Distrofia muscular e perturbações afins As distrofias musculares são um grupo de perturbações musculares hereditárias que causam debilidade dos músculos de gravidade variável. Outras perturbações hereditárias incluem as miopias miotónicas, as doenças por acumulação de glicogénio e a paralisia periódica.
Distrofias musculares de Duchenne e Becker
As distrofias de Duchenne e Becker são as doenças distróficas musculares mais frequentes, causando debilidade nos músculos próximos do torso.
O defeito genético da distrofia de Duchenne é diferente do que é causado pela distrofia muscular de Becker, mas em ambos os casos está afectado o mesmo gene. O gene é recessivo e ligado ao cromossoma X. (Ver tabela da secção 1, capítulo 2) 2) Embora a mulher seja portadora do gene anómalo, ela não sofrerá da doença porque o cromossoma X normal compensará a anomalia genética do outro cromossoma X anómalo. Em contrapartida, qualquer homem que receba o cromossoma X anómalo sofrerá da doença. As crianças com a distrofia muscular de Duchenne têm uma falta quase total de um produto genético denominado distrofina, uma proteína essencial para os músculos que é supostamente responsável pela manutenção da estrutura das células musculares. A distrofia muscular de Duchenne afecta entre 20 a 30 crianças em cada 100 000 nascimentos do sexo masculino. Pelo contrário, as crianças com a distrofia muscular de Becker produzem distrofina, mas a proteína é maior que o normal e não funciona adequadamente. Esta doença afecta 3 em cada 100 000 crianças do sexo masculino.
Distrofia muscular
As pessoas com distrofia muscular têm dificuldade em se levantar do assento .
Sintomas A distrofia muscular de Duchenne aparece tipicamente nas crianças de 3 a 7 anos, primeiro, sob a forma de uma debilidade muscular na zona pélvica e, depois, nos ombros, afecção que se agrava progressivamente. À medida que se debilitam, os músculos aumentam de tamanho, mas o tecido muscular é débil. Em 90 % das crianças com esta perturbação é frequente um aumento de tamanho e uma debilidade do músculo cardíaco, que causa problemas de frequência cardíaca que se podem registar num electrocardiograma. As crianças afectadas pela distrofia de Duchenne têm uma marcha vacilante, quedas frequentes e dificuldade para pôr-se de pé e subir escadas. Os músculos dos seus braços e pernas costumam sofrer contracturas à volta das articulações, não podendo por isso estender totalmente os cotovelos e os joelhos. Por último, produz-se uma curvatura na coluna vertebral (escoliose) e, em geral, as crianças afectadas ficam confinadas a uma cadeira de rodas aos 10 ou 12 anos de idade. A progressão da debilidade torna-as propensas à pneumonia e outras doenças, e a maioria morre antes dos 20 anos de idade. Embora os sintomas sejam semelhantes em ambos os tipos de distrofia, as crianças com a distrofia muscular de Becker têm um prognóstico menos grave, aparecendo os sintomas iniciais por volta dos 10 anos de idade. Aos 16 anos muito poucos terminam numa cadeira de rodas, e mais de 90 % ainda estão vivos aos 20 anos de idade. Diagnóstico
O médico suspeita de uma distrofia muscular se uma criança manifesta debilidade e se esta é progressiva. Um enzima sérico (a creatinafosfoquinase) escapa-se das células musculares e a sua concentração no sangue aumenta. No entanto, um aumento considerável da creatinafosfoquinase não significa, necessariamente, que a pessoa sofra de uma distrofia muscular, porque outras doenças musculares podem aumentar os valores deste enzima. Para confirmar o diagnóstico é habitual que o médico efectue uma biopsia muscular (obtenção de um pequeno fragmento do músculo para o seu exame ao microscópio). A biopsia muscular revela a presença de tecido morto (necrose) e um aumento no tamanho das fibras musculares; nas fases mais avançadas da distrofia muscular, a gordura e outros tecidos substituem o tecido muscular necrosado. A distrofia muscular de Duchenne diagnostica-se quando exames especiais põem a descoberto valores extremamente baixos de distrofina no músculo. As provas para confirmar a perturbação consistem em estudos eléctricos da função muscular (electromiografia) e da condução dos nervos. Tratamento As distrofias musculares de Duchenne e de Becker não têm cura, embora a fisioterapia e o exercício sejam úteis para prevenir a contractura muscular permanente à volta das articulações. Nas formas com grande rigidez e dor muscular, às vezes está indicada a cirurgia. Está a investigar-se a administração de prednisona, um medicamento corticosteróide, como um fármaco que possa melhorar temporariamente a debilidade muscular. Também está a ser investigada a terapia genética, a qual facilitaria a produção de distrofina por parte dos músculos. As famílias cujos membros sofrem de distrofia muscular de Duchenne ou de Becker devem consultar um geneticista para avaliar o risco de transmitir aos seus descendentes o traço da distrofia muscular.
Outras distrofias musculares
Trata-se de um grupo de perturbações musculares distróficas hereditárias muito menos frequentes que também causam uma progressiva debilidade muscular. A distrofia muscular de Landouzy-Déjerine transmite-se através de um gene autosómico dominante assim, um só gene anormal é o responsável pela doença, a qual pode ser observada, indistintamente, em homens e mulheres. A distrofia muscular de Landouzy-Déjerine geralmente inicia-se entre os 7 e os 20 anos de idade. Caracteriza-se pelo envolvimento dos músculos faciais e dos ombros, pelo que o afectado experimenta dificuldades em elevar os braços, assobiar e fechar os olhos. Em algumas pessoas com esta doença observa-se uma debilidade na musculatura da tíbia e do perónio, o que torna difícil flectir (levantar) o pé pelo tornozelo, resultando na dorsiflexão do pé e eversão (pé caído). A distrofia de Landouzy-Déjerine raramente causa um debilitamento grave e os afectados por esta doença têm uma expectativa de vida normal. As distrofias musculares das cinturas causam a debilidade da cintura pélvica ( distrofia muscular de Leyden-Möbius)
ou do ombro ( distrofia muscular de Erb). Trata-se de
doenças hereditárias que, geralmente, aparecem na idade adulta e raramente produzem um debilitamento grave. As miopatias mitocondriais são perturbações musculares que se herdam através da mãe quando os genes anómalos da mitocôndria (que intervém na energia celular) passam para o óvulo. As mitocôndrias têm os seus próprios genes. Dado que os espermatozóides não fornecem mitocôndrias durante a fertilização, todos os genes mitocondriais provêm da mãe e, por isso, a perturbação nunca pode herdar-se do pai. Estas doenças raras, às vezes, produzem uma debilidade progressiva num só grupo muscular, como os músculos dos olhos (oftalmoplexia). Diagnóstico O dignóstico requer a obtenção de uma amostra do tecido afectado (biopsia muscular), que se examinará ao microscópio, ou a realização de exames bioquímicos. Infelizmente, não existe um tratamento específico, e, portanto, não tem grande utilidade conseguir-se um diagnóstico destas formas menos comuns de distrofia muscular.
Miopatias miotónicas
As miopatias miotónicas são um grupo de perturbações que se caracterizam por um relaxamento anormalmente lento depois da contracção de um músculo, o que possivelmente
conduz
à
debilidade,
espasmos
e
encurtamento
dos
músculos
(contracturas).
A distrofia miotónica (doença de Steinert) é uma perturbação auto-sómica dominante que afecta, igualmente, homens e mulheres. Esta doença produz flacidez, rigidez e contracturas musculares, especialmente nas mãos. Também é frequente a ptose das pálpebras. Os sintomas podem aparecer em qualquer idade e a sua gravidade é variável, de ligeira a grave. Os casos graves apresentam uma acentuada debilidade muscular associada a outros sintomas, como cataratas, atrofia testicular, calvície prematura, arritmias cardíacas, diabetes e atraso mental. As pessoas com uma afecção grave costumam morrer por volta dos 50 anos de idade. A miotonia congénita (doença de Thomsen) é uma perturbação auto-sómica dominante que afecta, por igual, homens e mulheres e que costuma iniciar-se na infância. As mãos, as pernas e as pálpebras tornam-se muito rígidas devido a uma incapacidade de relaxar os músculos; no entanto, a debilidade costuma ser mínima. O diagnóstico estabelece-se pelo aspecto físico característico da criança, pela incapacidade de relaxar a mão uma vez que a abriu e fechou várias vezes seguidas e pela contracção muscular persistente quando o médico percute directamente o músculo. Para confirmar o diagnóstico requer-se um electromiograma. A doença de Thomsen trata-se com fenitoína, sulfato de quinina, procainamida ou nifedipina para reduzir a rigidez e os espasmos musculares, mas todos esses fármacos têm efeitos secundários adversos. Os exercícios praticados com regularidade podem ser úteis. As pessoas afectadas com a doença de Thomsen têm uma expectativa normal de vida.
Miopatia
mitocondrial
Observe-se a ptose palpebral (queda das pálpebras) e a oftalmoplexia (verifique-se neste caso a impossibilidade de efectuar o movimento com o olho direito ao olhar para a direita).
Doenças por acumulação de glicogénio
As doenças por acumulação de glicogénio são um grupo de doenças auto-sómicas recessivas hereditárias pouco frequentes, caracterizadas pela acumulação anormal de glicogénio (um amido) nos músculos porque estes não podem metabolizar os açúcares normalmente.
A forma mais grave da doença por acumulação de glicogénio é a doença de Pompe, que se manifesta no primeiro ano de vida. O glicogénio acumula-se no fígado, nos músculos, nos nervos e no tecido cardíaco, impedindo o seu funcionamento adequado. A língua, o coração e o fígado aumentam de tamanho. As crianças afectadas têm uma musculatura flácida e debilitam-se progressivamente, experimentando dificuldades em deglutir e respirar. Não existe tratamento para a doença de Pompe e a maioria das crianças afectadas morre antes dos 2 anos de idade. Existem formas menos graves da doença de Pompe que podem afectar crianças mais velhas e adultos; costumam evoluir com debilidade dos membros e dificuldades respiratórias. Em pessoas com outras formas da doença por acumulação de glicogénio aparecem, depois do exercício, espasmos musculares dolorosos seguidos de debilidade. Os sintomas são variáveis, desde ligeiramente moderados a graves, e podem reduzir-se evitando o exercício.
A lesão muscular produz a libertação para o sangue de uma proteína denominada mioglobina. Dado que a mioglobina é excretada pela urina, uma análise da mesma pode detectar esta proteína e ajudar a estabelecer o diagnóstico de uma doença por acumulação de glicogénio. A mioglobina pode causar lesões nos rins, sendo, por isso, importante limitar o exercício para diminuir a sua eliminação. A ingestão abundante de líquidos depois do exercício pode também diluir a concentração de mioglobina no sangue e na urina. Quando os valores de mioglobina são altos, o médico pode prescrever diuréticos para evitar uma lesão do rim. Por outro lado, o transplante de fígado pode ser útil em pessoas com doenças por acumulação de glicogénio, excepto nos casos de doença de Pompe.
Paralisia periódica
A paralisia periódica é um grupo pouco frequente de perturbações auto-sómicas hereditárias de transmissão dominante que se caracteriza por episódios súbitos de debilidade e de paralisia.
Durante uma crise de paralisia periódica os músculos não respondem aos impulsos nervosos normais nem sequer com a estimulação artificial com um instrumento eléctrico. Os episódios diferem das convulsões porque o nível de consciência não se altera. A forma como a doença se apresenta é variável segundo as famílias. Em algumas famílias a paralisia associa-se a concentrações elevadas de potássio no sangue (hiperpotassemia); noutras, com uma baixa concentração do mesmo (hipopotassemia). Sintomas No dia a seguir a um exercício, a pessoa costuma despertar com uma sensação de debilidade. Pode ser ligeira e estar limitada a certos grupos musculares ou afectar as quatro extremidades. Esta debilidade dura um ou dois dias. Na forma hiperpotassémica, as crises iniciam-se, muitas vezes, por volta dos 10 anos de idade e a duração é de 30 minutos a 4 horas. Na forma hipopotassémica, os episódios iniciam-se, geralmente, a partir dos 20 anos e sobretudo por volta dos 30 anos de idade. Nesta forma os ataques são de maior duração e mais graves. Algumas pessoas com a forma hipopotassémica
são propensas a sofrer uma crise de paralisia no dia seguinte a terem ingerido alimentos ricos em hidratos de carbono, embora o jejum também costume precipitar o episódio. Diagnóstico O dado mais importante para o médico é a descrição de um episódio típico. Se for possível, o médico extrai sangue durante uma crise para verificar a concentração de potássio. É habitual que o médico verifique a função da glândula tiróide e efectue exames complementares para verificar se os valores anormais de potássio não são consequência de outras causas. Prevenção e tratamento A acetazolamida, um fármaco que altera a acidez do sangue, pode prevenir as crises tanto hiperpotassémicas como hipopotassémicas. As pessoas que têm hipopotassemia durante a crise podem tomar cloreto de potássio numa solução não açucarada logo que notem o aparecimento do episódio. Os sintomas costumam melhorar numa hora. As pessoas com uma paralisia periódica hipopotassémica deverão evitar os alimentos ricos em hidratos de carbono e o exercício intenso. As que têm a forma hiperpotassémica podem prevenir as crises com a ingestão frequente de alimentos ricos em hidratos de carbono e pobres em potássio.
Consultar também _____________________________________________________________________ http://www.apn.pt