CLAUSEWITZ Michael Howard
MESTRES DO PASSADO MESTRES DO PASSADO
Editor Geral Keith Thomas
Karl von Clausewitz (1780 - 1831) é geralmente reconhecido como sendo o maior dos escritores que escreveram sobre a guerra. Os temas que ele levantou são, mesmo hoje, calorosamente debatidos: É realmente possível existir uma teoria sobre a guerra? Qual a relação existente entre a teoria e a prática? O que quis Clausewitz realmente dizer em sua máxima, muitas vezes citada e muitas vezes citada erroneamente, “ A guerra é a continuação da política por outros meios”? . É extraordinário como tanta coisa que ele teve a dizer - numa época em que o alcance das armas de fogo era de cinqüenta jardas - permaneceu válida, não apenas em face de condições militares transformadas a tal ponto que as tornaram irreconhecíveis, mas para um número de leitores que se estendeu muito além dos oficiais do Exército Prussiano, cuja educação ele tinha primordialmente em mente. Michael Howard orienta o leitor através do único trabalho de vulto de Clausewitz, Da Guerra, publicado postumamente numa forma inacabada (Clausewitz o descreveu como uma “massa disforme de idéias”). Ele explica essas idéias, tanto em termos das experiências do próprio Clausewitz como um soldado profissional nas Guerras Napoleônicas, como do ambiente intelectual da sua época. O livro termina com uma breve pesquisa sobre a influência de Clausewitz e com alguns comentários sobre a validade das suas idéias para a guerra do nosso tempo. Michael Howard é Professor Catedrático de História Moderna em Oxford. Entre seus outros livros estão A Guerra e a Consciência Liberal e A Guerra na História Européia, ambos encontrados em livros publicados pela Universidade de Oxford.
Mestres do Passado
AQUINO Anthony Kenny
GALILEU Stillman Drake
Editor Geral Keith Thomas
Karl von Clausewitz (1780 - 1831) é geralmente reconhecido como sendo o maior dos escritores que escreveram sobre a guerra. Os temas que ele levantou são, mesmo hoje, calorosamente debatidos: É realmente possível existir uma teoria sobre a guerra? Qual a relação existente entre a teoria e a prática? O que quis Clausewitz realmente dizer em sua máxima, muitas vezes citada e muitas vezes citada erroneamente, “ A guerra é a continuação da política por outros meios”? . É extraordinário como tanta coisa que ele teve a dizer - numa época em que o alcance das armas de fogo era de cinqüenta jardas - permaneceu válida, não apenas em face de condições militares transformadas a tal ponto que as tornaram irreconhecíveis, mas para um número de leitores que se estendeu muito além dos oficiais do Exército Prussiano, cuja educação ele tinha primordialmente em mente. Michael Howard orienta o leitor através do único trabalho de vulto de Clausewitz, Da Guerra, publicado postumamente numa forma inacabada (Clausewitz o descreveu como uma “massa disforme de idéias”). Ele explica essas idéias, tanto em termos das experiências do próprio Clausewitz como um soldado profissional nas Guerras Napoleônicas, como do ambiente intelectual da sua época. O livro termina com uma breve pesquisa sobre a influência de Clausewitz e com alguns comentários sobre a validade das suas idéias para a guerra do nosso tempo. Michael Howard é Professor Catedrático de História Moderna em Oxford. Entre seus outros livros estão A Guerra e a Consciência Liberal e A Guerra na História Européia, ambos encontrados em livros publicados pela Universidade de Oxford.
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Michael Howard
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CLAUSEWITZ
Tradução CMG (RRM) Luiz Carlos Nascimento e Silva do Valle
Oxford, New York GRÁFICA DA UNIVERSIDADE DE OXFORD 1983 Sumário Observações sobre as citações
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Introdução
1
1 Clausewitz em sua época
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2 A teoria e a prática na guerra 3 Os fins e os meios na guerra
19 30
4 Guerra limitada e guerra absoluta 5 O legado de Clausewitz Leituras adicionais Índice
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Observações sobre as citações Os algarismos arábicos entre parênteses referem-se às páginas da tradução de Da Guerra, feita por Peter Paret e Michael Howard (Gráfica da Universidade de Princeton, 1976).* As citações feitas na
página 16 e na página 35, linhas 11 e 12, foram traduzidas de Bermerkungen uber die reine und angewandte Strategie des Herrn von Bulow,
1805, reimpresso em Verstreute Kleine Schriften, páginas
68, 77 e 69, e de Strategie aus dem Jahre 1804, idem, página 20. A citação de uma carta, feita na página 18, foi retirada de Clausewitz e o Estado, de Peter Paret, pag. 129. A definição apresentada na pag. 35 foi traduzida de Strategie aus dem Jahre 1804, pag. 33. Os detalhes bibliográficos de todas essas obras são fornecidos nas páginas 75 e 76. * Da Guerra, de Karl von Clausewitz, editado e traduzido por Michael Howard e Peter Paret. Direitos autorais © da Gráfica da Universidade de Princeton. Os extratos foram reimpressos mediante autorização da Gráfica da Universidade de Princeton
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Introdução Sobre o estudo de Karl von Clausewitz, Da Guerra, o pensador estratégico americano Bernard Brodie fez a seguinte afirmativa ousada: “O seu livro não é apenas o melhor, mas o único livro magnífico sobre a guerra” É difícil discordar. Qualquer pessoa que tente reunir uma coleção de textos sobre a teoria militar, comparável às antologias sobre o pensamento social, político ou econômico, achará difícil encontrar algo que se compare a Clausewitz. Poucos escritores que escreveram sobre a guerra, se é que houve algum outro, tiveram o êxito que ele teve em superar as limitações impostas às suas idéias pelas circunstâncias políticas ou tecnológicas da sua época. Podemos encontrar muitos autores cujos escritos esclarecem a maneira como sucessivas gerações pensaram sobre a guerra, mas são extraordinariamente poucos aqueles que podem nos ajudar a pensar sobre ela, que tenham percebido além dos fenômenos efêmeros das suas épocas e visto a guerra, não apenas como um ofício, mas como uma importante atividade sócio-política, diferente de todas as outras atividades devido ao emprego recíproco e legitimado da violência intencional para atingir os propósitos políticos. Existe evidentemente o magistral estudo de Sun Tzu: A Arte da Guerra, escrito provavelmente no Século IV A.C. Existem alguns capítulos nos trabalhos de Jomini, contemporâneo de Clausewitz. Existem passagens espalhadas entre os trabalhos de Liddell Hart e do seu excêntrico contemporâneo J. F. C. Fuller e muitas idéias interessantes a serem extraídas dos escritos de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Entre os escritores mais antigos, podemos recolher muita sabedoria sombria de Tucídides e Maquiavel, mencionados de passagem. Mas não existe um estudo sistemático comparável ao de Clausewitz. Normalmente os analistas militares estão mais preocupados em aconselhar as suas próprias gerações e as suas próprias sociedades do que em extrair uma sabedoria duradoura para a posteridade. Clausewitz expressou a sua modesta esperança de que o seu livro pudesse não ser esquecido após dois ou três anos e que “pudesse ser consultado mais de uma vez por aqueles que estivessem interessados no assunto” (63). Mas a sua principal preocupação era ajudar os seus conterrâneos e os seus contemporâneos. Ele era um membro do corpo de oficiais prussianos, leal à dinastia Hohenzollern, embora mais consciente do que a maioria, dos problemas que ela enfrentava para chegar a um acordo com as correntes políticas desencadeadas pela Revolução Francesa. Ele acreditava que a ameaça de uma agressão francesa havia sido contida pelas nações européias em 1814 e 1815, mas de maneira alguma eliminada, e se procurava entender a guerra em teoria, era apenas para assegurar que no futuro a Prússia e os seus aliados fossem capazes de travá-la mais rápida e eficazmente contra o inimigo
Clausewitz
Introdução
hereditário. Ele era acima de tudo um soldado profissional escrevendo para seus colegas de profissão, não um acadêmico proferindo uma palestra numa faculdade de ciências políticas. Ele limitou deliberadamente a sua análise ao que provavelmente fosse de utilidade imediata a um Comandante que estivesse planejando uma campanha. Ele possuía o horror do homem prático às abstrações que pudessem não estar diretamente relacionadas com os fatos da situação, às proposições que não pudessem ser esclarecidas através de exemplos e ao material que não fosse pertinente ao problema que estivesse examinando. Como um pensador, certamente procurava penetrar na essência do assunto que tinha em mente. Mas estava sempre preocupado em relacionar a teoria à ação e ignorava deliberadamente todos os aspectos do seu assunto que não fossem diretamente pertinentes à condução do tipo de guerra com a qual estava familiarizado. A condução da guerra (escreveu ele) nada tem a ver com a produção de canhões e o preparo da pólvora a partir do carvão, do enxofre, do salitre, do cobre e do estanho. Suas quantidades conhecidas são as armas que estão prontas para serem utilizadas e sua eficácia. A estratégia utiliza os mapas sem se preocupar com os levantamentos trigonométricos. Ela não procura saber como um país deveria estar organizado e como um povo deveria ser adestrado e governado para obter os melhores resultados militares. Ela utiliza esses dados da maneira como os encontra na comunidade das nações européias . . . (144). Deste modo, portanto, Clausewitz sacrificou deliberadamente a universalidade em benefício do pragmatismo e da simplicidade. Pode entretanto haver dúvidas com relação a saber se ele estava ciente do quanto estava sacrificando. É muito fácil, depois de duas Guerras Mundiais, criticar uma teoria de guerra que excluiu todas as considerações com relação à base econômica que torna realmente possível a realização da guerra, mas para fazer isto não é preciso apenas invocar a sabedoria do conhecimento adquirido através dos fatos ocorridos. É preciso ter uma visão muito estreita da natureza da guerra, para estudar o período Napoleônico, tão intensamente como o fez Clausewitz, sem levar em consideração o papel desempenhado na estratégia de Napoleão, e talvez na sua queda, pelo Sistema Continental - a sua tentativa de utilizar os instrumentos econômicos, bem como os militares, para consolidar e ampliar as suas conquistas. A maneira maneira pela qual Clausewitz ignora toda a dimensão marítima da guerra é impressionante, mas não surpreendente. Os oceanos estavam além dos seus horizontes culturais. O mais curioso é que um especialista prussiano em questões militares, cujo país havia se constituído numa grande potência militar, tanto através da competência na administração econômica quanto das 2
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Introdução
vitórias militares, viesse praticamente a ignorar uma dimensão das questões militares que esteve em primeiro plano na mente de todo soldado, político e cidadão prussiano desde o tempo de Frederico William I. Talvez essa visão unilateral refletisse as limitações da própria personalidade e dos interesses de Clausewitz. É mais provável que tenha sido o impacto das grandes campanhas Napoleônicas que modelou a sua carreira e dominou o seu pensamento - campanhas cujo desenrolar dramático e cujos resultados cataclísmicos ofuscaram as preocupações rotineiras e enfadonhas com o orçamento e a administração militar, que tanto obcecavam o antigo Exército Prussiano. Quando se analisa o que é realmente importante, verifica-se que é à competente condução das operações, e os fatos ocorridos durante a vida de Clausewitz demonstraram isto claramente, e não às questões mais profundas relativas ao financiamento, à elaboração do orçamento, às aquisições e à administração militar que deve ser dada atenção com a máxima urgência. A atitude de Clausewitz, ignorando a dimensão econômica da guerra, era por conseguinte, pelo menos em parte, deliberada. A sua omissão com relação a uma outra dimensão, a tecnológica, era inconsciente e mais facilmente compreensível. Como a maioria dos seus contemporâneos inteligentes, ele percebia muito bem que havia nascido numa era revolucionária, que provavelmente iria transformar, para melhor ou para pior, toda a estrutura política da sociedade européia. Mas não podia avaliar mais do que qualquer outro que estava vivendo às vésperas de uma transformação tecnológica de âmbito ainda mais amplo. A condução da guerra é determinada acima de tudo por dois fatores: a natureza das armas disponíveis e a maneira de transportá-las. O primeiro havia permanecido estável por cem anos, o segundo, por mil. Nos tempos de Clausewitz, como nos de César, a logística era determinada pela velocidade e pela resistência dos homens em marcha e dos animais de tração. As táticas eram determinadas, como eram na época de Marlborough, pelas armas de fogo, cujo alcance eficaz era de 50 jardas e pelos canhões com um alcance de 300 e, embora tivessem ocorrido avanços significativos durante o século anterior, avanços cuja importância Clausewitz analisa de uma maneira extremamente interessante ao longo de Da Guerra, não havia motivos para esperar a transformação, tanto nos transportes como nos armamentos, que teve início na década seguinte à sua morte em 1831, com a evolução das ferrovias e com o introdução das armas de fogo com carregamento pela culatra e tubo alma raiado. Muito do que está contido em Da Guerra só interessa, portanto, aos historiadores militares, uma vez que trata detalhadamente de questões de tática e de logística que estariam obsoletas dentro de poucas décadas após a morte de Clausewitz. O que é extraordinário, entretanto, é como tanta coisa que 3
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Introdução
Clausewitz tinha a dizer sobreviveu à sua época e permanece válida, não apenas em face de condições militares transformadas a tal ponto que as tornaram irreconhecíveis, irreconhecíveis, mas para um número de leitores que foi muito além dos oficiais do Exército Prussiano, cuja educação ele tinha principalmente em mente. Explicar porque seria assim é o propósito deste livro.
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Clausewitz em sua época
1 Clausewitz em sua época A carreira ativa de Karl Maria von Clausewitz abrangeu exatamente a duração das Guerras Revolucionárias e Napoleônicas, entre 1792 e 1815. Ele nasceu em 1780, filho de um tenente temporário do Exército Prussiano e, aos doze anos de idade, obteve uma função no 34º Regimento de Infantaria, que era na época comandado por um parente afastado. Mas a sua família não era militar, muito menos aristocrática. O seu pai, cujos antepassados haviam sido burgueses e eruditos, havia sido comissionado por Frederico o Grande apenas durante o período de crise da Guerra dos Sete Anos, quando as barreiras seletivas do corpo de oficiais prussianos haviam sido relutantemente abaixadas para admitir membros da classe média; e foi reformado após aquela guerra, não em decorrência de ferimentos recebidos durante o serviço ativo, como ele e sua família afirmavam, mas em conseqüência de haver Frederico reduzido o corpo de oficiais ao seu núcleo original de indivíduos bem nascidos, membros da pequena nobreza e proprietários de terras ( Junkers). Assim, embora Clausewitz tivesse passado a sua vida como um membro daquele seleto corpo, e ainda viesse a ter acesso ao círculo da família real, era por temperamento um intruso e a maneira pela qual foi tratado por Frederico William III e pela sua corte indica que ele era visto como tal. Clausewitz foi sempre um tanto introvertido, solitário, amante dos livros, tímido e intelectualmente arrogante. Sendo um autodidata, devorava a literatura disponível sobre qualquer assunto, não apenas sobre assuntos militares, mas também sobre filosofia, política e educação. Foi um escritor prolífico, quase compulsivo, sobre todos esses assuntos. Desde os vinte anos de idade, até a sua morte em 1831, seus escritos foram apenas brevemente interrompidos devido às exigências das campanhas militares e nunca foi compilada uma edição completa da sua obra. Mas, sob um aspecto exterior erudito e reservado, estava oculta uma ambição pela glória militar, digna de Julian Sorel e de Stendhal. Uma ambição profundamente reprimida, desabafada apenas em suas cartas à sua esposa, nunca exteriorizada na série de anotações de Estado-Maior através das quais seus superiores consideravam, provavelmente acertadamente, que os seus talentos intelectuais eram o seu melhor atributo, mas que davam uma intensidade peculiar às suas análises das qualidades exigidas de um comandante no campo, das intensas pressões morais que os comandantes deviam aprender a suportar e do sangrento drama da batalha, que era o clímax natural, na realidade desejável, de todo o seu esforço. Todos os escritos de Clausewitz levavam a marca de um temperamento exaltado, muitas vezes em conflito com uma poderosa mente analítica, outras a serviço dela. 5
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Clausewitz em sua época
Clausewitz não era um soldado de escrivaninha. Recebeu o seu batismo de fogo aos treze anos de idade quando o Exército Prussiano, na ala esquerda das forças da Primeira Coalizão, contendo e empurrando para trás os exércitos da Primeira República Francesa, estava realizando uma campanha, primeiro no Reno, depois nos Vosges. Avançando através daquele largo vale, subindo e descendo penosamente aquelas trilhas íngremes e cobertas por bosques, ele adquiriu aquela familiaridade do infante com o terreno, que inspiraria tantas páginas de Da Guerra. A campanha terminou com o Tratado de Basel, em 1795, e a Prússia se recolheu a um precário e auto-ilusório estado de não alinhamento, do qual seria cruelmente despertada onze anos mais tarde. Os primeiros cinco anos desse período foram passados por Clausewitz num destacamento, na pequena cidade de Neuruppin. Os soldados inteligentes nunca desperdiçam os longos períodos de ociosidade que caracterizam o serviço militar em tempos de paz. Clausewitz fez um bom uso da excelente biblioteca do Príncipe Henry, irmão de Frederico o Grande, que estava aberta para os oficiais do seu regimento, e adquiriu um profundo interesse prático pela educação, atividade, devemos supor, que não mereceu um interesse tão profundo dos seus companheiros mais modernos. Apesar disto, ele deve ter sentido uma espécie de alívio quando, em 1801, foi transferido para Berlim, para cursar a recentemente inaugurada Escola de Guerra, sob a direção de Gerd von Scharnhorst. Foi então, aos dezenove anos de idade, que teve realmente início a sua carreira. Scharnhorst é justamente reverenciado como tendo sido um dos gigantes da criação da Alemanha, um homem tão ilustre como pensador e como político como era como um soldado. Nascido em Hanover e artilheiro por formação - duas características que o colocavam afastado dos oficiais Junkers de cavalaria e de infantaria que dominavam o Exército Prussiano - o seu brilhante desempenho
na Guerra da Primeira Coalizão lhe assegurou o respeito geral, e a sua designação para o cargo de Diretor da primeira escola de Estado-Maior foi extraordinariamente sábia. Desde o início das guerras, ele se sentia perplexo com o desempenho dos exércitos revolucionários franceses. Como é que aquela turba desadestrada, indisciplinada, comandada por oficiais deficientes, seus Generais muitas vezes não eram nem oficiais de carreira, sem dispor de um sistema de abastecimento adequado, muito menos de qualquer estrutura administrativa séria, como é que essas forças extraordinárias podiam não apenas resistir aos soldados profissionais das nações européias, mas na realidade derrotá-los? Era verdade que os franceses empregaram de maneira criativa as novas formaturas de infantaria flexíveis e dispersas que o Exército Real vinha desenvolvendo antes da revolução e que, com relação ao matériel (material), às táticas e ao adestramento da sua artilharia, não eram superados por ninguém. Mas as razões do seu 6
Clausewitz
Clausewitz em sua época
êxito militar iam bem além disto. O êxito dos exércitos franceses, percebeu Scharnhorst, estava intimamente ligado à transformação sofrida pela sociedade que estava por trás deles, com o surgimento da idéia de uma Nação Francesa. Para descobrir como derrotar os franceses, não era apenas necessário estudar as suas técnicas militares, embora isto fosse essencial. Tinha-se que levar também em consideração o contexto político e o passado histórico em que haviam surgido aquelas técnicas. O currículo da Kriegsakademie era, por conseguinte, tanto liberal como técnico e Scharnhorst o complementou com um grupo de estudos, o Militarische Gesellschaft , onde não havia limites ao estudar as implicações da revolução militar da época. Este era o cenário em que o jovem Clausewitz se encontrava e ele rapidamente se apegou a Scharnhorst como um discípulo profundamente admirador, suas próprias idéias germinando e brotando sob os raios daquele sol genial. Scharnhorst retribuía com a mesma afeição que sentia pelo brilhante e receptivo jovem. Estava formada a base para uma parceria que só terminaria com a morte prematura de Scharnhorst, em 1813, e que viria a colocar Clausewitz no centro do grupo de reformadores militares Grolman, Boyen e Gneisenau, entre outros - que iriam remodelar o Exército Prussiano e trabalhar no sentido de refazer o estado prussiano. Mas a oportunidade para realizar isto ainda se encontrava no futuro e as expectativas imediatas de Clausewitz, embora brilhantes, eram mais ortodoxas. Formandose como o primeiro da sua turma em 1803, foi designado ajudante do Príncipe Augusto, filho do Coronel-em-Chefe do seu regimento, Príncipe Ferdinando, e no fim do ano, na casa do seu protetor, conheceu e se apaixonou por Marie, filha do Conde von Bruhl, uma moça jovial e culta, por quem a Rainha Louise tinha alta estima. A resistência da família a essa união incompatível e as exigências do serviço militar adiaram o casamento por sete anos, o que tornou possível a troca de uma longa, apaixonada e auto-esclarecedora correspondência, na qual Clausewitz desenvolveu muitas das suas idéias. Uma vez casada, Marie se identificou de todo o coração com o trabalho do marido, trabalhou como sua escriturária e, após a sua morte, como sua editora e organizou o que ainda permanece sendo a edição mais completa da sua obra, que ela publicou de 1832 a 1834. Durante os dois anos seguintes, de 1803 a 1085, Clausewitz escreveu prolificamente, desenvolvendo idéias que viriam a receber a sua forma definitiva vinte anos mais tarde, quando veio a escrever Da Guerra. Em seguida, em 1806, veio a guerra contra a França, que o cauteloso Rei Frederico William III havia feito o possível para evitar, mas pela qual Clausewitz, como a maioria dos outros patrióticos jovens oficiais, aguardava ansiosamente com um impaciente entusiasmo. Ao seu chefe, Príncipe Augusto, foi dado o comando de um batalhão e Clausewitz o acompanhou ao campo de 7
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Clausewitz em sua época
batalha de Auerstadt. Lá, participou da sua primeira batalha Napoleônica e da catastrófica retirada que se seguiu, uma experiência tão dramaticamente diferente das tediosas marchas e manobras da sua infância, que foi difícil para ele ver a ambas como pertencendo à mesma atividade, a guerra. Ele e o Príncipe Augusto foram finalmente cercados e feitos prisioneiros. Enquanto Scharnhorst e seus colegas estavam recuperando a reputação do Exército Prussiano na campanha de Eylau, no ano seguinte, Clausewitz definhava num amargo, senão desconfortável, exílio na França, com o seu chefe real, até que foram repatriados após a Paz de Tilsit, em 1808. Foi uma experiência humilhante que atiçou as chamas do fervor patriótico de Clausewitz e deu-lhe, para o resto da vida, uma aversão por tudo que fosse francês. Liberado do cativeiro, Clausewitz voltou a se encontrar com Scharnhorst, que estava então em Konigsberg, longe da capital Berlim dominada pelos franceses, trabalhando para reorganizar o Exército Prussiano. Durante os quatro anos seguintes, ajudou-o na tarefa de reformular a estrutura das instituições militares prussianas, escrevendo simultaneamente sobre todos os possíveis aspectos do seu tema, desde detalhes relativos a táticas secundárias, até os problemas relativos à lealdade política. Este último aspecto tornou-se insolúvel para ele quando, na primavera de 1812, o Rei, cujo uniforme ele usava e cuja lealdade que lhe devotava nunca havia questionado, concluiu uma aliança com os inimigos franceses que Clausewitz tanto detestava. Foi demais. Na companhia de cerca de trinta oficiais, Clausewitz pediu demissão do Exército, afastou-se novamente da sua esposa e passou a prestar serviços ao Imperador Alexandre I da Rússia, exatamente no momento em que os franceses e seus exércitos satélites estavam invadindo o Império. Embora Clausewitz não falasse russo, foi encontrada uma maneira de empregá-lo em diversas funções de assessoria no Estado-Maior. Tomou parte da segunda grande batalha de Borodino. Testemunhou a desastrosa travessia do rio Berezina pelo exército francês em retirada e escreveu uma horripilante narrativa dessa travessia. Finalmente, atuou como intermediário quando, em Dezembro de 1812, o comandante da unidade prussiana que servia sob o comando de Napoleão, Yorck von Wartenberg, tomou a histórica decisão de se render em Tauroggen e passar, juntamente com suas forças, para o lado dos russos. Quando Yorck criou um centro nacional prussiano de resistência em Konigsberg, Clausewitz organizou o armamento da população e quando, na primavera de 1813, o próprio Rei da Prússia abandonou Napoleão, Clausewitz voltou para Berlim, reuniu-se novamente a Scharnhorst e, uma vez mais, ajudou-o a criar novos exércitos, canalizando o entusiasmo e o autosacrifício dos súditos dos Hohenzollerns, que estavam começando a se considerar alemães. 8
Clausewitz
Clausewitz em sua época
Quando teve início a campanha de 1813, Clausewitz acompanhou o exército para o campo, mas ainda lhe era negada a função de comando que ele tanto desejava. O Rei ainda não o havia perdoado pelo que havia interpretado como sendo uma conduta desleal e passou-se mais um ano até que ele readmitisse Clausewitz para o seu serviço. Portanto, foi usando o uniforme de um oficial russo que Clausewitz serviu como assessor do Comandante do Exército Prussiano, Marechal Blusher, durante a campanha de Leipzig. Em 1814, quando foi finalmente readmitido ao Exército Prussiano, só lhe foi dado o comando de uma unidade indefinida, “a Legião Alemã”, servindo no norte da Alemanha, longe dos campos de batalha da França. Somente em 1815 foi readmitido no Estado-Maior Geral Prussiano e designado Chefe do Estado-Maior do III Exército do General von Thielmann. Esse exército atuava na extremidade da ala esquerda das forças aliadas na Bélgica e travou um obstinado um combate defensivo contra uma força que possuía o dobro do seu tamanho, sob o comando do Marechal Grouchy, enquanto Napoleão estava tentando sem êxito romper o centro aliado diante de Waterloo. Desempenhando esse papel nada espetacular, o III Exército contribuiu tanto para a vitória aliada quanto qualquer das tropas envolvidas, sob o comando de Wellington ou de Blucher, mas Clausewitz sentiu-se lesado uma vez mais. Tomou parte na perseguição dos franceses derrotados e a sua esperança de obter a glória no campo de batalha desapareceu de uma vez por todas. Scharnhorst estava agora morto, mas o seu lugar, tanto como líder da ala renovadora do Exército Prussiano como de principal protetor de Clausewitz, havia sido tomado por August von Gneisenau, outro não prussiano (nascido na Saxônia), nas forças armadas reais. Gneisenau foi designado Comandante-em-Chefe das forças prussianas no oeste e Clausewitz tornou-se o seu Chefe do EstadoMaior. Seu quartel general em Mainz adquiriu em Berlim uma reputação de nacionalismo, senão de radicalismo, certamente devido à sua perigosa independência de pensamento. Primeiro Gneisenau e depois, em 1813, Clausewitz, foram chamados de volta a Berlim, onde poderiam ser mantidos mais de perto sob as vistas reais. Para Clausewitz foi encontrado um lugar como Diretor da Escola de Guerra, a Allgemeine Kriegsschule, mas lá, suas oportunidades de influenciar o pensamento político, ou até
mesmo militar, do corpo de oficiais prussianos eram mínimas. Suas tarefas eram puramente administrativas e, após terem sido recusadas as suas propostas iniciais para uma reforma, não fez qualquer esforço para aperfeiçoá-las. Permaneceu durante doze anos sem ser perturbado, escrevendo estudos sobre as campanhas Napoleônicas e rascunhos para o abrangente estudo Da Guerra , que já em 1816 havia projetado escrever.
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Esses rascunhos ainda estavam incompletos quando, em 1830, Clausewitz foi designado, primeiro para o comando de uma importante força de artilharia em Breslau e, em seguida, quando os simultâneos levantes em Paris e na Polônia fizeram parecer provável a eclosão de uma nova guerra, Chefe do Estado-Maior do seu antigo chefe, Gneisenau, que estava agora exercendo o comando do Exército Prussiano. O perigo da guerra havia passado, para ser substituído por outro ainda mais assustador: o cólera, espalhando-se a partir do leste. A última tarefa atribuída a Clausewitz foi organizar um cordon sanitaire para conter o avanço da epidemia em direção à Alemanha, mas este era um problema que as suas idéias estratégicas não poderiam solucionar. Ele próprio pegou a doença e morreu em 24 horas, em Breslau, em 16 de novembro de 1831, com 51 anos de idade. Embora nunca tivesse obtido o comando independente que almejava, Clausewitz desfrutou, como tantos oficiais da sua geração, de uma experiência de guerra quase sem precedentes em sua variedade. O exército para o qual entrou em 1792 era a pequena força profissional e homogênea de Frederico o Grande. Aquele a que serviu de 1813 a 1815 (e que tanto fez para criá-lo) era um grande exército nacional, baseado no serviço militar obrigatório, intensamente apoiado por unidades territoriais de voluntários e por uma nação irada e constrangida. A sua primeira experiência havia ocorrido nas campanhas das guerras de manobras e de sítios do Século XVIII. Antes de chegar aos 40 anos de idade, havia tomado parte em algumas das maiores batalhas da história das guerras e visto os exércitos de Napoleão romperem de maneira violenta o seu caminho para Moscou através da Europa, só para serem trazidos novamente de volta, com poucas esperanças de lá permanecerem. Tudo isto havia sido o resultado das operações militares, mas era evidente para Clausewitz, quando ainda muito jovem, que a explicação para o êxito ou o fracasso dessas operações não deveria ser buscada apenas nos campos de batalha. Uma análise militar, para que tivesse algum valor prático para a posteridade, teria que ser feita num nível mais profundo do que jamais havia sido feito. O cenário intelectual
Antes da época de Clausewitz, não foram poupados esforços para aplicar os princípios científicos à condução da guerra. Durante todo o Século XVIII, houve uma impaciência generalizada de que, na era em que o universo estava revelando cada vez mais os seus segredos às pesquisas científicas e em que a razão estava substituindo os costumes e a superstição como critério para o julgamento humano, a condução das guerras fosse ainda uma atividade tão tosca, perdulária e incerta. “Toda ciência possui princípios e regras”, escreveu o eminente General do Século XVIII, Príncipe Maurício da Saxônia, 10
Clausewitz
Clausewitz em sua época
“somente a da guerra não possui nenhum”. Esta era uma deficiência amplamente lamentada entre os soldados profissionais, por motivos que iremos examinar em breve, mas os pensadores civis “esclarecidos” lamentavam que a guerra devesse sobreviver como uma relíquia de um passado bárbaro. Esta opinião era generalizada em toda a Europa mas, por dois motivos, era especialmente intensa na Prússia. Em primeiro lugar, a experiência da Guerra dos Sete Anos (1756 a 1763), quando repetidamente houve lutas em disputa do território prussiano e quando os recursos, tanto do Estado como do povo, foram quase exauridos, criou em toda a intelectualidade uma profunda aversão à guerra, não diferente da que surgiu na França e na Grã-Bretanha após a Primeira Guerra Mundial, e que Frederico o Grande nada fez para desencorajar. Ele próprio havia experimentado combates suficientes para o resto da vida. Em segundo lugar, Frederico retornou deliberadamente à política militar dos seus antecessores e eliminou a classe média, tanto do corpo de oficiais como das fileiras do seu exército, deixando-a livre para ganhar o dinheiro de que o estado prussiano, tão desprovido de recursos naturais, tanto necessitava para manter o seu lugar na Europa. Em decorrência disto, surgiu na classe média a impressão de que as guerras do Rei nada tinham a ver com ela e, a partir daí, foi um pequeno passo para surgir a crença de que, se não fosse pelo Rei e pela nobreza que travavam suas guerras, elas nunca ocorreriam. Emanuel Kant foi apenas um dos inúmeros escritores prussianos que, a partir de 1780, estavam afirmando que se ao menos os negócios de Estado estivessem nas mãos de homens racionais e humanitários, o mundo poderia desfrutar de uma paz permanente. Esta era uma idéia predominante na universidade e nos círculos intelectuais prussianos, até que a catástrofe de Jena abalou a sua consciência política e deu origem ao movimento nacionalista que viria a ter conseqüências tão importantes. Os escritores que eram militares de carreira evidentemente não concordavam com essas opiniões. Apesar disto, estava se tornando generalizada a crença de que se a guerra fosse deixada a cargo de especialistas, poderia ser travada com tal competência e moderação que transcorreria praticamente sem derramamento de sangue. Os pensadores militares buscavam desenvolver princípios racionais baseados em dados quantificáveis, que pudessem reduzir a condução das guerras a um ramo das ciências naturais, a uma atividade racional da qual fosse eliminado o papel representado pelo acaso e pela incerteza. Para alguns, esses dados eram fornecidos por medições topográficas e geográficas, para outros, por cálculos das necessidades de suprimentos e pelas tabelas de marchas, para outros, pela relação geométrica entre as linhas de suprimentos e as frentes de batalha, ou entre os exércitos e as suas bases. Todos acreditavam que, nas palavras do soldado mercenário galês, Henry Lloyd (1720 - 1783), 11
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“todo aquele que compreender essas coisas estará em condições de iniciar operações militares com precisão matemática e de continuar travando a guerra sem ter sequer a necessidade de desferir um único golpe”. Mas esta busca da certeza científica nos assuntos militares estava ocorrendo num momento em que os pensadores preocupados com outros setores da atividade humana estavam começando a questionar todo o conceito de certeza científica, um universo Newtoniano cuja verdadeira realidade era regida por forças e princípios totalmente alheios ao homem. A idéia dos filósofos britânicos Berkeley e Hume, de que o homem não observava e absorvia passivamente os conhecimentos, mas que, ao invés disto, através do processo de observação criava esses conhecimentos e moldava o mundo através da sua própria percepção, exerceu uma grande influência na Alemanha. Clausewitz não precisou ler os trabalhos do seu contemporâneo Kant (e não há qualquer indício de que o tenha feito), para tornar-se familiarizado com essas idéias que formavam a base da filosofia daquele autor. Ele assimilou também aqueles autores que haviam reintroduzido o pensamento filosófico com o restabelecimento do Helenismo e que tanta influência exerceram no trabalho de Hengel; a distinção Socrática entre o ideal e as suas manifestações, entre o conceito absoluto e inatingível e as semelhanças imperfeitas existentes no mundo real. O jovem Clausewitz teria encontrado essas idéias em qualquer lugar para onde se voltasse; em suas leituras em Neuroppin na década de 1790, na Escola de Guerra, onde Kiesewetter, discípulo de Kant, estava comentando a filosofia Kantiana, e nos círculos intelectuais que freqüentava em Berlim. O seu interesse pela educação colocou-o em contato com as idéias de escritores como Pestalozzi, que achava que a educação não era uma questão de partilhar o conhecimento, mas de utilizar esse conhecimento para desenvolver a personalidade humana no sentido de obter um desempenho perfeito. Seus estudos sobre a teoria estética lhe ensinaram que o artista não obtém êxito simplesmente aprendendo e aplicando um determinado conjunto de regras, mas sim que essas regras só tinham importância como indicações do que os artistas realmente importantes haviam feito na realidade e que tinham que ser alteradas à medida em que as inovações e as percepções das novas gerações ampliassem
a abrangência das suas atividades. Todas as artes, todos os pensamentos (pois, como se
expressou Clausewitz, todo pensamento é uma arte) eram atividades criativas, não uma atividade imitativa ou secundária. O mesmo exemplo se aplicava com uma força especial à condução da guerra. Intelectualmente, Clausewitz era em grande parte um produto da sua época. Para ele, a guerra não era uma atividade regida pelas leis científicas, mas um conflito de vontades, ou de forças morais. O comandante bem sucedido não era aquele que conhecia as regras do jogo, mas aquele que, através do 12
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seu gênio, as criava. As incertezas e os perigos que tornavam a guerra tão imprevisível e incontrolável não eram barreiras a serem eliminadas, mas oportunidades a serem agarradas e aproveitadas. As circunstâncias da época podem ter reduzido os conflitos armados a uma coisa absurda, a uma formalidade antiquada, mas a guerra em sua essência era algo muito diferente. Napoleão tornou isto claro para todos verem. Clausewitz encarregou-se de explicar. O cenário militar
O exército para o qual Clausewitz entrou como um menino havia sido moldado por Frederico o Grande e, até a sua destruição em 1806, nenhum dos seus líderes viu qualquer motivo para alterar o seu molde. Estava perfeitamente adaptado ao ritual das guerras do Século XVIII - um ritual que havia sido estabelecido pela natureza dos exércitos que tomavam parte nelas. Esses exércitos se distinguiam por duas características em particular. Em primeiro lugar, eram organizações destinadas a disparar, no campo de batalha, a maior concentração de fogo possível. A cavalaria era então quase uma arma auxiliar, embora ainda fosse indispensável. A infantaria vencia as batalhas através do seu poder de fogo disciplinado, cada vez mais auxiliado pela artilharia, que permanecia evidentemente sendo a principal arma nas guerras de sítio. A necessidade de um abastecimento constante de munição teria por conseguinte atado os exércitos às suas linhas de suprimentos, mesmo se fossem auto-suficientes em termos de alimentação e de forragem para seus cavalos e, embora os exércitos pudessem requisitar suprimentos suficientes dos homens do campo, desde que se mantivessem em movimento, assim que ficassem estacionados durante qualquer período de tempo voltavam a depender dos seus próprios recursos. De qualquer forma, seus oficiais não gostavam muito de deixar que os soldados saqueassem em busca de alimentos para si próprios. Sendo eles camponeses convocados, ou membros de pelotões de “voluntários”, provavelmente aproveitariam essa permissão para desertar em conjunto. A movimentação dos exércitos ficava assim restrita a um pequeno número de estradas capazes de permitir o transporte dos enormes comboios de suas carroças de suprimentos, e a maior parte dessas estradas eram protegidas por fortificações que tinham que ser sitiadas e tomadas antes que fosse possível um novo avanço. A necessidade de dispor de forragem para os animais de tração e para a cavalaria praticamente restringia as campanhas aos seis meses que iam de maio a outubro. Em combate, a necessidade de obter o máximo poder de fogo produziu táticas lineares - a disposição das tropas em longas e finas linhas, atirando umas nas outras a queima roupa - o que tornava os combates verdadeiros espetáculos pirotécnicos mortíferos, que os comandantes das dispendiosas forças regulares 13
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evitavam, se pudessem fazê-lo. Não é de admirar que a campanha ideal fosse vista pelos teóricos militares como uma guerra de manobras, de preferência travada no território do inimigo, na qual fosse possível viver dos recursos da sua zona rural e exaurí-los gradativamente. Esta era a doutrina que Clausewitz se propôs a derrubar. Um dos seus primeiros trabalhos publicados foi uma crítica ao teórico contemporâneo Freiherr von Bulow, que havia elaborado em seus livros Der Geist des neuren Kriegssystem (O Espírito do Novo Sistema de Guerras), 1799 e Reine und angewandete Strategie (Estratégia Pura e Aplicada), 1804, uma doutrina estratégica totalmente baseada
nas necessidades do sistema de abastecimento e na movimentação das tropas dele decorrente. Na realidade, Bulow definiu a estratégia como “a ciência dos movimentos militares realizados além do alcance dos canhões de qualquer dos lados”, em oposição à tática, que era “a ciência dos movimentos militares realizados na presença do inimigo”. Uma estratégia competente, afirmava Bulow, reduzia a necessidade de boas táticas e poderia eliminar totalmente o combate. Isto, o jovem Clausewitz repudiava por considerar absurdo. “A estratégia não é nada sem a luta armada”, escreveu ele, “porque a luta armada é o material que ela utiliza, os meios que emprega”. O propósito da guerra, como de toda atividade criativa, era “o emprego dos meios disponíveis para atingir um fim predeterminado”. A estratégia, portanto, Clausewitz definia como sendo “o encadeamento ( Verbindung) de combates isolados num único todo para a obtenção do propósito final da guerra”.
Aos 25 anos de idade,
Clausewitz já havia estabelecido dois princípios que seus antecessores haviam esquecido. As manobras militares não tinham sentido, a menos que se destinassem a culminar no combate; e o combate não tinha sentido, a menos que se destinasse a atender ao propósito final da guerra. O cenário político
Determinar qual deveria ser o propósito final de qualquer campanha era um problema político: uma questão essencial que Clausewitz insistiu em afirmar em suas primeiras reflexões registradas sobre a estratégia, escritas em 1804. Naquelas reflexões, num estilo direto e simples que contrastava inteiramente com as sutilezas refinadas dos seus últimos trabalhos, Clausewitz escreveu simplesmente: “O propósito político da guerra pode ser de dois tipos: destruir totalmente o adversário, eliminar a sua existência como Estado, ou então ditar para ele os termos da paz” Quando escreveu essas palavras, Clausewitz ainda não havia experimentado toda a ferocidade da campanha através da qual, dois anos mais tarde, Napoleão quase eliminou a existência da Prússia como Estado. Mas já havia vivido os doze anos durante os quais todo o ritmo da guerra havia sido 14
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transformado, primeiro pelos exércitos revolucionários franceses que haviam invadido os Países Baixos e ameaçado o Reno entre 1792 e 1795 e, em seguida, pelas duas campanhas relâmpago de Bonaparte na Itália, de1796 a 1797 e em 1799 - campanhas travadas com energia e com propósitos que ultrapassavam em muito os meios limitados e os propósitos triviais da guerra em décadas anteriores. Como vimos, não foi Clausewitz, mas sim o seu mentor Scharnhorst, que percebeu primeiro quanto os êxitos militares dos franceses eram devidos à sua transformação política. Já em 1797, numa análise das causas dos êxitos dos franceses e dos fracassos dos aliados, Scharnhorst havia escrito que “a sucessão de reveses sofridos pelas forças aliadas nas guerras revolucionárias francesas estavam intimamente interligados às suas condições internas e às da nação francesa.” Os exércitos franceses conseguiram quebrar com êxito todas as regras militares porque os políticos puseram de lado todas as restrições políticas e econômicas normais. Para formar seus efetivos, não dependiam só das tropas altamente adestradas e dispendiosas, mas de voluntários patrióticos e, mais tarde, de conscritos convocados em quantidades aparentemente ilimitadas, cujos serviços eram praticamente gratuitos. Os soldados franceses saqueavam e pilhavam para obter os seus próprios alimentos e, se desertassem, havia muitos mais para substituí-los. Insuficientemente adestrados para as táticas lineares de combate, eles as substituíam por uma combinação de escaramuças em que atiravam livremente e por densas colunas de ataque, primeiro para desgastar e, em seguida, para esmagar uma defesa que, de qualquer maneira, provavelmente estaria em grande inferioridade numérica. A essas abnegadas hordas de infantaria, Bonaparte iria acrescentar a artilharia em proporções cada vez maiores e a cavalaria, adestrada em perseguições impiedosas. Este foi o terrível instrumento com o qual Napoleão conquistou a Europa, mas um instrumento que só poderia ser empregado por um governo que estivesse disposto a despender homens e dinheiro em profusão, sem restrições, apoiado por um povo que se identificasse com os seus propósitos e que se submetesse aos sacrifícios que fossem exigidos por ele. Teria, na realidade, que ser uma Nação; e seria possível criar uma Nação, a não ser como fizeram os franceses, através da derrubada das instituições monárquicas e da criação de uma ditadura plebiscitária governando através do terror? Se não fosse, o remédio seria pior do que a doença. Este era o problema que obcecou Clausewitz durante toda a sua carreira ativa, e era um problema muito mais pessoal e moral do que abstrato. Em 1806, o problema que ele havia debatido teoricamente em Militarishe Gesellschaft tornou-se uma terrível realidade. A catástrofe de Jena revelou, não só que o Exército Prussiano era inferior ao francês, mas também que o povo governado pela monarquia 15
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Hohenzollern encarava toda a questão como se nada tivesse a ver com ele e observava com indiferença a derrota das tropas reais. Internado na França, Clausewitz ficou chocado com a desprezível letargia do seu próprio povo. “Eu instigaria o animal preguiçoso com chicotes”, escreveu ele à sua noiva, “e o ensinaria a romper as correntes com as quais, por covardia e por medo, permitiu que fosse preso. Eu difundiria uma atitude em toda a Alemanha que, como um antídoto, eliminasse com uma força destruidora a praga que está ameaçando a desintegração da alma da nação.” O problema que a Prússia enfrentava não era meramente o de uma reforma militar, ou mesmo política, mas de uma renovação moral. Mas seria essa renovação moral compatível com a manutenção da velha monarquia absolutista e de uma dinastia que via todos esses ideais liberais com uma profunda suspeita? Com relação a isto, Clausewitz nunca teve dúvidas. A sua lealdade à dinastia permaneceu inabalada. Mas a dinastia, como já vimos, duvidava dele e daqueles que pensavam como ele. A solução que ele e os seus colegas aguardavam com ansiedade, que seria a dinastia colocar-se à frente de um sentimento nacionalista e se sustentar daí em diante, ao invés de ser eliminada pelo povo, foi obtida brevemente entre 1813 e 1815. Mas a partir daí, os sentimentos populares e monárquicos passaram uma vez mais a divergir e foi novamente imposto um regime mais repressor do sentimento nacionalista do que nunca. O problema político da Alemanha permanecia sem solução, bem como o problema militar. Se as guerras revolucionárias podiam ser vistas como um fenômeno sem paralelo, isto não importava muito, mas ninguém poderia em sã consciência acreditar que fossem algo semelhante às outras guerras. Clausewitz certamente não acreditou. A guerra [escreveu ele, provavelmente no final da década de 1820 ], livre de qualquer restrição convencional, irrompeu com toda a sua poderosa fúria. Isto foi devido à nova participação do povo nesses importantes assuntos de estado e essa participação, por sua vez, resultou em parte do impacto causado pela Revolução nas condições internas de qualquer estado e em parte do perigo que a França representava para todos. Seria sempre assim no futuro? Daqui em diante, todas as guerras na Europa serão travadas utilizando-se todos os recursos do Estado e, portanto, terão que ser travadas apenas em decorrência de assuntos de grande importância que afetem o povo? Ou veremos novamente ocorrer uma separação gradativa entre o governo e o povo? Estas perguntas são difíceis de responder e somos o último a ousar fazê-lo. Mas o leitor há de concordar conosco quando dizemos que uma vez derrubadas as barreiras - que de certo modo consistem apenas no 16
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desconhecimento do homem sobre o que é possível - não são elas facilmente levantadas novamente. Pelo menos quando estiverem em jogo interesses importantes, a hostilidade mútua se
manifestará da mesma maneira com que se manifesta nos dias de hoje. (593. A ênfase é nossa). Mais provavelmente do que nunca, a guerra Napoleônica, percebeu Clausewitz, seria o modelo para o futuro, e os exércitos que não estivessem preparados para travá-la seriam novamente destruídos, tão completamente como foram os austríacos em Austerlitz e os prussianos em Jena. Se uma transformação política era necessária para fazer com que fosse possível participar com êxito de tal guerra, este era um preço que qualquer povo que se prezasse, assinalou ele, deveria estar preparado para pagar. A preparação de Da Guerra
Quando aceitou assumir a direção da Escola de Guerra em 1818, Clausewitz tinha apenas 38 anos de idade, mas possuía por trás de si 25 anos de uma experiência tão vasta quando diversificada, e tinha à sua disposição centenas de páginas das suas próprias anotações sobre todos os aspectos da guerra. Ele já havia começado a reuní-las, na esperança de poder extrair delas algumas observações razoavelmente vigorosas sobre estratégia, destinadas ao leitor conhecedor do assunto. Mas, como admitiu ele, a minha natureza, que sempre me leva a ampliar e a sistematizar, no fim prevalece. Quanto mais escrevo e me entrego ao espírito da análise, mais volto a uma abordagem sistemática e, assim, foi sendo acrescentado um capítulo após o outro. No fim, eu pretendia rever tudo de novo, reforçar as conexões causais existentes nos primeiros ensaios e talvez, nos últimos, reunir diversas análises para chegar a uma única conclusão e, assim, apresentar um conjunto razoável . . . (63) Ele nunca fez isto. Doze anos mais tarde, ao deixar a Escola, escreveu “o manuscrito sobre a condução de operações de vulto, que será encontrado após a minha morte, pode ser visto, no seu estado atual, como sendo nada mais que uma compilação de materiais a partir dos quais era para ter sido extraída uma teoria sobre a guerra” (70. A ênfase é nossa). Os doze anos foram dedicados a rever, a
rescrever minutas e a compilar novo material, inclusive à redação de estudos originais sobre a maioria das campanhas Napoleônicas. Aproximadamente em 1827, quando havia esboçado seis dos seus oito livros projetados, ele pensou haver encontrado a linha que iria atar todas as suas idéias. Não era qualquer idéia nova. Ele a havia exposto em seu primeiro ensaio, quase um quarto de século antes, 17
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quando enfatizou a primazia da política em estabelecer o propósito da guerra e explicou a dupla natureza da guerra que, em decorrência disso, tanto poderia ser limitada como total. Determinado a fazer disto o tema principal da sua obra, Clausewitz começou a minutar novamente todo o trabalho e terminou o primeiro capítulo de uma maneira que o satisfez. Mas mesmo quando estava minutando novamente o trabalho, ocorreu-lhe uma outra idéia: que a guerra era uma “trindade paradoxal”, na qual a política orientadora do governo, as qualidades profissionais do Exército e a atitude da população desempenhavam todas um papel igualmente importante. A sua mente era tão fértil em idéias e em analogias, a sua busca da precisão tão rigorosa que, mesmo que tivesse conseguido terminar a sua revisão, é pouco provável que jamais viesse a ficar satisfeito com ela. Por mais que tivesse vivido, provavelmente teria legado à posteridade somente “um conjunto de materiais, a partir dos quais era para ter sido extraída uma teoria sobre a guerra”. Mas ele ainda poderia afirmar com razão que um leitor sem preconceitos, em busca da verdade e do entendimento, iria reconhecer o fato de que [o conteúdo], apesar de toda a sua imperfeição de forma, continha o fruto de anos de reflexão sobre a guerra e de diligentes estudos sobre ela. Poderia até mesmo descobrir que continha as idéias básicas que poderiam provocar uma revolução na teoria da guerra. (70) São essas idéias que iremos examinar nas páginas seguintes.
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A teoria e a prática na guerra
2 A teoria e a prática na guerra O primeiro problema que Clausewitz teve que resolver foi este: como era possível existir realmente uma “teoria” da guerra? Não era simplesmente uma questão de combater o pragmatismo grosseiro ao qual todos os soldados são por temperamento propensos. A crença de que teorizar não faz qualquer sentido e que todos os problemas militares que não sejam puramente técnicos podem ser solucionados através de uma mistura de coragem e bom senso. Com esta atitude, Clausewitz conseguiu na realidade angariar bastante simpatia e seus escritos iriam, como veremos, justificá-la em parte. Mais importante era a tarefa de explicar porque todas as teorias preconizadas no passado e, na realidade, em seus próprios dias, tinham sido tão inadequadas, se não absolutamente enganosas, e como, apesar desses antecedentes desalentadores, ainda seria possível estarem corretas. Fora os autores de memórias e de histórias narrativas, os escritores que escreveram sobre a guerra haviam até então se dividido em três categorias. A grande maioria havia tratado de questões puramente práticas, relativas a armamento, abastecimento, adestramento e disposição das tropas - assuntos que, nas palavras de Clausewitz, mantinham a mesma relação com a arte de comandar que a fabricação de espadas com a arte da esgrima. Era na realidade a reduzida concentração nessas minúcias, que ele havia sem dúvida observado em tantos oficiais antigos do Exército Prussiano, que ele estava extremamente ansioso por evitar. A atividade militar em geral [escreveu ele] é exercida através de uma enorme quantidade de perícia e de conhecimentos, todos necessários para colocar uma força bem equipada no campo. Antes que atinjam o seu propósito final na guerra, eles se fundem, produzindo poucos resultados importantes, como riachos se juntando para formar rios antes de desaguarem no mar. O homem que desejar controlá-los deve familiarizar-se apenas com aquelas atividades que deságuam nos grandes oceanos da guerra. . . Somente isto explica porque na guerra, com tanta freqüência, alguns homens que se destacaram nos postos mais elevados, e até mesmo como comandantes supremos, exerciam anteriormente atividades completamente diferentes. Na realidade, o fato é que os comandantes que se destacaram nunca estavam entre os oficiais mais eruditos ou cultos, mas, na maioria das vezes, eram homens cuja posição na vida não pôde lhes dar um grau de educação elevado. (144)
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A teoria e a prática na guerra
Por esses oficiais “eruditos”, Gelehrte, Pedanten, como os descrevia pejorativamente, Clausewitz sentia apenas desprezo. Eram burros de carga necessários, a serem mantidos firmemente em posições subalternas. O problema era, entretanto, que a óbvia falta de relação entre os seus conhecimentos e a verdadeira arte de comandar havia levado à idéia oposta e errônea que caracterizava os escritores de segunda classe, aqueles antinomianos que “rejeitavam qualquer crença na teoria e insistiam em afirmar que a guerra era uma atividade natural do homem, que ele desempenhava tão bem quanto as suas aptidões o permitissem.” (145) Não poderia haver “princípios de guerra” de acordo com essa escola de pensamento. Tudo era uma questão de gênio individual, que não poderia ser imitado nem analisado. O surgimento de um Frederico, ou de um Bonaparte, era tão imprevisível quanto o de um Shakespeare ou de um Mozart. Eles eram fenômenos excepcionais e paranormais e procurar encontrar o segredo do seu sucesso era perda de tempo. (A afirmativa mais notável com relação a este ponto de vista pode ser encontrada em Betrachtungen uber die Kriegskunst , de Georg von Berenhorst, 1797.) Clausewitz sentia alguma simpatia por essa idéia, descrevendo-a meramente como “exagerada”. Ele reservou o seu fogo para a terceira e mais numerosa escola, cujos escritores consideravam possível estudar a guerra como uma ciência e estabelecer princípios imutáveis para a sua condução. Isto poderia ter sido possível, concordava ele, dentro do campo limitado da guerra de sítio, na qual tantos fatores podiam ser quantificados - o alcance e o poder destruidor dos canhões, as linhas de visada e os ângulos de elevação matematicamente calculáveis, os suprimentos necessários para fortificações de determinados tamanhos, o tempo necessário para cavar trincheiras completas. Mas Lloyd e seus sucessores tentaram, como vimos, estender este tipo de precisão para toda a condução da guerra e, consequentemente, suas idéias, achava Clausewitz, eram grosseiramente enganosas. Provavelmente o mais radical, embora certamente o mais respeitável desses escritores, foi Heinrich von Bulow, cuja obra já mencionamos. A sua crença na supremacia do fator abastecimento levou-o a defender que o segredo das operações bem sucedidas residia em assegurar que o ângulo formado no objetivo por linhas traçadas a partir das extremidades da linha de base a partir das quais o exército estava operando não deveria ser inferior a 90º, uma pressuposição a partir da qual ele baseou toda uma gama de cálculos confusos. Um expoente maior dessas idéias foi Antoine de Jomini, contemporâneo e rival de Clausewitz, um analista militar cuja profundidade, competência e capacidade de tornar a leitura agradável fizeram dele o escritor mais influente fora da Alemanha, sobre assuntos militares, até o fim do Século XIX. Jomini acreditava que existia a mesma fórmula por trás do êxito, tanto de Napoleão como de Frederico o Grande, que poderia ser resumida em “lançar o grosso das suas 20
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A teoria e a prática na guerra
forças sucessivamente sobre pontos decisivos no teatro de guerra e, na medida do possível, contra as comunicações do inimigo, sem interromper as suas próprias. Um objetivo que poderia ser melhor atingido pelo domínio do que ele denominou (como todos depois dele) de “linhas interiores”. Clausewitz negava a validade desses conceitos, não tanto por que eram simplificações excessivas, mas porque ignoravam o que ele considerava a essência da guerra. Eles visam valores fixos, mas na guerra tudo é incerto e os cálculos devem se feitos com quantidades variáveis. Eles orientaram suas pesquisas exclusivamente em direção às quantidades físicas, enquanto toda a atividade militar está entremeada de forças psicológicas e seus efeitos. Eles só levaram em consideração as ações unilaterais, enquanto que a guerra consiste numa contínua interação de opostos. (136) Nenhuma teoria poderá ter qualquer valor, afirmava ele, se não levar em conta esses elementos interligados - a incerteza de todas as informações, a importância dos fatores morais e, dando mais ênfase a estes dois, as reações imprevisíveis do adversário. O fator incerteza decorria em grande parte da impossibilidade de avaliar as intenções e reações do inimigo, algo que era especialmente difícil quando não havia quaisquer incentivos políticos predominantes para determinar as suas decisões militares. Na melhor das hipóteses, podia-se trabalhar em cima de probabilidades e, ao fazer isto, por melhor que fosse o critério de quem o fizesse, sempre haveria um fator considerável de pura sorte. Mesmo os melhores generais foram jogadores bem sucedidos que tiveram sangue frio para sustentar a sua avaliação. Nenhuma quantidade de teoria poderia, num momento de crise, dizer-lhes o que fazer. Este era um dos motivos, no modo de ver de Clausewitz, pelos quais as forças morais eram tão importantes. “Com a incerteza num dos pratos da balança, a coragem e a autoconfiança devem ser lançadas no outro para equilibrá-la.” Mas havia um outro motivo, muito mais importante, um que todos os teóricos ignoraram. A guerra era perigosa. Tão perigosa que quem não tivesse participado de uma não poderia imaginar como era, não poderia imaginar como na guerra, “a luz da razão”, como ele colocou num fragmento de uma clássica narração incompleta, “é refratada de uma maneira bem diferente da que ocorre num estudo acadêmico normal” (113) Se a guerra era o reino da incerteza e do acaso, era mais ainda o reino do sofrimento, da confusão, da exaustão e do medo. Todos esses fatores se associavam para criar o elemento que Clausewitz denominou de fricção, o ambiente em que ocorria toda a atividade militar (119 a 121). 21
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A teoria e a prática na guerra
Tudo é muito simples na guerra, mas a coisa mais simples é muito difícil . . . Inúmeros pequenos incidentes - do tipo que você nunca pode prever - se associam para reduzir o nível geral do desempenho, de modo que fica-se sempre aquém da meta pretendida . . . A máquina militar . . . é basicamente muito simples de administrar, mas devemos ter em mente que nenhum dos seus componentes é constituído de uma única peça: cada parte é composta de indivíduos, cada um dos quais mantém o seu potencial de fricção . . . Um batalhão é feito de indivíduos, o menos importante dos quais pode retardar as coisas por acaso e algumas vezes fazer com que elas dêem errado. Esta tendência inerente das coisas darem errado (uma tendência amplamente conhecida e temida em todos os exércitos e conhecida no Exército Britânico como a “lei de Murphy”) é composta por fatores externos e ainda menos controláveis, tais como o estado do tempo. O nevoeiro pode impedir que o inimigo seja visto a tempo, que um canhão atire quando deveria e que uma informação chegue ao Comandante. A chuva pode impedir que um batalhão chegue, pode atrasar um outro, fazendo com que tenha que marchar durante oito horas, e não três, pode arruinar uma carga de cavalaria atolando os cavalos na lama, etc. Em resumo, A atividade na guerra é como um movimento realizado através de um elemento resistente. Assim como o movimento mais simples e natural, andar, não pode ser realizado facilmente na água, na guerra é difícil que os esforços normais obtenham até mesmo resultados moderados. Era esta fricção, dizia Clausewitz, que “ fazia a diferença entre a guerra real e a guerra no papel” e uma compreensão da sua importância tinha que ser o ponto de partida para qualquer teórico. Raramente um comandante no campo poderia ter certeza absoluta de onde estava o inimigo, ou de qual era a sua força, muito menos do que ele provavelmente faria. Algumas vezes ele não sabia nem mesmo a localização e as condições das suas próprias tropas. Ele, e mais ainda os homens sob o seu comando, provavelmente estariam cansados, com fome e apreensivos, se não estivessem fisicamente apavorados. Nestas circunstâncias o que importava não eram os cálculos logísticos dos oficiais do Estado-Maior, era o vital mas incalculável fator do moral. Em última análise, era no sentido da força moral, e não da 22
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física, que estava orientada toda a atividade militar: “Toda guerra pressupõe a fraqueza humana e procura explorá-la” (185) Ou, afirmou também ele, “a guerra é um teste das forças físicas e morais, por meio das últimas”. “Podemos dizer que a força física parece ser um pouco mais do que o cabo de madeira de uma espada, enquanto que os fatores morais são um metal precioso, a verdadeira arma, a lâmina minuciosamente amolada.” O primeiro dos oito livros que constituem Da Guerra é, portanto, grandemente dedicado à questão das “forças morais”: as do Comandante, as do exército e as (menos consideradas) do povo. Clausewitz tinha pleno conhecimento da importância dessas últimas e escreveu prolificamente sobre o tema ao longo da sua carreira. Em Da Guerra ele não as ignorou: tratou da relação existente entre o profissionalismo militar e o apoio popular, do que poderia e do que não poderia ser sensatamente esperado das forças voluntárias. Mas na verdadeira condução das operações, os fatores essenciais ficavam restritos aos talentos do General e à qualidade dos soldados sob o seu comando, e foi destes fatores que Clausewitz tratou mais amplamente. Clausewitz tratou das qualidades do comandante num capítulo intitulado “Sobre o Gênio Militar”, um termo muito utilizado e mal utilizado em sua época, que ele tentou despojar dos mitos que se haviam acumulado em torno dele. Para ele, “gênio” não era algo paranormal ou uma dádiva divina, mas simplesmente “uma aptidão mental altamente desenvolvida para uma determinada ocupação.” O gênio militar, como qualquer outro, consistia numa “harmoniosa combinação de elementos, na qual uma ou outra aptidão poderia predominar, mas nenhuma delas poderia estar em conflito com as outras.” (100) Esses elementos compreendiam uma elevada inteligência (somente as civilizações adiantadas, sustentava ele, poderiam produzir soldados verdadeiramente grandes) e coragem, tanto física como moral. Mas havia duas qualidades derivadas dessas, às quais Clausewitz atribuiu uma ênfase especial. A primeira era intuitiva, a qualidade rotulada pelos franceses como coup d´oeil: a capacidade quase instintiva de perceber através da bruma da guerra o que estava acontecendo e o que precisava ser feito, um talento para perceber o essencial, que permite que o comandante escolha o caminho certo quase sem pensar e, certamente, sem percorrer o elaborado processo de cálculo de possibilidades e probabilidades que impossibilitaria que um homem de menor valor tomasse as suas decisões. O segundo requisito, dizia Clausewitz, era a capacidade de, havendo tomado uma decisão, aferrase a ela: determinação. Tudo iria conspirar para convencer o General de que a sua decisão tinha sido errada: dados de inteligência conflitantes ou, pior, a ausência de qualquer inteligência, as dúvidas dos 23
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seus subordinados, a exaustão gradual das forças sob o seu comando e a conseqüente redução da sua força moral, que teria que ser compensada por um maior esforço da sua própria. Enquanto uma unidade luta vibrantemente, com ânimo e com ímpeto, só raramente é necessário ter uma grande força de vontade, mas quando as condições se tornam difíceis, como devem se tornar quando houver muita coisa em jogo, as coisas não funcionam mais como uma máquina bem lubrificada. A própria máquina começa a resistir e o comandante precisa ter uma tremenda força de vontade para superar essa resistência. À medida em que as forças de cada homem acabam, à medida em que ele não responde à sua vontade, a inércia do conjunto gradualmente passa a depender somente da determinação do comandante. (104) O atributo da determinação era diferente da mera obstinação. Estava enraizado num discernimento intelectual e era composto de uma rara mistura de inteligência e coragem moral. Todo o problema da relação existente entre determinação, firmeza, obstinação e força da mente, entre aqueles conhecidos atributos opostos, do “caráter” e da “inteligência” que iriam provocar tantos debates pedagógicos, e que ainda provocam, foi exposto por Clausewitz com uma argúcia e uma precisão que dão a aquelas páginas um valor intrínseco que transcende em muito o seu contexto militar. As qualidades morais exigidas dos soldados Clausewitz analisou em outro lugar, num capítulo intitulado “As Virtudes Militares de um Exército”. Naquele capítulo, ele fez distinção entre o vigor que animava os soldados profissionais e as qualidades - bravura, capacidade de adaptação, perseverança e entusiasmo - que inspiravam um povo em armas. Não importa com que clareza vejamos o cidadão e o soldado no mesmo homem, com que intensidade vejamos a guerra como uma atividade de toda a nação . . . a atividade da guerra sempre será individual e diferente. Consequentemente, enquanto exercerem essa atividade, os soldados se considerarão membros de uma espécie de corporação em cujos regulamentos, leis e costumes é dada uma posição de destaque ao espírito da guerra. (187) No coração de qualquer exército haveria sempre um quadro de profissionais que combateria, não por patriotismo mas, como fizeram as forças do Século XVIII, por puro orgulho profissional. Sobre as virtudes desses profissionais, Clausewitz escreveu com uma admiração sem reservas:
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Qualquer exército que mantenha a sua coesão sob o fogo mais mortífero, que não possa ser abalado por temores imaginários e que resista a aqueles que têm fundamento, que, orgulhoso das suas vitórias e que, mesmo na derrota, não perca a capacidade de obedecer às ordens nem o respeito e a confiança nos seus oficiais, cuja força física, como os músculos de um atleta, tenha sido desenvolvida através do adestramento em privações e do trabalho, . . . que esteja ciente de todas essas obrigações e qualidades, em virtude da única e vigorosa idéia da honra das suas armas - esse exército está imbuído do verdadeiro espírito militar. (187) O espírito militar, disse Clausewitz, mantém a mesma relação com as partes de um exército que a capacidade de um General com o todo.” O General só pode dar uma orientação geral. “Quando as diversas partes precisam de uma orientação, o espírito militar deve assumir o comando.” (188) E, se por algum motivo, esse espírito não tivesse se manifestado, teria que ser compensado por alguns dos outros meios, pela capacidade superior do General, ou pelas “virtudes marciais” do povo. Era uma qualidade que só poderia ser criada através de guerras freqüentes ou de um rigoroso adestramento e, mesmo assim, as aparências poderiam ser ilusórias, como Clausewitz sabia muito bem após a sua observação da destruição que assolou o Exército Prussiano em 1806. Deveríamos ter cuidado para não comparar esta solidariedade desenvolvida e requintada de uma irmandade de veteranos temperados e curtidos pela guerra com a auto-estima e a vaidade dos exércitos regulares, que são formados às pressa por regulamentos relativos ao serviço militar e pelos exercícios de adestramento. Um rigor implacável e uma disciplina de ferro podem ser capazes de preservar as virtudes militares de uma unidade, mas não podem criá-las. . . Um exército como este, só será capaz de obter êxito devido às virtudes do seu comandante, nunca devido às suas. (189) Os fatores morais são, então, os que em última análise determinam o resultado da guerra, e nenhuma teoria pode ser válida se não lhes atribuir todo o seu valor. Mas como interagem eles com os fatores físicos - todos aqueles problemas rotineiros de logística, capacidade das armas, topografia e tática nos quais os escritores anteriores haviam se concentrado tão exclusivamente? Como poderíamos, na realidade, teorizar sobre tais qualidades intangíveis? Isto era um problema, observou Clausewitz, que não era exclusivo dos militares. Era um problema comum a muitas atividades, principalmente no reino das artes. Lá, encontramos muito o mesmo tipo de interação entre o material e o intangível. O 25
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pintor, ou o escultor, ou o arquiteto, utilizam a matéria como o meio de expressar as qualidades intangíveis e não quantificáveis do espírito. Seus materiais podem aprisionar aquela expressão mas, pelo menos nas mãos de um mestre, eles não a impõem. Em estética, os teóricos não fizeram as regras que os homens comuns tinham que obedecer, mas o gênios foram de alguma maneira capazes de superá-las. Os teóricos, ao contrário, estudaram, analisaram e, dentro dos seus limites, explicaram o que os gênios haviam feito. Foi, na realidade, a atividade dos gênios, dos mestres em suas artes, que fizeram as regras.
Assim foi com a guerra. Só podemos aprender a como conduzir a guerra, disse Clausewitz, aprendendo, e aprendendo a partir do que já foi feito, estudando a guerra, não em teoria, mas na realidade. Somente assim poderia ser elaborada uma teoria da guerra verdadeiramente abrangente. Uma teoria que tornasse possível não apenas entender (como na pintura e na arquitetura) o que os grandes mestres realizaram, mas apreciar como as suas realizações vieram a ser atos criativos e não militares, incomparáveis em si mesmos, mas que ampliaram a oportunidade de expressão acessível aos seus sucessores. Isto significava estudar a história das guerras, porque “na arte da guerra, a experiência conta mais do que qualquer quantidade de verdades abstratas.” (164) Mas o estudo daquela história teria que ser ele próprio um exercício de apreciação critica. Não se pode confiar na fidedignidade dos historiadores. A maioria das histórias, alertava Clausewitz, era na realidade tão duvidosa a ponto de ser quase inútil. A maior parte do que foi transmitido da antigüidade ou da Idade Média era incompleto e impreciso demais para ter algum valor, mesmo quando não se tratava de puro mito. Clausewitz só estava disposto a aceitar como material para o seu estudo aquelas campanhas sobre as quais podia ser obtido um conhecimento completo e minucioso, o que na realidade o limitou àquelas travadas na Europa e, predominantemente, na Europa Ocidental, durante os dois séculos anteriores. Esses dados históricos tinham que ser submetidos a três processos distintos. Em primeiro lugar, havia a pesquisa histórica propriamente dita - a separação criteriosa dos fatos, dos boatos, das hipóteses e da ficção. A criação de um registro confiável (como afirmou o seu contemporâneo mais moço, Leopold von Ranke, wie es eigentlich gewesen) dos fatos, como eles realmente ocorreram. Para o historiador militar sério, isto trazia alguma vezes problemas bastante intrincados, mas a sua solução tinha que receber sempre a máxima prioridade. Em segundo lugar, vinha o processo complexo de relacionar as causas e os efeitos. Havendo exposto o que aconteceu, passar a explicar o porque. Só então era possível passar à prática da apreciação crítica, a estimativa dos meios empregados pelos 26
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comandantes envolvidos e a avaliação dos seu êxitos e de suas falhas. Mas não era possível fazer essa apreciação, a menos que se tivesse elaborado algum tipo de teoria, algum conceito do que, sob determinadas circunstâncias, seria a ação mais apropriada para ser empreendida pelo General. A formulação de uma teoria e a sua aplicação era, na realidade, uma atividade contínua e recíproca, o conhecimento histórico dando forma à teoria e a teoria ilustrando a apreciação histórica. Mas, insistia Clausewitz, A função de crítica seria inteiramente perdida se degenerasse para uma aplicação mecânica da teoria . . . um crítico nunca deve utilizar os resultados da teoria como leis ou normas, mas apenas - como faz o soldado - como auxílios à sua apreciação. (157) Se o crítico tem que ser cauteloso na sua aplicação da teoria, o soldado também tem que sê-lo. Ele não pode esperar que o teórico forneça todas as respostas para os seus problemas, “produzindo planos de guerra como se utilizasse uma espécie de máquina da verdade”. (168) Nos níveis mais elevados de comando, admitia Clausewitz, a teoria só poderia fornecer uma ajuda muito limitada. As incertezas eram grandes demais, a gama de possibilidades ampla demais e o conjunto de fatores a serem levados em conta demasiadamente diversificado. Era ali que o coup d´oeil do grande comandante era necessário, para possibilitar que ele analisasse a situação e encontrasse as suas próprias soluções para si mesmo. Não era provável que os precedentes fossem um guia confiável. Ele teria que criar os seus próprios precedentes. Mas, quanto mais se descesse na hierarquia de comando, mais limitada se tornaria a gama de fatores e menor seria o campo para a intromissão do fortuito e do imprevisto, até que, no nível das táticas secundárias, seria realmente possível estabelecer rotinas específicas para lidar com situações específicas, produzir manuais e exercícios de adestramento que, se fossem seguidos por subordinados obedientes e sem imaginação, teriam uma grande probabilidade de obter êxito. De qualquer modo, o estabelecimento dessas rotinas era necessário, uma vez que as probabilidades de encontrar, nos níveis mais baixos de comando, um número suficiente de oficiais em quem se pudesse confiar inteiramente no seu poder de julgamento e no seu coup d´oeil, eram realmente reduzidas. À maioria deles teria que ser dito exatamente o que fazer e teríamos que ser capazes de dar respostas instantâneas e triviais para a reduzida gama de situações que provavelmente teria que enfrentar em sua limitada esfera de comando. Para a grande massa de soldados, a teoria só chegava, na realidade, sob a forma de exercícios de adestramento. No campo de batalha, ela (a teoria) se torna um substituto necessário para a reflexão. 27
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A teoria e a prática na guerra
Mas mesmo nos níveis mais elevados, insistia Clausewitz, o teórico poderia dar uma importante contribuição, desde que compreendesse essas limitações. O seu papel era educar a capacidade de julgar do
comandante, não dizer-lhe o que fazer. Quando mais não fosse, a teoria deveria ajudá-lo a
organizar as suas idéias: A teoria existe para que não tenhamos que começar sempre do início, separando o material bruto e avançando com muito custo através dele, mas para que o encontremos pronto e em boas condições para ser utilizado. Ela pretende educar a mente do futuro comandante ou, mais precisamente, orientá-lo em sua auto-educação, não acompanhá-lo ao campo de batalha. (141) Podemos ver aqui a influência dos primeiros estudos de Clausewitz sobre a teoria pedagógica. O professor sensato, havia ele aprendido então, via a sua matéria não como um fim em si mesma, mas como um meio para chegar a um fim, que era o desenvolvimento pleno das potencialidades do seu aluno. O teórico poderia estabelecer os princípios orientadores, se de fato os seus estudos levassem ao surgimento desses princípios (com relação a se eles levariam ou poderiam levar a esse surgimento, Clausewitz permanecia agnóstico. Certamente ele próprio não estabeleceu qualquer “princípio de guerra”), mas nenhum princípio ou papel teria qualquer valor, a menos que fosse totalmente assimilado. O comandante tinha que obedecer a princípios em função da sua própria avaliação, não em função da avaliação de outros e, certamente, não como uma espécie de “lei” científica real. Na realidade, quanto mais uma teoria evoluísse “da forma objetiva de uma ciência para a forma subjetiva de uma habilidade”, afirmava Clausewitz, mais eficaz ela poderia ser. (141) Não era uma questão de wissen, “saber o que, mas de Konnen, “saber como”.
Significaria isto que a guerra era uma arte e não uma ciência? Clausewitz não tinha dúvidas sobre isto. ´O termo “ciência”, declarou ele, não deveria ser mantido para disciplinas como a matemática e a astronomia, cujo propósito é puramente obter o conhecimento.` (148) Mas essa dicotomia era enganosa. Todas as artes envolviam a utilização de algum conhecimento científico, todas as ciências envolviam a utilização do discernimento, que subentende a arte e, seja como for, a guerra de maneira alguma pertence totalmente a essas categorias. Ela era, afirmava Clausewitz, uma atividade social, parte da existência social do homem: A guerra é um conflito de grandes interesses, que é resolvido por meio do derramamento de sangue - que é a única maneira pela qual ela difere dos outros conflitos. Ao invés de compará-la 28
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A teoria e a prática na guerra
a uma arte, deveríamos compará-la com mais precisão ao comércio, que também é um conflito de interesses e de atividades humanas e que está ainda mais próximo da política que, por sua vez, pode ser considerada uma espécie de comércio em maior escala. (149) Qualquer teoria sobre a guerra era, portanto, um ramo da teoria social e política e teria que ser considerada no contexto da política, “o útero no qual se forma a guerra - onde o seu contorno já existe em sua forma oculta e rudimentar, como as características de criaturas vivas em seus embriões”. No próximo capítulo, examinaremos os ensinamentos de Clausewitz sobre a relação existente entre a política e a guerra. Aqui, podemos concluir apropriadamente com o seu resumo da contribuição que ele acreditava que os teóricos poderiam dar à condução da guerra na prática. A teoria terá realizado suas muitas atribuições quando for utilizada para analisar os elementos que constituem a guerra, para estabelecer precisamente as diferenças existentes entre o que à primeira vista parece estar misturado, para explicar perfeitamente as características dos meios empregados e para mostrar os seus prováveis efeitos, para definir claramente a natureza dos fins que se tem em mente e para ilustrar todas as fases da guerra, através de uma minuciosa pesquisa crítica. A teoria torna-se então um guia para qualquer pessoa que deseje aprender sobre a guerra consultando os livros. Ela irá iluminar o seu caminho, facilitar o seu progresso, treinar a sua capacidade de discernir e ajudá-la a evitar armadilhas . (141) Mas ela jamais poderá dizer-lhe exatamente o que fazer.
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Os fins e os meios na guerra
3 Os fins e os meios na guerra Clausewitz assim justificava a utilidade de teorizar sobre a guerra, desde que os teóricos conhecessem as suas limitações e desde que atribuíssem aos fatores morais não mensuráveis envolvidos, bem como aos mensuráveis, todo o peso que possuem. A interação entre esses elementos, os morais e os físicos, era na realidade a base de toda a sua abordagem teórica. A guerra era para ele uma constante dialética entre eles, cada um penetrando e atuando sobre o outro. Este modelo de uma dialética entre conceitos opostos mas relacionados evidentemente fascinava a Clausewitz, bem como a muitos dos seus contemporâneos entre os pensadores alemães. O tratamento dado por ele à relação existente entre as forças físicas e morais é um exemplo disto. À existente entre o conhecimento histórico e a apreciação crítica, sobre a qual já falamos, é outro. Bem como à relação, comum em sua época, entre a “Idéia” e as suas manifestações, entre a guerra “absoluta” e a “real”. Assim também era a dialética entre o ataque e a defesa e também, a mais importante de todas, a existente entre os fins e os meios. A dialética não era Hegeliana: não levava a qualquer síntese que por si só fizesse surgir como por encanto a sua antítese. Ao invés disto, era uma contínua interação entre pólos opostos, cada um deles só totalmente compreensível em função do outro. Não se podia compreender a natureza da guerra, a menos que se reconhecesse a dialética entre as forças morais e físicas. Mas não se podia ter uma teoria prática para a condução da guerra, a menos que se entendesse a relação existente entre os fins e os meios, principalmente os fins políticos da guerra e os meios militares empregados para atingí-los. Foi somente nos últimos anos de sua vida que Clausewitz chegou à sua famosa conclusão de que “a guerra nada mais era do que a continuação da política por outros meios” ou, mais explicitamente, “simplesmente a continuação da política com o acréscimo de outros meios.” (69, 605. A ênfase é nossa) Mas já vimos como em seus primeiros escritos, em 1804 e 1805, ele se referiu ao propósito político da guerra sem dar qualquer indicação de que estivesse dizendo alguma coisa original ou polêmica. A idéia era provavelmente um lugar comum, naquela época, entre Scharnhorst e o seu círculo. Na mesma época, Clausewitz apresentou, igualmente como um lugar comum, a teoria dos dois tipos de guerra; de uma guerra “para destruir totalmente o inimigo . . ., ou então para ditar-lhe os termos da paz”. Ele dava mais ênfase à importância, não apenas da guerra propriamente dita, mas das operações realizadas na guerra como um meio para atingir a determinados fins, para serem avaliadas em função da sua eficácia como tais. Era por isto, entre outros motivos, que ele censurava Bullow. A definição de estratégia e de 30
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Os fins e os meios na guerra
tática, apresentada por Bullow, em termos de marchas além ou dentro do alcance do inimigo era, afirmava Clausewitz, “não filosófica até o último grau”, porque ele entendeu mal toda a questão. O propósito de qualquer guerra, insistia ele, era “o emprego dos meios disponíveis [ Mittel] para atingir um fim predeterminado [ Zweck ]”. A sua própria definição era bastante clara: “tática era a utilização das forças armadas em combate, estratégia o uso do combate para atingir o propósito da guerra”. Esta dualidade de meios e fins, Mittel e Zweck , pode ser observada em toda a obra de Clausewitz. Ele estabeleceu, entretanto, uma outra distinção, a existente entre o propósito final da guerra e os estágios intermediários
através dos quais aquele propósito era atingido. Estes últimos eram os
propósitos ( Ziele) dos comandantes militares subordinados, mas eram os meios através dos quais o estrategista atingia o seu próprio propósito final, o seu Zweck . Nenhum triunfo militar poderia ser avaliado isoladamente, pois era apenas uma etapa do plano global do estrategista. Os propósitos atribuídos às unidades subordinadas - a tomada de uma ponte ou de uma fortificação, a ocupação de uma província, a destruição da força inimiga - eram os meios através dos quais o General atingia os seus próprios propósitos e, em última análise, aqueles propósitos não eram de modo algum militares, mas políticos, “os fins que levam diretamente à paz.” (143) As exigências políticas podem apresentar uma série de propósitos a serem atingidos pelo estrategista, mas só havia um meio de atingí-los, insistia Clausewitz: a luta armada. Era aí que Bullow estava errado. Os instrumentos à disposição do comandante, os elementos físicos através dos quais ele exercia o seu talento criativo, não eram as forças armadas propriamente ditas, muito menos os seus movimentos. Era a sua atividade combatente. “O fim para o qual um soldado era recrutado, vestido, armado e adestrado”, nos lembrava Clausewitz, “todo o motivo pelo qual ele dorme, come bebe e marcha é simplesmente fazer com que ele possa lutar no lugar certo e no momento certo.” (95) Ele não tinha qualquer outro propósito: todo o aparato de manutenção e de abastecimento que havia dominado o pensamento de tantos escritores militares só existia para tornar possível a luta armada, o que é bastante óbvio quando se afirma, mas algo que muitos estrategistas tendiam e, ainda ocasionalmente tendem, a esquecer. Para esta atividade de luta armada, Clausewitz empregava algumas vezes a palavra der Kampf mas, na maioria das vezes, e de uma maneira um tanto confusa, das Gefecht . O problema com das Gefecht é
que pode significar duas coisas diferentes. Pode, por um lado, significar a atividade de luta
armada em geral, mas pode também indicar um tipo específico de luta, uma luta limitada no tempo e em seu intuito que, na terminologia britânica, é normalmente chamada pelo termo paliativo de 31
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Os fins e os meios na guerra
“engajamento” .Existe uma tradução mais exata no idioma inglês falado na América, que é a palavra “combate”, que exprime exatamente a ambigüidade da palavra original, como significando uma atividade geral ou específica. Mas, para o efeito deste estudo, essa ambigüidade pode ser motivo de confusão e a palavra “engajamento” exprime muito bem aquele confronto de forças, preciso e distinto, a que normalmente Clausewitz se referia ao empregar o termo, um confronto limitado “em seu intuito” pela capacidade de um único indivíduo poder controlá-lo, e “no tempo”, pela solução do problema em razão da qual foi travado o engajamento - a consecução ou o abandono do seu propósito (Ziel). Clausewitz via esses engajamentos como sendo os elementos componentes a partir dos quais era elaborada a estratégia, os blocos de construção que compunham a totalidade da guerra. Eram tanto os fins como os meios. Eram os fins para o qual as forças eram formadas, mantidas e dispostas no campo para lutar. Eram os meios porque os seus resultados eram trampolins para a consecução de outros fins. Esta era a verdadeira relação existente entre a tática e a estratégia. A tática se ocupava dos engajamentos, do seu planejamento e da sua execução. A estratégia era a coordenação desses engajamentos pata atingir o propósito da guerra. “Na tática”, escreveu Clausewitz, “os meios são as forças combatentes, adestradas para o combate. O fim é a vitória”. Para os estrategistas, os engajamentos vitoriosos eram os seus meios. Os seus fins eram “aqueles propósitos que levavam diretamente à paz.” (142 a 143) Assim, a mais brilhante das vitórias por si só não era nada, a não ser que fosse também o meio para a consecução de um fim político, quer aquele fim fosse a destruição total do estado inimigo, ou o estabelecimento de quaisquer termos de paz que a política pudesse exigir. Nos níveis mais elevados, portanto, não poderia ser estabelecida uma distinção entre a estratégia e a arte de governar e, em última análise, as realizações do estrategista teriam que ser julgadas não em termos militares, mas em termos políticos. Mas o critério para avaliar o seu desempenho era o mesmo utilizado em qualquer outra arte, ou seja, quão eficazmente empregou ele os meios que se encontravam à sua disposição para atingir o seu fim desejado. “Um Príncipe ou um General”, escreveu Clausewitz, “pode revelar melhor o seu gênio administrando uma campanha exatamente de acordo com os seus recursos, não fazendo nem demais, nem de menos.” (177) De acordo com esses padrões, ele era capaz de aplaudir tanto um como o outro daqueles dois mestres em sua arte, bastante diferentes um do outro, Bonaparte e Frederico o Grande. Os propósitos ilimitados do primeiro só poderiam ser buscados através da aplicação implacável dos meios ilimitados existentes à sua disposição. O seu propósito político pode ser condenado, mas não o seu método para atingí-lo. Quanto a Frederico, com o seu propósito limitado de manter as suas conquistas de 1741 na Silésia, a sua atuação militar foi magistral, 32
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não devido à elegância das suas marchas e manobras, mas por haver buscado alcançar um propósito de grande vulto com recursos limitados, “ele não tentou realizar nada além das suas forças, mas sempre exatamente o suficiente para levá-lo para onde queria”. Toda a sua condução da guerra . . . revela um elemento de força moderada, que estava sempre em equilíbrio, nunca deficiente em vigor, ascendendo a alturas extraordinárias em momentos de crise, mas voltando logo depois a uma situação de pequena oscilação, sempre pronto a se ajustar à menor alteração da situação política. (179) O exemplo de Frederico o Grande e de Bonaparte dá a entender que, de uma maneira ideal, as guerras deveriam ser travadas por Príncipes que reunissem em sua própria pessoa a liderança política e militar e que pudessem ignorar a opinião pública. Isto evidentemente era esperar de mais na maioria dos casos e mais provavelmente a condução da guerra seria um processo confuso e desajeitado, como foi na Prússia na época de Clausewitz. Mas, qualquer que fosse a maneira pela qual as questões eram tratadas, insistia Clausewitz, a liderança política teria que ter a última palavra. Na realidade, os líderes políticos não eram infalíveis, mas As decisões políticas somente influenciarão negativamente as operações se os políticos forem responsáveis por determinadas medidas e ações militares destinadas a produzir efeitos que sejam estranhos à sua natureza. Assim como um homem que não domina totalmente um idioma estrangeiro algumas vezes deixa de se expressar corretamente, muitas vezes os políticos transmitem ordens que frustram o propósito a que se propunham atingir. (608) Para impedir que isto ocorra, a liderança política precisa possuir tanto uma boa percepção geral da política militar, como estar em constante contato com o comando militar. Isto era melhor conseguido, escreveu Clausewitz, de duas maneiras: a primeira, tornando o Comandante-em-Chefe um membro do gabinete, de modo que esse gabinete pudesse participar dos principais aspectos ( Hauptmomenten) das suas atividades e, em segundo lugar, instalando-se o próprio gabinete no teatro de guerra, como fez o gabinete prussiano de 1813 a 1815. Quando foi publicada em 1853 a segunda edição de Da Guerra, os editores de Clausewitz alteraram a frase citada, que passou a ter a seguinte redação: “de modo que ele (o Comandante-em-Chefe) possa tomar parte em seus conselhos e na tomada de decisões em ocasiões importantes”. Alguns eruditos viram isto como uma distorção 33
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Os fins e os meios na guerra
deliberada do que Clausewitz quis dizer, para dar aos militares mais voz ativa na tomada de decisões do que ele pretendeu dar. Isto pode também ser visto como uma tentativa equivocada de esclarecer um trecho que poderia ser, com uma certa razão, considerado um tanto confuso. A natureza da política determinava a natureza da guerra e, do mesmo modo, as circunstâncias políticas formulavam a estratégia. Clausewitz explicou como isto ocorria - ou pelo menos, como, de acordo com a sua teoria, deveria ocorrer. O que o teórico tem a dizer sobre isto é o seguinte: deve-se ter sempre em mente as características predominantes dos dois beligerantes. A partir dessas características, forma-se um certo centro de gravidade, o ponto central de todo o poder e de toda a atividade, do qual tudo depende. É para esse ponto que todas as nossas energias devem ser dirigidas. (595) Clausewitz citou três exemplos desses “centros de gravidade”: o exército do oponente, a sua capital e, se ele tivesse um protetor mais forte, o exército do seu aliado. Como todos esses centros eram vulneráveis a um ataque, disse Clausewitz, “a derrota e a destruição da sua força combatente continua sendo a melhor maneira de começar e irá de qualquer modo constituir um aspecto importante da campanha.” (596) As considerações políticas podem, entretanto, forçar a alteração ou o adiamento desse propósito. Neste caso, admitia ele, “devemos também estar dispostos a travar guerras menores, que consistem simplesmente em ameaçar o inimigo com negociações mantidas em reserva” (604), uma situação que deveremos examinar quando chegarmos à doutrina de “guerra limitada” de Clausewitz. Mas Clausewitz deixou claro que não considerava satisfatória esse tipo de campanha. A estratégia ideal, indicava ele, era identificar o centro de gravidade do inimigo e, então, direcionar todas as suas energias contra ele e se o centro de gravidade for o exército inimigo, melhor ainda. Se o inimigo for desestabilizado, não deve lhe ser dado tempo para se recuperar. Deve ser desferido um golpe após outro na mesma direção. Em outras palavras, o vencedor deve atacar com toda a sua força e não apenas uma fração do inimigo. Não é fazendo as coisas da maneira mais simples - empregando uma força superior para surrupiar alguma província, preferindo a segurança de uma conquista secundária a um êxito de vulto - mas somente buscando constantemente atingir o seu centro de poder, arriscando tudo para ganhar tudo, é que pode-se realmente derrotar o inimigo. (596)
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Pode ser alegado que essa doutrina estratégica era tão trivial a ponto de ser grosseira. Talvez não devêssemos culpar Clausewitz por ter deixado de considerar o emprego de quaisquer meios que não os militares para atingir os seus fins estratégicos - o emprego da diplomacia em vez da força para neutralizar os aliados do inimigo, por exemplo, ou a propaganda e a subversão para influenciar a sua opinião pública. Esses métodos, poderia ter ele respondido, eram da alçada da liderança política, não do comandante militar. Mas certamente podemos comentar criticamente a ausência na sua lista de possíveis “centros de gravidade”, da capacidade econômica do inimigo para continuar na guerra. Este tinha sido afinal de contas um objetivo primordial em quase todas as contínuas guerras travadas entre a Grã-Bretanha, a Espanha, a Holanda e a França ao longo dos 200 anos anteriores - guerras travadas numa dimensão marítima que Clausewitz, a despeito de todo o seu interesse pela história militar, nunca demonstrou ter o menor conhecimento. Não é fácil, entretanto, oferecer um resumo satisfatório e abrangente da doutrina estratégica de Clausewitz, uma vez que ela é apresentada com uma incoerência irritante. Os trechos essenciais relacionados a ela estão espalhados quase que aleatoriamente ao longo de Da Guerra, corroborando plenamente a sua melancólica profecia de que os seus leitores só poderiam encontrar no livro “uma compilação de material a partir da qual era para ter sido extraída uma teoria sobre a guerra”. A seção do trabalho intitulada “Sobre a Estratégia em Geral”, é apenas uma série de capítulos sob diversos assuntos não relacionados por qualquer tema comum muito claro. Um leitor descuidado pode, muito sensatamente, presumir que o interesse de Clausewitz nos problemas globais de estratégia era superficial em comparação com a sua preocupação quase obsessiva com o que ele considerava a principal ferramenta do estrategista - o engajamento e, em especial, a batalha de grande vulto, um assunto ao qual ele dedicou um livro inteiro, talvez o mais intensamente escrito e melhor organizado em toda a sua obra Da Guerra. Ao apresentar a doutrina estratégica de Clausewitz em tua totalidade, devemos começar pela sua observação tão frequentemente citada e certamente sarcástica, “A melhor estratégia é ser sempre muito forte, primeiro de um modo geral e, em seguida, no ponto decisivo.” (204) O raciocínio para isto é mais
sutil do que pode parecer à primeira vista. As forças superiores, observava Clausewitz, sempre oferecem a maior probabilidade de vencer uma batalha. Evidentemente, é desejável que a competência dos seus comandantes, o adestramento dos seus soldados e o moral das suas forças sejam superiores aos do seu adversário, mas estas são questões que não estão necessariamente sob o seu controle. Sempre é mais prudente supor que nessas qualidades os dois lados estarão uniformemente equilibrados. 35
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Mesmo que não estejam, existe um limite além do qual a competência tática e o moral elevado não podem compensar a inferioridade numérica, exceto em situações especiais, como na defesa de desfiladeiros. Mais cedo ou mais tarde os números sempre prevalecerão. Quanto maior for o exército que o comandante trouxer para o campo, maiores serão as probabilidades que ele dará às suas unidades subordinadas para vencer cada um dos seus engajamentos. Se for impossível obter a superioridade numérica, disse Clausewitz, “as forças disponíveis deverão ser dispostas com tal competência que, mesmo na falta de uma superioridade absoluta, seja obtida uma superioridade relativa no ponto decisivo.” (196) Aí é que eram necessários os talentos do estrategistas, o coup d´oeil, para perceber qual era o ponto decisivo e a determinação de concentrar todas as forças disponíveis contra ele, enfraquecendo as forças que se encontram em frentes secundária e ignorando os objetivos de menor importância. Este tinha sido o segredo do êxito de Bonaparte, mas não foi preciso um Clausewitz para percebê-lo. Jomini, como vimos, apresentou a mesma idéia em seus escritos e a expôs de maneira bem mais ampla - somente para receber de Clausewitz o seguinte comentário descartando-a: reduzir todo o segredo da arte da guerra à fórmula da superioridade numérica num determinado momento, num determinado local era uma simplificação excessiva que não teria resistido um momento ante às realidades da vida.” (135) A fórmula de Jomini não parece à primeira vista ser diferente da de Clausewitz - “A melhor estratégia é ser sempre muito forte, primeiro de um modo geral e, em seguida, no ponto decisivo.” (204) Mas enquanto Jomini utilizou muitos capítulos analisando onde e o que poderia ser o ponto decisivo, Clausewitz via o problema como um problema moral; a capacidade do comandante para manter a sua determinação, a despeito de todas as tentações em contrário, de concentrar as suas forças contra aquele ponto decisivo. A análise da estratégia feita por Clausewitz foi, na realidade, dominada, se não destorcida, pela sua vontade de refutar a idéia, tão popular no Século XVIII, de que combinações estratégicas criativas poderiam tornar desnecessário o confronto tático e que o estrategista poderia empregar qualquer meio que não fosse a violenta luta armada para atender ao seu propósito. Como podemos ser contra a teoria altamente sofisticada que supõe ser possível, através de um método especialmente engenhoso de infligir pequenos danos às forças inimigas, levar à sua destruição indireta maior, ou que afirme produzir, através de golpes limitados mas habilmente aplicados, uma tal paralisia nas forças inimigas e controlar a sua força de vontade a ponto de constituir um importante atalho para a vitória? Reconhecidamente, um engajamento travado num 36
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ponto pode valer mais do que outro. Reconhecidamente, poderá existir na estratégia um ordenamento inteligente, estabelecendo as prioridades dos engajamentos. Na realidade, é nisto que consiste a estratégia e não queremos negar. Afirmamos, entretanto, que o aniquilamento direto das forças inimigas deve ser sempre a consideração preponderante. Queremos simplesmente estabelecer essa preponderância do princípio da destruição. (23) Esta referência eventual ao “estabelecimento de prioridades na estratégia” e à aceitação de que “é nisto que consiste a estratégia” é tudo que ele tinha a dizer sobre um assunto a que outros escritores que trataram da estratégia - o próprio Jomini e o escritor inglês Edward Bruce Hamley (1824 - 1893) dedicaram toda a sua obra. Mas isto deve ser lido juntamente com um trecho de uma outra seção de Da Guerra,
uma que os editores de Clausewitz consideraram ser um rascunho inacabado, mas que é
fundamental para entender o seu pensamento estratégico. Sob o estranho título de “Os Possíveis Engajamentos devem ser Vistos como Verdadeiros Devido às suas Conseqüências”, Clausewitz explicou um pouco mais o que ele queria dizer com “prioridade dos engajamentos”. Os engajamentos, salientava ele naquela seção, poderiam atingir os seus propósitos, mesmo que não sejam travados. Se as tropas forem enviadas para interceptar um inimigo em retirada e esse inimigo se render sem lutar, a sua decisão terá sido tomada apenas devido à ameaça de um combate que aquelas tropas oferecem. Se parte do nosso exército ocupar uma província inimiga indefesa . . . o fator que terá tornado possível que as nossas forças mantenham o controle dessa província é o engajamento que o inimigo deve esperar ter que travar, se sentar retomá-la. Em ambos os casos, os resultados foram obtidos pela mera possibilidade de um engajamento. A possibilidade tornou-se realidade. (181) Mais adiante pode ser necessário travar uma série de engajamentos preliminares para colocar-se numa posição vantajosa em relação às forças inimigas, tomando estradas, pontes, depósitos de suprimentos, cidades ou até mesmo províncias inteiras. Essas conquistas, disse Clausewitz, “devem ser sempre vistas meramente como um meio de obter uma maior superioridade, de modo que no final sejamos capazes de oferecer ao inimigo um engajamento quando ele não estiver em condições de aceitá-lo” (a ênfase é nossa).
Esta pode parecer representar a verdadeira possibilidade que Clausewitz estava tão ansioso para negar, a possibilidade de ser obtida a vitória sem derramamento de sangue, através de uma manobra 37
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habilidosa. Mas a vitória só poderia ser obtida sem sangue se o estrategista estivesse disposto a derramar o sangue, a lutar e a vencer a qualquer custo os engajamentos que oferecesse ao inimigo. “Toda ação é realizada”, como escreveu Clausewitz ainda numa outra seção de Da Guerra, “na crença de que o teste definitivo das armas deverá realmente ocorrer e que o resultado será favorável.” (97) Prosseguia ele fazendo uma analogia que iria mais tarde deliciar a imaginação de Marx e Engels: A decisão pelas armas é para todas as grandes e pequenas operações na guerra o que o pagamento à vista é para o comércio. Não importa quão complexo seja o relacionamento existente entre as duas partes, não importa quão raramente ocorram esses ajustes, eles nunca poderão totalmente deixar de existir. Da mesma maneira, por mais habilidosas que sejam as manobras e as combinações, por mais competentemente que sejam planejadas as marchas, nenhuma delas terá o menor valor, a menos que ao seu término o General esteja em condições de lutar e de vencer. O que acontecia nesses “ajustes à vista” era, portanto, mais importante que os cálculos e os movimentos que levavam a eles. Cada um desses ajustes, escreveu Clausewitz, era “um teste sangrento e destruidor da força física e moral. Quem quer que tenha a maior soma de ambas no final será o vencedor.” (231) Foi por serem esses testes tão decisivos para o êxito de qualquer estratégia que Clausewitz lhes dedicou um livro inteiro. Sobre o propósito do engajamento, Clausewitz foi muito claro. Era a destruição (Vernichtung) das forças inimigas. Poderia haver outros propósitos, tais como os mencionados acima - o controle do terreno, dos recursos ou das comunicações, de modo a ser capaz, no final, de confrontar o inimigo com a oferta de uma batalha que ele teria que recusar. Mas, mesmo no mais marginal e auxiliar dos engajamentos, era a destruição das forças inimigas o que realmente importava. Essa destruição não apenas contribuía para o propósito final do estrategista, ela era por si só uma parte essencial daquele propósito. Era, em última análise, para utilizar uma outra analogia comercial, a única coisa que se destacaria na folha do balanço final da guerra. Em sua análise mais detalhada Clausewitz fez alguma coisa para amenizar a severidade da sua apresentação. Ele definiu mais precisamente “a destruição das forças inimigas” como sendo “uma redução de uma força relativamente maior do que a nossa.” (230) Uma vez mais ele utiliza uma analogia comercial. “Somente o lucro direto obtido no processo de destruição mútua pode ser considerado como tendo sido o propósito. Esse lucro é absoluto: permanece fixo durante toda a folha 38
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do balanço da campanha e, no fim, se revelará sempre como um ganho verdadeiro.” Mas a destruição que importava, enfatizava ele, não era a física, mas sim a moral - a destruição da capacidade de resistir do inimigo, a “morte da sua coragem, em vez dos seus homens.” Somente após haver sido despedaçado o moral do inimigo é que a balança penderia e tornar-se-ia possível infligir ao inimigo perdas maiores do que as sofridas por nós” As perdas sofridas durante uma batalha consistiam principalmente nos mortos e nos feridos e, normalmente, eram razoavelmente compartilhadas igualmente entre os dois lados. Após a batalha, consistiam na tomada de canhões e de prisioneiros e “é por isto que os canhões e os prisioneiros têm sido sempre considerados os verdadeiros troféus da vitória. São também a medida dessa vitória, porque são provas tangíveis da sua dimensão”. (232) Isto era válido para todos os engajamentos, grandes ou pequenos, mas o efeito proporcionalmente maior sobre o moral inimigo causado pelas perdas sofridas num engajamento de vulto era evidente por si mesmo. Na realidade, se a destruição da principal força do inimigo era o propósito do estrategista, fosse ela simplesmente, como assinalou Clausewitz, “a melhor maneira de começar”, ou um propósito “que levasse diretamente à paz” (596, 143), isto seria então obtido melhor numa única e concentrada grande batalha, num conflito que Clausewitz caracterizava pelo horripilante nome “die Schalacht ”, uma palavra que em alemão significa também “carnificina”. Ao Schalacht e ao que vinha após ele, a perseguição do exército derrotado, Clausewitz dedicou cinco capítulos seguidos. Neste tipo de embate progressivo, como descreveu ele, todos os engajamentos individuais se fundiam e eram travados sob o comando pessoal do próprio Comandante.em-Chefe. Era uma guerra concentrada, uma lente amplificadora dos raios luminosos concentrando todo o seu potencial destruidor sobre um único ponto no tempo e no espaço. Diferentemente dos outros, os engajamentos secundários, não eram um meio para atingir um fim posterior, eram o fim propriamente dito e continham neles o seu próprio propósito. Em sua descrição de uma batalha destas, Clausewitz abandonou o seu tom de análise ponderada e desapaixonada e escreveu com uma paixão que não seria encontrada em nenhum outro lugar de sua obra. Isto é compreensível: o Schalacht foi a característica principal das guerras Napoleônicas e ele próprio havia sido envolvido em nada menos do que três delas - a catástrofe de Jena, a sangrenta retirada de Borodino e o vitorioso, mas arduamente combatido, clímax de La Belle Alliance, mais conhecido pelos britânicos como Waterloo. Esta era a guerra na sua máxima intensidade, algo que os antigos estrategistas convencionais (e os novos) nunca compreenderam e que Clausewitz estava determinado a insistir no assunto. Grande parte dos seus escritos é nitidamente autobiográfica, como nesta narração de um comandante admitindo o início de uma derrota: 39
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A perda de baterias inteiras, embora nenhuma delas tenha sido tomada pelo inimigo, o aniquilamento dos seus batalhões pela cavalaria inimiga, enquanto os batalhões do inimigo continuavam impenetráveis, o recuo involuntário da sua linha de fogo de um local para outro, os esforços inúteis para tomar determinadas posições que provocariam a dispersão das tropas de assalto pelos tiros de metralhadoras, uma redução da cadência de tiro dos canhões, ao contrário da cadência do inimigo, uma redução anormalmente rápida dos seus batalhões sob o fogo devido à retirada de grupos de homens em boas condições levando os feridos para a retaguarda, unidades isoladas e capturadas porque a linha de combate está rompida, indícios de que a linha de retirada esteja em perigo, tudo isto indica a um comandante para onde ele e a sua batalha estão indo. (250) Clausewitz é escrupulosamente justo ao nos lembrar que embora o Schalacht fosse um fator decisivo numa guerra, ou numa campanha, “não era necessariamente o único. Campanhas cujos resultados foram determinados por uma única batalha só têm sido razoavelmente comuns recentemente, e aqueles casos em que elas determinaram o resultado de toda a guerra constituem raríssimas exceções.” Apesar disto, a ênfase dada ao Schalacht , o espaço dedicado a ele e a qualidade emotiva do trabalho, tudo sugere que ele via uma campanha que culminasse em tal embate como algo moralmente superior a um que não culminasse, que a vitória sem derramamento de sangue era apenas para os eunucos. Não estamos interessados em Generais que conquistam vitórias sem derramamento de sangue. O fato de que a carnificina é um espetáculo horripilante faz com que levemos a guerra a sério, mas não fornece uma desculpa para que as nossas espadas percam gradualmente o seu fio em nome da humanidade. Mais cedo ou mais tarde aparecerá alguém com uma espada afiada e cortará os nossos braços. (260) Na estrutura de todo o seu raciocínio, e contra os antecedentes de uma doutrina estratégica oposta que havia trazido a desgraça ao seu país, a argumentação de Clausewitz é tão impecável quanto é compreensível a sua paixão. Retirada do seu contexto, esses trechos dão uma terrível impressão dos ensinamentos de Clausewitz, mas ninguém que tenha passado pelas guerras Napoleônicas poderia ser contrário à sua afirmativa de que “a característica da batalha é a carnificina e que o seu preço é o 40
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sangue.” (259) Ele estava determinado a não deixar que os seus leitores jamais perdessem de vista a terrível realidade que está no centro dos tratados corteses, abstratos ou técnicos a partir dos quais todos os analistas estratégicos antes dele, e muitos desde então, trataram o tema da guerra. Este não foi o último dos serviços prestados por ele aos soldados e também aos civis.
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Guerra limitada e guerra absoluta
4 Guerra limitada e guerra absoluta A diferença que Clausewitz estabeleceu entre a guerra “limitada” e a “absoluta” (ou “total”), e que os pensadores políticos e estratégicos do Século XX acharam tão importante, não surgiu em decorrência de qualquer pensamento extenso e profundo. Tinha ele, como já vimos, somente 24 anos quando afirmou pela primeira vez que as guerras poderiam ser de dois tipos, as travadas para a eliminação da independência política do oponente (seine Staatenexistenz aufzuheben) e as travadas para obter termos de paz favoráveis. Não existe qualquer indício de que ele, ou qualquer outro naquela época, tenha dito qualquer coisa notável sobre a idéia. Mas numa observação escrita em 1827, 23 anos mais tarde, quando já estava trabalhando em Da Guerra há uma dúzia de anos e havia minutado três quartos do livro, Clausewitz escreveu que para ele não era necessário voltar a estudar tudo novamente para “apresentar com maior clareza em todos os aspectos os dois tipos de guerra.” (69) Assim, embora a diferença existente entre os dois tipos devesse ter estado sempre em sua mente, como na de qualquer pessoa que houvesse experimentado tanto as guerras do Século XVIII como as de Bonaparte, a importância fundamental dessa dicotomia para a sua teoria só lhe ocorreu quando estava escrevendo. Para ser preciso, parece ter-lhe ocorrido na metade do sexto livro de Da Guerra, aquele sobre a Defesa, quando percebeu que aí, mais do que em qualquer outro lugar, o Comandante precisava saber se estava travando “o tipo de guerra que era totalmente regida e impregnada pela ânsia de uma decisão”, ou uma parecida com uma “guerra de observação.” (488 a 489) Veremos mais adiante neste capítulo porque essa diferença era especialmente importante ao planejar uma campanha. Clausewitz a considerava necessária, não só para que o seu leitor percebesse que havia dois tipos de guerras, mas para que entendesse exatamente porque deveria ser assim. Na realidade, ele fornecia três explicações diferentes: uma histórica ou sociológica, uma metafísica e uma empírica. Cada uma delas se encontra numa seção diferente de Da Guerra e é apresentada como se tivesse uma pequena relação com as outras duas. Elas não eram, na realidade, totalmente compatíveis mutuamente. Historicamente, assinalava Clausewitz, todas as guerras foram produtos das sociedades que as travaram. Como todas as outras instituições, a guerra era moldada pelas idéias, emoções e condições predominantes no momento. Ele explicou como isto havia afetado a evolução das guerras, no que deve ter sido uma das primeiras pesquisas sobre a sociologia da guerra , desde os tempos primitivos até a sua própria época. Havendo explicado como as guerras eram geradas e apoiadas pelas hordas Tártaras, pelas repúblicas da antigüidade, pelo Império Romano, pelas autoridades políticas da Idade Média e 42
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pelos condottieri do início do período moderno, ele se concentrou no desenvolvimento dos estados soberanos da Europa do Século XVIII. Naquela altura, revelou ele, os monarcas haviam obtido tal controle político e econômico sobre as pessoas que governavam, que foram capazes de criar máquinas de guerra distintas e separadas do resto da sociedade, exércitos regulares dotados das suas próprias fontes de financiamento e de abastecimento, que os monarcas controlavam de maneira tão absoluta que eram capazes de se comportar como “se eles próprios fossem o Estado.” Mas esses recursos eram finitos. Os seus meios de travar guerras consistiam no dinheiro existente em seus cofres e naqueles vagabundos ociosos em quem podiam botar as suas mãos, no seu país ou no exterior. . . Se o exército estivesse se desintegrando, não podiam formar outro e, por trás do exército, não havia nada. Isto impunha a maior prudência em todas as operações . . . Os Exércitos, com suas fortificações e locais preparados vieram a constituir um estado dentro do estado, no qual a violência desapareceu gradualmente. (589 a 590) A evolução de práticas sociais civilizadas e de um sistema político tão intimamente integrado que “nenhum canhão poderia ser disparado na Europa sem que todos os governos sentissem que os seus interesses estavam sendo afetados”, impuseram ainda mais limitações, tanto aos meios de conduzir a guerra como aos propósitos pelo qual ela era travada. Mas a Revolução Francesa mudou tudo. “Subitamente, a guerra tornou-se novamente a atividade do povo - um povo de trinta milhões, todos se considerando cidadãos.” (592) A guerra, livre de qualquer restrição convencional, irrompeu com toda a sua poderosa fúria. Isto foi devido à nova participação do povo nesses importantes assuntos de estado e essa participação, por sua vez, resultou em parte do impacto causado pela Revolução nas condições internas de qualquer estado e em parte do perigo que a França representava para todos. (593) Se havia probabilidade dessa transformação ser permanente, Clausewitz foi cauteloso demais e talvez politicamente astuto demais para dizer. Ele alertou, entretanto, que “uma vez derrubadas as barreiras - que de certo modo consistem apenas no desconhecimento do homem sobre o que é possível - não são elas facilmente levantadas novamente.” O aspecto importante dessa teoria era que “cada era tem o seu próprio tipo de guerra, suas condições limitadoras e as suas predisposições peculiares.” Eram 43
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essas circunstâncias culturais que determinavam se a guerra seria total ou limitada e quais seriam os seus limites. Quando começou a rever Da Guerra, entretanto, Clausewitz adotou uma abordagem diferente. No primeiro capítulo do primeiro livro, que pode ter sido na realidade o último capítulo completo que ele escreveu e que foi certamente o único com o qual se declarou satisfeito, Clausewitz apresentou o conceito de “guerra absoluta”, não como algo culturalmente condicionado, mas como um ideal Platônico, do qual a maior parte das guerras era na realidade uma aproximação imperfeita. Era “ideal”, isto é, não no sentido de ser boa, mas de ser lógica e (no sentido Aristoteliano) de ser “natural.” Isto é, a natureza intrínseca da guerra era ser total. Era um “ato de força e não existe qualquer limite lógico para um ato de força.” (77) Clausewitz justificou esta afirmativa através do conceito do que ele denominou de “ação recíproca” e que hoje nós chamamos de “escalada.” O propósito da guerra é impor a sua vontade ao inimigo - é “um ato de força, para compelir o nosso inimigo a fazer a nossa vontade.” (75) Não podemos fazer isto a menos que destruamos o poder de resistir do inimigo, porque se não o deixarmos impotente, ele tentará, por sua vez, deixar-nos impotentes. Enquanto ele tiver alguma capacidade de resistência, portanto, estaremos logicamente obrigados, em nossa própria defesa, a tentar destruí-lo. Não existe um meio termo. O fato de que isto raramente ocorria na realidade, se é que ocorria, era devido, de acordo com Clausewitz, a uma série de fatores estranhos à guerra propriamente dita. A guerra nunca era uma atividade independente, consistindo num único ato decisivo, ou numa série de atos simultâneos, ocorrendo num vácuo político, não relacionados com os acontecimentos que levaram a ela, ou à situação que pretendia criar. As intenções dos beligerantes e o rumo da guerra eram determinados por situações tais como o ambiente internacional, o relacionamento existente entre as nações beligerantes antes da guerra, as características das forças armadas, o terreno no teatro de guerra e a maneira pela qual era vista a nova situação que se esperava que a guerra fosse criar. Essas situações, bem mais do que quaisquer exigências da lógica militar, determinavam como a guerra deveria ser travada. Clausewitz negava, na realidade, que a guerra pudesse ter a sua própria lógica. Poderia ter apenas, disse ele, a sua própria gramática. A guerra acontecia, insistia Clausewitz, devido a uma situação política. “A ocasião é sempre devida a algum propósito político”, escreveu ele: “A guerra é portanto um ato de política.” (607) A política era a inteligência inspiradora, a guerra apenas o instrumento. Mas mesmo isto era uma analogia enganosa. A guerra não poderia ser considerada como existindo em oposição à política, por mais 44
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subordinada a ela que pudesse ser. Ela era parte da política, um estilo de política, uma continuação das relações políticas (Verkehr ) com o acréscimo de outros meios. Empregamos deliberadamente a frase “com o acréscimo de outros meios” porque queremos também deixar claro que a guerra por si só não interrompe as relações políticas, nem as transforma em algo inteiramente diferente. . . As principais linhas ao longo das quais evoluem os acontecimentos militares, e às quais estão restritos, são linhas políticas que prosseguem durante toda a guerra e na paz que se segue a ela. . . A guerra não pode ser separada da vida política e, sempre que isto ocorre em nossas reflexões sobre a guerra, os diversos elos que ligam os dois elementos são destruídos e ficamos apenas com algo inútil e destituído de sentido. (605) Esta afirmativa nos afastou muito do simples conceito “dos dois tipos de guerra”. Supondo que as considerações de natureza política sejam primordiais e sabendo que as exigências da política podem ser quase que infinitamente diversas, a guerra certamente pode ser de qualquer tipo, não apenas de dois. Ela pode ser, como afirmou Clausewitz, “uma terrível espada de combate que se maneja com as duas mãos”, capaz de resolver problemas com um único golpe, ou “um inofensivo florete, somente adequado para estocadas, fintas e defesas.” (606) Mas pode ser também qualquer coisa entre os dois. As implicações desta possibilidade de gradação, em oposição à nítida diferença entre duas categorias, Clausewitz não viveu para analisar. Ele nunca refletiu sobre o território que se estende entre os seus dois “modelos”. Mas uma coisa ele considerava muito importante, uma coisa que estava vivamente presente na mente de qualquer sobrevivente da campanha de Jena, que são necessários dois para travar uma guerra limitada. Se o seu oponente estiver disposto a se esforçar ao máximo para atingir o seu propósito, você não tem outra escolha a não ser fazer o mesmo. A escalada lógica para uma “guerra absoluta” teria então que ser aceita. Por esta razão, insistia ele, o estrategista deve ter sempre claramente em mente o ideal de guerra absoluta. Você tem que se aproximar da forma ideal, “quando puder e quando for obrigado.” (581) De acordo com essa afirmativa, então, a natureza das guerras era determinada, não tanto pelas circunstâncias culturais, mas pelas decisões racionais dos líderes políticos que criam as guerras. Mas Clausewitz apresentou uma terceira explicação para a natureza limitada da maioria das guerras, esta intrínseca à condução da própria guerra. Clausewitz era nitidamente fascinado por um paradoxo existente na condução das guerras ao qual ele voltava repetidamente - algo que ele denominou “a suspensão da ação.” Pode-se esperar, em 45
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princípio, achar que a guerra era uma questão de realizar uma atividade contínua, violenta e mutuamente mortífera. Na prática, os exércitos, mesmo no auge de uma campanha, passam muitas vezes a maior parte do seu tempo sentados, sem fazer nada. Foi uma dessas percepções da realidade da vida militar que fez de Clausewitz um analista militar sem rivais, porque, na realidade, é essa inatividade tediosa, quase tanto quanto o fator “fricção”, que distingue a realidade da guerra dos modelos simples do teórico em estratégia. A guerra, como tem sido muito bem dito, consiste em nove partes de tédio e uma de medo. A explicação desse fenômeno, dada por Clausewitz, estava inicialmente ligada à sua análise da interação existente entre o ataque e a defesa. Raramente, assinalava ele, os dois lados possuem simultaneamente
fortes incentivos para tomar a iniciativa. (Uma das poucas ocasiões em que isto
aconteceu foi na deflagração da Grande Guerra, em 1914, quando todos os principais beligerantes lançaram operações ofensivas.) Por mais ofensivas que possam ser as intenções dos dois beligerantes, não é provável que ambos escolham o mesmo momento para atacar. Um dos lados pode querer esperar até que tenha aumentado a sua força e, deste modo, fica temporariamente na defensiva. Essa atitude defensiva, por sua vez, pode parecer tão temível a ponto de dissuadir o seu oponente de atacar, de modo que ele também decida aguardar um momento melhor. Em decorrência disto, pode não acontecer muita coisa por um tempo bastante longo. Sendo a natureza humana como é, prosseguia Clausewitz, era isto o que ocorria com maior freqüência. As informações sobre o inimigo eram incertas e costumamos superestimar a força do oponente, em vez de subestimá-la. “O medo e a indecisão naturais da mente humana” oprimiam assim a todos, constituindo uma espécie de “força da gravidade moral . . . No clima flamejante da guerra, as pessoas comuns tendem a se movimentar mais desajeitadamente. É necessário portanto que haja estímulos mais fortes e mais freqüentes para assegurar que seja mantido o ímpeto. (217) Por mais extraordinário e “absoluto” que possa ser o propósito da guerra, não poderá por si só superar esse “desajeitamento.” “A menos que esteja no comando uma pessoa com um espírito empreendedor e marcial”, prosseguia Clausewitz, “uma pessoa que se sinta tão à vontade na guerra como um peixe na água . . . a inatividade será a regra e o avanço a exceção.” Se não houvesse esse “espírito marcial” para fornecer o ímpeto, se não houvesse qualquer pressão popular e nenhum grande propósito em vista, uma campanha provavelmente progrediria cada vez mais lentamente. A guerra se tornaria “algo desanimado”, (218) como foi no Século XVIII e passaria a se parecer a nada menos que um Spiel, um jogo de azar. Vimos como o fator casualidade e 46
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sorte deram a sua contribuição a todas as guerras, mas sem uma motivação política ou popular, e na falta de um comandante audacioso, a guerra se parecia não tanto a um jogo de grandes interesses, mas a uma “disputa por dinheiro miúdo”. Era quando isto ocorria que as pequenas habilidades dos generais do período rococó, suas fintas, manobras e emboscadas, adquiriam uma importância exagerada e acreditava-se erroneamente - e desastrosamente - que constituíam toda a arte da guerra. De acordo com esta explicação, mesmo se a natureza da guerra fosse em tese algo absoluto, a natureza dos homens que as travavam a refreava e a deixava aquém do seu “ Vollkommenheit”, a sua “perfeição”. Talvez a guerra devesse ser limitada ou, pelo menos, determinada pelo seu propósito político, mas certamente seria limitada ou, pelo menos, refreada pela fraqueza humana e pelo fator intrínseco de “fricção”. Para atingir os propósitos, mesmo de uma guerra limitada, seria preciso fazer um esforço acima do normal - para tomar o modelo de “guerra absoluta” como a sua meta. Assim, embora a realização de uma “guerra absoluta” fosse apenas uma, e talvez a menos comum, das exigências que os políticos provavelmente fizessem aos militares, o comandante militar não podia perdê-la de vista como um ideal, se quisesse travar eficazmente até mesmo as guerras limitadas da política, “para se aproximar dela quando pudesse e quando devesse.” (581) Com isto, podemos pensar que surge o corolário, como Bismarck viria a descobrir uma geração mais tarde, de que o político precisava ficar atento ao soldado, para que este não ultrapassasse os limites e transformasse uma guerra limitada numa guerra absoluta. Mas este foi um aspecto da questão que Clausewitz deixou de considerar. Observamos que Clausewitz começou a perceber a total importância desta distinção entre os dois tipos de guerra, não quando estava escrevendo um dos seus capítulos mais analíticos, mas no meio de uma seção muito extensa, cheia de detalhadas informações topográficas e táticas, que ele dedicou à defesa. É um livro que os editores das versões resumidas de Clausewitz muitas vezes, e compreensivelmente, preferiram omitir, mas ao fazer isto privaram os seus leitores de grande parte da essência do seu pensamento. Em especial os elementos prescritivos da sua obra, as propostas específicas para a condução de uma campanha, que ele formula no seu último livro “Sobre os Planos de Guerra”, só podem ser compreendidos à luz dos princípios que ele estabeleceu meditando sobre a defesa. Algo que ele fez de uma maneira tão abrangente que deixou-lhe muito pouca coisa a acrescentar na seção seguinte, “Do Ataque”. Clausewitz começou fazendo duas observações sobre a defesa. A primeira é que, embora o seu propósito fosse negativo, era uma forma de guerra mais vigorosa do que o ataque. Era mais fácil 47
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manter o domínio de um terreno do que conquistá-lo, era mais fácil manter do que adquirir. Uma força mais fraca, a não ser que estivesse desesperada, não atacaria uma mais forte, permaneceria na defensiva e compensaria a sua fraqueza aumentando ao máximo as vantagens da posição defensiva. Beati sunt possidentes, disse Clausewitz; abençoados aqueles que têm a posse, assim na guerra como na lei.
Mas a defesa não poderia ser puramente passiva. A segunda observação feita por Clausewitz foi que a defesa consistia basicamente em duas fases: esperar por um golpe e rechaçá-lo ( Abwehr ). Essa última ação, esse contragolpe contra o atacante, era intrínseco a todo o conceito de defesa. Um exército assumia posições defensivas para combater a partir delas. Ele as escolhia para aumentar ao máximo a sua eficácia combatente, não menos que a do seu poder de fogo. Uma defesa era um escudo protetor, disse Clausewitz, mas um escudo ativo, um escudo “feito de golpes bem desferidos.” (357) Você não fica simplesmente sentado por trás das suas defesas e deixa o atacante esmagá-lo. Você atira de volta. Na realidade, de um modo geral era o defensor quem dava o primeiro tiro em qualquer guerra. Como observou Clausewitz, num trecho que recebeu a sarcástica aprovação de Lenin: O agressor é sempre um amante da paz (como Bonaparte sempre afirmou ser). Ele preferiria tomar o nosso país sem encontrar qualquer oposição. Para impedir que ele faça isto, deve-se estar disposto a travar uma guerra e estar preparado para ela. Em outras palavras, é o fraco quem provavelmente precisa mais da defesa, quem deve estar sempre armado para não ser esmagado. (370) Uma estratégia defensiva consistia em encontrar o equilíbrio certo entre esses dois elementos, esperar e rechaçar, em escolher o momento e o local certos para desembainhar aquela “espada flamejante da vingança”, que Clausewitz descreveu como “o melhor momento para o defensor.” Havia toda uma gama de possibilidades abertas, desde um contra-ataque imediato, desferido no momento em que o inimigo cruzasse a fronteira - um mínimo de espera e uma reação imediata - até uma longa retirada para o interior do país, como as que os russos realizaram em 1812 e, novamente, em 1941 e 1942, retardando até o último momento possível antes de lançar o seu contra-ataque. Tudo dependia, disse Clausewitz, de saber se queríamos acima de tudo destruir o inimigo com as nossas próprias forças, ou através do “seu próprio esforço.” (384) Nesta última estratégia de resposta retardada, Clausewitz supunha que a vantagem estava com o defensor, que estava recuando ao longo da sua linha de suprimentos, cercado por uma população amistosa, ao contrário do seu atacante, cujos problemas de abastecimento tornavam-se maiores, suas 48
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forças ficavam mais fracas e o ambiente mais hostil, à medida em que avançava. No final, a balança de vantagens penderia quando o atacante houvesse chegado ao seu ponto mais baixo de fraqueza e o defensor houvesse reunido a sua melhor força. Clausewitz chamava esse ponto de “ponto culminante”, quando seria desembainhada a espada flamejante da vingança e lançado o contra-ataque. A maestria do estrategista residia em perceber quando havia chegado o momento certo. Pode-se contestar que ao fazer esta análise Clausewitz se permitiu ser indevidamente influenciado pela campanha de 1812. Afinal de contas, ao longo da sua vida houve diversas campanhas, como as de 1805 e 1806, em que o exército que avançava não ficou enfraquecido pelo seu avanço, mas extraiu dele um estímulo moral, enquanto que as forças em retirada foram se desmoralizando cada vez mais à medida em que abandonavam o seu território para o inimigo e quando os atacantes conseguiram resolver os seus problemas de abastecimento às custas do adversário. Houve também alguns países da Europa cujos defensores conseguiram se retirar bem para o interior sem abandonar o terreno ou as suas fontes vitais para o prosseguimento da guerra. Mas quando existe essa possibilidade, ela certamente pode ser utilizada de maneira muito eficaz, como descobriram os sucessivos invasores da Rússia às custas das dificuldades enfrentadas. Mesmo no limitado teatro do norte da França em 1914, Joffre conseguiu deixar que os exércitos alemães se derrotassem em grande parte a si mesmos “pelos seus próprios esforços”, antes de desembainhar a sua “espada flamejante da vingança” no Marne. Em todo o caso, Clausewitz descreveu de que maneira a continuação da defesa através de uma retirada cuidadosamente planejada e combatida arduamente pode tornar disponível uma quantidade de recursos cada vez maior. Em primeiro lugar, considerando o sistema político existente na Europa e a preferência geral entre os seus governantes pela manutenção do equilíbrio de poder, os estados neutros provavelmente estabeleceriam o equilíbrio vindo em auxílio da vítima da agressão. Esta é mais uma avaliação otimista, cuja origem não se baseia totalmente nos registros históricos. Em segundo lugar, havia os recursos proporcionados pelo meio ambiente, os recursos naturais do terreno e os artificiais criados pelos engenheiros militares, todos os quais ele analisou com grande competência. Havia finalmente o apoio do próprio povo - o fator não levado em conta por nenhum estrategista antes de Clausewitz, nem pela maioria desde então. Clausewitz havia escrito, em algum outro lugar de Da Guerra, sobre a relação existente entre os exércitos regulares e as forças populares e sobre os fatores de força e de fraqueza dessas últimas. Era um assunto sobre o qual as experiências por ele vividas e as atividades que desempenhou, 49
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principalmente durante o inverno de 1812 para 1813, quando estava organizando a resistência popular na Prússia Oriental, o qualificavam de uma maneira especial para falar. Na seção sobre a Defesa, Clausewitz incluiu um capítulo tratando especificamente das guerras de guerrilha, “O Povo em Armas”. Era um assunto sobre o qual, admitia ele, havia muito poucas informações: “até agora, este tipo de guerra não é muito comum [e] aqueles que conseguiram observá-la por qualquer período de tempo nada informaram sobre ela.” (483) Era também uma questão controvertida, tanto entre os militares que afirmavam ser ela um desperdício de recursos, como de uma maneira mais generalizada entre aqueles que viam numa revolta popular “um estado de anarquia legalizada, que é uma ameaça, tanto para a ordem social do país em que ocorre como para o inimigo.” (479) Aos primeiros, Clausewitz salientava que os recursos utilizados na guerra de guerrilha provavelmente não estariam disponíveis para qualquer outro propósito. Quanto aos últimos, ele os lembrava que as revoltas populares tinham que ser vistas como sendo parte da erosão geral das barreiras convencionais, “uma extensão e uma intensificação do processo de fermentação conhecido como guerra, que era tão característico da época. Como outras novas formas de guerra, “qualquer nação que a utilize inteligentemente obterá, como regra geral, alguma superioridade sobre aquela que despreza a sua utilização.” Se for assim, só resta saber se a humanidade em geral será beneficiada por mais esta expansão do elemento da guerra, uma indagação para a qual a resposta deveria ser a mesma a ser dada para a questão da guerra propriamente dita. Devemos deixar as duas para os filósofos. As questões que Clausewitz levantou aqui têm sido acaloradamente debatidas até os dias de hoje. Mas Clausewitz, diferentemente de alguns teóricos mais recentes, nunca considerou a guerrilha isoladamente. Para ele, era mais um recurso no espectro das possibilidades de defesa e só poderia ser considerada de uma maneira realista “dentro da estrutura de uma guerra travada pelo exército regular e coordenada por um plano que abrangesse tudo.” (480) Um plano desses poderia prever uma revolta popular, fosse como uma atividade auxiliar antes de uma batalha decisiva, ou como um último recurso após uma derrota. Em ambos os casos, afirmava Clausewitz, nunca se deve hesitar em fazer uso dela. Um governo nunca deve partir do princípio de que o destino do seu país, toda a sua existência, depende de uma única batalha, não importa quão decisiva seja ela. . . Não importa quão pequeno e fraco possa ser um estado em comparação com o seu inimigo, não deve ele deixar de realizar 50
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esse último esforço, ou concluiríamos que o seu espírito está morto. . . Esse último esforço é ainda mais desejável quando pode ser esperada uma ajuda de outros estados que tenham interesse em nossa sobrevivência. Um governo que após haver perdido uma importante batalha só esteja interessado em deixar que o seu povo volte a dormir o mas cedo possível e, acabrunhado pelo sentimento de fracasso e de frustração, não tenha a coragem nem o desejo de realizar um último esforço está, devido à sua fraqueza, de qualquer maneira envolvido numa grande contradição. Ele mostra que não merece vencer e, possivelmente por essa mesma razão, não tenha sido capaz de fazê-lo. (483) Este trecho, que condensa grande parte dos seus escritos políticos, ajuda a explicar porque Clausewitz era impopular entre os conselheiros cautelosos e conservadores de Frederick William III. Mas o que ocorreria se o inimigo não estivesse preocupado em destruir o seu Estado mas, pelo contrário, tivesse o tipo de propósito limitado tão comum no Século XVIII - a ocupação de algumas províncias da fronteira para anexá-las ou para utilizá-las como reféns nas negociações de paz? O que ocorreria se o seu ataque fosse uma operação secundária, realizada em apoio a uma investida mais decisiva em outro lugar? O que ocorreria se ele atacasse sem entusiasmo, a mando de uma grande nação aliada de quem, com habilidade, pudesse se desvincular? Isto envolveria um tipo muito diferente de estratégia defensiva. Uma retirada para o interior, o enfraquecimento das defesas fronteiriças de modo a concentrar as forças para uma grande e decisiva batalha tornar-se-ia então um plano bastante apropriado. A estratégia correta seria então manter o domínio da maior quantidade possível do território, pelo maior tempo possível. Era portanto essencial que ao fazer os seus planos o estrategista soubesse que tipo de guerra teria que travar. Seria uma guerra “mais ou menos aproximada a uma guerra de observação” ou, pelo contrário, uma guerra “totalmente regida e impregnada pela ânsia de uma decisão?” (488) Essa consideração global de natureza política deveria determinar desde o início os seus planos militares. Foi neste ponto, no Capítulo 28 do Livro VI de Da Guerra, que Clausewitz começou a tratar dos dois tipos de guerra, como representando problemas bastante distintos para o Comandante, algo que ele ainda não havia feito em lugar algum do seu trabalho, e que não tinha agora tempo para fazer adequadamente. No último livro (VIII), “Sobre os Planos de Guerra”, os dois tipos de guerra seriam cuidadosamente diferençados um do outro e os princípios estratégicos adequados a cada um deles seriam recomendados com algum detalhe. A primeira parte daquele livro foi tomada por aquela 51
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Guerra limitada e guerra absoluta
discussão circunspecta sobre a primazia do propósito político, a que já nos referimos, e pela qual Clausewitz é provavelmente mais conhecido. Foi somente quando a sua mente estava desanuviada sobre este ponto fundamental que Clausewitz começou a dar uma nova redação a toda a obra que ele não viveria para completar.
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O legado de Clausewitz
5 O legado de Clausewitz A modesta ambição de Clausewitz, de escrever um livro que “não fosse esquecido após dois ou três anos”, apresentou inicialmente poucas indicações de estar sendo realizada. A edição dos seus trabalhos, que a sua viúva publicou em 1832, no ano seguinte à sua morte, foi recebida com respeito, mas causou pouco impacto. Em 1867, um sumário da literatura militar na Europa fez o comentário reprovador de que Clausewitz era “muito conhecido mas pouco lido.” Da Guerra poderia ter sido uma curiosidade esquecida, se Helmuth von Moltke, o reconhecido arquiteto dos triunfos militares da Prússia sobre a Áustria e a França e, juntamente com Bismarck, o criador do Império Alemão Unificado em 1871, não tivesse revelado depois do seu triunfo que, fora a Bíblia e Homero, Clausewitz era o autor cuja obra mais o havia influenciado. Com a aprovação de Moltke, Clausewitz tornou-se instantaneamente um autor da moda. Em 1873, um jornal militar alemão, seguindo o exemplo vindo de cima, declarou que “Clausewitz havia merecido o seu lugar de maior autoridade em estudos militares no Exército Alemão.” As guerras de 1866 e de 1870, dizia o jornal, haviam revelado como “uma disciplina rigorosa, boas armas, táticas simples adequadas, boas formaturas para marchas, ferrovias, dispositivos práticos de abastecimento e de comunicações, determinavam tudo na guerra. Este conceito tão puramente artesanal, que está tão difundido no Exército e que produziu tantas transformações, é a conseqüência da engenhosa atividade destruidora de Clausewitz.” O que Clausewitz havia destruído era a estratégia formalista
das
manobras, que havia sido largamente ensinada nas escolas de Estado-Maior antes de 1870, tendo a sua predominância sido ajudada pela longevidade do influente Jomini, que só morreu aos 90 anos de idade, em 1869, e cujos livros didáticos bem elaborados haviam sido traduzidos para todos os principais idiomas europeus. Os ensinamentos de Jomini moldaram diretamente as doutrinas dos Exércitos francês, russo e americano e, através da influência que exerceram sobre Willisen na Prússia e sobre Hamley na Inglaterra, também uma grande parte do pensamento daqueles Exércitos. “Mas para Clausewitz, Jomini havia sido provavelmente o espírito orientador de Moltke”, escreveu uma autoridade mais recente, Rudolf von Caemmerer, com uma espécie de horror: [Ele] nos libertou de toda aquela artificialidade que se considerava tão importante na teoria da guerra e nos mostrou, afinal de contas, o que era realmente importante. Moltke havia sido aluno da Escola de Guerra no tempo de Clausewitz, mas não teve lá qualquer contato com ele e, de acordo com o seu biógrafo Eberhard Kessel, existem poucos indícios em seus 53
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O legado de Clausewitz
diários e cartas de que tenha estudado muito profundamente a sua obra. As idéias de Clausewitz sobre a importância das forças morais, a conveniência de buscar o inimigo e destruí-lo através do combate, a necessidade de flexibilidade, de autoconfiança e de concentração eram nitidamente um lugar comum no Exército Prussiano após 1815. Eram, na realidade, especialmente características dos jovens oficiais progressistas daquela época, com um pensamento mais liberal, em contraste com os conceitos estratégicos formalistas que lhes eram impostos pela hierarquia conservadora. Moltke só absorveu de Clausewitz e transmitiu aos seus próprios alunos aquelas idéias que coincidiam com as suas. A imagem de Clausewitz que foi transmitida ao Exército Alemão, e na realidade ao mundo na última metade do Século XIX, foi transmitida através de Moltke, quase tão totalmente quanto foi a imagem de Marx transmitida ao povo russo através de Lenin. Não era uma imagem imprecisa, mas era destorcida e bastante incompleta. Os escritos de Moltke repetem Clausewitz a ponto de constituir um plágio. A vitória através do emprego da força armada é um fator decisivo na guerra. Somente a vitória acaba com a determinação do inimigo e o obriga a submeter-se à nossa vontade. Não é a ocupação de uma fatia do território ou a tomada de uma fortificação, mas a destruição das forças inimigas que irá decidir o resultado da guerra. Essa destruição constitui assim o principal propósito das operações. É um erro acreditar que é possível elaborar um plano de campanha e seguí-lo ponto a ponto, do início ao fim. O primeiro choque com o principal inimigo criará . . . uma situação inteiramente nova. Avaliar precisamente as mudanças na situação causadas pelos acontecimentos, tomar as medidas desejadas num período de tempo relativamente curto e executá-las com toda a firmeza desejável, é tudo que o Estado-Maior Geral pode fazer. Dificilmente a doutrina estratégica vai além dos primeiros princípios do bom senso. . . O seu valor reside quase que totalmente na sua concreta utilização. Na guerra, o que se faz é menos importante do que como se faz. Uma forte determinação e perseverança para levar a cabo uma idéia simples são o caminho mais seguro para se atingir o propósito desejado. Essas idéias foram difundidas nas duas décadas posteriores a 1870 por toda uma geração de escritores estratégicos alemães, muitos dos quais haviam servido no Estado-Maior de Moltke. “Tentar transformar a estratégia num sistema científico predeterminado seria não compreender a sua natureza”, 54
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escreveu um dos mais eminentes desses escritores, Verdy du Vernois, “. . . Precisão na concepção de um plano e energia na sua execução são os timoneiros mais capazes para nos conduzir através de todos os arrecifes.” Essa simplicidade no planejamento e essa energia na
execução teriam que ser
complementadas por uma presteza para assumir a responsabilidade, em todos os níveis. “Todos”, escreveu Verdy, “devem ter a convicção de que é melhor avançar sob a sua própria responsabilidade do que permanecer inativo, aguardando ordens.” Todas estas idéias levaram Verdy e a sua geração à conclusão de que “as virtudes militares estão mais enraizadas no caráter do que no conhecimento”; uma afirmativa perfeitamente digna de Clausewitz e que os militares de carreira têm repetido em altas vozes desde então. Esta foi uma seleção de idéias Clausewitzianas que dominaram o Exército Alemão no início do Século XX. Os franceses levaram um pouco mais de tempo para descobrir as virtudes do principal mentor do seu inimigo, mas em 1900 havia no Exército Francês o que foi descrito como sendo “uma verdadeira paixão [engouement ] por Clausewitz.” Havia aqueles que afirmavam que Clausewitz estava apenas expressando, com a sua típica obscuridade teutônica, o que Napoleão havia afirmado com uma clareza e um vigor muito maiores, mas toda a ênfase atribuída às “forças morais” se ajustavam perfeitamente, não apenas às tradições do próprio Exército Francês, anterior à Revolução e recentemente reforçado pela sua experiência na guerra colonial, mas também à filosofia do élan vital que estava se tornando moda devido ao filósofo Henri Bergson (1859 - 1941). O discípulo mais influente de Clausewitz na França foi o futuro Marechal Ferdinand Foch, cujo Princípios de Guerra, publicado em 1903, continha praticamente um resumo (nem sempre reconhecido) das idéias de Clausewitz. A derrota, afirmava ele naquele livro, “é na realidade um resultado puramente moral, o resultado de um sentimento de desânimo, forjado na alma do conquistado pelo emprego conjunto dos fatores morais e materiais simultaneamente utilizados pelo vitorioso.” Não era um mau diagnóstico, como seria confirmado pelos acontecimentos de Setembro de 1914, quando o General Joffre, apesar de haver sofrido derrotas na fronteira que fizeram com que as batalhas de 1870 parecessem pequenas escaramuças, manteve o sangue frio, recusou-se a entrar em pânico e contra-atacou no Marne, algo que o seu sucessor em 1940, o General Gamelin, reconhecidamente deixou de fazer. Mas as derrotas iniciais de Joffre haviam sido devidas a ofensivas imprudentes e prematuras e, ao lançar aquelas ofensivas, ele estava apenas fazendo a mesma coisa que todos os outros generais da Europa. Como conciliavam os discípulos de Clausewitz a sua admiração pelos seus ensinamentos com o seu desconhecimento da sua doutrina explícita de que a defesa era a forma mais vigorosa de guerra 55
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uma doutrina que a evolução das armas de fogo, ocorrida desde a morte de Clausewitz, havia reforçado tão intensamente? O próprio Moltke havia levado seriamente isto em consideração, mesmo na década de 1860, elaborando uma doutrina de “ofensiva estratégica e defensiva tática”, para permitir que a sua infantaria pudesse aproveitar ao máximo as vantagens dos seus novos fuzis de carregamento pela culatra. Quarenta anos depois, quando os fuzis não só haviam triplicado o seu alcance, precisão e cadência de tiro, mas haviam sido reforçados pelas metralhadoras, Foch encontrou argumentos em outras páginas de Da Guerra para justificar a sua crença na superioridade da ofensiva. Atacar, mas atacar em quantidade, em massa: aí está a salvação. Porque a quantidade, desde que saibamos como utilizá-la, nos permitirá, através da superioridade física colocada à nossa disposição, levar a melhor contra o violento fogo inimigo. Possuindo mais canhões, silenciaremos os dele. O mesmo acontece com os fuzis e com as baionetas, se soubermos como utilizar todos eles. Em resumo, a melhor estratégia era ser muito forte, primeiro de um modo geral e, em seguida, no ponto decisivo. Os ensinamentos de Clausewitz sobre a primazia da defensiva eram vistos pelos estrategistas anteriores a 1914 como um empecilho a ser ignorado ou explicado satisfatoriamente. O seu biógrafo, von Caemmerer, escreveu em 1905, sobre a sua definição de defesa como sendo “a forma mais vigorosa com o propósito negativo”, que a oposição mais ou menos intensa a esta frase jamais cessa.” O mais lido de todos os escritores estratégicos alemães, Colmar von der Goltz, afirmou em seu livro mais popular, A Nação em Armas (1883), que se Clausewitz tivesse vivido para rever o seu texto, teria mudado de idéia sobre este ponto, uma vez que era incompatível com os seus ensinamentos sobre a destruição do inimigo. “Aquele que fica na defensiva não trava a guerra, resiste a ela”, afirmava von der Goltz” . . . Feliz é o soldado a quem o destino reserva o papel de atacante!” Os estrategistas anteriores a 1914 estavam, na realidade, cada vez mais hipnotizados pela idéia Clausewitziana e Napoleônica Vernichtungsschlacht
da batalha decisiva para o aniquilamento do inimigo, aquele
ao qual Clausewitz dedicou tantas páginas. Assim, não só os ensinamentos de
Clausewitz sobre a primazia da defensiva foram abandonados, como também a idéia, ainda mais importante para a sua teoria, dos dois tipos de guerra. Qualquer possibilidade de que a guerra na Europa pudesse ser algo diferente de total, havia sido descartada em 1900. Von der Goltz expressou uma visão geral existente entre os seus conterrâneos, quando escreveu: 56
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Se duas nações européias de primeira ordem entrarem em conflito, todas as suas forças organizadas serão postas imediatamente em ação para decidir a contenda. Todas as considerações de ordem política, frutos da falta de entusiasmo das guerras de alianças, cairão por terra . . . Toda a energia moral será reunida para uma luta de vida ou morte, toda a soma de inteligência existente nos dois povos será empregada para a sua mútua destruição. Voltando a Foch, podemos ver que esta não era uma visão puramente alemã: Daqui para a frente, você tem que ir aos limites extremos para encontrar o propósito da guerra. Como o lado vencido nunca reconhece a derrota antes de ter sido privado de todos os meios de reação, o que você deve ter em mente é a destruição daqueles meios. Mas se daqui para a frente a guerra tinha que ser total, o que seria do dogma de Clausewitz de que ela era apenas um instrumento da política e que a liderança militar deveria seguir as determinações dos seus líderes políticos? Este era um aspecto dos ensinamentos de Clausewitz fundamental demais para ser ignorado e a rivalidade existente entre Moltke e Bismarck sobre a direção da estratégia em 1870 forneceu um exemplo famoso dos problemas que ele criou. Goltz não o ignorou, mas encontrou uma solução original: A guerra é sempre a serva da política. . . sem uma boa política, o êxito na guerra é improvável. A guerra não terá de maneira alguma a sua importância reduzida por este motivo. . . se ao menos o Comandante-em-Chefe e os principais políticos estiverem de acordo de que, em qualquer circunstância, a guerra serve melhor aos fins da política através de uma derrota completa do inimigo.
Isto deixa poucas escolhas aos políticos. A mesma opinião estava sendo expressa 30 anos mais tarde além do Reno pelo historiador militar francês Jean Colin, cujo livro As Transformações da Guerra foi publicado em 1911:
As condições mútuas da guerra moderna não admitem mais que seja evitada a decisão radical através do combate. Os dois exércitos, ocupando toda a área do teatro de operações, marcham um em direção ao outro e não há outra saída a não ser a vitória. Assim, as indicações que um governo 57
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deveria dar a um General com relação ao propósito político ficam reduzidas a muito pouca coisa. Tendo sido decidido recorrer à guerra, é absolutamente necessário que um General seja deixado livre para conduzí-la a seu critério, sujeito a ver-se destituído do seu comando se utilizar esse critério com pouca energia e competência. Todas estas profecias se tornariam realidade. As condições sociais e materiais da Europa no início do Século XX haviam, na realidade, gerado forças armadas que simplesmente não poderiam travar “guerras limitadas”. Mesmo se as atividades desses exércitos tivessem sido suscetíveis ao tipo de sintonia fina que Clausewitz tanto admirava em Frederico o Grande, “as paixões dos povos”, aquele terceiro elemento da “trindade paradoxal” de Clausewitz, teriam tornado isto impossível. A disseminação de idéias democráticas havia tornado as nações mais belicosas, e não menos, e tinha, como Clausewitz havia previsto, aumentado a quantidade de guerras que elas travaram, fazendo com que se aproximassem mais da sua idéia de “guerra absoluta”. Os críticos de Clausewitz, como Liddell Hart, condenariam a sua influência pela maneira destruidora pela qual foi conduzida a Primeira Guerra Mundial, principalmente na Frente Ocidental: pela falta de sagacidade no pensamento estratégico, pela determinação implacável dos líderes militares de atingir os seus propósitos a qualquer custo e pela sua aceitação quase prazerosa de pesadas baixas, não como uma indicação de competência militar, mas de força moral. Os defensores de Clausewitz poderiam retrucar que, tendo em vista as questões que estavam em jogo, a guerra só poderia ser resolvida exatamente pela “prova das forças morais e físicas, por meio dessas últimas” e, por maior que fosse a competência militar, os propósitos políticos - a preservação ou a destruição do Império Habsburgo, o estabelecimento de uma hegemonia alemã na Europa ou as medidas necessárias para impedir que isto ocorresse, a manutenção da supremacia marítima britânica e da integridade territorial da França - não poderiam ser alcançados de qualquer outra maneira mais fácil. Mas o próprio Clausewitz poderia ter nos lembrado daqueles trechos em que vincula a condução da guerra ao ambiente social existente, mostrando como toda era teve o seu próprio tipo de guerra, suas próprias condições limitadoras e suas próprias predisposições. . . Conclui-se, portanto, que os fatos ocorridos em todas as eras devem ser julgados à luz das suas próprias peculiaridades. Não podemos compreender a avaliar os comandantes do passado até que tenhamos nos colocado na situação existente em seu tempo. (593) 58
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A Primeira Guerra Mundial foi conduzida da maneira que foi, não porque as principais figuras militares haviam lido Clausewitz, mas porque o modo de conduzí-la foi determinado pela estrutura social e política da sua época. As recomendações de Clausewitz com relação à condução da guerra, certamente da maneira como foi interpretada através de Moltke e de seus discípulos, está, na realidade, sujeita a críticas legítimas, mas dificilmente pode-se encontrar falhas na sua análise descritiva. Este foi, evidentemente, o aspecto dos ensinamentos de Clausewitz que tanto impressionou a Marx e a Engels que, por suas vez, iriam influenciar tanto a Lenin como a Trotsky. A guerra era um instrumento da política e a política era o produto de determinados fatores sociais fundamentais que teriam que ser compreendidos antes que pudesse ser elaborada qualquer doutrina militar válida. Os dogmas do Marxismo-Leninismo, acreditava-se e acredita-se ainda, tornaram possível uma visão científica desses “fatores objetivos”. As freqüentes e lisonjeiras referências feitas a Clausewitz, que podem ser encontradas nos escritos de Lenin, foram feitas para tornar as suas idéias aceitáveis para os Marxistas-Leninistas, a despeito da sua formação burguesa e militarista, da mesma forma que a homenagem de Aquino a Aristóteles tornou aquele filósofo aceitável para a Igreja medieval. O novo Exército, reorganizado pela União Soviética após a Revolução e a Guerra Civil, tomou assim a doutrina de Clausewitz sobre a relação existente entre a guerra e a política como a base para o seu pensamento militar; e existem poucos livros didáticos militares publicados hoje que não contenham pelo menos uma ligeira referência a ela. No Ocidente após 1918, entretanto, este aspecto dos ensinamentos de Clausewitz era visto como sendo tão ameaçador quanto era desastrosa a sua doutrina estratégica. Para os liberais britânicos e americanos, a sua máxima muitas vezes citada e muitas vezes citada erroneamente “A guerra é a continuação da política por outros meios” era vista não como um fragmento de uma análise política séria, mas como um indício chocante do cinismo militar. Quanto à sua doutrina militar, ela foi condenada de uma maneira particularmente veemente por pensadores britânicos que acreditavam ter descoberto meios de conduzir a guerra mais eficazes e humanos do que os banhos de sangue aos quais a aceitação sem críticas dos ensinamentos de Clausewitz pelos teóricos continentais parecia ter levado. Mesmo antes de 1914, a ausência de qualquer consideração sobre a guerra marítima ou econômica na obra de Clausewitz havia sido notada e criticada na Grã-Bretanha. Logo após o início do século, entretanto, a crescente possibilidade de uma guerra contra a Alemanha deu início aos preparativos morais e materiais do Exército Britânico para a participação, pela primeira vez desde 1815, numa guerra em grande escala no continente. Um estudo realizado, tanto dos escritos franceses 59
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como alemães sobre a guerra continental, levou escritores militares como Spenser Wilkinson e F. N. Maude imediatamente de volta a Clausewitz. Da Guerra, que havia sido traduzido pela primeira vez em 1873, foi republicado em 1908, acompanhado de diversos comentários elogiosos. Em 1914, a liderança militar britânica não estava menos impregnada do que os seus contemporâneos continentais pela crença na supremacia das forças morais, pela necessidade de buscar o centro de gravidade do inimigo no seu Exército e derrotá-lo numa batalha decisiva a qualquer custo. Como os seus contemporâneos continentais, eles também acreditavam que a batalha, embora sangrenta, seria breve e quando os acontecimentos provaram que estavam errados, dedicaram-se à penosa caminhada estafante, que realizaram com toda a calma determinação que Clausewitz recomendara aos seus comandantes, ignorando os cantos das sereias daqueles que afirmavam que poderia haver um caminho menos doloroso para a vitória e que supunham ser ele possível “para um método especialmente engenhoso de infligir pequenos danos diretos às forças inimigas, para levá-las a uma grande destruição indireta.” (228) Pois era exatamente esta a ponderação feita pelos críticos da estratégia da Grã-Bretanha para a Frente Ocidental, tanto naquele momento como depois. Antes de 1914, o historiador naval Julian Corbett havia afirmado que os britânicos tinham desenvolvido ao longo dos séculos uma “estratégia marítima” que era bastante diferente da estratégia continental de Clausewitz. Essa estratégia consistia em empregar o poder naval, tanto para exercer uma pressão econômica direta sobre um adversário continental, como para realizar pequenas intervenções militares no continente, como havia feito Wellington na Península durante as Guerras Napoleônicas, e cujo efeito poderia ser totalmente desproporcional ao seu tamanho. Esta era a estratégia defendida antes da guerra pelas autoridades navais, contra a de uma intervenção continental imediata em grande escala, que era defendida pelo Exército. Foi rejeitada. Mas quando no fim da guerra de 1914, as batalhas travadas no Ocidente terminaram num impasse, ela foi revista e posta em prática com a campanha dos Dardanelos, que foi na realidade vista pelos seus autores como sendo “um método especialmente engenhoso de infligir pequenos danos diretos às forças inimigas, para [de modo a] levá-las a uma grande destruição indireta.” O fracasso tático nos Dardanelos torna impossível julgar se a estratégia “indireta” para a qual pretendia-se que ela colaborasse teria produzido os resultados esperados. De qualquer modo, o custo imposto pela volta a uma estratégia “continental” para o resto da guerra deixou uma impressão geral, que tornou-se mais intensa com o passar dos anos, de que deve haver uma maneira mais humana e 60
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econômica de se obter a vitória, uma impressão tornada permanente pelos ensinamentos do escritor B. H. Liddell Hart, cujos trabalho sobre A Estratégia da Aproximação Indireta e A Maneira Britânica de Ser, na Guerra
foram ambos amplamente lidos e exerceram uma grande influência na formulação da
política britânica na década de 1930. Assim, enquanto na União Soviética Clausewitz era elevado ao panteão estratégico e na Alemanha continuava sendo profundamente reverenciado (na realidade, para os Nazistas ele era quase idolatrado), na Grã-Bretanha os seus ensinamentos caíram num esquecimento do qual só recentemente começou a se recuperar. A grande inovação estratégica ocorrida nos anos entre as duas guerras mundiais foi a evolução do poder aéreo. Os teóricos que insistiram nessa evolução utilizaram os argumentos de Clausewitz, mas poucos mencionaram o seu nome. Eles começaram pelo seu conceito de “centro de gravidade”. A experiência da Primeira Guerra Mundial, argumentavam eles, havia mostrado que o centro de gravidade de uma nação beligerante não era mais encontrado em suas forças armadas. O fator vital era agora o moral da sua população civil. Havia sido a desintegração da Frente Nacional, não a derrota das suas forças armadas, que havia provocado o desmoronamento, primeiro da Rússia e, em seguida, das Potências Centrais. O poder aéreo tornava agora possível atacar diretamente esse centro de gravidade. Assim, era contra esse “ponto central de todo o poder e de todo o movimento, do qual tudo depende, que . . . todas as nossas energias deveriam ser direcionadas.” (596) A recusa das forças singulares mais antigas em aceitar esta afirmativa, e as controvérsias que provocaram, aumentaram a complexidade sem precedentes das decisões a serem tomadas pelos Aliados durante o desenrolar da Segunda Guerra Mundial. Este era um conflito que se prestava em todos os níveis a uma análise Clausewitziana. Em todos os lados, exceto no Japão, havia um total controle político das decisões estratégicas. Clausewitz teria aprovado os esforços realizados por Hitler nos primeiros anos no sentido de empregar as suas forças armadas como um instrumento da sua política, mas teria observado como a natureza ilimitada dos seus propósitos tornaram a guerra uma guerra total, muito além da sua capacidade de travá-la. Ele teria tecido comentários sobre a importância da opinião pública na formulação da estratégia aliada e poderia ter mostrado como a força dessa estratégia, uma vez despertada, tornou praticamente inevitável a política de “rendição incondicional” e muito difícil fazer qualquer reajuste na política do Ocidente para proteger os seus interesses contra a União Soviética, durante o último ano da guerra. Os governos democráticos estavam mal preparados para realizar a sintonia fina que caracterizara a época de Frederico o Grande. Ele teria observado com interesse os problemas com que se defrontaram os Aliados para determinar o “centro de gravidade” do 61
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inimigo e a decisão tomada pelo Alto Comando Americano em 1941, de que ele se encontrava, não no seu inimigo imediato, o Japão, mas no aliado mais forte daquele inimigo, a Alemanha. Acima de tudo, teria encontrado diversas justificativas para a sua afirmativa quanto à conveniência de ser muito forte; primeiro em todos os lugares e, em seguida, no ponto decisivo. Em última análise, era através do emprego de uma superioridade de força esmagadora que a guerra teria que ser ganha. O advento das armas nucleares não provocou de início qualquer transformação fundamental no pensamento estratégico. Durante a Segunda Guerra Mundial, o conflito existente entre os representantes do poder aéreo e os estrategistas mais tradicionais havia sido resolvido pelo emprego das forças de superfície para ocupar o território a partir do qual poderiam ser lançados os ataques aéreos contra a Alemanha e o Japão, com tal intensidade que no fim, não apenas a determinação, mas a própria capacidade de resistir daquelas nações havia sido despedaçada. Tanto o poder terrestre como o poder naval eram necessários para permitir que o poder aéreo operasse, e assim era nos primeiros anos da era nuclear. As armas nucleares americanas só poderiam ser lançadas contra a União Soviética de vulneráveis bombardeiros tripulados, cujas bases, principalmente as localizadas na Europa Ocidental, tinham que ser protegidas contra ataques terrestres. Foi somente a evolução das armas termonucleares, com a sua capacidade quase inconcebível de destruição em massa e, em seguida, dos mísseis balísticos intercontinentais, que introduziram uma possibilidade inteiramente nova na condução da guerra, tornando exeqüível a destruição total da capacidade de resistir do inimigo, sem derrotar primeiro as suas forças armadas.
Isto significava que a guerra absoluta, como definida por Clausewitz, não era mais um ideal Platônico, mas uma possibilidade física. A guerra poderia consistir agora num “único golpe brusco”. Em suas palavras proféticas: Se a guerra consistia num único ato decisivo, ou num conjunto de decisões simultâneas, os seus preparativos tenderiam para a totalidade, porque qualquer omissão jamais poderia ser corrigida. O único critério que o mundo real poderia fornecer para os preparativos seriam as medidas tomadas pelo adversário, até onde fossem conhecidas. O resto seria uma vez mais reduzido a cálculos abstratos. (79) Esta é uma descrição deprimentemente precisa da estratégia nuclear contemporânea. Clausewitz havia afirmado que nunca surgiria uma situação destas porque “a verdadeira natureza dos recursos [disponíveis
para a guerra] e os meios de empregá-los nunca poderiam ser empregados ao mesmo 62
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tempo. Os recursos em questão eram as forças combatentes propriamente ditas, o país com as suas características físicas e a sua população, e os seus aliados.” Era o emprego dessa complexa gama de recursos que tornava a guerra essa atividade tão difícil e imprevisível, criando aquele elemento de fricção e de incerteza que fazia com que os esforços despendidos ficassem muito próximos do absoluto. Agora, todas aquelas restrições internas à “guerra absoluta” haviam sido retirados e a sua total realização tornou-se pela primeira vez uma possibilidade prática, não como Clausewitz havia esperado, através do desencadeamento das paixões populares (embora certamente tivesse sido isto que tenha tornado as duas guerras mundiais aquelas “guerras totais”), mas devido a um fator que nem ele nem qualquer outro pensador sério da sua época jamais levou em consideração: a tecnologia. Enquanto que no tempo de Clausewitz o esforço humano havia sido necessário para superar as limitações impostas à condução da guerra pelas restrições do mundo real, agora aquele esforço era necessário para impor aqueles limites. O próprio Clausewitz, deve ser relembrado, havia identificado duas restrições à guerra absoluta. Uma era interna, o mecanismo de freio imposto pela fricção. A outra era a externa, imposta pelo propósito político - não só as circunstâncias políticas que davam origem à guerra, como também as condições políticas que pretendia provocar. Na guerra nuclear, como em qualquer outro tipo de guerra, portanto, o conselho de Clausewitz permanece válido: Ninguém começa uma guerra - ou melhor, ninguém em sã consciência deveria fazê-lo - sem primeiro ter claro em sua mente o que pretende obter através dela e como pretende conduzí-la. (579) A intenção política, o propósito ( Zweck ) da guerra é, por conseguinte, ainda mais importante do que havia sido no tempo de Clausewitz. Mas enquanto Clausewitz via o propósito político como algo que se fosse suficientemente grandioso iria permitir que o Comandante rompesse as barreiras da fraqueza humana que normalmente limitam as guerras, na era nuclear o propósito político tem que ser mantido em mente para impor limites à uma atividade cujo poder destruidor, se deixada livre, escalará rapidamente, atingindo extremos de tal espécie que Clausewitz jamais concebeu. Esta é a essência da teoria da deterrência nuclear. A pressuposição em que se baseia esta teoria é que nenhum propósito político é suficientemente desejável para compensar a devastação nuclear da sua própria nação (uma pressuposição que alguns teóricos americanos confessamente se recusam a fazer com relação às ambições soviéticas, por razões que não considero convincentes). Assim, é possível 63
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O legado de Clausewitz
considerar o custo da vitória, nas palavras de Clausewitz, “um custo altamente inaceitável.” (91) Devemos aqui notar também a pertinência do que Clausewitz disse, quando afirmou que os engajamentos não travados eram tão importantes com relação aos seus efeitos quanto aqueles travados, ao conceito de deterrência nuclear. A deterrência nuclear consiste quase que inteiramente em calcular os efeitos dos engajamentos não travados. Por conseguinte, uma atitude de deterrência eficaz impõe ao adversário limitações extremamente rigorosas
aos propósitos políticos que ele provavelmente
procuraria alcançar através dos meios militares, bem como aos meios que ele provavelmente empregaria para alcançá-los. O pensamento de Clausewitz é também, de outro modo, pertinente aos problemas da guerra nuclear. Em qualquer conflito internacional, o propósito político imediato provavelmente será o controle do território. Mesmo se tivermos que procurar as causas básicas nas rivalidades ideológicas, ou nos temores em relação ao equilíbrio de poder, quase que certamente será adotado um propósito territorial (como foi tanto o propósito belga como o britânico na Primeira Guerra Mundial) “que contribua para o propósito ideológico e que o simbolize nas negociações de paz.” (81) Assim, provavelmente a guerra se transformará numa luta pelo controle do território, mesmo que não tenha sido causada por ele, quaisquer que possam ser as implicações mais amplas que se encontrem por trás daquela luta. Assim, os elementos tradicionais do território e das forças armadas foram introduzidos novamente, de uma só vez, nos cálculos estratégicos, trazendo de volta com eles a sombria atmosfera da fricção. E, naquele ambiente, todas as considerações analisadas por Clausewitz seriam tão pertinentes hoje como foram há um século e meio - ou a um milênio e meio atrás. Mas o controle sobre o território envolve também o controle sobre o povo que lá vive e aqui, uma vez mais, as idéias de Clausewitz têm uma pertinência duradoura. A essência dos seus ensinamentos sobre a participação popular na guerra não será encontrada no famoso capítulo sobre “O Povo em Armas - que é quase sempre citado indevidamente, fora do contexto - mas naquilo que ele tinha a dizer sobre os processos políticos a longo prazo, que estavam tornando aquela participação inevitável, gostemos ou não. É cada vez menos provável que os povos permitam que os seus destinos sejam determinados contra a sua vontade. Mao Tse-Tung e os teóricos da guerra revolucionária deram a essa dimensão social uma importância absoluta que talvez só mereça ter no contexto das “guerras de libertação nacionais”, mas é algo que em hipótese alguma os estrategistas devem ignorar para não correrem um grande risco. Com relação a isto, os pensadores militares Marxistas possuem uma percepção muito mais realista das questões mais importantes do que a multidão de opositores seus, 64
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hipnotizados como estão no Ocidente pela tecnologia e pela geopolítica. Se o próprio povo não estiver preparado para participar da defesa do seu país, se for necessário, não poderá no final das contas ser protegido e, se não estiver disposto a concordar indefinidamente com uma conquista estrangeira, essa conquista, no final das contas, não poderá ser mantida. Assim, é conveniente encerrar por onde o próprio Clausewitz encerrou, com a sua descrição da guerra como uma “trindade paradoxal” composta de violência, ódio e antagonismo primordiais, que devem ser vistos como uma força natural irracional; da ação do acaso e da probabilidade dentro da qual o espírito criativo está livre para vagar; e do seu elemento de subordinação como um instrumento da política, que faz com que dependa exclusivamente da razão. O primeiro destes três aspectos diz respeito principalmente ao povo; o segundo ao Comandante e ao seu Exército; o terceiro ao Governo . .. Estas três tendências são como três códigos de leis diferentes, profundamente arraigados ao seu propósito e, ainda assim, variáveis em sua relação com os outros. Uma teoria que ignore qualquer um deles, ou que procure estabelecer uma relação arbitrária entre eles estaria a tal ponto em conflito com a realidade que, somente por este motivo, seria totalmente inútil. (89,
a
ênfase é nossa) Esta foi a conclusão de Clausewitz. Deveria ser um bom ponto de partida para qualquer pensador estratégico contemporâneo.
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Leituras adicionais Aqueles que não podem ler em outro idioma que não seja o inglês precisam, e na realidade podem, procurar ler apenas Clausewitz e o Estado, de Peter Paret (Gráfica da Universidade de Oxford, 1976), uma biografia oficial e um estudo abrangente do pensamento de Clausewitz, que faz com que todos os estudos anteriores pareçam escritos numa linguagem ultrapassada. O mesmo se aplica à tradução de Da Guerra (Gráfica da Universidade de Princeton, 1976), feita por Peter Paret e por este escritor que é,
quaisquer que sejam os seus defeitos, a primeira tradução para o inglês baseada na primeira edição de 1832. Por esta razão, é preferível tanto à tradução bastante imprecisa feita por J. J. Graham, publicada pela primeira vez em Londres em 1873 e reimpressa com uma introdução de F. N. Maude, em 1908, como à feita por Matthijs Jolles (Nova York, 1943). Uma edição mutilada da tradução de Graham foi publicada pela Penguin Books em 1968, com uma introdução de Anatole Rapoport, mas a intenção declarada do editor, de oferecer apenas “aquelas partes de Da Guerra que estivessem mais diretamente relacionadas com os nossos dias” produziu graves omissões e distorções do pensamento de Clausewitz. Um abrangente exame do pensamento e da influência de Clausewitz, feito por outro importante erudito não alemão, é Penser la guerre, Clausewitz, de Raymond Aron (2 vols. Paris, 1976). Fora isto, todos os estudos sérios foram escritos em alemão e o Professor Paret tratou deles numa abrangente pesquisa bibliográfica em World Politics, vol. XVIII nº 2, Janeiro de 1965. Todas as edições anteriores de Da Guerra foram substituídas pela do Professor Werner Hahlweg, Vom Krieg (Berlim, 1952), que tem sido frequentemente atualizada desde então. O Professor Hahlweg reuniu também diversos trabalhos de menor importância, publicados em Verstreute Kleine Schriften, de Karl von Clausewitz (Osnabruck, 1979). O estudo recente mais abrangente é Clausewitz, Leben und Werk , de Wilhelm von Schramm (Esslingen, 1977). Embora os estudos realizados por Clausewitz sobre as campanhas militares, principalmente sobre a campanha de Napoleão em 1812, tenham sido publicados em diversas edições, algumas das quais traduzidas para o inglês, nenhuma edição abrangente dos seus trabalhos jamais foi produzida.
Índice 66
Mestres do Passado Alemanha, alemães, 6, 8 a 10, 12, 16, 20, 30 49, 55, 56, 60 a 62 Alexandre I, Imperador da Rússia, 8 América, Americanos, 1, 32, 53, 59, 62, 64 Aquino, Tomás, S., 59 Aristóteles, 44, 59 Aron, Raymond, 66 Arte da Guerra, A, 1 Artilharia, 6, 10, 13, 15 Auerstad, batalha de, 8 Augusto, Príncipe, 7, 8 Austerlitz, batalha de, 17
casamento, 7; morte, 10; Ver também Bermerkungen uber die reine und angeswandte Strategie des Herrn von Bullow, Da Guerra, Strategie aus dem Jahre 1804, Verstreute Kleine Scriften Clausewitz, Leben und werk, 66 Clausewitz e o Estado, 66 Colin, Jean, 58 Corbet, Julian, 60
Basel, Tratado de, 6 Bélgica, belga, 9, 64 Berenhorst, George von, 20 Berezina, Rio, 8 Bergson, Henri, 55 Berkeley, George, 12 Berlim, 6, 8, 9, 12, 66 Bermerkungen uber die reine und angewandte Strategie des Herrn von Bulow, 14 Betrachtungen uber die Kriegskunst, 20 Bíblia, a, 53 Bismarck, Otto E. L. Príncipe von, 47, 53, 57 Blucher. Gerhard L. von, Príncipe e Marechal de Campo, 9 Borodino, batalha de, 8, 40 Boyen, Leopold von, General, 7 Breslau, 10 Brodie, Bernard, 1 Bruhl, Marie von (esposa), 5, 7, 8 Bulow, Heinrich Dietrich von, 14, 20
Engels, Friedrich, 1, 38, 59 Escola de Guerra (Berlim), 6, 9, 12, 17, 54 Espanha, 35 Estratégia, 2, 14, 17, 30 a 32, 34 a 38, 46, 48, 49 51, 53, 55 a 57, 60 a 63 Estratégia de Aproximação Indireta, A, 61 Europa, 10, 11, 15, 16, 26, 43, 49, 53, 56 a 58, 62 Eylau, campanha, 8 Exército Alemão, 8, 53 a55, 49, 53 a 55 Exército Americano, 53 Exército Austríaco, 17 Exército Britânico, 22, 60 Exército Francês, 6 a 8, 10, 15, 53, 55 Exército Prussiano, 3 a10, 13, 16, 17, 19, 25, 54 Exército Russo, 53, 59
Dardanelos, campanha, 61
Ferdinando, Príncipe, 7 Foch, Ferdinand, Marechal, 55 a 57 França, os franceses, 7 a 9, 11, 16, 35, 43, 49, 53, 55, 58 Frederico II, Rei da Prússia (“o Grande”), 5, 6, 10, 11, 13, 20, 32, 33, 58, 62 Frederick William I, Rei da Prússia, 3 Frederick William III, Rei da Prússia, 5, 7, 51 Fuller, J. F. C., General-de-Divisão, 1
Caemmerer, Rudolf von, 53, 56 Campanhas Napoleônicas, 3, 5, 8, 18, 39, 41, 60 Cavalaria, 6, 13, 15, 22, 40 César, Júlio, 3 Clausewitz, Karl Maria von, General vida militar, 2, 5 a 7, 11; nascimento, 5; cartas, 5 a 7; na Escola de Guerra de Berlim, 6, 7, 9; Geist des neuren Kriegssystem, Die, 14 Gneisenau, August Wilhem A.,
Gamelin, Maurice Gustave, General, 55 Graf N. von, General, 7, 9, 10 Goltz, Colmar von der, 56, 57 66
Mestres do Passado Grã-Bretanha, os britânicos, 11, 12, 35, 40, 59 a 61, 64 Graham, J. J., 66 Grolman, Emmanuel, Marquês de, General, 7 Guerra Civil, Russa, 59 Guerra de Guerrilha, 50 Guerra Nuclear, 62 a 64
Mainz, 9 Mao Tse-Tung, 65 Marlborough, John Churchill, Duque de, 3 Marne, Rio, 49, 55 Marx, Karl, 1, 38, 54, 59 Marxismo-Leninismo, 59, 65 Matthijs Jolles, O. J., 66 Maude, F. N., 60, 66 Maurice, Príncipe da Saxônia, 11 Militarische Gesellschaft, 7, 16 Moltke, Helmuth, Conde von, Marechal de Campo, 53 a 57, 59 Moscou, 10 Mozart, Wolfgang Amadeus, 20
Hahlweg, Werner, 66 Hamley, Edward Bruce, 37, 53 Hegel, G. W. F., 12, 30 Henry, Príncipe da Prússia, 6 Hitler, Adolf, 61 Hohenzollern, família, 1, 8, 16 Holanda, 35 Homero, 53 Hume, David, 12
Nação em Armas, A, Napoleão I., Bonaparte, 2, 8 a 10, 13, 15, 20, 32, 33, 36, 42, 48, 55, 66 Nazismo, 61 Neuruppin, 6
Império Habsburgo, 58 Império Romano, 42 Infantaria, 5, 6, 13, 15, 56 Itália, 15
Países Baixos, 15 Paret, Peter, 66 Paris, 10, 66 Penser la Guerre, Clausewitz, 66 Pestalozzi, J. H., 12 Platão, 44, 62 Polônia, 10 Primeira Coalizão, a Guerra da, 6 Primeira Guerra Mundial, 11, 58, 59, 61, 64 Princípios de Guerra,55 Prússia, prussianos, 1 a 3, 5 a 9, 11, 15 a 17, 33, 50, 53
Japão, 61, 62 Jena, batalha de, 11, 16, 17, 39, 45 Joffre, J. J. C., Marechal da França, 1, 9, 55, 56 Jomini, Antoine Henri de, Barão, 1, 20, 36, 37, 53 Junkers, 5, 6 Kant, Emanuel, 11, 12 Kessel, Eberhard, 54 Kiesewetter, Johann Gottfried, 12 Konigsberg, 8
Ranke, Leopold von, 26 Rapoport, Anatole, 66 Reno, Rio, 6, 15, 58 Revolução Francesa, 1, 43 Revolução Russa, 59 Rússia, russos, 8, 9, 49, 53, 54, 61
“Lei de Murphy”, 22 Leipzig, campanha, 9 Lenin. V. I., 1, 48, 54, 59 Liddell Hart, Sir Basil H., 1, 58, 61 Lloyd, Henry, 12, 20 Louise, Rainha da Prússia, 7 Maneira Britânica de Ser, na Guerra, A, 61 Maquiavel, N., 1 Scharnhorst, Gerhard J. D. von, General, 6 a 9, 15, 30
Saxônia, 9, 11 Schramm, Wilhelm von, 66 Segunda Guerra Mundial, 61, 62 69
Mestres do Passado Sete Anos, Guerra dos, 5, 11 Shakespeare, William, 20 Silésia, 33 Sistema Continental, 2 Da Guerra, 1, 3, 6, 7, 9, 17, 23, 33, 35, 37, 38, 42, 44, 50, 51, 53, 56, 60, 66 Sorel, Julien, 5 Stendhal, 5 Sun Tzu, 1
Trotsky, L. D., 1, 59 Tucídides, 1
Tática, 3, 6, 8, 13 a 15, 25, 27, 31, 32, 36, 47, 53, 56 Tártaros, 42 Tauroggen, 8 Thielmann, Johann Adolf von, Tilsit, Paz de, 8 Transformações da Guerra, As, 58 General, 9
Wartenberg, Yorck von, General, 8 Waterloo, batalha de, 9, 40 Wellington, Arthur Wellesley, Duque de, 9, 60 Wilkinson, Spenser, 60 Willisen, W. von, 53
União Soviética, ver Rússia, Verdy du Vernois, Julius von, General, 55 Verstreute Kleine Schriften, 66 Vosges. montanhas, 6
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Mestres do Passado
ENGELS - Terrell Carver Num certo sentido, Engels inventou o Marxismo. O seu principal legado intelectual, a interpretação materialista da história, exerceu um efeito revolucionário sobre as artes e as ciências sociais e a sua obra como um todo fez mais do que a de Marx para converter pessoas para o movimento político mais influente dos tempos modernos. Neste livro, Terrell Carver traça a carreira de Engels e observa os efeitos exercidos pela interpretação materialista da história na teoria e na prática Marxista. “O agradavelmente sincero livro de Carver . . . está cheio de meticulosas críticas sobre as diversas contribuições de Engels ao marxismo do Século XIX.” New Society
HUME - A. J. Ayer A. J. Ayer começa o seu estudo da filosofia de Hume com uma exposição geral da vida e dos trabalhos de Hume e, em seguida, examina os seus propósitos e métodos filosóficos, suas teorias de percepção e de auto-identidade, sua análise das causas e a maneira como trata a moral, a política e a religião. Ele afirma que a descoberta feita por Hume da base da causalidade e a sua destruição da teologia natural foram as suas maiores realizações filosóficas. “Escrito com uma competência e uma verve impressionantes e previsíveis e abrilhantado por uma generosa seleção das elegantes ironias do próprio Hume, este estudo sem dúvida dará prazer, bem como instrução, a muitos.” London Review of Books KANT - Roger Scruton Kant é discutivelmente o filósofo moderno mais influente, mas também um dos mais difíceis. Roger Scruton enfrenta o seu tema excepcionalmente complexo com mão firme, analisando a base da obra de Kant e mostrando porque a Crítica da Razão Pura se revelou tão duradoura. “Roger Scruton enfrentou o que talvez seja a tarefa mais difícil de todas, fazendo uma exposição da filosofia de Kant. . . mas ele faz isto de uma maneira extremamente elegante e concisa.” Listener
MAQUIAVEL - Quentin Skinner Nicoló Maquiavel nos ensinou que os líderes políticos devem estar dispostos a fazer o mal que possa resultar no bem, e o seu nome tem sido desde então um sinônimo de má fé e de imoralidade. Será realmente merecida a sua sinistra reputação? Quentin Skinner se concentra nos seus três principais trabalhos, O Príncipe, os Discursos e A História de Florença, e extrai deles uma introdução às doutrinas de Maquiavel, que é de uma clareza exemplar. “sem dúvida a melhor exposição curta sobre o autor de “O Príncipe” que provavelmente veremos por algum tempo. . . um modelo de clareza e de boa apreciação.” Sunday Times MARX - Peter Singer Peter Singer identifica a visão central que unifica o pensamento de Marx, permitindo que compreendamos as suas idéias como um todo. Ele o considera um filósofo preocupado principalmente com a liberdade humana, e não um economista ou um cientista social. Ele explica, em linguagem clara, a alienação, o materialismo histórico, a teoria econômica de O Capital e a idéia de Marx sobre o comunismo e conclui com uma avaliação equilibrada das realizações de Marx. “um retrato admiravelmente equilibrado do homem e de suas realizações” Observer MONTAIGNE - Peter Burke Montaigne criou um novo gênero literário - o ensaio - e os seus ensaios exerceram uma grande influência sobre o pensamento e a literatura desde a Renascença. Neles, apresentou idéias sobre uma grande variedade de assuntos, vistas pelos seus contemporâneos como altamente não convencionais e, por causa disto, foi muitas vezes tratado como um “moderno” nascido antes do seu tempo. Peter Burke o coloca novamente em seu contexto cultural e mostra o que ele tinha em comum com os seus contemporâneos da Renascença.
“esta vigorosa e intensa introdução . . . oferece, num espaço diminuto, uma visão equilibrada e uma exposição clara e de leitura altamente agradável dos assuntos com que Montaigne tentou se engalfinhar” British Books News AQUINO - Anthony Kenny Anthony Kenny escreve sobre Tomás de Aquino como filósofo, para leitores que podem não compartilhar dos interesses e das crenças de Aquino. Ele começa com um relato da vida e dos trabalhos de Aquino e avalia a sua importância para a filosofia moderna. O livro é concluído com exames mais detalhados do sistema metafísico de Aquino e da sua filosofia da mente. “É difícil ver como seria possível fazer melhor um livro desses.” London Review of Books BERKELEY - J. O. Urmson Diferentemente do Dr. Johnson em sua famosa zombaria, J. O. Realiza uma avaliação simpática, não muito comum, da filosofia de Berkeley, examinando-a contra um pano de fundo intelectual mais amplo do que o costumeiro. Ele vê a obra de Berkeley como uma análise crítica séria do pensamento científico de Newton e de seus antecessores, bem como da sua base metafísica, e faz uma clara exposição da relação existente entre a metafísica de Berkeley e a sua análise dos conceitos de ciência e de bom senso. “ Berkeley, do Professor Urmson é bem-vindo, não apenas porque confirma a opinião de Berkeley de que não existe um assunto perfeitamente inteligível e certamente convincente, . . . mas porque ele dedica algum tempo a explicar as posições morais e políticas que Berkeley pensava que o materialismo ameaçasse.” Listener BURKE - C. B. Macpherson Esta nova apreciação de Edmund Burke apresenta toda a extensão do seu pensamento e oferece uma solução original para os principais problemas que ele propõe. As interpretações das idéias de Burke, que nunca foram sistematizadas num único trabalho, têm variado entre extremos aparentemente
incompatíveis. C. B. Macpherson encontra a chave para uma coerência latente na economia política de Burke que, afirma ele, é um fator constante no raciocínio político de Burke. “O Professor Macpherson . . . penteia tão cuidadosamente os fios do pensamento de Burke que chegamos a compreender, não apenas o próprio Burke, mas os seus intérpretes.” Suplemento Educativo do Times
PASCAL - Alban Krailsheimer Alban Krailsheimer inicia o seu estudo da vida e da obra de Pascal com uma exposição sobre a sua conversão religiosa e, em seguida, examina as suas realizações literárias, matemáticas e científicas, que culminam numa penetrante análise do caráter humano e num intenso exame de Pensées. Ele afirma que, após a sua conversão, Pascal colocou o seu trabalho anterior numa perspectiva diferente e passou a ver a sua atividade, e de uma maneira geral toda a atividade humana, em termos religiosos. “O entusiasmo do Sr. Krailsheimer é eloqüente e contagiante.” Observer HOMERO - Jasper Griffin A Ilíada e a Odisséia situam-se bem no início da literatura grega. Muito tem sido escrito sobre as suas origens e autoria, mas Jasper Griffen, embora toque ligeiramente nessas questões, trata aqui das idéias contidas nos poemas, que exerceram uma incalculável influência sobre o pensamento e a literatura do Ocidente. Ele mostra como cada um dos dois épicos tem a sua própria visão, coerente e sugestiva, do mundo e do lugar que o homem ocupa nele. “uma brilhante pequena introdução” The Times “O Sr. Griffin atualiza a erudição inglesa trazendo-a resolutamente de volta a Homero.” London Review of Books
JESUS - Humphrey Carpenter
Humphrey Carpenter escreve sobre Jesus sob o ponto de vista de um historiador recém chegado ao assunto, sem idéias religiosas preconcebidas. Ele examina a fidedignidade do Evangelho, a originalidade dos ensinamentos de Jesus e a visão que Jesus tinha de si próprio. Este livro de leitura altamente agradável consegue ter um extraordinário grau de objetividade sobre um assunto que está profundamente incrustado na cultura ocidental. “O Sr. Carpenter realizou, obviamente, um meticuloso estudo da mais recente cultura do Novo Testamento: mas leu também o Evangelho com um grande cuidado, fingindo para si mesmo que estava fazendo isto sem idéias preconcebidas, como um historiador recém apresentado ao material utilizado como fonte . . . uma realização extraordinária” Observer CARLYLE - A. L. Le Quesne A. L. Le Quesne analisa as idéias deste que foi o primeiro e o mais influente dos “profetas” Vitorianos, explicando como a sua grandeza reside na sua capacidade de expressar as necessidades de uma geração extraordinariamente moral. “Uma introdução de primeira linha . . . não é a menor qualidade deste excelente e curto estudo que mostra algumas das tensões ainda a serem descobertas ao lermos Carlyle.” Jornal da Universidade de Edimburgo
COLERIDGE - Richard Holmes Coleridge não foi apenas um grande poeta, foi também um filósofo e estudioso da natureza humana. Richard Holmes apresenta a obra de Coleridge como escritor, explica as suas idéias, muitas vezes difíceis e fragmentárias, e mostra que o seu conceito de imaginação criativa ainda influencia nossas noções de crescimento e de cultura. “extremamente atraente” Listener “tem estilo, é inteligente e de leitura agradável” Irish Times