ofSt. John ’s Revelation [Columbus: Wartburg, 1943], p. 267), que escreve: “O que o sétim o selo encobre não pode seguir cronologicamente o que o sexto selo revela”. Ver também Gerhard A. Krodel, Revelation, A C N T (M inneapolis: Augsburg, 1989), pp. 189, 190.
A p o c a l ip s e 8.1
342
freqüência, comunica uma estrutura telescópica ao Apocalipse. O tema repetitivo do Dia do Juízo aparece no final de cada ciclo das sete igrejas, dos sete selos, das sete trombetas e das sete pragas. “A unidade do livro de João, pois, não é cronológica nem aritméti ca, mas artística, como a de um tema musical com variações, cada vari ação adicionando algo novo à significação da composição como um todo. Este é o único ponto de vista que faz justiça adequada ao duplo fato de que cada nova série de visões ao mesmo tempo recapitula e desenvolve os temas já declarados que seguem adiante.”3 E, terminando, o cenário do céu em silêncio na presença de Deus procede dos profetas veterotestamentários (Hc 2.20; Zc 2.13). Esse si lêncio expresso em termos humanos de tempo cósmico, “meia hora”, não representa um vácuo, e, sim, o tempo do derramamento da ira de Deus. As referências de tempo que João menciona têm pouca relevân cia no Apocalipse, porque não é um tempo cronológico, porém o prin cípio permanente de tempo é significativo. O silêncio observado no céu é uma calmaria terrificante enquanto Deus executa justiça.
IV. Visão 3: As Sete Trombetas 8.2-11.19 As sete trombetas são distribuídas em três capítulos: o capítulo 8 destaca quatro trombetas; o capítulo 9, duas; e a sétima trombeta não é introduzida antes do capítulo 11.15. Como o sétimo selo entra em cena depois de um interlúdio (7.1-7), assim a sétima trombeta está separada das trombetas precedentes por uma intermissão que revela os tópicos do anjo com um pequeno rolo e as duas testemunhas (10.1-11.13). A abertura do sétimo selo-introduz uma série de pragas que nova mente termina com uma mensagem de juízo. Os adversários que que riam destruir a criação divina agora encaram sua própria destruição, pois o tempo de seu julgamento chegou (11.18).4Com cada ciclo de catástrofes no Apocalipse, João provê mais informação e melhor com preensão do drama final que se desvenda na consumação. 3. G. B. Caird, A C om m entary on the R evelation o f St. John the D ivine (Londres: Black, 1966), p. 106. 4. Consultar Martin Kiddle, The R evelation o f St. John (reimp. em Londres: Hodder e Stoughton, 1943), pp. 144, 145.
343
A p o c a l ip s e 8
Na seqüência dos sete anjos que tocam suas trombetas, os capítulos 8 e 9 formam uma unidade, enquanto o capítulo 10 e a primeira metade do 11 são um interlúdio. Não obstante, o interlúdio m ostra certo paralelismo com os capítulos 8 e 9 .0 ecoar dos sete trovões corresponde ao ato dos sete anjos tocando suas trombetas (8.6 e 10.3,4); vomita-se fogo para devorar os inimigos de Deus (9.17, 18 e 11.5); água se con verte em sangue (8.8 e 11.6); e o primeiro e o segundo ais são seguidos pelo terceiro (8.13; 9.12; 11.14). O quadro repetitivo em 8.2, através de 11.14, é o de juízo pendente sobre os incrédulos. Isso se torna evidente na trombeta que os anjos tocam e no apelo que os ais reiteram (8.13; 9.12; e 11.14). Quando as pragas golpeiam o mundo e seus habitantes perversos, vemos a execu ção divina em resposta às orações dos santos (8.4,5). Devido ao fato de os incrédulos se recusarem a arrepender-se, Deus os golpeia para que pratiquem furtos e homicídios, envolvam-se em artes mágicas e se en treguem à imoralidade sexual (9.21; 11.7-10). Incidentemente, visto que o Apocalipse convoca as pessoas ao arrependimento, os santos obe decem, enquanto que os pecadores endurecem seus corações e se recu sam a arrepender-se (9.21; 16.9, 11). Há um paralelo na abertura dos selos em 6.1-16 e as pragas descri tas em 8.6-9.21: ambos, a abertura dos selos e o soar das trombetas, revelam catástrofes. Mas as calamidades conectadas aos sete selos pa vimentam o caminho para o cavaleiro que cavalga o cavalo branco, o que tenho interpretado como ininterrupto avanço da Palavra de Deus sobre a face da terra (ver o comentário sobre 6.2).5Quando as trombe tas são tangidas, a ira de Deus é derramada sobre os ímpios que têm demonstrado seu ódio por ele, por sua Palavra e por seu povo. A convo cação das sete trombetas está distribuída entre as quatro primeiras, as quais afetam o mundo natural, seguidas das duas seguintes (a quinta e a sexta trombetas), as quais fazem dano e matam os habitantes da terra. A sétima trombeta introduz a consumação da ira de Deus. Aliás, “os juízos das trombetas aumentam em intensidade enquanto avançam”.6 5. Referência a S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, K NT (A m s terdã: Van Bottenburg, 1925), p. 179. Ver também E. Cuvillier, “Jugement et destruction du monde dans 1’A pocalypse de Jean: N otes exégétiques sur Ap 8, 9 et Ap 15, 16”, FoiVíe 91 (1992): 53-67. 6. Jon P au lien , D e c o d in g R e v e la tio n ’s T rum pets: L ite r a r y A llu sio n s a n d the Interpretation
A p o c a l ip s e 8.2-5
344
O capítulo 6 alinha os selos que introduzem a perseguição dos san tos; o capítulo 7 descreve os santos protegidos de todo mal em razão de terem sido selados; e os capítulos 8 e 9 põem em cena o soar das trom betas do juízo que vaticinam a destruição dos ímpios. Note que o soar das trombetas constitui sinais de advertência para as pessoas que se opõem a Deus. Quando se recusam a dar ouvidos, então as taças da ira são derramadas sobre eles. “A função das trombetas é propriamente avisar.”7Os avisos apontam preliminarmente para sua ruína pendente. A .. Introdução
8.2-5 O Cordeiro abriu os sete selos; os anjos, porém, tocam as trombe tas. A ênfase, pois, recai sobre a tarefa dos anjos a quem, embora não mencionados nominalmente, são dadas responsabilidades específicas. Não servem como mediadores entre Deus e os seres humanos; sua tare fa é servir (comparar Hb 1.14) e permanecer na presença de Deus. Não se deve passar por alto o contraste sutil do versículo 2 e os versículos 3-5. Aos sete anjos são dadas sete trombetas, com as quais eles anunciam a destruição iminente, enquanto outro anjo mistura in censo no altar com as orações dos santos e as apresenta a Deus. Esta seção do capítulo 8, pois, é tanto implicativa quanto introdutória ao restante deste capítulo e do próximo.
2. E vi sete anjos que se achavam em pé diante de Deus, e lhes foram dadas sete trombetas. 3 E veio outro anjo e se pôs junto ao altar. Ele tinha um incensário de ouro e lhe foi dado incenso para oferecê-lo com as orações de todos os santos no altar de ouro que está diante do trono. 4. E da mão do anjo subiu diante de Deus a fumaça do incenso com as orações dos santos.8 ofR evelation 8.7-12, A U SD D S 11 (Berrien Springs, Mich.: Andrews University Press, 1987), p. 325. 7. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors (reprint, Grand Rapids: Baker, 1982), p. 116. Comparar também W illiam Barclay ( The R evelation ofJohn, 2a ed. [Filadélfia: Westminster, 1960], 2.52), o qual observa que uma trombeta tangida denota (1) alerta; (2) a chegada do séquito real; e (3) convoca para a batalha. Evidentemente, tocar a trombeta, aqui, equivale a um aviso de algum perigo em mente. 8. R. H. Charles (A C riticai and Exegetical Com mentary on the Revelation o f St. John, ICC [Edimburgo: Clark, 1920], 1.218; 2.407-9) reorganiza o texto, colocando o versículo 2 depois do versículo 5, e o versículo 13 depois do versículo 6. Conseqüentemente,
345
A p o c a l ip s e 8.2-5
a. “E vi sete anjos que se achavam em pé diante de Deus, e lhes foram dadas sete trombetas.” A Escritura só registra dois nomes de ar canjos: Miguel (Dn 10.13, 21; 12.1; Jd 9; Ap 12.7) e Gabriel (Lc 1.19, 26). Outros nomes tradicionais são Uriel, Raguel, Sariel e Remiel. Note que todos os sete nomes desses arcanjos terminam em -el, o que os relaciona com Deus, que é Elohim. Além disso, o conceito de “os sete anjos santos que apresentam as orações dos santos e entram na presença da glória do Santíssimo” é proveniente de Tobias 12.15 ( r s v ) , o qual cataloga Rafael como sendo um deles.9Esses sete anjos recebem trom betas (comparar Mt 24.31) e as tangem para introduzir o juízo inicial de Deus sobre seus adversários. Seu juízo final chega quando se põem diante do grande trono branco (20.11-15). A expressão “sete anjos” re aparece no contexto das sete pragas. Ainda quando pudéssemos presu mir que são o mesmo grupo de sete, não temos certeza porque anjos incontáveis cercam o trono de Deus. Isso é evidente à luz de outras passagens (v. 3; 7.2; 10.1; 18.1; 20.1). Além disso, o número sete trans mite a idéia de completude e não precisa ser tomado literalmente. b. “E outro anjo veio e se pôs em pé junto ao altar.” João deseja mostrar ao leitor outra evolução que está acontecendo junto ao altar. Daí, a mudança de cena não indica delonga no tocar das trombetas, mas para revelar no parágrafo interveniente o efeito que as orações dos san tos têm no decurso da História. O enfoque está num anjo e no altar. Não temos a menor informação sobre a identidade desse anjo. Se o próprio texto não é explícito, não devemos ver nele a identidade do Senhor Jesus Cristo. O contexto não indica que João está falando do Senhor, ainda que alguns vejam o incenso como uma referência simbó lica a Jesus Cristo, que serve aos santos como seu intercessor no céu (Rm 8.34; Hb 7.25; 9.24).10A multidão de anjos é tão imensa que este quando o novo arranjo não se adequa bem, ele rotula o texto com o sendo “infelizm ente corrompido”. Barclay também (Revelation o f John, 2.48) segue Charles, colocando o versículo 2 depois do versículo 6, e denomina a presente seqüência “um equívoco de copista”. 9. 1 Enoque 20.2-8; 90.21, 22 menciona sete nomes e os chama arcanjos. Consultar Henry Barclay Sw ete, Com m entary on R evelation (1911; reimp. em Grand Rapids: K regel, 1977), p. 107. Ver também Charles, R evelation , 1.225; D avid E. A une, R evelation 6 -1 6 , W BC 52B (Nashville: N elson, 1998), p. 509; e K endell H. Easley, R evelation, HNTC (Nashville: Broadman & Holman, 1998), p. 142. 10. Ver Philip Edgcumbe Hughes, The Book o f the Revelation: A Com mentary (Leicester:
A p o c a l ip s e 8.2-5
346
anjo é apenas um deles. Por exemplo, a expressão outro anjo ocorre em outros lugares (10.1; 18.1); e o adjetivo outro se destina a alertar o leitor para o poderoso anjo que proclamou o apelo para a quebra dos selos do rolo e para sua abertura (5.2). O anjo, não obstante, é apenas um servo cuja função é junto ao altar de incenso; ele não é um media dor e não pretende assumir o lugar de Jesus. O altar do incenso, no tabernáculo, era uma cópia daquele existente no céu.11Esse altar era santíssimo para o Senhor Deus, porque em seus chifres, uma vez ao ano, o sumo sacerdote fazia expiação com o sangue da oferta pelo pecado (Êx 30.10). Com seu sacrifício na cruz, Jesus satisfez a necessidade de expiação uma vez para sempre. Por esse meio ele removeu os pecados de seu povo (Hb 9.28), e aperfeiçoou seu povo e suas orações. c. “ [O anjo] tinha um incensário de ouro e lhe foi dado muito in censo para que fosse oferecido com as orações de todos os santos no altar de ouro fronteiro ao trono.” Incensário é um recipiente onde se deita incenso, o qual às vezes era feito de uma resina aromática da madeira de olíbano. Esse incenso era queimado para que a fumaça permeasse a área com seu fragrante aroma. Presumivelmente, Deus deu ao anjo um abundante suprimento de incenso. A multidão de orações expressa por todos os santos sobre a terra tinha de ser misturada com essa fragrância de aroma suave (comparar 5.8). Em virtude de nossa natureza pecaminosa, as orações humanas são incompletas e manchadas. Por essa razão, devemos ser apresentados com a fragrância do incenso para que sejam aceitas diante de Deus. Todas as nossas orações revelam deficiência, estão misturadas com egoísmo e formalismo, e atraem seus principais difamadores. Todas as nossas súplicas e expressões de gratidão necessitam ser santificadas e aperfeiçoadas para termos acesso à presença de Deus. Em um de seus salmos, Davi ora assim: “Seja como incenso diante de ti, e o erguer de minhas mãos como a oferenda vespertina” (SI 141.2). A apresentação de todas as orações dos santos demonstra unidade, harmonia e força. Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 104. Entretanto, B eale (R evelation, p. 454) identifica o anjo com “o anjo da presença (com o em Is 63.9; Jubileus 1.29) ou ainda o próprio Cristo”. Cristo, porém, que criou o universo, também criou os anjos que o adoram (Hb 1.2, 6). N o N ovo Testamento, ele não aparece com o um anjo. 11. Êxodo 30.1-10; Hebreus 8.5; e comparar Apocalipse 9.13; 11.1; 14.18; 16.7.
347
A p o c a l ip s e 8.2-5
“A oração do justo é poderosa e eficaz” (Tg 5.16). Essas orações unificadas sobem perante o trono, uma referência simbólica a Deus. Este texto menciona duas vezes o termo ouro para descrever o incensário e o altar. O ouro é uma alusão da perfeição celestial (ver, por exemplo, 21.18,21). Neste contexto, as orações dos santos são aperfeiçoadas e a resposta aos santos é, por sua vez, estarrecedora. Por exemplo, a oração de Elias influenciou a atmosfera de uma forma tal que a seca cedeu lugar à chuva (lR s 18.42-45). d. “E a fumaça do incenso, com as orações dos santos, subiu da mão do anjo diante de Deus.” As imperfeições que permeavam as ora ções dos santos foram removidas, simbolicamente, através de perfumosa fumaça, para que suas intercessões, petições e louvores subissem ao trono de Deus. Toda vez que oramos, tal exercício por si só parece muito simples. Não obstante, todo aquele que se engaja no exercício da oração sabe que orar demanda concentração e labor árduo. Quando nossas orações sobem, elas são postas diante de um altar. Então um anjo toma as nossas súplicas, coloca-as em um incensário e as apresen ta a Deus. Uma vez mais digo, o anjo, nesse processo, não é um m edi ador, mas apenas um servo. Jesus Cristo, como intercessor, aperfeiçoa nossas orações e petições (Rm 8.34).
5. E o anjo tomou o incensário e o encheu com fogo do altar e o lançou sobre a terra. E houve estrondos de trovões, luzes de relâm pagos e um terremoto. Fazendo uma leitura superficial deste versículo, ficamos perple xos e não compreendemos o fluxo do pensamento. Quando o anjo apre senta nossas orações a Deus, somos capazes de dominar o sentido des sa ação porque compreendemos as imperfeições das orações e petições humanas. Mas quando esse mesmo anjo toma fogo do altar do incenso, põe-no no incensário e o lança na terra, não conseguimos perceber a conexão. Temos que discernir a seqüência de causa e efeito. O que lemos neste versículo é uma conseqüência do versículo anterior. Ou seja, Deus tem ouvido as orações dos santos e, em resposta, está enviando juízo na forma de castigo sobre os habitantes do mundo, a todos em seu determinado tempo. Deus levou a sério o clamor dos santos que estão ao pé do altar (6.9, 10). Ele instrui o anjo a tomar fogo daquele altar, encher o incensário e a lançar fogo sobre a terra, onde ele causa morte
A p o c a l ip s e 8.2-5
348
e destruição. Aqui está o cumprimento da palavra de juízo pronunciada por Jesus: “Eu vim trazer fogo à terra, e gostaria que ele já estivesse ardendo” (Lc 12.49). “A palavra de Jesus ... parece, no contexto onde se encontra agora, referir-se ao fogo da discórdia (ver vs. 51-53).” 12A conseqüência dessa ação deve servir de advertência para os ímpios de que os tormentos que seguem o tanger das trombetas são apenas o iní cio do que lhes está reservado caso não se arrependam. O anjo não passa de um servo enviado por Deus a cumprir sua or dem. Isso vem a ser evidente à luz dos sinais na natureza que acompa nham o fogo destruidor: “estrondos de trovão e luzes de relâmpago e um terremoto.” No trovão e no relâmpago Deus se revela como fez no Mon te Sinai (Êx 19.16; comparar Is 29.6). Também no Apocalipse, em ou tros lugares se mencionam três aspectos da natureza: trovão, estrondos e relâmpago (4.5; 11.19; 16.18), ainda que a seqüência seja diferente. A causa do terremoto não provém do anjo, mas do Todo-Poderoso, o que no Apocalipse é mencionado sete vezes (6.12; 8.5; 11.13 [duas vezes], 19; 16.18 [duas vezes]) e geralmente é qualificado pelo adjetivo grande. Através de um grande terremoto, sete mil pessoas foram mor tas (11.13).13Os terremotos são contados entre todos os demais sinais que estão presentes no fim dos tempos. Como afirma Jesus: “Nação se levantará contra nação, e reino contra reino. Haverá fome e terremotos em vários lugares. Tudo isso é o princípio das dores” (Mt 24.7, 8).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 8.4, 5 V ersícu lo 4
xaXç TTpooeuxcuç - o dativo pode ser construído como um uso temporal ou associativo.14 “A versão temporal e.associativa tem um sentido afim, tal como 12. Bauer, p. 730. 13. Consultar Richard Bauckham, “The Eschatological Earthquake in the A pocalypse o f John”, N ovT 19 (1977): 224-33; e ver seu Clim ax o fP ro p h e c y (Edimburgo: Clark, 1993), p. 202-4. Ele afirma que esses fenôm enos na natureza (8.5; 11.19; 16.18) são “uma clara alusão à teofania do Sinai”. Mas esta pode ser uma mera linguagem con vencional que não se refere necessariamente ao Sinai. Ver Aune, R evelation 6 -1 6 , p. 518; Günther Bornkamm, TDNT, 7.198-99; Reinhard Kratz, EDNT, 3.237. 14. A. T. Robertson, A C ram m ar o fth e G reek N ew Testament in the L ight o fH isto ric a l Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 529; C. F. D. M oule, An Id io m -B o o k o f N ew Testament Greek, 2a ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), p. 43; Friedrich Blass e Albert Debrunner, A G reek G ram m ar o fth e N ew Testament, trad. e rev. Robert Funk (Chicago: University o f C hicago Press, 1961), § 188.1.
A p o c a l ip s e 8.2-5
349
‘junto com as orações’, que parece ser o significado neste versículo; conferir Atos 10.4, onde as orações são oferecidas com a doação de esmolas.”15 V e rsíc u lo 5
e’ÍA.r|(|}€v - este é o perfeito ativo do verbo Xa^pávai (recebo, tomo), e é classificado como um perfeito histórico dramático traduzido como um preté rito, “o anjo tomou”.
B. O s Sete A njos que Tocam as Trom betas 8.6-11.19 Depois que o anjo junto ao altar apresenta a Deus as súplicas dos santos, e depois que Deus instrui o anjo a lançar sobre a terra fogo na forma de castigos, os sete anjos, com as sete trombetas, começam a emitir seus sons de advertência. O som das trombetas introduz os juízos divinos na forma de castigos que afetam a terra, o mar, os rios e as fontes de água, os corpos celestes e o Abismo. Os adversários de Deus recebem suas justas recompensas. Note, porém, a ordem dessas sete trombetas. “As primeiras quatro trombetas atingem os ímpios em seu serfísico\ as últimas três causam angústia espiritual, o próprio inferno 6 libcrado!” l60 capítulo 8 contém as quatro primeiras; o capítulo 9, as duas seguintes; e o capítulo 11, a última. O paralelo com as sete pragas, no capítulo 16, é único em todo o Apocalipse. Afora umas poucas diferenças menores na fraseologia, por exemplo o Abismo (9.1, 2) e o trono da besta (16.10), os tópicos são idênticos. Aqui vão as colunas paralelas:17 Sete Trombetas
Sete Taças
1. terra (8.7) 2. mar (8.8, 9) 3. rios, fontes (8.10, 11) 4. sol, lua, estrelas (8.12) 5. poço do Abismo (9.1) 6. rio Eufrates (9.13, 14) 7. relâmpago, saraiva (11.15)
1. terra (16.2) 2. mar (16.3) 3. rios, fontes (16.4, 5) 4. sol (16.8) 5. trono da besta (16.10) 6 . rio Eufrates (16.12) 7. relâmpago, saraiva (16.17, 21)
15. Robert Hanna, A G ram m atical A id to the G reek N ew Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 448. 16. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 116. 17. Para colunas mais extensas, ver Aune, Revelation 6 -1 6 , pp. 500, 501.
A p o c a l ip s e 8.6, 7
350
Além do mais, as pragas, quer anunciadas pelo soar das trombetas ou pelo derramar das taças, lembram as dez pragas suportadas pelos egípcios, quando Deus libertou Israel (Êx 7.8-13.16). A seqüência e os detalhes dos primeiros quatro juízos difere notavelmente das pragas do Egito, ao ponto de podermos falar apenas de similaridades. 1. A . Primeira Trombeta 8.6,7
6. E os sete anjos que seguravam as sete trombetas se prepara ram para tocá-las. Como resultado de Deus ouvir e responder as petições dos santos, os sete anjos recebem a tarefa de tanger individualmente suas trombe tas. Agora pode executar-se o derramamento das sete pragas sobre os ímpios. As orações dos santos, pois, provam ter uma parte significativa na história da humanidade. “Mais coisas são efetuadas por meio de oração do que sonha este mundo”, disse Alfred Tennyson em Idylls o f the King, na seção sobre a morte de Arthur. Deus não impõe nem exe cuta juízo a não ser e até que as súplicas de seu povo tenham sido ouvidas. Pense, por exemplo, nos rogos reiterados de Abraão em favor de Sodoma (Gn 18.16-33). Mas depois que essas orações tenham adentrado a presença de Deus, o Onipotente age, às vezes rapidamente, em outras ocasiões em seu tempo próprio e designado. Quando cada uma das trombetas soar, a destruição chega a uma área da criação divina que neste capítulo é expressa como uma terça parte. No capítulo 8, a expressão um terço ocorre doze vezes, e uma vez João faz referência a o terceiro anjo (v. 10). Esta é a ordem comum para a divisão em ambas as culturas: judaica e grega; ver Ezequiel 5.2, 12.18 7. E o primeiro anjo tocou a trombeta, e granizo e fogo mistu rado com sangue foram lançados sobre a terra. E um terço da ter ra foi queimado, e um terço das árvores foi queimado, e toda a erva verde foi queimada. O primeiro anjo tange a trombeta, resultando na calamidade de granizo e fogo misturados com sangue, a qual é lançada sobre a terra.
18. Referência a Colin J. Hemer, NIDNTT, 2.687; Wolfgang Feneberg, EDNT, 3.370; SB, 3 .8 0 8 .0 Talmude Babilónico, Baba M etzia 59b: “Então o mundo foi ferido - um terço de suas oliveiras e um terço de seu trigo, e um terço de sua cevada... o fogo queimou”.
351
A p o c a l ip s e 8 .6 ,7
A calamidade é reminiscente das sete pragas que Deus derramou sobre o Egito, com duas variações: em Êxodo não há referência a sangue sendo misturado com granizo e fogo, e o fogo é descrito em termos de relâmpago (Êx 9.24-26; comparar também Ez 38.22). Não temos base para interpretar os substantivos granizo, fogo e sangue simbolicamen te; granizo e relâmpago são ocorrências naturais. Eles podem mutilar e matar seres vivos, de modo que de fato o sangue se mistura com as pedras de granizo que cobrem o cenário.19Uma tempestade espantosa ocasionalmente cruza de um ponto ao outro de uma região, e com gra nizo e relâmpagos destrói tudo o que jaz a sua frente. Os seres humanos e os animais às vezes caem vítimas da violência de uma tempestade. O efeito é o juízo divino, visto que a construção passiva/o/ lançado insi nua que Deus é o agente (comparar SI 29.3-10). Não só os seres humanos e os animais experimentam o impacto das forças naturais, mas também “um terço da terra foi queimada, e um terço das árvores foi queimada, e toda a erva verde foi queimada”. O efeito 6 realmente devastador: três vezes sucessivamente o verbo quei mar aparece para indicar a severidade da destruição. E duas vezes o ordinal terço aparece com referência à terra e às árvores. Incluímos a frase toda a erva verde na terça parte que foi queimada. Uma devasta ção total de toda a erva, inclusive todo o grão produzido no mundo significaria o fim da vida para os seres humanos e os animais. Ainda que Deus expresse sua ira na ruína de sua criação, ele mostra sua misericórdia destruindo só a terça parte, enquanto reserva intacto o resto de sua criação. Certo comentarista percebe uma contradição, afir mando que a queima das árvores e da erva “é absolutamente discordan te com ix. 4”.20Em 9.4 lemos que os gafanhotos “não causam dano nem à erva da terra, nem a qualquer planta, nem a qualquer árvore, exceto às pessoas que não portam o selo de Deus em suas frontes” . Sabemos, porém, que, quando uma tempestade de fogo queima árvores e a vege tação, a força rejuvenescedora na natureza faz brotar nova vegetação, e 19. M. Robert M ulholland Jr. se refere a Êxodo 7.14-24, a conversão das águas do Egito em sangue. Ver seu R evelation: H oly Living in an Unholy World (Grand Rapids: Zondervan, Francês Asbury Press, 1990), p. 191 n. l.S w e te (R evelation, p. 110) suge re que o sangue era “a areia avermelhada do Saara”. Ambas as interpretações são carentes de irrefutabilidade no contexto da passagem. 20. Charles, R evelation, 1.233.
A p o c a l ip s e 8.6, 7
352
inclusive faz germinar as sementes das árvores. Em suma, a fraseologia de 9.4 não contradiz absolutamente esta passagem.21
Palavras, Frases e Construções Gregas em 8.7 l^ iy n é v a - “tendo sido misturado.” O particípio passivo perfeito no acusativo neutro plural deve ter a preferência ao singular. Algumas testemu nhas têm o neutro singular para concordar com o substantivo trOp (fogo), mas o plural é a redação mais difícil.
2. A . Segunda Trombeta 8.8,9
8. E o segundo anjo tocou a trombeta. E algo como um enorme monte em chamas foi lançado ao mar, e um terço do mar se conver teu em sangue. 9. E um terço das criaturas marítimas morreu, e um terço das embarcações foi destruído. a. “E o segundo anjo tocou a trombeta. E algo como um enorme monte em chamas foi lançado ao mar.” Os versículos anteriores descre veram a devastação da terra, enquanto estes versículos pintam cenas marítimas. João tem uma visão, e como tenta verbalizar o que vê, ele usa a expressão como se fosse',22assim ele se aproxima da realidade em termos simbólicos. Ele menciona um enorme monte ardendo em fogo que não caiu no mar, mas foi lançado nele. Não devemos atentar dema siadamente para o monte em si, mas, antes, para o impacto que a visão causa. A ênfase deve recair sobre o horror que o juízo divino causa em sua criação, a qual é, aqui, o mar. Esta é uma calamidade que desafia qualquer descrição: uma enorme montanha ardente que é precipitada ao mar. Ela pode ser comparada a um meteorito de extraordinárias pro porções que, ao penetrar a atmosfera terrestre, assemelha-se a um fogo incandescente; ao imergir no mar, ele causa uma tremenda maré que varre as cidades costeiras com indescritível perda de vidas.23E possível que João tivesse na memória a erupção do Monte Vesúvio em 24 de 21. Comparar Robert L. Thomas, R evelation 8 -2 2 : An E xegetical C om m entary (Chi cago: M oody, 1995), p. 18. 22. O uso repetitivo, nos capítulos 8 e 9, das expressões com o se fosse, com o e sem e lhante sugerem sim bolism o (ver 8.8, 10; 9.2, 3, 5, 7-10, 17, 19). 23. Comparar Gerhard A. Krodel, Revelation, A C NT (M inneapolis: Augsburg, 1989), p. 198.
353
A p o c a l ip s e 8.8, 9
agosto do ano 70 d.C.. Essa tragédia, porém, foi um evento local, en quanto que esta praga é um “anúncio de uma catástrofe cósmica futura que afetará toda a superfície da terra”.24João retrata a realidade do juízo divino sobre os ímpios em símbolos que comunicam validade espiritual. O texto de Jeremias 51.25 só se adequa a esta situação tangencial mente. Diz Deus: “Estou contra você, ó montanha destruidora, você que destrói a terra inteira, declara o Senhor. Estenderei minha mão con tra você, eu a farei rolar dos penhascos, e farei de você uma montanha abrasada.”25 Concluímos, pois, que João revela um incidente que só pode ser explicado simbolicamente como algo extraordinário que Deus efetua à vista de seu povo. Deus mostra ao apóstolo e aos leitores do Apocalipse que esta vi são significa o juízo divino sobre seus adversários e serve como um apelo ao arrependimento. As pessoas experimentam o efeito desta mon tanha colossal que é precipitada ao mar, o qual apaga as chamas e o fogo. Este é um retrato de medonho castigo infligido sobre os que se encontram nessas águas. b. “ E um terço do mar se converteu em sangue.” A expressão um terço do mar se converteu em sangue é uma referência implícita à pri meira das pragas egípcias (Êx 7.19-21; SI 78.43, 44; 105.29). Não obstante, a diferença é notável, porque aqui um terço do mar se converte em sangue; no Egito, porém, foi o Nilo, as fontes, canais, lagoas e reser vatórios que adquiriram a cor do sangue. Todavia há semelhança que aponta para Deus golpeando o Egito com poder supernatural por haver faraó endurecido seu coração (Êx 7.22, 23); no Apocalipse, Deus traz morte aos seres humanos cujo sangue contamina uma terça parte do mar (comparar 16.3). A enorme perda de vidas, através de qualquer sinistro que porventura Deus ordene, é de fato um juízo apavorante. c. “E um terço das criaturas viventes no mar morreu, e um terço das embarcações foi destruído.” O tempo todo, a misericórdia de Deus é evidente no uso repetitivo da expressão um terço. Nem todos os ocea nos se converteram em sangue, nem todas as criaturas viventes morre
24. Jürgen R oloff, The Revelation o f John, trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 110. 25. Leituras similares aparecem em I Enoque 18.13, “eu vi alí sete estrelas com o grandes montanhas encandecentes”, e 1 Enoque 21.3, “então devia vir uma grande estrela do céu na direção do mar divino”.
A p o c a l i p s e 8.10,11
354
ram e nem todas as embarcações pereceram. Somente um terço de cada um foi afetado pela ira divina; os peixes não afetados pelo castigo divino continuaram a multiplicar-se e o tráfico marítimo não obstruído pela hecatombe marítima continuou seu processo normal. As catástrofes que Deus fez recair sobre o mar são sinais do fim dos tempos por meio dos quais Deus chama as pessoas ao arrependimento e à vida. 3. A . Terceira Trombeta
8 . 10,11 10. E o segundo anjo tocou a trombeta. E uma grande estrela caiu do firmamento, ardente como uma tocha, e caiu sobre uma terça parte dos rios e sobre as fontes de água. 11. E o nome da estrela era Absinto, e uma terça parte das águas se converteu em absinto, e muitas pessoas morreram por causa das águas que se tornaram amargas. a. “E uma grande estrela caiu do firmamento, ardente como uma tocha, e caiu sobre uma terça parte dos rios e sobre as fontes de água.” Em seguida ao juízo sobre a terra sobrevieram ocorrências desastrosas ao mar. Agora João revela a terceira categoria a ser divinamente afligi da: os rios e as agregações interiores de água. Deus castiga seus inimi gos fazendo uma gigantesca estrela cair do firmamento; é uma bola de fogo que, com sua descida, polui os núcleos aquáticos, produzindo morte em todos quantos deles beberem. Fora do Apocalipse, a Escritura não fornece qualquer paralelo exato ao fenômeno de um meteorito chamejante que cai do firmamento (6.13; 9.1). A passagem de Isaías 14.12 fala de uma estrela que cai: “Como você caiu dos céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada! Como foi atirado à terra, você que derrubava as nações!” A passagem no Apocalipse, porém, difere desse texto com respeito ao tamanho da estrela, sua terrível apa rição, os veios de água que são poluídos por ela e seu nome. Deus faz uma estrela cair do céu, e as pessoas não conseguem fitála aproximando-se da terra. Essa é uma espantosa visão que só pode ser explicada como sendo uma ocorrência divinamente ordenada, a qual se destina a convocar os ímpios a arrependerem-se de seus maus cami nhos e converterem-se a Deus. Não há nada comparável na experiência humana. Essa estrela cadente que cai sobre os rios, lagos e fontes con tamina a água potável e, conseqüentemente, mata os que a bebem. Uma
355
A p o c a l ip s e 8 .1 0 ,1 1
vez mais lemos sobre os juízos de Deus sobre seus adversários, expres sos em linguagem simbólica e comunicando realidade espiritual. b. “E o nome da estrela era Absinto.” A expressão absinto (grego apsinthos) aparece somente duas vezes no Novo Testamento, ambas as vezes neste versículo. Alguns estudiosos traduzem a segunda ocorrên cia como “amargo”. No Antigo Testamento, ela ocorre sete vezes e em muitas versões ela é traduzida como “fel” ou “amargura” .26 O absinto se desenvolvia em Israel, e por causa de seu aroma canforado, ele era usado para impedir que as traças comessem as roupas. Essa erva, juntamente com suas raízes, era muito amarga. No Antigo Testamento, ela aponta para atos sexuais ilícitos (Pv 5.4), para o castigo do pecado (Jr 9.15) e para a corrupção da justiça (Am 5.7). Significa que o pecado ge ralmente leva à amargura da alma. O absinto, pois, exempli-ficado na adversidade e na tristeza simboliza condenação e justiça. A água misturada com absinto tem sabor amargo, porém não é ine rentemente venenosa. Esperávamos que João combinasse os conceitos de absinto e veneno real (ver Jr 9.15), e dessa maneira ele é capaz de declarar que essa substância combinada tem um efeito fatal no corpo (comparar Êx 15.23).27 c. “E uma terça parte da água se converteu em absinto, e muitas pessoas morreram por causa da água que se tornou amarga” (comparar Êx 15.23). Uma vez mais, a misericórdia de Deus se faz evidente na última parte desta passagem. O termo repetitivo “um terço” revela a paciência divina para com os incrédulos. Nem todos sofrem por causa da água, pois somente a terça parte é afetada pela praga, e o resto dela continua potável. As pessoas que morrem se tornam um aviso para os sobreviventes, a fim de que temam a Deus e se convertam a ele, pois ele terá misericórdia e perdão gratuito (Is 55.7).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 8.11 èk tc3v ú õ á x c jy - esta frase preposicional comunica uma noção causal, “por causa das águas”.28_________________________________________________
26. Deuteronôm io 29.18; Provérbios 5.4; Jeremias 9.15; 23.15; Lamentações 3 .1 5 ,1 9 ; A m ós 5.7. 21. Consultar W. E. Shewell-Cooper, ZPEB, 5.969; Leon Morris, NIDNTT, 2.29; e ver MUI comentário R evelation , ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: lím lm ans, 1987), p. 121. 28. Uobcrtson, G ram m ar, p. 598.
A p o c a l ip s e 8.12
356
4. A Quarta Trombeta 8.12 12. E o quarto anjo tocou a trombeta. E uma terça parte do sol, uma terça parte da lua e uma terça parte das estrelas escureceu, de modo que uma terça parte deles ficou escura, bem como uma terça parte do dia, e também uma terça parte da noite. O termo um terço aparece seis vezes neste versículo, nas quais os céus inteiros estão envolvidos: o sol, a lua, as estrelas e a divisão do dia e da noite (ver 6.12, 13). A reiteração enfatiza a severidade desse fenô meno celestial. Sua ocorrência desafia uma explicação natural, porque um eclipse não se adequa à descrição (comparar 16.10). A nona praga que atinge o Egito o converteu em trevas. Moisés es tendeu sua mão para o céu e as trevas que cobriram a terra eram tão reais que podia ser sentida. Cobriram o Egito por três dias, enquanto todos os israelitas desfrutavam de luz (Ex 10.21-23). Deus poderia ter usado uma tempestade de areia para bloquear os raios solares sobre os egípcios, porém não sobre os israelitas na terra de Gósen. No Apocalipse, uma terça parte do sol, uma terça parte da lua e uma terça parte das estrelas se converteram em trevas; essa é uma intervenção supernatural nos cursos naturais desses corpos celestes. Geoffrey B. Wilson habilmente observa: “E óbvio que João estava pintando um quadro, e não escrevendo um tratado sobre astronomia.”29 Quando a luz se converte em trevas, há uma ruptura na ordem cósmica e dissolução da criação. O Antigo Testamento freqüentemente fala do desaparecimento da luz assim que seus portado res celestiais cessam suas funções normais.30 João escreve que “a terça parte deles se tornou escura e a terça parte do dia deixou de brilhar e- assim também a terça parte da noite” . Ele não está falando de eclipse que bloqueia a luz do sol ou da lua pelo menos durante uma hora. Esses corpos celestes falham em emitir e refletir luz durante a terça parte do dia e a terça parte da noite. É me lhor dizer que aqui temos um enigma que só pode ser interpretado e entendido como um sinal do juízo divino sobre um mundo que está se esbaldando no pecado. O simbolismo de períodos de trevas se destina 29. Geoffrey B. W ilson, Revelation (Welwyn, Inglaterra: Evangelical Press, 1985), p. 81. 30. Referência a Isaías 13.10; 24.23; 34.4; 50.3; Jeremias 4.23; Ezequiel 32.7, 8; Joel 2.10, 31; A m ós 8.9; M iquéias 3.6.
357
A p o c a l i p s e 8.12
a conduzir pessoas ao arrependimento e declarar sua fé em Deus. Tais sinais na natureza, pois, são expressões da graça e misericórdia de Deus por meio das quais ele exibe a vinda do Dia do Senhor. Quer os cren tes, quer os incrédulos, ambos ouvem o som das trombetas. Os crentes, guiados por seu conhecimento das Escrituras, reconhecem esses si nais, buscam refúgio em Deus e são guardados em segurança. Se os adversários de Deus ignoram esses sinais na natureza, enfrentarão tre vas eternas por serem perenemente eliminados da fonte de luz, a saber, Deus. Podem sentir-se livres para ignorar as admoestações e zombar das advertências acerca do Dia do Senhor, porém terão que sofrer as conseqüências.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 8.12 (iií - quando a partícula 'iva, com sua sentença resultante, é seguida da partícula negativa fir|, com sua sentença, o sentido permanece o mesmo. 5. Os Três A is 8.13 Depois que as primeiras quatro trombetas introduzem as calamida des na natureza, as quais todos estão aptos a observar, esperaríamos o seguimento das três trombetas restantes. Aqui, porém, há uma interrup ção na seqüência dos sinais - interrupções essas que ocorrem com freqüência no Apocalipse. Agora a própria natureza, aparecendo na for ma de uma águia, chama a atenção dos oponentes de Deus para esses sinais que, inevitavelmente, devem ser claros em comunicar o juízo divino. As três trombetas que seguem anunciam os juízos que são ainda mais severos do que as quatro precedentes. Poderes demoníacos sur gem para atacar os seres humanos, não meramente na esfera física, mas na mental e espiritual: as pessoas querem morrer, porém se sentem im possibilitadas de o fazer. Daí, uma águia voando pelo céu dá o alarma, pronunciando um tríplice ai aos habitantes da terra que se dispuseram a ignorar as pri meiras quatro trombetas. Uma vez mais temos de interpretar o clamor da águia em termos de compaixão e misericórdia de Deus. Ele não deseja que os ímpios morram, mas, ao contrário, que eles vivam (Ez 18.32). Assim, o incrédulo jam ais poderá acusar Deus de ter dado avi sos insuficientes.
A p o c a l ip s e 8.13
358
13. E vi, e ouvi uma águia voando pelo meio do céu, dizendo em alta voz: “Ai, ai, ai dos habitantes da terra, por causa da trombeta que está para ser tocada pelos outros três anjos.” a. “E vi, e ouvi uma águia voando pelo meio do céu, dizendo em alta voz.” Os sentidos de João estão plenamente alertas, porquanto ele vê e ouve o que está acontecendo. Ele nota uma águia voando pelo meio do céu, como um emblema de juízo e destruição futuros (Dt 28.49; Os 8.1; Hc 1.8).31 Como uma ave de rapina, uma águia com sua visão atilada está procurando por carniça e caça, sua fonte de alimento (ver Mt 24.28; Lc 17.37). Olhando lá de cima, a ave grita um tríplice ai, significando que haverá abundância de alimento à disposição. Voando no meio do céu, a ave está bem alta e consegue ver de forma muito ampla (comparar Pv 30.18, 19). Não carece de argumentemos se uma águia pode falar, pois a cena que João descreve é apocalíptica e simbólica. Note que à besta que emerge do mar é dada uma boca para falar palavras arrogantes e blasfe mas (13.5). De igual modo, a serpente falou a Eva no Paraíso (Gn 3.15) e a jumenta de Balaão se dirigiu verbalmente a seu senhor (Nm 22.2830). A águia fala em alta voz para que todos possam ouvir seu tríplice ai. b. “Ai, ai, ai dos habitantes da terra, por causa da trombeta que está para ser tocada pelos outros três anjos.” O tríplice ai é único no Apocalipse (ver o duplo uso em 18.10, 16, 19), pois tanto no Antigo quanto no Novo Testamento ocorre um único ai. Os ais são explicados quando as duas trombetas são tocadas pelos dois anjos no próximo capítulo. Duas passagens, porém, forçam o intérprete a ampliar o esco po dos ais: “O primeiro ai jápassou. Eis que outros dois ais ainda estão por vir depois dessas coisas” (9.12); e “o segundo ai já passou. Eis que o terceiro ai logo virá” (11.14). João deixa de mencionar o terceiro ai, pois a referência em 12.12 não enumera: “Ai da terra e do mar, porque o diabo está para descer até vocês.” Entretanto, João parece indicar que o toque da sétima trombeta é o sinal introdutório para a vinda do tercei ro ai (11.14, 15a). 3 1 . 0 termo águia aparece em outras duas passagens no Apocalipse: 4.7 e 12.14. Essas passagens enfatizam o aspecto do vôo. Ver também James L. R esseguie, R evelation Unsealed: A N arrative C riticai Approach to John i A pocalypse, BIS 32 (Leiden: Brill, 1998), p. 89.
359
A p o c a l ip s e 8.13
c. “Os habitantes da terra.” O Apocalipse realça este termo inúme ras vezes. Em cada caso o termo se refere não aos crentes, que são peregrinos, mas aos incrédulos, que tentam fazer da terra sua habita ção permanente.32 A águia chama a atenção dos antagonistas para as advertências, pois enfrentarão os castigos de Deus na forma dos ais antecipados.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 8.13 èvóç - o núm ero um nesta sentença é equivalente ao pronom e indefinido: “uma águia”.33 N ã o d eve ser traduzido co m o “uma águia solitária” (P h illips). A s duas traduções, seguindo as testem unhas m ais fracas, têm a redação “um anjo” ( k j v , n k j v ). [ífcsoupcwriiiaTi - traduzido co m o “m eio do céu ”, a palavra se refere aos corpos cele stes cruzando o meridiano. oúaí - a partícula é seguida do acusativo (ainda que uma redação variante tenha o dativo), o que se pode classificar com o um acusativo adverbial.
32. Apocalipse 3.10; 6.10; 8.13; 11.10 (duas vezes); 13.8, 12, 14 (duas vezes); 17.2,8. Ver (ambém a redação variante em 12.12 e 14.6 delineada em Nes-Al27. 33. Blass e Debrunner, Greek Grammar, § 247.2.
E sboço (continuação) 6. A Quinta Trombeta (9.1-12) a. O Abismo e as Forças Demoníacas (9.1-6) b. Os Gafanhotos (9.7-12) 7. A Sexta Trombeta (9.13-21) a. Uma Ordem Divina (9.13-16) b. Uma Visão Descritiva (9.17-19) c. Recusa de Arrepender-se (9.20, 21)
C a p ít u l o
9
A Q u in t a e Sex ta T r o m b eta s ( A p o c a l i p s e 9.1-21) anjo tocou a trombeta. E vi uma estrela que caiu do céu à terra, 9 1eElheo quinto foi dada a chave do poço do Abismo. 2 E ele abriu o poço do Abismo, e subiu fumaça do poço, como a fumaça de uma grande fornalha, e o sol e o ar escureceram por causa da fumaça do poço. 3 E da fumaça saíram gafanhotos que vieram sobre a terra, e lhes foi dado poder como o poder que têm os escor piões da terra. 4 E lhes foi dito que não danificassem a erva da terra, nem qual quer planta, nem qualquer árvore, exceto as pessoas que não têm o selo de Deus em suas frontes. 5 Não lhes foi dado poder para matá-las, mas para torturá-las durante cinco meses, e seu tormento se assemelhava ao tormento que causa um escorpião quando ferroa uma pessoa. 6 E naqueles dias as pessoas buscarão a morte, e não a acharão. Terão desejo de morrer, e a morte fugirá delas. 7 E a aparência dos gafanhotos era como cavalos preparados para a bata lha, e em suas cabeças estava algo semelhante a coroas de ouro. E seus rostos eram como rostos humanos, 8 e tinham cabelos como cabelos de mulher, e seus dentes eram como dentes de leão. 9 E tinham couraças, como as couraças de ferro, e o som de suas asas era como o som de muitos carros com cavalos correndo para a batalha. 10 E tinham caudas e ferrões como de escorpiões, e tinham poder em suas caudas para fazer dano às pessoas durante cinco meses. 11 Tinham um rei sobre eles, o anjo do Abismo; seu nome em hebraico era Abadom; e em grego, Apoliom. 12 O primeiro ai passou. Eis que dois ainda estão por vir depois dessas coisas. 13 E o sexto anjo tocou a trombeta. E ouvi uma voz vinda dos chifres do altar de ouro que está diante de Deus, 14 dizendo ao sexto anjo, aquele que segurava a trombeta: Solte os quatro anjos que estão atados junto ao grande lio F.ufrates. 15 E foram soltos os quatro anjos que estavam preparados para a hora, o dia. o mês e o ano, para que matassem um terço das pessoas. 16 E o mimem do ; cavaleiros era de duzentos milhões. Eu ouvi seu número.
A po ca l ipse 9
362
17 E assim, em minha visão, vi os cavalos e seus cavaleiros. Tinham cou raças avermelhadas como o fogo, azuis como o jacinto e amarelas como o enxofre. As cabeças dos cavalos eram como cabeças de leão, e de suas bocas saía fogo, fumaça e enxofre. 18 Em resultado dessas três pragas, uma terça parte do gênero humano foi morta pelo fogo, pela fumaça e pelo enxofre que saíam de suas bocas. 19 Porque o poder dos cavalos estava em suas bocas e em suas caudas; e suas caudas se assemelhavam a cobras. Tinham cabeças, e com elas feriam as pessoas. 20 E o restante das pessoas que não foram mortas por essas pragas não se arrependeu das obras de suas mãos nem deixaram de cultuar os demônios e os ídolos feitos de ouro, de prata, de bronze, de pedra e de madeira. Esses ídolos não podem ver, nem ouvir e nem andar. 21 E não se arrependeram de seus homicídios, suas feitiçarias, sua fornicação e seus roubos. Enquanto o capítulo 8 registra os resultados das quatro trombetas tocadas pelos quatro anjos, este capítulo apresenta somente duas trom betas tocadas pelo sexto e pelo sétimo anjo, respectivamente (inciden temente, o sétimo anjo toca sua trombeta com o fim de introduzir o juízo final e descrever o culto que os santos rendem a Deus [11.15]). Note a extensa descrição das pragas que seguem a convocação da trombeta do quinto e do sexto anjo. A descrição da praga que ocorre após o toque da quinta trombeta produz dois parágrafos substanciais que totalizam onze versículos (vs. 1-11) e concluem com as palavras: “O primeiro ai passou. Eis que ainda vêm mais dois depois dessas coisas” (v. 12). E o relato do toque da sexta trombeta abrange três parágrafos extensos (vs. 13-21). Comparado com o toque das quatro trombetas, o efeito dessas duas próximas trombetas descritas em longos parágrafos indica inconcebível severidade. As primeiras quatro pragás descrevem as calamidades desencadea das na natureza: a terra, o mar, os rios, as fontes de água e os corpos celestes. As próximas duas pragas descrevem as forças demoníacas que são desencadeadas por Satanás, seu rei, para atormentar as pes soas (v. 11). Essa é uma descrição do próprio inferno, no qual as pessoas buscam morrer, porém chegam à conclusão de que a morte está se esquivando delas (v. 6). Seu sofrimento mental e espiritual é sem fim. A sexta praga envolve toda a humanidade, da qual é morto um terço (v. 15). Duzentos milhões de guerreiros, representando tropas demoníacas, deflagram guerra contra os seres humanos. Essas forças descrevem simbolicamente uma vasta multidão de anjos apóstatas (v.
363
A po c a l ips e 9.1-6
16). Estão determinados a matar as pessoas com fogo, fumaça e enxo fre. Mas o triste resultado é que nenhum dos incrédulos, ainda que experimentem agonia e destruição, se arrepende de seus maus feitos de homicídio, feitiçaria, fornicação e roubo (v. 21). Os dois juízos retratados pelo toque da quinta e sexta trombetas não só seguem um ao outro, mas também estão intimamente relaciona dos. Ambos ilustram o desastroso objetivo dos demônios. No primeiro caso, residem nas mentes dos incrédulos e lhes causam tortura mental. A segunda ilustração mostra o completo controle que os demônios têm sobre os seres humanos, os quais então efetuam todo ato perverso que se pode imaginar. Interpreto as calamidades descritas nos capítulos 8 e 9 não só como seqüenciais, mas, mesmo em alguns aspectos, como simultâneas. Equi vale a dizer que, enquanto a quinta e sexta trombetas introduzem as forças demoníacas, as calamidades das quatro primeiras já estão se concretizando. Em outros termos, as referências, em ambos os capítu los, à morte e agonia dos seres humanos, em parte coincidem. A dife rença é que, além de enfrentar as forças destrutivas na natureza, a humanidade também se depara com forças demoníacas que buscam destruir o corpo e arruinar a alm a.1 Por último, meu objetivo é explicar o conteúdo deste capítulo, não de forma literal, mas simbólica. Não saio em busca de um tempo específico, nem na História nem no futuro, em que a quinta e sexta pragas tenham estado, ou se cumprirão. “Antes, precisamos ver as forças espirituais em ação no mundo dos homens não regenerados e perversos - forças essas que são simbolizadas por esses monstros do reino infernal.”2 6. A Q uinta Trombeta 9.1-12 a. O Abismo e as Forças Demoníacas 9.1-6
1. E o quinto anjo tocou a trombeta. E vi uma estrela que caiu do céu à terra, e lhe foi dada a chave do poço do Abismo. 1. S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van líollcnburg, 1925), p. 194. 2. I lomer Hailey, Revelation: An Introduction a n d Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 225.
A p o c a l i p s e 9.1-6
364
Primeiro, o efeito do quinto anjo tocando sua trombeta consiste em que João tem uma visão de uma estrela. Como, porém, interpretarmos o termo estrelai No primeiro século dava-se um significado figurado a algumas estrelas; imaginava-se que os planetas errantes tinham sido lançados no Abismo (7 Enoque 21.6; 86.1; 88.1; comparar Jd 13). O Antigo Testamento, poeticamente, atribui personalidade às estrelas, vendo-as engajadas em batalha ou entoando cânticos (Jz 5.20; Jó 38.7).3 João imprime o pretérito na frase “uma estrela que tinha caído”, e diz que viu tal estrela. Ele menciona o lugar onde ela caiu, a saber, a terra. Houve um tempo, pois, em que essa estrela ocupara um lugar no céu, mas agora se encontra na terra. Interpreto o termo estrela simbolicamente, como se faz evidente à luz da descrição que João faz desse luminar. Ele lhe imprime características de vontade e intelecto. A estrela recebe uma chave, com a qual abre o Abismo - essas ca racterísticas pertencem a um ser racional, não a um objeto inanim a do. Daí, muitos intérpretes identificam esse ser como sendo um anjo mau, isto é, Satanás, a quem se deu breves períodos na História durante os quais ele pode abrir o poço do Abismo.4O sentido da expressão verbal tinha caído indica o tempo decorrido desde sua ocorrência. Jesus afirma: “Vi Satanás cair do céu como relâmpago” (Lc 10.18). E João escreve que Satanás “foi precipitado na terra juntam ente com seus anjos” (12.9). O quinto anjo tocando a trombeta apresenta um paralelo ao quinto anjo derramando sua taça sobre o trono da besta, cujo reino se conver teu em trevas (16.10). Aqui o poço do Abismo é a residência de uma estrela caída, isto é, Satanás; ali seu lugar de residência é o trono da besta que o ocupa em seu nome. O rei desse reino, porém, precipitado nas trevas, é o próprio Satanas, o qual almeja destruir o reino de Deus. Note que o anjo do Abismo é chamado Abadom, em hebraico, e Apoliom, 3. Ver Robert H. M ounce, The Book o f R evelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 185. 4. Consultar Herman H oeksem a, Behold, H e Cometh! An E xposition o f the Book o f Revelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing Association, 1969), p. 312; Henry Barclay Sw ete, Com m entary on Revelation (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 114; Henry Alford, Jam es-R evelation, vol. 4, parte 2 de A lfo rd ’s G reek Testam ent (1875; reimp em Grand Rapids: Guardian, 1976), pp. 639-40; W illiam Hendriksen, M ore Than C onquerors (reprint, Grand Rapids: Baker, 1982), p. 120; Hailey, Revelation, p. 225.
365
A p o c a l ip s e 9.1-6
em grego (v. 11). Em ambos os idiomas, a palavra significa Destruidor (ver Pv 15.11). Se identificarmos essa estrela com Satanás, o príncipe dos demônios precipitado do céu para residir no Abismo (comparar Mt 10.25; 12.24, onde ele é chamado Belzebu), precisamos entender que Deus está no pleno controle. Nem Satanás nem um de seus servidores recebe a chave do Abismo no sentido de posse permanente, mas de poder momentâneo. Deus permite que os espíritos malignos desse reino temporário pratiquem seus atos destrutivos, os quais são descritos nos versículos seguintes des te capítulo. Deus destina ao Abismo uma incontável falange de anjos apóstatas, onde estão aguardando o Dia do Juízo (Lc 8.31; 2Pe 2.4; Jd 6). Ele decretou o tempo de abertura e fechamento desse lugar. Ele é o Soberano. Assim, concluo que Deus detém a chave do Abismo; ele às vezes a dá ao diabo para o cumprimento de seus propósitos divinos.5 2. E ele abriu o poço do Abismo, e subiu fumaça do poço,
como a fumaça de uma grande fornalha, e o sol e o ar escurece ram por causa da fumaça do poço. O termo Abismo, no Novo Testamento, refere-se à habitação dos espíritos malignos, com a exceção de Romanos 10.6,7, onde Paulo usa o conceito para a habitação dos mortos.6No Apocalipse, onde a pala vra ocorre sete vezes,7a palavra invariavelmente significa o lugar onde moram Satanás e seus seguidores. Depois do juízo, são lançados no lago de enxofre ardente, onde são atormentados para sempre (19.20; 20.10, 14, 15). Os demônios a quem Jesus expulsou do homem, cujo nome era Legião, rogaram-lhe que não os mandasse para o Abismo, porque este é sua prisão (Lc 8.31). O Abismo tem um compartimento que conduz ao assim chamado poço sem fundo. Desse compartimento, a fumarada que sai se assemelha à de 5. Alguns estudiosos interpretam a estrela com o sendo um anjo bom, em harmonia com 10.1; 18.1; e 20.1. Mas Gregory K. B eale (The Book o f Revelation: A C om m entary on lhe G reek Text, N1GTC [Grand Rapids: Eerdmans, 1998], p. 492) habilmente observa que nenhum estudioso já “aduziu um exem plo onde a metáfora de uma estrela caída se aplique a um anjo bom ” . Ver também Otto Bõcher, EDNT, 1.4; e consultar Hans Bietenhard, NIDNTT, 2.205; Joachim Jeremias, TDNT, 1.9, 10. 6. Ao citar D euteronôm io 30.12, 13, Paulo contrasta céu e seu correlativo: “Quem subirá ao céu?... Quem descerá às profundezas?” (Rm 10.6, 7). P rofundezas é outra palavra para Hades.
7. Apocalipse 9.1, 2, 11; 11.7; 17.8; 20.1, 3.
A p o c a l i p s e 9.1-6
366
uma grande fornalha. O quadro que João pinta é o de uma densa fumaça que escurece a luz do dia, obstrui a respiração, contribui para doenças, produz insuportável mau cheiro e contamina tudo o que nela desce. É como se o próprio inferno exalasse algo que visasse a danificar, poluir e macular a criação divina. Essa imensa fornalha serve para retratar o próprio infer no, do qual nuvens de fumaça sobem escurecendo o sol e poluindo o ar, tomando a respiração quase impossível. O mal é como uma nuvem densa que mergulha o mundo em trevas e sufoca todos quantos respiram seu ar poluído. Mas o mal propriamente dito só funciona com a permissão divina.8Ele surge, cresce e se opõe a tudo quanto é verdadeiro, puro, bom e admirável. O mal nunca consegue conquistar o reino de Deus, não só porque Deus não permite, mas também porque controla seu efeito. 3. E da fumaça saíram gafanhotos que vieram sobre a terra, e
lhes foi dado poder como o poder que têm os escorpiões da terra. 4. E lhes foi dito que não danificassem a erva da terra, nem qualquer planta, nem qualquer árvore, exceto as pessoas que não têm o selo de Deus em suas frontes. A oitava praga egípcia (Ex 10.13-15) relata o poder destrutivo dos gafanhotos que devoravam tudo que estava crescendo nos campos e deixavam as árvores despidas (ver também J1 1.4, 6,7). E assim priva vam tanto as pessoas quanto os animais de sua ração de alimento. Neste versículo, porém, os gafanhotos são inteiramente diferentes: • emergiram da fumaça infernal que sobe do Abismo; • não devoram a relva verde, as plantas e as árvores; • atacam seres humanos que não têm nenhuma parte no reino de Deus; • ferem os ímpios com ferrões de escorpiões. Por isso o próprio contexto força o intérprete a explicar a palavra gafanhotos não literalmente, mas figuradamente. Essas criaturas que emergem do inferno são demoníacas na aparência e na ação. Mas só podem agir quando Deus lhes concede poder para ferir com o escorpiões,9e só podem fazer o que Deus lhes ordena, a saber, atacar 8. James L. R esseguie, R evelation Unsealed: A N arrative C ritical A pproach to John's A pocalypse, BIS 32 (Leiden: Brill, 1998), p. 89. 9. O verbo grego e d o th ê (foi dado) ocorre inúmeras vezes no A p ocalipse (por exem -
367
A po c a l ipse 9.1-6
os que não portam seu selo em suas frontes (comparar o paralelo em 7.3b). Quem está no comando é Deus, e não Satanás, pois o Senhor concede autoridade e impõe seus limites, e ao mesmo tempo protege seu povo de dano espiritual (comparar Ez 9.4, 6). O ferrão de um escorpião é extremamente doloroso, mas não ne cessariamente fatal aos humanos. Henry Barclay Swete observa: “O escorpião faz páreo com a cobra e outras criaturas hostis ao homem, e com elas simboliza as forças do mal espiritual que estão ativas no mundo.” 10Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, os escorpiões e as serpentes são mencionados juntos (Dt 8.15; Lc 10.19 e Siraque 39.30). Quem são esses escorpiões? O contexto deste capítulo mostra que não devemos equipará-los a seres humanos, mas, antes, a demônios. São soltos do Abismo quando Deus dá a Satanás ou a um demônio subalterno permissão para abrir esse poço. E só podem causar dano às pessoas que não portam o selo de Deus em suas frontes. Ferem os que amam as trevas em lugar da luz, que não chegam ao conhecimento da verdade, senão que a rejeitam, e que voluntariamente servem ao malig no. Atacam as pessoas a quem Deus abandonou e se entregaram a seus desejos pecaminosos (Rm 1.21, 24,26, 28).
5. Não lhes foi dado poder para matá-las, mas para torturálas durante cinco meses, e seu tormento se assemelhava ao tor mento que causa um escorpião quando ferroa uma pessoa. 6. E naqueles dias as pessoas buscarão a morte, e não a acharão. Terão desejo de morrer, e a morte fugirá delas. Esses demônios recebem autoridade para torturar os seres huma nos, porém não o poder para matá-los. Uma vez mais o texto claramen te indica que Deus é soberano. Somos lembrados de que Deus permitiu a Satanás ferir a carne e os ossos de Jó, porém lhe exigiu que poupasse sua vida. Deus põe limites ao poder de Satanás (Jó 2.4-6). O responsá vel pelo mal neste mundo é Satanás, não Deus; não obstante, Deus usa pio, 6.2, 4 [duas vezes], 8, 11; 7.2; 8.3; 9.3, 5). A voz passiva geralm ente im plica agência divina. 10. Sw ete, R evelation, p. 116; Philip Edgcumbe Hughes, The B o o k o fth e R evelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 109. David 11. Aune (Revelation 6 -1 6 , W BC 52B [Nashville: Nelson, 1998], p. 527) acrescenta que os escorpiões, neste caso dos gafanhotos dem oníacos, são capazes de intimidar e ater rorizar suas vítimas.
A p o c a l i p s e 9.1-6
368
a perversidade de Satanás para punir os pecadores recalcitrantes e chamá-los ao arrependimento (v. 21).11 A tortura pode ser experimentada física ou mentalmente. O centurião implorou a Jesus que curasse seu servo que era “paralítico e sofria horrivelmente” (Mt 8.6); Pedro escreve que Ló se atormentava em sua alma por causa das vidas ilícitas dos habitantes de Sodoma (2Pe 2.8). Também os próprios demônios expressavam medo de ser atormentados por Jesus, antecipando o tempo designado para tortura (Mt 8.29; Mc 5.7; Lc 8.28). Entretanto, no Apocalipse, o verbo torturar &o substan tivo tortura se referem ao juízo divino em decorrência do pecado. João compara esse agudo tormento ao da ferroada de um escorpião. Os demônios recebem poder para afligir os seres humanos por um período de cinco meses. A extensão de vida dos gafanhotos coincide com a extensão da estação de cultivo em Israel, de abril a setembro. Aqui ela aponta para o período de uma duração relativamente breve, pois o número cinco, no contexto do sistema decimal, é usado como um número redondo. “Não existe evidência clara de que esse número deva receber algum significado simbólico no N[ovo] T e sta m e n to].” '2Além disso, a expressão cinco meses reincide no versículo 10 com o mesmo significado. A agonia que as pessoas suportam quando ferroadas por um escor pião é tão intensa que desejam morrer, porém são privadas da morte. Jó fala de pessoas que anelaram pela morte que não lhes veio (Jó 3.21; ver 7.15), e o Senhor Deus fala dos sobreviventes da nação de Judá que preferiam morrer do que viver (Jr 8.3). Dia após dia desejam que a morte ponha fim a sua vida física, e até mesmo a sua miséria mental; em vez disso, a morte se esquiva deles. “Pior que qualquer ferida é desejar morrer e, no entanto, ser incapaz de o fazer”, é o lamento do escritor latino Cornélio Gálio.13 Essas pessoas se sentem impotentes para morrer, não por causa de sua incapacidade de cometer suicídio, mas porque os demônios recebe ram a ordem de não matá-las. R. C. H. Lenski perceptivelmente escre ve: “A idéia de que os não-selados, os ímpios, se enganavam poder 11. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 120. 12. Colin J. Hemer, NIDNTT, 2.689, 690. 13. Sou devedor a William Barclay, The Revelation ofJohn, 2aed. (Filadélfia: Westminster, 1960), 2.62.
369
A p o c a l i p s e 9.1-6
matar-se é estranha ao quadro. É um fato notório, que a despeito de todo seu desejo de ser mortos, quando a mais dolorosa maldição de sua desilusão os fere como os ferrões do escorpião, os ímpios nunca têm a coragem de cometer suicídio em massa.”14Os demônios, faltando-lhes o poder para matar, continuam a perturbar o corpo e a mente dos sofre dores, e os conduzem ao total desespero. Em contraste, os seguidores de Cristo têm o selo de Deus em suas frontes e estão seguros. Não temem a morte, pois ainda quando aspi rem estar com o Senhor, seu alvo é agradá-lo enquanto viverem nesta terra (2Co 5.8,9; Fp 1.23-26). São protegidos pelo próprio Senhor, que lhes concede seu anjo com a incumbência de cuidar deles.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 9.1-6 Versículos 1, 2 T T C T T t o K Ó T a - particípio perfeito ativo do verbo t t l t t t o j (caio). O tempo perfei to revela ação que se concretizou no passado com significação de duração para o presente, ilustrado pela frase “do céu à terra”. Em adição ao movimento de cair, há também implícita a queda moral do anjo. xf|ç ápúooou - o texto hebraico do Antigo Testamento usa tèhôrn (o abismo; SI 107.26), o qual na Septuaginta aparece como apuoooç, que signifi ca sem profundidade ou sem fundo.15O adjetivo púoooç (profundo) funciona como um substantivo por faltar-lhe o termo x^pa (região); o prefixo a é de caráter privativo. A literatura apocalíptica também menciona o Abismo como o lugar onde Satanás e seus seguidores são mantidos (1 Enoque 18.12-16; 21.7-10; 108.3-6).
Versículo 4 Iva |!T) àÕLKTÍoouoLV - esta construção serve como o sujeito do verbo èppéGr) (lhes foi dito que).16 Depois da conjunção Iva ocorre o futuro do indicativo, mas em alguns manuscritos ocorre o aoristo subjuntivo. O escritor às vezes usa o futuro do indicativo (ver v. 5, onde 'iva é seguido do futuro passivo paaavio0r|aovToa), o qual varia pouco do aoristo subjuntivo. Isso o leva a escrever oúòé (duas vezes), em vez de |ir|õé, indispensável para o subjuntivo. 14. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. John ’s R evelation (Columbus: Wartbure, 1943), p. 292. 15. Thayer, p. 2. Ver também Robert L. Thomas, R evelation 8 -2 2 : An E xegetical C om m entary (Chicago: M oody, 1995), p. 28. 16. A. T. Robertson, A G ram m ar o f the G reek N ew Testament in the Light o f H istorical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 992.
A p o c a l i p s e 9.7-12
370 Versículo 6
ÇTynpoixnv - o tempo futuro com outros dois verbos (encontrar e ansiar) aparecem três vezes no versículo 6 num sentido progressivo: “Estará buscan do”, etc. A negativa enfática oú |iií significa “de modo algum”. E impossível que encontrem a morte. O tempo presente (jjeÚYei (foge) deve ser preferível ao tempo futuro
b. Os Gafanhotos 9.7-12 João apresenta uma descrição vívida dos gafanhotos, a qual deve ser entendida em sua inteireza. Ele deixa claro que a palavra gafa nhotos não deve ser tomada literalmente, e, sim, simbolicamente, pois estas criaturas • têm o poder e a graciosidade dos cavalos • aparecem com a inteligência dos rostos humanos • exibem charme com cabelos femininos, porém ferocidade, com dentes de leão • surgem armados com toda proteção, prontos para a batalha • ferroam com caudas de escorpião Nas palavras de um provérbio árabe: “Os gafanhotos têm a coxa de camelo, as pernas de avestruz, as asas de águia, o peito de leão e a cauda de víbora.” 17Aqui está um símbolo multifacetado descrevendo as criaturas demoníacas que buscam fazer guerra e subjugar todos e tudo que encontra em seu caminho.
7. E a aparência dos gafanhotos era como cavalos prepara dos para a batalha, e em suas cabeças estava algo semelhante a coroas de ouro. E seus rostos eram como rostos humanos, 8. e tinham cabelos como cabelos de mulher, e seus dentes eram como dentes de leão. 17. R. H. Charles, A Critical an d E xegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1.244. M ounce (R evelation, p. 189) apresenta uma variação desse provérbio: “O gafanhoto tem a cabeça de cavalo, peito de leão, pés de cam elo, corpo de serpente e antenas com o os cabelos de uma donzela.” Ver também Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919); reimp em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 562; G R. Beasley-Murray, The Book o f Revelation, NCB (Londres: Oliphants, 1974), p. 162.
371
A p o c a l i p s e 9.7-12
Em parte, João toma por empréstimo a imagem da profecia de Joel, o qual compara uma invasão de gafanhotos a um poderoso exército que destrói tudo por onde passa. Aliás, esse profeta escreve que os gafa nhotos têm a aparência de cavalos, galopam como cavalaria, cujo som é como o de carros em movimento, portam-se como guerreiros e mar cham em linha reta (J12.2-11). Em outro lugar o cavalo é comparado a gafanhoto (Jó 39.20). Essa é a cena da batalha que os gafanhotos pro movem no solo, devorando o mundo vegetal e, conseqüentemente, rou bando o suprimento alimentar dos humanos e dos animais. João, porém, usa a imagem para descrever simbolicamente a batalha espiritual que os demônios promovem contra a raça humana. Os demônios soltos do poço do Abismo e emergindo dos vagalhões de fumaça receberam po deres destrutivos para terrificar. Estão prontos para a batalha e seguros da vitória, isto é, João emprega o símbolo de cavalos preparados para a batalha com algo semelhante a coroas que exibem a aparência do ouro, que caracteriza o triunfo. A coroa de ouro serve como uma paródia da coroa de ouro na cabeça de Jesus, o Filho do Homem (14.14). Os gafanhotos se mostram com rostos humanos, indicando inteli gência, sagacidade e discernimento. São criaturas demoníacas com o poder mental de seres racionais, com o fim de infligir inaudita miséria às pessoas que se rebelam contra seu Senhor e Criador (Rm 1.21). Seu propósito é enganar as pessoas que não o servem nem o adoram. Pro jetam mal demoníaco com um rosto humano que não admite Deus e, portanto, vive sem Deus. João escreve a frase cabelos de mulheres e dentes como os de leão para expressar figuradamente a fraude demoníaca, de um lado, e o ataque feroz, do outro. Os cabelos femininos são aprazíveis aos olhos; o contraste entre seu charme e a ferocidade dos dentes é extraordinário em seu simbolismo. Os dentes de leão simbolizam selvageria e cruelda de, satisfazendo um apetite voraz, pois Satanás e suas forças demonía cas buscam atrair os seres humanos para, finalmente, destruí-los. Uma vez mais, João recorre a esse simbolismo na profecia de Joel: “Uma nação, poderosa e inumerável, invadiu minha terra; tem dentes de leão e presas de leoa” (1.6). Não obstante, as criaturas demoníacas, na visão apocalíptica de João, não receberam autoridade para matar, mas para torturar os incrédulos numa duração específica de cinco me ses (vs. 5, 10).
A p o c a l ip s e 9.7-12
372
9. E tinham couraças, como as couraças de ferro, e o som de suas asas era como o som de muitos carros com cavalos corren do para a batalha. 10. E tinham caudas e ferrões como os de escorpiões, e tinham poder em suas caudas para fazer dano às pessoas durante cinco meses. a. “Tinham couraças, como as couraças de ferro.” Essas armadu ras cobriam o tórax dos guerreiros antigos da mesma forma que os coletes à prova de bala protegem os policiais modernos. Um comentá rio aramaico sobre a profecia de Naum 3.17 (“seus guardas são como gafanhotos”) tem uma redação expandida: “Eis que suas armaduras cintilam como o gafanhoto.” Esses termos comparam as couraças de ferro dos guerreiros assírios, os quais eram notórios por sua crueldade desumana, às couraças escamadas dos gafanhotos.18O texto chama a atenção para a guerra física, a qual interpreto como combate espiritual. A apresentação figurativa desses seres demoníacos aponta para sua invencibilidade. Ninguém sobre a terra pode insurgir-se contra es ses ataques malignos que se destinam a infligir males inauditos sobre a raça humana. Somente as pessoas que portam o selo de Deus em suas frontes é que são capazes de rebater os ataques furiosos desses mons tros. Não obstante, nem mesmo o mais santo da terra pode destruir um anjo apóstata, pois como seres imortais são invulneráveis à destruição final e morte. b. “O som de suas asas era como o som de muitos carros com cavalos correndo à batalha.” João empresta sua imagem da profecia de Joel, que compara o som farfalhante das asas dos gafanhotos em seu vôo a cavalos que “galopam juntos formando uma cavalaria” (J1 2.4). Os cascos estrondeantes dos cavalos e as rodas sibilantes dos carros nos dias antigos transformavam o curso da batalha quando ex cediam o número de seus oponentes.19Aqui os gafanhotos inumerá veis, representando as forças demoníacas, estão certos de sua vitória. A referência ao ruído da batalha não deve ser interpretada literalmente, e, sim, simbolicamente. Ele descreve uma batalha iminente que enche os corações e almas humanos de temor e tremor indizíveis. 18. Robert R Gordon, “Loricate Locusts in theTargum to Nahum iii 17 and Revelation ix 9 ”, Vetus Testamentum 33 (1983): 338, 339. 19. Comparar Luther Poellot, R evelation: The L ast Book in the B ible (St. Louis: Concordia, 1962), p. 127.
373
A p o c a l ip s e 9.7-12
c. “E tinham caudas e ferrões como escorpiões, e em suas caudas tinham poder para fazer dano às pessoas durante cinco meses.” O quadro verbal é o de cavalos puxando carros com rodas sibilantes para prejudicar os desafortunados oponentes. De igual modo, um escorpião se apodera de sua presa e então, com sua cauda, administra uma por ção de veneno. Como o carro é um apêndice ao cavalo, assim a cauda é o acessório do escorpião.20 Em fraseologia levemente diferente, João repete o que escreveu no versículo 5: “E lhes foi dado poder não para matá-los, mas para torturálos durante cinco meses, e seu tormento era como o tormento de um escorpião quando ferroa um homem.” O ferrão de um escorpião geral mente não chega a matar uma pessoa, mas causa dores excruciantes por um período limitado. Ao reiterar o mesmo pensamento, João enfatiza a gravidade do ataque. Ele indica que o tormento causado pelas criatu ras demoníacas é temporário. Faz menção de cinco meses para ex pressar um período de curta duração.
11. Tinham um rei sobre eles, o anjo do Abismo; seu nome em hebraico era Abadom; e em grego, Apoliom. O significado do texto é claro, pois os gafanhotos não têm ne nhum rei, como nota o escritor de Provérbios 30.27. Os demônios, porém, prestam lealdade a Satanás, a quem Jesus chama “príncipe deste m undo”, e a quem Paulo identifica como “governante do reino do ar” .21 Aqui o anjo é ou Satanás ou uma figura demoníaca que repre senta o diabo. Ele é chamado “o destruidor” em ambos os idiomas: hebraico e grego. O Novo Testamento atribui a Satanás muitos nomes: diabo, tenta dor, inimigo, adversário, serpente, dragão, enganador, acusador, malig no, Belzebu, Belial, Apoliom.22O nome hebraico Abadom e o grego Apoliom significam a mesma coisa: Destruidor (comparar Jó 26.6; 28.22; SI 88.11; Pv 15.11). Satanás designou a si mesmo como governante; aqui ele ou age como rei sobre os demônios ou delegou a um subalterno 20. Alford (R evelation, p. 643) baseia essa observação nos genitivos do versículo 9, os quais literalmente formam esta redação: “um ruído de carros de muitos cavalos” (isto é, os carros são considerados com o sendo extensões dos cavalos). 2 1 .E fésio s 2.2; ver também João 12.31; 14.30; 16.11;2C oríntios4.4; 1 João 4.4; 5.19. 22. Comparar Daniel P. Fuller, “Satan”, ISBE, 4.342; Hughes, Revelation, p. 111. S wete ( R evelation, p. 120) observa: “N ão é preciso inquirir se por Abadom, o Destruidor, o vidente quer dizer Morte ou Satanás.” E ver também Thomas, R evelation 8 -2 2 , p. 38.
A p o c a l ip s e 9.7-12
374
para que seja denominado rei e destruidor. O maligno governa todas as pessoas que não portam o selo de Deus em suas frontes; são chamadas “filhos do diabo” (lJo 3.10). Essa figura demoníaca chamada Destrui dor é o exato oposto daquela que é chamada Salvador. Por que João usou o nome hebraico e o nome grego é difícil de determinar. Alguns estudiosos dizem que ele escreveu o nome Apoliom como uma variante do deus Apoio, cujo símbolo era um gafanhoto. “E possível que haja aqui um jogo de palavras alfinetando as reivindicações de Nero e Domiciano de serem eles encarnações de Apoio.”23Não obstante, é mais prudente asseverar que o enfoque de João está voltado mais para o destruidor espiritual, Satanás ou seu agente, do que para uma refe rência velada a um déspota terreno: Nero ou Domiciano.
12. O primeiro ai passou. Eis que dois ainda estão por vir depois dessas coisas. João declara que há três ais, dos quais os dois primeiros são expli cados neste capítulo. Isto é, o primeiro aí se relaciona com os gafanho tos que têm vindo com o propósito de atormentar o povo (vs. 1-11), e o segundo ai abarca o restante do capítulo 9. Interpreto 10.1-11.13 como um parêntese, de modo que o texto de 11.14 marca a conclusão do segundo ai: “O segundo ai chegou.” Então João escreve que o terceiro ai há de vir logo. Os três ais sucederam uns aos outros em intensidade crescente: o primeiro ai segue o soar da quinta trombeta. Relaciona-se com a soltu ra das forças demoníacas que estão autorizadas a fazer dano, porém não a matar, por uma duração específica. O segundo ai ocorre quando a sexta trombeta é tangida. Notifica que os quatro anjos são soltos para matar um terço da raça humana por meio do fogo, da fumaça e do enxofre. As calamidades que"ocorrem se destinam a conduzir a raça humana ao arrependimento e fé em Deus; convocam o povo a mudar seus caminhos pecaminosos por meio de uma volta para Deus. Esses dois ais também instruem os santos a observarem os sinais do tempo, pois o fim é iminente. O terceiro ai introduz o juízo divino dos mortos (11.15b-19). 23. John P. M. Sw eet, R evelation, W PC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 170; se refere também a A une, R evelation 6 -1 6 , p. 535; Beasley-M urray, R evelation , p. 162; W ilfrid J. Harrington, R evelation, SP 16 (C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993), p. 110.
375
A po c a l ips e 9.7-12
Palavras, Frases e Construções Gregas em 9.7-12 Versículo 7
eòç axk^avoi 6|J(h o i XPU0C^ ~ note as palavras que indicam uma aproxi mação da coisa real: algo como (ciç) e semelhante a (ò|ioioi). As forças demo níacas exibem coroas de imitação e rostos humanos. Na mesma linha, Paulo fala de máscaras usadas por Satanás com o intuito de enganar as pessoas (2Co 11.14). Versículos 8, 9
Kal e%ov - o tempo imperfeito, no início de ambos os versículos, é descri tivo: “eles tinham.” “O imperfeito é aqui uma sorte de panorama em movimento.”24Não obstante, os dois versículos seguintes (vs. 10, 11) têm o tempo presente, exouoiv. O tempo presente é usado para imprimir vivacidade na descrição do escritor. Versículo 10 oúpàç ó|ioíaç aKopiTÍoi.ç Kal KÉvtpa - esta é uma sentença telescópica que, com o emprego de colchetes, lê: “caudas como [caudas] de escorpiões e fer rões [como ferrões de escorpiões].” Touç àvG pcÓ T T ouç - o substantivo com artigo definido não é contrastado com anjos ou animais, mas se refere à humanidade em geral. Por todo o Apocalipse, o termo comunica um sentido universalista (por exemplo, 8.11; 9.6, 10,15,18,20).25 Versículo 11
paoLÀéa - este substantivo sem o artigo definido é o objeto direto do verbo ter. Ainda que a tradução seja “têm um rei”, a ausência do artigo definido pode
indicar a natureza absoluta desse ofício, isto é, rei dos demônios. Versículo 12
|ierà xaOta - estas palavras, com ou sem a conjunção «aí, devem formar o início do versículo 13, como se evidencia no número de manuscritos minús culos? A redação mais difícil põe estas duas palavras no fim do versículo 12 e é adotada, ainda que João quase sempre as coloque no início de uma sentença.26
24. Robertson, G ram m ar, p. 883. 25. Richard Bauckham, The C lim ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 311. 26. Para uma discussão detalhada, ver Bruce M. Metzger, A Textual Com mentary on the Greek N ew Testament, 2“ ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), pp. 6 69,670.
A p o c a l i p s e 9.13-16
376
7. A . Sexta Trombeta 9.13-21 As calamidades, afetando o mundo e a raça humana, aumentam em intensidade com o som de cada trombeta que é sucessivamente tocada. Neste segmento, João revela que se realizará uma guerra sem paralelo nos anais da história humana. Os apelos ao arrependimento são negligenciados e a revelação de Deus é deliberadamente rejeitada, de modo que uma guerra terrificante devasta o gênero humano em conseqüência da ira divina. A diferença entre as guerras mundiais pri m itivas e esta é a m agnitude com que as forças infernais são desencadeadas e seguem de forma desenfreada. Os poderes das tre vas governam de forma suprema e sem qualquer obstáculo; aniquilam um terço da população do mundo. Os demônios inspiram as pessoas a destruírem os seres humanos seus iguais com o mais terrível armamen to a sua disposição. São ignorados os tratados e convenções que têm servido de barreiras. Este é o juízo de Deus sobre um mundo que tem abandonado, a ele e a sua Palavra. a. Uma Ordem D ivina 9.13-16
13. E o sexto anjo tocou a trombeta. E ouvi uma voz vinda dos chifres do altar de ouro que está diante de Deus, 14. dizen do ao sexto anjo, aquele que segurava a trombeta: Solte os qua tro anjos que estão atados junto ao grande rio Eufrates. a. Observações. Antes de tudo, vemos o paralelo do sexto anjo tocando a trombeta para a soltura dos quatro anjos junto ao rio Eufrates e o sexto anjo derram ando sua taça sobre o grande rio Eufrates (16.12). Além disso, como a sexta trombeta chega ao clímax das aflições, assim a abertura do sexto selo provou ser um clímax (6.1217). Aqui temos uma evidência explícita do paralelismo que permeia todo o Apocalipse. Em segundo lugar, algumas versões acrescentam o número quatro como um qualificativo de “chifres” na primeira parte da segunda sen tença: “os chifres do altar de ouro” .27A adição desse número pode ser 27. n c v , n e b , n i v , r e b , P eterson. Ver também os comentários de Thomas, Lenski, Harrington, Beckwith.
377
A po c a l ip s e 9.13-16
atribuída ao paralelo na expressão “quatro anjos” (v. 14), ou um escriba poderia tê-lo omitido acidentalmente. Os manuscritos gregos estão igual mente divididos sobre esta matéria, e assim a escolha é arbitrária; sua inclusão ou exclusão não afeta a mensagem do texto.28 Por último, a voz que fala, procedente do altar de ouro, para que o sexto anjo toque a trombeta, é uma resposta às orações que os santos no céu e na terra têm apresentado a Deus (6.9,10; 8.3-5). Nenhum dos outros anjos com trombetas recebe comunicação tão direta procedente da própria presença de Deus. b. Interpretação. “E ouvi uma voz procedente dos chifres do altar de ouro que está diante de Deus.” Ainda que João mencione o nome de Deus, ele nota que o som está vindo do altar, isto é, a própria presen ça de Deus. E assim ele evita fazer referência a Deus, porém reveren temente diz que a voz é procedente do altar de ouro. João usou um método semelhante de identificação indireta para Jesus quando o cha mou de voz como de trombeta (1.10). E em 6.6 a voz procedente do meio das quatro criaturas viventes parece ser a voz ou do Cordeiro ou de Deus (comparar 10.4, 8; 11.12). Swete comenta que a voz é a do anjo com o incensário de ouro ou representa as orações dos santos (8.4, 5).29Não obstante, todas as orações dos santos se unem diante do Senhor, que agora lhes responde com uma voz. Esta é a voz de um anjo ou de Deus? A tradição judaica ensinava que um anjo servia a Deus como um intermediário na comunicação de sua Palavra. Estêvão, Paulo e o es critor de Hebreus circunscrevem a voz de Deus que verbaliza os Dez Mandamentos no Monte Sinai; declaram que a lei foi dada por meio de anjos (At 7.53; G1 3.19; Hb 2.2).30Não obstante, a introdução ao Decálogo reza: “E Deus falou todas estas palavras” (Êx 20.1). Presu mimos que João igualmente circunscreve a voz de Deus deixando a impressão de que um anjo falou no lugar de Deus. Os chifres do altar não são aqueles do altar que ficava fora do tabernáculo ou do templo, mas do altar do incenso fronteiro ao Santo 28. Consultar Metzger, Textual Com m entary, p. 670. 29. Sw ete, Revelation, p. 120. 30. SB, 3.554-56; Greijdanus (O penbaring, p. 205) escreve que o orador do gênero m asculino com o o particípio legonta e, portanto, se refere a D eus. M as a palavra angelos é também do gênero masculino.
A p o c a l i p s e 9.13-16
378
dos Santos. Este altar era revestido com ouro (Êx 30.1-6; 37.25-28). Foi construído de acordo com o modelo celestial que Moisés recebera de Deus no Monte Sinai (Êx 25.9, 40; Hb 8.5). No Apocalipse, este altar serve como lugar onde os santos mortos por causa da palavra de Deus rogam ao seu Senhor soberano que vingue seu sangue (6.9, 10). Deste altar a fumaça do incenso misturada com as orações dos santos subia a Deus (8.4), e deste altar ordens são emitidas para o início da ceifa que introduz o fim dos tempos (14.18,19). c. Instrução. “[A voz estava] dizendo ao sexto anjo, aquele que segurava a trombeta: ‘Liberta os quatro anjos que estão atados junto ao grande rio Eufrates’.” O sexto anjo recebe a ordem de libertar quatro anjos. Não há indicação de que esses quatro anjos estivessem ligados aos que estavam em pé nos quatro cantos da terra (7.1). Aqui os anjos estão atados junto ao grande rio Eufrates, mas em 7.1 os quatro anjos detêm os quatro ventos da terra. Enfrentamos a pergunta se os anjos que estão atados são bons ou maus.31 Lemos que são postos em liber dade, para que as pragas que Deus ordenara para castigar os ímpios tivessem efeito. O fato de que estão atados, que no grego está no tempo perfeito para denotar um lapso de tempo, significa anjos maus (ver Jd 6). Quando são soltos, as pragas que tinham detido são postas em movimento: as pragas de fogo, fumaça e enxofre que matarão a terça parte da raça humana (v. 18). A expressão o grande rio Eufrates ocorre várias vezes no Antigo Testam ento.32Ela marcava a fronteira da Terra Prometida, que não estava marcada ainda até o reinado do rei Salomão (lR s 4.21). Em outro século, marcava o limite oriental do império romano. Não obstante, quando o nome Eufrates ocorre em um capítulo cheio de simbolismo, é sábio afirmar que depois de uma leitura literal há espa ço para uma versão figurada. O nome marca a fronteira entre o bem e o mal, entre o reino de Deus e o de Satanás. O salmista nota que o reino messiânico cumprido em Cristo se estende do rio Eufrates até os con fins da terra. E o efeito de seu governo leva as tribos do deserto a se curvarem diante dele (SI 72.8,9). Inclusive as nações Assíria e Babilônia, 31. Alford (R evelation, p. 645) comenta que a questão de anjos bons ou maus “não entra de forma alguma em consideração” . 32. G ênesis 15.18; Deuteronôm io 1.7; Josué 1.4. Ver também G ênesis 2.14; Deuteronôm io 11.24; Apocalipse 16.12.
379
A p o c a l ips e 9.13-16
as quais na era veterotestamentária eram inimigas do povo de Deus, estão sujeitas a Cristo. O texto revela que, quando os quatro anjos são soltos junto ao grande rio Eufrates, todo o inferno se prorrompe em guerra mundial. Nos tempos veterotestamentários, Deus usava este rio figuradamente para inundar a terra de seu povo com seus inimigos (Is 8.7, 8).33Ele agora ordena ao sexto anjo que solte os quatro anjos que foram atados e assim impossibilitados de interromper a marcha do evangelho (Mt 24.14). Quando chegar o momento de sua soltura, as forças más serão liberadas contra um mundo que abandonou a Deus e sua Palavra. Podemos estar certos de que as forças do Anticristo se põem tam bém contra os cidadãos do reino do céu, ainda quando portem o selo de Deus e recebam sua proteção espiritual (vs. 4, 5). Jesus disse que, se os dias de profunda angústia não fossem abreviados, “ninguém sobreviveria” . Mas, “por causa dos eleitos, aqueles dias serão abrevia dos” (Mt 24.22).
15. E foram soltos os quatro anjos que estavam preparados para a hora, o dia, o mês e o ano, para que matassem um terço das pessoas. 16. E o número dos cavaleiros era de duzentos milhões. Eu ouvi seu número. A construção passiva do verbo soltar significa que Deus é o agen te que ordena a soltura desses quatro anjos. O número quatro significa impacto mundial, como é evidente à luz da destruição que esses anjos induzem: a terça parte da população mundial perece. Este é o quadro de uma guerra que abarca o mundo inteiro ao enfrentar o juízo divino. Do princípio ao fim, Deus manteve essas forças sob restrição de levar a cabo a destruição global da humanidade, embora ele enviasse cala midades sobre a terça parte da terra, das árvores, das criaturas maríti mas, das embarcações, das águas e dos corpos celestes (8.7-12). Ele ainda aumenta a intensidade de seus juízos. Seguindo a abertura do quarto selo, a Morte e o Hades recebem “autoridade sobre a quarta parte da terra para matar por meio da espada, da fome, da doença e das feras da terra” (6.8, ênfase acrescida). Agora, porém, lemos que a terça parte da população da terra é morta. Para ser preciso, depois das 33. George Eldon Ladd, Com entary on the Revelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 136; comparar Lenski, Revelation, p. 302, que não chama o Eufrates um rio ou lugar geográfico, mas “a fonte de dom ínio mundial”.
A p o c a l i p s e 9.13-16
380
pragas que afetam um terço da criação, Deus libera uma praga sobre as pessoas ímpias. Tal açoite é tão severo que essas pessoas desejam morrer, porém não conseguem, porque a morte foge delas. Como re sultado da próxima praga, pois, um terço do gênero humano perece. Deus solta os quatro anjos que estavam prontos e equipados com instrumentos a fim de executar sua horripilante tarefa. João menciona ainda o tempo exato para o qual foram preparados: a hora, o dia, o mês e o ano. Isso significa que Deus determina o momento e a exten são exatos do castigo que ele confere a um terço da raça humana. Ele estabelece a própria hora da praga. Também informa que tal devasta ção da humanidade não é por um momento efêmero, mas será de uma duração que ele decidiu em sua sabedoria. Uma guerra global explode, na qual tanto os piedosos quanto os ímpios são envolvidos, ao ponto de morrer um terço dos habitantes do mundo. Deus usa a guerra como instrumento para impelir os ímpios ao arrependimento, não obstante incontáveis multidões se recusem a atentar para o aviso divino. João escreve: “E o restante das pessoas, os que não foram mortos por essas pragas, não se arrependeram” (v. 20). Ele pinta a guerra, em termos de seus dias, com cavaleiros, isto é, tropas de cavalaria.34Especifica que seu número é de duzentos milhões; e acrescenta que ouviu a menção desse número. Em outros termos, o mesmo lhe veio de fonte externa, e não necessariamente de vê-lo (v. 17). João descreve o número de anjos como sendo “miríades de miríades e milhares de milhares” (5.11), o que equivale a um nú mero incalculável. De igual modo, “2 0 0 m ilhões(200x 1000x 1000)é um número esmagadoramente grande de tropas congregadas contra a hum anidade” .35 J O Antigo Testamento fala das hostes celestiais de Deus, compos tas de anjos, como uma soma de “dez milhares e milhares de milhares” (SI 68.17 e ver Dn 7.10). Nas passagens veterotestamentárias, o as sunto é anjos de Deus; aqui, porém, ele equivale a tropas. 34. Bauer, p. 380. 35. R esseguie, R evelation Unsealed, p. 61. Bauer (p. 199) o interpreta com o “um número indefinido de im ensidade incalculável”. Ladd (R evelation, p. 137) observa: “É difícil crer que esteja em pauta um número literal”. Em seus respectivos comentários, porém, Thom as (p. 46) advoga “um número exato” e Walvoord (p. 166) nota que “a interpretação literal não é im possível”.
381
A po c a l ips e 9.17-19
Palavras, Frases e Construções Gregas em 9.13-16 V ersícu lo 1 3
cj)ü)vriv \iiav - o número um é melhor traduzido como um artigo indefinido (ver 8.13; 18.21; 19.17), todavia a singularidade da voz que fala em resposta à multiplicidade de orações (8.3) não deve ser minimizada. T O U ...T O U ...T O 0 - com o uso tríplice do artigo definido precedendo três substantivos, João parece indicar que a voz procede da própria presença de Deus (8.3 também realça o artigo definido tó três vezes). 61TÍ - com o caso dativo, esta preposição tem um significado locativo: “junto ao grande rio.” V ersícu lo 1 5
etç tf)y wpav - a preposição governa o caso acusativo dos substantivos sucessivos (wpav, rpépav, (j,f|va, èviauióv). Um artigo definido precede os quatro substantivos para indicar um grupo de substantivos que especificam um momento no tempo. V ersícu lo 1 6 i^Kouoot - seguido do caso acusativo, t ò v ápi0|ióv, denota que João ouviu e entendeu a significação de “o número”.
b. Uma Visão Descritiva 9.17-19 Na seção precedente, João descreve o que ouviu: 0 som de uma trombeta tangida por um anjo; uma voz procedente do altar de ouro; a ordem para a soltura dos quatro anjos; e 0 número das tropas monta das. Agora ele descreve com detalhes o que viu: a cor das couraças; a aparência dos cavalos; a matança de um terço da humanidade; e o poder desses cavalos.
17. E assim, em minha visão, vi os cavalos e seus cavaleiros. Tinham couraças avermelhadas como o fogo, azuis como 0 jacin to e amarelas como o enxofre. As cabeças dos cavalos eram como cabeças de leão, e de suas bocas saía fogo, fumaça e enxofre. Impregnado do Antigo Testamento, João escreve: “Em minha vi são, eu vi”, empregando um vocabulário extraído de Daniel 7.2; 8.2. No Apocalipse, ele usa esta frase somente aqui, evidentemente para real çar o contraste entre ouvir o número dos cavaleiros montados em seus cavalos e agora vendo-os.36Ele deseja transmitir um relato completo 36. C harles (R evelation, 1.252) chama a últim a sentença do versículo 16 e a prim eira
A p o c a l i p s e 9.17-19
382
do que ouviu e viu, porque a multidão de cavaleiros nada pressagiava senão temor e terror a um mundo impenitente. João escreve que “tinham couraças avermelhadas como o fogo, azuis como o jacinto e amarelas como o enxofre”.37A seqüência do texto grego indica que a descrição das couraças qualifica os cavaleiros, e não os cavalos, ainda quando nas guerras antigas os cavalos às vezes eram também protegidos com armadura metálica na forma de argolas e placas. As cores dessas couraças são ilustrativas: o vermelho se refere ao fogo; o azul à planta jacinto; e o amarelo ao enxofre. A Septuaginta menciona a expressão hyacinth em conexão com uma tintura que era usada para produzir uma cor azul ao linho fino e à cortina do tabernáculo (Êx 26.1; 27.16; 28.8). Swete nota que a expressão “sem dúvida se destinava a descrever a fumaça azulada de uma chama sulfurosa” .38 As descrições condizem com o fogo, a fumaça e o enxofre na próxima linha, e são reiteradas em conexão com as três pragas (v. 18). Depois de descrever os cavaleiros, o autor escreve sobre as cabe ças e bocas dos cavalos: “As cabeças dos cavalos eram como cabeças de leões, e de suas bocas saíam fogo, fumaça e enxofre.” Ao comparar as cabeças dos cavalos com as de leões, João pinta o feroz espírito destrutivo. A descrição de fogo, fumaça e enxofre saindo de suas bo cas se adequa às antigas histórias de dragões expelindo fogo. O fluxo desses três elementos é descrito como uma corrente contínua de de vastação. Esse quadro causa terror e representa o mal envolvendo o globo com força bruta. Os cavalos e seus cavaleiros são controlados por seres demoníacos que se dispõem a causar morte e destruição.
18. Em resultado dessas três pragas, a terça parte do gêne ro humano foi morta pelo íogo, pela fumaça e pelo enxofre que sentença do versículo 17 de “uma glosa confusa”. Entretanto, os manuscritos gregos não oferecem nenhum endosso a essa afirmação. Beckwith (A pocalypse, pp. 567, 568) chama supérflua a adição do verbo vi. O idioma aramaico, porém, demanda o verbo ver em , por exem plo, “ergui meus olhos e vi”. 37. Ver N K JV , N JB, Cassirer. M LB, R SV e NRSV usam a palavra safira para descrever a tonalidade azul. D a m esm a forma, M. Robert M ulholland Jr„ Revelation: H oly Living in an Unholy World (Grand Rapids: Zondervan, Francês Asbury Press, 1990), p. 198. E W illiam Barclay (Letters to the Seven Churches [Londres: SCM , 19571, 2.65) a denomina “azul enfumaçado”. 38. Sw ete, R evelation, p. 123.
383
A p o c a l i p s e 9.17-19
saíam de suas bocas. 19. Porque o poder dos cavalos estava em suas bocas e em suas caudas; e suas caudas se assemelhavam a cobras. Tinham cabeças, e com elas feriam as pessoas. Abaixo damos um interessante esboço em forma poética dos versículos 17b e 18 num arranjo quiásmico:39 A l7bde suas bocas B procediam C fogo e fumaça e enxofre. D l8aDessas três pragas um terço da humanidade foi morto, C l8bdo fogo, da fumaça e do enxofre B ’ que procediam A’ de suas bocas.
João enumera as três pragas que destroem um terço da raça huma na (v. 15); são elas fogo, fumaça e enxofre emanando das bocas de monstros diabólicos. Esses três elementos naturais são símbolos que representam guerra, desolação e destruição. Primeiro, o Antigo Testamento ensina que o fogo aponta para a guerra, pois “queimar uma cidade com fogo era um antigo princípio básico de guerra total”.40 Segundo, o fogo da guerra inclui a fumaça que escurece a luz do sol, polui a atmosfera e sufoca todo ser que tem fôlego. No Antigo Testamento, fumaça é uma manifestação da candente ira de Deus direcionada contra seus inimigos (Jz 20.40; 2Sm 22.9; SI 18.8; Is 30.27). Terceiro, o enxofre, também conhecido como súlfur, na Escritura representa o castigo divino sobre os perversos, como se vê claramente na destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 19.24).41 Quando algum de pósito de enxofre se queima, liberam-se gases tóxicos, especialmente em erupções vulcânicas. Uma combinação de lava incandescente e 39. Com reconhecim ento a Aune, Revelaíion 6 -1 6 , p. 540. 40. Harold Van Broekhoven Jr., ÍSBE, 2.305. Consultar Juizes 1.8; 9.49; 18.27; 20.48; 1 Samuel 30.1-4; 1 Reis 9.16; 2 Crônicas 36.19; Jeremias 17.27; 21.10; 22.7; 32.29; 43.12, 13; 49.27; A m ós 1.4-14; 2 .2 ,5 . 41. Ver D euteronôm io 29.23; Jó 18.15; Salm o 11.6; Isaías 30.33; E zequiel 38.22; Lucas 17.29; A pocalipse 9.17, 18; 14.10; 19.20; 20.10; 21.8.
A p o c a l ip s e 9.20-21
384
enxofre ardente resulta em dolorosa agonia e morte para quantos se acham em seu caminho destrutivo.42 O escritor relata que o poder para matar seres humanos reside tanto na parte dianteira quanto na parte traseira dos cavalos, isto é, em suas bocas e caudas (comparar v. 10). Suas bocas, figuradamente, ex pelem fogo, fumaça e enxofre, enquanto suas caudas se assemelham a cobras que picam. João não diz que os cavaleiros desses cavalos ma tam seres humanos, mas que os cavalos têm tal poder. O texto, pois, é altamente simbólico, de modo que temos de pensar em termos de for ças demoníacas que recebem autoridade para matar os adversários de Deus. Com ambas as partes, cabeças e caudas, esses demônios cau sam danos indizíveis. c. Recusa de Arrepender-se 9.20,21
20. E o restante das pessoas que não foram mortas por essas pragas, não se arrependeu das obras de suas mãos nem deixa ram de cultuar os demônios e os ídolos feitos de ouro, de prata, de bronze, de pedra e de madeira. Esses ídolos não podem ver, nem ouvir e nem andar. Esses dois versículos servem como um breve sumário das catás trofes que Deus tem enviado, inclusive as calamidades em ambas as esferas: natureza e guerra. A palavra pragas, no texto grego, transmi te o sentido de Deus administrando desgraças. Ainda que as pragas destruam um terço dos habitantes do mundo, os sobreviventes parecem tornar-se habituados às reiteradas calamidades. Se termos como maré, terremoto, genocídio e pureza étnica se tornam expressões comuns, a população em geral começa a perder o interesse nelas e recusar-se a considerar o impacto e mensagem que elas comunicam. Deus usa es sas hecatombes para despertar o senso nos seres humanos, e não limita adversidades aos resultados do conflito armado. Estes versículos conclusivos se relacionam não com o povo de Deus, mas, antes, com os pecadores impenitentes. Esta passagem, pois, enfatiza 42. Hoeksem a (B ehold, He Com ethl, pp. 328-30) interpreta fogo, fumaça e enxofre com o sím bolos de guerra, fom e e pestilência, respectivamente. Ele associa fogo com o segundo cavaleiro que representa guerra; fumaça com o terceiro cavaleiro; e enxofre com o quarto cavaleiro (6.3-8). Entretanto, à luz da Escritura, é difícil provar que fumaça representa fom e.
385
A p o c a l ip s e 9.20-21
não as adversidades, mas os incrédulos recalcitrantes. A despeito da dramática perda da vida, o resto da humanidade se recusou a se arre pender das obras de suas mãos. E isso não porque Deus não lhes tives se dado tempo e razão para arrependimento. Por exemplo, Jesus disse à igreja de Tiatira que dera à profetisa Jezabel “tempo de arrependerse, mas ela não quis arrepender-se de sua fornicação” (2.21). Da mes ma forma, as pessoas sobre quem Deus derramara sua ira amaldiçoa ram o nome de Deus e se recusaram a arrepender-se (16.9, 10). Deus empregou pragas para levar as pessoas a mudar seus caminhos e a converter-se; em vez disso, elas o repudiaram. Que são “as obras de suas mãos” que os incrédulos recusaram a abandonar? São os ídolos indignos feitos de ouro, prata, bronze, pedra e madeira (Jr 1.16; 16.19, 20; Dn 5.23; Mq 5.13). Os ocidentais não cultuam tipicamente imagens de Buda ou de outros deuses, mas os ídolos de possessões materiais, especialmente dinheiro (Mt 6.24; Lc 16.13), são onipresentes como imagens visuais de falsos deuses. Os salmistas eloqüentemente atestam a impotência dos deuses falsos: Têm boca, mas não podem falar, olhos, mas não podem ver; têm ouvidos, mas não podem ouvir, nariz, mas não podem sentir cheiro; têm mãos, mas não podem apalpar, pés, mas não podem andar; e não emitem som algum com a garganta (NVI). (SI 115.5-7; ver também 135.15-17)
Paulo observa que cultuar ídolos é o equivalente de cultuar demônios. Os ídolos incorporam o conceito de cultuar demônios que demandam devoção inquestionável. O Cântico de Moisés registra es tas palavras acerca da relação de Israel com Deus: “Eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram com seus ídolos abomináveis. Sacrificaram a demônios que não são Deus” (Dt 32.16, 17a). Um ídolo feito de ouro, prata, bronze, pedra e madeira é e continua sendo um objeto sem vida. Os demônios, porém, persua dem as pessoas a adorarem tal objeto (IC o 10.20). Daí, apresentar homenagem a um ídolo é o mesmo que professar lealdade aos demônios, e estes promovem não o bem-estar de seus devotos, e, sim, sua destrui ção. Induzem os idólatras a transgredirem os mandamentos de Deus.
A p o c a l ip s e 9.20-21
386
21. E não se arrependeram de seus homicídios, suas feitiça rias, sua fornicação e seus roubos. Os idólatras diariamente testemunhavam a morte e destruição como lembretes de que as penas inevitavelmente seguem a transgressão dos mandamentos divinos. Numa direta afronta a Deus, serviam os ídolos. Cometiam homicídios, feitiçarias, adultérios e roubos - peca dos perpetrados contra a sociedade. Esses pecados violam o Decálogo: não servir a outros deuses e não fazer ídolos; não matar; não cometer adultério e fornicação; e não furtar (Êx 20.3, 4, 13-15). Por todo o Antigo e o Novo Testamento, a idolatria é mencionada reiteradamente, uma vez que ela substitui o culto devido a Deus. Relacionado com a idolatria está o pecado de artes mágicas e feitiçaria, as quais são abo minação para o Senhor Deus (Dt 18.10-12). Aliás, Deus instruiu Moisés a levar à morte os que consultavam os adivinhos e os que praticavam a feitiçaria (Êx 22.18; Lv 20.6,27). Paulo combina idolatria e feitiçaria como obras da carne (G15.20). E João cataloga feiticeiros, fornicadores, homicidas e idólatras entre os que estão destinados à ruína eterna (21.8; 2 2 .15).43 O povo se recusava a arrepender-se, e assim no Dia do Juízo de vem assumir a plena responsabilidade por seus feitos. As seis trombe tas, tocadas como sinais de advertência de juízo pendente, se destinam a chamar os pecadores ao arrependimento, à conversão e à nova vida. Mas quando os pecadores empedernidos ignoram o apelo da trombeta, não podem culpar a ninguém além de si mesmos.44Os seis toques da trombeta são prelúdios para a sétima, a qual registra o cântico dos vinte e quatro anciãos representando os santos em número incontável: As nações se iraram; e chegou tua ira. Chegou o tempo de julgares os mortos e de recompensares teus servos, os profetas, e teus santos 43. C onsultar Thom as, R evela tio n 8 - 2 2 , p. 54. Ver tam bém J. Stafford Wright (N IDNTT, 2.5 5 8 ), o qual com enta que “sempre houve uma tradição m ágica de ervas colhidas e preparadas para magias, bem com o para encorajar a presença de espíritos em cerimônias m ágicas”. 44. Beale (R evelation, p. 518) afirma que o aviso divino a “o restante dos incrédulos não logra arrependimento real entre a maioria, visto não estar neles, por assim dizer, arre pender-se”. Em vez disso, Deus demonstra sua soberania e sua justiça.
387
A po c a l ips e 9.20-21
e os que temem teu nome, tanto pequenos como grandes, e de destruir os que destroem a terra. (11.18)
Palavras, Frases e Construções Gregas em 9.20,21 Versículo 20 'iva. |ít| - estas partículas introduzem “a idéia de resultado concebido”.45 Ou seja, se as pessoas se arrependessem, o resultado teria sido a renúncia do culto aos demônios e ídolos. O futuro, npoaKuvriaoixHv, assume o lugar do subjuntivo, o qual é comum no Apocalipse. Versículo 21
45. Robert Hanna, A G ram m atical A id to the G reek N ew Testam ent (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 449; Robertson, G ram m ar, p. 998. 46. Bauer, p. 854. 47. Metzger, Textual Com m entary, p. 670.
E sboço (continuação) 8. Interlúdio (10.1-11.14) a. O Anjo e o Pequeno Rolo (10.1-11) (1) Um Anjo Poderoso (10.1-4) (2) A Mensagem do Anjo (10.5-7) (3) O Rolo e Seu Propósito (10.8-11)
C a p ít u l o
10
O A n jo e o P e q u e n o R o lo (A p o c a l ip s e 10.1-11) 1 E vi outro anjo poderoso descendo do céu, vestido de uma nuvem. E I V / o arco-íris estava sobre sua cabeça, e seu rosto era como o sol, e suas pernas, como colunas de fogo. 2 E segurava um pequeno rolo desenrolado em sua mão. Ele pôs seu pé direito sobre o mar e o esquerdo sobre a terra, 3 E bradou como o rugido de um leão; e, quando ele bradou, os sete trovões fizeram ouvir suas vozes. 4 E quando os sete trovões falaram, eu estava prestes a escrever, e ouvi uma voz do céu, dizendo: Sele as coisas que os sete trovões disseram, e não as escreva. 5 E o anjo que vi em pé sobre o mar e sobre a terra ergueu sua mão direita ao céu. 6 E jurou por aquele que vive para todo o sempre, que criou o céu e as coisas que nele existem, a terra e as coisas que nela existem, o mar e as coisas que nele existem, e disse: Já não haverá demora. 7 Contudo, nos dias quando a voz do sétimo anjo estiver para tocar sua trombeta, o mistério de Deus se cumprirá, segundo ele proclamou a seus servos, os profetas. 8 E a voz do céu, que ouvi falando comigo novamente, disse: Vá, tome o rolo que está desenrolado na mão do anjo que está em pé sobre o mar e sobre a terra. 9 E me dirigi ao anjo e lhe pedi que me desse o pequeno rolo. E ele me disse: Tome-o e coma-o, e ele lhe será amargo ao estômago, porém, em sua boca, será doce como o mel. 10 E tomei o pequeno rolo da mão do anjo e o comi. Em minha boca ele era doce como o mel; e quando o comi, meu estômago tomou-se amargo. 11E me foi dito: Você deve profetizar novamente contra muitos povos e nações e línguas e reis. 4 f \
8. Interlúdio 1 0 .1 - 1 1 .1 4 a. O A.njo e o Pequeno Rolo
10. 1-11 Uma vez mais, João escreve um interlúdio, justamente como fizera no capítulo 7. Depois do sexto selo, ele divaga para mostrar ao leitor um
A po c a l ips e 10
390
quadro dos santos no céu. O sexto selo revelou a cena dos incrédulos enfrentando a ira de Deus e do Cordeiro (6.15-17); o interlúdio subseqüente do capítulo 7 apresentou os santos na glória, os quais são selados por Deus e são um prelúdio para a abertura do sétimo selo (8.1). Semelhantemente, o soar da sexta trombeta aponta para os in crédulos que se recusam a arrepender-se de suas obras más, ainda quando tenham testemunhado o juízo divino numa série de pragas (8.69.21). Antes, porém, que a sétima trombeta soe, João apresenta os santos na terra, os quais são instruídos a apresentar a Palavra de Deus ao mundo. Em suma, este interlúdio do capítulo 10 não é um intervalo de calmaria, mas um tempo de receber e proclamar o evangelho. Na seqüência dos sete (selos, trombetas e taças) há um interlúdio após o sexto selo e a sexta trombeta, mas não após a sexta taça. Isso significa que, além de a Igreja pregar o evangelho ao mundo, não há nada mais que os crentes possam fazer enquanto esperam pela consumação, que termina com o juízo final. João apresenta uma série de setes no contexto dos selos, trombetas e taças que revela paralelismo progressivo. Esses grupos de sete revelam pinturas em quadros que não são rigorosa mente contemporâneos nem sucessivos. E melhor dizer que os grupos de sete são compreendidos tanto simultânea quando sucessivamente.1Como os grupos de pinturas revelam, o enfoque sobre a vitória de Cristo e a derrota de Satanás se torna paulatinamente mais claro. Esses grupos, cada um a seu próprio modo, apontam para a consumação. João ouviu uma voz procedente do céu, dizendo: “Sele as coisas que os sete trovões falaram, e não as escreva” (v. 4). Como em outros lugares no Apocalipse, ele delineia a visão na linguagem do Antigo Tes tamento, extraindo algumas palavras da profecia de Daniel. Este rece be a ordem de selar suas visões, porque elas pertencem ao futuro (8.26; 12.4, 9; contrastar com Ap 22.10).2As visões de João também se tor nam realidade quando o tempo de Deus chegar. A fraseologia “entrou neles um sopro de vida, da parte de Deus, e eles ficaram em pé” (11.11) parece um eco vindo de Ezequiel 37.10: “e o espírito entrou neles; eles receberam vida e se puseram em pé.”3A instrução que o anjo minis 1. Referência a Herman H oeksema, Behold, He Cometh! An E xposition o fth e B ook o f R evelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing Association, 1969), p. 335. 2. Richard Bauckham, The Clim ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 251. 3. Consultar Steve M oyise, The O ld Testament in the Book o f R evelation, JSNTSup 115 (Sheffíeld: Sheffield A cadem ic Press, 1995), p. 105.
391
A po c a l ips e 10
trou a João para que comesse o pequeno rolo, cujo sabor era como o mel, é um eco dos Salmos e dos Profetas (SI 19.10; 119.103; Jr 15.16; Ez 2.8; 3.3-13). Qual é o significado da expressão pequeno rolo? Alguns intérpre tes afirmam que a expressão aponta para o rolo que o Cordeiro tomou da mão direita de Deus (Ap 5.1-9). Realçam que aqui o adjetivo p e queno perdeu seu sentido, visto que no grego a palavra rolo é por si só um diminutivo. Aliás, alguns exemplos provam que um diminutivo às vezes perde suas características.4O contexto deste capítulo mostra que João às vezes usa os termos rolo e pequeno rolo alternadamente (ver vs. 2, 8, 9, 10). Esses intérpretes concluem que as duas palavras significam a mesma coisa, e que não se deve dar demasiada importân cia a uma distinção entre o rolo em 5.1-9 e o pequeno rolo de 10.2, 9, 10.5Mas a intenção de João é identificar os dois rolos mencionados no capítulo 5 e no 10? Notamos que com respeito a essas palavras João faz poucas dis tinções. Primeiro, ele escreve o termo livro na frase o livro da vida, livro esse que contém os nomes do povo de Deus (3.5; 20.15). Ele parece querer comunicar a idéia de que este é um volume todo-inclusivo. Segundo, ele escreve a palavra rolo para o volume que está tão cheio que tem de escrever de ambos os lados e no dorso (5.1). Com este termo, ele parece dizer que o rolo é de considerável extensão. Terceiro, ao usar a expressão pequeno rolo, ele chama a atenção para um rolo não selado que permanece aberto na mão de um anjo (10.2). A guisa de contraste, o rolo que o Cordeiro tomou da mão de Deus era selado com sete selos. Quarto, se os dois rolos eram um e o mesmo, então teríamos esperado João acrescentar o artigo definido antes da palavra rolo, para alertar o leitor quanto às referências pré vias no capítulo 5, que não é o caso em 10.2 (“um pequeno rolo”). 4. Por exem plo, Hermas, Vision 2 .1 ,4 , mostra que as duas palavras gregas, biblaridion e biblidion são sinônim as de biblion, e todas elas significam “pequeno rolo”. 5. Frederick D. Mazzaferri, The Genre o f the Book o f Revelation from a Source-Critical Perspective, BZNW 54 (Berlin e N ova York: de Gruyter, 1989), pp. 265-79; Bauckham, Climax o f Prophecy, pp. 243-57; e ver seu Theology o f the Book o f Revelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), pp. 80-84. David E. Holwerda, ‘T h e Church and the Little Scroll (Revelation 10,11)”, CTJ 34 (1999): 14861. Holwerda concorda com Bauckham e sugere que “ambos os rolos poderiam ser coextensivos entre si e com o livro do A pocalipse depois da abertura dos selos.” (p. 153).
A p o c a l ip s e 10.1-4
392
Então, em 10.8, o artigo definido aparece (“o pequeno rolo”) se refe rindo a 10.2.6A partir de uma perspectiva exegética, os argumentos contra identificar os dois rolos são impressivos.7 Este pequeno rolo liga os capítulos 10 e 11. Seu conteúdo parece ser o evangelho que a Igreja proclama ao mundo (11.3-7). A Igreja deve profetizar a palavra de Deus e o testemunho de Jesus, que é exatamente a razão pela qual João se encontra na ilha de Patmos (1.9). Em obediên cia ao mandato de Jesus de sermos testemunhas antes que venha o fim (Mt 28.19, 20), este evangelho deve ser proclamado a “muitos povos, nações, línguas e reis” (10.11).8A tarefa das duas testemunhas, isto é, a Igreja, é proclamar a mensagem de salvação em um mundo hostil (11.3). O período durante o qual esta mensagem é proclamada “se re laciona não com o tempo da última trombeta, como muitos têm defendi do, mas com todo o período com o qual este livro se preocupa”.9 (1) Um A.njo Poderoso 10.1-4
1. E vi outro anjo poderoso descendo do céu, vestido de uma nuvem. E o arco-íris estava sobre sua cabeça, e seu rosto era como o sol, e suas pernas, como colunas de fogo. Quando João escreve dizendo que viu outro anjo poderoso, ele já não se encontra no céu, mas já está de volta à terra. Ele viu o anjo descendo do céu à terra, e estava “em pé sobre o mar e sobre a terra” 6. Ver Robert H. M ounce, The Book o f R evelaion , ed. rev., N ICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 202. A versão siríaca traz a expressão s e p h r â d eh a y ê ( o livro da vida) em 3.5, e s e p h r â também aparece em 20.12. A palavra k et h ã b h â (livro, registro) aparece em 5.1 -9, poréjji no capítulo 10 consistentem ente aparece a palavra k et h ã b h ü n â (livrinho, panfleto, vs. 2, 8, 9 ,1 0 ). A Siríaca lança luz na relevância do dim inutivo livrinho. 1. David E. Aune, R evelation 1 -5 , W BC 52 A (Dallas: Word, 1997), p. xcix; Gregory K. B eale (The Book o f R evelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC [Grand Rapids: Eerdmans, 1998], p. 531) nota “o fato inflexível” d eq u e a palavra biblaridion ocorre som ente aqui e, portanto, não pode ser destituído de importância. 8. Comparar Martin Kiddle, The Revelation o f St. John (reimp. em Londres: Hodder e Stoughton, 1943), p. 167; R. H. Charles, A C ritical and E xegetical C om m entary on the R evelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1.260; Charles R. Erdman, The R evelation o f John (Filadélfia: Westminster, 1936), p. 99. 9. G R. Beasley-M urray, The Book o f R evelation, NCB (Londres: Oliphants, 1974), p. 169.
393
A po c a l ips e 10.1-4
(v. 5). Anteriormente, João estivera no céu observando um rolo na mão direita de Deus, e um anjo poderoso perguntando quem seria digno de quebrar seus selos e abri-lo (5.1, 2). Com ligeira variação, o adjetivo poderoso é usado pela voz de um anjo que tinha grande autoridade (18.1, 2).10Mas qual é o significado do adjetivo neste contexto? Não temos como identificar o anjo com Jesus Cristo, pois em parte alguma neste capítulo lemos algo sobre cultuá-lo ou adorá-lo, o que seria legí timo no caso do Senhor. O Novo Testamento em geral, e o autor do Apocalipse em particular, não denomina Jesus de anjo. O escritor de Hebreus ensina que os anjos são criaturas em submissão a Jesus. Aliás, ele escreve: “Pois é claro que não é a anjos que ele ajuda, mas aos descendentes de Abraão” (2.16). Enquanto Jesus é divino e hu mano, os anjos são apenas espíritos. Portanto, resta arrazoar que, se Jesus fosse um anjo, era de se esperar que ele ajudasse os anjos seus colegas. Mas esse não é o caso, pois os anjos apóstatas não podem ser redimidos; estão condenados e em cadeias no Abism o." Além dis so, este anjo jura por aquele que vive para todo o sempre (v. 6), o que parece mais apropriado para um anjo do que para Jesus. E, por último, identificar o anjo com arcanjos (por exemplo, Miguel ou Gabriel), não passa de pressuposição.12 João descreve este anjo como poderoso em virtude da aparência física de sua cabeça, rosto e pernas; esta colossal figura está em pé sobre o mar e sobre a terra, e com sua repercutida voz ele atinge tudo na criação de Deus. Além disso, ele possui o tremendo poder necessá rio para a execução do propósito divino. E possível que haja similarida des entre a figura do poderoso anjo (vs. 1-6) e a descrição da estátua 10. Em sua dissertação sobre anjos, M. Robert M ulholland Jr. assevera que em inúme ros lugares onde se mencionam anjos no A pocalipse (7.2; 8.3; 10.1; 18.1; 20.1; 22.6-9), eles são identificados com Cristo. Ver R evelation: H oly Living in an Unholy World (Grand Rapids: Zondervan, Frances Asbury Press, 1990), pp. 62-64. D a m esma forma, B eale (R evelation, p. 525) escreve que “o anjo é o divino Anjo do Senhor, com o no AT, que deve ser identificado com o próprio Cristo”. 11. Simon J. Kistemaker, Exposition o f the Epistle to the H ebrews, NTC (Grand Rapids: Baker, 1984), p. 76. 12. Referência a George Eldon Ladd, Com m entary on the R evelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 141; Alan F. Johnson, Revelation, em The E x p o sito r’s Bible Com mentaray, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.496; Charles, R e"elation, 1.258; Robert L. Thom as, R evelation 8 - 1 2 : An E x eg etica l Commentary (Chicago: M oody, 1995), pp. 59, 60.
A p o c a l ip s e 10.1-4
394
de bronze de Colossos de Rodes, uma ilha que fica a sudeste de Patm os.13Esta figura, erigida cerca do ano 280 a.C., alcançou uma altura de 32 metros. Mas um terremoto quinze anos mais tarde a des truiu, e assim a estátua perdeu sua importância. Não há indicação de que João tivesse em mente um ícone dedicado a um deus sol. Este anjo poderoso vem diretamente da presença de Deus e do Senhor Jesus Cristo. Ele está vestido de uma nuvem para demonstrar sua eminência e majestade. A Escritura fala poeticamente de nuvens como veículos que Deus usa para movimento (Ex 13.21; Dt 33.26; SI 104.3; Is 19.1). Também o Filho do Homem virá com uma nuvem (Dn 7.13 e ver Ap 1.7; 14.14). Em torno da cabeça do anjo há um arco-íris, como símbolo da fidelidade de Deus em guardar as promessas pactuais com seu povo (Gn 9.12-16). Isso não significa que Deus apareça na forma de um anjo, mas que Deus enviou este anjo como seu mensagei ro com o propósito de comunicar sua soberania e sua fidedignidade. Os matizes do arco-íris resultam de uma refração dos raios brilhan tes que irradiam do rosto do anjo (comparar Ez 1.28). Como o rosto de Jesus “era como o sol quando brilha com todo seu fulgor” (1.16), assim a referência ao rosto do anjo se tornando como o sol significa que o anjo veio da presença de Jesus. Enquanto os pés de Jesus eram como bronze polido refinado em fornalha (1.15), as pernas do anjo são como colunas de fogo. A descrição se destina a comunicar a magnitude e magnificência do aspecto do anjo. A imagem das pernas do anjo como colunas de fogo se refere indiretamente ao cuidado providencial de Deus. Deus protegeu os israelitas com calor durante as frias noites do deserto, e com a luz oriunda de uma coluna de fogo, e com ela os protegeu do exército egípcio, assim mostrando sua constante intimida de e poder (Êx 13.21, 22; 14.24).
2. E segurava um pequeno rolo desenrolado em sua mão. Ele pôs seu pé direito sobre o mar e o esquerdo sobre a terra. 3. E bradou como o rugido de um leão; e, quando ele bradou, os sete trovões fizeram ouvir suas vozes. a. “E segurava um pequeno rolo desenrolado em sua mão.” João uma vez mais recorre ao Antigo Testamento em busca de seu material descritivo, volvendo-se à profecia de Ezequiel. O profeta escreve que 13. David E. Aune, Revelation 6 -1 6 , WBC 52B (Nashville: Nelson, 1998), pp. 556,557.
395
A po c a l ips e 10.1-4
uma mão, estendida para ele, segurava um rolo que estava desenrolado em sua frente (Ez 2.9). De importância é o termo desenrolado, o qual sugere que o volume é pequeno em tamanho, ao ponto de dar ao leitor plena visão da mensagem escrita. João, pois, qualifica o rolo com o adjetivo pequeno com o fim de transmitir a idéia de “um pequeno rolo de papiro” .14O contraste entre esta tira de papel e o rolo que estava selado (Ap 5.1) é claro. A mensagem do rolo selado revelava o plano de Deus para o mundo inteiro ao longo do tempo cósmico do começo ao fim. Mas a tira de papiro permanecendo aberta na mão do anjo é evidentemente uma mensagem evangélica relatando o testemunho de Jesus. Ainda que o texto propriamente dito seja breve, o contexto deste capítulo e do próximo derrama luz sobre a significação do pequeno rolo. Equivale a dizer que, depois que João consome o livrinho, ele recebe a ordem para profetizar (v. 11); semelhantemente, as duas testemunhas profetizaram até que terminassem seu testemunho (11.3, 6, 7). b. O anjo “pôs seu pé direito sobre o mar e o esquerdo sobre a terra.” Aqui está um quadro de um anjo que é de aspecto colossal e que controla a criação divina, no mar e na terra, respectivamente. Com uma mensagem escrita na mão, ele toma posse do mar e da terra - o mar vem primeiro como sendo o maior dos dois corpos. Note a repeti ção da frase “em pé sobre o mar e sobre a terra” (vs. 5 e 8). Não creio que pôr o pé esquerdo sobre a terra simbolize algo sinistro, e que o pé direito sobre o mar signifique algo venturoso. Além do mais, não há necessidade de dizer que João escreveu de seu ponto de vista da ilha de Patmos, quando viu o pé direito do anjo sobre o Mar Mediterrâneo, e o esquerdo sobre a Ásia Menor. O versículo comunica a autoridade des te anjo gigantesco sobre a terra e o mar, respectivamente, pois ele vem com uma mensagem que proclama salvação aos que obedecem, e de juízo aos que rejeitam essa mensagem. c. “E bradou com grande voz como o rugido de um leão.” Uma vez mais, João recorre aos profetas veterotestamentários. A fraseologia “ru gido como de um leão” provém de Oséias 11.10, onde o Senhor Deus 14. Henry Barclay Sw etc, Com m entary on R evelation (1911; reimp. em GrandRapids: Kregel, 1977), p. 126. IsbonT . Beckwith (The A pocalypse o fJ o h n [1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979], p. 580) comenta: “Evidentemente, a palavra se destina a distinguir este rolo do grande rolo do capítulo 5 .” Semelhantemente, Jürgen R oloff, The R evelation ofJ o h n , trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 123.
A p o c a l ip s e 10.1-4
396
ruge para dizer aos israelitas que estão espalhados em vários países que regressem do exílio. Em Amós 3.8 lemos: “O leão rugiu - quem não temerá? O Senhor, o Soberano, falou - quem não profetizará?” Quando o Senhor ruge de Sião, seu povo é advertido de que o juízo virá caso não ouça. De igual modo, Jeremias escreve esta palavra de profecia: O S enhor ruge do alto;
troveja de sua santa morada; ruge poderosamente contra sua propriedade (NVI). (Jr 25.30; ver Am 1.2) Pedro fala em termos descritivos sobre Satanás rodeando como um leão que ruge (IPe 5.8). Aqui, porém, o quadro se refere à voz de um anjo poderoso que brada com um volume tal de voz que é ouvido por toda a criação divina. Em suma, a ilustração de um leão que ruge é um símbolo de um som que reverbera. d. “E quando ele bradou, os sete trovões fizeram ouvir suas vozes.” João escreve em paralelismo poético, em ambas as linhas, nesta e na anterior. Como o leão que ruge sobre a terra, assim o trovão estrondeia no céu. À guisa de ênfase especial, ele nota que houve o estrondo de sete trovões. O número sete não tem sentido literal, mas apenas signi ficação simbólica. Sete está para completude, de modo que o ruído do trovão é esmagador nos sentidos das pessoas vivas sobre a terra. Tanto o rugir do leão quanto os estrondos do trovão induzem ao temor e à trepidação nos corações dos habitantes da terra. João e seus leitores estavam familiarizados com um dos Salmos de Davi, aquele que enaltece a glória, a majestade e o poder de Deus. “A voz do S enhor está sobre as“aguas; o Deus da glória troveja; o S enhor troveja sobre as poderosas águas. A voz do S enhor é poderosa; a voz do S enhor é majestosa” (SI 29.3,4). A alusão que João faz ao Salmo 29 é ainda mais significativa quando percebemos que nesse Salmo Davi faz menção da frase “a voz do S enhor” sete vezes. Além disso, no Apocalipse, João reiteradamente menciona trovão como “um sinal da presença e do juízo divinos”.15No Salmo 29, porém, bem como no 15. John P. M. Sw et, Revelation, WPC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 138. Ver também Friedrich Düsterdieck, C riticai and Exegetical H andbook to the R evelation o f John (N ova York e Londres: Funk e Wagnalls, 1886), p. 300; Leon Morris, R evelation,
397
A po c a l ips e 10.1-4
Apocalipse, os estrondos do trovão não são simplesmente ruídos, mas linguagem articulada.
4. E quando os sete trovões falaram, eu estava prestes a escrever, e ouvi uma voz do céu, dizendo: Sele as coisas que os sete trovões disseram, e não as escreva. Quando a Escritura usa a palavra trovão, quase sem exceção ela traz uma mensagem de poder e juízo divinos. No Apocalipse, o trovão reiteradamente acompanha a atividade e as mensagens divinas (por exemplo, 4.5; 6.1; 8.5; 11.19; 16.18). O estampido do trovão é um sím bolo de juízo. A sétupla trovoada chega a João na forma de palavras expressas, porém não somos informados sobre o que foi dito. Assevero que João enfatiza o ato de falar, e não a mensagem que ele comunicou. E por isso presumo que essas palavras expressas difiram da mensagem do rolo (v. 2). O rolo contém uma mensagem profética, enquanto a comu nicação dos sete trovões não pode ser conhecida. Ainda que João de seje ser obediente à voz de Jesus, que primeiro o chamou para escrever (1.11, 19), ele agora recebe a ordem vinda de uma voz celestial para não escrever. Essa voz que lhe fala provavelmente seja a voz de Jesus Cristo, que no Apocalipse fala a João com muita freqüência (ver 9.13, 14; 10.8; 11.12). João diz que estava prestes a escrever. Enquanto a pena em sua mão estava para registrar, ele ouve uma voz divina dizendo: “Sele as coisas que os sete trovões disseram.” As palavras podem ser seladas quando estão sendo escritas, mas antes que o autor comece a escrever as palavras, recebe a ordem de selá-las. Qual é precisamente o signifi cado da ordem? Este versículo comunica que as palavras da voz dos sete trovões não devem ser reveladas. E a razão de que esta ação é ainda mencionada é para diferenciar entre as coisas que são seladas e as que são reveladas (ver Dt 29.29). Não nos é permitido especular e pressupor qual poderia ser a mensagem do sétuplo trovão. Isso perma nece um mistério que devemos deixar sem explicação. O verbo selar aparece uma vez mais no último capítulo do Apocalipse, onde João é orientado a não selar as palavras da profecia deste livro ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 135; William Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 124 n. 2; Bauckham, Climax o f Prophecy, p. 259.
A p o c a l ip s e 10.1-4
398
(22.10). Isso contrasta a instrução que Daniel recebeu de selar sua vi são e o escrito em um rolo. Essa restrição deve ser mantida até o fim dos tempos (Dn 8.26; 12.4,9). Semelhantemente, a mensagem que veio a João da parte dos sete trovões terá que esperar até que o tempo cós mico chegue ao fim. Compreendemos que as visões e as palavras sobre o céu e o futuro às vezes não podem ser expressas inteligivelmente a seres humanos; nossa capacidade para compreender as maravilhas celestiais é severamente limitada no estado pecaminoso que é o nosso.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 10.1-4 Versículo 1 f| ípiç - a palavra arco-íris está no caso nominativo, em vez do acusativo, como objeto do verbo “vi”. João, porém, escreve num estilo aramaico coorde nado consistindo de frases que assumem o lugar de sentenças. O mesmo se dá no caso do particípio singular nominativo íywv (tendo), que teria estado no acusativo. Versículo 2 pip^apíôiov - “livrinho.” Esta palavra ocorre três vezes neste capítulo (vs. 2,9,10) e em nenhum outro lugar. E diminutivo, como se dá com o termo pi.pA.iov (v. 8). Os manuscritos variam entre essas duas palavras e todos esses versículos, mas a evidência manuscrítica endossa melhor as redações no texto. Versículo 3 |iUK
5. E o anjo que vi em pé sobre o mar e sobre a terra ergueu sua mão direita ao céu. 16. A . T. Robertson, A G ram m ar o f the Greek N ew Testament in the Light o f H istorical R esearch (Nashville: Broadman, 1934), p. 853.
399
A p o c a l ip s e 10.5-7
O autor resume sua identificação do anjo. Ele deixa a impressão de que o anjo que desceu do céu deve ser distinto de Jesus. Ao mencionar novamente a postura do anjo sobre o mar e sobre a terra, João deseja ressaltar o poder e autoridade desse servo particular de Deus. Erguer, alguém, a mão direita para pronunciar um juramento é cos tumeiro hoje nos tribunais e nas inaugurações. Indica apelar para Deus como o poder supremo no céu e na terra; às vezes o apelo é concluído com a frase: “E que Deus me ajude.” A Escritura fornece referências a pessoas e a Deus erguendo suas mãos para o céu quando pronunciam um juramento. Para ilustrar, Abraão ergueu sua mão para o Senhor Deus quando fez um juramento na pre sença do rei de Sodoma (Gn 14.22). Daniel viu um homem vestido de linho, erguendo ambas as mãos para o céu e jurando por aquele que vive para sempre (Dn 12.7). E Deus jura por si mesmo e ergue sua mão para o céu (Êx 6.8; Dt 32.40).
6. E jurou por aquele que vive para todo o sempre, que criou o céu e as coisas que nele existem, a terra e as coisas que nela existem, o mar e as coisas que nele existem, e disse: Já não haverá demora. Há um elo entre o versículo precedente (5) e este, na tríplice divi são do mundo criado. O versículo 5 apresenta a seqüência: mar, terra e céu; aqui a ordem é revertida: céu, terra e mar. O anjo jura por aquele que vive para todo o sempre. Ao jurar pelo Deus vivo, ele testifica que as palavras expressas são absolutamente infalíveis e confiáveis. Além do mais, enquanto uma lei pode ser muda da ou revogada, um juramento incondicional não pode ser alterado, mas permanece em vigor. Como o anjo jura por Deus, que vive para todo o sempre, ele evoca sua eternidade aplicando-a ao juramento. A frase para todo o sempre ocorre com mais freqüência no Apocalipse (1.6, 18; 4.9,10; 15.7) do que em qualquer outro livro neotestamentário. Em seguida, o anjo jura porque Deus é o Criador do mundo e vela sobre tudo o que o céu, a terra e o mar contêm. Equivale a dizer que, ele apela para o cuidado previdente de Deus sobre todas as suas cria turas (Êx 20.11; Ne 9.6; SI 146.6; At 4.24) e relaciona o mundo inteiro e toda sua plenitude com o juramento que ele pronuncia. O juram ento revela limite de tempo, pois o anjo diz: “Já não há demora.” Uma tradução literal é: “O tempo já não mais existirá”, sig
A po c a l ip s e 10.5-7
400
nificando que um período de espera já expirou, de modo que sem qual quer mais delonga o juízo de Deus começará a concretizar-se. No tocante a Jezabel, Jesus diz: “E eu lhe dei tempo para arrepender-se, ela, porém, não quer arrepender-se de sua fornicação” (2.21). Quan do expira o tempo de arrependimento, a delonga se torna inofensiva. Mas como devemos entender o conceito delonga quando o tempo cronológico avança para seu inevitável fim? Há um conflito com a súplica das almas que clamam debaixo do altar: “Até quando, ó Sobe rano Senhor, santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar nosso sangue?” E o Senhor lhes disse que esperas sem um pouco mais (6.10, 11). A resposta está no fato de que o interlúdio do capítulo 10 ocupa um lugar entre o toque da sexta trom beta (9.13) e o da sétima (11.15). Este interlúdio apresenta uma pintu ra dentro da tela. Ele mostra uma ocorrência apresentada em uma seqüência não necessariamente cronológica, mas concorrente com os eventos na época antes do regresso do Senhor e mesmo antes que o anjo toque a sétima trombeta. Então as pragas se concretizarão. Se rão completadas quando o sétimo anjo, derramando a taça da ira de Deus, pronunciar a fórmula breve: “Feito está” (16.17). Como uma última observação, é preciso ter em mente que as palavras expressas pelo anjo poderoso (v. 1) estão verbalizadas no contexto de verbalização de um juram ento solene.
7. Contudo, nos dias quando a voz do sétimo anjo estiver para tocar sua trombeta, o mistério de Deus se cumprirá, se gundo ele proclamou a seus servos, os profetas. a. “Contudo, nos dias quando a voz do sétimo anjo estiver para tocar sua trombeta.” A adversátiva contudo liga este versículo à últi ma linha do versículo 6, onde João nota que já não haverá demora. A divisão entre os versículos 6 e 7 é infeliz, pois a sentença precedente deve ser tomada com o versículo 7. Esperaríamos que o sétimo anjo tocasse sua trombeta para introdu zir a série de sete pragas. Esse, porém, não é o caso aqui, porque João está escrevendo apenas uma referência preliminar a este evento, e não o evento propriamente dito, o qual se concretizará em 11.15. Com esta referência, ele diz ao leitor que espere até que ele tenha completado a composição de seu interlúdio, o qual descreve a tarefa do povo de Deus sobre a terra.
401
A po c a l ips e 10.5-7
Em outros termos, o toque da sétima trombeta não ocorrerá im e diatamente, durante ou depois da vida terrena de João. Quando esta trombeta soar, os dias do fim terão chegado, e se farão visíveis através de diversas visões.17A trombeta soará e anunciará a mensagem de que o fim está perto e a consumação desta era está chegando. E quando esta trombeta for ouvida, o segundo ai pertencerá ao passado (11.14). O terceiro ai abrange o juízo (11.15b-19). b. “O mistério de Deus se cumprirá, como ele proclamou a seus servos, os profetas.” Qual é o significado da expressão o mistério de D eusl João recorre aos profetas veterotestamentários, Daniel e Amós, para o cenário deste versículo. Nabucodonosor pediu a Daniel que in terpretasse um sonho que tivera, ao que o profeta responde que nin guém poderia fazê-lo. “Mas”, disse Daniel, “há um Deus no céu que revela mistérios” (2.28). E, na qualidade de mensageiro de Deus, ele interpretou o sonho do rei com respeito a eventos futuros. Em seguida, Amós garantiu ao povo de Israel que “o Senhor Deus nada faz sem revelar seu segredo a seus servos, os profetas” (3.7 N R SV ). Deus reve la seu mistério a João, seu porta-voz, relativo aos eventos que devem ocorrer nos últimos dias. Os eventos se concretizam no futuro, no tempo em que o mistério de Deus se concretizará. De uma forma muito interessante, enquanto na tradução se usa o futuro do verbo consumar, o texto grego exibe o pretérito. No grego, o pretérito tem uma conotação futurística que deve ser entendida, não do ponto de vista do autor, mas do eventual cumpri mento de Deus. Quando a delonga tiver completado seu curso (v. 6), a trombeta do sétimo anjo soará e Deus fará com que seu misterioso plano se torne realidade. Quando essa trombeta soar, virá o tempo em que Deus e seu Cristo governem o reino do mundo e julguem os mortos (11.15-18). O clamor das almas debaixo do altar, rogando que se cum pra a justiça no Dia do Juízo (6.10; 20.11-15), e o toque da sétima trombeta são um sinal daquele dia. Durante o tempo precedente ao Dia do Juízo, contudo, os profetas de Deus devem proclamar ao mundo sua mensagem de salvação. Deus não deseja que “alguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9). 17. James L. Resseguie, Revelation Unsealed: A N arrative Critical A pproach to Joh n ’s A po ca lyp se, BIS 32 (Leiden: Brill, 1998), p. 164.
A p o c a l ip s e 10.5-7
402
Quem são esses profetas de Deus? O termo seus servos, os pro fetas aparece freqüentemente no Antigo Testamento.18Ele inclui os profetas de ambas as dispensações, dos quais João é o último, de acor do com o registro da Palavra de Deus. João não faz distinção entre os profetas das duas eras: todas as pessoas comissionadas a escrever a Palavra divina são profetas, e isso inclui os apóstolos e seus cooperadores (Ef 3.4, 5). E João mesmo tem a honra de revelar à Igreja o apocalipse de Deus concernente ao tempo do fim. Finalmente, Deus proclamou as boas-novas de sua revelação a seus servos, os profetas. E a mensagem da redenção divina para os que o amam, e juízo para os que o odeiam. Deus dá esta mensagem a seus servos, de quem ele espera a transmissão da mesma a todos os povos (vs. 10, 11; 11.3,10).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 10.6,7 Versículo 6 wp.oo€u èv - “ele jurou por.” A preposição kv, usada com o verbo jurar, reflete a sintaxe hebraica (Mt 5.34,36; 23.16).19Na gramática grega, este verbo é seguido do caso acusativo (Tg 5.12), da preposição xam (Hb 6.13,16) ou da preposição eiç (Mt5.34,35). Versículo 7 €i)f|YYÉliaev - este é o aoristo ativo do verbo levar boas-novas. No Novo Testamento, o ativo aparece só aqui e em 14.6; nos demais lugares, está na voz média. O ativo é prevalecente no grego recente, e em essência é quase o equi valente da voz média, que é muito mais comum, eijayYeÀÍ.Co|iaL.20 (3) O Rolo e Seu Propósito 10. 8-11
O anúncio do juízo iminente é moderado pelas introvisões adicio nais no desenrolar da história mundial. Primeiro, o conflito entre o bem e o mal conduz inevitavelmente a seu final. Segundo, durante o interlúdio, 18. 2 R eis 17.13,23; 21.10; Esdras 9.11; Jeremias 7.25; 25.4; 26.5; 29.19; 35.15; 44.4; Daniel 9.6, 10; A m ös 3.7. 19. C. F. D . M oule, An Idiom -B ook o f N ew Testament Creek, 2 “ ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), p. 183. 20. Bauer, p. 317.
403
A p o c a l ip s e 10.8-11
Deus não abandona os seus, mas faz sua revelação conhecida. E, ter ceiro, a revelação deve ser proclamada a todos os povos pelo mundo afora.
8. E a voz do céu, que ouvi falando comigo novamente, dis se: Vá, tome o rolo que está desenrolado na mão do anjo que está em pé sobre o mar e sobre a terra. A primeira vez que a voz celestial falou, disse a João que selasse as coisas que os sete trovões disseram, e não as escrevesse (v. 4). É evidente que essa voz é a de Jesus Cristo. A voz emite uma ordem clara, dizendo: “Vá!” Esta palavra é segui da de um segundo imperativo: “tome!” O objeto que João deve tomar é o rolo, que agora é qualificado pela frase: “que está desenrolado na mão do anjo.” Aqui está um pequeno rolo ou livrinho que pode ser lido de relance (v. 2). O anjo é identificado como sendo aquele que controla mar e terra, isto é, a criação divina e todos quantos vivem nela. Esse anjo poderoso, portanto, vem com a mensagem do Deus Todo-Poderoso. Três vezes sucessivas o escritor descreve a postura desse anjo sobre mar e terra (vs. 2, 5, 8). 9. E me dirigi ao anjo e lhe pedi que me desse o pequeno rolo. E ele me disse: Tome-o e coma-o, e ele lhe será amargo ao estômago, porém, em sua boca, será doce como o mel. Em pé sobre a terra, João se chegou ao anjo com o pequeno rolo ainda aberto em sua mão e lho pediu. Eis a resposta que o anjo lhe deu: “Tome-o, e coma-o.” A fraseologia é tomada do livro de Ezequiel, onde uma voz procedente do céu instrui o profeta a comer um rolo aberto e a encher seu estômago com ele. Ezequiel obedece e descobre que o mesmo, em sua boca, é doce como o mel (Ez 2.8; 3.1-3). O profeta vê o rolo aberto e nota que há em ambos os lados palavras de lamento, pranto e ais (Ez 2.10). João recebe a ordem de comer o pequeno rolo, o qual, em sua boca, será doce como o mel, porém amargo em seu estômago. Ele agora está pessoalmente envolvido em conhecer o livrinho. Ao comê-lo e deglutilo, absorve seu efeito em seu interior. Esta é a Palavra de Deus, que em sua boca é mais doce que o mel (SI 19.10; 119.103). É deveras uma alegria receber as palavras de Deus em sua boca e entoar seus louvo res. Mas essa mesma Palavra, quando proclamada, gera tensão interior,
A p o c a l ip s e 10.8-11
404
que é amarga. Primeiro, ela desvenda os pecados ocultos nos recessos mais íntimos do coração de uma pessoa. Segundo, o mundo rejeita a Palavra de Deus e demonstra oposição, atacando seus mensageiros. Terceiro, todo dom que Deus dá a seu povo é sempre bom. Ainda que seu povo suporte opressões e perseguição por causa de sua Palavra, Deus os abençoa, atraindo-os para mais perto de si. Não obstante, enquanto o evangelho traz vida e alegria aos cren tes, esse mesmo evangelho leva os incrédulos a reagirem com indife rença, antipatia e inimizade. Tanto os profetas da era veterotestamentária quanto os apóstolos dos tempos neotestamentários experi mentaram oposição do povo de Israel e do mundo. Eram portadores da mensagem de redenção, a qual era pedra de tropeço para os judeus e loucura para os gentios (IC o 1.23). O evangelho de Cristo converte os membros da própria casa de alguém em seus próprios inimigos (Mt 10.35, 36), e o mundo incrédulo odeia os servos do Senhor (Jo 15.18, 19). Aliás, isso é o que as duas testemunhas do Apocalipse encontram quando profetizam ao mundo em nome do Senhor: foram mortas (Ap 11.3-10).
10. E tomei o pequeno rolo da mão do anjo e o comi. Em minha boca ele era doce como o mel; e quando o comi, meu estômago tornou-se amargo. 11. E me foi dito: Você deve profe tizar novamente contra muitos povos e nações e línguas e reis. a. “E tomei o pequeno rolo da mão do anjo e o comi.” A seqüência da ação de “meu estômago tornou-se amargo” e “em minha boca era doce como o mel” (v. 9) é agora revertida para o processo nor mal de com er e digerir. Alguns comentaristas interpretam esta m en sagem literalm ente, ressalíando que o fluxo natural da boca para o estôm ago sugere um deglutir literal do livrinho.21 Prefiro dizer que João m entalm ente tomou posse da mensagem do pequeno rolo para que se assenhoreasse plenamente dela. Ele provou sua doçura em sua boca quando proclamou a mensagem; mas, notando a oposição que esta palavra gerou entre o povo, teve que suportar amargura em seu íntimo. Testemunhar do Senhor demanda inabalável coragem e gracioso tato. Quem quer que fale a Palavra de Deus em um mundo hostil sofre 21. Thomas, Revelation 8 -2 2 , p. 74; Düsterdieck, R evelation, p. 304.
405
A p o c a l ip s e 10.8-11
rá oposição, escárnio e será ridicularizado. Mas tal pessoa deve ter absorvido totalmente a Palavra para que ela se torne parte inseparável de seu ser. Ele ou ela deve apropriar-se da mensagem de Deus pela fé, obedecê-la plenamente, deixar-se controlar totalmente por ela, perma necendo perenemente sincero à sua mensagem, falando judiciosamen te e não guardando silêncio.22 b. “E me foi dito: ‘Você deve profetizar novamente contra muitos povos e nações e línguas e reis.” ’ Quase cada palavra nesta sentença apresenta perspectivas interessantes e inclusive algumas dificuldades. Começamos com a fórmula introdutória “E eles me disseram”. Presu mimos que o pronome eles aponta para a voz celestial que fala a João. Mas ele não os identifica. Portanto, o sujeito indefinido nos permite traduzir a fórmula na voz passiva: “E me foi dito.” O uso da voz passiva oculta a identidade do agente. Segundo, uma obrigação moral está posta nos ombros de João. Quan do as vozes celestiais lhe ordenam que profetize, ele sabe que tem de obedecer à vontade de Deus. Profetizar não significa meramente pre dizer o que ainda não aconteceu; significa também propagar todas as demais visões e as revelações que João recebera. Em suma, ele deve proclamar a plena revelação de Deus. O advérbio novamente significa que João recebera anteriormente alguma informação que tinha de tor nar conhecida. E agora, possuindo a mensagem do pequeno rolo, lhe é dito que faça essa mensagem conhecida ao mundo. Terceiro, uma palavra grega está aberta a várias traduções, a sa ber: a preposição epi, a qual neste versículo pode significar “antes” ( kjv), “contra” ( njb ), “concernente” ( nasb ), “sobre” ( reb ) e “acerca de” ( n vi , nrsv ). A maioria dos tradutores tem interpretado a preposição grega como “acerca de”. Assim, João recebe a ordem de profetizar “acerca de muitos povos e nações e línguas e reis”. Ainda que esta tradução seja boa, permanece a questão concernente aos destinatários da mensa gem. Esses quatro grupos são receptivos (5.9; 7.9) ou hostis ao evan gelho? João parece usar a frase em relação aos incrédulos que devem ser julgados por causa de sua identificação com Babilônia e com a besta (11.9; 13.7, 8; 14.6; 17.15). Portanto, a tradução contra é prefe22. Comparar Hoeksema, Behold, He Comethl, p. 357.
A p o c a l ip s e 10.8-11
406
rível e pode ser endossada por Jeremias 25.30 (32.30 lxx ): “Profetiza agora todas essas palavras contra eles.”23 João categoriza a humanidade em quatro grupos: povos, nações, línguas e reis; o número quatro simboliza o mundo. Ele escreve um quádruplo agrupamento de pessoas sete vezes no Apocalipse: cinco têm as mesmas categorias, ainda que em seqüência diferente (5.9; 7.9; 11.9; 13.7; 14.6) e dois com variações (10.11, “reis” em lugar de “tri bos”; 17.15, “multidões” em lugar de “tribos”). Considerar essas sete ocorrências nos lembra que o número sete significa completude. João alude ao livro de Daniel, onde uma frase tríplice (povos, nações, lín guas) ocorre seis vezes.24A antiga tradução grega de Daniel, contudo, acrescenta a palavra nações à frase em Daniel 3.4, e assim fornece uma lista de quatro categorias (ver também Gn 10.20, 31).25 Deus quer que toda a humanidade ouça e responda a sua mensa gem. Ele está preocupado com todas as pessoas, pois todas elas são individualmente portadoras de sua imagem (Gn 1.27). O Senhor Deus não deseja que alguém sofra uma morte espiritual: “Eu não tenho pra zer na morte de alguém, declara o Soberano Senhor. Arrependa-se e viva!” (Ez 18.32). Ele deseja que as pessoas em todos os lugares “se jam salvas e venham ao conhecimento da verdade” (lT m 2.4).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 10.8-11 Versículo 8 Xèyovaav - gramaticalmente, este particípio deve estar no caso nominativo, porém está no caso acusativo por atração ao particípio presente A.aA.oüooa'. E possível também que a última letra, léyouoav, seja o v móvel para separá-la do imperativo presente, ümxye (vá!). xò piplíov - o manuscrito que endossa esta palavra no capítulo 10 é divi dido. Os manuscritos A, C e 1006 têm esta redação no versículo 8, e os manus critos p47, Xe 1006 a têm no versículo 9 .0 TR e o Texto Principal têm o diminu tivo pip/Uõápiov em ambos os versículos. As duas palavras neste versículo são idênticas em significado por causa da frase qualificativa “desenrolado na mão do anjo”, o que indica ser o livrinho mencionado no versículo 2.26 23. Aune, Revelation 6 -1 6 , pp. 573-74; B eale, Revelation, p. 554. M ounce (R evelation, p. 210 n. 52) toma epi “no sentido de ‘para’ ou ‘acerca de’, em vez de ‘contra’.” 24. D aniel 3.4, 7; 4.1 (Theod. somente; = 3.31 MT); 5.19; 6.25; 7.14. 25. Referência a Bauckham, Clim ax o f P rophecy, pp. 326-28. 26. J. R am sey M ichaels (In terpreting the B ook o f R evelation [Grand Rapids: Baker,
407
A p o c a l ip s e 10.8-11
Versículo 10
A redação pipiapíôtou (v. 10), em vez de pipiíov, é decidida “no peso da evidência textual”.27 Versículo 11 Àéyoucnv - a leitura variante é o presente singular Xéyei, que obviamente é um corretivo textual. A leitura mais difícil é a original. €ttÍ - com o genitivo, a preposição significa “antes de”; com o acusativo, “contra”; e com o dativo, “a respeito de”.28
1992], p. 61) liga 10.8 à 5.1. Ele interpreta 10.8, dizendo: “Vá tomar o rolo [com o artigo definido remontando ao rolo descrito no capítulo 5]...”. Mas tal exegese dificilm ente pode ser correta em vista do versículo 2, o qual tem o substantivo rolo sem o artigo definido; esta ocorrência da palavra serve com o o antecedente mais imediato, e daí mais provável, para o artigo que aparece no versículo 8. 27. Bruce M. M etzger, A Textual Com m entary on the G reek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 671. 28. S. Greijdanus, D e O penbaring d e s H eeren aan Johannes, K N T (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 224. N o A ntigo Testamento, a frase profetizar contra é comum na maioria dos profetas (Jr 25.13; Ez 4.7; 11.4; 25.2).
E sboço (continuação) b. As Duas Testemunhas (11.1-14) (1) O Templo (11.1, 2) (2) O Poder das Duas Testemunhas (11.3-6) (3) A Morte das Duas Testemunhas (11.7-10) (4) A Ressurreição das Duas Testemunhas (11.11-14) 9. A Sétima Trombeta (11.15-19) a. Os Dois Hinos (11.15-18) b. A Aliança de Deus (11.19)
C a p í t u l o 11
As D u a s T e s t e m u n h a s
e a S é tim a T r o m b e ta
( A p o c a l i p s e 11.1-19) A 1 Deram-me um caniço semelhante a uma vara de medir, e me disseram: * Levante-se e meça o templo de Deus e o altar e os que adoram ali. 2 Exclua, porém, o átrio externo do templo e não o meça, porque ele foi dado aos gentios, e pisarão a cidade santa durante quarenta e dois meses. 3 E darei [poder] às minhas duas testemunhas e profetizarão durante 1.200 dias, vestidas de pano de saco. 4 Estas são as duas oliveiras e os dois cande labros que permanecem diante do Senhor da terra. 5 E se alguém quiser fazerlhes mal, sai fogo de suas bocas e devoram seus inimigos. E se alguém desejarlhes o mal, é assim que deve ser morto. 6 Estes têm poder de fechar o céu para que não chova durante os dias de sua profecia, e têm poder sobre as águas para convertê-las em sangue e ferir a terra com todo gênero de praga, quantas vezes desejarem. 7 E quando terminarem seu testemunho, a besta que emerge do Abismo fará guerra contra eles e os vencerá e os matará. 8 E seus corpos jazerão na rua da grande cidade que espiritualmente se chama Sodoma e Egito, onde também seu Senhor foi crucificado. 9 E os [cidadãos] dos povos e tribos e línguas e nações contemplarão seus corpos durante três dias e meio, e não permitirão que seus corpos sejam depositados em um túmulo. 10 E os habitantes se alegrarão por causa deles e festejarão, enviando presentes uns aos outros, pois esses dois profetas atormentaram os que habitam na terra. 11 E depois de três dias e meio o espírito de vida da parte de Deus entrou neles e os pôs de pé, e grande temor sobreveio aos que os viam. 12 E ouviram um brado vindo do céu dizendo-lhes: Subam para cá. E subiram numa nuvem, e seus inimigos os viram. 13 E naquela hora houve um grande terremoto e caiu um décimo da cidade e sete mil pessoas foram mortas no terremoto, e o resto ficou aterrado e deu glória ao Deus do céu. 14 O segundo ai passou. Eis que logo vem o terceiro.
I
A po c a l ipse 11
410
b. A s D uas Testemunhas
11.1-14 A segunda parte do interlúdio poderia estar, em grande medida, inclusa no capítulo 10, assim como o capítulo 7 tem um interlúdio de duas partes. Esta segunda parte é uma continuação do primeiro seg mento com respeito à mensagem do rolo que é doce ao paladar, porém amarga ao ser digerido. Nesta parte, as duas testemunhas proclamam seu testemunho, porém experimentam oposição, guerra e morte. Entre tanto, sua morte não equivale a derrota, pois ressuscitarão dos mortos e subirão ao céu. Antes de João escrever sobre as duas testemunhas, ele relata sua missão de medir o templo de Deus, porém não o átrio externo.1 Ele menciona a localidade como sendo a cidade santa, e a duração como sendo quarenta e dois meses ou 1.260 dias. Muito se tem escrito acer ca do lugar e do tempo que João menciona: a. O primeiro ponto de vista é uma interpretação literal do templo de Jerusalém antes de sua destruição, em 70 d.C.2Mas o termo Je rusalém não aparece neste capítulo; em vez disso lemos as palavras “a cidade santa”. Uma visão panorâmica desta expressão no Apocalipse comunica não um significado literal, mas simbólico. Notamos que, no Apocalipse, a expressão a cidade santa é usada figuradamente para identificar a nova Jerusalém e a eterna habitação dos crentes (21.2,10; 22.19). De modo semelhante, a expressão a grande cidade é lingua gem figurada para Sodoma e Egito para indicar corrupção moral e es cravidão (v. 8). Além disso, João escreve este termo para identificar Babilônia como uma cidade de imoralidade (14.8; 16.19; 17.18; 18.2, 1. R. H. Charles (A C riticai and E xegetical Com m entary on the R evelation o f St. John, ICC [Edimburgo: Clark, 19201,1.270-73), adotando os pontos de vista de Wellhausen, assevera que 11.1, 2 e 11.3-13 são dois fragmentos perdidos que não têm nenhuma conexão com o contexto precedente e seguinte; apontam para uma autoria distinta. Isso nada mais é que uma conjectura. O fato da matéria é que uma passagem depende da outra e, assim, endossa a unidade do texto. 2. Theodor Zahn, D ie Offenbarung des Johannes, Kommentar zum Neuen Testament 18 (Leipzig: Deichert, 1924-26), 2.419, 420; Ernst Lohmeyer, D ie Offenbarung des Johannes, H NT 16 (Tübingen: Mohr, 1970), p. 87. Kenneth L. Gentry Jr., Before Jerusalem Fell: D ating the Book o f Revelation (Tyler, Tex.: Institute for Christian Econom ics, 1989), p. 192; David Chilton, The D ays ofVengeance: An Exposition o fth e Book o f R evelation (Fort Worth, Tex.: D om inion, 1987), p. 4.
411
A po c a l ipse 11
10, 16, 19, 21). Se o escritor explica essas expressões de forma figura da em todo o Apocalipse, fazemos bem em não tomá-las literalmente. b. Um segundo ponto de vista vê um templo literal que se tomará realidade pouco antes e durante o tempo do regresso de Cristo.3Mas em parte alguma, em todo o Novo Testamento, lemos que um templo físico será renovado na cidade de Jerusalém. Jesus predisse a destrui ção do templo, mas nunca falou sobre reedificá-lo (Mt 24.2). O ato de a cortina que separava o Santo dos Santos rasgar-se foi um sinal de Deus de que um templo físico e seus serviços tinham chegado ao fim (Mt 27.51). Paulo usa a palavra templo para descrever a habitação espiritual de Deus, isto é, a Igreja (IC o 3.16; 2Co 6.16; Ef 2.20-22). O escritor da epístola aos Hebreus explicitamente declara que os crentes “chegaram a Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo [a sa ber]... à Igreja dos primogênitos, cujos nomes estão arrolados no céu” (12.22, 23). Note que ele escreve acerca da Igreja, não do templo. A morte e ressurreição de Jesus trouxeram um fim à era veterotestamentária. Ao oferecer o sacrifício supremo, Jesus cumpriu o mandato divino para a expiação. Daí, o templo não mais funciona como lugar de se sacrificarem animais em expiação pelos pecados. O templo no Apocalipse serve a um propósito simbólico (por exemplo, 3.12; 7.15; 21.22). Mas a Nova Jerusalém não tem templo, “porque o Senhor Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro são seu templo” (21.22). Concluo que, à luz do Novo Testamento, nenhuma evidência se pode aduzir em apoio da restauração de um templo físico em Jerusalém.4 c. Um terceiro enfoque é uma interpretação profética de uma pas sagem de esperança e salvação para a comunidade judaico-cristã nos dias de João.5A questão é se este capítulo faz menção de algo sobre o Israel literal, isto é, um remanescente judaico que deve ser salvo. Essa 3. Robert L. Thomas, Revelation 8 -2 2 : An E xegetical C om m entary (Chicago: M oody, 1995), p. 82; John F. Walvoord, The R evelation o f Jesus C hrist (Chicago: M oody, 1966), p. 176. 4. Herman Hoeksem a, Behold, He Com eth! An Expositon o f the Book o f R evelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing Association, 1969), pp. 364, 365; Gregory K. Beale, The B ook o f Revelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 568. 5. George Eldon Ladd, Com mentary on the Revelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 150; Isbon T. Beckw ith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. era Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 588-90.
A po c a l ipse 11
412
questão recebe uma resposta negativa, porque, ao escrever o Apocalipse, João está se dirigindo à Igreja universal. d. Um último ponto de vista é uma explicação figurada que vê o templo de Deus como a Igreja em culto. Esta exegese se adequa ao contexto do Apocalipse que, reiterada e consistentemente, apresenta numerosos quadros através de simbolismo. De fato, o contexto dos versículos 1 ao 13 é simbólico: o templo e a cidade santa, o tempo componente de 1.260 dias, as duas testemunhas e o terremoto que des truiu a décima parte da cidade e que matou sete mil pessoas. Robert H. M ounce judiciosam ente comenta: “Simbolismo não é negação da historicidade, mas um método figurado de comunicar realidade. A lin guagem apocalíptica tem como um de seus característicos básicos o uso crítico e simbólico de palavras e frases.”6 Se a data tardia do Apocalipse que se aproxima do final do primeiro século for correta, então, em exílio na ilha de Patmos, João dificilmente estaria se referindo ao templo de Jerusalém, já em ruínas, por mais de duas décadas. A imagem do templo apresentada em termos do santuá rio, do altar, dos adoradores e do átrio externo se inclina para o simbo lismo, e não para o literalismo. Visto que a segunda parte do interlúdio é fraseada em termos simbólicos, seria contrário às expectativas enten der literalmente os dois primeiros versículos. Uma interpretação que focaliza a atenção em um santuário e um altar simbólicos tem mérito. Isso é especialmente verdadeiro por duas razões: o tempo em que João escreveu o Apocalipse, quando a destruição do templo era uma memó ria distante, e os adoradores dentro do templo de Deus.7A era da anti ga aliança chegou ao fim, e o tempo da nova aliança já veio. O lugar onde Deus habita não é mai§ o templo, mas a Igreja. Ainda quando, na 6. Robert H. M ounce, The B ook o f R evelation, ed. rev., N ICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 212. A maioria dos estudiosos expõe uma interpretação figurada: entre outros, Leon Morris, R evelation, ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), pp. 140,141; Henry Barclay Swete, Commentary on Revelation (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977), pp. 132, 133; R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. J o h n ’s R evelation (Columbus: Wartburg, 1943), pp. 328-32; G. B. Caird, A C om m entary on the R evelation o f St. John the D ivine (Londres: Black, 1966), p. 132; Richard Bauckham, The Clim ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 272; David E. Aune, R evelation 6 -1 6 , W BC 52B (Nashville: N elson, 1998), p. 598. 7. Comparar M ichael Bachmann, “Himmlisch: Der ‘Tempel G ottes’ von Apk 11.1”, NTS 40 (1994): 474-80.
413
A po c a l ip s e 11.1,2
conclusão de sua terceira viagem missionária, Paulo subiu ao templo de Jerusalém para apaziguar seus oponentes (At 21.23-29), ele ensinou à igreja de Corinto que eles pessoalmente eram o santo templo de Deus; ele denominou seu corpo de o templo do Espírito Santo (IC o 3.17; 6.19). Deus habita nos corações dos crentes, de modo que seus corpos são templos santos. Não obstante, para esta imagem João usa a familiar estrutura do templo de Jerusalém: o santuário, o altar, os adoradores e o átrio exter no. O templo destruído pelas forças romanas podia ainda servir-lhe como um modelo didático. ( 1 ) 0 Templo
11. 1, 2 1. Deram-me um caniço semelhante a uma vara de medir, e me disseram: Levante-se e meça o templo de Deus e o altar e os que adoram ali. a. Caniço. João recebeu uma vara de medir e a ordem para me dir o templo de Deus. Não somos informados sobre quem lhe deu o caniço e a ordem, porém, presumimos que um anjo como mensageiro celestial lho tenha fornecido e lhe tenha dado instrução concernente a seu uso. Uma referência veterotestamentária está por trás deste tex to, pois Deus deu aos profetas Ezequiel e Zacarias uma visão da nova área do templo. Havia um homem com uma vara de medir que tinha cerca de 3,2 metros de comprimento, que inspecionou os edifícios e as bases do templo (Ez 40-43; ver também Zc 2.1, 2). No Novo Testamento, um anjo mede a Nova Jerusalém (cidade, portões e mu ros) com uma vara de ouro (Ap 21.15).8 b. Ordem. O escritor recebe a ordem de levantar-se e medir as três partes: o templo de Deus, o altar e o povo adorando ali. Ele deixa de identificar aquele que fala. O propósito de fazer essas medições é se parar a área que é santa da que é profana; medir significa proteger o templo, o altar e o povo de Deus. A tarefa de João é salvaguardar 8. Kenneth A. Strand (“Ann Overlooked Old Testament Background to Revelation 11.1 ”, A USS 22 [ 1984]: 317-25) argumenta que a passagem básica mais provável não é Zacarias 2.1-5 e Ezequiel 4 0 -4 8 , mas L evítico 16. Este capítulo sublinha o D ia da Expiação, porém nada diz acerca da ordem de “medir o templo”. Ver também Frederick D. Mazzaferri, The G enre o f the Book o f Revelation fro m a Source-C ritical P erspective, BZNW 54 (Berlin e N ova York: de Gruyter, 1989), pp. 319-21.
A p o c a l ip s e 11.1,2
414
aquilo que Deus separou como santo e protegê-lo de intromissão e pro fanação. O destruidor não pode entrar no lugar que Deus caracterizou como santo e em cujas fronteiras seu povo está seguro. O lugar onde o povo de Deus está seguro é o templo de Deus, o que por todo o Apocalipse significa não o complexo do templo, mas o edifí cio do templo, que inclui o Santo dos Santos e o Lugar Santo. Deus descerrou plenamente o interior do santuário quando no momento da morte de Jesus a cortina que separava esses dois lugares se rasgou de alto a baixo (Mt 27.51). Esta área é a própria presença de Deus, onde ele recebe os santos e habita com eles depois que Jesus se ofereceu como o sacrifício perfeito e removeu os pecados de seu povo (Hb 9.12). O templo de Deus, pois, é um símbolo da verdadeira Igreja, que adora o Deus Triúno.9Na Igreja, Deus encontra seu povo, aceita seu louvor e adoração, ouve suas petições e confissões, e reconhece suas expres sões de gratidão. Como os santos no céu estão sempre na presença de Deus, assim os santos na terra possuem a promessa de Deus: “porque onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Mt 18.20 k j v ). João apresenta um quadro do interior do santuário que ele deverá medir. Não se processa nenhuma medição, porque a designação de medir uma área onde os santos têm encontro com Deus prova ser uma tarefa impossível. Os santos compõem uma grande multidão que nin guém pode contar (7.9). Medir o templo de Deus simboliza o conheci mento e cuidado que Deus proporciona a seu povo. Qual é a significação do altar? Pode ser ou o altar do sacrifício ou o altar do incenso que ficava de frente para a cortina. O altar das ofertas queimadas ficava do lado de fora do edifício do templo, no átrio externo. Visto que João receUeu ordem de não medir o átrio externo (v. 2), que era o átrio dos sacerdotes, interpreto o altar como sendo aquele no qual se oferecia incenso. Este é o altar do santuário celestial (6.9; 8.3 [duas vezes], 5; 9.13; 14.18; 16.7). À guisa de contraste, não há referências ao altar das ofertas queimadas, pois a morte de Jesus deu fim à sua utilidade. O incenso oferecido são as orações dos santos (8.3, 5), e medir as dimensões do altar significa que os santos têm 9. W illiam Hendriksen, M ore Than C onquerors, p. 127; Caird, R evelation , p. 132; Lenski, R evelation, pp. 326-30; Gerhard A. Krodel, Revelation, A C NT (M inneapolis: Augsburg, 1989), pp. 219-21.
415
A p o c a l ip s e 11.1,2
acesso a Deus e desfrutam de seu cuidado protetor.10No altar eles estão seguros. A multidão de santos, contados no capítulo 7 e medidos no capítu lo 11, está adorando na Igreja de Cristo em qualquer e todo lugar. Jesus disse à mulher samaritana junto ao poço de Jacó que o tempo havia chegado, em que os verdadeiros adoradores não adorariam no M onte Gerizim nem em Jerusalém, mas todos adorariam ao Pai em espírito e em verdade (Jo 4.21-24). Os cristãos adoram em qualquer lugar e, onde quer que estejam, Deus os protege de danos espirituais. Ainda que de tempo em tempo enfrentem sofrimento físico, jam ais experimentarão a morte espiritual. Estão seguros e protegidos na santa mão de Deus. “A ‘m edição’ do templo é uma variante da ‘selagem ’ da Igreja em 7.1-8”. '1Somente o povo de Deus é medido e contado, não os profanos, que se encontram no átrio externo, fora da Igreja, e estão condenados.
2. Exclua, porém, o átrio externo do templo e não o meça, porque ele foi dado aos gentios, e pisarão a cidade santa durante quarenta e dois meses. À primeira vista, esta parece ser uma passagem enigmática, pois uma tradução literal revela uma aparente redundância: “E o átrio do templo, a parte externa, deixa-a fora”. Mas não é realmente assim. Deus faz uma clara divisão entre os santos que o adoram em espírito e em verdade e aquelas pessoas que lhe prestam um serviço só de lábios, cujos corações, porém, estão longe dele (Is 29.13; Mt 15.8, 9). O pri meiro grupo de pessoas adoram em santidade e recebem sua bênção; o segundo deve ser expulso por causa de sua hipocrisia. O primeiro gru po está na presença de Deus e está vivo; o segundo está fora da esfera de Deus e está morto. Aqui está o contraste entre santo e profano que João descreve através de todo o Apocalipse. Os santos são aqueles que têm o selo de Deus em suas frontes (9.4); são medidos, isto é, protegidos. Os profanos são as pessoas que se recusam a arrepender10. James L. R esseguie, Revelation Unsealed: A N arrative C ritical A pproach to J o h n ’s A pocalypse, BIS 32 (Leiden: Brill, 1998), p. 94. Um bom número de comentaristas interpreta o altar com o sendo o altar das ofertas queimadas (Aune, 52B , p. 606; Sw ete, p. 132; Beckwith, p. 590; Zahn, 2.424). Beale (p. 563) assevera que os crentes se sacrificam “no altar do evangelho”. 11. W ilfrid J. Harrington, Revelation, SP 16 (C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993), p. 119.
A p o c a l ip s e 11.1,2
416
se de seus malfeitos (9.20, 21); não devem ser medidos, isto é, são rejeitados.12Jesus nota que o povo de Deus entra pelos portões da cidade santa (22.14), mas do lado de fora ficam os que são impuros (22.15). O templo de Salomão tinha um átrio interior para os sacerdotes, e um externo (lR s 6.36; 7.12; 2Cr 4.9; Ez 10.5; 40.17-47). Quando Herodes, o Grande, construiu o templo, o átrio externo foi dividido em três partes: o átrio das mulheres, o dos israelitas e o dos sacerdotes. Além do átrio em três partes, havia o átrio dos gentios. No Apocalipse, porém, João fala simbolicamente do átrio externo do templo e, assim, faz referência às pessoas que estão dentro do perímetro externo da Igreja, mas não numa parte dela (lJo 2.19). Tais pessoas são parte do mundo; estão de mãos dadas com os gentios que pretendem destruir a Igreja, se possível. São aqueles que nos dias de João eram membros da sinagoga de Satanás e não eram distintos dos gentios (Ap 2.9; 3.9). Todos eles são guiados pelo espírito do Anticristo e se dispõem a tripudiar e profanar tudo quanto é santo. A última parte deste versículo suscita perguntas concernentes a lugar e tempo. Como interpretarmos “os gentios ... pisarão a cidade santa durante quarenta e dois meses”? Estaria João fazendo alusão à cidade santa, isto é, a Jerusalém, destruída pelos gentios na segunda metade do primeiro século? O período de quarenta e dois meses deve ser tomado literalmente? Primeiro, estudemos a expressão cidade santa no contexto bíbli co. O Antigo Testamento chama Jerusalém a cidade santa porque ela era o lugar que Deus escolhera para habitar com seu povo (SI 48). Os Judeus de Jerusalém chamavam a si mesmos “cidadãos da cidade san ta” (Is 48.2) ainda quando se recusavam a viver na verdade e na justi ça. Daniel falou profeticamente sobre a cidade santa (Dn 9.24), e Neemias registrou a restauração de Jerusalém quando os judeus se estabeleceram na cidade santa (Ne 11.1, 18). Não obstante, no Novo Testamento, a designação ocorre no início do ministério de Jesus quan do o diabo, tentando-o, leva à cidade santa (Mt 4.5). Quando Jesus morreu na cruz do Calvário, algumas sepulturas foram abertas e os que ressuscitaram apareceram na cidade santa (Mt 27.53). Essas referên 12. Consultar A. Feuillet, “Essai d ’interprétation du chapitre X I de l ’A pocalypse”, NTS 4 (1957-58): 186, 187. E ver Adela Yarbro Collins, C risis and C atharsis: The P o w er o f the A pocalypse (Filadélfia: Westminster, 1984), p. 66.
417
A p o c a l ip s e 11.1,2
cias são do começo e do fim do ministério terreno de Jesus. Depois desse período, o termo cidade santa não mais ocorre. Pois não foi no templo que Deus estabeleceu residência, mas na Igreja; no Pentecos tes, não foi o templo nem Jerusalém que o Espírito Santo encheu, mas os apóstolos e todos quantos se arrependeram e foram batizados (At 2.1-4, 38, 39). Esta exegese é confirmada no Apocalipse, onde João descreve a Nova Jerusalém como a cidade santa (21.2, 10; 22.19).13 Ele explica que este é “o acampamento dos santos e da cidade amada” (20.9), a qual Jesus chama “a cidade de meu Deus” (3.12). A cidade santa é a Jerusalém espiritual dos santos. Em suma, o Novo Testamento mostra que a Jerusalém terrena per deu o direito de ser chamada a cidade santa quando o Espírito Santo mudou o lugar de sua habitação: de Jerusalém para os corações do povo de Deus, os santos. Eles constituem pessoas de cada nação, lín gua, tribo e povo; juntos são os residentes da cidade santa, a Nova Jerusalém. A Igreja cristã é simbolicamente chamada a cidade santa, pois nesse lugar Deus habita com seu povo pactuai (21.3). Segundo, Jesus predisse a destruição de Jerusalém quarenta anos antes que isso se concretizasse. Ele disse: “Jerusalém será pisada pelos gentios até que se cumpram os tempos dos gentios” (Lc 21.24; compa rar Is 5.5; 63.18; e Dn 8.13).14Jesus define a extensão de tempo como “os tempos dos gentios”, enquanto João escreve “quarenta e dois me ses”. O Apocalipse iguala esse período com 1.260 dias ou “tempo, tem pos e metade de tempo”, que somam três anos e meio (11.3; 12.6, 14). Os três anos e meio compreendem o período da guerra macabéia, quan do o templo foi profanado, de junho de 167 a dezembro de 164 a.C. (comparar Dn 7.25; 12.7). Swete oferece a seguinte equação: “a dura ção do triunfo dos gentios = a duração de tempo em que as Duas Tes temunhas profetizaram = a duração da peregrinação da mulher no deserto.” 15Em suma, esses períodos, mostrando harmonia em duração 13. R eferenda a Hendrik R. Van de Kamp, Israël in O penbaring (Kämpen: Kok, 1990), pp. 174, 175; Homer Hailey, Revelation: An Introduction an d Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 252; Martin Kiddle, The R evelation o f St. John (reimp. em Londres: H odd ere Stoughton, 1943), p. 184. 14. Louis A. Vos, The Synoptic Traditions in the A pocalypse (Kämpen: Kok, 1965), pp. 120-25. 15. Sw ete, R evelation , p. 134.
A p o c a l ip s e 11.1,2
418
e extensão, parecem referir-se a um intervalo de extensão indeterminada que se estende da ascensão de Jesus ao seu regresso.16 Terceiro, alguns intérpretes aplicam o período de quarenta e dois meses aos anos imediatamente precedentes à destruição do templo de Jerusalém. Mas a extensão de tempo não se adequa ao registro. A revolta judaica contra Roma começou na última primavera de 66 e terminou com a destruição de Jerusalém, em agosto-setembro de 70. Além disso, o ato dos gentios, de pisotear a cidade santa, começou depois da queda de Jerusalém pelas mãos dos romanos. Estabelecer os quarenta e dois meses depois de setembro do ano 70 é fora de propósi to, pois assim haveria um começo sem um fim. Conseqüentemente, João toma esta profecia de Jesus e a aplica, não à Jerusalém terrena, mas à Igreja, a qual é a imagem da Nova Jerusalém. Os gentios não são propriamente não-judeus, mas, antes, não-cristãos que pisoteiam tudo o que é santo e o convertem em profa no. O ato de pisotear a cidade santa se refere a um período de perse guição que os cristãos sofrem ao longo dos séculos, mas recorda que Deus estabelece limites à sua duração. Aliás, este período marca o tempo da ascensão ao regresso de Jesus. Concluo que, no Apocalipse, tempo é uma idéia apresentada de forma sintética que não deve ser expressa em termos literais de anos ou mesmo de séculos. O tempo cronológico é de importância passageira neste livro, porque o que go verna o Apocalipse não é tempo, mas princípio.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 11.1,2 Versículo 1 Xéyu>v - o particípio presente permanece por si mesmo, embora o orador seja aquele que dá a João a vara de medir. A tentativa de acrescentar a frase e assim proporcionar um sujeito para o particípio é evidente em diversos manus critos que endossam o TR: “E o anjo se pôs em pé.” A redação mais difícil, contudo, deve ser a preferível.17 xòv vaóv - por todo o Apocalipse, a palavra para templo não é Upóv (complexo do templo), mas vaóç, e indica a presença de Deus. 16. Beale, Revelation, p. 567; Mathias Rissi, Time and History: A Study on the Revelation, trad. Gordon C. W insor (Richmond: John Knox, 1966), p. 40. 17. Consultar Bruce M. Metzger, A Textual Com m entary on the G reek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 671.
419
A po c a l ips e 11.3-6
Versículo 2
rf]v eÇwGfv - a repetição do advérbio “fora” significa ênfase; a finalidade de Deus é rejeitar aquilo que é profano. (2) O Poder das Duas Testemunhas 11.3-6
3. E darei [poder] às minhas duas testemunhas e profetiza rão durante 1.200 dias, vestidas de pano de saco. 4. Estas são as duas oliveiras e os dois candelabros que permanecem diante do Senhor da terra. A luz do parágrafo anterior (vs. 1 e 2), aprendemos que o povo de Deus está espiritualmente seguro e divinamente protegido. Agora le mos que eles, como a Igreja, recebem uma tarefa aqui na terra: devem ser testemunhas de Deus, que os está armando com seu poder para o cumprimento da tarefa. Incidentemente, a palavra poder, ou algo pare cido, precisa ser proporcionada do contexto, porquanto está faltando no original grego. Quem são as duas testemunhas? Estudiosos têm sugerido nomes extraídos de ambos os Testamentos, Antigo e Novo. Tertuliano e Irineu mencionaram Enoque e Elias, visto que esses dois não experimentaram a morte (Gn 5.24; 2Rs 2.11). Mas esses dois santos glorificados que não morreram regressam no mesmo tempo para opor-se à besta, que emerge do Abismo, e sofrer martírio (v. 7)?18Outros dizem que as tes temunhas são Moisés e Elias. Esses dois apareceram com Jesus no Monte da Transfiguração (Mt 17.3). Moisés representava a Lei e, Elias, os Profetas. A Escritura declara que Deus levantaria um profeta como Moisés (Dt 18.15, 18), e Elias reapareceria (Ml 4.5).19Ainda outros propõem os nomes de Jeremias e Elias, Josué e Calebe, Pedro e Paulo, João Batista e Jesus de Nazaré, João e seu irmão Tiago, Estêvão e Tiago, filho de Zebedeu, para não mencionar outros.20 18. VerBauckham, Clim ax ofP rophecy, p. 276. Ele escreve: “Não há evidência plausível de tradições do tempo antes do A pocalipse, quando a volta de profetas era esperada para sofrer martírio.” 19. W illiam Barclay, The R evelation o f John, 2a ed. (Filadélfia: Westminster, 1960), 2.86-87; Thomas, R evelation 8 -2 2 , p. 89; Caird, Revelation, pp. 134-36. 20. R eferên cia a Van de Kamp, Isra e l in O p e n b a rin g , pp. 183-86; Joseph in e M assyngberde Ford, Revelation: Introduction, Translation, an d C om m entary (Garden City, N ova York: Doubleday, 1975), pp. 177, 178.
A p o c a l ip s e 11.3-6
420
Entretanto, sugiro uma interpretação simbólica, a saber, que as duas testemunhas representam a Igreja de Cristo que, proclamando o evan gelho, conclama o mundo ao arrependimento. Primeiro, as testemunhas devem dirigir-se a todos os habitantes do mundo: povos, tribos, línguas e nações (v. 9), o que dificilmente poderia ser feito por apenas duas tes temunhas. Segundo, a dupla de testemunhas é reminiscência do ato de Jesus enviar seus discípulos de dois em dois (Mc 6.7; Lc 10.1). Tam bém os apóstolos iam de dois em dois (At 3.1; 8.14). Terceiro, um vere dicto em Israel era validado pelo testemunho de duas ou três testemu nhas (Dt 17.6; 19.15); e a Igreja exerce disciplina sobre a mesma base (Mt 18.16). Aliás, o testemunho de um homem pode ser desrespeitado, mas sobre o testemunho de dois homens a verdade é validada (Jo 8.17). Por último, João recorre à profecia veterotestamentária, pois ele descreve as duas testemunhas como duas oliveiras e dois candelabros (v. 4). O profeta Zacarias faz menção de duas oliveiras e um candela bro de ouro (Zc 4.2, 3); o azeite de oliva, posto no candelabro, tem a função de difundir a luz e dispersar as trevas. E, simbolicamente, um candelabro é a Igreja (1.20), composta de crentes que vivem pela pala vra de Deus e pelo testemunho de Jesus. Assim, Zacarias identifica as duas oliveiras como sendo servos ungidos que servem ao Senhor de toda a terra (Zc 4.3, 11, 14). Parecem ser Josué, o sumo sacerdote, e Zorobabel, o governador (Zc 4.14), que representavam a comunidade judaica de regresso. De igual modo, interpreto as duas testemunhas do Apocalipse como sendo representantes da Igreja em sua totalidade.21 João observa que as duas testemunhas do Apocalipse estão vesti das de pano de saco. Ainda que o pano de saco feito de pelos de cabritos ou camelos fosse roupa usada por homens e mulheres igual mente, em sua angústia (2Rs 19.2; Judite 9.1), seu uso às vezes assu mia significação simbólica. Esse era o caso especialmente quando os profetas usavam pano de saco para pôr em realce um pecado que desintegra a sociedade, conclamando o povo ao arrependimento, ou para chamar-lhe a atenção para juízo e castigo iminentes.22Homens 21. Ver G. R. Beasley-M urray, The Book o f R evelation, NC B (Londres: Oliphants, 1974), p. 184; Alan F. Johnson, Revelation, em The E xpositor ’s B iblle Commentary, org. Frank E. G aebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.504; Aune, Revelation 6 -1 6 , pp. 602, 603; Beale, Revelation, pp. 574, 575. 22. Ver Larry G. Herr, “Sackcloth”, 1SBE, 4.256; Gustav Stahlin, TDNT, 7.63.
421
A po c a l ips e 11.3-6
como Elias, na era veterotestamentária, e João Batista, nos tempos neotestamentários, despertavam a sociedade para suas bases dadas por Deus. Simbolicamente, vestida de pano de saco como sinal de arre pendimento, a Igreja foi chamada a profetizar a Palavra de Deus, o conteúdo do pequeno rolo, ao mundo. O dever da Igreja é conclamar o povo em toda parte ao arrependimento e fé em Cristo (10.11). A voz procedente do céu diz a João que as duas testemunhas rece bem poder para profetizar 1.260 dias. Este número dividido por trinta é igual a quarenta e dois meses, que é o mesmo período durante o qual os gentios profanam o átrio externo (v. 2). E o período da Grande Comis são até a consumação, desde o nascimento da Igreja neotestamentária até o fim dos séculos (Mt 28.19, 20).
5. E se alguém quiser fazer-lhes mal, sai fogo de suas bocas e devoram seus inimigos. E se alguém desejar-lhes o mal, é assim que deve ser morto. Primeiro, observe o paralelismo nas duas frases que começam es tas sentenças: “Se alguém quiser fazer-lhes mal.” A simetria se destina a enfatizar a importância das palavras de João. Os que saem testificando do Senhor recebem seu poder, que é qualificado para protegê-los. “Por que a palavra de Deus é viva e ativa”, escreve o autor da Epístola aos Hebreus (4.12). Segundo, como em outros no Apocalipse, João baseia sua mensa gem no Antigo Testamento, onde ele lê acerca de Elias, que fez des cer fogo do céu sucessivamente sobre duas companhias de cinqüenta soldados e seus capitães para destruí-los (2Rs 1.10, 12). Davi diz no Saltério que: “Meu coração ardia-me no peito e, enquanto eu medita va, o fogo aumentava” (SI 39.3; comparar 18.8; 97.3); e Deus disse a Jeremias que suas palavras seriam como fogo na boca do profeta (Jr 5.14; 23.29). Terceiro, as palavras de João não podem ser tomadas literalmente, porque nenhum testemunho cristão pode fazer descer fogo do céu a fim de destruir os adversários de Deus. Como o resto deste capítulo, o texto tem um significado figurado: a Palavra de Deus não pode ser detida mesmo quando os mensageiros de Deus são perseguidos e até mesmo mortos. Quando alguém tenta fazer mal a esses mensageiros, isso não quer dizer mal físico, mas, antes, mal espiritual ao silenciar sua voz profética. Significa o intento de levar os mensageiros a desviarem-
A po c a l ip s e 11.3-6
422
se ao ponto de negar seu Mestre, que os enviou, e cuja Palavra devem proclamar. É assim que os mensageiros podem ser prejudicados. Mas a Palavra de Deus surge como juízo contra seus inimigos e os destrói, lançando-os no lago de fogo (20.15). Por último, os inimigos de Deus, de sua Palavra e de seu povo não devem subestimar o poder outorgado às testemunhas de Deus, cujas orações ele responde. Quando esses inimigos ouvem a Palavra de Deus e a repudiam, bem como a seus mensageiros, permanecem condena dos diante do Juiz do céu e terra. O testemunho dos santos sobre a terra contra seus adversários é registrado no céu como um testemunho do qual são incapazes de escapar.
6. Estes têm poder de fechar o céu para que não chova du rante os dias de sua profecia, e têm poder sobre as águas para convertê-las em sangue e ferir a terra com todo gênero de pra ga, quantas vezes desejarem. A alusão a Elias é inegável, pois ele orou para que não chovesse, e a seca durou três anos e meio (Lc 4.25; Tg 5.17; lR s 17.1). A frase os dias de sua profecia é uma referência implícita àquele período de tempo. Fontes judaicas proporcionam a interpretação desta frase, cir culando no primeiro século de nossa era, como um idiomatismo que significava e definia a extensão de tempo.23 Tiago compara Elias a qualquer crente que ora com fé: “A oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tg 5.16). Um crente que ora em plena confiança de que Deus ouve e responde a oração de fato pode mover montanhas, figuradamente falando (Mt 17.20; 21.21; ICo 13.2). Os crentes oram a Oração do Senhor, e a petição para que venha o reino de Deus, e a resposta a essa petição para que Deus restrinja o poder do maligno e levante homens e mulheres para que falem por ele em cada área e setor da sociedade. Segundo, João faz alusão a Moisés e Arão, que converteram a água do Egito em sangue (Ex 7.17, 19, 20). A praga nada deixou sem ser atingido, pois havia sangue por toda parte em toda a terra. Esta foi a primeira das dez pragas que Deus enviou aos egípcios e que se torna ram notórias em anos posteriores, inclusive pelos filisteus nos dias de Samuel. Os filisteus que capturaram a arca da aliança estavam com 23. R eferenda a SB, 3 .760,761; e ver Simon J. Kistemaker, Exposition o f the E pistle o f Jam es, NTC (Grand Rapids: Baker, 1986), p. 181.
423
A po c a l ipse 11.3-6
medo e se lembraram dos egípcios que foram feridos com todos os gêneros de pragas (ISm 4.8). Isso não significa que os cristãos controlam o tempo, o suprimento de água e a devastação causada por causas naturais. Deus controla todas essas forças, mas seu povo possui o poder da oração quando suplica ao Onipotente que intervenha no que tange ao clima, às neces sidades de sustento da vida e aos fenômenos ambientais. Os santos debaixo do altar perguntaram: “Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas os que habitam sobre a terra e vingas nosso sangue?” (Ap 6.10). Assim a Igreja sobre a terra roga a Deus que julgue e os vingue, pois Deus disse: “Minha é a vingança; eu retribuirei” (Dt 32.35; Hb 10.30). Os cristãos de modo algum tomam a iniciativa da vingança, pois devem dar lugar à ira de Deus (Rm 12.19).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 11.5,6 Versículo 5 Kal el u ç 0eÂT|or| - a tradução seria “e se alguém desejar”, não “mesmo que Embora o Texto Principal adote o tempo presente na leitura Gélei, em harmonia com a frase anterior, a redação mais difícil é o subjuntivo aoristo. Charles crê que a segunda sentença no versículo 5 “parece ser a débil glosa de um escriba com base na frase anterior”.24Ele, porém, é incapaz de fornecer prova substancial. Proponho que a repetição, neste versículo, é uma ênfase semítica.
Versículo 6 'iva nr| úetòç ppéxil - “para que nenhuma chuva chova” revela redundân cia. A construção é incomum, porém o uso de ppe^co, em Lucas 17.29 (“fogo e enxofre desceram do céu”), sugere que o verbo pode ser usado com outras formas de “precipitação”. ócsáiaç káv - esta combinação, seguida do subjuntivo, ocorre três vezes no Novo Testamento com o significado “tão freqüente quanto” (aqui e em ICo 11.25,26). (3) A . Morte das Duas Testemunhas 11.7-10
7. E quando terminarem seu testemunho, a besta que emer ge do Abismo fará guerra contra eles e os vencerá e os matará. 24. Charles, R evelation, 1.284.
A p o c a l ip s e 11.7-10
424
8. E seus corpos jazerão na rua da grande cidade, que espiritual mente se chama Sodoma e Egito, onde também seu Senhor foi crucificado. a. “E quando terminaram seu testemunho, a besta que emerge do Abismo fará guerra contra eles.”. Este versículo projeta um quadro do fim dos tempos, quando a Igreja tiver completado a tarefa de proclamar o evangelho do reino a todas as nações do mundo (Mt 24.14). Ao longo de toda a História, os fiéis na Igreja têm pregado e ensinado a Palavra de Deus e o testemunho de Jesus. Mas quando tiverem completado sua obra, a besta declarará guerra à Igreja. Entretanto temos de compreen der que, sempre que o evangelho é proclamado, ele se depara com oposição. Aqui e ali o maligno sempre deflagra guerra contra os segui dores de Jesus com intermitente opressão e perseguição. João identifi ca a força má como sendo a besta, ainda que esta seja a primeira vez que ele a mencione. Antes de escrever o Apocalipse, João vira toda a revelação. E assim ele estava plenamente ciente da besta, mesmo que ainda não a tenha mencionado.25Ele fornece uma descrição adicional dessa criatura quando escreve: “A besta que você viu era e não é e está para subir do Abismo e caminha para a destruição” (17.8). Aqui está um quadro do maligno imitando a infinitude divina com respeito ao presente, passado e futuro: o Anticristo era e não é e está para subir do Abismo. O Anticristo está constantemente opondo-se a Cristo e sua Igreja a cada dia e a cada passo do caminho. Paulo faz alusão ao Anticristo quando escreve que o “homem da iniqüidade” não pode exercer seu pleno poder e autoridade até que chegue o tempo, pois Deus agora o detém. Não deixem que ninguém, os engane de modo algum. Antes daquele dia virá a apostasia e, então, será revelado o homem do pecado, o filho da perdição. Este se opõe e se exalta acima de tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração, chegando até a assentar-se no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus (2Ts 2.3,4). Quando o volume da perversidade tiver atingido seu máximo, então o Anticristo assumirá o comando em decorrência de o testemunho da Igreja chegar ao fim. O Anticristo não é Satanás, mas lhe é intimamen te aliado e enviado por ele. Ele parece com o cordeiro que tem dois 25. Van de Kamp, Israel in Openbring, p. 191 n. 54.
425
A p o c a l i p s e 11.7-10
chifres e que fala como dragão (Ap 13.11; ver também Dn 7.1,19-28). João extrai do Antigo Testamento sua referência à guerra dirigida con tra o povo de Deus, onde Daniel escreve: “Enquanto eu observava, esse chifre guerreava conta os santos e os derrotava” (7.21). Em capí tulos e versículos subseqüentes, o escritor do Apocalipse expande sua informação sobre a guerra que a besta deflagra contra a Igreja (12.17; 13.7; 16.14; 19.19). No fim da era, um pouco antes da volta do Senhor, o Anticristo governará supremamente. b. “[A besta] os vencerá e os matará.” Em seu discurso sobre o fim dos tempos, Jesus encoraja os crentes, dizendo: “Porque haverá então grande tribulação, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem jamais haverá. Se aqueles dias não fossem abreviados, nin guém sobreviveria; mas, por causa dos eleitos, aqueles dias serão abre viados” (Mt 24.21, 22). O ataque primário da besta é sobre a mensa gem, e secundariamente sobre os mensageiros; ele mata os mensagei ros para que a mensagem seja silenciada. Quando no fim dos tempos os incrédulos rejeitarem a mensagem, Deus afastará tanto a mensagem quanto os mensageiros, permitindo que o Anticristo mate os santos. “Não é uma predição literal de que todo cristão fiel de fato será morto. Porém requer que cada cristão fiel esteja preparado para morrer.”26 c. “E seus corpos jazerão na rua da grande cidade que espiritual mente se chama Sodoma e Egito.” Nas culturas civilizadas, o sepultamento dos mortos é um rito solene realizado com dignidade e respeito. Deixar os cadáveres insepultos e ante os olhares do público constitui o auge da indignidade e opróbrio. Aqui somos informados de que os cor pos das duas testemunhas são deixados insepultos na rua principal da grande cidade como objetos de ignomínia. Este texto reclama a escolha entre uma interpretação literal ou uma descrição figurativa. Os estudiosos que oferecem uma explanação lite ral asseveram que a grande cidade é Jerusalém, e fazem alusão à últi ma frase deste versículo para provar seu ponto: “onde também seu Senhor foi crucificado.”27Além do mais, alguns interpretam a referên 26. Richard Bauckham, The Theology o f the Book ofRevelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), p. 93. 27. A NLT substitui “a grande cidade” por “Jerusalém”. O s estudiosos que identificam Jerusalém com o sendo “a grande cidade” são Beckwith, A pocalypse, pp. 591, 601; Friedrich D .isterdieck, C ritic a i a n d E x e g etica l H andbook to the R evela tio n o f jo h n
A p o c a l ip s e 11.7-10
426
cia de João à grande cidade (Jr 22.8; Sibylline Oracles 5.154, 226, 413) profeticamente e dizem que olhava para uma Jerusalém reedificada e reabitada nos últimos dias.28João, porém, olhava para a cidade santa, a nova Jerusalém que desce do céu (21.3, 10). Uma interpretação simbólica deste capítulo afirma que o termo Je rusalém comunica um significado espiritual, isto é, figurativo. Note que João usa o adjetivo grande, e não santa, em referência à cidade. Isso sugere que ele está falando não sobre seu caráter, mas sobre seu tama nho. Como em todo o Apocalipse, assim também aqui há um ponto de contraste entre aquilo que é santo e aquilo que é profano. Há somente duas cidades: a santa e a profana. É a divisão entre o povo de Deus na cidade santa e seus adversários na grande cidade. O povo de Deus habita a santa cidade, a Jerusalém espiritual dos santos. Seus inimigos vivem na grande cidade, não em um lugar particular, mas em “a estru tura mundial da descrença e rebeldia contra Deus”.29A grande cidade é identificada com Sodoma, lugar de imoralidade com menos de dez pessoas justas (Gn 18.32), e com Egito, terra que simboliza a escravi dão dos israelitas. Os profetas Isaías e Ezequiel falaram ao povo resi dente de Jerusalém e de Judá, e os comparam aos habitantes de Sodoma (Is 1.9, 10; 3.9; Ez 16.46, 48, 49), porém em parte alguma do Antigo Testamento Jerusalém é identificada com o Egito. d. “Onde também seu Senhor foi crucificado.” A grande cidade onde seu Senhor foi crucificado não é uma cidade terrena chamada Jerusalém; ao contrário, ela é contrastada com a cidade santa onde o povo de Deus reside. A grande cidade é o lugar onde as pessoas vivem contrariando a vontade de Deus, têm crucificado e continuam crucifi cando o Senhor por todos os lados e sem cessar (Hb 6.6). No Apocalipse, a expressão a grande cidade se refere consistentemente a Babilônia, símbolo da oposição do mundo contra Deus (14.8; 17.18; 18.2, 10, 16, 18, 19, 21). Quando Jerusalém assumiu seu posto junto a Babilônia numa postura desafiante contra Deus, sua mensagem e seus mensa(N ova York e Londres: Funk e Wagnalls, 1886), p. 317; Walvoord, R evelation, p. 181; C. Van der Waal, “The Last B ook o f the Bible and the Jewish A pocalypses”, N eotest 12 (1978): 111-32; Aune, R evelation 6 -1 6 , p. 619; Lohm eyer, Offenbarung, p. 93.
28. Thomas, Revelation 8-22, p. 94. 29. Philip Edgcum be H ughes, The B ook o fth e Revelation: A C om m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 127. Consultar os comentários de Morris, p. 146; M ounce, p. 221.
427
A po c a l ip s e 11.7-10
geiros, ela perdeu seu título de santa cidade (ver comentário sobre v. 2). A grande cidade “é qualquer e toda cidade em que a Igreja dá testemu nho profético a todas as nações”.30 A quem se refere o pronome seu, na expressão seu Senhor? João não poderia ter aplicado o pronome aos judeus que crucificaram a Je sus, pois recusaram-se a reconhecê-lo como Senhor. O pronome se refere às duas testemunhas a quem Jesus chama “minhas testemu nhas” (v. 3), isto é, a Igreja.
9. E os [cidadãos] dos povos e tribos e línguas e nações con templarão seus corpos durante três dias e meio, e não permiti rão que seus corpos sejam depositados em um túmulo. Agora os cidadãos do mundo inteiro (povos, tribos, línguas e na ções) contemplam os cadáveres das testemunhas. Tais pessoas repre sentam o mundo posicionados contra os santos (10.11; 13.7; 14.6; 17.15). Seus números implícitos indicam que não vieram contemplar dois cadáveres jazendo em uma rua particular de Jerusalém: contem plam a dissolução da Igreja em todas as suas estruturas mundiais. O testemunho da Igreja já foi completado, Deus recolheu sua palavra e seu testemunho, e o mundo agora contempla a estrutura sem vida da religião cristã. Os povos do mundo contemplam os cadáveres durante um período de três dias e meio (ver v. 11). Esse período corresponde a três anos e meio das duas testemunhas (v. 3). Mas esses dois [períodos] não são idênticos. Três dias e meio denotam um breve período comparado com o tempo bem longo durante o qual as testemunhas proclamam o evan gelho ao mundo. Após Deus recolher sua palavra, o intervalo do triunfo do mundo é momentâneo. Sua duração é curta, pois Deus determina sua extensão quando, depois de três dias e meio, as testemunhas res suscitam dentre os mortos (v. 11). O mundo se recusa a conceder aos santos permissão para deposi tar seus corpos em um túmulo (comparar SI 79.2, 3). A palavra túmulo não se refere meramente a uma sepultura; é um lugar com inscrição sobre a lápide para lembrar os mortos. Em suma, as forças do Anticristo querem apagar a memória do Cristianismo. O texto grego tem uma forma plural, “corpos”, para transmitir a idéia da Igreja em sua totalida30. Bauckham, Theology, p. 86; Martin Kiddle, The Revelation o f St. John (reimp. em Londres: H odd ere Stoughton, 1943), p. 184).
A p o c a l ip s e 11.7-10
428
de. Ao recusar funerais, o mundo demonstra total desrespeito para com o que é sagrado, mas, com sua recusa, os incrédulos exibem sua inca pacidade de esquecer a Igreja. Rejeitam desdenhosamente a Deus e a sua Palavra, porém ao mesmo tempo usam seu nome nas maldições enquanto fazem observações derrogatórias sobre sua mensagem.
10. E os habitantes se alegrarão por causa deles e festeja rão, enviando presentes uns aos outros, pois esses dois profe tas atormentaram os que habitam na terra. Quem são os habitantes da terral A expressão aparece com freqüência no Apocalipse; ela sempre denota aquelas pessoas que fize ram da terra seu lar sem qualquer preocupação com o lar eterno com o Senhor.31Isso não significa uma completa ausência de crentes sobre a face desta terra, porque no texto anterior (v. 9), aos crentes, por impli cação, não se permitiu preparar os funerais. Concluímos que o número dos santos é tão reduzido que nem mesmo são mencionados. João descreve os cidadãos do mundo fazendo uso de três verbos: alegrar, fe ste ja r e enviar presentes. O prim eiro verbo tem uma conotação negativa no sentido em que se encheram de perversa satis fação. Os incrédulos celebram vitória sobre o povo de Deus, regozijan do-se e distribuindo presentes entre si. A Escritura registra um relato paralelo com uma conotação positiva. Quando os judeus experimenta ram alívio de seus inimigos, nos dias da rainha Ester, observaram o dia da celebração durante o qual permutavam alimento e distribuíam pre sentes aos pobres (Et 9.19, 22). A razão expressa dessa celebração é que “os dois profetas ator mentaram os que habitam sobre a terra”. Essa declaração revela o pensamento truncado do mundo: os mensageiros de Deus atormenta ram espiritualmente os incrédulos.32A mensagem que Deus lhes en viou por meio de seus arautos atormentou suas consciências e lhes negou paz mental. A Palavra de Deus deixou a descoberto seus peca dos, e foram conclamados ao arrependimento, fé e a uma vida de ser viço dedicada a Deus. Foram informados sobre a ira de Deus e o Dia do Juízo. Eles, porém, silenciaram a mensagem de Deus, matando suas 31. A pocalipse 3.10; 6.10; 8.13; 11.10 (duas vezes); 13.8, 14 (duas vezes); 17.2; comparar também 13.12; 14.6. 32. Comparar W emer Stenger (EDNT, 1.200), o qual observa que o texto não se refere aos tormentos do Dia do Juízo. Não sofrem fisicam ente, mas espiritualmente.
A p o c a l ip s e 11.7-10
429
testemunhas; conseqüentemente, pretendiam acalmar seus temores e abrandar sua consciência. Lenski habilmente comenta: “O inferno en che o mundo inteiro com júbilo quando a Palavra dos profetas por fim jaz em perene silêncio nas ruas.”33Podem regozijar-se agora, porém são incapazes de escapar do inevitável Dia do Juízo, quando Deus des truirá os que estão destruindo a terra (v. 18). Um interessante paralelo pode ser delineado entre os dois profetas que representam Deus e o falso profeta, que representa Satanás. Eis abaixo o diagrama:34
Duas Testemunhas
Segunda Besta
1. Profetas (11.10) 2. Realizam sinais (11.6) 3. Recebem autoridade de Deus (11.3) 4. Atormentam os habitantes da terra (11.10) 5. Duas oliveiras; lâmpadas (11.4) 6. Fôlego de vida da parte d e D e u s ( ll.I l)
1. Falso profeta (16.13; 19.20; 20.10) 2. Realiza milagres(13.13,14; 19.20) 3. Recebe autoridade da primeira besta (13.12) 4. Engana os habitantes daterra(13.14) 5. Dois chifres (13.11) 6. Dá fôlego à imagem da primeira besta (13.15)
Palavras, Frases e Construções Gregas em 11.7-10 V ersícu lo 7 H e x ’ k ú t w v - a tradução não deve ser “com eles”, mas “contra eles”. Ver também 2.16; 11.7; 13.4,7; 17.14; comparar 19.19.
V ersícu lo 8 to TTTtô|ia - o singular “corpo” tem o endosso de muitos manuscritos, enquanto o plural é uma correção - o plural aparece no versículo 9 .0 singular pode ser interpretado como denotando totalidade. ó KÚptoç aütwv - alguns manuscritos gregos realçam o pronome rpw v em um esforço de eliminar mal-entendido; outros apagaram totalmente o pronome.
V ersícu lo 9 èk - a preposição introduz um gentivo partitivo, para o qual a palavra “cidadãos” ou “pessoas” deve ser proporcionado.
33. Lenski, R evelation, p. 347. 34. R esseguie, Revelation Unsealed, p. 128.
A p o c a l ip s e 11.11-14
430 Versículo 1 0
êirí (duas vezes) - o primeiro é com o genitivo e significa “sobre (a terra)”. O segundo é com o dativo e é traduzido “acima (deles)”.35
(4) A Ressurreição das Duas Testemunhas 11.11-14 A palavra de Jesus, “nenhum servo é maior que seu senhor” (Jo 13.16) aplica-se às duas testemunhas, a Igreja. Como Jesus morreu nas mãos dos ímpios, assim morrem seus servos. Como Jesus ressusci tou dentre os mortos, assim ressuscitam seus servos.36Como Jesus subiu ao céu e uma nuvem o encobriu dos apóstolos (At 1.9), assim seus servos subiram numa nuvem à vista de seus inimigos.
11. E, depois de três dias e meio, o espírito de vida da parte de Deus entrou neles e os pôs de pé, e grande temor sobreveio aos que os viam. A dissolução do testemunho cristão é de curta duração, porque Deus intervém. O mundo festeja sobre os cadáveres das testemunhas por três dias e meio (vs. 9, 10). Quando esse período passar, Deus, como o autor da vida, soprará vida nos cadáveres dessas duas testemu nhas (Jó 33.4; Ez 37.5-14). Como Deus soprou o fôlego de vida nas narinas de Adão (Gn 2.7), assim ele faz com que os mortos se tornem vivos (Jó 19.25-27). “E grande temor sobreveio aos que os viam.” De repente, viramse as mesas, quando Deus traz à vida o testemunho da Igreja e con fronta o mundo. Esse testemunho não surgiu dos mortos para con verter os incrédulos, pois o período da graça chega ao fim quando o juízo divino está pendente, p mundo que festejou a dissolução dos servos de Deus instantaneamente compreende que seu castigo é imi nente. Como resultado, os adversários dessas testemunhas se en chem de medo e temor. Qual é o significado dessa ressurreição? A informação que João apresenta é escassa, de modo que só presumimos o que pode aconte 35. A. T. Robertson, A G ram m ar o fíh e G reek N ew Tesament in the Light o f H istorical R esearch (Nashville: Broadman, 1934), p. 565. 36. Jesus permaneceu no túmulo durante três dias, enquanto as duas testemunhas ficaram mortas durante três dias e m eio. Esses dois números não são idênticos. O primeiro é uma contagem literal de tempo, porém o segundo é totalmente sim bólico.
431
A p o c a l ip s e 11.11-14
cer. Poderia referir-se à ressurreição geral dos mortos, quando do regresso de Jesus (lT s 4.16, 17), isto é, o grande e glorioso dia que antecede a consumação. Mas é igualmente possível dizer que essa ressurreição deve ser entendida sim bolicam ente. E zequiel fala figuradamente sobre a ressurreição dos mortos (37.10-13), assim tam bém aqui o retorno do testemunho de Deus pode ser interpretado m etaforicam ente.37
12. E ouviram um brado vindo do céu dizendo-lhes: Subam para cá. E subiram numa nuvem, e seus inimigos os viram. O brado do céu é divino e pertence a Jesus. João evitou o uso do nome de Jesus quando primeiro ouviu em Patmos o brado como uma trombeta no Dia do Senhor (1.10). Então ouviu novamente a mesma voz quando viu a porta do céu aberta, e a voz disse: “Suba aqui, e lhe mostrarei o que deve acontecer depois dessas coisas” (4.1). E agora, uma vez mais, João ouviu o brado de Jesus emitindo a mesma ordem para que as testemunhas ressuscitadas de Deus subissem. A ascensão dos santos é semelhante à de Jesus, o qual subiu na nuvem “e está à destra de Deus - com anjos, autoridades e poderes em submissão a ele” (IPe 3.22). Os santos sobem numa nuvem, signi ficando que são transformados na vinda do Senhor e serão arrebata dos nas nuvens a encontrá-lo nos ares (lT s 4.17). Quando Jesus subiu, os apóstolos o viram subir. Mas quando os santos forem arrebatados nos ares, os inimigos de Deus os contemplarão subindo ao céu. Sua ascensão significa plena e completa vitória sobre o maligno. Há um paralelo indireto que se relaciona com o regresso de Cristo: “Eis que virá com as nuvens, e todo olho o verá” (Ap 1.7; comparar Zc 12.10b). Nosso idioma usa na tradução o artigo indefinido, “numa nuvem”, o grego, porém, afirma literalmente: “na nuvem.” Indubitavelmente, esta é uma referência à nuvem de glória que apareceu quando Jesus se transfigurou (Mt 17.5) e a qual o envolveu enquanto subia do Monte das Oliveiras (At 1.9). Duas vezes ocorre nesses versículos (vs. 11, 12) a frase então viu. João enfatiza que os inimigos de Deus vêem os santos redivivos e glo rificados subirem para o céu. Esses adversários foram dominados pelo medo do juízo iminente, observando a ascensão do povo de Deus. No 37. Consultar os comentários de B eale (p. 597); Mounce (pp. 22 2 ,2 2 3 ); Hailey (p. 259).
A p o c a l ip s e 11.11-14
432
fim dos tempos, o contraste dos inimigos de Deus e dos santos de Deus é realmente notável.
13. E naquela hora houve um grande terremoto e caiu um décimo da cidade e sete mil pessoas foram mortas no terremoto, e o resto ficou aterrado e deu glória ao Deus do céu. a. “E naquela hora houve um grande terremoto.” Devemos enten der os últimos poucos versículos (vs. 11-13) na estrutura do período imediatamente anterior e durante o regresso do Senhor. Este versículo fala do mundo incrédulo, que enfrenta a ira divina na forma de um grande terremoto que abala a terra, para indicar o envolvimento de Deus no Dia do Juízo (ver 6.12). No momento em que os santos sobem ao céu, Deus golpeia a terra com um grande tremor para revelar sua ira contra os incrédulos que assassinaram seu povo. Ele usa com freqüência esse fenômeno da natureza para indicar um evento inusitado. Terremotos ocorreram quando Jesus morreu e ressurgiu dos mortos (Mt 27.51; 28.2). Semelhantemente, um grande terremoto acompanhou a ressur reição e a ascensão dos santos, respectivamente. b. “E caiu um décimo da cidade e sete mil pessoas foram mortas no terremoto.” A maioria dos comentaristas deduz da frase um décimo da cidade uma população total de sete mil. Se tomarmos o texto literal mente, um décimo da população da cidade sendo igual a sete mil, então o número total dos habitantes será de setenta mil. A História fornece inúmeros exemplos de milhares sendo mortos em um terremoto que devasta meia cidade. Ainda que a perda da vida seja notável, é difícil asseverar que seja extraordinária. É óbvio o uso de simbolismo neste texto.38A cidade é o lugar no qual os gentios calcarão seus pés e onde o Senhor foi crucificado (ver o comentário sobre vs. 2, 8). É*o lugar profano que se contrasta com tudo o que é santo. Esse lugar profano, abarcando toda a estrutura mundial e pondo a descrença e a rebeldia contra Deus, é agora golpe ado com um grande terremoto que vibra seus fundamentos. Portanto parece preferível interpretar o número sete mil simbolicamente, visto que sete significa completude, e mil como sendo dez vezes dez vezes dez (dez denota plenitude no sistema decimal), que indica uma multi 38. Eduard Lohse (D ie Offenbarung des Johannes, Das N eue Testament Deutsch 11 [Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1960], p. 64) interpreta o versículo literalmente, aplicando-o a Jerusalém.
433
A p o c a l ip s e 11.11-14
dão. O termo um décimo é uma indicação do plano de Deus de que o terremoto não mata todos os incrédulos. c. “E o resto ficou aterrado e deu glória ao Deus do céu.” Os que não morreram foram tomados de medo e desolação. Compreendem que a ascensão dos santos ao céu será seguida de castigo, juízo, e que serão condenados. E não surpreende que o terror encha seus corações e mentes, pois seu tempo sobre a terra está expirando. Os comentaristas estão divididos sobre a interpretação das pala vras: “E o resto ... deu glória ao Deus do céu.” As palavras deu glória a Deus nos levam a perguntar se esta é uma questão de arrependimen to genuíno ou de remorso fictício. Muitos estudiosos são de opinião de que o mundo incrédulo, que não foi morto pelo terremoto se converteu a Deus, arrependido de seus feitos perversos, glorificou a Deus.39Em outros termos, essas pessoas más se converteram no último momento possível, e Deus, em sua graça e misericórdia, as aceitou em sua família. A evidência para tal posição está no fato de essas pessoas darem glória a Deus, o que é interpretado como sendo “uma forma de devoção religiosa”.40 Outros estudiosos argumentam dizendo que não é a morte dos már tires, mas sua ressurreição, “que enche de terror o coração de seus inimigos e os força a dar glória a Deus”.41Existe uma diferença entre remorso e arrependimento: Judas revelou remorso e se enforcou; Pedro, porém, arrependeu-se e foi restaurado. Existe uma diferença entre ad missão e contrição: Acã deu glória a Deus e admitiu que pecara contra Deus (Js 7.19, 20); Davi, porém, confessou seu pecado com coração contrito (SI 51.4). Além do mais, o final do último versículo deste capí tulo (v. 18) indica uma descrição do último juízo, que é uma reminiscên cia do versículo 13, e confirma a conclusão de uma cena do juízo final, e não de arrependimento. Portanto, a conversão genuína já não é mais 39. Ver os seguintes comentários: Aune (52B , pp. 628-29); Beasley-M urray (p. 187); Caird (pp. 139, 140); Harrington (p. 123); Krodel (pp. 227, 228); Ladd (pp. 159,160); Johnson (pp. 5 0 7 ,5 0 8 ); Thomas (R evelation 8 -2 2 , pp. 9 8 ,9 9 ). Ver também Bauckham, Clim ax o f P rophecy, pp. 278, 279, 282, 283. 40. Bauer, p. 204. Comparar os usos desta frase em A tos 12.23; Rom anos 4.20; A pocalipse 14.7; 16.9; 19.7. 41. M ounce, R evelation, p. 224. V eros comentários de Beale (p. 607); H ailey (p. 260); Hendriksen (pp. 161, 162); H oeksem a (p. 397); Hughes (p. 130); K iddle (p. 206); Lenski (p. 351); W alvoord (p. 183).
A p o c a l ip s e 11.11-14
434
possível, “visto que teria de ser posta depois do começo do último juízo, o qual é assinalado no versículo 13a” .42Depois de Deus infligir juízo, o tempo de arrependimento já passou. Enquanto a Igreja proclama a Palavra, há tempo para salvação. Mas quando as testemunhas subirem ao céu, sua mensagem não mais será ouvida. O tempo de arrependimento chega ao fim, porque sem o poder da Palavra não há conversões. Além disso, João revela uma abordagem cíclica em seu Apocalipse, por meio da qual o tópico de Deus julgando os incrédulos aparece reiteradamente. Por exemplo, há o juízo iminente para os pecadores (6.16) e o tempo para julgar os mortos (11.18). O Juiz ceifa a terra (14.15, 16); após o derramamento das sete taças, vem o juízo (16.17-21); e o cavaleiro que monta o cava lo branco vem para julgar os perversos (19.11-21). Em todos esses exemplos, não há menção de incrédulos se convertendo. João toma emprestada do Antigo Testamento a frase Deus do céu (Ed 1.2; Ne 1.4; Dn 2.18, 19; Jn 1.9). No Apocalipse, ela ocorre so mente duas vezes, aqui e em 16.11.
14. O segundo ai passou. Eis que logo vem o terceiro. João mencionou o fim do primeiro ai em 9.12; nesse tempo, ele anunciou que ainda restava mais dois para vir. Aqui, pois, está o fim do segundo ai, porém João não nos diz que segmento do Apocalipse com preende o terceiro ai. Alguns estudiosos acreditam que a substância do capítulo 16, o qual revela as sete pragas, gera esta última aflição.43A objeção a esta interpretação é sua distância do anúncio de que o tercei ro ai está próximo. Portanto, é melhor ver a última parte deste versículo introduzindo o próximo segmento (vs. 15b-19) como o conteúdo do ter ceiro ai. A cena da sétima tjombeta “é um ai mais severo do que a quinta e a sexta trombetas, visto que representa o clímax do juízo final”.44A sétima trombeta nos permite uma visão subseqüente do juízo final, quando os ímpios enfrentam a destruição. Assim, o ai fala da devastação das pessoas que têm sido destrutivas durante seu tempo na terra (v. 18). 42. B eale, R evelation, p. 607 (ênfase dele). 43. Consultar Beckwith, A po ca lyp se, pp. 608, 669, 671; Thomas, R evelation 8 - 1 2 , p. 100; Johnson, Revelation, p. 508. 44. V eros comentários de B eale (p. 610), Lenski (p. 360), H ughes (p. 131) e Hoeksem a (p. 402).
435
A po c a l ip s e 11.11-14
Palavras, Frases e Construções Gregas em 11.12,13 V e rsíc u lo 1 2
r]Kouoav - é preferível a terceira pessoa da forma plural à primeira pessoa singular, r|KOuaa, com base na evidência externa. V e rsíc u lo 1 3
òvófMta - “nomes”, porém traduzido como “pessoas”. O mundo indica que tais pessoas são conhecidas individual e nominalmente (ver 3.4; At 1.15). 15 E o sétimo anjo tocou a trombeta. E houve fortes vozes no céu, dizendo: O reino do mundo se tomou o reino de nosso Deus e de seu Cristo. E ele reinará para todo o sempre. 16 E os vinte e quatro anciãos, aqueles que estavam assentados em seus tronos diante de Deus, se curvaram sobre seus rostos e adoraram a Deus, 17 dizendo: Graças te damos, ó Senhor Deus Todo-Poderoso, que és e que eras, porque assumis te teu grande poder e começaste a reinar. 18 E as nações se iraram, porém chegou tua ira. E chegou o tempo de julgares os mortos e de recompensares teus servos, os profetas, teus santos e os que temem teu nome, tanto pequenos como grandes, e de destruir os que destroem a terra. 19 Então o templo de Deus, que está no céu, foi aberto, e sua arca da aliança apareceu em seu templo. E houve clarões relâmpagos, trovões e um terremoto e um grande temporal de granizo.
9. A . Sétima Trombeta 11.15-19 O interlúdio de duas partes (10.1-11.14) chegou ao fim, e João continua com a série de trombetas, das quais a próxima é a sétima. A sétima trombeta mostra similaridade com o sétimo selo e com a séti ma taça. Os três estabelecem seu cenário no céu, onde se observa silêncio (8.1), fortes vozes são ouvidas (11.15) e se ouve uma voz dizendo: “Feito está” (16.17). Os três estão no final dos ciclos de sete partes e proporcionam inform ação sobre o fim dos tem pos. Não obstante, as diferenças são notáveis, pois o sétimo selo introduz as
A p o c a lip s e
1 1 .1 5 - 1 9
436
sete trombetas. A sétima trombeta revela a celebração de uma vitória como se a batalha contra o inimigo já estivesse ganha. E a sétima taça marca a praga final na natureza, tão severa que não tem páreo (16.18,21). O último segmento deste capítulo, introduzindo o juízo final, contém dois hinos, um sobre o reino e o outro de ações de graças pelo que Deus tem feito. O primeiro menciona Cristo como o eterno governante em seu reino, no sentido em que a guerra contra Satanás é terminada. O segundo, dirigido a Deus, fala de poder divino, julgamento dos mortos, galardão de profetas e santos e a destruição dos destruidores. Este segundo hino que os vinte e quatro anciãos entoam considera o Juízo Final como se já pertencesse ao passado. Ambos os hinos são poemas de vitória que levam a série de trombetas a um clímax. Concisamente, a sétima trombeta nos proporciona uma visão celestial na qual Cristo triunfa sobre seus inimigos. O versículo 19 parece estar fora de lugar, pois as passagens mais próximas que têm um fraseado semelhante são 15.5 (otem plo)e 16.18, 21 (relâmpago, estrondos, trovões, terremoto e chuva de granizo).45Não obstante, ele faz alusão à relação pactuai que Deus mantém com seu povo e seu terrível poder na natureza, e assim ele forma uma conclusão adequada à primeira parte do Apocalipse. Além disso, a seqüência de relâmpagos, estrondos, trovões, terremoto e tempestade de granizo ocor re quatro vezes com variações (4.5; 8.5; 11.19; e 16.18). Essas refe rências mostram uma fórmula expandida que se relaciona com a seve ridade do juízo divino descrito no progresso do Apocalipse. a. Os Dois Hinos * 11.15-18
15. E o sétimo anjo tocou a trombeta. E houve fortes vozes no céu, dizendo: O reino do mundo se tornou o reino de nosso Deus e de seu Cristo. E ele reinará para todo o sempre. 45. M ichael W ilcock (The M essage o f R evelation: I Saw H eaven O pened [Downers Grove: Inter-Varisty, 1975], pp. 110-15) coloca 11.19 no tópico da próxima seção (1 1 .1 9 -1 5 .4 ). Esperaríamos um versículo introdutório para sumariar o que a seção ensina. M as esse não é o caso, pois o capítulo 12 introduz a segunda m etade do Apocalipse. M. Robert M ulholland Jr. (R evelation: H oly L iving in ann Unholy World [Grand Rapids: Zondervan, Francês Asbury Press, 1990], p. 214) chama 1 1 .19-15.5 a “peça central do A pocalipse” .
437
A p o c a l ip s e 11.15-19
Anteriormente, João escreveu sobre o sétimo anjo tangendo sua trombeta para indicar que o fim dos tempos está próximo (10.7). E agora ele descreve o anjo tangendo a trombeta e seu cenário. A tela de fundo é o céu, onde fortes vozes estão entoando louvores a Deus e a seu Cristo. Não somos informados sobre quem estava cantando. O que podemos dizer é que as vozes pertencem a todos os que habitam o céu. Essas vozes declaram que o reino do mundo agora pertence a “nos so Senhor e a seu Cristo”. Isso significa que Satanás, que tentou Jesus oferecendo-lhe os reinos do mundo, não mais os possui (Mt 4.8, 9; Lc 4.5, 6). Recorrendo ao Antigo Testamento, João revela que o reino per tence a Deus e a seu Cristo (SI 2.2, 8, 9; 22.28; Dn 7.14; Ob 21).46Há um único reino, não dois. Há um só Deus, não dois. Note como no Apocalipse João atribui divindade a Jesus, quando o menciona juntamen te com Deus. Aqui estão dois exemplos, com o acréscimo de itálicos: • “Serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos” (20.6). • “O trono de Deus e do Cordeiro estará nela, e seus servos [dele] o servirão” (22.3). No Apocalipse, João ensina que Deus e Cristo, respectivamente, são chamados Rei, pois são dignos de louvor e adoração. Por exemplo, a saudação trinitariana descreve Jesus Cristo como “soberano dos reis da terra” (1.5). O cântico de Moisés e do Cordeiro é dirigido a Deus como “o Rei das eras” (15.3). Cristo fez de seu povo reino e sacerdo tes (1.6; 5.10), no entanto o reino pertence a Cristo e a Deus respecti vamente (11.15; 12.10). O governo de Cristo e de Deus é o mesmo, porque Deus governa seu reino através de seu Filho. Cristo tem sido Rei em seu reino do princípio ao fim (SI 110.1); ele proclamou sua entronização antes de sua ascensão: “Toda autoridade, no céu e na terra, me foi dada” (Mt 28.18). Quando o último inimigo for destruído, isto é, a morte, então vem o fim, e ele entregará o reino a Deus o Pai (IC o 15.24-28). Isso não quer dizer que então ele deixará de governar; ele reinará para todo o sempre. 46. John P. M. Sw eet (R evelation, WPC [Filadélfia: Westminster, 1979], p. 191) obser va que os temas do Salm o 2 aparecem reiteradamente no Apocalipse (12.5; 14.1; 16.14; 17.18; 19.15, 19).
A p o c a l i p s e 11.15-19
438
O texto aponta para a vitória que Cristo conquistou e simplesmente declara: “O reino do mundo se tornou o reino de nosso Senhor e de seu Cristo.” Pelo prisma de João, a total derrota de Satanás e de seus cor religionários já se concretizou. Eram usurpadores do poder sobre o mundo; agora Cristo é o vitorioso e reinará eternamente. “Seu domínio é um domínio eterno que jamais passará, e seu reino é o reino que nunca será destruído” (Dn 7.14; ver também 2.44; 7.27; SI 10.16).
16. E os vinte e quatro anciãos, aqueles que estavam assen tados em seus tronos diante de Deus, se curvaram sobre seus rostos e adoraram a Deus. Os vinte e quatro anciãos, assentados em vinte e quatro tronos, representam os santos no céu (Ap 4.4, 10; 5.8; 11.16; 19.4). Recebe ram o privilégio de rodear o trono de Deus e de ficar mais perto desse trono do que os anjos. A humanidade redimida, assentada em tronos diante de Deus, é privilegiada em governar com Cristo (3.21). Esses vinte e quatro anciãos prestam culto, prostrando-se na presença de Deus. São aqueles que expressam gratidão e louvam pela redenção realizada pelo Filho de Deus em seu favor. Enquanto o coral celestial entoa o hino de triunfo a Deus e a Cristo, porque com justiça reivindica o reino do mundo, os vinte e quatro anciãos entoam seu próprio hino de louvor para expressar sua gratidão. A obra de redenção foi completada e chegou o tempo de prestar honra, louvor e glória ao Senhor Deus Onipotente. 17. Dizendo: Graças te damos, ó Senhor Deus Todo-Poderoso, que és e que eras, porque assumiste teu grande poder e começaste a reinar. Os vinte e quatro anciãos, como representantes da Igreja, estão expressando sua gratidão, nãò a Cristo, mas ao Pai, que é denominado o Senhor Deus Todo-Poderoso. Ele comissionou o Filho para redimir seu povo, para perdoar seus pecados, para outorgar-lhes vida eterna e para ensinar-lhes sua Palavra. Agora os anciãos agradecem a Deus, que é seu soberano e Todo-Poderoso Senhor. Suas palavras de grati dão revelam um antecedente tipicamente judaico demonstrado no Sal mo de Ações de Graças de Davi e no Saltério (lC r 16.8, 26; SI 105.1; 106.1,47; 136.1-4).47 47. O verbo dar graças ocorre trinta e oito vezes no N ovo Testamento, vinte e quatro delas nas Epístolas de Paulo. João tem três ocorrências em seu Evangelho (6.11, 23;
439
A po c a l ips e 11.15-19
A frase “aquele que é e que era” é uma reminiscência de 1.4, 8; 4.8, mas falta a terceira parte “e aquele que há de vir”. João tomou essa terceira parte do Antigo Testamento (por exemplo, SI 96.13; 98.9), onde Deus vem salvar e julgar. Os primeiros cristãos identificaram sua vinda com a de Jesus Cristo enquanto olhavam para o regresso de Cristo.48 Sua omissão assinala que Deus de fato já veio, quando João agora faz um retrospecto rumo ao cumprimento da promessa de Jesus de vir logo (comparar também 16.5). Isto é, esse hino de louvor e de triunfo entoado pelos vinte e quatro anciãos omite a frase que há de vir, como se sua vinda já tivesse ocorrido. Eles olharam para trás, a batalha contra Satanás, o Anticristo e os habitantes de Babilônia. Deus revelou seu poder, derrotou seus inimigos e destruiu os opressores de seu povo. A frase seguinte, “porque assumiste teu grande poder e começaste a reinar”, é uma afirmação de Deus derrotando seus adversários e assumindo seu justo poder governante sobre sua criação no céu e na terra. Note que o tempo perfeito é usado no verbo assumir. Isso signi fica que nenhum poder jamais surgirá outra vez contra Deus, com o intuito de usurpar sua autoridade como no caso de Satanás, denomina do “o príncipe deste mundo” (Jo 12.31; 14.30; 16.11; 2Co 4.4; Ef 2.2; lJo 4.4; 5.19). Em grego, João realça o adjetivo grande quando escreve “grande poder”. O poder de Deus dirigido contra seus oponentes é terrível, pois “terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31). Swete escre ve: “Não é o exercício normal do poder divino, mas aquela exibição final e esmagadora para a qual toda profecia aponta.”49 Na dissolução de seus inimigos, o Senhor Deus começa seu irrestrito reinado. Os vinte e quatro anciãos, fazendo uma retrospectiva da obra de redenção consumada, se regozijam no triunfo de Cristo e governo absoluto sobre todo o universo. Esse governo assinala o fim do reinado de Satanás e aquele tempo da concretização do juízo.
18. E as nações se iraram, porém chegou tua ira. E chegou o tempo de julgares os mortos e de recompensares teus servos, 11.41) e uma no A pocalipse (11.17). Ver Hermann Patsch, EDNT, 2.88; Hans-Helm ut Esser, NIDNTT, 3.818. 48. Referência a Bauckham, Theology, pp. 2 8 ,2 9 ; e seu Clim ax o f Prophecy, pp. 32, 33. 49. Sw ete, R evelation, p. 143.
A p o c a l ip s e 11.15-19
440
os profetas, teus santos e os que têm teu nome, tanto pequenos como grandes, e de destruir os que destroem a terra. a. “e as nações se iraram, porém chegou tua ira.” Duas sentenças paralelas, que refletem as palavras de Davi no Salmo 2, falam do furor e da ira. Esse Salmo relata que as nações se rebelam contra Deus e seu Ungido. Mas “aquele que está no céu se põe a rir”, pois ele “os repreende em sua ira e os apavora em seu furor” (SI 2.1-5, 12; At 4.2527; comparar Jr 30.23, 24). Israel e o Império Romano, representados pelo sumo sacerdote com o Sinédrio e Pôncio Pilatos, respectivamente, pregaram Jesus na cruz e depois perseguiram seus seguidores. Mas o furor e a ira de Deus diferem do furor e da ira dos inimigos de Deus. Enquanto dirigem sua ira contra Deus para destruir seu reino e pisotear tudo quanto é santo (SI 2.2), Deus dirige sua vingança contra as nações para conduzi-las à justiça e a seu destinado fim. b. “E chegou o tempo de julgares os mortos.” João não está se referindo ao tempo cronológico, mas ao momento certo que Deus orde nou para o Dia do Juízo. É o tempo que Deus designou para o último juízo. O sexto selo (6.17), a sétima trombeta (11.18) e a sexta taça (16.14), todos se referem ao momento quando chegar o grande Dia do Juízo. João apresenta seu Apocalipse de uma maneira cíclica e visualiza a revelação divina de perspectivas diferentes. O termo os mortos ocorre oito vezes no Apocalipse e significa todos os que já morreram. Mais especificamente, pode significar ou os crentes ou os incrédulos. Por exemplo, “bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor” (14.13), e “e o restante dos mor tos não viveu até que se completassem os mil anos” (20.5a). Aqui, bem como em 20.12, 13, o termo se refere a todas as pessoas: alguns rece bem galardão e, outros, conde-nação. c. “e de recompensares teus servos, os profetas, teus santos e os que temem teu nome, tanto pequenos como grandes.” Galardão não é algo que é ganho, porque ele vem aos crentes como uma dádiva de Deus. Os conceitos recompensar e conduzir são conectados, porém não no sentido de causa e efeito. Galardões são dados como emblemas da livre graça de Deus.50 Uma redação preliminar deixa a impressão de que João tem em mente três classes de pessoas: servos que são profetas, santos e te50. Paulo Christoph Bõttger, N1DNTT, 3.144.
441
A p o c a l ips e 11.15-19
mentes a Deus, quer pequenos quer grandes. Esse não é necessaria mente o caso, porque a expressão teus servos, os profetas, já apare ceu em 10.7 (ver o comentário). São servos de Deus, profetas ou após tolos e seus cooperadores, os que foram comissionados para transmitir sua revelação, e com freqüência recebiam a ordem de escrevê-la. São uma classe especial de pessoas. Além disso, há os santos, que são os que temem a Deus, pequenos e grandes respectivamente (19.5; SI 115.13). A palavra santos ocorre quatorze vezes no Apocalipse; são as pessoas santas a quem Deus santificou através do sangue de Cristo.51 Sofrem por seu nome, exercem a paciência e a fidelidade por sua cau sa, apresentam orações a Deus e são mortas por serem seu povo. São aqueles que temem a Deus no mundo inteiro, quer sejam neófitos ou gigantes na fé.52Portanto, minha sugestão é que há duas classes de pessoas: os servos especiais de Deus, que cumprem uma tarefa parti cular, e os santos, que são todos os que reverenciam o nome de Deus.53 d. “E destruir os que estão destruindo a terra.” Os vinte e quatro anciãos rogam a Deus que destrua as pessoas perversas que estão constantemente engajadas em arruinar moralmente os habitantes da terra.54Isso é precisamente o que fez “a grande prostituta, a qual ar ruinou a terra com sua fornicação” (19.2). A ira de Deus é derrama da sobre os que fizeram pessoas se desviarem e agora eles mesmos são destruídos. b. A Aliança de Deus 11.19
19. Então o templo de Deus, que está no céu, foi aberto, e sua arca da aliança apareceu em seu templo. E houve clarões de relâm pagos, trovões e um terremoto e um grande temporal de granizo. a. “E então o templo de Deus que está no céu foi aberto, e sua arca da aliança apareceu em seu templo.” Os vinte e quatro anciãos já con cluíram seu hino de louvor, e agora João responde, descrevendo o tem51. A pocalipse 5.8; 8.3, 4; 11.18; 13.7, 10; 14.12; 16.6; 17.6; 18.20, 24; 19.8; 20.9; 22.21 (variante). 52. A frase pequ en os e gran des ocorre em 13.16, onde João m enciona categorias soci ológicas de incrédulos, mas aqui ele enfatiza as dim ensões espirituais dos santos. 53. Consultar os comentários de Greijdanus (pp. 243, 244); Ladd (p. 163); Lenski (pp. 356, 357); M ounce (pp. 227, 228); e Thomas (R evelation 8 -2 2 , p. 11). 54. Bauer, p. 190. Ver também Günther Harder, TDNT, 9.103.
A p o c a l ip s e 11.15-19
442
pio de Deus no céu. Este é o santo lugar onde Deus habita e que é sua presença sagrada. Visto que a cortina que separava o Santo dos Santos do Lugar Santo se rompeu de alto a baixo, a arca da aliança veio a público. Entendemos a visão simbolicamente, pois o templo na terra não mais existia no tempo em que João escreveu o Apocalipse (7.15; 15.5, 8). A expressão templo, neste livro, significa a própria presença de Deus, e João visualiza o templo de sua perspectiva da terra para o céu. A arca da aliança, no tabernáculo e mais tarde no templo de Salomão, era o lugar onde Deus habitava. Essa caixa sagrada simboli zava a presença de Deus, e nessa santa presença o sumo sacerdote entrava uma vez ao ano para expiar seus próprios pecados e os pecados do povo. Sobre sua tampa, sangue de animal era aspergido; e na arca estavam as duas tábuas nas quais Deus escrevera o Decálogo (lR s 8.9; 2Cr 5.10; Hb 9.4). Essa arca, agora aberta a todos, é a demonstra ção visível dada por Deus de que ele guarda a aliança com seu povo. Nesse lugar cheio de glória, Deus os encontra e estabelece entre eles sua lei (Êx 25.22; 29.42,43). E as palavras de sua lei, que foram inscritas nas tábuas de pedra que estão na arca, refletem a santa presença de Deus na vida de seu povo. Com eles, ele mantém uma relação pactuai para que o conhecimento da lei de Deus encha a terra “como as águas cobrem o mar” (Is 11.9; Hc 2.14). “Daí, quando essa arca é agora vista, isto é, plenamente apreendida, o pacto da graça (Gn 17.7), em toda sua doçura, se concretiza nos corações e vidas dos filhos de Deus.”55 Ainda que a arca e as tábuas de pedra tenham sido destruídas pelos babilônios quando conquistaram Jerusalém, em 14 de agosto de 586 a.C. (2Rs 25.9), a prática de observar a lei permaneceu intacta.56 O fato de que João fala de uma arca celestial, ainda que simbolicamente, mostra que a relevância da ler moral de Deus permanece e é perene. Não há lugar para o pecado e a iniqüidade na presença do Onipotente, pois de um lado seu povo pactuai redimido é perdoado; e, do outro, as pessoas que deliberadamente transgridem sua lei são condenadas. 55. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 133. 56. Segundo uma tradição registrada em 2 M acabeus 2.4-8, o profeta Jeremias levou a tenda e a arca para o M onte N ebo e as ocultou numa caverna, a qual selou. Deus teria revelado a tenda e a arca no tempo em que congregou seu povo e mostrou sua m isericór dia. Ainda que tal tradição circulasse entre os judeus, João não está pensando numa restauração do templo e da arca na terra. Sua visão de uma arca celestial aponta para o cumprimento da obra redentiva de Cristo.
443
A p o c a l ips e 11.15-19
b. “E houve clarões de relâmpagos, trovões e terremoto e um gran de temporal de granizo.” Os fenômenos que ocorrem na natureza são um retrospecto à promulgação do Decálogo no Monte Sinai, onde Deus provocou relâmpagos, trovões e tremores (Ex 19.16-18). O escritor do Apocalipse reiteradamente registra essas ocorrências naturais (4.5; 8.5; 11.19; 16.18, 21). Aqui e em 16.21 ele adiciona a queda de granizo. Esses fenômenos são lembretes dos eventos do Sinai, e sugerem que o juízo de Deus já chegou. “João usa a alusão ao Sinai para sugerir que o Fim foi atingido, ainda que não exaustivamente descrito.”57 Aliás, neste ponto do Apocalipse, João retrata o fim dos tempos. Não podemos, contudo, simplesmente avançar para o próximo capítulo como se um fluísse para o outro. O capítulo 11 marca a vinda do Dia do Juízo, enquanto o capítulo 12 descreve uma mulher e o nascimento de um menino - um novo começo.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 11.17,18 V ersícu lo 1 7
ó cõv Koà ò rjv - muitos manuscritos minúsculos acrescentam ó èpxófievoç, que é “um acréscimo tipicamente bizantino, em imitação da expressão tripartida em 1 .4 ,8”.58A TR e duas versões realçam esta adição (KJV, NKJV). V ersícu lo 1 8
touç (incpouç Kai t o ü ç (leyálouç - apoio externo para esta redação é forte, enquanto o uso do caso dativo parece ser uma correção.59
57. Bauckham, Climax o fP rvph ecy, p. 204. 58. Metzger, Textual Com mentary, p. 672. 59. Thomas (R evelation 8 -2 2 , p. 115) chama o uso do caso acusativo um anacoluto (isto é, uma mudança abrupta na sintaxe). Sw ete (R evelation, p. 144) escreve que o acusativo “deve ser explicado pela suposição de que o escritor se esqueceu que começou com õoúvcu n iaS ói/’. E também possível construir o caso acusativo com a sentença anterior, “para julgar os mortos” (comparar 20.12), m esm o quando a seqüência perma neça problemática.
E sboço (continuação) V. Visão 4: Aspectos de Guerra e Salvação (12.1-14.20) A. A Mulher e o Dragão (12.1-17) 1. A Mulher, o Filho e o Dragão (12.1-6) 2. Guerra no Céu (12.7-9) 3. Um Cântico de Vitória (12.10-12) 4. Socorro e Segurança para a Igreja (12.13-17)
C a p ít u l o
12
° é t\ A M u lh e r e o D r a g ã o (A p o c a lip s e
12.1-17)
1 E apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida com o sol e * com a lua debaixo de seus pés e uma coroa de doze estrelas em sua cabeça. 2 Ela estava grávida e gritava com dores de parto e angústia para dar à luz. 3 E ali apareceu outro sinal no céu. E eis que ali estava um grande dragão vermelho que tinha sete cabeças e dez chifres e sete coroas em suas cabeças. 4 E sua cauda arrastava um terço das estrelas do céu, e as lançou na terra. E o dragão ficou em pé diante da mulher que estava para dar à luz, para que, quando desse à luz, pudesse devorar seu filho. 5 E ela deu à luz um filho, um menino, que governará todas as nações com uma vara de ferro. E o menino foi arrebatado para Deus e seu trono. 6 E a mulher fugiu para o deserto, onde havia para ela um lugar preparado por Deus, para que ali ela pudesse ser sustentada durante 1.260 dias. 7 E houve guerra no céu. Miguel e seus anjos lutaram contra o dragão. E o dragão e seus anjos revidaram, 8 porém não prevaleceram, e não mais se achou lugar para eles no céu. 9 E o grande dragão foi expulso, aquela antiga serpente chamada o diabo e Satanás, o enganador do mundo inteiro. Ele foi expulso para a terra, e seus anjos foram expulsos com ele. 10 E ouvi uma forte voz no céu, dizendo: H
Agora veio a salvação, o poder e o reino de nosso Deus, e a autoridade de seu Cristo, porque foi expulso o acusador de nossos irmãos [e irmãs]; ele é o acusador deles di ante de nosso Deus, de dia e de noite. 11 E o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra de seu testemunho, e em face da morte não amaram suas próprias vidas. 12 Portanto, regozijem-se, ó céus, e aqueles que neles habitam! Ai da terra e do mar, porque o
A po c a l ipse 12
446
diabo desceu até vocês! Ele está muito ira do, porque sabe que pouco tempo lhe resta. 13 E quando o dragão viu que fora expulso para a terra, perseguiu a mulher que dera à luz o menino. 14 E foram dadas à mulher duas asas de uma grande águia, para que ela pudesse voar para o lugar que lhe fora preparado no deser to, onde pudesse ser sustentada por um tempo, tempos e metade de tempo, longe da presença da serpente. 15 E a serpente lançou de sua boca, após a mulher, água como um rio, para que ela fosse tragada pelo rio. 16 E a terra socorreu a mulher, e a terra abriu sua boca e tragou o rio que o dragão lançara de sua boca. 17 e o dragão irou-se contra a mulher, e saiu para guerrear contra o restante de sua descendência, aqueles que estavam guardando os manda mentos de Deus e mantinham o testemunho de Jesus.
V. Visão 4: Aspectos de Guerra e Salvação 12.1-14.20 Chegamos agora ao centro do livro e estamos entrando na segunda parte do Apocalipse. Não há estreita conexão entre o conteúdo do ca pítulo 11 e o do capítulo 12. Aqui temos um novo começo, pois o Apocalipse basicamente possui duas partes principais. Essas partes são assim divididas: a Igreja de Cristo perseguida pelo mundo (capítulos 111) e Cristo com a Igreja perseguidos por Satanás (capítulos 122 2 ).'Além disso, o capítulo 1 ressalta uma introdução deste livro, e capítulo 22, uma conclusão. Primeiro, notamos que a estrutura do Apocalipse tende a ensinarnos uma abordagem cíclica, em vez de linear. Essa abordagem explica a aparente interrupção no meio do Apocalipse, onde o escritor chama a atenção para Cristo e sua Igreja, perseguida por Satanás (vs. 3-6, 1317). Ao ser expulso do céu com seus anjos, o diabo dá autoridade ao Anticristo e ao falso profeta - a besta que emerge do mar e a besta que emerge da terra. Todos quantos não têm a marca da besta ou o número de seu nome perdem a condição de comprar ou vender (13.1-18). Cris 1. William Hendriksen, More Than Conquerors, p. 23. Jon Paulien (Decoding Revelation !s Trumpets: L iterary A llusions an d the Interpretation o f Revelation 8.7-12, A U SD D S 11 [Berrien Springs, Mich.: Andrews University Press, 1987], p. 344) faz no A pocalipse uma divisão histórica (selos e trombetas) e a crise de fim dos tempos (capítulos 1 2 -1 4 e as taças). David E. Aune (Revelation 6 -1 6 , W BC 52B [Nashville: N elson, 1998], p. 661) considera 11.19 com o uma introdução a 12.1-17.
447
A po c a l ipse 12
to, porém, enfurece Satanás e seus agentes, a saber, o Anticristo e o falso profeta. Ele entra em cena como o Filho do Homem para inaugu rar o Dia do Juízo (14.14-20). Depois desses três capítulos, João continua com sua série de setes, isto é, as sete taças da ira (capítulos 15-16). A ira divina, derramada sobre os inimigos de Deus, é uma descrição do juízo final (16.17-21). A mulher chamada Babilônia, e todos os que a seguem, são derrubados (17.1-18.24). O cavaleiro que monta o cavalo branco vem para julgar com justiça e declarar guerra a seus inimigos (19.11-21); e o juízo de Deus atinge sua consumação quando os livros forem abertos e cada pessoa for julgada (20.11-15). Em suma, o Apocalipse revela paralelos que se desenvolvem progressivamente em cada ciclo. Segundo, o capítulo 12 reflete repetição tipicamente joanina que serve para enfatizar sua apresentação única. Por exemplo, o período de tempo de 1.260 dias aparece no versículo 6, onde Deus preparou no deserto um lugar para a mulher. E, no versículo 14, essa mulher fugiu para o deserto, para um lugar que lhe foi preparado, “por um tempo, tempos e metade de tempo”. Essas duas referências ao tempo são as mesmas em duração: mil duzentos e sessenta dias, iguais a quarenta e dois meses (11.2, 3) ou três anos e meio. Terceiro, o capítulo pinta uma situação ideal e uma realidade pre sente, respectivamente.2O simbolismo da mulher gloriosa “vestida do sol, com a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas em sua cabeça” (v. 1) é um quadro ideal dessa mulher que atinge o seu apogeu. Por trás desse quadro ideal jaz a realidade; é a realidade que assume forma no nascimento e ascensão de Cristo. Ele inclui guerra celestial, quando o arcanjo Miguel lança Satanás e seus anjos à terra (v. 9). Aponta para a ira do diabo, que persegue a mulher enquanto ela foge para um lugar preparado para ela, enquanto recebe socorro da terra (v. 16). Retrata os seguidores de Cristo deflagrando guerra espi ritual contra Satanás e enfrentando a ira do diabo (v. 17). Concluindo, a cena que descreve a mulher exaltada constitui idealismo; a cena que descreve a Igreja perseguida constitui realismo. 2. Comparer George Eldon Ladd, Commentary on the Revelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 167; Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 617, 621, 622; Robert H. M ounce, The B ook o f R evelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 231.
A po c a l ipse 12
448
Por último, o capítulo 12 realça a derrota de Satanás. Sua derrota é focalizada pelo verbo expulsar/abater, o qual aparece cinco vezes su cessivamente (ver vs. 9 [três vezes], 10, 13). Através deste capítulo, Satanás é retratado cinco vezes como perdedor, enquanto Cristo e sua Igreja são vitoriosos. • O diabo tentou devorar o menino, porém Deus o arrebatou para seu trono (v. 5). • Satanás lutou contra Miguel e seus anjos, porém perdeu (v. 9). • O dragão perseguiu a mulher, porém Deus preparou para ela um lugar no deserto (vs. 6, 14). • A serpente queria apanhar a mulher numa torrente, porém a ter ra tragou o rio (vs. 15, 16). • Satanás perdeu quando deflagrou guerra contra a descendência da mulher, que se manteve obediente aos mandamentos de Deus e conservou o testemunho de Jesus (v. 17).
A. A M ulher e o D ragão 12.1-17 Teria João pego emprestado seu material da mitologia pagã, a qual parece fornecer paralelos a esta passagem (vs. 1-6) em um grande número de relatos? Existe o mito grego de Apoio, que nasce da deusa Leto; ele faz também menção do dragão Píton. Segundo, existe o mito da criação babilónica acerca de Tiamat e o monstro de sete cabeças morto pelo deus Marduk, quando Tiamat arrastou um terço das estrelas do céu. Terceiro, existe o mito persa e egípcio com histórias semelhan tes. E, por último, existem mQédas com mensagens: uma retrata o im perador Domiciano com uma imagem de seu filho, cuja mão se estende para sete estrelas; também uma moeda com uma imagem desse filho com a lua e seis estrelas; também uma com o filho e sua mãe Domitia, que é descrita como uma deusa.3 3. Ver os comentários de G R. Beasley-Murray, The Book o f Revelation, NCB (Londres: Oliphants, 1974), pp. 192, 193; Alan F. Johnson, Revelation, em The E xpositor’s Bible Commentary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.512, 513. Ver também a dissertação doutoral de Adela Yarbro Collins, The Com bat M yth in the Book o f R evelation, H DR 9 (M issoula: Scholars Press, 1976), pp. 6 3 -6 7 ,7 0 ,7 1 ; Aune, Revelation 6 -1 6 , pp. 667-74.
449
A po c a l ips e 12.1-6
Ainda que João estivesse familiarizado com várias histórias mitoló gicas do mundo pagão, ainda assim deveríamos rejeitar qualquer suges tão de que ele tenha se valido dessas fontes para criar o Apocalipse. Deus revelou a Jesus o conteúdo do Apocalipse, o qual por sua vez ordenou a João que escrevesse o que havia observado (1.1, 2, 11, 19). Portanto, o Apocalipse é um livro dado por Deus. Isso não significa que João mecanicamente escreveu o que lhe foi dito; ao contrário, ele es creveu as visões que viu na estrutura de símbolos. O sol, a lua e a coroa de doze estrelas adornam a mulher para fazer sua aparência bela e poderosa. Ao mesmo tempo, esses corpos celestes lhe são subordina dos; ela é muito maior que eles. Vemos um paralelo no sonho de José, do sol, lua e sete estrelas curvando-se diante dele (Gn 37.9). João mostra ao leitor um quadro da luta entre uma mulher e Sata nás, que é uma retrospectiva do início da história humana, quando Deus falou à mulher e à serpente (Gn 3.14-16). Descreve a guerra espiritual que o povo de Deus mantém sempre desde a queda em pecado de Adão e Eva. Essa guerra se tornou aguda quando a mulher e seu filho se viram livres da serpente que já estava pronta a devorá-lo no exato momento de seu nascimento (vs. 1-6). Seguindo o nascimento do meni no, João descreve uma guerra no céu (vs. 7-9). Como um interlúdio (vs. 10-12), João registra um hino celestial. Então conclui este capítulo com um segundo relato de guerra de Satanás contra a mulher e sua descendência (vs. 13-17). 1. A Mulher, o Filho e o Dragão
12. 1-6 1. E apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida com o sol e com a lua debaixo de seus pés e uma coroa de doze estrelas em sua cabeça. a. “E apareceu no céu um grande sinal.” Os tradutores diferem ao expressarem o significado das palavras grande sinal. Aqui estão dois exemplos: “uma grande maravilha (KJV, NC V) e “um grande e extraor dinário sinal” ( n i v ). O sinal é um maravilhoso portento aos olhos, pois é grande e visível no céu. A palavra sinal aparece sete vezes no Apocalipse para retratar a obra ou de Deus ou de Satanás e seus anjos apóstatas (12.1, 3; 13.13, 14; 15.1; 16.14; 19.20). E o adjetivo grande descreve o “sinal” aqui e em 15.1, onde se refere a sete anjos
A p o c a l ip s e 12.1-6
450
com sete pragas que cumprem a ira de Deus. O adjetivo e o substan tivo também ocorrem em 13.13, onde a segunda besta (o falso profe ta) realiza grandes sinais para o diabo diante dos olhos do povo sobre a terra. b. “Uma mulher vestida do sol e com a lua debaixo de seus pés e uma coroa de doze estrelas em sua cabeça”. Esta frase não pode ser entendida apenas simbolicamente. Contudo, temos que indagar pela iden tidade dessa mulher. Quem é ela? É Maria, mãe de Jesus? A literatura cristã primitiva não cataloga nenhuma referência com esse propósito. Epifânio de Salamina, aproxi madamente em meados do quarto século, é o primeiro a observar que “alguns indivíduos [não mencionados nominalmente] estavam identifi cando a mulher com Maria”.4O Novo Testamento, porém, se expressa contra tal exegese, porque a própria Maria assume para si um posto modesto na sociedade e na Igreja. Além disso, durante a Idade Média, a maioria dos escritores nivelavam a mulher não com Maria, mas com a Igreja. Outros estudiosos interpretam a mulher como sendo Israel, consi derado por Deus como sua esposa (Is 54.3-6; Jr 31.32; Ez 16.32; Os 2.16).5Não obstante, quando João compôs o Apocalipse, muitos judeus da dispersão eram membros da sinagoga de Satanás; perseguiam os cristãos (2.9; 3.9). Além do mais, o povo hebreu, incapaz de reedificar Jerusalém depois de sua destruição em agosto do ano 70, não deixaram nenhum registro de conversão nacional depois dessa data. Ainda outros vêem que Satanás ataca o povo pactuai de Deus des de os tempos da queda em pecado até a consumação, de modo que a mulher que ele assalta representa a comunidade pactuai de ambas as dispensações, antiga e nova (Èb 11.39, 40). O povo dessas duas eras demonstra uma unidade ao chamá-la mulher. Ela deu à luz o Messias (Is 7.14), pois ela representa os ancestrais humanos de Cristo que in corporam os cristãos gentílicos da nova aliança (Rm 9.5; 11.11-21). João notifica que os filhos da mulher são “os que estavam guardando os 4. Raymond E. Brown, org., M ary in the N ew Testament (Filadélfia: Fortress, 1978), p. 235 n. 512. 5. John F. Walvoord, The R evelation o f Jesus C hrist (Chicago: M oody, 1966), p. 188; e Robert L. Thomas, Revelation 8 -2 2 : An Exegetical Com m entary (Chicago: M oody, 1995), p. 120.
451
A po c a l ips e 12.1-6
mandamentos de Deus e conservavam o testemunho de Jesus” (v. 17).6João ensina a unidade do povo de Deus. A coroa de doze estrelas representa o povo de Deus exemplificado nos doze patriarcas da antiga aliança e nos doze apóstolos dos tempos da nova aliança. O número doze é uma descrição do povo de Deus. Note a diferença entre a glória cósmica dessa mulher e o fulgor huma no da grande prostituta (17.4).
2. Ela estava grávida e gritava com dores de parto e angústia para dar à luz. Essa gloriosa mulher estava vestida com a radiância do sol como fonte de luz que era refletida pela lua. Ela tinha uma coroa de doze estrelas em sua cabeça, que simbolizava vitória completa. Ela estava grávida e para dar à luz, o que simboliza a vinda de Jesus na carne. Aliás, este versículo é uma reflexão de todo o período veterotestamentário, no qual Satanás exibe sua inimizade para com Deus. Ele ataca os san tos, a quem Deus põe no mundo para ocupa a posição central. Têm sido e são uma fonte da luz que receberam de seu Criador e Redentor. Assim, o povo de Deus, através de sua Palavra, reflete sua radiância para dispersar as trevas do mundo. A mulher sofre dores e angústia enquanto está dando à luz (compa rar Is 26.17; 66.7; Mq 4.10; G14.19).7Quando João escreveu o último livro da Bíblia, o nascimento de Jesus já tinha se dado no início do século. O autor, porém, situa este texto no período do nascimento de Jesus para ressaltar o severo conflito que Satanás fomentou e continua fomentando contra Deus e seu povo. 3. E ali apareceu outro sinal no céu. E eis que ali estava um grande dragão vermelho que tinha sete cabeças e dez chifres e sete coroas em suas cabeças. 6. Ver Johnson, R evelation , p. 514; S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 250; M ounce, R evelation, p. 232; M ichael W ilcock, The M essage o f R evelation: I Saw H eaven O pened (Dow ners Grove: Inter-Varsity, 1975), p. 119; Gregory K. Beale, The B ook o f R evelation: A Com m entary on the C reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 630. 7. Beckw ith (p. 622) comenta: “Nenhum sim bolism o especial, tal com o a longa histó ria de Israel de sofrim ento antes do advento de Cristo, está contido nas palavras; toda essa referência está distante da passagem puramente idealista” . Esse ponto de vista, porém, dificilm ente fica de pé diante do propósito de Satanás de frustrar os propósitos de Deus.
A po c a l ip s e 12.1-6
452
O capítulo 12 é o primeiro capítulo do Apocalipse que justapõe a mulher e o dragão. É também o primeiro que introduz dois sinais no céu, um sinal para cada um, com a diferença de que o adjetivo grande descreve o sinal da mulher. O sinal do dragão não é denominado de grande; em vez disso, o imperativo “Olhe!” chama a atenção dos leito res para um dragão horrível. O que é grande não é o sinal, mas o dra gão, isto é, de tamanho enorme. A cor do dragão é vermelha, o que simboliza a cor da guerra. A palavra grega pyrros (vermelho ardente) é usada tanto aqui quanto para o cavaleiro que monta o cavalo vermelho (6.4). Embora a mitologia tenha numerosos contos de dragão, João mes mo explica o significado do termo dragão: “E foi expulso o grande dragão, aquela antiga serpente chamada o diabo e Satanás, o engana dor do mundo inteiro” (v. 9; 20.2). Satanás chegou-se a Eva no Paraíso na forma de serpente para enganá-la (Gn 3.1; lTm 2.14). Mas a ser pente enganadora veio a ser um poderoso dragão que instila temor e medo em seus oponentes. Não obstante, o povo de Deus sabe que Jesus Cristo já venceu esse dragão, mesmo que sua força e fúria con tinuem a ser esmagadoras. Onde quer que o dragão vá, ele deflagra guerra com o intuito de granjear vitória. Note que essa besta é retratada com sete cabeças, dez chifres e sete coroas. Esses números não devem ser tomados literalmente, mas simbolicamente. O número sete significa completude, e dez é o número de plenitude na estrutura decimal. As sete cabeças e os dez chifres se referem à completude em vencer o mundo, o que é evidente na desig nação aplicada a Satanás, príncipe deste mundo (Jo 12.31; 14.30; 16.11). Depois da queda em pecado, Adão não mais governou a cria ção divina, porém Satanás passou a governar usurpando esse poder (Lc 4.6). O dragão domina o mundo, governando impérios globais, au toridades principais, movimentos políticos e idéias filosóficas. Um anjo interpreta para João o significado das sete cabeças e os dez chifres, dizendo: “As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher se assenta. E são sete reis” (17.9, 10). Essas cabeças fornecem liderança em seus respectivos reinos, isto é, o número sete significa controle com pleto, como João explica no capítulo seguinte (13.1-9). A expressão dez chifres aparece em Daniel 7.7 e 24, onde ela descreve a besta que apavora a humanidade e personifica dez reis. Por último, o termo sete
453
A p o c a l ip s e 12.1-6
coroas (também traduzido “diademas” ; ver 13.1; 19.12 n a s b , n r s v , r e b ) simboliza seu controle completo no tocante à supremacia régia e soberania majestática. As coroas de Satanás, contudo, nada mais re presentam senão pretensa realeza. Como R. C. H. Lenski o expressa, Satanás se veste de “símbolos de domínio arrogado”.8O diabo exerce temível poder; não obstante, os santos no céu e na terra sabem que seu poder será extinto na consumação. São capazes de cantar louvores jubilosos a Jesus, porque ele governa supremamente (vs. 10-12).
4. E sua cauda arrastava um terço das estrelas do céu, e as lançou na terra. E o dragão ficou em pé diante da mulher que estava para dar à luz, para que, quando desse à luz, pudesse devorar seu filho. a. “E sua cauda arrastava um terço das estrelas do céu, e as lançou na terra.” Esta sentença está se referindo a Satanás perturbando os céus estrelares, ou causando a queda de um terço do mundo angelical? Muitos estudiosos entendem essas palavras em termos literais por cau sa de 8.12, onde a frase: “a terça parte das estrelas foi atingida” requer uma interpretação clara. Dirigem também a atenção para Daniel 8.10: “ [O chifre] lançou algumas das hostes estelares para a terra e as pisoteou.” A hoste estelar se refere não a uma hoste angelical, mas aos judeus piedosos que obedeciam à lei de Deus e foram mortos pelas forças armadas de Antíoco IV Epifânio (168-164 a.C.). João, no Apocalipse, está sugerindo uma interpretação literal de estrelas sendo lançadas dos céus à terra? Ladd comenta: “O dragão é uma criatura tão colossal que, com um movimento de sua cauda, pode arrastar um terço das estrelas de sua posição natural.”9Ainda que o poder de Satanás seja indisputável, um sentido literal se depara com a dificuldade de explicar como estrelas colossais podem cair sobre a terra. Um segundo ponto de vista interpreta as estrelas simbolicamente como sendo anjos a quem Satanás arrastou consigo para o pecado. Esses anjos foram destinados ao poço sem fundo, que é aberto por uma estrela (isto é, um anjo, 9.1, 2).10Deus preparou esse horrível lugar 8. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. John’s R evelation (Columbus: Wartburg, 1943), p. 365. Ver também Hendriksen, M ais que Vencedores, pp. 166, 167. 9. Ver os com entários de Ladd (p. 169); Johnson (p. 515); e M ounce (p. 233). 10. Este é o ponto de vista de numerosos comentaristas, inclusive Beasley-M urray, Greijdanus, Hendriksen, Hughes, Lenski, Poellot e Thomas.
A p o c a l ip s e 12.1-6
454
para o diabo e seus anjos (Mt 25.41; 2Pe 2.4; Jd 6). O número de anjos é incalculável, de modo que a expressão um terço indica uma grande agregação de demônios que, com Satanás, foi expulsa do céu (vs. 7-9). Mas note também que um terço é a parte menor da divisão, e que a maioria dos anjos permaneceu fiel a Deus. b. “E o dragão se pôs em pé diante da mulher que estava para dar à luz, para que, quando ela desse à luz, pudesse devorar seu filho.” Esta história de Satanás buscando exterminar a santa geração de Eva é reite rada ao longo de todos os séculos. Influenciado por Satanás, Caim matou a seu irmão Abel e faraó mandou afogar as crianças do sexo masculino dos hebreus. Com intenção homicida, o rei Saul lançou sua espada em Davi e Hamã tramou aniquilar o povo judeu que vivia nas províncias da Pérsia. Nos tempos neotestamentários, Herodes, o Grande, matou em Belém as criancinhas do sexo masculino até dois anos de idade. Sempre que algum novo progresso estava para acontecer na história do povo de Deus, neste versículo simbolizado pela mulher, Satanás se prontificava a frustrar os propósitos divinos e tentava eliminar seu Filho. Os ataques de Satanás contra a mulher continuam até o regresso de Cristo. No Paraíso, Deus pôs inimizade entre a serpente e a mulher e entre os descendentes daquela e os desta. Ele declarou que a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3.15; ver Rm 16.20). Esta profecia divina se cumpriu no nascimento, vida e ascensão de Jesus, como indica o próximo versículo.
5. E ela deu à luz um filho, um menino, que governará todas as nações com uma vara de ferro. E o menino foi arrebatado para Deus e seu trono. a. “E ela deu à luz um filho, um menino.” Aqui está o cumprimento das profecias messiânicas que predizem a vinda do Cristo (Is 7.14; 66.7). A m ulher, representando a Igreja dos crentes da antiga dispensação, deu à luz seu Filho, o Messias. A fraseologia de João aparenta redundância: um filho, isto é, do sexo masculino. João, porém, intencionalmente explícito, focaliza a relação da mulher com o filho. Devemos ver a mulher como sendo a Igreja que gerou o Filho; e ao mesmo tempo devemos ver o Filho redimindo a Igreja, a qual, então, se torna sua noiva (19.7; 21.2, 9; 22.17).“ 11. Comparer Herman Hoeksema, Behold, H e Cometh! An Exposition o f the B ook o f Revelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing A ssociation, 1969), p. 419. Qua-
455
A po c a l ips e 12.1-6
b. O Filho “governará todas as nações com uma vara de ferro”. João às vezes faz alusão ao Saltério, especialm ente aos salmos messiânicos. Três vezes no Apocalipse ele cita palavras do Salmo 2.9: “Tu os governarás com um cetro de ferro” (2.27; 12.5; 19.145). Isto é, Jesus governa sobre os incrédulos com uma vara de ferro, a qual ele aplica a todos quantos se insurgem contra ele. Ele é o Pastor que cuida de suas ovelhas e as protege do mal. De um lado, no Apocalipse, as palavras todas as nações podem referir-se ao mundo que Satanás desencaminha. Um anjo anuncia: “Caiu, caiu Babilônia, a Grande, que fez todas as nações beberem do vinho inebriante de sua fornicação” (14.8). Por outro, Deus congrega os seus dentre todas as nações, para que venham e adorem diante dele (15.4). Aliás, Cristo governa estabe lecendo seu reino e aplicando seu governo sobre todas as nações do mundo (Mt 24.14). Ele governa supremamente com justiça e amor como Rei dos reis e Senhor dos senhores. c. “E o Filho foi arrebatado para Deus e seu trono.” João nada escreve acerca do sofrimento, morte e ressurreição do Senhor. Então, por que ele omite esses fatos redentores? Ele mira a vida terrena de Jesus por várias razões. Primeiro, ele chama a atenção para a derrota de Satanás no nascimento e ascensão do Senhor. Segundo, ele conecta a ascensão de Jesus com seu governo sobre as nações. Terceiro, ele usa a ascensão como um prelúdio ao próximo segmento, a saber, guer ra no céu (vs. 7-9). E, por último, João menciona dois fatos redentores primordiais: focaliza o nascimento de Jesus na terra, que inclui seu ministério e sua ascensão ao céu, que inclui seu governo majestático. Deus está no controle, pois no momento certo ele intervém para salvaguardar seu Filho e transforma as estratégias de Satanás em co lapso. Deus é o agente na voz passiva da frase “o menino foi arrebata do para Deus”. Quando Jesus assumiu sua justa posição no trono de Deus, Satanás e seus anjos perderam seu lugar no céu. 6. E a mulher fugiu para o deserto, onde havia para ela um
lugar preparado por Deus, para que ali ela pudesse ser susten tada durante 1.260 dias. tro mulheres aparecem no Apocalipse: Jezabel (2.20), a mãe do filho (12.1 -6), a grande prostituta (1 7 .1 ) e a noiva (21.2, 9). Jezabel e a prostituta são representantes de Satanás. A guisa de contraste, a mãe e a noiva são o povo de Deus. Duas mulheres são profanas, e duas são santas.
Ap o c at.tp.sf . 12.1-6
456
Através do Anticristo, Satanás dirige sua ira primariamente contra o Cristo, a quem ele busca eliminar e cujo lugar ele quer usurpar. Antes do nascimento do Messias, o diabo tentara destruir a linhagem de crentes, da qual Jesus nasceria, porém fracassou. Então atacou Jesus, porém compreendeu que esse assalto também terminava em fracasso. Depois disso ele começou a perseguir seus seguidores, que proclamavam e con tinuam proclamando o nome de seu Senhor. Todos esses esforços resul taram igualmente em fracasso, porque Deus protege seu povo. A mulher representa a Igreja de Cristo, cujos membros fogem para um lugar que Deus lhes preparou: o deserto.12A imagem do deserto evoca o relato da permanência de Israel por quarenta anos na penínsu la do Sinai (Dt 8.2-4), a fuga de Elias para esse mesmo deserto (lR s 19.3-8) e a peregrinação de João Batista no deserto da Judéia (Lc 1.80). Paulo também gastou tempo em um deserto, o da Arábia (G1 1.17, 18). Três fatores emergem do tempo gasto em um deserto: a pessoa é completamente dependente de Deus para a provisão material e espiritual das necessidades da vida; o deserto é sempre um lugar temporário; e, por último, o deserto é um lugar onde Deus treina espi ritualmente seu povo e o prepara para o serviço. Assim, os membros da Igreja dependem de Deus como seu provedor e protetor; também compreendem que sua estada na terra é apenas temporária; e sabem que estão sendo treinados para deveres mais extensos. Justamente como o tempo de Israel no deserto do Sinai era temporário, enquanto os israelitas ansiavam permanecer na Terra Prometida, assim também a Igreja, hoje, aguardando na terra, anela estar com Cristo para sem pre (ver 2Co 5.6-8). Deus prepara um lugar dç, proteção e nutrição para a Igreja du rante 1.260 dias. Ainda quando seus membros sofram opressão e perseguição, Deus jam ais permite a aniquilação da Igreja. O número 1.260 se aplica às duas testemunhas que receberam poder para pro fetizar durante essa extensão de tempo (11.3). Assim, a referência à 12. John F. Walvoord (R evelation, p. 191) escreve: “Há obviamente um tremendo lapso de tempo entre os versículos 5 e 6, porém essa não é uma ocorrência incomum em profecia; a primeira e a segunda vindas de Cristo são freqüentemente expressas na m esm a sentença”. O s primeiros leitores e ouvintes desta passagem teriam entendido o versículo dessa maneira? Os versículos 5 e 6 se referem não às duas vindas de Cristo, mas à sua ascensão e ao cuidado divino pela Igreja.
457
A p o c a l ips e 12.1-6
mulher no deserto se harmoniza com a tarefa de profetizar das duas testemunhas, o que significa que as testemunhas e a mulher repre sentam a Igreja.13 O número 1.260, dividido por trinta, é igual a quarenta e dois m e ses, que é a extensão de tempo dado aos gentios para pisotear o átrio externo do templo (11.2). O período durante o qual a Igreja é qualifi cada para testemunhar em prol do Senhor é do dia da ascensão de Jesus ao tempo de seu regresso. À besta da terra foi dada uma boca para blasfemar o nome de Deus e para exercer autoridade por um período de quarenta e dois meses (1.260 dias). O diabo, pois, come çou exatamente a mesma extensão de tempo que a Igreja recebeu na terra. Em suma, o significado desses números nos capítulos 11 e 12 é o mesmo.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 12.6 á iT Ó
- e sta p r e p o siç ã o s ig n ific a o u a g ê n c ia (por) o u fo n te (d e ). “A co n str u
ç ã o aqui p a rece sig n ific a r ‘preparado p or o rd em d e D e u s ’, n ão p or e le m e sm o , c o m ccttó d e n o ta n d o q u e D e u s era a fo n te da o r d e m .” 14 Tpé4>woiu - o s ig n ific a d o prim ário d e ste v erb o é “nutrir” ; a d e fin iç ã o s e cu n d ária é “criar, p ro d u zir” , q u e é apropriada aqu i e n o v e r s íc u lo 1 4 .15
2. Guerra no Céu 12.7-9 Pedro, escrevendo sobre a ascensão do Senhor, diz que Jesus Cris to “foi para o céu e está assentado à destra de Deus - com anjos, autoridades e poderes sujeitos a ele” (IPe 3.22). Jesus proclamou vitó ria sobre as forças espirituais que se lhe opunham; essas forças são Satanás e seus anjos maus. Paulo chama esses poderes de “as forças espirituais do mal nas regiões celestes” (Ef 6.12). A vitória veio quan do o arcanjo Miguel e suas hostes angelicais venceram essas forças malignas, expulsando-as do céu e lançando-as na terra. 13. Henry Barclay Sw ete, Com entary on Revelation (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 152. 14. Robert Danna, A G ram m atical A id to the G reek N ew Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 450. Ver também C. F. D. M oule, An Idiom -Book o f N ew Testament G reek, 2a ed (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), p. 74. 15. Bauer, p 825; Josefo, Contra A pião 1.19 § 141. Ver também EDNT, 3.369.
A po c a l ip s e 12.7-9
458
7. E houve guerra no céu. Miguel e seus anjos lutaram con tra o dragão. E o dragão e seus anjos revidaram, 8. porém não prevaleceram, e não mais se achou lugar para eles no céu. a. “E houve guerra no céu.” Através de toda a História até a as censão de Jesus, Satanás podia comparecer à presença de Deus (Jó 1.6; 2.1). Satanás, cujo nome significa “o acusador”, pôde inclusive acusar o sumo sacerdote Josué na presença de Deus, porém o Senhor o repreendeu (Zc 3.1, 2). Além disso, Jesus disse aos setenta e dois discípulos que regressaram de sua missão designada: “Eu vi Satanás cair do céu como relâmpago” (Lc 10.18; ver Jo 12.31). Em outros termos, a Satanás não tinha sido ainda negado acesso à presença de Deus, porém podia acusar o povo de Deus dia e noite (v. 10). Quando Jesus completou sua obra medianeira na terra, subiu ao céu e tomou assento à mão direita de Deus. Sua entrada no céu tornou impossível a Satanás comparecer diante de Deus para acusar os san tos. Jesus assumiu o papel de advogado junto ao Pai (lJo 2.1). Ele pagou o preço pela liberdade de seu povo, e como resultado Satanás tornou-se incapaz de apresentar acusações caluniosas contra o povo de Deus (ver Rm 8.34; Jd 9).16Assim, a Satanás e a suas hostes foi negado um lugar na presença do Onipotente. b. “Miguel e seus anjos lutaram contra o dragão. E o dragão e seus anjos revidaram.” O nome Miguel significa “Quem é como Deus?” Como um dos arcanjos, ele deflagra guerra contra o arcanjo Satanás, que quer ser como Deus. Miguel é mencionado no Antigo Testamento como um príncipe e protetor do povo de Deus (Dn 10.13, 21; 12.1). E ele que, com seus anjos, ataca e afugenta o dragão e seus correligioná rios. A construção gramatical indica que o dragão é um anjo, pois ele encabeça sua multidão de anjòs. Note que não é Satanás, mas Miguel, quem lidera o ataque; ele empurra o maligno à batalha, o que é uma indicação de que ele tem a superioridade e está seguro da vitória. c. “Mas não prevaleceu, e não mais se achou no céu lugar para eles.” Satanás e seus associados tinham que reconhecer a vitória de Jesus e a derrota deles quando o Senhor subiu ao trono. Longe de aceitar a realida de de sua ruína, enfrentaram Miguel e suas hostes formidáveis, que os expulsou do céu e lançou-os em uma feroz batalha. A guerra de Satanás 16. Consultar Geoffrey B. W ilson, Revelation (Welwyn: Evangelical Press, 1985), p. 106; Werner Foerster, TDNT, 7.157.
459
A p o r.AT.iPSF. 12.7-9
com Deus começou quando a raça humana foi mergulhada em pecado. Quando os crentes da era veterotestamentária foram levados para o céu, Satanás os acusou diante de Deus de serem pecadores indignos. Como acusador dos santos, ele tinha livre acesso à presença de Deus. O diabo não estava só em sua oposição para que os santos não entrassem no céu. Ele empregou anjos apóstatas para que trabalhas sem para ele. Por exemplo, o Antigo Testamento relata a história de um espírito mentiroso que se apresentou a Deus, e este lhe deu permissão para pôr mentira nos lábios dos profetas enquanto aconselhavam os reis de Judá e de Israel (lR s 22.17-23). Desde a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, esses espíritos maus não podem mais comparecer diante de Deus para acusar os santos. Aliás, uma única acusação não pode ser apresentada contra eles, porque Deus só ouve suas orações, confissões, ações de graças e petições. Daí, uma nova era despontou, na qual Satanás e seus anjos perderam seu lugar no céu e se restringi ram a um lugar na terra. Nessa mesma terra, Deus deu à mulher um lugar e a protegeu. “Onde quer que Jesus reine, onde quer que o domí nio que o Cordeiro exerce sobre o mundo tenha sido estabelecido, aí o adversário de Deus não tem lugar nem direitos.” 17
9. E o grande dragão foi expulso, aquela antiga serpente cha mada o diabo e Satanás, o enganador do mundo inteiro. Ele foi expulso para a terra, e seus anjos foram expulsos com ele. Um bom professor repete os pontos que ele deseja realçar. Assim João menciona a ruína de Satanás num total de cinco vezes em três versículos (vs. 9 [três vezes], 10, 13). O grande dragão e seus seguido res são expulsos para a terra, pois o céu lhes está agora fora dos limi tes. A série de nomes (grande dragão, antiga serpente, diabo, Satanás e enganador) é dada pelo menos por três razões: identificar aquele a quem Cristo venceu; alertar os habitantes da terra sobre o cruel poder do diabo; e ilustrar a capacidade desse monstro para destruir e enganar, respectivamente. a. O grande dragão. Aqui está “um quadro do poder primitivo dos caos” .18Isto é, o dragão é chamado grande por causa de seu 17. Jürgen R oloff, The Revelation o f John, trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 148. 18. Hans Bietenhard, NIDNTT, 1.507; ver também Nikolaus Walter, EDNT, 1.353; Werner Foerster, TDNT, 2.283.
A p o c a l ip s e 12.7-9
460
enorme poder. Ele dá seu poder, trono e autoridade à besta que emerge do mar (13.1, 2).19 b. Aquela antiga serpente. O adjetivo antiga é uma referência a Satanás, que na forma de uma serpente iludiu Eva no Paraíso (Gn 3.17). João usa o termo serpente como sinônimo para dragão. De fato, ele aparece cinco vezes no Apocalipse (9.19; 12.9, 14, 15; 20.2). Paulo inclusive adverte a Igreja a não dar ouvidos aos sussurros da serpente e assim serem levados a apartar-se de Cristo (2Co 11.3). c. O diabo. O termo grego, diabolos, vem da preposição dia (atra vés de) e o verbo ballein (arremessar), e significa “abandonar ou cru zar, dividir, estar em divergência, acusar, culpar, caluniar, informar, re jeitar, representar mal, enganar”.20Esta é uma descrição acurada das atividades do diabo. João adverte os crentes a não cederem às suas tentações, pois então eles serão incluídos entre os filhos do diabo (Jo 8.44; lJo 3.8, 10). E Tiago e Pedro, respectivamente, instruem seus leitores a resistirem ao diabo para que ele fuja deles (Tg 4.7; IPe 5.8,9; ver também E f 4.27; 6.11). d. Satanás. Este nome é sinônimo de diabo, e os termos são usados alternadam ente no Novo Testamento. O nome deriva do hebrãico hassatan e significa “o adversário”. Satanás está em inim i zade com Deus e com todos quantos o servem e o adoram. Ele é o acusador e caluniador do povo de Deus. Através dele o Anticristo aparece como “o iníquo”, a quem Jesus derrotará com o sopro de sua boca (2Ts 2.3, 4, 7-9). e. O enganador. Satanás engana o mundo todo, o que não signi fica que os eleitos sejam também desviados (Mt 24.24). Ele não mais pode acusar os eleitos na presença de Deus; ele está confinado a rea lizar sua obra destrutiva na face da terra. Ele busca cegar as mentes dos incrédulos para impedi-los de entender as boas-novas de Jesus Cristo (2Co 4.4). Satanás e seus anjos maus estão confinados a esta terra, a levar a bom termo sua obra enganosa e destrutiva, e mesmo aqui eles não po dem fazer tudo o que lhes agrada fazer, porém só podem ir e fazer o mal que Deus lhes permite. Satanás deve não só aderir aos decretos de Deus, 19. N o capítulo 12, a palavra dra g ã o ocorre oito vezes (vv. 3 , 4 ,7 [duas v ezes], 9 .1 3 , 16, 17). 20. Hans Bietenhard, NIDNTT, 3.468; Otto Bõcher, EDNT, 1.297, 298.
461
A p o c a l ip s e 12.10-12
mas deve também compreender que seus esquemas contra Deus termi nam em fracasso. O governante deste mundo não é Satanás, mas Deus.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 12.7 ttóA.€|ío ç kv tw oúpccvú - esta frase é eliminada por Friedrich Düsterdieck como sendo uma conjectura para melhorar a gramática da sentença. Sem ela, o verbo èyéveto pode ser tomado para introduzir o infinitivo articular xoO TOÀe|j,f|oai (fazer guerra). O infinitivo necessita de um sentido finito anterior para completar a sentença. Düsterdieck é de opinião que a frase é uma “nota marginal que logrou penetrar no texto”.21 Entretanto, é possível inserir men talmente o verbo éyéveT O antes de ó o que então impediria o uso de uma conjectura.22
3. Um Cântico de Vitória
12. 10-12 Este hino anuncia a conquista triunfal de Deus e Cristo, e inclui os santos que partilham dessa vitória. Em seguida, aos céus e seus habi tantes é dito que se regozijem; e, por fim, os povos da terra e do mar são alertados da grande ira do diabo, cujo tempo é breve.
10. E ouvi uma forte voz no céu, dizendo: Agora veio a salva ção, o poder e o reino de nosso Deus, e a autoridade de seu Cris to, porque foi expulso o acusador de nossos irmãos [e irmãs]; ele é o acusador deles diante de nosso Deus, de dia e de noite. a. “E ouvi uma forte voz no céu, dizendo.” João relata que ouviu uma forte voz no céu, mas deixa de identificar o orador ou cantor, indi cando não ser esta uma questão muito importante. Muito embora os anjos freqüentemente cantem hinos de louvor, o uso do pronome pos sessivo nosso, juntamente com o substantivo irmãos [e irmãs], exclui os anjos. Alguns exegetas apontam para Apocalipse 19.10 e 22.9, onde um anjo usa as palavras “seus irmãos” . Essas passagens, porém, não 21. Friedrich Düsterdieck, C ritical and Exegetical H andbook to the R evelation o f John (N ova York e Londres: Funk e W agnalls, 1885), p. 344. 22. Beale, Revelation, p. 654. Outras soluções são apresentadas por A. T. Robertson, A G ram m ar o f the G reek new Testament in the Light o f H istorical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 1.066; M oule, Idiom -Book, p. 129; e R. H. Charles, A C ritical and E xegetical C om m entary on the R evelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 1.321, 322.
A p o c a l ip s e 12.10-12
462
provam o ponto de que os anjos chamam os santos redimidos de seus irmãos e irmãs. Os anjos nunca poderão considerar seres humanos como irmãos e irmãs. Eles diferem dos santos em muitos aspectos: faltam-lhes corpos físicos, não são redimidos, não herdam a salvação, não foram criados à imagem de Deus e não mantêm uma relação pactuai com Deus. A voz representa um grupo de cantores, possivelmente são os santos no céu que cantam esse cântico de vitória (comparar 11.15). O que João deseja comunicar com o tempo em referência a agora? O Apocalipse não põe ênfase no tempo cronológico, o que é de impor tância passageira, mas no princípio governante do tempo. Aqui o advér bio aponta para a linha divisória na história humana, a morte e ressur reição de Cristo, a qual resultou na vitória sobre Satanás (20.10). b. “Agora veio a salvação, o poder e o reino de nosso Deus, e a autoridade de seu Cristo.” As palavras do cântico honram a Deus atri buindo-lhe a salvação de seu povo consumada em Cristo, o poder que Jesus recebeu para vencer a Satanás e o reino que o Senhor lhe entre gou (IC o 15.24-28). Deus é supremo em seu reino. Ainda que Jesus tenha recebido plena autoridade, é Deus quem governa seu reino atra vés de seu Filho (Ap 11.15). Jesus disse aos discípulos: Toda autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). c. “Porque foi expulso o acusador de nossos irmãos [e irmãs]; ele é o acusador deles diante de nosso Deus, de dia e de noite.” Não é Miguel e seus anjos que recebem louvor pela ruína de Satanás, mas Cristo, que exerce a supremacia em seu reino. Quando Jesus subiu ao trono com plena autoridade para governar, Satanás foi expulso do céu. A frase o acusador de nossos irmãos [e irmãs] caracteriza a atividade do diabo na presença de Deus (ver Jó L ê-12; 2.1-5). Essa atividade chegou agora ao fim, porque Jesus é o intercessor em favor dos santos, e esse fato impede qualquer pessoa de apresentar acusação contra eles (Rm 8.33, 34). Qual é a importância do tempo presente do particípio em ele é o acusador deles? Expulso para a terra, Satanás não mais pode acusar os crentes diante do trono de Deus. Ele, porém, não aceita a derrota ao ponto de desistir de suas más obras. Ao contrário, ele continua seus ataques, dia e noite, acusando constantemente os seguidores de Cristo e torturando suas consciências.23Ele age assim, primeiro para atrair 23. Greijdanus, Openbaring, p. 260.
463
A po c a l ip s e 12.10-12
uma pessoa ao pecado; segundo, se ele é bem sucedido, ele insulta o pecador com acusações. Entretanto, ele fracassa miseravelmente em seu empenho em virtude da graça perdoadora de Deus através do san gue que Jesus Cristo derramou (Hb 9.22).
11. E o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra de seu testemunho, e em face da morte não amaram suas pró prias vidas. João apresenta um quadro que retrata o povo redimido de Deus quadro esse que não é limitado pelo tempo cronológico. Ele se preocu pa com o passado, porém ao mesmo tempo com o presente e o futu ro.24E assim ele escreve no pretérito como se todos os filhos de Deus já tivessem entrado na glória. Ele escreve confiadamente sobre a vitó ria dos santos, ainda que o tempo do regresso de Cristo ainda não tenha chegado. Em contrapartida, incontáveis multidões já foram vitoriosas e estão agora com o Senhor. Reivindicam vitória com Cristo com base em seu sangue derramado, que os redimiu do pecado e os libertou das acusações de Satanás. São “mais que vencedores por meio daquele que os amou”, pois o Senhor Jesus Cristo lhes dá a vitória (Rm 8.37; ICo 15.57). A perspectiva de João não parte da terra - ainda sem vitória - para o céu, mas, antes, parte do céu - vitória triunfante - para a terra. Ele vê o triunfo de Cristo com todos os santos celestiais que venceram Satanás e partilham dessa vitória. Enquanto Satanás busca acusar os santos na terra, dia e noite, os santos no céu cantam os louvo res de Deus, dia e noite, com ações de graças por sua redenção. A frase o sangue do Cordeiro é uma repetição de uma descrição anterior dos santos no céu que já experimentaram a grande tribulação. Esses são os que “já lavaram suas roupas e já as branquearam no sangue do Cordeiro” (7.14). Em outros termos, o poder no sangue de Cristo já os fez vitoriosos; venceram porque proclamaram e ensinaram o evangelho, isto é, a palavra de seu testemunho. Receberam o evangelho e o pas saram adiante, de modo que ele foi seu testemunho em prol de Cristo.25 24. G. B. Caird comenta: “A visão de João... se preocupa igualmente com a interpreta ção do passado e do presente, e a antecipação do futuro” (A C om m entary on the R evelation o f St. John the D ivine [Londres: Black, 1966], p. 26). Ver também James L. Resseguie, Revelation Unsealed: A N arrative C ritical A pproach to Joh n ’s A pocalypse, BIS 32 (Leiden: Brill, 1998), p. 46. 25. Comparar Louis A. Vos, The Synoptic Traditions in the A pocalypse (Kampen: Kok, 1965), p. 207.
A p o c a l ip s e 12.10-12
464
O sangue de Cristo é a chave desta passagem, pois os crentes redim idos pelo sacrifício de Cristo, destem idamente e sem qualquer hesitação, têm sido suas testemunhas (6.9). Esses crentes redim idos não valorizam sua vida acima da mensagem do evangelho; dispôemse a oferecer sua vida por amor a Cristo. Jesus diz a seus seguido res: “Todo aquele que acha sua vida a perderá; e todo aquele que perde sua vida a achará” (Mt 10.39; ver 16.15 e paralelos). O Senhor reiteradam ente ensina o princípio de alguém perder sua vida por amor a ele (ver, por exemplo, Jo 12.25). Paulo o dem onstra quando se dirige aos anciãos de Efeso. Diz ele: “Todavia, não me importo, nem considero minha vida de valor algum para mim mesmo, se tãosomente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Se nhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus” (At 20.24). Os crentes expressam gratidão a ele em sua disposição de se ofe recer a ele mesmo que isso signifique enfrentar a morte. Preservar alguém sua vida é uma predisposição natural nos seres humanos, mas o amor pelo Senhor Jesus suplanta até mesmo isso.
12. Portanto, regozijem-se, ó céus, e aqueles que neles ha bitam! Ai da terra e do mar, porque o diabo desceu até vocês! Ele está muito irado, porque sabe que pouco tempo lhe resta. a. Regozijo. A voz conclama os céus em geral, e os habitantes em particular, a expressar sua alegria na vitória que Jesus alcançou. O advérbio portanto conecta os versículos anteriores (vv. 10,11) à inj unção de alegrar-se no triunfo do Senhor. Libertados da constante intromissão do acusador na presença de Deus, os céus agora se regozijam. Nume rosas vezes os céus são exortados a expressar sua alegria.26Os vinte e quatro anciãos, os quatro seres viventes e todos os anjos experimenta ram as intromissões de Satanás que agora chegaram ao fim. Assim, nem os céus nem os santos que habitam ali nunca mais ouvirão as acusações caluniosas de Satanás. Através da vitória de Cristo o pró prio céu foi purificado. b. Lamento. Aqui está a linha divisória entre a Igreja triunfante no céu e a Igreja militante na terra, que resiste ao pecado e ao mal. Agora que a Satanás e a seus associados tiveram negada sua entrada no céu 26. Deuteronôm io 32.43 l x x ; Salm o 96.11; Isaías 44.23; 49.13; Daniel 3.59 grego antigo e Theod.; A pocalipse 18.20.
465
A p o c a l ip s e 12.10-12
e foram expulsos para a terra, o diabo se encheu de furor contra o povo de Deus. Ele compreende que já está derrotado, que já lhe foi dado um tempo limitado aqui na terra, e que no breve período que lhe foi dado ele deve desencadear sua fúria. Na terra e no mar, respectivamente, ele busca enganar e destruir os santos. O “ai” dirigido aos habitantes da terra não deve ser considerado o terceiro ai mencionado em 11.14. Este ai resiste à prova e lhe falta a diferenciação do artigo definido (ver 9.12 e 11.14). É usado em um sentido geral, semelhante aos duplos ais pronunciados pelos reis, mer cadores e marinheiros (18.10, 16, 19). A voz celestial adverte a terra e o mar de que angústia e estresse lhes estão sobrevindo por causa da derrota do diabo no céu. Derrotado pelo Cristo vitorioso, ele agora dá rédeas soltas à sua fúria contra os cristãos (comparar v. I I) .21 Satanás sabe que a oportunidade que Deus lhe deu é de curta dura ção. É o mesmo que três anos e meio, os quarenta e dois meses ou os 1.260 dias mencionados em outros lugares (11.2, 3; 12.6, 14; 13.5); essas indicações de tempo não devem ser tomadas literalmente, mas figuradamente. O Apocalipse caracteriza o tempo não em termos de cronologia, mas como um ideal. Este livro apresenta o tempo como uma idéia de forma sintética, sem a idéia quantitativa em termos de anos ou séculos. Quem controla o tempo e lugar não é Satanás, mas Deus. Portanto, os santos na terra conhecem as limitações do diabo, enquanto confiam no cuidado protetor de Deus.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 12.10-12 Versículo 10
ó KcmÍYwp - “o acusador.” A palavra, nessa forma exata, ocorre somente uma vez no Novo Testamento, enquanto que a outra grafia, Katriyopoc;, é mais familiar (At 23.30,35; 24.8 [variante]; 25.16,18). A primeira é a redação mais original e favorecida.28 27. Martin Kiddle escreve que o diabo não pode prejudicar os crentes, mas som ente “a humanidade não regenerada”. Ver seu R evelation o f St. John (reimp. em Londres: Hodder e Stoughton, 1943), p. 235. N este capítulo, porém, Satanás e seus correligionários guerreiam contra o s santos na terra. 28. Referência a Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek N ew Testament, 2“ ed. (Stuttgart: D eutsche B ibelgesellschaft, 1994), p. 673; A d olf D eissm ann, L ight from the A ncien t E ast, trad. Lionel R. M. Strachan (reimp. em Grand Rapids: Baker, 1978), p. 93.
A p o c a l ip s e 12.10-12
466
Yarbro Collins delineia vários aspectos neste hino, inclusive rimando com respeito à repetição de rpwv no fim ou perto do fim das linhas, os substantivos àpvíou e Bavátoi), e os paralelos de ó Kcmíyoop e ô KaxriYopcôv.29 Versículo 11 òiá - esta preposição, seguida do caso acusativo, deve ser traduzida como “por”, e não “através de”. Ela tem o sentido de “por força de” como um caso eficiente.30 Versículo 12
oirn - a interjeição governa os substantivos acusativos “a terra e o mar” como objetos diretos. Note que a interjeição aparece sem o artigo definido, o que a torna geral, enquanto os três ais realçam o artigo (9.12; 11.14). Ó/Uy ò v K o a p ó v - note a construção x?óvov ( iiK p ó v (6.11; revertido em 20.3), cuja tradução é exatamente a mesma como esta inscrição, isto é, “pouco tempo”. Enquanto K o ap ó ç significa oportunidade, ocasião, tempo fixo ou favo rável, xpóvoç denota tempo cronológico.
4. Socorro e Segurança para a Igreja 12.13-17 Esta é a última parte do relato que começou com uma cena de uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo de seus pés e uma coroa de doze estrelas em sua cabeça (v. 1). A mulher deu à luz um menino que foi arrebatado para o céu, enquanto que ela mesma recebeu cuidados em um lugar deserto preparado por Deus para ela (v. 6). A segunda parte do relato descreve a derrota de Satanás seguida de um cântico celestial de vitória, e no terceiro segmento João continua seu relato da mulher perseguida pelo dragão.
13. E quando o dragão p u que fora expulso para a terra, perseguiu a mulher que dera à luz o menino. Este versículo está saturado de simbolismo: o dragão é o símbolo de Satanás; a mulher é a Igreja; o menino é Cristo. Impossibilitado de ata car no céu o Senhor exaltado, o diabo, na terra, busca destruir a Igreja, o corpo de Cristo. Jesus e seus seguidores são um só corpo, como Saulo aprendeu quando Jesus lhe perguntou: “Por que você me persegue?” (At 9.4). Cristo é a Cabeça, e nós somos seu corpo (Ef 1.22; 4.15; 5.23; 29. Yarbro Collins, C om bat M yth, p. 137. 30. M oule, Idiom -Book, p. 55; Hanna, G ram m atical A id, p. 451.
467
A p o c a l ip s e 12.13-17
Cl 1.18; 2.19). Se Satanás é impotente para assaltar Jesus, ele dá vazão à sua ira contra seus seguidores. Ele persegue os cristãos, como se faz evidente não só ao longo de todos os séculos, mas também hoje. As palavras expulso/desterrado aparecem pela quinta vez (ver vv. 9 [três vezes], 10, 13). Essas palavras soam uma nota de vitória sobre a derrota de Satanás, mesmo quando a Igreja na terra deva su portar seu furor. Referem-se à dolorosa queda do diabo e sua cabeça ensangüentada (13.3a), o que foi predito no nascedouro da história hu mana (Gn 3.15). Satanás tem poder na terra, e tudo faz para destruir a Igreja. Ele, porém, parece não compreender que, em virtude da vigilân cia de Deus, seu povo é protegido como a menina de seus olhos (Dt 32.10). No fim, Satanás será pessoalmente derrotado. O termo menino é precedido pelo artigo definido para indicar o Senhor Jesus Cristo, que subiu para o trono de seu Pai. Esse mesmo termo, aparecendo no versículo 5 sem o artigo, para designar “o varão recentemente nascido”, marca o início da vida terrena de Jesus.31
14. E foram dadas à mulher duas asas de uma grande águia, para que ela pudesse voar para o lugar que lhe fora preparado no deserto, onde pudesse ser sustentada por um tempo, tem pos e metade de tempo, longe da presença da serpente. João recorre ao Antigo Testamento em busca de quadros simbóli cos. Deus disse aos israelitas no Monte Sinai que os transportara em asas de águia e os trouxera para si mesmo (Êx 19.4). Os israelitas tinham acabado de escapar das garras dos soldados de faraó e podiam testificar que Deus os conduzira em segurança através do Mar Verme lho. Outras passagens falam das asas protetoras da águia (Dt 32.11; Is 40.31). Na verdade, Deus aplica a si mesmo a imagem das asas que servem como lugar de refúgio (SI 91.4). Com as duas asas da grande águia, que a mulher recebe de Deus, ela não mais foge, mas literalmente voa para o lugar que lhe fora prepa rado no deserto. A Igreja tem asas para voar para longe e escapar em segurança dos ataques do diabo. E óbvio que, com todos os seus recur sos no mundo, Satanás está impossibilitado de aniquilar a Igreja. Deus lhe deu um lugar, e liberalmente a sustenta em suas necessidades diárias, da mesma forma como fez com os israelitas com respeito ao maná, às 31. Consultar Lenski, Revelation, p. 382.
A p o c a l ip s e 12.13-17
468
codomizes e à água durante sua peregrinação pelo deserto. Os israelitas foram munidos de saúde física; suas roupas e seus calçados não se desgastaram; foram protegidos do calor causticante do sol durante o dia, e aquecidos pela coluna de fogo durante a noite. Deus os protegeu dos espinhos e picadas dos inimigos naturais, dos escorpiões e das co bras. Assim também Deus protege a Igreja dos ataques do diabo, pro vendo seu povo pactuai com armadura espiritual (Ef 6.10-18). Ele os nutre e os educa em seu serviço espiritual. João escreve que a mulher é guardada da presença da serpente por um período específico: “por um tempo, tempos e metade de tempo”, o que equivale a três anos e meio. Esta referência é extraída de Daniel 7.25 e 12.7, e é a extensão de tempo que é igual aos quarenta e dois meses e aos 1.260 dias mencionados por João em outros lugares (ver v. 6; 11.2, 3; ver 13.5). Em um cenário histórico existe um período literal de três anos e meio durante o tempo de Elias, o qual orou para que não chovesse (lR s 17.1; Tg 5.17). Houve um período literal de três anos e meio quando o templo foi profanado durante a guerra dos Macabeus, de 167 a 164 a.C. (1 Macabeus 1-3; 2 Macabeus 5); as profecias de Daniel 7.25 e 12.7 se referem a esse período.32No Apocalipse, esse período é uma referência não literal, mas simbólica, do intervalo entre a primeira e a segunda vinda de Jesus, como o intervalo de quarenta e dois meses ou 1.260 dias. É o período no qual a serpente das ilusões governa o mundo; esse período chega definitivamente ao fim quando Deus intervém.33
15. E a serpente lançou de sua boca, após a mulher, água como um rio, para que ela fosse tragada pelo rio. 16. E a terra socorreu a mulher, e a terra abriu sua boca e tragou o rio que o dragão lançara de sua bo£a. Esta é agora a terceira vez, neste capítulo, que João escreve a pala vra serpente (vs. 9.14,15). Sua escolha não é meramente estilística; ela põe em realce a astúcia de Satanás, que vem perdendo a batalha contra Deus e a Igreja. Ele está tentando uma vez mais esmagar traiçoeira mente a mulher e levá-la à ruína. Ele faz isso liberando uma fonte de 32. Josefo (G uerras 1.7 § 19; 5.9.4 § 394) nota um período de três anos e m eio, de junho do ano 167 a dezem bro de 164 a.C. 33. H oeksem a (B ehold, H e Cometh!, p. 446) interpreta o número sete sim bolicam ente com o uma configuração de completude, e suas duas partes de três e m eio sim bolicamen te com o as eras antes e depois de Cristo. Ver também Beale, R evelation, pp. 646, 647.
469
A p o c a l ip s e 12.13-17
água no deserto onde Deus a colocou. Note que essa água flui como um rio da boca da serpente, o que pode ser interpretado no sentido de um dilúvio de palavras enganosas. Já na parte inicial do Apocalipse, lemos que Satanás tinha suas próprias sinagogas nas cidades de Esmima e Filadélfia (2.9; 3.9). Os líderes dessas sinagogas sujeitaram os seguidores de Cristo com calú nias, sedução e perseguição. E vozes de engano, via mídia, hoje atraem os membros da Igreja, de modo que correm o risco de serem varridos. Os crentes, porém, estão sempre cônscios da paródia de Satanás que o Apocalipse exibe: o rio de imposturas e morte é contrastado com o rio da água da vida que emana do trono de Deus (22.1). Deus está constantemente encorajando seu povo a não temer mes mo quando os dilúvios ameacem tragá-los. Ele os conforta, dizendo: “Quando vocês passarem pelos rios, eles não os submergirão” (Is 43.2). Os dilúvios de falsidade, malícia, crime e sofrimento não serão capazes de surpreendê-los, porque Deus está de guarda. Seu povo não é varrido pelos redemoinhos que os cercam, mas são mantidos em segurança. Deus faz com que a terra trague as águas que saem da boca da serpen te. Seu povo entoou o cântico de Moisés em louvor a Deus: “Estendes te tua mão direita e a terra os tragou” (Êx 15.12). Mesmo que sofram fisicamente de muitas formas, Deus protege os seus do mal permanen te, espiritualmente falando. Satanás perde uma vez mais. No princípio deste capítulo, o dragão ficou em pé diante da mulher, pronto a devorar seu filho (v. 4). Depois que foi lançado para a terra, ele perseguiu a mulher, que voou com asas de uma grande águia (vs. 13, 14). Agora ele decididamente está diante da mulher, a quem quer destruir com um dilúvio, porém seus esforços terminam em fracasso (vs. 15, 16). Seu próprio território, a terra, se volta contra ele quando socorre a mulher. A inundação queria tragar a mulher, mas, em vez disso, a terra agora traga a inundação. A palavra terra não precisa ser tomada literalmente como no caso de Coré, Datã e Abirão, que foram tragados pela terra (Nm 16.30, 32; ver também Dt 11.6). Simbolicamente, a terra está para a estrutura da sociedade que, pela intervenção da graça divina, reafirma a moralidade, abole o mal e estabelece a verdade.34 34. Ver J. Dochhorn, “Und die Erde tat ihren Mund auf: Ein Exodusmotiv in A pc 12, 16”, Z N W 88 (1997): 140-42.
A p o c a l ip s e 12.13-17
470
17. E o dragão irou-se contra a mulher, e saiu para lutar con tra o restante de sua descendência, os que estavam guardando os mandamentos de Deus e mantinham o testemunho de Jesus. Satanás, chamado “o dragão”, nunca admite derrota; cada vez que ele é vencido, volta com vingança e fúria. Ele é incapaz de alcançar o Cristo vitorioso e assim volta seu furor contra a Igreja. Ele é incapaz de tragar a Igreja como um todo, e assim luta contra os cristãos fiéis a seu Senhor. Satanás enfrenta uma batalha já perdida, o que por si só é uma fonte de conforto para aqueles que sentem o impacto de seu furor nos dias de perseguição e abuso físico. Qual é o sentido da frase “ele saiu para lutar contra o restante de sua descendência”? Se tomarmos o desenvolvimento deste capítulo de for ma seqüencial, poderíamos inferir que Satanás teve êxito na destruição da Igreja, e agora quer vencer os crentes que, individualmente, formam o remanescente.35O contexto, contudo, revela que Satanás não tem sido capaz de remover a Igreja, porque a terra absorveu o dilúvio que ele enviou para tragá-la (v. 16). “O restante de sua descendência” aponta para a Igreja como um todo, a qual permanece intacta até o regresso de Cristo. Deus nunca, jamais, a deixará ou abandonará (Hb 13.5). João chega ao final do capítulo e então sintetiza o conteúdo dos versículos 13-16.0 autor, palmilhando o Antigo Testamento, retrocede até os primórdios da raça humana, onde as palavras serpente e semen te já aparecem. Deus disse à serpente: “E porei inimizade entre você e a mulher, e entre sua descendência e a descendência dela” (Gn 3.15). Nesta passagem, contudo, o que João tem em mente não é só a passa gem do Antigo Testamento. Se assim fosse, as palavras em itálico, “o restante de sua descendência”, não seriam explicadas. João faz alusão à profecia em Isaías 66.7 é 8. Ali o profeta escreve sobre Sião: Antes de entrar em trabalho de parto, ela dá à luz; antes de lhe sobrevirem as dores, ela ganha um menino... 35. Sw ete, R evelation, p. 160; Johnson (R evelation, p. 519) escrevem: “A Igreja, pois, é paradoxalmente tanto invulnerável (a mulher) quanto vulnerável (seus filhos).” Kiddle (R evelation, p. 240) comenta: “A distinção entre a mulher e sua descendência é sim ples mente a da comunidade m essiânica, com o um todo, e os mais nobres de seus filhos - ‘os vencedores’ das sete cartas.”
471
A p o c a l ip s e 12.13-17
Pois Sião ainda estava em trabalho de parto, e deu à luz seus filhos.
Duas palavras se sobressaem nesta profecia: filho e filhos. A vir gem deu à luz um filho (Is 7.14), e Sião gerou filhos; o filho é o Messias, e os filhos são seus seguidores. O tempo todo, mas especialmente no fim dos tempos, o dragão ataca não a mulher, mas “o restante de sua descendência”. “A equação de singular, ‘filho’ [gênero masculino], com o plural, ‘filhos’, e o coletivo, ‘semente’, todos apontando para a mes ma descendência de Sião, é virtualmente idêntica ao fenômeno no Apocalipse 12.”36O contraste, pois, é o de Cristo, o Filho, e o de toda a descendência identificada com ele. João descreve os seguidores de Cristo com a sentença: “os que estavam guardando os mandamentos de Deus e conservaram o teste munho de Jesus.” As características dessas pessoas são fidelidade e obediência com respeito à lei de Deus e ao evangelho do Senhor. A lei denota o Antigo Testamento, e o evangelho, o Novo Testamento. Fiel e obedientemente, continuam guardando os ensinamentos da Palavra de Deus; enquanto agirem assim, Satanás estará impossibilitado de tocálos. Esses seguidores levam avante a causa do reino de Cristo neste mundo por onde quer que vão. O versículo 17 revela o alvo do dragão: destruir os que são seguido res de Cristo. Ao mesmo tempo, ele forma uma ponte para o capítulo 13, que introduz o dragão dando poder à besta que emerge do mar e à besta que emerge da terra. Toda vez que o dragão trama contra Deus e seu povo, ele enfrenta inevitável derrota. Esse fato deveras conforta e tranqüiliza todos os crentes de sua segurança e bem-estar espiritual. Uma última observação. Algumas versões numeram o versículo seguinte, 12.17, como sendo 18. Este versículo, porém, deve ser combi nado com o primeiro versículo do capítulo seguinte. O capítulo 13 co meça um novo segmento sobre o dragão e a besta que emerge do mar.
Palavras, Frases e Construções Gregas 12.14-17 Versículo 14
Ktupóv - note que a expressão tempo não equivale a tempo cronológico, mas a um tempo fixo e favorável, de modo que “tempo, tempos e metade de 36. Beale, Revelation, p. 677.
A p o c a l ip s e 12.13-17
472
tempo” não se encaixa precisamente a três anos e meio, mas, antes, a uma determinada ocasião. Versículos 15, 16
otófia - nos versículos 15 e 16, a palavra boca aparece três vezes, duas vezes se referindo à serpente, e uma vez à terra. Versículo 17
TTOifiaai tTÓÀ6|ioy |ietá - “fazer guerra com.” Entretanto, esta tradução literal falha em comunicar o significado correto; daí, prefiro a redação “fazer guerra contra”.
E sboço (continuação) B. A Besta do Mar (13.1-10) 1. A Descrição (13.1-4) 2. Poder e Autoridade (13.5-10) C. A Besta da Terra (13.11-18) 1. Paródia de Cristo (13.11-14) 2. A Marca da Besta (13.15-18)
C a p í t u l o 13
As B e s t a s
d o M ar e da T erra
( A p o c a l i p s e 13.1-18) 1 E o dragão ficou em pé na praia do mar. I «J E vi uma besta emergindo do mar. E ela possuía dez chifres e sete cabeças, e sobre seus chifres tinha dez coroas, e sobre suas cabeças, nomes blasfemos. 2 E a besta que vi se assemelhava a um leopardo, e seus pés eram, como os de um urso; e sua boca era como a boca de um leão. E o dragão deu à besta seu poder e seu trono e grande autoridade. 3 E uma das cabeças da besta era como se fosse mortalmente ferida, e a ferida mortal foi curada. E toda a terra se maravilhou, seguindo a besta. 4 E adoraram o dragão, pois deu autoridade à besta, e adoraram a besta, perguntando: Quem é semelhante à besta, e quem é capaz de fazer guerra contra ela? 5 E à besta foi dada uma boca para falar grandes coisas e palavras de blasfêmia, e lhe foi dada autoridade para agir assim por quarenta e dois meses. 6 E abriu sua boca em blasfêmias contra Deus, para blasfemar seu nome e seu tabernáculo e os que habitam no céu. 7 E lhe foi dado poder para fazer guerra contra os santos e para os vencer, e lhe foi dada autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação. 8 E todos os viventes sobre a terra adorarão a besta, todos cujo nome não foi escrito ne livro da vida do Cordeiro que foi morto, desde a fundação do mundo. 9 Se alguém tem ouvidos, que ouça. 10 Se alguém vai para o cativeiro, para o cativeiro vai. Se alguém for morto à espada, à espada será morto. Aqui está a perseverança e a fé dos santos. 11 E vi outra besta emergindo da terra, e tinha dois chifres como um cordei ro, porém falava como um dragão. 12 E ela exercia a autoridade da primeira besta em sua presença, e faz com que a terra e os que nela habitam adorem a primeira besta, cuja ferida mortal foi curada. 13 E ela realiza grandes sinais, de modo que até faz descer fogo do céu à terra, diante do povo. 14 E ela engana os habitantes da terra por causa desses sinais que lhe foi dado realizar na presen 4
475
A po ca lipse 13
ça da besta. Ela disse aos habitantes da terra que fizessem uma imagem em honra da besta que recebeu ferimentos à espada e sobreviveu. 15 E lhe foi dado poder para comunicar fôlego à imagem da besta, de modo que a imagem da besta podia falar e fazer com que fossem mortos tantos quantos se recusassem a adorar a imagem da besta. 16 E ela faz que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, recebam uma marca em sua mão direita ou em sua fronte. 17 E ninguém podia comprar nem vender, exceto aquele que tinha a marca, isto é, o nome da besta ou o número de seu nome. 18 Aqui há sabedoria. Aquele que tem mente calcule o número da besta. É o número de um homem, e seu número é 666.
B. A B esta do M ar 13.1-10 A conexão entre o capítulo 12 e este é evidente à luz da palavra dragão. Satanás, manifestando-se como dragão, domina o cenário em ambos os capítulos. Em um (capítulo 12), ele persegue a Igreja; e no outro (capítulo 13), estão em pauta seus cooperadores. A besta que emer ge do mar como o Anticristo revela a força bruta; e a besta que emerge da terra se manifesta como o falso profeta, que exibe o poder da fraude. Em suma, o capítulo 13 é uma explicação do capítulo anterior. Este capítulo descreve os desígnios de Satanás de deflagrar guerra contra o povo de Deus. Através da besta como o Anticristo, ele literal mente deseja tomar o posto de Cristo. Isso se torna evidente em suas reiteradas tentativas de assumir a aparência do Cristo. Aqui estão sete exemplos indicativos da paródia satânica. • “O dragão deu à besta seu poder, seu trono e grande autoridade”
(v. 2). • “E uma das cabeças da besta parecia ter sofrido um ferimento mortal, porém o ferimento mortal foi curado” (v. 3). • “E toda a terra se maravilhou, seguindo a besta. E adoraram o dragão” (v. 3b, 4a). • “E lhe foi dada autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação” (v. 7). • “E vi outra besta emergindo da terra, e tinha dois chifres como os de um cordeiro, e falava como um dragão” (v. 11). • “Ela fez com que a terra e os que nela habitam adorem a primei ra besta, cuja ferida mortal foi curada” (v. 12).
A p o c a l ip s e 13.1-4
476
• “E ordenou aos habitantes da terra que fizessem uma imagem em honra da besta que tinha sido ferida pela espada e sobrevi veu” (v. 14).1 Este é também um capítulo acerca dos seguidores de Satanás. Note a repetição: eles adoram a besta (vs. 4, 8, 12, 15); são representantes do mundo inteiro (vs. 3 ,7 ,8 ,1 4 ,1 6 ); e têm uma marca e número distin tivos (vs. 16-18). Os santos, contudo, têm seus nomes escritos no livro da vida e pertencem ao Cordeiro (vs. 8, 10). 1. A Descrição 13.1-4
1. E o dragão ficou em pé na praia do mar. E vi uma besta emergindo do mar. E ela possuía dez chifres e sete cabeças, e sobre seus chifres tinha dez coroas, e sobre suas cabeças, nomes blasfemos. a. Variante Textual. “E o dragão ficou em pé na praia do mar.” A redação na primeira linha é “e ele [o dragão] ficou em pé” ou “Eu [João] fiquei em pé”. No grego, a diferença é apenas numa letra, esta th ê ou e s ta th ê n , respectivamente. A letra extra, n, poderia ter aparecido em função do cochilo de um escriba, ou por querer acomodar-se ao verbo “vi”. Naturalmente, o reverso poderia também ser o caso, a sa ber, que o sujeito no versículo imediatamente anterior seja o dragão. Além disso, os melhores manuscritos gregos trazem a redação “ele ficou em pé”. Se adotarmos a redação “eu fiquei em pé”, este é o único lugar no Apocalipse onde João muda sua posição física sem ter recebi do instrução para agir assim. Por essa razão, prefiro a redação “ele ficou em pé”.2Não obstante, o problema ainda permanece, se a primei ra linha deste versículo seria parte do último texto do capítulo anterior ou deve ser combinado com o primeiro versículo deste capítulo. Escolhi a segunda opção, crendo que o dragão é e permanece sendo o sujeito em ambos os capítulos. Sugiro, pois, que a linha em questão fique sozi nha como um tópico à primeira parte do capítulo 13. 1. Comparar Richard Bauckham, The Clim ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 431. Ele nota que “a ênfase no capítulo 13 está na similaridade entre a ‘m orte’ e ‘ressurreição’ da besta e as de Cristo” (p. 437). 2. John P. M. Sw eet, Révélation, WPC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 205; David E. Aune, R évélation 6 -1 6 , W BC 52B (Nashville: N elson, 1998), p. 716.
477
A p o c a l i p s e 13.1-4
b. Interpretação. Se o dragão ficou em pé na praia arenosa do mar, como interpretamos a palavra m arl Antes de responder esta intri gante pergunta, devemos considerar o dragão em pé na praia como um linha divisória entre mar e terra. Ele emprega dois agentes na forma de duas bestas; primeiro ele faz sair uma besta do mar, e em seguida con voca a besta que sai da terra. Essas duas bestas trabalham juntas em seu esforço para destruir o povo de Deus. O contexto claramente mos tra que o mundo inteiro e todos os seus habitantes adoram a primeira besta (vs. 4, 8). João mesmo interpreta o termo mar simbolicamente em 17.15, onde o anjo lhe disse: “As águas que você viu sobre as quais a prostituta está sentada são povos, multidões, nações e línguas.” De igual forma, as profecias veterotestamentárias endossam a interpreta ção simbólica; Isaías 17.12 faz menção de nações rugindo como o mar impetuoso; e Daniel 7.3 descreve quatro bestas emergindo do mar, como uma alusão àhum anidade (ver Jr 51.13,42, 55, 56; Ez 26.3). Notamos também que João já escrevera que a besta emerge do Abismo (11.7); esse lugar é o ambiente da besta e incorpora a humanidade sacrílega. A interpretação de que a besta representa Roma é restrita demais em vista da totalidade da raça humana, que a adora. c. Simbolismo. “E vi uma besta emergindo do mar. E ela possuía dez chifres e sete cabeças, e sobre seus chifres tinha dez coroas, e sobre suas cabeças, nomes blasfemos.” Se interpretarmos o termo mar figuradamente, segue-se que o resto deste versículo seria explicado da mesma forma. Recorrendo à passagem de Daniel 7.3, João observa não quatro bestas, mas uma besta como uma combinação de quatro emergindo do mar.3Esta besta tem dez chifres e sete cabeças, mas esses números não devem ser tomados literalmente como uma refe rência a sete reis (17.9, 10). Por exemplo, a enumeração de sete reis é tão diversa que uma explicação indisputável está fora de questão: al guns começam sua contagem a partir dos imperadores romanos, com Júlio César; outros, com Augusto; e ainda outros, com Calígula.4Ainda que uma explicação satisfatória pudesse ser dada, o intérprete teria dificuldade em explicar o sentido literal de dez chifres e dez coroas. É prudente entender os números sete e dez simbolicamente como figuras 3. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 146. 4. J. H. Ulrichsen, “D ie sieben Häupter und die sieben Hörner: Zur Datierung der Offenbarung des Johannes”, StudTheol 39 (1985): 1-20.
A p o c a l i p s e 13.1-4
478
de completude e plenitude,5e aplicá-las às forças combinadas dos go vernos mundiais postos contra os santos na terra. As sete cabeças formam uma frente unida contra Deus, sua Pala vra e seu povo, e atacam com o poder completo de dez chifres. As sete cabeças e os dez chifres são os do próprio Satanás, que já foi descrito como o gigantesco dragão vermelho (12.3). Ainda que permanecendo na tela de fundo, Satanás está usando a besta - uma imagem dos go vernos mundiais - para fazer a obra por ele. Note que o dragão tinha sete cabeças com sete coroas em suas cabeças, porém a besta tem dez chifres com dez coroas em seus chifres. Todos esses são retratos de poderes terrenos; os números, as cabeças, os chifres e as coroas todos esses juntos exemplificam uma força tremenda que ninguém re conheceria. Satanás usa os poderes do mundo para pôr em andamento sua causa sobre a terra, pois ele sabe que pouco tempo lhe resta (12.12). O termo nomes blasfemos exibidos nas sete cabeças da besta aponta para um moto, slogan ou credo que um governo tem adotado. Nos dias de João, os Césares eram reverenciados como dominus et deus (Se nhor e Deus), o que nenhum cristão podia confessar. Para o cristão, somente Jesus era Senhor e Deus (IC o 12.3). Outros governos têm feito suas doutrinas anticristãs conhecidas através de vários slogans; por exemplo, durante a Revolução Francesa, o slogan ni Dieu ni maitre (nem Deus nem mestre) era considerado como blasfêmia. Blasfêmia equivale a ridicularizar tudo quanto é santo. João diz que blasfêmia equivale a difamar o nome de Deus, sua habitação e os que estão no céu (v. 6). Ele menciona novamente nomes blasfemos quando descre ve a mulher sentada sobre a besta escarlate (17.3). João poderia ter em mente a profecia de Daniel 11.36, a qual fala do rei que se exalta acima de todo deus e fala coisas blasfemas contra Deus.
2. E a besta que vi se assemelhava a um leopardo, e seus pés eram como os de um urso, e sua boca era como a boca de um leão. E o dragão deu à besta seu poder e seu trono e grande autoridade. Para sua imagem retórica neste capítulo, o autor do Apocalipse recorre a Daniel 7. Este versículo também tem sua origem naquele 5. Homer Hailey, R evelation: An Introduction and Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 283; Philip Edgcum be H ughes, The Book o f the Revelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), pp. 145, 185-87.
479
A po c a l ips e 13.1-4
capítulo. Nele, Daniel descreve as quatro bestas, das quais três são nomeadas - um leão, um urso, um leopardo (vs. 4-6) - , e a quarta é descrita como sendo terrificante (v. 7). Essas bestas apontam para quatro impérios mundiais sucessivos: Neo-Babilônia, Neo-Pérsia, Grécia e Roma. João, porém, as combina em uma só besta para denotar todos os poderes mundiais hostis a Jesus Cristo. O primeiro perfil é o do leopardo, notado por espreitar sua presa, sua assustadora rapidez em capturar sua presa e sua velocidade em desferir seu golpe mortal. O segundo quadro é o de um urso que, com suas poderosas garras, é capaz de dilacerar suas vítimas. E o terceiro, a boca de leão, simboliza crueldade quando mata e devora animais sel vagens. Os três perfis dessas bestas são uma descrição de força, rapi dez e selvageria. O objetivo desses perfis é mostrar que o dragão, isto é, Satanás pes soalmente, está por detrás da besta que emerge do mar. João escreve: “O dragão comunicou à besta seu poder, seu trono e grande autoridade.” O uso da expressão dragão, neste capítulo (vs. 2, 4, 11), corrobora sua estreita relação com o capítulo anterior (cap. 12). Isto é, Satanás está capacitando o Anticristo para assumir o lugar que pertence a Deus e a seu Cristo. Ele é o iníquo que se assenta no templo de Deus e se procla ma como sendo Deus. Ele recebe poder de Satanás para ter condição de realizar todo gênero de milagres, sinais e prodígios fraudulentos (2Ts 2.6, 9). Além disso, Satanás deu à besta seu trono, o que não se limita a algum local permanente na terra. Por exemplo, Jesus disse à igreja de Pérgamo que o trono de Satanás se localizava ali (2.13). Lemos também que um anjo derramou a quarta taça da ira de Deus sobre o trono da besta, e com isso o reino de Satanás é lançado em densas trevas (16.10). Por último, Satanás deu à besta grande autoridade, o que significa que ele lhe outorgou autoridade sobre todos os reinos deste mundo (compa rar Lc 4.6). Através da besta, Satanás governa este mundo como sua cabeça titular; Jesus reconhece que o diabo é o príncipe deste mundo.6
3a. E uma das cabeças da besta era como se fosse mortal mente ferida, e a ferida mortal foi curada. Não se menciona o agente que infligiu a ferida mortal, mas as Es crituras relatam como Deus pronunciou maldição sobre a serpente no 6. João 12.31; 14.30; 16.11. Ver também 1 Coríntios 2.6; 2 Coríntios 4.4; Efésios 2.2.
A p o c a l ip s e 13.1-4
480
Jardim do Éden, e por esse meio a semente da mulher esmagaria sua cabeça (Gn 3.15). João relata que a ferida foi causada pela espada (v. 14), o que é indicativo de uma batalha que ocorrera. Essa batalha espiritual aconteceu quando Jesus morreu na cruz e ressuscitou dos mortos; e as sim ele derrotou Satanás. Ainda que a ferida de Satanás fosse fatal, ela foi curada (v. 12). Com esta descrição de Satanás, João delineia uma paró dia da morte e ressurreição de Jesus, cuja posição a besta quer usurpar. Muitos estudiosos entendem a cabeça fatalmente ferida como sen do o primeiro dos sete imperadores romanos, possivelmente Nero (com parar 17.9, 10). A cura da ferida mortal então se referiria à lenda de Nero redivivus, recobrando a vida.7Esta interpretação, porém, enfren ta objeções: primeiro, por que João faria alusão a uma lenda dentro de um capítulo saturado de simbolismo? Se neste capítulo interpretarmos o número sete como literalmente se referindo a sete reis (17.9, 10), que interpretação daríamos ao número dez? Segundo, o texto insinua que um agente externo administrou uma ferida mortal a uma de suas cabe ças, mas a História registra que Nero mesmo infligiu a ferida que resul tou em sua morte. Terceiro, como supramencionei, os paralelos entre Cristo e a besta são numerosos neste capítulo. Isso significa que o autor não está interessado em identificar uma das cabeças da besta com um imperador romano específico, ou ainda com um império. João identifica a besta com o oponente de Deus, o próprio Satanás.8Seu propósito em todo o Apocalipse é exibir contraste; aqui está o contraste do Cordeiro que foi morto (5.6, 9) e a besta que tem uma cabeça que foi mortalmente ferida. A ênfase não está na cabeça que foi ferida e curada; em vez disso, João afirma que a besta foi ferida e reviveu (vs. 12 e 14). O mundo de incredulidade adorou não a cabeça que foi morta e curada, mas a besta que estava viva e passava bem. 3b. E toda a terra se maravilhou, seguindo a besta. 4. E ado
raram o dragão, pois deu autoridade à besta, e adoraram a besta, perguntando: Quem é semelhante à besta, e quem é capaz de fazer guerra contra ela? 7. Consultar Aune, R evelation 6 -1 6 , pp. 736-40; Adela Yarbro CoIIins, The A pocalypse (Wilmington: Glazier, 1979), p. 91; Gerhard A. Krodel, Revelation, A CNT (Minneapolis: Augsburg, 1989), p. 249. 8. Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A Com m entary on the Greek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), pp. 690, 691.
481
A p o c a l ips e 13.1-4
Não apenas alguns indivíduos - os crentes estão excluídos mas o mundo inteiro composto de incrédulos se maravilhou e adorou a besta. Esta interpretação é endossada em 17.8b, onde João comenta: “E os habitantes da terra ficarão perplexos, aqueles cujos nomes não estão escritos no livro da vida desde a fundação da terra. Vêem a besta que era e não é e existirá.” Entretanto, cada passagem deve ser vista em seu próprio contexto, pois as duas relatam o mesmo evento.9 O mundo adora o dragão. Isso é evidente nas pessoas que crêem na mentira e não na verdade; defendem a morte de inocentes em vez da santidade de vida; e praticam a imoralidade em vez lutar pela vida moral e retidão de vida. Ainda que haja, no versículo 4, repetição da frase eles adoraram o, não há razão para deletar a primeira parte do versículo “adoraram o dragão, porque ele deu autoridade à besta”.10A intenção de João é esclarecer que o culto ao dragão é o mesmo culto à besta, isto é, a besta é o instrumento na mão do dragão. Por todo este capítulo o dra gão é apresentado, porém sempre por trás da cortina; a besta está fazendo o trabalho dele. O dragão capacita a besta com autoridade que uma vez mais é uma imitação de Jesus, que um pouco antes de sua ascensão disse: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Note que neste capítulo o verbo adorar ocorre cinco vezes, das quais uma se refere ao dragão, e quatro, à besta (vs. 4 [duas ve zes], 8. 12, 15). A pergunta que o povo formula é: “Quem é semelhante à besta, e quem é capaz de fazer-lhe guerra?” Os leitores e ouvintes do Apocalipse estavam familiarizados com a hinódia derivada do Antigo Testamento e reconheceriam que a pergunta suscitada pelos incrédulos é uma paró dia dos cânticos de Sião. “Quem entre os deuses é semelhante a ti, ó Senhor? Quem é como ti - majestoso em santidade, terrível em glória, que operas maravilhas?” (Êx 15.11; SI 35.10).“ Satanás, que quer ocu par a posição de Deus, aparece na forma da besta. Descaradamente, ele indaga se existe alguém semelhante à besta. Essa pergunta espera uma resposta negativa, pois com a autoridade que a besta recebeu nin 9. Ver Bauckham, C lim ax o f Prophecy, p. 440; Beale, R evelation, p. 693. 10. Aune (Revelation 6 -1 6 , pp. 740-41) sugere sua supressão. 11. Ver também Ê xodo 8.10; Deuteronôm io 3.24; Salm o 18.31; 35.10; 89.6, 8; 113.5; Isaías 40.18, 25; 44.7; 46.5.
A p o c a l ip s e 13.5-10
482
guém na terra ousaria se lhe opor. Com a segunda parte da pergunta, a besta desafia o povo de Deus a engajar-se em sua batalha. Seu alvo é apoderar-se deles, levá-los ao cativeiro e matá-los (vs. 7,10). A menti ra triunfa sobre a verdade, o mal sobre o bem, a injustiça sobre a justiça, a desonestidade sobre a honestidade, o vício sobre a virtude? A respos ta é não, porque Deus está no comando. Através de seu Filho, Deus estabelece a justiça, a verdade, a retidão e a paz. A besta e, finalmente, Satanás, enfrentarão a ira de Deus e do Cordeiro (17.14; 19.19-21; 20.10). Palavras, Frases e Construções Gregas em 13.1-3 V e rsíc u lo 1
ovo(ia - esta é a redação endossada por *P47N C 1006. As últimas duas letras do plural óvó[iaia (A 2053) poderiam ter sido omitidas acidentalmente, mas essas duas poderiam também ser acrescentadas ao singular.12Ainda que a construção plural ocorra em 17.3, a redação original é difícil de determinar. V e rsíc u lo 3
Liíav - este número feminino, no caso acusativo, modificando Ke^ali], provavelmente seja o objeto direto do verbo “vi” (v. 1). oàt| fi yf| - este sujeito nominativo é precedido pelo verbo “maravilhar-se” no singular, porém seguido do verbo “adorar” no plural. Coletivamente, o povo se maravilha, porém adora individualmente.
2. Poder e Autoridade 13.5-10
5. E à besta foi dada uma boca para falar grandes coisas e palavras de blasfêmia, e lhe foi dada autoridade para agir assim por quarenta e dois meses.*’ Quatro vezes nestes versículos aparece a frase fo i dado (vs. 5, 7). Satanás é quem deu à besta poder e autoridade (vs. 2, 4), porém o soberano supremo é o Deus Onipotente. Em sua sabedoria inescrutável, Deus permite que a besta blasfeme, exerça autoridade e deflagre guer ra contra os santos. O cenário para a frase “uma boca para falar grandes coisas e pala vras de blasfêmia” é Daniel 7.8, 11, 20. Daniel menciona um pequeno 12. Bruce M. Metzger, A Textual Com m entary on the G reek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 673.
483
A p o c a l ip s e 13.5-10
chifre, isto é, o Anticristo, que tinha uma boca e falava palavras arro gantes. Ele descreve a obra do Anticristo bem detalhadamente, reve lando que um rei falará palavras de blasfêmia contra Deus, exaltar-seá acima de todos os deuses, fará guerra contra as fortalezas poderosas e designará governantes sobre muitos povos (Dn 11.36-39). Arrogante com poder e autoridade, a besta usa meios modernos de comunicação para difundir a mentira, subverter a justiça, ensinar falsas doutrinas e ultrajar o nome de Deus e seu Cristo. Ela acredita estar no pleno controle, contudo sabe que não tem condição de subverter o povo de Deus, que não passa de um irresponsável diante de Deus e que seu tempo está expirando. Deus lhe concede o total de quarenta e dois meses para governar sobre a face desta terra. Quarenta e dois meses ou três anos e meio equivalem a 1.260 dias. Essas referências apareceram antes em dois capítulos precedentes, onde João notou que os gentios pisoteariam a cidade santa por quarenta e dois meses e as duas testemunhas profetizariam por 1.260 dias (11.2, 3). E relatou que a mulher (a Igreja) receberia cuidados da parte de Deus, no deserto, por 1.260 dias ou tempo, tempos e metade de tempo, isto é, três anos e meio (12.6,14). Essas referências significam todo o período durante o qual o evangelho é proclamado, desde o tempo da primeira vinda de Jesus até seu prometido regresso. Nesse período, Satanás, através das blasfêmias da besta contra o nome de Deus, interdita a pregação de sua Palavra e tenta destruir a Igreja. 6. E abriu sua boca em blasfêmias contra Deus para blasfe
mar seu nome e seu tabernáculo e os que habitam no céu. As palavras abriu sua boca refletem um idiomatismo aramaico. Somos lembrados do idiomatismo do escritor do evangelho, “ele abriu sua boca e disse” (Mt 5.2 kjv), que significa simplesmente “ele disse”. Assim, aqui o significado é que a besta falou palavras de blasfêmias contra Deus. Seu único propósito na existência é estar em oposição a Deus e seu Cristo. Ela quer ocupar a posição de Deus e assim fala constantemente contra seu nome, sua habitação e seu povo. Examine mos sucessivamente esses três tópicos. a. Seu nome. Os nomes de Deus equivalem à revelação de Deus, pois o Onipotente se faz conhecido a nós através de seus nomes. A besta nega que Deus e seu Filho tenham algo a dizer ao mundo no qual Satanás exerce a função de príncipe. Assim, no reino de Satanás, a
A p o c a l ip s e 13.5-10
484
Palavra escrita de Deus não pode ser lida, ouvida nem distribuída. Os mandamentos de Deus não podem ser observados como normas de vida na sociedade; e o nome de Jesus deve ser confinado, na melhor das hipóteses, a um culto privado e sob circunstância alguma pode en trar nas numerosas esferas da vida. A besta ensina que tudo no mundo veio à existência pelo poder humano e serve para glorificar os empreen dimentos hum anos.13 b. Sua habitação. A seleção de palavras é interessante, pois a tradução literal é “tenda”, isto é, “tabernáculo”. A palavra aparece so mente três vezes no Apocalipse, e se refere à habitação de Deus no m eio de seu povo (13.6; 15.5; 21.3). A imagem do tabernáculo veterotestamentário no deserto vem à mente quando uma nuvem cobriu essa tenda e a glória de Deus a encheu (Êx 40.34, 35). É o tabernáculo com seus dois compartimentos: o Lugar Santo e o Santo dos Santos (Lv 16.2, 3; Hb 9.12; 10.19). No Santo dos Santos, o sumo sacerdote entra va uma vez por ano como representante do povo de Deus para fazer expiação pelos pecados mediante a aspersão do sangue de animal. A besta deseja ocupar a posição de Deus e habitar na mente da humani dade sobre esta terra e governar sobre a sociedade humana. c. Seu povo. João usa o substantivo tenda para a habitação de Deus, e o verbo acampar para o povo de Deus. O grego literalmente lê: “e sua tenda e aqueles que acampam no céu.” Uma vez mais deve mos chamar a atenção para a cena no deserto do Sinai, de Deus habi tando no tabernáculo rodeado por seu povo que habitava em tendas. É um quadro de harmonia e paz, o qual João, com fraseologia semelhante, expressa acerca da consumação (ver 21.3). Não obstante, há mais ainda. Podemos estender a ilustração, dizendo que Deus alargou sua tenda sobre seu povo, de modo que vivam juntos na morada de Deus. As palavras em itálico na frase “os que habitam no céu” nos lembra que os blasfemos na terra não se arreceiam de difamar os seres celestiais (2Pe 2.10b; Jd 8). A besta blasfema o povo de Deus, cuja cidadania é celestial (Fp 3.20). Ao mesmo tempo, os santos na terra são um com os que estão no céu, no entanto só os que estão na terra experimentam a ira do diabo (12.12; ver também Dn 7.25). E essas são as pessoas a quem a besta persegue, como revela o próximo versículo. 13. Consultar Herman H oeksem a, Behold, H e Cometh! An Exposition o f the B ook o f R evelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing A ssociation, 1969), p. 461.
485
A p o c a l i p s e 13.5-10
7. E lhe foi dado poder para fazer guerra contra os santos e para os vencer, e lhe foi dada autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação. A primeira parte do texto é uma repetição de 11.7: “a besta que emerge do Abismo fará guerra contra eles e os vencerá e os matará.” É também linguagem emprestada de Daniel 7.21: “Enquanto eu velava, esse chifre deflagrava guerra contra os santos e os derrotava.” A in congruência dessa guerra é que aquele que vence é derrotado, e os que são derrotados por ele são finalmente designados como vencedores. Os santos de fato são mais que vencedores em Cristo Jesus. Podem perder suas vidas aqui na terra, em sua oposição aos poderes do Anticristo, porém passarão a eternidade com Cristo, vivendo e reinan do com ele. Sobre os santos afirma-se que já venceram o Anticristo “pelo sangue do Cordeiro e pela palavra de seu testemunho, porque não amaram suas vidas mesmo em face da morte” (12.11). A voz passiva “foi dado” sugere que, em sua providência, Deus permite que a besta exerça autoridade sobre os santos e governe o povo sobre a terra. E verdade que satanás é quem confere à besta autoridade e poder (v. 2), mas é Deus quem está no comando e permite que essa transação se concretize. Como no versículo 5, assim aqui lemos duas vezes as palavras fo i dado. O povo de Deus compreende que, embora as forças do maligno sejam fortes e em condição de os vencer, o livramento vem de Deus. Satanás paulatinamente governa toda tribo, povo, língua e nação; não obstante, ainda que o diabo pareça possuir poder sobre os santos que estão na terra, ele é incapaz de separá-los do amor de Deus que está em Cristo Jesus (Rm 8.38, 39). Jesus disse a seus seguidores que ninguém pode arrebatá-los da mão do Pai (Jo 10.28). Uma vez mais, vemos a besta como o Anticristo procurando usur par a posição de Cristo. O Filho do Homem recebeu autoridade, e “to dos os povos, nações e homens de todas as línguas o adoraram” (Dn 7.14). Ao Anticristo “foi dada autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação” , e adoram a besta. Deus é aquele que designa autoridade a Cristo e ao Anticristo, respectivamente, com a distinção de que o Cristo é vitorioso sobre a besta.14 14. Ver Beale, Revelation, p. 700; Bauckham, Climax o f Prophecy, p. 264.
A p o c a l ip s e 13.5-10
486
8. E todos os viventes sobre a terra adorarão a besta, todos cujo nome não foi escrito no livro da vida do Cordeiro que foi morto, desde a fundação do mundo. a. “E todos os viventes sobre a terra adorarão a besta.” João visualiza o futuro e prediz que a população desta terra seguirá as diretrizes da besta e a adorará. Em todos os continentes, os povos como um todo obedecerão e venerarão o Anticristo. O texto grego indica o pronome masculino o [ele] para o Anticristo com o fim de indicar que ele apare cerá na forma humana. Esta pessoa receberá a adulação de todos os povos da terra, exceto os santos. João claramente divide a humanidade em: aqueles que adoram a besta e naqueles cujos nom es estão registrados no livro da vida. É a divisão dos não-regenerados em con traste com os regenerados, os incrédulos em oposição aos crentes, os ímpios versus os santos. O Anticristo busca imitar a Cristo, o qual com prou seu povo dentre toda tribo, língua, povo e nação (5.9). A besta deseja a dominação mundial, tendo após si todos quantos não estão registrados no livro da vida. b. “Todos cujo nome não foi escrito no livro da vida.” Esse livro pertence ao Cordeiro que morreu por todos aqueles cujos nomes foram registrados nele. Tais pessoas lhe pertencem desde os tempos da cria ção, e por isso ele as protege e as livra do maligno. Ele tem comunicado a solene certeza de que jamais apagará seus nomes desse livro (3.5). João escreve o substantivo nome e o verbo escrito no singular para indicar que não está se referindo ao grupo como um todo, mas ao crente individualmente que recebe a certeza de que ele ou ela é filho de Deus. Os incrédulos, os que rejeitam a Palavra de Deus e o testemunho de Jesus, nunca tiveram seus nomes registrados no livro da vida. São eles os seguidores da besta que a adoram no lugar do Senhor dos se nhores e Rei dos reis. E assim são seguidores do diabo, de cujo destino final partilham (20.10, 15). Os nomes dos crentes, contudo, já estão registrados no livro da vida do Cordeiro, desde a eternidade. c. “O Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.” Como é possível interpretarmos essas palavras? A frase “desde a fundação do mundo” deve ser tomada com “morto” ou com “escrito”? A respos ta a essa pergunta está na leitura de outra passagem que lança luz sobre este tema. João diz: “E os habitantes da terra ficarão perplexos, aqueles cujos nomes não estão escritos no livro da vida desde a funda
487
A p o c a l ip s e 13.5-10
ção da terra” (17.8). Aqui ele omite a referência ao Cordeiro morto, e com isso indica que os eleitos de Deus foram selecionados na eternida de. Paulo também testifica que Deus escolheu seu povo, em Cristo, antes da fundação do mundo (Ef 1.4). Tendo dito isso, observemos que Deus escolheu Cristo para a tarefa de redimir seu povo antes que o mundo fosse criado (IPe 1.20). E essa tarefa implica que eventual mente ele seria morto no tempo que Deus lhe designou. Em proporção, a evidência que João fornece em 17.8 é notável, pois ali ele conecta a frase “desde a fundação do mundo” com “escri tos”. E possível que surja a objeção de que a frase está muito distante do verbo em questão.15Tal objeção poderia ser válida, não obstante o fato permanece, a saber: nos escritos de João, esse fenômeno ocorre sempre que ele deseja qualificar um substantivo com mais detalhe. Ele explica a frase “o livro da vida” com os modificadores “do Cordeiro que foi morto” . Em suma, o livro da vida, com todos os nomes do povo de Deus, pertence ao Cordeiro de Deus que foi m orto.16Eis aqui uma palavra de conforto para os santos na terra que experimentam os vio lentos ataques do maligno. Seus nomes estão registrados no livro da vida, e o Cordeiro que foi morto em seu lugar os comprou para que vivam com ele por toda a eternidade (5.9).
9. Se alguém tem ouvidos, que ouça. A mensagem do versículo anterior é alta e clara: o Senhor está ao lado de seu povo na terra. Que todos os que ouvem essas palavras reconfortantes tomem nota, pois através de seu servo João o Senhor lhes fala. A expressão, “se alguém tem ouvidos, que ouça”, é comum em nos lembrar das cartas de Jesus enviadas às sete igrejas (capítulos 2 e 3) e o ensino de Jesus (Mt 11.15; 13.9, 43). Essas palavras perten cem, antes de tudo, ao que já foi dito nos versículos anteriores; e, em segundo lugar, servem como ponte ao que segue. A mensagem é dirigida ao crente individualmente, que deve assumir uma posição em relação a Jesus. Em meio ao engano e falsidade, perseguição e morte, o cristão ocupa uma posição única de viver sob a mira do Anticristo e de seus 15. G. B. Caird, A Com mentary on th e Revelation ofSt. John the Divine (Londres: Black, (1966), p. 168. 16. Ver L. van Hartingsveld, R evelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1985), p. 53. N o A pocalipse, é comum a concatenação de substantivos, pronomes e adjetivos no caso genitivo. Ver, por exem plo, o texto grego de 14.10 e 21.9, onde João cataloga uma série sucessiva de casos genitivos qualificadores.
A p o c a l ip s e 13.5-10
488
subordinados. Experimentando as mais severas dificuldades, o eleito sabe que Deus está do seu lado e vingará seus adversários.
10. Se alguém vai para o cativeiro, para o cativeiro vai. Se alguém for morto à espada, à espada será morto. Aqui está a perseverança e a fé dos santos. As primeiras duas linhas são livremente tomadas da profecia de Jeremias. Deus disse através do profeta: “Os destinados à morte, para a morte; os destinados à espada, para a espada; os destinados à inani ção, para a inanição; os destinados ao cativeiro, para o cativeiro” (Jr 15.2; ver também 43.11). Jeremias escreveu esta passagem para o povo ímpio de Jerusalém e de Judá que não mais podia contar com o socorro e livramento divinos. Deus não mais ouviria as intercessões em prol de seu povo pecaminoso, mas estava para puni-los com a morte, com a espada, com a fome e com o exílio. À guisa de contraste, João fala aos cristãos sofredores que estão experimentando os tormentos das prisões e a perda da vida. Ele escreve para encorajar os santos em seu sofrimento em prol do Senhor. É difícil interpretar as expressões por causa das variantes. A pri meira linha tem a redação variante: “Se você leva [um cristão] para o cativeiro, [você mesmo] irá para o cativeiro”, o que cumpriria a lei de retribuição. Mas há uma regra fundamental que determina: a redação mais breve de um versículo geralmente deve ser a preferível, porque os escribas eram aptos no acréscimo de um texto. A redação mais breve é “os destinados ao cativeiro, vão para o cativeiro”. Este texto é o mais forte dos dois, e por isso o mais aceitável como o original. A segunda linha também exibe variantes: “Se você matar com a espada, com a espada você deve ser morto” (KJV, N R SV, N A S B ), E “Se alguém for morto à espada, à esf»ada deve ser morto” (N V I, NC V, REB). A primeira tem um significado ativo; a segunda, passivo. A primeira expressa a lei de retribuição, pagamento com a mesma moeda. O que você semeia, também colherá. Jesus disse a Pedro no Jardim de Getsêmani: “Todos que empunham uma espada, à espada morrerão” (Mt 26.52). Em outros termos, não se engaje em resistência ativa, tentando defender-se contra as investidas do inimigo. Muitos comentaristas en dossam esta redação.17 17. W illiam Barclay, The Revelation o f John, 2a ed. (Filadélfia: Westminster, 1960), 2.126; Henry B arclay S w ete, C om m en tary on R evela tio n (1911; reim p. em Grand
489
A p o c a l ip s e 13.5-10
A segunda variante requer paciente perseverança e se harmoniza com a primeira linha da alusão veterotestamentária. Os sujeitos em ambas as linhas são os cristãos que sofrem perda da liberdade e perda da vida. Essas duas linhas expressam que os cristãos experimentam dificuldades quando o diabo desencadeia sua fúria contra eles. As li nhas não são dirigidas aos capangas de Satanás que enfrentam a retri buição divina. Em vez disso, o Senhor fala aos santos e os exorta a suportarem as dificuldades e a exercerem sua confiança nele.18 Os cristãos, porém, têm de fato sofrido passivamente sem se de fenderem? Se esse é o caso, parece que o maligno teria a liberdade de aniquilar todos os seguidores de Cristo. Entretanto, este é exatamente o ponto, porque Satanás não possui tal prerrogativa. Ele só pode fazer o que Deus lhe permite fazer. Os cristãos não devem empunhar a espa da, mas devem permitir que Deus seja seu defensor. Quem governa esta terra não é Satanás, mas Deus: “A vingança é minha”, diz o Se nhor (Dt 32.25; Rm 12.19; Hb 10.30). Devemos considerar também que o grupo insignificante de seguidores de Cristo, durante o primeiro século, não teria tido qualquer chance se tivesse empunhado armas contra a todo-poderosa Roma. O Senhor os chamou não para resistên cia ativa, mas para paciente perseverança. A terceira linha, “aqui está a perseverança e a fé dos santos”, depen de das primeiras duas linhas e é um sumário. Ela se adequa apropriada mente às redações mais breves do texto. Não os perseguidores e exe cutores, mas os santos sofredores é que são chamados a submeter-se ao Senhor e a confiar nele. Nos primeiros capítulos e versículos do Apocalipse, foram chamados a exercer perseverança (1.9; 2.2, 3, 19; 3.10; ver também 14.12). De modo semelhante, a fé dos leitores já foi expressa (2.13, 19; e ver 14.12). Rapids: Kregel, 1977), p. 168; Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 638; Leon Morris, Relevation, ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 165; Louis A. Vos, The Synoptic Traditions in the A pocalypse (Kampen: Kok, 1965), pp. 104-9. 18. Referência a Hughes, Revelation, p. 150; Robert L. Thomas, Revelation 8 -2 2 : An Exegtical Com m entary (Chicago: M oody, 1995), p. 168; Robert H. M ounce, The B ook o f R evelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 253; George Eldon Ladd, Com m entary on the Revelation ofJohn (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 182; JUrgen Rol jff, The R evelation ofJohn, trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 159.
A p o c a l ip s e 13.5-10
490
Palavras, Frases e Construções Gregas em 13.6-10 Versículo 6 T o u ç...o K r|v o ú v T aç - embora alguns manuscritos deletem essas duas pala vras, há bom apoio textual para elas, e parecem ser a redação mais difícil.19Se as palavras forem omitidas, a frase kv tlô oúpotvw deve então ser tomada com as palavras “e sua tenda”. Kai éõó0r|...vLKf|oaL aútoúç - a omissão desta sentença na redação de alguns manuscritos se deve a um erro dos olhos. Por causa da redação seme lhante, Kai èõóGri aÚTcô, na primeira linha, um escriba teria ignorado a primeira linha e passado furtivamente para a segunda ocorrência.20 A omissão das palavras Kai Xaòv provavelmente se origina de considera ções doutrinais, isto é, não é o povo pactuai de Deus, mas as nações que estão debaixo da autoridade da besta. Entretanto, a fórmula quádrupla de “tribo, língua, povo e nação”, com variações internas, aparece sete vezes no Apocalipse (5.9; 7.9; 10.11; 11.9; 13.7; 14.6; 17.15). Bauckham observa: “A ordem da lista não é casualmente variada... mas é variada de acordo com certos princípios de ordem”.21Em outros termos, o contexto determina o significado de cada versículo. Versículo 8
aúraü - este pronome pessoal é redundante por causa do pronome pessoal no início da sentença (ver também v. 12; 3.8; 7.2,9; 20.8). Versículo 10 A repetição de elç aixi^xlcooíav tem levado à sua omissão na segunda sentença, “resultado de descuido acidental na transcrição”.22 áiTOKTavSfivoa amóv - esta difícil redação encontra sua origem em um idiomatismo hebraico que na tradução se lê: “Se alguém deve ser morto à espada, ele será morto à espada”.23Alguns manuscritos trazem o tempo futuro c o ro K T e im , Õ€i (ele matará, se necessário) ou o tempo presente à i r o K i e í m , ôêt (ele mata, se necessário). Não obstante, essas duas redações parecem ter se introduzido no texto com base na palavra de Jesus a Pedro, de não empunhar a espada (Mt 26.52).24Um escriba teria acrescentado a palavra õêt para amenizar a dificulda de da sentença. E mais provável que sua presença se deva à inserção do que 19. M etzger, Textual Com m entary, p. 674. 20. Ibidem. 21. Bauckham, Clim ax o f P rophecy, p. 327. 22. M etzger, Textual Com m entary, pp. 674, 675. 23. R. H. Charles, A C ritical and Exegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimbrugo: Clark, 1920), 1.355. 24. M etzger, Textual Com m entary, p. 675.
491
A p o c a l ip s e 13.11-14
sua ausência à omissão. No todo, é provável que o texto mais curto seja o original, que em sua brevidade se harmoniza com o texto grego de Jeremias 15.2.
C. A B esta da Terra 13.11-18 Satanás usa a besta que emerge do mar como o Anticristo, e a besta que emerge da terra como o falso profeta. Uma representa a força física e poder bruto, pois ela emerge do mar da humanidade; a outra está para o engano, porque se apresenta como possuindo sagaci dade intelectual e filosofia racional. Uma ataca a parte externa de um ser humano, isto é, o corpo físico, com destruição e morte; a outra influencia a parte interna de uma pessoa, a saber, a mente. A segunda é ainda mais terrível do que a primeira; ela é capaz de fazer com que os habitantes da terra adorem a besta que emerge do mar. Ela é um sím bolo da falsa religião e da filosofia enganosa. Esses versículos claramente exibem o desígnio de Satanás de imi tar a Cristo. A paródia é evidente em todos os próximos versículos: a menção de um cordeiro, a concessão de toda autoridade, o culto à bes ta, a ferida fatal que foi curada, a marca na fronte e o nome da besta. 1. Paródia de Cristo 13.11-14
11. E vi outra besta emergindo da terra, e tinha dois chifres como um cordeiro e falava como um dragão. a. “E vi outra besta emergindo da terra.” A segunda besta não emerge do mar de pessoas como símbolo de força bruta, mas emerge da terra em contraste com o céu. Essa besta se põe em direta oposição a tudo o que procede do céu e é destituída de tudo o que é celestial. Ela é, portanto, a agregação do pecado que vai da terra áo céu; e, como o falso profeta, ela se põe completamente a serviço do Anticristo.25O falso profeta é mencionado três vezes no Apocalipse (16.13; 19.20; 20.10). Ele personifica as filosofias seculares, isto é, as teorias profa nas de conhecimento que influenciam o pensamento e as ações das massas. Seu propósito é pôr todo o mundo contra Deus e seu Cristo, 25. S. Greijdanus, D e O penbaring des Heeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 277; Charles, R evelation, 1.357.
A p o c a l ip s e 13.11-14
492
contra a revelação e o povo. Em suma, seu alvo é ser vitorioso nesse empreendimento, mas que, na realidade, como o Apocalipse revela, Cristo é o vitorioso, e ele, o vencido. b. “E tinha dois chifres como cordeiro.” Uma vez mais, João recor re à profecia de Daniel. No Apocalipse ele faz alusão a cerca de vinte e sete versículos dessa profecia,26entre os quais está o 8.3: “E olhei, e diante de mim havia um carneiro com dois chifres.” O cordeiro do gênero masculino aparece com dois chifres como símbolo de poder e força. Ele não tinha dez chifres como o dragão (12.3), mas apenas dois. O número dois significa suficiência sobre difundir a mentira e exercer autoridade no mundo inteiro. A aparição do cordeiro não é uma mera paródia do Cordeiro de Deus; aparece também como a incorporação da fraude - inofensivo, louvável e atraente.27É o proverbial punho de aço numa luva de veludo, ou o lobo na pele de ovelha (Mt 7.15). Essa besta é instigada pelo pai da mentira (Jo 8.44). c. “E falava como dragão.” No texto grego, o verbo “tinha”, na sentença anterior, e o verbo “falava” estão no pretérito imperfeito para indicar a continuação de um ato. Ou seja, o cordeiro o tempo todo era visto com os dois chifres e continuava falando como dragão. O dragão se relaciona com o capítulo anterior, onde é identificado como aquela serpente antiga chamada o diabo e Satanás (12.9). A palavra, pois, sugere que ele pode falar enganosamente, como a serpente que se dirigiu a Eva no Paraíso (Gn 3.1).28
12. E ela exerce toda a autoridade da primeira besta em sua presença, e faz com que a terra e os que nela habitam adorem a primeira besta, cuja ferida mortal foi curada. a. “E ela exerce toda a autoridade da primeira besta em sua pre sença.” A besta do mar recebeu autoridade delegada, a qual comparti lha com a besta da terra. A primeira demonstra poder; a segunda apre senta propaganda. A segunda, porém, nunca deve ser subestimada, 26. Consultar Steve M oyise, The O ld Testament in the Book o f Revelation, JSNTSup 115 (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1995), p. 45; Charles, Revelation, l:lxviii-lxxxi. 27. J. M assyngberde Ford, R evelation: Introduction, Translation, a n d C om m entary, A B 38 (Garden City, N ova York: Doubleday, 1975), p. 213. É d ifícil entender porque Ford escreve: “A segunda besta é uma paródia, não do Cordeiro, mas das duas testem unhas.” 28. Comparar os comentários de Sw eet p. 215), Beckwith (p. 630) e B eale (p. 708).
493
A p o c a l ip s e 13.11-14
porquanto desfruta da mesma supremacia que a primeira besta, em cujo interesse trabalha. Essas duas forças anticristãs são unidas em seu empenho por sublevar o governo de Cristo. Essa poderosa combi nação de pensamento e supremacia exerce domínio sobre a face da terra e controla as mentes e corpos de incontáveis milhões de pessoas. Autoridade implica que a besta terrena partilha do poder e do tro no que Satanás tornou disponíveis (vs. 2, 4, 7). E assim, estando na própria presença da primeira besta, ele possui forças medonhas à sua disposição para atacar e subverter os seguidores de Cristo. b. “E faz com que a terra e os que nela habitam adorem a primeira besta.” Tudo na face da terra deve servir aos interesses do Anticristo, a primeira besta. Todas as instituições de comunicação, todos os recur sos governamentais e administrativos, todos os recursos educacionais e todo o comércio e indústria devem estar às ordens e disposição do Anticristo. Por essa razão, o falso profeta, como porta-voz do Anticristo, deve controlar e governar a mente humana. Tal proeza só pode ser concretizada quando os seres humanos renunciam seus primeiros com promissos de lealdade e adoram o Anticristo. O ato de culto na província da Ásia significava reconhecer o impe rador romano como Senhor e Deus (capítulos 2 e 3). Quando os cris tãos entravam num templo pagão e participavam de alimentos ofereci dos a um ídolo, eram de fato participantes do culto dos demônios (IC o 10.20, 21). O número de pessoas que através dos séculos se desviaram de Cristo para seguir os ídolos é uma prova definida da obra abominá vel da segunda besta. O Anticristo quer que todas as pessoas o ado rem, e assim suplanta o culto devido a Cristo. c. “Cuja ferida mortal foi curada.” Associadas à sentença “à besta que fora ferida à espada e contudo sobreviveu” (v. 14), essas palavras são uma paródia do sofrimento, morte e ressurreição de Jesus. O Anticristo busca imitar a Cristo aparentando feridas fatais e uma subseqüente sobrevivência. Ele, porém, será lançado no lago de fogo, onde experimentará a segunda morte (19.20; 20.14).
13. E ela realiza grandes sinais, de modo que até faz descer fogo do céu à terra, diante do povo. O grande imitador realiza milagres comparáveis aos feitos por ser vos de Deus. Por exemplo, os sinais que Elias realizou foram de fato maravilhosos. Ele clamou a Deus e fogo desceu do céu, queimando o
A p o c a l ip s e 13.11-14
494
sacrifício e a madeira do altar e suas pedras, e inclusive lambendo a água da vala que circundava o altar (lR s 18.38). E ele fez descer fogo do céu para consumir dois capitães com cinqüenta homens cada um (2Rs 1.10, 12; ver também Lc 9.54, 55). Paulo adverte seus leitores, dizendo que “a vinda do iníquo será em concordância com a obra que Satanás demonstrou em todos os gêne ros de milagres, sinais e prodígios fraudulentos” (2Ts 2.9; ver Mt 24.24). Os dois profetas a quem Deus envia para que apresentem seu testemu nho ao mundo tinham o poder de lançar fogo de suas bocas para devo rar os inimigos (11.15). O povo de Deus, contudo, deve ter a capacida de de discernir o verdadeiro profeta do falso. Deus instruiu Moisés para que dissesse aos israelitas que rejeitassem o falso profeta que anuncia sinais miraculosos e prodígios com o propósito de cultuar ou tros deuses. Tal profeta deve ser morto (Dt 13.1-5). Os atos de efetuar falsos milagres e obstruir o povo de cultuar a Deus vão de mãos dadas. Com suas fraudes, os mágicos incitaram faraó a endurecer seu coração e a não deixar que o povo partisse (Êx 7.11); na ilha de Chipre, Elimas, o bruxo, tentou impedir o procônsul de adorar a Deus e seu Cristo (At 13.6-8). Os mágicos que realizaram a fraude de fazer fogo descer do céu tentaram influenciar os cristãos do primeiro século a adorarem o imperador. À guisa de contraste, acom panhando a expansão do evangelho, “Deus também testificou dele com sinais, prodígios e vários milagres, bem como dons do Espírito Santo distribuídos segundo sua vontade” (Hb 2.4).29Daí, os cristãos devem clara e criteriosamente distinguir entre os milagres genuínos e falsos, e determinar se procedem de Deus ou do diabo.
14. £ ela engana os habitantes da terra por causa desses sinais que lhe foi dado realizar na presença da besta. Ela disse aos habitantes da terra que fizessem uma imagem em honra da besta que recebeu o ferimento à espada e sobreviveu. Para o diabo e seus capangas, a fraude é um forma de vida. Para eles esta palavra expressa um completo abandono da verdade, hones tidade, integridade, retidão e honra, enquanto buscam usar as pessoas 29. Sw eet (R evelation, p. 216) escreve que “o fo g o do céu é uma paródia do Espírito Santo (A t 2.3, 4), que inspira os profetas cristãos (Ap 11.5)”. Comparar John F. Walvoord, The R evelation o f Jesus Chríst (Chicago: M oody, 1966), p. 207; Thomas, R evelation 8 -2 2 , p. 176.
495
A p o c a l ip s e 13.11-14
vivas sobre a terra. A frase os habitantes da terra ocorre pelo menos dez vezes no Apocalipse, e em cada caso ela se refere às pessoas do mundo.30São os incrédulos que são perseguidores e inimigos do povo de Deus (3.10; 6.10), antagonistas que enfrentam o juízo pendente (8.13; 11.10) e pessoas cujos nomes não estão escritos no livro da vida (13.8; 17.8). Aquele que comunica à besta da terra (o falso profeta) poder para realizar milagres é a besta do mar (o Anticristo), que recebe permissão da parte de Deus para agir assim (ver 19.20). João nota que esses sinais devem ser realizados na presença da primeira besta, a qual dese ja ser adorada pelas massas do gênero humano. Isso deve ser feito por haver o povo erigido sua imagem, por meio da qual ela reconhece a homenagem dessas massas. Ao longo dos séculos, imagens de um gênero ou outro têm sido erguidas, e pessoas têm adorado e se curvado diante delas. Incluem a imagem de ouro de Nabucodonosor, o altar de Zeus feito por Antíoco Epfânio no templo de Jerusalém, a tentativa de Calígula de ter sua está tua colocada nesse mesmo templo, a estátua de Domiciano no templo de Éfeso, a suástica de Hitler na Alemanha nazista e o martelo e a foice da primeira União Soviética. João reflete o contexto histórico e a cultura de sua época, na qual os cristãos se viram forçados a participar do culto ao imperador. A presença saturante de templos e estátuas dedicados aos imperadores romanos era algo esmagador para os segui dores de Cristo na província da Ásia. Só a verdadeira fé em Cristo poderia guardá-los de sucumbir a essa pressão. A influência da besta não deve ser limitada ao fim do primeiro sé culo, porque sua autoridade é mundial, aparece em numerosas formas e dura até a consumação. João escreve que a besta fora ferida à espa da, mas que voltou à vida. Ainda quando muitos estudiosos vêem neste versículo uma alusão à lenda de Nero, que recobrou a vida,31o contexto deste capítulo ensina que o reinado do Anticristo inclui todas as eras. O espírito do Anticristo sofre um golpe mortal, porém retorna à vida. Uma 30. A pocalipse 3.10; 6.10; 8.13; 11.10 (duas vezes); 13.8, 14 (duas vezes); 17.2, 8; comparar também 13.12; 14.6. 31. Ver, por exem plo, Beckwith, A pocalypse, p. 640; Bauckham, Clim ax o f P rophecy, pp. 441-50; S. J. Scherrer, “Signs and Wonders in the Imperial Cult: A N ew Look at a Roman R eligious Institution in the L ig h to f Rev. 13.13-15”, JBL 103 (1984): 559-610.
A p o c a l ip s e 13.11-14
496
vez mais, esta descrição da besta que volta com vigor renovado é uma caricatura da ressurreição de Cristo. Entretanto, não há comparação; o Anticristo vive para destruir a vida por toda parte, enquanto que Cristo vive para comunicar a vida eterna a todos os seus seguidores.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 13.12-14 Versículo 12 'iva - seguido do tempo futuro do verbo adorar, esta partícula introduz uma cláusula de propósito. O futuro do indicativo e o aoristo subjuntivo às vezes não se alternam nesta construção. Versículo 14 6tá - esta preposição, seguida do caso acusativo, deve ser aqui traduzida “através de” (ver 12.11).32 2. A Marca da Besta 13.15-18
15. E lhe foi dado poder para comunicar fôlego à imagem da besta, de modo que a imagem da besta podia falar e fazer com que fossem mortos tantos quantos se recusassem a adorar a imagem da besta. Tanto o texto grego quanto as versões, põem em realce o poder da besta que emerge do mar (vs. 11-18). A besta que emerge da terra age por trás das cenas sem qualquer menção de sua identidade. É a besta que emerge do mar que recebe toda a atenção: tudo é feito por sua causa e para benefício dela, pois ela é o espírito do Anticristo. Comunicar fôlego à imagem da besta implica animação empreendida por mágico. Além disso, comunicar fôlego a uma imagem é uma pa ródia de Deus comunicando o fôlego de vida a Adão (Gn 2.7; e ver Ap 11.11). Os mágicos do mundo antigo se gabavam de que podiam fazer estátuas falarem e se m overem ; assim , Sim ão, o m ágico, presumivelmente dizia: “Eu fiz uma estátua mover-se; eu comuniquei fôlego a objetos inanimados.”33Deus permite toda essa cópia malfeita 32. Robert Hanna, A G ram m atical A id to the Greek N ew Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 451. Ver também C. F. D . M oule, An Idiom -Book o fN e w Testament G reek, 2o ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 1960), p. 55. 33. Pseudo-Clem entino, R ecognitions 3 .47.2. Ver Aune, Revelation 6 -1 6 , p. 764.
497
A p o c a l ip s e 13.15-18
e dá à besta permissão para que mate os que se recusarem a adorar a imagem da besta. A tela de fundo do Antigo Testamento apresenta o relato dos três jovens dentro da fornalha ardente em razão de terem declinado a obe diência à ordem de Nabucodonosor de se prostrarem diante da imagem que ele erigira (Dn 3.1-11). Deus resgatou esses três homens para que exibissem a glória de seu nome. A besta, porém, continua a enviar seus cúmplices com o intuito de forçar alguém a adorar e curvar-se diante dela, e os rebeldes que se recusarem a obedecer são sumariamente mortos. Os cristãos devem obedecer às autoridades enquanto não hou ver conflito com os ensinos de Cristo. João indiretamente quer dizer que pode chegar um tempo “quando o ato de recusa de cometer alta traição contra Cristo será interpretado como alta traição contra o Anticristo”.340 mero fato de ser um cristão é evidência suficiente para reforçar a pena de morte. E a perseguição do povo de Deus no mundo moderno testifica dessa cruel realidade. O texto não diz que todos os seguidores de Cristo serão mortos, mas que quantos deixarem de ado rar poderão ser executados (ver v. 10; 20.4). Nos dias de João, o tem plo do Sebastoi (família de Vespasiano, Tito e Domiciano) era dedicado em Efeso, e a população local foi forçada a prestar homenagem ao imperador, adorando-o.35
16. E ela faz que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, recebam uma marca na mão direita ou em sua fronte, 17. E ninguém podia comprar nem vender, exceto aque le que tivesse a marca, isto é, o nome da besta ou o número de seu nome. a. Categorias. A segunda besta não só executa os que se esqui vam de adorar a imagem da primeira besta, mas também obriga todas as categorias de pessoas a receberem uma marca distintiva que os separa dos cristãos. A expressão todos não significa que todo ser hu mano em particular está incluso, mas, antes, que pessoas de todas as 34. Martin Kiddle, The R evelation ofS t. John (reimp., Londres: Hodder e Stoughton, 1943), p. 258. 35. S. J. Friesen, Twice N eokoros: Ephesus, A sia, an d the C ult o fth e F lavian Im perial Fam ily (Leiden: Brill, 1993), p. 146-52; S. R. F. Price, R ituais a n d P ow er: The Roman Im perial C ult in A sia M in or (Cambridge: Cambridge U niversity Press, 1984), pp. 197-99.
A p o c a l ip s e 13.15-18
498
esferas da vida estão em pauta. Isso é evidente à luz de várias classes que são catalogadas. “Pequenos e g ran d es” na verdade é um idiomatismo que inclui “pessoas de todas as idades ou de todas as con dições de vida”.36Esta expressão ocorre no Apocalipse com freqüência (11.18; 19.5,18; 20.12). Note que as categorias são apresentadas como opostas: pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos. São pessoas de todos os níveis sociais. b. Marca. As explicações para esta palavra oscila de escravos sendo marcados a pessoas imprimindo uma tatuagem em sua mão di reita ou fronte. A História está repleta de relatos de escravos, soldados ou fanáticos sendo marcados ou tatuados. O versículo, contudo, espe cifica que o propósito para imprimir a marca da besta é para ter condi ção de comprar e vender mercadorias, e isso inclui uma categoria mui to mais ampla do que um pequeno segmento da população. Alguns estudiosos colocam a sentença no contexto histórico do culto a César, de modo que somente as pessoas que tivessem recebido uma marca impressa em seu punho ou fronte podia entrar no mercado.37A dificul dade com esta interpretação é que os historiadores romanos nada registram acerca de tal prática no império. Se entendermos João a escrever não para um momento particular no tempo enquanto reflete sobre um incidente local, mas para a Igreja universal de todas as eras e lugares, então precisamos interpretar este versículo mais amplamente. Primeiro, notemos bem que a palavra mar ca aparece várias vezes no Apocalipse. João a menciona em 14.9: “Se alguém adora a besta e a sua imagem, e recebe a marca em sua fronte e em sua mão” (ver também 19.20; 20.4). E em 14.11, ele escreve sobre “alguém que recebe a marca de seu nome”. Portanto, ter a mar ca da besta conduz a atos de culto e o porte de seu nome. Ela designa uma pessoa como devota e seguidora genuína da besta. Ela indica uma pessoa que é hostil a Deus, à sua Palavra e ao seu povo; ele ou ela porta a marca do Anticristo na mão direita ou na fronte. Segundo, o símbolo da mão direita significa amizade e compa nheirismo (G1 2.9); é um sinal de cooperação em uma causa comum, isto é, oposição a Deus. A marca na fronte implica que tais pessoas 36. Aune, R evelation 6 -1 6 , p. 766. 37. Consultar E. A. Judge, “The Mark o f the Beast, Revelation 13.16”, TynB 42 (1991): 158-60.
499
A p o c a l ip s e 13.15-18
são influenciadas pela mesma filosofia e padrões de pensamento.38Em seu pensamento anticristão, glorificam a besta e seus empreendimen tos e tentativas de destruir a obra de Cristo na terra. Como os devotos do Anticristo portam a marcam da besta em sua fronte ou mão direita, assim os servos de Deus já receberam o selo do Senhor e o nome de ambos, o Pai e o Cordeiro, em suas frontes (7.3; 14.1). Se a marca no povo de Deus é invisível, interpreto as marcas nos incrédulos como sendo também invisíveis. E, por último, receber a mar ca de fidelidade à besta é em si mesmo uma imitação do compromisso feito no batismo cristão. c. Comércio. A impossibilidade de comprar ou vender equivale a boicote por meio do qual o suprimento de alimento é cortado e a fome bate à porta. Os primeiros recipientes do Apocalipse podiam relacionar-se a essas circunstâncias, pois muitos deles em Esmirna viviam em desprezível pobreza (ver o comentário sobre 2.9). Mas os boicotes não se têm confinado a certo lugar na história; são comuns e em muitos casos o povo de Deus passa a ser suas vítimas. A marca da besta significa o porte de seu nome e número.
18. Aqui há sabedoria. Aquele que tem mente calcule o nú mero da besta. É o número de um homem, e seu número é 666. a. Sabedoria. A revelação de Deus, como é apresentada aqui, só pode ser entendida quando o leitor possui sabedoria recebida de cima, vinda do Espírito Santo. A sabedoria pertence ao Cordeiro e a Deus (5.12; 7.12), mas, no Apocalipse, o crente deve aplicar a sabedoria a essa revelação. Sabedoria não é um estudo e pesquisa científicos, mas a percepção de Deus que o crente recebe por estar em Cristo Jesus (IC o 1.30). Duas vezes no Apocalipse João evoca a sabedoria, aqui e 17.9: “Eis a mente que tem sabedoria.” O contexto do último põe em evidên cia a besta do Abismo e a série de sete cabeças, sete montes e sete reis. Com respeito a essas duas passagens, as mentes iluminadas pelo Espírito Santo são capazes de entender seu significado com a sabedo ria que Deus outorga. b. Número. “Aquele que tem mente calcule o número da besta.” As pessoas que têm a mente iluminada pelo Espírito Santo serão capa 38. Ver os comentários de B eale (p. 716), Caird (p. 173), Hailey (p. 296), Hendriksen (pp. 181, 182), Hughes (p. 153) e Sw ete (p. 173).
A p o c a l i p s e 13.15-18
500
zes de entender. Isso não significa que somente a pessoa intelectual é que tem capacidade mental para interpretar esta passagem; alguém, com o auxílio do Espírito, prontamente perceberá seu significado em termos de Cristo versus Anticristo. Isso envolve calcular o número do Anticristo. O verbo calcular ocorre aqui e em Lucas 14.28 (o construtor de uma torre deve antes calcular os custos). Mas, como é possível identificar a pessoa cujo nome e número devem ser calculados? Têm-se multiplicado as solu ções a esta pergunta, desde o tempo dos Pais da Igreja primitiva até hoje. Governantes, papas, causas e itens, todos têm sido sugeridos. No segundo século, Irineu chamou a atenção para Tito, provavelmen te porque o líder romano destruiu Jerusalém, porém esse pai eclesiás tico se retraiu de identificá-lo como sendo o Anticristo. Ele alertou seus leitores para o perigo de falsamente se presumir conhecer o nome do Anticristo. Uma interpretação comum aplica o número 666 ao nome do impe rador Nero - interpretação que é favorecida por muitos estudiosos.39 Poder-se-ia arrazoar que o nome e número de um homem no primeiro século traz a lume uma pessoa com um caráter de má reputação, e o nome de Nero o qualificaria. Quando, porém, os leitores começaram a identificar Nero com o número desta passagem particular? Não há re ferência em parte alguma da História, até 1830, quando estudiosos ale mães propuseram seu nome.40 As dificuldades oriundas desta identificação são muitas. Primeiro, há o método de cobrir o número por meio de seu equivalente numérico, por exemplo: a = 1, b = 2, c = 3 ... j =10, ja = 11... k = 20,1 = 30, m = 40, n = 50 etc. O nome Nero por si só não faz sentido em relação a 666, tendo que ser desdobrado erri Nero César. Segundo, se a grafia do nome for em latim, grego, hebraico ou aramaico, a soma total difere. Aliás, se adotarmos a grafia hebraica, 39. Ver Bauckham, Climax o f Prophecy, pp. 384-452; Aun t , Revelation 6-1 6 , pp. 771-73; Kenneth L. Gentry Jr., Before Jerusalem Fell: D ating the Book o f R evelation (Tyler, Tex.: Institute for Christian Econom ics, 1989), pp. 192-200; e muitos outros. 40. O. F. Fritsche (1831); F. Benary (1836); F. H itzig e E. R eusss (1837). Referência a D . Brady, The C o n trib u tio n o f B ritish W riters b e tw e e n 1 5 6 0 e 1 8 3 0 to the Interpretation o f R evelation 13.16-18 (The N um ber o f the B east), BG BE 27 (Tübingen: Mohr, 1983), p. 292. Os Pais da Igreja primitiva voltaram atrás em equiparar 666 com N ero César.
501
A p o c a l ip s e 13.15-18
temos de incluir ou excluir as vogais? Se tomarmos somente as consoan tes de Nero César em hebraico, chegamos ao núm ero 616. M as, adicionando a letra n ao nome latino Nero, grafando o y (hebraico yodh, o equivalente de i da grafia hebraica qysr (kaisar, a forma grega do latim Caesar), a soma é 666.410 problema não está tanto na adição da letra n, quanto na ausência da letra y (yodh) em qysr (kaisar). O método vem a ser questionável quando as letras são adicionadas e omitidas para se chegar ao número desejado. E esse cálculo se torna particularmente complicado quando consideramos que o nome Nero César deve ser transliterado do latim para o grego e do grego para o hebraico. O Apocalipse, contudo, foi escrito para os cristãos de fala grega na província da Ásia. Esses ouvintes (1.3) prontamente entende riam que teriam de transliterar um nome do latim, via grego, para o hebraico (ou aramaico) a fim de entender o número 666? Terceiro, se a identificação de Nero César com 666 não tiver uma base em evidência sólida, oriunda dos pais da igreja primitiva, mas dos estudiosos do século 19, então pode-se considerar os nomes adicio nais de imperadores romanos. E outros imperadores têm sido sugeri dos, cada um com títulos apropriados, inclusive Calígula, Vespasiano e Domiciano.42 c. Método. Em vista dessas dificuldades, optei por uma aborda gem diferente. João põe todo o capítulo na estrutura de simbolismo, assim o leitor pode esperar que o número no versículo 18 deve ser tomado também figuradamente. O número sete significa completude; seis, incompletude. Satanás, o grande imitador, se empenha em che gar à soma total de sete, porém sempre fracassa e termina com seis. Deus cumpriu sua obra de criação em seis dias (Gn 2.2); ele ordenou que os israelitas marchassem ao redor de Jericó sete vezes com sete sacerdotes tocando sete trombetas no dia sétimo (Js 6.4). E ele de cretou que um servo hebreu fosse posto em liberdade no ano sétimo (Êx 21.2; Dt 15.12; Jr 34.14). Satanás, em contraste, enfrenta derrota 41. Comparar D. R. Hillers, “Revelation 13.18 and a scroll o f Murabba’ât”, B A SO R 170 (1963): 65. Este não é um docum ento hebraico, e, sim, aramaico, no qual a grafia grega tem sido traduzida para o hebraico. 42. R eferência a W. G. Baines, “The Number o f the Beast in R evelation 13.18”, H eythJoum 16 (1975): 175,176; M. Oberweis, “D ie Bedeutung der neutestamentlichen ‘Rãtselzahlen’ 666 (Apk 13.18) und 153 (Joh 21.11)”, Z N W 11 (1986): 226-41; L. van Hartingsveld, R evelation, pp. 56, 57.
A p o c a l ip s e 13.15-18
502
e juízo divino. No Apocalipse, o número seis aponta para o juízo: no final do sexto selo, a sexta trombeta e a sexta taça. A obra de Satanás sempre resulta em fracasso. “O número da besta é 666, isto é, fracas so sobre fracasso sobre fracasso!”43Ainda que o diabo tente eliminar todo o povo de Deus, desde a morte de Abel até nossos dias, ele nunca terá êxito. Neste conflito da idade áurea, quem administra é Deus, e não Satanás. Concluindo, o número 666 pertence a Satanás e não a um indivíduo em particular que porventura a obra do diabo fez na História.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 13.15-18 Versículo 15 Iva (segunda ocorrência) - alguns manuscritos omitem esta partícula. Ela, porém, é necessária para o verbo àTroKiavSúoiv no final da sentença. A partícu la káv domina o subjuntivo upoaKuvipojaiv; a sentença tem mais peso com subjuntivos para expressar probabilidade e uma medida de incerteza com res peito à sua mensagem. Versículo 16 õtooiv aútoiç - o segundo aoristo, terceira pessoa plural do subjuntivo, seguido do pronome, poderia ser interpretado reflexivamente: “que deram a si mesmos uma marca”.44A ausência da preposição èirí evoca o objeto indireto “a eles”, e o infinitivo plural por causa da falta de sujeito. Assim a frase pode ser interpretada como um passivo, “ser dado”. Versículo 17 «aí - alguns manuscritos principais omitem a conjunção para facilitar uma leitura suave. Isso é verdade se a sentença seguinte, 'iva |ir|, for dependente do verbo ôúaiv, mas não quando ela depende do ttoiéI antecedente (v. 16).45 Versículo 18 èÇiÍKOVTa eÇ - alguns Novos Testamentos gregos grafam as letras gregas XÍ (x = 600, E,= 60, = 6) no lugar das palavras escritas que grafam 666 (note que 43. Hendriksen, M ore Than C onquerors, p. 151. Ele corretamente observa que o Apocalipse não é um livro de quebra-cabeças, e, sim, de sím bolos (p. 182 n. 24). Ver também Harry R. Boer, The Book o f Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p. 96. 44. B eckw ith, A p o ca lyp se, p. 641; Friedrich Düsterdieck, C ritical an d E xegetical H andbook to the R evelation o f John (N ova York e Londres: Funk e W agnalls, 1886), p. 381. 45. M etzger, Textual Com m entary, p. 676.
503
A po c a l ip s e 13.15-18
a última letra nesta linha não é o sigma final, mas a letra obsoleta stigma, a qual já foi a sexta no alfabeto grego).46A leitura variante é xw que é igual a 616, mas Irineu já a rejeitou. Metzger comenta: “É provável que a culpa tenha sido intencional, visto que a forma grega, Neron Caeser, escrita em caracteres hebraicos, é equivalente a 666, enquanto a forma latina, Nero Caesar, é equiva lente a 616”.47
46. Ver a TR, Souter e o Texto Principal. 47. Metzger, Textual Com m entary, p. 676.
E sboço (continuação) D. O Cordeiro (14.1-5) E. As Quatro Mensagens (14.6-13) 1. O Primeiro Anjo (14.6,7) 2. O Segundo Anjo (14.8) 3. O Terceiro Anjo (14.9-12) 4. A Voz Celestial (14.13) F. A Ira de Deus (14.14-20)
C apítulo 1 4
O C o rd e iro e as Q u a tro M ensagens ( A p o c a l i p s e 1 4.1-20) l E olhei e vi o Cordeiro em pé no Monte Sião e com ele 144.000, tendo seu nome e o nome do Pai escritos em suas frontes. 2 E ouvi um som vindo do céu, como o som de muitas águas e como o som de forte trovão, e o som que ouvi era como o de harpistas tangendo suas harpas. 3 E entoavam um novo cântico diante do trono e diante das vinte e quatro criaturas viventes e dos anciãos, e ninguém era capaz de aprender o cântico, exceto os 144.000, aqueles que foram redimidos da terra. 4 Esses são os que não se contaminaram com mulheres, pois são puros. São aqueles que estão seguindo o Cordeiro por onde quer que ele vá. São os redimidos dentre a humanidade - as primícias para Deus e para o Cordeiro. 5 E em sua boca não se encontrou mentira, pois são inculpáveis. 6 E vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo o evangelho eterno para proclamar aos que residem na terra e a cada nação, tribo, língua e povo. 7 E ele disse em alta voz: “Temam a Deus e dêem-lhe glória, porque a hora do seu juízo já chegou. E adorem aquele que fez o céu e a terra e o mar e as fontes de água.” 8 E um segundo anjo o seguiu e disse: Caiu, caiu Babilônia, a Grande, a qual fez todas as nações beberem do turbulento vinho de sua fornicação. 9 E um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz:
H
Se alguém adora a besta e sua imagem e recebe a mar ca em sua fronte ou em sua mão, 10 esse também beberá do vinho da ira de Deus, que tem sido derrama do sem mistura no cálice de sua ira. E ele será atormen tado pelo fogo e enxofre na presença dos santos an jos e do Cordeiro. 11E a fumaça de seu tormento sobe para todo o sempre, e não têm descanso nem de dia e nem de noite os que adoram a besta e sua imagem, e todo aquele que recebe a marca de seu nome. 12 Aqui
A p o c a l ip s e 14.1-5
506
está a perseverança dos santos, aqueles que estão guardando os mandamentos de Deus e a fé de Jesus. 13 E ouvi uma voz vinda do céu, dizendo: Escreva. Bem-aventurados são os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem de suas fadigas, porque suas obras os seguirão. 14 E olhei e vi uma nuvem branca. E sobre a nuvem havia alguém assenta do semelhante a um filho de homem. Em sua cabeça havia uma coroa de ouro, e em sua mão uma foice afiada. 15 E outro anjo saiu do templo bradando em alta voz ao que estava sentado na nuvem: Lance sua foice e colhe, porque a hora de ceifar já chegou, pois a seara da terra está madura. 16 E o que estava sentado na nuvem passou sua foice na terra e a terra foi ceifada. 17 E outro anjo saiu do templo celestial, e tinha uma foice afiada. 18 E outro anjo saiu do altar. Ele tinha poder sobre o fogo, e chamou em alta voz àquele que tinha a foice afiada, dizendo: Lance sua foice afiada e ajunte os cachos da videira da terra, porque suas uvas estão maduras. 19 E o anjo passou sua foice na terra e ajuntou as uvas da terra, e as lançou no grande lagar da ira de Deus. 20 E o lagar foi pisoteado fora da cidade, e o sangue que fluiu do lagar chegou aos freios dos cavalos à distância de mil e seiscentos estádios.
D. O C ordeiro 14.1-5 O contraste entre Deus e Satanás é o tema repetitivo do Apocalipse e, de uma forma tão notável, nos primeiros poucos versículos deste capí tulo comparado ao capítulo anterior. João descreve a aparência e influên cia da besta que emerge da terra (13.11-18), o que contrasta com o Cordeiro e a multidão de 144.000 no Monte Sião (14.1-5). Aqui, em colunas paralelas, estão as diferenças:
Capítulo 13 cordeiro (v. 11) emerge da terra (v. 11) adoração à besta (v. 12) número da besta, 666 (v. 18) todos são escravizados (vs. 16) marca da besta (vs. 16,17) Fraude da besta (v. 14)
Capítulo 14 cordeiro (vs. 1,4) Monte Sião (v. 1) cântico dos 144.000 (v. 3) número dos santos, 144.000 (v. 1) santos são redimidos (v. 3) nome do Pai e do Cordeiro (v. 1) nenhuma mentira em sua boca (v. 5)
Depois de revelar a tentativa da besta de obrigar a rendição dos santos, João lhes assegura de sua segurança e vitória. Ele pinta um
507
A po c a l ips e 14.1-5
quadro da alegria e felicidade que os santos expressam ao seguirem o Cordeiro e estarem em sua presença. São os 144.000 redimidos da terra que tiveram o privilégio de aprender um novo cântico de glória e alegria, que foi ouvido no céu. O Rei dos reis e Senhor dos senhores não é a besta da terra, a paródia do Cordeiro, não é Satanás, o imitador, mas o Cordeiro. Majestosamente, ele está em pé no Monte Sião como o Vitorioso sobre todas as forças anticristãs do mundo. Assim os santos devem ter ânimo, não desespero, pois partilham da vitória do Cordeiro.
1. E olhei e vi o Cordeiro em pé no Monte Sião e com ele 144.000, tendo seu nome e o nome de seu Pai escritos em suas frontes. a. “E olhei e vi o Cordeiro em pé no Monte Sião.” A interpretação desta sentença varia: alguns estudiosos tomam o nome do lugar literal mente como sendo outro nome de Jerusalém, onde o Senhor, em sua vinda, estará com 144.000 no Monte Sião. A projeção, pois, é futurística, mas colocada na estrutura como já tendo ocorrido.1A dificuldade com esse ponto de vista é que as Escrituras ensinam o regresso de Cristo nas nuvens do céu, a ressurreição dentre os mortos, a transformação dos que estiverem vivos naquele tempo e os santos para sempre com o Se nhor (Mt 24.30, 31; lTs 4.16,17). Jesus e Paulo descrevem a Segunda Vinda de Jesus com voz de comando, brados e trombeta divina de con vocação. No Apocalipse, porém, João observa, sem qualquer indicação prévia, que o Cordeiro está em pé no Monte Sião enquanto a batalha entre as forças de Satanás e os seguidores do Cordeiro continua com toda fúria. Em suma, o Cordeiro permanece em pé ali o tempo todo. Outros estudiosos vêem o local do Monte Sião no céu, onde os 144.000 residem como os redimidos da terra (v. 3). Esta é a Jerusalém lá de cima, pois ali a Igreja dos primogênitos se agrega em jubilosa assembléia (Hb 12.22-24). Ali Deus habita com seu povo na Jerusalém celestial (G14.26).2 1. John F. Walvoord, The Revelation o f Jesus Christ (Chicago: M oody, 1966), p. 214; Robert L. Thomas, R evelation 8 -2 2 : An Exegetical Com m entary (Chicago: M oody, 1995), p. 191; Robert W. Wall, R evelation, NIBCNT (Peabody, Mass.: Hendrickson, 1991), p. 179. 2. Robert H. Mounce, The Book o f Revelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), pp. 264, 265; Martin Kiddle, The R evelation o f St. John (reimp. em Londres: Hodder e Stoughton, 1943), pp. 2 6 2 ,2 6 3 ; John R M. Sw eet, Revelation, WPC (Filadél fia: Westminster, 1979), p. 221.
A p o c a l ips e 14.1-5
508
Uma terceira explicação é que, neste livro de contrastes e simbo lismo, João põe o Cordeiro no Monte Sião em contraste com o cordeiro que emerge da terra (13.11). Enquanto o Anticristo parece governar como comandante supremo no mundo e obriga as incontáveis multi dões cultuá-lo, o Cordeiro está em pé no Monte Sião. Ele não está vindo subitamente em socorro de seu povo, mas está ali o tempo todo como o Rei dos reis, o Comandante Supremo, o Governante último no céu e na terra (Mt 28.18). Assim Moisés disse aos israelitas: “Reco nheçam isso hoje, e ponham no coração que o S enhor é Deus em cima nos céus e embaixo na terra” (Dt 4.39). Quando os santos na terra são perseguidos por forças anticristãs e são informados de que a besta é o supremo governante na terra, não devem cair em desespero. Quando abrem seus olhos espirituais, contemplam o Cordeiro em pé sobre o Monte Sião, o que lhes garante que estão seguros e protegidos. Os dias do Anticristo estão contados, porque ele está caminhando para a derro ta. Então, qual é o significado de Monte Siãol Juntamente com o ter mo Cordeiro, ele deve ser entendido simbolicamente. Isso se torna evi dente quando examinamos o Salmo 2, no qual as nações, os povos, os reis e os governantes tramam contra o Ungido de Deus, o Cristo. Que rem livrar-se de todas as leis e normas que Deus lhes promulgou, po rém Deus se ri deles e declara que já instalou seu Filho no santo monte de Sião. O Filho governa as nações com um cetro de ferro e as faz em pedaços, como faz o oleiro (SI 2.1-9). O governo do Anticristo chegará ao fim, porque o Filho de Deus está em pé no Monte Sião. O Rei deste mundo não é o cordeiro que emerge da terra, mas o Cordeiro de Deus. Como neste Salmo, assim no Apocalipse a intenção da expressão Monte Sião é simbólica.3É o luga/de habitação de Deus como um símbolo de segurança e estabilidade para seu povo. b. “E com ele 144.000, tendo seu nome e o nome de seu Pai escri tos em suas frontes.” Esta é a segunda vez que o número 144.000 aparece no Apocalipse (ver 7.4). Em ambos os lugares, omite-se o 3. Referência a Herman Hoeksema, Behold, H e Cometh! An Exposition o f the B ook o f R evelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing Association, 1969), p. 483; G. B. Caird, A Com m entary on the R evelation o f St. John the D ivine (Londres: Black, 1966), p. 178; Alan F. Johnson, R evelation, em The E xpositor's B ible Com m entary, org. Frank E. G aebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.538.
509
A p o c a l ip s e 14.1-5
artigo definido (mas não em 14.3). Os dois grupos são idênticos: são os santos que receberam o selo e o nome do Cordeiro e do Pai. O selo, certificando genuinidade e possessão, significa que todos os santos per tencem a Deus.4 Os incrédulos, com o nome e o número da besta, pertencem ao Anticristo (13.16). Mas o povo de Deus, com os nomes divinos do Cor deiro e do Pai em suas frontes, estão habitando entre os seguidores da besta nesta terra. Juntamente com o Cordeiro, são representantes de Deus. Seu número total indica que nenhum se perderá de todas as pessoas que o Pai deu ao Filho (Jo 10.29). Equivale a dizer que o Anticristo é incapaz de transviar os 144.000, pois seus nomes estão inscritos na palma da mão divina (Is 49.16). Seu número como tal re presenta a incalculável multidão dos santos que estão na presença do Cordeiro (ver comentário sobre 7.4, 9). Os seguidores do Anticristo são marcados com o número 666, mas o número total de crentes é 144.000. Esses 144.000 são redimidos no céu ou na terra? São um grupo seleto? A resposta à primeira pergunta é que o Cordeiro está sempre com os santos, quer estejam na terra ou no céu. A segunda resposta é que nem o versículo 1 nem o versículo 3 (“os que foram redimidos da terra”) se refere a um grupo especial de santos. Estão todos incluídos no número total do povo redimido de Deus.5
2. E ouvi um som vindo do céu, como o som de muitas águas e como o som de forte trovão, e o som que ouvi era como o de harpistas tangendo suas harpas. Primeiramente, João vê o Cordeiro e os 144.000 no Monte Sião, e então ouviu um som procedente do céu. Seus olhos se fixam em um lugar representativo na terra, enquanto seus ouvidos são sintonizados com um som celestial. Ele evita identificar o porta-voz, o que é comum no Apocalipse (ver v. 13; 10.4, 8; 18.4). Ele descreve as características do som, fazendo comparações extraídas da natureza. Compara o som com o de muitas águas, que se assemelha à voz de Jesus falando a João 4. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 110; Gregory K. Beale, The Book o f R evelation: A C om m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapíds: Eerdmans, 1998), pp. 734, 735. 5. Isbon T. Beckw ith, The A pocalypse ofJohn (1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 648.
A p o c a l ip s e 14.1-5
510
na ilha de Patmos: “sua voz era como o som de muitas águas” (1.15; 19.6; Ez 43.2). É também como o som de forte trovão, o que indica que o porta-voz conclama todos a prestarem atenção (ver 6.1). Além dos trovejantes ruídos ouvidos na natureza, o som é como a música suave procedente de harpistas celestiais tangendo suas harpas (5.8; e ver 15.2). João ouve a música celestial penetrando seus ouvidos, primeiro trovejante e então suave e aprazível. É comparável a uma or questra e a um coral que cresce ou decresce seu volume ao sabor do comando do regente. O som é grande e gentil, suave e amável. João é privilegiado em ouvir essa música celestial enquanto ainda está na terra.
3. E entoavam um novo cântico diante do trono e diante das vinte e quatro criaturas viventes e dos anciãos, e ninguém era capaz de aprender o cântico, exceto os 144.000, aqueles que foram redimidos da terra. a. “E entoavam um novo cântico diante do trono e diante das vinte e quatro criaturas e dos anciãos.” Note o lugar especial que aos músi cos e cantores se permitem ocupar: estão de frente para o trono, na presença pessoal de Deus e em pé diante das quatro criaturas viventes e dos vinte e quatro anciãos que rodeiam o trono (4.4,6). A identidade dos cantores não é revelada (comparar 11.15; 12.10). Suas vozes en toam um novo cântico que emana de corações saturados de gratidão e amor por Deus.6Não nos são fornecidas as palavras do cântico que entoam. Presumimos, porém, que glorificam aquele que está sentado no trono e estendem sua gratidão ao Cordeiro pela redenção que con sumou na terra. b. “E ninguém era capaz de aprender o cântico, exceto os 144.000.” Se o pusermos em termos positivos, o propósito desta frase é incluir todos os santos, pois eles são capazes de entoar este novo cântico; nenhum dos santos no céu e na terra é excluído da participação do coral. Não obstante, nenhum incrédulo é capaz de aprender sequer um cântico de louvor a Deus. Os santos no céu entoam constantemente seus louvores a Deus. Da mesma forma, todo o povo de Deus na terra entoa seus louvores em adoração, especialmente no Dia do Senhor. Por certo, a linha divisória entre o céu e a terra continua existindo até o último dia, no entanto o propósito dos louvores de gratidão é semelhante. 6. Salmo 33.3; 40.3; 96.1; 98.1; 144.9; 149.1; Isaías 42.10; Apocalipse 5.9.
5 11
A p o c a l ip s e 14.1-5
O cântico perfeito dos santos no céu ecoa aos santos na terra e os fortalece na batalha contra as forças anticristãs. Qual é o significado do número 144.000? Este número é a soma de doze vezes doze vezes mil. No Apocalipse, o número doze só se refere a Deus, a seu povo e a suas obras (por exemplo, doze tribos, doze estrelas, doze apóstolos, doze portões e doze fundamentos). Doze, sim bolizando perfeição, é elevado à segunda potência em 144 e em segui da multiplicado por mil. Mil são dez vezes dez vezes dez, que está para uma multidão. Assim, o número 144.000, simbolicamente, significa per feição vezes perfeição vezes uma multidão. Este número constitui a totalidade do povo de Deus, o verdadeiro Israel de Deus.7 c. “Aqueles que foram redimidos da terra.” O significado literal do verbo nesta sentença é “foram comprados”. O verbo comprar ocorre seis vezes no Apocalipse, mas metade dessas ocorrências têm uma conotação religiosa de Cristo redimindo os santos (vs. 3, 4; 5.9). A preposição de significa separação, e neste versículo pode indicar a par tida dos santos desta terra para juntar-se aos outros no céu. Podemos corroborar esta interpretação evocando 5.9: “Compraste [homens e mulheres] para Deus de toda tribo, língua, povo e nação.” Mas tal ex plicação necessita de evidência adicional para torná-la completa. Primeiro, os versículos 1-5, neste capítulo, são contrastados com o contexto anterior (13.11-18), no qual a terra é o domínio do cordeiro que se opõe ao Pai e ao Cordeiro. Segundo, a frase redimidos da terra tem seu paralelo em “redimidos dentre a humanidade” (v. 4), de modo que os termos terra e humani dade são sinônimos. O Apocalipse usa a expressão humanidade com freqüência para aquelas pessoas opostas à pessoa e obra do Senhor.8 Terceiro, os redimidos sobre esta terra são obrigados a seguir Je sus, que os comprou, e dispõe-se a abandonar tudo em prol de uma vida de irrestrito serviço dedicado ao Senhor (Mc 10.28-31).
4. Esses são os que não se contaminaram com mulheres, pois são puros. São aqueles que estão seguindo ao Cordeiro por 7. James L. R esseguie, Revelation Unsealed: A N arrative C ritical A pproach to J o h n ’s A pocalypse, BIS 32 (Leiden: Brill, 1998), p. 66; comparar Jürgen Roloff, The Revelation o f John, trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 170. 8. A pocalipse 3.10; 6.10; 8.13; 11.10; 13.8, 12, 14; 14.6; 17.2, 8. Consultar D avid E. A une, R evelation 6 -1 6 , W BC 52B (Nashville: N elson, 1998), p. 810.
A p o c a l ip s e 14.1-5
512
onde quer que ele vá. São os redimidos dentre a humanidade as primícias para Deus e para o Cordeiro. 5. E em sua boca não se encontrou mentira, pois são inculpáveis. João apresenta uma quádrupla identificação dos redimidos da terra: • • • •
são puros são seguidores do Cordeiro são primícias são inculpáveis9
a. “Esses são os que não se contaminaram com mulheres, pois são puros.” Consideremos, pois, primeiramente, o significado da frase “que não se contaminaram com mulheres”. A primeira vista, parece haver aqui uma alusão ao celibato, e por isso alguns comentaristas escrevem que a expressão se refere “à continência da prática sexual”.10Não obstante, esse ponto de vista é contrário ao ensino bíblico do matrimônio que Deus instituiu no Paraíso: os seres humanos viveriam juntos como esposo e esposa (Gn 2.18-24). Na verdade, o Novo Testamento indica que o apóstolo Pedro levou consigo sua esposa em suas viagens missionárias (IC o 9.5). Outros estudiosos interpretam a sentença no sentido de que os 144.000 são guerreiros engajados nas batalhas do Senhor. Dizem que todos esses guerreiros são homens adultos que se abstêm de relação sexual em prol da pureza cerimonial enquanto se encontram em guerra com seu inimigo espiritual. Ainda que Bauckham modifique esta inter pretação denominando pureza ritual “uma metáfora para caracterizar a vida cristã”,1' notamos a restrição de um exército de guerreiros pura mente masculinos entregue a uma longa vida celibatária como algo 9. Referência a Elisabeth Schiissler Fiorenza, The B ook o f R evelation: Justice an d Judgm ent (Filadélfia: Fortress, 1985), p. 871. Ela acha uma “com posição e estrutura claramente marcante” em 14.1-5, isto é, visão (v. 1), audição (vs. 2, 3) e explanação (vs. 4, 5). 10. Entre outros, ver Adela Yarbro Collins, “The A pocalypse [Revelation]”, NJBC, p. 1.010; e seu A pocalypse, N ew Testament M essage 22 (Wilmington: Glazier, 1979), pp. 99, 100. Consultar também D. C. Olson, “ ‘Those W ho Have N ot D efiled T hem selves with W om en’: Revelation 14.4 and the B ook o f Enoch”, CBQ 59 (1997): 492-510. 11. Richard Bauckham, The Clím ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 231; Caird, R evelation, p. 179; G. R. Beasley-M urray, The Book o f R evelation, NC B (Lon dres: Oliphants, 1974), p. 223.
513
A po c a l ips e 14.1-5
desnaturai. Primeiro, exclui do exército de Deus todas as mulheres fiéis que corajosamente enfrentam suas batalhas contra o maligno. Segun do, o ensino de que as relações conjugais são pecaminosas e contagio sas é contrário à Escritura (ver Hb 13.4). Terceiro, o verbo contami nar (grego molynein) ocorre três vezes no Novo Testamento e em cada caso é usado figuradamente (IC o 8.7; Ap 3.4; 14.4). O contexto dessas passagens indica que o verbo contaminar significa não cair em infidelidade para com o Senhor.12E, quarto, quatro mulheres são cata logadas no Livro do Apocalipse (Jezabel [2.20]; a mulher que deu à luz um menino [12.1, 2,4-6]; a grande prostituta [17.1-6,15-18]; e a noiva do Cordeiro [19.7], dentre as quais somente a primeira e a terceira arrastam pessoas à impureza espiritual. A interpretação figurada desta sentença se adequa ao padrão sim bólico do Apocalipse, a saber, o povo de Deus constitui a noiva do Se nhor (19.7; 21.2,9; 22.17). Paulo diz aos coríntios: “Eu os prometi a um único esposo, Cristo, querendo apresentá-los a ele como uma virgem pura” (2Co 11.2). Isso significa que ambos, homens e mulheres, estão inclusos na categoria de virgens puras; ambos devem guardar-se de ser enganados e induzidos pela besta a cultuar a imagem do Anticristo. Por tanto, a pureza da dedicação espiritual ao Senhor é a primeira na lista de quatro características supramencionadas que descrevem os 144.000. b. “São aqueles que estão seguindo o Cordeiro por onde quer que ele vá.” Esta é a segunda característica para alguém ser parte da gran de multidão de santos. Jesus disse a seus discípulos que “quem não tomar sua cruz e me seguir não é digno de mim” (Mt 10.38). E disse que, na qualidade de Pastor, ele vai adiante de seu povo: “minhas ove lhas me seguem porque conhecem minha voz” (Jo 10.4). Note, em primeiro lugar, que ele espera que seu povo ande em seus passos e não se extravie (IPe 2.21). Segundo, que os santos o tenham como seu líder e guia enquanto peregrinam pelas veredas da terra e se desvenci lham dos ataques do diabo. Com o tempo presente dos verbos seguir e ir, João realça a atividade progressiva do Senhor e seus seguidores na terra. Além disso, este versículo mostra que os 144.000 estão presente mente seguindo o Senhor em obediência a ele. 12. Referência a J. I. Packer, NIDNTT, 1.448,449. Consultar também J. Ramsey Michaels, Interpreting the Book o f Revelation (Grand Rapids: Baker, 1992), pp. 137,138; Gerhard A. Krodel, R evelation, A C NT (M inneapolis: Augsburg, 1989), pp. 262-64.
A p o c a l ip s e 14.1-5
514
c. “São os redimidos dentre a humanidade - as primícias para Deus e para o Cordeiro.” Esta é a terceira característica. Ao derramar seu sangue na cruz do Calvário, Jesus pagou a dívida para libertar seu povo da maldição do pecado e da culpa. Ora, se Cristo morreu para redimir seu povo, qual é o significado da expressão prim ícias? Há duas expli cações. Primeiro, quando os israelitas colhiam as primeiras espigas do grão e as consagravam ao Senhor, esperavam que se seguisse o resto da colheita. Assim Paulo escreve que os membros da casa de Estéfanes eram as primícias da Acaia (IC o 16.15), significando que ele esperava que o resto da ceifa viria em futuro próximo. A segunda interpretação aplica o termo primícias a toda a entidade, à totalidade dos 144.000 plenamente oferecidos em ações de graças a Deus e ao Cordeiro. A expressão pode aplicar-se “à totalidade do povo de Deus como uma oferta separada para Deus sem pensar em nada mais” .'3Dessa for ma a soma total pertence a Deus. d. “E em sua boca não se achou mentira, porque são inculpáveis.” Esta é a última das quatro características. Em um mundo anticristão, saturado de mentiras e fraude, os cristãos se sobressaem como emble mas da verdade, honestidade e integridade. Devemos volver-nos à pri meira sentença para uma afirmação com alguma adaptação, e lermos: “e a verdade flui de sua boca.” Davi descreve as pessoas a quem se permite viver no santuário de Deus e em seu santo monte como sendo os “que vivem sem culpa e fazem o que é certo, que falam a verdade com corações sinceros” (SI 15.2 n l t ). A primeira sentença é extraída dos escritos de Isaías e Sofonias. O primeiro escritor descreve o Servo Sofredor sem engano em sua boca (Is 53.9), e a segunda diz: “O remanescente de Israel não come terá injustiça; eles não mentirão, nem se achará engano em sua boca” (Sf 3.13). Espera-se que os seguidores de Jesus, aos quais o profeta denomina o remanescente de Israel, falem a verdade como seu Senhor (IP e 2.22). E a segunda sentença, “são inculpáveis”, é um eco da norma levítica de oferecer a Deus animais destituídos de todo e qualquer defeito (ver, entre outras passagens, Lv 1.3; 3.1, 6). Jesus apresenta a si mesmo “uma Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas 13. Beale, Revelation, p. 744 (itálicos dele); Bauer (p. 81) escreve que “a ênfase é menos na seqüência cronológica do que na qualidade”.
515
A po c a l ips e 14.1-5
santa e inculpável” (Ef 5.27; ver também Cl 1.22). Esses são os santos que pertencem aos 144.000. Concluindo, as quatro características descrevem a grande multidão de santos que estão com o Cordeiro no Monte Sião simbólico (SI 2.6). Como as forças do Anticristo atacam a Igreja na terra, ela demonstra pureza, obediência, unidade e veracidade. Com esses traços, os santos são capazes de vencer o maligno.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 14.1-4 Versículo 1 e íõ o v K a l lô o ú - estes dois verbos não só caracterizam a atividade de ver, mas também enfatizam a imensidão da própria visão. iò àpvLov - o artigo definido, referindo-se ao Cordeiro, é apoiado por manuscritos importantes e seu esmagador uso com o substantivo (27 vezes) no Apocalipse - exceção de 5.6.0 Texto Principal inclui o artigo definido, mas é excluído em duas versões (K JV , N K JV ).
Versículo 2 ibç (segunda ocorrência) - a presença ou ausência deste particípio é questionável, porque há igual apoio para inserção e omissão. O estilo do Apocalipse favorece a inclusão, especialmente quando o primeiro elemento na comparação está ausente (comparar 4.6; 6.6; 9.7; 19.1,6 [três vezes]).14 Versículos 3, 4 O texto grego usa o particípio perfeito passivo no versículo 3 (r | Y o p a o | j . é v o i , tem sido comprado) e o indicativo aoristo passivo no versículo 4 (TiyopáoGrioav, foram comprados) para descrever os seguidores do Cordeiro. As duas formas são semelhantes em significado, mas o perfeito considera a ação como realiza da no passado, mas com resultados contínuos.
E. As Q uatro M ensagens 14.6-13 O contraste encontrado nos capítulos 13 e 14, entre os seguidores da besta e os seguidores de Cristo, continua neste segmento. Um anjo proclama o evangelho eterno a todas as classes de pessoas, apelando a que temam a Deus e o cultuem como o Criador. Esta mensagem intro 14. Bruce M. Metzger, A Textual C om m entary on the G reek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 677.
A p o c a l ip s e 14.6-13
516
duz não a graça, mas o juízo. Dois anjos adicionais pronunciam juízo sobre Babilônia e sobre todos quantos adoram a besta, exibindo a mar ca de seu nome. Do lado oposto estão os santos que obedecem aos mandamentos de Deus e seguem fielmente a Jesus, os quais são exor tados à paciência. Recebem uma bênção do Senhor pois, enquanto des cansam na morte, seus feitos continuam testificando em seu favor. 1 0 Primeiro A.njo 14.6,7
.
E vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo o evange lho eterno para proclamar aos que residem na terra e a cada nação, tribo, língua e povo. João escreve que viu outro anjo voando no firmamento entre o céu e a terra. Primeiro, a palavra outro causa a pergunta se um anjo foi mencionado antes. A última referência a um anjo individual foi o séti mo na série de anjos tocando as trombetas (11.15). Agora ele introduz outro grupo de três anjos no qual, no grego, cada um por sua vez se refere a “outro anjo”.15O primeiro desses anjos está voando pelo meio do céu, tendo muito em comum com a águia de 8.13, como um porten to de juízo pendente. A posição do anjo, pelo meio do céu, leva à dedução de que sua mensagem deve ser ouvida por todos os rincões da terra. Esse anjo tem que proclamar o evangelho eterno aos moradores desta terra, isto é, a todas as divisões da raça humana, de “cada nação, tribo, língua e povo” (comparar Mt 24.14). O substantivo evangelho aparece somente aqui em todo o Apocalipse; é precedido pelo adjetivo eterno, e no grego está sem o artigo definido. O adjetivo aponta para a eternidade e permanência da-Palavra de Deus, o que o povo ignora como sendo em seu próprio detrimento. Estão contentes em viver nesta terra sem qualquer lembrança do juízo iminente de Deus. Jesus usou a ilustração do povo dos dias de Noé, os quais comiam, bebiam e se casavam até o dia em que Noé entrou na arca e veio o dilúvio e os varreu (Mt 24.38, 39). Comer, beber e casar-se são atividades huma nas normais, porém aquelas pessoas as concretizavam sem qualquer preocupação com a Palavra e a vontade de Deus. 6
15. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. John 's Revelation (Columbus: Wartburg, 1943), p. 427.
517
A p o c a l i p s e 14.6-13
O anjo proclama o evangelho, não necessariamente como boasnovas, mas como um memorial da verdade permanente de Deus; o anjo conclama homens e mulheres a responder à mensagem de Deus antes que venha o juízo. A expressão “cada nação, tribo, língua e povo” ocor re reiteradamente no Apocalipse e alude aos moradores impenitentes desta terra, os quais são hostis a Deus (comparar 11.9; 13.7; 17.15), aos santos que adoram o Senhor (ver 5.9; 7.9) e a pessoas em todos os lugares que estão sendo chamadas ao arrependimento (10.11). Aqui o anjo dirige uma mensagem de arrependimento a todos os pecadores que têm vivido indiferentes em relação a Deus e à sua Palavra, como é evidente à luz da mensagem do anjo.
7. E ele disse em alta voz: “Temam a Deus e dêem-lhe gló ria, porque a hora de seu juízo já chegou. E adorem àquele que fez o céu e a terra e o mar e as fontes de água.” O anjo fala audivelmente (ver 18.2), de modo que todos os habitan tes da terra podem ouvir e responder à mensagem. Cada um que ouve reage, positiva ou negativamente; ardente ou apaticamente; obediente ou desafiadoramente. Não há meio termo (Mt 12.30). Aqui está um mandamento para que se tema a Deus e lhe dê glória e o cultue, o que, com base no texto grego, pode ser interpreta do como “comecem a temer, a dar glória e a cultuar a Deus”.16Se esta interpretação é correta, então o anjo está se dirigindo às pessoas que ainda não prestaram atenção ao apelo de Deus para que todos o reverenciem, glorifiquem e adorem (15.4). Não lhe dedicaram ne nhum respeito, foram insensíveis à sua palavra e testemunho, e não o honravam. A ordem para que se tema a Deus apela à humanidade para que o reverencie e o louve (Ec 12.13). A ordem de dar-lhe glória é uma expressão hebraica que aparece em ambos os Testa mentos: Josué ordenou a Acã que desse glória ao S e n h o r (Js 7.19; ver Jr 13.16), e os fariseus ordenaram que o cego de nascença desse glória a Deus (Jo 9.24). A frase significa a confissão da verdade por pecadores que comparecem diante do tribunal divino para juízo. Aliás, as duas ordens para que se tema a Deus e que se lhe dê glória são 16. Ver Richard A. Young, Intermediate New Testament Greek: A Linguistic and Exegetical A pproach (Nashville: Broadman, 1994), p. 143; S. Greijdanus, D e O penbaring des Heeren aan Johannes, KNT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 295.
A p o c a l ip s e 14.6-13
518
parte da fraseologia joanina no Apocalipse (15.4; 19.5 e 16.9; 19.7, respectivam ente).17 A razão para essas ordens consiste no fato de que a hora do juízo divino chegou. O tempo cronológico está se esvaindo para a raça hu mana, pois o fim está próximo com o Dia do Juízo à mão. Aliás, o anjo anuncia que a hora do juízo chegou. João já fez referência a esse fato ao escrever que, quando os adversários de Deus viram sua intervenção em favor de suas duas testemunhas, ficaram terrificados e deram gló ria ao Deus do céu (ver comentário sobre 11.13). Agora ouvimos o anúncio verbalizado pelo anjo, mas não somos informados sobre seu efeito. A referência ao tempo do juízo é um tema repetitivo no Apocalipse: juízo iminente contra os pecadores (6.16); julgando os mortos (11.18); o juízo chegou (14.15, 16); o grande dia da ira de Deus (16.17-21); o cavaleiro vindo para julgar (19.11 -21); e o juízo final (20.11-15). O povo é ordenado a adorar a Deus, o Criador do céu, da terra, do mar e das fontes de água. Referências a Deus o Criador são raras no Apocalipse (4.11; 10.6; 14.7), porém abundantes no Antigo Testamen to, e a mensagem do anjo ecoa fraseologia emprestada do Antigo Tes tamento (por exemplo, Gn 1.1; 14.19, 22; 2Cr 2.12).l80 ponto da or dem do anjo visa mostrar a imensa diferença entre adorar a Deus como Criador do universo e adorar a besta como serva de Satanás (13.4, 8, 12, 15). A comparação é ridícula porque, enquanto Deus é o Criador, Satanás é o destruidor. 2. O Segundo A njo 14.8
8. E um segundo anjo o seguiu e disse: Caiu, caiu Babilônia, a Grande, a qual fez todas as nações beberem do turbulento vi nho de sua fornicação. 17. R. H. Charles, A C ritical an d Exegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 2.3, 13; D avid A. de S ilva, “A Sociorhetorical Interpretation o f Revelation 14.6-13: A Call to Act Justly toward the Just and Judging G od”, BBR 9 (1999): 65-117, especialm ente 88, 89. 18. Consultar W .Altink, “ 1 Chronicles 16.8.36 as Literary Source for Revelation 14.6, 7 ”, AU SS 22 (1984): 187-96; também seu “T heological M otives for the U se o f 1 Chronicles 16.8-36 as Background for Revelation 14.6-7”, AU SS 24 (1986): 211-21. B eale faz referência ao texto da l x x de Daniel 4.17, 30, 34, 37 para a fonte de vocabu lário de João (R evelation , pp. 751, 752).
519
A po c a l ip s e 14.6-13
O segundo anjo segue o primeiro, que está no meio do céu e pro nuncia uma palavra contra Babilônia, a destruidora de Jerusalém e do templo em 586 a.C. A questão é como tal pronunciamento se relaciona com as palavras do primeiro anjo. A resposta está na recusa do povo de arrepender-se e dar a Deus a glória que lhe é devida. A queda dos incrédulos é inevitável quando se recusam a arrepender-se, porque en tão o juízo passa a ser sua retribuição. O brado “caiu, caiu a Babilônia, a Grande” é extraído de Isaías 21.9 e Daniel 4.30, os quais mencionam sucessivamente a queda e a gran deza de Babilônia (ver Ap 18.2). Na escrita moderna expressamos a ênfase pelo uso de itálico ou o uso do ponto de exclamação. Esses caracteres eram desconhecidos no mundo antigo, quando os escritores realizavam o mesmo propósito repetindo a palavra que carecia de ênfa se, daí o repetitivo uso de “caiu” . A cidade de Babilônia caiu pelas mãos dos assírios em 689 a.C. e, 150 anos mais tarde, pelas mãos dos persas, em 539. Qual é o significado de Babilônia? João escreve o nome seis ve zes, aqui e em 16.19; 17.5; 18.2, 10, 21. Há pelo menos três interpreta ções para este nome: • Babilônia literal, porque o nome do Rio Eufrates aparece tam bém (9.14; 16.12); • um nome em código para Roma, o qual Pedro evidentemente usou (IPe 5.13; ver também 2 Baruque 11.1; Sibylline Oracles 5.143,159,434); • uma referência à convergência do mal em lugares particulares ao longo da História. Ainda que se possam apresentar razões para as três explicações, a última interpretação merece atenção, em primeiro lugar, à luz do con traste do bem e do mal no Apocalipse, especialmente nos capítulos 13 e 14. E, em segundo lugar, limitando a referência a Babilônia e Roma como as representantes mais típicas de depravação nos dias de João, põem-se restrições à mensagem do Apocalipse. Este livro se dirige à Igreja universal desde o primeiro século até a consumação, com espe rança e encorajamento para todos os crentes que vivem em um mundo que é hostil a Deus e a seu povo. Mounce chama Babilônia “um símbo lo do espírito de impiedade que em cada era induz o povo a não adorar
A p o c a l ip s e 14.6-13
520
o Criador”.19Babilônia é inimiga de Deus e, como um poder mundial, oprime os santos. Daí o nome simbolizar o governo do Anticristo que dura até o término do tempo cósmico. João está tão certo de sua queda que, contemplando o futuro, ele escreve o pretérito: “Caiu, caiu Babilônia, a Grande.” A segunda parte deste versículo, “a qual fez todas as nações bebe rem do turbulento vinho de sua fornicação”, é uma alusão a Jeremias 5.17: “Babilônia era um cálice de ouro na mão do Senhor; ela embriagou toda a terra. As nações beberam seu vinho, por isso enlouqueceram.” A fraseologia dessa segunda parte, que é a mesma em 18.3, causa perple xidade, visto que João parece misturar os conceitos de beber vinho e ira. Minha sugestão é que João fala simbolicamente e ajunta dois quadros em uma só frase; são os quadros de vinho e ira de Deus combinados na frase “o vinho turbulento”. Olhe de relance esses dois quadros. O vinho, quan do sorvido em quantidade, distorce a capacidade de uma pessoa para que não beba sóbria e racionalmente; e a fornicação aos olhos de Deus é perversidade e uma ofensa contra ele. Pondo os quadros em um contex to atual, as nações do mundo estão intoxicadas com sua rejeição de Deus e sua revelação, e se têm convertido ao poder dominante em todas as áreas da vida. O que tudo isso significa? Em primeiro lugar, aponta para a potente influência que o mal exerce sobre as nações do mundo, de modo que as pessoas são parte dele. E, em segundo lugar, aponta para a ira de Deus, na qual as pessoas incorrem quando se rebelam contra Deus. O segundo quadro é a conseqüência do primeiro, e por isso é o mais terrível. A ira de Deus inevitavelmente conduz ao Dia do Juízo, no qual seus inimigos serão eliminados e lançados em um lugar de tormento. 3. O Terceiro A n jo 14.9-12
9. E um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz: Se al guém adora a besta e sua imagem, e recebe a marca em sua 19. M ounce, R evelation, p. 271; ver também H oeksem a, Behold H e Cometh!, pp. 496, 497; Homer Hailey, Revelation: An lntroduction and Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 308; Philip Edgcum be H ughes, The B ook o f the R evelation : A C om m en tary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdm ans, 1990), p. 161; Greijdanus, Openbaring, p. 296; Lenski, Revelation, p. 432; Luther Poellot, Revelation: The L ast Book in the B ible (St. Louis: Concordia, 1962), pp. 187, 188.
521
A po c a l ips e 14.6-13
fronte ou em sua mão, 10. esse também beberá do vinho da ira de Deus, que tem sido derramado sem mistura no cálice de sua ira. E ele será atormentado pelo fogo e enxofre na presença dos santos anjos e do Cordeiro. a. “Se alguém adora a besta e sua imagem, e recebe a marca em sua fronte ou em sua mão.” Um terceiro anjo, voando pelo meio do céu, bradou em alta voz, como fez o primeiro anjo, de modo que todos em todo lugar da terra podiam ouvi-lo. Ele é o último do grupo de três a pronunciar uma advertência de condenação e destruição em andamen to. A ira de Deus está aguardando todos os que, em vez de adorá-lo, adoram a besta. O anjo se dirige a todos os que já prestaram culto à besta que está emergindo do mar da humanidade e que veneram a imagem que foi erigida em sua honra.20 As pessoas que portam a marca da besta em sua fronte e em sua mão podem livremente comprar e vender. Mas todos quantos se recusam a adorar a besta enfrentam pobreza e morte. Sem sua marca distintiva, são banidos do mercado (13.15, 17). b. “Ele também beberá do vinho da ira de Deus, que tem sido der ramado sem mistura no cálice de sua ira.” A adoração à besta e à sua imagem é uma violação direta do mandamento divino de não curvar-se e nem adorar outros deuses e imagens (Êx 20.3-6). As pessoas que desobedecem enfrentam a ira de Deus sem atenuação. João uma vez mais usa a imagem de sorver vinho, que é a continua ção de sorver o turbulento vinho da fornicação de Babilônia. O ato de beber vinho, no tempo futuro, indica que Deus entrega o cálice ao pró prio indivíduo, tendo muito a ver que o ato de Deus dar a Jesus o cálice de sofrimento no Jardim de Getsêmane (Mt 26.42; Jo 18.11). O indiví duo terá que beber o cálice da ira; o tempo futuro significa a inevitabi lidade do ato.21 Traduzi o texto grego como “a ira de Deus, que tem sido derramada sem mistura no cálice de sua ira”. As palavras sem mistura lembram a cena dos gregos diluindo seu vinho com água. Misturavam vinho e água em partes iguais em um vaso que era chamado krafêr, do quê temos o 20. A adoração àbesta é paralela com a adoração à sua imagem (ver 1 3 .4 ,8 ,1 2 ,1 5 ; 16.2; 19.20; 20.4) 21. Por exem plo, n j b , j b , k j v , r s v , n r s v , n e b , r e b .
A p o c a l ip s e 14.6-13
522
derivativo “cratera” .22A ira de Deus não foi diluída, mas derramada sem mistura no cálice entregue ao povo corrupto. Disse Deus a Jeremias: “Pegue de minha mão este cálice com o vinho de minha ira e faça com que bebam dele todas as nações a quem eu o envio” (25.15; ver tam bém Is 51.17,22; SI 75.8). c. “E será atormentado com fogo e enxofre na presença dos santos anjos e do Cordeiro.” A ira de Deus assume proporções assustadoras, visto que seus adversários não são meros objetos como tais; serão ator mentados íntima e externamente. Ao beberem do cálice da ira de Deus, ardem intimamente enquanto suas almas são afetadas dia e noite, e externamente enquanto experimentam o fogo ardente e o perene mal cheiro do enxofre. A Escritura descreve esse tormento em termos ter ríveis. E assustador cair nas mãos do Deus vivo (Hb 10.31). As palavras fogo e enxofre aparecem, antes de tudo, no relato da destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 19.24). Falando em termos figu rados, outros se deparam com uma sorte semelhante: os perversos (SI 11.6); a Assíria (Is 30.33); Edom (Is 34.9) e Gogue (Ez 38.22). Além deste texto, João descreve o lago de fogo e enxofre como sendo o lugar onde o diabo, a besta, o falso profeta e todos os ímpios estarão (19.20; 20.10; 21.8). Enquanto os santos estão na glória, os santos anjos e o Cordeiro aquiescem no fiel juízo que Deus pronuncia sobre seus inimi gos (ver 6.16, 17). Observam a administração da justiça perfeita de Deus. Henry Barclay Swete escreve: “Se os cristãos nas estacas ou nos anfiteatros sofreram à vista de uma multidão de companheiros seus, os que negam sua fé devem sofrer diante de uma mui augusta assem bléia, composta dos santos anjos e do Cordeiro.”23A expressão santos anjos ocorre somente aqui no Apocalipse.
11. E a fumaça de seu tormento sobe para todo o sempre, e não têm descanso nem de dia nem de noite os que adoram a besta e sua imagem, e todo aquele que recebe a marca de seu nome. O quadro de tormento tem embutida uma advertência dirigida aos incrédulos, os quais, em sua vida diária, rejeitam a revelação de Deus e de seu Cristo. João extraiu o vocabulário deste quadro da maldição que Deus pronunciou sobre Edom, no qual piche e enxofre serão combustí 22. Aune, R evelation 6 -1 6 , p. 833. 23. Henry Barclay Sw ete, C om m entary on R evelation (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 185.
523
A p o c a l ip s e 14.6-13
vel inapagável, dia e noite, enquanto sua fumaça sobe sem cessar (Is 34.9, 10).24Os arquiinimigos vivem perenemente em meio à fumaça desse fogo que os atormenta. Não há fim para seu tormento; são inca pazes de exterminá-lo com morte e aniquilação (4 Macabeus 13.15). É impossível escapar ao justo juízo de Deus, a não ser que alguém se arrependa e creia em Cristo durante sua vida terrena. O Apocalipse é um livro de contraste, do princípio ao fim. A fuma ça do tormento que Deus inflige aos antagonistas é o oposto da fuma ça do altar do incenso misturado com as orações dos santos, o qual sobe para Deus (8.4). A sentença “e não têm descanso nem de dia nem de noite” se refere aos ímpios que sofrem incessantemente, dia e noite, em agonizante tormento. Esta frase ocorre também no cenário do trono, mas ali ela se refere às quatro criaturas viventes; nunca ces sam de cantar: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus Todo-Poderoso, que era, que é e que há de vir” (4.8). Enquanto os ímpios sofrem, os querubins entoam louvores a Deus. O culto oferecido à besta conduz a um tormento interminável, porém o culto oferecido a Deus conduz à alegria eterna.25 A última parte deste versículo é extraída dos versículos no capítulo anterior (13.15, 16, 17). Ela aponta para aqueles que adoram a besta e sua imagem, e que portam a marca de seu nome. Tais pessoas perten cem à besta e adoram somente a ela. Têm se recusado a glorificar a Deus e, conseqüentemente, enfrentam-no como Juiz de toda a terra (19.2, 3). Os santos, em contrapartida, sofrem perseguição enquanto estão na terra, porém encontram seu Senhor e Salvador quando entram na Nova Jerusalém em glória.
12. Aqui está a perseverança dos santos, aqueles que estão guardando os mandamentos de Deus e a fé de Jesus. O texto é um sumário dos versículos anteriores, e ao mesmo tempo é uma elaboração da fraseologia de 13.10: “Aqui está a perseverança e 24. Consultar Jan Fekkes, Isaiah an d P rophetic Traditions in the B ook o f R evelation: Visionary A nteceden ts and Their D evelopm ent, JSNTSup 93 (Sheffield: JSOT, 1994), pp. 206-8; Robert A . Peterson, H ell on Trial: The C ase f o r E ternal Punishm ent (Phillispsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1995), pp. 196, 197. 25. O texto de 4 Esdras (2 Esdras) 7.36 reza: “O lugar de tormento virá a lume, e em confronto com ele está o lugar de repouso; a fornalha do inferno é exibida, e no lado oposto está a alegria do paraíso” (REB). Ver também I Enoque 48.9.
A p o c a l i p s e 14.6-13
524
a fé dos santos.” De modo semelhante, 13.18 declara: “Aqui está a sabedoria.” Enquanto João escreve acerca dos ímpios e do juízo perfei to de Deus, ele não esquece os santos. Ele tem uma palavra para eles também. No meio da luta árdua, por não adorarem a besta nem recebe rem sua marca, os santos devem empregar sabedoria celestial, con templando o fim e suportando pacientemente. Como é possível os cristãos continuarem vivendo em um mundo hostil e pagão? João responde que devem continuar guardando os mandamentos de Deus e a fé em Jesus. Os mandamentos divinos são sumariados no Decálogo e plenamente revelados nas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos. Como o mundo cada vez mais se esqui va dos mandamentos divinos e os considera obsoletos, os cristãos são estimulados a guardá-los. Sabem que em observá-los há grande re compensa (SI 19.1). A lei de Deus perdura ao longo das eras, não necessita de emendas, é relevante em todas as culturas e jam ais per derá seu vigor. A última frase deste versículo, a f é de Jesus, é traduzida assim: • fé em Jesus ( n a s b , n j b ). Esta é interpretada subjetivamente como a fé que uma pessoa tem em Jesus Cristo. • fé de Jesus ( k j v , n r s v ). Fé objetiva é a recitação de um credo cristão no culto ou a apresentação de uma defesa do evangelho. • fiéis a Jesus (N V l). Fé que demonstra lealdade dedicada é fé em ação. Ainda que haja um lugar para a fé subjetiva e a fé objetiva, endosso a segunda opção. Os crentes que põem em obras sua fé em Jesus provam sua constante fidelidade a ele.26 4. Uma 1f C e l e s t i a l 14.13
Esta passagem é lida e aplicada em funerais com o intuito de con fortar os que pranteiam a perda de um ente querido ou um amigo. As palavras apresentadas na forma de uma beatitude e endossada pelo testemunho do Espírito são preciosas ao povo de Deus. Comunicam 26. A une (R evelation 6 -1 6 , p. 837) denom ina de glosa a frase k a i tê n p i s t i n lê s o u (e fidelidade a Jesus), porém não há nos manuscritos nenhum indício para validar-se tal sugestão.
525
A p o c a l i p s e 14.6-13
uma mensagem de encorajamento e sustentam os cristãos sempre que se vêem diante da morte. Aliás, destinam-se a remover o temor da morte, porquanto Cristo, tendo triunfado sobre a morte e o túmulo, aben çoa seus seguidores que morrem nele. O mundo que é hostil a Deus e a seu povo está destinado a perecer; em contraste, os santos que morrem no Senhor estão tomando posse da eterna bem-aventurança. Os inimigos de Deus estão enfrentando ruína e, por fim, destruição (vv. 8-12), enquanto os santos entram no descan so eterno na presença de seu Senhor.
13. E ouvi uma voz vinda do céu, dizendo: Escreva: Bemaventurados são os mortos que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem de suas fadigas, porque suas obras os seguirão. João se om ite de identificar do orador, com o freqüentem ente su cede no A pocalipse.27 Aqui está um a voz que pronuncia a segunda beatitude do Apocalipse, dentre um a lista de sete (1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7,14). O Senhor, um anjo ou um orador anônim o pro nunciou essas beatitudes. A voz manda João escrever. Era a ordem que ele ouvira em oca siões anteriores, quando Cristo lhe ordenou a escrever e o Espírito pro nunciou uma promessa às igrejas (2.1,8,12,18; 3.1,7,14; ver também 1.11, 19; 19.9; 21.15). Esta beatitude é almejada pelos mortos, isto é, aqueles que morrem no Senhor. Em outros termos, a frase os mortos pode ser usada para descrever os incrédulos (20.5), mas o qualificativo morrem no Senhor esclarece seu significado. Os crentes cujos olhos estão fixos em Jesus, que é o autor e aperfeiçoador de sua fé (Hb 12.2), não temem a morte, enquanto os incrédulos se enchem de medo do juízo e condenação (Ap 6.15-17). Qual é a significação da frase desde agora? Deve ser interpre tada com a prim eira sentença, “bem-aventurados os mortos” , ou com a sentença inteira?28 Bem -aventurados são somente os santos que 27. Ver, por exem plo, Apocalipse 10.4, 8; 11.12; 12.10; 16.1; 18.4; 21.3. 28. Comparar Lenski, R evelalion, p. 441. 29. Pelo menos duas versões constroem as palavras desde agora ou seu equivalente com a última metade do versículo. “ ‘Doravante’, diz o Espírito, ‘eles podem descansar de seus labores’” (N EB) e “ ‘bem-aventurados’, diz o Espírito, ‘porque agora podem des cansar para sempre segundo suas obras” ’ ( n j b ). Esta palavra bem que pode ter sido
A p o c a l ip s e 14.6-13
526
sofrem uma morte de mártir, ou todos os crentes são bem-aventura dos? Quando começa o agora?29 Todos os santos que almejam morar na Jerusalém celestial, “cujo arquiteto e edificador é Deus”, recebem a ordem (Hb 11.10). Aqui João acrescenta a frase elucidativa “que morrem no Senhor” para especificar um relacionamento com Jesus. Esse relacionamento era um conforto para os cristãos perseguidos na Ásia Menor nos dias de João. Segundo, é um conforto para todos os crentes que sabem que Cristo os recebe nos portais celestiais. E essas palavras encorajam os cristãos que mesmo agora, ou no futuro, suportam o pleno impacto da perseguição, injustiça, insulto e calúnia por causa do nome de Cristo (Mt 5.11,12). Em suma, a voz celestial fala palavras tranqüilizantes não meramente aos que sofrem uma morte de mártir, mas a todo o povo de Deus. Todos quantos morrem na fé, olhando para Jesus, estão no perío-do de agora. O Espírito Santo afirma as palavras expressas pela voz celestial, pois ele assegura aos santos que descansarão de suas labutas terrenas que enfrentaram por amor ao Senhor. Deus não esquece suas obras, pois no céu ele os coroa com sua bênção de graça e glória (Ap 6.11; Hb 6.10). Os santos não perderão seu galardão (ICo 9.25; 2Tm 4.8). E assim, através do Espírito, Jesus diz aos santos perseguidos de Filadélfia que lhes dará um nome novo, isto é, o nome de Deus e o nome da nova Jerusalém, que desce do céu (Ap 3.12). E, por último, Jesus diz que em seu regresso ele galardoará a todos segundo o que cada um ou cada uma fez (22.12).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 14.6-13 Versículo 6
àXXov ãyyelov - é mais difícil explicar a presença do adjetivo do que sua ausência, e por isso é provável que seja esta a redação original. Sua omissão foi causada por falta de relevância óbvia, porque a referência precedente a um anjo individual parece recuar a 11.15.30 evayyéXiov...eiiuyyeXLaai - a falta do artigo definido, a qual é suprida pelos tradutores, mostra que o que é proclamado não são as boas-novas como tais, mas uma mensagem de arrependimento. O infinitivo aoristo corrobora o con ceito de proclamar uma mensagem, mas o infinitivo é por si só intransitivo. influenciada pela Vulgata, a qual faz a construção a parte do anúncio do Espírito. O fluxo da sentença, contudo, põe as palavras desde agora no final da primeira sentença completa. 30. Metzger, Textual Com m entary, p. 678.
527
A p o c a l ip s e 14.14-20
Versículo 7
kfywv - como o particípio exovtcc, este particípio presente é o objeto do verbo ver, e por isso deve estar no acusativo. Versículo 8 6trêoçv - a repetição visa à ênfase, enquanto o tempo aoristo denota a ocorrência recente de sua ação. Note a sucessão dos genitivos nos quais o genitivo governante, C cavou, precede o genitivo dependente.31 t o
Versículo 13 ol aLiro0vf|OKouieç - “os que estão morrendo.” O particípio presente ativo se refere a um ato singular que caracteriza toda pessoa. àir’ apTL - Blass e Debrunner sugerem a tradução “exatamente” ou “certa mente”.32 Iva àwxirmíaovTca - a frase'iva, com o subjuntivo aoristo, pode introduzir “a idéia de resultado concebido”, mas o contexto mostra que ela “tem um significado imperativo”.33
F. A Ira de D eus 14.14-20 João lança mão de uma abordagem cíclica ao seu tema por voltar reiteradamente ao juízo [divino]. Os próximos sete versículos não são exceção, pois a referência à seara é um símbolo do juízo vindouro. Isso é evidente à luz do corte e do ajuntamento dos cachos de uvas que são lançados no grande lagar da ira de Deus. A primeira parte deste capítulo revelou a sorte dos santos, cujo futuro espiritual é seguro (vs. 1-4). A segunda parte contém a mensa gem dos três anjos que mencionam a hora do juízo, quando os inimigos de Deus receberão o pleno vigor de sua ira (vs. 9-13), enquanto os santos entram em seu descanso. A última parte do capítulo (vs. 14-20) diz respeito à seara da terra e a colheita das uvas da ira de Deus; isto é, positivamente, a colheita dos santos; e, negativamente, a condenação 31. Friedrich Blass e Albert Debrunner, A G reek G ram m ar o f the N ew Testam ent and O ther E arly C hristian Literature, trad. e rev. Robert Funk (Chicago: University o f Chicago Press, 1961), § 168.2. 32. B lass e Debrunner, G reek G ram m ar, § 12.3. 33. Robert Hanna, A G ram m atical A id to the G reek N ew Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 452.
A p o c a l ip s e 14.14-20
528
dos incrédulos.34Esses quadros de ceifa simbolizam o juízo que é evi dente em ambos os Testamentos. “Lancem a foice, porque a seara está madura. Venham, pisem com força as uvas, pois o lagar está cheio e os tonéis transbordam, tão grande é a maldade dessas nações” (J1 3.13; comparar Is 63.1-6; Lm 1.15). De modo semelhante, na parábola das ervas daninhas, Jesus descreve o Dia do Juízo (Mt 13.29, 30, 37-43). Primeiro, os eleitos são colhidos, e depois os perversos: primeiro o trigo, e então as ervas daninhas. O paralelismo dos versículos 14-16 e 17-20 é surpreendente: há duas foices, dois indivíduos brandindo as foices, dois anjos saindo do templo, dois anjos bradando em alta voz, duas ordens para usar-se a foice, duas referências ao grão maduro e às uvas maduras e duas sea ras. Note também que a palavra foice ocorre exatamente sete vezes nos versículos 14-20 para ilustrar a completude do juízo divino.
14. E olhei e vi uma nuvem branca. E sobre a nuvem havia alguém assentado semelhante a um filho de homem. Em sua ca beça havia uma coroa de ouro e em sua mão uma foice afiada. a. “E olhei e vi uma nuvem branca. E sobre a nuvem havia alguém assentado semelhante a um filho de homem.” Esta é agora a terceira vez no capítulo 14 que João escreve as palavras “olhei” ou “vi” (vs. 1, 6), e em cada vez ele introduz um novo tópico, porém relacionado. São eles: os santos, as mensagens dos santos e o Senhor e o anjo, respecti vamente, manejando a foice. O escritor inicia este último segmento com uma referência à profe cia de Daniel 7.13: “Em minha visão noturna, olhei, e eis diante de mim um semelhante a filho de homem, vindo com as nuvens do céu” (com parar M t 24.30). João já havia feito alusão a esta m ensagem veterotestamentária quando predisse o regresso de Jesus “vindo com as nuvens” e o denominou de “um filho de homem” (1.7 e 13, res pectivamente). Aqui ele começa fazendo referência à nuvem branca, que é o único lugar na Escritura onde aparece a frase uma nuvem branca. A cor branca, neste caso, é símbolo de santidade e juízo,35e essas nuvens são o exato oposto de trevas pressagiando as nuvens que 34. Bauckham, Clim ax o fP ro p h ecy, p. 296. Ver também seu Theology o fth e B ook o f R evelation, N ew Testament Theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), pp. 96-98. 35. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 155.
529
A p o c a l ip s e 14.14-20
intentam ocultar a glória de Deus (Êx 19.9; lR s 8.12). Aqui, contem plado plenamente sobre uma única nuvem, assenta-se uma pessoa se melhante a um filho de homem. Os evangelistas registram as palavras de Jesus ditas a Caifás: “No futuro, você verá o Filho do Homem as sentado à destra do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mt 26.64, ênfase acrescida; ver também Mc 14.62). O termo filho do homem, no vocabulário de João, inequivocamente se refere ao Senhor Jesus Cristo em sua Segunda Vinda (ver Ap 1.7, onde aparece a ex pressão idêntica). b. “Em sua cabeça havia uma coroa de ouro, e em sua mão uma foice afiada.” Em adição ao título dado por Daniel, filho do homem, João descreve a vinda do Messias em termos de realeza. Jesus usa uma coroa de ouro em sua cabeça para mostrar que ele é o conquista dor vitorioso (comparar 6.2; 2Sm 12.30; lC r 20.2). Ele usa a coroa real como símbolo de vitória; também usam coroas de ouro os vinte e quatro anciãos que cercam o trono (4.4). E Jesus empunha uma foice afiada como símbolo da seara. Ela foi bem afiada para ser um instrumento preparado na mão do ceifeiro a fim de executar sem oposição e sem delonga a tarefa de colher a seara.
15. E outro anjo saiu do templo bradando em alta voz ao que estava sentado na nuvem: Lance sua foice e colhe, porque a hora de ceifar já chegou, pois a seara da terra está madura. 16. E ao que estava sentado na nuvem passou sua foice na terra e a terra foi ceifada. João, ao escrever o termo outro, não quer dizer que o “filho do homem” seja angélico. Em parte alguma do Apocalipse João afirma que Jesus é um anjo. Aliás, o escritor de Hebreus claramente mostra que o Filho herdou um nome que é supremamente superior ao dos anjos (1.4). A expressão, pois, deve ser vista na seqüência dos anjos previa mente mencionados nos versículos 6, 8 e 9; este anjo é o quarto, com mais dois por aparecer. Alguns comentaristas encontram dificuldade com a idéia de que um anjo com uma ordem divina diga ao Cristo exaltado que comece a ceifar. Não deveria Cristo, em quem “subsiste toda a plenitude da Deidade” (Cl 2.9), estar ciente de tudo? Por que um anjo exerce a função de intermediário entre o Pai e o Filho? Por isso é que Leon M orris inquire “por que o anjo está mais perto de Deus do que o
A p o c a l i p s e 14.14-20
530
Cristo glorioso?”36No discurso sobre as últimas coisas, Jesus afirmou a seus discípulos que além do Pai ninguém, nem o Filho nem os anjos, conhece o dia ou a hora do fim (Mt 24.36; Mc 13.32; At 1.7). Aliás, o que Jesus ensinou enquanto estava na terra, João agora ensina de uma maneira apocalipticamente simbólica.37Do Pai para o Filho o anjo co munica uma mensagem que o tempo de ceifar chegou. O anjo surge vindo do templo, da própria presença de Deus. Da câmara do trono (7.15), o anjo é enviado com brados altissonantes, de modo que todos, de longe e de perto, ouvem-no dizer ao “filho do ho mem” que ceifa o grão maduro. Essa é a simbólica lavoura de trigo que é céifada no tempo certo, quando os talos e as espigas estão secos. Sem delonga, o grão é debulhado. Aqui, o tempo de ceifar se refere, figuradamente, ao Dia do Juízo (ver Jr 51.33; J1 3.13; Mt 13.30, 4042).38É o tempo de congregar os crentes no reino, pois a foice sai a ajuntar o povo de Deus (Mc 4.29; Jo 4.35-38). Ao “filho do homem” foi dada a autoridade de pôr a foice em ação, ainda que use seus anjos para assisti-lo (Mt 13.39; 24.31).
17. E outro anjo saiu do templo celestial, e tinha uma foi ce afiada. À primeira vista, este versículo parece repetitivo e supérfluo. Mas, com um pouco mais de reflexão, notamos um intrincado desígnio do Apocalipse com respeito aos últimos dois anjos dentre os seis mencio nados neste capítulo. • O quinto anjo, que sai do templo (v. 17), faz paralelo com o quar to anjo que sai do mesmo lugar (v. 15). • O quarto anjo comunica ao “filho do homem” que o tempo de ceifar chegou, para passar a foice (v. 15). O sexto anjo (v. 18) 36. Leon Morris, Revelation, ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity, Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 178; B eale (R evelation, p. 772) presume que o anjo poderia ter “autoridade sobre o Filho do homem , que por isso é subordinado ao anjo”, o que ele qualifica de subordinação funcional. Entretanto, é melhor reconhecer com George Eldon Ladd (Com m entary on the Revelation ofJohn [Grand Rapids: Eerdmans, 1972], p. 199) que “a relação entre Cristo e seus anjos é um mistério que não podem os resolver”. 37. LouisA . Vos, The Synoptic Traditions in the Apocalypse (Kampen: Kok, 1965), p. 150. 38. N a tradução, o texto hebraico de Zacarias 5.1 reza: “O lhei novamente - e havia diante de mim um rolo flutuante.” O texto da Septuaginta, porém - provavelm ente usado por João, com o é evidente no versículo seguinte - , difere: “E olhei e vi uma foice flutuante.” A s palavras hebraicas para rolo (m glh) e foice (m gl) são muito parecidas.
531
A p o c a l i p s e 14.14-20
instrui o quinto anjo (v. 17) a empunhar a foice afiada e a colher as uvas maduras. • O “filho do homem” ceifa os eleitos de Deus, enquanto o quinto anjo ceifa todos os que, ao longo de toda sua vida, se opuseram a Deus, a sua Palavra e a seu reino. • A expressão primícias (v. 4) se refere à colheita dos eleitos de Deus; separada deles está a colheita das uvas maduras (os de pravados) destinadas ao grande lagar da ira de Deus (v. 19). A segunda foice é usada não para a colheita de grão (o povo de Deus), mas para as uvas da ira de Deus (os inimigos de Deus). É interessante que o texto da Septuaginta de Joel 3.13 realce o plural, “foices”, implicando a seqüência de duas colheitas.39Esta passagem veterotestamentária é a tela de fundo do desígnio de João. Isso é óbvio no grego, pois o escritor do Apocalipse usa dois verbos diferentes para colher grão (therizein, v. 15) e amontoar uvas (trygan, v. 18). Além do mais, debulhar é aqui um ato único e não é seguido de joeirar. Colher as uvas, contudo, é seguido de pisá-las no lagar (v. 20). Aqui está a dife rença entre congregar o povo de Deus pra sua glória e colher seus inimigos para ira.
18. E outro anjo saiu do altar. Ele tinha poder sobre o fogo, e chamou em alta voz àquele que tem a foice afiada, dizendo: Lan ce sua foice afiada e ajunte os cachos da videira da terra, porque suas uvas estão maduras. Este é o sexto anjo mencionado em sucessão. Note, porém, que este anjo sai do altar, que é o altar do incenso e de oração já discutido em passagens anteriores (8.2, 3, 5; 9.13; 11.1; ver também 16.7). Aqui no altar as orações dos santos sobem a Deus (6.9, 10), o qual responde suas petições enviando um anjo que anuncia o juízo. Outro anjo com uma foice recebe a ordem de colher as uvas da ira de Deus. Aqui está o cumprimento da palavra de Jesus sobre o juízo: “Eu vim trazer fogo à terra, e como gostaria que já estivesse aceso” (Lc 12.49). Aqui o fogo descreve figuradamente a vinda do juízo (8.5; comparar 2Ts 1.7). 39. B eale, R evelation, p. 775; Aune, R evelation 6 -1 6 , pp. 799, 800. Bauckham (Clim ax o fP ro p h ecy, p. 290) ressalta que Joel usa a palavra hebraica q s y r para a ceifa de grão e então escreve acerca da colheita de uvas. Incidentemente, a palavra hebraica para a colheita de uvas é b sy r.
A p o c a l i p s e 14.14-20
532
Os rabinos ensinavam que cada anjo recebia uma tarefa específi ca; isto é, nenhum anjo podia ter uma dupla designação. Por exemplo, um anjo trouxe a mensagem de que Sara daria à luz um filho; outro anjo veio para salvar Ló da destruição iminente; e um terceiro anjo recebeu a tarefa de destruir Sodoma e Gomorra.40Então o sexto anjo tem duas tarefas? Não, ele recebeu poder sobre o fogo, retratando o juízo; e ele exerce esta autoridade ordenando ao quinto anjo: “Passe sua foice afia da e ajunte os cachos da vinha da terra, porque suas uvas já estão madu ras.” A ordem é enunciada em voz alta para que todos, no céu e na terra, possam ouvir a mensagem de juízo que começa tão logo o quinto anjo empunhe a foice. O juízo é o resultado da rejeição contínua e per sistente dos incrédulos, de Deus e de sua revelação, bem como da res posta divina às numerosas orações dirigidas a Deus por uma multidão de santos sofredores sobre a terra, e pelas almas debaixo do altar.41 O corte afiado da foice indica que a obra de ajuntar as uvas será realizada em tempo recorde. Essas uvas, contudo, não são colhidas para o consumo e desfruto humanos. Os cachos de uvas colhidos se destinam ao grande lagar da ira de Deus.
19. E o anjo passou sua foice na terra e ajuntou as uvas da terra, e as lançou no grande lagar da ira de Deus. O paralelo com o versículo 16, onde Jesus passa sua foice pela terra e ceifa a terra, é evidente. Aqui o quinto anjo lança sua foice pela terra e ceifa a terra. Um ajunta os feixes e, o outro, os cachos de uvas. O texto grego literalmente reza: “E o a n jo ... ajuntou a videira da terra.” A palavra videira representa a totalidade das uvas produzidas. João parece ter em mente Isaías 63.2, onde a palavra lagar é pos ta dentro do contexto de Deus pisando as uvas da ira (Lm 1.15). As uvas são as nações, isto é, os adversários de Deus (J1 3.13). Ele está sozinho pisando-as sob seus pés numa ocasião que Isaías chama o dia da vingança (63.4). É o dia do juízo, quando Deus desfere justo juízo sobre as nações e concede redenção a seu povo. Ele pisoteia as na ções em sua ira “e derramou seu sangue na terra” (63.6). Os inimigos de Deus e do Cordeiro são incapazes de esconder-se de sua ira. “Por que chegou o grande dia de sua ira, e quem poderá suportar?” (6.17; ver também 19.15). 40. SB, 3.815. Comparar também A une, Revelation 6 -1 6 , p. 846. 41. Referência a R oloff, Revelation, p. 178.
533
A p o c a l i p s e 14.14-20
20. E o lagar foi pisoteado fora da cidade, e o sangue que fluiu do lagar chegou aos freios dos cavalos à distância de mil e seiscentos estádios. a. “E o lagar foi pisoteado fora da cidade.” Em agosto e setembro, as uvas colhidas eram lançadas dentro do lagar, o qual era de forma quadrada ou redonda com uma profundidade de trinta a sessenta centí metros. A prensa inclinava-se de um lado para que o líquido fluísse através de uma abertura para um tanque menor. As uvas eram esmagadas pelos pés, o que era feito por várias pessoas. Em um quadro de juízo, Isaías escreveu que o Messias, pisoteando sozinho as uvas no lagar, pisou-as em sua ira enquanto seu sangue salpicava suas roupas (63.3).42E ainda que João escreva o verbo f o ram pisadas na voz passiva, com base no Antigo Testamento sabemos que o agente é Jesus Cristo. De modo semelhante, Jacó, em seu leito mortuário, abençoa a seus filhos e destaca Judá como o recipiente de uma profecia messiânica. Ele fala do Messias “lavando suas roupas em vinho, suas vestimentas no sangue das uvas” (Gn 49.11; e ver Dt 32.14). O suco de uva tinto de vermelho se assemelha a sangue. O ato de derramar sangue não podia se dar dentro dos muros da cidade (Mt 27.31; Mc 15.20; Lc 23.32; Jo 19.17; At 7.58; Hb 13.12). Alguns estudiosos identificam o lugar com Jerusalém, porque a santi dade desta cidade não podia ser violada. No Apocalipse, porém, o con ceito santa cidade se refere à santa morada que é separada da habita ção dos incrédulos (11.2, 8; 20.9; 21.27; 22.14, 15). A cidade é a pre sença do Senhor, onde os santos habitam em segurança e intocavelmente isentos da ira de Deus e do Cordeiro. “Fora da cidade significa fora da nova Jerusalém.”43 b. “E o sangue transbordou do lagar até aos freios dos cavalos por uma distância de mil e seiscentos estádios.” Esta é a primeira vez que aparece a palavra sangue no presente contexto. Ela aviva a intensida 42. Ver Barry L. Bandstra, “W ine Press; W inevat”, 1SBE, 4.1.072; Arnold C. Schultz, “W ine and Strong Drink”, ZPEB, 5.936-38. 43. Krodel, R evelation, p. 276; Poellot, R evelation, p. 197. À guisa de contraste, Kiddle (Revelation, p. 294) e Caird (Revelation, p. 193,194) asseveram que a cidade é Babilônia, a Grande, no entanto tal interpretação parece im provável devido a dificuldades exegéticas. Outros (M ounce, Thomas, Wall, Wal voord) sugerem a Jerusalém terrena, o que é difícil de se manter à luz da distância de mil e seiscentos estádios m encionados no final deste versículo.
A p o c a l i p s e 14.14-20
534
de do conflito entre Cristo e as forças anticristãs que enfrentam o juízo e o terrível castigo. João obviamente pinta um quadro fazendo uso das imagens simbólicas do suco de uva de um lagar representando sangue e cavalos com freios retratando guerra. Ele escreve um relato seme lhante dessa guerra em 19.11-21. Ali ele menciona o cavaleiro que pisa o lagar da fúria da ira do Deus Onipotente, cuja roupa é salpicada pelo sangue e cujo nome é o Verbo de Deus, Rei dos reis e Senhor dos senhores. Esse cavaleiro que monta um cavalo branco é o Juiz que julga com justiça e um general que engaja seus inimigos na guerra. O inimigo enfrenta aniquilação completa a um grau tal que o nível do sangue sobe à altura dos freios dos cavalos. A extensão desse rio de sangue é de 1600 estádios, isto é, cerca de 300 quilômetros. Alguns co mentaristas associam essa medida à terra de Israel de norte a sul. Outros entendem a figura no sentido de o quadrado de quarenta. Quarenta é o número tradicional que simboliza castigo (quarenta anos no deserto [Nm 14.33]; quarenta chibatadas para um malfeitor [Dt 25.3]).44Ainda outros tomam o número 1600 simbolicamente e o interpretam como o quadrado de quatro multiplicado pelo quadrado de dez; o número quatro represen ta a terra, e o número dez está para a plenitude no sistema decimal. Umas poucas observações. Primeiro, nesta parte do capítulo, cheia de simbolismo, é difícil sustentar que o número 1600 deva ser tomado literalmente.45Estão todos os adversários do Messias em um só local, isto é, na terra de Israel? Segundo, o número quarenta significa um número redondo que na Escritura especifica a extensão de uma geração, a idade casadoura de Isaque e Esaú, a extensão do reinado de Davi e Salomão, um intervalo de jejum e o período entre a ressurreição e ascensão de Jesus. Limitar esse número, pois, a um tempo de castigo parece restrito demais. Por fim, o reinado do Anticristo é mundial em seu escopo e não se limita a alguma parte específica do globo. O quadro que João esboça é o de conflito global que envolve todas as nações do mundo e conduz à sua destruição final. O juízo divino é universal.46 44. Beasley-M urray, Revelation, p. 230. 45. SB , 3.817; 1 Enoque 100.3; 4E sd ras (2 Esdras) 15.35; Thom as (R evelation 8 -2 2 , p. 224) expressa sua preferência por uma interpretação literal, porém admite que “esta é uma preferência que não suporta uma argumentação forte”. 46. Ver os com entários de R oloff (p. 178), Hendriksen (p. 187), Lenski (p. 452), P oellot (p. 19), Charles (2.26), Johnson (p. 544) e M ounce (p. 281).
535
A p o c a l ip s e 14.14-20
Palavras, Frases e Construções Gregas em 14.14-20 Versículo 14 João quebra as regras da gramática grega no versículo 14, pois a primeira ocorrência do substantivo deveria estar no acusativo como objeto do verbo ver, e o substantivo uióv deveria estar no dativo, por causa do adjetivo Ò|íoiov (ver Lc 6.48). João é consistente, pois a frase ojioiov ulòv àvBpeóirou ocorre também em 1.13. excov - este nominativo do particípio presente deveria estar no acusativo para modificar o substantivo anterior, ulòu. Ele é considerado como sendo um nominativo de aposição, cuja construção aparece também em outros lugares do Apocalipse (ver 10.2; 19.12). Versículo 15 Koà Gépioov - a conjunção precedendo o imperativo aoristo ativo “colha!” denota propósito. Acrescenta um sentido de urgência e finalidade. Versículo 18 xf|ç yf|ç - o g en itiv o é aposicional às palavras ifjç à[iTréXotJ (a videira): a videira, isto é, a terra.47
Versículo 19 tòv \ikyav - o artigo definido, com adjetivo no acusativo masculino singu lar, modifica o acusativo feminino singular t-qy \r\vóv (lagar). Este substantivo no grego clássico e na Septuaginta é feminino, porém em alguns casos funcio na como masculino. Embora a construção gramatical seja um solecismo, a dis tância entre o substantivo e o adjetivo deixa nítida impressão de que João queria enfatizar a enormidade do objeto. Além disso, visando ênfase, o adjetivo está no final da sentença.48 Versículo 20 dará - a preposição neste contexto denota a distância de determinado lugar (ver Jo 11.18). Pode ser traduzida “por uma distância de”.
47. Consultar Hanna, G ram m atical A id, p. 452. 48. Friedrich D iisterdieck (Critical an d Exegetical H andbook to the R evelation o f John [Nova York e Londres: Funk e W agnalls, 1886], p. 402) sugere que João está indicando força m asculina seguindo a debilidade feminina. M as o gênero de um substantivo nada tem a ver com seu vigor e debilidade.
E sboço (continuação) VI. Visão 5: Sete Taças de Juízo (15.1-16.21) A. O Cenário (15.1-8) 1. Os Santos e o Cântico (15.1-4) a. Anjos e Pragas (15.1) b. Os Vencedores e sua Ode (15.2-4) 2. Templo, Anjos e Pragas (15.5-8)
C a p ít u l o
15
° S e t e A n jo s co m S e t e P r a g a s (A p o c a l ip s e 15.1-8) JT 1 E vi no céu outro sinal, grande e maravilhoso: sete anjos tendo as últimas sete pragas, pois por meio delas se cumpre a ira de Deus. 2 E vi como se fosse um mar de vidro mesclado com fogo, e os que venceram a besta e sua imagem, e o número de seu nome, estavam em pé junto ao mar de vidro, segurando harpas de Deus. 3 E entoavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Grandes e maravilhosas são tuas obras, Senhor Deus Todo-Poderoso. Justos e verdadeiros são teus cami nhos, ó Rei das nações. 4 Quem não te temerá, ó Se nhor, e não glorificará teu nome? Porque só tu és san to; pois todas as nações virão e adorarão diante de ti; porque teus feitos justos se têm manifestado. 5 E depois dessas coisas olhei e no céu foi aberto o templo da tenda do testemunho. 6 E sete anjos, tendo sete pragas, saíram do templo. Estavam vestidos de linho puro e resplandecente, e tinham cintos de ouro em torno de seu peito. 7 E uma das quatro criaturas viventes deu aos sete anjos sete taças de ouro cheias da ira de Deus, que vive para todo o sempre. 8 E o templo se encheu com a fumaça da glória de Deus e de seu poder. E ninguém foi capaz de entrar no templo até que se cumprissem as sete pragas dos sete anjos.
1
V I. V isão 5: A s Sete T aças do Juízo 15.1-16.21 A. O Cenário 15.1-8 Os capítulos 15 e 16 formam uma unidade na qual um introduz o outro.1Aliás, 15. 1 menciona sete anjos com as últimas sete pragas, e
A po c a l ips e 15
538
16.1-21 descreve os anjos, cada um derramando uma das sete taças da ira de Deus sobre a terra. Este componente de sete pragas forma o último ciclo na série interconectada de setes: selos, trombetas e pragas. Uma vez mais, vemos que esta unidade conclui-se com uma referência distinta ao juízo de Deus sobre os incrédulos. O ciclo dos selos registra a frase a quarta parte da terra (6.8); o ciclo das trombetas usa o termo um terço para designar destruição parcial (8.7). Este último ciclo, contu do, termina com juízo completo e total. Quando o sétimo anjo derrama sua taça, um brado vindo do trono de Deus diz: “Feito está” (16.17). Em suma, os três ciclos de selos, trombetas e taças seguem-se uns aos ou tros com juízos crescentemente severos, e o último realça finalidade. Há certa similaridade entre a declaração inicial de 12.1: “Apareceu no céu um grande sinal.”, e a de 15.1, “e vi no céu outro sinal, grande e maravilhoso.” Além disso, há um paralelo entre os que venceram a besta, sua imagem e o número de seu nome e m l3 .1 4 -1 8 e a fraseologia em 15.2. E, por último, 13.1, 2 e 4 menciona o dragão, e 13.11, a besta que emerge da terra, isto é, o falso profeta. Esses termos correspondem a 16.13, que especifica o dragão e o falso profeta.2 Nos primeiros quatro versículos do capítulo 15, João olha para o futuro e prediz o que acontecerá quando a rivalidade terminar. Ele fala da vitória concretizada por aqueles que vencerem o poder e a influência da besta. E assim ele registra o cântico de Moisés e do Cordeiro. E nos quatro versículos seguintes (15.5-8) ele descreve o templo e os sete anjos. Deste lugar e por meio destes anjos, as pragas se originam e se concretizam. Toda vez que João fala do juízo divino sobre o mundo incrédulo, ele tem um segmento nos santos vitoriosos.3Por exemplo, depois dos sete 1. M ichael W ilcock ( The M essage opR evelation: I Saw H eaven O pened [Downers Grove: Inter-Varsity, 1975], pp. 136-37) coloca 15.1 com o uma sexta visão e 15.2-4 com o uma sétima visão que inclui os capítulos 12,1 3 e 14. A divisão seguinte é 15 .5 16.21. Ver também Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), pp. 784, 785; Adela Yarbro Collins, The C om bat M yth in the Book o f Revelation, HDR 9 (M issoula: Scholars Press, 1976), pp. 16-19. O fato permanece, que os capítulos 15 e 16 são uma unidade. C olo cando 15.1-4 com o capítulo 14, cria-se o problema de relacionar “os sete anjos com as sete últimas pragas” com o contexto de 14.14-20. 2. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 127; G. B. Caird, A C om m entary on the R evelation o f St. John the D ivine (Londres: Black, 1966), p. 158. 3. Hom er Hailey, R evelation: An Introduction an d Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 318.
539
A p o c a lip s e 15.1-4
selos, no capítulo 6, ele descreve os santos no capítulo 7. Seguindo as sete trombetas (capítulos 10, 11), ele descreve o cuidado protetor de Deus sobre a Igreja (capítulo 12). E a descrição da multidão de santos com o Cordeiro no Monte Sião (14.1-5) é justaposta com os terríveis juízos de Deus sobre seus inimigos (14.6-11). A ceifa dos crentes pre cede a dos incrédulos (14.15-20). /. Os Santos e o Cântico 15.1-4 a. A njos e Pragas 15.1
1. E vi no céu outro sinal, grande e maravilhoso: sete anjos tendo as últimas sete pragas, pois por meio delas se cumpre a ira de Deus. a. “E vi no céu outro sinal, grande e maravilhoso.” O versículo 1 dá início aos três versículos seguintes, de modo que cria uma tela de fundo para os versículos 5-8.4Os versículos 2-4 formam um interlúdio que descreve os santos que têm triunfado sobre o mal e agora estão entoan do um cântico para adorar e exibir a glória de Deus. A aparente incoe rência é típica do estilo de João no Apocalipse. Por exemplo, em 8.2 ele menciona sete anjos com sete trombetas, mas antes de enumerar cada anjo tocando sua trombeta (8.6-9.21), ele introduz outro anjo que ofe rece incenso misturado com as orações dos santos e que lança o fogo do altar para a terra (8.3-5). Embora João prontamente use o adjetivo outro em relação a um anjo, aqui o adjetivo põe um sinal no céu em seqüência com a mulher radiante (12.1, 2) e seu oponente, o grande dragão (12.3). Esta é, pois, a terceira vez que João vê um sinal no céu. O verbo vi ocorre quarenta e duas vezes no Apocalipse; três delas em 15.1, 2; e o 5 introduz novos segmentos. A primeira é uma afirma ção preliminar sobre sete anjos com sete pragas; a segunda exibe o 4. J. Ramsey M ichaels, (Interpreting the Book o f R evelation [Grand Rapids: Baker, 1992], p. 64) atribui a função transicional para os versículos 1-4. Leon Morris (Revelation, ed. rev., TNTC [Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987], p. 182) sim plesmente considera esses versículos como observações preliminares. E David E. Aune, m ais precisamente, chama o versículo 1 um “título ou sobrescrito”. Ver seu R evelation 6 -1 6 , W BC 52B (Nashville: N elson, 1998), p. 869.
A p o c a l ip s e 15.1-4
540
cântico de Moisés e do Cordeiro entoado pelos santos vitoriosos; e a terceira revela o templo no céu e a glória de Deus. Não somos informa dos por que o sinal no céu é chamado “grande e maravilhoso”. Visto, porém, que esta frase ocorre mais uma vez no versículo 3a, onde des creve as obras de Deus, nossa convicção é de que João viu algo assus tador. Ele viu a finalidade de Deus em derramar sua ira sobre a terra empregando sete anjos e sete taças. b. “Sete anjos tendo sete pragas.” Para João, este é um sinal de totalidade. O número sete representa completude, de modo que essas taças da ira representam o derramamento final e completo do furor de Deus sobre o mundo. São as últimas pragas, no sentido de sua inevitabilidade e finalidade (ver também 21.9). c. “Pois por meio delas a ira de Deus se cumpre.” A ira de Deus é derramada por meio de sofrimento iminente, morte, rios de sangue, fogo, trevas, seca e destruição total (ver 16.2-21). Note o verbo se cumpre, o qual indica que o fim chegou e, com ele, muito embora João tenha muito a dizer nos capítulos que precedem a cena do grande trono branco (20.1115). Isso significa que o ciclo das sete pragas está completo e aponta para o dia final. “Nenhuma praga mais virá depois da série de pragas; mas então o Senhor mesmo virá para administrar o juízo final.”5 b. Os Vencedores e Sua Ode 1 5 .2 4 2. E vi como se fosse um mar de vidro mesclado com fogo, e
os que venceram a besta e sua imagem, e o número de seu nome, estavam em pé junto ao mar de vidro segurando harpas de Deus. a. “E vi como se fosse um mar de vidro mesclado com fogo.” João uma vez mais observa o mar de vidro que viu quando registrou a cena da câmara do trono (4.6). Novamente menciona os santos que já ven ceram o maligno (12.11), que agora estão no céu em pé próximo a esse mar de vidro. O mar de vidro simboliza perspicuidade e transparência, de modo que todos são capazes de observar a justiça e a integridade de Deus. E assim os santos no céu vêem a sabedoria e ação de Deus. São os vencedores que resistiram de seguir a besta, recusaram-se a adorar sua imagem e rejeitaram o número de seu nome. 5. Friedrich DUsterdieck, C ritical and E xegetical H andbook to the Revelation o f John (N ova York e Londres: Funk e Wagnalls, 1886), p. 408.
54 1
A p o c a lip s e 15.1-4
Note que nesta passagem o mar é mesclado com fogo, o que, simbo licamente, dirige a atenção para a coluna de fogo que guiou os israelitas na travessia do Mar Vermelho (Êx 13.20-14.31). O fogo descrito é um sím bolo de luz e alegria para todos os santos que estão em pé próximo ao mar de vidro. Mas o mar mesclado com fogo é também um símbolo da ira de Deus direcionada para seus inimigos. Como os egípcios foram para o fun do do mar enquanto os israelitas chegaram em segurança à praia do outro lado, assim o mar mesclado com fogo destrói o Anticristo e suas hordas. b. “E os que venceram a besta e sua imagem e o número de seu nome estavam em pé junto do mar de vidro.” Os santos em glória são aqueles cuja tarefa na terra está concluída. São os vitoriosos em sua batalha contra a besta. Ora, esta afirmação é deveras notável, porque à besta “foi dado o poder para fazer guerra contra os santos e os vencer” (13.7). Eles, porém, recusaram-se a adorá-la e a portar o número de seu nome (13.16-18). Numerosos santos perderam suas vidas nessa guerra, não obstante, espiritualmente, granjearam a vitória. Permanece ram fiéis até o fim e receberam a coroa de glória. c. “[E estavam] segurando harpas de Deus.” Ambos os Testamen tos fazem referência à harpa e lira (2Cr 29.25; SI 33.2; 71.22; 92.3; 98.5; 147.7; 149.3; 150.3; Ap 5.8; 14.2; 15.2). Todos os vinte e quatro anciãos que cercavam o trono de Deus têm harpas para entoar os lou vores de Deus. Portanto, a frase harpas de Deus comunica o signifi cado “harpas para serem tangidas para Deus”.6 Os santos recebem harpas celestiais por cuja instrumentalidade são capazes de entoar cânticos de vitória, pois Deus mesmo capacitou os santos para o triunfo sobre o maligno. E assim prorrompem em cântico. Perto do mar de cristal, santos em glória estão, Seu número eram miríades, vindos de toda parte da terra. Vestidos de roupas brancas, lavadas no san gue de Jesus, Agora reinam no céu com o Cordeiro de Deus. -William Kuipers7 6. Beale, R evelation , p. 791. 7. “By the Sea o f Crystal”, em P sa lter H ym nal (Grand Rapids: CRC Publications, 1987), n. 620.
A p o c a l ip s e 15.1-4
542
3a. E entoavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo. Há pelo menos duas citações que vêm a lume neste texto: primeiro, este é o cântico de Moisés, o mesmo que foi ensinado aos israelitas às margens do Mar Vermelho? Incidentemente, o outro cântico de Moisés é chamado o Grande Cântico (Dt 32). Segundo, há dois cânticos dife rentes, um de Moisés e o outro do Cordeiro? Primeiro, as palavras neste cântico pouco têm em comum com ambos os cânticos de Moisés (Êx 15 e Dt 32). Há alusões ao • o Pentateuco (Êx 34.10; Dt 32.4), • o Saltério (SI 86.9; 98.2; 111.2; 139.14; 145.17), • os Profetas (Is 2.2; Jr 10.7; 11.20 L X X ; Am 3.13; 4.13 Ml 1.11).
lxx
;
Não há referências ao cântico de Moisés (Êx 15). Há apenas uma referência indireta ao Grande Cântico de Moisés (Dt 32.4), a qual na Septuaginta dá um tom para este hino: “Verdadeiras são suas obras, e todos os seus caminhos são justos; Deus é fiel e não há nele injustiças; justo e santo é o Senhor.” Embora presumamos que João tivesse em mente o Grande Cântico de Moisés, sugerimos que se recorre à memó ria e, assim, faz alusão a várias passagens extraídas das três partes do Antigo Testamento supramencionadas.8Os judeus cantavam o cântico de Moisés (Êx 15) ao Sábado na sinagoga, e não é remota a possibilida de de que os primeiros cristãos cantassem o hino registrado por João em sua própria liturgia cúltica. O hino reflete os poderosos feitos de Deus freqüentemente observados pelos escritores veterotestamentários e um louvor de triunfo dedicado ao Senhor Deus. Segundo, é inútil procurarmos por um cântico do Cordeiro no Novo Testamento. Não obstante, no Apocalipse há hinos dedicados ao Cor 8. À guisa de contraste, ver Richard Bauckham (The Clim ax o fP ro p h ecy [Edimburgo: Clark, 1993], pp. 296-306), que assevera que o cântico de M oisés em Êxodo 15 jaz por trás dos versículos 3 e 4, e esses versículos são uma “criteriosa interpretação do cântico” (p. 306). Mas as similaridades verbais, nesses versículos, a muitas passagens especial mente do Saltério e dos Profetas indicam o contrário. Robert H. M ounce escreve: “Praticamente, cada frase do hino [vs. 3 ,4 ] é extraída do rico vocabulário do A[ntigo] TTestamentol.” Ver seu Book o f R evelation, ed. rev., N ICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 286.
543
A po c a l ips e 15.1-4
deiro(5.9, 10,12,13; 7.10), de modo que poderíamos com razão inter pretar a frase cântico do Cordeiro como um cântico com o intuito de glorificá-lo. Visto, porém, que a primeira frase é simplesmente “o cântico de M oisés”, e não “o cântico a Moisés”, endosso a manutenção do paralelo dessas duas frases. A melhor solução para o problem a é visualizar a maneira como João enfatiza determinado ponto. Quando acentua um conceito, ele faz uso de repetição mesmo quando a fraseologia seja levemente diferente. Por exemplo, a carta à igreja em Pérgamo faz menção dos ensinos de Balaão e dos nicolaítas, respecti vamente, os quais vieram de duas fontes, ainda que sejam os mesmos (2.14, 15). Da mesma forma, o cântico de Moisés e o cântico do Cor deiro não são dois hinos diferentes, mas um e o mesmo cântico (15.3, 4). É o Cordeiro que está operando através de Moisés, servo de Deus (Êx 14.31; Hb 3.5). Moisés foi servo na casa de Deus, Cristo, porém, é Filho sobre essa casa e é, portanto, o maior dos dois.
3b. Grandes e maravilhosas são tuas obras, Senhor Deus TodoPoderoso. Justos e verdadeiros são teus caminhos, ó Rei das nações. 4 Quem não te temerá, ó Senhor, e não glorificará teu nome? Porque só tu és santo; pois todas as nações virão e ado rarão diante de ti; porque teus feitos justos se têm manifestado. Aqui lemos palavras e frases que são extraídas primeiramente da hinologia veterotestamentária, como indicam as referências ao Saltério. Por exemplo, a primeira linha: “Grandes e maravilhosas são tuas obras, ó Senhor Deus Todo-Poderoso”, é um eco do Salmo 111.2: “Grandes são as obras do S enhor ”, e do Salmo 139.14: “Tuas obras são maravi lhosas.” E a frase “S enhor Deus Todo-Poderoso” aparece em Amós 3.13; 4.13. Emerge também de outros tantos lugares no Apocalipse (4.8; 11.17; 16.7; 19.6; 21.22). A segunda linha, “justos e verdadeiros são teus caminhos, ó Rei das nações”, é proveniente do Salmo 145.17 (144.17 LXX): “O S enhor é justo em todos os seus caminhos” ; Deuteronômio 32.4 também faz alu são a ela: “E todos os seus caminhos são justos.” A designação “Rei das nações” provém de Jeremias 10.7. A linha seguinte é uma pergunta retórica que exalta o Senhor Deus: “Quem não te temerá, ó Senhor, e não glorificará teu nome?” Ela é um eco da fraseologia de Jeremias 10.7: “Quem não te reverenciará?”, e do Salmo 86.9: “Todas as nações ... trarão glória a teu nome.”
A p o c a l ip s e 15.1-4
544
E a última linha (“porque só tu és santo; pois todas as nações virão e adorarão diante de ti; porque teus feitos justos se têm manifestado”) refle te as palavras do Salmo 86.10: “Só tu és Deus.” O termo santo, no con texto de “só tu és santo”, aparece aqui e em nenhum outro lugar; para o uso de “o Santo”, ver Apocalipse 16.5. E o resto da linha reflete a mensa gem do Salmo 86.9: ‘Todas as nações que fizeste virão e adorarão diante de ti, ó Senhor; trarão glória a teu nome.” Jeremias 16.19 expressa um pensamento semelhante: “Ó S enhor ... as nações virão a ti dos confins da terra” (ver também Is 2.2) e o Salmo 98.2 enaltece a Deus com estas palavras: “O S enhor ... revelou sua justiça às nações.” João freqüentemente se refere a “todas as nações” no Apocalipse (12.5; 14.8; 15.4; 18.3, 23). Concluo com duas observações. Primeiro, o hino que João registra é uma seqüência de alusões ao Saltério e à profecia de Jeremias. Se gundo, o hino fornece uma resposta tríplice à pergunta retórica situada no início do versículo 4. Isso é feito por três sentenças separadas, todas elas começando com porque ou pois, para expressar causa. Palavras, Frases e Construções Gregas em 15.1-4 Versículo 1 èxeléoGri - o verbo significa com pletar, isto é, terminar. A ira de D eus é consumada no final das sete pragas. Versículo 2 Trupí - o dativo é mais associativo do que instrumental; isto é, fogo é associado com o mar de vidro.9 touç viküvtcíç èk - o verbo vencer geralmente é transitivo seguido de um acusativo; aqui ele tem a preposição çk com o genitivo toü 0rp [ou (a besta). Aune constrói isso como um latinismo.10O particípio presente deve ser interpretado no tempo perfeito, pois a tarefa dos santos de vencer o diabo já está completa. Versículo 3 t(3v (tívü v - “as nações.” Uma redação variante é twv aícW w (as eras; NVI, NEB, r s v ). A força dos testemunhos em prol dessas duas leituras é quase a mesma, mas a evidência interna fala em favor da primeira redação, “as na 9. A. T. Robertson, A G ram m ar o fth e Greek N ew Testament in the Light o f H istorical Research (Nashville: Broadman, 1934), p. 529; Robert Hanna, A G ram m atical A id to the G reek N ew Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 452. 10. A une, R evelation 6 -1 6 , p. 872. Ver também seu “Latinism in R evelation 15.2”, JBL 110 (1991): 691, 692.
545
A po c a l ips e 15.5-8
ções”. A redação variante pode ter sido introduzida via 1 Timóteo 1.17.11Para completar, faço m enção da redação variante “os santos” (K JV , n k j v ), mas ela conta com escasso apoio de manuscritos.
Versículo 4 oü [if| 4>°pr]0fí - o negativo enfático com o subjuntivo passivo aoristo funciona com o um futuro. Isso se harmoniza com o tempo futuro ôoÇáoei na segunda linha.
2. Templo, A njos e Pragas 15.5-8
5. E depois dessas coisas olhei, e no céu foi aberto o templo da tenda do testemunho. A sentença inicial, que também ocorre em 4.1; 7.1, 9; 18.1, comu nica que a atenção de João se volve da visão dos santos no mar de vidro para uma visão do que está para acontecer no céu. Depois do interlúdio dos versículos 2-4, João agora continua a mensagem do versículo 1, focalizando os sete anjos com as sete pragas. A cena acontece no céu, onde João vê o templo aberto, o que lhe dá uma visão do Santo dos Santos. Quando Jesus morreu na cruz do Calvário, a cortina que separava o Lugar Santo do santuário interior rompeu-se de alto a baixo. Deus fez com que ele se rasgasse para indicar que o sacrifício de Jesus pagou pelos pecados de seu povo; nenhuma substituição de sangue de animal se fazia mais necessária para aspergir a arca da aliança. Por isso é que o interior do santuário estava aberto à vista de todos os que entravam no templo. O termo templo na frase “o templo da tenda do testemunho” signi fica o santuário interior do próprio tabernáculo. Nos escritos de Moisés, o tabernáculo e a tenda do testemunho são uma e a mesma estrutura (Êx 40.34, 35; At 7.44). João chama essa estrutura “a tenda do testemu nho”, e não “a tenda de reunião” . A expressão testemunho se refere à arca da aliança, que estava colocada no Santo dos Santos; a arca con tinha as duas tábuas de pedra nas quais foram gravados os Dez Manda mentos (Ap 11.19). Em suma, esta expressão é uma alusão aos Dez Mandamentos, os quais eram a condição básica da aliança que Deus 11. Bruce M. Metzger, A Textual Com m entary on the G reek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), pp. 679, 680.
A p o c a l ip s e 15.5-8
546
fizera com seu povo no Monte Sinai (Êx 25.16; 40.20). Essas duas lâmi nas de pedra eram chamadas “os dois tabletes do testemunho” (Êx 31.18). Os Dez Mandamentos são um testemunho das transgressões do povo que provocariam o juízo e condenação de Deus.12Da própria pre sença de Deus e do testemunho dessas leis divinas é que flui o juízo. Ao exercer juízo, Deus executa justiça e retidão com base em sua lei.13E, em conseqüência, sete anjos são autorizados a derramar as sete pragas sobre os seguidores do Anticristo.
6. E sete anjos, tendo as sete pragas, saíram do templo. Es tavam vestidos de linho puro e resplandecente, e tinham cintos de ouro em torno de seu peito. Uma vez mais (ver v. 5), a fraseologia desta passagem está estrei tamente associada ao versículo 1, o qual fala de anjos, pragas e da ira de Deus. As sete pragas são um retrospecto de Levítico 26.21, onde Deus diz: “Se continuarem se opondo a mim e recusarem ouvir-me, eu os castigarei sete vezes mais, conforme seus pecados.” Não obstante, a ênfase está mais nos sete anjos do que nas sete pragas. Neste capí tulo, João descreve os anjos, e no capítulo seguinte (cap. 16) ele especi fica com detalhes a força e a extensão das pragas. Primeiro, os anjos saem da presença de Deus, isto é, deixam o interior do santuário. Segundo, receberam autoridade para o desempe nho de sete pragas sobre as pessoas que rejeitaram a Deus. Sobre eles também pesa a responsabilidade de instruir João sobre o castigo da grande prostituta com seus seguidores, de um lado, e a identificação da nova Jerusalém com a esposa do Cordeiro, do outro (17.1-18; 21.927). Terceiro, as vestes dos anjos são feitas de linho puro e radiante, o que representa santidade, e os cintos de ouro em torno de seu peito simboliza dignidade, autoridade e proeminência, porque Deus incumbiu esses sete anjos de uma tarefa especial. Assemelham-se ao “filho de homem” que também apareceu com uma cinta de ouro em torno de seu peito (1.13; comparar Dn 10.5). E, por último, os cintos de ouro 12. Philip Edgcumbe Hughes, The Book o fth e R evelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 171; S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, KNT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 317. 13. Homer Hailey, R evelation: An Introduction and Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 322; Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 678.
547
A po c a l ips e 15.5-8
apontam simbolicamente para reis, e as vestes de linho, para sacerdo tes do Israel antigo. George Eldon Ladd, porém, corretamente obser va: “Não há razão para imaginar-se que os cintos de ouro sugiram funções sacerdotais.” 14
7. E uma das quatro criaturas viventes deu aos sete anjos, sete taças de ouro cheias da ira de Deus, que vive para todo o sempre. As quatro criaturas viventes recebem papéis especiais no desen volvimento progressivo do Apocalipse. Foram instrumentos na abertu ra dos quatro primeiros selos (6.1-8) e na condução das taças de ouro do incenso, que representam as orações dos santos (5.8; e ver 8.35).15Note, porém, a seqüência. As taças de ouro dos santos são as orações que expressam louvor e ações de graças a Deus. Não obstante, com essas orações, os santos debaixo do altar pediram a Deus que vingasse seu sangue (6.9,10), e Deus os ouviu. Agora envia seus anjos para levar morte e destruição a seus adversários. As quatro criaturas viventes representam a criação divina; e as sete taças de ouro, são cheias da fúria de sua ira. Taças de ouro foram usadas no serviço do tabernáculo e do templo de Salomão (Êx 25.29; 37.16; 2Cr 4.22). Eram objetos chatos moldados na forma de um prato ou pires para comportar incenso. Agora essas taças estão cheias da ira divina, de cujo furor ninguém consegue escapar (Ap 6.17; 14.10). João conclui este versículo com uma frase que descreve Deus como aquele que vive para todo o sempre. Esta frase ocorre freqüentemente no Apocalipse (4.9, 10; 10.6; ver também 1.18; Dn 4.34) e implica que os ídolos são objetos inanimados e não podem inspirar temor, enquanto que Deus, que vive para sempre, deve ser temido.16 8. E o templo se encheu com a fumaça da glória de Deus e de seu poder. E ninguém foi capaz de entrar no templo até que se cumprissem as sete pragas dos sete anjos. 14. George Eldon Ladd, Commentary on the Revelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 207. M as B eale (R evelation, p. 807) fala de “a natureza sacerdotal” dos anjos. 15. Referência a Robert L. Thomas, Revelation 8 -2 2 : An E xegetical Com m entary (Chi cago: M oody, 1995), p. 243; Martin Kiddle, The Revelation o f St. John (reimp. em Londres: Hodder e Stoughton, 1943), pp. 312, 313. 16. Henry Barclay Sw ete, Com m entary on Revelation (1911; reimp. em Grand Rapids; Kregel, 1977), p. 199.
A p o c a l ip s e 15.5-8
548
Com a frase “encheu com a fumaça da glória de Deus”, João traça um paralelo com o versículo anterior, “cheias da ira de Deus” (v. 7b). A fumaça que emana da glória de Deus e de seu poder permeia o interior do santuário. A cena é uma lembrança de Deus enchendo o tabernáculo com a nuvem de sua glória (Êx 40.34), como também aconteceu quan do Salomão dedicou o templo (lR s 8.10, ll;2 C r5 .1 3 b , 14).Nos dias da morte do rei Uzias, Isaías viu o Senhor assentado em seu trono celestial, e “o templo se encheu de fumaça” (Is 6.4; comparar Ez 43.5; 44.4; Nm 12.5). A veemência da ira é tão intensa que nenhuma criatura pode ter acesso à sua presença. Passou o tempo de oferecer orações e peti ções por misericórdia, pois a hora do juízo chegou.17Ninguém pode ter acesso ao interior do Santuário até que as taças da ira tenham sido derramadas e a destruição dos ímpios tenha se completado, pois a misericórdia de Deus é esquecida, sua compaixão é subtraída e sua paciência, suspensa.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 15.5-8 Versículo 5
ó vaòç tf|ç 0Kr\vr\ç - alguns tradutores interpretam o caso genitivo em aposição ao nominativo no sentido de uma explicação, “o templo, isto é, a tenda” (N V i, n e b , r e b , n j b ) . Versículo 6 ê k t o O v c í o ü - a posição desta frase dá a aparência de que as sete pragas eram procedentes do templo. Xívov - “linho.” Alguns importantes manuscritos gregos rezam XÍ0oç (pe dra), que provavelmente remontam a um erro transcricional. O adjetivo puro descreve a primeira redação mellíõr que a segunda.18
Versículo 8
éy^íaBri - o aoristo é inceptivo, “começou a ficar cheio”. O verbo controla o caso genitivo K a r r v o ü (fumaça).
17. W ilfrid J. Harrington, Revelation, SP 16 (C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993), p. 161; Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 160. 18. Metzger, Textual Com mentary, p. 680. Beale (R evelation, pp. 804, 805) expressa apoio qualificado para a redação variante. E Michaels (Interpreting Revelation, p. 83) crê que a despeito da falta de apoio para esta redação, a questão “é ainda muito mais aberta”.
E sboço (continuação) B. As Sete Taças (16.1-21) 1. Primeira Taça (16.1, 2) 2. Segunda Taça (16.3) 3. Terceira Taça (16.4-7) 4. Quarta Taça (16.8, 9) 5. Quinta Taça (16.10, 11) 6. Sexta Taça (16.12-16) 7. Sétima Taça (16.17-21)
C a p ít u l o
16
°
T a ç a s d o J u íz o
( A p o c a l i p s e 16.1-21) / 1E ouvi uma forte voz que vinha do templo, dizendo aos sete anjos: I Vão e derramem sobre a terra as sete taças da ira de Deus. 2 E o primeiro anjo saiu e derramou sua taça na terra, e apareceram feridas dolo rosas e malignas nas pessoas que tinham a marca da besta e adoravam sua imagem. 3 E o segundo anjo derramou sua taça no mar, e apareceu sangue como de um homem morto. E morreu todo ser vivente no mar. 4 E o terceiro anjo derramou sua taça nos rios e nas fontes de água, e se converteram em sangue. 5 E ouvi o anjo que tem autoridade sobre as águas dizer: Tu és justo em julgares essas coisas, aquele que é e que era, ó Santíssimo. 6 Porque têm derramado o sangue dos santos e profetas, sangue lhes deste a beber; eles o merecem. 7 E ouvi uma voz vinda do altar, dizendo: Sim, Senhor Deus Todo-Poderoso, verdadeiros e justos são teus juízos. 8 E o quarto anjo derramou sua taça sobre o sol, e lhe foi dado poder para queimar as pessoas com fogo. 9 E as pessoas foram queimadas com grande ardência, e blasfemaram o nome de Deus, que tem autoridade sobre essas pragas. E não se arrependeram nem lhe deram glória. 10 E o quinto anjo derramou sua taça no trono da besta. E seu reino ficou em trevas, e as pessoas mordiam suas línguas por causa da dor. 11 E blasfema ram o Deus do céu por causa de suas dores e de suas queimaduras. E não se arrependeram de suas obras. 12 E o sexto anjo derramou sua taça sobre o grande rio Eufrates, e suas águas secaram, de modo que se preparou uma estrada para os reis do oriente. 13 E vi sair da boca do dragão e da boca da besta e da boca do falso profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs. 14 Pois são espíritos demoníacos, que operam milagres, e vão aos reis do mundo inteiro a reuni-los para a guerra do grande dia do Deus Todo-Poderoso. 15 (Eis que eu venho como um ladrão! Bem-aventurado aquele que permanece vigilante e conserva consigo suas
551
A po c a l ips e 16
vestes, para que não ande nu e sua vergonha não seja exposta.) 16 E os condu ziram ao lugar que em hebraico se chama Armagedom. 17 E o sétimo anjo derramou sua taça pelo ar. E saiu do templo e do trono forte voz, dizendo: “Feito está.” 18 Houve relâmpagos, estrondos e ressoar de trovões, e houve um grande terremoto, tal como nunca havia acontecido desde que há seres humanos na terra, tão grande era o terremoto. 19 E a grande cidade se partiu em três partes, e caíram as cidades das nações. E Babilônia, a Grande, foi lembrada diante de Deus, e ele lhe deu o cálice do vinho inebriante de sua ira. 20 E fugiu toda ilha e os montes não foram achados. 21 E caíram do céu sobre as pessoas enormes pedras de granizo que pesavam cerca de trinta e cinco quilos cada uma, e blasfemaram a Deus por causa da praga de granizo, pois sua praga era muito grande.
B. As Sete Taças
16.1-21
Por todo o Apocalipse, João baseia seu escrito em alusões e referências ao Antigo Testamento. Neste capítulo, ele claram ente está pensando nas pragas do Egito. Ele não está seguindo m etodica mente sua seqüência, mas é óbvia a similaridade no que tange a algu mas pragas. O que é significativo não é a seqüência, mas a correspondência das pragas. A primeira taça, que provoca dores nas pessoas (v. 2) é para lela à praga que causou feridas (Êx 9.10). A terceira taça, que conver teu em sangue a água dos rios e fontes (v. 4) é idêntica à praga que transformou toda a água do Egito em sangue (Êx 7.19). A quinta taça, que ocasionou trevas (v. 10), tem seu paralelo na praga que imergiu o Egito em trevas (Êx 10.22). A sexta taça, que secou o Eufrates e fez surgir três espíritos malignos assemelhando-se a rãs (v. 13), é um sím bolo da praga que levou as rãs a cobrirem a terra (Êx 8.6). E a sétima taça, que derramou granizo sobre a terra (v. 21), é análoga à praga que produziu granizo no Egito (Êx 9.23,24).' Há mais. Uma comparação das sete trombetas com as sete taças revela paralelos que de forma abreviada aparecem como segue:
1. Comparar Josephine Massyngberde Ford, “The Structure and Meaning o f Revelation 16”, E xpT 98 (1987): 327-30; e seu R evela tio n : Introduction, Translation, an d Com m entary, AB 38 (Garden City, N ova York: Doubleday, 1975), pp. 265-75.
A po c a l ips e 16
Sete Trombetas 1. terra (8.7) 2. mar (8.8,9) 3. rios, fontes (8.10,11) 4. sol, lua, estrelas (8.12) 5. poço do Abismo (9.1) 6. rio Eufrates (9.13,14) 7. relâmpago, granizo (11.15,19)
552
Sete Taças 1. terra (16.2) 2. mar (16.3) 3. rios, fontes (16.4,5) 4. sol (16.8) 5. trono da besta (16.10) 6. rio Eufrates (16.12) 7. relâmpago, granizo (16.17,21)
A diferença básica entre a série de trombetas e a série de taças é geralmente a de crescente intensidade. Isso se faz óbvio ao comparar mos as cenas de trombeta e taça individualmente. • Na cena da primeira trombeta a terra é afetada, porém não as pessoas; mas na cena da primeira taça as pessoas é que sofrem de úlceras infecciosas. • A segunda trombeta envolve apenas um terço do mar e suas criaturas, enquanto o derramamento da segunda taça causa morte em todo elemento vivo no mar. • A terceira trombeta é um aviso, enquanto a terceira taça é o juízo de Deus. • A quarta trombeta introduz trevas parciais, porém o resultado do derramamento da quarta taça consiste em que as pessoas são fustigadas pelo sol. • A quinta trombeta libera as hordas de anjos maus que torturam as pessoas que não possuem o selo de Deus em suas frontes, e a quinta taça ocasiona trevas no reino de Satanás e sofrimento nas pessoas que amaldiçoam a Deus. • A sexta trombeta traz a morte de quase um terço da raça huma na na guerra, enquanto na cena da sexta taça essa guerra engaja os reis do mundo inteiro. • A sétima trombeta e a sétima taça são quase idênticas, exceto que na cena da taça as palavras feito está soa do trono para indicar finalidade. É preciso fazer uns poucos comentários adicionais. Primeiro, uma vez que os pecadores endurecem seus corações, rejeitam os avisos de Deus, recusam-se a arrepender-se e inclusive amaldiçoam o Deus do
553
A po c a l ip s e 16.1,2
céu (9.21; 16.9, 11), enfrentam condenação e destruição. A verdade é que os juízos divinos são justos (v. 7). Segundo, as sete taças formam o último ciclo, o qual não necessita de interlúdio, como foi o caso nos ciclos anteriores de selos e trombe tas, respectivamente (7.1-17; 10.1-11.14). Terceiro, depois do derramamento da sexta e sétima taças, João mostra com detalhes como os seguidores do Anticristo enfrentam a severidade de seu castigo (capítulos 17 e 18). Quarto, um grau de sobreposição parece indicar certa medida de simultaneidade no derramamento das taças. Por exemplo, “as feridas causadas pela primeira praga estão ainda ativas no momento da quinta praga (v. I I ) ”.2Isso sugere que, no fim dos tempos, a urgência será o método divino de concretizar seus juízos. E, por último, embora o paralelo de trombetas e taças seja notável, não esperaríamos João apresentar mera repetição sem progresso. O Apocalipse, do princípio ao fim, revela paralelismo progressivo. 1 A . Primeira Taça 16.1,2
1. E ouvi uma forte voz que vinha do templo, dizendo aos sete anjos: Vão e derramem sobre a terra as sete taças da ira de Deus. 2. E o primeiro anjo saiu e derramou sua taça na terra, e apareceram feridas dolorosas e malignas nas pessoas que tinham a marca da besta e adoravam sua imagem. a. “E ouvi uma forte voz que vinha do templo dizendo aos sete anjos.” O grego enfatiza a intensidade da voz que João ouve. Ele per cebeu a intensidade do som procedente do templo (comparar Is 66.6), o qual em seus ouvidos soava de forma majestosa, uma vez que era a voz do próprio Deus. De uma forma tipicamente judaica, João evita usar o nome de Deus; tanto aqui como no versículo 17, ele menciona a forte voz procedente do templo e notifica que Deus fala. Isso se harmoniza com o último versículo do capítulo precedente, onde ele faz referência ao templo e à glória de Deus (15.8). A voz que vinha do Santo dos Santos, é a voz de Deus, o qual enche o interior do santuário com sua glória, e agora envia seus sete anjos. 2. Robert PI. M ounce, The B ook o f R evelation , ed. rev., N ICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 998), p. 292 n. 1.
A p o c a l ip s e 16.1,2
554
b. “Vão e derramem sobre a terra as sete taças da ira de Deus.” A ordem é direta ao ponto; os anjos devem sair com as taças cheias da ira de Deus. Devem derramar o conteúdo dessas taças sobre a terra com o fim de punir os adversários de Deus e de seu povo. c. “E o primeiro anjo saiu e derramou sua taça sobre a terra, e apa receram nas pessoas feridas dolorosas e malignas.” O anjo age em obe diência à ordem divina e derrama sua taça. O resultado é que os seres humanos sobre a terra ficaram doentes com feridas imundas e purulen tas, com seus corpos devastados e afligidos com dores excruciantes. A terra que produz alimento para a humanidade e da qual o ser humano depende para saúde e bem-estar é afetada pela taça que se derramou sobre ela.3O grego reza literalmente que o anjo “derramou sua taça na terra”. A implicação disso se torna evidente quando as pessoas consomem o produto da terra: as úlceras surgem no interior e no exterior de seus corpos. Sua saúde é afetada pelo alimento que ingerem, e são feridas com doenças (comparar Êx 9.10, 11; Dt 28.35). d. “Que tinham a marca da besta e adoravam sua imagem.” So mente as forças anticristãs que seguem a besta (13.15,16) são golpeadas com feridas, não os seguidores de Cristo. Para estes as aflições que suportam nunca se devem à ira de Deus, mas são sempre pela razão de seu amor (Rm 8.28).40 s seguidores do Anticristo não se limitam a qualquer área ou nação em particular, mas, em sua oposição à causa de Cristo, residem no mundo inteiro. Em lugar de arrepender-se e conver ter-se a Deus, continuam adorando a imagem da besta e por isso so frem as conseqüências.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 16.1,2 Versículo 1
(ieyáÀr|ç cj)uyf)ç - embora João normalmente use o acusativo após o verbo ouvir, agora ele usa o caso genitivo para chamar a atenção não para o conteú do da mensagem, mas para o volume da voz que está falando. O adjetivo precede o substantivo para enfatizar a intensidade da voz. Este é o único lugar no Apocalipse onde o adjetivo vem antes; em todos os demais casos dezenove ao todo - ele segue o substantivo (jxjvri (ver, por exemplo, 1.10; 5.2). 3. Herman Hoeksem a, Behold, He Cometh! An Exposition o f the Book o f Revelation (Grand Rapids: Reform ed Free Publishing Association, 1969), p. 536. 4. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 161.
555
A po c a l ips e 16.3
O adjetivo néyccç ocorre mais de oitenta vezes no Apocalipse, das quais onze estão neste capítulo. Por exemplo, menciona-se o grande rio Eufrates (v. 12), o grande dia de Deus (v. 14), a grande cidade (v. 19) e Babilônia, a Grande (v. 19). Versículo 2
«ai èyévera - esta frase ocorre sete vezes neste capítulo (vs. 2b, 3b, 4b, 1 Ob, 18a, 18b com leve variação, 19a). Note que nas primeiras quatro ocorrências ela está na segunda metade do versículo como resultado da primeira parte.
2. A- Segunda Taça 16.3
3. E o segundo anjo derramou sua taça no mar, e apareceu sangue como o de um homem morto. E morreu todo ser vivente no mar. Também o segundo anjo obedientemente segue a ordem divina, e literalmente derrama “em” o mar o conteúdo da taça, isto é, a ira de Deus. Alguns comentaristas sugerem a possibilidade de que, a partir da perspectiva de João, o mar é o Mediterrâneo.5Mas como a terra não se limita aos países circunvizinhos ao Mediterrâneo, tampouco é o mar. Deus julga o mundo inteiro e, tendo o anjo derramado a taça da ira no mar, o suprimento alimentício provindo do mar é subtraído da raça humana. Enquanto a segunda trombeta matou um terço das criaturas marítimas (8.8, 9), a segunda taça traz morte a todos os seres vivos no mar. Com a segunda trombeta, Deus ainda estendeu sua graça a sua criação, não privando-a de seus recursos alimentícios. Mas o efeito da segunda taça é o juízo divino, pois esta praga converte o mar em sangue, o que João compara ao sangue de um homem morto. É impossível ima ginarmos tal coisa. Kendell H. Easley escreve: “João está contemplan do um fenômeno sobrenatural e não um evento científico ou explicá vel.”6 Isso causa fome e morte a tudo o que depende da abundância marítima, pois os oceanos do mundo exibem um quadro de poluição. 5. Por exem plo, G. R. Beasley-M urray, The B ook o f R evelation, N C B (Londres: Oliphants, 1974), p. 241; John F. Walvoord, The Revelation o f Jesus Christ (Chicago: M oody, 1966), p. 233. R. C. H. Lenski (The Intepretation o f St. John's Revelation [Columbus: Wartburg, 1943], p. 467) explica o mar com o sendo um sím bolo do “mundo anticristão deste dia” do juízo. 6. K endell H. E asley, R evela tio n , H NTC (N ashville: Broadman & H olm an, 1998), p. 285.
A p o c a l ip s e 16.4-7
556
Palavras, Frases e Construções Gregas em 16.3 i|/uxr) Çwfiç - “a alma da vida” ou “ser vivente”. A frase deriva do relato da criação, onde Deus cria um “ser vivente” (Gn 1.30; 2.7). O genitivo é qualificativo. tá - O Texto Majoritário omite este pronome definido, no entanto sua presença especifica, isto é, as coisas marítimas, pereceram.7
3. A . Terceira Taça 1 6 .4 -7
4. E o terceiro anjo derramou sua taça nos rios e nas fontes de água, e se converteram em sangue. Aqui há um paralelo com a terceira trombeta (8.10, 11) e ao mes mo tempo uma referência à maldição que transformou todas as corren tes, canais, lagoas e reservatórios do Egito em sangue (Êx 7.19). As pessoas que experimentaram a praga se assemelham aos egípcios, cujos rios Deus converteu em sangue, ao ponto de “não mais poderem beber de suas águas” (SI 78.44). Esta praga difere da anterior, porque os seres humanos e o mundo animal dependem diariamente de água potá vel para beber. Quando esse suprimento é poluído e se torna impróprio para beber, consequentemente morrerão. Neste ponto, João poderia ter dado seguimento à seqüência com a quarta praga, porém insere um breve interlúdio que revela um hino comparável ao cântico de Moisés e do Cordeiro (15.3, 4). Aqui um anjo vocaliza um hino; ali os santos entoam um cântico. 5. E ouvi o anjo que tem autoridade sobre as águas dizer: Tu és justo em julgares essas^coisas, aquele que é e que era, ó Santíssimo. O anjo que atingiu as águas dos rios e das fontes, transformando-as em sangue, é agora denominado literalmente “o anjo das águas”; ele louva a Deus por seus justos juízos. Certos comentaristas separam es ses dois anjos, afirmando que em outros lugares do Apocalipse há anjos que controlam os ventos (7.1) e outro anjo que tem poder sobre o fogo 7. Henry Barclay Sw ete (C om m entary on Revelation [1911; reimp. em Grand Rapids: K regel, 1977], p. 199) coloca uma vírgula depois de àtíkQ(s.vív para fazer a próxim a frase aposicional.
557
A p o c a l ip s e 16.4-7
(14.18). A Escritura, porém, em parte alguma fala de um anjo que tem autoridade sobre as águas.8 Derramando sua taça, o anjo declara a justiça de Deus, dizendo: “Tu és justo em julgares essas coisas.” Leon Morris habilmente obser va: “O anjo das águas vê nesses procedimentos um excelente exemplo de efetuar o castigo adequado ao delito.”9Tudo indica que as palavras têm sua origem no Grande Cântico de Moisés e do Saltério, “Deus fiel... reto e justo é ele” (Dt 32.4; ver também SI 119.137; 145.17). As palavras que é e que era (Ap 11.17) são familiares; em outros lugares a frase “que há de vir” completa a fórmula (comparar 1.4, 8; 4.8). Sua omissão neste versículo comprova o fato de que Deus já veio em Cristo e que João faz uma retrospectiva, por assim dizer, rumo ao cumprimento da consumação. A santidade de Deus não tolera nenhuma injustiça, e seus juízos são sempre retos e justos. Os santos que confessam seus pecados re cebem sua graça, mas os pecadores que se recusam a arrepender-se recebem o que justamente merecem. O cântico enfatiza a santidade, colocando em o Santíssimo, no final da sentença seguinte, a designa ção “que é e que era”. Alguns tradutores inserem o vocativo “ó Santís simo” logo depois de “tu és justo” para justapor os conceitos justo e santo (ver SI 144.17 LXX).l0Não obstante, a seqüência põe o vocativo como a terceira parte da frase descritiva, que é e que era. Isto é, agora chegou o tempo para Deus exercer seu atributo de santidade, vingar os santos que sofreram por causa de sua palavra (6.9, 10) e infligir castigo sobre seus adversários. Derramar o conteúdo da tercei 8. Ver D avid E. Aune (R evelation 6 -1 6 , W BC 52B [N ashville: N elson, 1998], pp. 884, 885), o qual designa o anjo das águas com o um ser angélico particular responsável por essa parte da criação. A lém d isso, John P. M. Sw eet, R evelation, W PC (Filadélfia: W estminster, 1979), p. 244; Philip Edgcum be H ughes, The B ook o f the R evelation: A C om m entary (Leicester: Inter-Varisty; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 171. A in da que a literatura apócrifa revele que os anjos eram designados para determinadas partes da criação (Jubileu 2.2; 1 Enoque 60.12-22; 66.2; 69.22; 75.3), nesta passagem vem os uma estreita conexão entre o terceiro anjo e o anjo encarregado das águas. Ver SB, 3.818-20. 9. Leon Morris, Revelation, ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 188. 10. NRSV; ver também Friedrich Diisterdieck, C ritical and E xegetical H andbook to the R evelation o f John (N ova York e Londres: Funk e W agnalls, 1886), p. 417.
A p o c a l ip s e 16.4-7
558
ra taça nos rios e nas fontes de águas equivale a derramar o juízo de Deus sobre seus inimigos que perseguiram seu povo.11
6. Porque têm derramado o sangue dos santos e profetas, sangue lhes deste a beber; eles o merecem. Note que a palavra sangue é mencionada duas vezes: o sangue derramado dos que foram perseguidos pelos seguidores do Anticristo, e o sangue dos rios e fontes que Deus fez os perseguidores beberem como seu castigo. Beber sangue, cujo ato por si só é repugnante, não precisa ser tomado literalmente; pode referir-se figuradamente à dis córdia e difamação interpessoais entre os próprios opressores (Nm 23.24; Is 49.26). Significa que os canais de comunicação foram obstruídos com conflitos e massacres resultando em morte. Os santos são todos eles pertencentes ao povo de Deus, como é evidente em outros passos do Apocalipse, e os profetas são um grupo especial dentro da Igreja (11.18; 18.20, 24; 22.9). Todas essas pessoas têm sofrido nas mãos dos inimigos de Deus. A última frase é breve e pode ser traduzida como “são dignos” ( k j v ). Nesse sentido positivo, a frase descreve os santos, como em 3.4, onde Jesus enaltece os santos de Sardes, que são dignos; e 5.12, onde lemos que o Cordeiro é digno. Se este é o significado, os santos são aqueles que serão vingados e declarados dignos.12Mas o contrário se adequa melhor ao contexto, porque o antecedente imediato se refere às forças anticristãs que derramaram o sangue dos santos. Como seu cas tigo, seu sangue, figuradamente falando, deve ser agora derramado. Em suma, os perseguidores recebem a justa sentença que merecem. 7. E ouvi uma voz procedente do altar, dizendo: Sim, Senhor Deus Todo-Poderoso, verdajíeiros e justos são teus juízos. Como resposta apropriada ao hino entoado pelo anjo encarregado das águas, uma voz procedente do altar então canta um tributo a Deus. A expressão altar, personificada por funcionar como porta-voz, enfatiza o lugar donde a voz se origina. Esse é o altar donde clamam as almas dos mártires: “Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não 11. Gregory K. B eale, The Book o f Revelation: A C om m entary on the Greek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 818. Consultar também Peter Staples, “Rev. X V I 4-6 and Its Vindication Formula”, N ovT 14 (1972): 280-93. 12. H ughes (R evelation, p. 174) admite a possibilidade de aplicar-se a sentença aos santos.
559
A po c a l ips e 16.4-7
julgarás os que habitam sobre a terra e não vingarás nosso sangue?” (6.10). Agora que o Senhor Deus Todo-Poderoso tem resposta à sua súplica, enunciam uma palavra de louvor e afirmação. O altar é o do incenso, do qual sobem a Deus as orações dos san tos. Essas orações são um misto de cheiro aromático de incenso. E desse altar Deus lança fogo sobre a terra para castigar os ímpios (8.35; 14.18) e aplicar juízo sobre seus adversários. Agora essas vozes se dirigem ao Senhor Deus Todo-Poderoso (ver tam bém4.8; 11.17; 15.3; 19.6) e o louvam por seus juízos, os quais são verdadeiros e justos. Essas vozes ecoam como uma resposta em forma de antífona ao hino do anjo (vs. 5, 6).13 A palavra grega krisis (juízo) realmente significa o processo de chegar-se a um veredicto que então se converte na sentença do juiz. As palavras “verdadeiros e justos são teus juízos” são textualmente reiteradas em 19.2, e a combinação “Senhor Deus Todo-Poderoso, ver dadeiros e justos” é uma cópia de 15.3. Ninguém pode acusar Deus de ser precipitado em seu juízo, pois o Todo-Poderoso dem onstra extraordinária paciência, advertindo reiteradamente o povo enquanto desdenhosamente se recusa a arre pender-se. Ninguém pode acusá-lo de injustiça, pois ele aplica seu juízo de acordo com a reta justiça (Dt 32.4; SI 19.9; 119.137; Dn 3.27, 28, grego antigo e Theod.).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 16.4-7 Versículo 4 elç - as primeiras três taças são derramadas elç (em) a terra, o mar e os rios e as fontes de águas. As últimas quatro taças são derramadas èiú (sobre) o sol, o trono da besta, o rio Eufrates e a atmosfera, respectivamente. Versículo 7 ai Kpíoei; - o termo Kpíaiç pode denotar a maneira de se chegar a um veredicto (14.7; 18.10; 19.2), enquanto a palavra Kpíp.a se refere ao resultado de uma ação, isto é, o ato de sentenciar (17.1; 18.20; 20.4).14 13. Jürgen R oloff, The R evelation o f John, trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 186. 14. Consultar Friedrich Biichsel, TDNT, 3.942; Mathias R issi, EDNT, 2.317. A s duas palavras podem assumir significados idênticos.
A p o c a l ip s e 16.8,9
560
4. A Quarta Taça 16.8,9
8. E o quarto anjo derramou sua taça sobre o sol, e lhe foi dado poder para queimar as pessoas com fogo. 9. E as pessoas foram queimadas com grande ardência, e blasfemaram o nome de Deus, que tem autoridade sobre essas pragas. E não se arre penderam e nem lhe deram glória. A quarta trombeta e a quarta praga têm pouco em comum, exceto em sua referência ao sol. A quarta trombeta soou e um terço do sol foi atingido, de tal modo que as trevas o envolveram (8.12). Na quarta praga, porém, o sol não é absolutamente eclipsado, senão que resplende com todo seu vigor ao ponto de queimar as pessoas, impossibilitando-as de se protegerem. Aliás, essa praga é inteiramente nova no ciclo das sete taças. O sol como fonte de luz e fonte de calor que faz com que a criação tenha vida recebe agora poder de destruir com uma temperatu ra abrasadora. A luz do sol normalmente fornece calor e conforto a todos os seres vivos, especialmente à raça humana; agora o sol veio a ser um poder destrutivo. Em vez de ser uma bênção, o sol veio a ser uma maldição. O tempo passivo do verbo dar implica que Deus é o agente que faz essa anormalidade acontecer. O povo de Deus é protegido de tal experiência. Em uns poucos passos da Escritura Deus diz a seu povo que “nem fome, nem sede, nem o calor do deserto, nem o sol lhes sobrevirão” (Is 49.10; ver também SI 121.6; Ap 7.16). Para seus seguidores ele é sol e escudo (SI 84.11). Observando o resultado da aflição, João notifica que os incrédulos “blasfemaram o nome de Deus, que tem a autoridade sobre essas pra gas” (comparar Is 52.5). Essas pejsoas são os seguidores do Anticristo, sendo ele mesmo blasfemo e caluniador de seu nome, do céu e dos que habitam o céu (Ap 13.6). Sabem sobejamente que Deus tem o poder de infligir-lhes essas pragas, mas, em vez de arrepender-se de seus maus caminhos, blasfemam dele. Isso prova que estão plenamente no poder do maligno e são incapazes de escapar. A guisa de contraste, Jesus livra seu povo da escravidão do pecado. Ele chama seu povo ao arre pendimento, como vemos claramente nas cartas às igrejas de Efeso, Pérgamo, Tiatira, Sardes e Laodicéia (2.5, 16, 21, 22; 3.3, 19). E ainda quando têm que suportar dificuldades por causa do evangelho, seus pecados são perdoados em decorrência de seu arrependimento.
561
A p o c a l ip s e 16.8,9
Inicialmente, João descreveu os incrédulos recusando-se a dar ouvi dos à trombeta destinada a conduzi-los ao arrependimento (9.20, 21). Mas quando se recusam a dar ouvidos, devem assumir a plena responsa bilidade de seus atos e enfrentar a implacável ira de Deus, como faraó, que endureceu paulatinamente seu coração, recusando-se a dar glória a Deus.15O escritor do Apocalipse conclui: “não se arrependeram nem lhe deram glória.” O tema repetitivo deste capítulo é a recusa de arrependerse demonstrada pelos pecadores cujos corações são endurecidos em de corrência dos castigos que Deus envia (vs. 9, 11, 21). Além do mais, o fracasso em dar glória a Deus resulta do fato de Deus os abandonar. Daí, Paulo, em Romanos 1.24-28, nota três vezes sucessivas que Deus faz com que os pecadores se endureçam em seus próprios pecados como um ato do juízo divino. Em suma, tais pessoas estão perdidas para sempre.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 16.8,9 Versículo 8
êõó0r| - o sujeito, que deve ser suprido, pode ser ou o sol como o antece dente mais próximo ou o quarto anjo no caso nominativo. Os tradutores estão igualmente divididos sobre este resultado. Versículo 9
ôoüvai - o aoristo infinitivo do verbo d ar tem um sentido consecutivo neste versículo, “dar-lhe glória”. Ele funciona como resultado concebido.16
5. A Q uinta Taça 16.10,11
10. E o quinto anjo derramou sua taça sobre o trono da bes ta. E seu reino ficou em trevas, e as pessoas mordiam suas lín guas por causa da dor. 11. E blasfemaram o Deus do céu por causa de suas dores e de suas queimaduras. E não se arrepen deram de suas obras. 15. D eus endureceu o coração de faraó nove vezes (Êx 4.21; 7.3; 9.12; 10.1, 20, 27; 11.10; 14.4, 8). Mas faraó também endureceu seu próprio coração nove tezes (ver Êx 7.13, 14, 22; 8.15, 19, 32; 9.7, 34, 35). Em última análise, faraó foi o culpado por sua própria incredulidade (Rm 9.17, 18). 16. A. T. Robertson, A G ram m ar o f the G reek N ew Testament in the Light o f H istorical R esearch (Nashville: Broadman, 1934), p. 1.001; Robert Hanna, A G ram m atical A id to the G reek N ew Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 452.
A p o c a l ip s e 16.10,11
562
a. “E o quinto anjo derramou sua taça sobre o trono da besta.” As primeiras quatro pragas foram derramadas sobre a criação divina: a ter ra, o mar, os rios e o sol. A quinta praga, porém, afeta o trono da besta, isto é, a sede do império espiritual de Satanás. Além disso, as últimas três pragas nesta série de sete são enviadas diretamente aos seguidores de Satanás.17Esses seguidores blasfemam contra o Deus do céu (v. 11), são enganados pelo falso profeta (v. 13) e são golpeados pelas forças da natureza e contemplam seu mundo em colapso (vs. 18-21). O trono de Satanás é mencionado com referência a Pérgamo como representante de Roma (2.13; ver também 13.2). Ali o culto ao impera dor tinha seu centro e ali fora sediado o primeiro centro administrativo romano da província da Ásia. Conseqüentemente, alguns comentaris tas situam o trono da besta em Roma, porém isso é restrito demais.18 Enquanto as primeiras quatro taças afetaram a natureza, a quinta atua sobre a esfera espiritual. O trono da besta é um trono espiritual descrito como o poço do Abismo (9.1). Além disso, ^ governo do Anticristo não se limita a uma determinada era ou um lugar específico. Por onde quer que Deus governe sobre a face da terra, Satanás estabelece seu trono e reivindica autoridade (Lc 4.6). Por último, todos os cidadãos do reino da besta são golpeados com medo, desespero e dor. b. “E seu reino ficou em trevas, e as pessoas mordiam suas línguas por causa da dor.” A praga que levou os egípcios a viverem em trevas por três dias consistiu numa mudança física da natureza (Ex 10.22), mas o derramamento da quinta taça provoca escuridão espiritual para todos os seguidores de Satanás. E como os israelitas tinham luz onde viviam (Êx 10.23), assim o povo de Deus continua a viver em sua luz. Essa escuridão espiritual cQíneçou no passado, continua no presente e é mundialmente abrangente. Como conseqüência, os cidadãos desse reino de trevas continuam mordendo suas línguas em decorrência das agonias que experimentam. Não têm descanso, vivem constrangidos e chegam à exaustão. A palavra grega ponos, que é traduzida por “dor” 17. W ilfrid J. Harrington, R evelation, SP 16 (C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993), p. 165. 18. Entre muitos outros, ver Swete (Revelation, p. 204), que assevera: “é indubitavelmente Rom a”; R. H. Charles, A C riticai and Exegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 2.45; Gerhard A. Krodel, Revelation, ACNT (M inneapolis: Augsburg, 1989), p. 285; M ounce, Revelation, p. 297.
563
A p o c a l ip s e 16.10,11
(vs. 10, 11; 21.4), significa trabalho árduo do corpo e mente que resulta em sofrimento e dor.19As pessoas mordem (literalmente, consomem) suas línguas para manter o controle de suas funções mentais e físicas. c. “E blasfemaram o Deus do céu por causa de suas dores e suas feridas.” Seus corpos também sofrem com as úlceras que foram causa das pelo anjo que derramou a primeira taça (v. 2). Assim, seus corpos são cobertos com feridas purulentas das quais suportam dor excruciante. A despeito da agonia que suportam, recusam-se a converter-se ao Deus que controla as pragas (v. 9). Recusam-se a buscar seu auxílio; em vez disso amaldiçoam o Deus do céu (comparar 11.13; Dn 2.18,19). O termo Deus do céu se refere à suprema majestade no céu e na terra. Ao amaldiçoar essa majestade, o sofrimento dos habitantes da terra demons tra determinado desafio e radical rejeição do governo exaltado de Deus. d. “E não se arrependeram de suas obras.” Essas obras são ex pressas no final da sexta trombeta: culto aos ídolos, homicídio, artes mágicas, imoralidade sexual e latrocínio (9.20, 21). O povo continua seu pecaminoso estilo de vida e se recusa a arrepender-se. Sem dúvi da, para esses pecadores, já passou o tempo de arrepender-se.20
Palavras, Frases e Construções Gregas em 16.10,11 Versículo 10
6K - nesta sentença, a preposição tem uma conotação causal: “as pessoas mordiam suas línguas por causa da dor.” O verbo è|xaocôvTo (mordiam) está no tempo imperfeito para mostrar ação contínua. Ele é impessoal e assim se refere às pessoas em geral. Versículo 11
€K t(5v Êpycjy aütcôv - “de suas obras.” A preposição è k denota sentido de separação.
6. A Sexta Taça 16.12-16 Este segmento menciona áreas e lugares geográficos, inclusive o rio Eufrates e o Armagedom; na seção seguinte (vs. 17-21) aparece Babilônia, a Grande. Esses nomes devem ser interpretados literal ou 19. Liddell, p. 1448; Manfred Seitz e Hans-Georg Link, NIDNTT, 1.262. 20. Richard Bauckham, The Clim ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 14.
A p o c a l ip s e 16.12-16
564
figuradamente? Alguém se inclina a dizer que do ponto de vista de João esses são lugares e nomes específicos e devem ser tomados literal m ente. Isso se torna evidente quando notam os que os profetas veterotestamentários direta e indiretamente predizem a seca do Eufrates e das águas de Babilônia (Is 11.15; 44.27; Jr 50.38; 51.36; ver também Zc 10.11; 4 Esdras [2 Esdras] 13.47). Esta profecia cumpriu-se nos dias de Ciro, rei da Pérsia, que em 539 a.C. cruzou o Eufrates com seu exército e derrotou Babilônia.21 O nome Armagedom é o equivalente hebraico do Monte de Megido. Mas não existe nenhum monte próximo do lugar chamado Megido que olha para a planície de Esdraelom. Desconsiderando os problemas em torno do nome em questão, alguns estudiosos optam pela interpretação literal.22Eles vêem o nome Babilônia como claramente associado ao de Eufrates, e descartam qualquer ponto de vista que não seja literal. Não obstante, as explicações figuradas são viáveis e até mesmo preferíveis. Primeiro, este capítulo tem umas poucas passagens que devem ser interpretadas figuradamente; por exemplo, beber o sangue é melhor entendido em termos do ato interpessoal de derramar sangue entre as forças anticristãs (v. 6), e alguém conservando suas roupas é uma descrição figurada de vestir-se alguém com a Palavra de Deus (v. 15). Sobre esta base, os nomes na presente passagem podem ser per cebidos metaforicamente. Segundo, o Eufrates (ver 9.14) era considerado como sendo uma fronteira divisória do oriente e ocidente; essa barreira foi agora removi da, de modo que as forças destrutivas podem avançar sem impedimen to de um lugar a outro e provocar a queda de Babilônia, a Grande. Terceiro, no Apocalipse, @nome de Babilônia, a Grande, não é um lugar localizado, mas um símbolo do poder mundial anticristão que dura até o final do tempo cósmico (referência aos comentários em 14.8). Quarto, o capítulo 17 fornece uma explicação de Babilônia, fazen do alusão à grande prostituta que se assenta sobre muitas águas (v. 1); 21. Heródoto 1.190-91; X enofonte, C yropedia 7.5.1-36. 22. Robert L. Thomas (Revelation 8 -2 2 : An Exegetical Com m entary [Chicago: M oody, 1995], p. 269) assevera: “Se ‘Eufrates’ é um lugar real, assim também H a rm a g e d õ n ." Ver também John F. Walvoord, The Revelation o f Jesus C hrist (Chicago: M oody, 1966), pp. 238, 239; Henry Alford, Jam es-R evelation, vol. 4, parte 2, de A lfo rd ’s G reek Testament (1875; reimp. em Grand Rapids: Guardian, 1976), p. 702.
565
A po c a l ip s e 16.12-16
esta “é outra forma de referir-se a ‘o Eufrates e suas águas’ (16.12)”.23 João interpreta essas águas como sendo “povos, multidões e línguas” (17.15); aliás, essas palavras são um comentário às expressões Eufrates e Babilônia (16.12, 19). Quinto, no contexto, a secagem do Eufrates funciona como um sím bolo permitindo que as forças anticristãs vão à guerra para enganar, se possível, até mesmo os cristãos. Note que três espíritos maus saem para juntar-se aos reis do mundo inteiro em batalha (v. 4), enquanto os crentes são advertidos a permanecerem despertos para que não sejam apanha dos desprevenidamente (v. 15). Daí não ser tanto uma questão da seca gem do Eufrates, quanto do envio de três espíritos maus com o intuito de enganar o mundo inteiro.24Todos os restringentes e obstáculos foram removidos para que as forças ímpias realizem suas obras destrutivas. O código moral da lei de Deus cessou de influenciar a sociedade em geral, e o mistério da iniqüidade está em operação em plena força (ver 2Ts 2.7).
12. E o sexto anjo derramou sua taça sobre o grande rio Eufrates, e suas águas secaram, de modo que se preparou uma estrada para os reis do oriente. Este versículo é um eco do relato dos israelitas cruzando o Mar Vermelho e o Jordão (Ex 14.21; Js 3.17). O exército egípcio tentou atravessar o Mar Vermelho, porém afogou-se, enquanto os israelitas o cruzaram em segurança (SI 106.9; Is 11.16; 51.10). Agora João revela que os reis do oriente usam o leito seco do Eufrates como estrada para continuar suas jornadas, sem qualquer impedimento, por meio de uma barragem natural. Ele, porém, não indica que os reis orientais realmen te invadem o ocidente. Seriam esses reis os partas a quem os romanos, nos dias de João, não tinham sido ainda subjugados? Embora muito se tenha escrito sobre o poderio dos partas e do lendário regresso de Nero,25é provável que o que esteja em pauta não seja uma conquista parta. João mesmo fornece uma pista com sua referência aos reis do mundo inteiro sendo congregados pelos espíritos maus para a batalha (vs. 13, 14). Isso significa que tanto os reis do oriente quanto os reis do mundo são as forças armadas contra o Cristianismo; em vão as duas 23. Beale, R evelation, p. 828. 24. Sw eet, R evelation, p. 246; Hoeksem a, Behold, H e Cometh!, pp. 546, 547. 25. Por exem plo, ver respectivamente Aune, Revelation 6 -1 6 , pp. 891-94; e Bauckham, Clim ax o f P rophecy, pp. 407-50.
A p o c a l ip s e 16.12-16
566
[forças] buscam alcançar o mesmo propósito, isto é, a ruína da Igreja. João freqüentemente menciona dois temas ligeiramente diferentes que cumprem o mesmo objetivo (por exemplo, “o cântico de Moisés e o cântico do Cordeiro”, 15.3). Incidentemente, a estrada dos reis do Oriente é uma frase que se tem submetido a mais especulação do que qualquer outra frase neste capítulo. Mas se não houver nenhuma luz adicional oriunda do texto ou contexto, faremos bem em manter silêncio.
13. E vi sair da boca do dragão e da boca da besta e da boca do falso profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs. 14. Pois são espíritos demoníacos, que operam milagres, e vão aos reis do mundo inteiro a reuni-los para a guerra do grande dia do Deus Todo-Poderoso. Satanás então produz uma paródia de Deus, Cristo e o Espírito Santo. Deus o Pai é parodiado pelo dragão, Satanás, que se opõe a Deus. A besta sai do mar como o Anticristo para fazer frente a Cristo. E o falso profeta, como a besta, emerge da terra no lugar do Espírito Santo (12.3; 13.1,2, 11; 19.20; 20.10). A frase sai da boca ocorre três vezes e deve ser entendida simbo licamente como o discurso que flui de forma tríplice. Da boca da tríade, a saber, dragão, besta e falso profeta derrama-se uma avalanche de mentiras e engano. João usa o símbolo de três espíritos imundos, que são os porta-vozes, e compara esse trio a três rãs. Visto que elas não têm escamas nem barbatanas, o Antigo Testamento classificou as rãs como criaturas imundas, as quais os israelitas deviam detestar (Lv 11.10). A palavra rã aparece uma só vez em todo o Novo Testamento, e no Antigo Testamento somente em referência à praga de rãs no Egito (Êx 8.2-6; SI 78.45; 105.30). Embora as rãs sejam criaturas úteis por consu mirem moscas e outros insetos, o povo as considerava como sendo imun das. Nesta passagem, João identifica as rãs com espíritos imundos. As falsidades que fluíam dos três espíritos maus são sagazes e traiçoei ros; é algo como tocar a pele de uma rã. Não obstante, essas impostu ras são aversivas aos que estão alertas, vigilantes e firmemente estabe lecidos na Palavra. Esses santos estão plenamente cônscios da batalha espiritual que o Anticristo deflagra contra o Cristo e seus seguidores. Além de mascarar a verdade, esses espíritos também possuem a habilidade de realizar sinais e de enganar o público. Inicialmente João
567
A p o c a l ip s e 16.12-16
escreveu que a besta realizava “grandes sinais ao ponto de fazer des cer fogo do céu à terra diante do povo” (13.13). Isso foi feito com o propósito primário de extraviar o povo (Mt 24.24), especialmente “os reis do mundo inteiro”. Os espíritos maus dirigem sua fraude de men tiras e sinais primariamente aos governantes do mundo, de modo que, por sua vez, possam passar adiante as mentiras aos cidadãos de seus países.26E com as multidões enganadas, esses reis deflagram guerra contra o Deus Todo-Poderoso. João escreve que os espíritos maus reúnem os reis do mundo inteiro “para a guerra no grande dia do Deus Todo-Poderoso”. Essa guerra não é física nem política, mas espiritual; é a guerra que Satanás tem deflagrado desde que levou Adão e Eva a sair do Paraíso, e continuará a deflagrá-la até que seja derrotado e lançado no lago de fogo (20.10). O texto grego destaca o artigo defi nido na expressão a guerra em três lugares que destaca a batalha final (16.14; 19.19; 20.8). A referência é ao último conflito no fim do tempo cósmico. Olhemos mais detidamente para o texto (v. 14). Primeiro, o substan tivo reis representa todas as pessoas no ajuntamento anticristão que se engaja em uma guerra espiritual em um dia denominado o grande dia. Segundo, ainda que João mencione um dia específico que qualifica pelo uso do adjetivo grande, Satanás está deflagrando guerra ainda mais ferozmente enquanto vê passar o tempo, o qual bem sabe estar perto (12.12). Quanto mais perto estiver do fim, mais ferozmente ele se arremete à batalha. Ele lança essa batalha mundial contra o reino do céu e seu Rei, buscando subverter a Igreja cristã em uma guerra abrangente até o fim. Mas o diabo e seus seguidores fracassam em compreender que Deus reúne todos os governantes do mundo e seu povo com o propósito de derrotá-los. Terceiro, a batalha final será deflagrada quando Cristo, que caval ga o cavalo branco, com os exércitos do céu, derrotam totalmente seus oponentes (19.11-21). Nessa batalha, os reis da terra e seus exércitos serão congregados em torno da besta e do falso profeta. Esse profeta tinha atraído fraudulentamente os reis e seus exércitos, porém são mor tos com a espada do Senhor. A expressão os reis da terra aparece freqüentemente no Apocalipse e aponta para o Salmo 2.2. Esses reis e 26. D eus enviou um espírito mentiroso para atrair o rei A cabe à morte na batalha contra a Síria (ver lR s 22.21-23).
A p o c a l ip s e 16.12-16
568
governantes se põem contra Deus e seu Filho ungido, porém o Senhor os trata com escárnio e desprezo.27 Em último lugar, o adjetivo grande aponta para o último dia, quando as forças do mal se lançarem contra Cristo. Aliás, aquele dia é o dia do Senhor - termo comum em ambos os Testamentos. Especialmente nas epístolas de Paulo e Pedro, o termo dia do Senhor significa o último dia escatológico.28
15. (eis que eu venho como um ladrão! Bem-aventurado aque le que permanece vigilante e conserva consigo suas vestes, para que não ande nu e sua vergonha não seja exposta). a. “Eis que eu venho como um ladrão!” Este versículo é um interlúdio no qual Jesus fala aos crentes na terra. Portanto, os traduto res o põem entre parênteses como um apêndice. A pergunta: “Onde estão os seguidores de Cristo neste mundo de decepção?” é agora respondida pela voz de Jesus estimulando-os a ficarem em alerta. Ele os lembra de que sua vinda será semelhante à de um ladrão, a qual para os santos será súbita e inesperada. Jesus ensinara a seus discípulos que eles seriam como o proprietário de uma casa que se mantém desperto para impedir que um ladrão a invada de noite (Mt 24.42,43; Lc 12.39, 40). E, na carta à igreja de Sardes, Jesus declara aos leitores que virá como um ladrão (Ap 3.3). A tese de Jesus, quer em seu ensino a seus discípulos, ou em seu alerta aos cristãos de Sardes, consiste em que seu regresso é súbito e inesperado. Ambos, Paulo e Pedro, descrevem a vinda do Senhor como a de um ladrão de noite (lTs 5.2; 2Pe 3.10). A imagem do ladrão que espera para invadir uma casa é justaposta com a beatitude de que existe uma bênção para quantos permanecem despertos e impedem que tal coisa aconteça. De modo semelhante, no Evangelho de Lucas, a parábola-de Jesus concernente ao ladrão está estreitamente associada com a beatitude que pertence ao servo fiel que permanece desperto (Lc 12.37, 39).29 27. A pocalipse 1.5;6.15; 17.2,18; 18.3,9; 1 9 .1 9 ;2 1 .2 4 .0 s e x to s e lo c o n té m a e x p r e ssão reis da terra (6.15), e a sexta trombeta traz reis do mundo inteiro (16.14). 28. George Eldon Ladd, Commentary on the Revelation ofJohn (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 214. Ver 1 Coríntios 3.13; 2 Tessalonicenses 1.10; 2 Pedro 3.12; e comparar João 6.39; 11.24; 12.48. 29. Louis A . Vos, The Synoptic Tranditions in the A pocalypse (Kampen: Kok, 1965), pp. 83, 84. Mas Bauckham ( Clim ax ofP roph ecy, p. 105 n. 32) denomina esta paráfrase com o não convincente.
569
A p o c a l ip s e 16.12-16
b. “Bem-aventurado aquele que permanece vigilante.” Aqui está a terceira beatitude numa série de sete (1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7, 14). Alguns estudiosos são de opinião de que o arranjo de uma advertência com uma beatitude é embaraçoso e fornece prova de que esta passagem é intrusa ou uma interpolação.30Tal ponto de vista, po rém, não pode ser sustentado; carece de evidência documental, e João mantém sempre em mente o povo de Deus no meio de um mundo incré dulo. Aqui, com Jesus como sua fonte, ele dirige uma palavra de adver tência aos cristãos para que permaneçam espiritualmente despertos. c. “E guarda suas roupas, para que não ande nu e sua vergonha não seja exposta.” A referência de guardar alguém suas roupas não tem nada a ver com nudismo, mas tem de ser considerada em termos figu rativos. A alusão é de estar espiritualmente vestido com a Palavra de Deus, de modo que, quando o tentador chegar com imposturas e frau des, o crente seja capaz de prestar boa conta de si mesmo, ou de si mesma, e assim malograr as tentações, desmascarar a fraude e frus trar os ataques diabólicos. Perambular espiritualmente nu, sem as vestimentas da Palavra de Deus, traz vergonha ao cristão e vexame a seu Senhor. Isso é o que Jesus disse aos laodicenses: “Aconselho que compre de mim... roupas brancas para vestir-se, a fim de que não se revele a vergonha de sua nudez” (3.18). Aliás, é “um modo figurativo de falar de miséria espiritual”.31
16. E os conduziram ao lugar que em hebraico se chama Armagedom. O termo Armagedom ocorre somente aqui em toda a Bíblia, de modo que os estudiosos se esforçam para apresentar uma explicação convincente. Têm se oferecido numerosas soluções,32porém não temos certeza absoluta sobre a quê o termo realmente se refere. Todas as nos sas abordagens, na melhor das hipóteses, não passam de conjecturas. 30. Ford, Revelation, p. 263; Charles, Revelation, 2.49, 427 n. 3; James M offatt, The Revelation ofSt. John the Divine, em The Expositor 's Greek Testament, org. W. Robertson N icholl (reimp. em Grand Rapids: Eerdmans, 1956), 5.448. 31. Thomas, R evelation 8 -2 2 , pp. 267, 268. 32. Ver, por exem plo, Hans K. LaRondelle, “The Biblical Concept o f Armageddon”, JETS 28 (1985): 21-31, e “The Etym ology o f H ar-M agedon (Rev 16.16)”, AU SS 27 (1989): 69-73; R. E. Loasby, “ ‘Har-M agedon’ according to the Hebrew in the Setting o f the Seven Last Plagues o f Revelation 16”, AU SS 27 (1989): 129-32; W. H. Shea, “The Location and Significance o f Armageddon in Rev. 16.16”, A USS 18 (1980): 157-62.
A p o c a l ip s e 16.12-16
570
Comecemos com a frase hebraica, a qual por si só apresenta um problema, já que o Antigo Testamento não possui a palavra Armagedom. À guisa de transliteração, temos ou Harmageddon, que é traduzido “mon te (har) de M egido”, ou Armageddon, que é traduzido “cidade (ar) de Megido”. A cidade estava localizada em um platô que olha para a Pla nície de Esdraelon, a nordeste. Nesse vale, muitas batalhas antigas e recentes têm se deflagrado, só para fazer menção, temos os exércitos de Israel derrotando Sísera e suas hostes nos dias da profetisa Débora (Jz 5.19; ver também 2Rs 9.27; 23.29; 2Cr 35.22; Zc 12.11) e a Guerra dos Seis Dias, de 1967. Além do mais, a grafia da palavra Megido varia. O texto grego tem H a rm a g ed õ n , que, à parte do prefixo har, tem um a em lugar de um e, um e em lugar de um i, um d em vez de dois, e um n final. A expressão é indeclinável em decorrência de sua origem hebraica. O Antigo Testamento não tem a palavra em pauta, mas o uso que João faz do hebraico é típico dos escritos apocalípticos judaicos. Os escritos dos pais eclesiásticos, porém, nunca conectaram o nome Megido com 16.16, e na literatura contemporânea ele nunca recebeu qualquer “sig nificação escatológica”.33 Outra dificuldade consiste em que não existe nenhum monte em Megido. Identificar esse nome com o Monte Carmelo, ao Ocidente de Megido, o que alguns estudiosos têm feito, não encontra endosso em escritos antigos e por isso deve ser descartado. Como alternativa, ou tros estudiosos voltaram sua atenção para a tradução “cidade de Megido”. A palavra pode então ser considerada um nome em código para uma guerra particular, porque é comum na guerra usar vários no mes em código como pontos $e reagrupamento.34 Ainda outros intérpretes vêem a palavra Armagedom tendo por base as palavras hebraicas har mô(êd, traduzidas em nosso idioma 33. Joaquim Jeremias, TDNT, 1.468. Entretanto, em um artigo intitulado “The Origin o f Armageddon: Revelation 16.16 as an Interpretation o f Zechariah 12.11”, John Day ressalta que Zacarias 12.11 é “o único lugar anterior ao A pocalipse em que se m enciona M egido num contexto apocalíptico” e que a passagem é a única no Antigo Testamento onde M egido é grafado com o n final, com o m egiddbn ( C rossing the Boundaries: E ssays in B iblical Interpretation in H onour o f M ichael D. G oulder, org. Stanley E. Porter, Paul Joyce e David E. Orton [Leiden: Brill, 1994], pp. 319, 320). 34. Ver L. van Hartingsveld, Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1985), p. 69.
57 1
A p o c a l ip s e 16.12-16
como “o m onte da assembléia”, como aparece em Isaías 14.13. Esse monte é um símbolo do Monte Sião, pois esse lugar é considerado como sendo o lugar donde Cristo virá para derrotar seus inimigos. Esse monte da assembléia é, pois, considerado como sendo o Monte Sião e relacionado com a cidade de Jerusalém. Esse lugar serve como o ponto de reunião para as sessões do tribunal, concílios, comando das forças armadas e a assembléia de anjos e santos.35 A dificuldade com tal sugestão é a ausência de endosso textual; é uma conjectura que busca emendar o texto do grego para o hebraico. Ainda quando a proposta por si só tenha mérito, a ausência de endosso textual mina sua solidez. Considero o termo Armagedom como um símbolo por meio do qual Deus livra seu povo do mal e demonstra que ele tem o poder e a força para subverter seus inimigos. Ele mostrou reiteradamente sua fidelida de resgatando-os nos tempos tanto do Antigo como do Novo Testa mento. Assim, ele os liberta durante a tribulação final quando do re gresso de Cristo. “E por essa razão que o Har-Magedon é a sexta taça. A sétima é o dia do juízo.”36
Palavras, Frases e Construções Gregas em 16.14,15 Versículo 14 elolv yàp irveunata - segundo a regra gramatical, um substantivo plural neutro tem um verbo no singular; aqui ele tem um verbo plural. No entanto, na próxima sentença o pronome neutro é plural e o verbo é singular, a éKTiopeúeToa (que saiu).
Versículo 15 'íya |ít| - esta combinação não é reiterada pelo segundo verbo no subjun tivo, porém está subentendida (piénojoiv).
35. M eredith G. K line, “HarM agedon: The End o f the M illennium ”, JETS 3 9 (1996): 2 1 2 ,2 1 3 . Ver Mathias Rissi, Time and H istory (Richmond: John Knox, 1966), pp. 84,85. Alan F. Johnson tem uma proposta mais simples, com sua conjectura de que m a g e d õ n é um substantivo hipotético do verbo hebraico g ã d a d , e significa “seu lugar de reunião em tropas” . Ver seu R evelation , em The E x p o sito r’s B ible C om m entary, org. Frank E. G aebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.552. 36. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 163; consultar Harry R. Boer, The B ook o f R evelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p. 108.
A p o c a l ip s e 16.17-21
572
7. A Sétima Taça 16.17-21
17. E o sétimo anjo derramou sua taça pelo ar. E saiu do templo e do trono forte voz, dizendo: “Feito está.” Uma breve discussão sobre a tradução deste texto está em pauta. Primeiro, o grego literalmente tem “sobre o ar”, enquanto nosso idioma, adotado por muitos tradutores, é “pelo ar”. João, porém, não vê do prisma terreno para o alto, mas do prisma celestial para baixo, para o anjo que está derramando a taça. Segundo, ele é preciso na escolha de preposições: a voz sai do templo e do trono, isto é, a voz procede da própria presença de Deus e vem da área do trono de Deus. Terceiro, a tradução “feito está” não deriva do verbo fa ze r, mas do verbo tornarse. Algumas versões, portanto, tentando expressar o conceito de que a ordem de derramar as taças se cumpriu; lêem “acabou” ( r e b ) ou “o fim chegou” (N JB). A sétima praga afeta o ar, que é a vida de todos os seres viventes sobre esta terra. Sem o ar, todos e tudo morrem. Mas o conceito ar deve ser tomado literal ou simbolicamente? Caso seja este último, en tão a palavra aponta para a esfera demoníaca. Segundo Paulo, Satanás é “o governante do reino do ar” (Ef 2.2).37 Se essa interpretação é correta, percebemos a notável antítese do trono de Satanás (v. 10) re cebendo o conteúdo da sétima taça da ira e a voz divina procedente do trono de Deus, dizendo: “Está completado.” Então Satanás e seus se guidores são os recipientes da última taça da ira. A forte voz soando da presença de Deus era a voz de Deus mesmo anunciando o fim das pragas. A voz declarava que a ira de Deus derra mada sobre todos os seus inimigos tinha chegado ao fim (comparar 21.6). 18. Houve relâmpagos, estrondos e ressoar de trovões, e houve um grande terremoto, tal como nunca havia acontecido desde que há seres humanos na terra, tão grande era o terremoto. O que vem depois da completação das pragas são os sinais que descrevem a presença de Deus e acompanham seu juízo. Consistem em características que pertencem à natureza (relâmpago, estrondos e 37. Ver os comentários de B eale (p. 841), Hailey (p. 337), Morris (p. 194) e Sw eet (p. 250). M ounce (p. 303 n. 63) suprime este, dizendo: “Provavelmente não haja qualquer referência pretendida aqui ao ar com o a morada dos dem ônios (cf. E f 2.2).”
573
A po c a l ips e 16.17-21
ressoar de trovões) e pintam a câmara do trono (4.5; ver também 8.5). Com a abertura do sexto selo, Deus exibe seu juízo com um terremoto (6.12). Mas aqui o terremoto é de tal intensidade que é denominado não apenas de grande, mas diz-se também que ninguém jam ais experimen tou violência de tal magnitude. De fato, esses são os momentos finais descritos como “um tempo de angústia tal como jam ais aconteceu des de o princípio das nações até então” (Dn 12.1). João fala como se tudo isso já tivesse acontecido, enquanto a cena realmente se refere ao futuro. Ele age assim com freqüência, quando olha para o futuro; ele relata no pretérito para testificar ao leitor de sua certeza de que o que ele diz sem dúvida se concretizará. Indubitavel mente, o grande terremoto com sinais acompanhantes na natureza ocor rerá no tempo da consumação. Note também a alusão à mais grave tormenta que golpeou o Egito no tempo das pragas (Êx 9.24). Como o Egito foi devastado por uma tempestade de granizo, assim João descre ve a praga de granizo com pedras de peso enorme (v. 21). 19. E a grande cidade se partiu em três partes, e caíram as cidades das nações. E Babilônia, a Grande, foi lembrada diante de
Deus, e ele lhe deu o cálice do vinho inebriante de sua ira. a. “E a grande cidade partiu em três partes, e caíram as cidades das nações.” Esta é a linguagem apocalíptica que revela a destruição das cidades do mundo. A expressão a grande cidade se refere à Babilônia, a Grande, como é evidente à luz da segunda parte deste versículo e dos próximos dois capítulos (17.18; 18.10, 18, 19, 21). O título Babilônia, a Grande, já ocorreu em 14.8, e é o símbolo do poder mundial anticristão que persegue o povo de Deus. É uma força que exercerá seu poder até o fim dos tempos. Muito antes dos dias de João, Babilônia já havia cessado de ser um império mundial e, ao longo dos séculos, ela nunca foi capaz de se restabelecer novamente “sob o nome político e formal de ‘império babilónico’,”38Alguns estudiosos identifi cam Babilônia com Roma, pois é como se João assim tivesse entendido a força do opressor; outros consideram “a grande cidade” como sendo Jerusalém; e ainda outros vêem Babilônia como a cidade junto às mar gens do grande rio Eufrates (v. 12).39A grande cidade não pode ser 38. Beale, R evelation, p. 830. 39. Para esses três diferentes pontos de vista, ver sucessivam ente Krodel, Revelation, p. 288; Ford, R evelation, p. 264; Thomas, Revelation 8 -2 2 , p. 207.
A p o c a l i p s e 16.17-21
574
Jerusalém, pois o povo de Deus habita a santa cidade, isto é, a nova Jerusalém. Os inimigos de Deus, porém, vivem na grande cidade (11.8), a qual não é um local particular, mas, antes, a quintessência de uma força anticristã composta de incrédulos, dirigida por Satanás contra Deus e seu povo. Esta é Babilônia, a Grande, o poder satânico universal da qual Deus se lembra e à qual Deus entrega o cálice do furor de sua ira. Qual é a significação dessa grande cidade se convertendo em três partes? As palavras partiu em três partes são uma expressão idiomá tica simbolizando destruição completa.40Todos os argumentos huma nos e as alegações filosóficas que se têm suscitado contra o conheci mento de Deus são totalmente demolidos (2Co 10.5). E todas as cida des do mundo são destruídas; como o centro do império anticristão, elas caem e são desintegradas. b. “Babilônia, a Grande, foi lembrada diante de Deus, e ele lhe deu o cálice do vinho inebriante de sua ira.” Deus se lembrou dos pecados que esse império cometeu contra o reino de Deus, e agora ele derrama sua ira na forma do cálice do vinho inebriante. Quem pode ficar de pé no dia em que a ira de Deus for desencadeada (SI 76.7b; Ml 3.2; ver Na 16)? João já havia chamado a atenção para a fúria de Deus quando escreveu que quem receber a marca da besta “beberá do vinho da ira de Deus, que foi derramado sem mistura no cálice de sua ira” (14.10; comparar SI 75.8; Is 51.17, 22; Jr 25.15).
20. E fugiu toda ilha e os montes não foram achados. 21. E caíram do céu sobre as pessoas enormes pedras de granizo que pesavam cerca de trinta e cinco quilos cada uma, e blasfema ram a Deus por causa da praga de granizo, pois sua praga era muito grande. •a? A visão de ilhas fugindo e montes desaparecendo é reminiscência do sexto selo, que é uma descrição do juízo (6.14). Significa que tudo nesta velha terra está em constante mutação; aliás, chegou o tempo para o último juízo, quando a face da terra é transformada e Deus toma assento no grande trono branco (20.11). A praga de granizo que destruiu as colheitas, animais e seres hu manos no Egito (Êx 9.13-26) forma a tela de fundo do granizo que chove sobre as pessoas nesta passagem. Chuva de granizo matou os 40. Lenski, Revelation, p. 483.
575
A p o c a l ip s e 16.17-21
amonitas durante a conquista da terra por Israel (Js 10.11), e chuva de granizo, mencionada pelos profetas, é descrita como uma força total mente destrutiva (Is 32.19; Ez 13.11, 13; 38.22). A palavra granizo também ocorre no Apocalipse (8.7; 11.19). Mas o granizo desta passa gem é excepcionalmente severo. Pedras de granizo pesando cerca de trinta e cinco quilos cada uma são lançadas do firmamento. O grego tem a palavra talento, que em termos de peso não pode ser determinada com precisão; variava de pendendo do país e do tempo. Esses imensos pedaços de gelo matam todo ser vivo em seu caminho mas, em vez de se arrependerem, os pecadores amaldiçoam a Deus por causa do granizo. Endurecem seus corações e recusam a arrepender-se (ver vs. 9 e 11). Em seus cora ções não há temor de Deus, nem reconhecimento de seus pecados e nenhuma aceitação da justiça divina. Faraó arrependeu-se em decor rência da chuva de granizo e disse a Moisés e a Arão que havia peca do, que Deus estava certo e que deixaria os israelitas irem embora (Ex 9.27, 28). Quando a tempestade parou, faraó endureceu seu coração e recusou-se a deixar o povo de Israel ir embora. Mas os pecadores sobre os quais Deus faz chover granizo de trinta e cinco quilos amaldi çoam a Deus enquanto recebem seu castigo.41 O castigo com o qual Deus golpeia seus inimigos é tão severo que João usa a palavra grega sphodra (forte demais), a qual não se encon tra em qualquer outra parte do Apocalipse. Esta palavra recebe ênfase ao ser colocada no final da sentença: “a praga era muito grande.” O Dia do Juízo é iminente (ver 19.19-21; 20.8,9).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 16.17-19 V ersícu lo 1 7
xoC vaoú (xttò t o ú Gpóvou - esta é a redação preferível do texto; os escribas tiveram dificuldade com o conceito templo e trono na mesma sentença, e daí o aparecimento de certo número de variantes; por exemplo, Codex Sinaiticus reza: “o templo de Deus”, e o manuscrito 051 traz “do céu”. Mas o preponderan te peso de testemunhas endossa a redação apresentada no texto.42 èk
41. Sw ete, R evelation, p. 212. 42. Bruce M. M etzger, A Textual Com m entary on the Greek N ew Testament, 2“ ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 681.
A p o c a l ip s e 16.17-21
576 V ersículos 18, 1 9
O verbo êyéveTo aparece quatro vezes sucessivamente (vs. 18 e 19). As três ocorrências no versículo 18 comunicam a idéia de “aconteceu”, mas a do versículo 19 é um semitismo. Aparece em conexão com a frase elç xp ía |ifpi] (em três partes) e reza: “a grande cidade tornou-se três partes.” è|ivr|a0r| - este é um semitismo. Ver o paralelo em Atos 10.31: Sua oração foi ouvida e seus atos de misericórdia foram lembrados diante de Deus. tou (Hvou...aí)Toü - aqui está uma cadeia de quatro genitivos (comparar 19.15), nos quais “o genitivo governante precede o dependente”.43
43. N igel Turner, Syntax, vol. 3 de A G ram m ar o f N ew Testament G reek, por J. H. M oulton et al. (Edimburgo: Clark, 1963), p. 218.
E sboço (continuação) VII. Visão 6: Vitória por Cristo (17.1-19.21) A. Introdução (17.1, 2) B. Conflito e Juízo (17.3-19.10) 1. A Mulher e a Besta (17.3-18) a. A Sedução da Tentadora (17.3-6) b. A Explicação do Anjo (17.7-11) c. A Soberania do Cordeiro (17.12-14) d. O Propósito de Deus (17.15-18)
C apítulo 1 7 «éS A M u lh e r e a B esta ( A p o c a l i p s e 17.1-18) <4 “ 1 1 E um dos sete anjos que tinham as sete taças aproximou-se e me * ' disse: Venha, eu lhe mostrarei o julgamento da grande prostituta que
está sentada sobre muitas águas. 2 Os reis da terra têm cometido fornicação com ela, e os habitantes da terra se embriagaram com o vinho de sua fornicação. 3 E ele me conduziu no Espírito a um lugar deserto. Então vi uma mulher sobre uma besta escarlate que estava coberta de nomes de blasfêmia. A besta tinha sete cabeças e dez chifres. 4 E a mulher estava vestida de púrpura e escarlate, e estava adornada de ouro e pedras preciosas e pérolas. Ela possuía um cálice de ouro em sua mão, cheio de abominações e das impurezas de sua fornicação. 5 E em sua fronte estava escrito um nome, um mistério: BAB ILÔ N IA , A GRA NDE, A M Ã E DAS PROSTITUTAS E DAS ABO M INAÇÕES DA TERRA.
6 Então vi a mulher embriagada com o sangue dos santos e com o sangue dos mártires de Jesus. E quando a vi, fiquei profundamente perplexo. 7 E o anjo me disse: Por que você está perplexo? Eu lhe direi o mistério da mulher e da besta sobre a qual ela está montada, a qual tem sete cabeças e dez chifres. 8 A besta que você viu era e não é e está para subir do Abismo e caminha para a destruição. Os habitantes da terra estarão perplexos, aqueles cujos nomes não estão escritos no livro da vida desde a fundação da terra. Vêem a besta que era e não é e virá. 9 Aqui está a mente que tem entendimento. As sete cabeças são sete colinas, sobre as quais a mulher se assenta. 10 E são sete reis: cinco já caíram, um existe e um ainda não veio. E quando ele vier, é necessário que permaneça por pouco tempo. 11 E a besta que era e não é, sim, ela é o oitavo e é um dos sete e segue para sua destruição.
579
A po c a l ipse 17
12 E os dez chifres que você viu são dez reis, que ainda não receberam um reino. Mas receberam autoridade com a besta, como reis, por uma hora. 13 Esses têm um propósito e receberam da besta seu poder e autoridade. 14 Esses farão guerra contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque ele é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; e aqueles que estão com ele são os chamados, os eleitos e os fiéis. 15 E o anjo me disse: As águas que você viu, sobre as quais a prostituta estava sentada, são os povos, multidões, nações e línguas. 16 E os dez chifres que você viu, e a besta, esses odiarão a prostituta; e a farão desolada e nua; e comerão sua carne e a queimarão com fogo. 17 Porque Deus pôs em seus corações realizar seu propósito, de comum acordo, e dar seu reino à besta, até que se cumpram as palavras de Deus. 18 E a mulher que você viu é a grande cidade que tem um reino sobre os reis da terra.
VII. Visão 6: Vitória por Cristo 1 7 . 1 - 1 9 .2 1 Na sexta visão, João mostra a derrota da mulher chamada a grande prostituta e Babilônia, a Grande (cap. 17). O próximo capítulo é um relato da queda de Babilônia e seu império (cap. 18). Esses dois capítu los são seguidos, em primeiro lugar, da celebração das bodas da noiva e do Cordeiro; em segundo lugar, da batalha que o Cristo vitorioso deflagra contra as forças do maligno; e, em último lugar, da besta e do falso profeta, que são lançados no lago de fogo enquanto o resto dos oponen tes de Cristo são mortos com sua espada (cap. 19). Como esta sexta visão se relaciona com o capítulo anterior? Para obtermos uma visão mais plena, temos que retroceder aos três ciclos de selos, trombetas e pragas. Esses ciclos exibem similaridades com respeito ao sétimo em cada série, porque cada sétimo tem sua localiza ção no céu. O sétimo selo introduz um período de silêncio no céu (8.1); quando a sétima trombeta soou, fortes vozes se fizeram ouvir no céu (11.15); e depois que a sétima taça foi derramada, uma forte voz prove niente do trono celestial disse: “Feito está” (16.17). E no final desses ciclos de sete partes há informação adicional sobre o fim dos tempos. Mas, ainda quando a sétima praga seja a última das três séries, há ainda mais detalhes. Daí, os capítulos 17 e 18 fornecem uma discussão deta lhada sobre a sexta e a sétima pragas (16.12-21). O capítulo 17 apre senta uma descrição da grande prostituta e da guerra espiritual que os
A po c a l ips e 17
580
reis da terra deflagram contra o Cordeiro, enquanto o capítulo 18 des creve a bancarrota econômica do mundo.1 O título Babilônia, a Grande, aparece em ambos os capítulos, 17 e 18. Com o auxílio de uma antiga moeda romana que retrata a deusa Roma assentada sobre sete colinas e as citações de historiógrafos ro manos (17.9), os estudiosos interpretam Babilônia como sendo uma referência a Roma.2Identificar, porém, Babilônia com Roma como a grande prostituta é por si só restrito e uma delimitação do tempo. Para ilustrar, a mulher no capítulo 12 é um símbolo da Igreja, e a do capítulo 19 é a noiva do Cordeiro. A guisa de contraste, a mulher do capítulo 17 é chamada Babilônia, a Grande, a mãe das prostitutas e a mãe das abominações da terra (v. 5). Essa mulher é a grande tentadora, seduto ra e mentirosa a serviço de Satanás e da besta. Ela tem permanecido nesse serviço não só durante os dias de João, mas desde o tempo da Queda, e continuará até a consumação. Além disso, ao mesmo tempo essa mulher aparece como uma grande metrópole que, em decorrência do juízo divino, perde todas as suas riquezas comerciais e financeiras (18.11-24). Portanto, essa cena expressa não meramente a subversão do império romano, mas, antes, a completa e final derrota de todo o mundo anticristão.3 Em vista do breve tempo de Satanás sobre a terra (12.12), interpre to o capítulo 17 como um quadro das forças da besta impelidas contra Deus, mas que perdem a batalha no fim. A prostituta cavalga essa besta que tem sete cabeças e dez chifres: “[Nós] vemos a besta que era e não é e que virá” (v. 8). Em suma, a besta tem uma longa história, 1. Consultar C. H. Dyer, “The Identity o f Babylon in Revelation 1 7 -1 8 ”, BibSac 144 (1987): 3 0 5 -1 6 ,4 3 3 -4 9 . 2. R. Beauvery, “L’A pocalypse au risque de la numismatique: Babylone, la grande Prostituée et le sixièm e roi Vespasien et la déesse R om e”, RB 90 (1983): 243-60; David E. Aune, Revelation 1 7 -2 2 , W BC 52C (Nashville: N elson, 1998), ppss. 920-28. Ver também Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 690-92, 711, 712; Robert H. M ounce, The Book o f Revelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), pp. 306-9; R. H. Charles, A C ritical and E xegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 2.54-61; Gerhard A. Krodel, Revelation, A C NT (M inneapolis: Augsburg, 1989), pp. 291-94. 3. Harry R. Boer (The B ook o f R evelation [Grand Rapids: Eerdmans, 1979], p. 118) observa: “A besta muda constantemente a fo rm a em que ela se manifesta, mas sua mudança nunca é inerente.”
581
A po c a l ip s e 1 7 .1 ,2
está presente hoje e, eventualmente, seguirá rumo à sua destruição. Essa besta transcende os sucessivos impérios do mundo, inclusive o império romano, enquanto desde o princípio a prostituta está sentada em suas costas. “Quando, em Apocalipse 18.4, ministra-se a admoes tação: ‘Saia dela, povo meu, e não tenha parceria com seus pecados’, essa ordem visava não só às pessoas vivas próximo ao fim da história mundial, mas também aos crentes nos dias e época de João; aliás, aos crentes de todas as épocas.”4 Antes de tudo, João retrata a grande prostituta que, com os reis da terra, revela seus adultérios (vs. 1,2). Segundo, ele sublinha sua asso ciação com a besta de sete cabeças e dez chifres (vs. 3-8). Terceiro, ele apresenta uma composição de tempo durante o qual os reis da terra guerreiam contra o Cordeiro, o qual os vencerá (vs. 9-14). E, em último lugar, João apresenta uma explicação dos símbolos das águas sobre as quais a mulher está sentada, e da própria mulher como “a grande cida de que tem domínio sobre os reis da terra” (vs. 15-18).
A. Introdução 17.1,2 1. E um dos sete anjos que tinham as sete taças aproximouse e me disse: Venha, eu lhe mostrarei o julgamento da grande prostituta que está sentada sobre muitas águas. 2. Os reis da terra têm cometido fornicação com ela, e os habitantes da terra se embriagaram com o vinho de sua fornicação. a. “E um dos sete anjos que tinham as sete taças aproximou-se e me disse.” Aqui está uma indicação de que este capítulo fornece uma elaboração ulterior da sexta e sétima pragas apresentadas no capítulo anterior (16.12-21). Um dos sete anjos que derramaram as taças da ira de Deus falou a João. Não temos indicação se esse anjo era o sexto ou o sétimo, mas isso não tem muita importância. Entretanto, é significati vo que quem fala a João não é um ancião, e, sim, um anjo. Os vinte e quatro anciãos no céu representavam os santos redimidos, e um dos anciãos inquiriu de João sobre a significação dos santos que vestiam roupas brancas (7.13). Aqui, porém, um anjo, como mensageiro de Deus, está instruindo o vidente sobre o castigo desferido sobre a grande pros 4. William Hendriksen, More Than Conquerors, p. 168.
A p o c a l ip s e 17.1,2
582
tituta. Incidentemente, um dos sete anjos também instrui João acerca da noiva, a esposa do Cordeiro (21.9). Aliás, o anjo conta a história de duas mulheres, uma santa e a outra profana. A santa terá Cristo como seu esposo; a profana não tem esposo - ela é a grande prostituta. b. “Venha, eu lhe mostrarei o julgamento da grande prostituta que está sentada sobre muitas águas.” O anjo convidou João a ir com ele com o fim de contemplar a cena em que o veredicto foi transmitido à notória meretriz representante de Babilônia. Aliás, o veredicto era um fato consumado, pois sua condenação estava selada. Os profetas veterotestamentários levaram juízos divinos contra Babilônia em ter mos de total destruição e de ser para sempre desabitada (ver Is 13.1922; Jr 50.39; 51.37). Os profetas anexaram o título prostituta às cida des de Tiro (Is 23.15-17), Nínive (Na 3.4) e Jerusalém (Is 1.21; Jr 2.20; Ez 16.15), porém não a Babilônia. Não obstante, aqui o anjo retratou Babilônia, a Grande, denominada a mãe das prostitutas (v. 5), não como uma cidade reconstruída, mas como um símbolo de todo o mal direcionado contra Deus. A Babilônia antiga estava situada ao longo das praias do Eufrates, onde numerosos canais conduziam água para propósitos de transporte e irrigação (Jr 51.13). Visto, porém, que esta antiga cidade foi completamente destruída e despovoada, o texto não deve ser inter pretado literalmente. O texto revela simbolismo, evidente nas expressões prostituta e muitas águas. As duas não devem ser interpretadas literalmente, e, sim, espiritualmente.5Primeiro, o alvo da grande meretriz é desviar as pessoas para mais longe possível de Cristo; daí, ela é o oposto exato da Igreja, que busca conduzir a Cristo pessoas de todos os lugares. Segun do, João explica o termo muitas águas como sendo “povos, multidões, nações e línguas” do m undotv. 15). São as ondas incansáveis da hu manidade, controlada por essa vil meretriz. c. “Os reis da terra têm cometido fornicação com ela, e os habitan tes da terra se embriagaram com o vinho de sua fornicação.” Note a reiteração do conceito fornicar, o qual ocorre três vezes nestes dois versículos: o substantivo prostituta especifica a mulher; o verbo fornicar descreve as ações dos reis da terra; e, por último, o substantivo 5. Robert L. Thomas (Revelation 8 -2 2 : An Exegetical C om m entary [Chicago: Moody, 1995], p. 282) corretamente observa que “é além de toda dúvida que a mulher de A pocalipse 17.1 seja um resumo da fornicação ou idolatria espiritual.”
583
A p o c a l ip s e 17.1,2
fornicação se relaciona com o agente que embriaga os habitantes da terra. Além disso, esse conceito deve ser entendido espiritualmente; Israel e Judá foram acusados de ser prostitutas espirituais (Ez 23); e Jesus taxou os líderes religiosos de seus dias de “geração adúltera” (Mt 12.39; 16.4). Não obstante, é preciso notar a diferença entre fornicação, come tida por pessoas solteiras, e adultério, cometido por cônjuges. Essa mu lher solteira se engaja em relações ilícitas com os reis da terra que, por sua vez, transviam seus seguidores. Esses reis são os líderes de “as várias partes do império anticristão”.6Eles pertencem a esta terra e não têm laços espirituais com Deus. Além do mais, os habitantes da terra se embriagam com o vinho da fornicação espiritual da mulher; e são pessoas que não servem a Deus, e, sim, a Satanás.7 A dificuldade neste capítulo consiste em entender as múltiplas configurações da mulher. Ela é chamada a grande prostituta, é pac tuada com a besta, representa Babilônia, a Grande, e personifica “a grande cidade” (v. 18). Como prostituta espiritual, ela está diam e tralmente em oposição a Cristo; ela serve a besta, que é o Anticristo (13.1); e representa Babilônia, a Grande, que é o império anticristão com numerosos reis do mundo congregados para a batalha contra o Deus Todo-Poderoso (16.14, 16). Em outros termos, João está olhan do para essa mulher a partir de vários aspectos, em relação aos quais o adjetivo grande, usado em relação a ela e Babilônia, assume uma posição significativa. João já mencionou Babilônia em 14.8, onde escreveu que um anjo bradou: “Caiu, caiu Babilônia, a Grande, que fez todas as nações bebe rem do furioso vinho de sua fornicação.” A Babilônia profana deve ser vista como uma força universal do mal que influencia as multidões da humanidade a uma extensão tal que as pessoas tornam-se insensíveis. Babilônia é “a fonte arquetípica da própria manifestação idólatra no tempo e no espaço”.8 6. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. J o h n ’s R evelation (Columbus: Wartburg, 1943), p. 492. 7. A expressão h abitan tes d a terra aparece com freqüência no A p ocalip se. Ver A p ocalipse 3.10; 6.10; 8.13; 11.10 (duas vezes); 13.8, 12, 14 (duas vezes); 17.2, 8. 8. Alan F. Johnson, R evelation, em The E x p o sito r’s B ible C om m entary, org. Frank E. G aebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12:555.
A p o c a l ip s e 17.3-6
584
B. C onflito e Juízo 17.3-19.10 1. A Mulher e a Besta 17.3-18 O quadro que João apresenta a seus espectadores é medonho em decorrência da blasfêmia contra Deus, do sangue dos mártires, do poder e autoridade da besta e da prostituta que domina sobre os reis da terra. Dentro desse quadro, porém, estão também referências àqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida, o Cordeiro que vence seus inimi gos, o Senhor dos senhores e Rei dos reis com seus fiéis seguidores, e Deus, aquele que executa seu propósito e o exerce com pleno controle. a. A . Sedução da Tentadora
17.3-6
3. E ele me conduziu no Espírito a um lugar deserto. Então vi uma mulher sobre uma besta escarlate que estava coberta de nomes de blasfêmia. A besta tinha sete cabeças e dez chifres. a. “E ele me conduziu no Espírito a um lugar deserto.” O contraste entre João, que está no Espírito, e a mulher que cavalga a besta cheia de blasfêmia é extraordinariamente claro.9O Espírito Santo transporta João até um deserto, assim como o havia transportado ao céu e a um grande e alto monte (4.2; 21.10). Há paralelos veterotes-tamentários, pois o Espírito de Deus conduziu Ezequiel a Jerusalém, a Babilônia, ao vale de ossos secos e ao templo do Senhor (Ez 3.12, 14; 8.3; 11.1, 24; 37.1; 43.5). Qual é a significação de um lugar deserto? Várias interpretações são apresentadas, entre as quais a seguinte: o deserto árabe (G1 1.17); um lugar habitado por demônios (Mt 12.43); um lugar de tentação (Mt 4.1); uma área protegida das imposturas do diabo; e uma região própria para receber visões. Embora algumas dessas interpretações tenham 9. Um número de versões reza “no espírito” ( k j v , n e b , N JB, NLT, N R SV ), mas o contexto afirma o significado “no Espírito” em decorrência da antítese proposta. R eferência a Richard Bauckham, The Clim ax o f P roph ecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 158; ver Jean-Pierre Ruiz, Ezekiel in the A pocalypse: The Transformation o f Prophetic L anguage in R evelation 1 6 .1 7 -1 9 .1 0 (Frankfurt am Main: Peter Lang, 1989), pp. 300-303.
585
A po c a l ips e 17.3-6
mérito, creio ser melhor visualizar um antecedente veterotestamentário para o termo deserto em Isaías 21.1-10. Essa passagem menciona um deserto do qual sai um invasor que causa a queda de Babilônia. Assim, Isaías fala de um deserto onde lhe foi mostrada uma visão sombria. “Em ambos os livros, Isaías e Apocalipse, o deserto é o centro da visão, ainda que em Isaías a visão surja do deserto, enquanto no Apocalipse o profeta é levado ao deserto para visualizar a visão.”10 b. “E vi uma mulher sobre a besta escarlate que estava coberta com nomes de blasfêmia. A besta tinha sete cabeças e dez chifres.” O enfoque está sobre a mulher, a qual já foi identificada como a grande prostituta (v. 1). Agora vemos a supremacia dessa mulher, pois ela cavalga a besta com várias cabeças e cujos chifres exibem tremendo poder. Primeiro, essa besta escarlate com sete cabeças e dez chifres é descrita nos mesmos termos que o dragão vermelho, que é Satanás, e como a besta que emerge do mar (12.3, 9; 13.1). Em 12.3, o grego usa uma palavra diferente para a cor vermelha, ou seja, pyrros (vermelho de fogo). O número sete denota completude; e dez, o número de pleni tude no sistema decimal. Segundo, esta linguagem se baseia na profe cia de Daniel 7.7, 20, 24, cuja alusão é ao poder de uma besta com dez chifres. Terceiro, a cor escarlate retrata o pecado (Is 1.18).11Também significa pompa e poder, o que os soldados, escarnecendo, buscavam atribuir a Jesus, vestindo-o em uma roupa de soldado como príncipe da paz (Mt 27.28).12 No Apocalipse ela representa o mal exibido pelo poder demoníaco. E, em último lugar, a besta é descrita como um ho mem coberto com nomes blasfemos dirigidos contra o Todo-Poderoso. A besta em 13.1 tinha um nome blasfemo em cada uma das sete cabe ças, aqui, porém, as cabeças e os chifres estão envoltos por nomes que ridicularizam Deus, sua Palavra, seu povo, sua Igreja e seu reino. Com sua boca, a besta pronuncia palavras e difamações blasfemas contra Deus, o céu e os santos (13.5, 6). 10. Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A C om m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 850. 11. A tintura para colorir a lã ou fibra era feita de um inseto que ataca uma espécie de carvalho. A coloração extraída, mais carmesim que escarlate, era cara. A primeira m en ção de escarlate está em conexão com o nascim ento de Zera (Gn 38.28, 30). Consultar W. E. Shew ell-Cooper, “Scarlet”, ZPEB, 5.292. 12. C on su lk r Otto M ichel, TDNT, 3.813-14.
A p o c a l ip s e 17.3-6
586
4. E a mulher estava vestida de púrpura e escarlate, e estava adornada de ouro e pedras preciosas e pérolas. Ela possuía um cálice de ouro em sua mão, cheio de abominações e das impure zas de sua fornicação. A aparência da mulher é um retrato da realeza, pois ela está vesti da com roupas de cor purpúrea e escarlate. A realeza usava vestes dessas cores, como os membros do senado romano, dos dignitários e das pessoas ricas. A púrpura era extraída de um crustáceo ou da raiz de uma planta eurasiana chamada “garança”, e era considerada um produto de preço muito elevado.13De modo semelhante, a escarlate era de uma produção muito dispendiosa (ver comentário sobre v. 3). Além de suas vestes, a prostituta se adornava com jóias de ouro para realçar o fulgor de sua aparência; inclusive fios de ouro eram entretecidos nos artigos de sua roupa. Usava também pedras precio sas, diamantes e outras jóias, bem como pérolas valiosas. Note que se faz à mesma descrição da grande cidade (18.16). Seu exterior revela semelhança com a prostituta, que se adorna com roupas finas e jóias valiosas com o fim de seduzir seus amantes (Jr 4.30; ver também 2.20; 3.7, 8; Ez 23.2, 3). A paródia da esposa do Cordeiro é evidente, pois a noiva do Senhor se veste esplendidamente para seu esposo (Ap 21.2). Uma paródia sempre revela seu lado feio, pois a prostituta segura em sua mão um cálice de ouro que propicia o aspecto externo das riquezas, mas o interior do cálice exibe corrupção. Teríamos esperado que esse dispendioso cálice contivesse uma bebida deliciosa, mas em vez disso está cheio de abominações e da impureza da fornicação da prostituta. A palavra abominação denota os objetos e práticas que são profundamente ofensivos a Deus. Entre outros, incluem o culto a ídolos (Dt 27.15); o salário de prostituição (Dt 23.18); ato homossexual e per versão sexual (Lv 18.22; 20.13); feitiçaria, encantamento e adivinha ção (Dt 18.10, 11).14O cálice de ouro está cheio de idolatria com o intuito de desrespeitar e provocar a Deus. Mas o cálice propriamente dito está guardado para as pessoas em geral, as quais estão sendo 13. Referência a Dorothy Irvin, “Purple”, ISBE, 3.1057; Robert North, “Thyatira”, ISBE, 4.846. 14. Bruce K. Waltke, “Abom ination”, ISBE, 1.13, 14; Josef Zm ijewski, EDNT, 1.209, 210; Wemer Foerster, TDNT, 1.598-600. Abominações são práticas idólatras. Ver Bauer, pp. 137, 138.
587
A p o c a l ips e 17.3-6
seduzidas para que bebam de seu conteúdo. Quando obedecem, so frem resultados catastróficos, vindo a ser vítimas de pornografia, jogos, extravagâncias, poder e se apegam à posição de celebridade. A grande prostituta ocupa uma posição central e uma cultura anticristã. A expressão cálice de ouro é uma alusão a Jeremias 51.7: “A Babilônia era um cálice de ouro nas mãos do S e n h o r ; ela embriagou a terra toda” (N V I). O versículo seguinte (51.8) prediz: “A Babilônia caiu de repente e ficou arruinada” (idem). Babilônia é outro nome para a grande prostituta que seduz o mundo para que a siga, e, conseqüente mente, merece a ira de Deus.
5. E em sua fronte estava escrito um nome, um mistério: B A B IL Ô N IA , A G R A N D E , A M Ã E D A S PR O STIT U TA S E D A S A B O M IN A Ç Õ E S D A T E R R A .
No Apocalipse, João freqüentemente faz referência à fronte onde se grava um nome: para os incrédulos, a marca da besta; para os san tos, o selo ou nome de Deus e do Cordeiro.15Aqui, porém, a inscrição na fronte da mulher é uma espalhafatosa descrição de suas atividades, veladas em mistério, porém impudentemente exibidas. Algumas versões trazem o termo mistério como a primeira palavra na inscrição: “Mistério, Babilônia, a Grande, Mãe das Prostitutas e das Abominações da Terra” ( k j v , n v i , God’s Word). Outras versões, po rém, tomam esse termo como sendo uma introdução à designação. Há pelo menos duas razões para excluí-lo do nome e considerá-lo um pre fixo. Primeiro, no versículo 7 o anjo explica o que o mistério significa: “Dir-lhe-ei o segredo da mulher e da besta.” Segundo, a palavra misté rio se refere ao significado oculto da aparência da prostituta. Mas quando a inscrição da mulher e da besta é descerrada, seu poder é destruído e chegado seu fim (Jr 51.13).16A Babilônia literal estava situada junto ao Eufrates com muitas águas (SI 137.1), mas seu nome é um símbolo do poder mundial. Nabucodonosor, vangloriando-se da cidade que construíra, usou a expressão Babilônia, a Grande (Dn 4.30). Ele exibiu soberba desorde 15. A pocalipse 7.3; 9.4; 13.16; 14.1, 9; 20.4; 22.4. 16. Günther Bornkamm ( TDNT, 4.824) observa: “V isto que o poder do Anticristo possui um m y s tê r io n , ele desfruta de poder presente. Mas esse m y s tê r io n também indica que sua ruína está selada.”
A p o c a l ip s e 17.3-6
588
nada, que resultou em sua queda imediata, porque o soberano sobre as nações não era ele, mas Deus (Dn 4.32). De modo semelhante, essa mesma expressão adotada pela grande prostituta sela sua própria ruína. A mulher chamada Babilônia, que se assenta sobre muitas águas, a qual o anjo interpreta como sendo povos, multidões, nações e línguas (v. 15), simboliza a população do mundo inteiro. O título Babilônia, a Grande, é descrição figurada de todos os habitantes sem Deus no mundo. Na se gunda metade do primeiro século, a cidade de Roma era uma pocilga de iniqüidade, e assim veio a ser um símbolo de prazeres profanos, de sedu ção e luxúria. Mas, como já apontei acima, focalizar a atenção só na Roma dos dias apostólicos é restritivo demais. O título Babilônia se aplica ao conflito final entre os adeptos de Satanás e o povo de Deus. A mulher se chama “a mãe das prostitutas e das abominações da terra”. Ela é a mãe que se põe acima de todos quantos cometem pros tituição espiritual, cultuando a besta. Seus subordinados proclamam o evangelho do Anticristo, enquanto ela mesma recebe a adulação e lou vor deles. Ela é a fonte de todo o mal que é dirigido contra Deus: calú nia, homicídio, imoralidade, corrupção, vulgaridade, profanidade e cobi ça. E ela traz a lume esses pecados, pondo em ação seus criados. Ela também é a mãe de todas as abominações que há no mundo, porque todo pecado tem sua origem nela. Não há como ser maior a disparidade entre essa mulher que personifica o mal e a mulher que é a Igreja (12.1). O apóstolo Paulo ensina que a Igreja é a mãe dos crentes (G1 4.26).17Bem-aventurados são aqueles que a têm por sua mãe e Deus por seu Pai. Em contrapartida, os inimigos de Deus pertencem à mãe das abominações e sofrem as conseqüências disso.
6. Então vi a mulher embriagada com o sangue dos santos e com o sangue dos mártires ae Jesus. E quando a vi, fiquei pro fundamente perplexo. A mulher, como a grande tentadora, busca o controle sobre as mas sas da humanidade e persegue os que foram redimidos por Jesus Cris to. Em outros termos, não satisfeita com o que já controla e incapaz de enganar os eleitos (Mt 24.24), ela implacavelmente atormenta e mata 17. João Calvino, judiciosamente, observa: “C om certeza, aquele que recusa ser filho da Igreja debalde deseja ter D eus com o seu Pai.” Ver seu C om entário à E pístola aos G álatas, traduzido por Valter Graciano Martins e editado por Edições Parákletos, 1998, p. 144.
589
A po c a l ips e 17.3-6
os santos, de modo que seu sangue encharca a face da terra (18.24). João agora tem uma visão plena da devastadora obra da mulher entre o povo de Deus e contem pla o sangue dos santos e dos m ártires encharcando a terra. Ele menciona o sangue dos santos e o sangue dos mártires de Jesus. Ele não está insinuando que os santos diferem dos mártires. Antes, a sentença “o sangue dos mártires de Jesus” clarifica a senten ça anterior “o sangue dos santos”. Isto é, os santos são aqueles que levam o testemunho de Jesus. Seis vezes no Apocalipse, João escreve as palavras “o testemunho de Jesus” (1.2, 9; 12.17; 19.10 [duas vezes]; 20.4). A frase pode ser uma referência à mensagem de Jesus ou ao testemunho que os santos sustentam em prol de Jesus.18 Qual é o significado da sentença: “E quando a vi, fiquei profunda mente perplexo”? João fica perplexo quando contempla a inextinguível sede da mulher pelo sangue dos santos. Indubitavelmente, no século 20 mais sangue de cristãos foi derramado do que em qualquer outro. João esperava ver a queda de Babilônia, em consonância com a profecia: “A Babilônia cairá por causa dos mortos de Israel, assim como os mortos de toda a terra caíram por causa da B abilônia” (Jr 51.49, n v i ). Incidentemente, neste capítulo e no próximo, João reiteradamente faz referência a Jeremias 51. Em vez do fim de Babilônia, ele testemunha uma mulher magnificamente aparamentada, embriagada com o sangue dos santos. Essa visão o toma totalmente de surpresa; em vez da vitória dos santos, ele vê sua morte e destruição físicas.19Em vez do fim de Babilônia, ele contempla uma mulher esplendidamente adornada, que cavalga altaneiramente uma besta. Ela é mistificada.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 17.3-5 V e rsíc u lo 3
YÉ|iovta òvó|iata - o particípio é construído como um acusativo masculino singular, visto que à besta é dada personalidade masculina. O acusativo singu lar neutro, yé^ov, é uma correção que modifica o substantivo neutro Grpíov (TR 18. P. Vassiliadis (“The Translation o f M artyria Iêsou”, BibTrans 36 [1985]: 129-34) é de opinião de que o genitivo objetivo domina “atestar (para a morte) a Jesus”. 19. Henry Barclay Sw ete, Com m entary on Revelation (1911; reimp. em Grand Rapids: K regel, 1977), p. 218; Martin Kiddle, The Revelation o f St. John (reimp. em Londres: Hodder e Stoughton, 1943), p. 344.
A po c a l ips e 17.3-6
590
e Texto Principal). O verbo yéiaco (encher) é normalmente seguido do genitivo de material ou conteúdo, mas aqui òvqiaToc está no acusativo (ver também v. 4, no qual tanto o genitivo quanto o acusativo aparecem seguindo o verbo encher). excov - este particípio nominativo masculino é gramaticalmente incorreto: deve ser neutro e acusativo para concordar com Oipíov. O TR e o Texto Princi pal resolvem o problema com exov, mas a redação mais difícil é ainda preferível. Versículo 5
TTopvúv - o acento circunflexo indica que a palavra está no plural feminino, de t) uópvr). O masculino é TTÓpvwv, de ó irópvoç. Os manuscritos antigos foram escritos sem os acentos, de modo que a palavra podia ser lida ou como mascu lina ou feminina. Uma leitura variante, Tropvetcôv (fornicação), tenta resolver a ambigüidade.
b. A 'Explicação do Anjo 17.7-11
7. E o anjo me disse: Por que você está perplexo? Eu lhe direi o mistério da mulher e da besta sobre a qual ela está mon tada, a qual tem sete cabeças e dez chifres. Como Daniel fica perplexo ante as explicações que tem de dar ao sonho de Nabucodonosor (Dn 4.19), assim João fica atônito ante a grande prostituta chamada Babilônia.20Ele carece de alguém para ex plicar o que acaba de observar, para que possa apreender o significado da mulher e da besta. O anjo convidara João para ver a mulher sobre a besta e agora, ante a perplexidade de João, ele se torna seu intérprete. Ele formula uma pergunta retórica, por que ele estava atônito. Esta inquirição cons titui não tanto uma palavra de censura, quanto um desejo de ajudar a clarificar o mistério do espetáculo que observara. Olhando momenta neamente para o sangue que a mulher derramara, João não consegue ver o quadro total. Portanto, convoca-se o auxílio angelical para clarifi car o mistério da mulher e da besta e para interpretar o significado das sete cabeças e dos dez chifres (v. 3). 20. B eale (R evelation, pp. 8 6 2 ,8 6 3 ) chama a atenção para o vocabulário sem elhante na profecia de Daniel e para o vocabulário de João no A pocalipse 17. Eis as expressões: D eus de deuses e Rei de reis, mistério, perplexo, besta e Babilônia, a Grande (Dn 2.47; 4 .9 ,1 9 ,2 4 ,3 0 , respectivamente). As similaridades são evidentes, porém não se limitam ao capítulo 4.
591
A p o c a l ip s e 17.7-11
João não deve sentir-se alarmado ante a sedutora aparência da mulher, mas, ao contrário, deve entender o poder blasfemo da besta que quer ser como Deus. E deve ver o castigo que a mulher e a besta receberão.21
8. A besta que você viu era e não é, e está para subir do Abismo e caminha para a destruição. Os habitantes da terra es tarão perplexos, aqueles cujos nomes não estão escritos no li vro da vida desde a fundação da terra. Vêem a besta que era e não é e virá. a. “A besta que você viu era e não é e está para subir do Abismo e caminha para a destruição.” Teríamos esperado que antes o anjo dis sesse algo acerca da mulher, e então discutisse sobre a besta. Mas a besta é mais importante do que a mulher, ainda que se assente em suas costas. Satanás, cognominado o dragão, deu-lhe seu poder, trono e au toridade (12.9; 13.2). Esta é a besta que foi mortalmente ferida, mas cuja ferida foi curada e passou a viver (13.3, 12, 14). A besta tudo faz para ser semelhante a Deus, “que é, que era e que há de vir” (1.4,8; 4.8; e ver 11.17; 16.5). Esta expressão pode aplicar-se tanto a Deus quanto a Cristo. A besta é semelhantemente descrita como aquela que “uma vez era, e agora não é, e está para subir do Abismo e caminha para a destruição” (comparar v. 11). Uma vez mais, notamos uma paródia satânica: o Anticristo tentando assumir o lugar de Cristo.22 A besta controlava as nações e os reinos do mundo. Deus escolheu Israel como seu povo peculiar dentre todas as nações, enquanto Sata nás dominava sobre todas as demais. O diabo tentou Jesus, oferecen do-lhe todos os reinos do mundo, se ele o adorasse (Lc 4.5-7). Jesus, porém, recusou-se. Quando o Senhor estava para subir ao céu, ele pronunciou seu discurso de entronização, dizendo: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Com essas palavras, ele indicou que Satanás perdera a batalha e que Jesus exerce domínio supremo. Nessa batalha, uma das cabeças da besta foi fatalmente ferida, porém foi curada (13.3,12,14).23Depois do Pentecostes, o evangelho inevitável 21. Beckwith, A pocalypse, p. 697; e John P. M. Sw eet, Revelation, WPC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 255. 22. Bauckham, C lim ax o f Prophecy, pp. 4 3 1 ,4 3 2 . 23. U m a interpretação costumeira aponta para a lenda de N ero redivivus (Nero voltan do à vida). Entre outros, ver A dela Yarbro C ollin s, The C om bat M yth in the B ook o f
A p o c a l ip s e 17.7-11
592
de Cristo foi proclamado de Jerusalém até os confins da terra. Este evangelho é proclamado a toda nação, e Satanás é incapaz de refreálo. Até o Pentecostes, a besta, como representante de Satanás, tinha poder sobre as nações, excetuando Israel, mas agora sua autoridade pertence ao passado. Isso não significa que Satanás seja impotente. Ao contrário, ele é o leão que ruge procurando em seu caminho a quem devorar (IP e 5.8). A besta hoje não é. O que está implícito nesta enigmática expres são? Deus se revelou como o “Eu Sou” (Êx 3.14), aquele que não tem princípio nem fim. Satanás, porém, é uma criatura com um princípio, cujo fim é a perdição. Ele nunca poderá ser o “Eu Sou” (Jo 8.58), ainda que seu alvo declarado seja ocupar o lugar de Deus (2Ts 2.4). Esta besta está para subir do Abismo e caminha para a destruição (comparar com Ap 11.7). O lar de Satanás é o Abismo como o exato oposto de céu, que é o lugar onde Deus habita. Aquele que sobe do Abismo é o Anticristo, que recebe autoridade de Satanás e leva seus atos maus a um clímax um pouco antes da consumação. Satanás está sempre na tela de fundo, enquanto a besta está trabalhando por ele. O Anticristo emerge da residência de Satanás com o expresso propósito de destruir todo e tudo que promove a causa de Cristo. Ironicamente, no processo de d estru ir outros, ele m esm o cam inha para sua autodestruição (ver comentário sobre 19.20 e 20.10).24Enquanto Cris to concede a seus seguidores a vida eterna, Satanás confere a seus cativos morte e destruição. b. “E os habitantes da terra ficarão perplexos, aqueles cujos no mes não estão escritos no livro da vida desde a fundação da terra.” Primeiro, a frase os habitantes, da terra aponta para os incrédulos (ver v. 2). Segundo, há uma estreita correlação com 13.3b, onde o mundo está adorando a besta. Depois de receber um golpe fatal em uma de suas cabeças, a besta se recobra e recebe o enaltecimento do mundo inteiro. Ela parece ser a força invencível que exerce um a in fluência anticristã em cada segmento e setor da vida humana. A Revelation, H DR 9 (M issoula: Scholars Press, 1976), pp. 175-90. Ver também seu A pocalypse (W ilmington: Glazier, 1979), p. 121. Mas se João tivesse em mente uma lenda que nunca se cumpriria, a credibilidade seria questionável. Ver também meu c o mentário em 13.3a. 24. Robert W. Wall, Revelation, NIBCNT (Peabody, Mass.: Hendrickson, 1991), p. 207.
593
A p o c a l ip s e 17.7-11
invencibilidade seria terrível, se não fossem as palavras de conforto ministradas àqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida desde antes da criação.25 c. “Vêem a besta que era e não é e virá.” Os santos cujos nomes estão registrados no livro divino estão seguros. A despeito da devasta ção que a besta causa, e não obstante a adoração que o mundo rende à besta, o povo de Deus está seguro e livre de medo. Seu destino eterno está estabelecido.
9. Aqui está a mente que tem entendimento. As sete cabe ças são sete colinas, sobre as quais a mulher se assenta. 10. £ são sete reis: cinco já caíram, um existe e um ainda não veio. £ quando ele vier, é necessário que permaneça por pouco tempo. a. “Aqui está a mente que tem entendimento.” Esta primeira sen tença tem um paralelo na afirmação anterior: “Aqui está a sabedoria. Aquele que tem mente, calcule o número da besta” (13.18). Sabedoria aplicada não é um estudo de história, política e geografia com o fim de elucidar que rei estava no poder, sob quais circunstâncias e onde ele reinou. Aliás, o Apocalipse deve ser entendido teologicamente, pois o escritor pinta uma realidade que compreende todos os governantes e sua época.26O simbolismo que caracteriza todo o livro é também perti nente aqui. Neste capítulo, observe onde a mulher se assenta: sobre muitas águas (vs. 1, 15), sobre a besta (v. 3) e sobre sete colinas (v. 9). Os três lugares devem ser entendidos simbolicamente. b. “As sete cabeças são sete colinas sobre as quais a mulher se assenta.” Alguns comentaristas vêem nesta sentença uma referência a Roma, a qual está situada sobre sete colinas. M arcus Terentius Varro, escrevendo no segundo século antes de Cristo, parece ter sido o primeiro a usar a expressão Septimontium (as Sete Colinas) como referência a Roma; e nos anos recentes, muitos autores o seguiram. Aune observa: “As Sete Colinas tradicionais estão catalogadas numa inscrição de Corinto na base de uma estátua erigida durante a prim ei ra metade do segundo século d.C., provavelmente representando a Dea Roma [a deusa personificando Roma] assentada ou em pé sobre 25. Ver os comentários de Lenski, pp. 499, 500; e B eale, p. 866. 26. Johnson (R evelation , p. 557) observa: “Quando isso é visto com o sendo o caso, é desnecessário voltar às teorias da fonte.” Consultar Gregory K. Beale, “The Danielic Background for R evelation 13.18 e 17.9”, TynB 31 (1980): 163-70.
A p o c a l ip s e 17.7-11
594
as Sete Colinas de Roma.”27Não há dúvida de que João podia identi ficar as sete colinas com Roma, mas é preciso perguntar por que ele iria querer mudar de um significado figurado para um literal. Desde o princípio, a expressão sete cabeças, no Apocalipse, tem sido interpre tada simbolicamente (comentário sobre v. 3; 12.3; 13.1). Em outros termos, há boas razões para crer-se que o anjo esteja falando metafó rica e biblicamente. O paralelismo é significativo: sete cabeças são sete colinas. Se uma idéia deve ser tomada simbolicamente, então também a outra. O Antigo Testamento indica que montes podem sim bolizar poder político, como é evidente nas seguintes passagens: • “Nos últimos dias, o monte do templo do S e n h o r será estabele cido como o principal; será elevado acima das colinas, e todas as nações correrão para ele” (Is 2.2). • “Estou contra você, ó montanha destruidora, você, que destrói a terra inteira, declara o Senhor” (Jr 51.25). • “Mas a pedra que atingiu a estátua tornou-se uma montanha e encheu a terra toda” (Dn 2.35b, n v i , todas). Portanto, o simbolismo das sete colinas aponta para os poderes mundiais que têm seu lugar na História.28A mulher não se assenta so bre colinas literais, mas em posições próprias acima dos impérios do mundo para dirigi-los contra o reino de Deus. Ao longo das eras, ela esteve tentando subverter a cidade de Deus, porém sempre fracassou em vencê-la. c. “E são sete reis: cinco já caíram, um existe, o outro ainda não veio.” João é mais específico, porquanto conta cinco reis que pertencem ao passado, um ao presente e o último ao futuro. Muitos intérpretes aplicam esta sentença aos imperadores romanos, mas enfrentam a dificuldade em concordar sobre a seqüência dos governantes. Estes são os imperadores romanos, partindo de Júlio César até Domiciano:
27. A une, R evelation 1 7 -2 2 , p. 945; ver H. S. Robinson, “A M onument o f Roma at Corinth”, H esperia 43 (1974): 470-84, lâminas 101-6; M ounce, R evelation, p. 315; B eckw ith, A pocalypse, p. 698. 28. Consultar Colin Brown, NIDNTT, 3.1013; Abraham Kuyper, The R evelation o f St. John, trad. John Hendrik de Vries (Grand Rapids: Eerdmans, 1935), pp. 217, 218.
595
A po c a l ip s e 17.7-11
1. Júlio César (49-44 a.C.) 2. Augusto (27 a.C.-14 d.C.) 3.Tibério(14-37) 4. Gaio Calígula (37-41) 5. Cláudio (41-54) 6. Nero (54-68) 7. Galba (junho 68-janeiro 69) 8. Oto (janeiro-abril 69) 9. Vitélio (abril-dezembro 69) 10. Vespasiano (69-79) 11. Tito (79-81) 12. Domiciano (81-96) Suscita-se uma série de perguntas. Onde começamos a contagem e onde terminamos? Começamos com Júlio César, Augusto ou Galba? Galba, Oto e Vitélio são excluídos em decorrência de seus breves rei nados? Omitimos o nome de Júlio César uma vez que ele não toma parte na história neotestamentária? Se adotarmos a última data para o Apocalipse, é Domiciano o sexto, o sétimo ou o oitavo imperador? De vemos partir de Domiciano e começar a contagem regressiva? Os es tudiosos têm tentado responder todas essas questões, mas os cálculos numerosos que coletivamente apresentam tornam impossível chegar mesmo a uma sombra de unanimidade.29 João escreve “cinco caíram”, mas, evidentemente, ele não está pen sando em reis que morreram, mas, antes, em impérios que chegaram ao fim e pereceram.30 No Apocalipse, sempre que os santos caem, caem sobre seus rostos em adoração; mas quando o verbo cair referese aos incrédulos, ele significa “perecer”. Por exemplo, temos o grito: “Caiu, caiu Babilônia, a Grande’ (14.8; 18.2). A luz de Daniel 7.17 e 23, sabemos que reis representam seus reinos, e que os reinos são maiores que os reis. O texto aramaico do 29. Aune (R évélation 1 7 -2 2 , pp. 947, 948) lista nove diferentes maneiras de contar os im p erad ores rom an os. B e ck w ith (A p o c a ly p s e , pp. 7 0 4 -8 ) d isc u te e ste tem a detalhadamente. Josephine M assyngberde Ford (R évélation: Introduction, Translation, an d C om m entary,A B 38 [Garden City, N ova York: Doubleday, 1975], p. 289) cataloga quatro construções. 30. Bauer (p. 6 60) lista o significado com o “os cinco pereceram, desapareceram, saíram de cena”.
A p o c a l ip s e 17.7-11
596
versículo 17 na tradução reza: “Em relação a essas quatro bestas, qua tro reis sairão da terra” (N R S V ). Na Septuaginta, porém, é traduzido “reinos” em harmonia com o versículo 23 (N C V , n v i , n l t , r e b ). En quanto os impérios que erguem suas cabeças contra Deus são subver tidos, o reino de Deus permanece para sempre. Os cinco impérios que jápereceram são, sucessivamente, Babilônia antiga (Gn 10.8-12), Assíria, Neo-Babilônia, Medo-Pérsia, Greco-Macedônia; Roma é o número seis, como aquele que existe durante a vida de João.31E então há outro, o sétimo, que ainda não veio. d. “E quando ele vier, é necessário que permaneça pouco tempo.” De que forma interpretaremos o sétimo? Se esse reino aponta para o governo do Anticristo antes do fim, então enfrentaremos uma lacuna de quase dois milênios, durante os quais muitos impérios surgiram e se des vaneceram. Ainda que isso seja verdade, o enfoque está na expressão apocalíptica pouco tempo, o que no Apocalipse assume um significado próprio. Por exemplo, lançado do céu, Satanás sabe que seu tempo é breve (12.12). Esse tempo breve não deve ser tomado literalmente, e, sim, simbolicamente, quase a mesma coisa que as referências a 1.260 dias, quarenta e dois meses e três anos e meio, que devem ser tomados simbolicamente (11.2, 3; 12.6, 14; 13.5). Daí, o termo pouco tempo não é um período cronológico, mas funções dentro de um período abrangente de tempo. Isto é, o sétimo reino pode ser visto como “o título coletivo para todos os governos anticristãos entre a queda de Roma e o império final do anticristo, que surgirá para oprimir a Igreja nos dias imediatamente pre cedentes à segunda vinda de Cristo”.32 As palavras é necessário denotam que Deus está plenamente no controle durante esse pequeno período do sétimo reino. Deus governa supremamente, de modo que o Anticristo só possa executar sua obra durante o tempo que lhe for permitido. Aliás, aqui está o conforto dos santos na terra enquanto atravessam a tribulação e angústia. 31. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 171; S. Greijdanus, D e O penbaring des Heeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 349. Henry Alford (Jam es-Revelation, vol. 4, parte 2, de A lford’s G reek Testament [1875; reimp. em Grand Rapids: Guardian, 1976], p. 70) tem a mesma seqüência de reinos, porém ele cham a a antiga Babilônia de Egito e Assíria de Níni ve; ver William Milligan, The Book o f Revelation (N ova York: Armstrong and Son, 1993), p. 285; Thomas, Revelation 8 -2 2 , p. 297; John F. Walvoord, The R evelation o f Jesus Christ (Chicago: M oody, 1966), pp. 253, 254. 32. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 171; B eale, R evelation, p. 875.
597
A p o c a l ip s e 17.7-11
11. E a besta que era e não é, sim, ela é o oitavo e é um dos sete e segue para sua destruição. O texto parece apresentar uma mensagem escondida e enigmática, mas a sim ilaridade da fraseologia no contexto precedente facilita grandemente a interpretação deste versículo. Note as palavras b e s ta , n ã o é, d o s se te , o o ita v o e d e stru iç ã o . João fala da besta que “era e não é, e está para subir do Abismo e caminha para sua destruição” (v. 8; ver o comentário). Essa besta não é aquela dos sete reis/reinos (v. 10), mas personifica a totalidade do mal neles; portanto, ela é muito maior que qualquer uma individualmente. Em suma, ela é absolutamente depravada e age em e através de cada um dos sete impérios como um oitavo. A frase, era, e n ã o é, e ca m in h a , com variações, ocorre três ve zes neste capítulo (vs. 8a, 8b, 11) e é uma clara imitação de Deus: “que era, que é e que há de vir” (1.4, 8; 4.8). A besta, contudo, tem um princípio e um fim; e assim, como criatura, é limitada pelo tempo e espaço. Ela é a personificação do Anticristo (2Ts 2.3,4), o qual proce de do Abismo e está em seu caminho para a destruição. Não obstante, a besta é descrita como aquele que agora não existe, de modo que os dois termos, e r a e n ã o é, são idênticos em significado. E se ela não é mais relevante, por que, pois, ainda a menciona como oitavo rei? Qual é a significação deste versículo? Satanás, representado pela besta (13.2), perde a batalha contra Cristo na cruz e o túmulo vazio. Quando Cristo subiu para o céu, ele proclamou vitória sobre os anjos maus (IPe 3.19, 22). A ferida em uma das cabeças da besta era fatal (13.3, 12, 14), mas isso não signi fica que sua existência tenha chegado ao fim. Longe disso, porque, embora ela tenha perdido a batalha contra Cristo, a guerra propriamente dita ainda não terminou. Muitos estudiosos interpretam a frase “ele é um oitavo e é dos sete” como uma referência a Domiciano que, como um segundo Nero, reintroduziu a perseguição aos cristãos.33Algumas versões ( C a s s ir e r , G N B, n a s b , n j b , r e b ) inclusive rezam: “ele é um dos sete” em apoio ao ponto de vista de que Nero retornou como perseguidor da Igreja. O texto grego, porém, literalmente reza: “e ele é dos sete”, no sentido de similaridade. George E. Ladd apresenta uma visão única, escrevendo 33. Entre ou tros estã o A u n e, B easley-M u rray, D iisterd ieck , H arrington, van Hartingsveld, M offatt, Schiissler Fiorenza, Swete.
A p o c a l ip s e 17.7-11
598
que “o oitavo é semelhante aos sete, em que os sucede no domínio mundial; mas está separado no sentido de que sobe do abismo como a plena incorporação satânica da besta.”34 Concluo que este versículo deve ser interpretado à luz do contexto precedente, onde João menciona a besta que “subirá do Abismo e ca minha para sua destruição” (v. 8). A besta, pois, não é um dos sete governantes, mas é a concentração de tudo o que é mal. E ela, com o falso profeta, será lançada no lago de fogo que queima com enxofre, onde encontram sua própria destruição (19.20). Ela é o Anticristo que é destruído pelo Cristo vitorioso.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 17.8-11 V e rsíc u lo 8
pieiTÓviuv - o genitivo plural é explicado ou como tomando seu caso do pronome relativo precedente cov, ou como sendo um genitivo absoluto com o pronome aúiwv mentalmente suprida. V e rsíc u lo 11
aúxóç - uma redação variante é ouioç, mas ambas são gramaticalmente incorretas, porque, como masculinos singulares, dependem do singular neutro tòGripíov (a besta).
c. A. Soberania do Cordeiro
17. 12-14 12. E os dez chifres que você viu são dez reis, que ainda não receberam um reino. Mas receberam autoridade com a besta, como reis, por uma hora. ,13. Esses têm um propósito e recebe ram da besta seu poder e autoridade. João chama a atenção de seus leitores para o quadro da besta com sete cabeças e dez chifres (vs. 3,7; ver 12.3; 13.1). O número dez é um número figurativo que, no Apocalipse, sempre se relaciona com Sata nás, seus servos e suas atividades. Assim, o número dez se refere a • dez dias de perseguição instigada pelo diabo (2.10); • o dragão com dez chifres (12.3); 34. George Eldon Ladd, Commentary on the Revelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 231.
599
A p o c a l ips e 17.12-14
• a besta que emerge do mar com dez chifres e dez coroas (13.1); • e a besta escarlate com dez chifres (17.3, 7, 12, 16). Esses dez chifres são dez reis a serviço do maligno; são unidos em propósito para fazerem a vontade da besta, isto é, o Anticristo. O texto impossibilita identificar dez reis com líderes subordinados no império romano ou com governantes partas, porque esses reis não tinham ainda recebido reino. A fonte da descrição dos dez chifres e dez reis provém da visão de Daniel, que representa uma besta com dez chifres simbolizando seu poder abrangente. Daniel explica que os dez chifres são dez reis que virão do reino da besta. O cenário desta passagem profética é aquele em que o poder de uma besta ímpia se dirige contra Deus. Deus, porém, retira seu poder e destrói a besta para sempre (Dn 7.7, 20, 24,26). Portanto, com um traço semelhante, João escreve que esses dez reis receberão autoridade com a besta por uma hora. Recebem sua autoridade não da besta, mas de Deus, ainda que esses reis sejam aliados da besta, que é o Anticristo. Como diz Paulo: “Não há autori dade, exceto aquela que Deus estabeleceu” (Rm 13.1). Desde o iní cio do Apocalipse, Deus dá poder a Satanás e a seus assistentes e lhes permite concretizar seus maus desígnios dentro dos limites que Deus estabeleceu. O poder que esses reis usam contra Cristo dura apenas por um breve período de tempo. A expressão uma hora não deve ser entendida literalmente como 60 minutos, pois aqui, como em outros lugares no Apocalipse, a referência não é a tempo cronológico. Ao contrário, tem po é o princípio que, neste texto, meramente significa brevidade. Não nos é dito quando esses reis receberão seu poder, mas o uso reiterado do termo uma hora no capítulo seguinte (18.10, 17, 19) sugere que as forças destrutivas provocarão destruição nos últimos dias. Faremos bem não tentando prever quem serão esses reis e onde governarão, pois o texto por si só é silencioso neste ponto. João apre senta um quadro das forças anticristãs combinadas que no futuro se dirigirão contra o Cordeiro. Quando e onde a batalha eventualmente se concretizará não estava em sua cogitação. Ele pinta o quadro geral e omite os detalhes.
A p o c a l ip s e 17.12-14
600
João acrescenta que os reis serão de uma só mente e propósito. Prontam ente se põem sob a influência e disposição do Anticristo. Isto é, de comum acordo dão à besta seu poder para opor-se a Cristo e a seu reino. Exercem sua oposição em todos os segmentos e setores da vida: governo, política, aplicação da lei, comunicação, indústria, comércio, educação, serviço legal e médico, trabalho, arte, esportes e entretenimento. O Anticristo controlará toda a vida através dos líderes mundiais, que pronta e intencionalmente colocam a si próprios e seu povo à sua disposição. O mundo propriamente dito se torna uma força global sob o comando do Anticristo. Ele usa o conhecimento e o poder, respectiva mente, em sua batalha final contra Cristo e seu povo em sua tentativa de subvertê-los. Incidentemente, seu esforço de promover guerra con tra o Senhor e os santos já foi mencionado (11.7; 13.4,7). Aqui, porém, a referência é à batalha decisiva nos últimos dias (ver 19.19).
14. Esses farão guerra contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque ele é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; e aqueles que estão com ele são os chamados, os eleitos e os fiéis. a. “Estes farão guerra contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vence rá.” Primeiro, esta sentença é um eco de Daniel 7.21: “Este chifre saiu promovendo guerra contra os santos, e os derrotou.” Mas há certa diferença. O chifre da profecia de Daniel é um símbolo dos reis que combatem o Senhor com o fim de derrotar os santos, enquanto no Apocalipse o Senhor derrota os reis. Segundo, a sentença consis te de duas frases postas em uma configuração quiásmica para efeito de ênfase: estes farão guerra contra o Cordeiro o Cordeiro os vencerá. Esta é a linguagem de certeza, porque Cristo, tendo triunfado sobre Satanás através de sua morte e ressurreição, é o vitorioso. Quando as forças guiadas pelo Anticristo saírem a guerrear contra o Cordeiro, serão condenadas a uma derrota esmagadora. O tempo futuro deste verbo não é meramente uma profecia, mas também uma garantia do que está para acontecer. Alguns comentaristas são de opinião que o versículo 14 está fora de lugar, porque ele foi tomado da cena da batalha registrada em 19.11-
601
A p o c a l ip s e 17.12-14
21.35Mas a estrutura do capítulo 17, com sua descrição da guerra espiri tual em que os reis da terra guerreiam contra o Cordeiro, tem lugar para este versículo. Ele serve como uma nota preliminar ao relato detalhado do cavaleiro que monta o cavalo branco que sai à batalha contra seus inimigos. Se tal nota preliminar está fora de lugar, então não só este capí tulo do Apocalipse, mas todo o Novo Testamento precisa ser reescrito.36 b. “Porque ele é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis.” João usa linguagem veterotestamentária que exalta o Senhor Deus Todo-Poderoso como o único Deus e Rei (Dt 10.17; SI 136.3; Dn 2.47).370 s qualificativos d o s se n h o re s e d o s re is servem para expressar a idéia superlativa. Paulo descreve Deus em linguagem semelhante: “Deus, o bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores” (lT m 6.15). Aqui, porém, o título se aplica ao Cordeiro. O título R e i d o s reis denota soberania e autoridade; o título S en h o r d o s se n h o re s significa majestade e poder. Cada governo, todas as nações e todos os povos estão sujeitos a ele; e todos quantos pertencem ou ao mundo angélico ou à humanidade, que determinam enfrentá-lo em luta, enfrentam uma batalha perdida e uma ruína total. c. “E aqueles que estão com ele são os chamados, os eleitos e os fiéis.” Agora João menciona os santos, que são seguidores do Senhor. Já foram chamados através da vocação interna e eficaz, a qual resultou em sua salvação (Ef 1.4) e, assim, como os eleitos, lhe pertencem. O ato de escolher seu povo antecede o ato de chamá-los; aqui, porém, o ponto consiste em que Deus baseia a vocação na eleição. Deus tam bém espera que eles se mostrem agradecidos por sua graça eletiva. Assim, confiam nele, aceitando sua Palavra na fé, e comprovam que o amam obedecendo fielmente seus preceitos. Uma última observação neste versículo. A frase a q u e le s q u e e s tã o co m e le indica que os santos estão na presença do Senhor. Sabe mos que, uma vez que o Senhor é vitorioso, compartilham de sua vitó ria. São os vencedores que recebem suas bênçãos e herdarão todas as coisas (ver, por exemplo, 15.2; 21.7). 35. Charles (R evelation, 2.74, 429-30) reorganizou os versículos deste capítulo na seguinte seqüência: 1 2 ,1 3 ,1 7 ,1 6 ,1 4 , 18. Aune (R evelation 1 7 -2 2 , p. 953) classifica o versículo 14 com o sendo uma interpolação. 36. Referência a Beckwith, A pocalypse, p. 701. 37. Ver também 2 M acabeus 13.4; 3 M acabeus 5.35; 1 Enoque 9.4.
A p o c a l ip s e 17.15-18
602
d. O Propósito de Deus 17.15-18
15. E o anjo me disse: As águas que você viu, sobre as quais a prostituta estava sentada, são os povos, multidões, nações e línguas. Depois de instruir João em muitos versículos (vs. 1, 7-14), o anjo então se lhe dirige com um esclarecimento adicional. Note que João não está pedindo que o anjo esclareça a visão da prostituta sentada sobre muitas águas (v. 1). De sua própria iniciativa, o anjo interpreta para João a visão e seu significado. Ele não está falando acerca da mulher sentada sobre a besta escarlate ou sobre as sete colinas, por quanto há quadros adicionais da mesma prostituta. As águas são uma representação da raça humana, que está sob seu domínio. Alguns estudiosos definem as multidões como estando subjugadas por Roma, mas tal conceito é estreito demais. Faremos bem explicando as águas como sendo aquelas massas do mundo que se encontram subjugadas pelas forças anticristãs. Este quadro das águas, apresentado e interpretado pelo anjo, só pode ser entendido como um símbolo. De maneira semelhante, o núme ro quatro, nas quatro categorias de povos, multidões, nações e línguas, aponta para o mundo. Por todo o Apocalipse, são numerosas as cate gorias de quatro se referindo à criação divina (por exemplo, “vozes, trovões, relâmpagos e terremotos” [8.5; ver também 16.18], Assim, o uso da frase quádrupla - povos, multidões, nações e línguas - não se restringe a uma era particular, mas se refere a todas as nações do mundo. “No mundo simbólico do Apocalipse, dificilmente poderia ha ver uma indicação mais enfática de universalismo.”38 Concluindo, o Antigo Testamento fornece numerosos textos onde as águas simbolizam os povos deste mundo. Os profetas usam esta metáfora reiteradamente (ver Is 8.7; 23.11; Jr 47.2; 51.13). 16. E os dez chifres que você viu, e a besta, esses odiarão a prostituta; e a farão desolada e nua; e comerão sua carne e a queimarão com fogo. Que tremendo contraste existe entre a mulher fulgurante em glória, que é a noiva do Cordeiro (19.7, 8), e a mulher que é a prostituta, solteira, abominável, destituída, atacada e abandonada! 38. Bauckham, Clímax ofProphecy, p. 326.
603
A p o c a l ip s e 17.15-18
Ao lermos este versículo, vêm imediatamente a nossa mente as palavras de Jesus: “Como pode Satanás expulsar Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, tal reino não pode subsistir” (Mc 3.23, 24). Os dez reis, isto é, os governantes deste mundo, e a besta se opõem ao reino de Deus, porém se apressam para sua própria destruição. Esses reis e a besta são governados pelo maligno e são destituídos das virtu des de amor e respeito. Estão dominados pelo ódio e, em vez de se sujeitarem à mulher, insultam sua autoridade e se voltam contra ela. João recebe o eco das frases e palavras dos profetas do Antigo Testamento que profetizam acerca de Samaria e Jerusalém, isto é, Israel e Judá. Os assírios vieram e expressaram seu ódio, arrancando suas roupas e exibindo seu opróbrio, deixando-os desolados (Ez 16.39; 23.29; 26.19; Os 2.5-7). Deus arrebatou tudo do povo de Israel e Judá, enviando-os para o exílio. Aliás, Ezequiel profetizou que os assírios e babilônios cortassem fora os narizes e orelhas de seus cati vos e consumissem com fogo os que fossem deixados (23.25; 28.18). Ainda que Deus usasse forças estrangeiras para a consecução do exí lio, o mal dentro das fronteiras de Israel e Judá era a causa última de sua destruição. Teria João em mente a destruição de Roma, pela qual vassalos subordinados se insurgiram contra ela? Dificilmente, porque a cidade imperial nunca cumpriu inteiramente as palavras deste versículo. O es plendor de Roma diminuiu no decurso do tempo, e o império chegou ao fim em 476, mas a cidade propriamente dita permaneceu intata. Em uma escala mais abrangente, o texto se aplica às nações que perse guem alvos econômicos e políticos em detrimento de outras. Quando se acumulam abundância e riquezas, uma súbita ruína se abate sobre es sas nações e assim entram em colapso. De igual modo, os indivíduos que se deixam fascinar pela fortuna, eles seguem as veredas do mun do. Quando compreendem que possessões terrenas perdem sua fasci nação, vêem-se impossibilitados de libertar-se e inevitavelmente en frentam a destruição final (lT m 6.9).
17. Porque Deus pôs em seus corações realizar seu propósi to, de comum acordo, e dar seu reino à besta, até que se cum pram as palavras de Deus. Todos os males e enganos que observamos cercar-nos não devem dissuadir-nos da premissa de que Deus está no pleno controle de tudo.
A p o c a l ip s e 17.15-18
604
Deus é soberano, e nada sucede fora de sua vontade. Aliás, sem o co nhecimento deles, ele opera nos corações e mente dos governantes ter renos e os leva a cumprir suas ordens. Ele os usa como instrumentos em suas mãos, de modo que seu desígnio é que odeiem a prostituta (compa rar Is 10.5-11; Jr 34.22). A expressão pôs em seus corações é um idiomatismo semítico no Antigo Testamento e significa diretriz divina.39 Deus tem três intenções, a saber, que os dez chifres • cumpram seu propósito • o façam de comum acordo • dêem seu reino à besta Alguns comentaristas põem o segundo entre colchetes para indicar redundância. Mas isso não é necessário; há certa distinção entre o primeiro e o segundo objetivo. O primeiro é uma determinação objetiva de realizar a vontade de Deus, enquanto o segundo é uma intenção subjetiva de fazer sua vontade em unidade e harmonia. Esses reis asso ciados à besta estão determinados a destruir a mulher que os tem domi nado. Portanto, desde o princípio os propósitos de Deus são cumpridos. Para sublinhar o intento combinado dos reis em agirem de comum acordo, entregam seu reino à besta. A razão para essa frente unida é a realiza ção do propósito de Deus de acordo com suas palavras. As palavras de Deus são sua vontade revelada de que sua ordem seria obedecida. Como pode um Deus soberano concretizar seu plano através dos maus desígnios de governantes profanos? Não há conflito de interesse, por assim dizer. Antes, reconhecemos que Deus permite que o mal triunfe, porém usa-o para promover seu próprio reino e para demons trar sua glória. “Sobrevem desgraça a uma cidade, sem que o Senhor o tenha determinado?” (Am 3.6 n r s v ; ver Is 14.24-27; Ez 24.7, 8). Tudo está nas mãos de Deus, e ele concretiza seu plano e propósito.
18. E a mulher que você viu é a grande cidade que tem um reino sobre os reis da terra. Aqui está a última explicação dos símbolos deste capítulo. A mu lher, que desde o princípio tem ocupado uma posição central, assentan do-se sobre muitas águas, sobre uma besta escarlate e sobre sete coli nas, é agora a mesma que “a grande cidade”. Há duas cidades no 39. Esdras 7.27; Ne 2.12; 7.5; 1 Esdras 8.25. Ver Aune, Revelation 1 7 -22, p. 959.
605
A p o c a l ip s e 17.15-18
Apocalipse. Uma é a nova Jerusalém que desce do céu, da parte de Deus (3.12; 21.2,10; 22.2, 3), e a outra é a cidade do mundo controlada por Satanás e conhecida como Babilônia, a Grande (11.8; 14.8; 16.19; 17.5; 18.2, 10). Essas duas cidades têm seus próprios cidadãos, seus próprios governos e leis, e seus próprios destinos. Uma é a cidade da luz; a outra, a cidade das trevas; uma é conhecida por sua pureza, a outra, por suas fraudes. Numa, Deus e o Cordeiro habitam com seu povo; e na outra residem Satanás, os anjos apóstatas e seus seguidores.40 O reino de Satanás se estende para muito além do globo, e os governantes da terra lhe prestam homenagem e se lhe submetem. Mas aquelas pessoas que exibem o nome do Pai e do Cordeiro escrito em suas frontes (14.1) são cidadãos do reino do céu. Viverão para todo o sempre com Cristo na nova Jerusalém.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 17.17 K a i T T O if]G c c i \iiav yvui\ír\v - vários manuscritos omitem esta frase em virtu de de sua similaridade com a frase anterior. Mas a inclusão de \iiav à guisa de ênfase sugere que a frase é um idiomatismo (“e estar alguém de acordo”) e tem um lugar legítimo na sentença.
40. Comentaristas apresentam certa diversidade de opiniões quanto à identificação da grande cidade. Com base em 11.8 e 16.19, Ford entende ser ela Jerusalém (R evelation, p. 292); Aune nota que ela “se refere claramente a Roma” (Revelation 1 7 -2 2 , p. 959); e Thom as escreve que “a única identidade possível ... é Babilônia sobre o Eufrates” (Revelation 8 -2 2 , p. 307). N o entanto, a grande cidade transcende as fronteiras geográ ficas e históricas. “O significado não pode se confinar a Sodoma, ou Egito, ou Jerusalém, ou Roma, ou qualquer cidade futura. Aliás, João descreve o sistema real trans-histórico do mal satânico que inspira todas elas” (Johnson, Revelation, p. 563).
E sboço (continuação) 2. Cânticos de Condenação e Destruição (18.1-24) a. O Primeiro Lamento (18.1-3) b. A Ordem de Fugir (18.4-8) c. A Queda de Babilônia (18.9-20) (1) O Canto Fúnebre da Realeza (18.9, 10) (2) O Lamento dos Mercadores (18.11-17a) (3) O Lamento dos Capitães do Mar (18.17b-19) (4) Contraste (18.20) d. Um Símbolo e um Cântico de Condenação (18.21-24)
C a p ít u l o
18
°
Caiu, caiu Babilônia, a Grande, e ela veio a ser habitação de demônios, a prisão de todo espírito imundo, a prisão de toda ave imunda e a prisão de todo animal imundo e abominável, 3 porque todas as nações têm bebido do tumultuoso vinho de sua fornicação, e os reis da terra cometeram adultério com ela, e os mercadores da terra se tornaram ricos pelo po der de sua sensualidade. 4 E ouvi outra voz procedente do céu, dizendo: Saia dela, povo meu, para que você não participe de seus pecados, e que não receba suas pragas, 5 porque seus pecados se acumularam até o céu e Deus se lembrou de seus crimes. 6 Retribuam-lhe com a mesma moeda e paguem-lhe em dobro de acordo com suas obras, misturem para ela uma porção dupla no cálice que ela mesma misturou. 7 Façam-na sofrer tanto tormento e tanta aflição quanto a glória e o luxo a que ela se entregou. Porque ela diz em seu coração: Estou assentada como rainha, não sou viúva,
A po c a l ipse 18
608
e nunca terei tristeza. 8 Portanto, em um só dia lhe sobrevirão pragas, morte e tristeza e fome, e ela será queimada com fogo, porque o Senhor Deus Poderoso a está julgando. 9 E os reis da terra, que cometeram adultério com ela e participaram de seu luxo, chorarão e lamentarão sobre ela, quando virem a fumaça de seu incêndio. 10 Amedrontados por causa do tormento dela, ficarão de longe e gritarão: Ai, ai da grande cidade, Babilônia, a cidade poderosa, porque em uma só hora lhe sobreveio juízo! 11 E os mercadores da terra choram e lamentam sobre ela, porque ninguém compra sua mercadoria. 12 São mercadorias de ouro e prata, pedras preciosas e pérolas, linho fino e púrpura, tecidos de seda e escarlate, todo tipo de madeira de cedro cítrico e peças de marfim, madeira preciosa, bronze, ferro e mármore; 13 canela e outras especiarias, incenso, mirra e perfumes; vinho e azeite de oliva, flor de farinha e trigo; bois e ovelhas, cavalos e carruagens e corpos e almas de seres humanos. 14 E as frutas maduras que tanto lhe despertaram apetite, todas as suas riquezas e todo o seu esplendor desapareceram; nunca mais serão recuperados. 15 Esses mercadores que se enriqueceram às custas dela ficarão de longe, amedrontados com o tormento dela, e chorarão e se lamentarão, 16 dizendo: Ai, ai da grande cidade, aquela que está vestida com linho fino e púrpura e escarlate, e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas, 17 porque em uma só hora suas riquezas foram de vastadas. E todo capitão do mar e-todos os passageiros e marinheiros e quantos ganham a vida no mar ficarão de longe, 18 e bradam quando contemplam a fumaça de seu incêndio, e exclamam: Que outra cidade é comparável à grande cidade? 19 E lançarão pó sobre suas cabeças e, lamentando, bradarão: Ai, ai da grande cidade. Graças à sua riqueza, nela prosperaram todos os que tinham navios no mar! Em apenas uma hora ela foi devastada! 20 Regozijem-se sobre ela, ó céus, e os santos e os apóstolos e os profetas, porque Deus a julgou, retribuindo-lhe o que ela fez a vocês.
609
A po c a l ipse 18
21 E um anjo poderoso levantou uma grande pedra como de moinho, e a lançou no mar, dizendo: Com igual violência será lançada em terra a grande cidade, Babilônia, para nunca mais ser encontrada. 22 E nunca mais se ouvirá nela o som de harpas e de músicos, dos flautistas e tocadores de trombetas. Nunca mais se achará dentro dela o ruído de pedras de moinho. 23 Nunca mais brilhará em seu meio a luz de candeia. Nunca mais se ouvirá nela a voz de noivo e de noiva, visto que seus mercadores eram os grandes da terra, porquanto com suas feitiçarias todas as nações foram enganadas. 24 E nela se achou sangue dos profetas e dos santos e de todos quantos foram mortos na terra.
2. Cânticos de Condenação e Destruição 18.1-24 Enquanto o capítulo precedente (17) descreveu Babilônia como a grande prostituta, este capítulo a representa em termos de sua queda econômica. Babilônia não se confina à cidade situada às margens do Eufrates ou a Roma como a capital do império romano. Babilônia é a capital do mundo inteiro, o centro do universal reino das trevas. É um símbolo de todo o mundo hostil para com Deus e seu Cristo. E esse mundo que tomou Deus como seu inimigo enfrenta agora a pena de total colapso econômico. Este capítulo lamenta a queda de Babilônia e é um segmento de 14.8: “Caiu, caiu Babilônia, a Grande.” Primeiro notamos os muitos hinos de juízos e lamentos sobre Babilônia. Podem-se contar oito hinos (vs. 2b, 3 ,4b-8, 10b, 14, 16, 17a, 19b, 20, 21b-24), todos com introdu ções apropriadas.1Segundo, detectamos três anjos que falam sucessi1. Consultar W. H. Shea, “Chiasm in Them e and by Form in Revelation 18”, A U SS 20 (1982): 249-56; ver também o esboço de Kenneth A. Strand, “Two Aspects o f B abylon’s Judgment Portrayed in Revelation 18”, AUSS 20 (1982): 53-60.
A p o c a l ips e 18.1-3
610
vãmente: o primeiro, tendo grande autoridade, falou em alta voz (vs. 13); o segundo é introduzido como “outra voz procedente do céu” (vs. 420); e o terceiro é um anjo poderoso que arroja no mar uma pedra de moinho (vs. 21-24). Terceiro, note o contraste de condenação e apro vação. Depois que os hinos de juízo e lamento são entoados no capítulo 18, ressoam cânticos de louvor entoados por uma multidão celestial (19.1-3), pelos vinte e quatro anciãos (19.4), por uma voz procedente do trono (19.5) e por uma grande multidão (19.6-8). A seção central do capítulo 18 é a mais longa e pode ser dividida em dois segmentos: Babilônia antes de sua queda (vs. 4-8) e depois de sua queda (vs. 9-20). O capítulo propriamente dito tem quatro partes: o primeiro lamento (vs. 1-3), a ordem de fugir (vs. 4-8), o segundo lamen to (vs. 9-20) e um símbolo com interpretação (vs. 21-24).2 a. O Primeiro Lamento 18.1-3
1. Depois dessas coisas vi outro anjo descendo do céu, ten do grande autoridade. E a terra foi iluminada com sua glória. A frase depois dessas coisas ocorre pelo menos nove vezes no Apocalipse.3Essas ocorrências não apontam para o tempo cronológi co, mas, antes, para uma mudança de uma visão para outra. Daí João visualiza primeiramente, no capítulo 17, Babilônia como a grande pros tituta e, então, neste capítulo, vê a queda de Babilônia. Alguns intérpretes identificam com Jesus o anjo que desce do céu.4Mas isso é quase impossível, por causa do adjetivo precedente outro, o qual aponta para uma sucessão de anjos anteriores (17.1, 3,7,15). Portanto, é mais provável que este anjo seja um dos sete mencionados anteriormente, em 17.1, ainda que difira do primeiro anjo ali mencionado. Talvez ele pu desse ser identificado com o anjo poderoso que desce do céu em 10.1. Este anjo foi revestido com grande autoridade, o que significa que Deus lhe deu a tarefa de anunciar o veredicto do perecimento de Babilônia. 2. David E. Aune, R evelation 1 7 -2 2 , W BC 52C (Nashville: N elson, 1998), p. 976. Aune Combina os dois hinos de lamento e, assim, consegue três partes. 3. Apocalipse 1.19; 4.1 (duas vezes); 7.9; 9.12; 15.5; 18.1; 19.1; 20.3. 4. Por exem plo, M. Robert M ulholland Jr., R evelation: H oly Living in an Unholy World (Grand Rapids: Zondervan, Francês Asbury Press, 1990), p. 284; Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A Com m entary on the G reek Text, N1GTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 892.
611
A po c a l ips e 18.1-3
“E a terra foi iluminada com sua glória.” A alusão de João é ao vocabulário semelhante, tomado de Ezequiel: “e a terra resplandeceu com sua glória” (43.2, n r s v ), com a distinção de que ali a glória é do Deus de Israel. Aqui, porém, o anjo sai da presença de Deus para iluminar a terra, de modo que todos fossem capazes de contemplar sua extraordinária aparência.
2. E ele bradou com poderosa voz, dizendo: Caiu, caiu Babilônia, a Grande, e ela veio a ser habitação de demônios, a prisão de todo espírito imundo, a prisão de toda ave imunda e a prisão de todo animal imundo e abominável. a. “E ele bradou com poderosa voz, dizendo: Caiu, caiu Babilônia, a Grande.” O Apocalipse está repleto de anjos que bradam em alta voz, para que todos quantos estão na terra sejam capazes de ouvir (7.2; 10.3; 14.7, 9, 15; 19.17). A palavra poderoso reflete a grande autoridade que foi outorgada a esse anjo. Ninguém pode ignorar a voz de um anjo que anuncia “um evento que é assombroso em sua magnitude”.5Ainda que seu anúncio seja semelhante ao do anjo que bradou: “Caiu, caiu Babilônia, a Grande, que fez com que todas as nações bebessem do vinho eston teante de sua fornicação” (14.8), há diferenças. Neste versículo, pri meiro ele descreve a habitação, referindo-se a ela três vezes como sendo uma prisão, e então aprimora-a nos versículos sucessivos. João extraiu de Isaías 21.9 a referência à Babilônia: “Caiu, Babilônia caiu!” (ver também Jr 50.2; 51.8).6A duplicação do verbo cair, à guisa de ênfase, é um aspecto típico da literatura semítica. Note que o preté rito do verbo é apresentado como se a destruição real de Babilônia já estivesse concretizada. O pretérito expressa não meramente a expec tativa, mas a certeza de tal evento. b. “E ela veio a ser habitação de demônios.” Os bodes selvagens, nos lugares desérticos, dançam e chamam uns aos outros (Is 13.21; 34.14 n r s v ). Os maus espíritos vivem nos lugares desérticos (Lc 8.29) e nas ruínas de uma cidade como Babilônia.7Esse lugar desolado é o 5. Martin Kiddle, The R evelation o f St. John (reimp. em Londres: Hodder e Stoughton, 1943), p. 361. 6. O significado da palavra B abilônia, no capítulo 17, não deve ser diferenciado do seu significado no capítulo 18. Ver C. H. Dyer, “The Identity o f Babylon in R evelation 1 7 18”, BibSac 144 (1987): 3 0 5 -1 6 ,4 3 3 -4 9 . 7. Bauer, p. 169; Otto Bõcher, EDNT, 1.274.
A p o c a l ip s e 18.1-3
612
lar dos demônios, cujo líder é Satanás. Ele virá a ser um lugar vazio de qualquer habitante (Jr 50.39; 51.37). Este é um quadro de um mundo sem Deus, que agora está sob o poder de espíritos maus que podem livremente perturbar seus habitantes.8 Babilônia é a prisão de todo espírito imundo, de toda ave imunda e de todo animal imundo e abominável. Neste contexto, o termo prisão pressupõe uma habitação à qual essas criaturas estão destinadas - não tanto uma prisão, porque esse é o Abismo, mas um lugar onde habitam. Esse lugar desolado é o lar dos espíritos e animais imundos - um qua dro de um mundo completamente destituído de Deus e de sua Palavra. Quão diferente é a cidade de Deus, onde o Espírito Santo habita no coração e vida dos santos! Ali a luz do evangelho brilha com toda radiância, e as pessoas vivem com alegria e felicidade.
3. Porque todas as nações têm bebido do tumultuoso vinho de sua fornicação, e os reis da terra cometeram adultério com ela, e os mercadores da terra se tornaram ricos pelo poder de sua sensualidade. Este versículo é uma explicação adicional da ruína de Babilônia, fazendo menção de três classes de pessoas. João menciona, primeira mente, a categoria mais ampla das nações. Ele reitera quase que ver balmente parte de 14.8: “que fez todas as nações beberem do tumultuo so vinho de sua fornicação.” Ele se move do causativo “fez todas as nações beberem” para o ativo perfeito “todas as nações têm bebido”.9 Babilônia teve êxito em transviar as massas do povo (comparar Jr 25.15; 51.7). Essas massas a seguiram em simbolicamente beber do vinho da fornicação, que provocou a ira implacável de Deus (14.10; 16.19). O vinho que beberam, espiritualmente falando, consiste em pe car deliberadamente contra Deus e agir como se ele não existisse. Tal pecado jam ais poderá ser perdoado, enfrenta a ira divina e conduz à morte espiritual. A segunda categoria de pessoas que João menciona é composta dos reis da terra. Eles cometem adultério espiritual com Babilônia (17.2), 8. Ver S. Greijdanus, D e O penbaring d e s H eeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 359. 9. Aune (R evelation 1 7 -2 2 , pp. 963, 987) traduz o texto com o “entraram em colapso”, em vez de “têm bebido”. Para uma discussão do texto grego, ver a seção intitulada “Palavras, Frases e Construções Gregas em 18.3”.
613
A po c a l ips e 18.1-3
isto é, assumem a liderança na perseguição de objetivos religiosos, polí ticos e econômicos. Cultuam ídolos, governam com crueldade e se enri quecem às custas de outros que são menos afortunados do que eles. Visto ser o dinheiro seu ídolo, forçam todos os seus subordinados a pres tar homenagens a esse deus. Não surpreende que os cristãos na provín cia da Ásia vivessem em desprezível pobreza: recusaram submeter-se aos ditames dos deuses e associações locais (ver capítulos 2 e 3). O terceiro grupo consiste nos mercadores do mundo. Nos tempos antigos, os mercadores de Tiro se tornaram famosos no mundo inteiro (Is 23.8). De modo semelhante, os comerciantes de muitos lugares na vegavam ao longo dos litorais do Mar Mediterrâneo para realizar seus negócios nos portos da Espanha, Grécia, Ásia Menor, Síria, Israel e em regiões da Arábia (Ez 27.12-23). Em seu apogeu, Roma veio a ser o celeiro de todos os produtos e rendimentos do mundo antigo. Hoje, corporações multinacionais dominam o comércio mundial e freqüente mente falham em proteger o ambiente ou seus próprios operários. Em conseqüência disso, os ricos aumentam seus capitais e exibem suas riquezas, enquanto os indigentes enfrentam a pobreza. E algo muito desejável o comércio de produtos alimentícios e uten sílios, pois preenchem as necessidades e com diligência melhoram a qualidade de vida. Mas quando a cobiça, a qual Paulo chama idolatria, ergue sua cabeça, a ira de Deus desce sobre aqueles que servem a esse ídolo (Cl 3.5, 6). Quando os ricos oprimem os pobres, passam a ser os violadores dos direitos dos oprimidos e assim se tornam os violentos (Is 3.14, 15; Am 2.7). Deus, porém, é um Ser zeloso que inalteravelmente se opõe a tal pecado e inevitavelmente reprova o pecador impenitente.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 18.3 'tré-rrcoKav - o perfeito do indicativo ativo é do verbo itÍvelv (beber). Uma leitura variante é iréiTTcoKai', do verbo lúirmv (cair). Os dois verbos no perfeito diferem em apenas uma letra. A variante é rejeitada em edições recentes do Novo Testamento Grego e por quase todos os comentaristas. Com base em fonte veterotestamentária(Jr25.15-17 [32.15-17 LXX]; 51.7,39 [28.7,39LXX] e no contexto, exige-se o verbo beber.'0
10. Bruce M. Metzger, A Textual Com m entary on the G reek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: D eutsch e B ib elgesellsch aft, 1994), p. 683. Ver o argum ento de Aune (R evelation 1 7 -2 2 , pp. 965, 966).
A po c a l ip s e 18.4-8
614
b. A . Ordem de Fugir 18.4-8
.
4 E ouvi outra voz procedente do céu, dizendo: Saia dela, povo meu, para que você não participe de seus pecados, e que não receba suas pragas. João não escreve especificamente que o porta-voz é outro anjo. Embora em certo sentido se possa dizer que Deus ou Cristo é o portavoz em virtude do endereçamento: “povo meu”,11o contexto do anún cio pressupõe que foi um anjo quem falou essas palavras. O versículo seguinte, “Deus se lembrou de seus crimes”, parece indicar que um anjo é o mensageiro de Deus (v. 5). A mensagem divina dirigida ao povo de Deus é clara e vai direto ao ponto: “Saia dela, para que você não participe de seus pecados.” Esta é uma linguagem familiar, que é um eco das advertências pronunciadas por Isaías e Jeremias respectivamente: • Deixem Babilônia, fujam do meio dos babilônios (Is 48.20) • Afastem-se, afastem-se, saiam daqui! Não toquem em coisas impuras (Is 52.11) • Saia dela, povo meu! Cada um salve sua própria vida (Jr 51.45; ver 2Co 6.17) A voz não está dizendo que o povo de Deus deve viver isolado do resto da humanidade. Se tal fosse o caso, não seriam capazes de influen ciar o mundo com o evangelho da salvação. Jesus orou para que seu povo estivesse no mundo, porém não pertencesse ao mundo (Jo 17.14-18). No tempo do exílio, quando Ciro permitiu que os judeus deixassem Babilônia, Deus disse a seu povo que não levasse consigo nada que fosse impuro ou que fosse pertinente ao culto idolátrico. Ele queria que os judeus deixassem Babilônia puros e santos. De modo semelhante, Paulo exortou os cristãos coríntios que tinham abandonado o paganis mo a separar-se do culto idolátrico e dedicar sua vida a Jesus Cristo (2Co 6.17). Para os recipientes do Apocalipse, a exortação não signifi cava que deviam deixar o mundo romano ou a própria Roma. Em vez disso, tinham que “romper com a cultura idólatra, o estilo de vida do 11. IsbonT. Beckwith, The A pocalypse o f John { 1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 714.
615
A po c a l ips e 18.4-8
império e evitar comprometer-se”, como é evidente à luz das sete car tas que João endereçou às igrejas na província da Ásia (capítulos 2 e 3).12Para os cristãos de hoje, a mensagem significa sua separação, espiritual e moralmente, do mundo secular e a não participação de seus pecados. Enquanto neste mundo, devem viver em completa harmonia com a Palavra de Deus e o testemunho de Cristo como cidadãos do reino do céu. Mas se falharem em agir assim e adotarem as veredas do mundo, também receberão suas pragas. Essas pragas são aquelas nas quais Deus manifesta sua cólera no dia de sua ira (16.19).13
5. Porque seus pecados se acumularam até o céu e Deus se lembrou de seus crimes. Os ímpios continuam pecando desafiadoramente contra Deus. São como o povo que construiu a torre de Babel para alcançar o céu e desa fiar Deus (Gn 11.3, 4). Agora seus pecados se acumularam, um após outro, até chegar ao céu. João escreve que seus pecados os impelem contra o céu, isto é, nenhum lugar é deixado para pecados adicionais entre o céu e a terra. Os pecadores estão desafiando Deus para que ele faça algo a respeito desses pecados que chegaram a um contato mui estreito com o céu (Jr 51.9). Esses pecados estão diante de Deus, por assim dizer, ao ponto de se tornarem mau cheirosos às suas narinas.14 Deus é um Ser gracioso, e em virtude da morte sacrificial de seu Filho ele não só perdoa o pecador penitente, mas também não mais se lembra de seus pecados (Hb 8.12; 10.17). Os pecados cometidos pelos pecado res impenitentes, porém, um a um estão diante de seus olhos. Eles o leva ram ao máximo de sua paciência e o compeliram a agir (ver Gn 18.20). 6. Retribuam-lhe com a mesma moeda e paguem-lhe em do bro de acordo com suas obras, misturem para ela uma porção dupla no cálice que ela mesma misturou. a. “Retribuam-lhe com a mesma moeda e paguem-lhe em dobro de acordo com suas obras.” Formulamos uma dupla pergunta: quem está falando e quem é o destinatário? A primeira parte da pergunta é fácil, 12. Gerhard A. Krodel, Revelation, ACNT (Minneapolis: Augsburg, 1989), pp. 302,303. 13. Comparar A dela Yarbro Collins, “Revelation 18”, em L ’A pocalypse johan nique et l ’A pocalyptiqu e dans le N ouveau Testament, org. Jan Lambrecht, BETL 53 (Leuven: Leuven University Press, 1980), pp. 189-92. 14. Homer Hailey, Revelation: An Introduction and Com mentary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 361.
A p o c a l ip s e 18.4-8
616
pois até aqui o anjo foi o porta-voz. Para responder a segunda parte, tudo indica que Deus é o destinatário, porquanto somente ele é capaz de dis pensar justiça e castigar os malfeitores. Esta resposta se adequa ao vo cabulário do contexto veterotestamentário, ao qual João recorre. Anun ciando o dia da hecatombe que sobrevêm ao povo de Judá, diz Deus: “Eu lhes retribuirei em dobro por sua impiedade e por seu pecado” (Jr 16.18; ver Is 40.2). Daí, as palavras parecem ser dirigidas a Deus na forma de uma súplica, semelhante àquela das almas debaixo do altar que pedem a Deus que julgue os habitantes e vingue seu sangue (Ap 6.10). Mas resta ainda perguntar por que em grego os verbos retribuir e pagar em dobro são escritos como imperativos plurais. O contexto mais amplo revela que o plural é também usado no versículo 4: “Saiam dela!” e no versículo 7: “Façam-na sofrer tanto tormento e tanta afli ção!” O plural no versículo 4 é dirigido ao povo de Deus, mas interpre tar a súplica dos versículos 6 e 7 como dirigida ao povo de Deus vai contra a divina admoestação de não buscar retaliação: “Minha é a vin gança; eu retribuirei” (Dt 32.35; ver também Rm 12.19; Hb 10.30). Sugestões adicionais são que os imperativos plurais dizem respeito aos anjos que são enviados por Deus a executar seus juízos ou que apelam ao povo que se afaste da prostituta Babilônia e sua ruína (17.16, 17). Ambas essas sugestões, contudo, dão a razão da súbita mudança de um grupo de destinatários para outro sem qualquer indicação da mudança. Seja qual for a solução adotada, as fraquezas permanecem. Não obstante, a consistência nos compele a dizer que Deus instrui seu povo. Às vezes Deus usa seu povo para executar castigo sobre os malfeito res. Há exemplos disso no Antigo e no Novo Testamento. Deus revelou a Abraão que seus descendentes, n_o devido tempo, regressariam à terra prometida “porque o pecado dosàm onitas ainda não atingiu sua plena m edida” (Gn 15.16). Esse pecado alcançou seu clímax quando os israelitas conquistaram a terra de Canaã e então, com o auxílio de Deus, aniquilou seus habitantes. Pedro repreendeu Ananias e Safira, em con seqüência do que sucumbiram e morreram (At 5.1-11). Paulo admoes tou o mágico judeu Barjesus, apelidado Elimas, e o fulminou com ce gueira (At 13.6-12). E, no Apocalipse, as duas testemunhas golpearam seus inimigos com fogo (11.3-6).15 15. Aune (R evelation 1 7 -2 2 , p. 994) escreve que a prática da não retaliação “com toda probabilidade não era ainda uniformemente esposada no Cristianismo primitivo”. Não
617
A p o c a l ip s e 18.4-8
João escreve que Babilônia receberá em dobro de acordo com suas obras, mas as palavras lhe paguem em dobro retrocedem a um idiomatismo hebraico que significa “produzir uma duplicata”. Não se deve traduzir um idiomatismo literalmente; por isso a tradução deve ser “dêemlhe o exato equivalente segundo suas obras”,16isto é, paguem-lhe em espécie. b. “Misturem para ela uma porção dupla no cálice que ela mesma misturou.” Isto é, que se lhe dê a medida exata que ela deu a outros. O que ela ministrou a outros lhe será ministrado. O cálice está transbordante com o vinho da fúria de Deus, o que já foi expresso (14.10; 16.19). Deus nunca esquecerá seus pecados; em sua ira ele lhe proporcionará o castigo que ela merece.
7. Façam-na sofrer tanto tormento e tanta aflição quanto a glória e o luxo a que ela se entregou. Porque ela diz em seu coração: Estou assentada como rainha, não sou viúva, e nunca terei tristeza. Por causa de sua glória e magnificência, Babilônia era chamada “o orgulho de toda a terra” (Jr 51.41 NR SV ) e “a glória do orgulho dos babilônios” (Is 13.19). Por exemplo, os famosos jardins suspensos eram notórios como uma das sete maravilhas do mundo antigo. A cidade era o ápice do luxo. O templo de Bel-Nebo continha a estátua do ídolo assenta do em um trono de ouro próximo a um altar de ouro; e nesse altar, uma vez ao ano, eram queimados cerca de quinhentos quilos de incenso. Não obstante, essa cidade, em decorrência de estar saturada de depravação e devassidão, eventualmente foi lançada abaixo e destruída. Ela experi mentou em primeira mão o tormento e a tristeza que causara às nações, porque a lei da retribuição lhe foi aplicada em medida transbordante. O substantivo tormento significa a agonia que alguém sente depois de ser picado por um escorpião (9.5) ou ser empolado por enxofre ardente (14.10). A segunda experiência culmina no castigo eterno que priva as pessoas, dia e noite, de descanso (14.11). obstante, isso é questionável, pois em ambos os Testamentos isso era claramente ensi nado, exceto onde D eus intervém e aplica o castigo. 16. Beale, Revelation, p. 901 (ênfase dele). W illiam Hendriksen (M ore Than Conquerors: An Interpretation o fth e Book o f R evelation, p. 174) diz que Babilônia “receberá o exato equivalente ao castigo que ela mereceu”. Ver Greijdanus, O penbaring, p. 363; Philip Edgcumbe Hughes, The Book ofth e Revelation: A Commentary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rap ds: Eerdmans, 1990), p. 191.
A p o c a l ip s e 18.4-8
618
João extrai sua informação das passagens proféticas do Antigo Tes tamento, citando quase que verbalmente uma passagem sobre a queda de Babilônia: “Você disse: Continuarei sempre sendo a rainha eterna!... Somente eu, e mais ninguém. Jamais ficarei viúva nem sofrerei” (Is 47.7, 8; comparar Ez 28.2; Sf 2.15). À medida que Babilônia fala tais palavras, seu íntimo transborda de orgulho. Suas palavras expressam excessiva vanglória em sua auto-suficiência. Ela quer ocupar o trono de Deus e determinar seu próprio curso de existência. Ela, porém, ja mais se assemelhará a Deus e jamais governará como rainha do céu, ainda que almeje destronar Deus (ver 2Ts 2.4). E possível que o monólogo seja intencionalmente uma alusão “ao tema da permanência eterna de Roma”.17Entretanto, João recorre ao uso do quadro de uma mulher que representa não só Babilônia, mas qualquer cidade do mundo. Essa cidade significa um mundo alienado de Deus e assim inclui todos quantos se fazem inimigos de Deus, de sua Palavra e de sua Igreja.
8. Portanto, em um só dia lhe sobrevirão pragas, morte e tristeza e fome, e ela será queimada com fogo, porque o Senhor Deus Poderoso a está julgando. A conseqüência da soberba de Babilônia é sua ruína, aqui descrita em termos de morte, tristeza e fome para seus cidadãos e incêndio para seus edifícios e estruturas. Deus enviará essa calamidade sobre ela em um só hora, o que não se deve medir cronologicamente, mas, antes, deve ser interpretado metaforicamente. Uma hora descreve brevidade, de modo que as pragas que a ferem são devastadoramente velozes (vs. 10, 17, 19; ver 17.12). João usa o Antigo Testamento como sua fonte. Ali ele lê que Deus disse a Babilônia: “Estas duas coisas acontecerão a você num mesmo instante, num único dia, perda de filhos e viuvez” (Is 47.9; ver Jr 50.31). Seus edifícios e possessões terrenas serão queimados a fogo e o povo não pode “nem mesmo salvar-se do poder das chamas” (Is 47.14). De repente, a cidade despovoada está em ruínas, e Babilônia é deixada como solitária, uma figura abandonada. 17. A u ne, R e ve la tio n 1 7 -2 2 , p. 9 96. Ver B eck w ith , A p o c a ly p se , pp. 7 14, 715; R obert H. M ounce, The B ook o f R e ve la tio n , ed. rev., N IC N T (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 329; L. van H artingsveld, R evelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1 985), p. 75.
619
A po c a l ips e 18.4-8
Tudo isso sucedeu em decorrência do juízo divino contra ela. João descreve o Senhor Deus como Poderoso, que neste caso é único. Umas poucas vezes no Apocalipse (5.2; 10.1; 18.21), anjos têm sido chama dos poderosos, e o mesmo sucede com líderes políticos e militares (6.15; 19.18). John P. M. Sweet nota que essa poderosa cidade de Babilônia (vs. 10, 18) “não é páreo para o poder de Deus”.18Quando chegar a hora do juízo, não haverá escape da ira de Deus. Como observa o escritor da Epístola aos Hebreus: “Terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31). c. A . Queda de Babilônia 18.9-20 Esta extensa seção contrasta o lamento dos que são condenados e o regozijo dos que são redimidos. Pode ser dividido em quatro partes: • os reis da terra lamentam a condenação de Babilônia (vs. 9,10); • os mercadores choram e pranteiam a perda das mercadorias e das riquezas (vs. 11-17a); • os capitães do mar e marinheiros deploram a ruína da grande cidade (vs. 17b-19); • os santos e apóstolos no céu respondem com regozijo ante o juízo divino (v. 20). João exibe uma abordagem cíclica neste capítulo. No versículo 3, ele menciona os reis da terra que viveram na prática de adultério com a grande prostituta e os mercadores que se tornaram ricos com sua opulência. E nos versículos 9 e 11 ele menciona novamente esses reis e mercadores. O segundo anjo também, que falou aos santos (vs. 48), evidentemente dá segmento à sua mensagem na seção seguinte (vs. 9-20). ( 1 ) 0 Canto Fúnebre da Realeva 18.9, 10
.
E os reis da terra, que cometeram adultério com ela e participaram de seu luxo, chorarão e lamentarão sobre ela, quan do virem a fumaça de seu incêndio. 9
18. John P. M. Sweet, Revelation, WPC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 269.
A p o c a l ip s e 18.9,10
620
A queda de Babilônia é inevitável, e João expressa isso usando os verbos chorar e lamentar no tempo futuro. Mas ao descrever a atual ruína da cidade, João escreve o pretérito grego do verbo chegar, “seu juízo chegou” (v. 10). O lamento dos reis é um eco das ações e lamentos que os príncipes de Tiro expressam e pronunciam sobre sua cidade costeira (Ez 26.16, 17). Esses príncipes rasgam suas roupas e arrancam seus ornamentos e se assentam no pó, tremendo de medo diante de Tiro. João retrata os reis da terra supramencionados (v. 3). Ele não está fazendo menção dos dez reis notados no capítulo anterior (17.16), mas aos que, com a Babilônia dos tempos antigos e com a Roma de seus dias, correram após riquezas materiais e viveram luxuosamente.19Esses reis choram e lamentam sobre ela porque têm consciência da tremenda perda fi nanceira que enfim ocorreu. O derramamento de lágrimas é acompa nhado de um estilo tipicamente oriental de bater no peito como sinal de luto e expressão de tristeza.20 Os reis observam a fumaça enquanto as chamas de Babilônia so bem ao céu. A ênfase não está posta tanto em Babilônia sendo consumida pelas chamas, mas no próprio fogo, no sofrimento e nas dolorosas conseqüências. Em outros termos, essa penosa experiência é um processo todo-abrangente, no qual o sofredor suporta as dores causadas pelas chamas ardentes. Essa cidade pervertida, seja Babilônia, Roma, Jerusalém ou qualquer outro lugar que se tenha feito inimigo de Cristo, sofre imensamente quando Deus toma dela tudo quanto ela ido latrou. Esses reis entendem também que são diretamente afetados pelo sofrimento da cidade.
10. Amedrontados por c%usa do tormento dela, ficarão de longe e gritarão: Ai, ai da grande cidade, Babilônia, a cidade poderosa, porque em uma só hora lhe sobreveio juízo! Os governantes deste mundo ficarão bem afastados do calor da cidade em chamas com medo de que eles também sejam atormenta dos. Mas quando os sistemas monetários entram em colapso e as ri quezas se desvanecem, a pobreza bate inclusive às portas dos que exer 19. Para uma visão das riquezas e luxúria de Roma durante o primeiro século de nossa era, ver W illiam Barclay, The Revelation ofJohn, 2a ed. (Filadélfia: Westminster, 1960), 2.200-204. 20. Gustav Stahlin, TDNT, 3.851 n. 128.
621
A p o c a l ip s e 18.9,10
cem a liderança. Eis o quadro: as economias mundiais em falência, os tumultos e assaltos como uma praga, as doenças e morte galopantes e os líderes dominados pelo medo. O fim está às portas. Os reis também enfrentam a ira de Deus, cujo juízo virá velozmente sobre eles. O duplo ai é pronunciado por esses reis e pelos mercadores e ma rinheiros nos versículos sucessivos (vs. 16, 19; ver o tríplice uso em 8.13). A repetição da palavra indica ênfase. O som deplorável da pala vra ai denota tristeza e denúncia, respectivamente. E ainda quando esses governantes a pronunciem, sabem que a hora do juízo é vinda também para eles. Os reis, os mercadores e os marinheiros, todos eles descrevem Babilônia como “a grande cidade” (vs. 10, 16, 19), mas aqui o texto é ampliado por “Babilônia, a cidade poderosa”. Os dois adjetivos descri tivos, grande e poderosa, pertencem a sua recente glória que agora se desvaneceu e desapareceu. E essa mudança se concretizou de forma tão rápida, em uma só hora, que os mercadores e marinheiros, bem como os reis, a mencionam (vs. 17, 19). A grandeza e poderio de Babilônia subitamente chegam ao fim (comparar v. 8).21 (2) O Lamento dos Mercadores 18.11 -17a
11. E os mercadores da terra choram e lamentam sobre ela, porque ninguém compra sua mercadoria. João extraiu a informação dos mercadores e sua mercadoria do lamento sobre Tiro em Ezequiel (Ez 27.1-36).220 profeta expressa a mesma tristeza e lamento sobre Tiro que sentem os reis da terra ao contemplar Babilônia. Os comerciantes percebem que seus negócios chegaram a falência total. Notam um total desinteresse na mercadoria que os navios trazem de vários lugares ao redor do globo - das costas ocidentais do M ar Mediterrâneo até a distante Espanha, das costas orientais do mar até o distante Egito, e da Ásia e África. Sua perda 21. Para o termo em uma só hora, B eale se refere em seu comentário sobre Daniel 4.19 (grego antigo e T heod.), onde esta expressão ocorre em relação ao ju ízo sobre Nabucodonosor (p. 908). 22. Consultar Steve M oyise, The O ld Testment in the Book o f Revelation, JSNTSup 115 (Sheffield: Sheffield Academ ic Press, 1995), p. 73; Ferrell Jenkins, The O ldT estam ent in the Book o f R evelation (Grand Rapids: Baker, 1972), pp. 54-60.
A p o c a l ip s e 18.11-17a
622
econômica é indescritível, e este é seu justo galardão. Desde o princípio têm privado os seguidores do Cordeiro do direito de comprar e vender (Ap 13.17). Agora a eles mesmos se nega esse direito, e compreendem que, sem compradores, seu negócio está fadado ao perecimento. Os clientes não mais compram por causa do colapso econômico que toma a compra e venda impossíveis.
12. São mercadorias de ouro e prata, pedras preciosas e pé rolas, linho fino e púrpura, tecidos de seda e escarlate, todo tipo de madeira de cedro cítrico e peças de marfim, madeira precio sa; bronze, ferro e mármore; 13. canela e outras especiarias, incenso, mirra e perfumes; vinho e azeite de oliva, flor de fari nha e trigo; bois e ovelhas, cavalos e carruagens e corpos e almas de seres humanos. O comércio nos tempos antigos era vasto, internacional e variado. Para ilustrar, os navios vindos da Itália com mercadoria a ser vendida em Roma vinham de todos os portos ao longo da costa mediterrânea. Embora alguns navios sofressem naufrágio (por exemplo, At 27.41), o volume de tráfico marítimo era fenomenal. Portanto, ser proprietário de uma frota de navios provou ser um empreendimento proveitoso en quanto o tempo permanecia favorável. A lista de produtos apresentada nos versículos 12 e 13 é considerá vel: mencionam-se alguns dos vinte e oito artigos de mercadoria, cata logados desde itens de luxo aos produtos domésticos; dos gêneros ali mentícios à criação de gado. Inclusive incluem-se escravos (corpos e almas de seres humanos). Muitos dos itens catalogados aqui ocorrem também em um relato semelhante de uns quarenta produtos diferentes registrados em Ezequiel 27.12-22. João, porém, difere do profeta em dois aspectos: ele omite a origem desses itens e deixa de seguir a seqüência de sua lista. Além do mais, a lista do profeta data do sexto século a.C., no entanto João estaria familiarizado com listas comerciais que circulavam em seu próprio tempo e que refletem as riquezas de Roma e de outras cidades. No cabeçalho do registro estão itens de luxo que caracterizam a riqueza das nações e dos indivíduos. A grande pros tituta, por exemplo, “estava vestida com roupa de púrpura e escarlate e adornada com ouro e pedras preciosas e pérolas” (17.4). a. “Ouro, prata, pedras preciosas e pérolas.” O ouro era importado da Espanha durante o primeiro século; quando essas minas se exauriram,
623
A p o c a l ip s e 18.11-17a
ele vinha da Romênia ocidental.23Este metal adornava os lares de famí lias abastadas de Roma e era usado para fazer objetos reais e religiosos. A prata também era oriunda da Espanha e era usada para orna mentar camas, copos e pratos. As pedras preciosas geralmente vinham da índia e eram lapidadas e polidas em Alexandria. Eram incrustadas em anéis e copos caríssimos.24As pérolas eram colhidas do fundo do Mar Vermelho, do Golfo Pérsico e do Oceano Índico. b. “Linho fino e vestuário de púrpura, seda e escarlate.” Esta cate goria inclui artigos caros de vestuário. Em vez da roupa feita de lã, os ricos usavam o linho que vinha de Alexandria, Citrópole (Beth-Shean) e Laodicéia. A púrpura era produzida de um molusco ou da raiz de uma planta eurasiana chamada “garança”. Sua produção se tornava muito dispendiosa e por isso era considerada extremamente valiosa. Lídia era vendedora de púrpura procedente de Tiatira (At 16.14). A seda produ zida na China, ainda que muito cara, era fartamente disponível. Josefo observa que as forças arm adas vitoriosas, desfilando diante de Vespasiano e Tito, usavam vestuário de seda.25A roupa escarlate era igualmente um item de alto preço. A escarlate era produzida da baga do quermes do carvalho usada para tingir roupa. c. “Todo tipo de madeira de cedro cítrico e peças de marfim, ma deira preciosa, bronze, ferro e mármore.” A madeira de cedro era tão valiosa que só se encontrava na forma de tábuas nas casas dos cida dãos mais influentes. Cícero comprou esse tipo de tábua e, segundo os registros, pagou 500.000 sesterces [moeda de cobre dos antigos romanos], quantia suficiente para adquirir um grande estado. A árvo re de cidra crescia no norte da África e “era muito cara por sua granulação, que nas melhores espécies simulava os desenhos da cal da do pavão ou as listras do tigre e manchas da pantera” .26 O marfim era oriundo das presas de elefantes e abundantemente usado em inúmeros artigos que faziam o perfil dos móveis de uma 23. Strabo 3.2.10; Tácito, Annals 3.53; 6.19. 24. Richard Bauckham, The Clim ax o f Prophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 353; Aune, Revelation 1 7 -2 2 , p. 998; Reuben G. Bullard, “Precious Stones”, ISBE, 4.623-30. 25. Josefo, G uerras 7.5.4 § 126. 26. Martial 14.85; D io Cassius 61.10.3; Plínio, N atural H istory 13.96. Ver Henry Barclay Sw ete, Com m entary on R evelation (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 233; Aune, Revelation 1 7 -2 2 , p. 1.000.
A p o c a l ip s e 18.11-17a
624
casa. A madeira preciosa incluía o ébano, o cedro e o cipreste, por quanto essas espécies resistiam à deterioração e repeliam os insetos. A m adeira era usada para fazer móveis e painéis para portas e pare des. Nos tempos antigos, o bronze como uma liga feita de cobre e estanho era produzido em muitos países. Seu preço era muito eleva do, e segundo certo escritor antigo ele era considerado ainda de mais valor do que a prata e o ouro.27Os depósitos de ferro na Grécia, Espanha e Hungria (moderna) supriam o mundo romano com esse metal para a fabricação de ferramentas e armas. O mármore vinha da Frigia, Grécia e partes da África. Ele decorava os lares dos cida dãos ricos. d. “Canela e outras especiarias, incenso, mirra e perfumes.” Aqui estão quatro classes de essências aromáticas que ajudavam os ricos a dispersar seus maus odores. Essas especiarias eram obtidas de muitos países; por exemplo, a canela vinha da África oriental, da Arábia e da longínqua índia. Era adquirida da casca dos galhos da caneleira nova. A especiaria como substância aromática vinha também da índia. O incenso era um elemento usado para queimar em cerimônia cúltica. A mirra e o incenso eram adquiridos da Somália e sul da Arábia. Todas essas especiarias eram caríssimas e consideradas dignas de ser apre sentadas como presentes à realeza (Mt 2.11). e. “Vinho e azeite de oliva, flor de farinha e trigo.” Esses itens eram produtos comuns diários na maioria dos lares. As videiras eram cultiva das por todo o Oriente Médio, de Israel à Espanha. No ano 92 d.C., uma super safra de vinho levou o imperador Domiciano a emitir um édito que proibia o plantio de novas vinhas na Itália, e que metade das vinhas nas províncias romanas fosse destruída. Em decorrência de con siderável oposição, esse decreto nunca entrou em vigor.28De modo semelhante, as oliveiras cresciam em abundância e supriam a popula ção com azeite para a cozinha e lâmpadas. A flor de farinha e o trigo vinham do Egito, os quais abasteciam Roma (ver At 27.6, 38).29 27. Plínio, N atural H istory 34.1. 28. Suetônio, D om itian 1. 29. A dela Yarbro Collins (C risis and C atharsis: The P ow er o f the A pocalypse [Filadél fia: Westminster, 1984], pp. 95-97) diz que nos últimos anos do reinado de Vespasiano o pão causou um tumulto em Roma por causa do aumento do preço do trigo. Consultar Bauckham, Clim ax o f P rophecy, pp. 362, 363.
625
A p o c a l ip s e 18.11 -17a
f. “Gado e ovelhas, cavalos e carruagens, e corpos e almas de seres humanos.” Esta é a última categoria, formada da criação de ani mais domésticos, veículos e escravos. A palavra usada aqui para gado é um termo geral que se refere a vários animais domésticos, especial mente os asnos usados como montaria e para carregar cargas (Lc 10.34; At 23.24). Os romanos ricos possuíam carruagens de quatro rodas. O último na lista de utilidades é o item corpos e alma de seres huma nos (escravos). Ele segue carruagens para indicar o baixo valor em que os escravos eram tidos. A referência a humanos como corpos vem do idioma grego, no qual os escravos eram considerados meramente como corpos; enquanto o uso de almas vem do hebraico e diz respeito a “vidas [almas] dos homens” (Ez 27.13 NASB; ver também a redação marginal da NASB de 1 Crônicas 5.21). A combinação de corpos e almas resulta em uma só categoria, isto é, seres humanos que, neste caso, são escravos.30 Alguns escravos eram pessoas capturadas na guerra ou seqüestradas no mar por piratas; alguns tinham se vendido como escravos por razões econômicas; e outros eram nascidos na escravidão ou abandonados por seus pais. Quando em 70 d.C. os judeus perderam a guerra contra Roma, setenta mil deles se tornaram escravos.31 Uma vez que no primeiro sé culo a escravatura era uma instituição legal estabelecida, a Igreja primi tiva só pôde começar a emancipar os escravos dentro da própria comu nidade cristã (ver Fm 15, 16).
14. £ as frutas maduras que tanto lhe despertaram o apeti te, todas as suas riquezas e todo o seu esplendor desaparece ram; nunca mais serão recuperados. Os oradores não são identificados neste versículo, porém presumi mos que sejam os mercadores (vs. 11,15) que se dirigem a Babilônia, a Grande. Não obstante, há uma mudança da terceira pessoa plural, de les (v. 11), para a segunda pessoa singular, você (v. 14), mas essa interrupção abrupta pode ser atribuída à liberdade do próprio João.32 30. Robert H. Gundry, S o m a in B iblical Theology, SNTSM S 29 (Cambridge: Cambridge U niversity Press, 1976), pp. 26-28. 31. Josefo, G uerras 6.9.3 § 420. Bauckham, C lim axofP rophecy, pp. 3 6 5,366; M ounce estim a que houvesse 60 m ilhões de escravos no império romano (R evelation, p. 334). Ver também Scott S. Bartchy, “Slavery”, IS BE, 4.543-46. 32. N ão há necessidade de colocar o versículo 14 depois do 21. Contrastar R. H. Charles, A C riticai an d Exegetical Com m entary on the Revelation o f St. John, ICC (Edimburgo: Clark, 1920), 2.105, 3 5 1 ,4 3 3 .
A p o c a l ip s e 18.1 l-1 7 a
626
A sentença é descritiva da colheita no outono, quando o fruto ma duro está pronto para ser colhido. O grego reza literalmente: “o fruto maduro, o desejo de sua alma.” E, no entanto, esse desejado fruto de cepcionou aquele que se dispunha a colhê-lo. A segunda parte da sen tença apresenta um paralelo: A fruto maduro B o abandonou A’ coisas excelentes e elegantes B’ se foram de você E tais riquezas nunca, jamais, poderão ser encontradas novamente por alguém que suspira por elas.
15. Esses mercadores que se enriqueceram às custas dela ficarão de longe, amedrontados com o tormento dela, e chora rão e se lamentarão, 16. dizendo: Ai, ai da grande cidade, aquela que está vestida com linho fino, púrpura e escarlate, e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas, 17a. porque em uma só hora suas riquezas foram devastadas. As palavras ficarão de longe ocorrem três vezes neste capítulo (vs. 10, 15, 17). Esses mercadores são tomados pelo medo, porque estão plenamente cônscios de que sua condenação está próxima e so frerão o mesmo tormento. Presentemente, choram e lamentam, porém nada pode alterar sua situação (ver vs. 10, 11). Já perderam suas rique zas, que eram seus ídolos. Uma vez mais, os mercadores gritam seu duplo ai sobre a grande cidade (v. 10) e a descrevem com os mesmos termos que João usa para retratar a grande prostituta (17.4). Exceto pela a adição de “linho fino”, as duas sentenças seguintes são quase idênticas: Apocalipse 17.4
Apocalipse 18.16
vestida de púrpura e roupa escarlate
vestida de linho fino e púrpura e escarlate, e adornada com ouro, pedras preciosas e pérolas
e estava adornada com ouro e pedras preciosas e pérolas
Essa é outra indicação de que a mulher e a grande cidade são a mesma (17.18), o que significa que as riquezas econômicas que ador nam a grande cidade desaparecem. À guisa de contraste, a glória que
627
A p o c a l ip s e 18.11-17a
adorna a noiva de Cristo e a cidade de Deus permanece para todo o sempre. As riquezas profanas desaparecem em uma só hora, isto é, as pragas golpeiam abruptamente a mulher e a grande cidade, e com con seqüência devastadora (ver vs. 10, 19; ver 17.12).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 18.12-14 V e rsíc u lo s 12
(úA,ou Tl|í icüTttiou - “toda m adeira preciosa.” E ste adjetivo superlativo sign ifica “raríssim a” ou “m uito rara” A lgu n s copistas consideraram o substan tivo ÇÚA.OU co m o sendo incongruente na lista de bronze, ferro e mármore; por tanto, o substituíram por ÀÍGou (pedra).33 V e rsíc u lo 1 4
xà ÀLirapà Kai xà Xa\ivpá - no grego, a aliteração é notável, o que em n osso idiom a pode ser com unicado co m o “excelen te e elegan te” ou “cintilação e fascin ação” (REB).
(3) O Lamento dos Capitães do M ar 18.17b-19
17b. E todo capitão do mar e todos os passageiros e mari nheiros e quantos ganham a vida no mar ficarão de longe, 18. e bradam quando contemplam a fumaça de seu incêndio, e excla mam: Que outra cidade é comparável à grande cidade? João prossegue enumerando quatro classes de pessoas em lingua gem emprestada de Ezequiel 27.27-29. Primeiro, capitão do mar pode ser o proprietário do navio ou o timoneiro (comparar At 27.11). Segun do, uma tradução literal do grego é “e todo aquele que veleja para al gum lugar” ; significa “viajante”. Esta frase, por si só, tem dado origem a versões adicionais. Mas se tomarmos o termo viajante em conexão com mercador marítimo ou passageiro, o texto é claro. Terceiro, os marinheiros são aqueles que formam a tripulação de um navio; e, em último lugar, há as pessoas que ganham a vida com a pesca marítima, mergulhando em busca de pérolas, transportando passageiros ou cons truindo navios (comparar SI 107.23).34 33. Bruce M. Metzger, A Textual Com m entary on the G reek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 684. 34. Robert L. Thomas, R evelation 8 -2 2 : An E xegetical C om m entary (Chicago: Moody, 1995), p. 339.
A p o c a l ip s e 18.17b-19
628
Todas essas pessoas contemplam horrorizadas o colapso do pode rio econômico de Babilônia e de sua existência física. Permanecem de longe (vs. 10, 15). Note que o verbo fica r está no futuro, o que se dá com o verbo chorar e lamentar no versículo 9. O tempo se refere ao caráter preditivo do que está para acontecer: todos quantos exercem o comércio via marítima ou que produzem dele sua subsistência ficarão de longe observando o fim de Babilônia. Os marinheiros continuam bradando enquanto observam a espiral de fumaça que sobe da cidade fumegante: “Que outra cidade se asse melha a esta grande cidade?” Esse brado é um eco da pergunta formu lada pelos marinheiros que observavam a destruição de Jerusalém: “Por que o Senhor agiu assim contra esta grande cidade?” (Jr 22.8; compa rar Ez 27.32). Eis a pergunta que os marinheiros formulam: “Quem imaginaria que isso pudesse acontecer a Babilônia?”
19. E lançarão pó sobre suas cabeças e, lamentando, brada rão: Ai, ai da grande cidade. Graças à sua riqueza, nela prospe raram todos os que tinham navios no mar! Em apenas uma hora ela foi devastada! Joãõ extraiu o brado verbalizado pelos marinheiros da profecia de Ezequiel. Eis suas palavras: Erguerão a voz e gritarão com amargura por sua causa; espalharão poeira sobre a cabeça e rolarão na cin za.... Quando estiverem gritando e prante ando por você, erguerão este lamento a seu respeito: Quem chegou a ser silenciada como Tiro, cercada pelo mar?... com sua grande riqueza e com seus bens você enriqueceu os reis da terra (Ez 27.30,32, 33b).
O Livro do Apocalipse está saturado de alusões ao Antigo Testa mento, e as de Ezequiel aparecem ainda com mais freqüência do que as referências de Daniel e Jeremias.35Não podemos descrever João exilado na ilha de Patmos com uma biblioteca completa dos rolos veterotestamentários em sua posse. Ele tinha, porém, um vasto e pleno conhecimento das Escrituras, as quais ele podia citar de memória e mencioná-las à vontade. Lemos que os mercadores, cujos navios percorriam o mar, tinham se tomado ricos por causa da riqueza de Babilônia. Tinham partilhado 35. Moyise, Old Testament, p. 16.
629
A p o c a l ip s e 18.17b-19
de seu luxo libertino mas, agora, como a cidade fora devastada num pequeno intervalo de tempo, sua fonte de renda desapareceu. Surpre ende pouco o fato de estarem perturbados, de chorarem, lamentarem e gritarem: “ai, ai.” João aplica a Babilônia o que Ezequiel dirigiu contra Tiro, porém Babilônia não era um porto marítimo; tampouco o era Roma, a qual tinha de recorrer ao porto de Óstia. Alan F. Johnson habilmente observa: “Mas, em qualquer caso, não é a intenção de João descrever qualquer cidade, mas a grande cidade, o modelo das cidades terrenas ímpias.”36
Palavras, Frases e Construções Gregas em 18.17b ó èiri TÓiTov tAícov - “todos quantos velejam para algum lugar.” O substan tivo lugar pode significar “porto” e assim referir-se a qualquer porto da costa mediterrânea. A conjectura de itóvtov para tóttov se faz desnecessária, porque recorrer a uma conjectura só é válido quando o tradutor enfrenta uma tarefa impossível, o que não é o caso aqui. xf)v Bálaooav IpyáÇovToa - a construção incomum do passivo com um objeto direto pode ser traduzida como “os que trabalham no mar para sua sobrevivência”.37
(4) Contraste 18.20
20. Regozijem-se sobre ela, ó céus, e os santos e os apósto los e os profetas, porque Deus a julgou, retribuindo-lhe o que ela fez a vocês. Este versículo não é parte do lamento dos marinheiros. Contem plando o colapso de Babilônia e sua própria falta de renda, certamente não insistiriam com os santos no céu para que se regozijassem sobre essa calamidade.38No versículo 20, ouvimos a voz do segundo anjo, o qual começa falando a João no versículo 4. Este anjo exortou o povo de 36. Alan F. Johnson, R evelation, em The E xpositor’s B ible Commentary, org. Frank E. G aebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.568. 37. Robert Hanna, A G ram m atical A id to the Greek New Testament (Grand Rapids: Baker, 1983), p. 454. 38. Consultar Bauckham, Climax o f Prophecy, p. 341; G R. Beasley-Murray, The Book o f R evelation, NC B (Londres: Oliphants, 1974), p. 268. Alguns estudiosos crêem que João é o porta-voz, porém é desnecessário fazer uma mudança de porta-voz. Ver Jürgen Roloff, The R evelation o f John, trad. J. E. Alsup (Minneapolis: Fortress, 1993), p. 207; Charles (R evelation , 2.111) restaura o versículo 20 “a seu lugar de direito”, perto do
A p o c a l ip s e 18.20
630
Deus (vs. 4, 5); então se dirigiu a Deus e a seu povo (vs. 6-8); em seguida profetizou que os reis, os mercadores e os marinheiros lamen tariam a destruição de Babilônia (vs. 9-19); e, por fim, ele convocou os santos, os apóstolos e os profetas a se regozijarem. A convocação aos que habitam o céu a se regozijarem foi também proclamada inicialmente por uma voz celestial: “Portanto, regozijemse, ó céus, e os que nele habitam!” (12.12; ver também Jr 51.48). Uma vez mais, os redimidos são informados de que devem alegrar-se na vitória sobre os inimigos de Deus. Mas quem são esses habitantes celestiais? São os santos, os apóstolos e os profetas. Os santos são os santos a quem João menciona treze vezes no Apocalipse.39Estão no céu e agora se regozijam no justo juízo de Deus pronunciado sobre os ímpios. A palavra apóstolos é um termo técnico que se refere aos Doze (21.14); por causa de Cristo, os apóstolos sofreram perseguição. Apóstolos são todos aqueles que revelaram e proclamaram a Palavra de Deus (ver E f 2.20; 3.5; 4.11). A última sentença neste versículo literalmente reza: “porque Deus a julgou, retribuindo-lhe o que ela fez a vocês.” Note estes pontos gra maticais: Primeiro, temos a figura literária que usa um verbo e um subs tantivo cognato do radical juiz, um hebraísmo comum. Segundo, o pro nome vocês (plural) pode ser ou subjetivo (pertencente a vocês) ou objetivo (para vocês). E, terceiro, a frase o que ela também pode ser traduzida “contra ela”. Se incorporarmos esses pontos e entendermos o termo juízo no sentido de veredicto transmitido por um juiz (ver 17.1), então uma leitura branda é como segue: “porque Deus pronunciou so bre ela o juízo que ela deseja impor a vocês.”40Com efeito, esta é a lei de retaliação (Ex 21.24; Lv 24.20; Mt 5.38). Os ímpios pronunciavam veredictos de castigo contra o povo de Deus, mas agora Deus pronun ciou o mesmo veredicto contra eles (comparar Jr 51.49). O versículo 20 foi colocado com propriedade no final das instruções, profecias e exortações do anjo. Ele forma uma triunfante conclusão à terrível cena da queda de Babilônia, o que não poderia ser concluído sem uma jubilosa resposta dos mártires. Deus ouviu o rogo pronuncia final do versículo 23 e o atribui a João. E Aune (Revelation 1 7 -2 2 , p. 1007) denomina este versículo, juntamente com o 24, “uma adição subseqüente ao texto”. 39. A pocalipse 5.8; 8.3, 4; 11.18; 13.7, 10; 14.12; 16.6; 17.6; 18.20, 24; 19.8; 20.9. 40. Bauer, p. 451; r e b , n c v , n v i , n j b .
631
A p o c a l ip s e 18.21-24
do pelos santos debaixo do altar, para que ele vingasse seu sangue e pronunciasse juízo contra seus adversários (6.9).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 18.20 Kod o i àTTÓOTOÀOL - alguns manuscritos apagam as duas primeiras pala vras, de modo que a sentença reza assim: “os santos apóstolos” (K JV ). Visto, porém, que as palavras koíi o i aparecem três vezes neste versículo, é possível que um escriba acidentalmente as tenha omitido. Explicar uma omissão é mais fácil do que explicar uma adição.
d. Um Símbolo e um Cântico de luí?o 18.21-24 Uma vez mais, João retrata a queda de Babilônia, mas agora com o auxílio de um símbolo, a grande pedra de moinho. Ele conclui a descri ção de seu perecimento num cântico que verbaliza sua condenação. Seu triste refrão ocorre seis vezes: “para nunca mais ser encontrada (ser ouvida, reluzir).” A existência física de Babilônia terá um perene fim.
21. E um anjo poderoso levantou uma grande pedra como de moinho, e a lançou no mar, dizendo: Com igual violência será lançada em terra a grande cidade, Babilônia, para nunca mais ser encontrada. Em toda a última parte deste capítulo, João recorre à profecia de Jeremias. Agora, uma vez mais, ele leva os versículos desta profecia para o cenário de uma pedra simbólica. Deus diz ao profeta: “Quando você terminar de ler este rolo, amarre nele uma pedra e atire-o no Eufrates. Então diga: Assim Babilônia afundará para não mais se erguer, por causa da desgraça que trarei sobre ela. E seu povo cairá” (Jr 51.63, 64). A semelhança de todo o quadro é óbvia, exceto o fato de que João adorna a cena. Em vez de um profeta, um anjo poderoso arroja ao mar, não a um rio, uma pedra, porém uma grande pedra de moinho. Simbo licamente, João representou o anjo como sendo poderoso em relação à tremenda tarefa que recebera. Incidentemente, outros dois anjos são qualificados de poderosos: aquele que com grande voz convocou para a abertura do rolo (5.2) e aquele que possuía o imenso poder necessá rio para a execução do propósito divino (10.1). Esse poderoso anjo descreve como Babilônia súbita, violenta e eternamente se desvanece. A grande pedra se assemelhava a uma pedra de moinho puxada por
A p o c a l ip s e 18.21-24
632
animais para moer o grão; era extremamente pesada (Mc 9.42). Toda via o anjo instantaneamente a ergueu e violentamente a rodopiou no ar, e esta mergulhou no mar, onde permanentemente desapareceu abaixo da superfície (Ne 9.11). Este é um quadro do que acontece a Babilônia, a grande cidade. Num relance, ela experimentará ser erguida e arrojada ao mar para nunca mais ser vista. Seu perecimento é inacreditável por causa da rapidez do evento. Babilônia tipifica um mundo saturado do mal direcionado contra Cristo e tudo quanto é santo. Ela é submergida nas profundezas do mar, e ninguém jamais será capaz de encontrá-la outra vez (Ez 26.21).
22. E nunca mais se ouvirá nela o som de harpas e de músi cos, dos flautistas e tocadores de trombetas. Nunca mais se acha rá dentro dela o ruído de pedras de moinho. 23a. Nunca mais brilhará em seu meio a luz de candeia. Nunca mais se ouvirá nela a voz de noivo e de noiva. Aqui está um quadro da vida diária tomado das esferas artística, econômica e social. Em Jeremias 25.10, Deus declara: “Darei fim às vozes de júbilo e de alegria, às vozes do noivo e da noiva, ao som do moinho e à luz das candeias.” Há certa semelhança, exceto que o anjo fala à Babilônia usando o pronome singular você. O que é a vida sem o dom da música? Vivemos diariamente cerca dos por música executada por grande variedade de músicos. João ex clui os que tangem a harpa, a flauta e a trombeta, pois esses eram os mestres da música instrumental nos tempos antigos. A palavra músi cos indubitavelmente significa poetas líricos, isto é, compositores.41 Na cidade de Babilônia, o som de música será para sempre silenciado. A indústria no mundo de João consistia de pessoas que trabalha vam com madeira, couro, metal, tijolo, pedra e vidro. Outros eram fiandeiros de lã, tecelões, tintureiros e costureiros. Ainda outros eram escribas e tradutores. Todos esses comércios e profissões repentina mente desaparecerão. O som familiar da pedra de moinho moendo o grão cessará, significando que a assadura de pão será interrompida e as atividades diárias da vida se tornarão inexecutáveis. O suprimento de azeite acaba, as lâmpadas se apagam e a vida é lançada em trevas. Sem o benefício da luz, todas as riquezas, todas as 41. Aune (R evelation 1 7 -2 2 , p. 1.008) traduz a palavra m o u s ik o n por “cantores”. NJB e REB trazem “trovadores”, n l t , “cânticos” e NCV, “outros instrumentos”.
633
A p o c a l i p s e 18.21-24
jóias e todas as vestes finas são inúteis. Os ricos vivem em trevas porque a luz de uma candeia ou lâmpada será para sempre removida dos cidadãos de Babilônia. Em último lugar, as vozes de júbilo de uma noiva e um noivo que estão se casando serão para sempre silenciadas. Nunca mais haverá núpcias, festas e reuniões familiares. O profeta Jeremias reiteradamente fala da cessação das núpcias nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusa lém (7.34; 16.9; 25.10). Mas em Jeremias 33.11 ele prediz a renovação dos sons de júbilo e alegria nos momentos nupciais. À guisa de contras te, Babilônia estará para sempre privada da alegria, do deleite e da concretização nupciais.
23b. Visto que os mercadores eram os grandes da terra, por quanto com suas feitiçarias todas as nações foram enganadas. Agora apresenta-se uma dupla razão para proclamar a desolação de Babilônia: a primeira razão é explicada pela razão seguinte. Primeiro, os mercadores se tomaram os governantes da terra como os homens mais poderosos (comparar 6.15), e em sua capacidade não mais neces sitam de Deus. Cultuam o dinheiro como seu ídolo, intencionalmente ignoram e provocativamente rejeitam as leis de Deus. João tinha em mente as profecias de Isaías e Ezequiel respectivamente, os quais per guntam aos mercadores de Tiro: “Quem planejou isso contra Tiro, con tra a doadora de coroas, cujos mercadores são príncipes, cujos negoci antes são famosos em toda a terra?” (Is 23.8), e: “Por sua grande habi lidade de negociar você aumentou sua riqueza. ... Você então dirá: Eu sou deus?” (Ez 28.5, 9). Essas observações se adequam também a Babilônia, a qual cultuava a riqueza no lugar de Deus, que deu a riqueza. Segundo, Babilônia enganava as nações com feitiçaria. A expres são feitiçaria se relaciona com a prática de mágica (9.21). Enquanto ela permite a uma pessoa “controlar os deuses, ao mesmo tempo é um dom e revelação dos deuses aos homens”.42Esse pecado é para Deus uma total abominação (Dt 18.10-12). Todos os israelitas que praticas sem a magia ou feitiçaria tinham de ser mortos, segundo a lei de Moisés (Êx 22.18; Lv 20.6, 27). Paulo denomina a idolatria e a feitiçaria de obras da carne, e não do Espírito (G1 5.20). E João declara que os que praticam artes mágicas serão condenados ao lago de fogo e enxofre (21.8; 22.15). 42. Colin Brown, “Mágico”, NIDNTT, 2.556.
A p o c a l ip s e 18.21-24
634
A magia e feitiçaria se relacionam estreitamente com a prostituição e fornicação (ver Na 3.4), e o pecado de substituir Deus por alguém ou alguma coisa é associado à feitiçaria (Is 4 7 .9 ,10).43João pinta um qua dro no qual a idolatria e imoralidade estão irmanadas com a violência e o vício. Com elas, os babilônios enchem todas as nações do mundo.
24. E nela se achou sangue dos profetas e dos santos e de todos quantos foram mortos na terra. Babilônia, a cidade do mundo, não é mais tratada com o pronome singular você, mas é agora mencionada na terceira pessoa singular. Aqui, pois, está a conclusão da mensagem de juízo pronunciada pelo anjo, com sua nota repetitiva “nunca mais se achará” (vs. 21, 22). O verbo achar, nessa mensagem, se relaciona diretamente com o mesmo verbo neste versículo. Por causa da violência contra o povo de Deus, o sangue de seus profetas foi achado nela, e igualmente o sangue de to dos os santos que morreram por causa da Palavra de Deus e do teste munho do Senhor (6.9,10; 16.6; 17.6; 19.2). No tempo do exílio, Babilônia matou milhares de judeus, cujo sangue Deus vingaria nela (Jr 51.49; Ez 24.7). E João sabia que, quando os romanos venceram Jerusalém em 70 d.C., cerca de um milhão de judeus foram mortos.44Os incontáveis cris tãos que foram mortos ao longo dos séculos estão também incluídos, de cujo número Antipas de Pérgamo é um representante singular (2.13). Os mencionados neste versículo são somente os mártires, e estão excluídos os cristãos que não foram mortos pela causa de Cristo? Se esse fosse o caso, então João, que presumivelmente morreu de morte natural em 98 d.C., não está incluído. Sabemos que Estêvão e os apósto los Tiago, Pedro e Paulo foram apedrejados, crucificados ou decapitados, porém outros líderes foram poupados de morte violenta. Cada crente que fielmente segue a Cristo experimenta sofrimento por sua causa; e, diz Jesus: “Quem por minha causa perde sua vida, achá-la-á” (Mt 16.25b). Palavras, Frases e Construções Gregas em 18.21-24 V e rsíc u lo 21
eíç - o número perdeu seu significado neste contexto e é equivalente ao artigo indefinido, daí “um anjo” (ver 8.13; 9.13). 43. Beale, R evelation, p. 922. 44. Josefo, G uerras 6.9.3 § 420.
635
A p o c a l ip s e 18.21-24
Versículo 24 od|ia irpocj)TiTwv - o Texto Principal e o TR trazem o plural aífiaxa. Não só os testemunhos textuais endossam esta redação, mas também a evidência interna do uso que João faz da palavra sangue no singular por todo o Apocalipse.
E sboço (continuação) 3. Cânticos de Louvor, Bodas e Adoração (19.1-10) a. Três Hinos e uma Ordem (19.1-5) b. As Bodas (19.6-9) c. Adoração (19.10) C. A Batalha Decisiva (19.11-21) 1. O Cavaleiro e Seus Exércitos (19.11-16) 2. A Batalha Final contra o Anticristo (19.17-21)
C apítulo
As B o d a s
do
C o r d e ir o
19
e a
B a t a l h a F in a l
CONTRA O A n TICRISTO ( A p o c a l i p s e 19.1-21) ijQ 1 Depois dessas coisas ouvi uma forte voz como se fosse de uma • 7 grande multidão no céu, dizendo: Aleluia! A salvação e o louvor e o poder pertencem ao nosso Deus, 2 porque verdadeiros e justos são seus juízos. Porquanto ele julgou a grande prostituta que arruinava a terra com sua fornicação, e vingou o sangue de seus servos, que ela derramou. 3 E novamente disseram: Aleluia! Sua fumaça sobe para todo o sempre. 4 E os vinte e quatro anciãos e as quatro criaturas viventes se curvaram e adora ram a Deus, que estava sentado no trono. E disseram: Amém. Aleluia! 5 E uma voz saiu do trono, dizendo: Louvem nosso Deus todos vocês, seus servos, sim, vocês que o temem, tanto pequenos como grandes. 6 E ouvi como se fosse a voz de uma numerosa multidão, como se fosse o som de muitas águas e como se fosse o som de poderosos estrondos de trovão, dizendo: Aleluia, porque nosso Senhor Deus Todo-Poderoso reina. 7. Regozijemonos e alegremo-nos e demos-lhe glória, porque chegaram as bodas do Cordeiro, e sua esposa tem-se preparado. 8 E lhe foi dado vestir-se de linho fino e res plandecente - porque o linho fino representa os feitos justos dos santos. 9 E ele me disse: Escreva. Bem-aventurados são aqueles que foram convi dados ao banquete das bodas do Cordeiro. E ele me disse: Estas são as verda deiras palavras de Deus. 10 Então caí a seus pés para adorá-lo. Mas ele me disse: Não faça isso. Eu sou conservo seu e de seus irmãos [e irmãs], que mantêm o testemunho de Jesus. Adore a Deus. Pois o testemunho de Jesus é o espírito de profecia. 11 Então vi o céu aberto, e eis um cavalo branco, e aquele que nele se assenta era chamado Fiel e Verdadeiro. E ele julga com justiça e faz guerra. 12 E seus olhos são como chama de fogo, e em sua cabeça estão muitas coroas. Ele tem um título escrito que ninguém conhece, senão ele mesmo. 13 E estava vestido com um manto salpicado de sangue, e seu nome é Palavra de Deus.
A po c a l ips e 19
638
14 E os exércitos do céu o seguiam, cavalgando cavalos brancos; estavam vestidos de linho fino, branco e puro. 15 E de sua boca saía uma espada afiada, com a qual ele fere as nações. E as governará com vara de ferro, e pisará o lagar do furor da ira do Deus Todo-Poderoso. 16 E tinha em seu manto e em sua coxa, escrito: REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES.
17 Então vi um anjo em pé no sol, e bradou com grande voz, dizendo a todas as aves que voam pelo céu: Venham, reúnam-se para o grande banquete de Deus, 18 para que comam a carne de reis e a carne de generais, e a carne de poderosos, e a carne de cavalos e seus cavaleiros, e a carne de pessoas livres e de escravos, de pequenos e de grandes. 19 E vi a besta e os reis da terra e seus exércitos reunidos para fazer guerra contra aquele que monta o cavalo e contra seu exército. 20 E a besta foi apanha da, e com ela o falso profeta, que, em sua autoridade, realizara sinais por meio dos quais enganava os que receberam a marca da besta e adoraram sua ima gem. Esses dois foram lançados vivos no lago de fogo e enxofre. 21 E o restan te foi morto com a espada que saía da boca do cavaleiro que monta o cavalo, e as aves se fartaram de suas carnes.
3. Cânticos de Louvor, Bodas e Adoração 19.1-10 Note primeiramente que este segmento pertence aos dois capítulos anteriores (17 e 18), os quais descrevem a grande prostituta e a queda de Babilônia. Mas, enquanto esses capítulos registram o perecimento de Babilônia, a Grande, com cânticos de condenação e destruição, os primeiros dez versículos do capítulo 19 se põem em direto contraste com eles. Este segmento contém os coros de Aleluia dos inumeráveis santos, dos vinte e quatro anciãos e das quatro criaturas viventes. Incidentemente, a palavra hebraica Aleluia (louvem ao Senhor) não aparece em parte alguma do Novo Testamento, a não ser aqui no Apocalipse (1 9 .1 ,3 ,4 ,6 ). Segundo, na primeira parte do capítulo 19, João descreve uma cena no céu, onde hostes celestiais entoam hinos de júbilo. Nesses hinos, ob servam que Deus julga as pessoas com base na verdade e na justiça; ele vinga o sangue dos santos; destina ao inferno as forças anticristãs, e sua fumaça sobe para todo o sempre. E o círculo íntimo dos anciãos e cria turas cercando o trono de Deus pronuncia seu consenso com seu “Amém, Aleluia!” Um deles, inclusive, ordena a todos que louvem a Deus.
639
A p o c a l ips e 19.1-5
O último hino é mais significativo, pois relata as bodas do Cordeiro e sua noiva, isto é, os santos, vestida de linho fino. Note agora o con traste. A grande prostituta, que não tem esposo e está vestida de relu zente esplendor, enfrenta perda irreparável; ela é deixada despida e queimada (17.16). A noiva do Cordeiro celebra seu matrimônio com seu esposo, que se veste de linho fino fulgurante e puro (19.7, 8). A Igreja, personificada como a noiva, nunca mais ouvirá outra vez falar das duplicidades e fraudes provenientes da prostituta. A cena muda do céu para a terra, onde um anjo instrui João a registrar a beatitude do convite nupcial: “Bem-aventurados são aqueles que foram convidados para o banquete nupcial do Cordeiro.” Proibindo João de curvar-se diante dele, o anjo diz a João que adore a Deus, e não a ele. Aliás, o dever de cada santo é cultuar a Deus, o que é sumariado sucintamente na pergunta e resposta de um catecismo do século 17: “Qual é o fim principal do homem? O fim principal do homem é glorifi car a Deus e gozá-lo para sempre.” 1 a. Três Hinos e uma Ordem 19.1-5
1. Depois dessas coisas ouvi uma forte voz como se fosse de uma grande multidão no céu, dizendo: Aleluia! A salvação, o louvor e o poder pertencem ao nosso Deus. A frase depois dessas coisas ocorre nove vezes no Apocalipse e geralmente denota uma mudança no enfoque de uma cena para outra.2 Isto é, da visão que João tem da destruição de Babilônia, ele agora concentra sua atenção no que está acontecendo no céu. A lacuna entre céu e terra nunca é maior do que a medida da iniqüidade humana, que atinge o céu (18.5). Quando as pragas de Deus golpeiam, nada é deixa do sobre a terra senão angústia e devastação, mas no céu uma incontável multidão ergue o coro de Aleluia. Depois de contemplar o desaparecimento de Babilônia da terra, João agora ouve o que parece ser uma forte voz provinda de uma vasta multidão de anjos e santos no céu. Incidentemente, enquanto registra o Apocalipse, João menciona ver e ouvir respectivamente; ele pronta 1. Breve C atecism o de Westminster, pergunta e resposta 1. 2. A pocalipse 1.19; 4.1 (duas vezes); 7.9; 9.12; 15.5; 18.1; 19.1; 20.3. O verbo vi é incluído em 4.1; 7.9; 15.5; 18.1.
A p o c a l ip s e 19.1-5
640
mente oscila de um para o outro (por exemplo, 1.10, 12; 5.6, 11; 14.1, 2). A vasta multidão (ver 19.6 e 7.9) no céu representa a voz dos redimidos e dos anjos cercando o trono de Deus (comparar Hb 12.2224). Anjos e santos, respectivamente, formam um imenso coro, perce bido por João como uma forte voz entoando “Aleluia!” Esta palavra hebraica transliterada, formada de hallelu (louvor) e yah (forma abre viada de Yahweh) se converteu num termo universalmente aceito. Da mesma forma, palavras como amém, abba e maranata aparecem em muitos idiomas ao redor do globo. A partir dos judeus helenistas, em suas sinagogas, os primeiros cristãos adotaram a expressão aleluia como uma exclamação litúrgica de júbilo. A palavra aparece somente nos Salmos (vinte e quatro vezes) e no capítulo 19 do Apocalipse (quatro vezes).3Esse grito de júbilo espiritual ocorre no princípio e no fim de Salmos individuais (por exemplo, SI 104, 106, 113, 117). Os Salm os 113-118 são co n h ecid o s com o o Hallel.4Também os últimos cinco capítulos do Saltério começam e ter minam com a palavra Aleluia (SI 146-150). “Como o Saltério hebraico termina com o povo eleito de Deus cantando ‘A leluia’, o N[ovo] T[estamento] termina com os redimidos de Deus no céu cantando ‘A leluia’.”5Isso é ainda mais notável quando consideramos que o Apocalipse 19 enfatiza a última série de hinos neste livro. O exército celestial continua seu louvor com as palavras: “A salva ção e o louvor e o poder pertencem ao nosso Deus.” João cataloga três atributos de Deus: o primeiro deles é a salvação. Deus planejou a salvação e nos elegeu em Cristo antes da criação do mundo (Ef 1.4, 5, 11). Quando a raça humana mergulhou no pecado, Deus se prontificou a redimir seu povo. Deus salva o corpo e a alma de todos aqueles a quem o Cordeiro redime de'todas as partes do mundo, em qualquer lugar e em qualquer tempo. Ele recebe todo louvor e glória pela obra redentora que o Cordeiro concretizou (7.10). A salvação que Deus iniciou e Jesus completou resulta na exibição tanto de sua glória quanto de seu poder (comparar 5.12; 7.12). Na 3. Em adição, ver Tobias 13.17 [13.18 LXX]; 3 Macabeus 7.18. 4. Alan F. Johnson (R evelation, em The E xpositor's B ible Com m entary, org. Frank E. Gaebelein [Grand Rapids: Zondervan, 1981], 12.570) nota uma estreita conexão entre o Hallel e a celebração da páscoa por Jesus e a Ceia do Senhor. 5. Guy B. Funderburk, ZPEB, 3.20. Ver também Arthur Louis Breslich, ISBE, 2.600.
64 1
A po c a l ips e 19.1-5
batalha decisiva contra Satanás, a vitória pertence a Deus, cuja glória é ímpar e cujo poder é infinito. Esses três atributos de salvação, glória e poder demandam cânticos de louvor de todas as criaturas de Deus, especialmente os santos e anjos.
2. Porque verdadeiros e justos são seus juízos. Porquanto ele julgou a grande prostituta que arruinava a terra com sua fornicação, e vingou o sangue de seus servos, que ela derramou. Eis aqui a primeira razão para atribuir-se a Deus salvação, glória e poder. João escreve que seus juízos são verdadeiros e justos. As pala vras verdadeiros e justos são seus juízos são uma repetição de 16.7 e se encontram com variação em 15.3.6 A segunda razão é uma elaboração adicional da sentença anterior que se relaciona com o juízo divino sobre a grande prostituta, que tam bém é conhecida como Babilônia, a Grande. Nos dois capítulos anterio res, João a retrata como aquela que corrompeu os costumes do povo ao ponto de ser destruído (17.1-5; 18.3, 7-9). Essa destruição, pois, deve ser tomada em um sentido moral e religioso com respeito à sedução da raça humana (11.18: “E destruir aqueles que estão destruindo a terra” ; ver também Jr 51.25).7A grande prostituta que destruiu a boa criação divina tem de ser apresentada diante do tribunal e enfrentar o julga mento diante do Juiz de toda a terra. E seu julgamento divino vinga o sangue dos mártires debaixo do altar (6.10); aliás, a prostituta se fez responsável pelo derramamento de seu sangue. A última parte desta sentença literalmente reza: “ele vingou da mão dela o sangue de seus servos.” A maioria das versões traduz a parte crucial do versículo como “ele vingou sobre ela o sangue de seus ser vos” (ver Dt 32.43). Não obstante, traduzi a sentença assim: “ele vin gou o sangue de seus servos, que ela derramou” (comparar n k j v , n j b ). As palavras de sua mão idiomaticamente expressam agência, e faz em paralelo com as palavras de Eliseu a Jeú para vingar o sangue dos profetas mortos “pelas mãos de Jezabel” (2Rs 9.7 KJV). Em outros 6. Tanto o Grego Antigo quanto Theod. rezam: “Todos os seus juízos são verdadeiros”, em Daniel 3.27. Ver também NAB e N JB. E comparar Salmo 19.9; 119.137. 7. Bauer, p. 190; Giinther Harder, TDNT, 9.103; Gregory K. B eale, The B ook o f R evelation: A C om m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 927; Robert L. Thomas, Revelation 8 -2 2 : An E xegetical Com m entary (Chica go: M oody, 1995), p. 359.
A p o c a l ip s e 19.1-5
642
termos, Jezabel foi a causa do sangue derramado.8De modo semelhan te, a grande prostituta instigou a destruição do povo de Deus e derra mou seu sangue. O salmista sugere a mesma fraseologia: “a vingança do sangue de teus servos, que é derramado” (SI 79.10 kjv ).
3. E novamente disseram: Aleluia! Sua fumaça sobe para todo o sempre. Uma vez mais, a inumerável multidão de anjos e santos fazem ecoar a palavra “Aleluia” no início do próximo hino, louvando a Deus pelo fato de a fumaça de Babilônia subir sem cessar. João já havia usado este vocabulário em um contexto anterior (14.11: “E a fumaça de seu tormento sobe para todo o sempre”), onde emprestou o quadro da maldição divina pronunciada contra Edom. Ali piche e enxofre queimam dia e noite sem apagar, e sua fumaça sobe incessantemente (Is 34.9,10). No Apocalipse, João aplica a maldição divina a Babilônia, a representante de todas as nações que se opõem a Deus. As pala vras “para todo o sempre” comunicam não só absoluta destruição, mas também um quadro do inferno com sua chama eterna. Esta é a imagem de Sodoma e Gomorra, na qual Deus sempre destrói seus inimigos e, por implicação, concede paz e descanso eternos a todo seu povo.9 4. E os vinte e quatro anciãos e as quatro criaturas viventes se curvaram e adoraram a Deus, que estava sentado no trono. E disseram: Amém. Aleluia! Esta é a última vez, no Apocalipse, que aparece o termo vinte e quatro anciãos.'0Eles são os representantes do povo redimido de Deus trasladado para a glória. São anciãos assentados em tronos, a quem é dado o privilégio de governar. Cercam o trono de Deus e estão mais próximos a ele do que os anjòs. De todas as criaturas de Deus no céu, eles são os que se sobressaem em glória e honra.11 8. David E. Aune, R evelation 1 7 -2 2 , W BC 52C (Nashville: N elson, 1998), pp. 1.015, 1.025-26. 9. Consultar G. B. Caird, A Com m entary on the Revelation o f St. John the D ivine (Londres: Black, 1966), p. 232; Jürgen R oloff, The R evelation o f John, trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 211; G. R. Beasley-M urray, The Book o f Revelation, NC B (Londres: Oliphants, 1974), p. 272. 10. A pocalipse 4 .4 (duas vezes), 10; 5.8; 11.16; 19.4; ver também 5.5, 6, 11, 14; 7.11, 13; 14.3. 11. Referência a W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, pp. 85, 86.
643
A p o c a l ips e 19.1-5
As quatro criaturas viventes que foram inicialmente introduzidas em 4.6 cercam o trono de D eus em círculo, em quatro pontos equidistantes. São os querubins, isto é, anjos a quem foi dada a tarefa de proteger, guardar e obedecer às ordens de Deus (ver Gn 3.24; Êx 25.20; Ap 15.7). Apóiam os anciãos verbalizando os louvores e o “Amém” (5.9,10, 14). É assim que, juntamente com os anciãos, respondem ao primeiro hino da vasta multidão, verbalizando seu “Amém. Aleluia!” Estas duas palavras são extraídas da conclusão do quarto livro do Saltério (SI 106;48; comparar SI 41.13; 72.18, 19; 89.52).12Os seres vivos e os anciãos, representando a criação e os redimidos, respectivamente, curvam-se diante do Deus que está sentado no trono. Eles o adoram com palavras de afirmação e louvor. Confirmam que a justiça foi servida com respei to a Babilônia, a Grande. Juntamente com os redimidos, glorificam a Deus e entoam louvores de ações de graças. Cultuam a Deus, honrando-o pela obra da criação e redenção, por sua glória e poder.
5. E uma voz saiu do trono, dizendo: Louvem nosso Deus todos vocês, seus servos, sim, vocês que o temem, tanto pe quenos como grandes. Em vez de um hino, João escreve uma ordem que vem diretamente do trono de Deus. Provavelmente a voz não é de Jesus, por causa das palavras “nosso Deus”. Em sua carta à igreja de Filadélfia, admite-se que Jesus pronuncia as palavras “meu Deus” quatro vezes (3.12), e ele informa a seus discípulos que subirá para “meu Deus e seu Deus” (Jo 20.17). Portanto, pôr as palavras “nosso Deus” nos lábios de Jesus parece carente de autenticidade. E melhor admitir que elas saíram dos lábios de uma criatura, possivelmente de um dos anciãos, um dos querubins ou outro ser angélico. Em suma, a voz não identificada per manece anônima. A ordem dirigida a todos os servos de Deus é para que o louvem (SI 150.1). Em certo sentido, cada crente é um servo de Deus, de modo que 12. Thomas, R evelation 8 -2 2 , p. 361; S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, KNT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 383; Robert H. M ounce, The Book o f R evelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 343; R. H. Charles (A Critical and Exegetical Com m entary on the Revelation o f St. John [Edimbur go: Clark, 1920], 2.120) ressalta que, na conclusão do Salm o 105.48, a LXX reza: genoito, genoito (“que assim seja, que assim seja”).
A p o c a l ip s e 19.1-5
644
o mandado é dirigido a todo o povo de Deus sobre a terra (por exemplo, ver 7.3). Os santos ao redor do trono o louvam continuamente, dia e noite (7.15), mas os santos sobre a terra necessitam de exortação. A admoes tação dirigida a cada crente é para que sirvam a Deus e o temam. Entre tanto, isso significa que não há duas categorias de pessoas: as que o servem e as que o temem. Por essa razão, propiciei a tradução “sim, vocês que o temem”. A palavra em itálico comunica o sentido de que seus servos de fato o temem. Ninguém é excluído de servi-lo, e ninguém é isenta de temê-lo. Os que o temem lhe devotam respeito, bem como aos seres humanos seus iguais; são sensíveis à Palavra de Deus e a seu testemunho. Temer a Deus significa demonstrar-lhe reverência e ren der-lhe louvor (Ec 12.13). Como parte de sua fraseologia no Apocalipse, João escreve duas ordens: temer a Deus e dar-lhe glória (ver 14.7; 15.4; 16.9; 19.5, 7). De fato ele ensina que, sem levar em conta idade, sexo e posição, de todos se requer temor, louvor e culto a Deus.13Os pequenos e os grandes, todos, têm igual posição em sua presença e, por que o temem, Deus os galardoa com sua bênção (11.18 e SI 115.13).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 19.1-5 Versículo 1 ’kzyòvuúv - este é o particípio genitivo masculino presente plural, mas os dois substantivos anteriores estão ambos no singular - voz é feminino e mul tidão é masculino. O particípio plural é usado por causa do sentido comunica do pela “vasta multidão”. Versículo 2 €K xetpòç aúríy; - a frase reflete idiomatismo hebraico e literalmente significa “por meio de sua mão”. A palavra mão é supérflua, de modo que a frase significa agência, “por meio dela”, com o vecbo derramar para completar a sentença. a iv e tie 0 t c ô - o verbo normalmente assume o acusativo, não o dativo. O dativo, porém, reflete a influência do idioma hebraico, influência que é co mum na LXX. Kal ol (jx>potVevoi - a presença da conjunção é incômoda se for traduzida por “e”, porque assim há dois grupos diferentes que louvam a Deus. A tradu ção “sim” reverte esse problema; algumas versões omitem a conjunção.14 tw
13. Horst Balz, EDNT, 3.432. 14. Bruce M . M etzger, A Textual Com m entary on the G reek N ew Testament, 2“ ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), pp. 684, 685.
645
A po c a l ips e 19.6-9
b. A s Bodas 19.6-9 Faço duas observações preliminares. Em primeiro lugar, os versículos 6-8 delineiam o último hino, neste capítulo e no Novo Testamento. O hino é denominado canto nupcial para celebrar a chegada da noiva e do noivo, juntos, para a cerimônia nupcial e a ceia para a qual convidados podem vir. Em segundo lugar, João compara os sons que introduzem este can to nupcial com três grupos distintos: uma vasta multidão, muitas águas e estrondos de trovão. Ele usa imagens da vida humana sobre a terra que descrevem uma cena no céu.
6. E ouvi como se fosse a voz de uma numerosa multidão, como se fosse o som de muitas águas e como se fosse o som de poderosos estrondos de trovão, dizendo: Aleluia, porque nosso Senhor Deus Todo-Poderoso reina. João ouviu um hino que soava como se fosse cantado por uma vasta multidão. Ele não identifica essa multidão. Visto, porém, que a fraseologia é a mesma do versículo 1, tudo indica que a multidão tem a mesma identidade.15Cantam os hinos do início e da conclusão deste capítulo; em ambos, cantam as mesmas notas de louvor e enaltecimento. Aqui estão ecos indistintos dos hinos que as multidões entoam em am bos os capítulos, 5 e 7. A voz que João ouve, ele a compara com sons oriundos da nature za: os sons de muitas águas e de poderosos estrondos de trovão. Ele descreve a voz da aparição de Jesus na ilha de Patmos como o som impetuoso provindo de muitas águas (1.15; ver 14.2; Ez 1.24; 43.2). E a frase poderosos estrondos de trovão comunica a idéia de intensidade, que pode ser ouvida em toda parte (Ap 6.1; 14.2). Essas duas frases, de fato, apontam para o poder, majestade e glória de Deus. E a voz poderosa da incontável multidão atesta as expressões de júbilo e grati dão pelo privilégio de ser a noiva de Cristo. Essa voz, comunicando o som de uma multidão de pessoas falando ao mesmo tempo, provém de agradáveis tons de água borbulhante que, num 15. Um comentarista sugere que, se a multidão do versículo 1 é angélica, então a do versículo 6 se refere a “a grande multidão dos redimidos” (Johnson, R evelation, p. 571). Outro, porém, nota que, no versículo 6, “os redimidos dificilm ente seriam os cantores, visto que o tema de seu cântico é em parte a noiva que sim b oliza... os redimidos no céu” (Thomas, R evelation 8 -2 2 , p. 363).
A p o c a l ip s e 19.6-9
646
estrondo de forma crescente, aumenta em intensidade até atingir o ribom bar dos trovões. Esses sons se assemelham a pessoas que começam cantando suavemente para então culminar seu hino em sons altissonan tes. A primeira palavra do cântico é Aleluia, a qual completa quatro ve zes que aparece nestes hinos. É seguida de uma frase que fornece a razão para esta nota de enaltecimento: “porque nosso Senhor Deus TodoPoderoso reina.” O verbo nesta sentença pode ser interpretado: o Senhor “começou a reinar”. O Senhor Deus, como indica o título descritivo TodoPoderoso, sempre exerceu o governo sobre sua grande criação. Agora, porém, o reino do Anticristo alcançou seu fim antecipado, e o Senhor Deus é o supremo governante no vasto universo que ele criou. No Apocalipse, o termo o Senhor Deus Todo-Poderoso aparece sete vezes e caracteriza a soberania de Deus.16Enquanto na terra Domiciano era honrado como dominus et deus (Senhor e Deus), o coro celestial canta em triunfo que Deus ocupa a verdadeira sede do poder no mundo (ver SI 93.1; 97.1; 99.1; lC r 16.31; Zc 14.9). Em último lugar, o pronome posses sivo pessoal nosso, em “nosso Senhor Deus Todo-Poderoso reina”, toma o coro inclusivo: os santos que estão no céu e os que estão na terra.
7. Regozijemo-nos e alegremo-nos e demos-lhe glória, por que chegaram as bodas do Cordeiro, e sua esposa tem-se pre parado. 8. E lhe foi dado vestir-se de linho fino e resplandecente - porque o linho fino representa os feitos justos dos santos. a. Festividade. A exortação a regozijar-se, alegrar-se e dar glória a Deus é dirigida a todo seu povo, que recebe o convite para as bodas do Cordeiro. A pergunta que agora surge é se o povo de Deus está retratado como a noiva e ao mesmo tempo como os convidados para as bodas. Mas a estrutura de simbolismo que João cria retrata sobreposição, de modo que somos levados a concluir: “os convidados e a Noiva são uma e a mesm a coisa.” 17Isto é, as imagens de João fluem uma da outra e não devem ser interpretadas separadamente. A descrição sim bólica das bodas do Cordeiro não deve ser entendida literalmente, pois isso resultaria em absurdo. 16. A pocalipse 1.8; 4.8; 11.17; 15.3; 16.7; 19.6; 21.22. Ver Richard Bauckham, The Clim ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 304. 17. Charles, Revelation, 2.129. Ver também Louis A. Vos, The Synoptic Traditions in the A pocalypse (Kampen: Kok, 1965), pp. 164, 165. Caird (R evelation, p. 234) assevera: “A noiva é a Igreja, mas os membros da Igreja são os convidados para suas bodas.” Ver também B eale, R evelation, p. 945.
647
A p o c a l ip s e 19.6-9
João empresta sua fraseologia do Saltério: “Este é o dia que o Se fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” ; e “tributem ao S e n h o r a glória devida a seu nome” (S I 118.24 e 96.8a, respectivamente). Deus não só destrói o reino do Anticristo, mas também outorga salvação a seu povo e lhe dá a honra de casar-se com seu Filho. Seu povo se regozija porque Deus removeu sua inimizade, e expressa sua gratidão rendendo-lhe louvor e glória. b. Noivados e bodas. Noivado e bodas diferem de uma cultura para outra ao longo dos séculos. O quadro que João mostra ao leitor é o do noivado hebreu, que depois de um dado período é seguido cerimô nia nupcial. O rito de noivado une a noiva e o noivo numa relação em que envolve promessa recíproca - relação que é selada na presença de testemunhas. Paulo escreve que prometia a igreja de Corinto, como uma virgem pura, a seu esposo, Cristo (2Co 11.2). O Novo Testamento apresenta Cristo como o noivo e a Igreja como sua noiva.18Igualmente, o Antigo Testamento menciona uma relação semelhante entre Deus e seu povo (Is 54.5, 6; 62.5; Jr 3.20; Os 2.19). Em um cenário hebreu, havia um período de espera entre o noivado e as bodas, enquanto a noiva e o noivo viviam separadamente (Dt 22.23, 24; Mt 1.18, 19). Durante esse período, as duas famílias envolvidas dispunham os termos do dote. Quando essa soma era paga é que pro cediam com as bodas reais. Nesse dia, o noivo, em procissão, acompa nhado por seus amigos, trazia a noiva de seu lar paterno para seu pró prio lar. Ali se promovia a festa nupcial para celebrar as bodas. William Hendriksen apresenta uma breve encenação dessa seqüência nupcial quando a aplica a Cristo e sua igreja.19 nhor
Em Cristo, a noiva foi eleita desde a eternidade. Ao longo de toda a antiga dispensação, as bodas foram anunciadas. Em seguida, o Filho de Deus assumiu nossa carne e sangue: os noivados se concretizaram. O preço - o dote - foi pago no Calvário. E agora, depois de um intervalo, que aos olhos de Deus não passa de pouco tempo, o Noivo regressa e “chegaram as bodas do Cordeiro”. A Igreja na terra anela por esse momento, como faz a Igreja no céu. 18. M ateus 9.15; João 3.29; R om anos 7.3, 4; 1 Coríntios 6.15; E fésios 5.23-32; A pocalipse 19.7-9; 21.2. 19. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 181.
A p o c a l ip s e 19.6-9
648
Estou plenamente ciente da brevidade de João e do risco de colo car no texto algo que não está lá. Contudo posso confiadamente sugerir que o quadro das bodas que João pinta deve ser visto em confronto com o cenário cultural judaico de seus dias. c. Preparação. João, em seguida, escreve: “E sua esposa tem-se preparado.” De que forma ela se prepara para as bodas? João respon de dizendo que lhe foi dado linho fino para usar, que é resplandecente e puro. A noiva só pode preparar-se quando Deus lhe fornece o vestido nupcial, porque esse vestido é belo e puro. Suas roupas próprias não passam de trapos de imundícies, porém Cristo a purifica e a apresenta a si mesmo “sem mancha, sem ruga e sem qualquer outro defeito” (Ef 5.26, 27; ver Is 61.10). Não obstante, quais são as obrigações da noiva do Cordeiro enquanto ela se encontra ainda na terra? Essas obrigações são de fidelidade ao noivo, de demonstrar-lhe seu amor e devoção e de esperar ansiosamente por sua vinda. Mas a vestimenta que lhe foi pro videnciada deve ser vista como um dom incondicional de Deus.20Essa vestimenta fina que ela recebe nada mais é senão um ato da graça que é outorgado por Deus. Há mais. Os santos que lavaram suas roupas no sangue do Cordeiro para torná-las brancas são agora coletivamente chamados a noiva.21E o linho fino resplandecente e puro é a mesma indumentária que os exércitos celestiais usam enquanto seguem Cristo na guerra contra as forças do Anticristo (v. 14). O Apocalipse delineia graficamente o contraste entre a grande pros tituta, vestida de uma indumentária espalhafatosa (17.4), e a noiva do Cordeiro, que recebe linho fino, resplandecente e puro. A prostituta é levada à bancarrota; à guisa de contraste, a noiva é conduzida a Cristo para ser sua esposa. A mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo de seus pés, a qual, como símbolo da Igreja, deu à luz o Filho (12.1,2,5), é agora a noiva do Cordeiro, redimida pelo Filho. Em último lugar, os convidados que foram ao banquete das bodas na parábola, receberam vestes nupciais, símbolo de pureza e santidade. Mas um desses convidados recusou-se a usá-las e, conseqüentemente, 20. B eale, Revelation, p. 942. Ver também Herman Hoeksema, Behold, He Cometh! An E xposition o f the B ook o f R evelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing A ssociation, 1969), p. 618. 21. Referência a Sydney H ielem a, “A Perfection o f Misunderstandings: John’s R ole as Author in the B ook o f R evelation”, P ro R ege 27, n. 4 (1999): 7.
649
A po c a l ips e 19.6-9
foi lançado fora (Mt 22.11-13). Daí, João explica a frase linho fino resplandecente e puro nestes termos: “o linho fino representa os fei tos de justiça dos santos.” Que feitos de justiça são esses, os quais os santos são capazes de realizar? Paulo lança luz sobre esta pergunta quando escreve: “Somos feitura de Deus, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus de antemão preparou para as fizéssemos” (Ef 2.10). Esses feitos de justiça, portanto, são possíveis através da graça de Deus em ação nos corações dos santos. Livres da escravidão de Satanás, os redimidos dedicam suas vidas ao serviço de Deus. Nutrem os famintos, dão aos sedentos algo para beber, dão hospitalidade aos estranhos, vestem os necessitados e visitam os enfermos e os que se encontram em prisão (Mt 25.37-39). Cristo abençoa esses feitos, aperfeiçoando-os através de sua justiça perfeita.22
9. E ele me disse: Escreva. Bem-aventurados são aqueles que foram convidados ao banquete das bodas do Cordeiro. E ele me disse: Estas são as verdadeiras palavras de Deus. O porta-voz, uma vez mais, não é identificado (v. 5), mas o contex to revela que ele é um anjo (v. 10). Se porventura ele é aquele que anteriormente veio para instruir a João (17.1) ou o outro anjo que anun ciou o perecimento de Babilônia (18.1), é difícil determinar. Certamen te que o porta-voz não é Jesus, muito embora o Senhor inicialmente tenha ordenado a João que escrevesse (1.11, 19). As numerosas or dens existentes no Apocalipse para que João escrevesse são emitidas ou por Jesus, ou por um anjo, ou por uma voz não identificada. O portavoz agora se dirige a João para que ele escreva a quarta das sete beatitudes: “Bem-aventurados são aqueles que foram convidados ao banquete das bodas do Cordeiro.” Quem são esses convidados ao banquete? São todos os que deram uma resposta, receberam o dom da salvação e foram vestidos de rou pas brancas para que pudessem assentar-se à mesa do Cordeiro. Es ses indivíduos são os santos no céu. O escritor de 4 Esdras (2 Esdras) 2.38-41 pinta um cenário celestial de todo o grupo que pode assentar-se no banquete, cuja vestimenta é resplandecente e branca, que cumpriu a lei do Senhor e cujo número está completo. 22. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St J ohn’s Revelation (Columbus: Wartburg, 1943), p. 543.
A p o c a l ip s e 19.6-9
650
As palavras foram convidados revelam que o convite inicial foi emitido no passado, que os convidados responderam favoravelmente e que agora desfrutam do privilégio de estar assentados no banquete. Enquanto outros que receberam o convite se recusaram a aceitá-lo (Mt 22.3), os que responderam são chamados “bem-aventurados”. O porta-voz prossegue observando enfaticamente: “Estas são as verdadeiras palavras de Deus.” Deus estendeu seu convite aos convi dados, e suas palavras são verdadeiras, sem qualquer falha. Tudo o que Deus revelou em sua Palavra é infalível, e todas as palavras que o anjo, na ordem divina, comunicou, são verdadeiras. Os comentaristas dife rem sobre a aplicação da sentença supramencionada, ligando-a ou à beatitude23anterior, ou a toda a seção na qual o anjo comunicou o que aconteceria (17.1-19; 9a). Opto pelo último e encontro para ele um paralelo em 22.6.24Assim, na conclusão desta seção, o anjo declara que estas palavras são verdadeiras, as quais, como uma resposta ade quada, são o equivalente de um solene “Amém”.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 19.6-9 Versículo 6 ÀeyóvTwy - o genitivo na forma masculino/neutro plural do particípio não tem antecedente próximo com o qual se harmonize. O substantivo multidão, embora longe do particípio, serviria aqui como coletivo plural; isto é, o gênero e o número do particípio são determinados pelo sentido da passagem. Versículo 9 o l...K € K A .r p é v o i - a sentença preposicional extensa “ao banquete das bo das do Cordeiro” tem sido posta entre o artigo definido e o particípio passivo perfeito. Isso ocorre também nas introduções das sete cartas às sete igrejas (2.1,8,12,18; 3.1,7,14).
c. Adoração 19.10
10. Então caí a seus pés para adorá-lo. Mas ele me disse: Não faça isso. Eu sou conservo seu e de seus irmãos [e irmãs], 23. Ver Philip Edgcumbe Hughes, The Book ofth e Revelation: A Commentary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 201. Outros, porém, lim itam -se ao contexto im ediato dos versículos 7-9a, com o, por exem plo, B eale (R evelation, p. 945). 24. Beasley-M urray, Revelation, p. 275.
651
A p o c a l ip s e 19.10
que mantêm o testemunho de Jesus. Adore a Deus. Pois o tes temunho de Jesus é o espírito de profecia. a. Duplicata. Este texto é duplicado quase que palavra por palavra em 22.8b, 9: “caí aos pés do anjo que me mostrou tudo aquilo, para adorá-lo. Mas ele me disse: Não faça isso! Sou servo como você e seus irmãos, os profetas, e como os que guardam as palavras deste livro. Adore a Deus!” Presumivelmente, João escreveu essas palavras duas vezes a fim de enfatizar seu ponto. Além disso, ele intencionalmente as designou como conclusão às duas visões (17.1-19.10 e 21.9-22.9).25 Isto é, João primeiramente escreve uma conclusão à visão da destruição de Babilônia e, em seguida, como conclusão à visão da nova Jerusalém. b. Culto aos anjos. Ainda que o culto aos anjos existissem nos círculos judaicos durante os tempos apostólicos (Cl 2.18), João está enfatizando que o povo de Deus não deve cultuar a ninguém mais se não ao Deus Triúno. Ele ressalta que cultuar os anjos é um ato absolu tamente proibido, embora os anjos transmitam mensagens diretamente de Deus. Contudo, note que o autor de Hebreus designa um lugar aos anjos que não é mais elevado, senão que é inferior, ao que desfrutam os santos na terra: “Os anjos não são, todos eles, espíritos ministradores enviados para servir aqueles que hão de herdar a salvação?” (Hb 1.14). Se a João é proibido cultuar um anjo que lhe ministrava, seria impróprio que os primeiros cristãos se envolvessem no culto aos anjos, aos impe radores ou às bestas.26Culto jamais pode ser prestado a uma criatura unicamente a Deus (At 10.25, 26; 14.11-15). c. Conservo. Depois de proibir João de adorá-lo, o anjo se identifi ca como sendo conservo; isso significa que ele e o apóstolo desfrutam de posição afim. Ele está na presença do Deus Todo-Poderoso, porém se põe no nível do povo de Deus, a quem ele chama seus irmãos (e inclui suas irmãs). Ele caracteriza a todos eles como os que sustentam 25. Bauckham, C lim ax o f Prophecy, p. 133. A guisa de contraste, Charles (R evelation , 2.128) crê que “xix.10 é cópia de xxii.8, 9 pelo editor e dado um significado geral inferior”. Ele considera 19.20 uma interpolação e reorganizou o capítulo 22, colocando os versículos 8 e 9 em seu “contexto correto no final do livro”. Seus pontos de vista são m uitíssim o improváveis. 26. Gerhard A. Krodel, R evelation, A C NT (M inneapolis: Augsburg, 1989), p. 316. Ver também Henry Barclay Sw ete, Com m entary on Revelation (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 248; Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 729.
A p o c a l ip s e 19.10
652
o testemunho de Jesus (ver 1.2, 9; 6.9; 12.11, 17; 20.4). A frase teste munho de Jesus pode ser interpretada subjetivamente, como o teste munho que Jesus mesmo dá, ou objetivamente, como o testemunho que os servos fiéis de Deus dão acerca de Jesus. Neste caso, ambas as interpretações, a subjetiva e a objetiva, são válidas. Subjetivamente, Jesus é o mensageiro de Deus (Jo 3.34) e, objetivamente, o povo de Deus é testemunha em prol do Senhor. Mas a frase testemunho de Jesus ocorre duas vezes. João esclarece a primeira ocorrência com a frase: “porque o testemunho de Jesus é o espírito de profecia.” Isso significa que o Espírito Santo inspirou os profetas das eras de ambos os Testamentos para que dessem testemunho de Jesus através do espírito de profecia. E, assim, este espírito se refere ao testemunho de Jesus e o testemunho sobre ele, respectivamente. Todos os crentes recebem o evangelho da salvação através da operação do Espírito Santo e, por sua vez, fazem-no conhecido a outros. Beale sugere a seguinte paráfrase: “os que dão testemunho a [e de] Jesus são pessoas proféticas.”27 Uma última observação. Entre as duas ocorrências de o testemu nho de Jesus, João coloca o imperativo “Adore a Deus”. Este impera tivo é dado como um único mandamento que abrange o culto sem limi tes temporais e locais. O mandamento é para que todos cultuem a Deus em todo tempo e em todo lugar, sem levar em conta circunstâncias. Os primeiros destinatários do Apocalipse compreenderam que, ao dar seu testemunho acerca de Jesus punham-se em franco conflito com as au toridades pagãs e romanas que os compeliam a adorar os ídolos e César. Agora são informados de que devem adorar a Deus e, por implicação, ser testemunhas dele (comparar Mt 4.10; At 1.8).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 19.10 opa |ít| —a palavra ordem é significativa, pois a partícula negativa segue o verbo no imperativo presente, produzindo o equivalente idiomático “não faça isso!” Depois da partícula negativa, devemos completar com um subjuntivo não expresso, tal como Troir|or]ç. Daí a partícula nega não o verbo ver, mas o verbo implícitofazer. 27. B eale, R evelation, p. 947. Bauckham (Clim ax o f Prophecy, p. 161) sucintamente escreve: “Os que dão testemunho de Jesus por certo que não são precisamente os profetas (19.10), mas cristãos em geral (12.17).” Referência a Frederick D. Mazzaferri, The G enre o f the Book o f Revelation fro m a Source-C ritical P erspective, BZN W 54 (Berlin e N ova York: de Gruyter, 1989), pp. 306-13.
653
A p o c a l ip s e 19.11-16
C. A Batalha D ecisiva 19.11-21 Na seção precedente (17.1-19.10), João relatou o perecimento da Babilônia profana, a Grande. Mas Babilônia é apenas o primeiro entre os inimigos de Deus a perecer. Os dois seguintes são a besta que emer ge do mar e a besta que emerge da terra, também conhecida como o falso profeta (13.1, 11). João relata a derrota e o destino de Satanás no próximo capítulo (20.1-10). O autor primeiramente introduz Satanás (cap. 12), então a besta que emerge do mar e a besta que emerge da terra (cap. 13), e, final mente, a grande prostituta (cap. 17). Na ordem inversa, a prostituta que sofre derrota e destruição na forma de Babilônia é mencionada primei ro (cap. 18), então a besta e o falso profeta (cap. 19) e, por último, Satanás (cap. 20).28 O Senhor Jesus agora entra em cena não como o Noivo e o Cordei ro (vs. 7, 9), mas como o Rei dos reis e Senhor dos senhores. Os exér citos celestiais o acompanham na guerra contra seus inimigos, os quais são levados à batalha pela besta e pelo falso profeta. Esses dois são completamente derrotados e lançados vivos no lago de fogo e enxofre; o restante de seus seguidores são mortos a espada. Aqui está um qua dro da derrota final de ambos, a besta e o falso profeta, e sua eterna retribuição. João retrata a destruição de toda a impiedade e Cristo, que triunfa sobre seus inimigos. Com isso ele apresenta a última seção da sexta visão, que começou em 17.1. 1. O Cavaleiro e Seus Exércitos 19.11-16
11. Então vi o céu aberto, e eis um cavalo branco, e aquele que nele se assenta era chamado Fiel e Verdadeiro. E ele julga com justiça e faz guerra. Esta é a segunda vez no Apocalipse que João escreve que viu o céu aberto (4.1; ver Ez 1.1). Agora não há porta aberta que lhe permita uma visão ou uma entrada no céu. Desta vez o céu está aberto, não para João entrar, mas para o Senhor e seus exércitos saírem. Deixam o 28. Homer Hailey, R evelation: An Introduction and Com m entary (Grand Rapids: Baker, 1979), p. 381; Lenski, R evelation, p. 547.
A p o c a l ip s e 19.11-16
654
céu para se engajarem numa batalha espiritual contra as forças inimi gas. Estas palavras introduzem o conflito no fim do tempo cósmico. Considerando esta complexa imagem, não devemos consultar cronolo gia “para determinar como a verdade pode ser melhor expressa” .29 Antes, focalizamos a atenção na realidade desta batalha e seu resulta do inevitável. No batismo de Jesus, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu (Mt 3.16). Agora o céu se abre e um cavaleiro montando um cavalo branco entra em cena, cujo nome é Fiel e Verdadeiro, isto é, Jesus. A cor branca simboliza vitória, pois esse cavaleiro sai com o propósito de ser o vitorioso vencedor (comparar 6.2).30Ele cavalga um cavalo branco como símbolo de guerra, e é identificado por dois nomes: Fiel e Verda deiro. Os nomes são familiares, pois Jesus, em sua carta à igreja de Laodicéia, se introduziu como o “Amém, a testemunha fiel e verdadei ra” (3.14; aponta também para 1.5; 3.7; 6.10). Cristo é fiel em decor rência de cumprir tudo quanto as Escrituras revelam dele e sobre ele, e é verdadeiro porque personifica a verdade (Jo 14.6). E óbvio o contras te com Satanás, o pai da mentira (Jo 8.44). Cristo também entra em cena como o Juiz, porque “ele julga com justiça e faz guerra”. No princípio deste conflito ele se identifica como o Juiz. Ao deflagrar guerra contra seus inimigos, ele administra justiça que resulta na plena derrota de seus oponentes. Deus ordenou que a vitória precede o juízo divino com a certeza de que a justiça inevitavel mente triunfará. Note o tempo presente dos verbos julgar e fazer, comunicando um sentido progressivo.31 Em termos contemporâneos, João vê dentro de toda a visão um fragmento como um clipe cinemato gráfico dessas duas atividades; comunicam uma representação simbó lica do grande conflito entre Cristo e seus inimigos. Não obstante, o conceito de julgar com justiça tem também uma conotação positiva, como é evidente nas muitas referências veterotestamentárias aplicadas ao povo de Deus e às nações (ver SI 9.8; 72.2; 96.13; 98.9; Is 11.3,4).32 29. M ounce, R evelation, p. 351. 30. Comparar John P. M. Sw eet, R evelation, W PC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 282; George Eldon Ladd, Com m entary on the R evelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 253. 31. Sw ete, R evelation, p. 251; Thomas, R evelation 8 -2 2 , pp. 383, 384. 32. Aune, R evelation 1 7 -2 2 , p. 1.053; Jan Fekkes, Isaiah and Prophetic Traditions in the Book o f R evelation, JSNTSup 93 (Sheffield: JSOT, 1994), pp. 117-22.
655
A p o c a l ip s e 19.11-16
12. E seus olhos são como chama de fogo, e em sua cabeça estão muitas coroas. Ele tem um título escrito que ninguém co nhece, senão ele mesmo. Este versículo descreve três aspectos de Cristo: seus olhos, sua cabeça e seu nome. Os dois primeiros são visíveis e conhecidos; o terceiro, porém, ainda que escrito, somente ele mesmo conhece. A des crição dos olhos de Jesus como chamas de fogo se assemelha a uma sentença em Daniel 10.6: “seus olhos como tochas chamejantes.” E o retrato que João esboça de Jesus em Patmos contém uma fraseologia semelhante: “Seus olhos eram como chama de fogo” (1.14; 2.18). Es sas chamas de fogo comunicam a santa ira de Jesus em relação a seus inimigos e seu furor contra o pecado, que se acumula até o céu (18.5). O segundo aspecto é o uso que Cristo faz de muitas coroas, o que o texto grego expressa como diademas (ver 12.3; 13.1, onde esta pala vra se aplica a Satanás e à besta enquanto imitam a Cristo). Diademas nos dias de João eram fitas individuais que alguém amarrava em torno da cabeça. Aqui muitos diademas representam a supremacia de Cristo em extensão infinita. O quadro é um mero símbolo de sua plena sobera nia no universo e não propicia nenhum literalismo. Presumimos que esses diademas na cabeça de Cristo exibiam nomes que indicavam a extensão de sua soberania (comparar Is 62.2, 3). O terceiro aspecto é o nome que ninguém conhece, exceto Cristo. Esta sentença tem levado pelo menos um comentarista, que examinou as linhas paralelas nos versículos 12 e 13, a asseverar que a sentença “ele tem um nome escrito que ninguém conhece, exceto ele mesmo” é uma glosa. Ao deletar esta linha, ele diz que o paralelismo dos versículos 12 e 13 é restaurado.33Mas é verdade que há mesmo uma contradição nesses dois versículos, onde o versículo 12c declara a impossibilidade de se conhecer o nome de Cristo, e o versículo 13b divulga esse nome como “a Palavra de Deus”? Por certo que os nomes de Cristo são numerosos no Novo Testamento; o Apocalipse o chama de o Cordeiro, Fiel e Verdadeiro, Senhor dos senhores e Rei dos reis, Raiz, geração de Davi, Estrela da Manhã e outros. No versículo 13, o nome escrito do cavaleiro que cavalga o cavalo branco é “a Palavra de Deus”. Um nome indica o próprio ser de uma pessoa; por exemplo, ao vencedor é 33. Charles, R evelation, 2.132, 436. Aune (Revelation 1 7 -2 2 , p. 1.055) a chama uma adição recente.
A p o c a l i p s e 19.11-16
656
dada uma pedra branca na qual “está escrito um novo nome que nin guém conhece, exceto quem o recebe” (2.17). Quando, na ilha de Patmos, João ouve uma voz divina e descreve o orador como “um filho de homem” (1.13), ele declina em identificar Jesus pelo nome. Aliás, ele se vê impossibilitado de pronunciar o nome dessa pessoa divina. Isso corresponde à misteriosa fraseologia em hino cristão primitivo: “Deus ... lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fp 2.9). Sabemos que o título Jesus é seu nome terreno, e que Cristo é seu título oficial, mas ele tem ainda outro nome que permanece oculto de nós. Esse misterioso nome será revelado a seu povo quando sua obra redentora alcançar sua plenitude. Certamente que, no banquete nupcial do Cor deiro (v. 9), quando sua noiva desfrutar de perfeita bem-aventurança, o Senhor revelará o mistério de seu nome.34 Há ainda outra explicação, a saber: que Deus partilha seu nome com Cristo, e com isso se expressa a Deidade de Cristo.35Em três outros lugares no Apocalipse, João identifica Cristo com Deus ao atri buir divindade a Jesus quando o menciona em conexão com Deus em referência ao reino e trono de Deus. Há um reino, não dois; e um trono, não dois (11.15; 20.6; 22.3). 13. E estava vestido com um manto salpicado de sangue, e
seu nome é Palavra de Deus. a. “E estava vestido com um manto salpicado de sangue.” Uma vez mais (v. 12), João toma emprestada a imagem da profecia de Isaías, o qual menciona roupas que são salpicadas de sangue e manchadas “como as de quem pisa as uvas no lagar” (63.2, 3). Ele retrata Jesus como estando vestido com um manto, significando que ele tivesse envolto seu corpo com essa roupa em tempos passados. Pisar as uvas no lagar é uma descrição veterotestamentária det)eus que, em seu furor contra o peca 34. Friedrich Diisterdieck, C riticai and Exegetical H andbook to the R evelation ofJohn (N ova York e Londres: Funk e Wagnalls, 1886), p. 458. Ver também Aune (R evelation 1 7 -2 2 , p. 1.055), que chama a atenção para a A scensão de Isaías 9.5 e nota que o nome real de Jesus “não pode ser conhecido por seus seguidores até que tenham deixado o corpo”. B eale (R evelation, p. 956) junta os versículos 12 e 16 quiasticamente e afirma que o título no versículo 16 “pretende ser a explicação mais formal possível do nome no versículo 12”. 35. Consultar Thom as B. Slater, C hrist a n d Com m unity: A Socio-H istorical Study o f the C h ristology o f R evelation, JSNTSup 178 (Sheffield: Sh effield A cadem ic Press, 1999), p. 216.
657
A p o c a l ip s e 19.11-16
do, pisa as uvas da ira. A referência é ao dia da vingança de Deus, quando ele sozinho realizava a salvação de seu povo e então deu vazão a sua ira sobre os ímpios (Is 63.4-6). O quadro, pois, é o de um manto salpicado do sangue de seus inimigos; isto é, Deus pronunciou e exerceu juízo com o seguinte resultado: a evidência é visivelmente exibida em suas roupas. A imagem não é a do Cordeiro cujo sangue foi derramado na cruz do Calvário para a remissão do pecado. Aqui vemos o Juiz de toda a terra, o Capitão de suas forças armadas, e o Rei dos reis e Senhor dos senhores. As manchas vermelhas em seu manto não são provenientes de seu próprio sangue, mas do de seus inimigos. Alguns estudiosos suscitam duas objeções a esta interpretação. A primeira é que a batalha final ainda não começou e sua roupa já está manchada de sangue; portanto, a referência tem de ser ao sangue do Cordeiro que foi morto, como é evidente à luz de suas muitas referên cias no Apocalipse (1.5; 5.6,9; 7.14; 12.11).36Entretanto, o quadro que João empresta da profecia de Isaías é simbólico e apresenta Deus como o verdugo de seus inimigos. No Apocalipse de João, Cristo é o verdugo e comandante supremo. Ele lutou contra seus oponentes ao longo das eras antes de se engajar na batalha final.37 Outra objeção é que o manto não está salpicado com sangue (Is 63.3), mas, ao contrário, está mergulhado em sangue. João, porém, não está necessariamente emprestando apenas de Isaías e excluindo outras passagens veterotestamentárias. Por exemplo, Jacó, ao abençoar Judá, disse: “ele lavará suas roupas no vinho, seus mantos no sangue das uvas” (Gn 49.11). b. “E seu nome era chamado a Palavra de Deus.” A designação a Palavra de Deus recorda João 1.1, 14 e 1 João 1.1, onde o apóstolo introduziu Jesus como tal, e é uma reminiscência do título da carta aos laodicenses: “O Amém, a testemunha fiel e verdadeira, a origem da criação de Deus” (3.14). No Apocalipse, João escreve o termo «[5] palavra[s] de Deus exatamente sete vezes, para expressar completude (1.2, 9; 6.9; 17.17; 19.9, 13; 20.4). As vezes ocorre com a expressão o testemunho de Jesus e, semelhantemente, pode ser interpretada como a palavra que provém de Deus à humanidade ou a palavra que revela 36. Ver os comentários de Johnson (p. 574), Krodel (p. 323) e Lenski (p. 547). 37. Consultar H oeksem a, B ehold, H e C om eth!, p. 631; T hom as, R e ve la tio n 8 -2 2 , pp. 386, 387; Beasley-M urray, R evelation, p. 280; Ladd, Revelation, pp. 254, 255.
A p o c a l ip s e 19.11-16
658
Deus. Aqui é Jesus trazendo a revelação de Deus, cujas palavras são fiéis e verdadeiras. Jesus mata seus inimigos com essa Palavra. Assim, João identifica Jesus com a Palavra de Deus.
14. E os exércitos do céu o seguiam, cavalgando cavalos bran cos; estavam vestidos de linho fino, branco e puro. O guerreiro que vem para vingar o sangue dos santos mortos por causa da Palavra de Deus (6.9, 10) é acompanhado pelos exércitos do céu que avançam cavalgando cavalos brancos. Anteriormente, João havia descrito a batalha no céu, na qual Miguel e seus anjos guerrea ram contra Satanás e suas hostes (12.7-9). Mas essas forças se com põem de anjos (Dt 33.2; SI 68.17) ou de santos glorificados que acom panham o Cristo vitorioso (17.14)? Os santos tinham lavado seus man tos no sangue do Cordeiro, tornando-os brancos (7.14). Usam roupas de linho que são finas, brancas e puras, como símbolos de seus feitos justos (v. 8). Mas os sete anjos que saem do templo estão também vestidos de linho que é resplandecente e puro (15.6). É melhor incluir nos exércitos celestiais anjos e santos, respectivamente, pois ambos acompanham Jesus em seu regresso e ambos estão presentes no julga mento (Mt 24.31; Mc 13.27; Lc 9.26; lTs 4.13-18; 2Ts 1.7-10). Note que os exércitos não são munidos com armamento e não se traça nenhum plano de batalha, contudo são atacados pelos exércitos da besta e dos reis da terra (v. 19).38 João escreve que entraram em cena vestindo linho fino, branco e puro. Lemos que não os anjos, mas o co mandante dos exércitos enfrenta o inimigo com a espada que sai de sua boca, isto é, a Palavra de Deus. Essa Palavra é viva, ativa e mais cor tante que a espada de dois gumes (Hb 4.12); com ela o guerreiro celestial destruirá seus oponentes.39Todos ç?5 seus seguidores estão sentados em cavalos brancos, os quais simbolizam a vitória da batalha final (ver 6.2). 15. E de sua boca saía uma espada afiada, com a qual ele fere as nações. E as governará com vara de ferro, e pisará o lagar do furor da ira do Deus Todo-Poderoso. 38. Ver Leon Morris, Revelation, ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 225; Beasley-M urray, R evelation, p. 281. 39. Comparar Sabedoria 18.15, 16: “Quando sua palavra todo-poderosa fluiu de seu trono real no céu ... com o um guerreiro im placável, que usa a espada afiada de seu decreto in flexível” ( r e b ). Referência a Elisabeth Schüssler Fiorenza, The Book o f R evelation: Justice a n d Judgm ent (Filadélfia: Fortress, 1985), p. 98.
659
A p o c a l ip s e 19.11-16
A imagem de uma espada afiada saindo da boca de Jesus é fami liar, e aponta para a descrição que João faz de Jesus na ilha de Patmos (1.16). Paulo escreve que, no regresso de Cristo, este destruirá o iníquo com o sopro de sua boca (2Ts 2.8), pois a batalha que o Senhor enfren ta não é com a espada, mas com sua palavra. Esta é uma guerra espi ritual, na qual ele enfrenta as forças espirituais das trevas nas regiões celestiais (Ef 6.12). Esta palavra que sai da boca de Jesus executa o juízo divino para derrubar os ímpios (Ap 19.21; ver também 2.12,16; Is 11.4; 49.2). Assim Jesus, com um só golpe, derruba seus inimigos. As nações que se insurgem contra o Senhor serão traspassadas com sua espada, a qual é uma espada verbal, e com a vara de ferro ele as fará em pedaços, como se fossem um torrão. João cita o Saltério: “Tu as governarás [as nações] com um cetro de ferro [vara de ferro]” (SI 2.9). Aqui, porém, deparam-nos com uma dificuldade, pois no gre go do Apocalipse o verbo governar é poimaineien, que significa “pastorear” (ver Ap 2.27; 12.5).40Em conseqüência, a vara de ferro parece estar erroneamente na mão do pastor. Note, porém, que o Senhor governa as nações como pastor-rei que, com sua vara, prote ge seu próprio povo e destrói seus inimigos. A vara de ferro é uma arma tão mortal quanto a palavra de Deus, que procede da boca de Jesus. E, ao mesmo tempo, essa palavra fortalece o crente. Mas se alguém não aceita essa palavra de Jesus, ela o condenará no último dia (Jo 12.48). O grego é enfático, pois literalmente reza: “ele mesmo pisa o la gar”. Note também que João escreve no presente do verbo pisar, para indicar um processo. O Senhor pisa as uvas, isto é, as nações, sob seus pés. João uma vez mais recorre a Isaías 63.2, 3, onde a palavra lagar se refere ao ato de Deus pisar as uvas da ira (ver também Lm 1.15). E ele volta à sua discussão do vinho do furor de Deus (14.10) e do lagar da ira de Deus (14.19,20). Ele combina essas duas metáforas, do vinho e do lagar, em um só quadro, o que significa que seus inimigos que derramaram o sangue de seus santos (16.6; 17.6; 18.24), devem agora beber o vinho do furor de Deus. Há mais uma imagem neste quadro do lagar: o Senhor mesmo pisa as uvas da ira de Deus e, enquanto faz isso, embebe sua roupa no sangue de seus inimigos.41 40. Ver a explicação lingüística deste ponto na nota de rodapé em 2.27. 41. Comparar Caird, Revelation, p. 246.
A p o c a l ip s e 19.11-16
660
16. E tinha em seu manto e em sua coxa, escrito: REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES.
Este versículo apresenta uma dificuldade. João revela um título real, enquanto no versículo 12 ele afirma que ninguém, senão o Senhor, co nhece seu nome. Mas este título foi revelado anteriormente, se bem que na ordem inversa (17.14), e era uma designação bem conhecida nos tempos veterotestamentários.42O título comunica o equivalente dos substantivos superlativos, como se fossem escritos “o maior dos reis” e “o maior dos senhores”. Jesus Cristo é o Soberano mais elevado e exaltado, o qual reina com majestade, poder e autoridade. São muitas as interpretações da localização precisa das palavras manto e coxa. Essas interpretações variam na identificação de manto e coxa porque aquele cobre esta - como tendo o nome escrito numa espada no lugar de coxa. Se interpretarmos a frase no sentido de “em seu manto, isto é, em sua coxa”, ou enfileirarmos evidências de estátuas antigas com nomes escritos nas coxas, permanece o fato de que o quadro é mera mente simbólico. A coxa é uma figura de poder e, o manto, um símbolo de majestade real. A inscrição majestática se aplica a ambas as regiões. Em último lugar, o contraste entre o Anticristo e o Cristo é evidente com respeito a seus nomes. A besta, como a personificação do Anticristo, usa em suas cabeças nomes de blasfêmias (13.1); aliás, ela está cober ta desses nomes (17.3). Jesus Cristo, porém, usa externamente em seu manto, e internamente em sua coxa, o nome mais elevado possível, no céu e na terra: r e i d o s r e i s e s e n h o r d o s s e n h o r e s .
Palavras, Frases e Construções Gregas em 19.11-16 ^Versículo 11 kv ôiKaioowr) - esta frase preposicional, “com justiça”, expressa modo, e assim pode ser traduzida em termos adverbiais como “justamente”. Versículo 12 'lywv - o particípio masculino singular se refere não a um nome escrito em um diadema, mas ao nome atribuído ao cavaleiro que monta o cavalo branco. 42. Referência a 1 Tim óteo 6.15; Deuteronôm io 10.17; Salm o 136.2, 3; Daniel 2.47; 2 M acabeus 13.4; 3 M acabeus 5.35; 1 Enoque 9.4. Ver A d olf Deissm ann (Light from the Ancient East, trad. Lionel R. M. Strachan [reimp. Grand Rapids: Baker, 1978], p. 363), que nota seu uso “muito cedo na história Oriental”, mas também nos dias de João “concordando com as evidências de pergaminhos, moedas e inscrições”.
66 1
A p o c a l ip s e 19.17-21
Versículo 13 p e p a |i(ié v o v - o particípio perfeito passivo do verbo p á f i i u (mergulhar) levou alguns copistas, em vista de Isaías 63.3, a mudar a redação para o parti cípio perfeito passivo ou do verbo pcúvw ou pavTÍÇto (eu aspirjo). A redação mais difícil, p e p a |i[ié v o v , tem dado origem às variantes, e por isso é verdadeira a regra de que a leitura mais difícil é a original.43 Versículo 15 Há cinco genitivos sucessivos na tradução literal da frase “o lagar do vinho do furor da ira de Deus do Todo-Poderoso". Esta é a seqüência mais longa de genitivos no Apocalipse. Versículo 16 O estudioso do aramaico, Charles C. Torrey, propõe que o Apocalipse foi traduzido do aramaico para o grego, e que o tradutor inadvertidamente leu a palavra hebraica e aramaica dig èleh (sua bandeira) como ragèleh (sua coxa).44Esta é uma observação interessante, porém não há prova da existência de um manuscrito aramaico do Apocalipse. Comparar também Patrick W. Skehan, que contrasta a besta cujo número é 666 (13.18) com o valor numérico do nome “Rei dos reis e Senhor dos senhores”, e calcula que o número é 777. Ele teve que traduzir o título do grego para o aramaico e deletar a preposição e neste número.45João, porém, não fala de mistério neste texto, pois ele indica não um nome oculto, mas um nome revelado.
2. A Batalha F inal contra o Anticristo 19.17-21 Esta é uma batalha na qual o mal é vencido e a besta e o falso profeta são condenados ao lago de fogo e enxofre. Cristo luta sem as armas de guerra contra os agentes de Satanás e seus seguidores. Os santos não estão engajados nesta batalha final contra o mal, o qual é banido para sempre.
17. Então vi um anjo em pé no sol, e bradou com grande voz, dizendo a todas as aves que voam pelo céu: Venham, reúnam-se para o grande banquete de Deus, 18. para que comam a carne de reis e a carne de generais, e a carne de poderosos, e a carne de 43. Metzger, Textual Com m entary, pp. 686-87. 44. Ver C. C. Torrey, The A pocalypse o f John (N ew Haven: Yale University Press, 1958), pp. 153, 154; e seu artigo “Armageddon”, HTR 31 (1938): 237-48. 45. Patrick W. Skehan, “King o f Kings and Lord o f Lords (Apoc. 19.16)”, CBQ 10 (1948): 398.
A p o c a l ip s e 19.17-21
662
cavalos e seus cavaleiros, e a carne de pessoas livres e de es cravos, de pequenos e de grandes. João viu um anjo iluminado pelo sol (comparar 12.1), o qual, com uma poderosa voz, falou a todas as aves que se alimentam de carniça e que voam pelo céu. Pondo-se em pé no sol, o anjo podia ser visto por todas essas aves, e sua voz ressonante podia ser ouvida por toda parte. O escritor empresta uma visão da profecia de Ezequiel, onde as aves e os animais de rapina são convocados por Deus para consumir a carne e o sangue de homens poderosos, príncipes, cavalos e seus cava leiros e soldados (Ez 39.4, 17-20). As aves de rapina, que foram cria das para consumir cadáveres, e assim remover cenas desagradáveis à vista e o terrível mal cheiro, foram convocadas para se apresentar nas sobras da batalha de Cristo contra o Anticristo e seus seguidores. Este, pois, é o exato cumprimento da profecia de Ezequiel contra Gogue na terra de Magogue (Ez 38-39). João pinta um quadro de contrastes com respeito aos banquetes mencionados neste capítulo. O primeiro banquete é o da ceia nupcial do Cordeiro, ao qual todos os santos têm sido convidados (vs. 7-9). O segundo é o dos vencidos, ao qual todas as aves de rapina são convocadas para cumprir sua tarefa de remover os restos repulsivos dos reis, generais, poderosos, cavalos e cavaleiros e pessoas de todos os níveis da sociedade que foram mortos. Esta é uma imitação, a qual agora não é iniciada por Satanás, mas por Deus mesmo. A magnitude desse segundo banquete é revelada em sua descrição como o grande banquete de Deus. Ele realmente retrata todos os oponen tes de Deus mortos no campo de batalha da vida; jazem sem vida em toda a superfície desta terra. Não se fazjienhuma menção da batalha propria mente dita; o que importa é só o resultado. A batalha final de Deus é contra todas as pessoas que têm seguido o Anticristo e contra toda injus tiça e engano cometido pelo maligno em todos os níveis da sociedade. Em suma, o número dos mortos inclui todos quantos são maus. Todo o po der terreno chegou ao fim, porquanto Cristo, o Rei, é o Vitorioso. 19. E vi a besta e os reis da terra e seus exércitos reunidos para fazer guerra contra aquele que monta o cavalo e contra seu exército. Nos dois versículos anteriores (vs. 17,18), João pintou um quadro amplo da batalha e seu resultado antecipado. Neste versículo, porém,
663
A p o c a l ip s e 19.17-21
ele tem uma configuração minuciosa que esboça claramente as linhas da batalha entre o Anticristo com seus reis e exércitos (plural) e o Cristo, com seu exército (singular). Os reis da terra são aqueles dez reis que estão a serviço do Anticristo (ver o comentário sobre 17.12). Na passagem anterior (17.13, 14), João predisse que as forças da besta, isto é, o Anticristo, enfrentariam o Cordeiro e seus seguidores. E ele disse que o Cordeiro, como o Senhor dos senhores e Rei dos reis, os venceria como prefigurado no Salmo 2.2: “Os reis da terra tomam posi ção e os governantes se juntam contra o S e n h o r e contra seu Ungido.” Este é o grande dia do Deus Todo-Poderoso, no qual se trava a batalha final contra todas as forças do mal (ver Ap 16.14). Todos os exércitos do Anticristo se acampam contra o Cristo e seu exército celestial, enquanto o resultado da batalha é destituído de toda dúvida. Não nos é dada nenhuma indicação do próprio exército que participa dessa batalha. Ainda que o termo guerra apareça neste versículo, nada é registrado sobre o conflito propriamente dito. No texto grego, o artigo definido precede esse termo para indicar que essa guerra determina conclusivamente o futuro da besta e seu aliado, o falso profeta.
20. E a besta foi apanhada, e com ela o falso profeta, que, em sua autoridade, realiza sinais por meio dos quais enganava os que receberam a marca da besta e adoraram sua imagem. Esses dois foram lançados vivos no lago de fogo e enxofre. Após a destruição e perecimento da grande prostituta (17.16), a besta e o falso profeta são os próximos. A besta é o Anticristo, e a besta que emerge da terra é o falso profeta (ver comentário sobre 13.11; 16.13; 20.10). São os dois líderes e instigadores a serviço de Satanás (13.1,11). Ao longo da História, o falso profeta desencaminha todas as pessoas que se deixaram enganar pelos sinais que ele realizou. Ele forçou todos os seus seguidores a cultuar a besta - todos os que tinham a marca da besta em sua mão direita e fronte (13.13-16). Agora a besta e o falso profeta são capturados. Ainda que João não forneça nenhum detalhe dessa prisão, o verbo capturar pode ser interpretado como alguém que lhes deita mão à força. São presos por causa de sua astúcia para enganar as multidões de sobre a face da terra. O falso profeta exibiu milagres com o intuito de levar homens, mulheres e crianças a adorar o Anticristo e, para que, na qualidade de servos leais viessem a prestar-lhe obediência. A besta que emerge do
A p o c a l i p s e 19.17-21
664
mar sustenta o poder político sobre as massas da humanidade; e a bes ta que emerge da terra retém o poder filosófico sobre a mente humana. João escreve que esses dois foram lançados vivos no lago de fogo que arde com enxofre. Primeiro, João apresenta uma imagem extraída da profecia de Daniel 7.11b: “Continuei olhando até que a besta foi morta e seu corpo destruído e lançado no fogo ardente.” Daniel, no versículo precedente, refere-se a um rio de fogo (7.10); João converte o rio em lago de fogo. A grande prostituta foi queim ada a fogo, presumivelmente no mesmo lugar (17.16). De modo semelhante, Sata nás será lançado no lago que arde com enxofre (20.10), bem como todos quantos adoraram a besta e sua imagem e receberam a marca da besta em sua fronte e mão (14.9, 10; 21.8). Segundo, nada se diz sobre a identidade do Anticristo e o falso pro feta, de modo que somos impossibilitados de divisar duas pessoas distin tas. Lemos que esses dois são lançados vivos no lago de fogo, estando implícito que são seres espirituais cuja imortalidade os faz sofrer para todo o sempre. Em sua oposição a Cristo, esses dois estiveram unidos ao longo do tempo e, agora, em seu castigo, estarão juntos eternamente.46 Terceiro, os dois líderes não são encerrados em um Abismo do qual pudessem ser soltos por certo tempo (ver 9.1; 11.7; 17.8; 20.3, 7). São lançados em um lago de fogo no qual todos os oponentes de Cristo, e inclusive o diabo, permanecerão para sempre (20.10,14,15; e 21.8). O termo lago revela uma área mais extensa do que o Abismo, que é um poço sem fundo. Esse lago é uma vasta área de fogo que arde incessan temente com o repugnante odor de enxofre. A impossibilidade de esca par desse poço incandescente é auto-evidente, e a dor e horror eternos são a porção dos que estão destinados ao inferno.47Não há indicação em parte alguma do Apocalipse de >que os ímpios são aniquilados ao completarem certo período de castigo. A cena é lembrança da destrui ção de Sodoma e Gomorra (Gn 19.24; SI 11.6; Is 30.33; Ez 38.22).
21. E o restante foi morto com a espada que saía da boca do cavaleiro que monta o cavalo, e as aves se fartaram de suas carnes. 46. Sw ete, R evelation, p. 258. 47. Consultar Greijdanus, Openbaring, pp. 398,399; Beale (R evelation, p. 969) nota que 1 4.10,11, com suas frases temporais: p ara todo o sem pre e dia e noite, e suas descrições de fogo e enxofre “se refere ao tormento eterno e consciente, e não à aniquilação ontológica em um ponto do tempo”. Ver Robert A. Peterson, H ell on Trial: The Case f o r Eternal Punishm ent (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1995), pp. 195-98.
665
A p o c a l ip s e 19.17-21
Há diferenças entre as duas pessoas (a besta e o falso profeta) e seus seguidores. Primeiro, esses dois líderes são lançados vivos no lago de fogo e enxofre ardente, isto é, não entram ali através dos portões da morte. Seus seguidores, porém, são mortos com a espada, ainda que a linguagem seja simbólica. A espada do Senhor é o fôlego de sua boca (2Ts 2.8; verA p 19.15; 1.16). Segundo, o restante é morto com a palavra de Deus, que testifica contra eles e os põe em posição a enfrentar opróbrio e horror eterno. São mortos, o que significa que seu poder é para sempre tomado deles. Seu destino eterno é o lago de fogo. E, em último lugar, seus corpos mortos não recebem um sepultamento decente, as aves de rapina devoram sua carne. O número dos que são mortos é tão grande que todas as aves que se alimentam de carniça poderiam se empanturrar com carne ao ponto de transbordar. Aqui está um quadro de total repugnância (Is 66.24).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 19.17-21 Versículo 17 'iva - o número um, precedendo um substantivo no Apocalipse, é equiva lente ao artigo indefinido, daí “um anjo” (comparar 8.13; 9.13; 18.21). Versículo 18 aápKocç - este substantivo acusativo plural ocorre cinco vezes no versículo 18 (o genitivo plural, no versículo 21). A forma plural comunica a totalidade dos mortos. Versículo 20 évcmov - usualmente traduzido “na presença de”, mas pode significar “em seu favor” ou “em sua autoridade”.48 Versículo 21 xà õpvea éxopTáo0T)oav - “as aves se empanturraram.” No grego neotestamentário, o substantivo neutro plural é usualmente seguido de um verbo no singular, quando o substantivo é impessoal e abstrato. Substantivos referindo-se a pessoas ou seres vivos são às vezes seguidos do verbo plural.49 48. Bauer, p. 271; Aune, R evelation 1 7 -2 2 , p. 1.045. 49. Friedrich B lass e Albert Debrunner, A Greek G ram m ar o f the N ew Testament and O ther E arly Christian Literature, trad, e rev. Robert Funk (Chicago: University o f Chicago Press, 1961), § 133.1.
E sboço (continuação) VIII. Visão 7: Novo Céu e Nova Terra (20.1-22.5) A. A Derrota de Satanás e a Morte (20.1-15) 1. A Prisão de Satanás (20.1-3) 2. Os Santos no Céu (20.4-6) 3. A Derrota e o Perecimento de Satanás (20.7-10) 4. O Dia do Juízo (20.11-15)
C apítulo 2 0
A D
errota d e
Sa t a n á s
e o
D ia
do
J u íz o
( A p o c a l i p s e 20.1-15)
1 Então vi um anjo descendo do céu, o qual tinha em sua mão a chav do Abismo e uma grande corrente. 2 Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é chamado o Diabo e Satanás, e o prendeu por mil anos. 3 E o lançou no Abismo, fechou-o e o selou sobre ele, para que não mais enganasse as nações, até que se completassem os mil anos. Depois dessas coisas é ne cessário que seja solto por um pouco de tempo. 4 E vi tronos e aqueles que se assentam neles. E lhes foi dado o julgamen to. E vi as almas dos que foram decapitados por causa de seu testemunho em prol de Jesus e da Palavra de Deus, e os que não tinham adorado a besta, nem sua imagem, e não receberam sua marca em sua fronte e em sua mão. E viveram e reinaram com Cristo mil anos 5 (e o restante dos mortos não viveu até que se completassem os mil anos). Esta é a primeira ressurreição. 6 Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição. Sobre esses, a segunda morte não tem autoridade, mas serão sacerdotes de Cristo e reinarão com ele mil anos. 7 Quando se completarem os mil anos, Satanás será solto de sua prisão. 8 E ele sairá a enganar as nações que estão nos quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, a congregá-las para a guerra, cujo número é como a areia do mar. 9 E subiram sobre a largura da terra e cercaram o acampamento dos santos e a cidade amada. E desceu fogo do céu e os devorou. 10 E o diabo, que os engana va, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde se encontram tanto a besta como o falso profeta. E serão atormentados dia e noite, para todo o sempre. 11 E vi um grande trono branco e aquele que nele estava sentado, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e seu lugar não mais foi achado. 12 E vi os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono. E os livros foram abertos, e outro livro foi aberto, que é o livro da vida, e os mortos foram julgados de acordo com suas obras pelas coisas escritas nesses livros. 13 E o mar entregou os mortos que nele estavam, e a Morte e o Hades devolveram os mortos que
A po c a l ipse 20
668
neles havia, e cada um foi julgado de conformidade com suas obras. 14 A Morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo. 15 E se alguém não é achado escrito no livro da vida, esse é lançado no lago de fogo.
VIII. Visão 7: Novo Céu e Nova Terra 20.1-22.5 A última metade do capítulo precedente (19.11-21) revelou a remo ção do Anticristo e do profeta de falsidade desta terra e o fim de seus seguidores. A mensagem de João nesse capítulo é que Cristo Jesus é vitorioso juntamente com os santos. Da mesma forma, a derrota das forças anticristãs significa a cessação do mal. Tudo o que resta a João para relatar no capítulo 20 é a remoção de Satanás e o fim da Morte e do Hades. Na primeira parte deste capítulo (vs. 1-10), João apresenta um as pecto adicional do fim dos tempos. Nele, João dirige toda a atenção para a prisão, soltura, derrota e condenação de Satanás. Em seguida, João focaliza sua atenção no último juízo, o qual resulta na eliminação da Morte e do Hades e despacho dos incrédulos para um lugar que foi preparado para eles (vs. 11-15). Notamos que o capítulo 20 apresenta um quadro que é simultâneo com os capítulos anteriores, que relatam cenas repetitivas sobre o juízo. Assim, os vinte e quatro anciãos anunciam o tempo do juízo (11.18) e o Filho do Homem inaugura o Dia do Juízo (14.14-20). Deus derrama sua ira em antecipação do juízo final (16.17-21), o cavaleiro que monta o cavalo branco julga com justiça para a derrota de seus inimigos (19.1121) e Deus abre os livros para julgar cada pessoa no juízo final (20.1115). Em suma, o Apocalipse é um volume de paralelos que progridem com cada ciclo sucessivo. O método cíclico de interpretar Apocalipse 20 pode ser ilustrado exegeticamente. Primeiro, o texto grego, porém não a tradução, desta ca o artigo definido na expressão a guerra em três lugares que desta cam a batalha final (16.14; 19.19; 20.8). Segundo, a palavra guerra (grego polemos) ocorre nove vezes no Apocalipse, porém só as últi mas três têm o artigo definido e assim realçam o conflito final no fim do tempo cósmico. Em último lugar, a fraseologia literal do texto grego é quase idêntica nos três lugares: “ajuntá-los para a guerra” (16.14); “reu
669
A por.Ar.iPSE 20
nidos para fazer a guerra” (19.19); e “congregá-los para a guerra” (20.8).' Esses três capítulos ciclicamente se referem ao fim do tempo, quando a última batalha for deflagrada. Há uma estreita conexão entre os capítulos 12 e o 20 com respeito à prisão de Satanás. Este perdeu a batalha contra o arcanjo Miguel e seus guerreiros, quando ele e seus anjos foram expulsos do céu (12.79). Conseqüentemente, Satanás foi restringido em suas atividades, pois Deus mesmo protegeu a mulher, que representa os santos que obede cem a seus mandamentos e crêem no testemunho de Jesus (12.13-17). Deus ata Satanás de tal maneira que ele não mais pode enganar as nações (20.3). O diabo é incapaz de impedir que o evangelho de Cristo avance e atravesse o globo. Portanto, a decisão de prender Satanás foi primeiramente tomada no capítulo 12, e não no capítulo 20.2 Uma interpretação linear dos capítulos 19 e 20 enfrenta uma difi culdade com respeito às forças anticristãs, que foram completamente destruídas em 19.18, 21 e reaparecem em 20.8. O capítulo 19 não ofe rece indicação de que, na conclusão da batalha final, os sobreviventes foram capazes de se reagrupar para outra confrontação. Em vez disso ele comunica o conceito de finalidade, pois Cristo como o Rei dos reis e Senhor dos senhores é vitorioso. Uma últim a observação preliminar. Como se faz evidente, o Apocalipse no todo e no capítulo 20 em particular demonstra simbolis mo. Por exemplo, a corrente com que o anjo prende Satanás não é a costumeira cadeia de elos de metal; tampouco é a chave do Abismo um objeto metálico, nem são os mil anos cronologicamente dez séculos. O termo chave aparece em 1.18, onde Jesus nota que ele segura as cha ves da Morte e do Hades; em 3.7, Jesus diz que ele segura a chave de 1. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 195; R. Fowler White, “Reexamining the Evidence for Recapitulation in Rev. 20.1-10”, WTJ 51 (1989): 319-44, especialm en te 328-30; Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A Com m entary on the G reek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1999), p. 980. 2. Abraham Kuyper, The Revelation o f St. John, trad. John Hendrik de Vries (Grand Rapids: Eerdmans, 1935), pp. 280, 281; Herman Bavinck, The L ast Things: H ope f o r This World and the N ext, org. John B olt e trad. John Vriend (Grand Rapids: Eerdmans, 1996), p. 112; Hendriksen, M ais que Vencedores, pp. 222-24; Philip Edgcumbe Hughes, The Book o f the Revelation: A Com m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 209; R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. Joh n ’s Revelation (Columbus: Wartburg, 1943), pp. 574-77.
A p o c a l ip s e 20.1-3
670
Davi; e, em 9.1, um anjo descreveu como uma estrela segura a chave do Abismo. Em todas essas passagens, a palavra significa autoridade. É claro que um espírito não pode ser algemado com uma corrente, mas pode ser restringido por um mandamento divino. E a expressão mil, em um livro tão saturado de números simbólicos, sugere uma multidão, isto é, um grande número.
A. A D erro ta de Satanás e da M orte 20.1-15 Este capítulo pode ser dividido em quatro partes: a prisão de Sata nás (vs. 1-3); os santos com Cristo (vs. 4-6); a derrota e perecimento de Satanás (vs. 7-10); e o último juízo (vs. 11-15). Na verdade, o capítulo apresenta quatro quadros que diferem entre si, porém estão intimamente relacionados. O primeiro mostra a prisão de Satanás. Então, depois de Satanás ser preso, vemos um quadro do que aconte ce aos santos. O terceiro retrata a soltura e ruína de Satanás, e o último descreve o Dia do Juízo. O primeiro e o segundo ocorrem contem poraneam ente; o terceiro e o quarto seguem um ao outro seqüencialmente. João abre seu álbum de fotos, por assim dizer, e nos mostra várias imagens do fim dos tempos. Elas são sincronizadas, descrevendo eventos que acontecem simultaneamente em um desig nado período.3 Os primeiros três versículos do capítulo apresentam um aspecto terreno do milênio. O segundo segmento (vs. 4-6) descreve um aspecto celestial daquele período. Os poucos versículos seguintes (vs. 7-10), uma vez mais, retratam um aspecto terreno, e os últimos cinco versículos (11-15) descrevem um aspecto celestial do Dia do Juízo. 7. A Prisão de Satanás 20.1-3
1. Então vi um anjo descendo do céu, o qual tinha em sua mão a chave do Abismo e uma grande corrente. 3. Elisabeth Schiissler Fiorenza, The B ookofR evelation: Justice and Judgment (Filadél fia: Fortress, 1985), p. 47. Ela comenta que o A pocalipse não é um desenvolvim ento contínuo de eventos do princípio ao fim; mas, antes, “consiste de peças ou pedras de m osaico organizadas em um determinado desígnio, que culminam em uma descrição do evento escatológico final”.
671
A po c a l ips e 20.1-3
O termo que João usa, vi, não precisa ser considerado como uma sucessão cronológica. A expressão se refere a um dos numerosos qua dros que ele recebeu e registrou (por exemplo, 19.11, 17, 19; 20.4, 11, 12). Aqui, um deles descreve um anjo descendo do céu (comparar 10.1; 18.1). Deus o envia ao Abismo (9.1) com uma chave para abri-lo, e com uma grande corrente em sua mão para dominar o arquiinimigo Satanás. Note que neste versículo e nos subseqüentes nada se diz acerca do Cristo vitorioso. O versículo é uma reminiscência da guerra no céu quando Miguel e seus anjos derrotaram Satanás e suas hostes e os expulsaram para a terra (12.7-9). Agora, nesta cena, um anjo desce ao limite da influência de Satanás, condenando-o ao poço sem fundo, tam bém conhecido como inferno. O Abismo é o lugar onde os demônios são mantidos, mas às vezes são soltos dele (ver 9.1; Lc 8.31). No fim dos tempos, terão que trocá-lo permanentemente pelo lago de fogo e enxofre ardente. 2. E ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é chamado o Diabo e Satanás, e o prendeu por mil anos. 3. E o lançou no Abis
mo, fechou-o e o selou sobre ele, para que não mais enganasse as nações, até que se completassem os mil anos. Depois dessas coisas é necessário que ele seja solto por um pouco de tempo. a. “E ele segurou o dragão.” O objetivo da missão do anjo é fazer uma prisão. Essa não é uma prisão ordinária, mas a detenção do pró prio dragão, que é conhecido como a antiga serpente (Gn 3.1-7), o Diabo e Satanás (ver comentário sobre 12.9). A trajetória de Satanás é do céu à terra e ao Abismo. b. “E o prendeu por mil anos.” O anjo se apoderou de Satanás e o prendeu. Essa prisão, porém, se refere às restrições que Deus impôs ao maligno na forma de privá-lo de poder e autoridade. Satanás e seus anjos apóstatas são “presos por uma corda que pode ser mais ou menos alongada” .4Podem tentar livrar-se, mas é impossível que se soltem. João não tinha em mente uma prisão literal, mas uma restrição figurada pela qual Satanás ficasse impossibilitado de pôr em prática sua perver sidade que tinha antes de sua restrição. De Jesus, João aprendeu que é preciso, antes de tudo, entrar na casa do homem forte, que é Satanás, e prendê-lo (Mt 12.26-29; Mc 3.26,27). Jesus lhe informou que vira Sa 4. Oscar Cullmann, C hrist an d Time: The P rim itive Christian C onception o f Time and H istory, trad. F loyd V. Filson (Londres: SCM, 1951), p. 198.
A p o c a l ip s e 20.1-3
672
tanás caindo do céu como relâmpago (Lc 10.18). Simão Pedro escreve que Deus não poupou aos anjos apóstatas, entre os quais contava-se Satanás, mas os precipitou no inferno, prendendo-os com cadeias de trevas enquanto aguardam o juízo (2Pe 2.4). Pedro está plenamente cônscio da ira de Satanás (ver Ap 12.17). O diabo é ainda ativo, rodean do como um leão que ruge buscando pecadores em erro, os quais possa devorar (IPe 5.8).5Satanás, porém, só pode ir até onde Deus permite (comparar Jó 1.12; 2.6). Paulo escreve acerca do homem da iniqüidade, o qual, como líder das forças malignas, foi preso (2Ts 2.6). Ainda quan do essas palavras sejam enigmáticas, elas revelam que o maligno está mantido sob freio. Se a prisão de Satanás é um ato simbólico, então é razoável presu mir que o termo mil anos pode também ser interpretado simbolicamen te. A literatura sobre este tema está aberta a uma interpretação ou literal ou simbólica com bases em vários segmentos.6Na Igreja primiti va, o número mil era explicado à luz do Salmo 90.4: “Porque mil anos a teus olhos são como um dia que se foi, ou como uma vigília da noite” (ver também 2Pe 3.8). Muitos teólogos esposam uma explicação literal de exatamente mil anos como o intervalo entre o regresso de Jesus à terra e o fim dos tempos. Não obstante, existem objeções a esse ponto de vista. Primei ro, a palavra milênio, derivada das palavras latinas mille (mil) e annus (ano), ocorre seis vezes neste capítulo e em nenhum outro lugar em toda a doutrina escatológica do Novo Testamento (vs. 2, 3, 4, 5, 6, 7). Em seu discurso escatológico (Mt 24), Jesus nada diz acerca de um reino de mil anos com os santos sobre esta terra. Em suas respectivas epístolas, Paulo e Pedro não fazem nenhuma menção de um reino inte rino milenial de Cristo na terra! Segundo, o Novo Testamento ensina uma única volta de Cristo, e não duas. Terceiro, a primeira menção de 5. Consultar W. J. Grier, The M om entous Event (Londres: Banner o f Truth Trust, 1970), pp. 11-13. B eale (R evelation, p. 985) observa que a prisão de Satanás se tornou eficaz depois da ressurreição de Cristo “e dura ao longo de todo o tempo entre a primeira e a segunda vindas de Cristo”. Ver também Agostinho, A C idade de D eus 20.7. 6. A literatura apócrifa e pseudoepigráfica faz alusão a um reino m essiânico; ver 1 Enoque 9 1 .1 2 ,1 3 ; 93.1-14; 2 Enoque 3 2 .2 -3 3 .2 ; Sibylline O racles 3.1-62; 4 Esdras (2 Esdras) 7.28, 29; 13.32-36; 2 Baruque 2 9 .4 -3 0 .1 ; 397; 40.3; 72.2-4. Ver também B arn abas 15.3-9; Irineu, C ontra H eresia s 5.32-36; Justino Mártir, D iá lo g o com Trifo 81.
673
A po c a l ips e 20.1-3
período de mil anos (v. 2) é “o milênio do diabo” que se estende à estada de Satanás no Abismo até que lhe seja designado o lago de fogo, que é eterno.7Quarto, uma interpretação literal desse número, em um livro de simbolismo, especialmente neste capítulo saturado de símbolos, é deveras um obstáculo considerável. E, em último lugar, mil anos é dez à terceira potência e denota plenitude. Portanto, está em mais harmonia com o tom e teor do Apocalipse interpretar o termo metaforicamente. c. “E o lançou no Abismo e o fechou e o selou sobre ele.” Como é possível que Satanás esteja ativo nesta terra quando o anjo o arrojou no poço sem fundo e o encerrou com um selo? É inconcebível que Satanás seja posto em liberdade. Mas este não é o ponto, porque os três verbos, lançar, fechar e selar expressam finalidade em privar Satanás de seu antigo poder. Aliás, essas três ações podem ser idiomáticas e equiva lentes a nossa expressão “assinado, selado e entregue”.8Quando Sata nás foi expulso do céu e precipitado à terra, ele perdeu a autoridade que uma vez possuiu (12.9). d. “Para que não mais enganasse as nações até que se completas sem os mil anos.” Por toda a era veterotestamentária, somente a nação de Israel recebeu revelação de Deus (Rm 3.2). Embora nomes de indi víduos não judeus fossem inscritos nos registros divinos e adotados em sua família (SI 87.4-6), as nações gentílicas estavam destituídas de sua Palavra. Mas tudo isso mudou depois que Cristo ressurgiu, quando ins truiu seus seguidores a fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.19, 20). Desde a ascensão de Jesus, a Satanás se tornou impossível deter o avanço do evangelho da salvação. Ele tem estado preso e destituído de autoridade, enquanto as nações do mundo ao redor do globo têm rece bido as alegres boas-novas. O Filho de Deus tomou posse dessas na ções (SI 2.7, 8) e privou Satanás de desencaminhá-las durante esta era evangélica. Cristo está atraindo para si pessoas de todas essas nações, e dentre elas os eleitos de Deus serão salvos e atraídos ao seu reino. Essas nações recebem a luz do mundo (Jo 8.12) e passam a não mais 7. Gerhard A. Krodel, Revelation, A C N T (M inneapolis: Augsburg, 1989), p. 70. 8. M. Eugene Boring, Revelation, Interpretation (Louisville: Knox, 1989), p. 200; ver também W ilfrid J. Harrington, Revelation, SP 16 (C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993), p. 196. David E. Aune (R evelation 1 7 -2 2 , W BC 52 fNashville: N elson, 1998], p. 1083) nota que a prisão e a selagem de um espírito maligno, com os encantamentos dos textos judaicos e aramaicos, significa que “o dem ônio é vencido”.
A p o c a l ip s e 20.1-3
674
viver em trevas e engano. Satanás não mais consegue restringir a mis são da Igreja de ultrapassar fronteiras, porque ele não pode impedir as nações de conhecer o Senhor. “Por meio da pregação da palavra, como aplicada pelo Espírito Santo, os eleitos de todas as partes do mundo são conduzidos das trevas para a luz.”9 O Apocalipse registra a palavra nação vinte e três vezes. Destas, dezesseis timbram o plural com o artigo definido: as «ações.^D estas dezesseis, as últimas três (21.24,26; 22.2) se referem às nações redimidas em glória, enquanto as outras treze ocorrências sugerem que perten cem à classe das nações gentílicas. O significado da palavra, neste versículo, é que Satanás perdeu seu poder enganador sobre as nações do mundo durante o milênio. Tudo indica ser melhor considerar o termo mil anos simbolicamente em referência a um período indefinido entre a ascensão de Jesus e seu regresso. Em suma, a passagem ensina uma escatologia que presentemente está no processo de ser realizada.11 e. “Depois dessas coisas é necessário que ele seja solto por um pouco de tempo.” Esta é agora a terceira vez no Apocalipse que João fala de um pouco de tempo (6.11; 12.12). Qual a extensão desse período? Notamos, em primeiro lugar, a expressão é necessário, a qual fala da necessidade divina. Isto é, Deus o Pai conhece o exato m om ento do regresso de Jesus (M t 24.36), e de sua perspectiva celestial o período do tempo cronológico é breve. Segundo, a expres são pouco de tempo deve ser entendida em relação aos mil anos. Um é breve, o outro é longo. A mensagem de João aos santos na terra é que virá um breve intervalo durante o qual Satanás será solto. Jesus promete que “por causa dos eleitos aqueles dias serão abreviados” (Mt 9. Hendriksen, M ore Than Conquerors, pp. 188, 189. Consultar S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van Botternburg, 1925), p. 403; Lenski, R evelation, pp. 575, 576; Hughes, Revelation, pp. 209-11. 10. Apocalipse 2.26; 11.2, 18; 12.5; 14.8; 15.3,4; 16.19; 18.3,23; 19.15; 2 0 .3 ,8 ; 21.24, 26; 22.2. Note que 2.26; 12.5; e 19.15 estão associados ao Salmo 2.9, a saber, que Cristo governa as nações com cetro de ferro e as faz em pedaços com o faz o oleiro; 15.3 tem uma redação variante “Rei das eras”, enquanto 15.4 deriva do Salm o 86.9: “Todas as n a ç õ e s... trarão a glória de teu nome”; 15.4 expressa a soberania universal de Deus sobre as nações gentílicas, às quais o Senhor, a seu tempo, subjugará. E, finalmente, 11.2 é traduzido “os gentios”. 11. Colin Brown, NIDNNT, 2.702-3; Anthony A. Hoekema, The B ible and the Future (Grand Rapids: Eerdmans, 1979). 173, 174; Stanley J. Grenz, The M illennial M aze: Sorting Out E vangelical O ptions (Downers Grove: Inter-Varsity, 1992), p. 173.
675
A po c a l ipse 20.4-6
24.22). Ele garante a segurança deles, porque Satanás é incapaz de destrui-los espiritualmente.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 20.2 ò ô^iç ó àpxaioç - o caso nominativo tem seu antecedente em t ò v òpáxovm, o qual está no acusativo. Alguns manuscritos gregos (adotados por TR e pelo Texto Principal) trazem o caso acusativo de conformidade com o antecedente. Prevalece, porém, a regra da redação mais difícil, porque uma mudança para conformar é mais fácil de explicar do que o oposto. Além disso, o uso do nominativo, em aposição com outro caso, ocorre com freqüência no Apocalipse (por exemplo, 1.5; 2.13). Note a ocorrência dos particípios como nominativos em aposição (2.20; 3.12; 8.9; 9.14; 14.12,14).
2. Os Santos no Céu 20.4-6 Dos quatro quadros neste capítulo, este é o segundo. Ainda que João deixe de notificar o lugar onde o quadro ocorreu, o contexto mostra que a localização não é na terra, e, sim, no céu. O vocabulário de tronos, juízo e almas representa uma cena celestial. Além do mais, o termo trono ocorre quarenta e sete vezes no Apocalipse. À parte das referências ao trono de Satanás e ao da besta (2.13; 13.2; 16.10), este termo faz refe rência ao céu. E as almas de corpos decapitados estão no céu com Deus. Leon Morris nota que João está levando o leitor para trás das cenas e revela o que tem acontecido aos mártires, que têm tido uma morte física. Estão vivos com ele enquanto Satanás está preso.12João des creve sua visão num estilo literário semítico, que coordena frases rela tivamente curtas, cada uma começando com a conjunção e.
4. E vi tronos e os que se assentam neles. E lhes foi dado o julgamento. E vi as almas dos que foram decapitados por causa do testemunho que deram de Jesus e da Palavra de Deus, e os que não tinham adorado a besta, nem sua imagem, e não recebe ram sua marca em sua fronte e em sua mão. E viveram e reina ram com Cristo mil anos. a. “E vi tronos e os que neles se assentam. E lhes foi dado o julga mento.” Este extenso versículo revela pelo menos três pontos: tronos 12. Leon Morris, Revelation, ed. rev., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 228.
A p o c a l ip s e 20.4-6
676
do juízo; almas dos mártires; e um milênio de vida e governo com Cris to. Comecemos com os tronos sobre os quais o povo de Deus se assen ta com o propósito de julgar. Há referências a tronos e julgamento no Antigo Testamento (Dn 7.9, 22) e no Novo Testamento (Mt 19.28; Lc 22.30; ICo 6.2). Os santos no céu têm a honra e o dever de julgar as doze tribos de Israel, o mundo e os anjos; e governarão com Cristo. Aliás, Deus exalta supremamente os santos redimidos, dando-lhes o privilégio de julgar os seres humanos e os anjos. Esse ato de julgar não se refere ao juízo final, mas, antes, à autoridade que os santos recebem para administrar como faziam os juizes veterotestamentários. João faz referência a tronos em conexão com os vinte e quatro anciãos, que agem como representantes do povo de Deus no céu. Apa recem na presença de Deus, cercando o trono de Deus, reinando com o Cordeiro e adorando aquele que se assenta no trono. Prosseguem agindo assim, e não há indicação de que recebam a ordem para cessar de reinar.13Em outros termos, estão governando em seus tronos com Cristo no céu, enquanto Satanás está preso na terra. Jesus promete aos vencedores que se assentarão com ele em seu trono (3.21), e essa promessa de reinar com ele aparece com freqüência no Apocalipse (5.10; 20.4, 6; 22.5; e ver 2Tm 2.12). b. “E vi as almas dos que foram decapitados por causa do teste munho que dão de Jesus e da Palavra de Deus.” Segundo, considere mos o tópico das almas dos mártires. João é descritivo e preciso em seu vocabulário, pois ele não está escrevendo a expressão almas como sinônimo de pessoas; ele se refere às almas sem os corpos. Ele des creve os mártires decapitados pelos executores romanos. Seus corpos voltaram ao pó da terra, e suas almas a Deus, no céu; e esses santos estão para sempre com Cristo.JSão mártires mortos por sua coragem em testificar de Jesus e proclamar a Palavra de Deus. É significativo o paralelo de 6.9: “Vi debaixo do altar as almas dos que foram mortos por causa da Palavra de Deus e por causa do testemunho que esta vam sustentando.” Ao longo do Apocalipse, João escreve as frases Palavra de Deus e testemunho de Jesus (1.2, 9; 12.11, 17; 19.10; 20.4). O que é visto neste texto são somente os mártires decapitados? Por certo que João Batista foi decapitado por ensinar e pregar a reve 13. Floyd E. Hamilton, The B asis o f M illennial Faith (Grand Rapids: Eerdmans, 1952), pp. 124, 125.
677
A po c a l ips e 20.4-6
lação de Deus, e o mesmo aconteceu com Tiago, filho de Zebedeu (Mt 14.3-12; At 12.2). Segundo a tradição, Paulo foi decapitado fora dos muros da cidade de Roma; Pedro, porém, foi crucificado de cabeça para baixo e Tiago, meio irmão de Jesus, foi precipitado do templo. Com certeza eles estão incluídos aqui. O apóstolo João viveu até o fim do primeiro século (98 d.C.) e teve uma morte natural. Entretanto, visto que fielmente proclamou o evangelho de Cristo e ensinou as Es crituras, por isso ele foi exilado em Patmos. c. “E os que não tinham adorado a besta, nem sua imagem, e não receberam sua marca em sua fronte e em sua mão.” Este versículo menciona dois grupos de santos (mártires e outros santos) ou somente um grupo? Isto é, ele sugere dois grupos de santos: os que foram deca pitados e os que tiveram morte natural por serem fiéis a Jesus, recu sando prestar homenagem à besta? Não, realmente não! Sempre que João faz menção do conceito martiriológico por causa de Jesus, o con texto parece indicar a inclusão de todos os crentes que têm sido obedien tes a seu Senhor. João não insinua que os santos fiéis difiram dos már tires sofredores (ver comentário sobre 6.9; 17.6). Ao contrário, numa só sentença ele busca elucidar a sentença anterior. Satanás e seus adeptos não poupam nenhum genuíno seguidor de Cristo de opressão, dificuldades e tentações. E, em último lugar, todos os crentes genuínos são vencedores que são convidados a sentar-se com Cristo em seu trono (3.21).14 Ao reiterar a referência ao culto da besta e à recepção de sua marca na mão direita ou na fronte (14.9, 11; 15.2; 16.2; 19.20), João declara que nenhum dos santos se envolveu em seu culto nem recebeu sua marca. Com esta explicação, ele inclui todos os santos que têm sofrido por Cristo de uma ou outra forma: abuso, exílio, privação, pri são, confisco dos bens e posses. Têm sido barrados nos mercados e proibidos de comprar ou vender. d. “E viveram e reinaram com Cristo mil anos.” O terceiro aspecto neste texto é o milênio de vida e governo com Cristo. O verbo grego ezêsan (viveram) ocorre também no versículo 5 com referência ao resto dos mortos (ver comentário). Além dessas duas ocorrências, o 14. John P. M. Sw eet, R evelation, W PC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 288. Krodel (R evelation, p. 334) aponta para o versículo 9, o qual m enciona o acampamento dos santos sem restringi-lo aos mártires.
A po c a l ips e 20.4-6
678
verbo (no singular) aparece mais duas vezes no Apocalipse: uma des creve a ressurreição de Cristo (2.8) e a outra descreve a besta que foi ferida a espada, porém viveu, parodiando a ressurreição de Jesus (13.14). Este mesmo verbo também aparece na parábola do filho perdido, onde o pai se alegra porque seu filho, que esteve morto, agora está vivo outra vez (Lc 15.24,32). O pai afirma que seu filho perdido experimentou um renascimento espiritual; de modo semelhante, os santos alcançaram a vida espiritualmente.15Quando os santos partem deste cenário terreno, entram na vida eterna. Permanecem sem a ressurreição física até o regresso de Cristo. Os santos vivem e governam com Cristo mil anos, mas onde Cris to está? Ele está no céu, onde se acha sentado no trono e governa; toda a autoridade para governar, no céu e na terra, lhe foi dada (Mt 28.18). E os santos redimidos do pecado e da morte estão sentados em tronos celestiais e desfrutam do privilégio de governar como reis com Cristo no céu.
5. (e o restante dos mortos não viveu até que se cumpris sem os mil anos). Esta é a primeira ressurreição. Algumas versões (G N B , n c v , n v i ) consideram o versículo 5a um interlúdio parentético entre os versículos 4 e 5b, para expressar con traste. O Livro do Apocalipse está saturado de contrastes entre o bem e o mal, o santo e o profano, a vida e a morte. Neste capítulo, as almas que desfrutam da vida eterna são contrastadas com o restante da raça humana, que permanece morto. Note que João dedica muita atenção aos santos que recebem a vida eterna, porém apenas uma linha aos incrédulos. Deus nunca outorga vida eterna “ao restante dos mortos” ; são cortados para sempre da fonte da vida e são condenados a per manecer para sempre separados de Deus. No versículo 5a, a ênfase está posta no verbo viver, em forma de negação, o que indica que todos os que têm adorado a besta e portam sua marca estão destituí dos da vida. O versículo 5a não está falando de uma ressurreição que os incré dulos experimentarão; estão mortos e permanecem nesse estado. Não obstante, ambos os Testamentos falam da ressurreição dos incrédulos. 15. Robert H. M ounce (The Book o f R evelation, ed. rev., N ICNT [Grand Rapids: Eerdmans, 1998], p. 366 n. 10) nota que o N ovo Testamento alinha formas do verbo z a õ (vivo) 140 vezes, “cada uma delas determina seu significado específico nesse caso”.
A po c a l ips e 20.4-6
679
• “Multidões que dormem no pó da terra acordarão: uns para a vida eterna, outros para a vergonha, para o desprezo eterno” (Dn 12.2). • “Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão sua [de Jesus] voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (Jo 5.28,29). João escreve “até que se completem os mil anos” e insinua que durante o período de mil anos, até o juízo final, os ímpios permanecem separados de Deus. Quando esse período chegar ao fim, comparecem diante de Deus no juízo final e são destinados para “a segunda morte”. Isso significa que permanecem para sempre separados de Deus com respeito ao corpo e a alma. A sentença breve, “esta é a primeira ressurreição”, deve ser anali sada como a conclusão do versículo 4, onde os santos entronizados no céu reinam com Cristo. A primeira ressurreição, pois, é uma ressurrei ção espiritual em linha com a segunda morte, que é espiritual. A primei ra significa vida eterna na presença de Deus; a segunda, completa separação de Deus. Não há dúvida de que a segunda ressurreição, a qual João omite nesta discussão, é um fenômeno físico. E, à guisa de comparação, se a segunda morte é de caráter espiritual para o incrédu lo, então a primeira morte, que não é mencionada, refere-se à morte física do crente. Eis abaixo um gráfico mostrando os contrastes:16
Santos
ímpios
primeira morte (física) primeira ressurreição (espiritual)
primeira morte (física)
segunda ressurreição (física)
segunda morte (espiritual) segunda ressurreição (física)
Não precisamos inferir uma ressurreição espiritual dos ímpios, por que sem regeneração permanecem mortos em suas transgressões e 16. Consultar Meredith G. Kline, “The First Resurrection”, WTJ 37 (1975): 366-75; ver também Meredith G. Kline, “The First Resurrection: A Reaffirmation”, WTJ 39 (1976): 110-19; Beale, R evelation, p. 1.005.
A po c a l ips e 20.4-6
680
pecados (Ef 2.1; Cl 2.13). Sua segunda morte, espiritual, é com efeito sua morte eterna, visto que estão para sempre separados da graça de Deus, que lhes foi oferecida durante sua vida terrena. O contraste é notável porque, o que é lucro para os santos, é perda para os ímpios: os santos recebem vida eterna, porém os ímpios, morte eterna. Note estes pontos: • a primeira morte (física) dos santos salienta sua ressurreição espiritual, que é vida eterna; • a primeira morte (física) dos ímpios é separação de Deus, que é a fonte de vida; • a primeira morte (física) dos santos resulta em sua entrada no céu e os isenta de sofrer uma segunda morte, espiritual; • a segunda ressurreição (física) dos ímpios salienta sua morte espiritual; • a segunda morte (espiritual) dos ímpios é separação eterna de Deus. Os que pertencem a Cristo morrem uma vez, porém ressurgem duas vezes (espiritual e fisicamente), enquanto os que o têm rejeitado ressur gem uma vez, porém morrem duas vezes (física e espiritualmente).17
6. Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na pri meira ressurreição. Sobre esses, a segunda morte não tem au toridade, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos. João registra a quinta beatitude numa série de sete.18Esta é a úni ca beatitude que tem um predicado duvidoso: Bem-aventurado e san to. Além disso, é uma beatitude Que está no singular, porém se aplica a todo o santo povo de Deus. A santidade separa os crentes do resto da humanidade, pois todos os crentes serão sacerdotes de Deus e de Cristo. Note que, com as palavras de Deus e de Cristo, João uma vez mais põe Cristo em pé de igualdade com Deus e salienta sua Deidade (ver 11.15; 21.22; e 22.3). Uma vez que os crentes são declarados santos, eles jamais pode rão estar sujeitos à segunda morte. Servirão a Deus e a Cristo como 17. Geoffrey B. Wilson, Revelation (Welwyn, Inglaterra: Evangelical Press, 1985), p. 163. 18. A pocalipse 1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7, 14.
681
A po c a l ips e 20.7-10
sacerdotes, e como reis reinarão com ele. Em duas passagens anterio res (1.6; 5.10), João escreve que os santos já foram feitos sacerdotes, isto é, são sacerdotes no reino agora e no futuro. Ele empresta do An tigo Testamento os conceitos sacerdotes e reino: “Ainda que toda a terra seja minha, vocês serão para mim reino de sacerdotes e uma nação santa” (Êx 19.5b, 6a; ls 61.6). Os santos constituem um sacer dócio real enquanto servem a Deus como sacerdotes e com Cristo governam no reino (IPe 2.9). Ao deixar esta cena terrena e entrar no céu, continuarão a exercer o ofício de sacerdotes e reis, porque sua íntima comunhão com Cristo durará indefinidamente (ver v. 4).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 20.4,5 fÇipav - este é o aoristo ingressivo (realçando o início de uma ação), “vieram à vida” (comparar Lc 15.32). A guisa de contraste, o tempo aoristo em èpaoÍÀeuoav (reinaram) é constativo (considerando a ação como um todo).
3. A Derrota e o Perecimento de Satanás 20.7-10 Este é o terceiro quadro que João mostra a seus leitores. É uma representação de Satanás deflagrando guerra contra Deus. Ele não só perde essa batalha, mas também, como a besta e o falso profeta, é lançado no lugar de eterno tormento, do qual jamais poderá escapar. Ele é o primeiro membro do trio, pois Satanás, como o pai da mentira, tem sido o instigador. Aqui, porém, ele é o último do trio, porque deve compreender que, como o pior dos três, é incapaz de escapar ao casti go que Deus lhe tem reservado.
7. E quando se completarem os mil anos, Satanás será solto de sua prisão. 8. E então sairá a enganar as nações que estão nos quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, a congregá-las para a guerra, cujo número é como a areia do mar. Mostrando ao leitor uma ilustração diferente, João primeiramente revela o que aconteceu à besta e ao falso profeta, que iniciou batalha contra Cristo e perdeu. Foram lançados no lago de fogo e enxofre ar dente (19.19-21). Este quadro nada revela de Satanás, senão uma se gunda tomada de uma perspectiva diferente exibida da participação de Satanás na mesma batalha e a perdendo. Ele enfrenta o mesmo destino ao ser la içado no lago de fogo e enxofre ardente. Esta é a mesma
A p o c a l ip s e 20.7-10
682
batalha que lemos em 19.19, e João está fornecendo duas encenações do mesmo evento (ver também 16.14). Próxim o ao fim do período entre a ascensão e o regresso de Cristo, Satanás será liberado de suas restrições. Ele mesmo não for çará sua própria soltura da prisão, porém Deus lhe perm itirá enga nar livrem ente as nações uma vez mais, como nos tempos anteriores à Era Cristã. Isso significa que ele pode passar em revista suas for ças para difundir a falsidade com toda amplitude, desencaminhando as massas da hum anidade e deflagrando guerra contra o povo de Deus. Atualm ente, as religiões não cristãs unidas ao secularismo estão m archando à frente da mentira, levando a hum anidade a viver em trevas espirituais e perseguindo ferozmente os cristãos em todos os continentes. João escreve que Satanás “sairá a enganar as nações que estão nos quatro cantos desta terra, e controla as massas com a mentira. Suas forças são inumeráveis e um vasto exército reflete seu pavoroso poder. Todo o mundo não cristão, do oriente ao ocidente, de norte a sul, estará sob seu comando. Essas forças se assemelham às de Gogue e Magogue, menciona das em Ezequiel 38 e 39, as quais são precipitadas contra o fiel povo de Deus.l9Ezequiel predisse que um vasto exército, partindo do norte, vi ria e invadiria Israel. A multidão de soldados seria tão imensa que co briria o país de ponta a ponta, como a areia nas praias (Js 11.4; Jz 7.12; ISm 13.5). A frase como a areia nas praias é uma expressão idiomá tica significando uma multidão inumerável. Segundo Ezequiel, a invasão ocorre durante a era messiânica, en quanto, no Apocalipse, João „situa a guerra de Gogue e Magogue na conclusão desta era evangélica. Gogue é o nome pessoal do príncipe de Meseque e Tubal, na Ásia Menor (Ez 39.1), e de um descendente de Rúben (lC r 5.4), e o ma em Magogue pode significar “terra de Gogue” (ver Gn 10.2). Os nomes não se referem a nações em particular, por que nem Gogue nem Magogue pode ser identificada com qualquer grau de certeza. São termos simbólicos que aludem às extensas forças congregadas de “os quatro cantos da terra”, não de uma nem de duas 19. Consultar SB, 3.831-40; Dieter Sanger, EDNT, 1.267; Karl Georg Kuhn,7’DA'7’, 1.789-91.
683
A po c a l ip s e 20.7-10
nações. Segundo Agostinho, essas nações subirão contra a Igreja em protesto final e mundial.20
9. E subiram sobre a largura da terra e cercaram o acampa mento dos santos e a cidade amada. E desceu fogo do céu e os devorou. A construção e subiram é geralmente usada em referência a Jeru salém, a qual está localizada numa elevação de cerca de 2.500 pés. Embora o Monte das Oliveiras seja mais alto 150 pés, a expressão sempre se aplica à cidade de Davi (por exemplo, Ed 1.3; SI 122.4; Jr 31.6; Jo 2.13; 11.55; At 11.2; G1 2.1). Aqui não há referência a Jerusa lém, e, sim, à largura da terra. A fraseologia por si só não é familiar e ocorre apenas aqui (ver, porém, a Septuaginta em Hb 1.6; Dn 12.2; Siraque 1.3). Toda a sentença indica que essas forças hostis vêm dos confins da terra, isto é, de todos os lados, para fomentar a batalha con tra o povo de Deus. Esta não é uma nova batalha, pois é a mesma batalha que João descreve em 16.12-16; 17.14-18; e 19.11-21. O campo de batalha é o “acampamento dos santos e da cidade amada”, os quais as forças anticristãs cercam. As palavras acampa mento e cidade são um duplo símbolo que descreve os santos sobre a terra que enfrentam os inimigos espirituais numa base diária. Acampa mento é um termo militar, como o acampamento dos israelitas no de serto (por exemplo, Nm 5.1-4; Dt 23.14). Aqui, porém, “acampamento dos santos” inclui os cristãos verdadeiros dentre todos os povos, na ções, línguas e raças.21A referência é à Igreja, que enfrenta a inimiza de espiritual dos exércitos de Satanás. Um acampamento denota uma habitação temporária, e uma cidade denota uma habitação permanen te. A expressão cidade amada (Siraque 24.11) igualmente se refere ao povo de Deus em cujo coração o Espírito Santo habita. “Há somente duas cidades ou reinos no Apocalipse - a cidade de Satanás, onde a 20. A gostinho, A C idade de D eus 20.11. Ver Henry Barclay Sw ete, C om m entary on R evealtion (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 268. Harry R. Boer (The B ook o f R evelation [Grand Rapids: Eerdmans, 1979], p. 133) observa que fora de Ezequiel, “o Antigo Testamento não conhece uma nação pelo nom e M agogue, nem um rei pelo nome G ogue”. N o Apocalipse, os nomes são genealógicos e não se referem a um país e governante específicos. 21. A expressão “a paz de D eus nos acampamentos de seus santos” aparece em War Scroll o f Qumran (1Q M 3.5). A palavra acam pam entos é um plural hebraico que representa o singular. Ver Aune, Revelation 1 7 -2 2 , p. 1.098.
A p o c a l ip s e 20.7-10
684
besta e meretriz estão sediadas, e a cidade de Deus, onde Deus e o Cordeiro estão sediados.”22Em outras partes no Apocalipse notamos que onde os santos se reúnem, ali está a cidade de Deus; e onde proli feram a imoralidade e o que é profano, ali está a cidade de Satanás (11.2,8). Aliás, Jesus chama os vencedores de “a cidade de meu Deus” (3.12). A cidade amada é a habitação espiritual dos santos. Deus faz descer fogo do céu para devorar seus inimigos. A multi dão incalculável congregada para deflagrar guerra contra os santos não os amedrontará, porque Deus é seu protetor. Os inimigos de Deus serão incapazes de escapar quando o cálice de sua ira transbordar. Ele os destruirá com fogo procedente do céu (2Rs 1.10,12; Ez 39.6).
10. E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde se encontram tanto a besta como o falso profeta. E serão atormentados dia e noite, para todo o sempre. Há uma repetição proposital no Apocalipse com referência ao lago de fogo e enxofre. Presumivelmente, este é o lugar onde a grande pros tituta foi queimada com fogo (17.16); a besta e o falso profeta são lançados neste lago ardente (19.20); e, como o último, Satanás partilha de um destino semelhante. Na segunda metade do Apocalipse (caps. 12-22), Satanás é mencionado primeiro (cap. 12), então a besta que emerge da terra (cap. 13) e, por último, a grande prostituta (cap. 17). Com respeito à sua destruição, Babilônia, a Grande, como a prostituta que sofre derrota e destruição, é mencionada primeiro (cap. 18), então a besta e o falso profeta (cap. 19) e, por último, Satanás (cap. 20). Satanás, sendo o primeiro e o último, reflete uma imitação de Cristo que é o Primeiro e o Ultimo, o Princípio e o Fim (1.17; 2.8; 22.13). Entretan to, a diferença é a de vida e ruína. Interpreto o quadro do perecimento de Satanás como um que é tomado ao mesmo tempo em que a besta e o falso profeta são lançados no lago de fogo. Esses três deflagraram a mesma guerra na qual todos eles foram derrotados e destruídos. João retrata Satanás como o perdedor, alguém que buscou destruir o menino, porém fracassou (12.5). Satanás moveu guerra no céu e perdeu (12.9); foi preso e conservado no Abis mo (20.3); e foi expulso para seu destino final, sendo arrojado no lago de fogo e enxofre ardente. 22. Alan F. Johnson, R evelation, em The E x p o sito r’s B ible Com m entary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.588.
685
A p o c a l ips e 20.7-10
O trio infame (Satanás, a besta e o falso profeta) será atormentado dia e noite, para todo o sempre. Primeiro, note que a expressão dia e noite também ocorre na cena da sala do trono, onde as quatro criaturas viventes entoam louvores a Deus dia e noite, sem cessar (4.8). Em contraste, os que são lançados no lago de fogo são atormentados dia e noite, para todo o sempre (ver também 14.11). Segundo, todos aqueles cujos nomes não estão registrados no livro da vida sofrem destino se m elhante e estarão eternamente com Satanás e as duas bestas (v. 15). Terceiro, A Escritura em parte alguma ensina que seu tormento chegará eventualmente ao fim. Ao contrário, Jesus disse: “Afastem-se de mim, vocês que são malditos, para o fogo etem o, preparado para o diabo” (Mt 25.41, ênfase acrescida).23Por último, o tormento que esse trio deve sofrer é o de agonia espiritual e mental. Entram nesse estado eterno de sofrimento no momento em que todos os ímpios comparece rem diante do tribunal. Nesse momento, todos eles encaram sua “se gunda morte”, a qual significa que estão para sempre separados do Deus vivo.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 20.8-10 V e rsíc u lo 8
aiíxCw - o pronome é supérfluo por causa do pronome relativo wv no início da frase. Esta construção é comum no Apocalipse (3.8; 7.2,9; 13.8,12). V ersícu lo 1 0
ó nÀavúv - o verbo principal está no pretérito, enquanto este particípio que o precede está no presente. O particípio significa repetitividade e revela o caráter de Satanás.
4. O D ia do Jui\o 20.11-15 O quarto quadro revela um aspecto celestial do juízo final. Em cin co versículos, João desvenda o fim do tempo cósmico e, assim, encerra a História do mundo. O plano de Deus se concretizou e tudo o que era alvo de preocupação foi completado. Deus agora convoca todos diante de seu tribunal e, enquanto os livros são abertos, todos são julgados de 23. Robert A. Peterson, H ell on Trial: The Case f o r Eternal Punishment (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1995), pp. 89, 90.
A p o c a l ip s e 20.11-15
686
acordo com a justiça divina. A divisão entre os santos e os ímpios é irrevogável e final. Aqueles cujos nomes estão registrados no livro da vida estarão para sempre com o Senhor; mas aqueles que o rejeitaram são para sempre eliminados.
11. E vi um grande trono branco e aquele que nele está sen tado, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e seu lugar não mais foi achado. a. “E vi um grande trono branco, e aquele que nele está sentado.” A descrição simples do trono é precedida por dois adjetivos: grande e branco. João registra o adjetivo grego megas (grande) oito vezes no Apocalipse para denotar algo que é maior que a vida. Neste versículo, João retrata o trono de Deus em dimensões cronológicas, porque os seres humanos são incapazes de formar proporções celestiais. Além do mais, o trono é branco, a cor que representa pureza, santidade e vitória. Aqui, porém, ele tem um significado adicional de justiça divina que eminentemente descreve esse trono. Significa que nem mesmo um pontinho ou ruga desfigura a alvura da perfeita justiça de Deus. Quando João retrata Deus, ele evita mencioná-lo pelo nome. De uma forma tipicamente judaica, ele o circunscreve com as palavras “aquele que se assentava nele [o trono]”. De modo semelhante, com referência à cena da sala do trono, João usa a mesma fraseologia (4.2, 3, 9, 10; 5.1, 7, 13; 6.16). E também algo assustador descrever Deus em termos humanos. João indubitavelmente tinha em mente “o Ancião de Dias” tomando assento em seu trono para exercer juízo (Dn 7.9, 10). Mas também o Filho do Homem, isto é, Jesus, se assenta no trono de seu Pai para julgar os vivos e os mortos, espiritualmente falando. Aliás, há numerosas passagens no Novo Testamento que testificam do fato de que Deus deu ao Filhõ a autoridade para exercer juízo.24Deus julga a raça humana no Filho e através do Filho. b. “De cuja presença fugiram terra e céu, e não mais achou lugar para eles.” Quando o Dia do Juízo chegar, a criação divina será afetada de tal maneira que a terra sofrerá uma completa mudança. Nesse mo mento, eventos catastróficos, de enormes proporções, acontecerão; pois a atmosfera será enrolada como um se faz com um rolo para dar lugar aos novos céus e à nova terra (6.14; 16.20; 21.1; 2Pe 3.7,10,12,13). A 24. Ver Mateus 16.27; João 5.22; Atos 10.42; 17.31; Romanos 2.16; 14.9; 2 Coríntios 5.10; comparar Sibylline Oracles 2.230-44.
687
A po c a l ip s e 20.11-15
velha ordem desaparece para dar lugar à nova. A substância e a exis tên cia d esta terra não desaparece, m as sua form a e x te rn a se dissolve.25Ainda que uma interpretação literal sugira a completa des truição e aniquilação dos céus e terra, a Escritura ensina uma fundição dos elementos, porém não sua eliminação (2Pe 3.10, 12). Isto é, são renovados, em vez de substituídos. Em seu sermão junto à coluna de Salomão, Pedro falou de um tempo quando Deus “restaurar todas as coisas” (At 3.21). Paulo, igualmente, não fala de uma dissolução da criação, mas de seu livramento da escravidão (Rm 8.21). O que dará lugar ao novo não é a criação propriamente dita, mas os defeitos da antiga ordem é que serão removidos.26
12. E vi os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono. E os livros foram abertos, e outro livro foi aberto, que é o livro da vida, e os mortos foram julgados de acordo com suas obras, pelas coisas escritas nesses livros. João recebe a visão do último juízo, e contempla os mortos em pé diante do trono de Deus. Todos os que já morreram desde que Deus pronunciou a maldição sobre a raça humana comparecem diante do Juiz de toda a terra. Todos eles ressuscitam dos mortos para receber uma sentença de absolvição ou condenação, de vida ou “segunda mor te”. Todas as pessoas grandes e pequenas, isto é, todos os seres huma nos, comparecem diante do Juiz. Reiteradamente, João retoma à profecia de Daniel, que descreve o Dia do Juízo com multidões em pé diante do tribunal celestial; quando o tribunal for estabelecido, os livros serão abertos (Dn 7.10;.12.1,2).27Os livros contêm registros dos feitos bons e ruins de todos, porque Deus conhece tudo que se tem dito e feito e galardoa a cada um com justiça (Ap 2.23; 18.6; 22.12; SI 28.4; 62.12; Rm 2.6). Assim, todo o mundo é julgado de conformidade com os registros, mas isso não implica uma 25. Irineu, C ontra H eresias 5.36.1; Sw ete, Revelation, p. 271. 26. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 196; George Eldon Ladd, C om m etary on the R evelation ofJohn (Grand Rapids; Eerdmans, 1972), p. 272; W ilson, R evelation, p. 165; G. B. Caird, A Com m entary on the R evelation o f St. John the D ivin e (Londres; Black, 1966), p. 259. Para o ponto de vista de que a terra será aniquilada para dar lugar a uma nova criação, ver Robert L. Thomas, Revelation 8 -2 2 : An Exegitical Com mentary (Chicago: M oody, 1995), pp. 4 2 9 ,4 3 9 ,4 4 0 ; John F. Walvoord, The R evelation o f Jesus Christ (Chicago; M oody, 1966), pp. 305, 306. 27. Ver também 1 Enoque 89.61-63; 90.20; 2 Baruque 24.1; A scensão de Isaías 9.22.
A p o c a l ip s e 20.11-15
688
doutrina de justiça pelas obras. Uma pessoa é julgada e declarada ab solvida sobre esta base: se seu nome estiver registrado no livro da vida. A Escritura freqüentemente se refere ao livro da vida ou a um registro afim.28 No Apocalipse, esse livro é de maior importância do que os livros que contêm os registros dos feitos das pessoas. O termo livro da vida aparece seis vezes (3.5; 13.8; 17.8; 20.12, 15; 21.27), e a expres são livros ocorre duas vezes (v. 12). Não é em decorrência das obras de alguém, mas em decorrência da graça eletiva de Deus que o nome de alguém está registrado no livro da vida.29Qual, pois, é o propósito da abertura dos livros? Paulo fornece a resposta, dizendo: “Pois todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas, quer sejam más” (2Co 5.10). Embora os crentes sejam responsáveis por seus atos, já estão perdoados em Cristo. Mas os que têm rejeitado a Cristo são responsabilizados por suas palavras e feitos, os quais testificam contra eles. Para os crentes, a graça de Deus vai de mãos dadas com a res ponsabilidade humana. Paulo exorta seus leitores a “pôr em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a sua boa von tade” (Fp 2.12a, 13). A Escritura põe a eleição divina de um lado e a responsabilidade humana do outro, porém evita resolver o mistério sobre onde essas duas se irmanam. Deus graciosamente elegeu seu povo por intermédio de Cristo, o que é evidente à luz do fato de que os nomes de seu povo estão registrados no livro da vida. Guardam a Palavra de Deus e vivem pelo testemunho de Jesus, e amam os man damentos de Deus e se nutrem de seus preceitos (SI 19.7-11; 119.127, 28). São as fiéis testemunfias do Senhor mesmo em face da própria morte (2.13; 6.9), e realizam boas obras para exibir sua gratidão a Deus, de modo que seu nome seja honrado e louvado. A guisa de contraste, a acusadora evidência que os livros abertos apresentam contra os incrédulos resulta em seu banimento e infindável separação do Deus vivo (Mt 25.46). 28. Ver Êxodo 32.32; Deuteronôm io 29.20; Daniel 12.1; Malaquias 3.16; Lucas 10.20; Filipenses 4.3; ver também 1 Enoque 47.3. 29. Johannes Behm , D ie Ojfenbarung D es Johannes, das N eue Testament Deutsch 11 (Gõttingen; Vandenhoeck & Ruprecht, 1953), p. 104.
689
A p o c a l ip s e 20.11-15
13. E o mar entregou os mortos que nele estavam, e a Mor te e o Hades devolveram os mortos que neles havia, e cada um foi julgado de conformidade com suas obras. a. “E o mar entregou os mortos que nele estavam.” A Bíblia encara o mar como fonte de temor.30Jonas venceu seu temor quando, median te desobediência voluntária, ele embarcou em um navio e rumou para o Ocidente, direção diretamente oposta a Nínive, para onde Deus instru íra o profeta para que fosse (Jn 1.3). Paulo viajou mais por terra, e ocasionalmente embarcou em navio, mais por pressa ou por necessida de. E João, escrevendo sobre os novos céus e a nova terra, observa que “o mar já não existe” (21.1). Para o mar, caprichoso e imprevisível, não há lugar na nova criação. O mar tem se apossado das vidas de incontáveis multidões; ao man damento de Deus, entregou os mortos que nele estavam. Ele é símbolo de um poder demoníaco que se converte nos túmulos invisíveis de suas vítimas.31 Os antigos davam grande importância à sepultura, a qual era negada àqueles que tinham sido tragados pelo mar, e cujos corpos ti nham sido decompostos. Para um cadáver, ser deixado insepulto, aqui, por causa do poder do mar, era um ato de irreverência (comparar Jr 8.1, 2; 14.16; Ez 29.5). Alguns estudiosos observam que o desapareci mento do céu e terra (v. 12) parece em franco conflito com a presença do mar. Mas esta é uma questão de liberdade autoral, de colocar “os eventos em ordem inversa de sua ordem lógica (ver 3.3, 17; 5.5; 6.4; 10.4, 9; 22.14)” .32 b. “E a Morte e o Hades devolveram os mortos que neles havia, e cada um foi julgado de conformidade com suas obras.” Se o mar é um 30. Consultar John H. Paterson, “Sea”, ZPEB, 5.316. 31. Jürgen R oloff, The R evelation o f John, trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 232. P rim eiro Enoque 61.5 declara: “E ssas m edidas revelarão todos os segredos das profundezas ... e para que regressem os que têm sido devorados pelos p eixes do mar.” Ver também Isbon T. B eckw ith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 749. 32. A une, R evelation 1 7 -2 2 , p. 1.102. R. H. Charles (A C riticai a n d E xegetical Com m entary on the R evelation o f St. John, ICC [Edimburgo: Clark, 1920], 2.194-95 denom ina esta estrofe “uma infeliz confusão de idéias, o que só pode ser em virtude de mudança deliberada do texto”. Por isso ele muda a fraseologia, sem comprovação de manuscrito, de “e o m ar entregou os m ortos”, para “e os tesouros entregaram os mortos” (pp. 196, 442).
A p o c a l ip s e 20.11 -15
690
poder que retém os mortos, assim são a Morte e o Hades, os quais são sempre mencionados juntos no Apocalipse (v. 14; 1.18; 6.8).33Jesus retém as chaves de ambos, da Morte e do Hades, privando-os de sua autoridade. Agora é a vez de julgar e determinar o destino eterno de cada indivíduo, sem levar em conta se a morte foi por afogamento, as sassinato ou causas naturais. Além do fato de que as multidões de peca dores estão em pé diante do tribunal de Deus, os registros de cada pes soa serão cuidadosamente analisados com os veredictos de inocente ou culpado. Não há nem tempo nem lugar para arrependimento, porque o arrependimento pertenceu à era cósmica. Os veredictos são irrevogáveis.
14. E a Morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo. 15. E se alguém não é achado inscrito no livro da vida, esse é lançado no lago de fogo. A frase lago de fogo ocorre somente no Apocalipse, e isso num total de seis vezes (19.20; 20.10,14 [duas vezes], 15; 21.8). João expli ca a significação desta frase ao identificá-la como sendo a segunda morte. Este é o lugar onde os ímpios viverão para sempre separados do Deus vivo e sofrerão eternamente os tormentos do inferno. É o lugar em que os ímpios passarão a eternidade. Como, porém, devemos en tender os termos Morte e Hades ? Primeiro, Morte é um estado e Hades, um lugar. Segundo, esses dois estão entrelaçadamente conectados, como no quarto selo, onde o cavaleiro que cavalga o cavalo pálido é a Morte, e o Hades está seguindo bem atrás dela (6.8). O Hades, como o lugar onde as almas dos incrédulos são mantidas, não deve ser identificado como sendo o túmulo no qual os corpos de ambos, crentes e incrédulos, repousam. À guisa de contraste, o inferno é o lugar de sofrimento infindável. Quando a Morte # o Hades são lançados no lago de fogo, finda também a autoridade que exerciam no tempo cósmico.34 Se a Morte e o Hades são lançados no lago de fogo, o que equivale à segunda morte, sua autoridade continua nesse estado e lugar? Seu poder temporário se converterá em poder permanente no lago de fogo, sobre os incrédulos que sofrem no inferno.35A angústia e aflição dos 33. Richard Bauckham, The C lim a x o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), pp. 6 9 ,7 0 . 34. Consultar John M. Court, M yth an d H istory in the Book o f R evelation (Atlanta: John K nox, 1979), p. 65. 35. B eale, R evelation, p. 1.035; J. Webb M ealy, A fter the Thousand Years, JSNTSup 70 (Sheffield: Sh effield A cadem ic Press, 1992), p. 181. À guisa de contraste, Harrington
69 1
A p o c a l ips e 20.11-15
ímpios no inferno é inimaginável. A parábola do rico (Lc 16.19-31) des creve o inferno como agonia, fogo e lugar de tormento. Ali o rico foi cortado de Abraão, e Lázaro se encontra no céu, e ali ele [o rico] sofria a segunda morte, que é tanto espiritual quanto física. João chega à conclusão de sua visão do juízo, e uma vez mais ele enfatiza a sorte dos ímpios. Seus nomes não estão registrados no livro da vida, e por isso são lançados no lago de fogo. “Não que a pessoa perdida experimentará os sofrimentos de um Judas! Deus será perfei tamente justo, e cada pessoa sofrerá precisamente o que merece.”36 O conforto que o povo de Deus recebe é que seus nomes estão registrados no livro da vida; eles são a possessão do Cordeiro, que foi morto por eles. João associa a expressão livro da vida com o Cordeiro (13.8; 21.27). Viver para sempre com o Senhor é a recompensa que ele outorga a seu povo, cujos nomes estão nesse livro.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 20.11-13 V e rsíc u lo 11
ou à i r ò to O irpooÚTTou - a construção é discutível, porque o curso normal seria colocar o pronome possessivo pessoal aúioú seguindo o substantivo, em vez do pronome relativo genitivo no começo (comparar Jr 22.25 LXX). V e rsíc u lo 1 3
èKpL0r|oav eKaoToç - o verbo plural é seguido do sujeito singular, que é entendido como distributivo.
(R evelation, p. 206) declara que a segunda morte não significa tortura eterna, mas apenas que ninguém mais existe em [estado de] morte. 36. Hoekema, The B ible a n d the Future, p. 273.
E sboço (continuação) B. A Nova Jerusalém e a Árvore da Vida (21.1-22.5) 1. Deus e Seu Povo (21.1-8) 2. A Cidade Santa (21.9-14) 3. O Adorno da Cidade (21.15-21) 4. A Iluminação da Cidade (21.22-27)
C a p ít u l o 2 1
°<éS A N OVA J ERU SA LÉM ( A p o c a l ip s e
21.1-27)
1E vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaI ram, e o mar não mais existe. 2 E vi a cidade santa, a nova Jerusalém, descendo do céu, da parte de Deus, preparada como noiva adornada para seu esposo. 3 E ouvi uma forte voz procedente do céu, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com o povo, e ele habitará com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles e será o seu Deus. 4 E ele enxugará de seus olhos toda lágrima, e não mais existirá morte, nem tristeza, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas já passaram. 5 E aquele que se assenta no trono disse: Eis que estou fazendo novas todas as coisas, e disse: Escreva, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. 6 E então me disse: Feito está. Eu sou o Alfa e o Omega, o Princípio e o Fim. Ao que tem sede lhe dar-lhe-ei gratuitamente da fonte da água da vida. 7 Aquele que vencer herdará essas coisas, e eu lhe serei por Deus e ele me será por filho. 8 Quanto aos covardes, aos incrédulos, aos detestáveis, aos assassinos, aos fornicadores, aos feiticeiros, aos idólatras e aos enganadores, sua parte será no lago de fogo e enxofre, que é a segunda morte. 9 Um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias das últimas sete pragas falou comigo e me disse: Venha, eu lhe mostrarei a noiva, a esposa do Cordeiro. 10 E ele me conduziu no espírito a um alto monte, e me mostrou a cidade santa, Jerusalém, que desce do céu da parte de Deus. 11 Ela tinha a glória de Deus, e sua radiância era como uma pedra preciosa, como pedra de jaspe cristalizada. 12 Ela tinha um muro grande e alto, com doze portões e em cada portão doze anjos, e nos portões inscritos os nomes das doze tribos de Israel: 13 havia três portões ao leste, três ao norte, três ao sul e três ao oeste. 14 E o muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles estavam os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. 15 E aquele que falava comigo tinha como medida uma vara de ouro para medir a cidade, seus portões e seus muros. 16 E a cidade era quadrangular, de 4
A po c a l ipse 21
694
comprimento e largura iguais. Ele mediu a cidade com a vara; ela tinha dois mil e trezentos quilômetros de comprimento; a largura e a altura eram iguais ao comprimento. 17 Ele mediu seu muro: sessenta e cinco metros de espessura, segundo a medida humana que o anjo estava usando. 18 O muro era feito de jaspe, e a cidade era de ouro puro, semelhante ao vidro transparente. 19 Os fundamentos do muro da cidade eram adornados com toda espécie de pedra preciosa. O primeiro fundamento era de jaspe; o segundo, de safira; o terceiro, de calcedônia; o quarto, de esmeralda; 20 o quinto, de sardônio; o sexto, de sárdio; o sétimo, de crisólito; o oitavo, de berilo; o nono, de topázio; o décimo, de crisópraso; o décimo primeiro, de jacinto; e o décimo segundo, de ametista. 21 E os doze portões tinham doze pérolas, sendo cada um desses portões uma única pérola. E a rua da cidade era de ouro puro, semelhante ao vidro transparente. 22 E não vi nela nenhum templo, porque o Senhor Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro são seu templo. 23 E a cidade não precisava do sol nem da lua para iluminá-la, porque a glória de Deus a ilumina e o Cordeiro é sua lâmpada. 24 E as nações andarão através de sua luz, e os reis da terra lhe trarão sua glória. 25 E seus portões nunca se fecharão durante o dia, porque ali não haverá noite. 26 E lhe trarão a glória e a honra das nações. 27 Nela jamais penetrará qualquer coisa impura, nem alguém que pratique o que é vergonhoso ou enganoso, mas unicamente aqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida do Cordeiro.
B. A N ova Jerusalém e a Á rvore da V ida 21.1-22.5 Depois do juízo final, João exibe a seus leitores um quadro de perfeição que difere radicalmente do mundo atual. A velha ordem já passou e todas as coisas são novas. O tempo cósmico se converteu em eternidade; a separação de Deus se converteu em comunhão ínti ma com ele. A morte pertejjce ao passado, pois os santos bebem da água da vida. Os ímpios estão no lago de fogo, enquanto os santos estão com Deus e pertencem à sua família. A nova Jerusalém é um quadro de perfeição no que diz respeito à medição, ao adorno e à glória. Este quadro revela um rio de vida que emana do trono de Deus e do Cordeiro com árvores que produzem frutos de ambas as margens do rio. Com a maldição removida, os servos de Deus servem a ele e ao Cordeiro. Este é o Paraíso restaurado. Note a conexão entre a prim eira criação, registrada em Gênesis, e a nova criação do céu e da terra no Apocalipse. No Paraíso, antes da queda, Deus comungava intimamente com Adão, ministrava-lhe instruções e fazia provisão para
695
A p o c at .tp.s r 2 1 .1 -8
suas necessidades (Gn 2.15-25). Na nova terra, Deus habita com seu povo em íntimo companheirismo: “Eis o tabernáculo de Deus com seu povo, ele habitará com eles” (v. 3a). Depois da queda, Adão e Eva se esconderam da presença de Deus (Gn 3.8); na restauração, Deus habita com eles para sempre em seu tabernáculo.10 Jardim do Éden era um lugar sem medo, dor, pranto e morte; a nova criação é um lugar onde “não mais haverá morte, nem tristeza, nem pranto, e nunca mais haverá dor” (v. 4). A segunda metade do capítulo (vs. 9-27) é uma descrição da nova Jerusalém no tocante à sua santidade, perfeição, adorno e glória. Este retrato da cidade, descrita em linguagem humana de tempo e espaço expressa, ainda que inadequadamente, a beleza do novo céu e da nova terra. O fluxo um tanto desconexo do pensamento mostra que o escri tor está tentando transmitir os detalhes da melhor maneira que pode. Não obstante, por todo o seu discurso João desenvolve seu tema bási co: Deus está com seu povo em um cenário santo e perfeito.2 1. Deus e Seu Povo
21 . 1-8 1. E vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primei ra terra passaram; e o mar não mais existe. João recorre às Escrituras veterotestamentárias, fazendo alusão a Isaías 65.17 e 66.22, onde Deus diz que criará novos céus e nota terra, e as coisas pertencentes ao passado não serão lembradas nem virão à mente. O apóstolo já havia observado que, da presença de Deus, terra e céu tinham fugido e seu lugar não mais foi achado (ver comentário sobre 20.11). Deus não aniquilará o céu e a terra para então criá-los 1. W illiam Hendriksen, M ore Than Conquerors, pp. 196, 197. 2. Jürgen R oloff, The R evelation o f John, trad. J. E. Alsup (M inneapolis: Fortress, 1993), p. 233. À guisa de contraste, R.H. Charles (A Criticai a n d Exegetical Commentary on the R evelation ofSt. John, ICC [Edimburgo: Clark 1920], 2.147) escreve que, depois da morte de João, “as matérias ... foram reunidas por um discípulo fiel, porém de pouca inteligência, na ordem que cria estar certa”. Charles, pois, reorganiza o texto do A pocalipse em uma seqüência perplexiva que carece de uma chave especial para tomála in teligível. J. M assyngberde Ford (R evelation : lntrodu ctlon , Translation, an d C om em m tary, A B 38 [Garden City, N.Y.: Doubleday, 1985], pp. 331-46, 360, 361) segue Charles na reorganização do texto do A pocalipse segundo seu discernimento. M as a m ensagem que João com unica é suficientemente clara e convincente, e a integri dade do livro perm anece intata.
A p o c a l ip s e 21.1-8
696
novamente do nada. Em vez disso, ele os transformará por meio de um processo que é o mesmo que fazer com que os corpos decompos tos dos santos com que sejam semelhantes ao corpo glorioso do Se nhor (Fp 3.21). Assim como o corpo de Jesus foi transformado em sua ressurreição, assim também na vinda do Senhor os corpos de seu povo não serão a n iq u ila d o s, m as c o m p letam en te tran sfo rm ad o s e glorificados.3A fusão dos elementos com fogo ocorre em preparação para a terra renovada (2Pe 3.10, 12). João escreve a expressão novo [nova] nove vezes no Apocalipse; quatro delas aparecem no capítulo 21.1 (duas vezes), 2 e 5. Este adjetivo comunica a idéia de algo que é novo, porém tem sua origem no velho. O novo pacto é procedente do velho; o novo mandamento é procedente do velho; a nova Jerusalém tem sua fonte na velha; o novo homem é a transformação do velho homem; e o novo céu e a nova terra têm por base o velho.4 Daí, o novo céu e a nova terra que entrarão em cena na consuma ção não devem ser identificados com o segundo céu e a segunda terra. São qualitativamente diferentes do velho por retratarem a santa e per feita morada de Deus e seu povo. Pedro, escrevendo sobre a destrui ção dos céus por meio do fogo, diz: “Todavia, de acordo com sua pro messa, esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça” (2Pe 3.13). Pedro visualiza uma renovação por meio do fogo, produzindo uma mudança do velho para o novo; João, porém, não escreve uma única palavra neste capítulo sobre um fogo destrutivo.5 3. Referência a R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. John 's R evelation (Columbus: Wartburg, 1943), p. 615; Philip Edgcumbe Hughes, The B ook o f the Revelation: A C om m entary (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), p. 222; Luther Poellot, R evelation: The L ast B ook in the B ible (St. Louis: Concordia, 1962), pp. 273, 274; S. Greijdanus, D e O penbaring des H eeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 416. 4. A palavra kainós, significando “qualitativamente novo”, geralmente difere do termo neos, que significa “sem existência prévia”. João usa o primeiro termo no A pocalipse, porém nunca o segundo. Ver Jörg Baumgarten, EDNT, 2.229; Hermann Haarbeck, HansGeorg Link e Colin Brown, NIDNTT, 2.670-76; Johannes Behm, TDNT, 3.447; Richard Bauckham , The T heology o f the B ook o f R evela tio n , N ew Testament T h eology (Cambridge: Cambridge University Press, 1993), pp. 49, 50. 5. D avid E. Aune (Revelation 1 7 -22, W BC 52C [Nashville: N elson, 1998], pp. 1.11719) com pilou todas as referências possíveis a uma destruição abrasadora do céu e da terra de fontes judaicas, dos primeiros cristãos e pagãs.
697
A p o c a l ip s e 21.1-8
A interessante frase e o mar não mais existe pode significar que, assim como as primeiras configurações do céu e da terra passam, tam bém o mar não mais existirá com suas presentes fronteiras. Mas o termo mar também pode ter uma conotação figurativa se referindo às aflições que o povo de Deus suportou em um mundo pecaminoso. João mesmo parece apontar para uma interpretação simbólica ao escrever uma frase paralela que reitera a mesma fraseologia: “o mar não mais existe” e “morte, tristeza, pranto e dor não mais existirão”.6
2. E vi a cidade santa, a nova Jerusalém, descendo do céu, da parte de Deus, preparada como noiva para seu esposo. João m enciona de relance a cidade santa, pois no capítulo subseqüente (vv. 9-14) ele dá uma descrição detalhada desta cidade. O termo a cidade santa aparece no Antigo Testamento, em Neemias 11.1, 18; Isaías 48.2; 52.1; e Daniel 9.24, como uma designação de Jerusalém. Não obstante, o Novo Testamento salienta a expressão so mente em Mateus (4.5 e 27.53) e no Apocalipse (11.2; 21.2,10; 22.19). A ausência desse termo no resto do Novo Testamento é significativa. Depois de rasgar a cortina que separava o Santo dos Santos do Santo Lugar, Deus não mais habitou no templo de Jerusalém, e, sim, na Igreja. E note que, no dia de Pentecostes, o Espírito Santo não encheu o tem plo nem Jerusalém e, sim, os apóstolos e todos os que se arrependeram e foram batizados (At 2.1-4, 38, 39). Paulo escreve que os crentes são o templo de Deus porque neles seu Espírito habita (1 Co 3.16, 17; ver 6.19). O templo de Deus é a Igreja, isto é, o corpo dos crentes. Por conseguinte, quando João usa o termo cidade santa no Apocalipse, ele insinua que a nova Jerusalém é o lugar onde Deus está habitando com seu povo (v. 3). A nova Jerusalém está “descendo do céu, da parte de Deus”. O escritor de Hebreus fala de uma Jerusalém celestial, Monte Sião e ci dade do Deus vivo (12.22; ver também 11.10, 16; G14.26; 4 Esdras [2 Esdras] 7.26, 75; 2 Baruque 4.2-6). Esta cidade projeta permanência, segurança, beleza e plenitude. Ela tem sua origem no céu e deriva de Deus, o qual se agrada em habitar com seu povo. No Apocalipse, o nome Jerusalém ocorre somente aqui e em 3.12, e é uma alusão não à capital de Israel, mas à cidade espiritual de Deus. Esta nova Jerusalém, 6. Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A Com mentary on the Greek Text, NIGTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), pp. 1.042, 1.043.
A p o c a l ip s e 21.1-8
698
que se encontra cheia do povo de Deus desce à terra, razão pela qual o céu e a terra se fundem em um só.7 Ao descrever a intimidade de Deus e seu povo, João usa a metáfo ra de uma cerimônia nupcial, em que uma noiva é preparada e adorna da para seu esposo (comparar 19.7; Is 49.18; 61.10).8Quem preparou e adornou a noiva não pode ser a própria noiva, isto é, a própria Igreja. Claro que não; é Cristo Jesus quem a purificou e a apresentou a si mesmo sem mácula nem ruga nem defeito (Ef 5.26, 27). A cerimônia nupcial está agora para ter início, e a partir desse momento a noiva e o noivo estarão juntos para sempre.
3. E ouvi uma forte voz procedente do céu, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com o povo, e ele habitará com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles e será o seu Deus. A expressão uma forte voz ocorre com freqüência no Apocalipse e implica que todos são capazes de ouvir a mensagem provinda do trono de Deus (16.17 e 19.5). João se omite em identificar essa voz, a qual pode ser a de Deus. Se presumirmos que ele tenta evitar o uso do nome divino, então notamos uma evidência adicional no versículo 5, onde João circunscreve o nome de Deus com as palavras “aquele que está sentado no trono”. Mesmo assim, a ênfase não está no que fala, e, sim, na jubilosa mensagem. A voz chama a atenção para a união de Deus e seu povo expressa na imagem do tabernáculo veterotestamentário. João faz alusão à notória passagem em que Deus, falando sobre a aliança etema com seu povo, diz: “Porei meu santuário entre eles para sempre” (Ez 37.26,27). Este texto é um fio de ouro entrelaçado na estrutura da Escritura, do princípio ao fim (Gn 17.7; Êx 6.7; Lv 26.12; Ez 11.20; Zc 2.10, 11; 2Co 6.16; Ap 2f*3, 7).9Esse fio é o amor que leva Deus a habitar com seu povo pactuai. 7. Gerhard A. Krodel (Revelation, A C NT [Minneapolis: Augsburg, 1989], pp. 344, 345) observa que Paulo descreve sua visão dos cristãos sendo “arrebatados” nas nuvens (lT s 4.17) João, porém, indica um movim ento oposto, dos santos redivivos descendo do céu para a nova terra. 8. A com binação da dupla metáfora de uma mulher e uma cidade retrocede ao contexto de 4 Esdras (2 Esdras) 10.27: “Ergui os olhos e não mais vi uma mulher, e, sim, uma cidade.” 9. Consultar Sim on J. Kistemaker, E xposition o f the S econ dE pistle to the Corinthians, NTC (Grand Rapids: Baker, 1997), pp. 231, 232.
699
A po c a l ips e 21.1-8
Numa passagem anterior (13.6), João usou a ilustração da cena de Deus habitando em sua tenda celestial (grego skêne) cercado por seu povo. O tabernáculo no deserto possuía o Santo dos Santos, no qual Deus habitava. O templo em Jerusalém possuía, igualmente, o lugar sa grado atrás da cortina como a habitação de Deus. Mas, seja no deserto ou em Jerusalém, Deus e seu povo viviam debaixo de um mesmo teto. Note agora que, quando Jesus veio, ele habitou entre seu povo; literal mente, “ele estendeu sua tenda” entre eles (João 1.14). Este é também o caso da nova Jerusalém, onde Deus e seu povo vivem juntos em per feita paz e harmonia. O povo o conhece perfeitamente, ama-o e o serve e desfruta eternamente de sua benevolência. A tenda simbólica, na qual Deus e seu povo habitam, não é um quadro de sua habitação sob uma cobertura temporária.10O simbolismo aponta para o privilégio do qual seu povo desfruta em contraste com os santos da antiga dispensação. De seu meio, somente o sumo sacerdote, uma vez ao ano, podia entrar no Santo dos Santos no Dia da Expiação. Agora seu povo está sempre em sua presença. A ênfase, nestes versículos, está posta em Deus, por que ele tomou possível aos seres humanos habitarem com ele, em ser ele o seu Deus e estar com eles para todo o sempre. A tradução literal do texto grego é “e eles serão os seus povos”, enquanto que na maioria das traduções nos é transmitido o singular “povo”. Não obstante, o texto pressupõe que eles provêm de “toda tribo, língua, povo e nação”. Todos eles são recebidos como sacerdotes na presença de Deus. “Portanto, este é o primeiro vestígio de que não existe templo em Jerusalém” (v. 22).11 Uma última observação. A frase e Deus mesmo estará com eles é uma reminiscência do nome dado a Jesus, Emanuel, que significa “Deus conosco” (Mt 1.23; Is 7.14).
4. E ele enxugará de seus olhos toda lágrima, e não mais existirá morte, nem tristeza, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas já passaram. Esta é agora a segunda vez (7.17) que João faz referência a Isaías 25.8 (ver Jr 31.16): “O Soberano Senhor enxugará as lágrimas de todo rosto.” Como a mãe que se inclina e com ternura enxuga as lágrimas dos olhos de seu filho que chora, assim o Senhor Deus se inclina para 10. W ilhelm M ichaelis, TDNT, 7.382. 11. B eale, R evelation, p. 1.048.
A p o c a l ip s e 21.1-8
700
enxugar os olhos de seus filhos, que transbordam de lágrimas. Aqui temos um quadro notável das ternas misericórdias de Deus estendidas aos membros sofredores de sua família. Quando caiu em pecado, o gênero humano derramou lágrimas incontáveis, de tal modo que este mundo, com razão, pode ser chamado vale de lágrimas. Derramar lá grimas é o resultado de angústia, opressão, perseguição, dor e morte. A morte exerce domínio supremo até o juízo final (20.14). Mas tal domínio efetivamente chegará ao fim quando Deus e seu povo estive rem juntos. A literatura judaica também afirma que, no tempo do Mes sias, a morte cessará para sempre.12Com a morte da morte, luto, pran to e enfermidade também desaparecerão, pois todos eles foram causa dos pela maldição do pecado, que afetou a criação divina (Gn 2.17; Rm 8.20-23). Nenhum deles tem alguma parte na criação divina a ser reno vada, o que será caracterizado pela paz e harmonia, alegria e jovialida de, prazer e deleite (Is 35.10; 51.11; 65.19). Aliás, as primeiras coisas terão passado e todas as coisas serão novas (Is 43.18; 65.17).
5. E aquele que se assenta no trono disse: Eis que estou fazendo novas todas as coisas, e disse: Escreva, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. A frase aquele que se assenta no trono é uma circunscrição do nome divino que lembra o cenário da câmara do trono (cap. 4). É uma frase repetitiva no Apocalipse e passagens veterotestamentárias.13Evi tando o uso do nome de Deus, João localiza no trono a origem da voz. Agora é Deus mesmo que fala e instrui a João, e não um anjo (vs. 5-8). Várias vezes, de seu trono, Deus dirige uma mensagem a seu povo (v. 3; 1.8; 16.1, 17), porém esta é a última vez no Apocalipse que ele faz um pronunciamento direto.14 Deus informa aos leitores do Apocalipse que ele estafazendo no vas todas as coisas (comparar Is 43.9, com a ausência das palavras 12. E xodus R abbah 15.21; Targum de Isaías 65.20; 4 Esdras (2 Esdras) 8.53; 2 Enoque 65.10. 13. A pocalipse 4.2, 9, 10; 5.1, 7, 13; 6.16; 7.10, 15; 19.4; 20.11. Ver também 1 Reis 22.19; 2 Crônicas 18.18; S alm o47.8; Isaías 6.1; também Siraque 1.8. 14. Alguns comentaristas, contudo, entendem ser o porta-voz Cristo ou um anjo. Por exem plo, Lenski, Revelation, pp. 620, 621; Greijdanus, Openbaring, p. 419. Ernst Lohmeyer (D ie Offenbarung des Johannes, HNT 16 [Tübingen: Mohr, 1970], p. 166) observa que, nos capítulos 21 e 22, há três partes: na primeira, Deus fala (21.5-8); na segunda, um anjo (2 1 .9-22.5); e na terceira, Cristo (22.6, 7).
701
A p o c a l ip s e 21.1-8
todas as coisas). Aqui, porém, está o glorioso resultado do plano re dentor de Deus, que se concretiza em Cristo: a renovação de todas as coisas. Note que Deus chama a atenção para o fato de que ele presen temente está fazendo isso, não que ele eventualmente o fará. Portanto, essa declaração é uma revelação direta do Deus que recria, e como tal é um dos versículos mais importantes do Apocalipse.15Deus renova os seres humanos pecaminosos através da obra de Cristo e os faz uma nova criação (2Co 5.17). Além dos seres humanos, todas as coisas são renovadas. Esta é a promessa de Deus que aponta para a consumação, para a transformação do céu e terra e para a renovação de toda a sua criação (ver 4 Esdras [2 Esdras] 7.75). Uma vez mais, João recebe a ordem de escrever (1.11; 14.13; 19.9), para que o conteúdo do Apocalipse seja preservado para as incontáveis gerações. A razão para se registrarem essas palavras é que elas são fiéis e verdadeiras. Não são sons vazios de sentido, nem palavras que no tempo perdem seu significado, mas expressam fidedignidade incondicional e perene. Deus, que em Cristo é o Senhor e Re dentor deste mundo, honrará sua palavra, produzindo um novo céu e uma nova terra. As palavras fiéis e verdadeiras são reiteradas em 22.6 (comparar 19.9).
6. E então me disse: Feito está. Eu sou o Alfa e o Omega, o Princípio e o Fim. Ao que tem sede, dar-lhe-ei gratuitamente da fonte da água da vida. a. “Feito está.” Em seu estilo semítico coordenado de começar quase toda sentença com a conjunção e, João prossegue seu relato e registra as palavras que Deus fala. O primeiro item, em grego uma só palavra, gegonan, é traduzido “está feito”, literalmente: “Elas se tom a ram realidade.” O termo deriva não do verbo fazer, mas do verbo tor nar-se. Esta palavra foi também expressa quando os sete anjos derra maram as sete pragas (16.17). Note, porém, a diferença dos sete anjos derramando a ira de Deus sobre os ímpios e Deus verbalizando as pala vras “já foi feito” para anunciar a conclusão da criação do céu e terra. O primeiro compreende o juízo sobre os ímpios; o outro, a renovação de todas as coisas. Deus verbaliza essas palavras como se tudo já estives se renovado; e numa visão ele mostra a João seu cumprimento. 15. Krodel (R évélation , p. 348) chama o versículo 5a “o mais importante pronuncia mento com todas as letras”. Ver também seu Révélation, pp. 236, 237.
A p o c a l ip s e 21.1-8
702
b. “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim.” Antes de tudo, as palavras “Eu sou” se referem a Deus falando a Moisés junto à sarça ardente, perto do Monte Sinai, para que ele voltasse ao Egito e levasse esta mensagem aos israelitas: “EU SOU me enviou a vocês” (Êx 3.14). Jesus reivindicou para si esse nome, quando disse aos judeus: “Antes de Abraão existir, eu sou” (Jo 8.58). Daí, tanto Deus quanto Cristo usam este nome. No Apocalipse, deparamo-nos com a mesma desig nação para Deus e para Cristo, pois ambos podem dizer “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (ver comentário sobre 1.8).16 Deus, através de Cristo, tem o pleno controle de toda e qualquer situação, de modo que as palavras aqui expressas são uma fonte de conforto para os crentes que suportam dificuldade e perseguição por amor ao evangelho. Do princípio ao fim, Deus é o Soberano governante do universo que ele mesmo criou e sustenta por seu poder. Ele é o Senhor do futuro que aponta para além do juízo final: para uma nova criação. Ele é a primeira e a última letra do alfabeto grego; em Cristo, ele é a Palavra de Deus. Portanto, as palavras de Deus expressas nesta passagem se destinam a fortalecer a fé dos cristãos em sua per turbação e estresse. c. “Ao que tem sede, dar-lhe-ei gratuitamente da fonte da água da vida.” Em uma sentença grega, enfatizam-se a primeira e a última pala vra; aqui, enfatizam-se tanto o pronome eu quanto o advérbio gratuita mente. Deus oferece a água da vida, que é a vida eterna, a todos quantos têm sede. Ele a torna disponível livre de ônus. Isso é evidente à luz das palavras de Jesus expressas à mulher samaritana junto ao poço de Jacó: “Mas quem beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que eu lhe der se tonará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.14). O Antigo Testamento interpreta água espiritualmente como um dom gratuito de Deus, por exemplo, em Isaías 55.1 Deus a oferece “sem dinheiro e sem preço” .17Esse dom gratuito provém diretamente da fonte da vida, isto é, de Deus mesmo.
7. Aquele que vencer herdará essas coisas, e eu lhe serei por Deus e ele me será por filho. 16. Richard Bauckham, The Clim ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 34. 17. Consultar Isaías 44.3; 49.10; Jeremias 2.13; 17.13; Zc 14.8. Ver João 7.37, 39; A pocalipse 7.17; 22.1, 17.
703
A p o c a l ips e 21.1-8
O texto mira a presente realidade do povo de Deus vivendo para ele em um mundo de pecado e opressão. Sabe que Cristo já venceu a batalha, porém a guerra ainda não terminou. Todo crente deve lutar diariamente contra o pecado, o diabo e o mundo. E todos quantos se guem a Cristo recebem a promessa de vida eterna e de que herdará todas as coisas boas que hão de se manifestar (comparar Hb 10.1). Este versículo consiste de duas partes: uma promessa de herança e uma alusão messiânica aplicada aos crentes. Primeiro, o verbo herdar ocorre somente aqui em todo o Apocalipse, e doutrinariamente está em plena harmonia com os ensinos de Paulo.18Por exemplo, Paulo confiadamente escreve: “Ora, se somos filhos, então somos herdeiros - herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8.17; e ver G13.29; 4.7; E f 3.6; Tt 3.7). Nós, como seguidores de Cristo, herdamos todas as bênçãos de um novo céu e uma nova terra. Para nós, é inquebrável o elo entre ser filhos de Deus e ser herdeiros. Enquanto Jesus é o Filho unigénito, somos filhos e filhas adotados. E enquanto Jesus herda todas as coisas (Hb 1.2), nós somos co-herdeiros que partilham de todas as suas bênçãos.19 Segundo, João cita 2 Samuel 7.14, porém modifica a fraseologia para adaptá-la ao seu propósito teológico. A promessa de Deus dada por meio de Natã ao rei Davi acerca de Salomão como seu sucessor ao trono profeticamente apontava para o Filho de Deus: “Eu serei seu Pai e ele será meu filho.” No Apocalipse, porém, João escreve: “E eu lhe serei por Deus, e ele me será por filho.” Note que ele substitui a pala vra pai por Deus, porque, em Cristo, Deus nos adotou para sermos seus filhos e filhas, e nos fez membros de sua família (comparar 2Co 6.18). No Apocalipse, João nunca chama Deus de Pai dos crentes; no entanto, ele é o Pai de Cristo (1.6; 2.27).20
8. Quanto aos covardes, aos incrédulos, aos detestáveis, aos assassinos, aos fornicadores, aos feiticeiros, aos idólatras e aos enganadores, sua parte será no lago de fogo e enxofre, que é a segunda morte. 18. Henry Barclay, Sw ete, Com m entary on R evelation (1911; reimp. em Grand Rapids: Kregel, 1977), p. 281; Isbon T. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reimp. em Grand Rapids: Baker, 1979), p. 752; Robert L. Thomas, Revelation 8 -2 2 : An Exegetical Com m entary (Chicago: M oody, 1995), p. 449. 19. H ughes, R evelation, p. 225. 20. John R M. Sw eet, R evelation, WPC (Filadélfia: Westminster, 1979), p. 300.
A p o c a l ip s e 21.1-8
704
Uma vez mais entra em cena o contraste entre o povo de Deus e os ímpios. Os versículos precedentes (vs. 5-7) foram dirigidos aos santos na terra que são perseverantes; este versículo, porém, lista as pessoas a quem Deus condena ao lago de fogo e enxofre. Em suma, este seg mento olha diretamente para a renovação de todas as coisas, e ao mes mo tempo focaliza a atenção na realidade desta era pré-consumatória. Este duplo enfoque também ocorre em duas passagens adicionais (v. 27; 22.14, 15). Aqui João lista um longo catálogo dos que não fazem parte do reino de Deus. a. Os covardes. Os primeiros são os indecisos. São postos no topo da lista em contraste com todos os crentes da terra, que sofrem perse guição e dificuldades por causa de Cristo. Em vez de viverem uma vida de dedicação ao Senhor, temem o perigo e fogem das conseqüências de confessar o nome de Jesus. São as pessoas a quem João descreve como aqueles que nos abandonam, os quais não fazem parte de nossa companhia (lJo 2.19). b. Os incrédulos. Tais pessoas se assemelham aos covardes no fato de que são infiéis a Deus e a seus mandamentos, e por isso se entregam ao cepticismo e ao agnosticismo. Enquanto as palavras de Deus são fiéis e verdadeiras (v. 5), as deles são precisamente o oposto - são indignas de confiança. c. Os detestáveis. Este termo grego (ebdelygmenoi), com seus cognatos, aponta para aquelas pessoas que se deixam poluir pelo mundo.21Vão após um estilo de vida que é diametralmente oposto ao ensino bíblico, e tornam-se uma abominação aos olhos de Deus. Eles cultuam a besta (17.4). d. Os assassinos. João menciona esta palavra duas vezes, aqui e em 22.15. Mas o conceito d@s inimigos derramando o sangue do povo de Deus aparece reiteradamente; os santos são mártires por causa de Cristo (2.10, 13; 6.10; 16.6; 17.6; 18.24; 19.2). e. Os fornicadores [pessoas imorais]. Os pecados de homicídio e imoralidade sexual são freqüentemente conectados, como um pecado que leva a outro pecado. Se a prostituição era galopante nos dias de João, assim também hoje. A fornicação é a ordem do dia, e assim também se 21. Consultar Wemer Foerster, TDNT, 1.598-600; Joscf Zrnijcwski, EDNT, 1.209,210; e G. R. Beasley-M urray, The B ook o f R évélation, NC B (Londres: Oliphants, 1974), p. 314.
705
A p o c a l ip s e 21.1-8
dá com o adultério. O mundo está gradualmente se afundando no mais profundo pântano da imoralidade sexual, inclusive a homossexualidade. f. Os feiticeiros. O termo grego pharmakoi deu origem ao derivati vo pharmacy (22.15; e as palavras relacionadas em 9.21; 18.23). A palavra significa o uso de drogas para encantar pela prática de feitiçaria e enganar as pessoas (Êx 22.18; Lv 20.6, 27). Deus condena as fórmu las mágicas e a feitiçaria; ele ordenou a Moisés que matasse os que consultassem os adivinhos; e o profeta Naum associa a mágica e a feiti çaria com a imoralidade sexual (Dt 18.10-12; Na 3.4, respectivamente). g. Os idólatras. Paulo escreve que a idolatria e a feitiçaria são obras da carne (G1 5.20). E João põe os idólatras, os mágicos, os fornicadores e os homicidas fora dos portões da nova Jerusalém e os entrega à condenação eterna (22.15). h. Os mentirosos. Todas as pessoas que trocam a verdade pela mentira, Deus despacha com outros pecadores para o lago de fogo e enxofre. São para sempre separados do Deus vivo e sofrem a segun da morte.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 21.2,3 Versículo 2
A grafia de Jerusalém, ’Iepouocdrin, ocorrendo três vezes no Apocalipse (3.12; 21.2, 10), difere da mais comum, ’Iepooólup.a. A primeira translitera a palavra hebraica, enquanto que a segunda é a grafia helenista do nome. Versículo 3
Gpóvou - o TR e o Texto Principal rezam oúpavoü, como uma variante resul tante da assimilação para êic toü o ü p av o ü no versículo precedente. Xaoí - o plural é a redação preferida nos Novos Testamentos gregos (NesAl27, UBS4, BF2, Merk), e a NRSV também reza “povos”. O TR e o Texto Principal trazem o singular, mas a decisão entre singular e plural é difícil de determinar. O plural conta com apoio textual ligeiramente melhor.22Entretanto, em nosso idi oma a palavra p o vo é comumente usada coletivamente, enquanto que p o vo s é incomum. aÚTcõy 0 ê o ç - “[e ser] seu Deus.” Estas palavras parecem supérfluas de pois da frase “e Deus mesmo estará com eles”. Não obstante, o texto expandi do é a redação mais difícil. 22. Bruce M. M etzger, A Textual Com m entary on the G reek Testament, 2“ ed. (Stuttgart: D eutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 688.
A p o c a l ip s e 21.9-14
706
2. A . Cidade Santa 21.9-14
Este segmento mostra claramente, em primeiro lugar, a abordagem cíclica de João, reiterando a referência à noiva, a esposa do Cordeiro, e à Nova Jerusalém (19.7 e 21.2,9). E, em segundo lugar, em fraseologia quase idêntica, João demonstra o contraste entre a grande prostituta e a esposa do Cordeiro, a besta blasfema e a cidade santa. Aqui está o paralelo desses dois segmentos:23
Apocalipse 17.1,3 E um dos sete anjos, que tinham as sete taças, veio e me falou, dizendo: Venha, eu lhe mostrarei o julgamento da grande prostituta. E ele me levou ao deserto no espírito. Ali vi uma mulher sentada sobre uma besta escarlate cheia de nomes de blasfêmia.
Apocalipse 21.9,10 E um dos sete anjos que seguravam as sete taças cheias das últimas sete pragas veio e falou comigo, e disse: Venha, eu lhe mostrarei a noiva, a esposa do Cordeiro. E me levou no espírito a um grande e alto monte e me mostrou a cidade santa, Jeru salém, que descia do céu, da parte de Deus.
9. Um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias das últimas sete pragas falou comigo e me disse: Venha, eu lhe mos trarei a noiva, a esposa do Cordeiro. O paralelo supramencionado parece indicar que João está se refe rindo ao mesmo anjo que lhe. falou anteriormente (17.1). Ali o enfoque era a grande prostituta, quefecebeu de Deus julgamento e castigo, mas aqui é a noiva do Cordeiro. O contraste é notável e pintado em cores vivas. Este anjo vestido de linho puro, resplandecente e com uma faixa de ouro em torno de seu peito derramou a taça da ira de Deus sobre Babilônia, a Grande (15.6; 16.19). Agora ele é privilegiado em revelar a João a glória da cidade santa, a nova Jerusalém.24 23. Adaptado de Aune, Revelation 17-22, pp. 1.144,145. Ver também Beale, Revelation, p. 1.063; Krodel, Revelation, pp. 352-54. 24. Referência a Hendrik R. van de Kamp, Israel in Openbaring (Kämpen: Kok, 1990), p. 277.
707
A p o c a l ip s e 21.9-14
A grande prostituta que está montando a besta personifica a cidade ímpia de Babilônia, a Grande. A prostituta é solteira e é destruída pela besta e seus seguidores (17.15-18). Como esposo, porém, o Cordeiro supre sua esposa de tudo o que ela necessita, honra-a com grande respeito e a adorna com vestes atrativas e acessórios de grande beleza. Nos versículos restantes do Apocalipse, o Cordeiro é mencionado sete vezes (vs. 9, 14, 22, 23, 27; 22.1, 3).25 João é convidado a prosseguir com o anjo que se prontifica a mostrar-lhe a noiva, a esposa do Cordeiro. As palavras a noiva, a esposa, não devem ser lidas como se as bodas já tivessem se concretizado (com parar 19.7), mas, antes, como um noivado judeu, de uma mulher com um homem, do primeiro século. A cerimônia de noivado era equivalente às próprias bodas, desde que se entenda que o casal não mantinha rela ções sexuais durante o período entre o noivado e as núpcias. Durante esse período intermediário, a noiva era considerada como já sendo es posa de seu futuro esposo.26Isso significa que a Igreja já é a esposa do Cordeiro, ainda que as núpcias ainda não tenham se concretizado. A imagem usada neste contexto deriva de Isaías 61.10, onde o profeta se refere aos noivos, quando o noivo adorna sua cabeça e a noiva realça sua aparência com jóias. O que o anjo revela a João não é a beleza de uma jovem em preparação para as núpcias, mas a cidade santa, a nova Jerusalém, descendo do céu. A Jerusalém que do céu desce à terra é a Igreja do Senhor Jesus Cristo, que agora desce numa visão, no tempo apropriado e na realidade. A beleza completa desta Igreja não se fará evidente até que o Senhor regresse em glória. Esta é a imagem da cidade santa e da noiva supramencionada (v. 2), que traz os habitantes da nova Jerusalém a seu Senhor a um a comunhão inseparável de esposo e esposa.
10. E ele me conduziu no espírito a um alto monte, e me mostrou a cidade santa, Jerusalém, que desce do céu da parte de Deus. A profecia de Ezequiel ensina que o Espírito Santo reiteradamente tomava o profeta e o elevava. Assim o Espírito levou Ezequiel a Jerusa 25. Robert H. Mounce, The Book o f Revelation, ed. rev., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 389; Aune, Revelation 17-22, p. 1.151. 26. Joaquim Jeremias, TDNT, 4. 1.105; Walther Günther, NIDNTT, 2.585; BeasleyMurray, Revelation, p. 318.
A p o c a l ip s e 21.9-14
708
lém, à Babilônia, ao vale de ossos secos e ao templo do Senhor (Ez 3.12,14; 8.3; 11.1, 24; 37.1; 43.5). “Em visão de Deus, ele me levou à terra de Israel e me pôs em um monte muito alto” (Ez 40.2).27 O paralelo deste versículo com Apocalipse 17.3 é evidente; note, porém, a diferença. Ali o Espírito levou João ao deserto para ver a gran de prostituta; enquanto aqui ele o conduziu a um alto monte com o fim de lhe mostrar a santa cidade, Jerusalém, que desce do céu. “A Cidade Meretriz é vista em um deserto; a Cidade Noiva é vista de um monte.”28 Note também a diferença entre o relato de Ezequiel (40.2) e o de João. Em Ezequiel, a cidade está ao sul do monte; no Apocalipse, ela desce do céu, isto é, de Deus, sem indicar que está estabelecida sobre o alto monte. Além do mais, a visão de Ezequiel revela a existência de um muro que circunda a área do templo (40.5); no Apocalipse, porém, não existe templo na cidade santa, pois a presença de Deus e do Cor deiro é o templo. A nova Jerusalém é chamada santa, o que significa que a cidade foi consagrada por Deus como um lugar sem pecado; em outros ter mos, ela é perfeita em todos os aspectos. O privilégio de viver para sempre na presença de Deus nos constitui seu gracioso dom. Em dado momento na História humana, as pessoas resolveram construir a torre de Babel com o intuito de atingir o céu; Deus, porém, frustrou seus esforços (Gn 11.1-9). À guisa de contraste, Deus toma a iniciativa, trazendo a nova Jerusalém para a terra. Ela é a cidade de Deus que desce para a terra, não a dos seres humanos que decidem ligar sua cidade ao céu. A antiga Jerusalém, devastada pelo pecado, não mais pode ser chamada santa depois da morte de Jesus (ver comentário sobre 11.2). A nova Jerusalém é isenta de pecado e seu nome se resu me em a cidade santa.19
11. Ela tinha a glória de Deus, e sua radiância era como uma pedra preciosa, como pedra de jaspe cristalizada. Em pé sobre um alto monte, João é capaz de ver todo o escopo da cidade descendo. Assim o crente que se põe no topo do monte da fé é capaz de ver a extensão da Igreja de Deus. Esta Igreja aqui retratada 27. Quatro vezes no Apocalipse ocorre a frase no Espírito (1.10; 4.2; 17.3; 21.10). Muitas traduções salientam o “e” minúsculo “no espírito” ( k j v , n e b , NJB, n l t , n r s v ). 28. Swete, Revelation, p. 284. 29. Van de Kamp, Israel in Openbaring, pp. 269, 278.
709
A po c a l ip s e 21.9-14
como a santa cidade Jerusalém, é saturada de glória. A cidade propria mente dita não tem fonte de luz, senão que, para sua radiância, ela depende da glória de Deus. Assim como o sol empresta sua luz à lua, a qual por sua vez reflete a luz do sol, assim a glória de Deus ilumina a igreja, que ,por sua vez, difunde a luz. “E a cidade não precisa do sol nem da lua para iluminá-la, porque a glória de Deus a ilumina, e o Cor deiro é sua lâmpada” (v. 23; ver Is 58.8; 60.1,2,19; Ez 43.4,5). É a luz difusa de Deus que ilumina a cidade. Paulo usa terminologia semelhan te quando descreve os filhos de Deus vivendo no meio de uma geração deformada e perversa. Ele os enaltece, dizendo: “Vocês brilham como estrelas no universo” (Fp 2.15). João compara essa luz radiante da glória de Deus à da pedra precio sa, isto é, uma pedra cristalizada chamada jaspe. O jaspe cristalizado é um quartzo que difunde grande variedade de matizes que podem ser comparados à radiância do diamante (Êx 28.20; 39.13; Ez 28.13).30Ele reproduz indescritível esplendor, o qual João transmite com muitos de talhes no restante do capítulo. É bom termos em mente que ele está descrevendo o que lhe é permitido ver, comparando-o àquilo que os seres humanos podem compreender.
12. Ela tinha um muro grande e alto, com doze portões e em cada portão, doze anjos, e, nos portões, inscritos os nomes das doze tribos de Israel: 13. havia três portões ao leste, três ao norte, três ao sul e três ao oeste. A descrição que João faz da cidade santa comunica segurança, porquanto o muro que é tanto grande quanto alto, o que transmite segu rança. Além disso, os doze anjos que guardam as doze entradas estão ali para m anter vigilância sobre o movim ento dentro e fora. Em contrapartida, a totalidade dos doze portões nessa cidade permite livre e fácil movimentação dentro e fora dela. O número doze ocorre dez vezes neste capítulo e no seguinte (vs. 12 [três vezes], 14 [três vezes], 16, 21 [duas vezes]; 22.2). No Apocalipse, esse número sempre ilustra Deus, seu povo e sua habitação. Descreve os eleitos das doze tribos (7.5-8) e a mulher que simboliza a Igreja, com doze estrelas em sua cabeça (12.1). Representa a nova Jerusalém com doze portões, doze anjos e doze tri 30. Bauer, p. 368; Norman Hillyer, NIDNTT, 3.398; Reuben G. Bullard, “Stones, Precious”, ISBE, 4.627, 628. A n j b , no Apocalipse, consistentemente traduz o grego iaspis (jaspe) por “diamante”.
A p o c a l ip s e 21.9-14
710
bos de Israel (21.12); reúne os doze nomes dos apóstolos escritos nos doze fundamentos da cidade (21.14). E mede sua extensão, largura e altura: doze mil estádios (21.16). Em último lugar, ao longo de ambos os lados do rio que flui do trono de Deus, estão doze árvores que produzem frutos (22.2), uma referência coletiva à árvore da vida. Este número nunca se aplica a Satanás, a suas obras e a seus seguidores. Minha conclusão é que, como o sete e o dez, doze é o número da perfeição. O cenário da descrição que João faz da cidade santa procede da profecia de Ezequiel, onde o profeta apresenta um quadro de Jerusa lém com seus muros e portões (40.5; 48.30-35). Não obstante, as me dições são completamente distintas. Nos doze portões estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel; e nas doze pedras da fundação estavam escritos os nomes dos doze apóstolos (v. 14). Aqui, João mostra o elo entre os crentes da antiga e da nova dispensação, a que ele já fez menção quando fala dos vinte e quatro anciãos (4.4).31 João se contém de apresentar uma lista dos nomes das doze tribos e dos apóstolos. Em capítulo anterior ele anotou os nomes das doze tribos de Israel (7.5-8). Ezequiel, contudo, apresenta uma lista dos nomes das doze tribos nos doze portões. Os três portões ao norte constam Rúben, Judá e Levi; os três ao oriente constam José, Benjamim e Dã; os três ao sul constam Simeão, Issacar e Zebulom; e os três ao ocidente constam Gade, Aser e Naftali (Ez 48.31-34). Sem mencionar os nomes das tribos ou dos apóstolos, João pretende mostrar que a Igreja cristã e o povo da antiga dispensação estão unidos em perfeita unidade e harmonia.32 Em vez de mostrar um movimento da esquerda para a direita, isto é, do norte para o leste, sul e oeste, como em Ezequiel 48, João apre senta um movimento a estfio, isto é, do leste para o norte, sul e oeste (ver Ez 42.16-19). Não consigo explicar a ordem sem ver uma signifi cação especial. Entretanto, há certa diferença entre a visão de Ezequiel 48.30, de que os portões da cidade são saídas, e a de Apocalipse 21.2527, a qual vê os portões como entradas. Essas entradas nunca estão fechadas, para que todos quantos são santos possam entrar por elas. 31. Greijdanus, O penbaring, p. 424; Abraham Kuyper, The R evelation o f St. John , trad. John Hendrik de Vries (Grand Rapids: Eerdmans, 1935), pp. 324, 325. 32. Referência a Swete, R evelation, p. 286; David E. Holwerda, Jesus a n d Israel: One C ovenant o r Two? (Grand Rapids: Eerdmans; Leicester: Inter-Varsity, 1995), p. 110.
711
A p o c a l ip s e 21.9-14
14. E o muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles es tavam os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. O muro da cidade propriamente dito foi construído sobre um total de doze pedras de fundação, que ficavam parcialmente acima do solo e exibiam os nomes dos doze apóstolos. Com os nomes dos apóstolos no nível do solo e os nomes das doze tribos no nível dos portões, os crentes pertencentes a ambas as dispensações tinham livre acesso à cidade. Paulo relata que todas essas pessoas, como membros da família de Deus, estão “edificadas sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, com Jesus Cristo mesmo como a principal pedra angular” (Ef 2.20). Disse Jesus a seus discípulos: “Sobre esta pedra edificarei minha Igre ja ” (Mt 16.18). E o escritor de Hebreus nota que, por meio da fé, Abraão contemplava “a cidade que tem fundamentos, cujo arquiteto e edificador é Deus” (Hb 11.10). Aqui está um exemplo da unidade e harmonia das Escrituras, porque todas essas passagens comunicam uma mensagem semelhante. João salienta que os doze apóstolos são do Cordeiro, signi ficando que Jesus, por sua morte sacrificial na cruz, libertou seu povo do pecado e da culpa. Os doze apóstolos foram comissionados como arautos do evangelho de Cristo ao mundo em geral (Mt 28.19, 20). Não há necessidade de grafar os nomes dos doze apóstolos, assim como não há necessidade de escrever os nomes das doze tribos de Israel. O número doze é um símbolo do princípio da nação de Israel e do princípio da Igreja. Aliás, depois que a Igreja foi estabelecida, costumava-se falar de “os Doze” sem especificar os nomes dos apóstolos. Assim, Paulo, em sua lista das aparições de Jesus, simplesmente escre ve: “e apareceu a Pedro, e então aos Doze” (IC o 15.5). Palavras, Frases e Construções Gregas em 21.9-14 Versículo 9
xâv yenóvTcov - embora esta seja a melhor redação atestada, o caso deveria ser o acusativo em vez do genitivo. Este é um dos solecismos no Apocalipse. Versículo 10
ék loíi oupavoü áirò toü Geou - aqui está uma frase repetitiva no Apocalipse (3.12; 21.2). Versículo 11
ó c))(ooTrip - este substantivo difere pouco do substantivo c^tõç, exceto que significa a radiância de um raio de luz. O caso nominativo interrompe o fluxo da
A p o c a l ip s e 21.15-21
712
sentença e com efeito introduz uma estrutura gramatical independente, prova velmente devido ao estilo semítico coordenado de João. Versículo 12 íjouaa - o caso nominativo se deve ao caso de
15. E aquele que falava comigo tinha como medida uma vara de ouro para medir a cidade, seus portões e seus muros. Aquele que falava com João é um dos sete anjos, o qual lhe dissera que lhe mostraria a noiva, a esposa do Cordeiro (v. 9). Agora este anjo continua a revelar a João a extensão da cidade de Deus. Enquanto que anteriormente foi dada a João uma cana e se lhe ordenou que medisse o templo de Deus, o altar e os que nele adoravam (11.1), agora o anjo segura em sua mão uma cana de medir toda de ouro. A cana de ouro se harmoniza com os elementos celestiais que são feitos de ouro: candelabros, harpas, taças, coroas e altar do incen so. Inclusive as ruas são feitas de ouro puro. Quem mede a cidade com seus portões e muros não é João, e, sim, o anjo. Aqui as medições são catalogadas (v. 16), o que aao foi o caso com a medição que João fez do templo e do altar. Além disso, há uma referência semelhante à me dição da cidade, do muro e dos portões em Ezequiel 40.5-15 e 45.1,2, mas as medições diferem daquelas da nova Jerusalém. 16. E a cidade era quadrangular, de comprimento e largura iguais. Ele mediu a cidade com a vara; ela tinha dois mil e tre zentos quilômetros de comprimento; a largura e a altura eram iguais ao comprimento. A cidade da nova Jerusalém é quadrangular; acrescenta-se, po rém, que ao comprimento e à largura é feita igual medição da altura. O comprimento é de doze mil e duzentos quilômetros, assim também a
713
A p o c a l ip s e 21.15-21
largura e a altura. Aqui, pois, está um quadro de um cubo perfeito que traz à memória de uma pessoa familiarizada com o Antigo Testamento o Santo dos Santos do templo de Salomão. “O santuário interior tinha nove metros de comprimento, nove de largura e nove de altura” (lR s 6.20). Um cubo é o símbolo da perfeição. Note a diferença entre o Santo dos Santos do templo de Salomão, de onde Deus habitava entre seu povo, em uma terra pecaminosa, e a santa cidade Jerusalém, que desce do céu, de onde Deus habita com seu povo sem pecado. O tamanho da cidade, na computação humana, é deveras desconcertante, pois doze mil estádios são mais de mil e qua trocentas milhas (cerca de dois mil e trezentos quilômetros). Podemos medir o comprimento e a largura e chegar a algum resultado, mas me dir sua altura é algo incrível. Em vez de tomar literalmente tais medidas, sugiro que sejam tomadas simbolicamente como um meio de descrever o céu em termos de simetria e perfeição.33Alguns estudiosos preferem descer as dimensões da cidade a termos os mais aceitáveis possíveis. Uma emenda de mudar estádio para cúbito faz a distância total de cada lado passar para cinco quilômetros e meio.34João, porém, não está inte ressado em tornar as dimensões aceitáveis às normas humanas, porque para ele as medidas são figurativas. Por exemplo, um cubo tem doze cantos: quatro no alto, quatro embaixo e quatro nos lados. Cada canto tem doze mil estádios, que multiplicados por doze é igual a 144.000. Este é o mesmo número dos seguidores do Cordeiro (14.1).35Para João, a questão é de simbolismo.
17. Ele mediu seu muro: sessenta e cinco metros de espes sura, segundo a medida humana que o anjo estava usando. João apresenta a medição do muro, que já havia descrito como grande e alto (v. 12). Ele declara que isso é de acordo com o cálculo 33. Ver George Eldon Ladd, Com m entary on the R evelation o f John (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 282. Hughes (R evelation , p. 228) aplica o número simbólico doze mil, do tamanho da cidade, para “o grande concurso de sua população”, porém o número aponta para a perfeição. Comparar Craig S. Keener, Revelation, NIVAC (Grand Rapids: Zondervan, 2000), p. 494. 34. Consultar M. Topham (“The Dimensions of the New Jerusalém”, E xpT 100 [1989]: 417-19), o qual sugere que a expressão Filho de D eus, nas letras hebraicas, significa 144, como uma designação do Messias. 35. Referência a Kendell H. Easley, Revelation, HNTC (Nashville: Broadman & Holman, 1998), p. 199.
A p o c a l ip s e 21.15-21
714
humano usado pelo anjo, que mede 144 cúbitos (cerca de sessenta e cinco metros). A extensão de um cúbito variava de 18 a 21 polegadas (45 a 52 centímetros), medido do cotovelo à ponta do dedo médio de alguém. Não obstante, João não revela se a medição se refere à largu ra ou à altura, e assim ele deixa a questão em aberto.36A altura da cidade, de 12.000 estádios, nunca seria endossada pela espessura de 144 cúbitos, e interpretar 144 cúbitos como sendo sua altura se põe em conflito com os 12.000 estádios. Observo que, se João tem em mente a espessura ou a altura do muro, a estrutura em si parece estar fora de proporção com as dimen sões do resto da cidade. Não tomo o muro como sendo uma estrutura defensiva que circunda a própria cidade, pois a cidade santa não preci sa de defesas.37Todos os inimigos de Deus já foram eternamente con signados ao lago de fogo (v. 8). O ponto não é a largura ou a altura do muro em si, mas o número 144 como o múltiplo de doze. É o múltiplo das doze tribos representadas nos portões e dos doze apóstolos representados nos fundamentos da cidade. Portanto, o número deve ser entendido como uma figura simbólica.
18. O muro era feito de jaspe, e a cidade era de ouro puro, semelhante ao vidro transparente. Neste versículo e nos que seguem (vs. 19-21), João representa a beleza da cidade santa. Ele fala do muro e da aparência da cidade. Pri meiro, ele menciona que o jaspe é usado para a construção dos muros; a palavra jaspe ocorre quatro vezes no Apocalipse (4.3; 21.11, 18, 19). Para a cena da câmara do trono, João descreve aquele que ocupa o trono como semelhante ao jaspe (4.3). Este jaspe provavelmente seja uma va riedade de quartzo nas várias matizes do verde, amarelo, marrom e ver melho mosqueado.38Ele reflete a glória de Deus através desta pedra; é realmente um quadro de indescritível beleza. O Antigo Testamento faz referência à pedra de jaspe (ver Êx 28.20; 39.13; Ez 28.13), porém presu mimos que a pedra difere do que entendemos hoje por jaspe, uma pedra verde semipreciosa. Como uma alternativa, João descreve o brilho em sua plenitude, isto é, a radiância de Deus mesmo em luz deslumbrante. 36. As versões que adotam largura são n i v , altura são NJB, GNB, n e b e Phillips. 37. Contrastar Charles, Revelation, 2.164. 38. Reuben G. Bullard, 1SBE, 4.627.
r eb , nlt
e Peterson. As que têm adotado
715
A p o c a l ip s e 21.15-21
João escreve: “A cidade era de ouro puro semelhante ao vidro trans parente.” Ouro é um metal e não é transparente como o vidro. É possí vel que João tenha em mente o esplendor cintilante desse metal, por quanto para ele o ouro significa a perfeição do céu. Além disso, ele usa a palavra semelhante para indicar que o ouro se assemelha ao vidro transparente, como uma substância reluzente. Embora nos tempos an tigos o vidro fosse opaco, em um versículo subseqüente ele escreve novamente sobre sua perspicuidade: “as ruas da cidade eram de ouro puro semelhante ao vidro transparente” (v. 21). O interesse do escritor não está em inconsistências aparentes, tais como ouro transparente, mas, antes, está na perfeição, no sentido da perspicuidade do vidro em sua forma pura.
19. Os fundamentos do muro da cidade eram adornados com toda espécie de pedra preciosa. O primeiro fundamento era de jaspe; o segundo, de safira; o terceiro, de calcedônia; o quarto, de esmeralda; 20. o quinto, de sardônio; o sexto, de sárdio; o sétimo, de crisólito; o oitavo, de berilo; o nono, de topázio; o décimo, de crisóprazo; o décimo primeiro, de jacinto; e o déci mo segundo, de ametista. A ênfase posta no número doze é relativa tanto às pedras da funda ção quanto às pedras preciosas, as quais nos lembram o peitoral que o sumo sacerdote usava quando entrava no Santo dos Santos. Cada uma das doze pedras tinham o nome de uma das doze tribos de Israel, de modo que quando o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos ele representava todo o povo de Deus. O peitoral era um quadrado: um palmo de comprimento e um palmo de largura (Êx 28.16; 39.9). Muitas das pedras mencionadas aqui são parte do peitoral do sumo sacerdote, o qual tinha quatro fileiras de três pedras cada (Êx 28.17-21; 39.10-14; comparar Ez 28.13).39À luz da lista de Êxodo, os oito nomes em itálico aparecem também no relato de João. 39. Charles (Revelation, 2.165-69) alega que a ordem é o oposto daquela de um esquema do zodíaco antigo. Essa teoria, porém, carece de confirmação; ver T. F. Glasson: “A Ordem das Jóias no Apocalipse xxi.19,20: Uma Teoria Eliminada”, JTS 26 (1975): 95100. Consultar também W. W. Reader: “As Doze Jóias do Apocalipse 21.19, 20: As interpretações históricas tradicionais e modernas”, JBL 100 (1981): 433-57; M. Wojciechowski, “Apocalipse 21.19, 20: Des Titres Christologiques Cachés dans la Liste des Pierres Précieuses”, NTS 33 (1987): 153, 154.
A p o c a l ip s e 21.15-21
716
rubi, topázio, berilo turquesa, safira, esmeralda jacinto, ágata, ametista crisólito, ônix, jaspe Sinto-me impossibilitado de explicar por que a lista de João difere daquela no relato de Êxodo acerca do peitoral do sumo sacerdote. A conexão do peitoral com as pedras da fundação da cidade santa pa rece estar na profecia de Isaías 54.11, 12 concernente à restauração de Jerusalém: “O cidade aflita ... eu a edificarei com turquesas. Farei de rubis seus escudos, de carbúnculos suas portas, e de pedras precio sas seus muros” (ver também Tobias 13.16, 17).40No contexto, o Se nhor Todo-Poderoso é o esposo que recebe de volta sua esposa com profunda compaixão, e então a acumula profusamente com jóias cin tilantes e pedras preciosas (Is 54.5-7, 11, 12). João adota o sim bolis mo de Isaías, da esposa e da cidade, em termos de povo de Deus e da nova Jerusalém. Entre os doze portões da cidade santa havia doze pedras de funda ção. Cada uma dessas pedras tinha o nome de um dos doze apóstolos escrito nela (ver v. 14). O embelezamento desses fundamentos com doze tipos de pedras preciosas não é tanto uma referência ao esplendor e riqueza da cidade santa, mas à glória e santidade de Deus.41 Não existem significados velados nas pedras preciosas individuais. O jaspe é associado ao muro e agora também à primeira pedra de fundação. A safira, adornando o segundo fundamento, é uma pedra de cor azul (la p is la zu li, R EB), fre q ü e n te m en te m en cio n ad a na E scritura.42A terceira pedra é_a calcedônia, que é traduzida como “ágata” (GNB, NLT, NRSV) ou como “turquesa” (NJB). A quarta é a esmeralda, uma pedra de cor verde, a mesma esmeralda de hoje. A quinta é o sardônio, que algumas versões têm traduzido como “ônix” 40. Beale, Revelation, pp. 1.083, 1.084; Krodel, Revelation, pp. 360, 361. E ver Jan Fekkes: “His Bride Has Prepared Herself: Revelation 19-21 and Isainic Nuptial Imagery”, JBL (1990): 269-87. 41. Alan F. Johnson, Revelation, em The Expositor 's Bible Commentary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.597. 42. Êxodo 24.10; 28.18; 39.11; Jó 28.6,16; Cantares 5.14; Isaías 54.11; Lamentações 4.7; Ezequiel 1.26; 10.1; 28.13; Apocalipse 21.19. Para detalhes sobre as pedras individual mente, consultar Bullard, ISBE, 4.625-30.
717
A p o c a l ip s e 21.15-21
(GNB, NCV, n l t , NRSV) ou como “ágata” (NJB); tem listras de roxo esverdeado num fundo branco. A de número seis é a camélia, traduzida como “sárdio” (ASV, KJV, n a s b ) o u “rubi” (NJB), que tem listras colori das de um verde laranja a roxo escuro. A sétima é o crisólito, que é a “pedra dourada” (Phillips) ou o “quartzo dourado” (NJB). A oitava é o berilo de uma variedade de verde, azul ou verde azulado. A nona é o topázio, oriundo de uma variedade de cores que oscila do branco ao amarelo, azul e verde. A de número dez é o crisópraso, de cor verde maçã, traduzido por “esmeralda” (NJB). A décima primeira é o jacinto, também considerada “turquesa” (GNB, r e b ) o u “zircão” {Phillips), que varia de cinza para roxo, amarelo, verde e vermelho. E a de número doze é a ametista, variando do lilás para púrpura. Essas pedras precio sas são a radiante exibição de uma multiplicidade de matizes que repre sentam a nova Jerusalém. Presumo que tais cores sejam indescritíveis da perspectiva terrena.
21. E os doze portões tinham doze pérolas, sendo cada um desses portões uma única pérola. E a rua da cidade era de ouro puro, semelhante ao vidro transparente. João volta sua atenção uma vez mais para os portões da cidade (vs. 12, 13), descrevendo-os à luz de Isaías 54.12: “F a re i... de carbúnculos seus portões.”43 As jóias desses portões são pérolas, uma para cada um dos doze portões. E ele novamente espera que o leitor entenda simbolicamente sua descrição: doze portões e doze pérolas. Além das pedras preciosas para os muros da cidade, o construtor usou pérolas para construir seus portões. As pérolas, nas Escrituras, são altamente valiosas, como é evidente na parábola da pérola de grande preço (Mt 13.45, 46; comparar Mt 7.6; ver também lTm 2.9; Ap 18.12). Para entrar no reino do céu, o mercador vendeu todas as suas possessões e comprou a pérola de grande valor. A ênfase não deve ser posta no tamanho literal de uma única péro la da qual se possa fazer um portão, nem no valor monetário dessa pérola. João está falando figuradamente e transmite um quadro de 43. Os judeus entendiam as jóias (carbúnculos) como sendo pérolas. Ver o Talmude Babilónico, no qual o Rabi Jochanan diz: “O Santíssimo, que seja ele bendito, quando vier, trará pedras preciosas e pérolas que são trinta [cúbitos] por trinta e cortará delas dez [cúbitos] por vinte e as incrustará nos portões de Jerusalém” (Baba Bathra 75a; e ver Sanhedrin 100a). Consultar SB, 3.851, 52.
A p o c a l ip s e 21.15-21
718
perfeição. “Portões de pérolas são símbolo de beleza inimaginável e riquezas inacessíveis.”44 A rua da cidade parece ser a via principal e é usada aqui como um exemplo de todas as ruas (ver 22.2). Essa rua foi feita de ouro puro, como símbolo da perfeição celestial (ver v. 18). João a compara ao vidro transparente, o que denota pureza perfeita. Sua claridade era de um grau tal que era completamente isenta de qualquer defeito. Todos os habitantes desta cidade eram sem defeito. Enquanto que somente aos sacerdotes se permitia andar pelo piso do templo de Salomão co berto de ouro (lR s 6.30), na nova Jerusalém todos os santos andam por ruas de ouro.
Palavras, Frases e Construções Gregas em 21.16-21 Versículo 16 tc ô K a l á | i q j - o caso dativo é instrumental: “ele mediu com a cana.” E o caso genitivo em õúõeKa x L^ áôw v funciona com o um genitivo de medida.
Versículo 18 t) èvõcó)jr|ai.ç - a palavra pode ser traduzida por “construção material” ou “fundamento”. Visto, porém, que a palavra ocorre somente aqui em todo o N ovo Testamento, e raramente em outro lugar, o significado é incerto. Pode significar que a construção material preparada para o muro fosse a pedra precio sa chamada jaspe.
Versículo 19 XalKTiôcóv - o nome calcedônia, que j az por trás desta pedra, provém de ser ela extraída nas proximidades dessa cidade. O nome da cidade, contudo, deriva da palavra xcdKÓç (cobre).45 Versículo 21 àvà. l i ç 'ÉKaatoç - a preposição àvá é distributiva com o “cada um individualmente”.46
k o ítc c ,
e significa
44. William Barclay, The Revelation of John, 2a ed. (Filadélfia: Westminster, 1960), 2.275. 45. J. H. Moulton and W. F. Howard, Accidence and Word-Formation, vol. 2 of A Grammar of New Testament Greek, por J. H. Moulton et al. (Edimburgo: Clark, 1929), p. 376. 46. Friedrich Blass and Albert Debrunner, A Greek Grammar of the New Testament and Other Early Christian Literature, trad, e rev. Robert Funk (Chicago: University of Chifago Press, 1961), § 248.1.
719
A p o c a l i p s e 21.22-27
4. A Iluminação da Cidade 2 1 .2 2 -2 7
22. E não vi nela nenhum templo, porque o Senhor Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro são seu templo. 23. E a cidade não precisava do sol nem da lua para iluminá-la, porque a glória de Deus a ilumina e o Cordeiro é sua lâmpada. Por todo o Apocalipse, João menciona a presença de um templo celestial.47Reiteradamente descreve o templo como o mesmo lugar onde Deus habita, porém agora, quando Deus assumiu residência na nova Jerusalém, João escreve que a cidade santa propriamente dita se trans formou em templo. O Santo dos Santos do templo de Salomão foi construído na forma de um cubo (lR s 6.20); agora a cidade santa pro priamente dita é um cubo onde Deus habita e a qual ele enche com sua santa presença. Os santos nesta cidade nunca se afastam de sua pre sença, porque Deus nunca se afasta de seu povo. Eles têm acesso imediato e direto a ele, e não mais precisam de Cristo na qualidade de intermediário (Hb 9.24). O papel mediatório de Cristo como o Cordeiro está chegando ao fim, pois agora ele age na qualidade de noivo numa relação marital com seu povo (19.7). Ezequiel dedicou sete capítulos ao novo templo, aos sacerdotes e aos serviços religiosos (Ez 40-46), mas a construção do segundo tem plo nunca preencheu o ideal. Os homens idosos que se lembravam da beleza do templo de Salomão prantearam à vista do segundo (Ed 3.12). O cumprimento do templo ideal é refletido na promessa de Deus de viver entre seu povo para todo o sempre e no título “o Senhor está ali” (Ez 43.7 e 48.35, respectivamente).48Jesus informou à samaritana de que os verdadeiros adoradores adorariam a Deus em qualquer parte (Jo 4.21, 23), e Paulo ensinou a seus leitores que, como Igreja, eram o templo de Deus (IC o 3.16, 17; 2Co 6.16; E f 2.21, 22).49 João faz menção do Senhor Deus Todo-Poderoso e do Cordeiro no contexto do templo. Quando Deus e seu povo estiverem para sempre juntos, então as profecias veterotestamentárias concernentes ao tem plo ideal se cumprirão plenamente em Jesus Cristo. Então a presença 47. Apocalipse 3.12; 7.15; 11.1, 2, 19; 14.15, 17; 15.5, 6, 8; 16.1, 17. 48. Holwerda, Jesus and Israel, p. 65. 49. Referência a Mounce, Revelation, p. 395.
A p o c a l i p s e 21.22-27
720
de Deus e de Cristo serve como seu templo. Deus é o seu soberano Senhor, o Todo-Poderoso (1.8; 4.8; 11.17; 15.3; 16.7, 14; 19.6, 15), o qual habita com eles na nova Jerusalém. O templo e a cidade santa são um e o mesmo; João menciona esses lugares seqüencialmente. João evidentemente recorre a Isaías 60.19 (comparar Is 24.23), texto este que ele livremente adapta. Isaías 60.19
Apocalipse 21.23
O sol não sexá m ais sua luz de dia, e você não terá mais o brilho do luar, pois o Senhor será sua luz para sempre; seu Deus será sua glória.
A cidade não precisa de sol nem de lua para brilharem sobre ela, pois a glória de Deus a ilumina e o Cordeiro é sua lâmpada.
Isaías escreve sua profecia no contexto de “a Cidade do Senhor, Sião do Santo de Israel” (Is 60.14); e João registra suas palavras se guindo o título da nova Jerusalém. João volta à sentença de Isaías, “seu Deus será sua glória”, para um cumprimento messiânico “o Cordeiro é sua lâmpada” .50O S e n h o r Deus e o Cordeiro partilham da mesma gló ria (ver Jo 1.14), porque aqui o Cordeiro é a fonte de luz, e em 22.5 ela é o próprio Deus. Esta luz divina torna opacas todas as demais fontes e as torna irrelevantes. Além do mais, sol e lua, criados para marcar o tempo cósmico, cessam de funcionar na eternidade. Daí, João escre ve: “ali não há noite” (v. 25; comparar Zc 14.7). Para terminar, a fraseologia deste texto é repetida, ainda que não literalmente, em 22.5: “e não têm necessidade da luz de candeia e da luz do sol, porque o Senhor Deus os iluminará.”
24. E as nações andarão através de sua luz, e os reis da terra lhe trarão sua glória. 25. E seus portões nunca se fecharão du rante o dia, porque ali não haverá noite. 26. E lhe trarão a glória e a honra das nações. a. “E as nações andarão através de sua luz, e os reis da terra lhe trarão sua glória.” João prossegue recorrendo a Isaías 60 e seleciona os versículos 3 e 5: “As nações virão à sua luz e os reis, ao fulgor de seu alvorecer... e a você virão as riquezas das nações.” Por todo o Apocalipse, o termo as nações normalmente é uma alusão aos gentios que, devido à sua oposição a Deus, merecem sua ira. Em três ocorrências (vs. 24, 26; 50. Beale, Revelation, p. 1.093.
721
A p o c a l ip s e 21.22-27
22.2), o termo se refere às nações redimidas na nova Jerusalém. À luz da passagem da profecia de Isaías, João dá um novo significado aos concei tos nações e reis, removendo a idéia de inimizade contra Deus e seu povo (por exemplo, 18.3, 9, 23; 19.19). Ele nota que essas nações e reis são parte da família de Deus.51Jubilosamente trazem sua dádiva sacrificial de louvor: “o fruto de lábios que confessam seu nome” (Hb 13.15). Os habitantes da nova Jerusalém têm sua origem em cada tribo, língua, povo e nação; foram comprados com o sangue do Cordeiro (5.9). São parte da grande multidão que ninguém podia enumerar (7.9). Os reis da terra são dentre aqueles que têm o privilégio de governar com Cristo, porque não receberam a marca em suas frontes nem em suas mãos (20.4, 6). Por certo que essas nações e reis são cidadãos no reino de Deus e não vivem do lado de fora da cidade: “porque fora da cidade não existe senão o lago de fogo.”52 As nações andam através da luz divina que ilumina a cidade santa, e os reis da terra glorificam a Deus. Vivem na luz e, como resultado, oferecem glória e honra a Deus (v. 26). Esses habitantes não buscam sua própria glória, mas em adoração ininterrupta a oferecem a Deus.53 b. “E seus portões não se fecham durante o dia, porque ali não há noite.” João continua emprestando da profecia de Isaías:
Isaías 60.11 Suas portas permanecerão abertas, jamais serão fechadas, dia e noite, para que lhe tragam as riquezas das nações.
Apocalipse 21.25,26 Suas portasjamais se fecharão de dia, pois ali não haverá noite. A glória e a honra das nações lhe serão trazidas.
51. G. B. Caird (A Com m entary on the Revelation o f St. John the D ivine [Londres: Black, 1966], p. 279) interpreta “as nações” como sendo aqueles que tinham pisado a cidade santa sob seus pés, a quem a grande meretriz seduzira, e “que finalmente foram reduzidos a sujeição pelos exércitos de Cristo”. Além disso, Cristo subjugou “os reis”, os quais causaram indizível sofrimento ao povo de Deus. Comparar Sweet, R evelation, p. 308; e Mathias Rissi, The Future o f the World, Studies in Biblical Theology 23, 2d series (Londres: SCM, 1972), pp. 73,74. Mas essa exegese pouco adianta visto que tais reis e exércitos foram mortos pela espada de Cristo e pereceram (19.18, 21). Além disso, a profecia de Isaías nota que as nações e reis, atraídos pelo esplendor da luz de Deus, oferecem presentes e proclamam os louvores ao Senhor (60.3, 6). 52. Krodel, R evelation , p. 365. 53. Bauckham, C lim ax o f P rophecy , pp. 314-16.
A p o c a l ip s e 21.22-27
722
Nos tempos antigos, os portões de uma cidade eram fechados, quando a noite descia, para a segurança e tranqüilidade dos cidadãos. Aqui, porém, João muda a fraseologia de Isaías e diz: “E seus portões jamais se fecharão durante o dia”, e então adiciona: “porque ali não há noite.” Ele subentende que, uma vez que o sol e a lua já deixaram de funcionar, a cidade santa vive na luz de um dia eterno e desfruta da luz de Deus e do Cordeiro. Aliás, o grego usa a negativa enfática: “seus portões j a mais se fecharão.”54 Os santos na cidade santa jamais precisam de repouso, e não mais existem quaisquer trevas dentro de seus muros. Os anjos que partilham da eternidade cultuam a Deus dia e noite sem cessar (4.8); à guisa de contraste, os adoradores da besta, no inferno, não têm descanso, nem de dia nem de noite (14.11). João usa os termos cósmicos de dia e noite, porém salienta que na eternidade os santos se aquecem na luz eterna, o que implica que nunca experimentarão as trevas eternas daqueles que experimentam a segunda morte. Os portões da cidade eternamente abertos não significam que al guns seres indesejáveis, humanos ou angélicos, possam entrar nela. Ao contrário, as portas abertas sugerem que os moradores estão absoluta mente seguros de todas as forças malignas que foram condenadas ao lago de fogo e enxofre. c. “E lhe trarão a glória e a honra das nações.” O sujeito, aqui indicado como sendo eles, retrocede ao versículo 24: “As nações ... e os reis da terra.” Essas nações e reis, coletivamente, têm dobrado seus joelhos em adoração, reconhecendo Jesus como o Senhor dos senho res e o Rei dos reis. São os reis de Tarsis, de terras distantes, de Seba e Sabá. Trarão seus tributos„.glorificando e honrando ao Senhor; e se curvarão diante dele e o servirão (SI 72.10, 11). Ao mencionar cidade, nações, reis, portões, dia, noite, glória e hon ra, João usa linguagem figurativa. Seu simbolismo implica que a nova Jerusalém abarca o novo céu e a nova terra.55Deus e o Cordeiro habi 54. Em seus respectivos comentários, Aune (Revelation 17-22, p. 1.173), Charles (.Revelation, 2.173,439 n.5) e Lohmeyer (Offenbarung, p. 175) consideram o texto uma “inserção redacional” e a segunda sentença “uma corrupção devida, em parte, a xxii.5”. Suas revisões do texto são inofensivas se considerarmos João como a indicar luz eterna quando cessar o tempo cósmico. 55. Lenski, Revelation, p. 647.
723
A p o c a l ip s e 21.22-27
tam para sempre com os santos em uma criação renovada do céu e da terra, chamada cidade santa.
27. Nela jamais penetrará qualquer coisa impura, nem alguém que pratique o que é vergonhoso e enganoso, mas unicamente aqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida do Cordeiro. Enquanto os versículos precedentes revelam a vida dos santos depois do juízo, este versículo é dirigido às pessoas que vivem na terra antes desse juízo. João pronuncia uma advertência, alertando a seus leitores que estiverem ainda vivos no dia da graça. Quando chegar a consumação, já não haverá oportunidade de arrependimento e acei tação no céu. A renovação espiritual se concretiza na presente vida, não na vida por vir. Agora é o tempo de prestar atenção ao aviso divino, de arrepender-se e de sinceramente seguir o Senhor, fazendo sua vontade. O que está implícito na palavra impurol Ela aponta para qualquer ser profano ou qualquer coisa impura.56É uma expressão ritual trans mitida do judaísmo ao Cristianismo. As normas e regulamentações veterotestamentárias proibiam a qualquer um que fosse física ou espiri tualmente imundo de ter acesso aos átrios do templo; e nos tempos neotestamentários, qualquer um que recusar-se a reconhecer a Jesus como Senhor é barrado de receber o batismo e participar da comu nhão; e qualquer membro que se recusa a arrepender-se tem que en frentar a disciplina. João tem em mente as palavras de Isaías 52.1b: “Ó Jerusalém, cidade santa. Os incircuncisos não tornarão a entrar por suas portas.” O escritor do Apocalipse especifica em outra passagem o que conside ra “impuro”. Uma pessoa impura que pratica coisas detestáveis tem como companheiros “os feiticeiros, os fornicadores, os assassinos, os idólatras e todos os que amam e praticam a mentira” (22.15; ver 21.8). E os que falam enganosamente têm Satanás por seu pai (Jo 8.44) e são excluídos do reino de Deus. A guisa de contraste, as pessoas cujos nomes estão registrados no livro da vida do Cordeiro são livres para entrar na cidade santa; possuem vida eterna e pertencem a seu fiel Salvador Jesus Cristo. O Cordeiro, que os comprou com seu sangue (5.9), jamais apagará seus nomes de 56. Jan Fekkes, Isaiah and Prophetic Tradition in the Book of Revelation, JSNTSup 93 (Sheffield: JSOT, 1994), p. 274.
A p o c a l ip s e 21.22-27
724
seu livro (3.5) e lhes concederá o direito à árvore da vida e o acesso à cidade (22.14).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 21.23-27 Versículo 23 Iva - com o subjuntivo fyaívuaiv, a partícula põe limitações aos substan tivos precedentes “sol” e “lua”. Versículo 24 xa 60VT1 - este plural neutro, segundo a regra clássica, teria sido seguido por um verbo no singular; aqui, porém, iTípnTaTrjoouoLV está no plural. Isso sucede mais freqüentemente no grego neotestamentário. Versículo 26 oloouolv - o tempo futuro do verbo c^épca (trazer) tem como sujeito ou os reis da terra (v. 24), ou um plural indefinido como o pronome “eles”. Se o versículo 25 for uma interrupção do fluxo do pensamento, então o sujeito do versículo 24 é a redação preferível.
Versículo 27 Alguns manuscritos têm o particípio singular neutro tto io w , em vez de o masculino to lw v concordar com o sujeito neutro m v ko lv Óv . A sentença, po rém, não transmite o sentido do neutro, mas do masculino, como é evidente à luz do objeto direto “coisas detestáveis e enganosas” praticadas por pessoas.
E sboço (continuação) 5.
A Árvore da Vida (22.1-5)
IX. Conclusão (22.6-21) A. O Regresso de Jesus (22.6-17) B. Advertência (22.18, 19) C. Promessa e Bênção (22.20, 21)
C a p í t u l o 22 °*oS A Á rvore
da
V id a
e
C o nclusã o
( A p o c a l ip s e 22.1-21) O n 1 E ele me mostrou o rio da água da vida que, brilhante como o cris^ tal, emana do trono de Deus e do Cordeiro, 2 no meio da rua principal da cidade. E de cada lado do rio está a árvore da vida, que frutifica doze vezes por ano, uma vez a cada mês. E as folhas da árvore são para a cura das nações. 3 E já não haverá qualquer maldição. E o trono de Deus e do Cordeiro estará nela, e seus servos o servirão, 4 e contemplarão sua face. Seu nome estará em suas frontes. 5 Ali não haverá noite, e não precisam da luz de lâmpada e da luz do sol, porque o Senhor Deus os iluminará; e eles reinarão para todo o sempre. 6 Então ele me disse: Estas palavras são fiéis e verdadeiras, e o Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou seu anjo para mostrar a seus servos o que em breve deve acontecer. 7 E eis que venho em breve. Bem-aventurado é aquele que guarda as palavras da profecia deste livro. 8 Eu, João, sou quem ouviu e viu essas coisas. E quando as ouvi e vi, caí aos pés do anjo que me mostrou essas coisas para adorá-lo. 9 Então ele me disse: Não faça isso. Eu sou conservo seu e de seus irmãos, os profetas, e de quantos guardam as palavras deste livro. Adore a Deus. 10 E me disse: Não sele as palavras da profecia deste livro, pois o tempo está próximo. 11 Continue o malfeitor a fazer o mal; e continue o imundo a ser imundo; e o justo continue a praticar a justiça, e o santo continue a ser santo. 12 Eis que venho em breve. Comigo está o galardão para dar a cada um segundo sua obra. 13 Eu sou o Alfa e o Omega, o Primeiro e o Ultimo, o Princípio e o Fim. 14 Bem-aventurados são aqueles que lavam suas roupas, para que tenham o direito à árvore da vida e entrem na cidade pelos portões. 15 De fora ficam os cães, os feiticeiros, os fornicadores, os assassinos, os idólatras e todos quantos amam e praticam a mentira. 16 Eu, Jesus, enviei-lhes meu anjo para testificar essas coisas nas igrejas. Eu sou a Raiz e o Descendente de Davi, a radiante Estrela da Manhã.
727
A po c a l ips e 22.1-5
17 O Espírito e a noiva dizem: Venha! E aos que ouvem, digam: Venha! E todo aquele que tem sede venha, e aquele que quiser receba gratuitamente da árvore da vida. 18 Eu testifico a todos quantos ouvem estas palavras da profecia deste livro. Se alguém acrescentar-lhe algo, Deus lhe acrescentará as pragas escritas neste livro. 19 E se alguém tirar algo das palavras da profecia deste livro, Deus tirará sua parte na árvore da vida e na cidade santa, as quais estão descritas neste livro. 20 Aquele que testifica dessas coisas diz: Sim, eu venho em breve. Amém. Vem, Senhor Jesus. 21 A graça do Senhor Jesus seja com todos. 5.
A A rvore da V id a 2 2 .1 -5
Os primeiros cinco versículos do capítulo 22 são parte da seção anterior, e não parte da conclusão (22.6-21). Pertencem à descrição da nova Jerusalém, onde do trono de Deus emana um rio que comunica vida, com a árvore da vida junto a suas margens. Nesta seção se en contram referências conclusivas ao trono sediado na cidade, a cessa ção da noite e a luz divina que brilha para sempre. Os santos desfrutam plenamente da beleza da nova criação, na qual reinam eternamente. Aqui está um quadro do novo Jardim do Éden. A revelação de Deus começa com Adão e Eva no Paraíso, com a árvore da vida e um rio para regar esse jardim, e sua revelação se encerra com um quadro dos redimidos nesse jardim renovado com a árvore da vida e o rio da vida fluindo do trono de Deus e do Cordeiro. Eis o céu na terra. Em umas poucas linhas, um autor anônimo ex pressou a idéia de que estar com Jesus é realmente céu. A A A A A O
O Céu luz do céu é o rosto de Jesus. alegria do céu é a presença de Jesus. melodia do céu é o Nome de Jesus. atividade do céu é o serviço de Jesus. harmonia do céu é o louvor de Jesus. tema do céu é a obra de Jesus.
Paulo o expressa de forma sincera: “Temos, pois, confiança e pre ferimos estar ausentes do corpo e habitar com o Senhor” (2Co 5.8).
A p o c a l ip s e 22.1-5
728
1. E ele me mostrou o rio da água da vida que, brilhante como o cristal, emana do trono de Deus e do Cordeiro. O pronome ele aponta para o anjo (21.9) que recebeu a tarefa de revelar a João a cidade santa. O trono é a parte central na cidade, o qual é descrito como a fonte de vida. O trono, pertencente a Deus e ao Cordeiro, é a fonte do rio que fornece a água da vida. Mas a ênfase não está tanto no rio ou na água, mas na palavra vida. Jesus ofereceu à mulher samaritana junto ao poço de Jacó a água viva (Jo 4.10, 11; 7.38), isto é, a água cuja própria essência é vida.10 anjo diz a João que existe um rio com grande abundância dessa água geradora de vida, originária do trono de Deus e do Cordeiro e que flui dele. Essa água da vida significa uma corrente de bênçãos disponível a todos os santos. Registrando uma antífona celestial, João escrevera: “Pois o Cordeiro que está no centro do trono será o seu Pastor; ele os guiará às fontes de água viva” (Ap 7.17; comparar 21.6; 22.17). Os profetas igualmente descreveram um rio que emana do templo de Jerusalém. Ezequiel representa um rio fluindo do templo que se tor nou “tão profundo que só podia ser atravessado a nado” (47.5), o qual era uma fonte de vida para as árvores e os peixes (47.7-9). Zacarias escreve: “Naquele dia, águas correntes fluirão de Jerusalém” (14.8). Da mesma forma, no alvorecer da História humana, “No Éden nascia um rio que irrigava o jardim ” (Gn 2.10). A água cristalina nasce não do templo, mas do trono - não existe templo na cidade santa. A corrente tem início no trono de Deus e do Cordeiro, respectivamente. Na câmara do trono, o Cordeiro está no trono ou no centro do trono (5.6; 7.17), mas na última das sete cartas Jesus convida os laodiceng.es a sentar-se com ele no trono de seu Pai (3.21). Isto é, Pai e Filho como duas pessoas divinas ocupam o mesmo trono. João evita designar Jesus como Deus a fim de não deixar a impressão de que ele esteja ensinando a existência de dois deuses. O Pai e o Filho são um só (Jo 14.20; 17.22). 1. R. C. H. Lenski, The Interpretation o f St. John’s Revelation (Columbus: Wartburg, 1943), p. 649; Herman Hoeksema, Behold, H e Cometh! An Exposition o f the Book o f Revelation (Grand Rapids: Reformed Free Publishing Association, 1969), p. 710; David E. Holwerda, Jesus an d Israel: One C ovenant o r Two? (Grand Rapids: Eerdmans; Leicester: Inter-Varsity, 1995), pp. 78, 79.
729
A po c a l ips e 22.1-5
2. No meio da rua principal da cidade. E de cada lado do rio está a árvore da vida, que frutifica doze vezes por ano, uma vez a cada mês. E as folhas da árvore são para a cura das nações. O rio jorra, passando pelo centro da rua principal mencionada no início e descrita como feita de ouro (21.21). A descrição que João faz é compacta, contudo a imagem é clara; seu enfoque não é na rua, mas no rio. De cada lado do rio estão fileiras de árvores, as quais ele apresenta coletivamente como a árvore da vida. Deus plantou no Jardim do Éden esta árvore e a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2.9), e um querubim guardava esta árvore da vida com uma espada flamejante (Gn 3.24). Com o rio e a árvore da vida, João pinta um quadro de um Paraíso restaurado para completar o relato bíblico da História da huma nidade. Adão e Eva, expulsos do Jardim do Éden, foram impedidos de tocar a árvore da vida, mas no jardim da cidade santa todos os habitan tes têm direito de acesso a essa árvore (22.14; 2.7). A árvore da vida produz doze tipos de fruto, um a cada mês do ano. João recorre a divisões cronológicas para expressar aos seres humanos o que de outra forma seria ininteligível. Encontrando-se no lim iar da eternidade, ele tem que expressar-se em termos temporais de mês e ano. A significação dessa árvore produtora de fruto é o campo abundante, e esse alimento sustenta a vida eterna de todos quantos o comam. A última parte do versículo é problemática: “E as folhas da árvore são para a cura das nações.” Se a sentença for interpretada no sentido de que doenças e dores estarão presentes na nova Jerusalém, então o conceito perfeição terá perdido a validade. A fraseologia do próximo versículo (v. 3a) proíbe tal interpretação: “E nunca mais haverá qual quer maldição.” Alguns comentaristas consideram as palavras para a cura das nações uma referência ao efeito do evangelho nas nações por ocasião da consumação.2Mas o contexto requer uma explanação, não concernente à era evangélica, mas à eternidade. Ainda outros apre sentam uma elucidação plausível, focalizando a palavra grega para cura (therapeian), e sugerem que esta palavra se refere a uma cura tera 2. S. Greijdanus, De Openbaring des Heeren aan Johannes, K NT (Amsterdã: Van Bottenburg, 1925), p. 432; Henry Barclay Sw ete, Commentary on Revelation: The Greek Text with Introduction, Notes, and Indexes (1911; reprint, GrandRapids: Kregel, 1977), p. 300.
A p o c a l ip s e 22.1-5
730
pêutica subentendida como gerando a cura.3Acrescento que a lingua gem é simbólica e implicitamente aponta para a maldição que repousou sobre a raça humana em relação à árvore do Paraíso, o que trouxe doença, dor e morte. Mas a árvore do Paraíso restaurado provê cura para as nações, significando que seus habitantes podem desfrutar da vida eterna isentos de necessidades físicas e espirituais.4 João toma a fraseologia de Ezequiel 47.12, onde se mencionam árvores frutíferas: “Seu fruto servirá para alimento, e suas folhas, para cura.” Isso concorda com o comentário em 4 Esdras (2 Esdras) 7.123: “Que bom nos é a revelação do paraíso e de seu fruto imperecível, fonte de perfeita satisfação e cura!” ( r e b ).
3. E já não haverá qualquer maldição. E o trono de Deus e do Cordeiro estará nela, e seus servos o servirão. a. “E já não haverá qualquer maldição.” João emprestou a fraseologia de uma profecia sobre a restauração escatológica de Jerusalém: “E o povo viverá nela, e já não haverá maldição, porque Jerusalém habitará em segurança” (Zc 14.11 NASB). Depois que Adão e Eva pecaram no Paraíso, Deus pronunciou maldição sobre a criação e a raça humana (Gn 3.17-19). E essa maldição com efeito permanece até que a restau ração se concretize e todos possam livremente tomar o fruto da árvore da vida. Então a dolorosa história do pecado e suas conseqüências che gará ao fim, e nunca mais se repetirá. A maldição estará para sempre suspensa através da morte sacrificial do Cordeiro na cruz do Calvário. b. “E o trono de Deus e do Cordeiro estará nela, e seus servos o servirão.” Uma vez mais, João menciona que o trono de Deus e do Cordeiro estará na cidade santa. Ele uma vez mais e indiretamente salienta a Deidade de Cristp como sendo igual a Deus. Isso se faz evidente com o uso do pronome pessoal seu [singular] e o, na segunda sentença (ver 22.4; ver também 11.15; 20.6). Deus e o Cordeiro ocu pam o mesmo trono, enquanto os cidadãos da cidade santa, na qualida de de sacerdotes, os servirão. João expressa fraseologia semelhante 3. John F. Walvoord, The Revelation o f Jesus Christ (Chicago: Moody, 1966), p. 330; Leon Morris, R evelation, rev. ed., TNTC (Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 249; Robert L. Thomas, Revelation 8-2 2 : An Exegetical Commentary (Chicago: Moody, 1995), p. 485. 4. Consultar Robert H. Mounce, The B ook o f R evelation, rev. ed., NICNT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), pp. 399, 400.
731
A p o c a lip s e 22.1-5
em 7.15: “Portanto, estão diante do trono de Deus e o servem dia e noite em seu templo, e aquele que se assenta no trono estenderá sobre eles sua tenda.”
4. E contemplarão sua face. Seu nome estará em suas frontes. A primeira sentença contém uma mensagem digna de nota, pois em toda a Escritura lemos que ninguém pode ver a face de Deus e viver. A Moisés se permitiu vê-lo pelas costas, porém não sua face (Ex 33.20,23). Ninguém jamais viu a Deus (Jo 1.18; 6.46; lJo4.12); aqui, porém, João escreve que os santos glorificados verão sua face. Ele menciona esse fato em outro lugar: “Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é” (lJo 3.2b; comparar Hb 12.14). Deus mantém uma relação com seu povo, que é a mesma que antes da queda no Paraíso, quando ele cami nhava e dialogava com Adão e Eva no frescor do dia. Todos quantos têm o nome do Cordeiro e do Pai escrito em suas frontes (14.1) o verão. O Cordeiro redimiu seu povo e o trouxe para a presença do Pai. E através de Cristo que os santos têm o privilégio de ver Deus na eternidade. A impressão do nome divino nas frontes dos santos significa que, como habitantes da nova Jerusalém, pertencem a Deus, exibem sua imagem e semelhança e são cidadãos de seu reino. 5. Ali não haverá noite, e não precisam da luz de lâmpada e da luz do sol, porque o Senhor Deus os iluminará; e eles reina rão para todo o sempre. Este versículo é a passagem conclusiva que sintetiza o que João esteve afirmando na última parte do capítulo 21. Ao reiterar a fraseologia desta última parte, João busca salientar sua mensagem. Primeiro, ele reitera 21.25, palavra por palavra, dizendo que, na nova criação, a divi são cósmica de noite e dia não mais funcionará (Zc 14.7). Sempre have rá luz na cidade santa, o que significa que tudo quanto pertencia à antiga criação se desvaneceu. Segundo, ela ensina que no mundo restaurado o povo de Deus nunca mais precisará descansar e dormir; terão energia inesgotável para servir a Deus e louvar seu nome para todo o sempre. João reitera a fraseologia de 21.23 quando escreve que os santos não mais terão necessidade da luz de lâmpada ou do sol. Novamente salienta a igualdade entre Deus e o Cordeiro, afirmando que cada um deles serve como lâmpada para seu povo. Nas palavras de Isaías: “O S e n h o r será sua eterna luz” (60.19).
A p o c a l ip s e 22.1-5
732
Em último lugar, “e reinarão para todo o sempre” é um eco da profe cia de Daniel: “Os santos do Altíssimo, porém, receberão o reino e o possuirão para sempre - sim, para todo o sempre” (Dn 7.18; ver tam bém Dn 7.27). João não fornece detalhes, porém anteriormente escre veu que os santos se assentam com Cristo no trono de seu Pai (Ap 3.21).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 22.1,2 üôatoç - o segundo substantivo esclarece o primeiro: “água, isto é, vida eterna.” Esta interpretação traduz nitidamente a intenção de João. Em vez de pôr um período no final do versículo 1, como no grego neotestamentário, é melhor considerá-lo como uma vírgula, e pôr o período depois da primeira frase do versículo 2. “Ele procede do trono de Deus e do Cordeiro, no meio da rua principal da cidade.” èvreDGev «ai € K et0 ev - João 19.18 contém uma expressão semelhante, évieOGev k c u èvteüGev, “um de cada lado” (ver Dn 12.5 Theod.).
IX. C onclusão
22 .6-21 As similaridades entre o primeiro capítulo e o último do Apocalipse são notáveis.5Ambas as passagens se referem à revelação de Deus, obe diência à sua Palavra, à identidade do Senhor e ao testemunho às igrejas.
Apocalipse 1.1
Apocalipse 22.6
Deus deu a Jesus [sua revelação] para mostrar a seus servos o que em breve deve acontecer enviando seu anjo.
O Senhor Deus enviou seu anjo para mostrar a seus servos o que em breve deve acontecer.
Apocalipse 1.3
Apocalipse 22.7,10
Bem-aventurados são os que ouvem as palavras desta profecia e que atentam para as coisas nele escritas. Porque o tempo está próximo.
Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro pois o tempo está próximo.
5. Consultar David E. Aune, R evelation 7 -2 2 , W BC 52C (Nashville: N elson, 1998), pp. 1 .205,06; Gerhard A. Krodel, R evelation, ACNT (M inneapolis: Augsburg, 1989), pp. 368, 369.
A p o c a lip s e 22.6-17
733
Apocalipse 1.8,17
Apocalipse 22.13
Eu sou o Alfa e o Omega o Primeiro e o Último.
Eu sou o Alfa e o Omega o Primeiro e o Ultimo.
Apocalipse 1.1 Para torná-la conhecida, enviando seu anjo à seu servo João que testificou.
Apocalipse 22.16 Eu, Jesus, lhe enviei meu anjo para testificar essas coisas nas igrejas.
João menciona seu nome três vezes no capítulo 1 (vs. 1, 4, 9), e então uma vez mais no capítulo 22 (v. 8). Além disso, João, no primeiro capítulo, registra as palavras de Jesus, que o instruiu a escrever sete cartas (caps. 2 e 3); a voz de Jesus é novamente ouvida no capítulo 22 (vs. 7, 12-16, 18-20). O Espírito Santo fala na conclusão de cada uma das sete cartas (2.7, 11, 17, 29; 3.6, 13, 22), mas também em 14.13 e 22.17. O prólogo (1.3) salienta a primeira beatitude, e o capítulo 22 completa a série com a sexta e sétima (vs. 7, 12). E, finalmente, em 22.18, 19, Deus pronuncia uma advertência que é comparável a uma nota de direito autoral em um livro moderno. Em outros termos, Deus está dizendo que este livro lhe pertence e que deve ser tratado com o máximo respeito.
A. O Regresso de Jesus 22.6-17
6. Então ele me disse: Estas palavras são fiéis e verdadei ras, e o Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou seu anjo para mostrar a seus servos o que em breve deve acontecer. A glória das cenas celestiais chegou ao fim; João, porém, que voltou à realidade cósmica, está ainda na presença do anjo. O texto grego reza sucintamente: “E ele me disse”, enquanto se faz evidente que o anjo é o porta-voz (ver 22.1). Há múltiplas testemunhas na conclusão do Apocalipse. Ali está o anjo que se dirige a João e o corrige. Também está ali o próprio João, Jesus e, por fim, o Espírito Santo e a noiva (a Igreja).6 6. W illiam Hendriksen, (M ore Than Conquerors [reimp., Grand Rapids: Basker, 1982], p. 209) m enciona três: o anjo, João e Jesus.
A p o c a lip s e 22.6-17
734
Ambos, o anjo e João, dão testemunho da legitimidade do livro, a qual é absolutamente fidedigna, uma vez que Deus é o seu autor. Isso não significa que para a composição do livro João fosse um mero ins trumento literário na mão de Deus. Ele agiu como um judeu do primeiro século que usou para escrever o Grego Koinê falado por seus contem porâneos. E Deus usou João, com seus talentos, sua visão das Escritu ras e sua habilidade para compor o Apocalipse. Não obstante, Deus é o autor primário e, João, o secundário. a. “Estas palavras são fiéis e verdadeiras” é uma repetição de 21.5 (ver também 19.9). Ao reiterar essas mesmas palavras, João salienta sua indisputável confiabilidade. Alguns estudiosos têm tentado fazer uma reestruturação do Apocalipse para tornar o texto mais aceitável aos leitores modernos, mas o fato da questão é que Deus, como o gran de arquiteto, construiu este livro. João escreve: “O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou seu anjo para mostrar a seus servos” (comparar Nm 27.16). João tem em mente a obra do Espírito Santo, o qual inspirou os profetas do Antigo e Novo Testamentos, não só para falar, mas também para escrever a Palavra viva de Deus (Ap 19.10; ICo 14.32). E João recorreu a ambos os Testamentos para formular seus pensamentos no Apocalipse. Deus enviou seu anjo a João com o fim de mostrar a seus servos o que estava para vir, mas Jesus é também visto como aquele que envia (cf. vs. 6, 16). Este fato por si só ilustra uma vez mais a Deidade de Cristo. João nota que os servos que recebem esta mensagem divina são todo o povo de Deus que, implicitamente, obedece à sua Palavra (ver v. 3; 1.3; 2.20; 7.3; 19.2, 5). b. “O que em breve deve acontecer.” Estas palavras aparecem tam bém em 1.1 e são um eco'da resposta de Daniel ao rei Nabucodonosor (2.28, 29 grego antigo e Theod.). Mas ainda quando a mensagem seja sem dúvida urgente, em vista da brevidade do tempo, a pergunta concernente à sua iminência não pode ser suprimida. É claro que Jesus antecipou esta inquirição (vs. 7,12,20; ver também 2.5,16,25; 3.3,11). A partir da perspectiva humana, o cumprimento de sua promessa parece ter sido prorrogado. Mas a partir da perspectiva divina, as coisas que foram preditas estão acontecendo inclusive agora, de modo que a consumação propriamente dita é deveras iminente. O termo em breve expressa a só bria realidade de que a consumação está perto. Quando os pecados deste
735
A po c a l ip s e 22.6-17
mundo vil alcançarem o céu e não deixarem lugar para mais pecados entre o céu e a terra (18.5), então o cálice da ira transborda e o vem o fim.
7. E eis que venho em breve. Bem-aventurado é aquele que guarda as palavras da profecia deste livro. Quem é o porta-voz? Por certo que a primeira pessoa singular do pronome Eu aponta para Jesus, porquanto ele prometeu seu regresso desde o princípio. Mas ainda quando estas palavras pertençam a Jesus, é possível interpretá-las como citadas pelo anjo. Esta é a posição de muitos comentaristas,7no entanto Cristo mesmo poderia ter falado es tas palavras diretamente a João (ver vs. 12, 20). Os primeiros cristãos, no primeiro século, ao celebrarem a Ceia do Senhor, terminavam o sacramento com uma oração que terminava com a palavra Maranata (Vem, nosso Senhor!; Didaquê 10.6; ver ICo 16.22).8Sabiam que Jesus, como seu anfitrião, estava espiritualmente no meio deles. Seu desejo, porém, era tê-lo de volta fisicamente. A sexta beatitude reitera de forma abreviada as palavras da pri meira beatitude. “Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro” e “bem-aventurado aquele que lê audivelmente e aquele que ouve as palavras desta profecia e atenta para as coisas que nela estarão escritas” (1.3). Há uma óbvia conexão entre aquele que guarda e aquele que atenta. O texto grego tem um particípio presen te em “aquele que está guardando”, para indicar a tarefa contínua de voluntária e jubilosamente obedecer às palavras divinas escritas neste livro. E a frase “as palavras da profecia deste livro” aparece três vezes (vs. 10.18,19). Estas palavras apontam para o conteúdo do Apocalipse. 8. Eu, João, sou quem ouviu e viu essas coisas. E quando as ouvi e vi, caí aos pés do anjo que me mostrou essas coisas para adorá-lo. 7. Sw ete, R evelation, p. 303; IsbonT. Beckwith, The A pocalypse o f John (1919; reprint, Grand Rapids: Baker, 1979), pp. 773, 774; Thomas, R evelation 8 -2 2 , p. 497. M. Robert M ulholland Jr. (R evelation: H oly Living in an Unholy W orld [Grand Rapids: Zondervan, Frances Asbury Press, 1990], pp. 332, 333) identifica Cristo com o anjo, ao escrever que Cristo se manifesta na forma angélica. Esta interpretação enfrenta dificuldade nos dois versículos seguintes, pois ali a identificação fracassa. Homer Hailey (R evelation: An Introduction and Com m entary [Grand Rapids: 1979], p. 426) sugere que D eus é o porta-voz. 8. M ichael W ilcock, The M essage o f R evelation: I Saw H eaven O pened (Leicester: Inter-Varsity; Dow ners Grove: Inter-Varsity, 1975), p. 214.
A p o c a l ip s e 22.6-17
736
João fornece uma identificação pessoal com o pronome Eu (ver 1.9) num esforço para se certificar de que seus leitores saberão que ele, como seu líder espiritual bem conhecido, é de fato o autor deste livro. Ele usa a fórmula “eu, [e nome pessoal]”, que era comum em seus dias, pois tanto Paulo (“eu, Paulo”, G1 5.2; E f 3.1; Cl 1.23; lTs 2.18; Fm 19) quanto Jesus a empregam (“Eu, Jesus”, Ap 22.16). Ela também aparece na profecia de Daniel 7.15, 28; 8.1. O escritor é uma testemunha auditiva e visual. Daí, seu testemunho não tem por base a imaginação humana, e, sim, a revelação divina. Ele agora registra no Apocalipse tudo o que ouviu e viu, e isso não se limita à visão da nova Jerusalém.9O Livro do Apocalipse inclui sua visão de Jesus, as cartas às sete igrejas, os selos, as trombetas, as pragas, o juízo final e a nova Jerusalém. João testifica da fidedignidade do que ele pessoalmente escreveu (comparar Jo 21.24). Ele cai aos pés do anjo que lhe revelara essas coisas esmagadoras. Este é o mesmo fenômeno descrito em 19.10, onde João, ao visualizar o banquete nupcial da noiva e do noivo, cai aos pés do anjo. Ainda que os dois casos sejam idênticos, exceto em seu vocabulário, ocupam dife rentes posições no Apocalipse. O primeiro incidente se relaciona com o banquete nupcial, em cuja ocasião a Igreja e Jesus se reúnem como noiva e noivo. O segundo ocorre na conclusão do Apocalipse, quando Jesus transmite o mesmo relato por causa das ênfases.
9. Então ele me disse: Não faça isso. Eu sou conservo seu e de seus irmãos, os profetas, e de quantos guardam as palavras deste livro. Adore a Deus. As palavras do anjo são quase as mesmas que aquelas ditas por ele e registradas em 19.10: “E ele me disse: Não faça isso. Eu sou conser vo seu e de seus irmãos^fe irmãs] que sustentam o testemunho de Jesus. Adore a Deus.” Agora, porém, o anjo expande a sentença, adi cionando as palavras “dos profetas e daqueles que guardam as pala vras deste livro” . Bauckham observa que “portanto, a atitude do anjo, de rejeitar adoração, funciona agora para reivindicar autoridade para todo o livro, não provinda do anjo, mas de Deus mesmo (por isso 22.18, 19), o único a quem devemos adorar”10(Êx 20.5; Dt 5.9). A repetição 9. Richard Bauckham, The Clim ax o f P rophecy (Edimburgo: Clark, 1993), p. 256. 10. Bauckham, Climax o f Prophecy, p. 134. Ver Gregory K. Beale, The Book o f Revelation: A Com m entary on the Greek Text, N1GTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 1.128.
737
A po c a l ips e 22.6-17
não provém de um descuido do autor; ao contrário, provém de uma decisão deliberada de salientar a inspiração divina de todo o livro, cujo autor primário é Deus, o qual é digno de adoração e louvor. A admoestação inclui João e todo o povo de Deus. João e os profe tas não pertencem a um nível separado nem estão acima dos crentes comuns; são parte destes. Deus ensina que a adoração dedicada a qualquer criatura, seja a anjo, a ser humano, a animal ou a objeto inani mado, é absolutamente proibida. Enfim, só existem duas categorias de seres no universo: o Criador e sua criação. Nada, em toda a criação divina, jamais pode ser posto acima do Criador e receber culto. Assim, Jesus repele Satanás só porque ele solicitou que o Senhor o adorasse. Com base na Escritura, Jesus lhe disse que somente o Senhor Deus deve ser adorado (Dt 6.13; Mt 4.10; Lc 4.8).
10. E me disse: Não sele as palavras da profecia deste livro, pois o tempo está próximo. Uma vez mais, João evita identificar o porta-voz (ver v. 7), que provavelmente é o anjo que fala em lugar de Jesus. Assim, a fonte primária é o Senhor, que falou a João com uma ordem negativa de nunca selar as palavras desta profecia. O lado positivo desta ordem, pois, é a de publicá-las como um documento e proclamá-las a todo o povo.11A diferença entre a profecia de Daniel e o Apocalipse de João é evidente. O primeiro recebe a ordem de encerrar e selar as palavras de sua profecia até o fim dos tempos (Dn 8.26; 12.4, 9; comparar Ap 10.4); o livro de João, porém, deve ser deixado sem ser selado e dispo nível a todos quantos queiram ler sua mensagem. Além disso, os apocalipses judaicos eram mantidos selados para os inexperientes.12A Palavra de Deus, porém, não está algemada, pois ela é divulgada para a concretização de seu plano e propósito (Is 55.11; 2Tm 2.9). O tempo está próximo. Esta não é uma referência a um calendário ou a um relógio; ao contrário, significa um momento oportuno ou tempo de decisão. As palavras são idênticas a 1.3, de modo que, na abertura e no encerramento do Apocalipse, soa a mesma nota de urgência. Deus está alertando seu povo para que esteja preparado no fim dos tempos. 11. Ernst Lohmeyer, D ie Offenbarung des Johannes, HNT 16(Tübingen: Mohr, 1970), p. 179. 12. Em 4 Esdras (2 Esdras) 12.37,38; 1 4 .5 ,6 ,4 5 -4 7 , é clara a ordem de esconder o livro e de revelar seu conteúdo somente aos sábios. Ver Aune, R evelation 1 7 -2 2 , p. 1.216.
A p o c a l ip s e 22.6-17
738
11. Continue o malfeitor a fazer o mal; e continue o imundo a ser imundo; e o justo continue a praticar a justiça; e o santo continue a ser santo. O método de João formular contrastes se sobressai nestas quatro sentenças. As duas primeiras apresentam aspectos negativos, e as duas últim as, aspectos positivos. A prim eira e a terceira sentença se correspondem, como sucede com a segunda e a quarta. Isto é, fazer o mal é posto em contraste com praticar a justiça; e ser imundo é o opos to de ser santo. 1. Continue o malfeitor a fazer o mal 2. Continue o imundo a ser imundo
3. Continue o justo a praticar a justiça 4. Continue o santo a ser santo
A primeira e a terceira linha salientam os feitos de alguém, enquan to a segunda e a quarta linhas enfatizam o caráter da pessoa.13A se gunda, terceira e quarta sentenças começam com a conjunção e, o que é característica do estilo coordenado de João escrever. No grego, os imperativos na terceira pessoa aparecem quatro ve zes nas sentenças, caracterizado pela expressão que continue. Isso pode ser o equivalente ou de uma exortação positiva (como “que o ímpio abandone seu caminho”) ou de retraimento (como “que ele seja”).14 Suscita-se uma objeção a esta interpretação, ou seja, que as quatro linhas salientam a mesma ordem e por isso devem ser entendi das “da mesma maneira imperativa”.15João, porém, dividiu a humani dade em dois grupos: os que fazem o mal e são imundos, e os que praticam a justiça e são santos. A palavra continue, ocorrendo em todas as quatro sentenças^ndica um processo contínuo. Ela conduz ou a uma vida de degradação ou a uma vida de santidade. “Alguém ou cresce na graça e estatura como cristão, ou se afunda no mais profundo abismo de entorpecimento e indiferença como pecador; não há meio termo.” 16 O pecador e o santo ou regridem ou progridem em sua vida espiritual. O pecador regride da incredulidade para a deso bediência, da desobediência para a negligência, da negligência para a 13. Kendell H. Easley, Revelation, HNTC (Nashville: Broadman & Homan, 1998), p. 419. 14. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 208. 15. Beale, R evelation, p. 1132; M ounce, R evelation, p. 406 n.18. 16. Hailey, R evelation, p. 428.
739
A p o c a l ip s e 22.6-17
apostasia e da apostasia para o embotamento do coração. O santo continua a fazer progresso em uma vida que o conduz da fé para a prática da obediência, da obediência para a alegria e da alegria para a infindável bem-aventurança no Senhor. O caráter do pecador inflexível é decididamente anticristão; o do santo, porém, é marcado pela justiça e a santidade. Há ecos do Antigo Testamento nesta série de contrastes. No final da profecia de Daniel lemos: Muitos serão purificados, alvejados e refinados, porém os ímpios continuarão ímpios. Nenhum dos ímpios levará isso em consideração, os sábios, porém, entenderão. (Dn 12.10; comparar Ez 3.27)
Isso não implica que Deus fracassa ao chamar o pecador ao arre pendimento. “Arrependimento é sempre uma opção decisiva enquanto a pessoa está viva.”l7Ezequiel dedica todo um capítulo à vida do justo em confronto com a vida do ímpio, e em sua conclusão ele escreve: “Porque não tenho prazer na morte de ninguém, declara o Soberano Senhor. Arrependa-se e viva!” (Ez 18.32).
12. Eis que venho em breve. Comigo está o galardão para dar a cada um segundo sua obra. 13. Eu sou o Alfa e o Omega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim. As palavras do versículo 12 são uma confirmação do versículo pre cedente (v. 11). Jesus diz que em breve ele virá (ver vs. 7, 20) e então recompensará a cada ser humano segundo as suas obras. Mas é possível interpretar galardão como um pagamento pela obra realizada? Primeiro, a promessa do regresso de Jesus significa alegria e felici dade para o crente, porém medo e remorso para o incrédulo. Seu re gresso deve ser visto contra o cenário do último juízo, quando o justo tomar posse do galardão celestial e o injusto estiver nas trevas exterio res (Mt 25.31-46). 17. Alan F. Johnson, R evelation , em The E xp o sito r’s B ible Com m entary, org. Frank E. Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1981), 12.601.
A p o c a l ip s e 22.6-17
740
Segundo, na Escritura não há obras de justiça: “nenhum cálculo trivial de recompensa; nenhuma contabilidade de boas obras (só más); nenhum a correspondência entre realização e galardão.” 18O termo galardão não tem nenhuma conexão com o conceito “tesouro celestial” (Mt 6.19), porque qualquer galardão que porventura Deus dê é com base na graça imerecida. O dom da salvação é pura graça, é imerecido e sem preço. Quando Jesus diz que ele virá em breve e seu galardão estará com ele, o que ele faz é reformular as palavras registradas nas Escri turas veterotestamentárias. “O Soberano, o Senhor, vem com poder! Com seu braço forte ele governa. Sua recompensa com ele está, e seu galardão o acompanha” (Is 40.10; ver também SI 28.4; Jr 17.10). Em sua carta à igreja de Tiatira, Jesus diz que retribuirá a cada um deles de acordo com seus feitos (Ap 2.23; comparar 18.6; e 20.12, 13). Essas passagens se referem à vinda de Jesus em seu papel de juiz de toda a terra. Jesus se identifica com a primeira e a última letra do alfabeto gre go, o Alfa e o Omega, e como o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim (ver 21.6). Nesta afirmação, em síntese, ele expressa três idéias que transmitem o conceito de que ele é eternamente divino. Note que no primeiro capítulo Deus se identifica com as letras Alfa e Omega; Jesus, porém, se identifica como “o Primeiro e o Último” (1.8 e 17, respecti vamente). Agora, na conclusão do Apocalipse, Jesus claramente se põe em pé de igualdade com Deus, usando as mesmas palavras de identificação. Ele é igual a Deus em poder e em autoridade.
14. Bem-aventurados são aqueles que lavam suas roupas, para que tenham o direito à árvore da vida e entrem na cidade pelos portões. a. “Bem-aventurados são aqueles que lavam suas roupas.” Com esta última e sétima beatitude, Jesus se dirige aos santos na terra, deno minando bem-aventurados aqueles que lavam suas roupas. Sua inten ção é dizer que suas roupas estão sujas por causa do pecado, o qual só pode ser removido pelo sangue de Cristo. O verbo lavar é um particípio no tempo presente para indicar que o pecado é uma agência poluidora contínua que necessita de repetidas purificações. Anteriormente João 18. W ilhelm Pesch, EDNT, 2.433. Ver também Paul Christoph Bõttger, NIDNTT, 3.14144; Herbert Preisker, TDNT, 4.716-19.
741
A p o c a l ip s e 22.6-17
registrou as palavras de um ancião que o havia instruído concernente ao estado dos santos no céu. “Estes são os que vieram da grande tribulação e lavaram suas roupas e as alvejaram no sangue do Cor deiro” (7.14). Enquanto as palavras do ancião são dirigidas aos san tos no céu, cujas roupas foram lavadas para todo o sempre (tempo aoristo), Jesus fala aos santos na terra, e por implicação insiste com eles a que lavem sua roupa repetidas vezes (tempo presente). Moisés instruiu os israelitas no M onte Sinai a lavarem suas roupas antes que Deus viesse para promulgar a lei (Êx 19.10, 14). Isso significa que ninguém pode entrar na presença de Deus com roupas sujas, pois tal ato é para ele abominável. Somente os que estão cobertos com o manto da justiça podem ter acesso à santidade de Deus (Is 61.10). Vestidos com linho puro, eles têm permissão de assentar-se à mesa do Senhor (19.8; comparar Mt 22.11-13). b. “Para que tenham direito à árvore da vida.” Adão e Eva foram expulsos do Jardim do Éden e querubins lhes barraram o acesso à árvo re da vida (Gn 3.24). Agora, porém, os santos têm perfeita liberdade de tomar do fruto dessa árvore (2.7; 22.2). Aliás, Jesus lhes outorga o direito de fazer isso. Libertados da servidão ao pecado e à culpa por meio de seu sacrifício, agora desfrutam de vida eterna com o acesso à árvore da vida desobstruído. c. “E entrar na cidade pelos portões.” Eles são o povo que tem o direito de entrar na cidade e desfrutar da residência que nunca terá fim. Seus nomes estão registrados no livro da vida, o que lhes propicia cida dania na nova Jerusalém (21.27b).
15. De fora ficam os cães, os feiticeiros, os fornicadores, os assassinos, os idólatras e todos quantos amam e praticam a mentira. Falando a pessoas na terra, Jesus uma vez mais salienta o contras te entre o crente e incrédulo. Os crentes são vestidos com roupas lim pas e têm o direito de acesso à árvore da vida e à cidadania celestial. Os incrédulos, porém, são excluídos, porque seu estilo de vida é compa rado ao “daqueles que são detestáveis, os assassinos, os fornicadores, os feiticeiros, os idólatras e todos os que são enganadores” (21.8). Es sas seis categorias são idênticas, com a exceção de que os detestáveis são agora chamados cães. Nos tempos da antiga dispensação, os cães eram desprezíveis (por exemplo, lRs 14.11; 2Rs 8.13), e um prostituto
A p o c a l ip s e 22.6-17
742
era chamado cão (Dt 23.18). Nos tempos da nova dispensação, os rabinos se referiam aos gentios como sendo cães, e Paulo inclusive designou seus oponentes nesses termos (Fp 3.2).l9Em suma, a palavra câo era um termo pejorativo, denotando alguém que deve ser evitado. Os feiticeiros, os assassinos, os idólatras, os fornicadores e os frau dulentos são mencionados e discutidos em 21.8. A repetição dessas categorias nos versículos conclusivos do Apocalipse é à guisa de ênfa se. Este fato é salientado com a adição dos verbos amar e praticar na frase “todo aquele que ama e pratica a mentira”. A adição sublinha as profundezas do pecado quando um pecador se converte da verdade para a mentira e demonstra grande deleite em agir assim. Uma suges tão plausível é que se deve considerar esta lista de vício como uma advertência ao arrependimento dirigida aos cristãos que correm o risco de perder-se (Hb 2.1; 3.12, 13; 4.1, l l ) .20
16. Eu, Jesus, enviei-lhes meu anjo para testificar essas coi sas nas igrejas. Eu sou a Raiz e o Descendente de Davi, a radi ante Estrela da Manhã. Jesus se identifica como sendo o porta-voz, fazendo uso do prono me pessoal eu, comum nas epístolas de Paulo (“eu, Paulo”, G1 5.2; Ef 3.1; Cl 1.23; lT s2.18;F m 19) e no Apocalipse (“eu, João”, 1.9 e 22.8). Jesus diz que enviou seu anjo, o que uma vez mais é indicação de sua Deidade. Em 1.1 Deus enviou seu anjo a João, enquanto aqui Jesus alega que enviou seu anjo. Note também que a mensagem do anjo é para os destinatários apresentados aqui na segunda pessoa plural, vocês, que se refere aos leitores e ouvintes do Apocalipse (1.3). O verbo testificar aparece três vezes nestes versículos conclusi vos (vs. 16,18,20) e significa o ato de dar testemunho quanto à palavra profética que Deus transmite a seu povo (1.2). Significa confirmar “es sas coisas” (isto é, o A pocalipse) transm itidas e entregues aos destinatários.21 Esses destinatários são os membros das sete igrejas, 19. Referência a Otto M ichel, TDNT, 3. 1.101, 04. 20. Thomas, R evelation 8 -2 2 , p. 507; Robert W. Wall, R evelation, NIBCNT (Peabody, Mass.; Hendrickson, 1991), p. 266. 21. Bauer, pp. 4 9 2 ,4 9 3 ; Hermann Strathmann, TDNT, 4.499. Aune (R evelation 1 7 -2 2 , p. 1.225) argumenta que o plural vocês “se refere a um círculo de profetas cristãos, cuja tarefa era transmitir a m ensagem revelatória de João às igrejas”. Ver também seu “Prophetic Circle o f John o f Patmos and the Exegesis o f Revelation 22.16”, JSN T 37 (1989); 103-16.
743
A p o c a l ips e 22.6-17
mas essas igrejas representam simbolicamente a Igreja universal, que está presente em todos os quadrantes do mundo no tempo e no espaço. Na saudação, João escreve: “João, às sete igrejas que estão na [província] da Ásia. Graça a vocês” (1.4, ênfase acrescida). Assim, o substantivo e o pronome plurais, igrejas e vocês, respectivamente apa recem no mesmo contexto, estando na ordem reversa. O paralelo es trutural na saudação (1.4) e na conclusão (22.16) é evidente; ele con firma a interpretação de que o substantivo e o pronome de fato são a mesma categoria.22 Cinco vezes no Apocalipse Jesus usa o “eu sou” para identificar-se (1.8, 17; 2.23; 21.6; 22.16). Aqui, ele se auto denomina de “a Raiz e Descendente de Davi, a brilhante Estrela da manhã”. O Antigo Testa mento fornece um cenário para esses nomes; a frase “a Raiz e Des cendente de Davi” tem sua origem em Isaías 11.1, 10 e 53.3; e “a brilhante Estrela da Manhã” é um eco de Números 24.17: “Uma estre la procederá de Jacó.” Em sua carta à igreja de Tiatira, Jesus promete a estrela da manhã a cada vencedor (2.28); e ao mencionar o dia do regresso de Cristo, Pedro informa a seus leitores que isso acontecerá quando “a estrela da manhã nascer em seus corações” (2Pe 1.19). Com o uso desta expressão, Pedro aponta para Cristo.23
17. O Espírito e a noiva dizem: Venha! E aos que ouvem, digam: Venha! E todo aquele que tem sede venha, e aquele que quiser receba gratuitamente da árvore da vida. Tudo indica ser Jesus aqui o porta-voz, e agora anuncia que a res posta às suas palavras vem de duas fontes, a saber: o Espírito Santo e a igreja na terra. Estes dois continuam a pronunciar seu apelo ao re gresso de Jesus com uma súplica no tempo presente, que significa “leva a bom termo o teu plano na História com vistas à tua vinda”.24O cla mor pela vinda do Senhor é reiterada no versículo 20 como a última petição no Apocalipse: “Amém, vem, Senhor Jesus.” O Espírito de Cristo é o Espírito do noivo; e este Espírito tem sua morada na noiva, isto é, a Igreja. Daí, no poderoso apelo do Espírito, a Igreja expressa seu anseio pelo regresso de Cristo, seu noivo. Não só o corpo orgânico da Igreja, 22. Consultar Beale, R evelation, pp. 1.145, 46. 23. Ver Sim on J. Kistemaker, Exposition o fth e E pistles o f P e te r and o fth e E pistle o f Jude, NTC (Grand Rapids: Baker, 1987), p. 270. 24. Hendriksen, M ore Than Conquerors, p. 209; Lenski, R evelation, p. 670.
A p o c a l ip s e 22.6-17
744
mas também cada crente individualmente que obedientemente respon de ao impulso do Espírito articula este anseio. O convite “Venha!” ocorre duas vezes para salientar urgência. Não obstante, o terceiro convite - “aquele que tem sede venha” não é dirigido a Cristo, mas às pessoas que clamam que ele venha. Isso causa confusão, especialmente porque a última exortação - “aquele que quiser, receba gratuitamente a água da vida” - é também um apelo evangelístico. Esta inconsistência pode ser resolvida quando interpreta mos o duplo significado do verbo vir. Primeiro, a Igreja em adoração e na celebração da Ceia do Senhor suplica a Cristo que volte (M aranata; ver Didaquê 10.6). Segundo, ao mesmo tempo a Igreja estende a to dos o convite para ir a Cristo. Escrevendo acerca da vinda do Senhor, Pedro instrui seus leitores a viverem vidas santas e piedosas, “enquanto vocês aguardam o dia de Deus e apressam sua vinda” (2Pe 3.12a), assim indicando que o povo de Deus tem parte na abreviação do tempo antes do regresso de Jesus. Falando à multidão depois da cura de um mendigo coxo, Pedro disse ao povo que se arrependesse a fim de apressar a vinda de Cristo (At 3.19, 21). Semelhantemente, cerca de 300 d.C., um rabino judeu escreveu: “Se os israelitas se arrependessem por um dia, então o Filho de Davi [o Messias] viria.”25Significando que a Igreja deve levar o evangelho ao mundo, levar as pessoas à fé e ao arrepen dimento e encher a casa de Deus. Então o fim virá e Cristo regressará. Todos os que desejam beber da água da vida podem vir e gratuita mente beber. Há um convite no Antigo Testamento, registrado em Isaías 55.1: “Venham, todos vocês que estão com sede, venham às águas; e vocês, que não possuem dinheiro algum, venham, comprem e comam! Venham, comprem vinho e leite, sem dinheiro e sem custo” (ver tam bém Jo 7.37; Ap 21.6).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 22.14-16 Versículo 14
irAúvovieç tccç oralàç aúicôi' - “lavando suas roupas.” Os principais manuscritos gregos endossam esta frase, mas o TR e o Texto Majoritário têm uma redação diferente, n o i o u v T e ç r à ç kvzolkç aikoG (“fazendo seus manda mentos”). O som das duas frases é semelhante, porém a segunda parece “ser 25. SB, 1.164. Ver Kistemaker, Epistles ofP eter, pp. 338, 339.
745
A p o c a l ip s e 2 2 .1 8 ,1 9
uma emenda de escriba”, porque João usa a expressão xipelv xàç kvxoXáç (12.17; 14.12).26 'iva - quando seguida do tempo futuro do verbo ser, a sentença é mais resultado do que propósito. Ela expressa certeza de que o que foi prometido se concretizará. Versículo 16
6TTÍ - uma tradução comum é “pois”. As variantes são ou kv (em) ou a omissão de qualquer preposição. Prefiro a redação kv.
B. A dvertência 22.18,19 18. Eu testifico a todos quantos ouvem estas palavras da profecia deste livro. Se alguém acrescentar-lhe algo, Deus lhe acrescentará as pragas escritas neste livro. 19. E se alguém tirar algo das palavras da profecia deste livro, Deus tirará sua parte na árvore da vida e na cidade santa, as quais estão descri tas neste livro. É bem provável que Jesus seja o orador, porque o pronome pessoal eu se harmoniza com o versículo 16, e o verbo testificar aparece no versículo 20, onde Jesus é o orador. Na parte introdutória e na conclusão, Jesus fala diretamente aos seus leitores e ouvintes, mas para o restante do Apocalipse ele enviou seu anjo.27Seu discurso às pessoas que ouvem as palavras da profecia deste livro repete o vocabulário semelhante dos versículos 7 e 10. O ouvir deve ser acompanhado pelo entender (comparar 1.3). A solene advertência de não acrescentar nem subtrair algo das pa lavras deste livro é comum na literatura antiga. Por exemplo, Moisés adverte os israelitas a não acrescentar nem subtrair nada dos decretos e leis que Deus lhes deu (Dt 4.2; 12.32). Esta fórmula foi anexada aos documentos da mesma forma que os manuscritos modernos são prote 26. Bruce M. M etzger, A Textual Com m entary on the Greek N ew Testament, 2a ed. (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), p. 690. 27. Sw ete, R evelation, p. 311; Thom as, R evelation 8 -2 2 ; M ounce, R evelation, p. 410; Luther Poellot, R evelation: The L ast B ook in the B ible (St. Louis: Concordia, 1962), p. 301; Greijdanus, Openbaring, p. 446. Alguns estudiosos apontam para João com o sendo o orador. Ver Jiirgen Roloff, The Revelation o fjo h n , trad. J. E. Alsup (Minneapolis: Fortress, 1993), p. 253; W ilfrid J. Harrington, R evelation, SP 16 (C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993), p. 226.
A p o c a l ip s e 22.1 8 ,1 9
746
gidos por leis de direitos autorais.28Além disso, as maldições foram acres centadas na forma de uma sentença condicional: “Se alguém acrescen tar ou tirar algo deste livro, sobre ele repousará maldição.” Paulo escre veu uma condenação semelhante quando disse aos Gálatas que, se al guém pregasse um evangelho que não fosse o evangelho de Cristo, “que o mesmo seja eternamente condenado” (G11.6-8). Agora Jesus pronun cia uma maldição sobre alguém que distorcer sua mensagem.29 Que maldições são essas? As pragas escritas neste livro incluem não só penas temporais, mas também a separação eterna do Deus vivo e a exclusão da vida eterna e da cidade santa. São aplicadas não a qualquer um que cometer um erro clerical ao copiar o manuscrito, mas a alguém que deliberadamente adulterar o texto.30Copistas que, sem intenção, cometem erros de ver e ouvir não estão incluídos. Se esse for o caso, aventuro-me a dizer que ninguém teria ousado fazer uma cópia do Apocalipse. Duas vezes nesta passagem ocorre a palavra profecia, o que signi fica que as palavras registradas neste Apocalipse estão sendo cumpri das no curso do tempo e apontam para o cumprimento quando do re gresso de Jesus. O que ele prometeu, certamente o cumprirá no tempo designado pelo Pai (Mt 24.36; At 1.7). Note que a palavra profecia aparece sete vezes no Apocalipse, e quatro delas estão no último capí tulo (1.3; 11.6; 19.10; 22.7,10,18,19).
Palavras, Frases e Construções Gregas em 22.19 átrò t o u ÇúAou - o TR traz áirò pipiou, o que não conta com o apoio dos manuscritos gregos. Em 15.16, Erasmo traduziu estas palavras da VulgataLati28. Aune (Revelation 17-22 , pp**Í208-13) faz uma lista de vários exem plos extraídos de muitas fontes. Um deles aparece em 1 Macabeus 8.30, em conexão com um tratado que os romanos fizeram com os judeus: “Mas se, no futuro, ambas as partes concorda rem em acrescentar ou rescindir algo, o que decidirem será feito; qualquer adição ou rescisão desse gênero será válida” (R EB ). 29. Segundo a L etter o f A risteas 310, 311, depois que as Escrituras hebraicas foram traduzidas para o grego, uma maldição foi pronunciada sobre qualquer um que fizesse alterações à tradução, adicionando ou omitindo qualquer das palavras que foram escritas. 30. R. H. Charles (A C riticai and E xegetical Com m entary on the R evelation o f St. John, ICC [Edimburgo: Clark, 1920], 2.223) comenta: “A s pragas são conectadas com os castigos temporais, não com os eternos.” Então ele assevera que os versículos “ 18b, 19 introduzem um a nota errônea n esses últim os versícu los”. Ele os considera uma interpolação e os põe em uma nota de rodapé (p. 445).
747
A p o c a l ip s e 22.20,21
na para o Grego. “A corrupção de ‘árvore’ para ‘livro’ ocorreu anteriormente, na transmissão do texto latino, quando um escriba acidentalmente copiou mal a palavra correta ligno ( ‘árvore’) como libro (‘livro’).”31
C. Prom essa e B ênção
22 .20,21 20. Aquele que testifica dessas coisas, diz: Sim, eu venho em breve. Amém. Vem, Senhor Jesus. Aqui está uma séria declaração feita pelos lábios de Jesus de que ele certamente voltará como prometeu (v. 12). O Espírito e a noiva lhe imploram para que venha, e todo crente sincero igualmente lhe implora para que volte (v. 17). Agora Jesus assegura a todos que, em breve, virá. Mas como sua manifestação será logo? Por certo que podemos dizer que seu regresso está mais perto agora do que nunca, já que se passaram quase dois mil anos. Não obstante, o significado deste advér bio é “sem delonga, rapidamente, imediatamente, em pouco tempo”.32 A resposta à promessa de Jesus é formulada numa oração que constitui a última petição da Escritura: “Amém, vem, Senhor Jesus.” Isto é, o crente se convence da veracidade desta promessa e a confir ma com um sincero “Amém”. 21. A graça do Senhor Jesus seja com todos. Esta bênção é breve e envolve a reminiscência da literatura epistolar de Paulo. Ela confirma que o Apocalipse é enviado como uma epístola às igrejas e como uma oração ou desejo semelhante àquela saudação na introdução (1.4). As variantes refletidas nas versões dizem respeito aos recipientes do livro. Diante da própria bênção, essas variantes são de pouca impor tância. A graça do Senhor Jesus seja com todos os que o amam, o servem e anelam por seu regresso. Palavras, Frases e Construções Gregas em 22.21 |iexà mxvTcoi' - “com todos.” Outras redações trazem “com todos os san tos” e “com todos vocês”. Destas três, a redação mais breve é a preferível.
Soli Deo Gloria 31. M etzger, Textual Com m entary, p. 690. 32. Bauer, p. 807.
B ib l io g r a f ia
C om entários Alford, Henry. James-Revelation. Vol. 4, parte 2 de. A lford’s Greek Testament: An Exegetical and C ritical Commentary. 1875. Reimp. em Grand Rapids: Guardian, 1976. Alio, Ernest B. Saint Jean I’A pocalypse. Etudes bibliques. Paris: Gabalda, 1921. Aune, David E. R evelation 1-5 . Word Biblical Commentary 52A . Dallas: Word, 1997. ---------- . R evelation 6 -1 6 . Word B iblical Commentary 52B. N ashville: N elson, 1998. ---------- . R evelation 1 7 -2 2 . Word Biblical Commentary 52C. Nashville: N elson, 1998. Barclay, William., The Revelation o f John. 2a ed. 2 vols. Filadélfia: Westminster, 1960. Barnes, Albert., N otes on the N ew Testament: R evelation. Editado por Robert Frew. Reimp. em Grand Rapids: Baker, 1949. B eale, Gregory K., The B ook o f R evelation: A C om m entary on the G reek Text. N ew International Greek Testament Commentary. Grand Rapids: Eerdmans, 1998. B easley-M urray, G. R., The B ook o f R evelation . N ew Century B ible. Londres: Oliphants, 1974. B eck w ith, Isbon T., The A p o c a ly p se o f John: Stu dies in Introduction w ith a C ritica l a n d E x e g etica l C om m entary. 1919. Reim p. em Grand Rapids: Baker, 1979. Behm , Johannes. D ie Offenbarung des Johannes. D as N eue Testament Deutsch 11. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1953. Blom berg, Craig L., M atthew . N ew American Commentary 22. Nashville: Broadman, 1992. Boer, Harry R., The B ook o f R evelation. Grand Rapids: Eerdmans, 1979. Boring, M. Eugene. R evelation. Interpretation: A B ible Commentary for Teaching and Preaching. Louisville: John Knox, 1989. Caird, G. B. A Com m entary on the R evelation o f St. John the D ivine. Harper’s N ew Testament Commentaries. N ova York: Harper and Row, 1966. Calvin, John. C om m entaries on the C atholic E pistles. Reimp. em Grand Rapids: Baker, 1981. ---------- . Com mentaries on the Epistles to the Philippians, Colossians, and Thessalonians. Reimp. em Grand Rapids: Baker, 1981. Consulte o índice de autores e as notas de rodapé para referência aos numerosos artigos m encionados no comentário.
750
BmiJOGRAFIA
Charles, R. H. A C ritical a n d E xegetical Com m entary on the R evelation o f St. John. 2 vols. International Critical Commentary. Edimburgo: Clark, 1920. Chilton, David. The D ays o f Vengeance: An E xposition o f the B ook o f Revelation. Fort Worth, Tex.: Dom inion, 1987. Colins, Adela Yarbro. The A pocalypse. Wilmington: Glazier, 1979. Düsterdieck, Friedrich. C ritical and E xegetical H andbook to the Revelation o f John. N ova York e Londres: Funk e W agnalls, 1886. Easley, K endell H. R evelation. Holman N ew Testament Commentary. N ashville: Broadman & Homan, 1998. Ellul, J. A pocalypse: The Book o f Revelation. Traduzido por George W. Schreiner. N ova York: Seabury, 1977. Fairbairn, Patrick. Ezekiel a n d the B ook o f H is Prophecy. Edimburgo: Clark, 1876. Ford, Josephine Massyngberde. Revelation: Introduction, Translation, and Commentary. Anchor B ible 38. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1975. Greijdanus, S. D e O penbaring des H eeren aan Johannes. Kommentaar op het N ieuw e Testament. Amsterdã: Van Bottenburg, 1925. H ailey, Homer. R evelation: An Introduction an d Com m entary. Grand Rapids: Baker, 1979. Harrington, W ilfrid J. R evelation. Sacra Pagina 16. C ollegeville, Minn.: Liturgical Press, 1993. Hartingsveld, L. van. Revelation. Grand Rapids: Eerdmans, 1985. Hendriksen, William. E xposição de Filipenses. Comentário do N ovo Testamento. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1992. -----------. M ore Than Conquerors: An Interpretation o f the Book o f Revelation, Reprint, Grand Rapids: Baker, 1982. Hoeksem a, Herman. Behold, H e Cometh! An Exposition o f the Book o f R evelation. Grand Rapids: Reformed Free Publishing Association, 1969. Hughes, Philip Edgcumbe. The Book o f the Revelation: A Commentary. Leicester: InterVarsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1990. Johnson, Alan F. R evelation. The E xpositor 's Bible Com m entary, organizado por Frank E. G aebelein. 12 volum es. Grand Rapids: Zondervan, 1981. K eener, C raig S. R e v e la tio n . N IV A p p lica tio n C om m entary. Grand R apids: Zondervan. 2000. K id dle, M artin. The R e ve la tio n o f St. John. R eim p. em Londres: H odder and Stoughton, 1943. Kistemaker, Sim on J. E xposição da E pístola de Tiago. Comentário do N ovo Testamen to. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003. -----------. E xposição da P rim eira Epístola aos Coríntios. Comentário do N ovo Testa mento. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003.
B iblio g rafia
751
Krodel, Gerhard A . R evelation . A ugsburg Com m entary on the N ew Testament. M inneapolis: Augsburg, 1989. Kuyper, Abraham. The R evelation o f St. John. Traduzido por John Hendrik de Vries. Grand Rapids: Eerdmans, 1935. Ladd, G eorge Eldon. A C om m entary on the R evelation o f John. Grand Rapids: Eerdmans, 1972. Lenski, R. C. H. The Interpretation o f St. John's Revelation. Columbus: Wartburg, 1943. Lohmeyer, Ernst. D ie Offenbarung des Johannes. Handbuch zum Neuen Testament 16. Tübingen: Mohr, 1970. Lohse, Eduard. D ie Offenbarung des Johannes. Das N eue Testament Deutsch 11. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1960. Luther, Martin. The Catholic Epistles. Vol. 30 de Luther’s Works, organizado por Jaroslav Pelikan. St. Louis: Concordia, 1967. M ichaels, J. Ramsey. R evelation. IVP N ew Testament Commentary series. Downers Grove: Inter-Varsity, 1997. M illigan, W illiam. The B ook o f R evelation. N ova York: Armstrong and Son, 1993. Moffatt, James. The Revelation o f St. John the D ivine. Em 5 volum es de E xposition ’s G reek Testament, organizado por W. Robertson Nicholl. Reimp. em Grand Rapids: Eerdmans, 1956. Morris, Leon. R evelation. Ed. rev. Tyndale N ew Testament Commentaries. Leicester: Inter-Varsity; Grand Rapids: Eerdmans, 1987. M ounce, Robert H. The Book o f Revelation. Ed. rev. N ew International Commentary on the N ew Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1998. M ulholland, M. Robert, Jr. Revelation: H oly Living in an Unholy World. Grand Rapids: Zondervan, Francis Asbury Press, 1990. Parker, T. H. L. C alvin ‘s N ew Testament Commentaries. Grand Rapids: Eerdmans, 1971. Poellot, Luther. R evelation: The L ast Book in the Bible. St. Louis: Concordia, 1962. R oloff, Jürgen. The R evelation o f John. Traduzido por J. E. Alsup. M inneapolis: Fortress, 1993. Seiss, Joseph A. The A pocalypse. Grand Rapids: Zondervan, 1957. Summers, Ray. W orthy Is the Lam b: An In terpretation o f R evelation . N ashville: Broadman, 1951. S w eet, John P. M. R e ve la tio n . W estm inster P elican C om m entaries. Filadélfia: Westminster, 1979. Sw ete, Henry Barclay. C om m entary on R evelation: The G reek Text with Introduction, N otes, an d Indexes. 1911. Reim p. em Grand Rapids: Kregel, 1977. Thomas, Robert L. Revelation 1-7: An Exegetical Commentary. Chicago: Moody, 1992. -----------. R evelation 8 -2 2 : An E xegetical Com m entary. Chicago: M oody, 1995. Wall, Robert W. R evelation. N ew International Biblical Commentary on the N ew Testament. Peabody, Mass.: Hendrickson, 1991.
752
B iblio g ra fia
Walvoord, John F. The R evelation o f Jesus Christ. Chicago: M oody, 1966. W ilcock, M ichael. The M essage o f Revelation: I Saw H eaven Opened. Leicester: InterVarsity; Dow ners Grove: Inter-Varsity, 1975. W ilson, G eoffrey B. Revelation. W elwyn, Inglaterra: Evangelical Press, 1985. Zahn, Theodor. D ie Offenbarung des Johannes. 2 volum es. Kommentar zum Neuen Testament 18. Leipzig: Deichert, 1924-26.
Estudos Barclay, W illiam. Letters to the Seven Churches. N ova York: Abingdon, 1957. Bauckham, Richard. The Climax o f Prophecy: Studies on the Book o f Revelation. Edim burgo: Clark, 1993. ---------- . The Theology o f the Book o f Revelation. N ew Testament Theology. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. B avinck, Herman. The L ast Things: H ope f o r This W orld a n d the Next. Organizado por John Bolt. Traduzido por John Vriend. Grand Rapids: Baker, 1996. B eale, G. K. The Book o f R evelation an d the Johannine A pocalyptic Tradition. Journal for the Study o f the N ew Testament: Supplement Series 190. Sheffield: Sheffield Academ ic Press, 2000. -----------. John's Use o f the O ld Testament in R evelation. Journal for the Study o f the N ew Testament: Supplement Series 166. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998. -----------. The Use o f D aniel in Jewish A pocalyptic Literature and in the R evelation o f St. John. Lanham, Md. University Press o f America, 1984. -----------. org. The R ight D octrine from the Wrong Text? E ssays on the Use o f the O ld Testam ent in the New. Grand Rapids: Baker, 1994. Bock, Darrell L., org. Three Views on the M illennium an d Beyond. Grand Rapids: Zondervan, 1999. Bowm an, J. W. The D ram a o f the Book o f R evelation. Filadélfia: Westminster, 1955. Brady, D. The Contribution o f British Writers between 1560 and 1830 to the Interpretation o f Revelation 13.16-18 (the'Number o f the Beast): A Study in the H istory o f Exegesis. Beiträge zur Geschichte der biblischen Exegese 27. Tübingen: Mohr, 1983. Charles, R. H. Studies in the A pocalypse. 2a ed. Edimburgo: Clark, 1915. C louse, Robert G., org. The M eaning o f the M illennium . Grand Rapids: Eerdmans, 1997. Collins, Adela Yarbro. The Com bat Myth in the Book o f Revelation. Harvard Dissertations in R eligion 9. M issoula: Scholars Press, 1976. -----------. C risis an d C atharsis: The P ow er o f the A pocalypse. Filadélfia: Westminster, 1984. Collins, John J. The A pocalypse Imagination. N ova York: Crossroad, 1992.
Court, John M. Myth and History in the Book o f Revelation. Atlanta: John Knox, 1979.
BmiJOGRAHA
753
Cullmann, Oscar. Christ an d Time: The P rim itive Christian C onception o f Time and H istory. Trad, por Floyd V. Filson. Londres: SCM , 1951. Farrer, Austin. A Rebirth o f Im ages: The M aking o f St. John's A pocalypse. Glasgow: University Press, 1949. Fekkes, Jan. Isaiah an d Prophetic Traditions in the Book o f R evelation: Visionary A ntecedents an d Their D evelopm ent. Journal for the Study o f the N ew Testament: Supplem ent Series 93. Sheffield: JSOT, 1994. Friesen, S. J. Twice Neokoros:Ephesus, Asia, an d the Cult o f the Flavian Im perial Family. Leiden: Brill, 1993. Gentry, Kenneth L., Jr. Before Jerusalem Fell: D ating the B ook o f Revelation. Tyler, Tex.: Institute for Christian Econom ics, 1989. Goppelt, Leonhard. The T ypological Interpretation o f the O ld Testament in the N ew. Trad, por Donald H. M advig, Grand Rapids: Eerdmans, 1982. Grenz, Stanley J. The M illennial M aze: Sorting Out E vangelical O ptions. Downers Grove: Inter-Varsity, 1992. Grier, W. J. The M om entous Event. Londres: Banner o f Truth Trust, 1970. Gundry, Robert H. The Church a n d the T ribulation: A B ib lic a l E xam ination o f Posttribulationism . Grand Rapids: Zondervan, 1973. Hamilton, F loyd E. The B asis o f M illennial Faith. Grand Rapids: Eerdmans, 1952. Hemer, Colin J. The L etters to the Seven Churches o f A sia in Their L ocal Setting. Journal for the Study o f the N ew Testament: Supplement Series 11. Sheffield: JSOT, 1986. H ill, Charles E. Regnum Caelorum : P atterns o f Future H ope in E arly Christianity. Oxford: Clarendon, 1992. Hoekema, Antony A. The B ible and the Future. Grand Rapids: Eerdmans, 1979 [edita do era português por Editora Cultura Cristã: São Paulo, 1989. N. do T.]. Holwerda, D avid E. Jesus and Israel: One Covenant o r Two ? Grand Rapids: Eerdmans; Leicester: Inter-Varsity, 1995. Hunter, Archibald M. Probing the N ew Testament. Richmond, Va.: John K nox, 1971. Hunter, Stephen A. Studies in the Book o f Revelation. Pittsburg: Pittsburg Printing, 1921. K uyvenhoven Andrew. The D a y o f C h rist’s Return. Grand Rapids: CRC Publications, 1999. Lawlor, Hugh Jackson. E usebiana: E ssays on the E cclesiastical H istory o f E usebius P am ph ili, ca 2 6 4 -3 4 9 A.D. B ishop o f C aesarea. 1912. Reim p. em Amsterdã: Philo, 1973. Mazzaferri, Frederick David. The G enre o f the Book o f Revelation fro m a SourceC ritical P erspective. Beiheft zur Zeitschrift für die neutestamentliche W issenschaft 54. Berlin e N ova York: de Gruyter, 1989. Mealy, J. Webb. A fter the Thousand Years. Journal for the Study o f the N ew Testament: Supplem ent Series 70. Sheffield: JSOT, 1992.
754
B iblio g rafia
Metzger, Bruce M. Breaking the Code: Understanding the Book o f Revelation. Nashville: Abingdon, 1993. Michaels, J. Ramsey. Interpreting the Book o f Revelation. Grand Rapids: Baker, 1992. M illigan, W illiam . The R evelation o f St. John. Londres: M acmillan, 1886. Morris, S. L. The D ram a o f Christianity: An Interpretation o f the Book o f Revelation. Reimp. em Grand Rapids: Baker, 1982. M oyise, Steve. The O ld Testament in the Book o f Revelation. Journal for the Study o f the N ew Testament: Supplement Series 115. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1995. Murray, George L. M illennial Studies: A Search f o r Truth. Grand Rapids: Baker, 1960. Pate, C. Marvin, org. Four Views on the Book o f R evelation. Grand Rapids: Zondervan, 1998. Paulien, Jon. D ecoding Revelation's Trumpets: L iterary Allusions and the Interpretation o f R evelation 8.7-12. Andrews University Seminary Doctoral Dissertation Series 11. Berrien Springs, M ich.: Andrews University Press, 1987. Peterson, Robert A . H ell on Trial: The Case f o r Eternal Punishment. Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reformed, 1995. Pippin, Tina. D eath an d D esire: The Rhetoric and G ender in the A pocalyse o f John. Louisville: Westminster/John Konx, 1992. Price, S. R. F. R ituals an d P ow er: The Roman Im perial Cult in A sia M inor. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. Ramsay, W illiam M. The C ities and B ishoprics o f Phrygia. Vol. 1, parts 1 and 2. 1895. Reimp. em N ova York: Arno, 1975. -----------. The L etters to the Seven Churches o f A sia an d T heir P la ce in the P lan o f the A p o ca lyp se. Londres: Hodder and Stoughton, 1904. Reim p. em Grand Rapids: Baker, 1979. R esseguie, James L. R evelation Unsealed: A N arrative C ritical A pproach to Joh n ’s A pocalypse. Biblical Interpretation Series 32. Leiden: Brill, 1998. Rissi, Mathias. The Future o f the World: An Exegetical Study o f Revelation 19.11-22.15. Studies in Biblical T heology 23, 2d. series. Londres: SCM , 1972. ---------- . Time and H istory: A Study on the Revelation. Traduzido por Gordon C. Winsor. Richmond: John Knox, 1966. Robinson, John A. T. R edating the N ew Testament. Filadélfia: Westminster, 1976. Ruiz, Jean-Pierre. Ezekiel in the A pocalypse: The Transformation o f Prophetic Language in R evelation 16.1 7 -1 9 .1 0 . Frankfurt am Main: Peter Lang, 1989. Schiissler Fiorenza, Elisabeth. The B ook o f R evelation: Justice a n d Judgment. F iladél fia: Fortress, 1985. ---------- . Invitation to the Book o f Revelation: A Commentary on the Apocalypse. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1981. Slater, Thom as B . Christ an d Community: A Socio-H istorical Study o f the C hristology o f Revelation. Journal for the Study o f the N ew Testament: Supplement Series 178.
B ib ijo g r a h a
755
Sheffield: Sheffield Academ ic Press, 1999. Stauffer, Ethelbert. Christ and the C aesars. Trad, por K. e R. Gregor Smith. Londres: SCM , 1955. Stonehouse, N ed B. The A p o ca lyp se in the A ncien t Church. G oes, Netherlands: Oosterbaan & Le Cointre, 1929. ---------- . Paul before the Areopagus and Other N ew Testament Studies. Londres: Tyndale, 1957. Tenney, Merrill C. Interpreting R evelation. Grand Rapids: Eerdmans, 1957. Thompson, Leonard L. The B ook o f R evelation: A pocalypse and Empire. N ova York e Oxford: Oxford University Press, 1990. Torrey, C. C. The A pocalypse o f John. N ew Haven: Yale University Press, 1958. Ulfgard, H. F ea st a n d Future: R evelation 7 .9 -1 7 a n d the F east o f T abernacles. Coniectanea biblica, N ew Testament Series 22. Stockholm: A lm qvist & W iksell, 1989. Van der M eulen, Ruurd Jan. D e O penbaring in het Laatste B ijbelboek. Utrecht: Den Boer, 1948. Vos, Louis A. The Synoptic Traditions in the A pocalypse. Kämpen: Kok, 1965.
Auxílios Úteis A lan, Kurt, et al., orgs. The G reek N ew T estam ent. 4 a ed. Stuttgart: D eu tsch e B ibelgesellschaft and United Bible Societies, 1993. Balz, Horst, and Gerhard Schneider, orgs. E xegetical D ictionary o f the N ew Testament. 3 vols. Grand Rapids: Eerdmans, 1990-93. Bauer, Walter. A G reek-E nglish L exicon o f the N ew Testam ent. O rganizado por W illiam F. Arndt and F. W ilbur G ingrich. 2d ed. R evisado e am pliado por F. W ilbur Gingrich e Frederick W. Danker. Chicago e Londres: U niversity o f Chica g o Press, 1979. Blass, Friedrich, and Albert Debrunner. A G reek G ram m ar o f the N ew Testament. Trad, e rev. por Robert Funk.Chicago: University o f Chicago Press, 1961. Brom iley, Geoffrey W., org. The International Standard B ible E ncyclopedia. Ed. rev. 4 vols. Grand Rapids: Eerdmans, 1979-88. Brown, Colin, org. N ew International D ictionary o f N ew Testament Theology. 3 vols. Grand Rapids: Zondervan, 1975-78. Brown, Raymond E. An Introduction to the N ew Testament. Anchor B ible Reference Library. N ova York: Doubleday, 1996. Carson, D . A. D ouglas M oo, and Leon Morris. N ew Testament Introduction. Grand Rapids: Zondervan, 1992. Charlesworth, James H., org. The O ld Testament P seudepigrapha. 2 vols. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1983.
756
B ib u o g r a fia
Clem ent o f Alexandria. Who Is the Rich M an That Shall Be Saved? N o vol. 2 de The Ante-N icene Fathers, org. por Alexander Roberts and James Donaldson. Reimp. em Grand Rapids: Eerdmans, n.d. Dana, H. E., and Julius R. Mantey. A M anual G ram m ar o f the Greek N ew Testament. 1927. Reimp. em N ova York: M acmillan, 1967. Deissm ann, G. A. Bible Studies. Reimp. em W inona Lake, Ind.: Alpha, 1979. —--------. L ight fro m the Ancient East. Traduzido por Lionel R. M. Strachan. Reimp. em Grand Rapids: Baker, 1978. Elwell, Walter A., org. Baker Encyclopedia o f the Bible. Grand Rapids: Baker, 1988. -----------. E vangelical D ictionary o f Theology. Grand Rapids: Baker, 1984. Epstein, Isidore, org. The Babylonian Talmud. Londres: Soncino, 1935. Eusebius. E cclesiastical H istorical. Traduzido por Kirsopp Lake e J. E. L. Oulton. 2 vols. Loeb Classical Library. Londres: Heinemann; Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1980. Gunthrie, Donald. N ew Testament Introduction. 4a ed. Dow ners Grove: Inter-Varsity, 1990. -----------. N ew Testament Theology. D ow ners Grove: InterVarsity, 1981. Hanna, Robert. A G ram m atical A id to the G reek N ew Testament. Grand Rapids: Baker, 1983. Irenaeus. A gainst H eresies. N o vol. 1 de The Ante-N icene Fathers, organizado por Alexander Roberts e James Donaldson. Reimp. em Grand Rapids: Eerdmans, n.d. Josephus, Flavius. Jewish Antiquités. Traduzido por H. St. J. Thackeray et al. 7 vols. Loeb Classical Library. Cambridge, Mass.: Harvard University Press; Londres: Heinemann, 1930-65. ------- — . The Jewish War. Traduzido por H. St. J. Thackeray. 2 vols. Loeb Classical Library. Cambridge, Mass.: Harvard University Press; Londres: Heinemann, 1927, 28. Justin Martyr. D ialogue with Trypho. N o vol. 1. de The Ante-Nicene Fathers, organizado por Alexander Roberts e James Donaldson. Reimp. em Grand Rapids: Eerdmans, n.d. K ittel, Gerhard, and Gerhard Friedrich, orgs. T heological D iction ary o f the N ew Testament. Traduzido por Geoffrey W. Bromiley. 10 vols. Grand Rapids: Eerdmans, 1964-76. Liddell, H. G., R. Scott, H. S. Jones, and R. M ckenzie. A Greek-English Lexicon. 9° ed. Com acréscim o revisado. Oxford: Clarendon, 1996. Metzger, Bruce M. A Textual Com mentary on the Greek New Testament. 2“ ed. Stuttgart: German B ible Society, 1960. M oule, C. F. D. An Idiom -Book o f N ew Testament Greek. Cambridge: Cambridge University Press, 1960. M oulton, James H., W. F. Howard, and N igel Turner. A G ram m ar o f N ew Testament Greek. 4 vols. Edimburgo: Clark, 1908-76.
B iblio g rafia
757
N estle, Eberhard, and Erwin N estle, orgs. Novum Testamentum G raece. Rev. Barbara and Kurt Alan et al. 27a ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1993. Roberts, Alexander, and James Donaldson, orgs. The Ante-Nicene Fathers: Translations o f W ritings o f the Fathers down to A.D. 325. 10 vols. Reimp. em Grand Rapids: Eerdmans, n.d. Robertson, A. T. A G ram m ar o f the G reek N ew Testament in the Light o f H istorical Research. Nashville: Broadman, 1934. Schneemelcher, W ilhelm, org. N ew Testament Apocrypha. Tradução para o inglês orga nizada por R. M cL. W ilson. Ed. rev. 2 vols. Cambridge: James Clarke; Louisville: Westminster/John Knox, 1991-92. Strack, H. L., and R Billerbeck. K om m entar zum Neuen Testament aus Talmud und M idrasch. 5 vols. Munique: Beck, 1922-28. Tenney, Merrill C., org. The Zondervan P ictorial E ncyclopedia o f the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1975. Thayer, Joseph Henry. Greek-English Lexicon o f the N ew Testament. N ova York: American Book, 1886. Trench, Richard C. Synonyms o f the N ew Testament. Organizado por Robert G. Hoerber. Grand Rapids: Baker, 1989. Young, Richard A . Interm ediate N ew Testament Greek: A Linguistic an d E xegetical A pproach. Nashville: Broadman & Holman, 1994.
Índice de A utores A Alford, Henry, 5 2 ,7 1 ,1 8 7 ,1 9 3 ,2 4 7 ,2 5 1 , 258, 270, 279, 290, 292, 364, 373, 3 7 8 ,5 6 4 , 596 A lio, Ernest B„ 40, 263, 305 Alsup, J. E„ 3 5 3 ,3 9 5 ,4 5 9 ,4 8 9 ,5 1 1 ,5 5 9 , 629, 642, 689, 695, 745 A ltink,W „ 518 A ngel, Gervais T. D ., 29 A une, D avid E., 94, 110, 126, 127, 136, 146, 159, 175, 192, 198, 199, 201, 205, 208, 212, 217, 218, 222, 228, 2 3 4 ,2 3 5 ,2 4 2 ,2 4 3 ,2 4 8 -2 5 0 ,2 5 4 ,2 6 4 , 270, 276, 287, 298, 305, 322, 337, 345, 348, 349, 367, 374, 383, 392, 394, 405, 412, 415, 420, 426, 433, 446 , 448, 476, 480, 481, 496, 498, 500, 511, 522, 524, 530, 531, 539, 544, 557, 565, 580, 593, 594, 595, 597, 601, 604, 605, 610, 612, 613, 616, 618, 623, 630, 631, 642, 654656, 665, 673, 683, 689, 696, 706, 707, 722, 732, 737, 742, 746
B Bachmann, M ichael, 289, 2 9 1 ,4 1 2 Baines, W. G , 50, 501 Baldwin, Joyce G., 29 B alz, Horst, 273, 644 Bandstra, Andrew, 118, 532 Bandstra, Barry L., 532 Barclay, W illiam, 27, 62, 108, 150, 153,
163, 172, 197, 209, 215, 223, 231, 237, 247, 253, 258, 263, 279, 288, 296, 324, 344, 345, 364, 367, 368, 382, 395, 412, 419, 457, 488, 522, 547, 556, 589, 620, 623, 651, 683, 703, 718, 729 Barnes, Albert, 63 Barrett, C. K., 153 Bartchy, Scott S., 625 Bauckham, Richard, 16, 20, 48, 51, 76, 8 1 ,8 5 , 86, 88, 89, 9 2 ,1 1 5 , 121, 122, 127, 165, 203, 226, 255, 263, 265, 275, 276, 285, 294, 309, 315, 316, 322, 324, 348, 375, 390, 391, 397, 405, 412, 419, 425, 427, 433, 439, 443, 476, 481, 485, 490, 495, 500, 512, 528, 530, 542, 563, 565, 568, 584, 591, 602, 6 2 3 -6 2 5 , 629, 646, 651, 652, 690, 696, 702, 721, 736 Bauer, W alter, 1 33, 1 89, 1 92, 2 2 1 , 2 4 5 ,2 9 6 ,3 1 0 ,3 4 8 ,3 8 0 ,3 8 7 ,4 0 2 ,4 3 3 , 441, 457, 514, 586, 595, 611, 630, 6 4 1 ,6 6 5 , 7 0 9 ,7 4 2 , 747 Baumgarten, Jörg, 111 ,6 9 6 Bavinck, Hermann, 23, 669 Beale, Gregory K., 27, 50, 70, 96, 111, 114, 133, 140, 141, 157, 175, 189, 203, 205, 211, 217, 226, 243, 248, 250, 265, 276, 277, 287, 299, 305, 308, 315, 319, 332, 341, 346, 365, 386, 392, 393, 405, 411, 415, 418, 420, 431, 433, 434, 451, 461, 468,
760
Í n d ic e
de
A u tores
471, 480, 481, 485, 492, 499, 509, Brown, Raymond E., 326, 450 514, 518, 529, 530, 538, 541, 547, Brown, Schuyler, 218 548, 558, 565, 572, 573, 585, 590, Biichsel, Friedrich, 559 593, 596, 610, 617, 621, 633, 641, Bullard, Reuben G„ 623, 709, 714, 716 646, 648, 650, 652, 656, 664, 669, 672, 679, 690, 697, 699, 706, 716, 720,736, 738, 743 Caird, G. B„ 97,180,193,243,245,250, Beasley-Murray, G R., 42, 43, 92, 147, 270, 287, 288, 303, 342, 412, 414, 161, 206, 234, 248, 289, 301, 370, 419, 433, 463, 487, 499, 508, 512, 374, 392, 420, 433, 448, 453, 512, 532, 538, 642, 646, 659, 687, 721 533, 555, 597, 629, 642, 650, 657, Calvino, Joäo, 62, 78, 79, 588 658, 704, 707 Carson, D. A., 43, 127 Beauvery, R., 580 Charles, J. Daryl, 261 Beckwith, Isbon T., 57, 74, 75, 88, 109, Charles, R. H„ 39, 114, 147, 203, 245, 132, 136, 139, 159, 169, 191, 206, 264, 288, 317, 344, 370, 392, 410, 221, 227, 234, 248, 289, 292, 327, 461, 490, 518, 562, 580, 625, 643, 338, 370, 376, 382, 395, 411, 415, 689,746 425, 434, 447, 451, 489, 492, 495, Charlesworth, James H. 502, 509, 546, 580, 591, 594, 595, Chilton, David, 48, 410 601, 614, 618, 651, 689, 703, 735 Clouse, Robert G., 68 Behm, Johannes, 688, 696 Collins, Adela Yarbro, 26, 264, 301, 416, Bell, Albert A., Jr., 55 448,466,480,512,538,591,615,624 Benary, F., 50, 500 Comblin, J., 315 Benoit, P ., 50 Court, John M., 96, 690 Berger, P. R., 232 Coutsoumpos, Panayotis, 178 Best, Harold M„ 273 Cullmann, Oscar, 671 Bietenhard, Hans, 139,302,365,459,460 Cuvillier, E., 343 Billerbeck, P. Blaiklock, Edward M., 163,198, 209 Blaising, Craig A., 68 Blass, Friedrich, 136,194, 221,280,338, Davis, Dale Ralph, 22 348, 358, 527, 665, 718 Day, John, 69, 127, 570 Blevins, James L., 97 de Silva, David A., 518 Blomberg, Craig L., 333 De Smidt, J. D ., 88 Bocher, Otto, 365, 460, 611 de Vaux, R., 50 Boer, Harry R„ 40, 326, 502, 571, 580, de Vries, John Hendrik, 594,669,710 683 Debrunner, Albert, 136, 194, 221, 280, Bolt, John, 23, 669 338, 348, 358, 527, 665,718 Borchert, Gerald L., 223 Deer, D. S., 175 Boring, M. Eugene, 111, 114, 673 Deissmann, Adolf, 128,174,465, 660 Bomkamm, GUnther, 348, 587 Dochhorn, J., 469 Bottger, Paulo Christoph, 440, 740 Donaldson, Terence, 34,45, 159 Bowman, John Wick, 97 Draper, J. A., 328 Brady, D., 50, 500 Düsterdieck, Friedrich, 52,258,270,276, Breslich, Arthur Louis, 640 297, 328, 396, 403, 425, 461, 502, Brown, Colin, 166,217,594,632,674,696 534, 540, 557, 597, 656
c
D
Í n d ic e
de
Dyer, C. H., 580, 611
E Easley, Kendell H., 315, 321, 345, 555, 713, 738 Edgar, Thomas R., 217 Ellingworth, Paul, 328 Elliott, J. K., 236 Erasmus, Desiderius, Erdman, Charles R., 392 Esser, Hans-Helmut, 439
F Fairbairn, Patrick, 69 Farrer Austin, 42 Fee, G. D., 40 Fekkes, Jan, 31, 523, 654, 716, 723 Feneberg, Wolfgang, 350 Feuillet, A., 247,416 Fitzer, Gottfried, 321 Foerster, Werner, 458, 459, 586, 704 Ford, Josephine Massyngberde, 74, 114, 419,492,551,569,573,595,605,695 Foxvog, Daniel A., 273 Frew, Robert, 63 Friesen, S. J., 56, 57, 149, 497 Fritsche, O. F., 50, 500 Fuller, Daniel P., 373 Fuller, J. William, 206 Funderburk, Guy B., 640 Funk, Robert, 52,136,194,221,270,280, 290,328,338,348,396,426,461,502, 527, 534, 540, 557, 656, 665, 718
G Gaebelein, Frank E., 62, 116, 121, 206, 304, 315, 393, 420, 448, 508, 571, 583, 629, 640, 684,716, 739 Gallus, Cornelius, Gentry, Kenneth L., Jr., 47, 48, 68, 410, 500 Glasson, T. F., 715 Goppelt, I .eonhard, 43 Gordon, Robert P., 372, 418
A utores
761
Green, E. M. B„ 228 Greijdanus, S., 52,86,107,109,120,136, 137, 142, 160, 169, 180, 216, 226, 233, 234, 247, 250, 258, 265, 270, 278, 305, 317, 332, 343, 363, 377, 406, 441, 451, 453, 462, 491, 517, 520, 546, 596, 612, 617, 643, 664, 674,696,700,710, 729, 745 Grenz, Stanley J., 674 Grier, W. J., 672 Gundry, Robert H., 35, 217, 625 Günther, Walter, 160,348,441,587,641, 707 Guthrie, Donald, 40, 42, 43, 270, 315
H Haarbeck, Hermann, 696 Hahn, Hans-Christoph, 310 Hailey, Homer, 27, 159, 169, 247, 258, 265, 301, 305, 316, 363, 364, 417, 431, 433, 478, 499, 520, 538, 546, 572,615, 653, 735,738 Hall, Robert G., 252 Hamilton, Floyd E., 676 Hamstra, Sam, Jr., 111 Hanna, Robert, 207, 349, 387, 466, 496, 527, 534, 544, 561, 629 Harder, Günther, 441, 641 Harrington, Wilfrid J., 42, 60, 243, 374, 376, 415, 433, 548, 562, 597, 673, 690, 745 Harris, Murray J., 303 Harrison, R. K., 40 Hauck, Friedrich, 152 Haufe, Günter, 302 Heber, Reginald, 254 Heiligenthal, R., 159 Hemer, Colin J„ 57, 129, 130, 133, 134, 159,162,163,169,174,182-184,187, 192, 193, 197, 198, 201, 208, 223, 224, 232, 233, 264, 350, 368 Hendriksen, William, 14, 23, 30, 37, 42, 52,65,90,93,97,116,135,136,142, 153, 169, 182, 193, 204, 227, 244, 246, 247, 250, 252, 258, 265, 267,
762
Í n d ic e
de
Autores
288, 289, 304, 319, 320, 344, 349, 364, 368, 397, 414, 433, 442, 446, Keener, Craig S., 23,326,713 453, 477, 499, 502, 509, 528, 533, Kiddle, Martin, 40, 42, 115, 231, 253, 538, 548, 554, 571, 581, 596, 617, 342, 392, 417, 427, 433, 465, 470, 642, 647, 669, 674, 687, 695, 733, 497, 507, 532, 547, 589,611 738, 743 Kilmer, Anne D., 273 Herr, Larry G., 308, 420 Kistemaker, Simon J., 153,177,246,393, Hielema, Sydney, 648 422, 698, 743, 744 Hill, Charles E., 36,56, 324 Kline, Meredith G., 72, 571, 679 Hillers, D. R., 501 Koester, H., 56, 149 Hillyer, Norman, 120, 245,709 Kramer, Howard W., 18 Hitzig, F., 50, 500 Kratz, Reinhard, 348 Hoekema, Anthony A., 68, 70, 71, 674, Krodel, Gerhard A., 36,52,55,126,189, 691 264, 341, 352, 414, 433, 480, 513, Hoeksema, Herman, 218, 247, 265, 364, 532, 562, 573, 580, 615, 651, 657, 384, 390, 404, 411, 433, 434, 454, 673, 677, 698, 701, 706, 716, 721, 468, 484, 508, 520, 554, 565, 648, 732 657, 728 Kuhn, Heinz-Wolfgang, 162 Hoerber, Robert G., 112, 169, 338 Kuhn, Karl Georg, 682 Holwerda, David E., 391, 710, 719, 728 Kuipers, William, Homcy, Stephen L., 161 ' Kuyper, Abraham, 594, 669, 710 Horbury, William, 214 Kuyvenhoven, Andrew, 69 Howard, W. F ., 17, 718
K
Hughes, James A., 71 Hughes, Philip Edgcumbe, 42, 72, 126, 159,234,293,335,345,367,426,478, 520, 546,557,617,650,669,696 Hunter, Stephen A., 14, 17 Huttar, David K., 273
I Irvin, Dorothy, 586
J Jenkins, Ferrell, 31,621 Jeremias, Joachim, 139,337,365 Johnson, Alan F., 62, 61, 120, 153, 206, 215, 234, 248, 258, 304, 331, 393, 420, 433, 434, 448, 453, 470, 508, 533, 571, 583, 605, 629, 640, 645, 657, 684, 739 Joyce, Paul, 29, 570 Judge, E. A., 498 Jung, Kurt Gerhard, 187
159, 315, 451, 593, 716,
L Ladd, George Eldon, 42,68,107,203,234, 279, 290, 301, 307, 379, 380, 393, 411, 433, 441, 447, 453, 489, 529, 547, 568, 597, 654, 657, 687, 713 Lambrecht, Jan, 615 Lane, William L., 166 LaRondelle, Hans K., 569 Lawlor, H. J., 46 Lenski, R. C. H., 111,112,126,158,159, 180, 212, 216, 227, 247, 266, 278, 290, 295, 317, 338, 341, 368, 369, 376, 379, 412, 414, 429, 433, 434, 441, 453, 467, 516, 520, 525, 533, 555, 574, 583, 593, 649, 653, 657, 669, 674, 696, 700,722, 728, 743 Lenzo, Fran, 256 Lewis, C. S., 42 Liddell, H. G., 563 Link, Hans-Georg, 563,696 Loasby, R. E., 569 Loenertz, R. J., 97
Í n d ic e
de
A u tores
Lohmeyer, Ernst, 211, 410, 426, 700, 722, 737 Lohse, Eduard, 432 Luther, Martin, 62,78,90,372,520 696, 745
N
M
Oberweis, M., 501 Olson, D. C., 512 Orton, David E., 570
763
Nicholl, W. Robertson, 288, 569 North, Rober, 198, 586
o
Mackay, W. M., 159 Maier, Gerhard, 35 Mazzaferri, Frederick D., 391, 413, 652 Mealy, J. Webb, 690 Packer, J. I., 513 Metzger, Bruce M., 31, 119, 123, 194, 207, 281, 375, 377, 387, 406, 418, Parker, T. H. L ., 79 Pate, C. Marvin, 68, 111 443, 465, 482, 490, 502, 503, 515, Paterson, John H., 689 526, 545, 548, 575, 613, 627, 644, Patsch, Hermann, 439 661,705,745,747 Paulien, Jon, 22, 85, 343,446 Michaelis, Wilhelm, 699 Payne, Donna W., 256 Michaels, J. Ramsey, 72, 326, 405, 513, Pelikan, Jaroslav, 62 539, 548 Pesch, Wilhelm, 310,740 Michel, Otto, 275, 294, 585, 742 Peterson, Eugene H., 107 Migne, J. R, 96 Peterson, Robert A., 523, 664, 685 Milik, J. T., 50 Pippin, tina, 67 Milligan, William, 14,18, 21,40, 51, 52, Poellot, Luther, 90, 372, 453, 520, 532, 54, 66, 69, 316, 596 533, 696, 745 Moffatt, James, 288, 303, 569, 597 Porter, Stanley E., 228, 570 Moo, D., 43 Poythress, Vemon S., 41, 69 Morris, Leon, 42,107,190,245,276,289, Preisker, Herbert, 740 355, 396, 412, 489, 529, 539, 557, Price, S. R. F., 57,175, 497 658, 675, 730 Pringle, William, Morris, S. L. 23, 66, 97, 109, 248, 426, 572 Moule, C. F. D., 183,258,300,348,402, 457,461,466, 496 Radice, Betty, 55 Moulton, James Hope, 39, 281, 576, 718 Radi, Walter, 126 Mounce, Robert H., 64, 109, 120, 234, Ramsay, William M., 56, 129, 130, 147, 235, 248, 258, 274, 295, 364, 370, 148, 149, 158, 163, 169, 172, 183, 392, 405, 412, 426, 431, 433, 441, 197, 209, 223, 224, 232 447, 451, 453, 489, 507, 519, 520, Reader, W. W., 256, 715 532, 533, 542, 553, 562, 572, 580, Rengstorf, Karl Heinrich, 245,302, 322 594, 618, 625, 643, 654, 678, 707, Resseguie, James L., 26, 357, 366, 380, 719,730,738, 745 401,415,429,463,511 Moyise, Steve, 31, 390,492, 621, 628 Reuss, E., 50 Mueller, T., 216 Rissi, Mathias, 287, 316, 418, 559, 571, Mulholland, M. Robert, Jr., 250,287,289, 721 351,382, 393,436,610, 735 Robertson, A. T„ 136,194,207,237,269,
P
R
281,288,325,338,348,355,369,375, 387, 398,430,461,544, 561, 569 Robinson, H. S., 594 Robinson, John A. T., 45 Rochat, Didier, 18 Roller, O., 264 Roloff, Jürgen, 353, 395, 459, 489, 511, 531,533,559,629,642,689,695,745 Ross, J. M., 225 Rudwick, M. J. S., 228 Ruiz, Jean-Pierre, 88, 584 Ryrie, Charles C., 217
s Sänger, Dieter, 682 Schaff, Philip, 60 Scherrer, S. J.,495 Schippers, Reinier, 125, 321 Schlier, Heinrich, 125 Schneider, Walter, 217 Schramm, Tim, Schultz, Arnold C., 532 Schüssler Fiorenza, Elisabeth, 31,42,67, 97,159,179,275,512,597,658,670 Schweizer, Eduard, 115 Scott, R. B. Y., 120, 625 Seitz, Manfred, 563 Shea, W. H., 569, 609 Shepherd, Norman, 72 Shewell-Cooper, W. E., 355, 585 Sibermann, L. H., Skehan, Patrick W., 661 S1ater, Thomas B 656 «• Smith, Christopher R., 96, 97, 134, 325 Sparks, Irving A., 126 Spinks, Leroy C., 97 Stählin, Gustav, 121, 308, 310, 420, 620 Staples, Peter, 558 Stauffer, Ethelbert, 50, 134 Stenger, Werner, 428 Stonehouse, Ned B., 34, 35, 76, 248 Strachan, Lionel R. M., 174, 465, 660 Strack, H. L., Strand, Kenneth A., 413, 609 Strathmann, Hermann, 742
Strimple, Robert B., 68 Summers, Ray, 55, 60,175 Sweet, John P. M., 16, 27, 40, 42, 114, 190, 193, 206, 233, 234, 247, 258, 290, 374, 437, 476, 492, 494, 507, 557, 565, 572, 591, 619, 654, 677, 703, 721 Swete, Henry Barclay, 27, 31, 39,40, 62, 73,74,76, 82, 86, 92, 109,116, 117, 132, 136, 139, 140, 153, 159, 172, 209, 216, 231-234, 247, 253, 255, 258, 271, 296, 311, 324, 338, 345, 351, 364, 367, 373, 377, 382, 395, 412, 417, 439, 443, 457, 470, 488, 499, 522, 547, 556, 562, 575, 589, 597, 623, 651, 654, 664, 683, 687, 703, 708,710, 729, 735, 745
T Tenney, Merrill C., 24, 42, 64, 71 Tennyson, Alfred, 350 Thayer, Joseph H., 217, 369 Thomas, Robert L., 38, 42, 57, 92, 109, 110, 117, 132, 136, 159, 217, 218, 234, 236, 243, 248, 25,8 268, 269, 271, 278, 292, 301, 315, 323, 331, 352, 369, 373, 376, 380, 386, 393, 403, 411, 419, 426, 433, 434, 441, 443, 450, 453, 486, 494, 507, 532, 533, 547, 564, 569, 573, 582, 596, 605, 627, 641, 643, 645, 654, 656, 657, 687, 703, 730, 735, 742, 745 Thompson, Leonard L., 55 Tiedtke, Erich, 257 Topham, M., 713 Torrey, Charles C., 661 Trench, Richard C., 112, 169, 338 Trites, Allison A., 116, 117 Trudinger, Paul, 225 Turner, Nigel, 576
u Ulfgard, H., 328 Ulrichsen, J. H., 477 Ursinus, Zacharias, 267
Í n d ic e
de
V Van Broekhoven, Harold, Jr., 383 van de Kamp. Hendrik R., 314, 706 van der Horst, R W., 198 van der Meulen, Ruurd Jan, 40 van der Waal, C., 426 vanGemeren, Willem A., 116 van Hartingsveld, L., 487, 501, 570,597, 618 van Unnik, W. C., 140 Vassiliadis, R, 127, 589 Vos, Louis A., 11, 202, 234, 287, 417, 463,489, 529, 568, 646 Vriend, John, 23, 669
w Währish, Hans, 166 Walker, 254 Wall, Robert W„ 507, 532, 592, 742 Walter, Nikolaus, 126, 217, 459 Waltke, Bruce K., 40, 586 Walvoord, John F., 122, 134, 217, 234, 250, 315, 331, 380, 411, 426, 433, 450, 456, 494, 507, 532, 555, 564, 596, 687, 730 Wellhausen, Julius, 410 Wenham, John, 35 White, R. Fowler, 287, 669 Wiarda, Tim, 235 Wilcock, Michael, 97, 436, 451, 538, 735 Wilkinson, Richard H., 219 Wilson, Geoffrey B„ 140,341,356,458, 680, 687 Winfrey, David G, 217 Winkle, R. E., 324 Winsor, Gordon C., 418 Wojciechowski, M., 715 Wood, Peter, 228 Wright, Stafford J., 386
Y Yarbrough, Robert W., 35 Young, Richard A., 290, 517
A utores
z Zahn, Theodor, 290, 410, 415 Zmijewski, Josef, 586, 704
765
Í ndice
da
B íblia e O utros E scritos A ntigos A ntigo T estam ento
Gênesis 1 246, 247, 302, 307, 350, 383, 399,406, 426, 442,518, 522, 556, 596, 615, 616, 664, 682, 698, 708 1.1 518 1.2 246, 247, 307, 406 1.26 247 1.27 246,406 1.28 246 1.30 556 2.2 501 2.7 246,430,496 2.9 25, 161,729 2.10 728 2.14 378 2.15,16 161 2.15-25 695 2.17 275,700 2.18-24 512 3.1 139,174,358, 449,452,454, 460,467,470, 480, 492,671, 730 3.1-5 358
3.1-7 460,671 3.8 695 3.14-16 449 3.15 454, 467, 470, 480 3.17-19 730 3.19 139 3.24 252, 643, 729, 741 4.10 303 5.22 204 5.24 419 9.12-16 394 9.15 245 10.2 406, 682 10.8-12 596 10.20 406 11.1-9 708 11.3,4 615 14.22 399 15.16 616 15.18 378 17.3 137 17.7 442, 698 18.16-33 350 18.20 615 18.25 302 18.32 426 19.24 383, 522, 664
28.17 242 35.23-26 323 37.9 449 38.28 585 40.8-22 19 41.1-40 19 49.9,10 261, 268 49.11 333, 533, 657 Êxodo 3.4 19 3.14 17, 40, 114, 121, 592, 702 3.14,15 17 4.21 561 6.7 698 6.8 399 7.8-13.16 350 7.11 494 7.13 561 7.14 351 7.17 422 7.19 353,551,556 7.19-21 353 7.22 353 7.22,23 353 8.2-6 566 8.6 551 8.10 481
9.10 551,554 9.10,11 554 9.13-26 574 9.23,24 551 9.24 351,573 9.24-26 351 9.27,28 575 10.1 366 10.13-15 366 10.21-23 356 10.22 551,562 10.23 562 12.1-13 270 13.20-14.31 541 13.21 120,394 13.21 22,394 14.21 565 14.31 543 15 355,469,481, 542 15.11 481 15.12 469 15.23 355 16.32-34 181 19.4 467 19.5,6 118 19.6 276 19.9 529 19.10 333,741 19.16 128, 242,
768
Í n d ic e
249, 348, 443 19.16-18 443 20.1 178, 279, 377,399 20.3 178,386,521 20.3,4 386 20.3-6 521 20.4 244,266,267 20.5 178,736 20.7 154 20.11 279,399 20.14 178 21.2 501,630 21.12 303 21.24 630 22.18 386, 633, 705 24.9,10 250 24.10 716 24.12 243 25.9 378 25.16 546 25.20 252, 643 25.22 442 25.29 273, 547 25.31 131,249 25.31-40 249 26.1 382 28.4,5 132 28.16 715 28.17-21 715 28.20 245, 709, 714 28.21 182 30.1-6 378 30.1-10 346 30.10 346 30.23 164 31.18 546 32.15,16 264 32.32 206 32.32,33 206 33.20 731 34.10 542 38.28 585 40.34 484, 545,
da
B íb l ia
e
O
548 40.34,35 484,545 Levítico 1.3 202, 514 11.10 566 11.44,45 179 11.45 210 16 4 8 ,4 8 4 16.2,3 484 16.6-14 48 17.11 300 18.22 586 19.32 133 20.6 386,633,705 23.24 128,242 23.40 315 24.1-4 249 24.20 630 26.11,12 335 26.12 698 26.21 546 26.26 295 27.12 270 Números 1 324, 469, 534, 548 1.47 324 5.1-4 683 12.5 548 14.33 534 16.30 469 , 22.28-30 358 23.24 558 24.17 193,743 25 177 25.1-3 177 25.9 177 27.16 734 29.1-6 128 31.1-8 180 31.16 177 35.33 303 Deuteronômio
utros
E s c r it o s A n t i g o s
1.7 378 3.24 481 4.2 745 4.39 508 5.8 267 5.9 736 5.11 154 5.26 319 6.4 27 6.13 256,737 8.2-4 456 8.15 367 10.9 324 10.17 601 11.6 469 13.1-5 494 15.12 501 15.21 202 17.6 420 18.10 386, 586, 633, 705 18.10-12 386, 633,705 18.15 419 22.23,24 647 23.14 683 23.18 586,742 24.17 118 25.3 534 27.15 586 28.35 554 28.48 231 28.49 358 29.18 355 29.20 688 29.23 383 29.29 397 30.12,13 365 32 31, 138, 205, 302, 385, 399, 423, 467, 489, 533, 542, 557, 559, 616, 641 32.4 31,138,399, 542, 557, 559,
641 32.10 205, 467 32.11 467 32.14 533 32.16,17 385 32.28 166 32.35 302, 423, 616 32.39 116 32.40 138,399 32.43 641 33.2 394,658 33.17 271 33.26 394 Josué 1.4 378 3.10 319 3.17 565 5.14 137 6.4 27, 501 7.19 433,517 7.19,20 433 9.8 331 11.4 682 13.24-28 324 Juizes 1.8 383 5.19 570 5.20 364 5.31 135 7.12 682 13.20 137 18.30,31 323 20.40 383 1 Samuel 2.30 206 4.8 423 13.5 682 17.26 319 30.1-4 383 2 Samuel 4.11 303
Í n d ic e
7.14 32,703 10.4 231 12.30 529 22.9 383 1 Reis 4.21 378 6.20 713,719 6.36 416 7.15-22 219 7.23-26 250 7.49 131 8.9 442 8.10,11 548 8.12 529 9.16 383 12.29 323, 324 12.29,30 323 14.11 741 15.20 323 16.31-33 186 17.1 422,468 18.38 494 18.42-45 347 19.3-8 456 22.17-23 459 22.19 241,700 22.21-23 567 2 Reis 1.10 32,421,494, 684 2.11 419 7.1 296 8.1 741 8.13 741 9.7 641 9.27 570 9.30-37 186 14.25 324 15.29 324 16.17 250 17.13 402 19.2 420 19.4 319 24.13 273
da
B íb l ia
e
25.9 442 1 Crônicas 2.1,2 323 5.4 682 5.21 625 16.8 438 16.31 646 16.36 225 20.2 529 23.3,4 248 24.3-19 247 25.1 272 29.11 278, 329 2 Crônicas 2.12 518 3.15-17 219 4.9 416 4.22 273, 547 5.10 442 15.2 180 16.4 323 16.9 271 18.18 700 29.25 273, 541 35.22 570 36.19 383 Esdras 1.2 434 1.3 683 3.12 719 Neemias 1.4 434 2.12 604 7.5 205 7.5,6 205 9.6 399 9.11 632 11.1 416 Ester 9.19 428 Jó
O u t r o s E s c r it o s A n t i g o s
1.6 248, 458,462 1.6-12 462 1.12 672 2.4-6 367 3.21 368 17.16 139 18.15 383 19.25-27 430 24.23 271 26.6 373 28.6 716 33.4 430 36.29 249 37.4 249 38.7 364 39.20 371 Salmos 1.1 110 2 31,32,68,248, 329, 351,396, 437, 440, 508, 515,659, 673, 687, 740 2.1-5 440 2.1-9 508 2.2 437, 440 2.6 515 2.7,8 673 2.8 192, 193 2.8,9 193 2.9 31,32,68,659 7.9 189 8.5 246,255,279 9.8 654 9.12 303 9.13 139 10.16 438 11.6 522, 664 15.2 514 17.8 205 18.2 30 18.8 249, 383 18.13-15 249 18.31 481 19.7-11 688
769
19.9 559 19.10 391,403 23 337 24.8 329 28.4 687, 740 29 248,351,396 29.1 248 29.3,4 396 29.3-10 351 33.2 273, 541 33.3 274 35.10 481 39.3 421 41.9 235 41.13 643 42.2 319 44.3 134 45.3-5 289 45.8 164 47.8 241 48 416 51.4 433 51.7 28 68.17 380, 658 69.28 206 72.8,9 378 72.10,11 722 75.8 522, 574 76.7 311,574 78.43,44 353 78.44 556 78.45 566 78.67 324 79.2,3 427 79.10 302,642 84.11 560 86.9 32,542 86.10 544 87.4-6 673 88.11 373 89.27 116 89.36,37 116 90.4 672 91.4 467 93.1 646 96.1 439
770
Í n d ic e
96.11 464 96.13 439 98.2 544 103.19 243 104 120,246,277, 317, 394,640 104.3 120,394 104.4 246, 277, 317 105.1 295,438 105.16 295 106 177,225,565, 643 106.9 565 106.28 177 106.48 225 107.23 627 107.26 369 110.1 133, 134, 437 111.2 31 115.5-7 385 115.13 441, 644 118.24 647 118.26 85 119.1 557 119.127 128 119.137 557 121.6 560 122.4 683 136.2,3 660 136.3 601 137.1 587 139.7-12 309 139.14 543 141.2 273, 346 145.17 31 146.6 279, 399 150.1 643 Provérbios 3.12 232 5.4 355 12.28 19 15.3 271 15.11 365,373
da
B íb l ia
e
O u t r o s E s c r it o s A n t i g o s
16.31 133 30.18,19 358 30.27 373 Eclesiastes 12.13 517, 644 Cantares 5.5 164 5.14 716 Isaías 1.9,10 426 1.18 28, 585 1.21 582 1.28 180 2.2 542,544,594 2.19 309 3.14,15 613 5.5 417 6.1 242 6.2 251,253 6.3 31, 82 6.4 548 7.14 450, 454, 471, 699 8.7 379, 602 8.7,8 379 9.6 211 10.5-11 604 11.1 261, 268, 317, 564, 565 11.3,4 654 11.4 135,651 11.9 442 11.12 317 11.15 564 11.16 565 13.9 310 13.10 29,306,307 13.19 582, 617 13.19-22 582 13.21 611 14.12 193 14.24-27 607 14.30 295
17.12 477 19.1 394 20.2-4 231 21.1-10 585 21.9 519,611 22.22 210 23.8 613, 633 23.15-17 582 24.2 720 25.8 31,32,337 26.17 451 29.6 348 29.13 415 29.18 167 30.18 110 30.27 383 30.33 522, 664 32.19 575 34.4 307 34.9 522,523,642 34.9,10 523, 642 35.10 700 37.4 319 40.2 119,210,616 40.10 740 40.18 481 40.25 210 40.31 467 42.10 274 43.2 469 43.4 215 43.10-13 226 43.18 700 44.3 702 44.6 165 44.23 464 45.1 212 45.6 255 47.7 618 47.9 618 47.9,10 634 47.14 618 48.2 416,614 48.20 614 49.2 215, 558 49.10 31, 336,
560 49.16 205,509 49.18 698 49.23 215 49.26 558 50.3 308 51.17 522, 574 52.1 614 52.5 560 52.11 614 53.7 270,275 53.7,8 270 53.9 31,514 54.3-6 450 54.5 716 54.5-7 716 54.11 716 54.11,12 716 54.12 717 55.1 176, 230, 290, 337, 737 55.7 355 55.11 176, 290, 737 58.8 709 60 720 60.11 721 60.14 720 60.19 720 61.1 204, 243, 648, 741 61.6 276,681 61.10 204, 648, 741 62.2,3 655 63.1-6 528 63.2 532, 659 63.2,3 659 63.3 657 63.4 657 63.4-6 657 64.6 204 65.16 225 65.17 695 66.5 154 66.6 553
Í n d ic e
66.7 470 66.24 665 Jeremias 1.16 385 2.13 702 2.20 582 3.17 221 3.20 647 4.23 356 4.30 586 5.14 421 7.25 108 8.1,2 689 8.3 368 9.15 355 10.7 31,32,542 10.10 319 11.20 189 13.16 517 14.12 292, 299 15.2 488 15.16 391 16.17 271 16.18 616 16.19 544 17.7 110 17.10 740 17.27 383 18.21 294 22.8 426, 628 22.25 691 23.5 268 25.10 632 25.13 406 25.15 574, 612, 613 25.15-17 613 25.30 396 30.23,24 440 31.6 683 31.16 337,699 31.32 450 33.11 633 34.14 501 34.22 604 47.2 602
da
B íb l ia
e
O
utros
49.36 318 50.2 611 50.31 618 50.38 564 50.39 582, 612 51 477, 530, 582, 587, 589,594, 614,615,617, 630, 631,634, 641 51.7 587 51.9 615 51.13 477, 582, 587 51.25 594, 641 51.33 530 51.41 617 51.45 614 51.48 630 51.49 589, 630, 634 51.63,64 631 Lamentações 1.15 528,532,659 3.15 355 4.7 716 Ezequiel 1.1 249,252,254, 653 1.5 251,258 1.5,6 251 1.6 253 1.7 133 1.13 249 1.18 252, 254 1.24 645 1.26 242 1.28 394 2.8 391,403 2.9 263, 395 2.9,10 263 2.10 403 3.12 88, 584, 708 3.27 739
E s c r it o s A n t i g o s
4.7 406 4.16 295 5.2 350 5.12 299 5.17 295 7.2 317 9.4 320, 367 10.5 416 10.20,21 252 11.1 243 11.20 698 13.9 205 13.11 575 14.21 299 16.15 582 16.32 450 16.37-39 231 16.39 603 16.46 426 18.30-32 188 18.32 357, 406, 739 23 583,586 23.2,3 586 24.7 604, 634 24.7,8 604 26.3 477 26.16,17 620 26.21 632 27.1-36 621 27.12-22 622 27.12-23 613 27.13 625 27.30 628 27.32 628 28.2 618 28.5 633 28.13 245, 709, 714,715 29.5 689 32.7, 8 356 33.27 189 34.4 202 34.23 337 37.1 390 37.3 331
771
37.5 31,430 37.5-14 430 37.9 318 37.10 390 37.26,27 335 38 108,306,351, 522, 662, 664 38-39 662 38.17 108 38.19 306 38.22 351, 522, 664 39 662, 682, 684 39.1 682 39.4 662 39.6 684 40-43 413 40-46 719 40-48 413 40.2 708 40.5 712 40.5-15 712 42.16-19 710 43.1-5 89 43.2 318,510 43.4,5 709 43.5 548 43.7 719 47.12 25 48 323, 710 48.1 323 48.1-7 323 48.30 710 48.31-34 710 Daniel 1.12 166 2 108, 140, 434, 563, 590, 594, 601 2.18 434, 563 2.18,19 434, 563 2.28 108 2.28,29 108 2.29 140 2.35 594
772
Í n d ic e
2.47 590, 601 3.1-11 497 3.4 276, 405, 406 3.27 559 3.27,28 559 3.59 464 4 138, 255, 547, 587, 588, 590 4.17 518 4.19 590 4.30 587 4.32 588 4.34 138,255,547 5.23 385 5.27 202 6.26 319 7 31,85,119,132, 136, 231,236, 242, 249, 273, 330, 380, 394, 417, 425, 437, 438, 484,485, 599, 676, 686, 687, 732 7.1 31, 85, 119, 136,249,380, 394,425,437, 438,485,687, 732 7.2 236,273,417, 484, 732 7.3 477 7.7 599 7.8 482 7.9 132,231,242, 330, 676, 686 7.9,10 686 7.11 664 7.13 31, 85, 119, 136, 394 7.13,14 85 7.14 437, 438, 485 7.15 124,736 7.17 52,595
da
B íb l ia
e
O u t r o s E s c r it o s A n t i g o s
7.18 732 7.21 273 7.21,22 273 7.25 417,484 7.27 236,732 8.1 137,417 8.2 398, 737 8.10 453 8.13 417 8.17 137 8.18 137 8.26 398, 737 9.6 402 9.10 108 9.24 416 9.27 332 10 132,133,345, 458, 546 10.5 132,546 10.6 133 10.13 345, 458 11.36 486 11.36-39 483 12.1 206, 332, 573, 739 12.2 72, 679, 683 12.5 732 12.7 399 12.10 739
2.3 306 2.4 372 2.10 306 2.11 310 2.31 306 3.13 528, 530, 532 Amós 1.2 396 1.4-14 383 2.7 613 3.6 604 3.7 108 3.8 396 3.13 31,542,543 4.13 31,542 5.7 355 8.9 356 8.11 295 Obadias 20 198 21 437 Jonas 1.3 689 1.8 331 1.9 434
Oséias 1.10 319 2.5-7 601 2.16 450 2.19 647 5.3-5 324 8.1 358 10.8 31, 120, 309 11.10 395 12.8 228 13.14 298
Naum 1.6 311 3.4 582, 634, 705 3.5 231 3.17 372
Joel 1.4 366 2.2-11 371
Habacuque 1.8 358 2.14 442
Miquéias 1.8 231 3.6 356 4.10 451 5.13 385
2.20 342 3.3 210 Sofonias 2.15 618 3.13 514 Ageu 2.6,7 307 Zacarias 1.8 289,291 1.12 302 2.1,2 413 2.1-5 413 2.8 205 2.10 218,698 2.10,11 698 2.13 342 3.1,2 458 3.8 268 3.9 271 4.2 131,420 4.2,3 420 4.3 420 4.14 420 5.1 529 6 291 6.1-6 291 6.5 318 6.8 291 8.8 335 10.11 564 12.10 31,119,431 12.11 570 14.7 720,731 14.8 702 14.9 646 14.11 730 Malaquias 1.8 202 1.11 542 3.1 142 3.2 311,574 3.16 688 4.5 419
Í n d ic e
da
B íb l i a
e
O
utros
E
s c r it o s
A
n t ig o s
773
Novo Testamento Mateus 1.3 324 1.18,19 647 1.23 699 2.11 164,624 3.2 70 3.16 654 4.1 256,584,652, 737 4.5 416 4.8,9 437 4.10 256,652,737 5.2 483 5.3-12 110 5.6 336 5.11 167,256 5.11,12 167, 526 5.34 402 5.34,35 402 5.38 630 5.48 202 6.10 118 6.19 740 6.24 187,385 6.26 261 7.6 717 7.15 492 7.21-23 206 8.6 368 8.12 211 8.29 368 9.15 647 10.25 365 10.29,30 319 10.32 206 10.34 289,293 10.35,36 404 10.36 293 10.38 513 10.39 464 11.3 26,85, 113 11.5 167 11.15 487
11.25 181 11.30 26 12.22-32 167 12.26-29 671 12.30 517 12.39 583 12.43 584 13.29,30 528 13.30 530 13.39 530 13.45,46 717 14.3-12 677 14.21 296 14.27 137 15.8,9 415 16.16 319 16.18 711 16.19 139 16.25 634 16.27 120 17.1-8 26, 83 17.2 135,422 17.3 419 17.5 431 17.6 137 17.7 138 17.20 422 18.10 141 18.16 420 18.20 151,414 19.28 235, 236, 676 20.2 296 21.9 328 22.3 155, 186, 200, 650 22.11-13 649,741 22.37 155, 186,
200 22.37-40 155,186 22.41-45 268 23.32 304 24 29, 47, 65, 67,
120,121, 125, 128, 201,205, 234, 242, 290, 293, 304, 307, 327, 332, 345, 348, 358, 379, 411,424, 425, 455,460,494, 507,516, 528, 530, 567, 568, 588, 658, 672, 674, 746 24.1 47,205,290, 327, 332, 379, 424, 455,516 24.2 29,125,201, 307, 332, 358, 379,411,425, 460, 494, 567, 588 24.6 293 24.7 348 24.7,8 348 24.13 205 24.14 290, 327, 379, 424, 455, 516 24.15 332 24.21 125, 332, 425 24.22 379 24.24 201, 460, 494, 567, 588 24.28 358 24.29 29, 307 24.30 120, 121, 507, 528 24.30,31 507 24.31 128, 242, 345, 658 24.33 234 24.36 67, 304, 530, 674, 746
24.38,39 516 24.42,43 568 24.42-44 203 25.31-46 739 25.37-39 649 25.41 32,454,685 25.46 688 26.29 70 26.31 337 26.42 521 26.52 488, 490 26.64 119,529 27.28 585 27.31 533 27.51 47,48,411, 414, 432 27.53 416 28.1 70,118, 182, 191,211,271, 392, 421,437, 462, 481,508, 591,678 28.2 246, 325 28.2,3 246 28.3 28 28.15 182 28.18 70, 191, 211,271,437, 462,481,508, 591, 678 28.19 20,118,392, 421,673,711 28.20 325 Marcos 1.2 142,210 1.14,15 70 1.24 210 3.23,24 603 3.26,27 671 4.9 160 4.29 530 5.7 368
774
Ín d ic e
6.7 420 9.3 28 9.42 632 10.28-31 511 13 65, 234, 290, 307, 530, 658 13.10 290 13.24 307 13.27 658 13.29 234 13.32 530 14.27 337 14.62 529 15.20 533 16.2 128 16.5 246 16.19 236 Lucas 1.19 345 1.80 456 2.29 302 2.32 106 2.36 187 3.33 324 4.5,6 437 4.5-7 591 4.6 53,452,479, 562 4.8 256, 737 4.16 110 4.25 422 4.34 210 5.8 137 5.32 158 6.22 154 6.48 535 7.24 142 8.8 160 8.28 368 8.29 611 8.31 365,671 9.26 658 9.54,55 494 10.1 32,364,367,
da
B íb l ia
e
O u t r o s E s c r it o s A n t i g o s
420,458, 672 10.18 32, 364, 458, 672 10.19 367 10.20 206 10.34 625 11.2 118 12.8 206 12.32 212 12.36 234 12.37 568 12.39 568 12.39,40 568 12.49 293, 348, 531 12.49-53 293 13.16 26 14.28 500 15.7 277 15.10 329 15.24 72, 678 15.32 681 16.13 187,385 16.19-31 691 17.29 383, 423 17.37 358 18.7 302 21 48, 65,417 21.24 48, 417 22.28-30 235 22.30 236, 676 22.31 19 22.32 202 22.66 247 23.30 120,309 23.32 533 23.43 161 24.16 83 João 1.1 38, 86, 105, 109,138, 226, 258, 720, 731 1.1-3 138 1.7 38
1.14 720 1.18 731 1.29 39,270,280 1.51 229 2.13 683 3.8 318 3.29 647 3.31-34 109,261 3.34 122,652 4.10 38,728 4.10,11 38,728 4.14 702 4.15 337 4.21 415,719 4.21-24 415 4.35-38 530 5.2 138,139, 679 5.22 686 5.26 138 5.28 139,679 5.28,29 679 6.9 296 6.33 138 6.39 568 6.48,49 181 6.56 234 6.69 210 7.33 303 7.37 744 7.38 337 8.12 131,673 8.17 420 8.44 460, 492, 654, 723 8.51 213 8.58 40, 85, 114, 121,138, 592, 702 9.24 517 10.3 234 10.4 513 10.11 38,337 10.16 323 10.28 320,485 10.29 151,509
11.18 535 11.23-26 72 11.27 85,113 12.13 327 12.25 464 12.31 256, 439, 452,458 12.35 304 12.48 659 12.49 107 13.16 430 13.35 38 14.6 149,654 14.12 191 14.16 41 14.20 728 14.26 160, 200, 271 15.1 38,404 15.9 233 15.18,19 404 15.26 41 16.7 249 16.7-11 249 16.33 38, 125, 176, 268 17 176,217,271, 614 17.2 271 17.14-18 176,614 17.15 217 18.11 521 18.36 70, 118 19.17 533 19.18 732 19.34 119 20.1 202, 219, 246, 248, 643 20.12 246, 248 20.17 202, 219, 643 20.27 270 21.4 83 21.15 34, 157, 233, 280
Í n d ic e
21.15-17 34, 233 21.24 109,736 Atos 1.7 67, 304, 530, 746 1.8 271,652 1.9 430,431 1.10 246 1.15 207,435 2.1 168,249,417, 697 2.1-4 417, 697 2.3,4 494 2.9 151, 165 2.17-21 249 2.33 160,200 3.1 47,420,744 3.21 687 4.6 34 4.12 149 4.24 302, 399 4.25-27 440 5.1-11 616 5.41 154 6.5 159 6.9 142 7.44 545 7.53 377 7.55 134 7.58 533 8.32 270 9.4 19, 154, 466 10.4 349,686 10.9,10 127 10.25,26 651 10.31 576 10.42 686 11.2 221, 683 11.26 221 12.2 677 12.12 34 12.15 141 12.23 433 13.6-8 494
da
B íb l ia
e
O
13.6-12 616 13.15 110 14.12 174 14.15 319 14.22 125 14.23 247 14.27 212 15.23 125 15.29 178, 190 16.14 185, 234, 623 17.16 174 18.9 138,217 18.9,10 217 18.19-21 150 19.1 150,151 19.9 151 19.17-20 150 19.20 156 19.23-41 150 19.24 149 20.5-12 14 20.6 79 20.7 128 20.15 126 20.20,21 155 20.24 464 20.28 337 20.29-31 201 21.9 187 21.23-29 413 22.5 247 22.17,18 127 23.3 132,465 23.11 138 23.24 625 23.26 113 23.30 465 24.3 255 24.5 214 26.7 323 26.28 221 27.6 624 27.11 627 27.41 622
utros
E s c r it o s A n t i g o s
775
Romanos 1.1-4 87 1.18 310 1.21 367,371 1.24 561 1.25 225 2.5 106 2.6 687 2.16 686 3.2 167,191,673 4.20 433 5.12 246 5.14 26 6.3,4 72 7.3,4 647 7.24 229 8.16 320 8.17 703 8.20,21 69 8.20-23 700 8.21 267,287 8.28 180,554 8.33,34 462 8.34 346,347,458 8.37 463 8.38 248, 485 8.38,39 485 9.5 450 9.17,18 561 10.6,7 365 10.9,10 301 10.12 322 10.14 152 11.17 323 11.36 118 12.19 302, 423, 489,616 13.1 599 13.9 186 14.9 72 15.14 125 16.20 454 16.22 38
1.23 404 1.30 499 2.6 479 2.10 190 3.13 568 3.16 172, 411, 697, 719 3.16,17 697, 719 3.17 413 6.2 192,236, 246, 676 6.2,3 236,246 6.13 179 6.15 647 8.1-10 178 8.7 513 9.5 512 9.25 526 10.8 177 10.19-22 178 10.20 385,493 10.20,21 493 10.25 178 11.5 187 11.20 128 11.25 423 11.29,30 189 12.3 56, 149, 478 12.13 322 13.2 422 14.32 734 15.5 463,711 15.19 230 15.20-23 72 15.22 26 15.24 70,437,462 15.24-28 437,462 15.45 246 15.57 463 16.2 735 16.9 212 16.15 514 16.22 735
1 Coríntios 1.7 106
2 Coríntios 2.12 14,79,212
776
Í n d ic e
3.1 153 4.4 439,460 5.6-8 456 5.8 139,369,727 5.8,9 369 5.10 189,688 5.17 701 6.16 411,698,719 6.17 614 6.18 122,703 8.2 166 10.5 574 11.2 513,647 11.3 460 11.4 153 11.13 153 11.14 15, 214, 287, 375 12.1 106 12.2-4 88 12.4 76,130,161, 242 Gálatas 1.6-8 746 1.12 106 1.17 456,584 2.1 683 2.9 219,498 3.19 377 3.28 322 3.29 703 4.6 271 4.19 451 4.25,26 221 4.26 507,588,697 5.2 124,386,387, 633, 705, 736, 742 5.20 386, 687, 633, 705 6.10 118 6.18 225 Efésios 1.4 487, 601, 640
da
B íb l ia
e
O u t r o s E s c r it o s A n t i g o s
1.4,5 640 1.9-11 265 1.13 320 1.15 156 1.17 106 1.20 236 1.22 466 2.1 322,649,680 2.2 411,439, 572, 630,711,719 2.10 649 2.14-16 322 2.20 411,630,711 2.20-22 411 3.1 124,248,277, 736, 742 3.4,5 402 3.6 703 3.10 248,277 4.27 460 5.4 255 5.23 647 5.23-32 647 5.26 210, 333, 648, 698 5.26,27 210,333, 648, 698 5.27 515 6.10 468 6.12 135, 457, 659 6.13-18 26 6.17 135,289 *
Filipenses 1.2 113, 139,639 1.18 281 1.23 139,369 1.23-26 369 2.9 656 2.10 266, 267 2.12,13 234 2.15 709 3.2 484,696,742 3.20 484 3.21 696
4.3 206 Colossenses 1.7 225 1.15-18 86, 226, 258 1.16 248 1.18 116,138,467 1.22 515 1.23 124,736,742 2.3 181 2.9 529 2.12 72 2.13 680 2.18 651 3.5,6 613 3.11 322 4.3 212 4.13, 14 79, 223, 224 4.16 110, 147, 225, 226 1 Tessaloniceases 2.16 304 2.18 124,736,742 4.13-18 658 4.16 128, 242, 431,507 4.16,17 431,507 4.17 119,431,698 5.2 110,147,568 5.27 110, 147 2 Tessalonicenses 1.7 531,658 1.7-10 658 1.10 568 2.3, 4 53, 424, 460, 597 2.4 592, 618 2.6 479, 672 2.7 565 2.8 135,659,665 2.9 494 1 Timóteo
1.2 113, 150 1.2,3 150 1.4-6 155 1.17 545 2.2 118 2.4 406 2.9 717 2.14 452 3.15 219 4.14 247 5.16 118 5.18 110 6.9 603 6.16 245 2 Timóteo 2.9 176,290,737 2.12 126, 206, 236, 246, 676 4.8 526 Tito 1.5 247 3.7 703 Filemom 15,16 625 19 124,736,742 22 225 Hebreus 1.1-3 185 1.2 86,226,703 1.3 134, 138,236, 258 1.7 114,246,277, ' 317 1.8 211 1.14 253, 277, 344, 651 2.1 138,206,216, 246, 742 2.2 377 2.4 494 2.7 255 2.8 247
Í n d ic e
2.10
138 2.11 206
2.14,15 138 2.16 246 2.18 216 3.5 543 3.11 310 4.1 8 4 ,1 3 4 , 658 4.2 227 4.12 84, 134, 658 4 .1 2 .1 3 84 6.6 426 6.10 1 5 2 ,5 2 6 6.13 402 7.14 268, 324 7.25 346 8.1 615 8.5 378 8.12 615 9.4 1 8 1 ,4 4 2 9.12 4 1 4 ,4 8 4 9.22 3 3 3 ,4 6 3 9.24 48, 719 9.26 300 9.28 346 10.1 703 10.30 3 0 2 , 4 2 3 , 4 8 9 ,6 1 6 10.31 4 3 9 , 5 2 2 , 619 11.3 2 5 7 ,4 5 0 11.4-38 332 11.10 5 2 6 ,7 1 1 11.39.40 450 11.40 304, 325 12.1-3 216 1 2 .2 2 0 6 , 2 2 1 , 277, 507, 525, 640 12.6 232 12.14 731 12.22 2 2 1 , 2 7 7 , 507, 640 12.22-24 5 0 7 ,6 4 0 12.23 206 12.24 303
da
B íb l ia
e
O
13.4 513 13.5 470 13.8113 13.12 533 13.15 721 Tiago 1.1323 1.12 169 2.5 167 4.4 187 4.7 460 5.9 233 5.11 26 5.16 3 4 7 ,4 2 2 5.17 422, 468
utros
E s c r it o s A n t i g o s
1.9 230 1.10 125 1.16,17 83 1.19 743 2.4 3 6 5 ,4 5 4 , 672 2.8 368 2.10 484 2.15 177 3.3.4 120 3.7 686 3.8 672 3.9 108, 188, 401 3.10 5 6 8 ,6 8 7 ,6 9 6 3.12 744 3.13 70, 696 1 João
1 Pedro 1.1.2 87 1.2 1 1 3 ,4 8 7 1.7 231 1.10-12 265 1.12 10 8 ,2 7 7 329 1.15 179 1.18.19 275 1.19 270 1.20 487 2.9 118,681 2.13 45 2.21 1 7 5 ,5 1 3 2.22 3 3 6 ,5 1 4 2.25 162,336 3.19 597 3.22 4 3 1 ,4 5 7 4.14 154 4.16 221 5.1-4 337 5.2 337 5.8 3 9 6 ,4 6 0 ,5 9 2 , 672
1.1 106 1.1-3 106 1.7 333 2.1 4 1 6 ,4 5 8 ,7 0 4 2.5 213 2.19 416, 704 3.2 731 3.8 460 3.10 374 3.12 294 3.24 234 4.4 439 4.7-12 162 4.12 731 5.11 138
2 João 1 33, 3 6 ,1 2 7 3 João 1 33, 36, 127
Judas
5.8.9 460 5.12 38 5.13 519
2 1 1 3 ,2 0 4 6 365, 3 7 8 ,4 5 4 8 484
2 Pedro
9 3 4 5 ,4 5 8 11 177
777
13 364 14 75 23 204 Apocalipse 1 20, 26, 27, 38, 45, 57, 70, 85, 89, 131, 174, 204, 207, 225, 231,273, 275, 320, 343, 345, 394,404, 425, 431,462, 494, 496, 519, 529, 545, 557, 560, 592, 622, 643, 659, 663, 665, 672, 717, 734, 737 1.1 85, 231, 732, 733 1.1,2 106 1.1-3 106, 112 1.1-8 105 1.2 38,57, 131 1.3 106, 110,680, 732 1.4 70,82, 112 1.4.5 112, 116 1.5 117,146,568 1.5,6 117 1.7 225,394,431, 529 1.7.8 119, 123 1.8 121,646,733 1.8,17 733 1.9 124, 125 1.9-11 124, 129, 130 1.9-20 124, 123 1.9-3.22 123 1.10 737 1.11 128 1.12 130 1.12,13 130 1.12-16 130
778
Í n d ic e
1.13 85 1.14 231 1.14.15 132,46 1.15 136 1.16 134, 146 1.17 137 1.17.18 146 1.17-20 136, 143 1.18 90,119,138, 146
1.19 139, 241, 610, 639 1.20 57, 131 2 19, 25, 38, 61, 62, 66, 161, 163, 175, 245, 255, 356, 335, 337, 390,413, 416, 586, 659, 687, 698, 736, 740, 744 2.1 19,62,256 2.1-3 150 2.1-7 62,149,161 2.1-3.22 145 2.2 659, 687, 740 2.2,3152,154 2.3-7 162 2.4 38 2.4.5 155 2.5 61, 156 2.6 158 2.6.7 158 2.7 25, 38, 160, 161 2.8 165 2.8-11 163 2.9 214,416 2.9.10 166, 169 2.10 169 2.11 169 2.12 173 2.12.13 173 2.12-17 171 2.13 256 2.13-16 182
da
B íb l ia
e
O u t r o s E s c r it o s A n t i g o s
2.1419 2.14.15 19, 176 2.14-16 176 2.15 176 2.16 111, 179 2.17 180 2.18 185 2.18.19 185 2.18-29 184 2.19 185 2.20 186 2.20-25 186, 193 2.21 188 2 .22 188 2.23 687, 740 2.24 190 2.25 190 2.26 1 9 1 ,6 7 4 2.26.27 191 2.26-29 191 2.27 659
2.28 192 2.29 192 3 513, 526,
568,
732 3.1526
3.1.2 200 3.1-3 200 3.1-6 196 3.2 732 3.2.3 201 3.3 568 3.4 513 3.4, 5 2 04,
205, 231 3.4-6 204 3.5 2 0 4 ,2 0 5 3.7 210 3.7.8 210 3.7-12 221 3.7-13 208 3.8 210 3.9 2 1 3 ,2 1 4 3.9-11 213 3.10 2 1 5 , 3 5 8 , 428, 4 9 5 ,5 1 1 ,
583
3.11 215 3.12 219, 526 3.12.13 219 3.13 221 3.14 224 3.14-16 224 3.14-22 222 3.15 224 3.15,16224 3.17 228 3.17.18 228 3.17-21 236 3.18 230 3.19 232 3.19.20 232 3.20 232 3.21 732 3.21.22 235 3.22 235 4 1 3 8 ,4 3 8 4.1 2 3 9 ,2 4 1 4.1-4 250 4.1-6 241 4.1-11 2 3 9 ,2 4 1 4.1-5.14 241 4.1-8.1 240 4.2 243, 700 4.3 244 4.4 2 4 5 ,4 3 8 4.5 248 4.5.6 248 4.6 248, 251, 258 4.6.7 251 4.6-11 251 4.7 2 5 1 ,2 5 8 4.8 253, 258 4.9 138 4.9, 10 138, 255, 258
4.10 255 4.10.11 258 4.11 2 5 6 ,2 5 8 5 236, 252, 324, 5.1
3 9 1 ,3 9 5 , 541 2 3 6 ,3 9 1 ,3 9 5
5.1.2 262 5.1-5 261 5.1-9 391 5.1-14 260 5.2 265, 266 5.3 266 5.4.5 267 5.5 324 5.6 252, 269, 280 5.6.7 2 6 9 ,2 7 1 5.6-10 280 5.6-14 269 5.7 2 7 1 ,2 8 0 5.8 2 7 2 ,2 8 1 5.9 2 7 4 ,2 8 1 ,5 1 0 5.9.10 274 5.10 236, 281 5.11 276 5.12 277 5.13 1 1 9 ,2 7 9 5.14 280 6
2 9 , 120, 3 0 2 , 423, 525, 526, 547, 616, 645 6.1 29, 120, 285, 292, 302, 423, 525, 526, 547, 616, 645 6.1.2 285 6.1-17 283 6.1-8.1 284 6.2 286 6.3 292 6.3.4 292
6.4 294 6.5 294 6.5.6 294,
295 6.6 294, 295, 297 6.7 297 6.7.8 297 6.8 299, 300 6.9 300 6.9-11 300 6.10 3 0 2 ,4 2 3 ,6 1 6 6.11 3 0 3 ,3 0 5 ,5 2 6
6.12 29
Í n d ic e
6.12.13 306 6.12-14 306 6.12-17 305 6.15 525 6.15-17 3 0 8 ,5 2 5 6.16 120 6.17 311 6.17 547 7 38, 246, 270, 560, 728 3 8 ,2 7 0 ,5 6 0 , 728 7.1-8 317 7.1-17 3 1 3 ,3 1 4 7.2 3 1 5 ,3 2 5 7.2.3 317 7.3 3 1 6 ,3 2 5 ,5 8 7
7.1
7.4 321 7.4-8 316 7.5-8 322 7.9 2 4 6 ,3 1 6 ,3 2 5 , 330
7.9-12 325 7.9,15316 7.10 328 7.11 328 7.11.12 328, 329 7.12 119 7.13.14 330 7.13-17 330 7.14 338 7.14-17 338 7.15 3 1 6 ,3 3 3 ,3 3 8 7.15.16 333 7.16 338, 560 7.16.17 316 7.17 3 8 ,2 7 0 ,3 1 6 , 336, 728
8 273, 343
8.1 3 4 0 ,3 4 1 8.1-13 340 8.2-4 344 8.2-5 344 8.2-11.19 342 8.3 273 8.4 348
da
B íb l ia
e
O
utros
8.4.5 348 8.5 347, 349 8.6 350
8.6.7 350 8.6-11.19 349 8.7 3 5 0 ,3 5 2 8.8,9352 8.10.11 354 8.11 355 8.12 356, 357 8.13 357-359 9 87, 3 4 6 , 361, 365, 383 3 4 6 ,3 6 1 ,3 6 3 , 365, 383 9.1.2 365, 369 9.1-6 3 6 3 ,3 6 9 9.1-12 363 9.2 87, 365 9.3.4 366 9.4 369 9.5.6 367 9.6 370 9.7 375 9.7.8 370 9.7-12 370, 375 9.8.9 375 9.10 370, 375 9.11 3 7 3 ,3 7 5 9.12 3 7 4 ,3 7 5 9.13 3 4 6 ,3 8 1 9.13,14376 9.13-16 3 7 6 ,3 8 1 9.13-21 376 9.15 381 9.15.16 379 9.16 381 9.17 3 8 1 ,3 8 3 9.17.18 383 9.17-19 381 9.18.19 382 9.20 87, 384, 387 9.20.21 3 8 4 ,3 8 7 9.21 3 8 6 ,3 8 7 10 62, 389, 525 10.1 3 8 9 ,3 9 2 ,3 9 8
9.1
779
E s c r it o s A n t i g o s
10.1-4 392, 398 10.1-11 389 10.1-11.14 389 10.2 394, 398 10.3 398 10.4 397,398,737 10.5 398 10.5-7 398 10.6 119, 138, 399, 402
10.6.7 402 10.7 399,402 10.8 403,406 10.8-11 402,406 10.9 403 10.10 407 10.10.11 404 10.11 407 11 207,404,462, 494, 496, 545, 557, 592 11.1 207, 411, 418,462,496, 545, 557 11.1.2 413,418
11.1-14 410 11.2 415 11.3 404 11.3,4 419 11.3-6 419 11.3-10 404 11.5 421,423,494 11.5.6 423 11.6 422,423 11.7 429, 592 11.7.8 423, 424 11.7-10 423,429 11.8 429 11.9 427, 429 11.10 428,430 11.11 430,496 11.11-14 430 11.12 431,435 11.12.13 435 11.13 207, 432, 435
11.14 434 11.15 462 11.15-18 436 11.15-19 435 11.16 438 11.17 4 3 8 , 4 43, 557
11.17.18 443 11.18 4 3 9 , 4 4 0 , 443
11.19 4 4 1 ,5 4 5 12 20, 174, 345, 672
12.1 2 0 ,4 4 9 ,6 7 2 12.1-6 2 0 ,4 4 9 12.1-17 445 12.1-14.20 446 12.2 451 12.3 451 12.4 453 12.5 454 12.6 455, 457 12.7 3 4 5 ,4 6 1 12.7,8458 12.7-9 457 12.9 1 7 4 ,4 5 9 12.10 4 6 1 ,4 6 5 12.10-12 4 6 1 ,4 6 5 12.11 4 6 3 ,4 6 6 12.12 4 6 4 ,4 6 6 12.13 1 7 3 ,4 6 6 12.13-17 466 12.14 4 6 7 ,4 7 1 12.14-17 471 12.15,16 4 6 8 ,4 7 2 12.17 470, 672 13 2 7 , 4 5 , 2 7 5 , 425, 560, 622 2 7 ,4 5 ,4 2 5 , 476, 482, 622 13.1-3 482 13.1-4 476 13.1-10 475 13.1-18 474 13.2 478 13.3 4 7 9 ,4 8 2
13.1
780
Í n d ic e d a B íblia e O u tros E sc rito s A n t ig o s
1 3 .3 .4 480
13.5-10 482 13.6 483, 490 13.6-10 490 13.7 485 13.8 2 7 5 ,4 8 6 ,4 9 0 13.9 1 6 0 ,4 8 7 13.10 488, 490 13.11 4 2 5 ,4 9 1 13.11-14 491 13.11-18 491 13.12 4 9 2 ,4 9 6 13.12-14 496 13.13 493 13.14 4 9 4 ,4 9 6 13.15 4 9 6 ,5 0 2 13.15-18 4 9 6 ,5 0 2 13.16 502 13.16.17 497 13.17 502 13.18 4 9 9 ,5 0 2 14 26, 3 8 , 2 0 4 , 273, 320
14.1 2 6 ,3 8 ,3 2 0 , 5 0 7 ,5 1 5 14.1-4 515 14.1-5 506 14.1-20 505 14.2 2 7 3 ,5 0 9 ,5 1 5 14.3 510 14.3.4 515 14.4.5 511 14.6 516, 526 14.6.7 516 14.6-13 5 1 5 ,5 2 6 14.7 4 3 3 ,5 1 7 ,5 2 7 14.8 5 1 8 ,5 2 7 14.9 520 14.9.10 520, 521 14.9-12 520 14.10 521 14.11 522 14.12 523 14.13 5 2 4 , 525, 527 14.14 5 2 8 ,5 3 5
14.14-20 527,535 14.15 535 14.15,16 529 14.17 530 14.18 38,531,535 14.18.19 38 14.19 532,535 14.20 533,535 15 343, 643 15.1 537,539,544 15.1-4 539, 544 15.1-8 537 15.1-16.21 537 15.2 540, 544 15.2-4 540 15.3 542,544 15.3.4 543 15.4 545 15.5 545,548 15.5-8 545, 548 15.6 546, 548 15.7 547, 643 15.8 547, 548 16 663 16.1 554,663 16.1.2 553, 554 16.1-21 550,551 16.2 555 16.3 555, 556 16.4 556, 559 16.4-7 556, 559 16.5 544, 556 16.6 303, 558 16.7 558,55» 16.8 561 16.8.9 560,561 16.9 561 16.10 173,563 16.10.11 561,563 16.11 563 16.12 378,565 16.12-16 563 16.13.14 566 16.14 571,663 16.14.15 571 16.15 203, 568,
571
16.16 569 16.17 572, 575 16.17-19 575 16.17-21 572 16.18 572 16.18.19 576 16.19 573 17 5 7 8 ,5 8 2 ,5 9 0 , 626, 708
17.1-18 578 17.1-19.21 579 17.3 584, 589 17.3-5 589 17.3-19.10 584 17.3-18 584 17.4 586, 626 17.5 587, 590 17.6 588 17.7 590 17.7-11 590 17.8 5 9 1 ,5 9 8 17.8-11 598 17.9,10 593 17.11 5 9 7 ,5 9 8 17.12,13 598 17.12-14 598 17.14 600 17.15 602 17.15-18 602 17.16 602 17.17 603, 605 17.18 604 18 38, 89, 5 1 9 , 717 607, 610, 6 2 6 ,7 1 7 18.1-3 610 18.1-24 607, 609 18.2 3 8 ,8 9 ,5 1 9 18.3 6 1 2 ,6 1 3 18.4 5 8 1 ,6 1 4 18.4-8 614 18.5 615 18.6 615 18.7 617
18.1
18.8 618 18.9 619 18.9.10 619 18.9-20 619 18.10 620 18.11 621 18.11-17 621 18.12 627, 717 18.12,13 622 18.12-14 627 18.14 6 2 5 ,6 2 7 18.15-17 626 18.16626 18.17629 18.17,18 627 18.17-19 627 18.19 628 18.20 4 6 4 , 6 2 9 , 631
18.21 6 3 1 ,6 3 4 18.21-24 6 3 1 ,6 3 4 18.22.23 632 18.23 3 8 ,6 3 3 18.24 6 3 4 ,6 3 5 19 70, 659, 665, 734 19.1 6 3 9 , 6 4 4 , 665, 734 19.1-5 6 3 9 ,6 4 4 19.1-10 638 19.1-21 637 19.2 6 4 1 ,6 4 4 ,6 5 9 19.3 1 1 9 ,6 4 2 19.4 642 19.5 643 19.6 645, 650 19.6-9 645, 650 19.7 6 4 6 ,6 4 7 19.7-9 647 19.9 70, 649, 650 19.10 650-652 19.11 6 5 3 ,6 6 0 19.11-16 6 5 3 ,6 6 0 19.11-21 653 19.12 6 5 5 ,6 6 0 19.13 6 5 6 ,6 6 1
Í n d ic e d a B íb lia e O u t r o s E sc r ito s A n t ig o s
19.14 658 19.15 658, 661, 665 19.16 660, 661 19.17 665 19.17,18 661 19.17-21661,665 19.18 665 19.19 662 19.20 663, 665 19.21 659, 664, 665 20 6 9 ,7 0 ,7 2 ,7 7 , 241,667, 668 20.1 241,667,670 20.1-3 670 20.1-15 667,670 20.2,3 671 20.4 70, 72, 675 ■20.4,5 72 20.5 678 20.6 680 20.7,8 681 20.8 685 20.8-10 685 20.9 683 20.10 119, 684, 685 20.11 241, 686,
691 20.11-13 691 20.11-15 683 20.12 687 20.13 689, 691 20.14,15 690 21 38, 245, 255, 335, 337,413, 586, 698, 744 21.1 413, 695 21.1-8 695 21.1-27 693 21.1-22.5 694 21.2 245, 255, 335, 586, 697, 705 21.2, 3 335, 705 21.3 316,698,705 21.4 316,337,699 21.5 700 21.6 38, 316, 701744 21.7 702 21.8 703 21.9 706,711 21.9,10 706 21.9-14 706,711 21.10 707,711 21.11 708,711
21.12 316,712 21.12,13 709 21.14 711,712 21.15 413 21.15-21 712 21.16 712,718 21.16-21 718 21.17 713 21.18 714,718 21.19 715, 716, 718 2 1.19,20 715 21.20 245 21.21 717,718 21.22 316,334 21.22,23 719 21.22-27 719 21.23 720,724 21.23-27 724 21.24 724 21.24-26 720 21.25 710,721 21.25,26 721 21.25-27 710 21.26 255,724 21.27 723,724 22 66, 161, 163, 390, 736 22.1 66,390,728,
781
736 22.1,2 732 22.1-5 727 22.1-21 726 22.2 161,163,729 22.3 316,730 22.4 316,731 22.5 119,731 22.6 108,732,733 22.6-17 733 22.6-21 732 22.7 732,735 22.7,10 732 22.8 124,735 22.9 736 22.10 390,737 22.11 738 22.12,13 739 22.13 733 22.14 740, 744 22.14-16 744 22.15 741 22.16 733, 736, 742, 745 22.17 743 22.18,19 745 22.19 66,746 22.20 747 22.20.21 747 22.21 747
Apócrifos do Antigo Testamento 1 Esdras 8.25 604 2 Esdras 2.38-41 649 2.41 304 4.36 304 7.26 698 7.28,29 672 7.36 523 7.75 698, 700 7.123 730 8.53 700 10.27 698
12.37,38 700 13.32-36 672 13.47 564 14.5,6 700 14.45-47 700 15.35 534 Judite 9.1 420 1 Macabeus 1-3 468 8.30 746 9.27 332
13.51 328 2 Macabeus 2.4-7 181 2.4-8 442 5 468 10.7 328 13.4 601,660 3 Macabeus 5.35 601,660 4 Macabeus 13.15 523
Siraque 1.3 683 1.8 700 24.11 683 39.30 367 Tobias 12.15 345 13.16,17 716 13.17 640 Sabedoria Salomão 18.24 132
de
782
Í n d ic e d a B íblia e O u tros E sc rito s A n t ig o s
Pseudepígráfos do Antigo Testamento A scensão Isaías 4.16 303 9.5 656 9.22 687
de
2 Baruque 4.2-6 697 11.1 519 24.1 687 30.2 304 1 Enoque 9.4 601, 660 18.12-16 369
18.13 353 20.2-8 345 21.3 353 21.6 364 47.1-4 303 47.3 688 47.4 304 52.16 303 60.12-22 557 89.61-63 687 91.12,13 672 100.3 533 2 Enoque 22.8 303
65.10 700 Jubileus 1.29 346 2.2 557 Carta de Aristéia 310.11 746
5.159 5.226 5.413 5.434
519 426 426 519
Testamentos dos Doze Patriarcas Dan
5.6 324 Oráculos Sibilinos 2.230-44 686 3.1-62 672 5.143 519 5.154 426
Josefo e Filo Josefo Contra A pião
1.19 § 141 457 2.4 § 3 9 150 A n tig ü id a d es Ju daicas
4.6.6 §§ 126-28 177
12.3.4 § 149 198, 223 14.7.2 §§ 112-13 150 14.10.17 § 235 1 1 QQ 70
16.6.6 §171 199
Vida d e A braão
Guerras Judaicas
24. §121 116
1 proem 7 § 19 5.9.4 § 94 6.9.4 § 420 7.5.4 § 495
Vida de M oisés
14.10.24 § 259 1Q Lj R O
Filo
Outros Escritos Judaicos 1QM 3.5 683
Ketuboth
111a 301 Sanhédrin
Aboth de Rabbi Nathan 26 (7c) 301 Babylonian Talmud
90a 180 100a 717 105a 180 113a 139 Shabbath
152b 301
B aba Bathra
75a 717 Baba M tzia
59b 350
Exodus Rabbah 15.21 700
Sifre sobre Deut32.28 166 Targum PseudoJonathan sobre Deut. 28.12 139 sobre Deut. 32.39 139 Targum to Isaiah 65.20 700
1.54 §§ 295-97 177 D as Recom pensas e C astigos
65 27
Í n d i c e d a B íb lia e O u t r o s E s c r i t o s A n t i g o s
783
Escritos Clássicos Dio Cassius 61.10.3 623
Joannes Lydus
Plínio o Jovem
Tácito
D e M ensibus
Letters
Anais
3.32 208
10.56 126 10.96 55, 56 10.96.3 56 10.97 56
3.37 172,350 3.53 159,623 6.19 623 14.27 223, 337 15.13-17 288
Epictetus D iatribes
3.7.29 228 Heródoto 1.53 160, 197 1.77-84 198 1.93 197 1.190-91 564 5.101 197
Martial 14.85 623 Plínio o Ancião N atural H istory
4.12 23 13.96 623 34.1 292, 295, 611,624
Strabo 3.2.10 623
Xenofonte
Suetônio
7.5.1-36 564
C yropedia Dom itian
7 296,624
Primeiros Escritos Cristãos Agostinho C idade de D eus
M an That Shall Be Saved?
20.7 672 20.11 683
42 45
Cartas
Didaquê 10.6 735, 744 14.1 128
197.2 112 Barnabé 15.3-9 212
Hipólito Eusébio H is tó r ia
1 Clemente 1.3 182 16.1 337 34.6 277 44.3 337 54.2 337 57.2 337 2 Clemente 3.2 206 Clemente de Alexandria Who Is th e R ich
7.25.1 36,77 7.25.7 36 7.25.14 36 7.25.16 36 7.25.22 38 7.25.25, 26 39
siástica
3.17.1 55 3.18.1 46 3.18.3 44 3.23.6 45 3.25.2 77 3.28.2 77 3.39.4 35 4.15.34 301 4.26.2 J28 4.26.9 55 5.8.5 34,45 5.8.6 44 7.24.1 35
R efu tation o f A ll E c le
H eresies
7.24 159 Inácio Ephesians
3.1 159 6.2 159 8.1 159 9.1 159 11.2 159 M agnesians
9.1 128 Philadelphians
6.1 214
Irineu Contra H eresias 1.26.3 159
3.11.1 159 3.11.3 34 4.20.11 34 4.35.2 34 5.30.1 34,49 5.30.2 324 5.30.3 4 4 ,45,50 5.32-36 672 5.36.1 687 Jerônimo D e viris illustribus
9 36 Justino Mártir D iálogo com Trifo
81 34,52,76, 672 81.15 76
784
Í n d ic e d a B íblia e O u tro s E sc r ito s A n t ig o s
Martírio de Policarpo 8.1 165 13.1 165
Policarpo
Shepherd of Hermes
Tertuliano
A os Filipenses
11.3 55,165
Visions
4.5 77
Orígenes
Pseudo-Clementines
M ateus
R ecognitions
16.6
3.47.2
45
496
2.1 391 2.4 391
Contra M arcião
A série de Comentários do Novo Testamento foi preparada para o estu d an te da Bíblia que deseja profundidade e clareza. C ada volum e apresenta introdução e esboço, um a tradução crítica, com entário e aplicação.
“Para m uitos leitores, Apocalipse é um m istério profético que ultrapassa o entendim ento hum ano. C ontudo, neste últim o livro da Bíblia D eus nos perm ite ver u m pouco de C risto e da Igreja no céu e sobre a terra e o que vemos im pressiona realm ente.” (da Introdução)
COMENTÁRIO DO NOVO TESTAMENTO
Apocalipse “Para m uitos leitores, Apocalipse é um m istério profético que ultrapassa o entendim ento hum ano. Contudo, neste ú lti m o livro da Bíblia Deus nos perm ite ver um pouco de C risto e da Igreja no céu e sobre a terra - e o que vem os impressiona realm ente.” - da Introdução C om pletando a série de C om entários do Novo Testam ento, Apocalipse proporciona um a visão abrangente de um dos mais desa fiadores livros da Bíblia. Cada ilustração, cada significado é analisa do na procura da essência da m ensagem de D eus em seu últim o livro para nós. Sim on K istem aker m ostra com grande habilidade que o livro do Apocalipse, com sua rede complexa de sim bolismo e inspiradoras visões do céu, é um volum e divinam ente construído em que Deus revela a obra de suas mãos. A série de Comentários do Novo Testamento foi preparada para o e s tu d a n te da Bíblia que deseja p rofundidade e clareza. Cada volum e apresenta introdução e esboço, um a tradução crítica, co m entário e aplicação.
Sim on K istem aker, Ph.D. (Free University, Am sterdam ), é professor emérito de Novo Testam ento do Reformed Theological Seminary. Além dós comentários de sua autoria nesta série, escreveu Parabolas dç Jesus, desta editora. O Dr. Kistemaker e a sua esposa Jean residem em Oviedo, na Flórida.
CDITORA CULTURA CRISTÃ Rua Miguel Teles Júnior, 394 - Cambuci 01540-040 - São Paulo - SP - Brasil Fone (0**11) 3207-7099 - Fax (0**11) 3209-1255 www.cep.org.br - [email protected] 0 8 0 0 -1 4 1 9 6 3
-