Contar a Lei François Ost
Prólogo:
A proposta proposta do autor é de repensar o Direito. Um novo direito para um novo século, século, pois aquele “vê-se abalado em suas certezas dogmáticas e reconduzido reconduzido às interroga!es interroga!es essenciais." essenciais." #p. $%. &ara tanto, 'st busca na literatura o (io capaz de reconduzir o direito )unto à comunidade, a (im de que recupere sua magia de antan*o. +sso, contudo, no será uma tare(a (ácil, uma vez que a descon(iana dos poetas se manteve desde a época de &lato. ' (il (ilso so(o (o greg grego, o, segu segund ndoo o auto autor, r, )á mani( ani(es esta tava va os “per “perig igos os"" qu quee aque aquele less representavam representavam na República e n As Leis . a primeira, “os guardi!es multiplicam as providências contra as sedu!es da poesia - uma poesia que poderia nos (azer recair na in(/ncia. ' mais seguro será ainda banir os poetas da 0idade1 sua arte corruptora, que mistura o verdadeiro e o (also, (az ver os mesmos personagens ora grandes ora pequenos, evoca (antasmas e no se atém à distino do bem e do mal. um 2stado regido por leis sábias, no deve *aver lugar para essa espécie de arte que alimenta o elemento mau da alma - aquele que comercia com o sens3vel e com o prazer." #p. 45%. 2ntretanto, o prprio (ilso(o grego con(essa que, em verdade, os )uristas e os poetas so rivais na arte dos dramas, uma vez que somente um “6cdigo autêntico de leis pode encenar naturalmente.7" #p. 44% - #&8A9:'. #&8A9:'. As Leis. ;++, <4=-<4>%. &lato recon*ece, ento, a a tragédia que seria o mundo do direito e de suas leis. Apesar Ape sar deste deste recon*e recon*ecim ciment ento, o, a relao relao entre entre direit direitoo e litera literatur turaa con contin tinua ua abalada abalada inclusive em tempos modernos, o que (az com quem 'st propon*a a reconciliao entre ambos, mesmo que entre eles e?ista um vasto oceano de divergências, sobre as quais o autor discorre1 4. “2nquanto “2nquanto a literatura literatura libera libera os poss3veis, poss3veis, o direito direito codi(ica a realidade realidade,, a institui institui por uma rede de quali(ica!es convencionadas, a encerra num sistema de obriga!es e interdi!es." #p. 4@%. A literatura é a responsável por “pr em desordem as conven!es, suspender nossas certezas, liberar poss3veis - desobistruir o espao ou liberar o tempo das utopias criadora. 'bviamente, esse e(eito passa pelo momento do negativo1 para abrir, é preciso primeiro abalar ou mesmo abater." #p. 4@%. Begundo 'st, é (uno da literatura criticar o meio social no qual está inserida, o que pode ocorrer através do cmico e do ris3vel, da tragédia e da análise cient3(ica. ' primeiro é o gênero que se destaca, que pode tratar das mazelas do direito tanto de (orma direta quanto indi indiret retame ament nte1 e1 “em vez vez de incr incrim imin inar ar (ront (rontal alme ment ntee a escas escassez sez do direi direito to #o reina reinado do da arbitrariedade e o poder bruto da (ora%, a narrativa sugere desordens a que conduz o e?cesso de direito - o direito aplicado ao pé da letra." #p. 4C%. o caso, por e?emplo, de O Mercador de Veneza. ' segundo, de acordo com 'st, se sobressai nas tragédias onde as mul*eres lutam contra a lei dos *omens em prol dos seus mortos - como é o caso de Antígona. 2 o Eltimo se revela pela análise da realidade, como, por e?emplo, em César Birottea de Falzac, Falzac, onde escritor escritor trata da 8ei de Galências (rancesa de 4<5> e que, dez meses aps a publicao do livro, (oi modi(icada devido às cr3ticas (eitas por Falzac em sua obra de (ico. 9ambém se incluem nesse rol 9olstoi e
DostoievsHi. 2m concluso, tem-se que “essa 6indisciplina7 literária que se insinua nas (al*as das disciplinas e?cessivamente bem institu3das realiza assim um trabal*o de interpelao do )ur3dico, (ragilizando os pretensos saberes positivos sobre os quais o direito tenta apoiar sua prpria positividade." #p. 4I%. J. A segunda segunda di(eren di(erena a entre direit direitoo literat literatura ura reside reside no (ato (ato de que a primei primeira ra “e?plora, “e?plora, como como laboratrio e?perimental do *umano, todas as sa3das do camin*o". #p. 4I%. 2m outras palavras, é (uno da literatura a induo a novos ol*ares sobre os outro e sobre o mundo, abalando nossa zona de con(orto. @. A tercei terceira ra di(er di(eren enaa diz diz respei respeito to ao “esta “estatu tuto to dos indi indiv3 v3duo duoss de que (ala (ala cada um desses desses discursos." #p. 4=%. 'st a(irma que o direito institui papeis )á de(inidos às pessoas a (im de que seus atos possuam e(icácia )ur3dica. 2sses papéis - persona romana -, embora constituam uma (ico, (ico, so r3gido r3gidos, s, o que mitiga mitiga drasti drasticam cament entee a natural natural plural pluralida idade de comport comportame amenta ntall dos *omens. o caso, por e?emplo, do “bom pai de (am3lia", do “pro(issional diligente", do “cidado médio", etc. #p. 4=%. &or outro lado, a literatura quebra com este esquema in(le?3vel do direito, pois os personagens literários se caracterizam pela “ambivalência de sua natureza" que se imiscui com a “ambiguidade das situa!es que eles en(rentam." #p. 4>%. &ara o autor, “é comum que esses personagens ambivalentes con*eam todo tipo de metamor(ose." #p. 4>%. Ademais, “enquanto o direito consagra papéis normatizados, a (ábula )oga sistematicamente com as mudanas de escala." #p. 4>%. ' direito estabelece respostas prontas, padronizadas, enquanto que a literatura incita à “busca interior", respostas que se alteram de acordo com cada indiv3duo. C. A quarta quarta di(erena, di(erena, por (im, (im, se encontra encontra no (ato (ato de que “enquanto “enquanto aquele aquele Ko direitoL direitoL se declina declina no registro da generalidade e da abstrao #a lei, dizem, é geral e abstrata%, esta Ka literaturaL se desdobra no particular e no concreto." #p. 4<%. 'st se questiona se a “imerso no particular no é o camin*o mais curto para c*egar ao universal." #p. 4<%. Metorno dialético1 'st discorre acerca da tese de 0. 0astoriadis, para o qual “o direito no se contenta em de(ender posi!es institídas, mas e?erce igualmente (un!es institintes - o que sup!e criao imaginária de signi(ica!es sociais-*istricas novas e desconstruo das signi(ica!es institu3das que a ela se op!em. De maneira maneira inversa, e simetricamen simetricamente, te, a literatura literatura no se contenta contenta em atuar na vertente institinte do imaginário, imaginário, ocorre-l*e também apoiar-se sobre (ormas institídas." #p. 4$%. &ara o autor, o direito esconde no (undo de suas normas as diversas atribula!es da sociedade, que se consubstancializam em interesses e práticas divergentes. A (im de manter a estabilidade social, “nas *istrias contadas e pleiteadas no tribunal, tecem-se a cada dia novas intrigas que so como a mediao entre a (ico o(icial do cdigo e as (ic!es urdidas pelos personagens singulares da vida real. o é raro, nessas condi!es, condi!es , que um demandador obstinado ou um litigante imaginativo obten*a o bene(3cio de uma interpretao inovadora ou mesmo uma reorientao reorientao da )urisprudênci )urisprudênciaa que anunciará talvez uma mudana da prpria lei. De resto, seria um erro representar-se a lei sob a (orma de um espartil*o r3gido que no dá nen*uma margem de
ao aos atores1 muitas delas, ao contrário, adquirem uma (orma supletiva, impondo-se apenas na (alta de outra opo adotada pelos particulares" #p. J5%. 9odo esse con(lito diário que se trans(orma em novas interpreta!es e aplica!es da lei é c*amado pelo autor de “6imaginário )ur3dico7", termo empregado originalmente por Arnaud #A. -N. Arnaud. Criti!e de la raison "ridi!e. &aris1 8ODN, 4$<4, p. @@@ e s.%, sociolgo do direito que “coloca, com acerto, em tenso com as (ormas o(iciais do direito estabelecido ou positivo." #p. J5%. ' “imaginário )ur3dico" lida com todo o conteEdo sociolgico submerso dentro da es(era do direito, o “6in(ra-direito7, gerador das mais diversas (ormas de costumes, *ábitos, práticas e discursos que no cessam de agir, de certo modo, sobre os modelos o(iciais do direito institu3do." #p. J5%. “De maneira inversa, pode-se a(irmar que a literatura no é al*eia às normas e às (ormas institu3das. 0ertamente seu registro é o da *istria individual, mas isso no signi(ica que seu alcance no se)a coletivo ou mesmo universal." #p. J5-4%. A literatura também au?ilia na construo lingu3stica de representa!es pol3ticas e )ur3dicas relacionadas com a sociedade, induzindo assim a novas (ormas de pensamento cr3tico, como é o caso, por e?emplo, de B*aHespeare, escritor de diversas peas de cu)o plano de (undo era um cenário pol3tico. Além disso, “uma terceira pedra de toque das rela!es que a literatura mantém com as normas e (ormas institu3das diz respeito ao dom3nio da ética. 0ertamente a literatura se preserva dos discursos edi(icantes e no cessa de submeter nossos cdigos, nossos esteretipos e nossas prédicas a um e(icaz questionamento." #p. JJ%. 2ssa relao com a ética (az com que possibilite à literatura se desvincular do conceito ideolgico de )ustia “para liberar a )ustia como valor, relembrando à instituio sua real vocao." #&. J@%. ' autor revela, ento, a dialética do direito e da literatura1 “uma dialética que, como convém, atravessa cada um dos plos opostos. 2m vez de um diálogo de surdos entre um direito codi(icado, institu3do, instalado em sua racionalidade e sua e(etividade, e uma literatura rebelde a toda conveno, ciosa de sua (iccionalidade e de sua liberdade, o que está em )ogo so empréstimos rec3procos e trocas impl3citas. 2ntre o 6tudo é poss3vel7 da (ico literária e o 6no deves7 do imperativo )ur3dico, *á, pelo menos, tanto interao quanto con(ronto. 2ssa tese essencial é sem dEvida o postulado mais central do movimento 6direito e literatura7, como lembra Names FoPd Q*ite #QR+92, Names FoPd. #ro$ %&pectation to %&periente. %ssa's on La( and legal %dcation. Ann Rarbor1 9*e UniversitP o( Sic*igan &ress. J555, p. I@ e p. >J%, um dos seus principais representantes nos 2stados Unidos. 2m vez de opor um direito, linguagem racional do poder, a uma literatura, (antasia recreativa que obedece a critérios e?clusivamente estéticos, procura compreender a inspirao comum de ambos." #p. J@-C%. 2sse ponto de convergência entre as es(eras )ur3dica e literária representam um ponto de interseco entre dois universos paralelos, organizados de acordo com suas prprias leis. +sso prova o argumento de &lato de que o direito é “a maior das tragédias." #p. 44 - As Leis%. Bendo assim, “os )uristas aprendem na (aculdade que o direito se origina no (ato1 6e& )acto is oritr .7 &ara a re(le?o - e será o propsito deste livro demonstrá-lo - seria mais e?ato dizer1 e& )abla is oritr - é da narrativa que sai o direito." #p. JC%.
Diante desse conte?to de mEtuo au?3lio, 'st se questiona1 “o que gan*a o estudo do direito nesse con(ronto com o espao literárioT" #p. JI% &ara o autor, a(irmar que a literatura apenas possibilita o incremento de uma “cultura *umanista" seria reduzir o potencial da contribuio da 8iteratura ao Direito. 'st a(irma que “muito mais (undamentalmente, *á de se esperar da literatura uma (uno de sb*ers+o crítica" #p. JI%, o que (az através do empoderamento do otro, o qual retrata o sistema )ur3dico “de (ora". “2m alguns casos é uma (uno de con*ers+o )ndadora que a literatura assume, sem que ten*a necessariamente buscado1 a narrativa (az-se 6(undadora7 - como a maior parte das que estudamos neste livro -, no apenas se dando a 6pensar7, mas também a 6valorizar7 e em seguida 6prescrever.7" #p. J=%. As pai?!es que instituem as cidades1 'st inicia o subt3tulo com uma (rase encontrada em Antígona, de B(ocles1 “As pai?!es que instituem as cidades, o *omem as ensinou a si mesmo." #p. J>%. ' que o escritor grego quer dizer é que “na origem das institui!es pol3ticas e dos cdigos, *á puls!es, aspira!es, todo um )ogo de pai?!es. &or outro lado - segundo motivo de espanto -, a eduo que trans(ormou essas pai?!es em leis c3vicas. #...% 2 o que B(ocles assinala é que esse imaginário é primeiro e acima de tudo pol3tico1 ele (or)a as signi(ica!es coletivas que vo assegurar o v3nculo social." #p. J>%. Bendo assim, a lei se origina das pai?!es presentes nos laos da comunidade, o que denota a ine?istência de algum determinismo ou de pura lgica racionalista. “A cidade escapa a toda determinidade desse gênero1 é da imaginao instituinte que ela procede, das grandes narrativas que o *omem conta-se a si mesmo." #p. J>%. &ara e?plicar esse (enmento, 'st recorre a 0astoriadis #0AB9'M+AD+B, 0. L, -nstittion i$aginaire de la societé. &aris1 Beuil, 4$>I, p. CI>-C$<% e ao seu conceito de “magma de signi(ica!es"1 “um con)unto de signi(ica!es imaginárias sociais que con(erem um sentido espec3(ico aos dados da e?periência e ainda1 as mais importantes dessas signi(ica!es so literalmente 6constitutivas7 da realidade que elas (azem advir ao nomeá-las1 é o caso do pont3(ice, por e?emplo, cu)a e?istência e o papel s se compreendem em relao à instituio 6+gre)a7, ela prpria re(erida a uma narrativa (undadora #Mevelao, 2scriturasV%. Assim que gan*am corpo, essas signi(ica!es sociais imaginárias so arrastadas num processo *istrico (eito de momentos de estabilizao e de cristalizao #(ormam ento o ponto de vista interno imanente ao mundo comum institu3do%, seguidos de momentos de auto-alterao #quando (azem ouvir as (oras centr3(ugas dos imaginários concorrentes%." #p. J<%. ADENDO: A teoria de Castoriadis diz respeito à busca de novos paradigmas nas ciências sociais em face da crise moderna. Ele põe no centro da discussão a capacidade imaginativa do ser humano como fato essencial ao desenvolvimento civilizatório. Para tanto ele cria o conceito de magma de significações. !Existe uma dimensão fluida, aberta (criadora) da realidade, presente especialmente no
mundo das significações, no inconsciente, e no social-histórico, que não é captada pela lógica identitria! "ontrariamente # sistemati$ação, caracter%stica da lógica identitria, segundo a qual o mundo de&e ser organi$ado de forma coerente e absoluta (con'untista), a lógica dos magmas aponta para o mundo sempre aberto, próprio das significações imaginrias! "ombinar estas duas dimensões da realidade, a con'untista e a magmtica, constitui uma contribuição das mais significati&as de "astoriadis para o debate contemporneo . elaboração teórica do conceito de imaginrio radical, a partir de *+-., est ligada # con&icção profunda de "astoriadis de que o psiquismo humano e o social-histórico não podem ser /deri&ados0 ou /explicados0 a partir dos fatores biológicos ou f%sicos! 1sto é, não podem ser redu$idos ao primeiro estrato natural*., regido pela lógica con'untista! "astoriadis est con&encido que os dom%nios do ps%quico e do social-histórico introdu$em um no&o tipo de ser, mais próximo das multiplicidades inconsistentes que das realidades meramente con'untistas!0 "onte# http#$$%%%.ufrr&.br$seminariopsi$'(()$boletim'(()*+$losada.pdf
“2sse processo de auto-alterao é o movimento mesmo da *istria, a respirao dialética do instituinte e do institu3do. #...% Meserva de signi(ica!es em potência, o magma pertence inde(inidamente determinável1 por numerosas que se)am as signi(ica!es determinadas que deles se obtiver, nen*um esgotará sua (ecundidade." #p. J<%. “A *istria das grandes Declara!es dos direitos do *omem é muito reveladora a esse respeito1 no &re/mbulo de cada uma delas se ac*ará um relato, ora muito desenvolvido, ora reduzido a algumas lin*as, que evoca o que deverá (igurar doravante como o momento de (orte da comunidade #uma revoluo, uma declarao de independênciaV% ou o que liga a um passado imemorial (undador." #p. J$%. 2?emplo disso é o Bill o) Rigts, a /eclara0+o de -ndepend1ncia dos %stados 2nidos, a /eclara0+o dos /ireitos do 3o$e$ e do Cidad+o. 2ssa tese remete à “(abulao )usti(icativa" de Nosé 0alvo #OodoP%. Ademais, “a técnica anglo-americana do )ulgamento em diálogo com os precedentes contribui também, de (orma decisiva, para dar crédito à imagem de um direito que se constri por sedimenta!es sucessivas e (idelidade à identidade do sistema )ur3dico." #p. @5%. Depreende-se, portanto, que a tese de 'st acerca do direito “contado" traa um paralelo com o poder das narrativas m3ticas que consolidam as bases de cada sociedade, no sentido de que “uma comunidade pol3tica está ligada a um imaginário *istrico partil*ado, e o quanto de sua memria e sua capacidade de pro)eto so devedoras da interpretao do mundo produzida pelas narrativas (undadoras." #p. J$%. Da3 a import/ncia da coerência da narrativa )ur3dica, como demonstra DWorHin.
“0ompreende-se mel*or, nessas condi!es, o sucesso da tese de M. DWorHin #L,%$piire d droit . &aris1 &G, 4$$C, p. JI5 e s.% que apresenta o direito como uma prática social argumentativa cu)os protagonistas buscam (ortalecer a integrit' - compreendida menos como consistência lgica do que como coerência narrativa, (idelidade #criadora, porém% à *istria da moralidade pol3tica da comunidade. dentro desse quadro que o (ilso(o do direito norteamericano pde propor sua célebre metá(ora que compara o trabal*o dos )u3zes à escrita de um 6romance em série71 cada caso sendo, para o magistrado qe dele se ocupa, a ocasio de escrever um novo cap3tulo da *istria )ur3dica da nao, sob a dupla e?igência do respeito à integrit' do direito e à necessidade de particularizar da mel*or maneira a soluo proposta." #p. @5%. A obra de arte1 contracriao, desa(io, aposta1
4.
J.
@.
C. I.
Aqui o autor discorre acerca de um conceito de obra de arte e que será empregado em sua teoria do “direito contado." &ara tanto, lista uma série de caracter3sticas essenciais à sua natureza1 2nigmáticaXestran*a1 “ela suspende nossas evidências cotidianas, coloca o dado à dist/ncia, des(az nossas certezas, rompe com os modos de e?presso convencionados. 2ntregando-se a toda espécie de varia!es imaginativas, ela cria um e(eito de deslocamento que tem a virtude de descerrar o ol*ar. 9udo se passa como se, por ela, o real desse à luz novos poss3veis que ele mantin*a até ento enterrados em suas pro(undezas." #p. @J%. Diante de sua natureza de 4i*a destri para construir -, 'st a(irma que a obra de arte é “um sentido que adquire (orma" #B92+2M, O. Réelles présences. Les arts d sens. &aris1 Oallimard, 4$$I, p. JJI%. Bentido que adquire (orma1 continuando, “a narrativa no se contenta de evocar o mundo poss3vel que ela visa de uma certa maneira, l*e dá vida e consistência, e por meio dos recursos de sua matéria prpria, a linguagem. 8inguagem da qual o autor se reapropria e mobiliza a servio de seu pro)eto de criao1 o estilo, o (raseado, os tropos, tudo isso contribui para a (ormao de um 6idioleto7 pelo qual se anuncia a singularidade da obra. Gorma e (undo indissociavelmente unidos cooperam ento para a trans(ormao de todos os cdigos, a comear pelo da linguagem, a (im de traduzir a marca distintiva da obra1 sua irredut3vel autonomia." #p. @C%. 0ontracriao1 ' autor a(irma ainda que Bteiner concebeu uma teoria radical para a qual “a obra de arte é sempre, de algum modo, uma contracriao1 um desa(io ao mundo *erdado, à natureza circundante, à *erana cultural, e a aposta de que ainda está por ser dito algo de essencial que irá remodelar toda essa massa para (azer sair dela, en(im, um mundo novo." #p. @J-@%. Menovao1 “a obra de arte é sempre, num certo aspecto, e?erc3cio de memria ou de renovao1 como se, ao liberar uma (orma nova, o artista revelasse o vest3gio de um sentido, a lembrana de uma (orma que adormecia na memria coletiva." #p. @@-C%. Dupla inverso1 'st argumenta que “a verdadeira medida da radicalidade desse gesto poético pode ainda ser notada na dupla inverso a que ele conduz1 inverso do poss3vel e do real, inverso do singular e do universal." #p. @C%. Acerca da primeira, “a obra de arte, como narrativa de (ico, testemun*a #...% que o prprio real no é seno uma modalidade do poss3vel." #p. @C%.
Bobre a segunda, re(uta-se a lgica de que o particular somente e?iste se incluso e submisso ao universal, uma vez que através do particular conseguir-se-ia “bagunar" o todo organizado, diversi(icando-o. “A obra de arte certamente no re(uta a verdade estabelecida - (az algo mel*or1 ela a multiplica in(initamente." #p. @I%. 'st insiste no (ato de que a obra de arte deve ser recebida por seus destinatários, a (im de que no se torne asséptica e estéril # a arte pela arte%, bem como que ela rompa com o pré-dado, pois somente assim está apta a promover a revoluo que pretende, independentemente de qual (or a área designada. 0om o escopo de completar sua (uno, 'st recorre à tese de Micoeur #M+0'2UM, &. 5e$ps et récit6 t., +. &aris1 Beuil #2ssais%, 4$<@, p. 45= e s.% intitulada “tr3plice $í$esis" #p. @I%. com (undamento na tr3plice $í$esis que o autor desenvolverá seu esboo de teoria do “direito contado". De (orma suscinta, analisar-se-á os três tipos di(erentes de $í$esis1 Mí$esis -: “por mais inovadora que se)a, a disposio da intriga sempre se opera sobre o
(undo de uma pré-compreenso partil*ada do mundo da ao. Um lé?ico comum, uma gramática impl3cita traduzem essa estrutura que torna intelig3vel a interao *umana #...%. &or sua vez, essa estrutura )á é o ob)eto, na e?periência comum, de uma mediatizao simblica nela, a ao aparece desde o in3cio carregada de signi(ica!es e provida de avalia!es que (ormam, elas prprias, sistemas1 tal gesto é interpretado como um rito, que tem lugar num ritual, o qual por sua vez remete a um culto que, em Eltima inst/ncia, re(lete uma cultura - toda uma rede simblica é implicitamente mobilizada para interpretar o gesto mais andico. 9udo se passa, portanto, como se a e?periência *umana estivesse desde o in3cio repleta de signi(ica!es simblicas e, diz Micoeur #M+0'2UM, &. 4oi7$1$e co$$e n atre. &aris1 Beuil, 4$$5, p. 4<@%, como que à espera de narrativa. 2sses (ragmentos de *istria, essas intrigas potenciais que esperam apenas o contador para dar-l*es (orma e sentido, esto )á orientados pelas mais variadas regras de signi(icao #o cdigo simblico% e mesmo por regras constitutivas que engendram práticas novas com valor convencional #...%. Bem (alar ainda de regra moral, a prática suscita todo tipo de regras que orientam e até mesmo estruturam o comportamento #...% que, se no (ossem por essas regras, mostrar-se-a aleatrio e desprovido de sentido." #p. @=->%. 2ntre descrever e prescrever, contar1 Mí$esis --- 1 “é o momento da re(igurao, que implica, ao mesmo tempo, uma retomada
criativa da obra e uma trans(ormao do leitor-espectador. um desmentido, portanto, desta assero de M. &osner #&'B2M, M. /roit e littératre. &aris1 &UG, 4$$=, p. C4$% - autor norteamericano de um livro muito controvertido, /ireito e literatra1 6A literatura no tem in(luência sobre o leitor, ela no o tans(orma nem para o bem nem para o mal.7" #p. @<%. De (orma geral, “entre o mundo do te?to e o mundo do leitor, arrisca-se um con(ronto, às vezes uma (uso de *orizontes, e tanto mais quanto o leitor no é uma terra virgem, mas um ser )á envolvido em *istrias, em busca de sua prpria identidade narrativa." #p. @<%.
“0on(rontado a essa demanda de re-signi(icao, o leitor é c*amado a desenvolver, como bem mostra O. Bteiner #B92+2M, O. Réelles présences, op. cit., p. J> e s. e p. 44> e s.%, uma leitura responsável - uma leitura que responde ao leitor e que responde ao te?to." #p. @<%. ' sentido do termo responsabilidade, de acordo com 'st, remete a duas ideias1 de responder ao autor, num sentido psicolgico e emocional, àquilo que a que ele espera # ans(erabilit'% e no sentido de responsabilidade moral pessoal e de boa-(é #responsabilit'%. Diante da análise de Bteiner, “uma tal leitura responsável e participante trans(orma o leitor1 a e?emplo do an(itrio que livremente acol*e um visitante que se convida, ele é levado a desenvolver uma ética do acol*imento #...%." #p. @<%. “#...% 2ssa espécie de emoo Kacol*imento da proposta do autorL #essa mobilizao do leitor% deve ser entendida como uma busca comum de sentido que, através da obra, tenta dizer-se." #p. @$%. ' leitor, ento, se su)eita a esse processo de acol*imento da obra e de uma leitura responsável, o que poderá implicar dois e(eitos práticos principais na sua pessoa, segundo Micoeur #op. cit., p. @4$ e s.%1 “a aistesis e a catarsis. A aistesis é o gozo estético que acompan*a a suspenso do cotidiano e a surpresa produzida pelo despaisamento, pelo desenraizamento da obra. Yuanto à catarsis, tradicionalmente compreendida como puri(icao #purgao% das pai?!es, ela desemboca numa espécie de clari(icao, ou mesmo ensinamento, obtida na e?periência prática e das perple?idades éticas a que o leitor (oi con(rontado." #p. @$%. “esse ponto da análise, compreende-se que a narrativa adquire uma dimenso ética1 ela no apenas assume as avalia!es sub)acentes à estrutura pré-narrativa da e?periência #se)a denunciando suas imposturas, se)a tentando elucidar suas ambiguidades éticas%, mas também e?erce, como acabamos de ver, muitos e(eitos práticos sobre o leitor, ele prprio sempre em busca do sentido de sua prpria *istria. 8aboratrio do )ulgamento ético em situao, a literatura submete nossas convic!es a diversas e?periências de pensamento e de varia!es imaginativas." #p. @$%. Aqui, ento a literatura gan*a uma dimenso prática, à medida em que todos os elementos da vida social, todas as suas práticas, esto à mercê de uma análise e de um )ulgamento livres de qualquer dogma moralista. 'st observa para o seguinte1 a literatura no trabal*a com o campo moral - que, com o tempo, se condensa em normas e em imperativos categricos - mas sim com a ética, onde se é poss3vel discutir os valores de (orma livre, sem necessidade de aplicao das san!es que as normas morais implicam. A ética “deve ser compreendida como a busca da vida boa e dos valores a ela associados." #p. C5%. 2m concluso1 “ e?atamente nesse n3vel mediano Kde discusso dos valores no plano éticoL, entre o registro de (atos e gestos e a prescrio de regras, que a narrativa opera1 6entre descrever e prescrever, contar.7" #p. C5% - a (rase é de Micoeur #M+0'2UM, &. 4oi7$1$e co$$e n atre. op. cit., p. 4$$ e s.%. &ara o autor, a literatura e a ética sempre sero as responsáveis pelas trans(orma!es nos elementos institídos da sociedade. 's valores que ambas trazem ao leitor - que cordial$ente se dei?a penetrar pela *istria contada - “devero passar pelo crivo do )ulgamento propriamente moral e suas e?igências universalizantes, segundo a palavra de ordem da deontologia Hantiana. &assado esse teste, o valor, que nesse meio tempo terá composto com valores rivais, assumirá a (orma e, eventualmente a sano, da norma institu3da. Sas a ética e a
narrativa retomaro seu direito a partir do momento em que, por sua vez, essa norma #moral, )ur3dica% (or con(rontada à prova do )ulgamento moral em situao. A prática #como a dos tribunais% logo (ará re-problematizar as normas assim de(inidas1 surgiro con(litos de dever, apresentar-se-o situa!es inéditas que levaro quem decide a reatar com a sabedoria prática, e às vezes com o trágico da ao1 escol*er no entre o branco e o preto, mas entre o branco e o cinza ou, pior ainda, entre o cinza e o cinza, ou o cinza e o preto. a suspenso do )ulgamento normativo que se observa nesses casos, pode-se esperar que se (aa ouvir ento a voz do narrador." #p. C5-4%. ' direito contado1 esse ponto, 'st inicia a e?plicao de sua teoria do “direito contado mediante o apontamento das divergências entre aquela e a teoria clássica." Begundo ele, “em vez de um direito narrado, as (aculdades de direito continuam ocupadas apenas com o direito analisado. A teoria geral do direito ainda *o)e dominante permanece amplamente anal3tica, de inspirao estado-legalista e de método positivista." #p. C4%. A teoria do direito clássica di(erencia in(le?ivelmente o ser do dever-ser, responsável pela má?ima de que “do (ato nasce o direito." +sso emplica a separao r3gida dos campos da descrio e da prescrio, tornando o campo )ur3dico absolutamente (ormal e lgico-dedutivista. Apesar de sua clausura positivista, 'st a(irma que também *á, na teoria do direito clássica, certo espao para narrativas, por mais e?3guo que se)a. ' principal e?emplo disso é a nor$a )nda$ental Helseniana, responsável por conceder legitimidade ao sistema )ur3dico vigente. Beu prprio inventor, Zelsen, con(essara anos mais tarde que a grndnor$ era uma (ico, pois, de acordo com ele, no *averia outra (orma de estabelecer a sistemática do direito sem recorrer a uma abstrao. Bendo assim, “a suposta 6teoria pura7 do direito revela-se tributária, ela também, de uma grande narrativa (undadora." #p. CJ%. 'utra narraoX(ico que 'st aponta é o estado de natureza, emblemático na teoria instituidora do 2stado de direito. Além disso, “a teoria anal3tica do direito entende apoiar-se, para aplicar a seguir suas normas, numa base de (atos emp3ricos, devidamente estabelecidos por modos de prova (atuais." #p. CJ%. ' autor alega que essa empiria )ur3dica é, em verdade, constru3da por uma série de signi(ica!es convencionalmente estabelecidas nos te?tos legais, como, por e?emplo, a norma civil (rancesa de que “os pombos dos pombais no so aves livres como o ar, mas 6imveis por destinao.7" #p. CJ-@%. &ara 'st, “o direito in(unde seus poss3veis no seio do real1 é essa (uno de nomeao que é prpria do direito #muito antes que suas (un!es repressivas e reguladoras%. omeao que é ao mesmo tempo normatizao e instituio no sentido de que, realmente aqui, 6dizer é (azer.7 ' direito identi(ica as pessoas e as coisas literalmente ele as (az vir à e?istência )ur3dica, no *esitando, por e?emplo, em personi(icar corpora!es ou patrimnios." #p. C@%. 8ogo, depreende-se que o direito cria papeis, nomeia práticas e institui medidas, o que no o a(asta do /mbito da (ico. “9oda essa construo é doravante convencional, e a verdade que se l*e atribui é, ela prpria, constru3da ou interna à narrativa )ur3dica1 (ar-se-á 6como se7 tudo isso (osse verdade #...%.
0ompreende-se, nessas condi!es, que as (ic!es que proli(eram no direito #a e?traterritorialidade das sedes diplomáticas, por e?emplo%, longe de serem uma e?ceo intrusa, uma apro?imao da qual seria mel*or prescindir, e?primem com certeza a narrativa real da discursividade )ur3dica como um todo." #p. C@%. ' autor alega que a teoria clássica do direito estuda as regras que este institui, e que so essencialmente normas de conduta, ao passo que “a teoria do direito contado, instru3da da teoria dos atos de linguagem #Bearle, Austin%, sublin*a antes a import/ncia das regras constitutivas, que no se limitam a regular comportamentos )á e?istentes #tra(egar à direita, parar ao sinal vermel*o%, mas constituem literalmente os comportamentos por elas visados #...%. 2ssas regras constitutivas so, e é o ponto essencial, produtoras de institui!es1 elas *abilitam os )ogadores e de(inem seus poderes respectivos, determinam os ob)etos em disputa, (i?am os ob)etos do )ogo. como as regras de ?adrez" #p. C@%. 'st cita N. MaP #MA[, N. %ssai sr la strctre d code ci*il . paris1 Alcan, 4$J=, p. C< e I4% para corroborar sua viso de que todas as institui!es do direito no apenas prescrevem as condutas - no sentido de determinar o que se pode e o que no se pode (azer -, mas sim determinam um con)unto de condi!es para que as a!es *umanas possuam e(icácia )ur3dica, isto é, passem a e?istir para o direito e possuam signi(icado )ur3dico #p. C@-C%. “' direito, poder-se-ia dizer, escreve roteiros que dei?am aos atores uma grande parte de improvisao. preciso, porém, que os atores concordem em 6entrar no )ogo71 é precisamente a questo da (ora per(ormativa - mais do que imperativa - que se atribui às normas )ur3dicas." #p. CC%. Assim, ao contrário da teoria clássica, “a teoria do direito contado, privilegiando o esp3rito do direito, preocupa-se antes com a 6coerência narrativa7 do racioc3nio, e evidencia a import/ncia da interpretao dos te?tos e da natureza argumentativa das discuss!es )ur3dicas1 )á (oi lembrado a esse respeito a metá(ora dWorHiniana do )ulgamento como 6escrita de um romance em série7. #...% 0omo acontecia no direito antigo, em que as leis tin*am o caráter de mininarrativas, e como acontece *o)e no direito )urisprudencial, o )ur3dico tem por vocao o(erecer 6modelos narrativos7 que o )uiz con(ronta ao relato constru3do a partir dos (atos da causa1 (ato e direito, descrio e avaliao esto indissocialmente implicados a cada etapa do racioc3nio compreendido assim como 6narrativizao da pragmática.7 #NA0ZB', F. )act and 8arrati*e Coerence. S2rsePside1 Debora* 0*arles, 4$<$, p. 4-= e <$-4J$%." “A teoria dominante do direito no se caracteriza apenas por seu caráter anal3tico é também pro(undamente marcada por uma concepo instrumental e utilitarista do racional." #p. CI%. 'st a(irma que de acordo com esse utilitarismo se concebe o indiv3duo sob uma perspectiva de busca pelos seus interesses, como, por e?emplo, “o o$o econo$ics da teoria econmica, que busca sempre ma?imizar sua satis(ao, ou ainda o o$o politics da teoria pol3tica." #p. CI%. 9odavia, “se pensarmos que o *omem no é sempre, nem necessariamente, racional nesse sentido, mas que busca também satis(a!es simblicas porque adere a 6signi(ica!es imaginárias instituintes7, um lugar deverá ser dado a um modo complementar de interpretao da sociedade, do qual a teoria do direito contado constitui um elemento. #...% ' )ogo do direito é marcado pelo menos tanto por comportamentos simblicos quanto por cálculos estratégicos1 nos processos )udiciais, os protagonistas buscam ao menos tanto 6colocar-se em cena7, 6dar-se em
representao7, obter um recon*ecimento simblico, quanto au(erir essa ou aquela vantagem pecuniária. ' prprio pol3tico, que assume *o)e de bom grado a (orma do 2stado-espetáculo, no (oge à regra." #p. CI%. “Suitos outros aspectos poderiam ainda di(erenciar direito analisado e direito contado. Sencionaremos mais dois, que nos contentamos de evocar. o plano temporal, em primeiro lugar, a teoria anal3tica, mais preocupada com estruturas do que com *istria, é incapaz de pensar as transi!es )ur3dicas1 um dado estado do sistema )ur3dico sucede a um outro como as imagens de um (ilme que des(ilam de maneira sincopada, às vezes com uma imobilizao da imagem, sem que se e?plique a sequência geral da *istria. Bomente o direito contado, por integrar a dimenso diacrnica do direito, tem condi!es de restituir o roteiro da narrativa." #p. C=%. A outra di(erena diz respeito à aplicao do direito1 ao contrário da lgica dedutivista, com suas “pir/mides de normas e escalonamentos de poder" #p. C=% que parte de premissas universais para c*egar a determinada concluso em um caso concreto, o direito contado utiliza o método indutivo, uma vez que “é a partir da *istria singular que o direito se reconstri, é a partir do caso particular que sua racionalidade é posta à prova." #p. C=%. A teoria do direito contado se caracteriza pelo notável es(oro de apro?imar o campo )ur3dico da sociedade, a (im de que seu distanciamento e (rieza se)am mitigados pela *umanizao que a literatura é capaz de proporcionar. o entanto, *á dois riscos que o direito contado se e?p!e1 o sub)etivismo e?acerbado e o comunitarismo autoritário #p. C>%. Acerca do primeiro, 'st a(irma que é poss3vel controlá-lo1 “contra o perigo de submerso pela emoo #...%, contra esse recurso no cr3tico à empatia e esses e?cessos de pai?o cumpre (azer valer, nesse caso, os méritos do (ormalismo )ur3dico, o estrito respeito dos procedimentos, a absoluta necessidade de con(ormar-se a argumentos 6intersub)etivamente válidos71 te?tos de autoridade recon*ecida e elementos de prova suscet3veis de discusso." #p. C>%. “' segundo perigo consistiria, para uma coletividade (ortemente reunida em torno das narrativas (undadoras que l*e con(erem identidade, memria e pro)eto, em desenvolver atitudes regressivas de intoler/ncia e de re)eio do outro, ou mesmo lanar-se em empreendimentos integralistas1 maquina!es nacionalistas, puri(ica!es étnicas e outras guerras santas." #p. C>%. &ara lutar contra este risco, o autor sugere que a perspectiva ética dos )uristas deve “submeter-se ao duplo teste da universalizao #o que vale para ti e para mim pode ser transposto a um outro, ao socis abstrato, a um terceiro qualquerT% e da ob)etivao sob a (orma de reescrita do valor ético nos moldes da norma moral e )ur3dica." #p. C>%. A ideia de 'st é pensar em um comunitarismo que respeite as di(erenas intr3nsecas de cada sociedade, mas sem direcionar a uma volta à barbárie. “Bem renegar a tradio da qual se (ala, nem diluir -se numa ilusria identidade universal, cada protagonista passa a dialogar com outras tradi!es1 delineia-se assim um espao pEblico de discusso em que se aceita a reconstruo cr3tica das prprias narrativas e o recon*ecimento do outro." #p. C<%. Direito da literatura e direito co$o literatura1
Granois 'st alega que é poss3vel dividir os estudos de direito e literatura em três campos1 o direito na literatura, o direito da literatura e o direito co$o literatura. ' direito da literatura se atém à “maneira como a lei e a )urisprudência tratam os (enmenos de escrita literária." #p. C<%. Ná o direito como literatura “aborda o discurso )ur3dico com os métodos da análise literária", e o direito na literatura “se debrua como a literatura trata quest!es de )ustia e de poder sub)acentes à ordem )ur3dica." #p. C<%. 2ssas três perspectivas de estudo demonstram, de maneira geral, as diversas possibilidades que a literatura pode ser empregada na análise do direito. Begundo o autor, o direito como literatura “consta no programa de quarenta por cento das (aculdades de direito norte-americanas" #p. C$%, e cita ainda a opinio de M. Qeisberg #Q2+BF2MO, M. “Rerman Selville, ;ic*P et la communication bienveinllant1 trois leons sur les rapports du droit et de la littérature", in Littératre classi!es, n\ C5, p. @$> e s.% acerca dos seus bene(3cios1 “a capacidade de escuta, a aptido de (azer um discurso que leve em conta a sensibilidade dos ouvintes, o dom de convencer tendo em vista atingir a meta que se (i?ou." #p. C$%. 'st a(irma que o direito como literatura constitui um campo de estudo incomensurável que, embora no e?ista, na l3ngua (rancesa, “uma s3ntese real" #p. I4%, é muito desenvolvido nos 2stados Unidos. ' que e?iste em (rancês so estudos relacionados à *ermenêutica das leis e de te?tos literários. 2m verdade, os grandes nomes do direito como literatura so Names FoPd Q*ite com o 5e Legal -$agination e Sart*e ussbaum com Poetic 9stice. FoPd Q*ite, de acordo com o autor, concebia o )urista como um “6artista da linguagem7" #QR+92, N. FoPd. #ro$ %&pectation6 op. cit. p. >=% - #p. IJ%. “2le Ko )uristaL é consciente do caráter construtivo e (ict3cio das intepreta!es que prop!e1 uma opinio )udiciária, uma de(esa de causa, uma sentena so sempre constru!es de poss3veis )ur3dicos que envolvem a responsabilidade de seus autores." #p. IJ%. 0om isso, “o direito deve ser imaginado no meio mesmo das rela!es de interlocuo e das demandas de recon*ecimento que (ormam a trama do tecido social." #p. IJ%. Ná acerca do direito da literatura, o autor alega que este ramo “no representa, propriamente (alando, um ramo espec3(ico do direito, mas sim uma abordagem transversal que abrange quest!es de direito privado #direito de autor e cop'rigt %, de direito penal #toda a variedade de delitos que se podem cometer 6por meio da imprensa1 in)Erias, calEnias, di(ama!es, ultra)e aos costumes, declara!es racistas, atentado ao c*e(e de 2stado - em algumas legisla!es, ainda a blas(êmia%, de direito pEblico #liberdade de e?presso e censura%, e até mesmo de direito administrativo #regulamentao dos programas escolares, das bibliotecas pEblicas%." #p. I5%. ' direito na literatura1 ' importante aqui é que os te?tos escol*idos pelo autor “constituem à sua maneira 6narrativas de instituio7, segundo a e?presso de 0. 0astoriadis1 monumentos literários que criam magmas de signi(ica!es sociais instituintes. ;erdadeiras matrizes culturais, essas
narrativas engendram mundos novos #...%, universos de narra!es e prescri!es constitutivos de uma civilizao )ur3dica." #p. I=->%. 'st trabal*ará dentro desta perspectiva a partir de te?tos escol*idos com a (inalidade de demonstrar a evoluo do direito, de (orma cronolgica, a partir das narrativas das mais variadas culturas. 8o co$e0o era lei
' autor inicia o cap3tulo alegando que a lei institu3da, escrita, sempre (oi muito aclamada na *istria da *umanidade. Desde o 0digo de Ramurabi até o 0digo de apoleo se depreende que o con)unto de leis institu3das inaugura novas eras )ur3dicas e, por conseguinte, um novo tempo. #p. =4%. 2sse apreo pela lei (ez #e ainda (az% com que se busque aquela que possa ser c*amada de “a mais per(eita". De (ato, suas caracter3sticas “naturais" denotam uma arte e uma sabedoria compreendidas como a (inesse da capacidade e con*ecimento *umano1 “clareza, conciso, coerência, autoridade, perenidade, universalidade e, obviamente, )ustia" #p. =4% so seus atributos notáveis que a (azem um criao digna de orgul*o. 0ontudo, a procura da lei per(eita implica a seguinte concluso1 apenas um autor incomum é capaz de produzi-la #p. =J%. 2 é )ustamente esta áurea mágica que envolve a lei que 'st se prop!e a analisar nos te?tos escol*idos para “contar" a *istria do direito. “' importante, em Eltima análise, como )á sabia &lato, é 6encantar7 as leis, mobilizar em proveito delas o imaginário (undador e o a(eto pol3tico - para que essas leis se)am amadas #o que é bem mais importante que sua compreenso e mesmo que seu con*ecimento% e, sendo amadas, se)am obedecidas. Adivin*a-se o parentesco 3ntimo que se estabelece, nesse plano realmente (undador, entre a narrativa )ur3dica e a (ico literária, que se trate de reavivar o mito das origens ou mesmo, mais prosaicamente, da prpria lei escrita." #p. =J%. Bendo assim, de (orma suscinta #porque o autor trabal*ará mais adiante com o tema%, com base na releitura da narrativa presente em 1nesis - onde ocorre a aliana do povo *ebreu com Deus -, 'st a(irma que devido à dialética entre a *eteronomia #lei proposta pelo otro% e a autonomia #aliana li*re$ente aceita pelo povo *ebreu%, “o conteEdo da lei #re(erimo-nos ao ob)eto das prescri!es1 a proibio do assassinato, do roubo, do adultérioV% conta muito menos que as condi!es de recepo da lei." #p. =@%. +sso (az com que se c*egue à seguinte concluso1 o “sucesso" de uma ordem )ur3dica - compreendido aqui no sentido de livre observ/ncia da lei está mais relacionado à (orma da recepo da lei pelo povo que a instituiu do que com o seu conteEdo. 8ogo, é a rela0+o do po*o co$ a lei que possibilita a observ/ncia e a instituio do direito. Além do Oênesis, 'st também cita o mito de &rotágoras como (undador da lei. 2is a narrativa1 os deuses encarregaram dois tits, 2pimeteu e &rometeu, de ensinarem a sobrevivência aos *omens e aos animais. 2pimeteu concedeu a estes todos os dons de que tin*a con*ecimento, dando a uns a velocidade, a outros a (ora e a astEcia, (azendo com que no restasse nada a ensinar aos *omens. +ntervém ento &rometeu, o responsável por dotar os *omens com os
con*ecimentos do (ogo e das artes mec/nicas para que conseguissem sobreviver à natureza. “Oraas a esses recursos, o (ogo e as artes mec/nicas, os *omens de (ato sobreviviam, mas estavam submetidos a cont3nuas ameaas1 isolados, eram presa dos animais selvagens reunidos nas cidades, guerreavam-se entre si sem piedade. 9emendo assim o desaparecimento da raa *umana, ]eus encarrega Rermes de levar aos *omens aidos e di;< o respeito e a )ustia, 6para servir de regras às cidades e unir os *omens por laos de amizade.7 o sem esclarecer, a pedido de Rermes, que a distribuio desses presentes se (ará 6entre todos7 e no a alguns em especial, como é (eito no caso da arte médica ou do talento art3stico, por e?emplo. De resto, todo *omem incapaz de respeito e de )ustia será a(astado 6como um (lagelo da sociedade.7" #p. =@-C%. 'st c*ama novamente a ateno para o tema da *eteronomiaXautonomia1 enquanto ]eus dá aos *omens a rela0+o co$ a lei #p. =I%, os *omens possuem o dever de participar das delibera!es pol3ticas da plis, tendo voz igual. ' autor alega que a ideia de &rotágoras remete à nossa moderna “6processualizao7 da lei", ou se)a, a deliberao coletiva" #p. =I%. 2m outras palavras, “se é verdade que a lei s e?iste quando discutida, ainda assim é preciso e(etuar o tra)eto inverso ao qual o te?to convida1 a discusso s sera (ecunda, por sua vez, se inscrita no esp3rito de )ustia e de respeito mEtuo o(ertado por ]eus aos *omens." #p. ==%. ' que se percebe, por (im, com essas duas narrativas é que à lei institu3da, mesmo que pelo otro #*eteronomia%, importa mais a relao que os *omens possuem com ela do que o seu conteEdo. )ustamente o relacionamento entre direito e *omem que (az com que aquele gan*e legitimidade e observ/ncia numa comunidade. Ademais, depreende-se que a literatura possui uma dupla (uno no meio )ur3dico1 a primeira é a “narrativa (undadora", isto é, “o que importa é mobilizar um imaginário (undador em torno de uma lenda inaugural que diga a concrdia, a paci(icao, a igual dignidade de cada um e a solidariedade no seio da (ederao." #p. ==% a segunda, por sua vez, per(orma quando a “lei vai se comprometendo com toda espécie de vilanias, pequenas ou grandes. A literatura retorna ento o arc*ote, mas desta vez num sentido cr3tico." #p. ==->%. A lei corrompida quando a lei se corrompe que a literatura dei?a de ser narrativa (undadora para tornarse narrativa cr3tica, a (im de que o equil3brio dos tempos instituintes retorne. Aqui o autor cita algumas (ormas de cr3tica que a literatura assume1 “a lei é contestada em seu princ3pio mesmo, como se, por natureza, ela s pudesse ser absurda, in)usta ou arbitrária" #p. =>% “a cr3tica à lei visa em suas ambi!es re(ormadoras quando ela se op!e à resistência subterr/nea dos *ábitos e dos costumes, dos quais a literatura se (az naturalmente eco" #p. =>% “outras vezes a acusao é dirigida contra os abusos e absurdos das leis em vigor, mas o propsito possui uma vontade re(ormadora" #p. =>% “outros te?tos ainda, e no so os menos interessantes, dedicam-se menos a denunciar a lei do que o rigor in(le?3vel de sua aplicao mec/nica e literal. 0omo se, antes do socilogo, o literato tivesse sabido sempre que às leis repugna ma aplicao integral - mesmo, e sobretudo, talvez às leis penais." #p. =<%.
O 4inai o a lei negociada
Aqui o autor estudará mais a (undo a relao dialética entre a *eteronomia e a autonomia do direito *ebreu a partir da releitura do 8ivro do ^?odo. De acordo com 'st, o direito *ebraico está vinculado à alian0a que o povo (ez com Deus através da mediao de Soisés à época da escravido no 2gito. )ustamente a aliana que proporciona a relativizao da *eteronomiaXautonomia, uma vez que Deus e *omens aprendem con)untamente o a alteridade e o respeito à lei divinamente institu3da #p. >5%. A aliana signi(ica um “acordo de vontades"1 enquanto os *omens seguem à risca os mandamentos de Deus, 2ste l*es concederá o para3so e a vida eterna aps a morte. Rá a3 um v3nculo mEtuo que até ento no *avia sido estabelecido em termos de *istria *umana1 “em vez de uma a(irmao autoritária da lei, é de uma aliana que se trata em vez de uma imposio unilateral de um mandamento, o que se assiste é à negociao de uma lei dialgica." #p. >5%. A autonomia advém da li*re aceita0+o da lei de Deus para com seu povo, o que (az com que se)a internalizada individualmente, mitigando os e(eitos da *eteronomia. Assim, liberdade, aliana e lei constituem uma relao dialética que subsiste enquanto todos este)am comprometidos. )ustamente essa voluntariedade na aceitao da lei que estabelece seu caráter libertador para o povo e para o indiv3duo, e dessa aceitao surge a responsabilidade de cada um para com o cumprimento da aliana (eita - “é um trabal*o sobre si mesmo" #p. >J%. Aliás, os *omens assumem sua responsabilidade por se recon*ecerem endividados para com Deus, e por isso devem renunciar à vingana particular contra 2le a (im de que se recon*eam mutuamente como o povo escol*ido #reban*o%. Ao advir da aliana a responsabilidade interpessoal, surge desse v3nculo con(iana e, inclusive, amor de ambas as partes, denotando que este v3nculo é mais do que um “acordo"1 *á verdadeiro comprometimento com a aliana. Ademais, o que identi(ica o povo *ebraico é que sua *istria é “ao mesmo tempo enraizada na memria do que (oi e orientada pela promessa do que poderia ser, e que no entanto volta a ser )ogada a cada instante na incerteza da interlocuo." #p. >J%. Bobre o espao do direito1 Além da aliana com deus e da responsabilidade que surge com sua aceitao, outros aspectos de destacam para a compreenso do espao do direito *ebraico1 “em primeiro lugar, é muito signi(icativo que a lei e a aliana do Binai ten*am lugar numa sucesso, que aparece ininterrupta, de leis e de alianas sempre mais antigas1 leis de oé e, mais a montante ainda, a interdio de consumir os (rutos da árvore do con*ecimento da (elicidade e da in(elicidade promessas (eitas a Abrao, +saac e Nac, e, mais acima, a aliana selada com oé e mesmo com
Ado." #p. >@% +sso demonstra que, além de essencialmente insondável, “a antecedência radical da lei #ou da aliana% aparece, portanto, como condio de possibilidade do direito1 s *á regra positivamente institu3da #ou contrato e(etivamente conclu3do% porque a possibilidade da mesma instituio é atestada pelo eco aba(ado de alianas muito antigas" #p. >@%. A segunda caracter3stica retirada da análise do Oênesis e do ^?odo é que o direito *ebraico é “essencialmente narrativo" #p. >@%. &ara 'st, isso implica duas conclus!es1 “de um lado, o prescritivo s se produz no modelo narrativo1 longe de ter necessidade ou de inelutabilidade de uma lei natural, ele se arrisca no )ogo da interlocuo" #p. >C%. &or outro lado, “a narrativa dos acontecimentos no é a crnica de peripécias quaisquer, al*eias ao ouvinte ou ao leitor se (azem sentido para ele no momento e no lugar onde se encontra, é porque so portadores de uma e?igência normativa que o constitui, o interpela e )á o compromete" #p. >C%. 2m outras palavras1 “como se o te?to constitu3sse a iniciao à sua prpria leitura1 quando Soisés se mostra, com o povo, capaz de escuta, é também o leitor que é convidado, em resson/ncia, a percorrer o mesmo camin*o. ' leitor ideial, em todo caso, aquele que o te?to postula como o 6bom entendedor7, saudado porque sabe ocupar a postura - ética, no caso - ue permite desenvolver todas as virtudes da mensagem" #p. >C%. ' autor ainda cita N.-&. Bonnet #“8e Bina_ dans l7evénement de la lecture", in 8o*elle Re*e téologi!e, maio-)un*o de 4$<$, p. @J4%. A sa3da do 2gito ou o pressentimento do direito1 Gica claro que o autor escol*eu as narrativas *ebraicas )ustamente porque destacam pela sua “inovao" na *istria da *umanidade1 a sa3da do 2gito (oi pleiteada )unto ao (ara como um direito à liberdade #p. >I%. De (ato, no *ouve (uga ou qualquer ato vergon*oso, mas sim um povo que reivindicou diretamente ao (ara sua libertao através da linguagem )ur3dica. Ravia tantas di(erenas entre os mundos eg3pcio e *ebreu que os tornavam inconciliáveis. ' (ara representava o “prottipo dos soberanos cosmocratas e autodivinizados" #p. >=% cu)a lei é essencialmente um comando que no ense)a espao para o diálogo. Bua (igura era poderosa e distante, quase etérea, e seu culto era esotérico e monopolizado pela classe sacerdotal. o *avia, pois, espao para o povo na produo do direito. 2m contrapartida, Soisés e os *ebreus simbolizavam uma nova ordem, embasada na abertura e no diálogo que empreendiam com Deus. Diante dessa (le?ibilidade, a lei no era autoritária, imposta por uma (igura incompreens3vel e distante, mas sim “um ensinamento que pede para ser comunicado, di(undido por todos" #p. >>%. 's cultos também (oram “democratizados", uma vez que todos os c*e(es de (am3lias estavam incumbidos de glori(icar Deus sem a intermediao de sacerdotes #p. >>%, o que demonstra uma “*orizontalidade" religiosa entre todos. &ara 'st, é o ato de relembrar as alianas *istoricamente (eitas com Deus e Abrao, +saac e Nac que proporciona (ora su(iciente ao povo de +srael a (im de rebelar-se contra a escravido eg3pcia, o que s pode ser (eito mediante a =re>narra0+o dos laos que uniam Deus ao povo
*ebreu. 2m outras palavras, “pra levar adiante a *istria e reavivar a aliana, *á obriga0+o de contar 1 narrativo e prescritivo )untam-se" #p. >>, nota de rodapé%. 2mbora a linguagem )ur3dica ten*a sido primeiramente utilizada por Soisés )unto ao (ara com o escopo de reivindicar a liberdade *ebraica, o l3der eg3pcio no l*e deu ouvidos, )á que no recon*ecia qualquer ind3cio de legitimidade no pedido de Soisés. Diante dessas circunst/ncias, Soisés #e Deus% no teve outra escol*a a no ser predizer e lanar as dez pragas sobre o 2gito, cu)o Eltimo ato (oi a morte de todos os primogênitos de todas as (am3lias eg3pcias, o que demonstra o caráter simblico da medida num regime pol3tico baseado na lin*agem sangu3nea divina. 2ste é, segundo o autor, o “momento da virada1 +srael volta as costas à lei que oprime e, lanando-se no descon*ecido do deserto, assume o risco da 6lei que liberta7. preciso (ugir, primeiro, e (azer a e?periência do vazio para encontrar a via da )ustia" #p. >$%. 'st ressalta que esse “momento da virada" somente (oi poss3vel diante de um “prévio enga)amento" #p. >$% do povo *ebreu que se concretizou através da relembrana das alianas anteriormente (eitas com Deus, o que, por sua vez, apenas se viabilizou mediante a obriga0+o de contar acima mencionada. Além disso, o enga)amento prévio corresponde ao primeiro passo da responsabilidade e o primeiro ato )ur3dico #p, >$%, embora ainda e?ista apenas um “princ3pio de direito." A travessia do deserto ou a escrita da lei dialgica1 A (im de o povo *ebreu no esquecesse de suas origens e no abandonassem a aliana, uma vez que o peso da liberdade parecia e?cessivo àqueles que, devido a tantos anos de servido, *aviam se acomodado ao trabal*o (orado - o que Dra_ #DMA`, M. La 5ra*ersée d désert. L,in*ention de la responsabilité. &aris1 GaPard, 4$<<, p. J=% denominou de “62gito interior7" #p. >$%, “duas medidas so tomadas1 o respeito ao repouso *ebdomadário #...% do sabá e a instituio dos )u3zes #...%." #p. <5%. “A lio é clara1 a legalidade s pode (azer sentido para *omens livros, ou, mel*or ainda1 para *omens constantemente re-liberados. Yuanto à instituio dos )u3zes #...%, ela responde à necessidade de uma di(uso do direito no povo, de uma reapropriao da regra do )ulgamento pelos represententantes das tribos e das (am3lias, a (im de que no se)a monopolizada por Soisés. 'bservaremos, de passagem, esse parado?o, aliás muito (requente na *istria do direito, de uma precedência do )uiz sobre a lei no é isso o ind3cio suplementar de que a lei )amais se enuncia num vazio )ur3dicoT sobre um (undo de e?pectativas, de mEltiplas (ormula!es prévias, de negocia!es sobre o seu conteEdo #pois, antes de sentenciar, o )uiz deverá ter ouvido as teses opostas dos litigantes%, que ela acabará por aparecer." #p. <5%. 2m concluso, podemos dizer que a narrativa no direito au?ilia #ou quem sabe estabeleceT% a instaurao das leis nos cora!es dos *omens, uma vez que estes acabam por recon*ecer a legitimidade do direito posto, aceitando-o. Bendo assim, (oi todo um conte?to de
#re%contagem das tradi!es de um povo que possibilitou a instituio da lei *ebraica, cu)a produo se deu de (orma dialética entre Deus e a comunidade escol*ida.
Oréstia o a in*en0+o da "sti0a:
#BYU+8', L,Orestie, trad. e introd. e notas por Daniel 8oaPza. &aris1 Oarnier Glammarion, J554%. ' autor escol*eu a tragédia de squilo para instaurar um mito (undante em relao ao Arepago, tribunal ateniense responsável por )ulgar as causas de direito. a época em que (oi redigida - século ; a.0. -, Atenas estava passando por um momento pol3tico complicado1 embora se caracterizasse como o bero da democracia, a verdade era que as elites ainda monopolizavam o poder pol3tico, que se situava nas mos dos )u3zes do Arepago, membros da aristocracia e os responsáveis por guardar as leis atenienses. A (im de mitigar sua in(luência, 2(ialtes “consegue (azer votar pela assembleia do povo um decreto que limita doravante a competência do Arepago aos crimes de sangue." #p. 45$%. A partir da3, o poder pol3tico concentrar-se-ia na Assembleia dos Yuin*entos. claro que essa mudana drástica desagradou a elite, que se insurgiu a ponto de ameaar a cidade com a invaso de e?ércitos estrangeiros #p. 45$%. “Nuntamente com o poder da aristocracia, a re(erência à tradio, às leis imemoriais, à antiga partil*a dos deuses estava sendo abalada em seus (undamentos." #p. 45$%. Bendo assim, squilo escreve sua tragédia com o escopo de, através da recomposio do imaginário pol3tico, c*egar à moderao de posi!es, uma vez que o radicalismo somente poderia trazer consequências ne(astas à plis #p. 445%. 0om base nessas in(orma!es, segue a análise (eita por 'st da pea grega. Uma composio poli(nica1
4. J. @. C. I.
' autor alega que no *á apenas um discurso reinante na pea, isto é, aquele que narra a passagem do direito privado à vingana ao direito pEblico. Nunto com este se encontram mais quatro vozes que apontam para uma “composio poli(nica" #p. 445%, que so1 9rans(ormao da )ustia do direito privado à pEblica &osio pol3tica a (avor da moderao #entre a Assembleia dos Yuin*entos e a aristocracia% &rimeiras no!es a respeito da responsabilidade individual, que ine?iste na cultura grega antiga 2ntrelaamento entre deuses e *omens e a nova aliana #“drama divino" p. 444% &oder do discurso1 “liberao da palavra" a partir, principalmente, da alterao das 2r3nias em 2umênides #p. 44J% +n3cio da pea1 Aga$1$no$1 squilo narra o drama cu)o in3cio remonta a per3odos anteriores à guerra de 9roia. Begundo o coro, ao partir o Atrida para as terras dos 9eucros em busca de vingana ao rapto de Relena, muitos crimes (oram dei?ados sem a devida punio em Argos, a cidade onde reinava
Agamêmnom, entre os quais se destacam o sacri(3cio de +(igênia, sua prpria (il*a, em prol de obter ventos (avoráveis à navegao até lia #p. 44@% o “banquete de 9iestes", cu)o irmo Atreu, pai de Agamêmnom, ao descobrir que 9iestes e sua mul*er *aviam cometido adultério, matou os prprios sobrin*os e mandou cozin*á-los e servi-los num banquete em *omenagem ao irmo, que os comeu sem suspeitar de nada #p. 44=% a morte de mil*ares de *omens gregos que seguiram Agamêmnom para lutar numa guerra cu)os enormes es(oros no valiam a causa e que cometeram atrocidades sob o muros de 9ria os prprios troianos, que segundo squilo, “pagaram duas vezes por sua culpa" #p. 44=%. Diante de tantas atrocidades cometidas, o povo reage, a mul*er #0litemnestra% o trai com 2gisto e a clera divina se abate sobre os Atridas1 Argos vivia num per3odo de di(iculdades, e a tragédia )á *avia sido pressentida e anunciada na voz do coro. A partir da3 comea uma série de vinganas cu)o propsito é (azer )ustia aos crimes cometidos no passado, sendo que a concepo de )ustia que vigia na época do pré-direito era e?atamente a lgica da 8ei do 9alio. esse per3odo, no *á responsabilidade individual1 a responsabilidade é sempre coletiva, o que signi(ica que os descendentes no esto livres do ciclo de vinganas que se inicia com o cometimento de um crime. Aliás, o que se percebe com essa lei é que no *á qualquer di(erena entre direito e vingana #p. 44<%1 “em virtude desse princ3pio, ninguém tem escol*a seno a posio da v3tima ultra)ada e do vingador ultra)ante todos parecem permanentemente esperar ou temer o aparecimento das 2r3nias vingadoras. 2, to logo se obteve )ustia, se é levado, por um estran*o movimento de reversibilidade inerente ao prprio talio, a ocupar o lugar do maldito insolente, #...% v3tima )á designada da pr?ima vingana #...%." #p. 44<%. ' que se tem no talio é uma “causalidade necessária", uma vez que “cada crime é interpretado como )usta e necessária vingana de um crime precedente." #p. 44<%. Além disso, a responsabilidade pelo crime nunca é individual, no sentido de que, por se caracterizar como uma vingana, o esp3rito daquele que (oi morto está presente no momento do ato de “)ustia". +sso de dá, como cita 'st, quando 0litemnestra mata Agamêmnom e anuncia que “por intermédio de seu brao, (oi 6o antigo (lagelo vingador de Atreu que golpeou7 #v. 4 I54%" #p. 4J5%. Aliás, o prprio Agmamêmnom sacri(icou sua (il*a em prol de uma boa navegao no porque a ideia l*e surgiu “do nada" em sua mente, mas porque o adivin*o do reino assim o predisse no momento dos preparativos para a viagem. &oder-se-ia a(irmar que *ouve, em termos modernos, uma responsabilidade compartil*ada, ou se)a, uma incitao ao *omic3dio. 0om a ine?istência de um conceito que atribua liberdade às a!es *umanas, tampouco *á um direito racional capaz de propor um discurso dialético e argumentativo, pois, em Eltima análise, no *á a separao entre divino e mundano. As 0oé(oras ou a vingana consumada1 esta segunda parte do drama, *á uma alterao radical no tempo da pea1 agora no mais se (ala em crimes impunes cometidos no passado, mas sim da vingana que está por vir contra 0litemnestra devido ao *omic3dio de seu marido, Agamêmnom. 2ssa mudana é
simbolizada pela substituio dos personagens do coro1 antes este era (ormado por ancios agora, por mul*eres prisioneiras que clamam por vinganla, como é o caso de 2lectra, (il*a de 0litemnestra e Agamêmnon e?ilada no palácio e desden*ada pela me #p. 4J@%. Bo as 0oé(oras que incitam à vingana de 'restes, (il*o também e?ilado que retorna a Argos para o (uneral do pai, a (im de que ele cumpra o seu destino. “Sas mesmo essas (oras con)ugadas no seriam su(icientes para a tare(a se a elas no se )untasse - convém insistir, porque essa situao tornou-se muito di(icilmente compreens3vel para os nossos esp3ritos modernos - o espectro de Agamêmnon, o esp3rito vingador de seu cadáver. 2ste terá sido despertado por todo tipo de impreca!es, sEplicas e )uramentos, palavras mágicas altamente per(ormativas cu)a noo perdemos quase inteiramente, mas às quais os antigos atribu3am poderes consideráveis." #p. 4J@%. ;ale ressaltar que a lei do talio é essencialmente in(le?3vel e impiedosa1 embora aquele que vingasse o crime estaria (adado a padecer da mesma causa, se acaso no cumprisse com o seu dever também so(reria os piores castigos1 seria considerado - pelos mortos e pelos deuses um (ora da lei, um errante entre os vivos #p. 4JC-I%. Bendo assim, no *á qualquer escapatria do destino, )á que tanto os *omens quanto o sobrenatural esperam pelo des(ec*o inalterável de um ciclo de vinganas. Acerca das 0oé(oras, 'st interpreta que as impreca!es e lamenta!es que elas despe)am sob o tEmulo de Agamêmnon se equipara à “quei?a" moderna, “a palavra sendo escol*ida de propsito para )untar ao sentido de deplorao o signi(icado quase )udiciário de 6demanda7 dirigida a um terceiro para que se (aa )ustia." #p. 4JI%. 2ntretanto, o talio é to parado?al que busca o remédio do mal em sua prpria causa, o que o autor denomina de “automedicao em vez de recurso a terceiro" #p. 4J=%. Dentro dessa lgica, além de provocar uma causalidade sucessiva in(inita, (az com que, reversamente, todos aqueles que procuram a vingana “adotem a identidade de serpentes" #p. 4J>%. ' que isso implicaT 'ra, que as posi!es de )usto e in)usto se invertem sucessivamente, demonstrando, parado?almente, a (alta de )ustia dessa lei. As 2umênides e o )ulgamento de 'restes1 A terceira parte do drama esquiliano concentrar-se-á no “drama divino" entre novos deuses e deidades antigas, que debatero acerca da legitimidade da lei posta no mundo dos *omens. aqui que aparecem Atena, Apolo e as 2r3nias, bem como se altera o espao da pea1 agora a *istria no mais se passa em Argos, mas sim em Atenas. 'restes, aps vingar a morte de seu pai matando a sua me, é perseguido pelas 2r3nias de 0litemnestra, que nada mais so do que a personi(icao da lei do talio, anunciando o seu inevitável destino1 a morte. 0om o intuito de livrar-se de sua sentena, 'restes busca o au?3lio de Apolo, que originalmente o *avia incitado à prática da vingana contra a sua me. Apolo, ento, na qualidade de seu advogado, acompan*a 'restes à deusa Atena para clamar por )ustia #p. 4@4%. 'st c*ama a ateno ao (ato de a causalidade do talio ter sido modi(icada1 Apolo, ao con(essar à Atena que a autoria do crime de 'restes era, em verdade, dele, uma vez que *avia incitado 'restes a matar 0litemnestra, altera o ciclo sucessivo de vinganas que estava ocorrendo
na (am3lia do Atrida. o entanto, as 2r3nias, simbolizando o pré-direito, re)eitam seu argumento, clamando à deusa pela autoridade de castigar 'restes. &ara resolver a questo, Atena inicia a “instruo processual" do caso 'restes #p. 4@@%. 2ste comea sua de(esa, mas se embabaca, o que (az com que Apolo interven*a no )ulgamento na qualidade de advogado. 9odavia, as 2r3nias (azem de tudo para que 'restes no (ale, bem como trocam insultos com Apolo, impondo assim o comando (irme de Atena, que ouve toda a de(esa. A deusa Atena, por outro lado, no se sente apta a )ulgar o caso e, para resolver o impasse, institui um tribunal composto por )u3zes *umanos, mas inspirado pelo respeito às leis e pela )ustia #seu esp3rito% de nome Arepago. 2m seguida, Atena estabelece os princ3pios que devero guiar todos os )ulgamentos (eitos no Arepago, uma vez que sua instituio é perpétua, ou se)a, a partir de ento vigerá para todo o sempre #p. 4@<-$%. Dentre eles está o de que se *ouver empate na votao, o réu será absolvido #in dbbio pro re%. As 2r3nias c*iam e discordam veemente1 se 'restes (or absolvido ento todos os crimes estariam permitidos, sublin*ando “o papel que o temor do castigo desempen*a no necessário respeito às leis." #p. 4@I%. &orém, para esta questo Atena )á possu3a uma resposta1 “6em anarquia nem despotismo7 #v. IJI-IJ=%, eis o segredo da )ustia e a garantia de uma e?istência *armoniosa." #p. 4@I%. Aps o discurso da de(esa e da acusao, os )u3zes iniciam a votao e Atena vota por Eltimo, a (im de no in(luenciar os demais. ' veredicto da deusa é (avorável a 'restes, o que absolve-o e desagrada as 2r3nias. 2stas, sentindo-se ultra)adas e *umil*adas, lanam uma série de maldi!es e ameaas à plis cu)o conteEde seria, em resumo, o (im do povo ateniense. Diante desse quadro, 'st a(irma que Atena também (oi a responsável por instituir a persuaso #p. 4@<%, isto é, o convencimento através das palavras, )á que aps um longo discurso a deusa consegue (inalmente convencer as 2r3nias a (azerem parte da cidade e, com isso, impedir sua vingana sobre os *omens. 0om a aceitao daquelas, trans(ormam-se em 2umênides, agora responsáveis por inspirar nos *omens o respeito às leis mediante o medo da sua sano #noo de retribuio remanescente até os dias atuais no direito penal%. 2sse (enmeno da incluso das 2r3nias à cidade e de sua renomeao é intitulado pelo autor de “superao que conserva" #p. 4C5%. o entanto, a dupla causalidade continua vigendo dentro dos novos moldes do Arepago, apesar de Atena indicar a e?istência das nossas “atenuantes" da pena, como no caso de cometer o crime movido por grande clera #p. 4@$%. &or (im, de acordo com a viso de 'st, toda a pea de squilo conta a “inveno da )ustia" #p. 4C5%, onde os quatro temas anteriormente citados se entrelaam e, )untos, (ormam uma narrativa que institui o in3cio da )ustia em Atenas, narrativa essa capaz de tocar o corao dos atenienses )ustamente porque eles se identi(icam com ela, uma vez que squilo genialmente utilizou das ra3zes culturais da plis para )usti(icar uma estrutura nova. Assim, o autor alega que essa narrativa trou?e um direito inédito tanto no plano procedimental - com a instaurao do Arepago e do )ulgamento pautado na discursividade, na razoabilidade e na produo de provas - quanto no plano substancial - este será mel*or analisado a seguir.
Ato de direito1 'st de(ende que a instituio do Arepago na pea de squilo simboliza um verdadeiro ato de direito1 &alas, ao negar o )uramento como (orma )ur3dica, (unda o tribunal e sua lei “para sempre" #p. 4C@%. ' ato “inscreve-se no (uturo anterior de uma legitimidade retroativa1 o Arepago terá sido desde se$pre leg3timo, a partir do momento em que se inscreve numa lealdade em relao a um )uramento e a uma lei de Atena que tero sido desde se$pre institu3dos." #p. 4C@%. 2m verdade, esse ato de instituio se dá a posteriori6 isto é, (oi a voz de Atena que decide o )ulgamento de 'restes, responsável pela instaurao de um novo direito1 o de ser absolvido onde antes vigia a in(le?ibilidade do talio. Ademais, a deusa estabelece as regras do )ulgamento antes de iniciá-lo, dentre as quais está presente a de que, no caso de empate, prevalece a de(esa. ' autor a(irma que essa norma de (ato vigia em Atenas à época de squilo, bem como Aristteles a *avia )usti(icado sob o argumento de que a e?istência de dEvida no )Eri era su(iciente para inocentar o acusado, uma vez que a de(esa estaria sempre em desvantagem argumentativa em relao à acusao #p. 4CC%. Apesar de a pea narrar uma passagem importante no direito ateniense - a instaurao de um tribunal de )ulgamento cu)o intuito é romper a lgica do talio -, 'st a(irma que no se deve interpretar a obra de squilo com ol*ares demasiados modernistas, )á que no *ouve, de (ato, uma ruptura completa entre o sistema antigo e o novo no direito ateniense. A partir de uma análise pontual, o autor de(ende que o talio continuou, de certa (orma, a e?istir dentro da lgica “racionalista" e argumentativa imposta pelo Arepago. &rova disso seria a incorporao das 2r3nias à plis sob o nome de 2umênides, situao que demonstra a “continuidade dialética" do sistema vindicativo #p. 4C=%. ' autor desenvolve essa tese da “continuidade dialética" através de três proposi!es1 “+% a vingana apresenta aspectos positivos que (azem dela uma (orma muito di(undida de pré-)ustia ++% a superao operada pela (undao do Arepago é uma A)ebng #progresso que integra o antigo ultrapassando-o ao mesmo tempo% mais do que uma liquidao da vingana +++% a )ustia 6moderna7 e pEblica apresenta aspectos negativos, no m3nimo desvios poss3veis, que as tragédias gregas ulteriores no dei?aro de evidenciar." #p. 4C=%. A respeito da vingana, 'st a di(erencia do “sistema vindicativo", sendo este “o ob)eto de uma codi(icao consuetudinária rigorosa suscet3vel de contê-lo Ka vinganL dentro de limites aceitáveis." #p. 4C=%. Bendo assim, “a vingana pertence por um duplo aspecto à di;<1 ela se inscreve sob o cdigo de *onra de sociedade de iguais e, por outro lado, traduz o cuidado de restaurar a reciprocidade das trocas que a a(ronta desequilibrou." #p. 4C=%. 0orrobora a viso do sistema vindicativo o (ato de que nem sempre o mal era combatido com mal, uma vez que, em alguns casos, se era poss3vel “indenizar" o dano ou ainda repará-lo de outra (orma. ' autor também cita o argumento de Aristteles de que a vingana é o ato dos *omens livres e está ligada à *onra #p. 4C>%.
Além disso, o sistema vindicativo possibilita a alterao das posi!es ocupadas pelo vingador e pelo autor do ultra)e #p. 4C<%. 2m outras palavras, signi(ica que a noo de vingana continuará vigente na sociedade grega clássica, pois “tanto o )uiz #...% quanto o )usticeiro #...% so vistos como vingadores #...%, de(ensores da *onra das pessoas ultra)adas." #p. 4C<%. 'st a(irma que essa concepo de )ustia privada continuará vigente até muito tarde na *istria do direito, quando ento o 2stado monopolizará a (ora coercitiva. Aliás, é )ustamente por esse monoplio da (ora que o Arepago se destaca. 0on(orme )á (oi dito, o que a continuidade dialética demonstra é que as 2r3nias (oram trans(ormandas em 2umênides e incorporadas à plis, onde passaram a ser ob)eto de venerao. 2ssa passagen caracterizaria que o ponto em comum entre ambas as entidades é )ustamente o pavor das leis #p. 4C$-I5%, tese que 'st retira de Z. Mein*ardt #%sc'le. %ripede, p. 4>4%. +sso signi(ica que as leis so as responsáveis pelo desenvolvimento da sociedade e, por isso, sua in(rao deve ser punida com castigos tem3veis aos *omens #noo de retributiva da penaT%. Diante dessa concepo, o autor conclui que a )ustia sempre dependerá de um pouco de violência #p. 4I5%. 2ssa interpretao vem de N. FollacH e &. Nudet #“8a dissonance lriqueV", op. cit., p. J44% e compreende que “o talio deve ser autonomizado como uma inst/ncia arcaica, )á que ele está na violência que o direito utiliza para se impor." #p. 4I5-4%. &or (im, “a integrao das 2r3nias no nEcleo da cidade e a irrupo de sua 6(iloso(ia7 no ato constitutivo do Arepago vêm oportunamente compensar o dé(icit de *istoricidade e de singularidade que o ideal processual e?presso pelas novas institui!es apresenta" #p. 4I4%. “Desse ponto de vista, as 2r3nias representam, na argumentao, o peso das raz!es tiradas da *istria sempre singular das pessoas, os direitos da memria, as coer!es de seu destino, os laos #...% de sangue e de (am3lia - todo um con)unto de elementos que pesam muito no processo, que é preciso saber ultrapassar e racionalizar, certamente, mas que seria ilusrio e mesmo perigoso pretender ignorar" #p. 4I4-J%. 'utro (ator importante disposto na obra de squilo é a import/ncia dos rito, )á que “ele mobiliza todos os recursos do rito a (im de reavivar a autoridade necessária para manter a violência à dist/ncia, essa autoridade que é a energia sempre dispon3vel do ato de (undao que o rito tem precisamente por (uno lembrar e cu)o relato é (eito por squilo." #p. 4I5%. Acerca ainda as 2r3nias como s3mbolo da memria da comunidade e dos indiv3duos em relao à sua *istria em con)unto com o discurso argumentativo e racionalista institu3do pelo Arepago, 'st conclui que “assim é traado o camin*o do processo moderno como delicada articulao entre, de um lado, uma lgica deliberativa que restringe o campo dos destinos singulares e das morais comunitárias, mas se e?p!e aos perigos da abstrao vazia e mesmo às violências da razo, e, de outro lado, uma lgica narrativa que recon*ece as pessoas #a comear pelas v3timas%, mas se arrisca sempre a se encerrar na repetio de uma violência em espel*o" #p. 4IJ%. Ademais, squilo concebe uma nova (orma de )ustia, compreendida pelo autor como a sua (orma mais elevada1 o perdo - que é “ao mesmo tempo gesto de memria e uma aposta no (uturo" #p. 4IJ%. ' perdo se mostra com a absolvio de 'restes.
&or (im, pode-se dizer quea mensagem de squilo se resume a1 “na democracia é dada con(iana ao procedimento, os deuses limitando-se - mas é o essencial - a lembrar suas condi!es de possibilidade1 respeito às leis e temor do castigo no que se re(ere ao direito, )ustia e moderao no que se re(ere à pol3tica" #p. 4=@%.
Antígona: no co$e0o era a $ina consci1ncia
este cap3tulo 'st trabal*a com a noo de desobediência civil diante da re)eio consciente do direito o(icial #aquele posto pelo 2stado% - em especial, quando se trata da liberdade. ' “instituto" da desobediência civil é previsto pelo 2stado de Direito e pelo artigo J\ da Declarao dos Direitos do Romem e do 0idado como direito de resistir à opresso #p. 4>I%. ' autor de(ende que e?istem inEmeras (ormas de se insurgir contra as arbitrariedades do poder, e que vo desde a prpria desobediência civil até a revoluo armada, e que esse conceito de revoluo se designa no sentido de “operar um retorno às (ontes, em direo a esses direitos originários." #p. 4>I%. dessa concepo de direito ideal - nos termos utilizados por 'st - que engendra personagens como Ant3gona, que se sobrep!em às leis estatais em prol de uma )ustia transcendente a elas. Assim, a desobediência civil seria um retorno a princ3pios anteriores ao direito positivado, “invocando, ontem, 6as leis no escritas dos deuses7, *o)e, a irrecusável dignidade da pessoa *umana." #p. 4>C%. ' ato de voluntariamente se colocar contrário às leis do 2stado denota uma liberdade de consciência do indiv3duo que ultrapassa o conceito de )usto institu3do pelo poder, e (oi )ustamente em prol da de(esa dessa liberdade que muitas revolu!es modernas ocorreram. Aliás, somente com o tempo a liberdade de convico (oi concebida e positivada como direito (undamental. 6 ao se apoiarem nesses princ3pios (undadores que os 6desobedientes civis7 entendem denunciar uma lei, um )ulgamento, uma pol3tica administrativa ou policial #...%." #p. 4>I%. Aliás, o autor alega que embora o ato de desobediência civil se caracteriza pela no utilizao da violência, “nem todas as revoltas so necessariamente no violentas, e nem todas se baseiam em normas ou valores recon*ecidos no seio da sociedade em que se e?ercem." #p. 4><%. Diante dessas considera!es preliminares, passamos à análise da pela de B(ocles. 2?istem muitas interpreta!es (eitas a respeito de Ant3gona. Apesar de e?istirem divergências, todos concordam que a personagem é um dos maiores modelos de resistência à opresso do poder, resistência que “s aparece como um remédio Eltimo quando todas as outras sa3das, )ur3dicas e pol3ticas, (ec*aram-se." #p. 4<@%. +sso porque “tanto o )usto legal como o bem pol3tico podem eles prprios se revelar in)ustos e maus se acabam por se absolutizar, esquecidos do espao terceiro, instituinte #e, nesse sentido, indispon3vel%, no seio do qual operam." #p. 4<@%. 2mbora o ato de Ant3gona se)a amplamente interpretado como a oposio e?istente entre direito natural e direito positivo, 'st pre(ere c*amá-los por outros termos #menos redutivos%1
direito ideal e direito em vigor. Ademais, o ponto de partida para a análise da pea se dá através da seguinte premissa1 “toda )ustia origina-se por uma denegao - a recusa da in)ustia." #p. 4%. Uma leitura dicotmica1 0omo )á dito, as interpreta!es clássicas de Ant3gona versam sobre a dicotomia entre os universos inconciliáveis personi(icados por 0reonte e Ant3gona. ' primeiro se destacaria por ser “prisioneiro de uma concepo estreita de bem pEblico e da lei, insens3vel às diversas e?igências da pólis, à variedade de seus componentes #...%, aos limites de validade da ordem pol3tica." #p. 4$$%. “A partir do momento em que o v3nculo pol3tico é entendido como relao unilateral de dominao, e a lei como e?presso da vontade do c*e(e, é uma polis unidimensional, r3gida e estática que 0reonte de(ende," #p. 4$$%.
Ná Ant3gona, por sua vez, possui um apego desmensurado pelos laos de (am3lia e uma (idelidade r3gida a uma )ustia divina que no abre espao para a compreenso das e?igências da polis #p. J55%. um personagem que praticamente rompe com a vida c3vica, tornando-se solitária e incompreendida. 2sses dois universos somente esto em *armonia, de acordo com a interpretao de Regel #R2O28, O. Q. G. La Péno$enologie de l,esprit , trad. N. RPppolite, t. ++, &aris, AubierSontaigne, s.d., p. 4C-C@% discorrida por 'st, quando estáticos1 “o resultado desse con(ronto trágico será a destruio mEtua e o desaparecimento dessas duas essências, igualmente vencidas pelo destino." #p. J54%. &or isso, o autor de(ende que a proposta de B(ocles no é de escol*er entre o direito posto e o direito ideal, mas sim de “preservar as condi!es de seu con(ronto permanente." #p. J5I%. Um direito ideal1 procedimental ou substancial1 &ara 'st, a (uno da tragédia é (omentar o debate entre as leis postas e a sua )ustia inerente. “0om e(eito, é poss3vel que uma regra se)a )usta em seu princ3pio, mas se revele in)usta em situao #...%" #p. J5=%1 nesse caso, a sua interpretao poderia ser dosada pelo procedimento )udiciário, que poderia criar uma e?ceo à regra. Ná nos casos em que a lei é in)usta na origem, o procedimento legislativo deve ser invocado para revogá-la ou modi(icá-la. 2ste seria o intitulado “mérito procedimental" #p. J5=% da relao dialética entre ambos os mundos. 2ntretanto, no é apenas no campo procedimental que se revela tal mérito1 o “mérito substancial" se e?p!e como resultado da discusso de valores substanciais no sentido de constituio da intersub)etividade *umana - “as rela!es dos se?os, das gera!es, dos vivos e dos mortos - que (orma como que um dado indispon3vel a partir do qual, mas no para alé$ ou contra o qual, se inscreve a ao cotidiana." #p. J5>%. o direito posto encontrando legitimidade na *istria da comunidade1 “#...% é preciso compreender que essas constru!es no se elevam seno sobre um terreno previamente aplainado pelas interdi!es civilizatrias originárias cu)o eco ensudercido ressoa ainda na poesia trágica." #p. J5>%. esse sentido, o desa(io do direito ideal é “lembrar o quadro transcendental da intersub)etividade *umana, o indispon3vel (undador que no cessa de ser reinterpretado, mas que no poderia ser re)eitado sem uma e?posio ao caos primitivo. 8imites so assim traados à autonomia pol3tica e ao dom3nio do direito em vigor." #p. J5<%. Apesar de B(ocles, na perspectiva de 'st, sugerir que essa via dialética poderia ser utilizada pelos protagonistas da tragédia, no é esse o des(ec*o dado a uma *istria onde os universos cu)os personagens representam se)am to (ec*ados. 0reonte dei?a o mundo de pernas para o ar quando condena Ant3gona viva ao mundo dos mortos e dei?a &olinices #seu paiXirmo% morto no mundo dos vivos. “0reonte encarna ao mesmo tempo os poderes legislativo, e?ecutivo e )udiciário1 ele elabora a lei, conduz a acusao, assegura a instruo do processo, pronuncia o veredicto, concede ou recusa o indulto. 2ssa con(uso dos poderes talvez pudesse ser compensada pelo e?erc3cio de uma de(esa digna desse nome, mas os que argumentaro em (avor
de Ant3gona logo tero sua palavra desquali(icada e se vero reduzidos ao silêncio1 Rêmon, o coro e 9irésias (aro sucessivamente essa e?periência." #p. J4J%. Além disso, 0reonte é um )uiz parcial, pois Ant3gona é, antes de tudo, sua sobrin*a e (az parte do seu prprio genos. Bua pai?o cega contrária à causa dela aumenta sua parcialidade, pois a acusou sem ao menos ouvi-la antecipadamente. Ademais, a sentena dada por 0reonte é irrecorr3vel, sem contar na impossibilidade de indulto #p. J4@%. “' universo de 0reonte é estritamente unidimensional1 sua concepo do direito se reduz à rea(irmao compulsiva da lei. A ideia de que uma lei, aceitável em seu princ3pio, possa tornar7se in"sta com o tempo ou em razo das circunst/ncias l*e escapa totalmente." #p. J4@%. 2m 0reonte *á a (alta do que o autor c*ama de ?prdentia )ur3dica", ou se)a, a ponderao entre a lei posta e o caso concreto1 “é o )uiz, terceiro imparcial socialmente institu3do, que é con(iada a tare(a de levar em considerao a singularidade do cas, mas sem perder de vista o princ3pio abstrato inscrito na regra." #p. J5$%. ' que se depreende, em concluso, é que a legitimidade do direito aplicado ao caso de Ant3gona perpassa ao campo pol3tico1 possui 0reonte autoridade para manter o decreto e?pedido contra a opinio do povoT #p. J4C%. &ara o autor, a (ico literária utiliza um cenário pol3tico generalizado para que possa ser interpretada em qualquer cidade grega. 2m outras palavras, “ind3cios su(icientes ligam-na Ka tragédiaL à realidade presente para tornar plaus3veis e signi(icativos os debates pol3ticos que ali se desenrolam, mas elementos su(icientes sugerem o caráter estrangeiro dessa polis para que a cr3tica so(ocleana - especialmente quanto aos limites da autonomia pol3tica - no se c*oque de (rente contra seu auditrio ateniense." #p. J4I%. Megime pol3tico de 0reonte a pea, no se discute a legitimidade do poder de 0reonte, que reina soberanamente com o apoio de uma aristocracia. Dentre os princ3pios do reinado de 0reonte se destacam o prevalecimento do bem pEblico acima de tudo a ausência de qualquer in(luência sobre suas decis!es diviso entre amigos e inimigos do estado, numa lgica maquine3sta #p. J4I%. Apesar de esses princ3pios demonstrarem uma nova razo de estado (rente à lei dos genos, 0reonte logo revelará seu verdadeiro caráter1 “#...% incapaz de levar em conta qualquer outra dimenso que no pol3tica, mas também reduz, por outro lado, o v3nculo pol3tico a uma relao de dominao, o que (az que no cesse de rea(irmar seu poder pessoal contra cada um de seus interlocutores, sucessivamente suspeitos de atentarem contra sua supremacia." #p. J4=->%. 2m sua conversa com o (il*o Rêmon, 0reonte “revela a (ace oculta de sua ideologia pol3tica. 2sta se reduz, em Eltima inst/ncia, a uma concepo disciplinar das rela! es pol3ticas - a disciplina devendo reinar tanto na (am3lia, molde no qual se (ormam os (uturos cidados, quanto na cidade." #p. J4>%. 'u se)a, o cidado deve ser dcil e submisso na concepo de 0reonte. 'utro (ator que reitera o caráter e?tremamente autoritário de 0reonte é a no presena do povo na tragédia. A ausência do povo )unto com uma *ero3na mul*er leva à concluso de que “todos aqueles que, *abitando do lado do in(ormal e do noturno, encarnam a (ace oculta do pol3tico #...%, a grande ameaa de anarquia #...%." #p. J4$%.
0reonte é surdo ao diálogo e “acaba por colocar todo mundo (ora da lei" #p. JJ5%, pois se autodelega um poder que inclui decidir, inclusive, o que é in)usto. 8ogo, o medo toma conta e substitui o v3nculo social medo que s Ant3gona e Rêmon souberam aniquilar #p. JJ4%. 0reonte apenas entende a linguagem da (ora. A concluso de B(ocles, segundo 'st, é a de que a pol3tica deverá ser sempre um )ogo de deliberao e discusso, *avendo a “#...% necessidade de os articular permanentemente #...%." #p. JJ4%.