Manuela Cunha Soares
DESIGN EDITORIAL E A ILUSTRAÇÃO EM LIVROS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE ARTES – CEART DESIGN – HABILITAÇÃO HABILITAÇÃO DESIGN GRÁFICO
Manuela Cunha Soares
DESIGN EDITORIAL E A ILUSTRAÇÃO EM LIVROS O projeto, a produção e os prossionais.
Florianópolis • 2011
MANUELA CUNHA SOARES
DESIGN EDITORIAL E A ILUSTRAÇÃO EM LIVROS O projeto, a produção e os prossionais. Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel no curso de graduação em Design Gráco da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Banca Examinadora: Orientadora: M.e Anelise Zimmermann Universidade do Estado de Santa Catarina Membro: M.e Gabriela Botelho Mager Universidade do Estado de Santa Catarina Membro: Dr.ª Albertina Pereira Medeiros Universidade do Estado de Santa Catarina
Florianópolis • 2011
Para minha mãe, minha vó e meu vô que sempre me incentivaram a desenhar, seja por cursos ou elogios (muitas vezes não merecidos), para minha irmãzinha e para o Luckas, que teve a paciência de me aguentar chata e ranzinza durante todo esse período do TCC.
Alice estava começando a se cansar de car sentada ao lado da irmã à beira do lago, sem ter nada para fazer: uma ou duas vezes ela tinha espiado no livro que a irmã estava lendo, mas o livro não tinha desenhos nem diálogos. “E de que serve um livro”, pensou Alice, “sem desenhos e sem diálogos?” Lewis Carroll
RESUMO O presente trabalho propõe-se a estudar a ilustração editorial em seu contexto, integrado no projeto de livro. Para tal, foi feito inicialmente um vasto levantamento histórico, apresentando o desenvolvimento da ilustração de livros e do design editorial, assim como dos prossionais de ambas as disciplinas. A partir disso, foi apresentado o objeto livro e suas partes constituintes, assim como as denições que o cercam, dentre elas a da ilustração e seus tipos de representações, de acordo com sua função no projeto. Por m, abordou-se o processo metodológico que envolve a criação de um livro ilustrado, tanto por parte da ilustração, quanto do design gráco, relacionando-os como áreas ans e discutindo o antigo relacionamento de seus prossionais.
Palavras-chave: design editorial, ilustração editorial, ilustrador, metodologia, livro.
ABSTRACT The purpose of this work is to study the editorial illustration in its context, integrated into the book’s project. To achieve this, a vast historical research was made, showing the development of book’s illustration and editorial design, as well as of professionals from both disciplines. From this, the book and its parts were presented, as the denitions that surround it, among them the illustration and its kinds of representation, according to the function in the project. Lastly, the methodological process involved in creating an illustrated book was approached in both views, the illustration and the graphic design ones, relating them as similar areas and discussing the relationship of their professionals.
Keywords: editorial design, editorial illustration, illustrator, methodology, book.
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SUMÁRIO CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO
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1.1 Objetivos 18 1.1.1 Objetivo Geral 18 1.1.2 Objetivos Especícos 18
CAPÍTULO III - A ILUSTRAÇÃO E O LIVRO 59
3.1 As partes do livro e sua interação com a ilustração 62 3.1.1 Capa 62
1.2 Justicativa 19
3.1.2 Luva ou Sobrecapa 63
1.3 Processo Metodológico 21
3.1.3 Guarda 63
1.4 Estrutura dos Capítulos 23
3.1.4 Miolo 65 3.1.4 Folha de Rosto 65
CAPÍTULO II - DAS CAVERNAS ÀS LIVRARIAS 27
3.1.4 Frontispício Divisório 66
2.1 As Bases 27
3.1.4 Entradas de Capítulo 66
2.2 A Bela Idade das Trevas 33
3.1.4 Páginas Correntes 67
2.3 Eis que surge a imprensa 37 2.4 A Era da Revolução Industrial 45
3.2 Tipos de Ilustração 68 3.2.1 Ilustração Técnica 69
2.4.1 Movimentos Ideológico e Artísticos 51
3.2.2 Ilustração Figurativa 70
2.5 Novos paradigmas da Ilustração 57
3.2.3 Ilustração Conceitual 73 3.3 Interação Projetual 75
CAPÍTULO IV - PROJETOS DE ILUSTRAÇÃO E DESIGN EDITORIAL 79
4.1 Produções Metodológicas 82 4.1.1 O Ponto de Partida
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4.1.2 Pesquisa 84 4.1.3 Criatividade 86 4.1.4 Desenvolvimento 88 4.1.5 Resultado 89 4.2 Entre a Arte e o Design 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101
1 INTRODUÇÃO A grande diversidade de publicações encontradas em uma livraria é um labirinto de opções para alguém que está apenas por curiosidade, ou gosto literário, observando as novidades do lugar. Um produto diferenciado ou bem produzido acaba sendo motivo suciente para um olhar mais cuidadoso do objeto, o que casualmente leva ao próximo passo: folhear as páginas do livro. Esse ato de folhear apresenta relances do conteúdo do volume, acrescentando ou trazendo compreensão acerca do projeto da capa, apresentando, eventualmente, alguma imagem ilustrada. Como um objeto comum e cotidiano, eventualmente é passada despercebida a complexidade envolvida na produção de um livro ilustrado. Além do produto como é conhecido hoje está sua inestimável carga histórica e o próprio desenvolvimento milenar das formas de linguagem humana. Já na pré-história, a ilustração iniciava seu papel de comunicação visual, sendo a primeira forma de expressão gráca em busca de um registro, seja para ns utilitários, ritualísticos ou estéticos. Em milhares de anos esses ns evoluíram e se multiplicaram, passando por diversos substratos até surgir o papel. Fora o desenvolvimento do próprio material, também a forma de conguração do mesmo é de grande importância, a evolução dos rolos de
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pergaminhos para seu formato de Códice Romano1, nos primeiros anos da era cristã, trouxe organização no conteúdo textual e maior durabilidade. A nova gama de possibilidades grácas desenvolvidas no novo formato elevaram o livro a um status de objeto de arte. Seu conteúdo era meticulosamente transcrito e ricamente adornado com ilustrações chamadas de iluminuras que traduziam os nuances místicos e espirituais do texto, além de explicar seu conteúdo de maneira didática a qualquer leitor, seja ele letrado ou analfabeto. Dos manuscritos iluminados aos livros atuais, a ilustração captura a imaginação de seu observador, sendo mais uma ferramenta na transmissão da mensagem pretendida na publicação. Deslumbres de ilustrações nas páginas - desde pequenos desenhos no início dos capítulos até páginas inteiras que constroem um intrigado diálogo entre palavra e a imagem, preparam o leitor para a imersão literária que está por vir, introduzindo o tema, o clima e a abordagem da história. Naturalmente, uma função tão complexa exige estudo consciente do suporte e dos tipos de ilustrações que podem ser aplicadas a ele, para que o signicado que a imagem está buscando transmitir possua um entrosamento coerente com o texto, sem gerar um conito inesperado entre eles ou apenas uma repetição sem surpresas.
Considerando esses aspectos, além da relação entre o livro e a ilustração, o presente estudo visa analisar a anidade entre as prossões do designer gráco e do ilustrador editorial traçando um paralelo entre seus processos produtivos. Tais ofícios de parceria secular - antes mesmo de algum dos dois 1 Forma retangular ou quadrada, com duas capas, envolvendo uma série de folhas costuradas formando cadernos (CARVALHO, 2008, p.21) 18
receberem o nome com qual são conhecidos hoje, possuem etapas produtivas extremamente distinguíveis, mas ainda cobertas de mitos e denições equivocadas. Por m, mais do que a relação entre as prossões, existe a dos prossionais, que no geral, compreendem pouco uns aos outros, apesar da enorme interação existente entre eles. Para tal, é válido observar, mesmo que brevemente, as disciplinas e indivíduos que integram o desenvolvimento projetual gráco de um livro ilustrado.
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1.1 OBJETIVOS 1.1.1 Objetivos Gerais Investigar o processo projetual da Ilustração editorial de livros, construindo, através de sua relação histórica e produtiva com o design gráco, como se dá o seu desenvolvimento.
1.1.2 Objetivos específcos
• Descrever a participação da ilustração no design ao longo da história, com foco na produção literária; • Analisar diferentes denições de ilustração e suas possíveis funções; • Investigar as partes constituintes do objeto livro e sua possível interação com a imagem; • Analisar o processo de desenvolvimento projetual do design e da ilustração; • Observar a relação prossional entre o ilustrador editorial e o designer gráco.
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1.2 JUSTIFICATIVA O contato inicial com o livros ilustrados normalmente se dá nos primeiros anos de vida, quando a criança interage com a ilustração durante sua alfabetização, desenvolvendo por consequência sua leitura, imaginação e repertório, ao interagir com as guras. Independente das idades, ao deparar-se com a imagem de uma capa, ilustrações em meio ao livro ou, até mesmo, aqueles pequenos desenhos adornando o número da páginas, o leitor o leitor atribui um valor estético à história, condicionando a própria narrativa ao visual dado pelo ilustrador e pelo designer. O interesse da presente pesquisadora em ilustração também surgiu em sua infância, mas diferente de muitos outros que perderam seu deslumbre pelo livro com imagens ao crescer, essa paixão pela leitura e pelo desenho apenas aumentou com o passar dos anos. Ao ingressar no curso de design gráco essa paixão criou nova forma, transformando o que antes eram desenhos, em ilustrações projetualmente elaboradas, sendo pensadas em uma aplicação prática em diversos tipo de projetos de design, considerando que os editoriais - em especial o do livro receberam principal atenção por parte da autora. É observável que, tanto no ambiente acadêmico, quanto no prossional, ainda há uma grande discussão que gira em torno da ilustração, estando ela conhecidamente em um limiar entre o design e a arte. Em função disso os prossionais de ambas as áreas lutam por tentar enquadrá-la em alguma das duas. Apesar de ser de fato uma situação de difícil denição, é importante lembrar que a ilustração, diferentemente de um desenho ou uma pintura feita
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por um artista, tem uma aplicação bem denida, um comprometimento com o que pretende transmitir ao relacionar-se com o texto para o qual está sendo produzida. Tais preocupações podem ser observadas na evolução histórica de seus prossionais, suportes e técnicas de trabalho, sempre envolvidos com o desenvolvimento da própria prossão do design gráco. Esta pesquisa, busca demonstrar que a Ilustração editorial possui uma complexa função junto ao livro, interagindo com suas partes e gerando uma leitura por si só. Além disso, existem processos projetuais e fases metodológicas plenamente distinguíveis, sendo eles necessários para que de fato o projeto realizado cumpra com os requisitos do livro e com as expectativas de seus possíveis leitores. Esse caráter de comunicação e de fases de criação da ilustração estabelecem sua principal relação com o projetar do design e é necessário que, tanto o designer, quanto o ilustrador tenham noção que essas ligações existem, mostrando que a ilustração não é apenas um adorno do texto literário, mas sim uma produção de enorme complexidade possuidora de uma forte relação prossional com o design gráco, o que busca-se esclarecer a partir da presente pesquisa.
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1.3 PROCESSO METODOLÓGICO A presente pesquisa faz uso de um levantamento de dados, históricos e conceituais, em busca da compreensão do desenvolvimento de um livro ilustrado, assim como dos prossionais de design gráco e ilustração envolvidos. Para tais ns, foi realizada uma pesquisa segundo os procedimentos de coleta do tipo bibliográca, que é caracterizada por um levantamento de referências teóricas, previamente analisadas e publicadas, em meio escritos e digitais, como livros, artigos cientícos e sites (BOENTE e BRAGA, 2004, p. 11). No caso deste trabalho esse tipo de pesquisa foi utilizada tendo em vista que: [...] a pesquisa bibliográca é a técnica que auxilia o estudante a fazer a revisão da literatura possibilitando conhecer e compreender melhor os elementos teóricos de fundamentarão a análise do tema e do objetivo de estudo escolhidos. Assim, a pesquisa bibliográca, por meio de revisão da literatura, impõe-se na produção de conhecimentos acadêmicos [...] (REIS, 2008, p.51).
De acordo com as principais funções que uma pesquisa bibliográca possui, podem ser listadas aqui as que melhor caracterizam as investigações referentes ao presente projeto, conforme a categorização da autora Linda G. Reis: • auxiliar a denir corretamente os termos ou conceitos que vão fundamentar a pesquisa para assim evitar incorreções e ambiguidades de interpretações, e, quando necessário, esclarecer seu signicado especíco; • elaborar a estrutura conceitual do desenvolvimento do tema; obter as informações sobre a situação atual do problema pesquisado; • conhecer publicações existentes sobre o tema e os 23
aspectos que já foram estudados sobre ele; • vericar opiniões similares e diferentes sobre o problema estudado (REIS, 2008, p. 52-53). Quanto aos seus objetivos, o presente trabalho pode ser considerado com uma Pesquisa Exploratória, que consiste em uma investigação bibliográca, ou através de entrevistas, permitindo assim que haja uma maior compreensão de uma série de fatos pouco discutidos por outros autores (SILVA, 2005. p.51).
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1.4 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS Capítulo I - Introdução Neste capítulo é apresentada a estrutura da presente pesquisa, assim como seus objetivos e metodologias de trabalho.
Principais referências: SILVA, Mary Aparecida Ferreira da. Métodos e técnicas de Pesquisa. 2ª Edição Curitiba: Ibpex, 2005.
Capítulo II - Das cavernas às Livrarias Este capítulo apresenta um levantamento histórico sobre o surgimento e o desenvolvimento da ilustração, do livro e do design editorial dentro da perspectiva do design gráco.
Principais referências: MEGGS, Philip B.; PURVIS, Alston W.. História do Design Gráco. 4ª Edição São Paulo: Cosac Naify, 2009. SANTOS, Maria Das Graças Vieira. História da Arte. , 16ª edição São Paulo: Átira, 2001. 279 p. HASLAM, Andrew. O livro e o Designer II: Como criar e produzir livros. 1ª Edição São Paulo: Rosari, 2007.
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III - A ilustração e o livro Neste capítulo foi abordada a interpretação visual do livro, apresentando suas partes constituintes e as possibilidades de exploração da ilustração nas mesmas.
Principais referências: HASLAM, Andrew. O livro e o Designer II: Como criar e produzir livros. 1ª Edição São Paulo: Rosari, 2007. ZEEGEN, Lawrence; CRUSH. Fundamentos de Ilustração: Como gerar ideias, interpretar briengs e se promover. Uma exploração dos aspectos práticos, losócos e prossionais do mundo da ilustração digital e analógica. São Paulo: Artmed Editora S.a., 2009. LIMA, Yone Soares de. A Ilustração na Produção Literária. 1ª Edição São Paulo: Instituto de Estudos Brasileir, 1985.
IV - Projetos de ilustração e de design editorial Este capítulo trata do processo metodológico que envolve a elaboração de um projeto de ilustração editorial e projetos de design gráco, buscando fazer um paralelo entre os dois. Ele também apresenta uma discussão acerca da relacionamento entre a arte, o design e a ilustração.
Principais referências: ZEEGEN, Lawrence; CRUSH. Fundamentos de Ilustração: Como gerar ideias, interpretar briengs e se promover. Uma exploração dos aspectos práticos,
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losócos e prossionais do mundo da ilustração digital e analógica. São Paulo: Artmed Editora S.a., 2009. FUENTES, Rodolfo. A prática do design gráco: Uma metodologia criativa. 1ª Edição São Paulo: Rosari, 2006. STOLARSKI, André. Alexandre Wollner e a formação do design. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
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2 DAS CAVERNAS ÀS LIVRARIAS Qual a relação entre a ilustração e o livro? Ou então, qual a relação entre o ilustrador e o designer? Mais que questionamentos conceituais, essas perguntas adentram o campo ideológico dessas prossões, por vezes sendo difícil denir por completo onde a atuação de uma acaba e de outro começa em um projeto literário. Tendo em vista tais indagações, uma contextualização histórica se torna necessária, demonstrando, através de fatos, a estreita relação prossional entre o designer e o ilustrador. A autora baseou-se na visão de Philip B Meggs e Alston W. Purvis do livro A História do Design Gráco para desenvolver este capítulo, comprovando através dela, a evolução técnica e conceitual do design de livros e da ilustração editorial literária. Por muito tempo o papel de designer era compartilhado por outros prossionais das artes grácas como o escriba, o tipógrafo, o ilustrador e o impressor, mas muito antes disso, antes mesmo de haver essa estraticação de funções, encontram-se as bases do que viria a ser a ilustração e o livro tal qual são tidos hoje, como será visto a seguir.
2.1 AS BASES Palavras ditas e pensamentos feitos geralmente acabam perdendo-se ao longo do tempo enquanto muito do que está escrito ou desenhado permanece 29
para ser lembrado. Há cerca 200 mil anos que estão gravados os primeiros traçados humanos em diversas regiões da África. Essas confusas imagens de animais e homens misturadas com as mais variadas formas já comunicaram algo para os povos que lá viviam e hoje nos ajudam a remontar um pouco do que possivelmente eram a suas vidas e seus costumes. Para Philip B. Meggs e Alston W. Purvis, “A escrita é a contrapartida visual da fala. Marcas, símbolos, guras e letras traçadas sobre uma superfície ou substrato tornaram-se o complemento da palavra falada ou do pensamento mudo”(2009, p.18). Os desenhos feitos nas paredes das cavernas eram a primeira forma gráca de comunicação, sendo o inicio de uma longa caminhada até o surgimento da escrita. Milhares de anos se passaram de forma que os desenhos tornaramse mais complexos e imbuídos de um maior signicado na vida do homem, rumando aos poucos para tentativas alfabéticas num uxo natural de criação. Nas palavras de Meggs e Purvis: O desenvolvimento da escrita e da linguagem visual teve suas origens mais remotas em simples guras, pois existe uma ligação estreita entre o desenho delas e o traçado da escrita. Ambos são formas naturais de comunicar ideias e os primeiros seres humanos utilizavam as guras como um modo elementar de registrar e transmitir informações. (MEGGS e PURVIS, 2009, P.19)
gura 1 - Monumento Blau (c 3600 aC). Fonte: British Museum, 2011.
Foi no berço da civilização ocidental, na Mesopotâmia, que a escrita deu seus primeiros passos para seu desenvolvimento. Os desenhos tornaram-se cada vez mais simplicados, rumando para a abstrata escrita cuneiforme, utilizando como substrato blocos de argila. Em alguns monumentos religiosos como o Monumento Blau [gura 1] eram trabalhadas, paralelamente a esse complexo alfabeto, guras que reforçavam o signicado dos textos para a grande maioria analfabeta.
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Sob inuência suméria, os egípcios desenvolveram seu fascinante sistema de escrita, mas, ao contrário da escrita cuneiforme, o sistema egípcio era extremamente gurativo recebendo o nome de Hieróglifos1. A preocupação com a vida pós-morte era a base de sua complexa religião e era papel dos escribas e artistas retratar essa crença, assim como era dos sacerdotes cuidar da organização espiritual e material do Antigo Egito (GASPARETTO, 2010). As escrituras tinham uma importância profunda em suas vidas, além do uso político e econômico, a sua principal função era religiosa, como nos textos funerários que tinham a premissa de documentar as experiências e bens que a pessoa conquistou ao longo da vida, para que tudo isso partisse com ela e a ajudasse em seu julgamento no além-túmulo. Os substratos da escrita foram se multiplicando sendo utilizadas paredes, vasos, tábuas de argila, tecidos e nalmente o papiro, que deu um novo rumo a proliferação do conhecimento. De acordo com Wilson Martins, era possível encontrar papiros de até dezoito metros de comprimento; quando seu conteúdo ultrapassava este tamanho, várias folhas eram sobrepostas enroladas em torno de um bastão chamado umbilicus, podendo ser considerado o primeiro tipo de livro (MARTINS, 1996, p.62), mesmo sem obedecer o formato de Códice, que será abordado mais a frente. O uso do papiro se expandiu pelo Mediterrâneo e até o surgimento do pergaminho, era o principal material utilizado para a ilustração e a escrita. A cultura egípcia era extremamente pictórica, a se demonstrar pelo próprios hieróglifos, sendo grande parte de seus manuscritos fartamente ilustrados, geralmente de maneira simples e organizada, respeitando grids de colunas, sempre intercaladas com ilustrações que exaltavam o próprio texto [gura 2]. 1 [.. .] termo grego para “entalhe sagrado”, a partir do termo egípcio para “as palavras de Deus”. (MEGGS e PURVIS, 2009, p.25) 31
Suas ciências e artes serviram de inuência para a cultura grega com a qual tinha contato através do comércio no Mediterrâneo, entretanto, com o tempo os povos da Grécia desenvolveram uma rica cultura própria que se distinguia de qualquer coisa produzida na época. Suas artes, losoa, ciências e a democracia por séculos foram modelo para o ocidente. Mesmo com estudos tão vastos, a propagação oral do saber era predominante, sendo que a maioria da documentação escrita sobre os costumes e ciências gregas foi feita por conquistadores, como nas palavras de Meggs e Purvis, “o historiador ou poeta, que escrevesse mais do que falava, era considerado menos sério” (2009, p.42). Figura 2 - Detalhe do papiro de Hunefer (c. 1370aC). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
As narrativas de histórias épicas e momentos representativos da cultura grega eram traduzidos por meio de mosaicos, pinturas cerâmicas, relevos e elementos decorativos de templos e casas. Ainda assim, o alfabeto era fundamental para a administração democrática das cidades gregas, como no caso das cédulas de voto, da documentação política e administrativa e dos sorteios de cidadão para cargos públicos. Foi no império de Alexandre o Grande (356-323 a.C.) que a cultura Helênica se expandiu pelo mundo antigo e com isso a leitura e a escrita se tornaram importantes na propagação do conhecimento. Foram produzidos centenas de milhares de rolos de papiro, que infelizmente acabaram se perdendo devido a sua fragilidade, aos tempos de Guerra e ao próprio clima úmido grego. A Grécia foi conquistada em II aC pelo império Romano, contudo sua cultura não foi sufocada, muito pelo contrário, ela passou a ser a base da cultura romana, exportando para a cidade estado sua literatura, arte, religião
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e, até mesmo, os próprios eruditos gregos. O poderoso império Romano, que também conquistou grande parte da Europa ocidental, além de territórios banhados pelo mar mediterrâneo, levou o modo romano de vida a toda parte, recebendo também grande inuência de seus povos conquistados. Um exemplo disso é o alfabeto latino, herança dos antigos etruscos, que foi aperfeiçoado e amplamente utilizado pelo império, sofrendo poucas variações e acréscimos até chegar-se ao alfabeto latino como é conhecido hoje. Os suportes utilizados para a escritas foram os mais variados: papiros, tábuas de madeira, argila, chapas de metal, blocos de pe-dra e plaquetas de madeira com uma camada de cera, sendo eles utilizados separadamente ou agrupados, congurando os chamados Códices Romanos [gura 3]. Porém, foi o surgimento do pergaminho que revolucionou e popularizou o armazenamento dos documentos em formato de Codex. Produzido a partir de pele de animal curtida, o pergaminho possuía uma durabilidade muito maior que a do papiro. Mesmo sendo complexo e até certo ponto caro na s ua confecção, ele era mais fácil de ser transportado e também de ser adquirido, tornando-se desnecessária a contínua importação de papiros do Egito. Como os pergaminhos era mais exíveis e possuíam formatos maiores do que os papiros, permitiam que uma grande folha fosse dobrada de uma a quatro vezes e costurado em sua lombada, formando cadernos de quatro a 16 páginas. Suas páginas que estava unidas eram reladas e uma sucessão de cadernos eram costurados uns aos outros, chegando-se então ao Codex, formato este que permanece sendo o mais utilizado. Com um página extremamente mais resistente e homogênea, os pergaminhos também possibilitavam a utilização tanto de um lado quanto do outro para a escrita e o manuscrito, quando encadernado, diminuía consideravelmente o espaço necessário para seu armazenamento em relação
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Figura 3 - Exemplo de Codex Romano, escrita e ilustrações pintadas em placas de madeira na. Fonte: Biliotecologia, 2011
aos volumes produzidos até então. Esta evolução do suporte tornou mais fácil carregar pequenos volumes para viagem ou encaixotá-los sem o constante medo de que eles se deteriorassem, o que acontecia com os papiros. A criação do livro facilitou em muito a propagação do saber, expandindo para todas as conquistas romanas os conhecimentos da época. É importante ressaltar, que este projeto possui uma visão ocidental do desenvolvimento da ilustração e do livro, mas vale lembrar que o oriente teve grandes inuências no livro como é conhecido, quase que paralelamente à invenção do pergaminho era desenvolvida outro substrato para o a escrita e a ilustração: o papel . O seu surgimento se deu no governo de Ts’ai Lun, na China, no ano 105 da era cristã e foi amplamente consumido pelo pais todo como substituto da seda e de ripas de bambu, apesar de inicialmente ter sido considerado uma alternativa de baixa qualidade aos nobres tecidos. Popularizado, sua produção cresceu vertiginosamente, sendo utilizado para diversas outras aplicações além do manuscrito, como em decorações e cédulas de dinheiro. O processo de Ts’ai Lun para a preparação do papel continuou quase inalterado até a mecanização de sua produção na Inglaterra do século XIX. Pelo que há documentado, a xilogravura também deve ter sido inventada primeiro na China, mas as grandes distâncias e diversos eventos históricos ainda mantinham longe do ocidente todos esses avanços tecnológicos e culturais pioneiros.
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2.2 A BELA IDADE DAS TREVAS O mais antigo manuscrito ilustrado [gura 4] que já foi encontrado data do início do século IV da era cristã. Seu conteúdo abrange duas obras do grande poeta romano Públio Vergilius Maro. Ricamente ilustrado com pinturas que mimetizam afrescos murais romanos, o pergaminho trabalha de maneira equilibrada o texto e a imagem. Seu estilo foi copiosamente utilizado nos primeiros manuscritos cristãos e no período do m do império romano. A desintegração do Império Romano do ocidente é considerado o marco para o início da Idade Média. Apesar do período ser conhecido como Idade das Trevas, resplandecia em suas produções grácas eclesiásticas com manuscritos iluminados de irradiante beleza ressaltada pelas folhas de ouro aplicadas em suas páginas. Com o passar do tempo todas as ilustrações, oreios e adornos feitos a mão passaram a se chamar iluminuras mesmo sem suas ricas aplicações de metais preciosos. “O uso do embelezamento visual para difundir a palavra tornou-se muito importante, e os manuscritos iluminados eram produzidos com extraordinária atenção e sensibilidade com relação ao design” (MEGGS e PURVIS, 2009, p. 63). O illuminator era o ilustrador que ornamentava e desenhava cada página a mão, tendo suas produções trabalhando como apoio visual ao texto produzido pelo copisti - letrista que escrevia no estilo de letras na qual foi disciplinado. Todo o comando e organização do scriptorium era dado ao scrittori , estudioso que entendia latim e grego e dava a última palavra com relação ao projeto, tendo a função de editor e diretor de arte.
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Figura 4 - O Vergílius Vaticanus, A morte de Laaconte (início do século V). Fonte: Meggs e Purvis, 2009
Ele fazia o leiaute das páginas para indicar onde as ilustrações deviam ser acrescentadas depois de escrito o texto. Às vezes isso era feito com um ligeiro croqui, mas em geral uma anotação feita à margem instruía o ilustrador sobre o que desenhar no espaço (MEGGS e PURVIS, 2009, P.64).
A ilustração tinha um papel fundamental nos projetos monásticos, indo muito além da mera decoração, possuindo uma função pedagógica na disseminação do conhecimento e apresentando o conteúdo literário para a grande maioria da população analfabeta, como declarava o ditado eclesiástico: Pictura est laicorum literatura, ou seja, o quadro é a literatura do leigo. Por característica do próprio momento histórico, as viagens - e com elas a propagação dos livros, eram demoradas e perigosas, consequentemente foram desenvolvidos estilos de iluminuras e layouts de páginas diferentes em cada região da Europa, levando muito tempo para que uma entrasse em contato com a outra. Alguns dos estilos mais marcantes é o celta [gura 5], abstrato e complexo com entrelaços ricos que davam uma textura forte ao livro, fazendo uso desde cores puras e suaves justapostas até aplicações de ouro e prata. Este foi extremamente utilizado, inuenciando regiões fora das ilhas britânicas décadas mais tarde. Outra linha de iluminuras era a do expressionismo espanhol [gura 6], que teve grande inuência moura com seus padrões geométricos e cores extremamente vibrantes, recebendo grandes áreas de cores chapadas eventualmente salpicadas de estrelas, pontos e motivos diversos. O Período Romântico (c. 1000-1150) trouxe renovações nos projetos do livros, impulsionados pelo fervor religioso que revitalizava a Idade Média. Era época das grandes Cruzadas e os monastérios aumentaram incrivelmente sua produção. Parecia surgir e que pode-se chamar de um estilo universal na criação dos manuscritos iluminados. O Romantismo foi se desenvolvendo rumo ao Estilo Gótico que durou quase três séculos, com uma inuência literária que foi muito além desse tempo. 36
Figura 5- Os evangelhos de Lindsfarne (c. 698) Design simétrico e rebus-cado tipicamente Celta com tas e pássaros entrelaçados ao redor de uma cruz. Fonte: SCHIMITZ, 2008.
Figura 6 - Expressionismo Pictórico Espanhol, ilustração do Livro das Revelações (c. 1047). Fonte: SCHIMITZ, 2008.
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Devido ao próprio período histórico, marcado por guerras e pestes, houve um surto na produção de manuscritos referentes ao Apocalipse. A obscuridade da época também era reetida na produção gráca, caracterizada por ilustrações e texto de uma trama densa e detalhada, dando uma ar pesado e agudo aos livros. No século XIII iniciou-se a ascensão das universidade e, consequentemente, o aumento do número de estudantes, fazendo com que houvesse um crescimento abrupto na necessidade de livros; “A capacidade de ler e escrever estava em alta e iluminadores prossionais leigos surgiram para ajudar a atender à demanda crescente por livros” (MEGGS e PURVIS, 2009, p. 78). A ilustração começa a mudar seu papel ao m da Idade Média. Quem consumia os livros, em sua maioria, passou a ser o público letrado impulsionando os ares de mudança Renascentista que chegavam à Europa. O Renascimento se estendeu no período entre os anos de 1300 e 1650 sendo considerado como “o reviver dos ideais clássicos”. Contudo, apenas esta denição não dá conta da amplitude dos acontecimentos da época. Como declara a historiadora Maria das Graças V. Santos: Ocorreram nesse período muitos progressos e incontáveis realizações no campo das artes, da literatura e das ciências, que superaram a herança clássica. O ideal do humanismo foi sem dúvida o móvel desse progresso e tornou-se o próprio espírito do renascimento (SANTOS, 2001, p.78).
Este momento histórico impulsionou a experimentação artística e tecnológica, sendo um período fértil para uma revitalização do que pode ser considerado o design gráco da época, até então completamente ligado à perspectiva teocêntrica da Igreja.
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2.3 EIS QUE SURGE A IMPRENSA Não se sabe ao certo como e quando o papel e a impressão xilográca chegaram à Europa, mas provavelmente ocorreu durante o período das Cruzadas do século XII. O oriente médio já usufruía dessas invenções chinesas que lentamente haviam chego até sua região, mas somente seis séculos após de seu surgimento elas se expandiram para velho mundo. A primeira aplicação da impressão por blocos de madeira entalhados foi para a produção de jogos de baralho no início do século XIV. Apesar de ser extremamente mal vista pela Igreja, ela rapidamente se expandiu entre todas as classes sociais. Contrapondo os jogos, iniciaram-se impressões de estampas devotas de santos que evoluíram para livros xilogravados com temas religiosos e breves passagens escritas, muitas vezes nalizadas em cores com aquarela [gura 7]. No início desse mesmo século o mercado de livros manuscritos havia crescido incrivelmente e os scriptorium não conseguiam dar mais conta da crescente demanda que surgia impulsionada pelos novos intelectuais e universitários. Sem o papel, também de nada adiantaria a invenção de um processo mecanizado de impressão pela falta de suporte que haveria, mas com a implantação de uma fábrica de papel em Fabriano na Itália em 1276 e em Troyes, França, quase oitenta anos depois, as tentativas de mecanização para a produção de livros já eram possíveis.
Com o novo e versátil material disponível em grande escala, as pesquisas em torno da impressão por blocos de madeiras e outras formas como o próprio tipo móvel se expandiram em países como Itália, França, Holanda e Alemanha. Apesar das tentativas acontecerem paralelamente em tantos
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Figura 7 - Páginas de Ars Memorandi per Figuras Evangelistarum (c.1470). Fonte: Meggs e Purvis, 2009
lugares, foi Johan Genseish zur Laden zum Gutenberg na cidade de Mainz, Alemanha, que desenvolveu primeiramente um sistema por tipos móveis que permitisse a impressão de um livro, por volta do ano de 1450. Chegou a ser chocante o impacto que a invenção de Gutemberg teve para a sociedade, o conhecimento podia expandir seu alcance muito mais rapidamente e a reprodução do saber não era mais detida apenas pela Igreja. Como declarou Victor Hugo em seu livro Notre-Dame de Paris (1831) : A invenção da imprensa é o maior evento da história. É a mãe da revolução. É o modo de expressão da humanidade que é totalmente renovado, é o pensamento humano despindo e vestindo uma outra forma, é a completa e denitiva mudança de pele dessa serpente simbólica que, desde os dias de Adão, tem representado a inteligência (1831, tradução nossa 2).
O surgimento da imprensa afetou toda a estrutura católica, os monastérios passaram a perder sua clientela e por consequência muitos iluminadores e escribas tiveram seus trabalhos ceifados, mas tais mudanças foram bastante gradativas. Apesar de mudarem os processos de reprodução, a aparência geral dos impressos continuou completamente baseada nos manuscritos eclesiásticos da época, mantendo a sensação de que os livros eram escritos a mão. É como fala Adrian Forty (2007, p.20), a sociedade tem uma resistência natural a mudanças então uma das maneiras de provocar a aceitação do público é fazendo com que os novos produtos pareçam com algo que já seja bastante familiar a ele. 2 The invention of printing is the greatest event in history. It is the mother of revolution. It is the mode of expression of humanity which is totally renewed; it is human thought stripping off one form and donning another; it is the complete and denitive change of skin of that symbolical serpent which since the days of Adam has represented intelligence. 40
Os tipos produzidos por Gutenberg foram baseados em uma textura3 quadrada muito popular na Alemanha da época, sendo desenhados e esculpidos um a um para depois serem produzidos moldes a partir deles. Seu maior e mais conhecido projeto foi a Bíblia de 42 linhas ou Bíblia de Gutenberg [gura 8]. Tamanha era a perfeição e detalhamento do projeto que chegaram a surgir rumores de que as Bíblias eram vendidas como se fossem manuscritos. Belíssima, possui duas colunas de textura densa com capitulares impressos em vermelho e azul, ou apenas umas das duas cores. Com o advento de uma guerra em Mainz por volta de 1462, muitos grácos e aprendizes fugiram da cidade levando consigo equipamentos e o conhecimento necessário para o desenvolvimento de novas grácas tipográcas em outros países da Europa. A impressão se expandiu com grande velocidade, sendo praticada em mais de 150 cidades até os últimos anos do século XV. Com mais de 9 milhões de exemplarem produzidos a um preço muito inferior do que os livros manuscritos, o analfabetismo declinou vertiginosamente. A bela prossão dos escribas perdia seu valor, o que se pensava que aconteceria igualmente com os iluminadores e impressores de xilograas e gravadores. Contudo, na Alemanha iniciava-se o desenvolvimento do inovador design de livros ilustrados. Escribas e iluminadores passaram a ser contratados para a fazer modelos de layouts e estudos para xilograas. Seus notórios conhecimentos foram absorvidos pela nova indústria gráca alemã que iniciou um crescente mercado literário. Impulsionados pela boa aceitação da publicação de A morte do Lavrador 4 por volta de 1460, os livros tipográcos aumentaram em muito o uso de ilustrações xilográcas. As 3 Textura é como era chamada a tipograa Gótica, com aspecto pesado e mancha forte. Fonte: Meggs e Purvis, 2009. 4 Título original: Der Ackerman aus Böhmen 41
Figura 8 - Páginas da Bíblia de Gutemberg (c. 1452 - 1455). A obra de dois volumes compreende 1.282 páginas com 42 linhas com 31 cm (largura) x 43 cm (altura) (HEITLINGER, 2007). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
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cidades de Ausburgo e Ulm, já conhecidas pelos seus baralhos xilográcos e produção gráca religiosa, passaram a ser também um pólo de livros ilustrados. Não era comum que ilustradores tivessem seus nome nas publicações produzidas pelos mesmos, permanecendo sua identidades desconhecidos por grande parte do público. Erhard Reuwich foi o primeiro ilustrador de livros identicado com a obra Peregrinações ao monte Sião5, com imagens de enorme detalhamento, sendo o primeiro com grandes páginas dobráveis, mostrando panoramas de sua viagem com o autor Bernardo de Breindenbach [gura 9]. Seu claro caráter documental foi bem desenvolvido com o uso de desenhos a pena, produzindo xilograas extremamente detalhadas, técnica essa que passou a ser largamente utilizada no período e em várias décadas depois.
Começaram a surgir grandes variedades de técnicas de desenho, passando a serem produzidas imagens absolutamente realistas de cenas imaginadas ou não pelo ilustrador, e caso o projeto pedisse, formas mais simplicadas 5
Título original: Peregrinationes in Montem Syon 43
gura 9 - Ilustração de Erhard Reuwich, páginas abertas de Peregrinationes in Montem Syon (c. 1486). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
adequadas ao conteúdo do livro. As ilustrações passaram a ser mais especializadas, sendo produzidas para ns especícos como em manuais ou livros didáticos, histórias fantásticas e contos cotidianos, variando assim na sua forma e estilo e técnica empregada. A estreita parceria entre o editor, o escriba e o ilustrador se revigorou nesta época, utilizando os antigos prossionais produtores de manuscritos para a confecção dos desenhos de tipos, croquis e layouts de livros. Um dos poucos registros do processo de produção que restaram dessa época são Liber Chronicarum, de 1493, [gura 10], construído pelos ilustradores Michael Wolgemuth e Wihelm Pleydenhurff . Eles foram responsáveis pelos rascunhos das páginas, preparação das xilogravuras e também pelo acompanhamento da impressão dos livros, procedimento que se deu em diversos outros trabalhos de editoras que produziam livros ilustrados. Figura 10 -
Respectivamente, páginas de estudo de layout e impressão nal de Liber Chronicarum (c. 1493). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
Os acabamentos ilustrados do livro não se restringiam às grandes guras relacionadas diretamente ao conteúdo do texto. Adornos ao redor da página, junto às capitulares e na folha de rosto também faziam parte do projeto pictórico dos ilustradores, transmitindo o pensamento do período. Por característica do próprio design renascentista, houve uma grande exploração 44
de todos os espaços da página, sendo fartamente utilizados orais com padronagens trazidas da antiguidade clássica e importadas da cultura islâmica oriental. Como era de se esperar, os processos de produção desses adornos se modicou com a exploração das tecnologias de impressão da época. “O livro continuava a ser uma colaboração entre o impressor tipógrafo [...] e o Iluminador, que adicionava iniciais e ornamentos. O passo lógico seguinte era imprimir tudo em uma prensa” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.126). Inicialmente usando módulos de peças xilográcas, os belos oreios do período embelezavam o conteúdo do livro e ilustravam a folha de rosto que começava a ser melhor aproveitada. As edições não possuíam capa, sendo essa encomendada pelo comprador caso este desejasse uma proteção ou enriquecimento da obra. A função informativa do volume e o clima da história era encontrada na folha de rosto, sendo um dos lugares de maior exploração criativa do livro [gura 11]. Por séculos, ela representou a introdução ao conteúdo do livro, havendo uma parceria entre o tipógrafo e o ilustrador para a composição da mesma. O desenvolvimento de novas formas de impressão das ilustrações também impulsionou o desenvolvimento criativo do livro. Técnicas como gravura em cobre davam mais liberdade para a criação do ilustrador, reproduzindo quase que fotogracamente cenas do livro. Em décadas a gravura em metal substituiu grande parte das xilogravuras, passando a ser mais comuns desenhos rebuscados e detalhados nas publicações e, após décadas de reutilização da linguagem renascentista, a técnica oresceu sob inuência do Rococó no séc. XVIII. Esse movimento é caracterizado pelo requinte aristocrático e por expressar apenas sentimentos agradáveis, procurando dominar a técnica com uma execução perfeita (SANTOS, 2001, p.115). A caligraa rebuscada se desenvolveu neste período e, junto a ela, ilustrações de graciosa complexidade,
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Figura 11 - Impressor Jacques Kerver, folha de rosto de Discours du songe de Poliphile
(c. 1561). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
tendo seu berço fundamentalmente na França. Apesar da inuência do movimento por toda a Europa, o tipógrafo inglês Baskerville (1706-1775) iniciava um estilo moderno e limpo, com livros pouquíssimo adornados em folhas alvas e lisas, contrapondo a exuberância do Rococó. Com o tempo começaram a ser utilizadas ilustrações e adornos sem o exagero que havia até então, verdadeiramente pensando-se no que cada livro devia proporcionar sem os generalismos de cada movimento artístico. As pesquisas em torno das técnicas de impressão e produção do papel estavam avançando cada vez mais rápido, entrando na revolucionária era industrial que mudaria todas as estruturas do design gráco e da sociedade.
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2.4 A ERA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL O século XVIII foi marcado por gigantescas mudanças tanto no âmbito social quanto econômico da Inglaterra. O método de produção manufaturado começava a ser substituído pela ágil e extremamente lucrativa produção industrial, impulsionada pelo aperfeiçoamento da máquina a vapor. Com o massivo êxodo rural, as cidades se desenvolviam explosivamente absorvendo todas as classes que pretendiam fazer parte da nova sociedade capitalista. A industrialização se espalhou pela Europa e pela América do Norte em velocidade e aceitação variadas, mas mudando a perspectiva da sociedade invariavelmente, tornando-se terreno fértil para mudanças ideológicas mais profundas como as que instigaram a Revolução Francesa e a Independência dos Estado Unidos. O design gráco também começou a ter um caráter completamente diferente neste período, como declaram Meggs e Purvis: A comunicação gráca tornou-se mais importante e de acesso generalizado durante esse período instável, de incessantes mudanças. Tal como aconteceu com as mercadorias, a tecnologia reduziu os custos unitários e aumentou a produção dos impressos. Por sua vez, a maior disponibilidade criou uma demanda insaciável, que trouxe consigo a aurora da era da comunicação em massa (MEGGS e PURVIS, 2009, p.175).
Naturalmente não eram só pontos positivos que os novos tempos traziam, as perdas sociais foram grandes; ambientes de trabalho e moradias insalubres, exploração infantil e da mulher6 e dissolução de vários empregos que já não eram necessários nos novos tempos. As grácas de desenvolvimento 6 [.. .] mulheres e crianças faziam o trabalho pesado e ganhavam muito pouco, a jornada de trabalho variava de 14 a 16 horas diárias para as mulheres, e de 10 a 12 horas por dia para as crianças. (GOMES, 2007) 47
manufatureiro que não se adaptaram às novas regras comerciais acabaram fechando, tendo muitos de seus prossionais desempregados ou trabalhando para seus concorrentes mecanizados. Era o m da arte manual e o início da especialização das funções fabris, consequentemente iniciou-se a separação entre o projeto e a produção nas artes grácas. Em poucos anos, a energia a vapor movimentava grande parte dos processos industriais de produção, o que não foi diferente no ramo editorial que antes se restringia a livros e folhetins. Com o aumento estrondoso da velocidade de impressão já era possível a veiculação de jornais, revistas e cartazes publicitários. Papeis de maior qualidade e enormes formatos eram produzidos buscando saciar a nova demanda de impressos. Os prossionais que antes eram fundamentalmente voltados para a produção de livros, como os tipógrafos e ilustradores, agora se espalhavam para os muitos ramos de design que se abriam no início do século XIX. As imagens ilustradas e o processo de reprodução impressa das mesmas continuaram inalteradas e foi o advento da fotograa que modicou toda a maneira de produzir e reproduzir ilustrações. O primeiro a produzir uma imagem fotográca foi Joseph Niépce (1765-1833) em 1822, como impressor de litograas religiosas, ele estava pesquisando uma maneira automática de transferir os desenhos para a lâmina sem o lento processo manual de reprodução da ilustração na matriz de impressão. Suas lâminas de peltre7 revestidas com betume da judéia se mostraram ecientes para a reprodução de desenhos por contato direto, mas ainda não eram boas reproduzindo ambientes por exposição. Louis Jcques Daguerre (1799-1851) aperfeiçoou as pesquisas de seu amigo
Niépce após sua morte, produzindo imagens muito mais nítidas e precisas, 7 Peltre: liga metálica, fosca, esp. de estanho e chumbo, antigamente us. na fabricação de utensílios domésticos (bemfalar.com). 48
as quais ele chamou de daguerreótipos, mas com imagens de tamanho pré-determinado e lâminas únicas. Willian Henry Fox Talbot (1800-1877), desenhista por hobby , pesquisava uma maneira de xar imagens de belas paisagens de maneira mais bem realizada do que suas próprias aptidões permitiam. Com suas pesquisas, ele desenvolveu uma maneira de xar em um papel tratado imagens negativas de objetos e ambientes. Com auxílios de outros prossionais em seus estudos, Talbot encontrou formas de interromper a ação da luz no papel e de reproduzir uma imagem positiva com o contato direto do negativo no papel fotográco. Ele publicou o primeiro livro ilustrado com fotograas em 1844, The Pencil of Nature [gura 12], e desenvolveu lâminas de impressão fotossensíveis que futuramente viriam a mudar todo o processo de produção dos impressos. As pesquisas em torno da reprodução mais simples e barata de ilustrações para impressos continuaram a partir do que já se conhecia de fotograa na Europa, contudo antes de se desenvolver chapas fotossensíveis para a impressão, as fotograas serviam como referência para ilustrações documentais, principalmente para ns jornalísticos. A partir da lâmina de impressão de Talbot foi desenvolvido em Nova York um processo de separação dos tons da foto em pontos de retícula, permitindo enm a impressão de imagens fotográcas em 1880. As mudanças na produção editorial não paravam, tornando obsoletos métodos empregados por séculos. Imprimir a cores era o próximo passo a seguir: As primeiras ilustrações fotomecânicas em cores foram impressas na edição de Natal de 1881 da revista parisiense L’Illustration. Complicada e demorada, a separação fotomecânica de cores permaneceu experimental até o nal do século. Durante os anos 1880 e 1890, a reprodução fotomecânica rapidamente 49
Figura 12 - Páginas do livro de Talbot , The Pencil of Nature (c. 1844). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
começou a tornar obsoletos os artesãos altamente qualicados que transferiam os croquis dos artistas para lâminas de impressão feitas à mão. Preparar uma xilogravura complexa podia exigir até uma semana de trabalho; os processos fotográcos encurtaram o tempo, do original até a lâmina de impressão, para uma ou duas horas, com grande redução de custos.(MEGGS e PURVIS, 2009, p.192).
Em pouco mais de 60 anos desde os primeiros testes com materiais fotossensíveis para a captação de imagem com Niépce, diversos inventos surgiram na área recebendo os mais variados nomes, geralmente baseados em seu autor. Daguerreótipos, desenhos fotogênicos, calótipos, todos contribuíram para o processo de fotograa com lmes que foi descoberta por George Eastman (1854-1932), criador da inovadora câmera Kodak (1888) que permitiu que a fotograa ampliasse seu alcance a toda pessoa que quisesse captar uma imagem. A fotograa permitia uma nova exploração da imagem, facilitando em muito a circulação de notícias. O caráter documental e de xação de um momento histórico dava a fotograa um status que antes pertencia à ilustração; “À medida que a reprodução fotomecânica substituía as lâminas feitas à mão, os ilustradores ganhavam nova liberdade de expressão” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.195). A fotograa passou a ter o papel de documentar fatos e a ilustração iniciou sua exploração nas áreas pouco desenvolvidas da representação fantástica e ccional. Antes mesmo do estudo entorno da reprodução fotográca, foi descoberta a litograa por Aloys Senefelder . De acordo com Lorenzo Baer, Senefelder desenvolveu a técnica planográca8 entre os anos de 1796 e 1798 e esta 8 Método de impressão realizada a partir de uma superfície plana, nem escavada nem com relevo como nas técnica utilizadas até então (BAER, 2004, p. 186). 50
consistia na confecção de um desenho na superfície da pedra calcária com algo de base oleosa, as partes oleosas da pedra atraíam a tinta enquanto as outras áreas, pré-umedecidas com água repeliam a tinta formando assim a imagem a ser reproduzida (2004, p.186). A evolução da técnica foi denominada cromolitograa, patenteada pelo impressor francês Godefrey Engelmann em 1837, revolucionou o mercado editorial e as áreas de atuação do designer gráco. Nos EUA, suas aplicações coloridas fervilhavam em criatividade e surgiram ramos competitivos de embalagens, cartazes, anúncios, cartões comerciais e revistas com belíssimas ilustrações cromolitográcas [gura 13]. Muitos ilustradores, antes destinados apenas aos livros e produções artísticas, migraram para esses novos ramos do design que possuíam uma enorme demanda de trabalho. O público-alvo começava a ser observado e melhor explorado; um caso excepcionalmente interessante é o do público infantil. Até a Era Vitoriana (1837-1901) as crianças eram tratadas como miniadultos, mas mesmo assim podiam ser encontrados publicações que eram amplamente consumidas pelo público mirim. De acordo com Alan Powers (2008, p.10) a produção de chapbooks, vendidos por ambulantes (champmen) já remontava do século XVI, não eram destinados especicamente às crianças, mas por seus contos folclóricos e fantásticos, despertavam o interesse do público infantil. Esses pequenos folhetins foram evoluindo e caindo até que a preocupação com a alfabetização, gerada pela visão positivista que se instalava na Europa, começou a gerar uma demanda ainda maior de livros, pensados especicamente no consumidor e nas necessidades do mesmo. Naturalmente, a ilustração era amplamente explorada nesse tipo de publicação [gura 14], anal, além de sua excelente função didática, ela era um grande chamariz para o livro, conseguindo conquistar a atenção de seus pequenos leitores.
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Figura 13 - Coletânia de peças grácas de L. Prang and Company e outros, (c. 1880). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
Figura 14 - A Frog he Would a-Wooing (Um sapo foi corterjar), obra de Rudolph Caldecott - autor e ilustrador, 1883. Possui 20,4 cm x 13,7 cm. Fonte: Alan, 2008.
O ilustrador era um personagem essencial na criação do projeto editorial literário, sendo este um dos nichos de maior absorção de sua mão de obra. A ligação fortíssima entre a ilustração e a literatura infantil começava começava a se dar nesse período da metade do século XIX, mas a ilustração não se restringiu a esse gênero literário, muito pelo contrário, nas terras norte-americanas o ramo editorial teve um salto na exploração ilustrativa ilustrativa das publicações, porém, com um estilo muito próprio que se fez sob grande inuência de Howard Pyle (1853-1911). A respeito desse período Meggs e Purvis relatam: O trabalho e o talento extraordinário de Pyle como professor zeram dele a principal força de deagração do período chamado de a Era de Ouro da Ilustração Americana. Entendendo-se pelas décadas de 1890 a 1940, esse período na história das c omunicações visuais nos Estados Unidos foi dominado em grande medida pelo ilustrador. Os editores de arte das revistas selecionavam os ilustradores cujos trabalhos ofuscasse os formatos tipográcos rotineiros. Muitas vezes, os leiautes de anúncios funcionavam como guias para ilustrador, indicando quanto espaço deixar para o texto(MEGGS e PURVIS, 2009, p.211).
Certamente o maior foco da época era direcionado aos novos meios de comunicação editorial como revistas e jornais, mas os volumes de pequenos romances com 16 a 32 páginas chamadas de nickel novels ou story papers ganhavam grande espaços nas bancas Ficava a cargo do ilustrador explorar os 20 a 30 cm de espaço que a capa possuía, tendo que competir ferozmente com os muitos volumes que dividiam a banca do jornaleiro. Esses pequenos livrinhos se tornaram bastante populares no EUA, sendo encontrados em bancas de todo o mundo até os dias atuais.
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2.4.1 MOVIMENTOS IDEOLÓGICOS E ARTÍSTICOS Estando o design gráco entre o artístico e o industrial é natural de se perceber que os movimentos sócio-culturais inuenciam a estética e até mesmo o modo de realizar seus projetos. Um bom exemplo disto encontra-se na reação à produção industrial denominado Arts and Crafts (Artes e Ofícios) liderado por William Morris. No século XIX, a explosão industrial vitimou a qualidade das publicações literárias, e na busca por produções mais rápidas e baratas a qualidade dos livros decaiu consideravelmente. Contudo, haviam algumas exceções, como os livros do editor inglês William Pickering (1796-1854) que era especializado em títulos raros e antigos, mas mesmo com seu esforço e o de alguns outros grácos da época, a qualidade editorial continuava a ser atropelada pela velocidade produtiva que só aumentava. aumentava. Morris e seus seguidores desprezavam os bens produzidos
em massa e os consideravam de qualidade e até moralmente inferiores aos manufaturados. O movimento inuenciou a produção de arte, arquitetura e de designers grácos da época. No ramo editorial eram renovados os conceitos góticos e medievais na criação de livros desde sua diagramação de seus tipos e ilustrações - até sua produção que se dava através de prensas manuais e imagens xilogravadas [gura 15].. A inuência do Arts and Crafts ultrapassou em muito as 15] artes grácas: “Seu impacto positivo no design gráco continua um século após a morte de William Morris graças à retomada de tipos anteriores, aos constantes esforços rumo à excelência exce lência do design e na tipograa de livros [...] (2008, p.242).”
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Figura 15 - Produção de William Morris, livro The Works of Geofrey Chaucer, (c. 1896). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
Figura 16 - Eugène Grasset , páginas internas de Histoire de quatre ls Aymon (c. 1883). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
Outro movimento artístico de fortes repercussões no design editorial foi o Art Nouveau (Arte Nova), que também ia muito além deste ramo, inuenciando a estética de todo o ambiente social entre 1890 e 1910 do velho e do novo mundo. Este estilo internacional de inspiração japonesa era caracterizado por suas linhas curvas e orgânicas e usava de temas naturais como pássaros e plantas, além da própria gura feminina para a construção de seus projetos. Delicadas ilustrações interagiam com textos e títulos dando uma leveza única às publicações como no caso de História dos quatro lhos de Aymon9 lançado em 1883 [gura 16]. 16]. O livro teve um processo de impressão pioneiro que combinava combinava o grão da água-tinta com fotograa colorida permitindo a reprodução das sutís aquarelas de seu ilustrador e designer Eugène Grasset . Seu estilo de traço marcante e cores suaves, além de suas molduras e interações entre texto e imagem, foram amplamente absorvidas pela comunidade artística e de designers, mas outros grandes nomes cabecearam a estética do movimento como Chéret, ToulouseLautrec e principalmente Mucha. Alfons Mucha possuia como tema central mulheres irreais e etéreas
emolduradas de formas sensuais de plantas, ores e mosaicos bizantinos. Ele passou a ser tão conhecido com seu traço característico que chegou a ser usada a expressão le style Mucha como sinônimo de l’art nouveau. Um dos principais motivos para o artista gráco ser tão conhecido foi por seu volume gigantesco de produções, como no caso do livro Ilse, Princesa de Trípoli 10 [gura 17], 17], para o qual produziu 134 litograas em apenas 3 meses. Figura 16 - Mucha, páginas internas de Ilsée, Princesse de Tripoli (c. 1883). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
9 Título original: Histoire de quatre ls Aymon. 10 ítulo original: Ilsée, Princesse de Tripoli. 54
A estética de Mucha, e de designers e artistas do período foram os primeiros passos rumo a libertação criativa característica do século XX. Os projetos literários, e de diversos outros ramos do design gráco gerados por inuência da Arte Nouveau eram extremamente inovadores, quebrando com a repetição visual que havia até então. Foi o início de uma exploração estética e losóca que tentava fugir do lugar comum direcionando o design a novas representações que combinavam mais com o momento de transformações sociais das próximas décadas. A organicidade da Art Nouveau iniciou um processo de geometrização dando vazão a uma abordagem retilínea e angular dos espaços, preceitos migrados da inovadora arquitetura nova-iorquina de Frank Lloyd Wright (1867-1959). “A repetição de zonas retangulares e o uso que Wright fazia da organização espacial assimétrica foram adotados por outros designers” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.285). Estes temas de motivos lineares e geométricos podem ser vislumbrados no livreto de 25 páginas, Celebração da vida da arte: uma consideração sobre o teatro como símbolo mais alto de uma cultura11, do designer, artista e arquiteto Peter Behrens [gura 18]. Exaltador da tipograa sem serifas, buscava uma reforma dos tipos e das formas, aplicando padrões curvos e angulares com um controle quase que matemático da forma em seus projetos, numa “tentativa deliberada de expressar o espírito da nova era” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.299). Era o início do design modernista que renovava a visão imagética do livro. A arte moderna nascia da efervescência social, cultural e tecnológica que marcaram o início do século XX. O Cubismo fragmentava planos e guras, desconstruindo com quatro séculos de tradição renascentista, enquanto o 11 título original: Feste de Lebens und der Kunt: eine Betrachtuhg de Theatrers als Hochsten Kultursymbol.
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Figura 18 - Peter Behrens, página de texto para Feste de Lebens und der Kunt: eine
Betrachtuhg de Theatrers als Hochsten Kultursymbol (c. 1900). Fonte: Meggs
e Purvis, 2009.
Futurismo trazia uma poesia explosiva iniciando a tradição de expressão
através da tipograa, deixando de lado a preocupação com alinhamentos ou paradigmas de grid . Em meio trágicos anos da Primeira Guerra insurge o Dadaísmo , com sua linguagem exaltadora do nonsense e do desconexo, usou toda forma gráca possível para transmitir o absurdo que se instalara no ambiente mundial, desde arranjos tipográcos à colagens fotográcas. A arte dadaísta inspirou ainda vários outros movimentos como o Surrealismo, a arte conceitual, a Pop Art e o Expressionismo Abstrato. Várias nações expressavam de formas variadas seus olhares sobre a situação tumultuada na qual encontrava-se a Europa pós-guerra e, países como Holanda e Rússia, iniciaram uma nova abordagem onde “a arte poderia ir além dos limites da imagem gurativa12 para a invenção da forma pura”(MEGGS e PURVIS, 2009, p.372). Figura 19 - El Lissitzki , capa do livro Die Kunstimen (c. 1924). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
No design, houveram diversos artistas grácos que se destacaram com uma produção experimental característica, fazendo uso de foto-montagem, gravação, pintura e tipograa, buscando desenvolver técnicas que ilustrassem apropriadamente a época. Era uma época marcada pela comunicação visual ideológica.O Suprematismo e o Construtivismo russo faziam vasto uso de Formas geométricas e cores puras buscando, em alguns casos, uma representação que rejeitava a imagem gurativa, dando lugar à “expressão do sentido”. Estas características podem ser contempladas no livro projetado por El Lissístiz com o dadaísta Hans Arp, Os ismos da arte13 [gura 19], no qual o emprego dos tipos é de suma importância na composição visual do livro. A tipograa passa a receber
12 Os conceitos de ilustração, assim como seus diversos tipos, serão abordados mais profundamente no capítulo III 13 Título original: Die Kunstimen. 56
a função de ilustração 14 nos projetos, expressando o conteúdo do texto através de sua forma, cor e disposição, estando ela sozinha ou acompanhada de outros elementos pictóricos. A indústria editorial russa teve um salto em sua produção, alavancada principalmente pelos livros infantis onde a abordagem de cores puras e formas simplicadas fez enorme sucesso. Vladimir Vassiliévich era considerado o pai do livro ilustrado russo, segundo ele, o artista devia mostrar seu enfoque no livro , “[...] quanto mais o artista mostra sua personalidade em seu trabalho, mais ecaz será sua arte, mais profunda será sua inuência sobre o leitor [...]” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.388). Esse pensamento não era compartilhado pela maioria dos artistas grácos que produziam em uma unidade mais ideológica que pessoal. Na Holanda, o movimento The Stijl possuía características plásticas parecidas com as produções russas, mas desenvolveu-se quase que isoladamente, motivado por uma busca artística pelo equilíbrio e harmonia, repensando a arte aplicada em busca da transformação do objeto vulgar de nosso dia-a-dia em arte. Em alguns anos a inuência destes movimentos espalhou-se por toda a Europa e começou a surgir um novo olhar sobre as noções de forma e função, não apenas no design gráco, como também no design industrial e na arquitetura. A Alemanha era, nesse período, um dos grandes pontos de encontro para a troca de ideias vanguardistas entre o Ocidente e o Oriente europeu e tornou-se palco da revisão de conceitos de arte aplicada e Design, culminando na criação da tão inuente escola Das Staaliche Bauhaus15, em 1919.
14 Os signicados e conceitos de Ilustração serão abordado no capítulo III e IV desta pesquisa. 15 A tradução literal é “Casa Estatal de Construção” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.403) 57
Em seu primeiro momento a Bauhaus buscava a integração entre a arte e a habilidade manual, mas com o tempo seu slogan se modicou passando a ser “Arte e tecnologia, uma nova Unidade” (MEGGS e PURVIS, 2009, p.405). A máxima A forma segue a função passou a ser a diretriz de pensamentos da escola que se tornou clara através de seus projetos desenvolvidos.
Imagem 20 - Lázló Moholy-Nagy, sobrecapas para quatro livros da Bauhaus (1924-1930). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
De acordo com Meggs e Purvis, “A clareza absoluta da comunicação era ressaltada, sem noções estéticas pré-concebidas” (2009, p.406) e por essa razão a ilustração como era conhecida começou a se modicar, o desenho como forma de representação textual foi sendo substituído pela fotomontagem, formas geométricas abstratas e expressão tipográca [gura 20]. Segundo a concepção geral docente e discente da Bauhaus e de diversos outros designers do período, essa era uma maneira de os projetos grácos, não apenas os livros, mas todas as produções de design, não deixarem transparecer um individualismo na obra. Foi gigantesca a inuência da ideologia bauhausiana no design como um todo, sendo amplamente utilizada até os dias atuais. Com a dissolução da escola em 1933, muitos de professores, como o fundador Walter Gropius, fugiram para os EUA e outros países da Europa, escapando da perseguição nazista que já se instalara na Alemanha, disseminando assim o pensamento funcional da Bauhaus. Apesar da aceitação do design funcionalista por uma grande massa de designers grácos, ela não era de longe a única abordagem existente, a contínua experimentação e quebra de valores que ocorreram na primeira metade do século XX permitiu que os ilustradores e designers libertassemse de conceitos pré-concebidos de projetos, passando a criar com mais criatividade, de maneira a explorar ao máximo os projetos editorias de livros.
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2.4 NOVOS PARADIGMAS DA ILUSTRAÇÃO O uso predominante da ilustração gurativa nos livros passou a ser questionada pelos designers nos anos de 1940 e 1950. Tornou-se claro que essa forma de representação já não era suciente para transmitir ideias visuais mais profundas, como nos dizeres de Meggs e Purvis: Numa busca similar por nova formas de expressão, as décadas após a Segunda Guerra Mundial assistiram ao desenvolvimento da imagem conceitual no design gráco. Essas imagens transmitiam não a mera informação narrativa, mas ideias e conceitos. As ideias associaram-se ao conteúdo percebido, que passou a ser tematizado. O ilustrador que simplesmente interpretava o texto de um escritor deu lugar a um prossional preocupado com o projeto total do espaço, que trata palavra e imagem de forma integrada e, sobretudo, cria sua próprias armações. (MEGGS e PURVIS, 2009, p.547)
O papel gurativo passou aos poucos à fotograa que já estava plenamente estabelecida por volta de 1950. Sua comunicação objetiva deu abertura a um outro espaço pouco explorado que foi tomado pela ilustração. A imagem ilustrada podia dar mais signicado ao projeto e a relação entre o ilustrador e o designer gráco tornou-se mais íntima e complexa. Um ótimo exemplo de aplicação da ilustração conceitual está na capa do livro de Paul Rand, Arte moderna na sua Vida [gura 21], onde o designer faz parecer que a arte é algo impregnado no cotidiano das pessoas, tão banal quanto uma simples refeição - o designer (no caso também ilustrador) passa a ter voz na comunicação do livro. Naturalmente, não devem ser feitas generalizações quanto ao uso da ilustração conceitual, ou de qualquer outro gênero, e é papel do designer perceber as necessidades comunicionais que o livro a ser trabalhado possui. 59
Figura 21 - Projeto de Paul Rand, Modern Art in Your Life (1949). Fonte: Meggs e Purvis, 2009.
O passar das décadas trouxe cada vez mais ferramentas que permitiram aos artistas grácos irem além das limitações impostas pelos materiais e técnicas existentes. A tecnologia de edição de imagem digital, popularizada nos anos 1980 e 1990, parecia vir para quebrar as fronteiras de possibilidades produtivas, um impacto no design gráco que só é comparável à invenção da imprensa. Os prossionais das artes grácas podiam se desapegar dos limites impostos pelos materiais usados até então, possuindo liberdade para experimentar outras áreas, como fotograa, arquitetura e artes plásticas, criando projetos ainda mais complexos com o uso técnicas mistas. Há diversas discussões em torno dos novos paradigmas abertos pelas tecnologias digitais e pela própria internet, contudo, é importante ressaltar que independentemente das ferramentas que o ilustrador e o designer gráco passaram a ter acesso, não deixa de ser de grande valia conhecer cada detalhe do objeto a ser produzido. A intricada relação entre texto e imagem só pode ser bem desenvolvida a partir de um estudo minucioso do produto livro, levando os prossionais grácos a expressar da melhor maneira possível o conteúdo que será abordado neste suporte milenar.
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3 A ILUSTRAÇÃO E O LIVRO Ao pensar em livro ilustrado, é comum vir à mente a imagem de desenhos em capas e dispersas pelo volume, reiterando o texto da publicação. O próprio termo desenho não é exatamente adequado quando tido neste contexto, apesar de ser amplamente utilizado ao referir-se à ilustração. Por conta destas confusões que naturalmente acontecem é necessário compreender seus conceitos, já que muitas vezes eles são usadas de maneira generalizada e até errônea. De acordo com o dicionário Michaelis de Língua Portuguesa (2011), o desenho pode ser: “1 Arte de representar objetos por meio de linhas e sombras. 2 Objeto desenhado. 3 Delineação dos contornos das guras. 4 Delineamento ou traçado geral de um quadro.” Esses são apenas alguns dos signicados dados à palavra que possui diversas denições, sempre variando de acordo com seu contexto, porém o mais importante a ressaltar é a sua diferença em relação a ilustração. Para o autor Bruno Grossi, o desenho pode ser considerado com uma produção descompromissada, sendo um suporte artístico para qualquer assunto ou ideia. Pode ser produzido da mesma forma que a ilustração, porém sem nenhum objetivo claro na sua confecção, sem o que pode ser chamado de função (GROSSI, 2011). Entretanto a presente autora considera que esta denição é um pouco equivocada, considerando que o desenho pode possuir uma função, que se encerra nele próprio, não estando necessariamente
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aliado ao outro objeto, suporte, ou texto, aproximando-se assim do conceito de produção artística16. Já “O vocábulo “ilustrar” sugere um conceito e predispõe a idéia (sic) de que a gura tem denida sua função, ou seja, a de complementar a linguagem escrita” (LIMA, 1985, p.107). Um desenho pode ser uma Ilustração, se estiver inserida em um contexto funcional de complemento da escrita, mas nem toda Ilustração é um desenho. Para o ilustrador e pesquisador Luís Camargo (2010), “Ilustração é uma imagem que acompanha um texto. Essa imagem pode ser um desenho, uma pintura, uma gravura, uma fotograa etc”. Para o mesmo autor “[...] o papel da ilustração seria o de transformar palavras em linhas, formas, cores, personagens, lugares, objetos etc., ou seja, traduzir o texto para a linguagem visual” (CAMARGO, 2010). A função que a ilustração estará realizando é o que dene qual a técnica e tipo de representação que será escolhida para o projeto em questão, como será discutido mais a frente. A forma como essa imagem trabalhará com o texto é uma preocupação que todo designer deve ter em mente durante a elaboração do livro. De acordo com Lima (1985, p.107), este relacionamento entre o texto literário e a ilustração é extremamente complexa, considerando que por vezes cada um pode atuar como expressão autônoma e suciente, enquanto em outros momentos eles são dependentes e indispensáveis um ao outro. Pode-se dizer que a presença da ilustração no livro é estimulada pelo próprio gênero literário, que por sua natureza, em alguns mais do que em outros, se predispõe ao maior entrosamento com a imagem. Até mesmo o objeto “livro”, tão comum no cotidiano da pessoas, pode se tornar difícil de denir, apesar de quando indagada sua acepção, facilmente se forma uma imagem do mesmo, que no geral evoca o seu formato clássico
16 Este assunto será abordado com mais profundidade no próximo capítulo. 62
de codex. Ele possui as mais variadas denições, podendo ser considerado uma publicação impressa não periódica com no mínimo 48 páginas ou uma coleção de lâminas de marm, folhas de papel, pergaminho ou outro material em branco, manuscritas ou impressas atadas umas as outras (Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 2011). Dentre as muitas concepções do que seria um livro para a autora é a de Andrew Haslam a que melhor o dene: “Um suporte portátil que consiste de uma série de páginas impressas e encadernadas que preserva, anuncia, expõe e transmite conhecimento ao público, ao longo do tempo e do espaço” (HASLAM, 2007, p.9).
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3.1 AS PARTES DO LIVRO E SUA INTERAÇÃO COM A ILUSTRAÇÃO
O Livro que já há tanto tempo é objeto de estudo do artista gráco teve seu formato básico pouco alterado desde seu surgimento17, mas até suas menores partes constituintes podem tornar-se alvo da criatividade e do espírito inventivo do designer. Para tal, é necessário conhecer bem seu objeto de estudo de maneira que cada detalhe possa ser explorado, transmitindo a mensagem desejada na publicação. O mesmo se dá com o ilustrador, que precisa ter plena noção do suporte onde será aplicada sua criação para que a desenvolva da melhor forma possível, considerando o espaço e o material selecionados para o projeto. A seguir serão apresentadas as principais partes constituintes do livro.
3.1.1 Capa Morfologicamente, a capa pode ser considerada como a “Parte que envolve os cadernos do livro ou da brochura, já ordenados e constituindo o seu miolo.” (HEITLINGER, 2007), mas certamente essa denição não abrange todas as suas funções. Mais que uma proteção, ela é o primeiro contato do possível leitor com a obra, tenha ele buscado o livro pela capa ou pelo simples desejo de conhecê-lo pelo título, autor ou tipo de história.
Figura 22 - A Viage m de Théo, escrito por Catherine Clément. Fonte: Acervo Pessoal
Segundo Lima, a discussão sobre a função da capa remonta a própria história do livro moderno. Originalmente ela possuía a única premissa de proteção do miolo, mas a necessidade de lhe acrescentando algo que identicasse seu conteúdo acabou por unir a proteção com a anunciação de um contexto (1985, p.141). A lombada, a primeira e a quarta capa ou possíveis orelhas do livro venha são palco para a produção do ilustrador, sendo que 17 História do livro discutida no capítulo II. 64
são as restrições e intenções pré-determinadas para o próprio projeto que mediam onde e como as imagens serão reproduzidas. No livro A Viagem de Théo, escrito por Catherine Clément , apenas uma faixa de ilustração é colocada na parte superior da edição [gura 22]. Pode parecer apenas um detalhe, que em relação ao volume preto do livro, traz uma certa de sobriedade à capa. Contudo, ao se ler a história - ou mesmo a sinopse, a ligação entre as variadas paisagens apresentadas naquele pequeno trecho da capa se mostra, acrescentando à leitura da própria história.
3.1.2 Luva ou Sobrecapa A luva é um item opcional no livro, geralmente ela serve para a proteção do volume, replicando a capa que está cobrindo ou complementando a linguagem da mesma. Ela pode ser mais um elemento para a enriquecimento projetual da edição, como no New Masters of Posters Design, produzido e organizado por John Foster , do FUSZION Collaborative, onde a luva reitera o conteúdo do livro - sobre cartazes de novos designers proeminentes na área. Ao retirar-se a luva e desbobrá-la, tornar-se um grande cartaz [gura 23].
3.1.3 Guarda A função das guardas é a de unir o miolo à capa dura (HASLAM, 2007, p.162), entretanto é muito comum utilizar ilustrações nela, abordando o conteúdo da publicação, caso de Moby Dick, do autor Herman Melville, publicado pela Abril em 1983 [gura 24].
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Figura 24 - Autor Herman Melville, primeira guarda do livro Moby Dick (1983). Fonte: Acervo Pessoal
Figura 23 - Capa com e sem luva de New Masters of Posters (2008). Abaixo, luva aberta. Dimensões do livro: 23cm x 31cm, dimensões da Luva: 70cm x 59cm. Fonte: Acervo Pessoal
3.1.4 Miolo O miolo é um “Conjunto de folhas que constituem o interior de um livro ou publicação”(HEITLINGER, 2007) e é nesta parte que encontra-se o conteúdo do volume. Todas Todas as suas páginas constituintes podem ser s er ilustradas, entretanto serão listadas a seguir as que mais usualmente o são.
Folha de Rosto A folha de rosto rosto - ou frontispício frontispício frontal como já foi foi chamada chamada - é no geral geral pouco considerada nos projetos literários atuais, porém, em suas origens a chamada de rosto, portal ou fachada - como também podia ser denominada, era o centro das atenções e das ilustrações na publicação; “Criada primitivamente para cobrir o frontispício do volume, com o advento da capa e conseqüente (sic) transferência para o interior, interior, manteve todavia sua função informativa, tonandose a “página nobre do livro”, no dizer de Antônio Houaiss.”(1985, p.109). Sua função de introdução do clima e da história do livro passou a ser da capa, no entanto, ela continuou a esclarecer dados como o título, nome do autor e número da edição. Pode-se dizer que, atualmente, ela funciona como os créditos iniciais de um lme, ao preparar o leitor para a imersão gradativa na história, apresentando informações gerais da publicação e eventuais adornos e ilustrações mais complexas que reetem sutilmente conteúdo da publicação. A 48ª edição de O Pequeno Príncipe, do autor e ilustrador Antoine de Saint-Exupéry, Saint-Exu péry, reproduzido pela editora Agir [gura 25], 25], possui uma das ilustrações
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Figura 25 - Autor e ilustrador A ntoine de Saint-Exupéry , folha de rosto de O pequeno Príncipe (2009). Fonte: Acervo Pessoal
internas do livro, com sua pequena legenda, trazida para a folha de rosto, introduzindo delicadamente a própria história, sem de forma alguma “estragar as surpresas” que estão por vir. vir.
Frontispício Divisório
Figura 26 - Autora J. K. Rowling, página da primeira entrada de capítulo de Harry Potter and the Deathly Hallow (2007). Fonte: Acervo Pessoal
Frontispício divisório é a página página que separa as principais partes da obra(HEITLINGER, 2007) e possui uma função similar à da folha de rosto, apresentando o número e/ou nome da próxima parte do livro. Este recebe atenção variada de ilustrações, dependendo das premissas da edição.
Entradas de Capítulo A entrada de capítulo é uma das partes do livro que mais recebeu atenção decorativa ao longo de sua história. O capítulo é empregado na separação das seções de interesse da edição, sejam elas temas, conceitos ou apenas divisórias de uma história. Estampar seu início é uma dos métodos mais clássicos de abordagem ilustrativa no interior do volume. A publicação pode possuir páginas dividindo os capítulos onde a ilustração, quando empregada, varia de um adorno até uma produção, ocupando todo o espaço da folha. Ela pode também estar no cabeçalho da primeira página textual da seção - como no caso da Edição de Luxo americana de Harry 26] - ou em Potter and the Deathly Hallow , da autora J.K. Rowling [gura 26] qualquer outra parte, sendo eventualmente trabalhada com capitulares. No geral, a imagem faz alusão ao conteúdo do capítulo onde se encontra, mas de acordo com Lima, elas não precisam necessariamente ter ligação com o texto, podendo ser apenas uma motivação decorativa (1985, p.127).
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Páginas Correntes Fora as entradas de capítulo, são distribuídas em meio às páginas da publicação onde se encontram a maior parte das guras dos livros ilustrados. Essas imagens podem estar em qualquer parte da página servindo de adorno ou moldura, desenhada de forma integrada com a tipograa, ocupando uma página inteira (com ou sem apoio de legenda), ou mesmo em todas as páginas da edição, chegando eventualmente a dispensar o uso do texto. Todo gênero literário pode permitir que sejam realizadas ilustrações em suas páginas e a forma como elas serão apresentadas é capaz de denir o próprio gênero da publicação. Uma ilustração de características técnicas poderá ser encontrada em livros de abordagem mais didática [gura 27], enquanto que desenhos gurativos são comumente apresentadas em cções [gura 28].
Figura 28 - Autor Neil Gaeman, página dupla de Sturdust . Fonte: Acervo Pessoal.
Figura 27 - Autor Michael Rowley, página dupla de Kanji Pictográco: Dicionário Ilustrado Mnemônico Japonês-Por tuguês (2003). Fonte:
Acervo Pessoal
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3.2 TIPOS DE ILUSTRAÇÃO Ilustrações podem possuir innitas possibilidades de representação, de acordo com cada prossional que a produz e projeto no qual ela está inserida. Uma categorização de acordo com o estilo da imagem seria injusticada para os ns da presente pesquisa que visa abordar a visão projetual da ilustração editorial. A sua classicação será dada quanto a sua aplicação nos livros, ou seja, partindo de sua denição de imagem possuidora de função, serão categorizadas os tipos mais frequentes de representação de acordo com essa determinada função atribuída a ela na publicação. O ilustrador e educador Lawrence Zeegen, em parceria com a consultora criativa Crush, discutem em seu livro Fundamentos de Ilustração a respeito dessas funções, de forma geral é considerado que: O desenho pode ser usado para registrar, representar e retratar. Pode ser de observação ou de interpretação, pode reetir uma atmosfera ou um momento, ou ser utilizado meramente para expressar informações. O desenho é uma disciplina ampla e, em se falando de ilustrações, é levado ao limite pelas mão do ilustrador” (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.50)
A nomenclatura para os tipos de ilustração são variados, mas para trazer compreensão à questão foi determinado que a imagem: • que expressa informação passa a ser chamada de ilustração técnica; • de observação ou interpretação de ilustração gurativa; • que busca representar uma atmosfera de conceitual . Tais categorias foram estabelecidas tendo em mente o âmbito especíco das publicações de livros. Vale ressaltar que existem outros tipos de projetos editoriais e, por essa razão, também há outras funções dadas a ilustração. 70
Apesar de ser possível identicar esses três principais grupos de representação, não quer dizer que o limite entre elas seja completamente claro. É possível haver imagens que permeiam mais de uma função, mas para ns de reexão acerca das abordagens mais comuns da imagem ilustrativa no livro e de suas diferentes interações com o conteúdo literário é que elas estão sendo assim apresentadas neste trabalho.
3.2.1 Ilustração técnica Existem diversas formas de ilustrações técnicas, sendo elas segmentadas de acordo com suas funções especícas, todavia, todas elas poss uem em comum o fato de apresentarem dados e fornecerem denições visuais. Segundo Fuentes, “A ilustração é também muitas vezes [...] a única forma de demonstrar fatos ou processos não visíveis(2006, p.83), por isso seu uso é comum para representar desmontagens de máquinas e vistas explodidas, representações de cunho cientíco (ilustrações anatômicas, de procedimentos, de animais, entre diversos outros temas) e diagramas sequências que expliquem um processo a ser realizado. A fotograa é extremamente utilizada nesta função, servindo como uma ilustração altamente direta, na qual a imagem assume o lugar do próprio objeto. Segundo Fuentes: “A fotograa de objetos, situações ou personagens, do ponto de vista puramente informativo, e em alguns casos quase cientíco, traz ao projeto de design a possibilidade de comunicar a informação de forma detalhada e, até onde funcione a ilusão perceptual, com credibilidade” (FUENTES, 2006, p.85).
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Com o surgimento de ferramentas computacionais de renderização, como programas de simulação 3D e de pinturas digitais, a foto começou a dividir e talvez até perder um pouco do seu espaço de representação el do real, entretanto o mais importante a se observar a função para a qual todas elas se destinam. As Ilustrações técnicas, no geral, são representações de caráter claro e objetivo, como no caso das contidas no livro Collins Guide to Insects (1991) de Michael Chinery [gura 29], onde os desenhos foram produzidos para representar os insetos em tamanho real no livro (HASLAM, 2007, p.113). Figura 29 - Collins Guide to Insects (1991) de Michael Chinery. Fonte: Haslam, 2007.
Outros exemplos, mas com uma aplicação completamente diferente, são as ilustrações contidas no livro Veja como se faz18 [gura 30], no qual são apresentados dezenas de passo-a-passos, mostrando de uma maneira bem-humorada ações banais como rasgar uma lista telefônica ou mesmo inusitadas como lutar com um Tubarão [gura 31]. Como as ilustrações possuem um perl técnico de representação, que normalmente é utilizado para apresentar assuntos “sérios”, o livro torna-se cômico e diferenciado, ensinando apenas coisas simples, improváveis ou até mesmo inúteis com um ar didático e relevante. A forma como foram produzidas as ilustrações, que são o próprio conteúdo do livro, foi o que deniu a existência dessa divertida publicação.
3.2.2 Ilustração fgurativa
O sentido gurado é considerado o alegórico, o simbólico, o imitado, uma representação dada por guras (Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, 2011). A Ilustração gurativa tem sua denição ligada à arte 18 Título original: Show me How. 72
Figura 30 - Capa do livro Show me How (2009). Fonte: Think Geek, 2011.
Figura 31 - Páginas do livro Veja como se faz. Fonte: Acervo Pessoal.
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gurativa, que é um “Tipo de arte que se desenvolve principalmente na pintura pela representação, de seres e objetos em suas formas reconhecíveis para aqueles que as olham” (Enciclopédia Itaú Cultural, 2005). No contexto do livro, ela geralmente busca elucidar o texto, apresentando os personagens, cenas, objetos ou momentos contidos na história. Pode ser considerada como o tipo mais comum de ilustração editorial e é historicamente a que teve mais força em publicações literárias, como foi visto no capítulo anterior. Figura 32 - Autor e ilustrador Shaun Tan, páginas do livro The Arrival (2008). Fonte: Acervo Pessoal.
Suas formas representativas podem variar entre o realista e o estilizado, dependendo principalmente da abordagem que o projeto pretende ter. Ilustrações com características realistas foram usadas no The Arrival, do consagrado autor e ilustrador Shaun Tan19 [gura 32]. Este livro de imagens usa a expressão corporal e facial dos personagens, iluminação e desenhos de cenários altamente detalhados - além de guras lúdicas e irreais - para que o leitor compreenda a história, dispensando o uso da palavra. Já no livro infantil Branca de Neve, adaptado por Miquel Desclot e ilustrado por Tom Schamp [gura 33], as imagens foram desenvolvidas de uma maneira estilizada, fazendo uso de cores mais vibrantes e formas distorcidas, com perspectivas e proporções alteradas, sem que os objetos deixem de ser facilmente reconhecíveis. Esta abordagem é muito comum em capas de romances e livros infantis, onde a ideia e os fatos são mais importantes que a 19 O autor Shaun Tans ganhou o prêmio Astrid Lindgr en Memorial Award 2011 , um dos mais importantes prêmios de literatura, que foi dado pelo conjunto de suas obras. Fonte: The World’s Largest Children’s Literature Award, 2011. 74
Figura 33 - Adaptado por Miquel Desclot e ilustrado por Tom Schamp, páginas de Branca de Neve (2008). Fonte: Acervo Pessoal.
conguração das formas, sem deixas que as imagens sejam identicáveis, já que elas geralmente auxiliam na leitura visual da história.
3.2.3 Ilustração conceitual Como foi abordado ao m do capítulo anterior, a imagem conceitual transmite mais que uma informação narrativa, ela possui a preocupação de apresentar ideias e conceitos contidos no texto (MEGGS e PURVIS, 2009, p.547). Esta forma de representação faz uso de alegorias visuais, trocadilhos e paradoxos para apresentar o conteúdo do livro. O ilustrador ou designer utiliza dessa imagem para remeter o leitor, de uma maneira mais indireta, a algum elemento da história ou sugerir o clima emocional do texto (HASLAM, 2007, p.165). É uma abordagem que incita uma reexão de seu observador, nem sempre conseguindo ser completamente compreendida por alguém que não leu o volume, mas sendo suciente para introduzir as sensações da história. 75
Um renomado ilustrador conceitual é Dave Mckean, responsável pela arte da capa e o design das páginas internas dos livros Sandman, do escritor Neil Gaeman [gura 34] (Fonte: Mckean, 2003). Suas capas são um dos maiores diferenciais estéticos dessa série, trabalhando com colagens de diversos materiais, fotomontagens, pinturas e ilustrações de uma beleza perturbadora. As frontes da série nunca aparecem nítidas ou diretas o suciente, transmitindo o próprio clima dos contos do autor, imbuídos das ideias de náusea e vertigem, tal qual um sonho confuso do qual recordamos apenas de ideias gerais.
Figura 34 - Ilustrador e Designer Dave Mckean, autor Neil Gaeman, capas originais dos livros Sandman (1989). Fonte: Mckean, 2003.
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3.3 INTERAÇÃO PROJETUAL Diante de tantas denições, percebe-se a complexidade da decisão de se utilizar ilustrações no projeto editorial do livro, sendo parte de uma intricada comunicação visual e conceitual resultante de um trabalho em conjunto de responsabilidade do designer e do ilustrador. Decisões equivocadas e falta de diálogo entre os prossionais podem acarretar problemas comunicacionais no projeto literário desenvolvido. Luís Camargo, ilustrador, escritor e pesquisador na área de análise da imagem, levanta esta questão em seu texto Pensando em ilustrações de Livro, onde ele aborda a questão da interferência da imagem no signicado do texto: Conta-se que Franz Kafka, o grande escritor checo de língua alemã, andou, certa ocasião, negociando com uma editora a publicação de seu texto A metamorfose. Um desenho de capa foi feito. A obra conta a história de Gregório Samsa, que certa manhã, vê-se na cama transformado num inseto. A partir disso, o ilustrador criou um desenho mostrando uma espécie de homeminseto. Segundo a narrativa, ao ver a sugestão de capa, Kafka teria cado furioso (CAMARGO, 2010)
Uma interpretação equivocada e supercial da história acima gerou um grande inconveniente, que poderia interferir na própria leitura do livro. A interpretação da palavra não é uma tarefa simples, seja para o ilustrador ou para o designer, como o mesmo autor ressalta; “Dizer qual o melhor caminho visual a ser adotado diante de um texto signica dizer qual é o melhor a partir de uma determinada premissa” (CAMARGO, 2010). Um desenvolvimento coerente e com maior probabilidade de sucesso de um livro ilustrado está justamente no comprometimento em atender, primeiramente, às premissas às quais o projeto deve seguir.
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A ilustração dessa forma é percebida como segmento importante de um processo de design, tornando-se parte fundamental de um direcionamento projetual. Para uma concepção completa e bem pensada de um livro, é importante a compreensão de todas as partes envolvidas no mesmo. Um bom entendimento dessas partes e de sua relações é o que gera projetos integrados de livro reconhecidamente bem aceitos pelo público e pela crítica.
Figura 35 - Autora Lucrecia Zappi, capa do livro mil-folhas: história ilustrada do doce. Fonte: Cosac Naify, 2011.
Podem ser citados aqui alguns exemplos célebres da editora Cosac Naify, como o livro mil-folhas: história ilustrada do doce, ganhador dos Prêmios FNLIJ 2011 das categorias informativo, projeto editorial e altamente recomentável , além do notório Prêmio de Bologna Ragazzi , na categoria Novos horizontes [gura 35]. Outra renomada publicação é Moby Dick - ganhador 51º Prêmio Jabuti na categoria capa, 7º Prêmio Max Feffer de Design Gráco, na categoria editorial e o 18º Prêmio Fernando Pini de Excelência Gráca, nos livros de texto [gura 36]. A coleção Ache o bicho, ganhadora dos prêmios Fernando Pini de Excelência Gráca em Livros Infantis / Juvenis (2010) e o FNLIJ 2005 de Melhor livro brinquedo [gura 37] é mais um reconhecido projeto literário da editora. Esse três livros de temáticas tão distintas - curiosidades, cção e conto infanto-juvenil respectivamente, possuem em comum o complexo projeto gráco, possuidor de ilustrações extremamente bem produzidas em estilos e tipo diferentes, atendendo perfeitamente as premissas da publicação, excedendo as expectativas de seus leitores e observadores curiosos.
Figura 37 - Capas da coleção de livros Ache o bicho , do autor Svjetlan Junakovic . Fonte: Cosac Naify, 2011.
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Figura 36 - Mobby Dick do autor Herman Melville. Fonte: Bogo, 2010.
Para produções desse porte, são necessários processos de desenvolvimento bem estruturados, gerando conceitos e projetos grácos que conseguem ampliar a compreensão da obra. Ao buscar a excelência na produção gráca de um livro ilustrado é importante compreender não só suas partes, mas também como se dá o processo de desenvolvimento de um, contemplando as etapas metodológicas às quais o designer gráco e o ilustrador editorial normalmente percorrem - além de sua própria interação como prossionais, como será visto no capítulo a seguir.
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4 PROJETOS DE ILUSTRAÇÃO E DE DESIGN EDITORIAL Apresentado todo o contexto histórico do livro ilustrado, assim com as denições que abrangem suas partes e inserções, é possível agora discutir sobre os processos e prossionais envolvidos no projeto editorial do mesmo. Antes de mais nada, é válido pensar brevemente sobre a complexidade da presença da imagem no livro que, como já foi visto, possui uma função comunicacional que vai muito além do simples embelezamento, tal qual é abordado por Lawrence Zeegen e a agência Crush em seu livro: As imagens ajudam um público a perceber uma ideia, e o papel da ilustração é trazer signicado visual a um dado texto. As imagens podem ser simples, complexas, emocionais, diagramáticas ou documentais O mais importante é que elas tenham como objetivo apresentar um ponto de vista e fazer com que o espectador pense. No contexto da ilustração, as imagens devem ser únicas - fazendo com que o espectador veja algo de uma forma que ele não veria normalmente (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.35).
De acordo com eles, a comunicação visual depende de uma mistura de signos e símbolos que serão decodicados pelo consumidor, no caso especíco o leitor, seja de maneira consciente ou não, por meio de associações construídas ao longo de suas vidas (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.35). Tanto o designer quanto o ilustrador devem conhecer bem o cliente nal ao qual se destina a publicação, assim como o texto no qual estão trabalhando para a 81
construção adequada do livro. Contudo, é importante ressaltar que ambos os prossionais possuem papeis diferentes na exploração do projeto editorial no qual estão envolvidos. A função do ilustrador é dar vida de uma forma visual ao um texto ou uma mensagem através de um uso analítico de suas habilidades para a formação de uma imagem (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.17). Assim como a ilustração é mais que adorno, o projeto de design também possui funções mais complexas que a mera estética: [...] o papel do designer na elaboração de um livro não é somente o de elaborar o layout das páginas, mas também o de garantir que a informação fornecida pelo autor seja apresentada da maneira mais adequada possível ao leitor. Isso estabelece um nível mais alto para o designer de livros, que se eleva da mera excelência tipográca e ilustrativa e, coloca sob seus cuidados, um conjunto de responsabilidades relativas à interpretação da informação, direção de arte, preparação e design visual (HASLAM, 2007, p.110).
Haslam também ressalta que a maioria dos escritores tem mais familiaridade com a palavra do que com a imagem, não entendendo que suas ideias poderiam ser muito melhor compreendidas por meio de representações visuais (2007, p.110), por isso que torna-se tão grande a responsabilidade do designer, que deve saber que tipo de ilustração cabe melhor em cada projeto e quando ela deverá ser utilizada.
Apesar da separação aqui feita dos papeis de cada prossional, eles nem sempre são tão claros. Há muitos casos de designers ilustradores, ilustradores escritores e eventualmente existem livros que sequer possuem contato com o design, sendo produzidos por um diretor de arte de outra formação, um 82
publicitário, um editor, ou mesmo, pelo próprio autor da obra. A encomenda das imagens para o livro nem sempre ca a encargo apenas do designer, como descrevem Zeegen e Crush: A direção de arte durante o desenvolvimento de um livro pode vir de muitos lados. O diretor de arte ou designer examinará todas as ilustrações durante um projeto, assim como o editor do livro e a equipe editorial, já que a proposta de trabalho pode partir inicialmente de qualquer um desses departamentos. As ideias e os comentários do departamento de marketing são igualmente importantes dentro do processo, uma vez que o marketing tem uma papel crucial em determinar o sucesso de um livro. Um livro pode vender ou car na prateleira dependendo da reação do público à capa, portanto, não há espaço para correr riscos nessa área (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.93).
Consideradas as premissas do presente projeto, estarão sendo abordadas discussões levando em consideração apenas a interação entre o design gráco e a ilustração editorial, buscando a compreensão deste antigo relacionamento. Serão apresentadas a seguir os principais etapas metodológicas de acordo com autores de ambas as áreas.
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4.1 PRODUÇÕES METODOLÓGICAS Primeiramente o que pode ser chamado de método? Segundo Fuentes, método é, etimologicamente, um caminho em direção a um objetivo, uma ação direcionada por etapas (2006, p.15). Tanto um projeto de design gráco quanto de ilustração partem de uma ação, porém mais que isso, eles são baseados em escolher uma maneira, entre muitas possíveis, para chegar-se ao objetivo nal para o qual foram contratados. De acordo com o mesmo autor, “Dispor de um conjunto de métodos é dispor de critérios que permitam [...] optar pelo caminho, por aquele que, em princípio, deve conduzir o mais diretamente possível a solução mais efetiva”(FUENTES, 2006, p.15). O estudo de métodos é o que gera uma metodologia, sendo ela a ciência que ocupa a compreensão de métodos, técnicas ou ferramentas para a solução de problemas teóricos e práticos (BONFIM, 1995, p.7). Nos processos que envolvem design há uma certa nebulosidade quanto a como se dá a sua criação e os processos envolvidos na mesma, se isso já acontece neste ramo, é possível imaginar como são feitas confusões no que diz respeito ao desenvolvimento de uma ilustração. Acerca desses incidentes, Joan Costa escreve no prólogo do livro de Rodolfo Fuentes sobre a prática do design gráco: [...] muitos confundem os métodos com as técnicas, quando na realidade os métodos servem para a estratégia de pensar e planejar, e as técnicas servem para “fazer”. Nesta confusão inui a crença e que a criatividade se trata de um estalo mágico, genial, de uma idéia (sic) que surge de repente nas cabeças de alguns designers privilegiados. Esta confusão mistura a metodologia (técnicas mentais) com as receitas e as fórmulas (técnicas materiais), e ao mesmo tempo exclui o pensamento criativo porque se crê que é de uma ordem superior (2006, p.14)
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A citação acima refere-se especicamente ao processo de design, todavia, ela pode claramente se relacionar ao desenvolvimento de uma ilustração. Ambos os prossionais sofrem de uma estereotipação generalizada de suas concepções, que pensa-se, muitas vezes, ser gerada por uma inspiração vinda de algum lugar inimaginável. Neste ponto que surge a necessidade de compressão geral das etapas que envolvem ambas as áreas, considerando que mesmo entre a grande massa de designers grácos existem estas mesmas préconcepções quanto às metodologias de criação de um ilustrador.
4.1.1 O Ponto de Partida O quesito inicial de todo processo de design é uma necessidade, uma encomenda que um cliente porventura venha a fazer (FUENTES, 2006, p.25). O mesmo se dá com a ilustração editorial que necessita de uma encomenda para que a imagem seja produzida. Pode parecer um pouco óbvio comparálos já nessa etapa, porém é justamente na diferenças entre arte, design e ilustração que esse tópico toca. Não é demais ressaltar que a ilustração editorial predispõe uma função, como já foi visto, e está completamente ligada a um texto ao qual deve acompanhar. Sem tal produto literário, ela não existiria, pois passaria a ser uma produção artística. Essas distinções serão ainda abordadas neste capítulo, mas por enquanto, o importante é ressaltar que há diferença entre estas três áreas de atuação. Possuindo então uma encomenda e um cliente surge a necessidade da elaboração de um brieng . Este é o documento inicial no qual são estabelecidas em poucas palavras (brieng = breve) quais são as necessidades a sanar e aspectos que devem ser levados em conta do ponto de vista do cliente antes de iniciar o desenvolvimento do trabalho ou da proposta (FUENTES, 2006, p.31). No caso de um projeto de ilustração ocorre o mesmo, pois é no brieng
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que são reunidas as informações básicas para que se possa conhecer o projeto (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.24-25). Saber onde a ilustração impressa vai aparecer, em que tamanho, e se será colorida ou em preto-e-branco devem ser aspectos básicos ou do brieng - em caso de dúvida, não exite em perguntar. Também é essencial que se esteja plenamente ciente do prazo para a apresentação da linha visual e quanto tempo disponível se tem para um cliente novo, procure entender o público-alvo e pesquisar as cópias anteriores da publicação: esse procedimento pode ajudá-lo a construir uma quadro geral de como seu trabalho pode se encaixar e a gama de estilos de ilustração que a publicação já utilizou antes (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.25).
Ambos os prossionais devem compreender o que essa fase envolve: dados sobre o projeto, prazos, custos, e nalmente, o problema a ser resolvido. Esse último item geralmente é apresentado pelo cliente, mas ocorre de nem sempre ser essa a verdadeira questão a ser resolvida no projeto em questão. Essa encruzilhada entre o problema real e o proposto é abordada no livro Valor do Design da ADG, onde é retratada a busca por uma conciliação entre as opiniões do cliente e as do designer para um resolução coerente do projeto. Com o ilustrador essa questão é geralmente muito mais clara, já que o problema em si foi o que gerou sua contratação, tendo em vista que ele foi contactado para a produção de uma imagem já dentro das necessidades de seu cliente.
4.1.2 Pesquisa Antes de iniciar o processo de geração de alternativas, é necessário realizar uma grande pesquisa para que haja a maior compreensão possível do
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contexto do projeto. Segundo Fuentes, na busca pela resolução do problema de design procura-se pesquisar a concorrência local do produto, referências, dados históricos relevantes e o público-alvo (2006, p. 38). Para o mesmo autor, é: Através da análise e pesquisa dos elementos afetivos, históricos, familiares etc., que denem o habitat anterior, atual ou futuro do cliente, é possível escolher os elementos que vão compor a “paleta”de recursos próprios para esse programa especíco (FUENTES, 2006, p.44)
A investigação por parte do ilustrador acaba sendo mais especíca do que a do designer que usualmente precisa compreender mais aspectos mercadológicos do produto editorial no qual está trabalhando. Contudo isso não signica que a pesquisa para gerar a ilustração seja menos imprescindível: Qualquer que seja o tipo de trabalho, é recomendável investigar o assunto do texto com a maior profundidade possível. Pesquisas na internet, em livrarias e em bibliotecas permitem que você obtenha mais informações do que o texto da matéria de revista ou jornal pode tratar. Coletar mais dados sobre o assunto pode iluminar novos caminhos e pensamentos possíveis. [...] O segredo para desenvolver uma solução visual de impacto é compreender o contexto em que a ilustração vai aparecer. Reunir informações sobre o contexto em que seu trabalho irá aparecer é o ponto de partida mais produtivo - jamais comece uma ilustração sem saber quem estará olhando para o resultado (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.26).
Obter o máximo de informação possível que diz respeito ao texto, sejam direta ou indiretamente relacionados a ele, permite uma maior gama de soluções grácas diferenciadas. Baseada nessa premissa é que torna-se 87
importante trabalhar na coleta de informação, “buscando nesses materiais pretextos simbólicos, detalhes signicativos e elementos claramente identicadores” (FUENTES, 2006, p.46) Independente do tipo de dados os quais estão sendo arrecadados, cabe ao prossional descobrir qual a melhor forma de interagir com eles, seja pela visualização das informações na parede, pastas digitais ou físicas referentes ao projeto ou um caderno de esboços e anotações.
4.1.3 Criatividade No que diz respeito ao design e à ilustração, geralmente é quando se trata do processo criativo do projeto que os os mitos começam a ser concebidos. A dita “inspiração” que gera um produto gráco não é simplesmente algo incontrolável que arrebata o indivíduo de uma hora para a outra. Sendo prossões com prazos e custos a cumprir, além de um problema especíco para resolver, não haveria como depender de um momento iluminado para iniciar e nalizar um projeto. O processo criativo é de suma importância para ambos, sendo justamente por essa razão que existem diversas ferramentas criadas para dar o impulso criativo a qualquer momento necessário. Com respeito a isso Fuentes diz: O que é possível, falando especicamente da prossão de designer, é aprender a disparar a criatividade. A criatividade própria. Como seres humanos, somos seres criativos. Mas, como acontece com outras características humanas, para que a criatividade se solte em todo o seu potencial, é necessário desenvolvê-la” (FUENTES, 2006, p.50).
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É importante ressaltar que a criatividade em si está presente em todo o processo de desenvolvimento, mas o tópico “Criatividade” é referente principalmente ao momento de gerar ideias para o projeto. Os dois prossionais utilizam diferentes suportes para exprimir seus pensamentos acerca do texto o qual estão trabalhando, alguns fazem uso de folhas soltas e cadernos de esboço, outros se dão melhor com ferramentas digitais, mas independente do meio onde gerarão alternativas há diversas técnicas que s ervem para a concepção de ideias diferenciadas e distantes do lugar comum. Uma das técnicas mais conhecidas é o chamado Brainstorming 20. O método parte de um problema a ser solucionado e normalmente é realizado em grupo para que haja uma grande variedade de soluções - o que não impede que uma seção com uma ou poucas pessoas aconteça. O procedimento que consiste em uma produção visual de soluções do problema em questão, sendo ele delimitado pela quantidade de alternativas ou pelo tempo de geração das mesmas, dependendo apenas do que foi planejado inicialmente. O mais importante da técnica é que não hajam críticas nem julgamentos ao longo de seu processo, buscando retirar o melhor do que foi gerado no m do procedimento (HAMZE, 2011). No âmbito da ilustração a técnica acima também é muito utilizada, mas geralmente o prossional acaba trabalhando sua geração de alternativas invidualmente, por característica do próprio trabalho: Os ilustradores, diferentemente dos designers, muitas vezes fazem seu brainstorming sozinhos [...]. É claro que trabalhar com um diretor de arte ou designer em um projeto pode ajudar, e discutir ideias devem fazer parte do processo. No entanto, em última instância, há apenas uma pessoas criando as ideias: você, o ilustrador (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.34). 20 literalmente tempestade cerebral, de sua origem no inglês 89
Outra técnica bastante empregada na expansão de soluções do problema projetual é a Geração de ideias em teia. Essa forma de diagrama é especialmente útil quando se está trabalhando com um conjunto de problemas complexos ou com informações difíceis de serem denidas visualmente, sendo muito utilizada por ilustradores. Ela é desenvolvida usando o problema, ou uma palavra que o dena, no centro do suporte da escrita e dele são puxadas novas palavras que tenham conexão com a anterior e assim sucessivamente até que se obtenha uma grande teia onde se possa enxergar relações entre assuntos ou ideias em potencial, transformando-as em conceitos mais conclusivos (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.27). Este tipo de diagrama permite que fuja-se de conceitos óbvios, gerando pensamentos laterais até os quais não se chegaria a primeira vista. O método é pouco conhecido no design, porém é utilizado informalmente entre os prossionais da área, não sendo tão popular quanto o brainstorming .
4.1.4 Desenvolvimento A fase de desenvolvimento possui cerca de três etapas facilmente distinguíveis e comuns, tanto ao design, quanto à ilustração editorial: “o rough ou esboço, o layout ou pré-projeto (ou anteprojeto), e a arte-nal ou projeto nal” (FUENTES, 2006, p.56). No esboço são rascunhadas as ideias e linhas visuais do projeto. Para Zeegen e Crush, “Uma linha visual ou rafe21, como as vezes é chamado, deve idealmente ser um esboço que demonstra de maneira bem abrangente os elementos que aparecerão no trabalho, embora nessa etapa nada tenha sido nalizado ou detalhado ainda” (2009, p.36). 21 Termo popularmente utilizado para “esboço”. Origina-se da palavra em inglês rough. (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.36) 90
Tendo ele sido aprovado, inicia-se a produção do projeto em si, chegando ao layout ou pré-projeto. “O layout é a concretização do projeto, sua apresentação ao público. Ele é a representação mais el possível de uma ou mais idéias (sic) com respeito ao projeto em andamento” (FUENTES, 2006, p.56). Neste ponto é que são gerados os protótipos do livro pelo designer gráco e as versões nalizadas do ilustrador e caso ambos sejam aceitos pelo cliente será realizada a arte-nal ou projeto-nal que chegará à sua produção industrial.
4.1.5 Resultado Chegando-se ao resultado editorial vale reetir se ele atendeu a todas as expectativas esperadas pelos prossionais envolvidos e pelo contratante. Fuentes considera que a função básica de qualquer projeto de comunicação está na apresentação de: informação, diferenciação, ilusão e provocação. Para ele pelo menos duas dessas funções devem aparecer em todo projeto para garantir que haja visibilidade entre o público consumidor (2006, p.46). Compreender quais foram os pontos fracos e fortes do projeto desenvolvido é o que permite um crescimento pessoal e técnico do designer gráco e do ilustrador para seus próximos trabalhos.
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4.2 ENTRE A ARTE E O DESIGN Ao observar-se o desenvolvimento do presente projeto algumas reexões começam a surgir acerca da interação das disciplinas de design, ilustração e arte e de seus prossionais envolvidos. Elas caminharam juntas até certo ponto da história quando iniciou-se um processo de estraticação de funções onde cada área começou a atuar de maneira diferenciada. Nessas funções que estão encerradas a atuação de cada prossional, sendo que as denições que cercam tais disciplinas é pouco compreendida tanto pelo público quanto pelos seus atuantes e pesquisadores. Esta parte nal da pesquisa não busca conceitos pontuais das prossões do artista, do designer e do ilustrador, mas sim levantar algumas das discussões que giram em torno das mesmas. No design gráco e na arte há um vasto debate acerca de suas denições sendo estes pouco conclusivos, mas qualicando-os quanto à seus objetivos, torna-se mais clara uma diferenciação. Para o historiador de arte, Herbert Read: “A arte é uma atividade autônoma, inuenciada como todas nossas atividades pelas condições materiais de existência, porém, como modo de conhecimento, ‘é sua própria realidade e seu próprio m” (READ, 1977, tradução nossa22). Nessas últimas palavras da citação é que encerra-se a diferença primordial entre arte e design: na primeira a obra pode ser considerada como seu próprio m enquanto que no design sua função é externa ao objeto, ou seja, o produto gráco só passa a completar sua função em sua interação com o cliente e o 22 “El arte es una actividad autónoma, inuenciada como todas nuestras actividades por las condiciones materiales de existencia, pero que, como modo de conocimiento, es a la vez su propia realidad y su propio n” (READ, 1977).
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público-alvo para o qual foi projetado. Como nas palavras de Fuentes: “Não se deve esquecer nunca que o design é uma disciplina de comunicação. Não é arte: é veículo” (2006, p.114). Para o mesmo autor, “[...] o que diferencia o ato artístico do ato de desenhar é que esse é demandado sempre por uma necessidade de comunicação especíca”(FUENTES, 2006, p.24). Já no que diz respeito à ilustração, parece que ela encontra-se em um limbo entre a produção artística e a de design, acabando por deixar o ilustrador em uma “berlinda” prossional. Essa discussão é levantada por Zeegen e Crush em um tópico que busca apresentar a ilustração como disciplina própria: Embora nunca tenha sido considerada arte com “A” maiúsculo nem aceita totalmente como disciplina independente no design, sem o apoio do design gráco, a ilustração vem sendo continuamente deserdada tanto pelos artistas quanto pelos designers. Ela sempre foi considerada excêntrica demais para os artistas e artística demais para o designers” (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.65).
Conclui-se então que a ilustração não é design gráco e não é arte, sendo simplesmente ilustração. Apesar da obviedade que parece encerrar esta frase, ela apresenta uma questão que é diversas vezes levantada por estudiosos, tanto da arte, quanto do design. Há certamente uma aproximação de ambas, considerando o uso de técnicas artísticas de produção e da vastidão de suas aplicações em projetos de design gráco, como na denição apresentada por Flávio Mota, em seu artigo sobre o mercado de ilustração: Ilustração é uma imagem produzida por qualquer meio artístico e técnicos - tinta, programas, modelagem, colagem, foto etc. utilizada para acompanhar, explicar, acrescentar informação a algum outro meio de comunicação sob encomenda. Apesar de ter características artísticas deve se deixar bem claro que o ilustrador não deve ser confundido com “artista plástico”, já que ele trabalha sempre por encomenda e o “artista plástico” não. (MOTA, 2008) 93
Apesar da denição clara de que ilustradores não são artistas, para muitos prossionais e para o público geral isso não é algo tão obvio. A relação forte entre o design gráco e a imagem ilustrada também causa grande confusão, principalmente pelo fato de que muitos dos formados na área acabam atuando como ilustradores. O fato de não haver cursos que propiciem a pesquisa acadêmica em torno da ilustração, apenas especializações e cursos de caráter técnico, é outro agravante para a confusão entre as áreas. Segundo Zeegen e Crush: Prossionalmente, designers e artistas vêm criando ilustrações editoriais e para publicidade, e, sem reconhecimento real pela prática, o desenvolvimento de cursos permaneceu como derivação do design gráco, ou nem isso (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.66).
São gerados então os trabalhadores multifuncionais, que acabam por se encontrar e um lugar delicado perante seus colegas que possuem a formação acadêmica de design em comum. É quando os elogios como “você é um artista!” acabam causando confusão e desconforto. Essa situação não é causada pelo fato de que é ofensivo ser de uma área ou de outra, mas sim porque deseja-se uma denição clara de que a pessoa atua como ilustrador e designer, não como artista. Eventualmente para que não aconteçam esses equívocos, os atuantes do design gráco e da arte muitas vezes preferem um afastamento da ilustração, caso observável na Creative Review , publicação mensal de design mais importante da Grã-Bretanha, a qual retirou a categoria ilustração de seu prêmio anual de design (ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.65). Zeegen e Crush também ressaltam, quanto às complicadas denições e divergências existentes, que: “É verdade que a transição e a discussão podem ser estimuladas nas duas disciplinas, design gráco e ilustração, mas 94
isso só é possível se ambas tivessem o mesmo status o que infelizmente é raríssimo”(ZEEGEN e CRUSH, 2009, p.66). O estereótipo de “arte menor” que recaiu sobre a ilustração acaba tornando seus prossionais personagens secundários em uma argumentação com artistas e designers. Alguns conceituados designers grácos, como o próprio Rodolfo Fuentes, levantam questões relacionadas às funções da ilustração. Em certos momentos ele dá caráter de design gráco à ilustração, como no caso citado abaixo: Em uma rápida visão cronológica, e sem entrar na análise dos fatores de comunicação da arte pré-imprensa, suas simbologias e sua intenção de transmitir conceitos, a unicidade e a imobilidade próprias de suas características técnicas o fazem transmissor de sinais, mas não exemplo de design gráco. Mas o foram, em um sentido muito amplo, as ilustrações detalhadas com que os iluminadores medievais enriqueciam os textos que copiavam de vez em quando com suas penas de ganso sobre pergaminhos. Denitivamente se converteram em objetos de desenho quando acompanhavam os desenvolvimentos da imprensa continuando na sua função transformados em gravações sobre madeira, num primeiro momento, sobre metal mais tarde, multiplicando os exemplos e, portanto, a difusão de seus conteúdos, ultrapassando séculos e fronteiras (FUENTES, 2006, p.79-80).
De acordo com o mesmo autor “[...] geralmente a ilustração por si só não tem caráter de design gráco”. Indo adiante ele ressalta que “a ilustração, isolada de outros elementos grácos, não é design gráco. Trata-se apenas de ilustração, ou, se preferirem, arte” (FUENTES, 2006, p.83). Essas alegações são claramente confusas tendo em vista que, em certos momento, ele encara a ilustração como design e, quando não o é, passa a ser arte, s endo considerado por ele, em momento algum, a ilustração como uma produção a parte no processo. Pode ser compreendido que o tema foi mal explorado pelo autor,
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tendo em vista que de acordo com a denição, a ilustração só existe quando complementando um texto e isoladamente ela deixará de ser chamada assim, passando a ser um produto artístico. Esse esforço por tentar encaixar a produção ilustrada em uma área ou outra é comum, acontecendo eventualmente de a palavra ilustração ser utilizada em um contexto completamente próprio e distante de seu signicado original. Um caso de grande repercussão envolvendo esta problemática ocorreu em uma entrevista com o aclamado designer gráco Alexandre Wollner, no livro do mesmo nome, onde o entrevistador e entrevistado reconstroem a vida do designer, além do próprio design gráco brasileiro. No tópico referente ao “O que é design?”, são feitas perguntas sobre a qualidade e evolução do design brasileiro e Wollner destaca que existem vários projetos de qualidade, entre eles algumas capas de livro - o que ele não considera design, mas sim “ilustração”. Nesse ponto ele desenvolve sua opinião sobre o fato de que design é projeto e não “ilustração”, dando diversos exemplos de objetos que, para ele, são ilustração como capas de livro, de discos e caixas de sabão em pó. Com sua linha extremamente funcionalista, Wollner destaca que todo produto gráco que não foi projetado para seus ns práticos, ou seja, que leva em consideração apenas a beleza e a emoção, são ilustrações (STOLARSKI, 2005, p. 66-67) Com essa interpretação extremamente singular e até certo ponto pejorativa do que vem a ser ilustração, Wollner acabou gerando um argumento de que ela não é design gráco, o que foi reutilizado por diversos outros prossionais da área em discussões acerca do assunto. Entretanto, Alexandre Wollner foi claro ao mostrar que estava dando um signicado especíco ao termo, o problema está na propagação dos dizeres dele de forma descontextualizada, gerando até mesmo uma fala destorcida do autor. A presente pesquisadora levanta tais discussões com o intuito de mostrar a importância da disciplina
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em seu relacionamento com o design gráco e como uma compreensão equivocada de um termo pode gerar confusões. É necessário para um bom prossional de design gráco, no caso especíco deste trabalho, de design editorial, compreender todas as implicações que acarretam a decisão de optar pelas ilustração como a melhor forma de resolver um problema projetual, considerando não só a interação da imagem com o texto e seu suporte, mas também a relação existente entre as disciplinas de design e ilustração e seus prossionais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho vislumbrou evolução das linguagens escritas da imagem ao alfabeto, onde se encontra a longínqua origem do livro ilustrado, produto com o qual grande parte das pessoas tem familiaridade (ou deveria ter), principalmente no início de suas vidas. Observou-se que este curioso objeto, foco da atenção de artistas grácos por tanto tempo, teve o desenvolvimento de seus materiais e formas produtivas paralelamente aos momentos históricos nos quais a sociedade encontrava-se, registrando e participando de sua formação. O clássico formato de códice romano manteve sua conguração pouco alterada nos últimos dois mil anos, passando por materiais como tábuas de madeira, argila, chapas de metal, blocos de pedra, papiros e pergaminhos, até que a invenção do papel chegasse à Europa no século XV, pouco antes da criação dos tipos móveis por Gutemberg . Durante todo esse tempo, a ilustração e a escrita desenvolveram-se tanto em técnicas quanto em variedade, aumentando vorazmente sua produção e circulação, a medida que surgiam novas tecnologias reprodutivas. É notório que, entre a impressão tipográca e as técnicas digitais de produção, não foram só as ferramentas que evoluíram, os prossionais também se transformaram, mudando de funções e se especializando, até congurarem os ilustradores editoriais e designers grácos, como são tidos hoje. As novas tecnologias permitiram que ambos criassem com maior liberdade e em menor tempo, possuindo muito mais conhecimento e técnicas a sua disposição. 99
Todo o novo ferramentário que os prossionais passaram a ter acesso não diminuiu a importância de compreender bem cada detalhe do suporte de seu projetar. Como produtores de objetos de comunicação, é de responsabilidade dos designers e ilustradores editoriais conhecer os principais componentes do livro e de suas possíveis interações com a imagem ilustrada, além das denições gerais que se relacionavam diversas vezes com o produto editorial e com os próprios prossionais. A compreensão de que ilustração é uma imagem que possui a função de complementar, traduzir ou referenciar o texto, podendo interferir na leitura do mesmo, deve estar presente entre ambos os prossionais. É necessário entender que ela possui uma complexa função ao traduzir o conteúdo literário para a linguagem visual e que a forma como ela será apresentada pode denir as interpretações dadas ao livro. Tendo em vista isso, a presente autora buscou classicar as ilustrações de acordo com suas aplicações nos livros, categorizando-as perante sua função na publicação. A constatação da existência de tais conceitos relacionados à ilustração permite uma produção consciente de um projeto integrado de livro ilustrado, podendo chegar-se então a um produto diferenciado, que instigará e a ampliará a leitura do texto. Não só a falta de instrução com respeito ao seu objeto de trabalho, mas também o pouco diálogo entre os prossionais envolvidos, pode acarretar problemas comunicacionais no projeto literário desenvolvido. Por esta razão, buscaram-se referências teóricas que apresentassem as etapas metodológicas que normalmente os dois prossionais percorrem. Através do paralelo criado entre elas, percebeu-se a complexidade que cerca a produção projetual de ambos, esperando-se que através deste levantamento seja ampliado o entendimento da atuação do ilustrador, deixando de lado certas préconcepções às metodologias de criação do mesmo, que eventualmente existem dentro do design gráco e de outra áreas.
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O desenrolar do presente trabalho também propiciou diversas reexões quanto a interação existente entre as disciplinas de design, ilustração e arte, além de seus prossionais envolvidos. Foram observadas algumas das diferenças entre tais áreas, em busca de uma maior compreensão do signicado dado à ilustração no âmbito do design gráco e da própria ilustração. As divergências com relação a sua denição entre os autores de design eram enormes, hora afastando, hora aproximando de sua área, dicilmente referindo-se a ela como uma disciplina de estudo próprio. O que pode-se dizer é que a ilustração possui várias características em comum com o design gráco, partilhando muitas das fases do desenvolvimento projetual, sempre partindo de uma encomenda, encerrando assim seus ns junto ao cliente e público-alvo, diferentemente da obra de arte, a qual pode ser considerada como seu próprio meio e m. Contudo, a ilustração continua sendo uma área de atuação própria, mesmo interagindo fortemente com a arte e o design gráco e, em diversos casos, tendo prossionais de ambos os ramos atuando também como ilustradores. A presente pesquisadora percebeu, através deste estudo, a complexa função que exerce a ilustração no livro, desenvolvida através de uma relação secular da comunicação humana. Indo além do entrosamento entre a imagem e o texto está a dos prossionais que produzem o projeto literário, por tanto tempo companheiros de desenvolvimento, mas que pouco reetem sobre tal relacionamento. Fica evidente para a autora que existe pouca abordagem sobre a ilustração e de sua interação com o design gráco dentro da formação não só nas intituições de ensino, mas no mercado prossional em geral. Há sim um aprendizado relacionado às técnicas de desenho e de representação no geral, mas nada que sugira uma maior reexão sobre o assunto. A falta de estudiosos no ramo e de uma formação especíca para o ilustrador também
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acarreta essa enormidade de denições pouco conclusivas e eventualmente errôneas acerca da área. Espera-se que com o tempo, este assunto tornese mais relevante entre os prossionais do design gráco, principalmente entre os que não são ilustradores e que talvez, por esta razão, vejam menos importância nesta área.Uma maior compreensão do papel da ilustração no projeto editorial levará a livros melhor produzidos, gerando assim um maior interesse e afeição por este belo produto gráco.
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