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CURRÍCULO LO,, POLÍTIC TICA, A, CUL CULTUR TURA A Alice Casimiro Lopes Universidade do Estado do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO
Propo Pr oponho nho-me -me,, nes neste te tex texto, to, a lev levant antar ar alg alguma umass que questõ stões es que me parecem pertinentes para a interpretação do cenário político-cultural da at atua ualid lidad ade e e pa para ra,, em alg algum uma a me medi dida, da, co cont ntri ribu buir ir pa para ra (d (des es)c )con onst stru ruir ir
certos pressupostos ainda dominantes nas pesquisas em política de currículo, particularmente no que concerne à relação entre proposta e prática. Considero que nesse cenário vêm se cruzando algumas ormas de interpretar a sociedade e a política com as ormas com que nos posicionamos posicionamos diante do passad passado, o, do presen presente te e do uturo. Quero deender o quanto a polarização entre o moderno e o pós-moderno, o crítico e o pós-crítico, o político e o cultural e, por conseqüência, a criação de uma linha divisória entre passado e presente têm sido contraproducentes para pensarmos as políticas de curr ículo e mesmo
o próprio pensamento curricular. Tais divisões são tributárias de um pensamento dicotômico que tanto a chamada modernidade quanto as perspectivas pós-estruturalistas e pós-modernas tentaram/tentam
questionar. Mas o ato de existirem esses questionamentos não az com que tais dicotomias se dissolvam e, portanto, elas ainda se mantêm em muitas ormas de raciocínio e de argumentação que desenvolvemo desenv olvemos. s. Formas que muitas vezes podem ser traduzidas em um ou isto ou aquilo, aquilo, ser ou não ser , possibilidade ou impossibilidade
que tende a congelar identidades em cada um desses pólos. Ao ide identi ntifca fcarr tai taiss or ormas mas de arg argume umenta ntarr nas atu atuais ais per perspe specti ctivas vas depolíticasdecurrículo,nãoestouafrmandoqueemminhaspesquisas isso oi completamente superado. Ou seja, não pretendo alar de um lugar que se pretende imune a esses deslizamentos deslizamentos,, mas apenas apenas,, de modo mo do ma mais is mo mode dest sto, o, de um lu luga garr qu quee te tent ntaa de dese senv nvol olve verr um umaa vigilância
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epistemol ógica constante rente a essas questões. Recorro ao conceito
de Bachelard, por ser um epistemólogo que ainda manteve algumas dicotomias no seu pensamento, mas simultaneamente muito produziu
para questioná-las Questiono as polaridades dicotômicas mais especifcamente no campo das políticas de curr ículo por ser meu atual campo de
investigação. Mas também por considerar que tais dicotomias acabam por se expressar na relação política/pr ática, curr ículo prescrito/ curr ículo em ação, economia/política, restringindo as possibilidades de compreensão das políticas, centrado-as na investigação das ações de governo ou na investigação de como a pr ática implementa propostas estabelecidas centralmente ou mesmo em como as pr áticas produzem
ou não alternativas às propostas centralizadas. Dessa orma, ao investigar as políticas de curr ículo, trabalho simultaneamente na
busca de uma re-signifcação da própria compreensão de política. Penso que, a partir dessa re-signifcação, não apenas as pesquisas em políticas de curr ículo (e em curr ículo de uma forma geral) podem se tornar mais produtivas, mas também as formas de elaboramos
e reetirmos sobre currículo (signifcados como propostas ou como práticas curriculares) podem se tornar mais instigantes. Neste âmbito, considero ser possível assumir enoques não-prescritivos e repensar a atuação da comunidade educacional na elaboração de propostas
curriculares e na atuação em projetos nas escolas. Para o desenvolvimento dessas idéias, divido este texto em
três partes. Na primeira, questiono mais diretamente as polaridades dicotômicas no campo do Currículo, a partir do questionamento à interpretação que se ez (se az) do campo como dividido entre enoques modernos e pós-modernos, críticos e pós-críticos. Em seguida, procuro trabalhar como venho concebendo a política. A partir daí, na tentativa de uma conclusão provisória, questiono a pretensão de que se aça do trabalho político no campo do Currículo uma busca de garantir a projeção de conteúdos básicos supostos como universais. Discuto que, ao contrário do que muitas vezes se considera, essa pode ser uma forma de desfavorecer processos democr áticos e políticas
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da dierença. Nesta perspectiva, entendo eu, a prática curricular permanece sendo interpretada como espaç o a ser colonizado do alto,
reorçando as dicotomias já mencionadas. Como aqueles que acompanham minha trajetória de pesquisa sabem, desenvolvo essas questões com base em Stephen Ball, ainda que redefnindo algumas de suas conclusões (Lopes, 2005; Lopes e Macedo, 2010), em autores vinculados aos estudos culturais e, neste
texto principalmente, na teoria do discurso de Laclau. Mas muito do que concluo aqui também é resultado dos debates que desenvolvo no âmbito do grupo de pesquisa Curr í culo: sujeitos, conhecimento e cultura, do qual azem parte, como pesquisadoras, Elizabeth Macedo, Maria de Lourdes Tura, Siomara Borba Leite, Rita Frangella,
Rosanne Dias, Débora Barreiros, Miriam Leite e Rozana Abreu; dos contrapontos estabelecidos na linha de pesquisa Cotidiano e cultura escolar , no Proped/UERJ, onde Nilda Alves é uma das interlocutoras mais instigantes, e no pr óprio GT Curr ículo da ANPEd, onde nos
últimos anos muitas dessas questões vêm circulando, sob dierentes enoques. É nesse diálogo na dierença de discursos, marca do jogo democrático, que este texto é construído. Tenho clareza que cada uma das questões aqui apresentadas merece um desenvolvimento teórico em separado, dada a riqueza de desdobramentosquepodemreportar, e aindapretendovira empreender tal trabalho. Em outros eventos e publicações, já tive oportunidade de apresentar algumas dessas questões. Procuro avançar no que já oi apresentado em outros f óruns, bem como interconectar conclusões
da pesquisa Articulaç ão nas pol í ticas de curr í culo, que coordeno com o apoio do CNPq, da Faperj e da Uerj. Mas opto por apresentar essas questões inter-relacionadas neste texto, porque considero que também existe uma pertinência para o debate derivada das conexões
entre esses temas. Espero que me seja possível ser sufcientemente clara para expressar tais conexões.
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QUESTIONANDO POLARIDADES DICOTÔMICAS NO CURRÍCULO Podemos ler a teoria de curr ículo das duas últimas décadas
no Brasil como uma abordagem que contrapõe o moderno e o pósmoderno a partir de algumas características gerais que levam a uma contraposição entre passado e presente. Utilizo o verbo ler procurando salientar que se trata de uma possibilidade de interpretação, um possível echamento de signifcados para o campo nesse período. Comotodasignifcaçãodependedeumadadaarticulaçãocontingencial de sentidos (Laclau, 1996); outras signifcações estão sempre nesse jogo, podendo se constituir como possibilidades de rompimento dessa dada fxação proposta, sempre provisória. Como discute Ball (1994), apoiando-se na teoria literária, não se lê qualquer coisa em qualquer texto, mas também não existe uma única possível interpretação nos
múltiplos textos (representações pedagógicas) produzidos. Nessa perspectiva, por vezes se estabeleceu uma linha do tempo na história do pensamento curricular, como se o curr ículo tivesse evoluído das
teorias tradicionais para as teorias críticas de enoque moderno e estruturalista para em seguida avançar para as teorias pós-cr íticas, com base em estudos pós-modernos, pós-estruturalistas e pós-
coloniais. Em cursos de graduação, é muito comum darmos esse tom linear à história do currículo, mesmo quando afrmamos nos opor a essa linearidade. O passado, às vezes recente, como os anos 1970 e 1980, às
vezes mais distante, como o século XIX ou o início do século XX,
dependendo do aspecto a ser ressaltado, tende a ser congelado em
um conjunto de características identitárias que muitas vezes obscurece seu movimento, suas ambigüidades e contradições, e mesmo sua inserção no presente e em nossa imaginação do uturo. Para os que defendem sua positividade e têm dele uma visão nostálgica, esse passado, situado como moderno, é o tempo das utopias pelas quais
lutávamos – sociedade justa e igualitária, perspectivas emancipatórias vinculadas ao conhecimento –, tempo de maior politização, de lutas
que se unifcavam, a despeito de dierenças locais e particulares,
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em um projeto de sociedade compreendido como supostamente o mesmo. Nessa perspectiva, era um tempo no qual sabíamos o que ensinar, mesmo quando não conseguíamos condições objetivas para que esse ensino osse garantido a todos. Acreditávamos nos conteúdos básicos do currículo como saberes que poderiam garantir o projeto de sociedade pelo qual lutávamos. Esses conteúdos eram concebidos com o centro do curr ículo
–
seu core
–
e lutávamos pela
ormação de sujeitos (cidadãos?) capazes de atuar pelas mudanças sociais entendidas como do interesse da maioria da população e como
garantidoras do projeto social pretendido. Nesse caso, o passado é tratado tal como se fosse a produção
de um flme nostalgia, para usar uma expressão de Jameson (1997): o tempo histórico
é
congelado e apresentado para além do tempo
histórico real. Simultaneamente, esse passado é produzido de orma a projetar vivências e questões do presente, sendo assim presentifcado. Em unção desse passado presentifcado, o presente é interpretado como uma perda daquilo que é imaginado, nostalgicamente, ter existido na história. Afnal, passou a existir em nossa reconstrução do passado. Em Lopes (2010), discuto como isso se conecta com a orma com que nossa imaginação atua no mundo globalizado Para aqueles que vêm o passado dessa orma, compreender os tempos atuais, entendidos como pós-modernos,
é
um simples
processo de contrapor o negativo ao positivo. É então afrmado que o presente é um tempo de despolitização, de car ência de utopias, de falta
de projetos que unifquem as lutas sociais, de predomínio dos projetos que combatíamos no passado – americanização e mcdonaldizaç ão do mundo, predomínio de neoliberalismo
–,
de proliferação das
demandas individuais em detrimento das demandas coletivas, de desvalorização ou aligeiramento do conhecimento e das verdades
construídas com o esorço e a vida de muitos, de enraquecimento das lutas emancipatórias. Os dias de hoje são a expressão de um vale tudo relativista, o crepú sculo dos sábios, no qual não se considera possível defnir os saberes entendidos como importantes, os projetos sociais capazes de mudar o mundo. O passado é positivo e moderno,
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o presente pós-moderno
é
a destruição desse passado, portanto só
pode ser negativo. A expressão crepú sculo dos sábios, por exemplo, eu retiro do título do artigo de Olgária Matos (2009), publicado no
Estadão, que não deixa de ser um exemplo dessa visão negativa do presente pós-moderno. No artigo, a autora critica a Universidade atual por certo aligeiramento de conteúdos, perda do sentido
universal do conhecimento em meio à paisagem pós-moderna. Minha argumentação aqui não deixa de apontar uma contraposição à idéia de que estejamos vivendo esse “crepúsculo” e, sobretudo, à idéia de que seja possível analisar a Universidade por intermédio da dicotomia moderno/pós-moderno. Os defensores de perspectivas consideradas como pós-cr íticas e pós-modernas colocam-se em posição completamente oposta a essa
e questionam tais interpretações do passado e do presente, porém, muitas vezes, mantêm a dicotomia entre o positivo e o negativo, só que agora com os pólos invertidos. O passado é signifcado como o território do determinismo semântico, das identidades fxas e, por isso mesmo, opressoras das dierenças e dos localismos, com sujeitos centrados – os intelectuais – que julgavam estabelecer projetos universais capazes de oprimir projetos particulares. Para esses, melhor vivermos na uidez dos tempos atuais, na pós-modernidade do indeterminismo semântico, quando tudo pode ser signifcado de outra maneira, pois não há verdades absolutas. Tempos em que é possível não haver um centro no curr ículo oprimindo formas particulares e diferentes de ver o mundo, onde é possível trabalhar pela maior valorização da cultura, a escola pode estar aberta a novas formas de inventar o mundo
que não sejam marcadas pelos padrões eurocêntricos, científcos, economicamente dominantes, brancos, heterossexuais e masculinos. Mas como nem tudo é tão simples, por vezes, entre os que defendem essa forma de ver a pós-modernidade dos tempos atuais,
não deixa de existir uma nostalgia pelo passado. Quase como se afrmassem: infelizmente o mundo não é mais o que era, não é mais possí vel pensar nas estruturas centradas e nos sujeitos com identidades fxas, mas que pena que não é mais assim. Que pena que
29 es não existem mais as sólidas certezas que nos faziam ter convic çõ
em relaç ão ao que ensinar e em direç ão a qual projeto pol í tico agir. Que pena que só nos resta conviver com a uidez e o descentramento.
Não pretendo que esses exemplos possam dar conta dos dierentes matizes que se estabelecem no debate moderno/pósmoderno. Apenas busco com eles sinalizar que essas são algumas das possíveis interpretações advindas de uma concepção que interpreta o mundo a partir de dois pólos opostos situados em dois
tempos distintos: o passado e o presente. Deendo o quanto esse mero processo de trocar polaridades entre o negativo e o positivo, o antes e o depois, não funciona nem como forma de pensarmos o tempo presente, nem como forma de
reetirmos sobre nossa história. Tal dicotomia congela as identidades desses pólos e não nos permite operar com as ambigüidades das dierenças, com o que se constitui para além de cada pólo e com o que pode desazer cada polaridade assim signifcada. Tal relação polarizada também tende a nos conduzir à nostalgia, fazendo-nos
querer restaurar no presente as ormas de azer política do passado, como, por exemplo, a de querer restaurar um centro de conteúdos para o curr ículo, supondo-o como garantidor da possibilidade emancipatória
dos alunos. Ou, ao contrário, pode nos conduzir ao pessimismo desmobilizador, de ver o tempo presente como despolitizado, porque nele procuramos as ormas que em outros tempos oram utilizadas para azer política. Se, ao contrário, nesse jogo de ou isto ou aquilo, nos colocamos favor áveis aos tempos pós-modernos, podemos assumir uma atitude de euforia frente às múltiplas possibilidades de
signifcação que se colocam para o currículo e a educação, ou mesmo para a política e para a cultura nos dias atuais. Ou podemos, ainda, ceder ao niilismo, nos colocando contra qualquer possibilidade de projeto coletivo, sob pena de vê-lo como opressor da uidez e do descentramento do mundo. Afnal, se tudo pode sempre dierir, se tal como na poesia, tudo sempre permite outra interpretação, temos
apenas que garantir a possibilidade de expressão plural e não azer opções, portanto, não organizar projetos comuns.
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Diferentemente, defendo ser possível, teórica e politicamente,
admitir o descentramento, a uidez, a ausência de estruturas autoexplicativas e os projetos com uma dada direção a priori , bem como admitir, simultaneamente,nossanecessidade provisóriaecontingencial
de estabelecer centros e projetos. Para nos comunicarmos e azermos política, aqui incluída a política de currículo, muitas vezes precisamos, provisoriamente, fxar identidades e signifcações. Na comunicação e na política, ou seja, nos processos argumentativos e na tomada de decisões, trabalhamos como se as identidades ossem fxas, como se existissemnós e eles,comoseaoenunciarmosasmesmaspalavrasnos reportássemos aos mesmos sentidos (curr ículo, avaliação, professor,
aluno, emancipação, cidadania). Ainda que só existam dierenças, fazemos das diferenças identidades provisória e contingencialmente
fxas. Fazemos isso para que possamos desenvolver articulações e possamos estabelecer conexões visando a ações coletivas para
determinados fns. Os problemas dessa orma de atuarmos – no passado e no presente – são decorrentes da suposição de que o provisório é eterno e o contingente, necessário. Como dierenças, portanto, não entendo aquelas produzidas por questões de gênero, raça, sexualidade, classe social, pois também essas podem ser
tratadas como fxações a priori . Na medida em que as identidades não pr é-existem às relações sociais e políticas, toda identidade é sempre
dierencial e se correlaciona às dierentes demandas que possam existir em um processo político. Essa interpretação nos situa em um terreno híbrido no campo do Curr ículo, fora do ou isso ou aquilo. Nesse caso, o projeto pós-
moderno não se contrapõe binariamente a um projeto moderno, mas passamos a buscar ormas de entender as novas signifcações que azemos, vendo as signifcações anteriores como provisórias e contingentes. As bandeiras de nossos projetos no passado – justiça social, igualdade, emancipação
–
não necessariamente precisam
ser abandonadas, mas certamente precisam ser re-signifcadas em unção de outras demandas que se colocam no jogo político contingente. Também no passado as identidades eram híbridas,
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não-fxas, descentradas, os projetos eram múltiplos, as dierenças lutavam para hegemonizar determinada signifcação de currículo, de avaliação, de proessor, de aluno, de sociedade. Só que no passado, deixamos de ver nossos projetos como provisórios e contingentes, dirigindo nossa luta como se eles ossem universais e necessários. E muitos acreditaram que o que era ruto de um projeto hegemonizado, tinha uma base científca, poderia ser organizado de orma imanente. Congelamos nossa interpretação como a única válida e deixamos de
ver que muito dessa signifcação pode ainda azer parte de nossos discursos, desde que não mais seja vista como única, como o projeto de todos, como permanente e universal. Mas, para tal, outra é a concepção de política. BUSCANDO CONSTRUIR OUTRA CONCEPÇÃO DE POLÍTICA
A concepção de política que busco construir parte então da tentativa de incorporar a contingência. Por intermédio da contingência se admite haver muitas possibilidades no futuro, igualmente possíveis
de se realizar, a partir das experiências vividas nas práticas contextuais. Nesse sentido, contingência se opõe tanto à necessidade quanto à impossibilidade. A partir das experiências contingentes, podemos compreender com Laclau (2008) que tratamos de uma estrutura alida, na qual os contextos têm limites impossíveis. Falamos de limites de contextos contingentes, mas não temos como representá-los. Assim, esses limites ao mesmo tempo em que são necessários, são impossíveis. Por exemplo, só posso defnir uma estrutura social por meio da defnição de suas ronteiras. Mas por sua vez essas ronteiras só podem ser defnidas a partir da articulação de dierenças que se antagonizam com algo que está ora dessa mesma estrutura. Se esse exterior com o qual a estrutura se antagoniza defne a estrutura, também é capaz de expressar seu caráter contingente. Por isso todo sentido, decorrente de uma dada estrutura de signifcação, é contingente e histórico, não é um transcendental fxo nem se reere a alguma orma imanente.
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Como discute Dyrberg (2008), o político na perspectiva de Laclau
é
uma dimensão prática do ordenamento da coexist ência
dos contextos, e [...] este ordenamento das diferenç as
é
um ato de
criaç ão (p. 300). Não havendo estruturas fxas e centradas, a ordem
social só pode ser criada por relações hegemônicas contingentes. A sociedade como um todo estruturado e fxo, pré-discursivo ou extradiscursivo, não existe. Isso az com que os undamentos universais sejam impossíveis – aqueles undamentos que echam a signifcação da política de uma vez por todas. Mas como continuamos precisando dos undamentos, Laclau argumenta que esse undamento se torna um lugar vazio, ocupado parcial e provisoriamente por diferentes
signifcações. A política consiste nas lutas por ocupar esse lugar. E essas lutas são sempre lutas por hegemonia. Gosto de conectar essa interpretação da política com a idéia de
que política é uma possibilidade de inventar um uturo, para cada um de nós, para outros ou para o mundo. Fazer política, nessa perspectiva, é admitir que os possíveis uturos são também contingentes. Deender um uturo contingente é afrmar que não é obrigatório nem logicamente necessário que esse uturo aconteça, mas também não é impossível que assim se dê. É o ato de o uturo ser possível e não obrigatório que nos aculta a possibilidade de inventá-lo. Lanço então a discussão sobre como a política, nos mais diferentes contextos sociais pode ser uma forma de inventar o futuro
contingente. Restringindo à discussão ao campo do Currículo, penso em todos os contextos sociais em que se produz política curricular: não apenas as esferas governamentais, mas as escolas, os movimentos
sociais e os entrecruzamentos entre esses espaços. Por meio da política de curr ículo são produzidos sentidos para uma política cultural
mais ampla e inventado um modo de ler o mundo, de signifcá-lo. Propostas e práticas não se separam, mesmo quando as enunciamos como tais, e fazem com se tenha o curr ículo como um campo de
produção de signifcados em dierentes contextos. Muitas vezes, contudo, o campo político
é
compreendido
como se possuísse leis e razões garantidoras da decisão a tomar,
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do caminho a seguir ou do uturo a construir. No caso da política de currículo, muitas vezes se deseja a teoria que seja capaz de guiar os caminhos da prática curricular; razões de ordem psicológica, sociológica ou econômica, por exemplo, que sustentem os rumos a serem tomados nos processos de produzir cultura na escola. Dierentemente, concordo com Laclau quando afrma que a política é o conjunto de decisões adotadas em um terreno indecidível – ou seja, um terreno no qual o poder é constitutivo. Nessa perspectiva, é justamente quando não existe uma base racional para a tomada de decisão, quando altam determinações de qualquer espécie, capazes de defnir a priori como decidir em dada direção, quando altam as garantias e de estar tomando a decisão certa, que nos constituímos como sujeitos da decisão e exercemos a política. Quando o undamento é um lugar vazio na estrutura como discuti acima é que exercemos a política. Uma política sem garantias, sem um horizonte defnitivo a ser alcançado. Tenho dialogado com a teoria do discurso de Laclau, buscando introduzir a hegemonia, em uma perspectiva discursiva, como a
possibilidade de entender as lutas que azem um dado particular (uma dada visão de currículo, um dado projeto político) alcançar um destaque de universal, articulando demandas de dierentes grupos sociais. Nessa perspectiva, não se trata de buscar um centro único (o melhor centro possível) para o curr ículo (pex, conteúdos básicos,
perguntas cujas respostas balizem o trabalho do proessor, princípios estruturantes do currículo), nem deixá-los ao sabor da uidez das dierenças. Maspensar que múltiplos projetos estão sempre em disputa pela posição central no currículo, pela tentativa de dar um signifcado a esse currículo e nós azemos parte dessa luta pela signifcação. Tais projetos são provisórios, tal como são provisórias as articulações políticas que azemos, e por isso mesmo são ambíguos e sujeitos a se hibridizarem na própria luta política.
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QUESTIONANDO A POLÍTICA DE SE BUSCAR PROJETAR CONTEÚDOS BÁSICOS PARA A PRÁTICA CURRICULAR
Tendo em vista essa interpretação, questiono a pretensão de que o tratamento dos conteúdos do currículo como tendo alguma base universal, na qual a questão da dierença na escola deve ser introduzida localmente, de orma a produzir um currículo democrático. Discuto democracia considerando que pretender uma sociedade democrática não implica pretender uma sociedade sem conitos, na qual o poder venha a ser superado por uma racionalidade capaz de garantir a melhor decisão diante dos dierentes conitos. Se a política, como discuti,
é
a tomada de decisão em um terreno
indecidível, um consenso sem conitos e sem fssuras é tão prejudicial a uma democracia quanto a inexistência de qualquer possibilidade de consenso, de acordos sabidamente contingentes. A pretensão de que um dado grupo social seja capaz de representar a totalidade do social, sem negociação, e lhe dar todo sentido é por si uma situação que mina com a possibilidade democrática. Toda representação é a expressão de uma relação hegemônica na qual um particular oi alcançado provisória e contingencialmente à posição de universal. Essa representação é precária, instável, e exige a negociação constante de
quais novos sentidos têm que estar no jogo, quais novas hegemonias têm de estar sendo constituídas a partir das tensões que as dierenças permanecem azendo no processo hegemônico (Laclau, 2003). Essa visão que aqui apresento se aproxima da visão de pluralismo agonístico de Chantal Moue (1996), na qual pressupor a dierença e a possibilidade de conito com os adversários passa por admiti-los como parte do processo de signifcação. O adversário não é o inimigo a ser destruído – simbólica ou fsicamente. Mas é o sujeito com quem também negocio a signifcação do mundo, mesmo que ele se situe ora da articulação que se az provisoriamente hegemônica. Assim, tanto há necessidade de reconhecer o Outro e suas diferenças, como também a impossibilidade de tornar esse Outro um igual, no
sentido de anular suas dierenças (Giacaglia, 2004). O antagonismo
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permanece sempre como marca do enfrentamento político, uma
política que não é apenas racional, mas envolve também paixões e enrentamentos diversos. Assim, como já disse em outro lugar (Lopes, 2010), conviver com a incerteza do jogo político parece ser o que nos resta. Mas, ao mesmo tempo, pode ser o que nos ascina. E é ascinante porque az parte do jogo democrático. Uma proposta curricular apontando conteúdos básicos tanto
pode ser interessante para reorçar o jogo democrático, se é vista como uma dentre outras propostas, sem hierarquias, como pode ser uma forma de contribuir para desvalorizar esse mesmo terreno
democrático, quando é defnida centralmente, entendendo a prática como espaç o a ser colonizado do alto. Primeiro, porque uma proposta como essa pode estar inserida em uma concepção que vê o currículo como ora desse jogo político. Ou seja, que entenda o currículo como uma seleção particular da cultura capaz de saturar os mais diversos
contextos, sem negociar seus sentidos contingencialmente. Sabemos que essa pretensão não se desenvolve, pois para uma dada proposta se inserir em dado contexto, obrigatoriamente precisa negociar seus
sentidos com esse mesmo contexto. Mas a não admissão dessa negociação az com o que o jogo político tente ser a busca de uma representação transparente que nunca existirá. Em segundo lugar, conteúdos básicos podem ser pensados como se houvesse uma categoria universal humana a ser defendida, um télos capaz de servir de base racional para as mais diversas
decisões. Essa pretensão desconsidera a dimensão particularizada de todo universal - como diz Laclau (1996), o universal é sempre um
particular que se hegemonizou -, como também retira o currículo da luta política sempre contingente. Todas as decisões sobre currículo são decisões contingentes, que exigem de nós conviver com o Outro, sem uma base racional para decidir como lidaremos com a dierença. Sem garantias. Mas é aí que nos colocamos em um processo democrático. Ou, nas palavras de Laclau, democracia requer unidade, mas só pode ser pensada por intermédio da dierença. Se uma dessas duas dimensões incompatíveis prevalece para além de certo ponto, diz o
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autor, a democracia se torna impossível. Se a democracia é possível, diz Laclau, é porque o universal não tem nem corpo nem conteúdos necessários e estamos sempre em disputas hegemônicas em relação
a qual particular “ocupará” a posição de universal. Assim, apenas mantendo a tensão entre universal e particular mantemos o processo
democrático. Pensemos, então, em como considerar o currículo nessa tensão.
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