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THOMAS HYLLAND ER1KSEN FINN SlVERT NIELSEN
HISTÓRIA DA
ANTROPOLOGIA
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edi to r a
▼ VOZES
HISTORIA DA
ANTROPOLOGIA A literatura acadêmica voltada à história da antrop
olog ia expande-se a cada dia, e
este livro não quer competir com ela. No entanto, não conhecemos nenhum texto pu blicad o que tenha o mesmo pro pósito que este. Enq uan to a liter atura acadêm ica é quase sempre especializada e as obras existentes sobre história da antropologia ou são de caráter mais teórico ou estão vinculadas a uma ou a várias tradições pro fissionais, nesta obra oferecemos uma visão objetiva dos avanços paralelos, con vergentes e interdependentes das principais tradições da antropologia social e cultural. Nesse sentido, esta ob ra oferece um relato sóbrio e eq uilibrad o do desenvol vimento histórico da antropologia como disciplina. Além disso, propõe-se a compreender a multiforme história da antropologia sem fazer dela uma radical reinterpretação.
www.vozes.com.br
A
íd it o r a
ISBN 978-85-326-3428-3
▼ VOZES Uma vida pelo bom livro
[email protected]
►"7 S 8 5 3 2 " 6 3 42 8 3 II
Esta é a primeira obra que abrange toda a história da antropologia social e cultural num só volume. Os autores oferecem uma síntese d a discipli na no século dezenove, desde as teorias culturais de Herder, Morgan e Tylor até as contribuições muitas vezes negligenciadas dos estudiosos alemães do período. Examinam, além disso, a obra de antropólogos do início do século vinte, como Boas e Malinowski, nos Estados Unidos e na Inglaterra, e a sociologia de Durkheim e Mauss, na França. Também recebe atenção a relação ambígua entre antropologia e culturas nacionai s - muitos dos fundadores da disciplina eram migrantes ou judeus. O foco principal deste livro volta-se par a os tem as característicos da antropologia pós-I Guerra M
undial,
desde o estrutural-funcionalismo, via estruturalismo, até a hermenêutica, ecologia cultural e análise do discurso. Todo antropólogo de vulto recebe uma breve bio grafia e são ab orda da s controvérsias importantes, como os debates sobre modelos de aliança e descendência de parentesco, o enigma do totemismo, os problemas do neomarxismo e da ecologia cultural e as atuais discussões sobre representações do Outro e desconstrução. Este volume oferece uma história oportuna, concisa e abrangente de uma disciplina intelectual impo rtante, num a narrativa envolve nte e instigante que cativará estudantes da matéria.
L
Os autores Thomas Hylland Eriksen é
professor de Antropologia Social na Universidade de Oslo. É autor de diversos livros sobre questões antropológicas, incluindo Ethnicity and Nationalism e Small Places, Large Issues, e mais recente mente The Tyranny o f the Moment: Fast and Slow Time in the Information Age (Pluto Press). Finn Sivert Nielsen é professor-
assistente sênior de Antropologia Social na Universidade de Copenhague. Tem publicações sobre trabalho de campo, sobre a Rússia, a União Soviética e sobre antropologia geral.
340003001
H
i st ó r i a d a a nt r op ol ogi
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CTP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Eriksen, Thomas Hylland História da antropologia / Thomas Hylland Eriksen; Finn Sivert Nielsen; tradução de Euclides Luiz C al lo ni; revis ão técnica de Emerson Sena da Silveira. Petrópolis, RJ : Vozes, 2007. ISBN 978-85-326-3428-3 Título srci nal; A History o f Anthrop ology. Bibliografia 1.
Antropologia - Filosofia 2. Antropologia -
Histó ria L Nielsen , Finn Sivert. II. Título. 06-8071
CDD-306.09
índices para catálogo sistemático: 1. Antrop ologia : Histó ria
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306.09
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F i n n S i v er t N i el sen
Hist ó r ia d a antropologia
Tradução: Euclides Luiz Calloni Revisão técnica: Emerson Sena da Silveira
6 .0 3 C p
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A EDITORA Y VOZES Petrópolis
© Thomas Hylland Eriksen e Fiim Sivert Nielsen, 2001 Título srcinal inglês:
A H istoiy o f Anthropology
A primeira edição de A History o f Anthropology foi publicada por Pluto Press, 2001. Esta tradução foi publicada de acordo com a Pluto Press Ltd,, Londres. Direitos de publicação em língua portuguesa: 2007, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Editoraçã o : Fernando Sérgio Olivetti da Rocha Proje to grá fico : AG.SR Desenv. Gráfico Capa: WM design
ISBN 978-85-326-3428-3 (edição brasileira) ISBN 0-7453-1385-X (edição inglesa)
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^“Cmposto e impresso pela Editora Vozes Ltda.
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Su má r io
Prefácio, 1 1. Inícios, 9 2. Vitorianos, alemães e um francês, 27 3. Quatro pais fundadores, 49 4. Expansão e institucionalização, 69 5. Formas de mudança, 95 6. O poder dos símbolos, 118 7. Questionando a autoridade, 135 8. O fim do Modernismo?, 163 9. Reconstruções, 188
Posfácio, 211 Bibliografia, 215 índice remissivo, 241
Pr e f á c io
E ste é um livro ambicioso, mas não pretensioso. É ambicioso no sent ido de que, em número relati vamente pequeno de páginas, propõe-se a com preender a multifor me história da antropologia. Nossas prioridades, omissões e interpretações certa mente serão contestadas, pois é impossível haver uma única história oficial de uma determinada área, mais ainda de um campo tão ramificado, dinâmico e disputado como o da antropologia. Não é pretensioso, porém, pois nosso objetivo é oferecer um relato sóbrio e equilibrado do desenvolvimento histórico da antropologia como dis ciplina, e não propor uma reinterpretaçã o radical dela. A literatura acadêmica voltada à história da antropologia expande-se a cada dia, e este livro não quer competir com ela. No entanto, não conhecemos nenhum texto pu blicado que tenha exatamente o mesmo propósito que este. A literatura acadêmica é quase sempre especializa da e as obras existentes sobre história da antropologia ou são de caráter mais teórico ou estão vinculadas a uma ou a várias tradições profissionais. Embora possamos não ter alcançado plenamente nossos objetivos em todos os aspec tos, empenhamo-nos em oferecer uma visão objetiva dos avanços paralelos, conver gentes e interdependentes das principais tradições da antropologia social e cultural. O livro está organizado em ordem cronológica. Ele começa com as “proto-antropologias” desde a Grécia Antiga até o Iluminismo e continua com a criação da antropo logia acadêmica e com o desenvolvimento da sociologia clássica durante o século de zenove. O terceiro capítulo se concentra sobre os quatro homens que, p or consenso ge ral, são considerados os pais fundadores da antropologia do século vinte, e o quarto mostra como os alunos desses pioneiros continuaram e diversificaram o trabalho ini ciado. O quinto e o sexto capítulos abrangem o mesmo período - desde aproximadamente 1946 até por volta de 1968, mas ana lisam te ndência s diferentes: o capítulo 5 exam i na as controvérsias teóricas em tomo dos conceitos de sociedade e de integração so cial; o capítulo 6 ocupa-se dos conceitos de cultura e significado simbólico. No capítu lo 7 apresentamos os movimentos intelectuais e políticos das décadas de 1960 e 1970,
H ist ór ia d a antropologia
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com ênfase sobre os impulsos advindos do marxismo e do feminismo. O capítulo 8 analisa a década de 1980, concentrando-se no movim
ento pós-m ode mista e no seu pri
mo próximo, o pós-colonialismo, duas tendências críticas que abalaram seriamente a autoconfiança da disciplina; por fim, o nono e último capítulo
apresenta algumas das
principais tendências pós -m od em as que em ergiram durante os anos 1990. A história da antropologia não é, para nós, uma narrativa linear de progresso. Algumas controvérsias “modernas”, por exemplo, foram objeto de estudo desde o Iluminismo e mesmo antes dele. Ao mesmo tempo, acreditamos que houve um au mento constante e cumulativo do conhecimento e da compreensão nesse campo, também no que se refere ao seu método. Além disso, como a antropologia reage a mudanças no mundo externo, seu foco substancial muda de forma correspondente. Assim , o movim ento desde os prim órdios da era industri al e colonial até a era da in formação da modernidade global levou a disciplina ao longo de uma série de trans formações, mas essencialmente ela continua a levantar as mesmas questões de 50, 100 ou mesmo 200 anos atrás. Oslo/Copenhague, julho de 2001 THE & FSN
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Inícios
H á quanto t empo existem antropólogos? As opiniões a didas. Em grande parte, a resposta depende do
esse respeit o estão divi
significado atribuído à palavra antro
pólogo. As pessoas sempre tiveram curiosidade sobre seus vizinhos e sobre desco nhecidos mais distantes. Elas conjeturaram
sobre eles, lutaram contra eles , casaram
com eles e contaram histórias sobre eles. Algumas dessas histórias ou mitos foram escr itos. Alguns de sses registros foram m ais tarde criticados como
imprecisos ou
etnocê ntricos (ou simplesmente racistas ). Algum as histórias foram comp aradas com outras , sobre outros povos, levando a pressuposições m ais gerais sobre “pessoas em outros lugares”. Nesse sentido, começa mos com um a investigação antropológica no momento em que um estranho se muda para o apartamento em frente ao nosso. Se nos restringimos à an tropologia como disciplina cientí fica, alguns estudiosos remontariam suas srcens ao Iluminismo europeu durante o século dezoito; outros sustentariam que ela só surgiu como ciênc ia na década de 1850; outr os ainda afirma riam que as pesqu isas antropológicas no sentido atual começ aram depois da I Guerra Mundial. Nós também não podemos evitar essas ambigüidades. Não há dúvida, porém , de que a antropologia, considerada como a ciência do ho mem, teve srcem na região que em geral , mas imprecisamente, cham amos de “Oci dente” , especialmen te em três de quatro países “ociden tais”: França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e, até a II Guerra Mundial, Alemanha.
Historicamente falando, a an
tropologia é uma disciplina eu ropéia, e seus pr aticantes, como os de todas as ciências européias , às vezes gostam de atribuir s uas srcens aos antigos grego s.
Heródoto e outros gregos Graças às pesquisas realizadas por antropólogos, historiadores e arqueólogos, acreditamos hoje que “os antigos gregos” provavelmente eram muito diferentes de
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Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a
nós. Nas cidades-Estado clássicas, “democráticas” , mais da metade da população era constituída de escravos: os cidadãos livres consideravam o trabalho manual como degradante, e a democracia (que também foi “inventada” pelos gregos) provavel mente era mais semelhante às competitivas festa s potlatch dos kwakiutls (capítulo 4) do que às instituições descritas nas constituições modernas (ver Finley 1973; P. Anderson 1974). Voltar aos gregos é assim uma longa jornada, e nós entrevemos o mundo deles através de um vidro trincado e esfúmaçado. Vemos pequenas cidades-Estado circun dadas de áreas rurais tradicionais da Idade do Feiro e ligadas ao mundo externo por uma rede de relações comerciais marítimas entre povoados urbanos distribuídos ao longo das costas do Mediterrâne o c do Mar Negro. O comércio de bens de luxo e a es cravidão levaram riqueza considerável às cidades e os cidadãos da polis , com sua aversão ao esforço físic o, tinham à disposição um grande excedente, que usavam, en tre outras coisas, para construir templos, estádios, banhos e outros prédios públicos, onde os homens podiam reunir-se e envolver-se em debates filosóficos e especula ções sobre como o mundo foi organizado. Foi numa comunidade assim que viveu Heródoto de Halicamasso (c. 484-425 a.C.). Nascido num a cidade colonial grega na costa sudoeste da Turquia atual, Heró doto começou a viajar ainda muito jovem e acumulou um profundo conhecimento sobre muitos povos estrangeiros com os quais os gregos mantinham contato. Hoje Heródoto é lembrado principalmente por sua história das Guerras Persas, mas ele também escreveu narrativas de viagem minuciosas de várias partes da Ásia Ociden tal e do Egito, e de lugares tão distantes como a terra dos citas na costa norte do Mar Negro. Nessas narrativas, tão afastadas do nosso mundo atual, reconhecemos um problema que acompanha a antropologia, em roupagens várias, até os dias atuais: como devemos relacionar-nos com “os outros”? Eles são basicamente como nós ou são diferen tes? Grande parte da teoria antropológica procura estabelecer um equ ilí brio entre essas posições, e é exatamente isso que Heródoto também fez. Às vezes ele é simplesmente um “homem civilizado” preconceituoso e etnocêntrico que desdenha tudo o que é estrangeiro. Outr as vezes ele reconhece que diferentes pesso as têm valo res diferentes porque vivem sob diferentes circunstâncias, não porque são moral mente deficientes. As descrições que Heródoto faz da língua, do vestuário, das insti tuições políticas e judiciais, das ocupações e da economia são perfeitamente legíveis nos dias atuais. Embora às vezes captasse os fatos de modo equivocado, ele era um pesquisador meticuloso, e seus livros são em geral as únicas fontes escritas que te mos sobre povos de um passado distante.
I 1. I nícios
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Muitos gregos testaram sua argúcia enfrentando um paradoxo filosófico que toca diretamente o problema de como devemos relacionar-nos com “os outros”. Trata-se do paradoxo do universalismo em oposição ao relativismo. Um universalista atual procuraria identificar aspectos e semelhanças comuns (ou mesmo universais) entre diferentes sociedades, ao passo que um relativista enfatizaria a singularidade e par ti cularidade de cada sociedade ou cultura. Os sofistas de Atenas são às vezes descritos como os primeiros relativistas filosóficos na tradição européia (vários pensadores quase contemporâneos na Ásia, como Gautama Buda, Confúcio e Lao-Tsé, envol viam -se com questões semelhantes). Nos diálogos de Platão (427-347 a.C.) Protágoras e Górgias, Sócrates debate com os sofistas. Podemos imaginá-los numa batalha intelectual de alto nível, rodeado s de templos de colorido variegado e prédios púb li cos imponentes, com seus escravos quase imperceptíveis nas sombras entre as colu nas. Outros cidadãos são espectadores, enquanto a fé de Sócrates numa razão univer sal, capaz de determinar verdades universais, é contestada pela visão relativista de que a verdade irá sempre variar de acordo com a experiência e com o que hoje cha maríamos de cultura. Os diálogos de Platão não tratam diretamente das diferenças culturais. Mas eles testemunham que encontros entre culturas faziam parte da vida cotidiana nas cidades-Estado. As rotas do comércio grego estendiam-se desde o estreito de Gibraltar até a Ucrânia atual. Os gregos empreenderam guerras contra os persas e muitos ou tros “bárbaros ”. O próprio termo bárbaro é de srcem grega e significa “estrangeiro” . Para um ouvido grego, ele soava como se ess es estranhos só fossem capazes de dizer “bar-bar, bar-bar” . Do mesm o modo, n a Rússia, os alemães são até hoje chamados de nemtsy (os mudos): os que falam, mas não dizem nada. Aristót eles (384-322 a.C.) também se dedicou a especulações complexas sobre a naturez a do homem. Em sua antropologia filosófica ele analisa as diferenças entre o s seres humanos em geral e o s animais, e conclui que, embora os humanos tenham v á rias necessidad es em comum com os animais, soment e o homem possui razão, sab e doria e moralidade. Ele também afirmava que os seres humanos são fundamental mente sociais por natureza. Na antropologia e em outras disciplinas esse estilo de pensamento universalista, que procura estabelecer semelhanças mais do que diferen ças entre grupos de pessoas, desempenha um papel de d estaque até hoj e. Alé m disso, parece claro que, ao longo da história, a antropologia oscilou entre o universalismo e o relativismo, e que os principais representantes illnâscom freqüência também penderam para uma posição ou outra.
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HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA
Depois da Antigüidade
Na cidade-Estado grega clássica, as condições talvez fossem particularmente fa voráveis para o desenvolvimento da ciência sistemática. Mas também nos séculos seguintes, atividades “civilizadas”, como arte, ciência e filosofia, se desenvolveram em tomo de todo o Mediterrâneo: primeiro, no per íodo helenístico, depois que Ale xandre Magnoda(356-323 a.C.), da con duziu exércitos conf ins setentr ionais índia , difundin doMacedônia, a cultura urbana gregaseus por onde queraté quos e passasse; em seguida, mais tarde, durante os vários séculos em que Roma dominou grande parte da Europa, do Oriente Médio e do norte da África e imprimiu em sua população uma cultura derivada dos ideais greg os. Nessa sociedade complexa, multinacional, não sur preende descobrir que o interesse grego pelo “outro” também continuou. Assim, o geó grafo Estrabão (c. 63-4 a.C.-c. 21 d.C.) escreveu vários tomos volumosos sobre povos estrangeiros e lugares distantes, obras que cintilam de curiosidade e de alegria da des coberta. Mas quando o cristianismo foi elevado à condição de religião oficial e o Impé rio Romano c omeçou a desintegrar-se na metade do século IV d.C., processou-se uma mudança fundamental na vida cultural européia. Os cidadãos abastados da Antigüida de, que graças às suas receitas provenientes do comércio e do trabalho escravo podiam dedicar-se à ciência e à filoso fia, desapareceram. N a verdade, desapareceu toda a cul tura urbana, o próprio elemento aglutinador que mantinha coeso o Império Romano como um Estado integrado (embora de modo instáv el). Em seu lugar, manifestava-se um sem-número de culturas européias locais , portadoras de tradições germânicas, es lavas, fmo-ugrianas e celtas, tão antigas quanto as da Grécia pré-urbana. P oliticamen te, a Europa se desagregou em centenas de soberanias, cidades e enclaves locais autô nomos, que só foram integrados em unidades maiores com o crescimento do Estado moderno, do século dezesseis em diante. No decorrer de todo esse longo período, o que manteve o continente unido foi em grande par te a Igreja, a última d epositária da estrutura “unive rsal” de Roma. Sob a égide da Igreja, redes intern acionais en tre mon ges e clérigos surgiram e floresceram, interligando nichos de saber em que s veram as tradições filosóficas e científicas da Antigüidade.
obrevi
Os europeus gostam de se ver como descendentes lineares da Antigüidade, mas no curso de toda a Idade Média a Europa foi uma periferia. Durante os anos 600 até os 700 os árabes conquistaram territórios desde a Espanha até a índia e no decorrer dos sete séculos seguintes, pelo menos, os centros econômicos, políticos e intelec tuais do mundo mediterrâneo ficaram sediados em metrópol es sofisticadas como Bag dá e Córdova, não nas ruínas de Roma ou Atenas, para não mencionar vilas de reno me como Londres ou Paris. O maior historiador e filósofo social desse período foi Ibn Khaldun (1332-1406), que viveu na atua l Tunísia. Entre outras coisas, Khaldun
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escreveu uma volumosa história dos árabes e berberes, com uma longa introdução critica sobre o modo como usou sua s fontes. Ele desenvolveu uma das primeiras te o rias sociais não religiosas e antecipou as idéias de Émile Durkheim sobre a solidarie dade social (ver capítulo 2), hoje conside rada um dos fundamentos da sociol ogia e da antropologia. À s emelhança de Durkheim e dos primeiros antropólogo s que utiliza ram suas teorias, Khaldun destaca a importância do parentesco e da religião na cria ção e manutenção de um senso de solidariedade e de compromisso mútuo entre os membros de um grupo. Existem, no entanto, alguns escritos europeus do período medieval tardio que podem ser considerados precursores da antropologia dos nossos dias. O mais famoso é o relato de Marco Polo (1254-1323) de sua expedição à China, onde ele teria per manecido durante dezessete anos. Outro exemplo é a grande viagem através da Ásia Ocidental descrita em The Voyage and Traveis ofSir John Mandeville, Knight, escri ta por uiíi inglês desconhecido no século quatorze. Esses dois livros estimularam o interesse europeu por povos e costumes estrangeiros. Então, com o advento de eco nomias mercantilistas e o Renascimento contemporâneo nas ciências e nas artes, as pequenas, mas ricas cidades-Estado européias da Idade Média tardia começaram a se desenvolver rapidamente e surgiram os primeiros sinais de uma classe capitalista. Estimuladas por esses grandes movimentos sociais e financiadas pelos novos empre endedores, muitas e longas viagens marítimas exploratórias foram promovidas por governantes europeus. No Ocidente, essas viagens - com destino à África, Ásia e América - são em geral descrit as como “as grandes descoberta s”, embora os povos “descoberto s” quase sempre tenham tido razão em questi onar essa grande za (ver, por exemplo, Wolf 1982). O impacto das conquistas européias As “grandes descobertas” tiveram importância crucial para as mudanças que ocorreriam a partir delas na Europa e no mundo, e —em meno r escala - para o desen volvimento da antropologia. Da exploração de Henrique, o Navegador, da costa oci dental da África no início do século quinze, passando pelas cinco viagens de Colom bo à América (1492-1506), até a circunavegação do mundo por Magalhães (15191522), as viagens desse período ali mentara m a imaginaçã o dos europeus com descri ções vívidas de lugares cuja própria existência lhes fora até então íotalmente desco nhecida. Essas narrativas de viagens, além disso, chegaram a um público insohtamente numeroso, uma vez que a imprensa, inventada em 1448, transformou o livro num produto comum e relativamente barato em toda a Europa.
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Hist ór ia d a antropologia Muitas narrativas de viagens estavam obviamente repletas de erros factuais e
prejudicadas por precon ceitos cristãos arraigados. Exemplo bem conhecido é a obra do cartógrafo Américo Vespúcio,
que publicou muitos relatos
tinente que ainda preserva seu nome.
populares sobre o con
Seus liv ros foram reimpressos e traduzidos mui
tas vezes, mas suas descrições dos americanos (que eram chamados índios, pois Co lombo acreditava que havi a descoberto uma rota para a índia) revelam um a atit ude muito menos cuidadosa com relação aos fatos do que os escritos de Heródoto ou de Khaldun, Vespúcio parece usar os índios como mero efeito literário para justificar afirmações sobre sua própria sociedade. De modo geral, os americanos nativos são representados como reflexos distorcidos e muitas vezes invertidos dos europeus: são gentios, promíscuos, andam nus, não têm govern o nem leis e chegam a ser cani bais! Sobre esse pano de fundo V espúcio defende ardo rosame nte as virtudes da mo narquia absolutista e do poder papal, mas suas descrições etnográficas são praticamente inú teis como dados fidedignos sobre a vida nativa na época da conquista. Houve contemporâneos de Vespúcio,
como o huguenote francês Jean de Léry, qu
e
fizeram relatos mais confiáveis da vida dos índios, e esses livros também vendiam bem. Mas tudo indica que o mercado para histórias de aventuras em regiões distantes era insaciá vel na Euro pa nesse tempo. A maioria desses livros traça um contraste mais ou menos explícito entre os Outros (que bem eram “nobres selvagens” ou então “bár baros”) e a ordem existente na Europa (que é contestada ou então defendida). Como veremos em capítulos adiante, o legado desses primeiros relatos, moralmente ambí guos, continua resistente na antropologia contemporânea, e ainda hoje antropólogos são muitas vezes acusados de distorcer a realidade dos povos sobre os quais escrevem - nas colôni as, no Terceiro Mundo, em subculturas ou áreas de Vespúcio, essas descrições são geralmente
marginais. Como no caso
denunci adas por refletirem mais a pró
pria formação e experiência do antropólogo do que o povo estudado. A conquista da América contribuiu para uma verdadeira revolução entre os inte lectuais europeus. Além de prov ocar a refle xão sobre diferenças culturais, em pouco tempo e la deixo u claro qu e fora descoberto tod o um continente que nem sequer esta va mencionado na Bíblia!
Essa compreensão “não -religiosa” esti mulou a secular iza-
ção cada vez m aior da vida intelectual européia, a libertação da autoridade da Igreja e a relativização dos con
ciência com relação à
ceitos de moralid ade e de pessoalidade.
Como diz Todorov (1984), os indios atingiram a própria essência da idéia européia do que signifi ca ser um ser humano. Os índios eram humanos,
mas não se comporta
vam do modo como os europe us consideravam “natura l” para seres humanos. O era hum ano, então? O que era natural? Para os filósofos da Idade
que
Média, Deus havia
criado o mundo n um ato único e definitivo e dera aos seus habitantes a natureza espe-
l.
I n íc io s
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cífica que os distinguia, e que haviam conservado desde então. Agora era possível perguntar se os índios representavam um estágio anterior no desenvolvimento da humanidade. Essa percepção, por sua vez, deu srcem aos conceitos de progresso e desenvolvi mento que prenunciaram um a ruptura ra dical com a visão de mundo está tica da Idade Médi a. Na histó ria mais recente da antropologia, concepções de dese n volvimento e progresso desempenharam às vezes um papel importante. Mas se o progresso é possível, infere-se que ele é produzido pela atividade de seres humanos, e essa idéia, de que as pessoas traçam seu próprio destino, é uma noção ainda mais persistente em antropologia. Assim, quando se examinaram no espelho oferecido pelos índios, os europeus se perceberam indivíduos livres e modernos. Entre as expressões mais marcantes dessa li berdade subjetiva recém-descoberta estão os Ensaios (1580) do filósofo francês Michel de Monta igne (1533-1592). Com abertura e um estilo pessoal até ent ão desco nhe cido, Montaigne especula sobre inúmeras questões de maior e menor relevo. Diferen temente da maioria dos seus contemporâneos, em seus escritos sobre povos remotos Montaigne se revela alguém que hoje chamaríamos de relativista cultural. No ensaio “Dos Canibais”, ele inclusive conclui que se tivesse nascido e sido criado numa hibo canibal, com toda probabilidade teria comido came humana. No mesmo ensaio, que mais tarde inspiraria Rousseau, Montaigne tamb ém cunhou o termo le bon sauvage,“o bom selvagem”, uma idéia que depois foi muito debatida em antropologia. Nos séculos seguintes as sociedades européias se expandiram rapidamente em escala e complexidade, e os contatos interculturais
- através do comércio, das guer
ras, da atividade missionária, da colonização, da migração e
da pesquisa - tom a
ram-se cada vez mais comuns. Ao mesmo tempo, “os outros” passaram a s er progre s sivamente mais visíveis na vida cultural européia -
a começar com as peças de Sha-
kespeare até os libretos de Rameau. Todo grande filósofo desde Descartes (1596-1650) até Nietzsche (1844-1900) desenvolv eu sua próp ria doutrina sobre a natur eza humana, sua própria antropologia filosófica, muitas vezes baseando-a diretamente no conhecimento corrente e em crenças sobre povo s não-europeus. M as na maioria desses relatos, “os outros” ainda desempenham um papel passivo: os autores raramente se interessam pelo modo de vida desses povos; antes, importa-lhes sua utilidade como muniçã o retórica em deba tes e uropeus sobre a própria Europa. Exemplo releva nte desse fato foi a grande polêmica filosófica entre
empiristas e
racionalistas durante os séculos dezessete e dezoito. Os primeiros eram representa dos por filósofos ingleses, como John Locke (1632-1704). Para Locke a mente hu-
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
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mana, no mom ento do nascimento, era como uma tábua rasa, unia
tabula rasa. Todas
as nossas idéia s, valores e especulações res ultam de nossas exp eriências - ou “im pressões dos sentidos” - do mundo. As pessoas não nascem diferentes, mas tor nam-se diferentes através de diferentes experiências. Locke lança aqui os fundamen tos epistemológicos de uma
ciência da sociedade que combina um princípio
univer-
salist a (todos nascemos iguais ) com um princípio relativista (nossas experiências nos tornam diferentes). Mas os filósofos do século dezessete eram menos especializados do que os dos tempos atuais, e por isso era bastante comme ilfa u t para um homem como Locke passar diretamente
de um a discussão de ontologia para um comentário
político contemporâneo. O empirismo de Locke teve assim repercussões diretas so bre seu argumento político a favor de um princípio de “lei natural” (jus naturel) - que é a base da idéia moderna dos direitos humanos universais. A idéia de que todos os seres humanos nascem com certos direit os intrínsecos r emonta à Idade Média, quan do Tomás de Aquino (1225-1274) afirmava que os direitos do Homem eram dados por Deus. Mas no século dezessete filósofos como L ocke e Thomas Hobbes (15881679) defendiam que a lei natural não era “dada” do alto, mas estava implícita nas necessidades biológicas do indivíduo. Assim, o argumento é invertido: o indivíduo tem direitos porque é um ser humano, e não pela graça de Deus (ou do rei). Essa foi uma posição radical na época, e mesmo quando assumida explicitamente para justifi car a autocracia (como faz Hobbes), ela tem um
potencial revolucionário. Em
toda a
Europa, reis e príncipes defrontaram-se com exigências de uma burguesia liberal cada vez mais irrequieta e fort e: exigências de que o governante fosse obrigado por lei a respeitar o s direitos dos indivíduos à propriedade, à segu
rança pessoal e ao d e
bate público racional. Parece seguro supor que Locke se interessava mais po r essas questões do que pelo modo de
vida de povos distantes e que sua antropologia filosó
fica foi fortemente influenciada po r esse fato . A herança do empirismo britânico, que chegou
à sua forma mais sofist icada no
Iluminismo escocês, notadamente na filosofia de David Hume, ainda é evidente na a ntro po log ia britâ nic a contemporânea, com o vere mos mai s adiante. Do mes mo modo, as antropolog ias francesa e alemã ainda trazem a marca do racionalismo con tinental , uma posição que talvez tenha sido mais ardorosamente defendida po
r René
Descartes, um homem de muitas qualidades que deu contribuições substanciais à matem ática e à anatomia e que é por muitos considerado o criador da fi losofia m o derna. Na antropologia el e é particularmente conhecido pela d
istinção clara que esta
beleceu entre consciência moral e vida espiritual de um lado, e mundo m aterial e cor po humano de outro. Enquanto os empiristas britânicos diziam que os sentidos do corpo eram a única fonte de conhecimento válido sobre o mundo
externo, Descartes
1. I nícios
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duvidava d os sent idos. Nossas imagens do mundo externo s ão apenas iss o- im ag en s - e como t al elas sã o profundamente marcadas pelas idéias preexistentes que o sujei to que percebe tem sobre o mundo. Só podemos ver o mundo através de um filtro de idéias. P or isso, a tarefa prime ira da filosofia é verificai' se existem idéias verdad eiras que possam co nstituir uma base só lida par a o conhecimen to positivo. Com esse obje tivo em mente, Descartes assumiu uma atitude de “dúvida metodológica radical”. Todas as idéias de que se pode duvidar são incertas, e portanto inadequadas como fundamento para a ciência. Poucas idéias subsistiram à prova decisiva de Descartes. Sua máxima Cogito, ergo sum (“Penso, logo existo”) expressa essa certeza funda mental: posso ter certeza de que existo porque sei que penso. Mas Descartes gastou muita energia para derivar dessa primeira duas outras certezas: a certeza da existên cia de Deus e a certeza das proposições matemáticas. Difere ntemen te de Locke, Descartes não era um filósofo social. Aind a assim, ele foi produto do seu tempo. Apesa r de sua epistemologia racionalista ser explicitam en te contrári a à dos empiris tas, Descartes - como Locke e Hobbes - situa o indiví duo no centro de sua investigação. A final, sua prova da existência de Deus foi uma deco r rência do auto-rec onhec imento do indi víduo. Os empiristas també m tinham a mesma fc dc Descartes na faculdade hum ana da razão, e tanto racio nalistas como emp iristas foram atores fundamentais para definir as premissas de uma ciência secular, como representantes da nova ordem social, a ordem burgues
a, que em pouco tempo em er
giria em toda a Europa Ocidental.
Por que tudo isso ainda não é antropologia Essa breve revisão da pré-história da antropologia sugere que mais tarde se destacariam na
que inúmeras questões
antropologia já haviam sido tema de muitos debates
desde a Antigüidade. Povos exóticos haviam sido descritos normativamente (etnocentrismo) ou descritivamente (relativismo cultural). Também fora retomada repeti damente a dúvida de se as pessoas em toda parte e em todos os tempos são basica mente semelhantes (universalismo) ou profundamente diferentes (relativismo). Ha viam sido feitas tentativas de definir as diferenças en tre animais e ser es humano s, na tureza e cultura, congênito e aprendido, coipo sensual e mente consciente. Muitas descrições detalhadas de povos estrangeir
os também haviam sido publicadas , algu
mas delas baseadas em estudos meticulosos. Apesar desses desenvolvimentos históricos antigos e contínuos, sustentamos que a antropologia como ciência só apareceu num estágio posterior, não obstante ser verdad e que sua srcem foi um process o mais gradual do que às vez es se supõe. N os
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HISTÓR IA DA A NTROPOLOGIA
sas justificativas para isso são, primeira, que todo o trabalho mencionado até aqui pertence a um de dois gêneros: escritos de viagem e filosofia social. Só quando esses dois aspectos da investigação antropológica se combinam, isto é, quando dados e teoria se integram, é que surge a antropologia. Segunda, e talvez mais controversa, chamamos a atenção para o fato de que todos os escritores até aqui m encionados são influenciados pela época e pela sociedade em que viveram. Isso naturalmente se apli ca também aos antropólogos contemporâneos. Mas os antropólogos modernos vi vem num mundo moderno, e nós sustentamos que a antropologia não faz nenhum sentido fora d e um contexto moderno. A disciplina é produto não apenas de um con ju nto de pensamentos singulares como os que mencionamos acima, mas de mudan ças muito amplas na cultura e na sociedade européias que no devido tempo levariam à formação do capitalismo, do individualismo, da ciência secularizada, do naciona lismo patriótico e da re flexividade cultural extrema. Por um lado, então, alguns tópicos nos acompanharam constanteraente ao long o do tempo que estivemos considerando até aqui , P or outro, do século quinze em dian te apareceram inúmeras nova s idéias e novas formas de vida social que formariam a base sobre a qual a antropologia e as demais ciências sociais seriam construídas. Duas dessas novas idéias foram analisadas acima. Primeira, vimos que o encon tro com “o outro” estimulou os intelectuais europeus a ver a sociedade como um a en tidade passível de mudanças e crescimento, de comunidades locais relativamente simples, de peque na escala, para nações industriais grandes e complexas. M as a idéia de desenvolvimento ou progresso não se limitou a noções de muda nça social. O indi víduo també m podia se desenvolver, através da educação e d a profissã o, aprim oran do sua personalidade e encontrando seu “eu verdadeiro”. Como diz Bruno Latour (1991), a idéia d o indivíduo autônom o foi um pré-requisito para a idéia de socieda de. Só quando o indivíduo livre foi al çado à condição de “m edida de todas as coisas” é que a idéia de sociedade como associação de indivíduos pôde form ar raízes e tomar-se objeto de reflexão sistemática. E só quando a sociedade emergiu como objeto a ser continuame nte aperfeiçoado e remodelado em formas mais avançad as é que o indiví duo racional, independente, pôde transformar-se em algo novo e diferente, e inclusi ve “mais verdadeiro para si mesmo”. Sem um discurso explícito sobre essas idéias, jamais haveria possibilidade de surgir uma disciplina como a antropologia. As se mentes foram lançadas no alvorecer da filosofia moderna, avanços importantes fo ram feitos no século dezoito, mas foi no século dezenove que a antropologia se tor nou uma disciplina acadêmica e somente no século vinte que alcançou a forma em que é ensinada aos estudantes atualmente. Dirigiremos nossa atenção agora às cor rentes intelectuais do século de zoito e do s inícios do século dezenove, antes de des
1- in íc io s
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crever - no próximo capit ulo - como a antropologi a chegou à maioridade como dis ciplina acadêmica.
fO
Iluminismo
O século dezoito testemunhou um ropa. Nesses anos a autoconfiança da
florescimento da ciência e da fil osofia na Eu burg uesia aume ntou, os cidadãos refleti am so
bre o m undo e seu lugar nele e em b reve fariam exigências políticas de uma ordem
iluminismo
social racional, justa, previsível e transparente. A palavra-chave era
(Aufídarung, iluminação). Como Hobbes, Locke e Descartes havia m afirmado, o in divíduo livre devia ser a medida de todas as coi sas - do conhecimento e da ordem so cial. A autoridad e de Deus e do rei deixo u de ser cons iderad a um pressu posto natural. Mas as novas gerações de intelectuais desenvolveram essas idéias ainda mais. Eles se reuniam em clubes in fonn ais e em salões para discutir arte , filosofia e temas sociais. Cartas pessoais e diári os evoluíram pa ra jorn ais, periódicos e romances, e em bora a censura ainda fosse comum em quase toda a Europa, os
novos meios de comunicaç ão
logo conquistaram uma liberdade ma ior e ampliaram sua circulação. A burguesia se empen hava em libertar-se do poder da Igreja e da nobreza e em substituí-lo po r uma democracia. Crenças religiosas tradicionais eram denunciadas cada vez mais como superstições - obstáculos no caminho para uma sociedade melhor, governada pela razão. A idéia de progresso també m parecia confirmar-se através do desenvolvim
en
to da tecnologia, que fez seus primeiros grandes avanços nessa época. Novas tecnologias tornaram mais precisas as medições científicas. Máquinas industriais começaram a apare cer. A tentativa puramente teórica de D
escar tes de provar a ver
dade univer sal da m atemática de repent e tom ou-se um a questão prática de suma rele vância. Se a matemática, a linguagem
da razão, podia revela r verdades naturais fun
damentais como as leis de New ton, não se seguia que a natureza era ela
própria rac io
nal e que todo empreend imento dirigido pela razão estaria dest inado ao sucesso? To das essas e xpectativas culminaram abm ptatnente na Revolução Francesa, que tentou realizar o sonho de uma ordem social perfeitame nte racional na prática, mas foi rapi damen te suplantada por seu oposto irracional: a r
evolução d evorou seus filhos. E en
tão tod os os sonhos, decepções e paradoxo s da Revolução se espalharam a toda a Europa durante as Guerras Nap oleônicas, no início dos anos
1800, influenciando profund a
mente as idéias de sociedade que gerações posteriores desenvolveriam. Mas estamos aind a no século dezoito, a “idade da razão”, quando foram
feitas a s
primeiras tentativas de criar uma ciência antropológica. Um a obra inicial importante foi La scienza nuova (1725; The New Science , 1999), de Giambattista Vico (16681744), uma síntese grandiosa de etnografia, história da religião, filosofia e ciência
Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a
20
natural. Vico propõe uma estrutura universal de desenvolvimento social segundo o qual todas as sociedades passam po r quatro fases , com características específicas for malmente definidas. O primeiro estágio é uma “condição
bestial” sem moralidade ou
arte, seguido de uma “Idade dos Deuses”, caracterizada pelo culto à natureza e por estruturas sociais rudimentares. A seguinte, a “Idade dos Heróis”, distingue-se por perturbações sociais generalizadas devidas à grande desigualdade social. Por fim, a “Idade do Homem”, quando as diferenças de classe desaparecem e predomina a igualdade. Essa fas e, porém, degrada-se pela corrupção interna e degenera em “bes tialidade”. Vemos aqui, pela primeira vez, uma
teoria de desenvolvimento social que
não só contrapõe barbarismo e civilização, mas específica vários estágios de transi ção. A teoria de Vico serviría de modelo para os futuros evolucionistas, desde Marx até Frazer. Mas Vico comporta um elemento que inexiste na maioria dos seus segui dores. As sociedades não necessariamente se desenvolvem linea nnente na direção de condições sempre melhores, mas passam por ciclos de degeneração e crescimento. Esse aspecto confere à obra iluminista de Vico um subtexto crítico e romântico, como em Rousseau (ver abaixo). Vico foi um pioneiro italiano, mas os primeiros passos para a instituição da an tropol ogia como ciência foram dado s na França. Em 1748 o Barão de Monte squieu (1689-1755) publicou o seu De l 'esprit des lois, (The Spirit o f Laws, 1977). Essa obra é um estudo comparativo entre “c ulturas” distint as, sobre sistemas legisl ativos que Montesqu ieu conhecia de primeira ou de segunda mão, com base nos quais el
e pro
cura derivar os princípios gerais que subjazem aos sistemas legais interculturalmente. Montesquieu apresenta o sistema legal como um aspecto do sistema social mais amplo, intimamente entrelaçado com mu itos outros aspectos do todo maior (política, economia, parentesco, demografia, reli gião, etc.) - uma concepção que levou muitos a descrevê-lo como protofuncionalista (capitulo 3). Segundo Montesquieu, a poliga mia, o canibalismo, o paganismo, a escravatura e outros cost umes bárbaros podiam ser explicados pel as funções que eles exerciam na sociedade como um todo. M ontes quieu escreveu também o notável Lettres persanes (1722; Persian Letters, 1973), uma coleção de cartas fictícias de dois persas que descrevem a França para seus con cidadãos. Aqui o autor explora o “estranhamento” da diferença cultura l para parodiar a França no tempo de Luís XIV. O livro é provocante e estimulante. Mesmo atual mente ele continua polêmico, pois recentemente Montesquieu foi acusado de ser um proto -orientalista (Said 1978, 1993) que enfatizou indevidamente o exotismo dos persas. Essa crítica justifica-se, sem dúvida, pois evidentemente o principal objetivo de M ontesquieu não é descre ver a Pérsia, mas criticar a França. Mas as cartas persas também revelam u ma compreensão sutil de um problema às vezes descrito como
ho-
1. I nícios
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meblindness n a antropologia cultu ral: nossa incapaci dade de ver nossa própri a cultu ra “objetivamente”, “de fora”. Montesquieu empregou uma técnica específica para resolve r esse problema: d escreveu sua própria sociedade do ponto de vista de um
fo
rasteiro. Antropólogo s críticos ainda usam essa técnica atualmente. Outro passo na direção de uma ciência antropológica foi dado por um grupo de intelectuais fr anceses jov ens e idealis tas. Fora m os enciclopedistas, liderados pelo fi lósofo Denis Diderot (1713-1784) e pelo matemático Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783). O objetivo desses intelectuais era coletar, classificar e sistematizar o maior volume possível de conhecimentos com o
intuito de promover o avanço da ra
zão, do progresso, da ciência e da tecnologia. A
Encyclopédie de Diderot foi publica
da em 1751-1772, e i ncluía artigos de intelectuais eminentes como Rousseau, re e Montesquieu. A enciclopédia se impôs rapidamente como mo
Voltai
delo para projetos
posteriores do mesmo gênero. Obra liberal e abrangente, pa ra não d ize r revolucioná ria, ela fo i censurada em m uitos países da Europa po r sua crítica acerba à Igrej a, Mas os 17 volumes de texto e 11 volumes de ilustrações também continham outros mate riais polêmicos, como descrições detalhadas de aparelhos mecânicos desenvolvidos por agricultores e artesãos com uns. Assuntos assim receberem destaque numa obra acadêmica era fato inédito à época e indicava que em breve seria natural estudar a vida cotidiana de pessoas comuns. A enciclopédia também lhadas de costumes culturais e sociais de t
continha descrições deta
odo o mundo. Um dos colaborado res mais
jovens, o M arquês de Condorcet (1743-1794), que morrería prem aturam ente numa prisão jacobina, escreveu comparações sistemáticas entre diferentes sistemas sociais e procurou desenv olver uma síntese da matem ática e da ciência social que lhe
po ssi
bilitasse fo nn ular leis objetivas de desenvolvimento social. O colaborador mais influente da
Encyclopédie foi sem dúvida Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778). Contrariamente à maioria dos seus contemporâneos, Rous seau afirmava que o desenvolvimento não e
ra progress ivo, mas degenerativo, e que a
causa desse declínio era a própria sociedade. De um estado de natureza inici al, ino cente, em que cada indivíduo vivia po r si mesmo em harm onia com seu am biente, as pessoas passa ram a criar instituições de casamento e parentesco e se estabeleceram em grupos pequenos e sedentár ios. Aos poucos esses grupos cresceram em com xidade e criaram sacerdotes
ple
e chefes , reis e príncipes, propried ade privada, polícia e
magistrados, até que a alma livre e boa do homem gualdade soci al. Todos os vícios humanos
ficou esmagada sob o peso da desi
são pr oduto do aum ento da desigualdade
social, e Rousseau atribuiu a queda srcinal desde um
estado de graça à entrada da in
veja no mundo. “O homem na sceu livre, mas está a ferros em toda parte” , declara ele em D li contrai social (1762; On die Social Contract, 1978); mas Rousseau também
22
I-IISTÓ RIA DA A NTRO POLOG IA
prom ete que o “contrato social falso” do tempo dele pode ser substituído por um con trato verdadeiro baseado na liberdade e na democracia. Apesar do seu pessimismo com relação à situação da época, Rousseau continuou assim com os mesmos sonhos utópicos de Vico ou Condorcet. O mo delo da sociedade ideal de Rousseau devi a se r encontrado entre os “nobres selvagens”, os povos livres e sem Estado. Essa reavaliação das sociedades livres re presentou obviamente um passo significativo para o verdadeiro relativismo cultural. Mas o relativismo de Rousseau era “superficial”. Também ele se interessava pelos “primitivos”, principalmente por representarem valores contrários aos da época. Eles simbolizavam o homem racional que renasceria na sociedade ideal do futuro. As sim o homem e ra livre e racional ou cativo e corrompido, e com iss o como prem is sa, pesquisas práticas e aplicadas de diferenças culturais empíricas eram considera das irrelevantes. Não obstante, Rouss eau foi uma fonte importante de inspiração para cientist as sociais q ue vieram depois - desde Marx a Lévi-Stra uss - e com freqüência é considerad o intermediário entre o llumim smo franc ês e o Romantism o alemão, que surgiu nas décadas finais dos anos 1700, em parte como reação à filosofia iluminista. Aqui, a celebração rousseauniana do “homem autêntico" recebeu novo impulso e os p rim eiros conceitos de cultura foram apresentados explici tamente. Romantismo
O Iluminismo acreditav a no indivíduo e na mente racional. Em contraste, o pensa mento romântico deslocou sua atenção do indivíduo para o grupo, da razão par a a emo ção. Na política, houve um movim ento semelhante, de um d iscurso universalista sobre indivíduos livres e democracia para um discurso particu larista sobre construção da na ção e sentimento naci onal. É com um considerar o Romantismo como uma tendênci a que substituiu o Il uminismo nos anos de reação depois da Revolução France sa. M as, como sugere E mesl Gellner (1991), talvez sej a mais exato ver os dois moviment os co mo fluxos paralelos, às vezes divergindo ou competindo, às vezes convergindo e me sclan do-se . Esta segun da consta tação é especial mente comum na antropologia, qu e tem como objetivo não somente compreender todos culturai s (um projeto romântico) , mas também dissecá-los, analisá-los e compará-los (um projeto iluminista). No século dezoito, a Alemanha, o centro do pensamento romântico, ainda era um mosaico político de principados indepe ndentes e cidades autônomas, reunido s tenuemente sob a égide do “Sacro Império Rom ano” - ao qual Voltaire se referiu certa vez dizendo que não era sacro, nem romano, nem império. Assim, diferentemente das idéias francesas de sociedad e e cidadania, o conceito de uma nação germ ânica bas ea
i.
23
I n íc io s
va-se na língua e na cultura mais do que na pol
ítica. A Fran ça era um Estado grande e
poderoso, cujo estilo, poesia e realeza dominavam o mundo ocidental. Saber falar francês era em toda parte sinal de uma mente cultivada. Um dos româ
nticos alemães
mais populares (Friedrich Richter) chegou a adotar um pseudônimo francês: Jean Paul. Era muito natural que os alemães, politicamente fragmentados, mas cultural mente articulados, acabassem reagindo à dom
inação franc esa. Eles também tinham
mais razão em especular sobre as qualidades que unificavam sua nação do que os franceses centralizados. Em 1764, o jovem Johann Gottfried von Herder (17441803) publico u seu Audi eine Philosophie der Geschichte (“Yet another Phil osophy of History”, 1993), um ataque vigoroso ao universalismo francês defendido, por exemplo, por Voltaire (16 94-1778 ). Herder proclamava a primazia das emoçõ linguagem e definia a s ociedade como um a comunidade profundamente da, mítica. Ele afirmava que todo
es e da
consolida
Volk (povo) tem seus próprios valores, costumes,
língua e “espírito” ( Volksgeist). Dessa perspectiva, o universalismo de Voltaire não passava de u m provincialism o disfarçado. Sua civilização universal, na verdade, não era outra coisa senão cultura francesa. O debate Voltaire-Herder continua a confrontar-nos atualmente. O ataque de Herder ao universalismo aberto, transnacional, de Voltaire lembra a crítica dos an tropólogos do século vinte às missões, à ajuda ao desenvolvimento, às políticas de minorias e globalização. Lembra também a critica lançada à própria antropologia como agente de imperialismo cultural. Além disso, uma distinção entre cultura e ci vilização processou-se posteriormente no mundo de língua alemã, embora com su cesso limitado na academia: a cultura era considerada com
o exp erimental e orgânica,
ao passo que a civilização era cognitiva e superficial, O conceito de Volk intr oduzido por He rder foi aperfeiçoado
e polit izado p or filó
sofos posteriores, inclusive Fichte (1762-1814) e Schelling (1775-1854), que o transformaram num instrumento de germinação
de movimentos nacionalistas que se
espalhar am pela Europa na esteira d as Guerras Napoleônica s. M as o mesmo concei to entrou também na academia, onde reapareceu, no início do século vinte, como a prop osição do relativismo cultural. Assim, os sistemas antag ônicos do relativismo e do nacionalismo remon tam am bos suas srcens ao mesmo c onceito de cultura que se srcinou no Romantismo alemão. O maior filósofo desse período foi sem dúvida Immanuel Kant (1724-1804). A filosofia de Kant é fundamental demais para ser enquadrada numa escola filosófica bem definida. E m geral se diz que Kant pôs um ponto final a mu itos debates filos ófi cos respeitáveis, entre eles a controvérsia entre empirismo e racionalismo. Em seu
Kritik der reinen Vemu nft (1781; Critique qfPure Reason, 1991) Kant concordou
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
24
cora Locke e Hume que o verdadeiro conhecim dos, mas ele também
ento d eriva da s impressões dos senti
ressaltava (co m D escartes) que os dados sensoriais er
dos e modelados pelas faculdades da mente. O conhecim
am filtra
ento era tanto sensual como
matemático, positivo e especulativo, objetivo e subjetivo. A grande realização de Kant foi dem onstr ar que pensamento
e experiência estavam rel
acionados d inamica
mente e que a aquisição do conhecim ento é um pr ocesso criativo. Conh ecer o mundo é criar um mundo que é acessível ao conhecimento. Num sentido, o homem é, por tanto, incapaz de conhe cer o mundo com o este é em si mesm o (Ding an Sich). Mas o homem tem acesso ao mundo enquanto o mundo representa a si mesmo para o ho mem (. Ding für Mich ) e o homem é capaz de obter conhecimento verdadeiro sobre este mundo. Conhecer o mu ndo é contribuir com sua cria
ção, como todo antropól ogo que re a
liza trabalho de campo sabe. Nós colhemos amostras, modelamos e interpretamos a realidade à medida que prosseguimos; Kant foi o primeiro a reconhecer explicítamente esse processo, o qual continua a gerar debates importantes na antropologia atual. Na form ulação de Kant, porém , essa idéia ainda não se aplicava diretame
nte às
ciências soci ais. Coube a seu suces sor, Georg W ilhelm Fried rich Hegel (1770-1831), com pletar essa li nha de raciocínio. Para Kant, o
conhe cimen to era um p rocesso, um
movimen to sem fim. O ponto fixo em torno do qual seu
mo vimen to fluía era o indiví
duo. Com Hegel, o ponto fixo se diss ipa. O indivíduo tamb ém é parte e resultado do proc es so de conhecimento. Assim, co nh ecen do o mundo , criamos não somen te um mundo cogn oscíve l, mas também um E u cognoscente. Mas se não
exist e ponto fixo ,
como é possível alcançar o conhecimento? Quem será a medida de todas as coisas, senão o indivíduo? Hegel responde a essa pergunta dizendo que não estamos sozi nhos no mundo. O indivíduo participa de uma sociedade comunicativa com outras pessoas. O m undo criado através do c on he cimen to é portan to fund am entaimen te co letivo, e o indivíduo não
é sua causa, mas um
dos seus efeit os.
Assim, através das com plexas e freqüenteme nte obscuras formu lações de Hegel, vemos emergir o princí pio do coletivi smo metodológi co - a idé ia de que a soci edade é mais fundamen tal do que o indivíduo. A visão
oposta, o
individualismo m etodoló
gico , segue Kant e te m seu ponto de parti da na pessoa individual.
Mesmo h oje, essas
po siçõ es estão relatíva men te bem definidas na antropologia. Co m H eg el no entanto, o coletivismo alcança seu apogeu. Hegel descreve um
Weltgeist , um “espírito do
mundo” que evolui independentemente dos indivíduos mas que também se manifes ta através deles. O Geist tem seus centros e periferias, e se
propa ga seg undo leis evo
lucionárias específ icas. C om essa idéia, sugeriu Gea na (1995), Hegel foi o primeiro filósofo a antever uma humanidade verdadeiramente global.
1. Inícios
25
Estão lançados a essa altura os fundamentos epistemológicos da teoria social moderna. Se o conhecimento é um processo coletivo, que cria um mundo coletivo que pode ser conhecido por indivíduo s, tom a-se possível visualizar esse mundo num padrão de comunicação mais ou menos sistemático entre pessoas. Posteriormente, os teóricos descreveram esse padrão de diversos modos, com conceitos como estrutura, função, solidariedad e, poder, sistema e agrega do. O pró prio Hegel estava interessado no desenvolvimento do Weltgeist e descreveu seu desdobramento como um processo dialético de conflito e síntese que levava a sociedade a novos estágios evolucioná rios. Não obstante, embora a dialética tenha mais tarde alcançado proeminência en tre teóricos sociais inspirados por Marx, a “construção social da realidade” continua sendo a idéia mais importante que a ciência social herdou de Hegel e Kant. Mas essa idéia também combinava perfeitamente com os movimentos naciona listas inspirados por Herder, os quais haviam se difundido por toda a Europa nas dé cadas seguintes a 1800 . Nações eram precisam ente essas realidad es e sociedades co municativas socialmente construídas como Hegel havia descrito, cada uma com seu estilo e caráter únic os. Idealmente, a nação era uma coletivida de de pessoas, gover nada pelas pessoas, de acordo com os anseios e necessidades coletivos mais profun dos das pessoas . Assim, o nacionalismo tem sua inspiração na filosofia romântic a, mas foi também produto de processos históricos subjacentes: as conturbações políti cas na seqüência das guerras napoleônicas, a alienação produzida pela industrializa ção e a difusão dos ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, Foi nesse mund o agitado e em transição que a antropol ogia com eçou a ser consi derada como disciplina acadêmica. Uma precondição importante para que isso se concretizasse foi a criação dos primeiro s museus etnográficos. Coleç ões de artefatos exóticos existiam havia muito tempo nas cortes européi as. Uma das primeiras, reuni da pelo rei dinamarquês Fre derico III, data de 1650 e mais tarde se tom aria a base do Museu Nacional Dinamarquês. Mas a coleta sistemática de objetos etnográficos só começou nos anos 1800. Grandes museus nacionais foram criados em Londres (1753), Paris (1801) e Washington, DC ( 1843), e todos eies desenvolveria m departa mentos etnográficos influentes. Ainda assim, os primeiros museus etnográficos es pecializados foram criados em áreas de língua alemã, especialmente Viena (1806), Munique (1859) e Berlim (1868). Isso pode surpr eender, pois a Alemanha e a Áustria não possuíam colônias. No entanto, acadêmicos alemães, seguindo o programa de Herder, haviam c omeça do a realiza r estudos empíricos sobre os costumes “do pov o” . Eles coletavam dados sobre a vida cam ponesa - sobre contos popular es e lendas , vestuário e dança, ofícios e habilidades. Assim, os primeiros museus interessa vam -se princi palment e pelo Võlkskunde (o estudo de culturas camponesas domésti-
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
26
cas) mais do que pelo
Völkerkunde
(o estudo de povo s remotos). De qu alquer modo,
devemos observar que a institucionalização da antropologia começou em áreas de língua alemã , e não na França ou na Inglater ra - um fato que muitas vezes é negli ciado nos relatos históricos
gen
da antropologia.
Como o próximo capítulo mostrará, a contribuição alemã à antropologia conti nuou importante no decorrer de todo o século dezenove, concomitantemente ao de senvolvimento de uma antropologia “vitoriana” peculiar na Grã-Bretanha.
2
Vitorianos, alemães e um francês
E n tre as Guerras Napoleônicas (1792-18 vemos o nasciment o da Europa moderna -
15) e a I Guerra Mun dial (19 14-1918),
e do mundo moder no. Acima de tud o, po
rém, essa foi talvez a era da Revolução Industrial. Nos anos 1700 transformações profundas se processaram n a agricultura e na manufatura, esp ecialmente na Ing later ra. Máquinas a vapor e de fiação hav cada vez mais numerosa de
iam se espalhado por toda parte e uma classe
camponeses sem terra e de trabal
hadores urbanos come
çou a se fazer ouvir. As mudanças mais importantes, contudo, ocorreriam mais adi ante. Na déc ada de 1830 foram con struídas as primeiras grandes ferrovias; uma dé cada depois, navios a vapor cruzavam o Atlântic o regularmen te; e em 1846 foi intr o duzido o telégrafo. Num a escala que o mun do desco nhe cia até então, come çava a ser possível mov im entar enormes quantidades de informações, de matérias-p rim as, de mercad orias e de pessoas por distâncias globais. Essa efervescên
cia, por sua vez, sig
nificava que a produção podia ser aumentada, tanto na agricultura como na indústria manufa tureíra. A Europa tinha condições de alime
ntar mais pessoas, em parte com o
aumento da produção e em parte com a expansão das
importações. O resultado foi o
crescimento da população . Em L800 a Inglaterra contava com 10.5 milhões de pes soas. Em 1901 sua popula çã o cheg ava a 37 milhões de habitan tes, 75 por cento dos quais viviam em cidades . Forçados pela pressão populacional e pela racionali zação da agricultur a, os cam poneses abandonaram
o interior e migraram para centros urba
nos como Lond res ou Paris, onde foram ressoci
alizados como operários. As cond
i
ções nas cidades em rápido crescimento eram sempre precárias: epidemias eram co muns, e quan do foi intr oduzida a primeira lei britân ica con tra o trabalho infantil, em 1834, ela apenas regulamentou a situação de crianças com idade inferior a 9 anos. Com o tempo, protestos contra essas mudanças aumentaram em
freqüência e em
escala. O exemplo mais extremo foi a Revolução Francesa, mas a revolta Cartista na Inglaterra nos anos 1840, as revoluções francesa, austríaca e italiana em 1848-1849, a
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H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
Com una de Paris de 1870, também indicam claram ente o potencial para a violência de sencadeado pela industri alização. S imultaneamente aos protestos desenvolveu-se uma ideologia nova, de caráter socialista. Suas raízes remontam a filósofos sociais como Rou sseau e Henri de Saint-Sim on (1760-1825) e aos neo-hegelíanos alemães, mas sua formulação definitiva ocorreu com Karl Marx, que abordaremos mais adiante. O sucesso do movim ento trabalhista durante o século dezenove teria sido prati camente impossível sem o trem e o navio a vapor . M ilhões de migrantes se desloca ram por esses meios de transporte para os Estados Unidos, Austrália, Argentina, África do Sul, Sibéria e outras partes do mundo, aliviando a pressão populacional na Europa e possibilitando um a elevação continuada nos padrões de vida de todos. Ao mesm o tempo, nas colônias, adm inistrações difundiam a cultura e a s institui ções eu ropéias. Esse impressionante pro cesso de difusão teve efeitos os mais divers os. No vas rela ções de poder surgiram - entre o administrador colonial e o comerciante ín dio, entre o proprietário rural e o escravo negro, entre boer, inglê s e bantu, entre colo nizado r e aborígene austral iano. Na esteira dessas novas relaç ões de dom inação e de pendência, novas filosofias, ideologias e mitos surgiram para defendê-las ou ata cá-las. A cam panha contra a escravatura é um dos pri meiros exemplos disso, e a es cravidão foi abolida com sucesso nas poss essõe s inglesas e francesas nos anos 1830. Mas o racismo, que em ergiu como ideologia organizada durante o século dezenove, foi um a resposta aos mesm os processos. Finalmente, surgiu um a ciênci a internacio nalizada. O pesquisado r global se tom a um a figura popular - e o protótipo é, natural mente, Charles Darw in (1809-1882), cuja Origem das espécies (1859) se baseava em dados coletados durante um a circunavegaçào de seis anos ao redor do globo . Não surpreende que a antropologia tenha surgido como disciplina nesse período. O antropólogo é um pesquisador global prototípico que depende de dados detalhados sobre pessoas em todo o mundo. Agora que esses dados se tomavam disponíveis, a antropologia podia estabelecer-se como disciplina acadê mica. E também a sociologi apo diaaalçar-se a essresultou a condidação. Se a antropologia s e desenvolveu ap art irpela do impe rialismo, sociologia mudan ça das relações de classe produzida in dustriali zação na Europa em si —todos os país fundadores da sociologia analisam o significado da “modernidade” e o contrapõem às condições “pré-modemas”. Evolucio nismo biológico e soci al - Morg an Enquanto os principais sociólogos do século dezenove eram em sua maioria ale mães ou franceses, os antropólogos mais destacados estavam na Inglaterra (o maior poder colonial, com grande facilidade de acesso aos “outros”) ou nos Estados Unidos (onde “os outros” estavam próximos). Os avanços teóricos nas duas tradições tam-
2. VITORIANOS, ALEMÃES E UM FRANCÊS
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bém eram bastante diferentes. O evolucionismo típico da antropologia do século de zenove construía-se sobre idéias de desenvolvimento do século dezoito, favorecido pela experiência do colonialismo e (a começar nos anos 1860) pela influência de Darwin e seu defensor mais célebre, o filósofo social Herbert Spencer (1820-1903), que fundou o Darwinismo Social, uma filosofia social que exalta as virtudes da com petição individual. Mas a antropologia não derivou para uma pseudociência racista. Todos os principais antropólogos da época apoiavam o princípio da unidade psíqui ca da humanidade - os seres humanos nascia m em toda parte com aproxi madamente os mesm os potenciais, e as diferenças herdadas eram negligenciáveis. Com efeito, as teorias da evolução social pressupunh am esse princípio, pois se a s diferenças raciais eram consideradas como fundamentais, as comparações culturais sobre as quais es sas teorias se baseavam seriam desnecessárias. Paralelamente, sociólogos continentais seguiam a liderança de Kant e Hegel e exploravam a realidade socialmente construída descoberta pelos dois alemães. Dife rentes sociólogos com preende ram esse projeto de modos diversos, mas todos tinham em comum a idéia de socieda de como uma realidade autônoma que deve ser estuda da em seus próprios termos, não com os métodos da ciência natural. Como os antro pólogos, os sociólogos defendiam a unidade psíquica da humanidade e aceitavam a teoria evolucionista. Diferentemente dos antropólogos, que classificavam e compa ravam as características externas das sociedad es em todo o globo, os sociólogos diri giam a atenção para a dinâm ica interna da sociedade oc idental, industrial. As teorias sofisticadas que assim se desenvolveram exerceriam um impacto fundament al tam bém sobre a antropologia a partir do inicio do século vinte.
Ilustraremos aqui as diferenças entre essas duas tradições emergentes c om a obra de duas de suas figuras pioneiras mais destacadas: o antropólogo americano Lewis Henry Morgan (1818-1881) e o sociólogo alemão Karl Marx (1818-1883). A vida de Morgan consubstanciou de muitas formas os E
stados Unidos de opor
tunidades iguais que o sociólogo francês Alexis de Tocqueville havia descrito em 1835. Ele cresceu num a fazenda no Estado de Nova York, formou-se em advoc acia e participou de modo ativo e bem-sucedido na política local. Um dos primeiros defen sores dos direitos políticos dos nativos americanos, ele era fascinado pelos índios desde a juventude. Na década de 1840 ele viveu com os iroqueses durante algum tempo, quando foi adotado por uma das tribos e recebeu o nome Tayadaowuhkidr. “aquele que constrói pontes”. Morgan compreendeu que grande parte da complexidade da cultura nativa ame ricana em pouco tempo seria irrecuperavelmente destruída como conseqüência do influxo de europeus, e considerava como tarefa crucial documentar a cultura tradi-
Hist ór ia d a ant r op ol ogi a
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cional e a vi da social desses nativos antes que fosse tarde demais. Essa atitude, m tas vezes denominada
ui
antropologia urgente , foi assumida também pelo segundo
grande an tropólogo am ericano, Franz Boas (ca pítulo 3), e desde então foi mu ito utili zada em p esquisas de povos
indí genas .
Morgan tinha contato estreito com o povo que ele estudava, simpatizava com os problemas desse povo e publicava relatos detalhados de sua cultura e vida social. Mas ele tamb ém fez contribuições teóricas substanciais, especialm ente em sua obra pionei ra sobre o parentesco. O interesse de Morga n pelo parentesco tinha srcem e m seu con vívio com os iroqueses. Mais tarde, ele descobriu semelhanças e diferenças surpreen dentes entre o sistema de parentesco desse povo e o de outros povos na América do Norte. Ele então elaborou um estudo comparativo em larga escala do parentesco dos nativos americano s, no qual acabou incluindo tamb ém outros grupos. Morgan criou a prim eira tipologia de sistemas de parentesco (cf. Holy 1996) e introduziu um a distin ção entre parentesc o classificatório e descritivo que continua em uso ainda hoje . Num a expli cação muito simplificada -
sistemas descrit ivos (como o nosso) diferenciam pa
rentes da linha ascendente ou descendente direta (parentela linear) dos parentes “late rais” (par entela colateral, como irmãos, primos e contraparentes). O parentesco classificatôr io (como entre os iroqueses) não faz diferença entre essas duas categorias. Aqui o mesmo termo pode ser usado, por exemplo, para todos os parentes masculi
nos line a
res e colaterais do lado paterno (pai, irmão do pai, filho do irmão do pai, etc.). Mas Morga n fez m ais do que form ular uma teoria : ele fundam entou sua teoria em anos _de estudos intensivos sobre os sistemas de parentesco
existentes ao redo r do mundo. Ele
apresenta os resultados dessas pesquisas em seu influente
Systems o f Consanguinity•
and Affini ty ofth e Human Fam ily (1870) , onde também co nsidera o parentesco, defini tivamente, como um tema antropológico fundamental. Para Morgan, o parentesco era pri ncipalmente um a porta de entrada paia o e
stu
do da evolução social. Ele sustentava que as sociedades primitivas organizavam-se sobre a base do parentesco e que as variações terminológica tesco tinham correlação co
s entre sistemas de paren
m variações na estrutura soci al. Mas ele t amb ém supunha
que a tennino logia do parentesco mud
ava lentamente e que portant
o continha indica
ções para uma compreensão de estágios anteriores da evolução social. Em sua obra magna
Ancient Society (1877), Morgan procura realizar uma gran
diosa síntese de ioda sua obra. Ele distingue três grandes estágios da evolução c
ultu
ral: selvageria, barbárie e civilização (com três subestágios para a selvageria e três pa ra a barbárie). Os critérios p ara essas divisões eram principalmen te téc nicos: seus “selvagens” eram caçadores e coletores, o “barbarismo” estava associado à agricul tura e a “civilização” à fonnação do Estado e à urbanização. Observando-se retros-
2. VITORIANOS, A LEMÃES E UM FRANCÊS
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pectivamente, parece claro que a síntese de M organ não teve sucesso. Mesm o acei tando-se o seu esquem a evolucionário básico, os detalhes geralmente são vagos. As vezes, características t ecnológicas isoladas recebem um peso além do razoável - por exemplo, a cerâmica é o critério de transição entre dois estágios. Com isso, onde se situariam as sociedades de chefia polinésias, com seus sistemas políticos complexos, mas sem nenhum traço de cerâmica? É justo acrescentar que o próprio M organ tinha consciência de que suas conclusões eram muitas vezes especulativas e ele próprio criticava a qualidade dos seus dados (principalmen te os secundários). Morgan exerceu influência considerável sobre a antropologia posterior, especi almente sobre os estudos relacionados com o parentesco, mas também sobre os ma terialistas culturais americanos e outros antropólogos evolucionistas no século vinte (capítulo 5 ). S ociólogos também o liam, porém. Quando Marx, quase no fim de sua vida, descobriu Morgan, ele e seu companhe iro Friedrich Engels tentaram integrar a s idéias de Morg an em sua própri a teoria evolucionária, pós-hegeliana. O s resultados incompletos dessa tentativa foram publicados por Engels em The Origin ofthe Fa mily, Private Property, and the State, em 1884, o ano seguinte à morte de Marx. Marx
O escopo e o s objetivos da obra de Marx contrastam agudam ente com os de Mor gan, apesar do envolvim ento de ambos com explicações m aterial istas. Os escritos de Marx sobre as sociedades não-industriais são dispersos e constituem tentativas. Foi com a análise da sociedade capitalista em sua obra-prima Das Kapital (vols. 1-3, 1867, 1885, 1896; Ocapital , 1906) que ele deu sua contribuição perman ente à teoria social. A pesar da derrocada do marx ismo como m ovimen to político no fim dos ano s 1980, ess a obra continua com o influência acadêmica importante . Nascido no mesmo ano que Morgan, de família judia abastada, numa obscura ci dade alemã, M arx formou-se em filosofia antes de se dedicar a uma carreira como teó rico social, panfletário, edito r, jornalista , organizador trabalhista e revolucionário. Ele se envolveu ativamente na onda revolucionária que abalou o establishment europeu em 1848-1849 e na Comu na de Paris em 1870. Depois da Comuna ele ficou conhecido como uma das figuras mais eminentes do movimento operário internacional. A influência de Marx sobre a teoria social é multiforme e complexa e pode ser detectada em muitas análises antropológicas até hoje (embora seja ainda maior sobre a sociologia, a história e a economia). A confluê ncia de teoria social e ativismo polí tico é profunda em Marx e imprime em todo seu projeto um caráter paradoxal, ínstigante e provocante (ver Bennan 1982). Num sentido, Marx procurou durante toda
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
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sua vida conciliar um impulso idealista da filosofia alemã (particularmente Hegel) com uma cosmovisão materialista. As vezes se ouve dizer que Mane “pôs Hegel a seus pés” : ele cons ervou o princípio dialético de Hegel, mas afirmo
u que o movi
men to da h istória se deu num n ível material , não num nivel espi ritual. Segundo Marx, a sociedade é constituída de infra-estrutu as condições para a existência
ra e s uperestrutura. A prim eira compreende
- os recursos m ateriais e a divisão do trabalho; a se
gunda inclui t odos os tipos de sistemas ideacionais religião, lei e ideologia. Em to das as sociedades uma contradição fun dam ental permeia toda a inf ra-estrutura: a que se constata entre as relações de produção e as forças de produção (por exemplo, a
(que organizam o trabalho e a propriedade) tecnologia e a terra ). Q uando avanços tecno
lógicos tom am relações de produ ção anteriores obsoletas surge o conflit e as relações de produção ficam alteradas -
o de classes,
po r exemplo, da escravidão ao feudalis
mo e deste ao capitalismo. Marx afirmou que o sistema capitalista seria substituído pelo socialismo (dirigido po r um a ditadu ra do pro letariad o) e finalmen te pe lo co m u nismo sem classes - um a utopia em que tudo se toma posse de to
dos.
A teoria é tão ambiciosa, e em mu itos aspectos tão ambígua, q ue fatalmente levan taria muitos problemas quando enfrentasse as complexidades do mundo real. Um exemplo disso é a análise de classes marxista. E m termos aproximados, M arx postula va que os que possuem e os que não possuem propriedade dos meios de produção constituem classes discretas com interesses específicos. O interesse
objetivo da classe
trabalhadora consiste em destituir a c lasse dirigente através da revolução. M as a classe trabalhadora está apenas parcialmente consciente da exploração que sofre, uma vez que as verdadeiras relações de poder são ocultadas por uma
ideologia que justifica a
ordem existente. Fenômenos superesfruturais, como a lei, a religião ou o parentesco são infundidos tipicamente com uma “falsa consciência” que pacifica a população. Mas, pergun ta o antr opólogo, esse modelo é aplicável a contextos
não-oc iden
tais? Como ele se harmoniza com a afirmação de Morgan de que o parentesco é o princ íp io organ izad or fund am en tal n as socied ad es prim itivas? O parentesco faz p ar te da infra-estrutura? Como
isso é possível, se o parentesco é um
a ideologia que ocu l
ta a infra-estrutura? Tod a distinção entre infra-estrutura e superestrutura, entre
m ate
rial e espiritual, deve ser abandonada? Em que sentido, se existe um, a ideologia é “menos real” do que o poder? Essas questões conquistaram uma importância cada vez maior na antropologia, e uma parte significativa da atração exercida por Marx atualmente está em sua capacidade de levantar questionamentos como esses, O próprio Marx não se esqueceu desses problemas. Sua extensa análise da for maçã o do valor é prova suficiente d isso . O valor de um o bjeto em si mesmo, seu
lor de uso concreto, sua correspondência com necessidades humanas reais, é trans-
va
2. VITORIANOS, ALE MÃES E UM FRANCÊS
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formado, no capitalismo, num valor de troca abstrato, que é o valor em comparação com outros objetos. Objetos “materiais” são transformados em produtos “espiritu ais”, e quanto mais isso continua, mais abstrato, ab surdo e alienado pare ce o mundo. Nessas passagens, “valor” se toma um conceito profundamente ambíguo, em que po der e ideologia, o material e o “espiritual” se entrelaçam inextricavelmente. Entre tanto, permanece a dúvida se Marx realmente resolveu o problema que pôs para si mesmo. Poderíamos observar, por exemplo, que suas dificuldades em aproximar o materialismo e o idealismo (hegeliano) lembram o problema de Morgan com as cau sas materialistas da terminologia do parentesco. Somente nos anos 1980 vimos um esforço combinado p ara resolver o paradox o. Bastian, Tylor e outros vitorianos Morgan e Marx pertenciam à primeira geração de cientistas sociais em atividade nas décadas de 1850 a 1870. Não obstante, e mbora a contribuição deles ofusque a da maioria dos seus contemporâneos, eles estavam longe de ser os únicos: Nos anos 1860, enquanto Morgan ainda trabalhava em seu belo volume sobre o parentesco, foram publicados na Europa vários livros que em parte complementa vam Morgan e era parte levantavam questões inteiramente diferentes. Em 1860 o prolífico antropólogo alemão Adolf Bastian (1826-1905) publicou o seu Der Mensch in der Geschichte em três volumes (“Man inHistory”, ver Koepping 1983). Bastian, médico por formação, tornou-se etnógrafo por influência d os in nãos Wilhelm e Ale xander von. Humboldt, o lingüista e o geógrafo que revolucionaram o pensamento humanista e social na Alemanha durante a primeira metade dos anos 1800. Bastian viajou muito, na verdade estima-se que tenha passado vinte anos fora da Alemanha (Koepping 1983:8). Entre uma viagem e outra, ele escreveu seus livros , foi nomeado professor de Etnologia na Universidade de Berlim e diretor do Museu Imperial, fun dou o importante Berliner Museum für Völkerkunde em 1868 e contribuiu generosa mente para formar as coleções desse museu. Como os innão s Humboldt antes dele e Boas depois dele (capitulo 3), Bastian continuou a tradição alemã de pesquisa sobre Volkskultur que fora inspirada por Herder e criticou duramente os esquemas evolucionistas simplistas que começ avam a se destac ar nessa época. Como o único antropólo go de vulto do século dezenove, Bastian foi um crítico vigoroso e incisivo do evolucionísmo. Sua visão era que todas as culturas têm um a srcem comum, da qual se ra mificaram em várias direções - uma visão que mais tarde foi desenvolvida co m gran de sofisticação por Boas e seus alunos. Ele estava profundamente consciente das re lações históricas entre culturas, e assim antecipou um desdobramento que ocorreu posteriormente na antropologia alemã, especificamente, o difusionismo. Bastian in-
Hist ór ia d a ant r op ol ogi a
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elusive antecipou o estruturalismo e a psicologia junguiana quando afirmou que to dos os seres humanos têm certos padrões elementares de pensamento em comum:
Elementãrgedanken, Foi principalmente na antropologia alemã, e em grande parte através da obra de Bastian, que o principio emb
rionário do relati vismo cultural , e vi
dente em Herder mas ausente do pensamento iluminista e da antropologia an glo-a mericana do séc ulo dezenove, m arcou presen ça na antropologia du rante o sé culo dezenove. Na França, por exemplo, a escola sociológica de Augusto Comte (1798-1857) foi tudo, menos relativista, operando com
um sistema rígido de três es
tágios de evolução social. No ano seguinte à publicação de Der Mensch in der Geschichte, o advogado es cocês Henry Ma ine (1822-1888) publicou
Ancient Law. Essa obra era principalm en
te uma pesquisa sobre a história cultural baseada em fontes escritas. Maine procurou demo nstrar como mudanças na legisl ação refletem mudanças sociais mais amplas e fez a disti nção entre sociedades tradicionais baseadas em
status e sociedades moder
nas baseadas em contrato. Nas sociedades baseadas em
status, os direitos são distri
buídos através de relacionamentos pessoais, parentesco e posição social herdada. Por outro la do, a sociedade baseada em c ontrato baseia-se em princípio s formais, escri tos, que funcionam independ entemente das pessoas reai s. A distinção entre status e contrato continua sendo adotada atualmente, e muitos estudiosos seguem a orienta ção de Maine ao distinguir entre dois “ tipos ideais” - sociedades simples e comple xas - e são, po r sua vez, criticados po r excesso de simplifi cação. Uma idéia evolucionista que influenciou Morgan, Engels e outros, mas foi rejei tada desde então, foi a teoria do matriarcad
o srcinal. Essa teoria foi proposta inicial
mente pelo advogado suíço Johann Jakob Bachofen (1815-1887), em
Das Mutter-
recht (1861; “M othe r’s Righ t”, ver Bachofen 1968). Bachofen defendia uma teori a evolucionista que passava de um estágio inicial de promiscuidade geral (
Hetaris-
mus) a uma primeira forma de vida social —matriarcado - em que as mulheres deti nham o poder político. Ele admitia que não existiam mais matriarcados reais, mas vestígios deles encontravam -se em sistemas de parentesco matrilineares, onde a des cendência segue principalmen te a linha materna. Essa idéia, implicando que a huma nidade progrediu à medida que a liderança das mulheres foi sendo substituída pela dos homens, atraiu muitos seguidores, e quase
foi considerada como fato natural pela
geração seguinte de antropólogos. Na Inglaterra ela fo
i promov ida por outro advoga
do interessado em evolução social, John Ferguson McLennan (1827-1881). Apesar da inexistência de evidências etnográficas a favor dessa idéia, ela resistiu tanto que somente na década de 1970 antropólogas feministas se convenceram de que ela devia ser extirpada (Bamberger
1974).
2. Vit
or ian os , alemães
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e u m francês
Assim, Morgan não trabalhou num vácuo intelectual O interesse pelos estudos comparativos da cultura e da sociedade estava aumentando, especialm
ente na Ingla
terra e na Alemanha , e o acesso a dados empíricos confiáveis melhorava rapidamente graças ao colonialismo. Ainda assim, o único antropólogo do século dezenove
a riva
lizar com Morgan em influência foi Edward Bumett Tylor (1832-1917). E.B. Tylor recebeu uma educação quacre, uma crença que o impediu de ffeqüentar a universi dade. Enquanto convalescia em Cuba, porém, ele descobriu seu interes se por arqueologia e foi convidado a participar de uma exped
ição a ruínas toltecas no
México. Num pe ríodo dominado pelo e volucionismo, o passo da pré-história à antro pologia foi curto, e a obra de Tylor como antropólogo logo lhe atrairia (e à disciplina) prestígio considerável. Em 1896 ele foi nomeado prüueiro professor britânico de an tropologia na Universid ade de Oxford. Em 1912, foi nomeado c avaleiro. Tylo r ainda era jovem quando publicou sua primeira grande síntese evolucionista,
Researches
into the Early History o fMankind and the Development o f Civilization (1865); e sua obra mais importante, Primitive Culture (1871), veio apenas alguns anos depois. Tylor propunha aqui um esquem a evolucionista que lembrava o de Morgan em Ancient Soeiety (os dois livros foram publicados no mesmo ano). Ele e Morgan acredita vam na primazia das condições materiais. Também como Morgan, seu conhecimen to da variação cu ltural era vasto (D arwin se refere a Ty lor várias vezes em sua obra dos anos 1870 sobre a evolução humana). Mas, diferentemente de Morgan, Tylor nào se interessava pela terminologia do parentesco, e em lugar dela desen
volveu uma
teoria dos sobreviventes culturais. Sobreviventes eram traços culturais que haviam perdido suas funções srcinais na sociedade, m as haviam sobrevivido, sem nenhuma razão em particular. Esses traços eram de importância crucial para o esforço de re construção da evolução humana. Tylor advogava um método comparativo traço a traço, o que lhe permitia isolar sobreviventes do sistema social mais amplo. Embora mfluente n a época, esse método foi abandonado pela geração seguinte de antropólo gos. Curiosamente, ele reapareceu em meados da década de 1970, quando o sociólo go Edward O. Wilson, numa aventura intelectual comparável à de Tylor, procurou conciliar variação cultural e evolucionismo
darwinista (ver Ingold 1986).
Mas a cont ribuição mais importante de Tylor à antropologia moderna é sua defi nição de cultura. Essa definição está na primeira página de Primitive Culture, com a seguinte redação; Cultura, ou civilização, tomada em seu sentido amplo, etnográ fico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade {Tylor 1958 [1871]: l ) .
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Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a Por um lado, cultura é assim um termo geral que perpassa estágios evolutivos.
Onde a evolução diferencia sociedades em termos qualitativos, a cultura une a humani dade. Tylor, como Bastían, foi um proponente explícito da “unidade psíquica da huma nidade”. E a semelhança com Bastian vai além disso. Tylor era versado em antropolo gia alemã e em filosofia e havia lido tanto o próprio Bastian como vários dos professo res dele (ver Koepping 1983). Por outro lado, Tylor equipara cultura com civilização, um termo qualitativo. Cultura assim, pelo menos implicitamente, se toma uma questão de grau: todos têm, mas não em quantidade igual. Esse conceito de cultura contradiz totalmente Bastian e toda a noção herderiana de Volk.Para Herder e seus sucessores, a humanidade consisti a em culturas autônomas, limitadas. Para Tylor e outros evolucionistas vitorianos a humanidade consistia em grupos que eram aculturados em vários graus e distribuídos nos degraus de uma escada de evolução cultural. Nos anos entre 1840 e 1880 sociólogos e antropólogos levantaram todo um con junto de novos problemas. Enquanto Marx desenvolvia a primeira grande teoria de cu nho sociológico, abrangendo a modernização, a formação do valor, o poder e a ideolo gia, e enquanto Darwin formulava os princípios da evolução biológica, os antropólo gos estavam envolvidos num projeto de duas direções. Em parte, eles se ocupavam em esboçar grandes esquemas evolucionários - uni lineares na intenção e universalistas nas pretensões; em parte, tratavam de documentar a imensa amplitude da variação sociocultural humana - e do conhecimento assim acumulado emergiram as primeiras teorias de “baixo alcance” pertencentes a domínios etnográficos específicos, como o do parentesco, e enraizadas em descrições empíricas específicas e detalhadas. Ainda era raro o próprio antropólogo real izar estudos de campo, embora Morgan e Bastian fossem exceções notórias. Outra exceção, menos conhecida, foi o etnógrafo russo Nicolai Nicolaievich Miklukho-Maklai (1846-1888), que em 1871.40 anos antes de Malinowski, realizou um e studo de campo intensivo de 15 meses na costa da Nova Guiné e lançou as bases para uma rica tradição etnográfica na Rússia que é pra ticamen te desconhecida no Ocidente (verP lotk in e Howe 1985). Mas a grande maio ria dos antropólogos coletava seus dados através de correspondência com adminis tradores coloniais, colonizadores, oficiais, missionários e outros “brancos” residen tes em lugares exóticos. Dada a qualidade desigual desses dados e as imensas ambi ções teóricas dos autores, esses estudos estavam quase sempre repletos do tipo de es peculação que Radcliffe-Brown (capítulo 3) mais tarde rejeitaria como história con
jetural. Apesar desses defeitos, no entanto, os livros eruditos dos vitorianos possu íam um enfoque teórico e uma base empírica num grau nunca visto até então. A importância do parentesco nessa fase da evolução da disciplina não pode ser exagerada. A terminolo gia do parentesco era um campo empírico limitado. Entretan
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ian os , alemães
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e u m francês
to, m apeá-lo e compreendê-lo era uma experiência humilhante. Quanto mais o olhar se aproximava desses sistemas estranhamente formais, mais complexos eles pare
ciam. De fato, para os primeiros praticantes dos estudos do parentesco, principal mente advogados de profissão, a tarefa parecia bastante simples. Eles procuravam um “sistema legal” que regulasse o comportamento em sociedades primitivas, e o paren tesco era o candidat o óbvio - um sistema empírico de normas formalizadas, ve rbali zadas. No fim do século uma analogia muito comum era a de que o parentesco era um tipo de Pedra de Roseta do antropólogo que possibilitava que costumes primitivos fossem compreendidos e traduzidos em termos racion ais.
The golden bough e A expedição a Torres Durante algumas décadas depois dos prolíficos anos 1860 e 1870, pouca coisa importante foi publicada no campo da antropologia. Também na sociologia a situa ção parece não ter sido m elh or—com a notável exceção da obra de Ferdinand
Tõn-
níes, Gemeinschaft und Gesellschaft {1887; Community an dSociety, 1963), que pro punha uma dicotomia entre o tradicional e o moderno semelhante à de McLennan, embora com tom menos critico. Uma no va geração surgiu no decorrer desses anos . Muitos dos principais personagens analisados até aqui, entre os quais Marx, Morgan, Bachofen e Maine, estavam mortos. Na
antropologia vemos a primeira instituciona
lização da disciplina na Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos.(Tradições nacionais independentes começavam a se cristalizar e conjuntos distintos de ques tões eram formulados em cada um desses quatro países))Os alemães seguiram a lide rança de Bastian c dos lingüistas comparativos, cujoTsxito em deslindar a história das línguas indo-européias foi quase tão sensacional, em seu tempo, quanto o evolucionismo de Darwin. Eles elaboraram um programa de pesquisa para o estudo da pré-história humana que imitava a difusão e o movimento de línguas de modo muito próximo à forma como o evolucionismo imitava a biologia. Esse programa, o difusio-
nismo, estud ava a srcem e a disseminaçã o de traços culturais. O desafio l ançado por esses historiadores concretos às histórias abstratas do evolucionismo fez com que o diíusionismo se tomasse uma inovação efetivamente radical em tomo da virada do século. Nos Estados Unidos e na Inglaterra o evolucionismo continuou predomin an do, mas os estudiosos se especializavam cada vez mais, concentrando-se em subcampos específicos, como parentesco, religião, magia ou justiça. Todos esses pro gramas de pesquisa, porém, passaram po r dificuldades muito séri as por falta de da dos rigorosos e detalhados. Essa lacuna se tomara progressivamente mais evidente ao longo do século dezenove, e agora o consenso quas e universal nesse campo refle tia a necess idade de mais e melhores dados. Já em 1857 antrop ólog os ingleses publi-
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caram a primeira edição daquela que se tornaria a obra autorizada nos métodos de campo durante qu ase um século - Notes and Queries on Anthropology;, que na conti nuidade foi reeditada em quatro ediçõe s revistas e ainda mais detalhadas. Mas a ino vação metodo lógica que todos esperavam só chegou depois da consolidação de uma concepção radicalmente nova do trabalho de campo antropológico. O último grande evolucionista vitoriano foi James George Frazer (1854-1941), um aluno de Tylor que se celebrizou muito além dos círculos a ntropológicos por sua obra-prima The Golden Bough;o livro teve sua primeira edição lan çada em 1890, em dois volumes, mais tarde ampliados para ocupar doze tomos enormes.
The Golden
Bough é uma extensa ^investigação comparativa da história do mito, d a religião e de outras “crenças exó ticas”, com exemplos tirados de todas as partes do mundqi Como muitos evolucionistas, Frazer acreditava num modelo de evolução cultural em três etapas: um estágio “mágico ” é seguido por um estágio “religioso” que dá lugar a um estágio “científico” . Esse esquem a geral tem suas srcens em Vico e é desenvolvido por Comte. Embora Frazer considerasse claramente os ritos mágicos como irracio nais e tivesse como pressuposto que os “primitivos” baseavam sua vida numa com preensão totalmente errônea da natureza, seu principal interesse era identificar pa drões e traços universais no pensamento mítico. Com algumas exceções notáveis (sendo Lévi-Strauss uma delas), os antropólogos modernos raramente consideram Frazer como alguém mais do que uma figura histórica. Sua influência, porém, foi maior fora da antropologia; dois dos seus admiradores mais entusiasmados foram o poeta T.S. Eliot e o psicólogo Sigmund Freud. No entanto, a fascinante e densa obra de Frazer não teve continuidade em pesquisas posteriores. Ela se ergue solitária, um monu mento imponente à insegura base empírica do evolucionismo vitoriano. Outrq'emp reendimento b ritânico na virada do sé culo, menos observado na época e muito menos conhecido fora da antropologia, qual seja, a Expedição a Torres, orga nizada na Universidad e de Cambridge cm 1898, com destino ao Estreito de Torres, entre a Austrália e a Nova Guiné, teve retrospectiv amente repercussões mais amplas . A expedição foi planejada para coletar dados detalhados sobre a população tradicio nal das ilhas na área e incluía vários antropólogos - embora todos fossem especiali zados em outras disciplinas, pois a formação acadêmica em antropologia ainda era rara. Alfred C. Haddon (1855-1940) erasrcinalmentezoólogo, William H.R. Rivers (1864-1922), psicólogo, e Charles G. Seligman (1873-1940) era médico. Em con traste com o ideal individualista do trabalho de campo britânico posterior, a expedi ção a Torres foi um esforço coletivo em que espec ialistas de várias disciplinas exp lo raram diferentes aspectos da cultura local. No entanto, devido à alta qualidade e ao impressionante volume de dados coletados, muitos consideram esses antropólogos
2
.
Vit
or ia nos
, alemães
e u m francês
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como os primeiros pesquisadores de cam po verdade iros? “A antropologia social bri tânica nasceu com o trabal ho de campo realizado por eles”, escr eve um co mentador i Hynes 1999). Haddon, co lega de Frazer na Universidade de Cam bridge, hav ia planejado a ex ped ição a Tomes como um projeto de campo “ideal” , em que os participan tes explo rariam todos os aspectos da vida nativa: etnografia, psicologia, linguística, antropo logia f ísica e musicologia. Ele próprio seria responsáve l pelas áreas da sociologia, do folclore e da cultura material. Par a Seligm an, que mais tarde se tornaria figura centra l no infl uente departamento de antropologia na Londo n School o f Econom ics (LSE), a expedição foi o início de uma carneira que, depois das atividades desenvolvidas na Melanésia e no Sri Lanka, culminaria em vários estudos de campo importantes no Sudã o. Ele assim contribuiu decisivamente para de slocar o f oco da antropologia in glesa das ilhas do Pacífico (onde permaneceu até anos adentro da década de 1920) para a África (que em pouc o tempo se tomaria um a mina de ouro etno gráfica). A obra mai s importante de S eligman baseada no S udão, em co-autoria com sua mulher Brenda Seligman (Se ligman e Seligman, 1932) é ainda hoje conside rada um clássico em seu campo. Rivers foi o membro mais estranho da expedição. Até sua morte prematura em 1922, ele era professor na U niversidade de C ambridge, onde investiu muito esforço para desen volv er um a an tropologia psicológ ica, um projeto muito adiante do seu tempo para ter sucesso. Qu ase no fim da vida. Rivers foi influenciad o pela psicologia de Sigmund Freud. D urante a expedição a T orres , ele se concentrou particularmente nas capacidades m entais dos nativos e d e modo especial no uso que faziam dos senti The Todas, baseado em seu tra dos. Em 1908 publicou uma monografia descritiva, balho numa tribo no sul da índia; e, em 1914, The History>o f Melane sian Society’, uma obra completa que esboçava a imensa variação cultural da M elanési a e a expli cava como resultado de r epetidas ondas de migração, uma hipótese que ainda é acei ta, com as devidas modificações, entre os arqueólogos atuais. Com essa obra, Rivers com eçou a se afast ar do evo lucionism o e a segu ir na direção da nova e scola do dif uMonismo, tema dos seus ú ltimos trabalhos. Difusionismo
Os difusionistas estudavam a distri buição geográfica e a migração de traç os culuraís e postu lavam que culturas eram mo saicos de traços com várias srcens e histó"ias. As partes de uma cultura, portanto, não estão todas necessariamente ligadas a um todo maior. Em contraste, a maioria do sqvo lucio nistas sustentava q ue as socie dades eram sistemas coerentes, funcionais.' Na verdade, os evolucionistas também
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
40
reconh eciam a existência de tr aços culturais isol tes
ados, não-funcion
ais (os
sobreviven
de Tylor) e, na prática, ess es recebiam uma qu antidade de sproporcional
de aten
ção analítica (considerando que eram atípicos), uma vez que eram a chave para re construir as formas sociais do passado. Mas quando a perspectiva evolucionista su cumbiu, a idéia de sociedades como todos coerentes também ficou desacreditada (emb ora se mantivesse forte
na sociologia e logo reapareceria com força reno
vad a na
antropologia social inglesa). Agora todos os traços culturais eram “sobreviventes” pote ncia is . O s dif usi onis ta s ain da os usa vam para reco nstruir' o p ass ado, m as “o p as sado” não era mais um movimento unilinear através de estágios bem definidos. A história cultura] era uma narrativa fragmentada de encontros culturais, migrações e influências, cada instância da qual era única. Nas primeiras d difusionismo foi uma alternativa atraente para o evol
écadas do século vinte o
ucionism o, porqu e ele respeita
va m ais os f atos da reali dade e porqu e suas pretensõ es teóricas eram m
ais modestas.
O fat o de que tecno logia e i déias pod iam v iajar não era um a descob erta nova. No século dezoito, fi lólogos alemães ha
viam m ostrado que línguas européias e do nort
e
da índia tinham srcens comuns. Os arqueólogos haviam descoberto que a cerâmica e out ros artefatos haviam
se difundido de centros
culturai s para as peri ferias. Os eu
ropeus estavam cientes de que a religião dominante do seu próprio continente tinha srcens mé dio-orientais. O que era
novo com relação ao difusionismo
era seu es forço com parativo sis temático e sua ênfase no tal hado. Com o R iver s, muitos difusionist
antropológico
conhe cime nto em pírico de
as tr aba lhavam em regiões limitadas, onde
era possível demonstrar convincentemente que traços culturais específicos tinham uma históri a po ssível de identi ficar . O difusionismo foi principalmente uma especialização germânica, com centros nas grandes cida des-m useu de Berlim
e Viena. Salvo R ivers,1 o di fusionismo
tev e
pouca in fluência dir eta sobre as antr opolo gia s in gle sa e fr an ce sa (m as , com o vere mos, teve repercussões impo
rtantes nos Estad os Unidos),iCom o seus colegas de ou
tros países, os antropólogos alemães do século dezenove tendiam a concordar com algum tipo de estrutura evo lucionis ta. M as com sua ênfase no singu lar e no loc al, e com o relati vismo q ue observam os na obra de Bastí an, a influência de Herder neutra lizou essa tendência, e quando o evolucionism o foi questionado n essa t radição recebeu novo
impulso. Estudiosos como F
a vi rada do séc ulo,
riedrich Ratzel (1844-1904),
Fritz Graebner (1877-1934), Leo Frobenius (1873-1938) e Wilhelm Schmidt (18681954) seguiram a orientação de Flerder (e Bastian), enfatizando a singularidade da herança cultural de cada povo. Eles sustentavam
que a evolução cultural não era
uni
linear e que não havia um elo determinista simples entre, digamos, a complexidade tecnol ógica e a complexidade em
outras á reas. Um povo com um a te cnologia sim
ple s poderia perf eitam ente bem te r um sist em a re ligio so altam ente so fistic ado.
2. VITORIANOS, AL EMÃES E UM FRANCÊS
41
Os difusionistas tinham como objetivo realizar uma descrição completa da difusão de traços culturais dos tempos primitivos até hoje. Eles desenvolveram classificações complexas (às vezes, diga-se, bastante enigmáticas) de “círculos culturais”Kulturkrei( sé) e acompanharam sua possível disseminação a partir de um centro srcinal. Em cer tos casos, como nos estudos de Graebner sobre a Oceania, eles puderam identificar até sete sedimentos historicamente discretos ou Kulturkreise em cada sociedade. Observe-se que o difusionismo não se desvinculou de suas bases evolucionistas da noite para o dia. A maioria dos difusionistas ainda acreditava que a mudança so cial geralmente levava ao progresso e a um aumento da “sofisticação”. O aspecto a que se opun ham no que se refere ao evolucionism o vitoriano era seu caráter uni linear e determinista: a idéia, encontrada em Tylor e outros, de que todas as sociedades d e vem passar por certos estágios que seriam mais ou menos semelhantes em todo o mundo. A visão de mundo difusionist a era menos metódica do que isso e mais sen sí vel à variação local. Como veremos no próximo capítulo, tanto o evolucionismo como o difusio nismo foram totalmente superados pelas gerações seguintes de antropólogos so ciais e culturais. Mas p pesqu isa difusionista foi em geral muito mais sofisticada do que antropólogos posteriore s se dispuseram a admitir, e na ár ea de lí ngua ale mã, especialmente na Áustria, o programa da Kulturkreise continuou vigoroso até a década dc 1950. O difusionismo foi também importante para os antropólo gos do Leste Europeu, e principalmente para o grande grupo dei antropólogos russos que seguiram a orienta ção deMiklukho-Maklai. Três nomes de destaque foram Vladimir llich Jochelson (1855-1937), Vladimir Germanovich Bogoraz (1865-1936) eLev Yacovlevich Shtemberg (1861-1927),) todos exilados na Sibéria Oriental por ordem do czar; ali aprovei taram a oportunidade para realizar um trabalho de campo prolongado entre os povos indígenas da região. Em tomo da virada do século, eles participaram de uma importante expedição russo-americanajaos povos indígenas em tomo do! Estreito de Bering, organizada por um alemão-americano de nome Franz Boas./Esses pesquisado res eram de orientação difusionista, e de fato o difusionismo é ainda hoje uma teoria respeitável na Rússia, com longas tradições e elevados padrões analíticos e metodo lógicos! No Ocidente, o difus ionism o sobrevive na tradição dos estudos do imperialismo, derivada em última análise de Marx e Lênin, mas que tomou a aparecer com nomes como “ estudos da dependência ”, “estudos do sistema global” e , mais recente mente, “estudos da globalização” (ver capítulos 7 e 9).. A influência marxista aqui acrescenta poder ao componente herderiano dos difusionistas, com um resultado mais potente e violento.
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H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
A nova sociologia
As novas gerações de antropólogos, apresentadas nos próximos capítulos, ti niram boas razões para se distanciar do evolucionism o e do difusionismo. E las esta vam convenc idas de que havi am descobert o um a alternativ a teórica com maior po tencial do que qualquer teoria de variação sociocultural anterior. Antropólo gos britâ nicos (e num grau menor, americanos) haviam descoberto a sociologia continental. O que os livros-texto e os cursos de graduação chama m de “sociolo gia clássica” em geral se refere à oeuvre de um punhado de teóricos (principalmente alemães ou france ses) que pro duziu a maior parte de sua obra entre a década de 1850 e a I Guerra Mundial. Os expoentes da primeira onda foram Marx, Comte e Spencer, embora os dois últimos estejam quase esquecidos atualmente. A segunda geração incluiu Fer di nand Tönnies (1855-1936), Émile Dürkheim (1858-1917), Georg Simmel (18581918) e Max Weber (1864-1920). Como Marx, todos esses autores ainda são lidos pelo interesse intrínseco de sua obra (mais do que como expressões de um Zeitgeist histórico). TÕ nnies, na sociologia, analisou a dicotomia sim ples/complexo da socie dade, acrescentando complexidade e nuança aos esquemas simplistas que o haviam precedido; Simmel (hoje em fase de reabilitação) é admirado por seus estudos da mo dernidade, da cidade e do dinheiro. Dürkheim e Weber ainda são considerados im portantes o bastante para inspirar comentários extensos e freqüentes. De todos os so ciólogos clássicos, porém, Dürkheim é o mais importante para a antropologia, em parte porque ele próprio se interessava por muitos temas antropológicos, em parte por causa da sua influência direta e imediata sobre a antropologia inglesa e francesa. Nos Estados Unidos, a influência da “sociologia clássica” só se fez sentir muitos anos mais tarde, mas nunca foi tão forte como na Europa. A principal influência aqui foi de Bastian e da escola Völkerkunde, introduzida na antropologia americana por seu pai fundador (alemão), Franz Boas. Os principais antropólogos americanos do início do século orientavam a história cultural, para a lingüística e mesmo paravinte a psicologia mais-se doportanto que parapara a sociologia. Dürkheim
Como Marx, Dürkheim nasceu numa família judia (numa pequena cidade perto de Estrasburgo) e seus pais queriam que ele se tornasse rabin o. Seu desempenho es colar, porém, foi tão bom, que ele foi aceito na prest igios a École Norm ale Supérieure em Paris, fato que lhe possibilitou seg uir mais tarde uma carreira acadêmica. Durante o período de formação ele perdeu a fé religiosa e passou a fazer parte de um meio in telectual dinâm ico e crítico. Ao longo de toda sua vida, Dürkheim interes sou-se pro-
2
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VITORIANOS, ALEMÃES E UM FRANCÊS
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fundamente por questões morais e sempre se empenhou em promover reformas so ciais e educacionais. Em 1887 foi nomeado p rofes sor assistente de ped agog ia e so ciologia na Universidade de Bordeaux, tomando-se o primeiro cientista social fran cês a exercer uma função acadêmica. Duran te esse período, que se prolon gou até sua mudan ça para Paris em 1902, Durkheim escreveu duas de suas obras mais importan tes, De la division du travail social (1893; The division o f labour in society, 1964) e Le suicide ( 1897;Suicide , 1951). Ele também fundou a influente revista L 'Année So ciologique, que continuou a editar depois de transferir-se para Paris. Como professor
na Sorbonne, de 1906 até sua morte em 1917, a influência de Durkheim sobre a socio logia francesa posterior e sobre a antropologia foi enorme. Com seu'sobrinho e su cessor intelectual Marcel Mauss ple escreveu extensamente sobre povos não europe us; uma obra notável nesse sentido é Classification primitive ( 1900; Primitive classi fication, 1963), um estudo da s srcens sociais dos si stemas de conhecimento, basea do em dados etnográficos, especialmente da Austrália. Esse livro, que postula uma ligação intrínseca entre classificação e estrutura social, ainda é ponto de referência para estudos antropológicos de classificação. tanto depelas difusionistas de evolucionistas, Durkheim não ti nha Diferentemente um interes se particular srce ns. como Ele procurava m ais explicações sincrônicas do que diacrônicas. Como os difusionistas, mas diferentemente dos evolucionistas, ele estava profun damente empenhado em fundamentar sua reflexão de cunho antropológico em dados observáveis, em geral quantificáveis. Diferentemente dos difusionistas, porém, cie es tava convenci do de que as sociedades eram sistemas lógicos, integrados, em qu e todas as partes eram dependentes umas das outras e trabalhavam juntas para manter o todo. Nisso ele se aproximava dos evolucionistas que, como ele, faziam analogias entre os sistemas funcionais do coipo e a sociedade. De fato, Durkheim freqüentem ente descre via a sociedade como um organismo social.Como Tönnies e Maine, mas diferente mente de Marx e Morgan, Durkheim admitia uma divisão dicotômica de t ipos sociais deixando de lado toda essa questão de “estágios” e “evoluç ão”, ele justapunha socieda des tradicionais e modernas sem postular que as primeiras evoluiriam para as segun das. As sociedades primitivas não eram “sobreviventes” de um passado nebuloso nem “passos” em direção ao progresso, mas organismos sociais que mereciam ser estuda dos por seu valor intrínseco. Finah nente , diferenteme nte de Bastian e da escola Völker kunde, Durkheim estava interessado, não com a cultura, mas com a sociedade, não com símbolos e mitos, mas com organizações e instituições. " O livro sobre a divisão do trabalho concentra-se no estudo da diferenç a entre orga nizações sociais simples e complexas. N a visão de Durkheim, as primeiras se baseiam
Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a
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na solidariedade mecânica.As pessoas a poiam a ordem social existente e umas às ou tras porque têm a mesm a vida em comum dia após dia, realiza m as mesmas tarefas e se percebem semelhantes. Nas sociedades complexas, por outro lado, prevalece a solida
riedade orgânica.Aqui, sociedade e compromisso mútuo são mantidos pela percepção que as pessoas têm umas das outras como diferentes, com papéis complementares. Cada uma realiza uma tarefa diferente que contribui para o todo. Durk heim acrescenta que as duas formas de solidariedade devem ser compreendidas como princípios gerais de interação social mais do que como tipos sociais. A m aioria das sociedades tem ele mentos de ambas. Além disso, a distinção faz mais do qu e postular um contraste entre “nós mesmos” e o “outro” . Tanto Durkhe im como muitos de seus sucessores, até Lo uís Dumont (ver capítulo 6) , estavam impressionados com as complexidades da sociedade indiana tradicional e sustentavam que o sistema de castas dessa sociedade expressava uma forma avançada de complexidade orgânica. A última obra de Durkheim, talvez a mais importante, Les Formes élémentaires dela vie réligieuse (1915; The Elementary Forms ofRel igiou s Life, 1995), foi publi cada dois anos antes de sua morte. Aqui, ele tenta apan
har o sentido de “solidarieda
de” em s i, da força mesma que m antém a sociedade. A solidariedade, afirma Dur kheim, surge das representações coletivas - um termo polêmico na épo ca e também nos dias atuais. As representações são “imagens” simbólicas ou “modelos” de vida social comuns a um grupo. Essas “imagens” se desenvolvem através de relações interp essoais, mas adquirem u m caráter objet ivo supra-i ndivid ual. Elas consti tuem uma realidade totaiizante, virtual, “socialmente construída” que ecoa Kant e Hegel, e que para as pessoas que vivem na sociedade são tão reais quanto o mundo material. Mas elas não são imagens objetivas desse mundo, e sim entidades morais, com pode
r so
bre as emoções. A religião se toma um objeto de pesquisa importante para Durkheim, porque é aqui, mais do que em qualqu er outra pa rte, que se e stab elec e e f ortalece o apego emocional dos indivíduos a representações coletivas. Esse apego se forma principalmente no ritual, no qual a religi ão é expressa através da interação física e a solidariedade se toma uma experiência direta, corporal. O ritual se separa da vida diária profana, traçando um círculo mágico protetor em tomo do seu próprio domí nio sagrado, proibido. Essa demarca ção permite que a ex periência do ri tual seja in tensificada até que uma união quase mística seja alcançada. Trazendo a lembrança dessa experiência de volta à vida diária, nó s lemb ramos como o mundo é realmente. A religião e o ritual atraíam de longa data o interesse dos antropólogos, que os haviam documentado numa grande variedade de formas empíricas. O problema da compreensão da integração social em sociedades sem Estado fora uma preocupação importante (embora em geral implícita) no evolucionismo, E a perplexidade diante
2. Vit
or ian os , al em ães
45
e u m francês
dos símbolos e co stumes exóticos dos “ou tros” f oi o ponto de partid a de toda pes qu i sa antr opológi ca. Agora Durkheim parecia o ferecer um a ferr amenta analít ica que in tegraria todos esses inter esses. “O exótico” podia ser compreend
ido como um siste
ma integrado de representaçõ
dariedade socia l. E
es coletivas cuja função era criar soli
a religião, o fenômeno mais mistifícante e “exótico” de todos, acabou se transfor mando no dínamo racional propulsor de todo
esse pr oces so.
Quando antropólogos ingleses aderiram a Durkheim no início do século vinte (capítulo 3 ), eles descobriram um sem-núm ero de aplicações da teori a durkheim iana ao estudo da rel igião, dos sistemas legais e do
próprio parentesco. A ssim, Durkheim
é freqüentemente descrito como o fundador do estrutural-funcionalismo, embora este seja de fato uma escola purame nte britânica, desenvolvid
a po r Radcliffe-Brown
e seus al unos. Mas D urkheim e a “Escola Inglesa” concordav
am em que os fenôme
nos sociais e as representações coletivas que os acompanham eram entidades com existência objetiva. No seu
Règles de la méthode sociologique (1895; Ruies ofSo cio-
logical Method, 1982) , Durkheim sustenta que o s fenômenos sociais devem ser estu dados “como coisas” {comine des choses) - e descreve os indivíduos mais como pro dutos da sociedade do que como seus produtores. Seu contemporâneo Ma
x W eber, o
último grande sociólogo clássico com lugar no panteão antropológico, encarna uma po sição contrária em vários aspectos. Weber
M ax We ber cresceu no seio de um a família prussiana próspera e au
toritár ia, fo i
educado nas universidades de Berlim, Heidelberg e Gõttingen e projetou-se rapida mente no mundo acadêm ico alemão. Ele fo i nomeado professo r com 3 1 anos de ida de (em 1895) e no decorrer de alguns anos publicou obras de erudição sobre temas tão diversos como a queda do Império Romano e problemas agrícolas na Alemanha Oriental do seu t empo. D e sua mãe, educ ada num a família calvinista rígida, ele her dou ideais de ascetismo e de disciplina rígida no trabalho, o que pôs em prática em sua vida acadêmica. Em 1898, depois de apenas três anos de atividade, ele sofreu um colapso mental, e só conseguiu retom
ar ao tr abalho cinco anos mais tar de. Im ediata
mente após sua recuperação, Weber escreveu o livro que muitos consideram o me lhor: Die protestantische Ethik und der "G eist" der Kapitalismus (1904-1905; The
Protestant Ethic a nd the Spirit ofCapitalism , 1976). Trata -se de um a obra de histór ia cultural e econômica que analisa as raízes da modernidade européia. Weber afirma que os calvinistas (e outros cristãos
puritanos dos séculos d ezesseis e dezessete) for
mularam uma visão da vida que correspondia proxim
amen te à i magem do capital ista
pe rfe ito . Os calvinistas ac reditavam que a vida hum an a era predestin ada, que uns
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Hist ór ia d a Antropologia
poucos eram escolhidos por Deus para a salvação, mas que era impossível para os se res humanos comp reender quem seria escolhido ou por que as coisas deviam ser as sim. O Deus de Calvino era frio e intolerante. Ele exigia obediência, mas nâo expli cava suas razões. S egundo Weber (e acreditamos que aqui ele possa estar falando por experiência pessoal), essa ambigüidade, associada a uma doutrina implacável , criou uma tensão insuportável na vida dos calvinistas. Na busca de soluções, descobriram que só o trabalho árduo somado a um estilo de vida frugal podena aproximá-los da graça de Deus. Eles eram estimulados a produzir resultados, mas proibidos de sabo rear os frutos do seu esforço. E m vez disso, reinvestiam seus ganhos em sua “empre sa”, gerando uma espiral de lucros cada vez maiores para a “glória de Deus”. A questão de Weber não é necessariam ente que o cal vinismo era a causa do capi talismo. As razões da ascensão do capitalismo eram muitas, e o reinvestimento não era de modo algum invenção de Calvino, A questão era antes que o calvinismo (e num sentido mais amplo, o protestantismo como um todo) formulou uma ideologia explícita afinada com a ética capitalista. Na Alemanha de Weber, as humanidades ou, literalmente, “ciências do espírito” (Geisteswissenschaften), gozavam de grande prestígio, e a hermenêutica era consi derada um componente natural de uma educação refinada. E foi a hermenêutica, a ciência que tem como objetivo compreender e inteipretar o ponto de vista de uma cultura, pessoa ou texto desconhecidos, que inspirou Weber a pesquisar as motiva ções por trás das ações, a maneira como determinado modo de agir podia fazer senti do aos indivíduos;1Nessa perspectiva, Weber é um dos primeiros representantes do que mais tarde se chamariaide individualismo metodológico.!Interessa-lhe não o sis tema ou o todo, mas o fato de que, quando indivíduos fazem coisas, eles têm razões para fazê-las. Por isso, ^sociologia de Weber está associada à palavra alemã Verstehen (compreensão). É uma sociologia da “compreens ão”^ da “empatia” que procura “pôr-se nos sapatos do outro” , apreendendo os motivos desse outro, as escolhas com
que ele se defronta e as respostas que seriam naturais para ele em face das circunstân cias concretas de sua vida. Em outras palavras, Verstehen implica um foco sobre [o que o mundo significa para os índividuos e que tipo de significado ele tem. O que o próprio Weber procurava compreender, porém, era acima de tudo o po der. O poder foi um tem a dos mais im portantes também em M arx (o relevo é menor em Durkheim), mas ambos atribuíam à palavra sentidos bem diferentes, par a Marx, a base do poder era o controle dos meios de produção, e por isso estava associado à propriedade. O poder sofre contestação, é subvertido, e a sociedade se transforma até aqui Marx e Weber concordavam perfeitamente.; Mas de acordo com Marx a mu dança não surge de indivíduos que buscam valores e se esforçam po r objetivos, mas
2. Vit
or ianos
, alemães
e u m francês
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de conflitos estruturais de mo vim ento lento nos abismos do sistema social. Marx via o poder como uma força anônima que esconde sua face verdadeira atrás do véu da ideologia, Weber concentrava-se
nos efeit os das estratégi as individuais para alcan-
Como seus contemporâneos, os difus
ionistas , W eber se opunha a esquemas teó
ricos abstratos, “distantes da experiência”. O que importava era a coincidência parti cular, histórica. Weber não via nada irrazoável em supor que poder e propriedade muitas vez es estavam ligados, mas ele se recuso u a generaliz ar além diss o. 0_poder, conform e definido p or ele, é a habilidad e de le var alguém a fazer algu ma coisa q ue,de outr o m odp ^elejiãp faria. Poder (ou autoridade ) legítimo é o pod er baseado num mínimo de coerção física e violência, considerado como legal, moral, natural ou fato da vida produzido p or Deus, e aceito por uma população
que foi ensinada a acreditar
que as coisas são assim. Em sua segunda grande obra,
Wirtschaft und Gesellschaft
(publicada postumamente em 1922;
Economy and Society, 1968), Weber descreve
três tipos ideais de poder legítimo. O “tipo ideal” é outro neologismo weberiano im portante: refere-se a m odelos simplificados que pod em ser aplicados ao mundo real para revelar aspectos específicos do seu funcionam ento —assim , os “tipos id eais” em si não têm realidade empíric a. Os três tipo s ideais de pod er legít imo de W eber podem ser descrit os resum idamente desse modo: autoridade tradicional é o pod er legitima do por ritual e parentesco; nistração formalizada;
autoridade burocrática é o poder legitimado pela admi
autoridade carismática é o poder do profeta ou do revolucio
nário de “dominar as massas”. Os três tipos, ressalta Weber, podem muito bem coe xistir numa mesma soci edade. Os dois primeiros tipos parecem assemelhar-se às di cotomias primitivo/mod emo propostas po r Maine, Tõnnies ou Durkheim. O
terc eiro
tipo, porém, é uma inovação. Ele demonstra que Weber, nos últimos anos de sua vida, havia lido Nietzsche e Freud, dois pensadores contemporâneos de
língua al emã
que afirmavam vigorosam ente a prima zia do indi víduo. W eber esclarece que exist e um tipo de pod er que é imprevisível e individual e que se baseia na capacidade de se dução do indivíduo excepcional mais do que na
propriedade (Marx) ou em normas
estáveis (Durkheim). Assim, para Weber, a sociedade é um esforço mais individual e menos coletivo do que para Marx ou Durkheim. A socie dade não é , como em Durkheim, u ma orde m moral dada de um a vez por todas. Também não
é, como em M arx, produ to de forças
coleti vas ponderosas que os indivíduos não po dem com preender nem infl uenciar . A sociedade é uma ordem
ad hoc gerada quando diferent es pessoas com diferentes in
teresses e valores se encontram, discutem e tentam (em última análise pela força) convencer umas às outras e chegam a alguma
espécie de acor do. D essa forma, cõm-
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H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
petição e conflito são para W eber fontes potenciais de m udança con strutiva . Aqui ele concorda com Marx e se opõe a Durkheim, que admitia que mudança e decadência eram praticamente sinônimos. Mas em Weber conflitos não são, como em Marx, vastos e impessoais, mas provocados por indivíduos. Assim, enquanto Marx e Durkheim desen volveram , cada um, u m tipo dif erente de estuda a sociedade principal
coletivismo metodológico,
mente com o um todo integrado, W eber apresentou
individuali smo metodológico para o qual as sociedades podiam rentes e imprevisíveis . A influência do legado
que um
ser confusas, incoe-
de W eber sobre a antropologia foi me nos direta do que a
de Durkheim, ele próprio instrumental
na cri ação da mo derna a ntropolo gia frances a.
Emb ora Weber se tomasse rapidamente um representante fundamental na sociologi internacional, seu im
pacto sobre a antropo
a
logia ocorreu em g rande parte dep ois da I I
Guerra Mundial. E um testemunho ao seu grande escopo como teórico que antropólogos d e orientações tão diferentes como o herm
eneuta C lifford Geertz e o individu a-
lista metodológico Fredrik Barth sejam profundamente devedores a Weber, embora por razõ es diferentes. Em torno da virada do século vinte sociólogos continentais estavam envolvidos num discurso cand ente sobre questões de teoria social, ati ngindo níveis de so fisticação difíceis de ser
alcançados po r antropólogos. Em nosso
s dias , os antropólogos ci-
tam Marx, Durkheim e Weber com ffeqüência muito maior do que citam Morgan, Bast ian ou Tylor, que em p
ouco tempo ser iam realmente desacreditados pelos segui-
dores de Durkheim. Num
curto período de tempo,
o impacto de Durkh
eim abalari a
pro fu ndam ente a an tropolo gia, enquan to W eber e M arx continuavam en voltos em sombras, só aparecendo como influências im portan tes depois da 1 1 Gu erra Mundial. N ão obstan te, a hera nça da antropolo gia do sécu lo dezen ove é mais rica do qu e em geral se supõe. O evolucionismo
nunca desapareceu completamente
e teve vários
pro ponente s i nfluentes no sé culo vinte. Como apon tam os ac im a, o difusionism o ain da é uma força a ser levada em consideração. Muitos conceitos subsistiram e continuam sendo adotados: a distinção de Maine entre contrato e
status, a definição de
cultura de Tylor e as formas culturais incipientes de Bastian sào todas “sobreviventes” (para usar um termo nativo) da antropologia vitoriana. No entanto, só com os avanço s descritos no próximo cena como a conhecemos
capitulo é que a antropologia social e cultural ent
atua lment e.
ra em
3
Quatro pais fundadores
O s longos anos d o reinado d a rainha Vitória, que começou duas década s depois do fim das Guerras Napoleônicas e terminou com a Guerra dos Bôeres na África do Sul, foram um temp o de relativa paz e prosperidade na Europa. Até esse momento, os avanços tecnológicos e as inovações científicas haviam sido admiráveis, os impérios coloniais francês, britânico, alemão e russo haviam se expandido, a economia fora reestruturada e crescera; houvera aumentos enormes de população e progressos im portantes na democracia e na educação. Nas últimas décadas do século dezenove, sob a liderança inquestionável da Grã-Bretanha, emergiu um mundo de intercâmbio intenso (e exploração global), de internacionalização cultural (e imperialismo cultu ral) e de enor me in tegração política (muitas vezes na forma de colonialismo). Nesse cenário histórico, as teorias evolucionistas poderiam parecer a expressão de um fato óbvio da natureza. Os vitorianos viam sua conquista do mundo como evidência pal pável de que sua cultura era mais evoluída que a de todos os outros. No início do século vinte esse otimismo sofreu fortes abalos e pouco depois se dissipou com as atrocidades da 1G uerra Mundial, A teoria dos sonhos e do subcons ciente de Sigmund Freud , pub licada em 1900, e a teoria da relatividade geral (1905) de Albert Einstein podem ser vistas como passagens simbólicas para uma nova e mais ambivalente etapa da modernidade. Essas teorias investiam contra a própria substância do mundo vitoriano: Freud dissolveu o indivíduo livre e racional, o meio e o fim do progresso, em desejos subconscientes e sexualidade irracional. A lbert Eins tein desconstruiu a física, a mais abstrata das ciências empíricas e fundamento da inovação tecnológica, em incerteza e fluxo. Em 1907, Am old S choenberg compôs os primemos compassos da música dodecafônica e Pablo Picasso começou a fazer expe rimentos com a pintura não representacional, ou abstrata. O Modernismo nasce u nas artes, um movimento que - apesar de seu nome confuso - oferecia uma visão ambi valente da verdade, da mora lidade e do progresso. N a política, os anarquistas procla-
50
Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a
mavam a destruição do Estado e as feministas exigiam o fim da família burguesa. Menos de duas décadas do início do novo século, uma guerra devastadora deixou a velha Europa em ruínas e a Revolução Russa estabeleceu uma nova, assustadora ou atraente versão do racionalismo moderno. Foi nesse período turbulento de decadên cia e renovação, desilusão e novas utopias que a antropologia se transformou numa ciência social moderna. Um olhar retrospectivo revela que a história da antropologia até por volta de 1900 não transcorreu, definitivamente,
segundo os moldes
da “evolução uniline ar” .
Questões levantadas com convicção por pensadores iluministas e românticos do sé culo dezoito tardi o foram efetivam ente ignoradas pelos antropólog 1800. Esse descaso se aplica de modo
os nas décadas de
especial aos problemas do relativismo e da tra
dução cultural, que figurariam entre as questões essenciais da antropologia ao longo de todo o século vinte. As importantes descobertas na filologia comparada alemã, partic ularmen te a inter-relaçâ o entre as língu as indo -europ éias, foram tran sformadas em especulações inconsistentes nas mãos de evolucionistas comparativos. (“Dege nera ção ” era o termo dos evolucionistas pa ra isso. ) Para os autores deste livro, a an tropologia do século vinte parece, em
sua orientação e atit ude fund amental, mais afi
nada com o pensamento liberal e tolerante do século dezoito do que com a postura autoritári a, conform ista e evolucion ista d o século segui nte. Tamb ém acham os signi ficativo que tanto o século vinte como o século dezoito foram épocas de guerra na Europa, enquanto o século dezenove, depois de Napoleão, foi singularmente pacífi co, Apesar de seus defeitos, aprendemos do século dezenove o valor do raciocínio sistemáti co, indutivo, o valo r dos modelos e “tipos ideais” que podem
os projetar no
mundo real para assegurar sua forma. A disciplina da antropologia como a conhecemos hoje desenvolveu-se nos anos em tom o d a í Guerra Mundial . Sem entrar em polêmicas, descreveremos seu desen volvimento volta ndo nossa atenção p ara, quatr o hom ens de destaque -
dois na Ingla
terra, um nos Estados Un idos e um na França, H á outras t radições nacio nais e outros estudiosos nos países metropolitanos que pareciam tão importantes quanto esses na época, mas que não deixaram descendência intelectual suficiente para ser tratados com a mesma deferência aqui. Apenas com uma visão retrospectiva oferecida pela passagem do tem po é que p ode mos avaliar a impo rtân cia histórica de eventos passa dos; a importância
contemporânea deles, porém, pode ter sido diferente. Lembre,
po r exemplo, que Herbert Sp en cer foi o único intelectual europe u de notorie dad e nas últimas décadas do século dezenove, do mesmo modo que Henri Bergson foi o filó sofo mais famoso nas primeiras décadas
do século vi nte. Atualme nte, um século de
po is, nen hum dos dois é con side rado um jogador na A ca dem ia da Primeira Divisão.
51
3. QUATRO P AIS FUNDAD ORES
Os homens cuja obra constitui a espinha dorsal deste capítulo foram Franz Boas (1858-1942), Bronislaw Malinowski (1884-1942), A.R. Radcliffe-Brown (18811955) e Marcei Mauss (1872-1950). Em conjunto, eles realizaram uma renovação quase total de tr ês das quatro tradições nacionais analisadas no capítul
o anterior - a
americana , a britânica e a fr ancesa. N a quarta tradição, a alemã, o difusionismo c
on
servou sua hegemonia. Mo mentos nefastos estavam reservados para ela e para a tr
a
dição difusionista russa. Em pouco tempo, os livros de Boas seriam queimados em Berlim, uma geração de etnógrafos russos morreria no Gulag e, depois da II Guerra Mun dial, alguns etnólogos alemães seriam acusados de colabo
ração com os nazistas.
Por ess as e outras razões as antropologias alem ã e russa desenvo lveram -se lentamen te durante grande parte do século vinte e só raramente com
unicaram-se com as trad i
ções predominantes. No entanto, Boas era alemão e Malinowski polonês, e como ambos levaram consigo um conhecimento profundo da tradição alemã quando emi graram para os Estado s U nidos e para a Inglaterra, a antrop ologia alemã subsisti u ao longo do século vint e, em bora tr ansplantada em formas “ híbridas”. Os nossos quatro joga dore s eram até certo ponto socialmente m
arginalizado s nos
ambientes em que viviam. M auss era judeu , Radcliffe-Brown provinha d e uma clas se trabalhadora, Malinowski era estrangeiro e Boas era estrangeiro e judeu. Talvez previsivelmen te, os quatro não tinham um pr og rama com um. Havia diferenças meto dológicas e teóricas importantes entre as escolas fundadas por eles, traços das quais podem ser encontrados ainda hoje na antropolog ia francesa, inglesa e americana. Não ha via (e não h á) fronteiras precisas, corno mostra com toda clareza a influência de Durkheim sobre a antropologia britânica. Paralelamente, havia contatos pessoais significativos entre as divisões, como teste
munh a o acalorado deba te entre Rivers e o
colaborador de Boas, Kroeber, sobre o uso de modelos psicológicos e sociológicos na pesquisa antropológi ca. Finalmente, os nossos quatro “heróis” ti o legado intelectual do século dezenov
nham em comum
e. O consen so quase universal ag ora era que o
evolucíonismo havia fracass ado. M as havia também um reconhecimento sile ncioso de que os evolucionistas, de Morgan a Tylor, haviam afinal definido alguns parâme tros básicos da disciplina. A transição pa ra uma ciência social moderna, em grande parte não-e
volucioni s-
ta, ocorreu de modos diferentes nos três países. Na Grã-Bretanha, a ruptura com o passado foi radical. Radcliffe-Brown e Malinow ski proclamaram um a revolução in telectual e criticaram acerbamente alguns dos seus professores. Nos Estados Unidos e na França houve uma continuidade maior. Nos Estados Unidos Boas foi o mentor respeitado por todos e o
ponto de referência da antropologia acadêmica
ao longo de
toda a transição. Na França Mauss simplesmente continuou a obra de seu tio
52
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
da morte deste, mas enfatizando o estudo de povos não-europeus m Durkheim o fizera.
uito mais do que
Às vezes, antropólogos sociais ingleses, principalmente, sustentam que Radcli ffe-Brown e Malinow ski, mais ou menos independentemente, criaram a antropologia moderna. E ssa talvez fosse a i mpressão n a metade do século, quando a antropologia americana se subdividira em muitas áreas especializadas e os alunos de Mauss ainda não haviam se destacado. Em contrast e, a “ciência do parentesco” (“kinshipology ”) (capítulos 4 c 5) britânica parecia firmar-se sobre um m étodo criado por Malinowski e uma teoria desenvolvida por Radcliffe-Brown, consolidando-se como uma “ciên cia da sociedade”. Boas e o particularismo histórico Em 1886 Franz Boas, então com 28 anos de idade, viu-se em No va York. Ele es tava a caminho da Alemanha, destinado a uma carreira acadêmica de sucess o. Ele já era doutorado por Kiel, exercia u ma funçã o acadêmica em Berlim e havia participa do de várias expedições etnográficas no norte e no oeste do Canadá. Boas, porém, optou por permanecer em Nova York, possivelmente porque essa era uma cidade onde ser jude u não constituía uma desvantagem maior; certamente, em parte, porque ele estaria mais perto de povos que o fascinavam, os índios norte-americanos e os inuítes. Em Nova York, Boas trabalhou inici almente com o editor de uma revista ci entífica , depois como professor num a peque na universidade. E m 1899 ele se tor nou professor de Antropologia na prestigiosa Universidade de Colúm bia, e m Nova York, onde permaneceu até sua morte em 1942. Durante os 43 anos intermediários, Boas seria professor e mentor de duas gerações de antropólogos am erican os. A mensagem que passava a seus alunos era simples. Ele havia estudado com professores alemães que eram céticos com relação ao evolucionismo e viam o difusionismp com simpa tia. Como muitosgeral outros de sua gera ção, ele convencido quç o desenvolvi mento da teoria dependia totalmente de estava uma base empíricadesólida. Assim, a principal tarefa do antropólogo consistia em coletar e sistem atizar dados detalhados sobre culturas part iculares. Só então seria possível dedicar-se a generalizações teóri cas. Nesses e em outros aspectos Boas era um legítimo filho do humanismo rom ânti co alemão segundo a interpretação de Bastian. Na Inglaterra, a antropologia seria rem odelada em antropologia social nos anos entre as du as grandes guerr as - uma disciplina comparativa, de base sociol ógica, com conceitos nucleares como estrutura social, normas, estatutos e interação social. Nos Estados Unidos, a disciplina se tomou conhecida como antropologia cultural.
53
3. QUATRO PAIS FUNDADORES
Aqui, a definição am pla de cultura enu nciada por Tyíor, substituída na Inglaterra por um conceito de sociedade, foi mantida. No sentido am ericano (e tylori ano), cultura é um conceito muito mais amplo do que sociedade. Se a sociedade é constituída de normas sociais, instituições e relações, a cultura consiste em tudo o que os seres hu manos criaram, inclusive a sociedade - fenômenos materiais (um campo, um arado
,
uma pintura...), condições sociais (casamento, famílias, o Estado...) c significado sim bólico (língua, ritual, crença...). A antropologia - a ciência da humanidade - dizia res peito, bem literalm ente, a tudo o que fosse humano. Boas admitia que ninguém teria condições de con tribuir de modo igual com todas as ramificações dessa matéria (em bora ele próprio fizesse tentativas heróicas para chegar a esse ponto) e por isso defen dia uma “abordagem de quatr o c ampos” que dividia a antropologia em ling
üística, an
tropologia física, arqueologia e antropologia cultural. Os alunos estudavam conteúdos dos quatro campos e mais tarde se especializavam naquele que mais os atr
aía. A esp e
cialização, portanto, fazia parte da antropologia americana desde o início, ao passo que tant o na Inglater ra como na França prevaleceu
uma abordagem generalist a. Re
flexo disso é que, já na década de 1930, existiam grupos de pesqu isa constituídos que se especializavam, por exemplo, em línguas norte-americanas nativas. Os próprios escr itos de Boas abrangi am um campo vasto, emb ora com uma ten dência evidente pa ra a antropologia cult ural . Ele havia realizado pesquisas de campo individuais entre os muites e os kwakiutls da costa noroeste americana, mas também trabalhava
com assistentes que coleta
vam materiais sobre muitos outros povos indígenas. Durante os trabalhos de campo ele frequentemente reco rria à colaboração de m embros Iingüi stic amente proficient es da tribo em estudo, os quais registravam, discutiam e interpretavam as palavras dos informantes. Alguns desses colaboradores, especialmente o
prodigioso Ge orge H unt,
co-autor de vários livros dc Boas sobre os kwakiutls, só recentemente foram reco nhecidos como autoridades de pleno direito em antropologia. O trabalho de campo realizado por Boas era em geral uma atividade de grupo, não pressupo ndo um indivíduo sozinho sujeit o a uma “ imersão” contínua e prolon gada no campo. A permanência no local era quase sempre curta. Normalmente ela era prolon gada em outro sentido, porém,
ou seja, no sentido de que as i das ao campo
eram repetidas muitas vezes ao longo dos anos, ocasionalmente envolvendo pessoas diferentes, todas atuando no mesmo projeto (ver Foster metodológica talvez fosse perfeitamente
et a i 1979). Essa estratégia
natural , visto que, nos Estados Unidos, “ o
campo” estava próximo, e não no outro lado do globo, como na Inglaterra. Boas era menos avesso às reconstruções históricas do que seus contemporâneos britânicos mais jovens (ver p. 54-62). Co m efeito, manteve a an tro pologia física e a
54
HISTÓRI
A DA ANTRO
POLOGIA
arqueologia como partes do empreendimento antropológico holístico. Não obstante, ele concordava com a crítica britânica ao evolucionismo. Em substituição ao evolucionismo, propôs o princípio do particularismo histórico. Como sustentava que cada cul tura continha em si seus próprios valores e sua própria história única, em alguns casos poderia ser reconstruída pelos antropólogos. Ele via valor intrínseco na pluralidade das práticas culturais no mundo e era profundamente cético com relação a qualquer tentati va, política ou acadêmica, de interferir nessa diversidade. Ao escrever sobre a dança kwakiutl, por exemplo, ele diz que a dança é um exemplo da relação da cultura com o ritmo, e po r isso ela não pode ser reduzida a uma mera “função” da sociedade (como pareciam preferir os antropólogos sociais ingleses). Em vez disso, é preciso perguntar o que esse ritmo é pai a a pessoa que dança, e a resposta só pode ser encontrada ex ami nando os estados emocionais que geram e são gerados pelo ritmo (Boas 1927). Boas foi um dos primeiros e mais incansáveis críticos do racismo e da ciência ins pirada por ele - esta contava com defensores entre o establishment da antropologia vi toriana. Esses antropólogos havia m afirmado que cada “raça” tinha um potencial inato distintivo para desenvolvimento cultu ral. Boas respondeu que a cultura era sui generis - sua própria fonte - e que diferenças inatas não podiam explicar o volume impressio nante de variação cultural que os antropólogos já haviam documentado. O termo relativismo cultural, a que nos referimos várias vezes acima, foi efetivamente cunhado por
Boas. Mesmo atualmente, a pergunta que muitos fazem é se o relativismo deve ser compreendido como um imperativo metodológico ou moral, e a resposta mais fre quente é que o relativismo cultural é um método. Para Boas isso sem dúvida soaria es tranho, pois método e moralidade eram para ele dois lados da mesma moeda. Boas dominou a antropologia americana durante quat ro décadas, mas não deixou nenhuma grande teoria ou obra monumental que seja lida pelas gerações seguintes de antropólogos. A principal razão disso talvez seja sua desconfiança das generaliza ções grandiosas. Durante seus estudos com Bastian ele fora advertido contra os peri gos da teorização vazia, e em seus escritos ele procurou identificar as circunstâncias únicas que haviam gerado culturas particulares, em vez de ir diretamente a conclu sões gerais. Ele também era cauteloso com o uso da comparação, que com m uita faci lidade estabelecia semelhanças artificiais entre sociedades que eram fundamental mente diferentes . Boas era assim um individualista metodológico autêntico, no senti do de que procurava a instância particular e não o esquem a geral, o que explica seu ceticismo irredutível com relação a Durkheim. Quase todos os antropólogos americanos importantes da geração seguinte (com algumas exceções notáveis, às quais voltaremos) foram alunos de Boas. Entre eles estavam Aifred L. Kroeber (1876-1960), que criou o Departamento de Antropologia
3. Quatro
pa is fundador
es
55
em Berkeley, com a colaboração de Robert H. Lowie (1883-1957), historiado r cultu ral e seu colega de longa data; Edward Sapir (1884-1939), fund ador do Depa rtamen to de Antropologia em Yale e da escola de “etnolingüística”; Melville Herskovits (1895-1963), fundador dos estudos afro-americanos nos Estados Unidos e profes sor no Departamento de Antropologia na Northwestern University; Ruth Benedict (1887-1948), sucessora de Boas na Universidade de Colúmbia e organizadora da es cola “cultura e personalidade”; e Margaret Mead (1901-1978) (the runt of the litter) que continuou a obra de Benedict e possivelmente se tom ou a figura pública mai s in fluente na história da antropologia. Como mostra essa lista, a antropolog ia cultural propo sta por Boas evoluiu em di versas direções durante sua própria vida (capítulo 4). Outra variação ocorreu na dé cada de 1950, quando Morgan foi redescoberto e quando os alunos de Radcliffe-Brown em Chicago desenvolveram sua própria versão da antropologia-social de estilo britânico. Não obstante, o legado de Boas continua no âmago da antropologia americana até hoje.
Malinowski e os nativos das Ilhas Trobriand
Em 1910,24 anos depois que Boas tomou sua importante decisão de perma necer nos Estados Unidos, um jovem intelectual polonês mudou-se de Leipzig para Lon dres. Bronislaw Malinowski-havia se doutorado em física e filosofi a alguns anos a n tes em Cracóvia, parte do Império Austro-Húngaro (agora pertencente à Polônia). Em Leipzig ele havia estudado psicologia e economi a, e por influência do psi cólogo social Wilhelm Wundt (1832-1920) ele se convencera de que a sociedade devia ser entendida holisticamente, como uma unidade constituída de partes entrelaçadas, e que a análise devia ser sincrônicafnão histórica). Nesse mesmo período Malinowski leu The Golden Boughe mudou-se para estudar com Seligman na London School of Economies, então já famosa por oferecer bo as condições para trabalho de campo em regiões exóticas. Quatro anos mais tarde, Malinow ski realizou um estudo de campo de seis meses sobre uma ilha na costa da Nova Guiné, por ele considerado um fracasso. Depois de breve estada na Austrália, ocupada com reflexões sobre seus métodos, ele partiu no vamente, dessa vez para as Ilhas Trobriand, localizadas na mesma região, onde per manec eria por quase dois anos, entre 1915 e 1918. Fin da a guerra, ele voltou para a Europa para escrever Argonauts ofthe Western Pacific (Malinowski 1984 [1922]), possivelmente a obra mais revolucionária na história da antropologia. Com o sucesso de Argonauts, ele atraiu para a LSE um pequeno grupo de alunos muito bem prepara
HISTÓRIAd a
56 dos e entusiasmados, os quais, em sua maioria, deix
antropologia
ariam suas marcas na
discipli na
nas décadas seguintes. Malinowski morreu nos Estados Unidos, num momento em que realizava estudos sobre mudança social entre camponeses índios no México.
Argonauts.,., a primeira grande obra de Malinowski, continua sendo também a mais famosa. O livro foi pref aciado po r Sir James Frazer, que não po upou elogios ao jo vem po lonês, claram ente inco ns cien te de que, nu m sentido acadêm ico, ele es tava assinando sua própria sentença de morte. O volumoso livro é escrito com fluência. Ele nos conduz po r uma análise vigoros amente co ncentrada e extre mamente detalha da de uma única instituição entre os trobriandeses, o sistema de comércio que objetos de valor simbólico circulam po
kula, em
r um a extensa área entre as il has da M ela
nesi a. Ma linowsk i descreve o planejame nto de exp edições, as rotas seguidas, os ri e práticas a elas associados, e estuda as
tos
kula e outras insti ia doméstica, parentesco e po
relações entre o comércio
tuições dessas il has, como liderança política, econom
sição social. Contemporâneo e conterrâneo do romancista Joseph Conrad, Mali nowski produziu
infonnações do “coração das t revas”, na for ma de imagens matiza
das e naturalistas dos trobriandeses, os quais
no fim em ergem não como e spetacula
res, exóticos, nem com o “radicalmen te diferentes” dos ocidentais, mas simplesm en te como diferent es. Há quem diga que Malinowski ficou praticamente confinado nas Ilhas Trobriand durante a I Gueixa Mundial, uma vez que, como cidadão do Império Habsburgo, ele era tecnicamente inimigo da Inglaterra. Essa é uma distorção dos fatos (Kuper 1996: 12). Malinowski não era um romântico confuso que descobriu “por acaso” o princípio do trabalho de campo moderno. Seu aluno, Raymond Firth (1957), o descreve como um etnógrafo meticuloso e sistemático, com uma capacidade excepcional para apren der língua s e uma faculdade de o bservação extraordinária. Outro equívoco é dizer que Malinowski “inventou” o
comum
trabalho de campo. Como vimos, expedições
etnográficas eram comuns muito antes dele, e algumas, como a expedição a Torres, haviam seguido padrões metodológicos rigorosos: O que Malinowski “inventou” não foi o trabalho de cam po, mas um m étodo de trabalho de cam po específico, que ele de nominou obseiyação participant e.j A idéia simples, mas revolucionária, que inspirava esse método consistia em viver com as pessoas que estavam sendo estudadas e em aprende r a partici par o máximo possível de suas vidas e at ividades. Para Malinowski, era essencial permanecer tempo suficiente no campo para familiarizar-se totalmente com o mo do de vida local e capacitar-se a usar o idioma local como
instrumento de tra
balho. Intérpretes, entrevistas formais e distanciamento social não teriam mais razão de ser. Malinowski m orou sozinho numa c abana no meio de um a aldeia trobriandesa por meses a fio - embora mantives se seu temo tropica l e seu chapéu imaculadamen te brancos
3. Q uatro
57
pa is fundadores
e apesar de seus diári os publicados postumamen te (Malinowski 1967) revelarem que ele muitas vezes sentia saudades de casa e passava por momen
tos de desânimo, aborre
cimento e cansaço por causa dos “nativos”. A “observação participante” de Malinowski
estabeleceu um novo padrão para a
pesquisa etnográfica. Todo fato, mesm o o mais insignificante, devia ser registrado. Na medida em que fosse praticam ente possível, o etnógrafo devia participai' do fluxo contínuo da vida do dia-a-di a, evitando questões específicas que pudessem desviar o curso dos eventos e sem restringir a atenção a partes específicas da cena nowski não se limitou a métodos não-estruturados.
. M as M ali
Ele coletou dados precisos sobre
produção de inhame, direitos territoriais, troca de presentes, padrões de comércio e conflitos políticos, entre outras coisas, e realizou entrevistas estruturadas sempre que julgav a necessário. O que ele não fez de forma significativa foi contextualizar os trobriandeses dentro de um contexto histórico e regional mais amplo. Nisso, ele ocupa uma posição diametralmen te oposta à do seu colega fiances,
Marcei Mauss, que era
um especialista sobre o Pacífic o, com um conhecimen to mais vasto e mais profundo da história cultural da região do que Malinowski, mesmo sem nunca ter estadalá. Praticamente tudo o que Malinowski publicou, dos
Argonauts... em diante, base
ou-se extensamen te nos dados coletados nas Ilhas Trobr iand. Ele escreveu sobre eco nomia e comércio, casamento e sexo, magia e visões de mundo, política e poder, ne cessidades humanas e estrutura so cial, parentesco e estética. Suas descrições ocupam várias centenas de páginas e demonstram conclusivamente o potencial do trabalho de campo intensivo e prolongado. O mero número de instituições, crenças e práticas tr obriandesas mostrou além de qualquer dúvida que uma sociedade “prim itiva”, “sim ples” , quase na base da escada evolucionária, era de fato um universo altamente com plexo e multifacetado em si mesmo. De forma mais convincente do que qualquer argu mento teórico, a obra de Malinow ski revelou o absurdo de um projeto comparativo que se propusesse a comparar características individuais. De agora em diante, contexto e inter-relações seriam qualidades essenciais de qualquer explicação antropológ ica. De modo geral, os antropólogos posteriores a Malinowski receberam suas con cepções teóricas com menos entusiasmo do que
seus métodos e sua etnogr afia. Sua
posição teórica era basicamente eclética, mas seguindo os padrões correntes ele de nominou seu programa de
funcionalismo. Todas as práticas e instituições sociais
eram funcionais no sentido de que se ajustavam num todo operante, ajudando a man
tê-lo. Diferentemente de outr os funcionalistas que seguiam Durkheim, porém, para Malinowski o objetivo último do sistema eram os indivíduos, não a sociedade. As instituições existiam para as pessoas, não o contrário, e eram as necessidades das pessoas, em últim a análise suas necessidades biológicas, que constituíam o motor
58
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
primeirò da estabilidade social e da mudança. Isso era individualismo metodológico sob outro disfarce, e num clima acadêmico coletivista dominado pelos durkheimianos, o progr am a não teve boa acolhida. Durante alguma s décadas depois de sua morte a estrel a de Malinowski continuou seu ocaso, até que
a desilusã o com a “Grande Teo
ria” tomou conta de todos durante a déc ada de 1970, fato que o levou à reabilitação em comunidades antropológicas nos dois lados do Atlânti co - às cust as do seu colega e ri val Radcliffe- Brown. Malinowski chamou a atenção para o detalhe e para a importân cia de captar o ponto de vista do nativo, e parte de sua reação contra seus predecessores imediatos nasceu de um profundo ceticismo com relação a teorias ambiciosas. Perce bemos aqui a semelhança com Boas, reflexo da educação alemã de ambos. Malinows ki se distinguia de Boas, porém, em sua relutância em e nvolver-se com q ualque r forma de reconstrução h istóri ca. Com Ra dcliffe-Brown ele em preende u uma c ampan ha antievol ucionária - e anti-his tóri ca - tão bem-sucedida que o tem a ficou mais ou menos proibido na antropologia britânica durante quase meio século. Malinowski se autodenominava füncionalista, mas suas idéias diferiam funda men talmen te do program a rival do estrutural-funcionalismo.
Para Malinow ski, o i n
divíduo era o fundamento da sociedade. Para os estruturais-funcionalistas durkheimianos o indivíduo era um epifenôm eno da sociedade e de pouco interesse intrí nseco - o que interessava era inferir o s elementos da estrutura social.
Essas du as linhagens
da antropologia so cial britânica - funcionalismo biopsicológico
e estrutural-funcio
nalis mo sociol ógico - evidenciam uma tensão básica na disciplina ent
re o que mais
tarde foi chamado de agência e estrutura. O ind ivíduo tem agê ncia no sentido de que ele é um criador da sociedade. A sociedade
impõe estrutura sobre o indivíduo e limita
suas opções. Como mostra Giddens (1979), os dois pontos de vista são complemen tares. Ma s isso não foi percebido pela antropo logia britânica do período entre as duas grandes guerras. O funcionalismo de Malinowski e o estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown foram vistos como diametrabnente opostos. A “ciên cia natural da so cie dad e” de Radcliffe-Brown
Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955) pertencia à geração de Mali nowski, mas o seu contexto familiar não era cosmopo
lita e intel ectual, e sim da clas
se operária inglesa. Ele começou sua carreira acadêmica apenas como A.R. Brown. Levantando fundos com sua família, ele iniciou estudos de medicina em O
xford, mas
foi incentivado por seus professores, especialmente Rivers, a mudar-se para Cambridge e estudar antropologia. Ele realizou trabalho de campo de 1906-1908, nas Ilhas Anda man , a lest e da índia, e publicou um relatório de campo,
muito bem rece
bido, no estilo difusionista; em pouco tem po, porém , ele passaria a seguir um a linha
3. Q uatro
pa is fundadores
59
teórica diferente. Pouco depois dessa publicação, Radcliffe-Brown leu a obra-prima de Durkheim, The Elementary Forms o f Religious Life. Ele então ministrou uma lon ga série de palestras sobre Durkheim em Oxford, e quando sua monografia, Andaman Islanders, foi finalmente publicada em 1922, mais do que qualquer outra coisa ela parecia uma demonstração admiráve l de sociologia durkheimiana aplicada a ma teriais etnográficos. Como Boas e Malinowski, Radcliffe-Brown passou os anos intermediários entre as duas grandes guerras conquistando adeptos e desenvolvendo instituições acadê micas dedicadas à nova antropologia. Diferentemente deles, porém, ele passou lon gos períodos de sua vida profissional como nômade acadêmico, desenvolvendo e aperfeiçoando centros antropológicos importantes na Cidade do Cabo, Sydney e Chi cago. Durante suas viagens ele formou uma vasta rede internacio nal, a qual pos sibilitou que sua influência chegasse até a Inglaterra. Assim, quando finalmente voltou a Oxford para assumir a cátedra de Antropologia Social em 1937, ele foi recepcio nado como um exilado, não como um forasteiro. Quando Malinowski partiu para os Estados Unidos no ano seguinte, Radcliffe-Brown rapidamente assumiu a liderança e se toantropólogos m ou a figura “raddiffe-brownianos”, de ma ior destaque na antropolog britânica. V ários dos princi pais inclusive ia Evans-Pritchard e Fortes (capí tulo 4), havia m inicialm ente sido alunos de Malinowski, e ficaram felizes com a vol ta do mestre da abstração teórica há tanto tempo distante. A antropologia inglesa do período entre as duas grandes guerras passou assim por duas fases: primeiro, um pe ríodo dom inado pela etnografia d etalhada com ênfase regional no Pacífico, depoi s, um período voltado para a análise estrutural durkheimiana, com ênfase na África. Radcliffe-Brown foi seguidor de Durkheim ao considerar o indivíduo principal mente como produto da sociedad e. Enquanto Malinowski preparava seus alunos para irem a campo e procurarem as motivações humanas e a lógica da ação, Radclif fe-Brown pedia aos seus que descobrissem princípios estruturais abstratos e meca nismos de integração social. Embora o contraste seja freqüentemente exagerado nos relatos históricos, às vezes o resultado foram estilos de pesquisa consideravelmente diferentes. Os “mecanismos” que Radcliffe-Brown esperava identificar eram de srcem durkheimiana, análogos talvez às represe ntações coletivas de Durkhei m, M as Radclif fe-Brown alimentava esperanças explíc itas de transformar a antropologi a num a ciên cia “real” , um objetivo qu e prov avelm ente não fazia parte dos planos de Durkheim. Em A Natural Science ofSociety , seu último livro (baseado numa série de palestras proferidas em Chicago em 1937 e publicado postumamente em 1957), ele explica a natureza dessa esperança. A sociedade se mantém coesa por força de uma estru
60
H ist ór ia d a Antropologia
tura de regras
jurídicas, estatut os sociais e normas m orais que circunscrevem e regu lam o comportamento . Na obra de Rad cliffe-B rown a estrutura social existe indepeudentemente dos atores individuais que a reproduzem. Ás pessoas reais e suas rela ções são meras agenciações da estrutura, e o objetivo último do antrop ólogo é desco brir sob o verniz de situações empiricamente existentes os princípios que regem essa estrutura. Esse modelo formar, com suas unidades nitidamente definidas e logica mente relacionadas, demonstra claramente a intenção “científica” do mestre. A estrutura social pode ser ainda mais desdobrada em instituições discretas ou subsistemas, como os sistemas para distribuição e transmissão da terra, para a solu ção de conflitos, para a socialização, para a divisão do trabalho na família, etc. os quais contribuem todos para a manutenção da estrutura social como um todo. De acordo com Radclif fe-Brow n, essa é a função e a causa da existên cia desses sistemas. Temos aqui um problema. Radcliffe-Brown parece afirmar que as instituições exis tem porque elas mantêm o todo social; isto é, que sua função é também sua causa, A relação de causa e efeito se toma vaga e ambígua, e esse raciocínio “tautológico” ou “para trás” é em geral visto com restrições nas explicações científicas. Essa crítica, porém, se aplica igualmente a todas as fonnas de funcionalismo, inclusive, mas não limitada, à variação de Radcliffe-Brown sobre o tema. Esses problemas pode riam ter preocupado os estrutural -funcionalist as, ansioso s que estavam por ser considerados cientistas genuínos, mas isso não aconteceu. A ar ticulação feita por Radcliffe-Brown entre teoria social durkheimiana e materiais et nográficos e suas ambições no interesse da disciplina geraram um programa de pes quisa novo e atraente a que afluíram pesquisadores talentosos, fato que por sua vez aument ou o prestígio da teoria. Desd e Morgan os antropólogo s estavam co nscie n tes de que o parentesco era uma chave para compreender a organização social em socied ades de pequena escala. O que ainda não estava muito claro era o que essa cha ve abria. O uso du rkheimiano, po r parte de Radcliffe-Bro wn, da antiga idéia de Maine do parentesco como sistema “jurídico” de normas e regras tornou possível explo rar cabalmen te o potencial analítico do parentesco. Um sistema de parentesco era fa cilmente compreendido como uma constituição não escrita de interação social, um conjunto de regras para a distribuição de direitos e deveres. O parentesco, em outras palavras, era novamente uma instituição fundamental, agora como motor (ou cora ção, para usar as analogias biológicas pre feridas de Durkheim) de uma entidade au to-sustentável e integrada organicamente, e todavia abstrata, chamada estrutura so cial (um termo que, a propósito, foi usado pela primeira vez por Spencer). Com essa chave na mão, os estrutural-funcionalistas passaram a estudar outras inst itui ções e m sociedades prim itivas: política, eco nom ia, religião , adaptação
3. Q uatro
61
pa is fundadores
ecológica, etc. Era de especial importância para esses pesquisadores que (^paren tesco fosse visto funcio nar como um a estrutura para a er
iaçãcrde grupos ou
corpo
rações nessas sociedades. Os grupos poderiam ter direitos coletivos para a posse, por exem plo , de terra s ou a nim ais; poderi am exig ir le ald ade em caso de guerra; po deri am resolver conflitos ou organizar casamentos. Fo nâmicas que os estrutural-funciona
ram esses grupos e suas di
listas com eçaram a estudar, não o
que Boas teri a
chamado de “cultura” . O pr óprio Radcliffe- Brow n não simpatizava part icularme n te com a palavra “ cultura” . Para ele, a questão centr al não era o que os nativos pen sav am, aquilo em que acredit
avam, com o ganh avam a vida ou como haviam ch
ega
do a ser o que eram, mas sim como sua sociedade era integrada, as “forças” que a mantinham
coesa como um todo
.
Radc lif fe-Brown crit icava severam ente a “históri a con jetural” dos evolucioni tas. Na visão dele, arranjos contem
porâneo s existiam porque eram
s-
funcionais no pre
sent e. certame nte não como “sob revive ntes” de épocas passad as. Eles faziam sentido no present e ou então não ti nha m sentido nenhum. truções freqüe ntem ente fantasiosas ap
Ele tam bém escarnecia das recons
resentadas por historiadores cu
lturais e difu-
sionis tas. On de não existi am evidên cias não havia motivo para especular. Aqui Mainowsk i e Radcliff e-Brown concordavam perfei tamente. Malinowski e Radcli
ffe- Brow n fundaram duas “linhagens” na antropologia in
glesa; as duas competiam diretamente em alguns aspectos e complementarmente era outros, Com a conso m tropologia
lidação dessas escolas pouco antes da I
soci al ingles a estava bem encam
démico consolidado
I Gu erra Mu ndial, a
inhada para se t ornar um cam po ac a
(alguns dir iam um a “ciência”). As “ linhagens” não
mente endógam as. A antropologia socia
eram total
l inglesa era um a pequena tribo onde todos
se conheciam. A tribo era formada por dois grupos distintos: um centrado em Oxford, onde Evan
s-Pri tchard já est ava estabelecido quando
tou de Chicago em
193 7; o outro sedi ado na London School ofEc
art e de Malinowski, S
Radcliff e-Brown vol on om ics, o balu
eligma n e, na geração segu inte, de Ray m ond Firth. Quase to
dos os antrop ólogo s sociais form ados no período entre as duas tavam ligados a um desses
centros. (Em C am bridge, o
grand es guerras es
ancient régime a inda vigor a
va.) Como Radcliffe-Brown e Malinowski raramente estavam no país ao mesmo tempo, muitos estudantes conheciam os dois e freqüentavam suas palestras. A maioria havia estudado primeiro com M
alinowski, e alguns posteriormente se liga
ram a Radcliffe- Brown . Este último grupo
incluía Evans-Prit
chard, F ort es e M ax
Gluckman. Entre os que continuaram “malinowskianos” em sua orientação esta vam Firth, Audrey Richards, Edmund Leach e Isaac Sehapera. Tanto Malinowski tom o Radcliffe- Brow n exercer am uma infl uência duradoura sobre a di
scipl ina; os
62
H ist ór ia d a ant r op ol ogi a
métodos de campo de Malinowski foram avidamente adotad os por membros do ou tro campo, e todos tiveram de Ievar em consideração os conceitos de estrutura e funçã o e a conseqüente “ ciência do parentesco ” de Radcliffe- Brown durante pelo meno s uma década depois de sua morte. E m 1954, o aluno de Malinowsk i Edmund Leach achou que devia declarar-se adepto do estrutural-funcionalismo (antes de passar a demolir esse paradigm a impiedosamente). Em tennos demográficos, a expansão da antropologia social foi lenta: antes da II Gueixa Mundial era m menos de 40 seus adeptos em toda a Grã-Bretanha. N o entanto, a expansão institucional, tanto na metrópole como nas colônias, foi impressionante. O papel de Radcliffe-Brown não foi secundário nesse processo. Durante seu longo perío do “nomádico”, ele havia estabelecido departamentos de antropologia viáveis na Ci dade do Cabo, em Sydney, Délhi e Chicago. Durante sua estada na Cidade do Cabo (1920-1925), ele colaborou com um antigo aluno de Malinowski, Isaac Schapera, que mais tarde dirigiria o departament o local durante muitos anos. Enquanto permaneceu em Sydney, ele incentivou o estudo científico de línguas aborígenes e designou Sydney como base para os pesquisadores de campo ativos em toda a área do Pacífico. Em Chicago, de 1931 a 1937, ele contribuiu para a “europeizaç ão” de parte da antro po logia americana, inspirando, entre outras coisas, um estilo inovador de antropologia microssociológica que depois se tomou muito influente. Finalmente, na índia, o aluno de Radcliffe-Brown M.N. Srinivas foi fimdamental para a criação da antropologia so cial indiana como disciplina predominanteniente estrutural-funcionalis ta. Mauss e a pesquisa de fenômenos sociais totais
Malinowski ainda realizava trabalho de campo entre os trobriandeses, Radclif fe-Brown fazia palestras e traba lho de campo na África do Sul e Boas formava a pri meira geração de antropólogos americanos na cidade de Nova York, quando ocorreu a morte de Dur kheim (nascido no mesmo ano de Boas), um ano anles do término da I Guerra Mundial. Seu sobrin ho Marcei M auss, que estivera tr abalhando com Durkheim durante duas décadas, agora o substituiu como líder do círculo VA nn ée Sociologique. Os tempos que corriam eram difíceis. Vários contemporâneos brilhantes de Mauss haviam m orrido recentem ente na guerra, e ele mais tarde con sumiria boa parte de sua energia profissional concluindo e publicando os manuscritos redigidos por eles. Mauss, p rofessor de Relig ião Primitiva na École Pratique des Hautes Études e m P a ris desde 1902, era formado em estudos clássicos e filologia com parada e seu conhe cimento da história cultural mundial e da etnografia contemporânea era vasto. Em sua obra, ele c ita as pesqu isas de Boas, de M alinowski, de Radcliffe-Brown e de mui tos outros, muitos deles alemães com grande experiência na tradição difnsionista.
3. Quatro
63
pa is fundadores
Mauss considerava-se continuador do trabalho de Durkheim, e os dois tinham uma concepção holistica da sociedade, a idéia de que a sociedade era um todo orga nicamente integrado, um “organismo social”. Baseado nesse conceito, Mauss divi diu o estudo da an tropolo gia em três níveis de pesquisa: do de costumes, crenças e da vida social;
etnografia , o estudo detalh a
etnologia , o estudo empírico da compara
ção regional; e antropologia , o esforço teórico-filosófico de generalizar sobre a hu manidade e a sociedade fundamentado nas descobertas feitas pelos dois estudos an teriores. Mauss não participou de nenhum trabalho de campo pessoalmente, mas seus cursos de graduação no Institute ofEthnology, por ele fundado em 1925, davam grande ênfase às questões metod ológicas. Os alunos pre cisavam a prend er a ser et nógrafos antes de aprender a teorizar. Diferentemente de Durkheim, M
auss intere ssava-se pri ncipalmente pelas cultu
ras não-européias e “arcaicas”. Ele procurou desenvolver uma sociologia comparati va baseada em descrições etnográficas detalha
das de sociedades reais e , nesse aspec
to, seu projeto era m uito semelhante ao de Malinowski, Radcliffe-Brown
ou Boas.
Seu objetivo explícito, porém, era classificar sociedades e descobrir características estruturais comuns a diferentes tipos de sociedades, com o fim de desenvolver uma comp reensão geral da vida social. Nis so seu trabalho era muito d iferente do particularismo de Boas. Também em contraste com seus colegas britânicos, Mauss não he sitava em recorrer a materiais históricos sempre que fosse inrportante. As “leis gé mis” de que falava Radcliffe-Brown estão perceptivelmente ausent es da obra de Mauss, a qual revela uma tend ência mais hum anística do que científic a. Mauss passou grande parte do seu tempo ensinando e editando obras de colegas, e nunca publicou um livro em seu próprio nome, apesar de partici par de vários como co-autor. Sua obra mais influente,
Essai sur le don (1923-1924; The Gift, 1954) apa
receu inicial mente como um longo ensai o na revista de Durkheim,
L 'Année Sociolo
gique , e só muito m ais tarde foi publicada em form a de liv ro. Mas ele escreveu ensai os fecundos e densos sobre inúmeros temas que ainda inspiram os estudiosos: sobre o corpo, o naciona lismo, a pessoa, o sacrifí cio, totemism o, etc. O gênero de antropolo gia de Mauss é evidente em toda sua obra, mas talvez especialmente em
The Gift*,
um livro que gerou uma vasta e importante literatura de comentário, envolvendo lu minares intelectuais como Jacques Derrida, Jean Baudrillard e Pierre Bourdieu du rante a segunda metade do século vinte.
* N. do revisor técnico: esse livro foi publicado em português como parte de um livro de ensaios de Mauss . Lançado pela Editora Perspectiva, ele é atua lmente publicad o pela Cosac e N aif com o títu lo
Ensaio sobre a dádiva: for ma e razão da troca nas sociedades primitivas).
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
64
A idéia básica em The Gift é muito simples; não pode haver prestação sem uma contraprestação, e por isso a troca de presentes é um meio
de estabelecer relações so
ciais; essa troca é moralme nte obrigatória e socialmente integradora.. A troca de pre sentes une as pessoas n um com prom isso mútuo e é instr umental na formação de normas. Ela parece ser voluntária, mas de fato é regulada por regras rí
gidas, em bora im
plícitas. O ato de presentear envolve um aspecto estratégico e pragmático. Ele é ma nipulado por indivíduos que procuram promover seus próprios interesses, principal mente na políti ca. Finalmente, o presente tem a spectos simbólicos imp ortantes, uma vez que objetos que são dados e recebidos se tomam símbolos de relacionamentos sociais e até de fenômenos metafísicos. Ao analisar materiais da Polinósia Mauss aborda a questão do hau ou “poder/alm a” do presente. O presente possui um a quali dade interior que comprom ete o receptor de modos especifícos, por causa da história do presente. (Se isso lhe parec er obscuro, pense no valor que a no ssa sociedade atri bui a móveis e peças de arte antigos!) Embora a troca de presentes ocorra em toda sociedade, ela diminuiu de impor tância na história européia. Mauss está particularmente interessado numa forma de troca que ele detecta em sociedades tradicionais e antigas e que chama de préstations totales (“prestações totais”). Esses presentes são manifestações simbólicas de todo um conjunto de relações, podendo-se dizer que expressam a essência mesma da so ciedade. Na sociedade moderna, dominada por outras formas de troca (notadamente a troca descontextualizada do mercado), os presentes de Natal talvez sejam o que mais se aproxima das prestations totales; eles evocam uma grande diversidade de instituições - família, cristianismo, capitalismo, consumismo, feriados,
infân cia - e
também relações pessoais. Em The Gift, Mauss pergunta como as sociedades se integram e como os indiví duos se ligam uns aos outros através de obrigações morais.
The Gift é uma obra-síntese
de antropolog ia econômica, história cultural, análise si mbólica e teoria social geral que preenche adequadamente muitas lacunas próprias da antropologia mais recente. Atra vés de sua dupla preocupação com estratégias individuais e integração social, Mauss inclusive integra com elegância análises estruturais e análises centradas no ator. Ap esar de não ser um escritor
prolífico, a influência de M
auss fo i enorme, de n
tro e for a da França. Ele deixou um a séri e de questões que foram tratadas
com gran
de sofisticação por antropólogos franceses posteriores, contando-se entre os mais renomado s Claude Lé vi-Strauss e Lou is Dumont. Sua obra também
serviu de estí
mulo a muitos antropólogos anglo-americanos, de Evans-Pritchard em diante. A prop ósito, Mauss e Rad cliffe-B rown nunc a estiv eram próximos, seja profission al ou pessoalmente.
3. Q uatro
pa is fundadores
A antropolo gia francesa nas prim eiras décadas do século vinte incluia várias personalidades fortes além de Durkheim e Mauss. Amo ld van Gen nep (1873-1957), que não partic ipou do círculo interior deles, era um estudioso culto e inovador que desen volveu estudos sobre comunidades rurais na França como parte da antropologia (em outras palavras, a “antropologia em casa”, doméstica, não é uma invenção recente). Van Gennep, porém, é conhecido particularmente por outra de suas obras, Les Rites dePassage{ 1909; The Rites o fPassage, 1960). O livro é um estudo comparado de ri tuais de iniciação, em que pessoas passam de um status social a outro. Os ritos de
passagem mais disseminados estão associados ao nascimento, à puberdade, ao casa-, mento e à morte. Antecipando a sociologia da religião de Durkheim, van Gennep afirmava que esses rituais são expressões dramatizadas da ordem social que fortale cem a integração tanto dos iniciados como dos espectadores. Além disso, ele dizia que esses rituais subdivi díam-se u niversal mente em três estágios: separação, liminaridade e reintegração, uma perspectiva a que voltaremos mais adiante ao analisar a obra de Victor Tumer (capítulo 6). Outro contemporâneo de Durkheim e Mauss que levantou um conjunto alternati vo de problemas para a antropologia foi o filósofo Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939). Embora sua obra seja hoje em grande parte conhecida (de ouvi dizer) como um exemplo caricato das concepções incorretas do passado, não há dúvida de que Lévy-Bruhl abriu um novo campo para a pesquisa empírica, o que estimulou gera ções de antropólogos posteriores, inclusive Evans-Pritchard e Lévi-Strauss. Em Mentalité primitive (1922; Primitive Mentality), 1978) e em livros subseqüentes, Lévy-Bruhl sustenta que povos iletrados pensam de um modo qualitativamente dife rente dos povos letrados; eles não raciocinam lógica e coerentemente, mas poética e metaforicamente. Embora seus contemporâneos, de Lowie nos Estados Unidos a Schmidt na Alemanha, fossem quase todos críticos de sua obra, ela delineou um campo analítico que mais tarde se revelou fértil: o estudo comparativo de estilos de pensamento e os problemas de tradução intercultural associados a essas diferenças. Mas a influência de Lévy-Bruhl foi mais forte fora do que dentro da antropologia. Sua filosofia fo i recebida com entusiasmo pelo movimento surrealista, que identifi cava “mentalidade primitiva” com liberdade e criatividade e cuja visão idealizada dos “povos primitivos” não precisava levar em consideração estudos empíricos. Antropologia em 1930: convergências e divergências
Até 1930, comunidades de “novos antropólogos” haviam se estabelecido na Grã-Bretanha, na França e nos Estados Unidos, com contatos entre antr opólogos que trabalhavam na Alemanha e na Europa Orienta l, na África do Sul, na índia e na Aus-
66
.
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
trália. Os grupos ainda eram pequenos. No total, não passavam de algumas centenas os antropólogos profissionais em atividade no mundo, e por isso falar em “escolas” nesse contexto pode parece r um tanto exagerado. O ito anos apenas haviam decorrido desde que os dois fundadores da nova antropologia na Inglaterra tinham publicado suas obras de impacto - e seria inexa to falar em uma “Escola Inglesa” num a data tão anteci pada. Radcliffe-Brown ainda estava em
Sydney e passaria a maior parte da dé
cada de 1930 em Chicago. Malino wski aind a tinha poucos aluno s e nenh um deles ha via produzido nada de importante até então. O difusionismo e até certo ponto a “an tropologia de gabinete” especulativa estavam
flores cendo. Frazer ainda tinha onze
anos pela frente como profe ssor em Cambridge. Em 1930, não havia certeza nenh u ma de que a nova antrop ologia obteria sucesso na Ing laterra, e a si tuação na Fra nça e nos Estados Unidos não era muito diferente. Os fundadores da antrop ologia mode rna perte nciam a um grupo restrito e t inham muito em comum apesar de suas muitas diferenças. Um aspecto muito importante, talvez, é que todos eles procuravam assentar a antropologia num “estudo detalhado de costum es em relaç ão à cultur a total da tribo que os pr atica va” (Boas 1940 [ 1896]: 272). O ponto central dessa citação é a idéia de que t raços culturais não pod iam mais jser_estu dados isoladamente. Um rimai não pode ser reduzido a um “sobrevivente” separado de um passad o hipotético. E le precisa ser visto em relação à-§pciedade total de que ele faz parte aqui e agora. Ele precisa
ser estudado no contextp. A antropolo
gia é uma ciência holística - sua final idade é descrever sociedade s ou cultur as como todos integrados. Até aqu i - concordav am os quatro fundadores - , de fato, idéias se melhantes eram centrais também nas sociologias marxista, durkheimiana e weberiana, e pela virada do século haviam conquistado ampla
aceitação. Poderíamos inclusi
ve dizer que o conceito de “sociedade como sistema” é a mais fundamental de todas as intuições sociológicas, e não deve suipreender, portanto, que quando foi introdu zido na antropologia ele produziu uma verdadeira revolução teórica de que todos os fundadores, de uma forma ou outra, participaram. A despeito das dimensões diminutas da disciplina, as diferenças entre as tradi ções nacionais já eram marcan tes: nos métodos, na teoria e na organização
institucio
nal. Mais tarde, com todos os fundadores já m ortos, form aram-se na disciplina certas imagens de cada um deles e de suas relações mútuas. Essas imagens ou mitos estão amplamente difundidos atuahnente e possibilitam que certas qualidades mais evi dentes de cada um ofusque m todas as outras. Por isso, o leitor deve ter em m ente que as relaçõe s acadêmic as entre os antropólogos não são menos com plexas do que a s re lações humanas em geral (ver Leach 1984). Assim, Boas e Mauss concordavam em •" que não havia co nflito profundo entre história cultural e estudos sincrônicos,
e por
3, QU ATRO PA
I S FUN DA DO RES
67
isso ambos se interessavam pelo difnsionismo, enquanto Radcliffe-Brown e Mali nowski consideravam esses interesses como “não-científicos”. Essa divisão reflete claramente o fato de que dois antropól volução”, ao passo que na França e
ogos britânicos estavam envolvidos num
a “re
nos Estados Unidos predom inava uma atmosfer a
de continuidade. Mas outras divisões eram igualmente importantes. Radcliffe-Brown e Mauss concordavam
em que seus est udos fazia m parte de um grande projeto de so
ciologia comparada, enquanto Boas, dos quatro o menos relaci onado com a sociolo gia, desconfiava da “ciência francesa” que Radcliffe-Brown pregava em Chicago e duvidava profundamente do m
étodo com parati vo. De sua parte, Malinowski pare ce
ter evitado toda forma de comparação. Nesse caso, a herança germânica de Mali nowski e Boas une-os claramente contra a “escola francesa”. Mas essa unidade tam bém é incom pleta. Enquanto Rad cliffe-Brown e Mau ss eram coletivistas metodoló gicos comprometidos que investigavam os
segredos da “sociedade como um todo
”,
Boas e Malinowski er am particularistas (alemã es). O particularismo de Malinowski, po rém, vo lta va -se p ara as necessidades físicas do indivíduo, ao p asso que Boas a cre ditava na primazia da cultura. As qualidades puramen te pessoais dos quatr o homens tam bém influenciaram a nova ciência da sociedade. B oas assumiu sem esforço o papel da figura do “pai be nevo lente” da antropo logia americana. Com e feito, sua popularid ade foi tão grande durante sua longa c arreira, que seu ponto cego
óbvio, sua d e^ o n tia n ça (hpg£ncra.U-
zação, se tomou o ponto cego de toda uma geração. Com muito poucas exceções (entre as quais, nomeadamente, Benedict 1934), grandes generalizações estiveram totalmente ausente s da antropologia americana do século vinte até depois da morte de “Papa Franz” , Na Inglaterra esse consenso não existiu.
Num a etapa avançada de
suas c arne iras Radtdif Ee-Brawn u M alinow ski foram co mp anheiro s ativistas na “re volução funcionalista”, mas à medida que o inimigo comum foi recuando, seus an tagonismos mútuos passaram a se evidenciar, e seus alunos (e alunos dos alunos) reprod uziram fervo rosam ente o conflito ( le scus m çstrcs (capítulo 4) : radcliffebrow nian os falariam com desd ém da mon og rafia “ malin ow sk iana” - repleta de de talhe s enfadonhos, m as vazia de idé ias exeqüíveis -
e os malinow skianos critica
riam seus colegas de Oxford por produzirem modelos tão coerentes a ponto de ser incompatíveis com os fatos. Finalmente, havia diferenças sistemáticas entre as três tradições nacionais, dife renças essas que não eram acadêm icas nem pessoais. Devido em parte ao prestíg io de Boas e em parte ao fato de que recursos para pesquisas eram mais acessíveis nos Estad os Unidos, a antropologia americana chegou rapidam
ente ao nível de uma dis
ciplina mais am pla e constituída do que a européia. Qua ndo a Amer ican Anthropolo-
68
HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA
gical Association (AAA) (Associação Antropológica Americana) foi criada em 1906, ela já contava com 175 membros. E m contraste, mais recentem ente, em 1939, havia somente em tomo de 20 antropólogos profissionais em todo o Império Britâni co; e quando a Association of Social Anthropologists (ASA) (Associação de Antro pólogos Sociais) foi fundada na Inglaterra, em 1946, eram apenas 21 seus membros plenos (Kuper 1996: 67; Stocking 1996: 427). Na França a situação é totalmente diferente. O sistema acadêmico francês era mais centralizado do que nos dois outros países, e Paris atraía uma elite intelectual numerosa, talentosa e dinâmica que gozava de prestígio considerável. Fazer parte dessa elite era mais importante do que respeitar fronteiras disciplinares, e por isso os :antropólogos cooperavam intensamente e envolviam-se em debates com sociólogos, filósofos, historiadores, psicólogos e linguistas. Embora a antropologia esteja sendo claramente institucionalizada aqui como em outros lugares, não existe a mesma sen sação forte de uma disciplina nova e revolucionária tomando forma, definindo-se como distinta de suas predecessoras, de outras disciplinas e de outras escolas antro pológicas. Assim, a antropologia francesa, num sentido, foi tanto a de horizontes mais abertos quanto a mais elitista das tradições nacionais. Até os inícios da década de 1930 as quatro escolas da nascen te antrop ologia mo derna estavam firmemente estabelecidasC jNIo breve período de uma década, a antro pologia vitoriana de Tylor e Frazer, o materialismo de Morgan e o difusionismo dos alemães haviam acumulado uma espessa camada de poeira, Uma teoria mais antiga ainda continuava em estado de dormência, esperando para ser redescoberta por gera ções seguintes, especificamente a obra de Marx e Weber; mas como um todo, o em preendimento da antropologia era percebido como viçoso, novo e estimulante, como uma chave recém-descoberta para uma verdadeira compreensão da condição hum a na. Os praticantes em cada país eram poucos e intensamente motivados, em alguns casos (temos os seguidores de Mauss e Radcliffe-Brown em mente) quase lembran do adeptos de cultos religiosos. Na Europa, excluídas a França e a Inglaterra, a difusão da nova disciplina ainda não havia começado. Na Alemanha os difusionistas predominaram durante bastante tempo depo is da II Guerra Mundial, e só na década de 1950 foi que a antropolo gia so cial se estabeleceu na Escandinávia e na Holanda (ver Vermeulen e Roldán 1995 para a história particular das antropologias européias). A história cultural na linha difusíonista ou evolucionista, muitas vezes salpicada de preconceitos etnocêntricos (quando falando de outros) e de aspirações nacionalistas (quando falando da própria “cultura popular”) ainda prevaleceria por décadas na maioria da Europa.
4 Expansão e insti tucionalização
Ja zz e estali nismo, Hitler-Jugend e Al Capon e, sangue no horizonte e miseráve is nas ruas, a consolidação de impérios coloniais e o surgimento dos meios de comuni cação de m assa, o colapso das bolsas de valores e a ascensão do estado
de bem-estar :
os anos 1930 se agitam como u ma flecha prestes a ser disparada. Então a guerra de vasta a Europa e o mundo -
a guerra mais destruti va da históri a, com Auschwitz e a
bo mba assombrando os pesadelos da segunda m etade do século. A guerra apagou os últimos vestígios do mundo em que os vitorianos viveram e em que acreditaram. O indivíduo racional do Iluminismo e a dos românticos agora pareciam igualmente rios coloniais também
desabariam e com eles sua
Branco e a mission civilisatrice
com unidade em ocional
simplóri os. Em b reve os grandes imp é
raison d'etre , o Fardo do Homem
a suposta obrigação de difund ir a civilização euro
péia nos quatro cantos do mundo. De fato, a “civ ilização” em si em pouco tem po se revelaria um embuste, uma
fma película de humanismo
ocultando o animal defeituo
so em seu interior. Curiosainente, talve z, foi nesses anos que a antropolog ia floresceu e se transfo r mou num a disciplina madura. Os anos 1930 foram uma década produtiva, quando os prim eiros alunos dos fundadores co meçaram a deixa r sua marca no campo e os pr ó prios fundadores ainda estavam em atividade. Nem a guerra de 1939-1945 prejudi cou seriamente essa escalada. Nos Estados Unidos a vida universitária prosseguiu normalmente e na Grã-Bretanha os pesquisadores continuaram trabalhando. Na pró pria França ocupad a a situação era tolerável, e os países mais afetados pelo conflito, a Alema nha e a União Sovié tica, e ram de qualquer modo marginais à nova antropolo gia. No entanto, algumas questões foram claramente contidas ou adiadas “enquanto durar a guerra”. Seja como for, depois de 1945 uma nova onda de reforma radical varreu a antropologia. Ta lvez isso se devesse tamb ém ao fato de que a guerra coinci diu com a aposentad oria de Mauss e de Radc liffe-Brown (e m 1939 e 1946) e com a
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HISTÓ RIA DA ANTROPOLOGIA
morte de M alinowsk i e de Boas (em 1942). Com o ocaso do velho mu ndo e os fun dadores fora de cena, o tempo estava maduro para que cada um pudesse expor suas idéias com destaque e clareza. Essa história será narrada no próximo capítulo. Volta mo s agora ao início da década de 1930. Uma disciplina marginal?
A antropolo gia se via agora diante de desafios imediatos postos p or seu próprio sucesso. “A Revolução” , como Radcliffe-Brow n e Malinow ski a denom inaram, esti vera em andam ento desde o início da década de 1920. Os fundam entos metod ológi cos, teóricos e inst itucionais da disciplina revigorada haviam sido lançados. Os pro gramas de pesquisa estavam definidos, os recursos assegurados, e as parcerias pro fissionais, as inimizades e as alianças estratégicas estavam estabelecidas. A tarefa agora consistia em mostrar a viabilidade sustentável da disciplina. Era preciso for m ar alunos, editar revistas, encon trar edi tores para as mon ografias, organizar confe rências, entrar em contato com os meios de com unicação, conven cer políticos e pla nejadore s e - tarefa nã o menos importante - providenciar empr ego para o númer o crescente de pesquisadores. P ara alcançar esses objetivos a energia da revolução pre cisava ser disciplinada e canalizada para rotinas institucionais previsíveis. Na im por tante história da antropologia social inglesa de Adam Kuper (1996) o capítulo que trata desse período é intit ulado “Do c arisma à rotina” e muito ao modo como Weber poderia ter expresso: depois de um despertar carism ático, a rotinização é inevitável, não obstante todo o esforço em contrário. Em an tropologi a esse período de consoli dação durou d esde a décad a dc 1930 até o fim dos anos 1940. Na Inglater ra, R adclif fe-Brown e seus alunos assumiram a direção; nos Estados Unidos, Benedict, Mead, Kroeber e outros asseguraram a continuação do programa disperso de Boas, e na França a antropologia se manteve vigorosa e criativa nessas décadas sob outros as pectos sombrios. Como observamos acima, a nova antropologia teve uma identidade marginal des de o iníc io. Os pais fundadores e ram eles próprios “fo raste iros”, e mu itos dos seus sucessores desde então também foram, como Radcliffe-Brown, “pesquisadores glo bais”, nôm ades, que se m ovim entavam incansavelmente entre universidades e entre casas e sítios d e pesquisa. Su rpreendentemente, muitos eram tam bém m arginais pes soalmente. Alguns eram de srcem estr angeira, como M alinowski e Boas - ou Kroe ber, Sapir e Lowie, que também haviam nascido em países germânicos. Alguns vie ram das colônias, como Fortes, Gluckman e Schapera (da África do Sul), Firth (da Nova Zelândia) e Srinivas (da índia). Muitos, como M auss. Sapir ou Alexand er Goldenweis er, eram judeus. Vários eram mulheres numa época em que o trabalho acadê
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mico ainda era domínio ti picamente masculino - Mead e Benedict são bem conheci das, mas as alunas de Malinowski, A udre y Richards (africani sta importante) e Hortense Powdermaker (autora de um clássico sobre métodos de campo), pertenciam à mesma geração. Diferentem ente do evolucionismo do século dezenove, a antropologia do século vinte era também marginal noocidentais sentido dedeque colocava em situação de igualdade com classe média.“estrangeiros O método dedespreziveis” campo holístico de Malinowski, o relativismo cultural de Boas e a b usca de Radcliffe-Brow n das leis universais da sociedade sugeriam que todas as sociedades, ou culturas, tinham o mesmo valor. O estudo “de baixo para cima” já havia se tomado a marca distintiva do trabalho de campo antropológico. C ontrariamente às outras ciênci as sociais, que mui tas vezes trabalhavam com grandes grupos e populações agregadas, os antropólogos assumiam o ponto de vista das pessoas com quem trabalhavam e eram céticos com relação a decisões tomadas “de cima” por políticos e burocratas que não faziam idéia de como a vida era realmente na cena dos acontecimentos. Ao que parece, nove entre dez antropólogos eram politicamente radicais em um sentido ou outro. O próprio Mauss era um socialista ati vo, em bora de orientação não-marxista. O ataque sistemá tico (e bem-sucedid o) de Boas ao racismo acadêmico tornou-o impop ular entre po lí ticos e n um determ inado mom ento parece ter levado ao congelamento de fundos para novas contrataçõ es em Col ôm bia (Silve nna n 1981: 161). Os livros de sua aluna Margaret Mead, comparando americanos de classe média com habitantes de ilhas do Pa cífic o, tomaram -se best-sellers e inf luenciaram proiund amen te o feminismo e o rad i calismo cultural norte-americanos. E quando Malinowski era aplaudido de pé por platéias que se apinhavam para ouvir suas palestras sobre a vida nas Ilhas Trobriand, em sua tumê pelos Estados Unidos em 1926, a mensagem era clara: o potencial da antropologia para a critica cultural e a defesa dos povos nativos era considerável. Tem sido dito que especialmente antropólogos ingleses se submetiam passiva mente à opress ão de “povos nativos” na África, Ásia e O ceania e at é que cooperavam ativamente com administrações coloniais em contrapartida de fundos para pesquisa (ver Asad 1973). Numa tentativa detalhadamen te pesquisa da para desvendar a ver dade dessa questão de uma vez por todas, Jack Good y (1995) conclui que as acusa ções são infundadas, e George Stocking (1995), importante historiador da antropolo gia, e também Kuper (1996), apoiam as conclusões de Goody. Eles mostram que vá rios antropólogos sociais eminentes criticavam explicitamente o colonialismo. Go ody dem onstra ainda que o Col onial Office [Escritório/Ministério Colonial] e as vá rias administrações coloniais não subvencionavam e nem incentivavam de outras formas a pesquisa antropológica em áreas específicas ou entre grupos específicos.
H ist ór ia d a antropologia
Goody explica que as pesquisas de campo eram quase sempre financiadas por funda ções americanas. E verdade que uns poucos administradores coloniais receberam treinam ento de M alinowski, de Radcliffe-B rown e de antropólogos de Cambridge, e existem alguns exemplos esparsos de pesquisas custeadas pelo Escritório Colonial. No geral, porém, os administradores coloniais eram indiferentes com relação aos an tropólogos e vice-versa (Stocking 1995: cap. 8; Kuper 1996: cap. 4). No entanto, pode-se ainda dizer que os antropólogos britânicos tendiam a inte ressar-se por pesquisas que direta ou indiretamente legitimavam o projeto colonial. O interesse pela organização política na África, por exemplo, parece um aliado per feito para os administradores de um governo indireto (embora, novamente, existam poucas evidências de que essa pesquisa tenha sido levada a sério e aplicada). A quase total falta de interesse pela política e pela economia entre os alunos de Boas pode igualmente refletir o fato de que a organização soc ial srcinal dos índios no rte-ameri canos fora perdida, na maioria dos casos; a cultura simbólica era tudo o que restava para os antropólogos estudarem. Sempre foi e continua sendo um fato que os projetos de pesquisa são elaborados em contextos históricos específicos e que eles próprios contêm as marcas desses contextos. Talvez seja bastante fácil entender a posição marginal da antropologia. A d isci plina recrutava um tipo particular de pessoa que podia desenvolver (ou pelo menos tolerar) um trabalho de campo prolongado sob condições desconfortáveis ou pouco atraentes. Desde a permanência de Malinowski entre os trobriandeses, esse era o nome do jogo . O próprio objeto da antropologia não era bem conhecido: sistemas de parentesco na África, redes de troca na M elanésia e danças rituais norte-americanas não pareciam fazer parte da ciênci a predominante. Com todas essas tendências fragmentadoras e individualistas, é realmente im pressionante que a antropologia, no decorrer dos anos que estamos examinando ago ra, alcançasse uma posição acadêm ica respeitáv el. O carisma se t ransformara em ro tina com sucesso. Veremos na seqüência como esses processos se desenvolveram nos principais paises. Oxford e a LSE, Colúmbia e Chicago Em 1930; havia efet ivamente apenas um centro acadêmico da nova antropologia na Grã-Bretanha, com sede na London School of Economics e dirigido de 1924 a 1938 por Malinow ski, sob o olhar beneplácito de Seli gman. N a LSE M alinowski en sinou a quase t oda a geração segu inte de antropólogos britânicos: Firth, Evan s-Pritchard, Powdermaker, Riehards, Schapera , Fortes, Leach e Nadei são alguns dos no
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mes mais ilustres. A dependência de uma única pessoa naturalmente tornou o meio vulnerável, mas de pois da partida de Malinow ski para os Estados U nidos a continui dade foi assegurada por intermédio de Firth, um fúncionalista malinowskiano que permanecera na LSE desde que ali entrara como aluno em 1923. Em Oxford, a velha guarda reinou até meados da década de 1930, quando Eva ns-Pritchard e depois Radcliffe-Brown chegaram para construir um refúgio para o estrutural-funcionalismo. Em Cam bridge, no passado u m pólo do s aber antropológico na Inglaterr a, Eladdo n e Frazer presidiram até a II Guerra Mundial; aqui a antropologia só recebeu novo alen to com as nomeações de Fortes e L each nos anos 1950. Em 1930, porém, tudo isso ainda era futuro. Evans-Pritchard realizava trabalho de campo no Sudão e mais tarde assumiria um a função ligada à sociologia na U niver sidade do Cai ro. Radcliffe-Brown ainda estava em Sydney e em breve iria para C hi cago, onde perm anecer ia seis anos. O aperfeiçoamento institucio nal mais im portante na antropologia da Inglaterra no início da década de 1930 foi certamente a fundação do Instituto Rhodes-Livingstone, em Livingstone, Rodésia do Norte (atual Zâm bia), por um grupo de jovens estudiosos sob a liderança de Godfrey W ilson. Entre os pri meiros pesquisadores estava um sul-africano, M ax Gluckman (1911-1975), que nas décadas seguintes dirigiria uma série de estudos pioneiros de mudança social na África do Sul (capítulo 5). A estada de Rad cliffe-Brow n em Chicago na década de 1930 foi muito fecunda no sentido de que estimulou a formação de um grupo de antropólogos não-boasianos numa excelente universidade americana. O departamento em que ele trabalhava agrupava as áreas da sociologia e da antro pologia. Alguns so ciólogos desse departa mento haviam aplicado métodos etnográficos em seus estudos da vi da urbana, da mi gração e das relaç ões étnicas. A antropo logia de tendências sociológicas de Rad clif fe-Brown receb eu boa acolhida nesse grupo, e ele foi fonte de inspiração importante para Robert Redíield, Sol Tax e Ralph Linton, entre outros. O centro indiscutíve l da antropologia americana, porém, ainda estava sediado na Cidade de Nova York, na Universidade de Colúmbia, onde Boas imperava soberano. Em 1930 ele terminara de preparar seu segundo grupo de alunos. Do primeiro grupo, formado pelos que obtiveram o doutorado entre 1901 e 1911, o alemão Kroeber e o austríac o Lowie haviam saído de Colúmbia para criar o Departamento de Antropolo gia em Berkeley. O ucraniano Alexander Goldenweiser havia sido contratado pela New School o f Social Research em Nova York. O quarto, Edward Sapir, nascido na Alema nha, havia f undado a etnolingüística e se tom ado p rofessor em Ch icago - e o quin to, o polonês Paul Radin, passou de universidade em universidade e escreveu etnografias inovadoras (admiradas por Lév i-Strauss, entre outros) em que os próprios
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informan tes tinham espaço par a expressar suas opiniões, antecipando assim em meio século o movimento “pós-moderno” na antropologia. Em contraste com esse grupo heterogêneo de imigrantes europeus, os alunos da segunda turma de Boas eram estado-unidenses de nascimento e formação. Os mais influentes entre eles foram Ruth Benedict, Melville Herskovits e Margaret Mead. Ap esar dess a concentração dc poder em N ova York, a disci plina teve maior am plitud e e dive rsidad e nos Estad os Unidos do que na Inglaterra. O dom ínio de Colúm bia estava longe de ser ab soluto, e d urante as décadas de 1930 e 1940 m uitos a ntro pó logos influentes sem nenhuma
relação com B oas chegaram no paí s. R edfield (1897-
1958) foi um deles. A especialidade de Redfield eram os estudos camponeses, que ele e se us alunos realiza vam na A m érica Latina, na índia e na
Europ a Ori ental. Outro
foi Leslie A. White (1900-1975), que teve como professores Sapir e Goldenweiser. Wh ite estabeleceu-se na Univ ersidade de Michiga n em 1930, onde desenvolveu uma teori a neo-evolucionista
materialista em oposiç ão direta a Boa s. Em tom o da mesma
época o sociólogo Talcott Parsons (
1902-1979) foi contratado por Harvard, onde ele
trabalharia durante mais de quatro décadas numa grande síntese basead
a em We ber e
em Durklieim e que por fim envolveria também alguns antropólogos proeminentes. Linton (1893-1953), que havia estudado em Harvard nos anos 1920 e representava outras peculiaridades da herança boasian
a diferentes das d e Benedict, assum iu o m a
gist ério em Colúm bia em 1937. No m esmo ano George P. Mu rdock (1897-19 85) co meçou seu magnum opus na Universidade de Yale: o
Human Relations Area Files
(HRAF), um imenso banco de dados de traços culturais de todo o mundo que tem sido usado e também criticado por pesquisadores durante meio século. A medida que as condições políticas na Europa se deterioravam e a II Guerra Mundial se aproximava, estudiosos europeus consagrados emigraram para os Esta dos Unidos, e não apenas judeus das áreas de língua alemã, embora esses fossem o grapo mais numeroso. Um desses foi o próprio Malinowski, que passou alguns anos em Yale antes de morrer. Outro foi o antropólogo inglês Gregory Bateson (19041980), que forjou os prime iros elos entre o estrutural-funcionalism
o (por ele critica
do já em sua pr imeira m onografia em 1937) e a antropologia de orientação mais psico lógica representada por Benedict e Mead (esta, a propósito, veio a ser a primeira mu lher de Bateson, e ele o terceiro marido dela). Ou tro exemplo ainda foi o húngaro K arl Polanyi (1886-1964), que havia sido professor de História
Econ ômica em Manchester
antes de mud ar-se para No va York em 1940. Alguns anos m ais tarde Polanyi seri a em pregado como historiado r em Colúmbia, onde in sp iraria Ju lian Stew ard, um aluno de Rro eber e Lowie em Berkeley
que depoi s desenvolveria um ramo de
neo-evol ucio-
nismo materialista, de orientação histórica, no antigo departamento de Boas.
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Examinaremos alguns desses desdobramentos mais detalhadamente. Antes, po rém, é necessário dirigir a atenção para a antropologia francesa do século vinte na véspera de sua rotinização. A expedição Dakar-Djibuti
Os antropólogos franceses da geraçã o intermediária - mais joven s do que van Gennep e Mauss, mas mais velhos do que Lévi-Strau ss e Dumont - em geral sã o ne gligenciados nos registros anglófonos da história da antropologia. De fato, pode-se facilmente ter a im pressão de que a antropologia fra ncesa passou por uma distorção temporal entre The Gift em 1923-1924 e o notável livro de Lévi-Strauss sobre o pa rentesco em 1949. De fato, a antropologia francesa estava prosperando, e de muitos modos ela era mais divertida e intelectual mente aventureira do que suas correspon dentes anglo-saxônicas. Uma figura de destaque foi Marcei Griaule (1898-1956), aluno de Mauss e professor de Antropo logia na Sorbonne desde 1943. Depois de u m breve período de trabalho de campo na Abissínia (Etiópia) em 1928, que resultou em alguns livro s, Griaule teve a oportunidade de coordenar um projeto de pesquisa a m plo, coletivo, abrangendo grandes áreas do Império Francês na África. Em 1931 a Assembléia Nacio nal Francesa havia decidi do des tinar recursos para um a expedição de Dakar a Djibuti com o objetivo de estimular pesquisas etnográficas na região e também coletar objetos para o museu etnográfico de Paris. A expedição, que durou 22 meses entre 1931-1933, incluiu vários antropólogos franceses que mais tarde da riam contribuições importante s. Nas prim eiras etapas da expedição Dakar-Djibuti, Griaule e sua equipe visitaram o povo dogon em Mali, e essa visita seria decisiva para sua futura carreira. Sua obra posterior consistiu em grande parte em estudos detalhados desse povo, dando espe cial atenção à sua cosmologia, excepcionalmente complexa (Griaule 1938, 1948). Vários outros antropólogos franceses também estudaram os dogons, e assim este é um dos povos africanos mais estudados. A propósito, o método de pesquisa de cam po francês divergia dos ideais da observação participante promovidos na LSE e que em pouco tempo se toma ram a prática ac eita tanto na Inglaterr a como nos Estados Un i dos. Os franceses empregavam rotineiramente assistentes e intérpretes nativos e se relacionavam com seus informantes de uma forma mais formal do que os ingleses e americanos, cujo ideal era participar o máximo possível da vida cotidiana. Os antropólogos haviam começado a usar filme e fotografia em suas análises num estágio bem inicial. Haddon e Boas foram pioneiros na utilização do filme etno gráfico, e Mead e Bateson realizaram um estudo fotográfico complexo em Bali (Ba-
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teson e Mead 1942) na déc ada de 1930. G riaule continuou e expan diu essa tradição quando colaborou com o cineasta Jean Rouche durante seu trabalho com os dogons. Rouche se tomou um dos fundadores da escola do cinema vérité (cinema verdade) em film e etnográfico, um gênero que in tegra o antropólogo e a equip e de filmag em no filme, com o objetivo de oferecer uma descrição mais objetiva das circunstâncias no cenário e no ambiente de filmagens. Michel Leiris ( 1901 -1990) e Rog er Caillois (1913-19 78) com eçaram suas carrei ras antropológicas nos anos 1930. Ambos tiveram uma influência marcante sobre a vida intel ectual francesa —embora talvez m ais intensamente na área das hum anida des do que na das ciências soci ais - mas fora d a França o trabalho deles é pouco co nhecid o. L eiri s e C aill ois conheciam a sociologia d e D urkheim e de Mauss, mas tam bém tinh am vínculos estreitos com o filósofo Georges Bataille, e eram considerados integrantes do mo vimen to surrealista nas art es. Caillois é famoso por seus estudos do ritual, do mito e da relação entre o sagrado e o profano. Ele se dedicou a esse tema durkheimiano através da análise de tabus em sociedades divididas em moieties (me tades endógamas). Depois da expedição Dakar-Djibuti, Leiris, que além de antropó logo era r om ancista, poeta e críti co de arte, pub licou L 'Afrique fantô m e (1934; In vi sible Africa) . A obra é uma narrativa de viagem vivamente filosófica e etnográfica que oferece uma descrição s ubjetiva de um a série de encontro s com realidades estra nhas e maravilhosas. O autor també m reflete sobre os problemas que o etnógrafo en frenta quando seu trabalho de tradução cultural o envolve em relações de poder nas sociedades por ele estudadas. Como as etnografias de Radin, Invisible Africa anteci pa o “p ós-m odernismo” ou “a virada reflexiv a” de meio século na antrop ologia e se coloc a nu m dos extremos da disciplina, com a “ciência natural da sociedade” de Rad cliff e-Brown no outro. Em algum ponto entre esses dois extremos situa-se o trabalho do missionário pro testan te Maurice Lee nhardt (1878-1954) . Leenhardt, um antropól ogo autodidat a, rea lizou um dos estudos de campo mais comp letos na história da discipl ina, entre os canacas da Nov a Caledónia , uma colônia frances a na Melanésia. Le enhardt permaneceu lá de 1902 a 1926, e associou uma carreira bem-sucedida como missionário a uma pes quisa de campo sistemática e a uma defesa apaixonada da cultura canaca no contexto do imperial ismo. De volta à França, Lévy-Bruhl e M auss ajudaram Leenhardt a encon trar um emprego acadêmico, e em 1941 ele sucedeu Mauss como professor na École Pratique des Hautes É tudes. A obra volumosa de L eenhardt sobre os canacas, publi ca da em seis volumes entre 1932 e 1947 (Leenhardt 1937 foi uma síntese antecipada), não só é notável por sua ri queza etnográfi ca, mas é também m uito sofisticada no trata mento da tradução cultural no contexto do imperialismo, tópicos que só chegaram à corrente principal da antropologia anglo-americana na década de 1960.
4. EXPANSÃO E INSTI TUCIONALIZAÇÃO
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Durante as décadas de 1930 e 1940 a antropologia francesa se desenvolveu era isolamento quase completo com relação às tradições britânica e americana. Mas mesmo então havia alguns elos indire tos. Paul Rivet (1876-1958), um sul-ameri canista que introduziu estudos sobre a Amazônia na antropologia francesa, passou a II Guerra Mun dial cria ndo institutos de pesquisa no M éxico e na Colômbia, onde cola borou com antropólogos norte-americanos. Alfred Métraux (1902-1963), que havia estudado com Mauss, emigrou para os Estados Unidos nos anos 1920, onde se nota bilizou como um dos especialistas mais destacados sobre os índios da América do Sul. Ele foi colaborador importante do monumental Handbook o f South American Indians (1946-1950), editado por Julian Steward. No período da guerra outro jovem antropólogo francês esteve na Am érica do Sul; ele trabalhou como professor de Sociologia na Universidade de São Paul o e d e pois passou a maior parte da TI Guerra Mundial estudando as principais obras etno gráficas da escola de Boas sobre os rádios norte-americanos. Já nos primeiros anos do pós-guerra, Claude Lévi-Strauss surg iria como um a das figuras mais importantes da história da antropologia (capítulo 6). n
Cultura e personalid ade Se Boas, por um lado, alimentava interesses bem abrangentes, seus alunos, por outro, tendiam à especia lização. Cada um seguiu uma parte do projeto global do mes tre, e por isso todos podiam, com igual legitimidade, considerar-se verdadeiros boasianos. No entanto, ouve-se freqüentemente dizer que a linha de sucessão direta vai de Boas à escola da cultura eperso nalidade de Ruth Benedict (1887-194 8) e Margaret Mead (1901-1978). Quaisquer que sejam os m éritos dessa visão, o fato pel o m e nos é que Benedict estava ligada a Boas institucionalmente, pois ela trabalhou em Colúmbía toda sua vida e assumiu a cátedra de Boas depois da morte do mestre. Mead também tinha seu centro de operações em Nova York. Como Boas, as duas mulheres eram figuras públicas de grande visibilidade. Os livros que elas escreviam eram lidos por um público maior do que o de qualquer antropólogo anterior. Mead era ta mbém um a palestrante ávida de plat éias popu lares, o que lhe atra iu notoriedade ainda maior. A razão de todo esse apelo devia-se em par te ao fato de que ambas eram boas escritoras que escreviam de fonna acessível e em parte porque tinham a capaci dade de instigar a identidade cultural e pess oal do leitor com contrastes surpreenden tes e comparações impressionantes. Como m uitos alunos de Boas, Benedict e Me ad davam pouca atenção aos aspec tos políticos e econômicos das sociedades que estudavam, concentrando-se em vez disso nas relações entre fatores psicológicos (personalidade, emoções, ‘"caráter”) e
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nas condições culturais
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, com o sociali zação, papé is de gênero e valores . Essas ques
tões estavam quase totalmente ausentes da antropologia inglesa contemporânea. O pro blem a fu nd am en tal que M ead e Benedic t p ro cu ra vam reso lv er era o de saber até que ponto as características mentais humanas são inatas e até que ponto são adquiri das. B oas hav ia sustentado que a mera qu
antidade de variação cultural entre os sere
hum anos é um a forte indicação de que a cultura não é inata, e
s
Bene dict e Mead tam
bém eram co erentemente “c ulm ra listas” em sua orientação. Ao afirmar que em oções e cultura est ão interl igadas, Bene dict deu um passo bas tante radi cal. A cultura era t ida como um fenôme no vivido em com um, colet ivo, en quanto as e moçõ es eram con sideradas como vivências individuai
s. A visão predom i
nante, pri ncipalm ente na antropolog ia ingl esa, era que a s emoções não tinham
abso
lutamente nenhuma relação com a sociedade (além disso, eram vagas, femininas e não-cientí ficas) . Mead e Benedict, pelo contrário, afirmavam
que padrões de emoção
também podiam ser compartilhados, que também faziam parte da cultura. Embora grande parte da obra das
duas a ntropólogas tenha m ais tarde sofrido crít icas severas,
não há dúvida de que elas deram
os pri meiros passos efeti vos para instit uir uma an
tropologia psicológica, depois seguidos por muitos antropólogos (especialmente americanos). O mesmo aconteceu com o interesse das duas pela educação de crian ças e pela socialização, temas que na concepção tituíam matéria
dos antropólogos ingleses não cons
de estudo.
Bene dict era proveniente de um am biente de classe média sólido e só se dedicar à antropo logia depo is dos 30 anos de idade, sob a tutela
come çou a
de Boas e Golden-
weiser. Ela realizou alguns trabalhos de campo entre os índios norte-americanos (como a m aioria dos antropólogos
americanos da época), mas
sua influência se de ve
princip alm ente a dois livros que não são mono graf ias etnogr áficas , mas co mpara ções em larg a escala: Patte rns o f Cultu re (1934), um dos
livros mais lidos em antro
po logia, e The Chrysanthemum an d the Swo rd (1946). Em sua obra
comparativa, Be
nedict na verdade distanciou-se de Boas, que desconfiava das grandes com Isso não signifi ca, porém, que ela se t om ou mais aceitável do que, digam
parações. os, Radclif-
fe-Brown, cujo estilo de comparação rígido e sistemático era muito diferente das comp arações am plas, impressionist as, propostas po r Benedict. Em Pa tterns o f Culture Benedict desenvolveu a idéia de que a cultura pode ser analisada como um
padrão macropsícológico.
Em vez de catalogar a substância da
cultur as, ela procurava id entificar a configuração da “personalidade” coletiva
da cul
tura, o “estilo em ocio nal” ou a “e stética” com que ela pe rme ava a ação, a emoção e o pe nsamento. Benedict r efe ria-s e à “per so nalidade cu ltural” com o ethos.
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Um dos principais contrastes empíricos em
Patterns o f Culture é o que é feito en
tre duas tribos indígenas norte-americanas, os zunhis e os kwakiutls. Os zunhis ti nham um forte senso de solidariedade grupai, a liderança política não era autoritária, os rituais não eram dramáticos e as práticas de educação de crianças eram brandas. Os kwakiutls , ao contrário, eram um povo de excessos e exageros
- sua famosa insti
tuição do potlatch, a que Boas e Mauss haviam dedicado grande atenção, era uma competição agressiva, espetacular, com entrega de presentes indicati vos de ousadia e arrogância. Benedict qualificava o ethos desses individualistas ambiciosos e hedo nistas como dionisíaco, enquant o os pacíficos zunhis eram apolíneos (os dois concei tos der ivam da mitologia grega, passando p
or Nietzsche). Bened ict também procura
explicar como um ethos se relac iona com prática s e instituições sociais, e nessas pas sagens ela se aproxima das idéias holísticas dos estrutural-funcionalistas. Durante a II Guerra Mundial, Benedict recebeu a mcumbência de escrevei um relatório sobre o caráter nacional japonês, impossibilitada de realizar trabalho de campo no Japão (e não sabendo ler japonês), ela baseou suas conclusões na
liter atura
existente e escrev eu o best-seller The Chrysantemum and the Sword, ainda hoje mui to respeitado entre os asianistas orientais. O livro procu
ra descr ever o ethos da cultu
ra japo nes a e estabelece uma tensão psicológica fundamental nessa cultura entre a vio lência brutal e o estetismo delicado. Durante a guerra M ead se dedicou a int eresses semelhantes num projeto com para tivo de larga escala explorando o “caráter nacional” de vários paíse s. Me ad afirmava que as nações desenvolviam “tipos de per sonalidade” - ethos nacionais, associados a atitudes , valores e estilos de comportamento particular es. Esse co nceito já era contro verso na época de Mead e atualmente é mais polêmico ainda. Nào obstante, a idéia de caráter nacional nunca desapareceu da antropologia e ela volta à tona na nova pesquisa sobre o nacion alism o que come çou na década de 1980 (ver capítulo 8). Os pais de Mead eram ambos cien tistas sociais, e ela cresceu num a fam ília li bera l, to le ra nte , in te le ctu al, em constante deslocamento de um lugar para outro. Enquanto Benedict era uma personalidade reservada e às vezes retraída, Mead era uma jov em de 24 anos e cheia de autoconfiança quando embarcou para realizar tra balho de campo em Samoa. Mais tarde, ela fez trabalho de campo na Nova Guiné e em Bali. O estudo fotográfico realizado em
Bali, em conjunto com B ateson (Bateson
e Mead 1942), é uma tenta tiva de descr ever e analisar a linguage m corporal. Os auto res par tem do princípio de que as “emoções coletivas”
do ethos se ex pressavam ness a
linguagem e que o estudo que desenvolviam daria substância empírica às postula ções (ba stante especu lativas) de Benedict. Pelo fim da décad a de 1970 um a idéia se-
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melhante, com a denominação de
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habitus, foi proposta (e fundamen
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tada com sofist i
cação teórica muito maior) pelo antropólogo francês Pierre Bourdieu. Mead foi uma propagadora e palestrante influente durante toda sua carreira. Sua mensagem às platéias ocidentais era simples: se a cultura modela a personalidade, então é poss ível mud ar a personali dade m udando a cult ura. No seu pri meiro
best-sel-
ler, Corning o f Age in Samoa (1928), ela comparou o estilo "livre” de socialização em Samoa com o estilo rígido e autoritário da classe média americana, mostrando que as jovens samoanas eram mais livres e felizes do que as americanas. Com
Gro-
wing up in New Guinea (1930) e Sex and Temperament in Three Primitive Societi es (1935), seu livro sobre Samoa está, ao lado de
The Golden Bough, Pa tterns o f Cultu-
re e Tristes Tropiques (1955) de Lévi-Strauss, entre as obras mais influentes e mais universaknen te lidas já produzidas p or antropólogos . Como antropóloga e pessoa, Mea d nunca deixou de ser
polêmica. C omo M arx,
ela era a o mesm o temp o pesq uisado ra e at ivista, e essas duas orientaçõe s de sua vida estavam indissociavelmente entrelaçadas, o que é uma (mas não a única) razão por que sua obra acadêmica é freqüentemente criticada. A comparação com Marx, por improv ável que possa parecer, não é totalme nte gratuit a. Me ad foi uma "luz” orienta dora do feminismo americano e suas idéias inspiraram a opinião liberal americana por várias geraçõ es. Sua influê ncia sobre a antropologia ac adê mica foi men os m ar cant e. Talvez o aspecto pelo qual el
a e Benedict serão sempre lembradas se
ço que am bas fizeram para co nsolidar a antropologia psicológica como
jao esfor subdis cipli -
na. Como Rivers antes dela, Benedict estava muito adiante do seu tempo para ser bem-s uce dida em lança r os fund am en tos teór icos d esse em pr eendimen to. Diferen te mente de Rivers, porém, Benedict e Mead tiveram sucesso em criar uma escola de pesq uisa antropológica qu e depois se tra ns mutou em vá ria s escolas de an tropologia simbólica e psicológica. Para muitos coleg as de Mead , os livros dela não eram científicos. Ela era critica da por fazer inferências infundad as sobre estados men tais e po r genera lizar com base em dados inadequados. Seus contemporâneos britânicos estavam vis
ivelmente ch o
cados. Evans-Pritchard, provavelmente de modo preciso, fez eco às conversas cor rentes em Oxford na época quando descreveu
Corning o f Age in Samoa como “um li
vro di scu rsivo, ou talvez eu devesse d izer tagarela e fem
inino, com tendên cia para
o pitoresco, o que eu chamo de escrito antropológico do tipo farfalhar-do-ventonas-palmeiras, um modismo introduzido por Maíinowski” (Evans-Pritchard 1951b: 96). Como implica a citação, Me ad era em parte criticada po
r ser mulhe r (de sucesso
extraor dinário) . Um a objeção mais sér ia, q ue analisaremos minuciosam
ente no capí
4. E xpansão
.,81)
e inst it uci ona l izaçã o
tulo 7, era que o trabalho de campo po r ela realizado era superficial e suas conclusões fundamentais, confusas (cf. Freeman 1983; M.C. Bateson 1985). Não foram apenas Benedict e Mead que prom overam a antropologia psicológica. Ralph Linton, um dos membro s do seleto grupo de antropólogos am ericanos que não eram alunos de Boas, é hoje mais bem lembrado por seu trabalho em microssociologia. Ele, porém, desenvolveu também
uma forma de antropologia psicológica em co
laboração com o psicanalista Abra ham Kardiner. Linton e Kardiner refutaram a idéia de Benedict de que culturas são “personalidades
em escala ampliada” . Em The Indi
vidual and His Society (1949) eles sugerem que práticas específicas de socializ ação e de educação de crianças geram problemas de personalidade que se expressam na or ganização da sociedade, que, por sua vez, am
plifica os problemas srcinais. Profun
damente crítico dos ensinamentos de Radcliffe-Brown em Chicago, por ele conside rados reducionistas , Linton defendia uma definição ampla de c ultura em que a psico logia ocupava lugar de destaque. História cultural
Vários colaboradores e alunos mais próximos de Boas tiveram interesses dife rentes dos de Benedict e Mead. Um exemplo relevante disso foi Kroeber, filho de um a família jud ia alemã, de class e méd ia alta de Nova York, e pri meiro aluno de Boas. Depois de criar um dos grandes departamentos de antropologia americanos em 1901 e de fun dar um dos museu s etnográ ficos mais importantes do mundo, Kroe ber continuou a trabalhar na Universidade da Califórnia em Berkeley até
1946. Como
Boas, Kroeber era um f az-tud o antropológico, mas seu principal interesse era a histó ria cul tural, e ele escreveu vários estudos históricos volumosos sobre
civili zações eu
ropéias e não-européias. Seu colega de longa data em Berkeley, Lowie, também se dedicava a essa área, mas acrescentou-lhe uma pitada
de evolucionismo materialist a,
o que em pouco tempo inspiraria o aluno de maior evidência de ambos, Julian Steward, a conclusões mais polêmicas. No decorrer de sua longa carreira acadêmica K roeber coletou uma enorme quan tidade de dados sobre os indígenas norte-americanos. Seu
Handbook o fthe Indians
o f Califórnia (1925) é um volum e etnográfico de 1.000 páginas, e em sua obra poste rior, Cultural and Natural Areas ofN ative North America (1939), ele ressalta a im portância da história para uma com preensão das culturas nativas. Essas preocupa ções estavam naturalmente ausentes da antropologia britânica na época. Ainda num estágio inici al, Kroeber havia manifestado
sua insatis fação com o método com parati
vo traço a traço que os evolucionistas haviam introduzido e que
ainda estava em uso,
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especialmente na antropologia alemã (embora o próprio Boas o aplicasse às vezes). A comparação traço a traço era uma abordagem superficial. As culturas eram todos orgânicos (num sentido quase durkheimiano) que não podiam ser d
ecompostos em
suas partes componentes sem perder seu significado. Kroeber se referia ao todo cul tural como o superorgânico , um sistema integrado que era mais do que biológico, e no entanto parecia ter sua própria dinâmica interna, quase viver sua própria vida. Com efeito, Kroeber é muitas vezes considerado um coleti vista metodológico extre mo. Assim, em seu artig o “The Sup erorga nic” (1917, reimpresso em Kro eber 1952), ele mostra que muitas vezes inovações
são pr oduzidas independentemente por pes
soas distintas em lugares diferentes. Essa constatação, diz ele, evidencia que as cul turas têm dinâmica própria, autônoma, independente dos indivíduos. Embora Boas tivesse trabalhado com idéias semelhantes ainda em 1896, tanto ele como vários outros colegas próximos achavam que Kroeber estava indo muito longe. A cultura não era um objeto independente dos seres humanos. Ela não pode ser reificada. Kroeber deve ter levado essa crítica a sério, pois sugeriu algumas con cessões pelo fim de sua longa carreira. Na década de 1950 Kroeb er colaborou em vários projetos (com Parsons e outros) e sua última contribuição para a antropologia americana foi um grande projeto de pes quisa interdisciplinar em que os antropólogos estudariam a “cultura” e os sociólogos estudariam a “sociedade”. Esse projeto incluía dois jovens entre seus participantes, David Schneider e Clifford G eertz, apresent ados mais detalhadamente no capítulo 6.
-> Etnolingüística Outro ramo do tronc o boasiano foi a síntese entre lingüística e antropologia reali zada por E dward Sapir. Sapir era mais um imigrante
judeu-alem ão nos Estados Uni
dos, embora chegasse ainda criança. Ele estudou várias línguas indígenas americanas, passou 15 anos trabalhando no Museu Nacional do Canadá em Ottawa e foi responsável pelas coleções etnográficas na Universidade de Chicago. Depois ele se mudou para a Uni versidade de Yale, onde fundou e dirigiu um novo departamento antropológico até sua morte prematura. Sapir é considerado o pai da etnolingüística moderna e sua principal obra, Language (1921), ainda é ponto de referência na lingüística antropológica. Com seu al uno e depois colega, Benjamin Lee W
ho rf (1897-1941), Sapir desen
volveu a assim cham ada hipó tese Sapir-W liorf sobre a relação entre língua e cultura. Segundo Sapir e Whorf, as línguas diferem profundamente em sua sintaxe, gramáti ca e vocabulário, e essas diferenças imp licam distin ções profundas no modo como os usuários dessas língu as percebem o mundo e nele vivem. Assim, um falant e hopi per
4. Expansão
e inst it uci ona l izaçã
83
o
ceberá um mundo diferente daquele percebido por um europeu de língua inglesa. A língua hopi é pobre em substantivos e rica em verbos, favorecendo uma visão de mundo rica em movimento e processo, mas pobre em coisas. As línguas européias, em contraposição, têm mais substantivos e menos verbos, fato que as orienta para uma visão de mundo voltada para objetos. A hipótese Sapir-Whorf recebeu muitas críticas ao longo dos anos, algumas rem iniscentes das críticas à “ menta lidade prim i tiva” de Lévy-Bruhl. Ainda assim, como notou Bateson, o maio r problema pode ser que a hipótese n ão pode - em um ní vel ou out ro - não ser verdad eira. Obviam ente, a língua influencia o pensamento;
a única questão é até que ponto e de que mod
o essa
influência se expressa. Durante muitos anos o estudo da língua e da cul tura continuou sendo uma especi alização puramente americana, mas desde a guerra, e especialmente desde a década de 1980, o campo se expandiu de modo extraordinário. A hipótese S
apir-W horf pas
sou a fazer parte da antropologia inglesa no início dos anos 1960, durante o assim chama do Rationality Debate (Debate da
Racion alidade), quando filósofos e antropó
logos discutiram os problem as da tradução intercultur al (capítulo 6). Sapir concebia a cultura de modo diferente de Kroeber e também de Benedict e Mead. Kroeber via a cultura como um superorganismo, quase possuindo vida pró pria. M ea d e Benedict a viam como um padrão co letivo de valores e práticas rep rodu zido por socialização. S apir não negava que a cultura deixa sua marca nos valores e nas visões de mundo, mas a considerava como menos mon
olítica e integrada do qu e
seus contemporâneos. A grande maio ria das i déias é contestada, observou ele, e por isso podem os ver a cultura como fonte de divergências, mais do que de consenso. O que chamamos de cultura são regras subjacentes, tidas como naturais, que tomam a divergência possível. Anos mais tarde idéias semelhantes exerceram um papel im portante nos grandes debates sobre teoria da cultura que começaram nos anos 1970 e chegaram ao auge (temporário) no iní cio dos anos 1990. A circu nstância de Sapir ser muito pouco citado ness es debates só pode ser entendida como um caso grave de am nésia coletiva.
A Escola de Chicago Boas ainda vivia quan do com eçaram a ser executados inúmeros projetos de
pes
quisa que de um m odo ou outro continuavam suas idéias. Com o tempo, alguns des ses projetos divergiriam radicalmente das convicçõ es de Boas - fato que se aplica d e modo especial ao movimento neo-evolucionista das décadas de 1950 e 1960. Mas mesmo q uando os alunos discordavam do mestre, sua influência continuava presen-
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te, pelo menos indiretamente, em quase tudo o que eles faziam. O interesse de Boas pela história cultural, pela difusão, p ela língua, pe los sím bo los e pela ps icolog ia tor nou a a ntropologia americana muito mais div
ersifi cada do que a européia .
Mas como observamos acima, havia nos Estados Unidos um bom número de antropó logos cu ja li nhagem intelectual não incluía Boas, e
o grupo em Chica go, or
ganizado po r Park e Thom as nos anos 1890, era o melho r exem plo disso. O desafio urgente para os pri meiros sociólogos de Chicago era comp reender as rel ações étni cas (ou as “relações raciais” como eram então chamadas) no caldeirão fervente da Chicago metropo litana que recebia um enorme influxo de i
migrantes - negros do
sul, judeus, irlandeses, escandinavos, italianos, poloneses. O cadinho americano eliminaria as fronteiras entre esses grupos ou eles continuariam a existir como co munidade s separadas, mesmo depois de terem sid
o integrados num mercado
de tra
balho comum ? R etrosp ectivam en te, tu do in dic a que essa pesq uisa esteve dé cadas à frente do seu te mpo. Ela constituía a antropologia urbana numa épo tropologia ainda era sinônimo de estudo de comunidades pequ “rem otas” ; e constit uía estudos de etnicidade num tem
ca em que a an
enas, de preferência
po em que o t ermo “etnicida-
de” ainda não hav ia si do cunhado. A parte os estudos de comunidades locais na metrópole, a Escola de Chicago é conhecida por suas pesquisas sobre sociedades camponesas na A Europa Ori enta l e - um pouco mais tar de - na índia. Os ram suas raízes em estudos anteriores de comunidades gos, hist oriadores e economistas europeus
mérica Latina e na
estudos do campesinato tive rurais reali zados po r sociólo
orient ais. Um dos mais renomados dentre
esse s foi Alex ander Chayano v (1888-c . 1938), que desenvolveu
uma teoria de eco
nom ia campon esa em tom o do período da I Guerra Mundial. Chayanov, morto num dos expurgos de Stalin, era quase desconhecido no Ocidente até a década de 1950. Em parte de su a teoria el e pergunta po r que é tão di fícil fazer com que os camponeses prod uzam tendo em vista o lucro, e conclui que eles têm uma econom ia marginal, de subsistência, que os impede de assumir riscos. Por simples que possa parecer, essa formulação teve conseqüências determinantes para os estudos antropológicos do subdesenvolvimento.
Outro europeu orienta l importante , qu e influenciou diretamen
te a Escola de Chicago, foi o poeta polonês e sociólogo rural Florian W. Znaniecki (1882-1958). Znaniecki eW Chicago, trabalharam em
illiam Thomas, um dos fundadores do departamento em
estrei ta colaboração, e enquanto Znaniecki estava
cago, eles concluíram seu grande empreendim
em Chi
ento conjunto, o mo nume ntal The Po-
lish Peas ant in Euro pe and America. (1918-1920) , em cinco vo lumes - inegavelmen te a “mãe” de todos os estudos do campesinato.
4. EXPANSÃO E I
NSTITUCIONALIZAÇÃ
O
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Em 1934 Robert Redfield (1897-1958), o primeiro dos sucessores de Thomas e Znaniecki, já ocupava seu posto em Chicago. R edfield, que praticamente nasceu e foi criado n a Escola de Chicago, foi primeiro influenciado pela Escola de Boas du rante a estada de Sapir em Chicago de 1925 a 1931, e depois por Radcliffe-Brown. O próprio Redfield realizou trabalho de campo no México e dirigiu vários projetos na América Central. Teoricamente, suas pesquisas se concentravam em duas questões: primeira, as sociedades camponesas têm sua própria cultura ou seu modo de viver é simples mente produto d a necessida de econômica? Redfield res pondeu que os cam poneses tinham culturas próprias, exatamente como qualquer outro grupo humano, e que ele não via os modos de vid a híbridos deles como m enos autênticos do qu e os de outras culturas. Segunda, Redfie ld perguntou como dados sobre a vida camponesa local poderiam ser integrados co m dados sobre processos no nível regional, nacional ou global. Como o termo “campo neses”, conforme usado n a antropologi a, quase sempre denota comu nidades de agricultores de subsistência que são também participantes marginais em processos não locais de política e troca, suas comunidades não podem ser estudadas como se por fossem auto-sustentáveis. Redfield propôspopula inicialmente tratar essa situação meioisoladas de um ae dicotomia simples entre cultura r [folk culture] e cul tura urbana [urban culture], ou “pequenas tradições” (loc ais, transmitidas oralniente) e “grandes tradições” (não locais, letrada s). Essa classifica ção se b aseava em critérios culturais e quase não tinha relação com aspectos econômicos e políticos da vida cam ponesa, um fato que foi muito criticado pelos estudantes da vida camponesa de orienta ção rnais materialista que surgiram na década de 1950. Numa fam osa controvérsia na antropologia americana, Oscar Lewis questionou as conclusões de Redfield, ao estu dar novamente a aldeia mexicana onde Redfield hav ia realizado seu trabalho de campo e chegando a conclusões muito diferentes (Redfield 1930; Lewis 1951). Com o tempo, Redfield reavaliaria suas posições, sugerindo
que cultura popular e
cultura urbana não eram opostos dicotômicos , mas p ólos extremos de um contínuo que incluía cidades de médio porte, e incorporando processos de migração e mod ernização cultural (individualização e secularizaçâo) em seu modelo. Todavia, ele não se dispôs a abandonar sua ênfase na cultura simbólica, uma idéia que ele tinha em comum com muitos outros antrop ólogos americanos. D e fato, o conceit o de cultura de Redfield não era muito diferente do de Benedict. Ele estava interessado em mostrar como o m odo de vida camponês criava um “caráter cultural” ou ethos particular, e não, por exemplo, em desenterrar as estruturas de poder que dominavam a vida camponesa. Os expoentes de Chicago d efinir am uma série de questões de pesquisa que só en traram na antropologia predominante muitos anos depois. No intervalo entre a pri
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meira e a segunda grande guerr a, eles já estudavam etnicidade, urbanização, soc
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de campo nesa e migraç ão. Chicago foi também o berço de uma tradição microssociológica pec uliar que se dedicava a análises detalhadas
da interação pessoa a
pessoa
em ambientes limitados e em gera) de curta duração (por exemplo, dentro de uma instituição). Esse enfoque, às vezes conhecido como
interacionismo simbólico , foi
desenvolvido por sociólogos, dois dos quais exerceriam mais tarde influência consi derável sobre a antr opologia: Erving G offman (1922-1982), conhecido por seus es tudos minuciosos sobre o ritual de interação e por sua obra sobre a representação
[role play], que pouco depois passa ria a fazer parte da corrente principal da antropo logia; e Raymond Birdwhistell (1918-1994), pioneiro no estudo da comunicação intercultural e da linguagem corporal, que deu continuidade aos estudos de Bateson e Mead sobre esses temas. Por que os demais integrantes da comu nidade a ntropológica for am tão lentos em aderir a esses novos projetos de pesquisa? Num nível, a resposta é simples. Nem os imigrante s em Chicago, camp oneses poloneses semi-urbanizados, nem o corpo m édi co de um hospital modern o poderiam ser considerados como possuidores de uma cul tura “verdadeira”, e po r isso eram “inadequados” como objetos de pesquisa antropoló gica. Muito depois que os antropólogos, em sua maioria, perderam o interesse por grandes teorias sobre o “estado srcinal do homem” (como em Rousseau ou Morgan), sobreviveu a idéia de que algumas culturas eram mais “autênticas” do que outras. Tri bos africanas e índios americanos ameaçados atraíam mais os antropólogos do que as culturas híbridas criadas pela modernização.
Essa preferência não era explícita, e Rad-
cliffe-Brown - de sua parte - tinha grande admiração pelo tr abalho da Escola de Chi cago. Mas, além de tudo, os “verdadeiros primitivos” favoreciam um prestigio profis sional maior . E havia ta mb ém boas razões pa ra essas prioridades. Os “verdadeiros pri mitivos” estavam desaparecendo rapidamente da face da terra e constituía tarefa ur gente documentar seu modo de vida antes que fos se tarde demais . Ainda se pode acei tar essa motivação atualmente, visto que todas as generalizações sobre a condição h mana dependem do conjunto mais amplo possível de dados comparativos.
u
“Ciência do parentesco” Apesar da amplitude da pesquisa americana, não é esse o aspecto que de modo geral mais se associa à antropologia das décadas de
1930 e 1940. Lemb ramos, em
vez disso, que os grandes estmtural-funcionalistas ingleses e suas monografias clás sicas, que não somente se fixaram nos “verdadeiros primitivos”, mas ainda descreve ram os princípios estruturais subjacentes à vida desses primitivos de um modo que, em sua elegância formal, era eminentemente “civilizada”. Os autores desses estudos
4. E xpansão
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o
eram principalmente e x-alunos de Malinowski, alguns d
eles mais próximos de Rad-
cliffe-B row n do que outros. Até a déca da de 1950 alguns dentre os homen s mais pro eminentes (nenhuma mulher) desse grupo foram indicados para posições importan tes em universidades britânicas de prestígio. A maioria, constituída principalmente pelos alunos leais a Firth e Malinow ski, teve de esperar até a déca da seguinte. Um dos alunos mais d estacados de Malinow ski, que mais tarde se tomaria o prin cipal defensor do estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown, foi Meyer Fortes (1906-1983), um jud eu sul-afr icano, psicólogo por formaçã o. O rom pimento de For tes com Malinowski nos anos 1930 foi dramático, e motivado não exclusivamente por diferenças acadêm icas. Por exemplo, ao que tudo indica, em 1934 Malinow ski pediu a Fo rtes que fizesse uma declaração por escrito em que con Firmasse que havia emp restado todas as suas idéias do próprio Malin ow ski (Goody 1995: 37). Enquanto Firth, o neozelandês pacato
e pacíf ico, reagia às explosões de Malinowski com
estoi
cismo e ceticismo, Fortes as tomava pessoalmente. De qualquer modo, à época da publicação do seminal African Political Systems (Fortes e Evan s-Pritcha rd 1940), já não hav ia mais dúvida de que os intere sses de Fortes estavam muito mais próximos dos de Radcliffe-Brown do que dos de M
alinowski . Sua especialidade er a o paren
tesco , um tema sobre o qual Malinowski nunca escreveu em detalhe, embora prome
tesse durante anos um livro sobre o parentesco entre os trobriandeses. Em 1932 For tes começou seu pr imeiro grande trabalho
de campo na Costa do Ouro
(hoje Gana), e
nas década s de 1940 e 1950 ele pub licaria exten sam ente sobre dois dos maiores e so cialmente mais com plexos povos desse país, os axântis e os
tallensi. O seu
mics o f Clanship amon g the Tallensi (1945) é considerado um dos trutur al-funcionalismo. Foi em grande p
The Dyna
pontos alt os do es
arte devido aos esforços de Fortes que a an
tropologia britânica do período era muitas vezes qualificada pejorativamente como “ciência do parentesco”
. Muitos, principalmen te entre os americanos, achavam
toda a atenção dedicada ao parentesco traía as am
que
bições hoiísti cas d a dis ciplina.
O ponto alto do estrutural-funcionalismo pode ser situado nos anos 1947-1949, quando Radcliffe-Brown, Fortes , Glu ckman e Evans-Pritchard est avam em Oxford . Radcliffe-Brown havia considerado o parentesco como o motor que movia a socie dade prim itiva, a cola que a ma ntinh a unida e o universo mora l em que ela vivia. Essa visão foi confirmada e fortalecida através dos estudos de Fort
es, os quai s - embora
baseados solid am ente na etnografia - co nc entravam -sè em “mecan ismos” e e m pr in cípios estr uturais . Seu aliado profissi onal próxim o e amigo, Evans-Pritchard, aco
m
pa nhou a ded icaç ão de Fortes aos es tudos estru tura l-fu ncio nalistas do paren tesco na prim eira m etade de sua carreir a, mas seguiu um a dir eção diferente durante a déca da de 1950 (capítulos 5-6). Como a maioria dos antropólogos ingleses de sua geração,
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Evans-Pritchard havia est udado com Malínowski na LSE, mas entre seus professores estavam também Marett, da Expedição a Torres e, ainda mais importante, Charles Seligman, especialista em Sudão. Foi sob a supervisão de Seligman que Ev chard realizou seus estudos de campo
ans-Prit-
no Sudão durante os anos 1930, principalm en
te entre os azandes e os nueres. Evans-Pritchard e Malinowski nunca foram próxi mos. Malinowski deliciava-se com descrições poéticas, detalhadas e evocativas da vida dos trobriandeses, ao passo que Evans-Pritchard tinha paixão pela teoria soeiafe pre fe ria uma aná lise intelectual arguta, elegan te e logica men te coeren te. Além disso, Evans-Pritchard era uma exceção à regra segundo a qual os primeiros antropólogos eram “forasteiros”. Esse “inglês verdadeiramente inglês, apesar do nome galês”, como Leach (1984) o descreve, parecia realmente personificar as class
es altas britâ
nicas, das quais Malinowski, como forasteiro, jamais faria parte. De volta em 1931, Evans-Pritchard havia ficado impressionado com Radcliffe-Br own, que se deteve brevem ente na Inglaterra
en route de Sydney para Chicago.
Entretanto, ele nunca foi um simples aluno do mestre durkheimiano. Quando Radcliffe-Brown vo ltou a Oxford em 1937, Evan s-Pritchard já exercia suas funções ali e não só passara anos realizando trabalhos de campo no
Sudão, mas tam bém hav ia tra
ba lhad o duran te três anos com o pro fessor de So ciolog ia no Cairo. Seu prim eiro livro,
Witchcraft , Oracles and Magic among the Azande
(1937), foi publicado no ano do
retorno de Radcliffe-Brown, sendo imediatamente reconhecido como uma obra-pri ma. A m onog rafia aborda as crenças de feitiçari
a de um povo ag rícola no sul do Su
dão, e o cer ne de sua análise, um a das mais celebradas e muito d logia, segue duas d ireções: por um lado, ela entende
ebatida em antrop o
a feitiçaria como uma “válvula
de seguranç a” que redireciona os conflit os sociais par a canais inofensivos, um mec
a
nismo de integração na melho r tradição durkheim iana; por outr o, ela é uma tentat iva coraj osa de compreender um m
undo de pensamento
estr anho e desconhecido, apre
sentado em seus próprios termos. Notável é o modo como a análise une essas duas abordagens num todo inteiriço. O sistema de crenças não somente estabiliza e har mon iza a ordem socia l existente, mas é racion al e coerente, dados os pressup ostos ló gicos do pensame nto zande . E vans-Pritchard enfatiza o lad
o prosaico, auto-evidente
e prático dessas crenças. Pensam ento e fé não são proce ssos abstratos, fora dos even tos concretos da vida de cada dia, mas
um a parte inseparável desses eventos. A
lguns
comentadores (especialmente Winch 1958) ressaltaram a dimensão estrutural-funcionalista do trabal ho d e Evan s-Pritchard, afirman
do que ele reduz as crenças de fe
iti
çaria às suas “funções sociais”. Outros (como Douglas 1980, mas também Feyerabend 1975) en fatiza ram exatam ente o con trário, que E va ns -P ritchard d em on stra que conhecimento ou crença são produtos sociais
em toda parte.
4. expansão
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A segunda obra impor tante de Evan s-Pritchard apareceu em 1940, o mesm o ano da publicação do volume sobre os sistemas políticos africanos que ele editou com Fortes. The Nuer , um estudo da organização política de um povo pastoril patril inear que vivia logo ao norte dos azandes, é escrito mais no espírito de Radcliffe-Bro wn. O livro se propõe a tratar de um problem a central na antropologia de povos acephalous (“sem Estado”), especificamente, como pode ocorrer mobilização política de larga escala na ausência de uma liderança centralizada. O livro, que evoca vividamente o mundo dos nueres, é também um tour de fo rc e de “ciência do parentesco” . Os confl i tos são organizados em tomo do parentesco. O princípio da organização segmenteiria - “cu contra meu irmão, eu e meu irmão contra nossos primos, irmãos e primos contra primos em terceiro grau”, e assim por diante - predominou nessa análi se, que também demonstrou a influência inibidora de conflitos exercida por relações (como casamentos) que se estabelecem no sistema patrilinear - um aspecto que depois foi desenvolvido mais explicitamente por Gluckman (1956). No último capítulo EvansPritchard elabora sua visão de estrutura social , definida aproximadam ente na mesma linha de Radcliffe-Brown, como um sistema abstrato de relações sociais que conti nua a existir inalterado apesar das mudanças de pessoas. A continuidade a partir da monografia sobre os azandes também é notória. Evans-Pritchard considerava o pa rentesco e a feitiçaria como dois exemplos de “modos de pensamento” e em ambos os casos ele está interessado em mostrar como o pensamento tem relação com o que Pierre Bourdieu (1990) chamaria mais tarde de “lógica da prática”. As monografias de Fortes e de Evans-Pritchard sobre os tallensi, os axântis, os azandes e os nueres foram, depois da obra pioneira de Seligman, essenciais na transfe rência do foco regional d a antropologia social britânica do Pacífico para a África, mas é preciso lembrar que outros antropólogos importantes também trabalhavam na África na época - Richards entre os bembas, Schapera e ntre os tswanas, Gluckman entre os Sistemas Políticos Africanos, zulus e Forde entee os yakõs. incluíam contribuições de cerca de uma dúzia de antropólogos ingles es, foram umaque demonstração extraordi nária dessa nova ênfase regional. Na introdução, recheada de citações, os editores dis tinguiram três tipos de sociedades africanas: sociedades igualitárias, ou de pequena es cala (em sua maioria formadas por caçadores e coletores ), sociedades estatais (como o reino de Buganda) e a interessante sociedade segmentári a, do tipo intermediário, base ada na linhagem, da qual os nueres se tomara m o modelo; é uma sociedade descentrali zada, mas capaz de formar grupos grandes, colaboran do uns com os outros para objeti vos específicos (para a guerra, por exemplo). Como veremos, a sociedade segmentária preocupou os antropólogos durante décadas, não só na Inglaterra (ver, por exemplo, Sahlins 1968). Durante os grandes debates sobre o parentesco nas décadas de 1950 e
90 :
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1960, o mo delo apresentado em African Political Systems recebeu críticas de várias di reções. Alguns achavam que ele era simplesmente enxuto demais para acomodar as complexidades da vida real. Outros o desmereceram rotulando-o de evolucionismo disfar çado. Outros ainda (mais especialmente Lévi-Strauss ) rejeitaram seu foco exclu sivo na descendência como principio de parentesco. Ultimo baluarte do funcionalismo
Em 1930 o centro incontestável da antropologia britânica estivera na LSE, com Malm owski e seus muitos e talentosos alunos. Em
1940 Oxford se toma ra um a reserva
radcliffe-browniana e avançava a passos largos para a hegemonia. Por volta de 1950, os seguidores de Radcliffe-Brown haviam conseguido emprego em Cambridge, em Manchester e na University College London, e os discípulos de Malinowski pareciam ter perdido a disputa pelo controle aca dêmico. De m uitas formas, essas mudanças
eram
reflexo do perfil intelectual e da personalidade desses dois homens. Malinowski era um líder carismático (pára usar o termo de Weber)
que, apesar do seu temperamento
imprevisível, dava a seus alunos trela longa (Firth
1957). Radcliffe-B rown era o cons
trutor de uma instituiç ão que parecia seguir um plano-m estre de longo prazo, criando com determinação enclave s estrutural-funcional istas em universidades em quatro con
tinentes antes de voltar para a Inglaterra no fim dos anos 1930. Foi principalmente Firth na LSE que assegurou a continuidade direta do pro grama malinowskiano. Depois do trabalho inicial sobre os maoris da sua Nova Ze lândia natal, ele havia desembarcado
em Lon dres com o objetivo de estuda r econo
mia, mas optou por antropologia depois de
participar do prime iro seminário m inis
trado po r Malino wski (S tocking 1995: 407). Ele realizou um trabalho pioneiro em antropologia econômica que mais tarde teria influência considerável. Mas apesar de suas contribuições teóricas (capítulo 5), Firth é, acima de tudo, um pesquisador emp írico. C omo para seu mentor, a interação
e o fluxo contínuo da vida social eram
pa ra ele m ais fa sc in an tes (e mais “rea is”) do que as estruturas ab stratas. Ele publi cou onze livros sobre os tikopias, hab itantes de um a ilha polinésia onde ele trabalho de campo prolongado
realizou
em tr ês ocasiões. Sua monografia mais famosa,
We,
The Tikopia (1936) [Nós, os Tikopias], é um volume de 600 páginas que tipifica tanto as forças quanto as fraquezas da antropologia malinowskíana. Os estru tural-funcionalistas desdenhavam o relato supostamente insípido e totalizante de Firth, um relato em que não percebiam elegantes ou mesm o de dar prioridade a
nenhuma tentativa de desenvo
lver modelo s
algumas instituições mais do qu e a outras.
No entanto, as lon ga s e de talh ad as descriçõe s etno gr áfic as do livro do cu men tara m
4. E xpansão
e inst it uci ona l izaçã
91
o
a desconcertante complexidade da vida “primitiva” muito melhor do que os rigoro sos relatos estrutural-funcionalistas. As monografias de Firth são estudos malinowskianos típicos, ao lado de
Sorce-
rers ofDobu (1932) de Reo Fortune, dos livros de Isaac Schapera sobre Bechuanaland (Botswana) e dos
estudo s de A udrey R ichards na Rodésia do Norte (Zâmbia)
.
Todas essas obras partiam do press uposto de que a sociedade era um sistema integ ra do, funcional , mas raramen te especificavam os mecanismos dessa integr ação. Aqui, a emergente antropologia de Oxford se revelava mais refinada, mais científica, mais coeren te e superior em todos os aspectos. No entanto, a última pala
vra ainda não ha
via sido dita: F irth, como Malinow ski, era um individu alista metodológ ico que enfo cava a vida diária de pessoas vivas, e não os princípios abstratos, jurídicos (Radcliffe-Brown) ou lógicos (Pritchard) que (supostamente) a governavam. O interesse maior de Firth é o jogo em permanente mudança, tático, entre atores individuais, o que o tomo u conhecido como uma espécie de figura ancestr
al para toda uma geração de in
dividualistas metodológicos que se destacaram nas décadas de 1950 e 1960.
Alguns forasteiros britânicos A antropologia inglesa era pequena, elitista, fechada e cheia de conflitos. Não obstante, no curso de alguns anos, ela produziu alguns dos maiores clássicos da an tropologia. M as o meio er a realm ente fechado e tendia a margin alizar quem não per tencesse seja ao campo estrut ural-funcionalista ou ao í uncionalista. Um bom exem plo é A .M. Hoca rt (1884-1 939), cuja ob ra sobre as sociedades do Pa cífico nos anos intermediários entre as duas grandes guerras, influente na época, foi depois esqueci da, mas às vezes voltan do à tona em anos mais recentes. Ho cart realizou pesquisas no Pacífico d e 1909-1914, princip ahne nte em Fiji, mas também em Tonga e Samoa. Os interesses de Hocart eram tanto históricos quanto sutilmente estruturais, e ele estava bem distante seja do pragmatismo dinâmico de Malinowski seja da b usca de “ leis” e “me canism os” simples de Radc lifíe-B row n. Seu principal interesse eram o ritual e as hierarquias sociai s, e ele desenvolveu um método com parativo que está mais próxi mo da antropologia francesa desde Mauss até Lévi-Strauss do que dos seus contem porâneos ingleses. Com efeito, seu livro inov ador sobre o sistema de castas (Hocart 1938) foi publicado num a tradução fra ncesa antes de apare cer em inglês e é mais c i tado em francês do que na literatura anglófona. Hocart nunca conseguiu emprego acadêmico na Inglaterra, mas sucedeu Evans-Pritchard como professor de Sociolo gia no Cairo em 1934, onde permaneceu até sua morte prematura. Outro forasteiro foi o austríaco S iegfried Nadei (1903-1956), africanista e pioneiro da antropologia psicológica na Inglate
músico habilidoso,
rra; tomou -se professor
92
H
i st
ó r ia
d a
A nt
r op ol
ogi
a
na Universidade Nacional A ustral iana, em Camberra . U m terceir o foi Daryll Forde (1902-1973), ainda mais marginal do que Nadei; ele estudou arqueologia na Ingla terra e mais t arde antropolog ia cultural com Kroe ber e Lowie em Berkeley. Voltando à Inglaterra com uma inclinação incomum para estudos ecológicos, ele no entanto encontrou um forte aliado em Evans-Pritchard e foi nomeado Diretor do University College, em Londres^ em 1945. O mais interessante dos jovens forasteiros ingleses nos anos entre as duas gran des guerras, porém, foi Gregory Bateson (1904-1980). Ele vinha de um a família aca dêmica, de classe média alta. Seu pai, o famoso biólogo William Bateson, deu esse nome ao filho em homenagem a Gregor Mendel, criador da genética. Bateson estu dava biologi a quando Haddon, em conversa com ele num trem com destino a Cambridge, o converteu para a antropo logia (Lipset 1982: 114), e ele logo partiu para pes quisas de campo na Nova Guiné. Depois de uma tentativa fracassada de trabalho de campo entre os baining s, Bateso n estudou os iatmuls, um povo das terras baixas cujo ritual naven form ou a espinha dorsal da prim eira (e única) mo nogra fia etnográfica de Bateson, Na ven (1936). Na Nova Guiné, e ao que parece numa viagem de canoa no Rio Sepik, Bateson encontrou Reo Fortune e sua esposa, Margaret Mead, que realizavam trabalho de campo n a mesma região. A d escrição desse encontro se tornou um clássico na histó ria da antropologia. O en contro foi intenso sob todos os aspectos. Os três falaram so bre antropologia e a vida em geral, discutiram sobre as diferenças entre os povos que estavam estudando e analisaram corajosamente suas próprias relações pessoais. Qu and o a situ ação se acal mou, Fortune e M ead se divor ciara m, B ateson se casou com Mead e em 1939 ambos se mudaram para os Estados Unidos. O encontro de Mead com B ateson ilustra a relação en tre a antropo logia inglesa e a americana nesses anos. A admiração de Bateson pelo intelectualismo elegante de Radcliffe-Brown foi posta intuido çãoantropólogo: de Benedict descobrir com relação à psicolo gia e às emoções. Qual era oà prova papel pela específico princípios sociol ógicos gerais ou descrever as sutilezas da comunicação hum ana? Um excluí a o outro? Ou existi a uma linguagem comum que podia abranger a ambos? A monog ra fia de Bateson é uma expressão desses dilemas. No ritual naven , homens iatmul se vestem de mulher e representam o desejo homossexual po r seus sobrinhos jovens. Bateson analisou esse ritual a partir de três perspectivas analíticas distintas. A pri meira foi “sociológica e estrutural”, inspirada por Radcliffe-Brown. À segunda ele chamou de eidos (ura estilo cognitivo e intelectual da cultura) e à terceira de ethos (de Benedict). Ele achou muito difícil conciliar, para não dizer sintetizar, esses três enfoques, e acabou desistindo da taref a. Como foi publicado srcinalmen te em 1936,
4. Expansão
93
e institucionalização
Naven se constitui assim num enigma não solucionado. Só em 1958 apareceu uma
segunda edição do livro, com um longo apêndice em que Bateson procurou amarrar as várias pontas soltas. A monografia de Bateson foi um a obra ambígua, com pouc a influência sobre a antropologia da época. Seus contemporâneos ingleses não sabiam o que fazer com ela (Kuper 1996), mas seu prestígio foi aumentando à medida que se tomava claro que ela antecipava várias mudanças que
ocorreram na disciplina a partir da década de
1950. Assim, Bateson critica a idéia de “função ” que, do ponto de vista dele, é teleológica (ela implica que o efeito precede a causa). As explicações funcionalistas de ve m ser sempre examinadas com todo rigor, para verificar se el as de fato especificam todos os encadeamentos pelos quais os “propósitos” e “necessidades” do todo são com unicado s ao ator individual. Esse exame nos levará a concentrar-no s no processo e na comunicação, e não n a função e na estrutur a. Bateson foi um intelectual excepcional que ainda inspira comentári
os de adm ira
ção, alguns deles com as dimensões de um li vro (como Harrie s-Jones 1995). Depois da guerra, seu interesse pela comunicação e pelo processo o aproxim aria de estudio sos brilhantes em muitos campos: psiquiatras, psicólogos, etólogos, matemáticos, ecólogos, biólogos, et c. Ele logo se torn ou um a figura interdisc iplinar que fez contri buições im portantes para campos como o da psicologia e da teoria das comunicações (ver Bateson 1972) e foi pioneiro no uso de modelos cibe rnéticos na explan ação an tropológica. Mesmo antes da II Guerra Mundial, seu “trabalho de campo fotográfi co” com Mead sobre Bali mostrou sua disposição de explorar os limites da antropo logia. Durante a guerra Bateson contribuiu com os estudos de Mead sobre o “caráter nacional” e trabalhou numa teoria da comunicação
que infl uenciou muitos estudio
sos, antropólogos ou não (capítulo 6). Parece apropriado te rminar este capítulo com o início da carreira de Bateson. C on siderado como iconoclasta e excêntrico durante toda sua vida, a primeira tentativa de Bateson de realizar uma síntese teórica consi stiu em preencher a lacuna entr e a antro pologia americana e inglesa do período entre as duas grandes guerras, Ele próprio a consider ou um fracasso. Isso deve lembrar-nos de que o abismo entre as duas tradições era bem real . E nquanto americanos mergulhados na antropologia cult ural boasiana es tudavam o significado simbólico, “padrões culturais” e a relação entre língua e socie dade, os bretões concentravam-se em questões como vida social, relações de
status,
sistemas de parentesco e, cada vez mais, política. Tendências dominantes na antropo logia francesa seguiram um terceiro caminho, ao qual retomaremos no capítulo 6. Embora todo historiador da antropologia que se respeite sustente que a antropologia era, afinal de contas, uma disciplina única, o Atlântico, e mesmo o Canal Inglês, eram
94
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
linhas de demarcação reais em
1945. A lém disso, embora seja simplista pretender que
essas fronteira s permanecessem intactas durante a segunda metade do
século vinte, se
ria ingênuo pensar que elas simplesmente haviam desaparecido. As três tradiçõe
s na
cionais continuam a caracterizar a antropologia até os dias de hoje. A estrutura cronológica básica deste livro ficará temporariamente alterada nos próx imos dois cap ítulos. Esses capítulos abrang em os 20 e poucos anos entre o fim da II Guerra Mundial e os novos movimentos radicais que se tomaram populares na parte final da dé cada de 1960. O capítulo 5 apresenta a c rític a cada vez maior dirigida ao estrutural-funcionalismo e algumas novas alternativas; o capítulo 6 mostra como antropólogos em ambos os lados do Atlântico com preenderam o poder dos símbolos e dos rituais, muitas vezes fechando antigas lacunas e, no processo, abrindo novas.
5 Formas de mudança
1946: as armas estão silenciosas, os bom
bardeiros em terra. Milhões de refugi
ados cruzam cautelos os pelas cidades destruídas da Alemanha, pelas terras devasta das da Rússia, da Polôn ia e da Ucrânia. A França e a Inglaterra foram profundamente abaladas e seus grandes impérios em breve serão apenas uma lembrança. Em con traste, a economia americana começa a se firmar como superpotência, produzindo quantidades cada vez maiores de cadillacs cor-de-rosa, aparelhos de TV, estrelas de rock’n ’roll e
armamento nuclear. Não m uito longe, a União Soviética com petirá exi-
tosamente com “o mundo livre” pela produção de material bélico, enquanto a fabri cação de cadillacs (cor-d e-rosa ou de outras cores) fi ca para tr ás. Mc Carthy persegue espiões c omunistas; Beria vai à caç a de espiões capitalist as. A atmosfera é tensa, e as pessoas entreveem um futuro sem precedentes que, diante dos horrores do passado recente, parece acenai' para o progresso ou ameaçar uma catástrofe global. Os Estados Unidos estavam se tomando a superpotência mais destacada, não só na economia, mas também nas ciências em geral -
entre elas a antropol ogia - com
mais acadêm icos, mais recursos financeiros para pesquisas, mais revistas e
conferê n
cias do que em qualquer outro país. Na década de 1950 acadêmicos e m países como a Noruega ou a Dinamarca, que até então haviam publicado em alemão para chegar a um público internacional, acharam oportuno passar para o inglês. As crenças racistas do nazismo haviam sido politicamente renegadas, e muitos achavam que já era tempo de a bandonar o conceito de raça também
na ciênc ia. M ui
tos geneticistas e biólogos, embora não todos, concordavam em que diferenças raciais não eram profundas o suficiente para explicar a variação cultural. Praticame
nte to
dos os a ntropól ogos sociais e culturais tinir am essa visão, e realmente sua disciplina assentava-se sobre o pressuposto da “unidade psiquica da humanidade” que os evolucionistas haviam introduzido. Quando declarações anti-racistas internacionais co me çaram a ser escritas e assinadas, parecia natural envo lver antropólogos n a ativida-
96
H ist ór ia d a Antropologia
de literária. Desse modo, um e migrado inglês para os Estados Unidos, Ashle
y Mon-
tagu (1905-1999), com doutorado pela universidade de Boas, Colúmbia, tornou-se secretário de uma conferência da Unesco sobre raça em 1950. O documento final, “Declaração so bre a raça”, procla mo u em termos inequívocos que fatores biológicos eram de importância secundária na formação da personalidade humana. Assim, a perspectiva cultural relativista favorecendo a cultura ( nurture) mais do que a nature za ( nature) predom inava entre a maioria dos antropólogo
s nos dois lados do Atlânti
co e se tom ou politicame nte influente depo is da guerr a, de modo especial nas Nações Unidas e em suas organizações. Os ventos da mudança eram intensamente universalistas: eles proclamavam a unidade da humanidad e e dir eitos humanos iguais . Até onde antropólogos simp atiza vam com essa tendência
ideológica - e eram muitos - eles er am ambivalentes . Por
um lado, as idéias culturalistas, anti-racistas, promovidas p
or Mon tagu num a série de
livros populares e influentes eram de m odo geral vistas como incontroversas, triviais mesmo. A m aioria dos antropól ogos pr ovavelmente era também a favor da descolo nização, sem dúvida também um projeto universalista. Por outro lado, antropólogos saturados de relativismo cultural achav am difícil agüe ntar o zelo missionário injusti ficado aparentemen te ligado à nova retórica universalista dos direit os humano s, quer ele emanasse de movimentos anticolonialistas, do Departamento de Estado Ameri cano ou das Nações Unidas. Em 1947 a AA A elabo rou uma declaração extensa, pu blicada no American Anthropologist e escrit a principalmente po r M elville Hers kovits, que teve o peso de uma advertência contra o imperialismo cultural inerente dc forma ostensiva à incipiente Declaração Universal dos Direitos Humanos (AAA 1947). Essa declaração mostra a posição extremamente forte do programa boasiano na antropologia americana na época (ver R. Wilson 1997). Pou co tempo depois da guerra, porém, desen volver-se-ia uma alternativa vigoro sa ao rel ativismo cultural boa siano e à sua correspondente p erspectiva de que a cultu ra era sui generis - seu próprio criad or. O débito evidente dessa alternativa Marx raras vezes foi reconhecido ab
pa ra com
ertamente, pois ser marx ista nos Estados Unidos
do pós-guerra estava fora das cogitações de um acadêmico que quisesse obter um contrato definitivo e recursos para pesquisa. Em vez
disso, seus inspiradores tendiam
a voltar-se para Morgan como pai fundador. O ano de 1946 pode ser visto como uma porta para um período animado, expan sivo, em que a antropologia então entrava. Esse
foi o ano em que os ingleses criaram
a Associação de Antropólogos Sociais, o ano em que Evans-Pritchard substituiu Radc liffe-Brow n em Ox ford e Kroebe r afastou-se de Ber lceley depois de lá ter ensi nado durante 45 anos, e o ano em que Julian Steward com
eçou a ensina r no antigo de-
5. FORMAS DE MUDANÇA
97
parlamento de Boas em Colúmbia. Embora “a revolução” na disciplina tivesse che gado ao fim e também arotinização talvez tivesse terminado, a mudança estava no vamente no ar. No espaço de alguns anos o programa neo-evolucionista de Steward enfrentaria o boasianismo no próprio território deste, E vans-Pritchard rejeitaria o es trutural-funcionalismo, Gluckman se tomaria professor no departamento recém-cri ado em Manchester, o qual mais tarde ficou conhecido tanto por seu radicalismo po lítico quant o por seu intere sse na dinâmica da mudança (um tema raramente tratado no estrutural-funcionalismo), e o monumental livro de Lévi-Strauss sobre o paren tesco, publicado em 1949, mudaria para sempre o discurso antropológico sobre sua instituição favorita. Embora a antropologia se ramificasse em muitas direções nas décadas posterio res à guerra, ela também se integro u, ainda mais do que antes, graças à continuação e internacionalização - de debat es fundamentais. Diferenças continuaram, mas o co nhecimento m útuo através d e fronteiras nacionais també m se difundiu mais . As reu niões anuais da AAA aos poucos se transform aram em encontros globais e o contato com as publicações de uns e de outros se tomou natural. Seria inút il im por um a narrativa linear simples às comp lexidades das duas déca das seguintes à guerra. Esse foi um período em que os altiplanos da Nova Guiné substituíram a África como lugar mais atraente para jove ns p esquisadores de cam po, em que o Caribe e a América Latina foram reconhecidos como regiões etnográficas, em que o estruturalismo se tomou uma força a ser levada em cout a, em que a antropo: logia interpretativa fez seu grande avanço e em que foram desenvolvidas novas for mas de análise simbólica, po lítica e econômica. Neste livro procuramos resolver esse extenso problema dividindo as décadas de 1950 e 1960 em duas partes. Este capítulo, mais longo, trata das teorias e perspecti vas voltadas para o campo da vida social - a esfera da organização e interação soci al prática, da política e da economia. O próximo capítulo abordará as teorias da comu nicação simbólica e do significado. Ao mesmo tempo em que essa distinção repro duz um a dicotomia possível de debater entre sociedade e cultura, ela também põ e em relevo divergências e convergências entre as tradições nacionais em expansão. A antropologia americana, que por algu m tempo foi quase sinônimo de estudos de “c ultu ra” benedict-meadeanos, brotou de um impulso holístico srcinal, de uma definição de “cultura” na linha de Tylor, em que a organização social desempenhou natural mente um pape l considerável. A gora esse aspect o tom ou a aflorar com os novos ma terialistas. A antropologia francesa, que Durkheim havia definido num sentido am plo, sociológico, chegara por meio de M auss ao fascinante problema da troca. A tro ca, em geral vista em termos econôm icos, pode - com o devido respeito a Mauss -
98")
H ist or ia d a Ant r op ol ogi a
ser redefinida como comunicação. Com Lévi-Strauss o foco da disciplina se desloca da sociologia para a semiótica. Finalmente, os ingleses, que se fixavam na definição sociológica de seu conteúdo com mais obstinação, uma vez mais importaram uma
te
oria francesa, como haviam feito anteriormente com Durkheim. Há continuidade e mudanç a nesses movi mentos. As distinções entre as tradições nacionai s começam a se tomar indistintas, mas elas não se apagam.
Neo-evolucionismo e ecologia cultural Embora a escola materialista emergente na antropologia americana
fosse explí
cita em seu antiboasianismo, vários dos próprios colaboradores e alunos de Boas es tavam mais próximos das novas idéias do que poderia par ecer. Em Berkeley, Kroeber era pelo menos cauteloso, e seu colega, Lowie, podia inclusive expressar simpa tia pelo projeto evolucionista, apesar de seu livro mais famoso. (1920), conter uma crítica mordaz ao
Primitive Society
Ancient Society, de Morgan. Como o próprio
Boas, Lowie era acima de tudo um cientista cauteloso, de orientação empírica, com um profundo respeito pelos fatos. Ele era também
um historiador cultura l esclareci
do que rejeitava as idéias do “caráter nacional” , defendidas por Benedic t, po r consi derá-las vagas e especulativas, e via o difusionismo como explicação mais convin cente da mudança cultural do que o evolucionismo, pois seus pressupostos eram mais simples e fáceis de testar em confronto com os fatos. Mas Lowie não rejeitou o evolucionismo totalmente. Embora se recusasse a generalizar sobre o tema, parece que ele aceitava a idéia de que culturas, em alguns casos, evoluem segundo os mes mos princípios gerais, uma visão oposta ao particularismo histórico de Boas. Lowie foi também o primeiro a usar o termo evolução multilinear, um conceito em geral atribuído ao seu aluno Julian Steward. Contrapondo-a à evolução unilinear típica da antropologia do século dezenove, Lowie sustentava que a evolução poderia seguir diferentes caminhos. Entre esses caminhos ex istiam certas semelhanç as básicas, mas também variações consider áveis. Mais tarde, quando Steward iniciou seu projeto de evolucioni smo modernizante, ele pôde ass im buscar ins piração e apoio -p e lo menos tácito - em seu prof essor. Como mostra Jerry Moore (1997 : 166), perspec tivas históricas e evolucionista s eram aceitas mais facilmente nos Estados Unidos do que na Inglaterra, onde a antro pologia social a essa altura passara a significar estudos sincrônicos, exclusivamente. A mudança social não era uma questão em pauta na Inglaterra nem na França, onde ela só seria introduzida na antropolo gia nos anos 1960 através do trabalho do africa nista Georges Balandier e seus alunos. Com exceção da obra de Daryll Forde sobre os yakõs e um único mas notável capítulo em The Nuer, a ecologia também estava
5. F ormas
d e mudança
99
pratica men te ausente da an trop olog ia ingles a - ela su rgiria timidam en te ap en as na década de 1980. Quando o neo-evolucionismo
entr ou em evidência nos Estados Unidos dos anos
1950, iss o acontec eu em grande parte devido à obra de dois homens: Steward e Leslie White. Diferentemente da maioria dos seus contemporâneos, Leslie White (19001975), profess or durante 40 anos na Univ ersidade de M ichiga n (1930-1970 ), rejeit ou a idéia cultural relativista de que as culturas não devem ser classificadas segundo uma escala de desenvolvimento, embora ele também rejeitasse enfaticamente as co not açõe s morais que os evolucion
istas vitorianos haviam
associado a essas classi
ficações. White estava interessado em descobrir leis gerais de evolução cultural. Como Malinowski, ele defend ia um a vis ão funcio nalista da cultura, mas, na persp ec tiva dele, a função da cu ltura não er a assegu rar a sat isfação de necessidade
s in divi
duais, mas garantir a sobrevivência do grupo. Assim, seu projeto apresentava certas semelhanças com o programa de Radcliffe-Brown, mas White não acreditava no principio du rkhe im iano de que as socied ades eram en tida des au tônom as com sua próp ria din âm ica au to-suficiente. As socieda des eram estreitamente integr ad as com seu entorno ecológico. White fazia distinção entre aspectos tecnológicos, sociais e ideológ icos da cultura (mais tarde ele acrescen
taria “aspectos em ocionais o u atitudi-.
nais” - uma tendên cia na direçã o de Benedict) . A dimensão tecnológica era cru cial; de fato, ele sustentava que a
dimen são tecnoló gica determinava os aspectos soc iais e
ideológicos da vida social (Wh
ite 1949).
A srcinali dade da teoria de W hite era modesta, embora seu determinismo
tecno
lógico categórico fosse frequentemente expresso de modos srcinais, como quando, em The Science o f Culture (1949), ele definiu o nível de desenvolvimento cultural como a quantidade de energia util
izada por cada habitant e, m edida através da produ
ção e consumo. E ssas am bições quantitativas não haviam
feito parte do evolucionis-
mo do século dezenove, mas em pouco tempo se tornariam importantes entre os no vos materialistas americanos. As idéias de White encontraram resistência considerável. Mais de uma vez ele foi identi ficado como um possí vel comunista na paranóica
era de McC arthy da déca
da de 1950. Entre antropó logos culturais con sagrados, a ambiçã o de White de trans form ar a antrop ologia num a ciência exata da evolução cultural e dos
efeitos sociocul-
turais da tecnolog ia era vista co rno descabida e irr elevante. N o entanto, W hite desen volveu um exc elente departam ento em M ichigan, e entre seus alunos est ão luminares como M arshall Sahlins (que guras da antropologia am
mais tarde est udou em Colúmbia), um a das grandes fi
ericana nas últi mas décadas do século vint e.
100
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a Lowie, o criptoevolucionista, fazia fortes restr
ições ao d eterminismo tecno lógi
co de White, mas incentivou Steward a perseguir uma versão do evolucionismo m
a
teriali sta que, embora men os determinista, tinha muitos elementos em comum c om o de Wh ite. O próp rio Steward, depo is de conc luir o seu doutorado em Bc rkcicy - um estudo-padrão do "‘nativo americano” no esti lo cultura e personalidade -
trabalhou
como arqueólogo durante anos antes de s e mud ar para Washington, DC., onde diri giu o Instituto de Antrop ologia Social na prestigiosa Smithson ian Institution e edit ou o Handbook o f South American Indians, em sete volumes. Steward aprimorou sua persp ectiv a teór ica durante os anos 1930 e 1940, e quando foi para a Universidade de Colúm bia em 1946 ele levava consigo um a teoria madura que provoc ou seus colegas e inspirou seus aluno s. Durante sua permanência de seis anos em Colúm incidiu quase exatamente com
os anos de Karl Polanyi na mesm
103- 105) , S teward supervisionou um
grupo realmente
bia (que co
a universidade, ver p.
impressionante de pós-gra-
duandos que em pouco tem po im primiriam na antropologia americana a
marca in
delév el do novo materialismo que promoviam.
Diamond,
Elman R. Service, Stanley
Morton H. Fried, Eri c R. Wolf, Sidney W. Mintz, Eleanor B. Leacock
, Marvin Harris,
Robert F. Murphy, Marshall Sahlins, Andrew P. Vayda, Roy A. Rappaport e outros; todos estudaram sob a orientação de Steward (ou de seu sucessor, Morton Fried) e vários deles participaram dos seus projetos. Steward estava insatisf
eito com a falta de ambição
teórica entre os
seguidores
de Boas, e , como W hite, viu um a chave pa ra a generali zação no estudo da tecnolo gia e das condições ecológicas. Como Lowie, porém, ele não se entusiasmou com as teorias da evolução cultural unilinear. Além disso, onde White distinguia três subsistemas culturais, Steward opunha o “núcleo” cultural ao “resto da cultura”. O núcleo consistia na tecnolog ia e na divisão do trabalho
- o que cor responde exata
mente à definição de inlfa-estrutura de Marx, uma influência que Steward, como White, não tom ou pública. Os alunos dele
e de White é que por fim tornariam ex
plícito o víncu lo com o marxism o. A influência de Steward pode ter sido ainda mais forte na arqueologia do que na antropolog ia, mas pelo meno s três de suas contribuições ti veram um impacto duradou ro, especialmente sobre a antropologia americana. Primeúo, Steward fundou a
ecolo
gia cultural moderna. Embora também White incluísse fat ores ambientais em suas ex planações, Steward considerava a totalidade de um a sociedade e seu entorno biológico mais ou menos do mesmo modo como um ecologista considera um ecossistema. Ele via a sociedade em grande parte com os olhos de um ecologista.
Adaptação era um
conceito ess encial para Steward, que procurava instituições que promove
ssem concre
tamente a sobrevivência de um a cultura num dado ecossis tema. A lgumas dessas insti
5. F ormas
d e mudança
10 1
tuições eram fortemente determinadas pela ecologia, pela tecnologia e pela densidade populacional; outras quase não eram afetadas pelas condições materiais. Segundo, baseado em evidências arqueológicas, históricas e etnográficas, Steward desenvolveu uma teoria da evolução multilinear. Ele sustentava que, sob con dições específicas, como agricultura de irrigação
em regiões áridas, o núcleo cultural
se desenvolveria aproximadamente nos mesmos moldes em diferentes sociedades. Limitando suas generalizações a alguns aspectos importantes das culturas que estu dava e restringindo o escopo de sua teoria a sociedades com precondições naturais análogas, ele conseguiu estruturar um evolucionismo que não levava a generaliza ções especulativas que poderiam ser facilmente falsifi cadas. Nem Steward nem Whi te consideravam todos os aspectos da superestrutura ou re ino simbólico como mate rialmente determinados, diferentemente de alguns de seus predecessores e também sucessores, fossem eles marxistas ou não marxistas. Terceiro, com Redfield (cuja orientação era definitivamente não materialista) Steward foi um importante pioneiro nos
estudos do campesinato. Os camponeses
(definidos como agricultores de subsistência em
sociedades complexas parcialmen te
integrados numa economia não local) constituem a mai
or categoria populacional no
mundo. A total falta de interesse por essa categoria por parte da antropologia do pe ríodo anterior à guerra confirma que a disciplina ainda estava à procura do exótico, muitas vezes às custas do típico. As pesquisas de Steward sobre o campesinato che garam a um ponto alto durante o projeto Porto Rico, de grande amplitude, que ele or ganizou no final da década de 1940. O projeto foi um dos primeiros estudos de área na antropolog ia e foi inédito na época por integrar análise local e regional. Aqui, pra ticamente pela primeira vez na antropologia moderna, o Estado-nação e o mercado mundial figuram ativament e na análise. Os alunos de Steward continua riam e aperfei çoariam o interesse do mestre pelas sociedades camponesas nas décadas seguintes e dariam contribuições decisivas para direcionar a atenção da antropologia predomi nante para o Caribe e para a América Latina nos anos 1960 e 1970. O resultado mais importante dos esforços teóricos de White e Steward não foi seu evolucionism o, mas seu interesse na relação entre sociedade e ecossistema. A es cola emergente de ecologia cultural tem sido ffeqüentemente descrita como apenas outra forma de funcionalismo, onde o ecossistema substitui o todo social como impe rativo funcional princi pal. M as essa crítica se jus tifica apenas parcialm ente. Os eco logistas culturais estavam interessados na m udança cultural e, com o passa r do tem po, desenvolveram um modelo mais sofisticado de sociedade do que seus predeces sores ingleses. Nisso eles foram favorecidos pelos grandes avanços
da ecologia (bio
lógica) durante a década de 1950, especialmente como resultad o da aplicação de mo-
102
H
i st
ó r ia
d a ant
r op ol
ogi
a
delos cibernéticos a problemas de adaptação. Nos anos 1960 a ecologia cultural se m ostraria uma fonte diferente de inspi
ração entre os antropólogos. Grego
se baseo u em m odelos e idéias de ecologia cultur
ry Bateson
al em suas contribuições à teoria ge
ral dos sistemas. Cliff ord Geertz - depois conhecido por sua obra interpretativa sobr o simbolismo-publicou
e
Agricultura!Involution em 1963, um livro sobr e ap os se de
terra em Java fort eme nte influenciado po r Steward. Marshall Sahlins, que mais tarde também se voltaria para a antropologia simbólica, começou sua carreira com vários livros que elaboravam os interesses de Steward (e de White) e, num famoso artigo sobre liderança política no Pacífico,
ele viu o contraste entre os líderes melanésios e
os chefes polinésios sob uma luz evolucionista, baseando-se num
a análise de econo
mia doméstica para ex plicar variações polít icas. O m ais coerente (e persistente) dos sucessores de Steward e de White foi Marvin Harris que, durante a década de 1960, desenvolveu sua própria versão de evolucionism
o materialista, ao qual ele se refer
ia
como materialismo cultural (Harris 1979). O ponto alto da ecologia cultural foi, talvez, a monografia de Roy Rappaport,
Pi gsfo r the Ances tors (1967), que logo se tom ou um clássi co. Rappaport, aluno de Fried em Colúmbia e amigo e parceiro de Bateson, r ealizou trabalho de campo entre os tsembaga m aríngs nas te mas alt as da Nov a Guiné no iníci o da décad a de 1960. Ele estava especialmente
interess ado em com preende r um com plexo ciclo rit ual que en
volvia tanto situações de guerra como o massacre
em massa de porcos do mesticados.
Aplicando ao ritual uma análise ecológica de inspiração cibernética, ele demonstra as est reitas relações existentes entre
a adaptação dos tsembagas ao seu entorno (natu
reza, mas também grupos hum anos vizinhos) e sua visão de mundo. Com eçando com a prem issa de inspiração whiteana de que a dispon termina a adaptação cultural, ele ter
ibilidade de fontes de energia de
mina com uma análise arguta (e não-de terminis
ta) da linguagem estética por meio da qual os t sembagas conc eituaiizam o mundo que vivem. Os críti cos viram essa análise como uma espécie de estrutura
em
l-funciona
lismo ecológico que deixava pouco espaço para as próprias motivações da pessoa e para a dinâmica cu ltu ral independ ente, um a crítica a que Ra pp ap or t replico u num longo posfácio à edição do livro de 1984. Outro ponto alto da ecologia cultural
, que foi também uma m anifestação de sua
grande am plitude e esc opo, foi o si mpósio “M an the H unter”, organizado na Un iver sidade de Chicago cm 1966 (Lee e DeVore 1968). Con centrando-se principalmen
te
em caçadores e coletores modernos, a maioria dos conferencistas, em grande parte antropólogos cu lturais americanos, via a cul tura principalm ente em termos de ad ap taçã o ecológica, Eles sustentavam
que, por ter si do a caça a forma
de subsistência
srcinal da hum anidade, toda teor ia geral da soci edade e da natureza do Homem
de
5. Formas
d e mudança
103
veria pressupor um conhecimento profundo do modo de vida do caçador. Além de pôr em relevo a conhecida tensão entre explicações culturalistas e materialistas da cul tura e da sociedade, o simpósio m ostrou até que ponto partes da antrop americana haviam se distanciado de Boas e Be
ologia cultural
nedict até ess e momento.
Formalismo e substantivismo
O inter esse emergente pelas condições materiais també
m foi expresso de outras
formas além da ecologia cultural, e não somente nos Estados Unidos. Da década 1940 em diante a antropologia eco
de
nôm ica f oi desenvolvida como um a subdiscipli na,
em muitos casos em estrei ta rel ação com os est udos antropológicos do campesinato (ver Wolf 1966). Os estudos antropológicos
de econom ia tiveram um a históri a respeitável . Argo-
nauts o f the Western Pacific, de Malinowski, menores conc entraram-se diretamente nas rel
The Gift, de Mauss, e inúmeras obras ações econôm icas. Não obstante, o pio
neiro na implantação da antropologia econômica como subdisciplina foi Raymond Firth (capítulo 4). Firth, com formação básica em Economia, havia escrito estudos detalhados sobre as economias dos maoris e dos tikopias (1929, 1939) que enfatiza vam as estratégias pragmáticas de indivíduos. Durante as décadas de 1950 e 1960, Firth continuou esse trabal ho, acrescentando-lhe
uma ênfase teórica muitas vezes de
nominada “formalismo” (LeClair e Schneider 1968). O formalismo, que sustenta que a teoria econômica clássica pode ser aplicada a diferentes culturas, não se crista lizou, porém , num a “escola” propriamente
dita antes de ser questi onada pelo que se
convencionou chamar de “revolução substantivista”. Se Firth foi o primeiro fonnalista importante na antropologia econômica, o an cestral mais destacado do substantivismo
foi o historiador da econonia húngaro
e re
formador político Karl Polanyi (1886-1964). Depois de alguns anos emManchester ele se mud ou para os Estados Unidos em
1940, onde passou seis anos como professor
de Econom ia em Colúmbia, na mesm a época em que Steward trabalhou mento de antropologia dessa mesma universidade. Em (1957 [ 1944]) Polanyi afirma que o que cham
no departa
The Great Transformation
amos de “econom ia” não existe absolu
tamente nas sociedades pré-capitalistas e que portanto a teoria econôm
ica clássi ca só
pode se r legitim am ente ap lic ad a a e conomias capitalistas, O intenso debate entre fonna listas e substantivistas envolveu antropólogos, histo riadores e economistas, e continuou pela década de 1970 adentro, quando terminou com a percepção indefinida e um tanto
banal de que as duas escolas eram complem
tares . As questões levantadas foram no entanto fundam
en
entais e, sob aparênci as diver
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sas, continu am sendo tratadas ainda hoje. Faland
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o de modo ge ral, os forma listas di
ziam que uma econom ia pode ria ser descrita como uma espécie particular
de ação em
que os indi víduos se envolveram semp re e em toda parte - ação em q ue o indivíduo se emp enha em obter o máximo benefício para si mes mo e/ou para sua família. Em outras palavras, enquanto lidamos com maxim ização, estamos lidando com economia. Além disso, como a maximização não se limita a contextos empíricos específicos, mas pode ocorrer em qualquer espécie de interação social, a economia pode ser considerada como um aspect o universal da vida soci al hum ana. Essa atitude, que (apesar de sua de finição uni versalista) é compatível com
o individualismo metodológico, foi entusiasti
cam ente abraçada por muito s críticos d o funcionalism o estrutura l nas décadas de 1950 e 1960 (ver p. 110- 115). Em contraposiçã o, o substantivism o afirma que a econ omia não é uma forma universal de ação, mas (nas palavras de Polanyi) um
“processo instit uído”
(Polanyi 1957). A econo mia é contida por in stituições específi cas, históri cas - de pro dução, circulação (troca ) e consumo - e a elas é limitada. A força do formalismo foi sua ênfase nas escolhas pragmáticas dos indivíduos o que põe em evidência os aspectos variáveis e imprevisíveis da ação econômica. A força do substantivismo, em contraste, está em sua capacidade de descrever sistemas econômicos como sendo de tipos íundam entalm ente diferentes e car acterizados por diferentes racionalidades
econôm icas (o formalismo só aceita
um a racionalidade
econômica: a maximização). Os substantivistas seriam assim mais abertos a teorias de divisores de água históricos, diferen ças fundam entais entre culturas e mudança ir reversível. O próprio Polanyi, numa tipologia que mais tarde foi expandida por Sahlins (1972), distinguia três tipos principais de economia:
reciprocidade, redistribui -
ção e o-oca de mercado. Na reciprocidade, encontrada tipicamente em sociedades pequenas, não hierárquicas, baseadas no parentesco, não há cálculo de lucro e perda de curto prazo, e - como mostrou Mauss em
The Gift - é o doador e não o receptor
que ganha prestígi o. Na redistribuiçãó , típica das sociedades de chefia tradicionais, as mercadorias são recolhidas num centro, de onde com base nas prioridades do centro
são distri buídas para a população
- muitas vezes em demon strações evidentes de
“generosidade ” — pois aqui novamente
é o doador que ganha prestí gio. Somente na
troca de mercado, típica das sociedades capitalistas, essa relação se inverte: o recep tor ganha, acumula valor e o reinveste num ciclo interminável de maximização do ganho, para o que o dinheiro exerce um papel fundamental. Cada um desses três “ti pos idea is” (para usar o termo de Weber) se baseia em instituições particulares (pa rentesco, o Estado, dinheiro) e pode ser encontrado junto com outros em sociedades empíricas. Existem elementos de troca de mercado em sociedades com base no pa rentesco, do mesmo m odo que existem elem entos de reci procidade (troca de presen
5. FORM ASd e
105
mudança
tes) em no ssa próp ria economia. Polanyi, porém, abor dou particularmente situaçõ es em que um ou outro tipo de economia era dominante, e assim chegou a um modelo vagamente evolucionista de desenvolvünento social incorporando três estágios (um modelo bastante comum, como vimos no capítulo 2 ). Para os formalistas, como Firth e Herskovits, essa tendência evolucionista foi um a maldição (ver Frankenberg
1967), e eles tentaram m ostrar que a maximização
regulava as atividades econômicas em toda parte. Os substantivistas consideravam essa visão como etnocêntrica (Sablins 1972), e seu clássico favorito era Mauss, que havia enfatizado as diferenças entre lógicas de ação dominantes em diferentes tipos de sociedade. A controvérsia forma lista-substantivista exauriu-se à medida que o econôm ico marxista (que procurava
pensamento
incorporar as duas posições) foi ganhando terre
no. Mas controvérsias análogas continuaram a surgir em outras áreas da antropolo gia, por exemplo em discussões de ritual, em que Leach (1968) definiu ritual não (substantivamente) como confinado a uma espécie particular de instituição, mas como o aspecto simbólico de qualquer ação . De modo semelhante, o debate sobre
te
oria da aliança versus teoria da descendência (capítul o 6) contrapôs uma visão do pa rentesco como “atividade formadora de aliança” (formalista) a uma idéia de paren tesco como m étodo de formação de grupos
(substant ivista). Finalmente, poder-se-ia
argumentar que o pós-modemismo (capítulo 8) foi um tipo peculiar de formalismo, enquanto procurava suprim ir a essenciali zação - a tendência a considerar agregad os difusos de processos como se fossem “coisas” distintas (substantivas).
Enquanto isso na Inglaterra: a Escola de Manchester Até 1950, graças à expansão institucional e às aposentadorias, as pessoas que des pontariam como figuras eminentes na antropologia social britânica do pós-guerra esta vam quase todas firmemente estabelecidas em instituições acadêmicas importantes: Firth conseguiu sua cátedra na L SE em 1944; Dary llFord e tornou-se professor no University College London em 1945; Evans-Pritchard em Oxford em 1946; Gluckman em Manchester em 1949 (alguns anos depois de deixar o Rhodes-Livingstone Institute); Fortes em C ambridge em 1950 e Schapera na Universidad e de Londres em 1950. Le ach foi nomeado para o cargo de professor assistente em C ambridge em 1953. Hav ia nuanças importantes entre os integrantes dessa elite, que no entanto deve ter parecido um clã muito
unido quando observada de fora, de modo especial do di
versificado campo da antropologia ameri cana. Fortes, Evans-P ritchard e Forde con tinuaram ligados ao estrutural-funcionalismo, não
obstante os dois últi mos t erem es
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colhido caminhos alternativos - Evans-P ritchard rejeitou os ideais d a ciência nat ural e Forde manteve seu interesse na antropologia ecológica dos seus tempos de aluno em Berkeley. Firth, Richards e Leach desenv olveram diferentes tipos de funcionalis mo malinowslciano. Finalmente, Gluckman e Schapera representavam uma espécie de campo intermediário. Eles eram estrutural-funcionalistas autodeclarados, mas seus interesses t emáticos estavam mais próxim os dos de Leach e de Fir th que, como eles, interessavam -se essencialmente pelo estudo da mudan ça socia l. D essas figur as de proa, Leach e Evans-Pritchard empenhar-se-iam mais diretamente para mudar a natureza da antropologia socia l britânica. A pesa r dess es esforços, porém , essa antro po logia foi vista como um a seita conservadora durante vários anos do pós-guerra. Num debate com Firth em 1951, George P. Murdock acusou os bretões de cerrarem fileiras e de se recusarem a envolver-se no discurso da antropologia global (que tal vez ele entendesse ser a americana). Ao mesmo tempo, porém, Murdock confirmou que a antropologia social britânica de sfrutava de forte influência junto aos antropólo gos americanos mais jov ens (Stocking 19 95 :43s), fato q ue ele não via como despro vid o dem érito. As décadas de 1950 e 196 0 testemunharam grandes transformações na antropolo gia bri tânica. Algumas das m ais importantes, especialmente a mudan ça de foc o de “es trutura” para “significado”, será tratada no próximo capítulo . Pelos padrões, porém, as pesquisas realizadas no Rhodes-Livingstone Instituíe (depois em Manchester), que se concentrava m na urbanização no sul da África, foram pioneiras em seus métodos e te mas, e em boa medida foram responsáveis pela derrocada do estrutural-funcionalismo - ironicamente , talvez, visto que o pri ncipal teórico dess a escola era Gluckman, fie l discípulo de Radcliffe-Brown, Entretanto, havia tensões inter nas no estrutural-funcio nalismo que foram se tornando cada vez mais difíceis de reso lver. Como Malinowski, Firth e vários antropólogos americanos haviam mostrado ainda antes da guerra, uma fraqueza do estrutural-funcionalismo era seu pressuposto explícito de que as socieda des tendem a reproduzir a si mesmas. Esse pressuposto criou dificuldades para explicar a mudança, m as a idéia seria viável s e - e somente se - as sociedades estudadas pelos antropólogos não mudassem. A valida de dessa condição, porém, estava sendo questio nada dia após dia. Em parte, era evidente que as sociedades colonizadas, na África e em outras partes do mundo, estavam mu dando rapidamente. Em parte, havia uma cres cente compreens ão do fato d e que mesmo grupos primitivos “ intocados” (por exe mplo na Nova Guiné) estavam num estado de fluxo constante. A mudança, de fato, parecia ser um componente essencial da condição humana. Po r isso, nada m ais natural que os primeiros antropólogos ing leses a abordar efe tivamente esse problema estivessem envolvidos em estudos de grupos humano s que
5. Formas
d e mudança
107
passavam por mudanças rápidas, imprevisíveis e irreversíveis. Os antropólogos liga dos ao Rhodes-Livingstone Institute, muitos deles mais tarde na Universidade de Manchester, realizaram trabalhos de campo prolongados em regiões caracteri zadas pela urbanização, pela migração em busca de emprego e pelo rápido crescimento po pulacional. Esses estudos, muitas vezes voltados para as cidades mineradoras da Ro désia do Norte (Zâmbia), mostraram como formas sociais t radicionais, como o pa rentesco, podiam ser mantidas e mesmo fortalecidas em situações de mudanças r ápi das - “voltando à vida” no mundo moderno, gestando novo significado . Um estudo famoso nesse gênero foi The Trumpet Shall Sound, de Peter W orsl ey (196 8[ 1957]), um a anális e dos cultos da carga messiânicos na Melan ésia*. Esses cultos eram movi mentos religiosos que combinavam elementos de uma cultura tradicional fragmenta da com elementos de uma modernidade pouco compreendida (personificada pelas tropas americanas estacionadas na área durante a II Guerra Mundial), chegando a sínteses simbólic as e organizac ionais novas e criativas. Worsley, que era membro do Partid o Comunista Inglês, não conseguiu, por razões politicas, autorização para rea lizar sua pesquisa, sendo obrigado a basear seu estudo na literatura existente. Quase todos os estudos provenientes desse meio, porém, tinham a África, e na maioria dos casos o sul da África, como base etnográfica. Sob a liderança sucessiva de Godfrey Wilson e Gluckman, o Rodh es-Livi ngstone Institute iniciou vários novos campos de pesquisa relacionados com a mudança social. A transformação da vida tribal em deco rrência da migração e do trabalho assalariado foi estudada a fundo muitos pesqu isadore s fizeram trabalho de campo nos mesmos grupos tribais tanto na cidade como em seus ambientes tradicionais. Eles estuda ram a etnicidade ou a “ret ribalização” (Mitchell 1956; Epstein 1958). Eles investigaram as relações raciais em cidades mineradoras numa época em que grande parte da antropologia predominante ainda considerava a discriminação racial como domínio da sociolo gia. Eles também se envolveram com pesquisa aplicada, que nos departam entos metropo litanos era em parte desconhecida e em parte objeto de escárnio. Os métodos que empregavam eram igualmente inovador es. Os problemas rela cionados com o estudo da vida social em cidades mineradoras caóticas e turbulentas precisavam ser resolvidos, e o trabalho de campo magistral de Malinowski sobre as diminutas Ilhas Trobriand oferecia poucas idéias. Alguns começaram a fazer experi mentos com m étodos quantitati vos, pouco comuns em antropol ogia. Mitchell, Epstein
* N. do revisor: ess es cultos con sistiam numa celebração ritua l do saque de cargas de produto s alimen tícios e industriais trazidas em navios e aviõ es e ocorrera m em diversas data s: 187 0, 1914 e 1967.
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e Elizabeth Colson usaram todos eles estatística e análise regressiva na tentativa de obter dados precisos sobre distância social e estruturas de rede. A an
álise de rede, in
troduzida por John Bam es (1990 [1954 ]), ti nha o objetivo de rastrear a mudança de relações entr e pessoas que não tinham residência fi xa. Jaap van V clsen (1967) pro pôs o “m étodo de caso alargado ”, um método de pe squisa em que um ú nico evento dramático ou uma série de eventos era isolado e estudado em contextos sucessiva mente mais amplos, possibilitando assim observar “de baixo” estruturas sociais de grandes dimensões, como países, por exemplo, impossíveis de abranger com a ob servação pa rticipante tradicional . As sem elhança s com a Escola de Chicago são consideráve
is, e as pessoas na Ro
désia conheciam o trabalho desses pesquisadores. Mas eles ainda eram principal mente antropólogos sociais britânicos. O sucesso da Escola Salisbury-Manchester ti nha como premissa e base o fato do colonialismo e as possibilidades por ele propor cionadas para alianças entre departamentos de universidades metropolitanas e pe quenos institutos de pesquisa na periferia (um acordo se
melhante existia entre a Uni
versidade de Cam bridge e o Instituto Africano O riental de Pesq uisa Social em Makerere, Uganda, dirigi do sucessivamente po r Aidan Southall e Audrey R ichards ). O d e partam ento em Manchester, onde Gluckman tra balhav a desde 1949, podia oferecer bo lsas de pesqu isa po r três anos para m uitos de seus alu nos no instituto em Salisbury. A relação entre as duas instituições só se desfez com a declaração u
nilateral de inde
pe ndência de Ian Sm ith em 1966. O que os antropólogos de Manchester demonstraram, acima de tudo, foi que a mudança não era um sim ples objeto de estudo. Não
era possível, como os
estr utur al-
funcionalistas às vezes supunham, compreender a mudança simplesmente descre vendo a estrutura social como ela existia antes e depois da mudança e postulando al gumas regras transfon nacio nais simples , que “exp licariam” o que havia ocorrido no período intermediário. Gluckman e seus colegas mostraram que quando os efeitos locais de processos globais são investigados empiricamente, eles se dissolvem em redes complexas de relações sociais que estão em constante mudan ça e influenci am umas às outr as. Essa era a idéia por trás da “teoria de rede” de Bam
es, um conceit o
mais dinâmico do que o de “estrutura social” de Radcliffe-Brown. A idéia de que a mudança po dia ser compreendida
como transformações simples, regidas por leis
, en
tre dadas condições soci ais foi as sim aos pouco s sub stituida po r uma idéia de mud an ça como fundamentalmen te imprevisí vel - porque resultava de rel ações indivi duais sem conta, cada um a delas sendo reflexiva e var iável. Essa idéia por si só representa va um desafio fundamental para o estr
utural-funci onalismo - índependentemente do
fato de que o próprio G luckman sempre profess ou sua lealdade a Radcliffe-Brown nunca tento u de senvolver um a teoria alt ernati va.
e
5. F ormas
d e mudança
109
Gluckman ha via feito seu doutorado em Oxfo rd sob a orient ação de Evans-Pritchard e Fort es, e foi para o Instituto na Rodésia em 1939, onde exerceu a função de diretor de 1942 a 1947, ano em que voltou para a Inglaterra. Grande parte de suas pesquisas no sul da África relacionava-se com a lei, com a política e com conflitos e sua solução (ver Gluckman 1965). Ape sar de mudar-se para Manchester, a liderança indireta de Gluckman continuou durante toda a década de 1950, e os vínculos entre Manchester e o Insti tuto continuaram fortes. As srcens e os antecedentes de Gluck man, como jud eu natural da Á frica do Sul e com tendências esquerdizantes, não lhe angariaram muito apoio por parte do sistema acadêmico britânico, e foi evidente mente graças a Evan s-Pritc harde Fo rtes que el e conseguiu seu posto em Manchester. (Seu arquirrival Le ach po de te r pensado que o posto devia ter sido del e. ) De qualquer modo, Gluckman manteve-se leal ao esquema geral do estrutural-fiincionalismo, e certa vez comentou a respeito de Malinowski que “seus dados eram complexos de mais para trabalho comparativo” (Goody 1995). Apesar dess e desdém - típico - pela etnografia de Malinowski, existiam (como assinalamos acima) semelhanças marcan tes entre os interesses de pesquisa de Gluckm an e os dos alunos de Malinowski. Em sua história da antropologia social britânica Kuper (1996) observa que as duas linha gens pratícamente convergiam nos últimos anos da década de 1950, através do traba lho notavelmente semelhante de Frederick Bailey e Fredrik Barth (ver p , 112-113). Co mo Firth, G luckman se interessou pelo tem a da mud ança desde o início de sua carreira . Já em sua contribuição ao African Potítical Systems, ele cham ava a atenção para as tensões entre o sistema político tradicional dos zulus e a administração colonial que lhes havia sido imposta. O interesse de Gluckman pelo conflito social foi inspirado por seu radicalis mo político e em última análise por Marx, mas diferentemente de Marx (e como Evans-Pritcha rd), ele via o conflito como um processo que por fim levava à integra ção. Para Gluckman, a integração social sempre implicava encontrar um equilíbrio entre intere sses de grupos: c onflitos podiam ser subcomunicados através de acordo s entre líderes políticos, ou as tensões subjacentes da sociedade podiam ser canaliza das através de uma “válvula de segurança” para uma saída inofensiva, como acusa ções de feiti çaria (Gluckma n 1956) - reduzindo assim a pressão sem provocar o sis tema. Diferentem ente de muitos de seus contemporâneos, Gluckman tinha consciên cia aguda da natureza conflituosa da maioria das sociedades, que só se mantinham unidas imp erfeitamente e através de muito trabalho. Outra abordagem à questão da mudança social foi iniciada por Godfrey Wilson, cujo Essay on the Economias o f Detribalization in Northern Rhodesia (1941-1942) analisava a questão da “aculturação” . Wilson predisse que o colonialismo po r fim re-
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sultana num a mud ança cultura l profunda e na “destribalização”. Essa idéia fo i retoma da mais tarde por Philip Mayer que, num estudo da política urbana na África do Sul, afinnou que os “sindicatos transcendem as tribos” (Mayer 1960). No entanto, vários antropólogos eminentes na Rodésia se opunham à idéia de Wilson, afirmando que o efeito da vida urbana sobre a identidade era a retribalização (Mitchell 1956; Epstein 1958), uma vez que o novo ambiente complexo lem brava continuamente aos migran tes sua id entidade como mem bros de um grupo em oposição a outr o. Essa perspectiva se mostrou útil mais tarde em estudos de etnicidade e nacionalismo (capítulo 7). O interesse de Gluckman po r tensões e cris es também levari a a importantes pes quisas num campo que em geral não se associa à Escola de Manchester, a saber, o ri tual. A idéia de que o rit ual pod e abrand ar o conflito e forta lecer a coesão so cial é do minante já na sociologia da religião de Durkheim. Na obra de Gluckman, e mais acentuadamente n a do seu alun o Victor T um er (1920-1983), essa idéia básica se rve como moldura elástica para o estudo do ritual como processo social dinâmico. Mas como a obra de Tu m er foi importante para deslocar a ênfase da antropologia social britânica da coesão social para o significado simbólico, ela será apresentada no p ró ximo capítulo.
Individualismo metodológico em Cambridge As contribuições da Escola de Manchester foram importantes para redirecionar a antropologia inglesa - da integração ao processo, da continuidade à mudança. No en tanto, as pessoas envolvidas foram cautelosas. Sua linhagem intelectual provinha de Durkheim via Radcliffe-Brown e Evans-Pritch ard, e a metáfora da sociedade como or ganismo funcionalmente integra do estava im plícita na m aioria da obra deles, por mais inova dora que poss a ter sido, ao lon go da década de 1950, Par a os alunos de Malino wski, desvencilhados das noções axiomáticas de integração socia l, poderia parecer mais fácil tratar da mudança social. Como o próprio Malinowski havia dado ao indivíduo primazia sobre a sociedade, sua visão da vida social proporcionou mais espaço para improvisação, variação e criatividade do que o estiumral-funcionalismo, visto cada vez mais como uma camis a-de-força à medida que a década de 1950 transcorria. Como seu professor, Firth não era predominantem ente um teórico, mas um etnógrafo. Onde q uer que el e realizasse trabalho de campo - entre os maoris ou tikopias na Polinés ia, entre os pescadores malaios, entre os ingleses em Londres - ele via mu danças sociais extraordinárias acontecendo. Ele também considerava o indivíduo como um agente cruci al de mudança. Em sua obra teórica mais importante , Elements o fSocial Organisation (Eirth 19 51), el e procurou en cam inhar a antrop ologia social a
5. Formas
lll
d e mudança
uma visão mais flexível da sociedade. Em
1950 a “ciência do parentesc o” de Radclif-
fe-Brown e seus alunos estava no auge. Evans-Pritchard ainda não havia anunciado sua des erção e todos os principais depar tamentos, menos n aL SE , eram diri gidos por estrutural-funcionalistas. Teria sido impossível Firth ignorar esse fato. Ele portanto mantém uma atitude crítica, mas cautelosa, com relação aos conceitos nucleares de função e estrutura; ele ião rejeita a noção de uma estrutura social estável, “vazia”, mas propõe um conceito complementar, que captura o caráter dinâmico, mutável da ação social . Esse conceito, tomado de empréstimo de ninguém mais do que Radcliffe-Brown, é a noção de
organização social. E nquanto a estrutura social diz res peito
aos arranjos estáveis da sociedade,
a organização social é o fluxo real da vida social
em que os interesses individuais se encontram, os conflitos e concessões se desen volvem e a pra gmática da vida coti diana pode se desvi ar consideravel mente da nor ma (estrutura social) sem destruí-la. Em outras palavras, e contrariamente à crença de Radcliffe-Brown, a ação não decorre diretamen te das normas, mas passa primeiro por um filtro de escolha (tática e estratégica). O afável Firth foi o mediador de conflitos mais importante de sua geração. Ele aproximou distâncias dentro da escola inglesa, preparando calmamente o terreno para as investidas mais agressivas ao estrutural-funcionalismo que estavam para che gar, ao mesmo tempo em que manteve um diálogo ativo com antropólogos america nos num período em que contatos co ntinuados através do Atlântico eram raros.
Ironi
camente, C ambridge é que se tom aria a sementeira para os malinow skianos radicais, que fínalmen te não apenas questionariam te coesiva, mas, em alguns casos, tentariam
a idéia de que a sociedade é intrinsecam en desloca r o foco da disciplina de todos so
ciais para a ação individual. Cambridge, um remanso na antropologia britânica até Fortes aceitar a cátedra em 1950, seria nas duas década s seguintes, simultaneam ente, uma cidadela do estrutural-funcionalismo -principalmente através de Fortes e seu aluno Jack Goody -
e um centro vit al de inovação na discip lina. Em 1949 Fort es pu
blicou o artigo “Tempo e estrutura social”, um tour de for ce estrutural-funcionalista que mostrou que enquanto a manutenção da estrutura social das famílias se desdo brava ao longo do tempo, a estrutura parecia mudar, mas de fato apenas repetindo um movim ento bem conhe cido. Em 1958 essa indicação fo i retomad a por Goody em seu volume editad o The Developmental Cycle ofD om estic Groups. Goody (1919-) realizou um trabalho de campo prolongado em Gana, mas se notabilizou não como autor de monografias, mas como um ousado forjador de sínteses comparativas gran diosas, provocad oras - e cada vez mais inusitadas. Fortes,
e também Gooclv, içspón*
deram ao espírito dos tempos: mesmo que a m udança que descreviam tossiç dlúsoiiá^ ainda assim era uma mudança (no curto prazo).
ÍSe (
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112
HISTÓRIA
DA ANTROPOLOGI
A
Edmund Leach (1910-1989), talvez a personalidade mais formidável entre os jo vens antropólogos de Cambridge. perseguiu interesses muito diferentes. Leach, ex-aluno de Malinowski e de Firth, engenheiro antes de se tom ar antropólogo, foi no meado para sua posição em Cambridge em 1953. Em 1956 outra aluna influente de Malinowski, Audrey Richards, também chegou na cidade para assumir a direção do novo Centro de Estudos Africanos. Richards, que havia desenvolvido um extenso trabalho de campo entre o s bcmbasritchard da Rodésobre sia do bia), fora que umaosdas pri meiras críticas da obra de Evans-P os Norte nuere (Zâm s. sustentando dados da realidade não condiziam com os modelos simples que ele elaborara - uma objeção “malinowskiana”. Como Firth, Richards desenvolveu um trabalho pioneiro em an tropologia econôm ica antes da guerra (Ric hards 1939); suas obras sobre nutrição fa zem dela uma das criadoras da antropologia médica (Richards 1932); e no ano em que assumiu em Cambridge ela publicou um estudo influente de rituais de iniciação femininos, Chisungu (R ichards 1956). Foram os bons ofíci os de Richards que possi bilitaram as relações de cooperação entre Cambridge e o Instituto Africano Oriental de Pesquisa Socia l em Makerere, Uganda. Entre outros antropólogos associados a Cam bridge na década de 1950 estavam John Barnes (mencionado acima); Frederick Bailey (1924-), antropólogo sul-asianista e político; e Fredrik Barth (1928-), um norueguês que, durante sua perm anên cia em Cambridge, escreveu o clássico PoliticalLeadership arnong Swa t Pathans (1 95 9)- u m títul o que ec oava a própria obra s eminal de Leach , Political Sy stems ofHighla ndBurm a (1954). Em outras palavras, eram inúmeros os an tropól ogos políticos em C ambridg e na década de 1950 com senso de lealdade tênue para com a ortodoxia dominante. Esse foco voltado à política (um tópico que raramente se destacava na obra de Fortes e Goody, orientada para o parentesco) fazia parte da herança do estruturalfuncionalism o (afmal, os políticos estavam no centro de The Nuer). Retrospectiva mente. poder-se-ia bem sustentar que, ao destacar a importância das instituições po líticas, o cavava propria A política um joogo de poder. Elaoéestrutural-funcionalism “a arte do possív el”, não “a arte ado legal”.cova. Ela tem relaçãoé com rela xamento das normas (e com sua quebra, sempre que oportuno), não com lealdade inabalável a preceitos m orais válidos para todos. Mais cedo ou mais tarde a antro pologia política precisaria entender-se com as dim ensões inerentemente m anipula doras da política. Isso aconteceu de várias formas com os antropólogos de Cambridge. Bailey (1960) escreveu sobre ascensão no sistema de castas e política local em Orissa, no leste da índia. Fato atípico nos estudos sul-asiáticos, ele se interessava po r estraté gias individuais e interesses conflitantes, e encontrou ambos em abundância.
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d e mudança
Barth escreveu sobre política em Swat, nordeste do Paquistão, como um pro
ces
so alimentado por interesses dos indivíduos e suas estratégias. Ele fundamentou sua abordagem num mod elo srcinário da econom ia e da ciência política que era novo à época, a teoria dos jogo s, segu ndo a qual a vida social é em grande parte u
ma série d e
jogos de soma zero: nesse jogo , o ganho de uma pessoa implica a perda de outra. Na tentativa de modelar a vida social formalmente, como Evans-Pritchard antes dele, Barth procurou apa nhar o fluxo dinâmico de um campo social rachado po r inter esses conflitantes e nisso foi ajudado pelo fato de que a ciência da “modelação forma liza da” havia progredido con sideravelme nte desde a década de 1930, Na obra de Barth, a estrutura social ficou em segundo plano, aparecendo, na prosa seca e econômica do autor, como “incentivos e restrições” (Bar
th 1959). Uma comparaç ão entre Po litical
Leadership e The Nuer pode ser muito elucidativa e mostrar a mudanç
a que estava
ocorrendo em partes da antropolo gia inglesa da época. Ambos os livros tratam de so ciedades sem Estado e do problema da integração; ambos analisam aspectos políti cos de sociedades segmentárias. Entretanto, as análises diferem em
praticamente to
dos os outros aspectos: Evans-Pritchard via a estrutura social como um princípio abrangente, ao passo que para Barth é o princípio da maximização individual que exerce um papel semelhante. Evans-Pritcha rd retrata se u povo com a estética de uma vida pacata, Barth com a de um quadro cheio de movimento. Leach, que escreveu uma m onografia do mesmo tip o geral , representa ainda ou tro enfoque desse tema. Political Systems of Hig hlan d Burma baseou-se em trabalho de campo entre os kachins e chans do norte de Burma antes e durante a II Guerra Mundial. Quando prestava serviço militar em Burma, Leach perdeu suas notas de campo. Assim, o livro contém poucas declarações literais de informantes e poucos relatos de pessoas reais. S eja o que for que o livro t enha perdido em detalhe emp írico, porém , ele ganhou em pod er analítico, e é possível que seja a mais influente d e todas as monografias da década de 1950.
Political Systems é um livro sobre tensões e conflitos na política. Nisso Leach participa dos interesses do seu principal antagonista na antropologia inglesa, Max Gluckman, embora as perspectivas dos dois sejam radicalmente diferentes. Leach não foi o primeiro antropólogo a estudar a relação entre mito e processo po lítico, mas provavelmente foi o primeiro a suste ntar que ambos são instáveis e abertos a diferen tes int erpretações. Os kachins
operam co m dois modelos distintos de ordem
política:
uma igualitária ( gumlao ) e uma hierárquica ( giimsa ). Em essência, Leach mostrou que a organização política das aldeias kachins oscilava entre esses pólos no longo prazo e que havia elementos ambivalentes em seu sistema de casamento, e m sua or ganização econômica e em seus mitos, elementos esses que poderiam ser invocados
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e explorados para justifica r a ambos . M alinowski estivera equivocado
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ao supor que
mitos são “cartas sociais”. Na versão de L each eles eram cartas para problemas. No primeiro capítulo do livro Leach fez uma im portante distinção entre modelos e realidade que f oi altamente pertinente num
a época em que a validad e dos modelos
da sociedade nuer de Evan s-Pritchard ainda era obj eto de debates caloros os. M ode los, ar gum entava Leach, são idealizações que podem tos de referência simplificados para mais descri ciedade. Mas mesmo
ser úteis em análise , como po n
ções realistas - e dinâmicas - da so
em sociedades totalmente “tradicionais” (
e supostamente está
veis), as normas não são simples planos de ação (como Evans-Pritchard supunha), mas pontos de ambigüidade e de estresse produzidos pelo encontro de interesses opostos c usados por esses interesses
para prom over seus propós itos. Leach não é in
teiramente clar o com relação à dist inção entre modelos imaginados pelos antrop gos e modelos nativos, o que confere às suas conclusões um sabor um tanto e
ólo
specula
tivo. O livro no entanto penetra nas complexidades do mito, revelando níveis de sig nificado até então nun ca vist os. Ele dem onstrou que a vida social é intri nsecamente volátil, que categorias culturais são contestadas e abertas a diferentes interpretações, e enfatizou as funções legiti madoras do m ito na polít ica. Ele exerceu um papel fun damental para estabelecer um programa de pesquisa que continua muito vivo no mo mento em que escrevemos esta página. Para o fim da década de 1960, a atmosfera em Cambridge perdeu parte de sua força porque m uitos alunos tal entosos saíram para iniciar suas at ividades profissio nais. Dep ois da partida dc Richard s em 1967, do grupo srcinal só perm anece ram Le ach, Goody e Fortes . Os interesses de Leach passaram (capítulo 6) , G oody perseguiu seus projetos comp
da polít ica para o simbo lismo
arativos e Fortes se aproximava da
apos entadoria . Dos alunos, Bar th era o ma is influente. Em 1961 ele se tom ou profe s sor de Antropologia Social na Universidade de Bergen, na Noruega, onde criou um departamento dedicado
ao individuali smo metodológico.
As contribuições des se de
pa rtam ento incluíam estudos de qu estões de desenv olvimento no Sudão, em preen di mento e marginalidade econôm ica no norte da Noru ega e —cada vez m ais —relações étnicas. Em 1966 Barth publicou um incisivo opúsculo intitulado
Models o f Social
Organization , um a tentativa vigorosa de d emo lir totalmente o conceito no de sociedade. Barth
sustenta aqui que a estrutura social é um produto
durkheimiade “transa
ções”, trocas pragmático-estratégicas entre indivíduos maximizadores que por fim geram um consenso de valor
- como também as regularidades estatíst
social” a qu e nos referimos como
icas em “forma
sociedade. Essa obra, intensamente inspirada pelas
sofist icadas técnicas de mo delagem formal que estavam ganhando terreno na econo mia e na ciência política na
época , c riou muita polêmica
e provavelmen te foi o ata-
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d e mudança
que mais implacáve l ao estrutural-funcionalismo até hoje livr o pelo qual ele é mais conhecido h
. Em 1967 Barth pub licou o
oje (e ao q ual retoma rem os no capítulo 7), qu al
seja, Ethnic Groups and Boundaries (Barth 1969).
Análise de papéis e teoria dos sistemas O estudo da interação social, qu e sem pre fora o principal sust entáculo da an tro pologia britânica , e que, c om os novos individualista s m etod ológicos, se tomara ain da mais proeminente, nunca havia alcançado a mesma posição nos Estados Unidos, onde o lugar de honra era ocupado pela cultura. Como observamos anteriormente, porém , havia exceções importantes. Vêm -nos à men te a atuação da Escola d e C hica go, os antropólogos econômicos formalistas e as contribuições de Ralph Linton, de orientação psicoló gica (capítulo 4) . Foi Linton que m introduziu a distinção mais tar de habitual entre status e pa pe l (Linton 1937), que (no nivel do indivíduo ) corresp on de muito proxim amen te à distinção posterior zação social (no nivel da sociedade).
de Fi,rth entre estrutura social e orga
N a termino logia de Linton, o
ni
status é definido
po r nor mas morais, pelas ex pe ctativas de outros indivídu os e por uma posiçã o formal da pessoa nu m sistema de relações. Papel, por outro lado, é a expressão do status no comportamento concreto. Enquanto o status é estáti co, um fato dado, muito à sem e lhança do roteiro de uma peç
a teatral, o papel é dinâmico. O pape
l se baseia no
status,
como o desem penho do ator se baseia no manu scrito do dramaturgo, mas não se re duz a el e. A representaçã o do papel exige e poss ibilita interpret ação ativa e distancia men tos criativos com relação
ao roteir o.
Linton fo i também o pri me iro a escrever sistematicamente tre status adquiridos e atribuídos e sobre o conflito de papéis.
sobr e a diferença en Nã o obstante, o t eórico
social mais conhecido por sua teoria dos papéis é o microssociólogo de Chicago Erving Goffman, que realizou estudos minuciosos sobre interação e comunicação em cenários de escala diminuta na sociedade moderna e desenvolveu um aparato conceituai sutil para descrever os rituais e rotinas da vida cotidiana. Em contraste com Parsons - o teórico sociológico dom inante nos Estados Unidos na época —, Go ffman se con centrava sistematicamente no
ator , nas suas mo tivações, estratégias e
decisões. Em The Presen tation o f S el fin Everyday Lif e (1959), ele introduziu sua pe rspe ctiva dramatúrgica na vida social , levando a metáfora do ator num palco mui to além de Linton. Acrescentando ao vocabulário das ciências sociais termos como distância do papel, estigma, subcomunicação e sobrecomunicação, enquadramentos e ritual de interação, Go ffman m ostrou como cad a ator dispunha de espaço de mano bra am plo dentro das lim itações es tabelecidas pelo status. Suas pers picazes observa ções de pessoas interagindo em situações cotidianas, observand
o, interpretando e co-
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municando suas intenções e reações (espontâneas, autoconscientes ou dissimuladas) a si mesm as e umas às out ras - elevaram a novas altur as nossa compreensão da inten sa reflexividade que caracteriza a vida social humana (ver Goffman 1967). Diferentemente de grande parte do tr
abalho empreendido po r antr opólogos ame
ricano s nas décadas de 1950 e 1960, os escri tos srcinais, lúcidos e muitas vezes pro vocativos de Goffman cruzaram o Atlântico rapidamente, onde foram prazerosa mente utilizados na guerra contra o estrutural-funcionalismo, embora o próprio Goffman fosse de fato muito influenciado por Durkheim. Nos Estados Unidos, po rém, sua influência ficou, inicialmente e em grande parte, limitada à sociologia. Ou tra inovação dos primeiros anos do pós-guerra teve um destino um tanto se melhante. A cibernética, a teoria dos sistemas complexos, auto-reguladores (os com pu tado res são um exemplo perfeito), foi desenv olvida pelos fins dos anos 1940 por um grupo interdisciplinar liderado pelo matemático Norbert Wiener (1948), alcan çando imediatamente imp ortância prát ica na configuração de computadores. Ecolo gistas, biólogos, psicólogos da percepção, economistas e especialistas em inúmeras outras ciências tamb ém passaram a aplicar rapidamente a nova teori a. A cibernética entrou na antropologia num está gio inicial graças a Grego ry Bateson, que estava li gado ao grupo de Wiener. A cibernética, uma d iscipl ina com plexa e técnica, concen tra-s e nas relações de causação circular ou realimentação
(feedback ), onde “causa” e
“efeito” se influenci am mutuam ente. Além disso, ela estuda o fl uxo da
informação
nesses circuitos. Conectando circuito a circuito por meio de comutadores lógicos (que dirigem o fluxo por caminhos específicos através do sistema), forma-se uma vasta rede interconectada que transporta impulsos significativos. O ecossistema e o corpo são exemplos de redes assim e, como percebeu Bateson, não há motivo para não d escrever a soci edade da mesma forma. O resul tado é uma espécie de funciona lismo, e, de fato, pode-se dizer que a cibernética torna obsoleta pelo menos parte da criti ca contra a tautologia, a bsolvendo o funcionalismo, pelo m
enos potencialmente,
do seu pec ado mais evidente. A antrop ologia de inspiraçã o ciberné tica difere d o fun cionalismo, porém no sentido de que todas as conexões internas do sistema devem ser especificadas explicitamente. Em inúmeros artigos, que mais tarde foram reunidos em
Steps to an Ecology of
Mind (1972), Bateson esboçou uma teoria da comunicação humana que ele aplicava (criativam ente e, às vezes, fan tasiosame nte) a á reas tão diferentes como estética, fle xibili dade ecológica, comunicação
animal, esquizofr enia e const ituição do self Uma
contribuição importante foi seu conceito de gens embutidas na comunicação norm
metacomunicação, o qual denota mensa
al que informam o receptor que ele está rece
bendo inform ações de um tipo específico. Comp ondo mensagens desse mo do somos
5
.
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FORMAS DE MUDANÇA
capazes de definir uns para os outros o contexto a que elas pertencem (isso é amor; isso é jog o; isso é politica). Nesse aspecto do seu pensamento, Bateson se parece a Goffman e, como Goffman, ele foi ignorado pe la maioria dos antropólogos am ericanos de su a época. Entretant o, novamente como Goffman, ele exerceri a influência considerá vel, embora não sistemá tica, sobre os antropólogos em quase todos os paises no restante do século vinte. Um mundo em mudan ça exige t eorias talhadas para estudar a mudança. Esse foi o desafio básico enfrentado pelos antropólogos, tanto na Inglaterra como nos Esta dos Unidos. Em ambos os casos também, esse desafio surgiu sobre o pano de fundo de teori as sociais hegemô nicas que descreviam uma da da sociedade (estrutura social) ou da cultura ( inovadores reagiram cora um e
imagem intensamente idealiza
ethos ).
Assim, ambos os grupos de
nfoque voltado para o lado práti
co da vida. Entretan
to, se esses grupos, por um lado, tinham em comum um interesse pelos processos práticos, materiais, da mudança, por o utro eles divergiam p rofund am ente quanto ao modo como esses processos deviam ser estudados. Nos Estados Unidos a redescoberta de Marx e M orga n implicou um foco sobre instituições, análises estru turais de desigualdade, condições de desenvolvimento e subdesenvolvime nto e outros aspec tos da mudança e m larga escala . No que se ref ere à antropologia individualista e psi cológica de Benedict, os antropólogos Stewart, White e seus alunos passaram dos processos individuais para os processos histó ricos de grande escala. N a Inglaterra ocorreu o contrário: a atenção deslocou
-se do coletivo para o individual. A ortodoxia
dominante, o e strutural-funcional ismo, foi coletivista em sua orientação e
era ataca
da nã o somente por o ferecer uma imagem estáti ca, co ngelada, do mundo, m as tam bém po r não deixar espaço de m anobra para o indivíduo. Se, nas análises am ericanas, a mudança era resultado de processos impessoais, históricos, o agente típico da mu dança na Inglaterra era um estrategista calculista ou um empreendedor inovador. Além disso, enquanto os evolucionistas americanos viam o poder (com Marx) como resultado da dinâmica econômica global, os interacionistas ingleses (com Weber) o viam como um recurso político sujeito à competição individual. Assim, o movimen to cm direção à “mudança” seguiu caminhos diferentes. Outras mudanças importantes t amb ém ocorreram na antropologia durante as dé cadas de 1950 e 1960. Este capítulo mo strou como a ec onom ia e a política fora m reconceitualizadas; o próximo mostrará como novas teorias de significado simbólico transformaram a disciplina. Aqui também o cenário nos Estados Unidos e na Ingla terr a foi disti nto, apesar da seme lhança dos problemas co teórico mais importante era francês.
levanta dos. No entanto, o úni
O poder dos símbolos
N o s anos 1950 os antropólogos estavam descobrindo a mudança, seja como mo vimento evolucionário (nos Estados Unidos) seja como inovação individual (na In glaterra). Mas estavam também descobrindo o significado. Especulações a respeito do significado dos símbolos não eram coisa nova. De fato, nos Estados Unidos, a “de scoberta” não foi nada subversiva. Os mais importantes antropólogo
s simbólicos
americanos jovens, Clifford Geertz e David Schneider, consideravam-se herdeiros diretos da tradição boasiana. Na Inglaterra a situação era diferente. Aqui, o estudo do sign ificado ainda estava associado a Frazer, que ha
via especulado extensamente so
bre as funções da magia em The Golden Bough. D urltheim havia estudado a reli gião, mas em seu aspecto ritual, não como um universo de significado.
Seu interesse volta
va-se mais para a prática organizacional da religião do que para seu conteúdo, A so ciolog ia interpre tativa de W eber não era bem conh ecida. A ssim, no contexto britâni co, o estudo do significado estava contaminado de evolucionismo e era evitado. A grande exceção à regra, aqui, foi Evans-Pritchard, que corajosa de Frazer ao estudar a feitiçaria azande, antes de se toma
men te seguira a li nha
r um dos principais prom o
tores do estrutural-funcionalismo. Agora ele se tomaria um apóstata e conduziria a antropologia britân ica a esse novo reino. Na França o caminh o tomado foi totalmente diferente. O estiuturalismo de Lévi-Strauss cra em grande parte visto como o coroamento da tradição derivada de Durkh
eim e Maus s. Ma s era isso mesmo? Intelectuais
franceses posteriores passariam muitos anos debatendo essa questão.
Da função ao significado Abordamos primeiro a situação na Inglaterra. O interesse pelo significado não estava totalmente au sente da corrente predom inante da a ntropologia social britâni ca. Um exemplo que com prova esse fa to foi o artigo seminal de Jack Good y e do teórico literári o Ian Watt, “The Consequ ences o f Literacy” (Goody e W att 1963) [As con se-
6. O POD ER DOS S ÍMBOLOS
119
qüências da literariedade ], onde eles sustentavam q ue a escrita muda de m odo irre versível tanto a estrutura social como a estrutura de raciocínio (ou estilo cognitivo) da socied ade. O artigo, que desencadeou um debate com ramificações complexas , em parte porque cruzava com a concepção elaborada de “ação como texto” proposta pelo filósofo francês Paul Ricoeur (ver Ricoeur 1971) - entra definitivamente na questão do significado , mas trata das funções sociais do significad o, não do significa do em si. Os interesses de Evans-Pritchard eram mais radicais do que isso. Evan s-Pritch ard pod ia dar-se ao luxo de ser radical. Quando ele sucedeu Radcliffe-Brow n como professor em Oxfo rd em 1946, ele já havia escrito duas monografias muito influentes e co-editad o um livr o -A fri ca n Political Systems - que definiam a agenda predominante de pesqu isas da Inglaterra para duas década s. O volume com panheiro, African Systems o fKinship and Marriage, editad o por Radcliffe-Brown e Forde, teve muito menos impacto. Apesar de Firth na LSE e Fortes em Cambridge, Evans-Pritchard foi sem dúvida nenhuma o antropólogo social mais influente da época. Quando, em sua Marett lecture sobre “Antropologia Social: Passado e Pre sente” em 1950, ele repudiou o estrutural-funcionalismo e se afastou do seu profes sor, o fato chegou a ser manchete e tomo u-se conhecido de toda a comunidade antro pológica. Na palestra, Evans-Pritchard afirmou, por um lado. que seria um con tra-senso acreditar que estudos sincrônicos podiam produzir percepções da mesma profundidade que estudos históricos; por outro, que em termos de método a antropo logia social tinha mais em comum com a história do que com as ciências naturais. Com isso, ele estava rejeitando dois dos principais sustentáculos do estrutural-funcio nalismo. Em sua obra posterior Evans-Pritchard abandona a busca das “leis naturais da sociedade” e, com mais realismo, procura compreende r o significado de ins titui ções sociais particulares. Seu segundo livro sobre os nueres, Kinship and Marria ge atnong the Nue r (1951 b), foi muito m ais descritiv o e meno s ambic ioso teoricam ente do que The Nuer. Por outro lado, ele contém menos idéias contest áveis. Em boa me dida, foram os modelos elegantes, mas simples, de ção” descrita no capítulo anterior.
The Nue r que levaram à “revolu
Em 1958 o filósofo Peter Winch publicou The Idea o f a Social Sciente an dlt sR elation to Philosophy, um livro que subseqüentemente exerceria consider ável in fluên cia sobre o discurso antropológico relacionado eom a tradução íntercultural. No livro Winch dizia que é impossível estabelecer conhecimento objetivo, “testável” sobre fenômenos culturais, uma vez que o significado desses fenômenos é de finido pelo universo cultural de que eles fazem parte. Ele adotou uma posição forte mente relativísta, sustentando que não existe posição privilegiada, “independente do contexto” a partir da qual comparar e avaliar outras culturas, exceção feita às nossas
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experiências com uns de processos corporais universais, como “nascimen
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to, cóp ula e
mo rte” (o próprio Winch cita Eli ot nesse ponto). Na visão de Winch, a antropolog social era uma esquisitice cultural ociden
tal em pé de igualdade com a
a
ia
instit uição da
feitiçaria entre os azandes, e não tinha o direito de ver seu acesso ao conhecimento como privilegiado, Winch usou a monografia sobre os azandes como o principal exemplo de uma posição filosoficamente insustentável, visto que Evans-Pritchard apresen tava uma explicação “científica” da cr ença “obviam ente errônea ” em bruxas. E o que dizer se as posições foss
em invertidas? Como podem
os julg ar se uma expli
cação “feiti ceira” da crença “obviame nte errônea” na ciência seria menos verdadei ra? O li vro de Winch foi o ponto de partida de um longo e
importante debate sobre ra
cionalidade e tradu ção cultural, ao qual tanto filósofos como antropólog os deram sua contribuição (B. Wilson 1970; Hòllis e Lukes 1982; Overing 1985). E interessante observar que Evans-Pritchard parece ter chegado a uma posição semelhante independentemente de Winch.
O terceir o volume da tr ilogia sobre os nu-
eres, Nuer Religion (1956), é ma is interpretativo do que explicativo; no
início, o au
tor declara que sua principal ambição é compreender a visão de mundo nuer, e não explicá-la sociologicamente. Niss o, ele está afinado com seu colega de Oxford e co laborador próximo num período mais recente, Godfrey Lienhardt, cuja obra poste rior sobre os vizinhos dos nueres, os dinkas, era igualmente interpretativa (ver Lienhardt 1961). Compreensão e tradução haviam se tomado agora uma tarefa mais ur gente do que explicação e procu ra de “leis” gerai s. Po r outro lado, também é verdade, como diz a aluna de Evans-Pritchard, Mary Douglas (1980), que toda sua produção se caract erizava pela continuidade
- do livro sobre os azandes em diant
Nuer, que m uitas vezes é descrito como o
e. Mesmo
The
arquétipo da ortodoxia, é de fato um livro
evocativo, poético até. Enquanto o foco renovado sobre m udança na antropologia britânica é freqüenteménte descrito como uma transi
ção da estmtura para o proc esso, a mudança de posi
ção de Evans-Pritchard foi um movimento da função para o significado. Especial mente dois de seus descendentes intelectuais cumpririam, nas décadas seguintes à
Marett lecture, a prom essa de combinar uma microssociol ogia voltada à inte gração com um método interpretativo voltado ao significado simbólico. O primeiro foi o alu no de Gluckman, V icto rTu m er (1920-198 3). Durante as dé cadas de 1950 e 1960 ele desenvolve u uma perspectiva sobre os símbolos e a
coesão
social que se tom ou cresc entemen te influente desde então. D iferentemen te de Le acfi, Tumer interessava-se principalmente pelo ritual, não pelo mito; e enquanto Leach via o germe da desagrega ção social nos mitos, Tum er em última análise via os r ituais como fatores de coesão (embora não imutáveis). Como Durkheim havia sugerido,
6. O PODER DOS SÍ MBOLOS
121
eles constit uíam um material excelente para o etnógrafo, pois exp ressavam os valo res centrais e as tensões de uma sociedade num a fo nna intensa mente concentrada. O modo de Tum er abordar os r ituais, um modo orient ado cada vez mais para os símbo los e não para a integra ção social, procurava no entanto combinar um-mteresse pel o significado simbólico com uma noção de coesão durkheimiana subjacente. Numa das monografias britânicas mais influentes dos anos 1950, Schism and C ontinuity in an African Society (Tum er 1957), ele introduziu o conceito do drama social. Com o a
maioria dos seus escritos sobre o ritual, seu foco etnográfico está sobre os ndembus da Rodésia do Norte (Zâmbia), e o principa l problema é uma questão clássi ca, esp e cificamente, como sociedades matrilineares (como a dos ndembus) resolvem o pro blema da integração. Enquanto sucessão, herança e participação no grupo estão sob um único princípio entre povos patrilineares , diferentes direitos e deveres se baseiam em d iferentes critéri os entre grupos matrilineares. No drama social, que tende a ser um nto de passagem, normas subjacentes são dadas como expressão simbólica, e o ritual contribui assim para a integração da sociedade. Embora a monografia fosse estrutural-funcionalista em seus pressupostos bási cos, sugeria que a mudança emsérie andamento. um er desenvolveu sua influ ente ela teoria da comunicação ritualestava n uma de artigoTs escritos nos fins da década de 1950 e inícios dos anos 1960, e publicados em 1967 com o título The Ritual Process. Em “ Betwixt and Between: The Liminal Period in Rites-de-Passage” , ele introduzi u o conceito de liminaridade , mais tarde um con ceito básico em estudos antropológi cos do ritua l (e, às vezes parece, em quase tudo o mais). Aprove itando a indicação de uma obra anterior sobre ritos de passagem, de van Gennep, Turner considera o ritual, e de modo particular o ritual de iniciação, como um processo de transformação pelo qual o iniciando passa de um estado definido a outro, com um período intermediário de incerteza e crise.
É esse estado de cri se - o estágio liminar - que constit ui o foco do ritual, que pro cura controlar e impor os valores da sociedade sobre o indivíduo vacilante que, por um período breve mas crítico, não está aqui nem ali. Nesse “interstício” entre status sociais não se aplicam regras antigas nem novas, e o indivíduo é compelido a refletir sobre sua situação, sobre seu lugar na sociedade e na verdade sobre a existência da sociedade em si. Assim, liminaridade é tanto um “estado de ser” crítico como criati vo, c a mudança parece um potencial de qualquer ritua l. E todavia , no fim, o iniciado é quase sem pre reintegrado na sociedade . Em outras palavras, a obra d e Tum er dá continuidade tant o aD ur kh eim quanto a Gluckman, mas ela se distingue pelo destaque dado ao indivíduo , pela preocupação com o significado dos símbolos e pelo foco sobre fases críticas no processo social.
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Tum er também enfati zou a multivocalidade ou múltiplos significados implicando que os símbolos em
si mesmos poderiam ser uma
An t
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dos símbolos,
font e de m udança re
pleta de tens ão e que símbolos idênticos po deriam sign ificar coisas diferentes para diferentes pessoas, cri ando assim um senso de com unidade entre pessoas que de ou tra forma seri am diferentes . No prazo de outras duas décadas, e ssa última i déia seria adotada por estudantes do nacionalismo. Outro africanista de descendência e
strutural-funcionalist a que daria à antropo lo
gia soci al um impulso decisivo para o estudo
dos símbolos em seu contexto social f oi
Mary Douglas (1921-). Aluna de Evans-Pritchard, Douglas estudou os leles do Kasai, Congo B elga, no f inal da década de 1950. Esse estudo a aproxim ou da antro polo gia francesa e bel ga, e ela acabou sendo m ais influenciada por Durkh
eim do que por
Radcliffe-Brown. Sua obra inicial mais influente não foi à monografia que resultou do trabalho de campo, mas um estud o teórico e comparativo das fronteiras simbóli cas e da classificação, Purity andDan ger (19 66), O livro combina um estrutural-fun cionalismo quase ortodoxo com u
ma análise si mbólica altamen te sofist icada apoiada
tanto em impulsos estrutural istas como psicanalí ticos. De enorme sucesso tanto de n tro como fora da antropologia, Purit y an dD anger é, de certo modo, um a contraparti da inglesa a Pattern s o f Cuhure. Em amb os os casos o f oco são a identidade e os va lores grupais; Benedict, porém,
não vai além dos aspectos simbólicos da cultura, ao
passo que Dpu glas-relacion a coe rentem en te símbolos com instituições sociais, ao modo durkheimiano clássico. Na visão de Douglas, símbolos são meios de classifi cação social que distinguem
entre várias categorias de objetos, pessoas ou ações e as
mantêm separadas. A ordem do sistema classificatório reflete e simboliza a ordem social, e os fenômenos “intermediários”, “inclassificáveis” representam portanto um a am eaça à estabil idade social . Seipentes (animais sem pernas) e substâncias que entr am e saem do corpo são consideradas problemáticas. Alime organizados em hierarquias de “puro”
ntos são muitas vezes
e “poluído”, o que não tem nada a ver com se u
valor nutricional. O resíduo do coipo é universalmente poluidor e potencialmente perigoso, uma vez qu e simbo lic am en te de safia a or de m existente. Onde Barth, po r exemplo, veria uma pessoa não ortodoxa, inclass
ificável como empree ndedo r poten
cial, como alguém que poderia produzir mudança, Douglas veria a mesma pessoa como uma anomalia classificatória. Esse contraste indica as diferenças entre pers pe ctivas sistêmicas e ce ntradas no ator, como apa reciam na an tro po logia inglesa na década de 1960. Tanto Douglas como Tumer aperfeiçoariam e expandiriam suas perspectivas no d ecorre r das décadas seguint es. Douglas, que continua ativa atualmente, realiza ria por fim um trabalho pioneiro sobre consumo econômico (Douglas e Isherwood
6. O POD ER DOS SÍ MBOLOS
123
1979), percepção de risco, tecnologia moderna e antropologia institucional. Tum er, que se mudou para os Estados Unidos em 1961, desenvolveria suas idéias de liminaridade numa teoria geral de desempenho ritual (Tumer 1969, 1974, 1987). Tumer morreu em 1983, mas sua influência continuou aumentando nas décadas de 1980 e 1990, quando seu interesse pelo jogo performativo e pela reflexividade seria bem acolhido pelo movim ento pós-m odem ista na antropologia e por antropólogos envol vidos com estudos sobre experiência corporal, sobre emoções e sobre as dimensões simbólicas do poder (capítulo 8). Em bora seu itinerário intelectual passasse assim de um estrutural-funcionalismo bastante ortodoxo a um foco ra dical voltado à estética e à performanc e, ele continuou essencialmente um durkheimiano - mas de uma lin ha durkheimiana radicalmente diferente da seguida por Radcliffe-Brown.
Etnociência e antropologia simbólica Enquanto muitos antropólogos nos primeiros anos do pós-guerra, especíalmente na Inglaterr a, rejeitassem tentat ivas de transform ar a antropologi a num a ciência exa ta, outros seguiram na direção oposta. Isso aconteceu não som ente com ecologis tas culturais americanos e indiv idualistas metodológicos ingl eses, mas também - sur preendentemente, talvez - com pessoas em atividade no contexto espaçoso da antro pologia lingüística americana. Vários sucessores de Sapir exploraram m inuciosame nte a semântica e as estrutu ras da linguagem em sociedades tradicionais. Alguns desses pesquisadores criaram métodos quan titativos talhados par a medir freqiiència s e relações entre te rmos nati vos e trabalharam em estreita colaboração com psicólogos, lingüis tas e outros envol vidos no campo interdisciplinar emergente da ciência cognitiva (capítulo 9). Desta cam-se entre esses Harold Conklin, Charles Frake e Ward Goodenough; todos cola boraram para o desenvolvimento da etnociência nos anos 1950. A etnociência tinha como objetivo descre ver “gramáticas culturais” através d a identificação dos compo nente s básicos de universos semânticos ou sistemas de conhecimento. Eles se basea vam tanto no interess e da escola da cultura e personalidade pela socializaç ão, na lin güística fonnal, quanto no estudo comparativo da classificação, área em que tanto Sapir como W liorf (e antes deles Durk heim e Mauss) haviam realizado um trabalho inovador. Em sua forma mais técnica, a etnociência apareceu como análise componencial, a qual com binava antropologia lingüística e métodos quantitativos com o in teresse geral da década de 1950 pelo parentesco. Em sua fonna srcinal, a etnociência desapareceu em algum momento durante a década de 1960, mas as questões gerais por ela levantadas foram retomadas mais tarde
H
124
i st
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d a a nt
r op ol
ogi
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pela antropologia cognitiva (ver D’Andrade 1995; Shore 1996). Independentemente da metodologia, em grande parte essas questões dizem respeito à relação entre o uni versal e o culturalme nte específico nos sistemas de conhecim ento humano! Um campo inicial e relativame nte simples explorado desse mod o foi a classi ficação de cor . Houv e também paralelos interessantes entre os interesses da etnociência e o debate da racio nalidade, emergente na Inglaterra, de um lado, e os interesses do estmturalismo Iévistraussiano, de outro. Entretanto, diferentemente tanto de Winch como de Lévi-Strauss, os etnocientistas trabalhavam indutivamente, reunindo imensas quantidades de dados que eram processados pelos enormes e lentos computadores da época. Depois da mo rte de Boas o pa ter famílias da antropologia americana foi Kroeber. Com Clyde K luckhohn (1905-1960), ele publicou, em 1952, Culture: A Criticai
Review o f Concepts a ndDejinitions, um a obra que analisa 162 definições de cultura e termina recomendando o abandono do conceito totalizante de Tylor e Boas em fa vor de uma definição limitada à cultura cognitiva (simbólica, significativa). Na década de 1950 a antropologia am ericana ain da era em grande parte domina da pelos alunos de Boas, os quais produziam uma obra bastante previsível na tradi ção culU ira e personalidade, muitas vezes incorpo rando idéias durkheimianas e weberianas que aos po uc os se tomav am aceitas nos Estados Unidos, em boa medida graças ao trabalho de Parsons, que colaborava com vários dos principais antropólo gos da época. Uma das monografias mais interessantes desse período foi
Navaho
Witchcraft (1944), de Kluckhohn, que se assemelha à monografia de Evans-Pritchard sobre os azandes, enquanto procura comb
inar uma análise sociológica, funcio-
nalista, com uma perspectiva psicológica. O movimento em direção ao esfiido do significado que ocorreu na antropologia inglesa teve seu análogo nos Estados Unidos, em parte por influência de Parsons. Parsons, o principal cientista social nos Estados Unidos nos anos 1950, alimentava sonhos grandiosos para as ciências sociais e mantinha excelentes relacionamentos com agências financiadoras.
Ele sugeriu uma “divisão tem porária do trabalho” entre
sociologia e antropologia, de aco rdo com a qual os s ociólogos estu dariam o poder, o trabalho e a organização social, e o s antropólogos (coe rentemen te com a nova e cog nitiva definição de cultura) se concentrariam nos aspectos simbólicos e significati vos da vida so ci al Num artigo conjunto de Parsons e
Kroe ber em 1958, essa “trégua”
(como os próprios autores a chamaram) foi endossada programaticamente (ver Kuper 1999: 69). Em bora a antropologia americana no século vinte tenha sem pre se concentrado principalmente no simbólico, esse fato acarretou uma maior delimita ção do tema - ou, pelo menos, de parte del e.
6. O POD ER DOS SÍ MBOLOS
125
Geertz e Schneider
Dois alunos de pós-graduação que receberam fundos através de um programa parsom ano-kroeberiano conjunto em Harvard foram Clifford Geertz (1926-) e David M. Schneider (1918-1995). Ambos participaram de projetos interdisciplinares du rante o doutorado - Schneider realizando trabalho de campo em Yap, na Micronésia; Geertz em Java. Ambos endossaram na época a definição cognitiva de cultura, com Geertz, em sua obra inicial, distinguindo cuidadosam ente entre duas “lógicas de inte graçã o” : a sociedade, ou a estrutura soci al, era integrada “causal-funcionalme nte, en quanto a cultura, ou o reino simbólico, era integrada “lógico-sigrtificativamente”. Os dois subsistemas, dizia ele, fiel à “trégua” dos anos 1950, podiam em princípio ser estudados independentemente um do outro. Nos anos 1960 Geertz e Schneider chegaram à condição de antropólogos simbó licos americanos mais importantes (com Turner, que então já estava nos Estados Unidos), com programas de pesquisa diametralmente opostos às concepções materi alistas dos alunos de Steward, como Wolf e Sahlins (colega de Geertz e Schneider em Chicago durante algum tempo). Tanto Geertz como Schneider por fim viram a “divisão do trabalho” entre sociologia e antropologia como uma limitação, mas em vez de reconquistar o social eles expandiram o campo da cultura como um sistema simbólico. Eles passaram a promover uma idéia de cultura como um sistema inde pendente, auto-sustentável, que podia perfeitamente bem ser estudado sem levar em consideração condições sociais. Essa visão enfren tou oposição na Inglater ra, onde a idéia de que o significado podia ser estudado sem levar em conta a organização social parecia explicitamente absurda. A obra mais conhecida de Schneider é American Kinship (1968), um estudo de termos de parentesco am ericanos baseado em dados de entrevistas coletados por seu s alunos. O “Projeto de Parentesco Americano” foi resultado de uma colaboração en tre Firth e Schneider. Os dois antropólogos, que haviam passado um ano juntos na Universidade S tanford no fi nal dos anos 1950, concordar am que seria importante e s tender às sociedades modernas a tradição antropológica dos estudos sobre o paren tesco, e deram início a um projeto comparativo sobre o parentesco na classe média em Londres (Firth) e Chicago (Schneider). Em bora o aspecto comparativo do projeto nunca fosse realizado e os dois estudos fossem publicados sep aradamente, o livro de Schneider se tomou mu marco das pesquisas do parentesco, em parte porque de monstrou que os estudos do parentesco em sociedades complexas eram possíveis e interessantes, e em parte porque fundamentalmente questionou o modo como os an tropólogos pensavam sobre o parentesco.
126
. H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
Depois da deserção de Evans-Pritchard os estudos do parentesco continuaram sen do o último baluarte do estrutural-funcionalismo, ainda não afetado pelo novo indivi dualismo metodológico. Então, em 1962, John Bames publicou o artigo crítico “Mo delos africanos nas Terras Altas da Nova Guiné” (reimpresso em Barnes 1990), que demonstrou conclusivamente que a teoria das linhagens segmentares, que havia sido aplicada com tanto sucesso na África, não podia ser transferida para o contexto da Nova Guiné sem distorcer seriamente os dados. O problem a não eram os termos de pa rentesc o em si. E ra possível inteipretar o material da No va Guiné do modo ortodoxo, mas essa interpretação se opunha à compreensão e às práticas nativas do pare ntesco. O livro de Schneider definia uma posição semelhante, mas suas conclusões eram mais radicais. Enquanto Firth, em seu gabinete em Londres, havia catalogado um conjunto bastante padron izado de termos de parentesco, o s informan tes de Schneider eram solicitados a dar informações sobre todos os parent es com quem tinham algum tipo de relação parental. Esse procedimento possibilitou uma visão muito mais am pla do parentesco; na verdade, ficou claro que o parentesco constituía todo um uni verso cultural, deut ro do qual os informantes se movim entavam à vonta de. Essa per cepção implicava que a idé ia de parentesco como modelo de relações hum anas com base biológica era defeituosa. Essa não era um a observação nova, mas, na versão de Schneide r, um a cultura podia construir parentesco inteiramente do nada, sem nenhu ma referência a quaisquer laços sangíií neos. Além disso , na “cultura do parentesco” cada termo derivava seu significado da rede semântica integrada da qual ele fazia parte e que era única para a cultura em questão. Isso significava que mesmo term os de parentesco básicos, como “ pai”, ter iam d iferente s significados em d iferente s cul turas de parentesco - o que abalava t odo o projeto dos estudos de p arentesco com pa rativos que haviam sobrevivido desde M organ. A redefinição de parentesco de Schneider, passando de estrutura social a cultura, temfoiparalelos no t rabalho Geert z. A parceria de Geertz com Parsons Harvard já mencionada. Porém,deinfluências da sociologia européia, de Boaseme da própria ecologia cultural de Steward também são visíveis. O trabalho inicial de Geertz abrangia uma ampla variedade de te mas, desde ecologia (1963a) e economia (1963 b) até religião (1960). Seu ffeqüentemente citado e eloqüente artigo sobre “descrição densa” (1964, reimpresso em Geertz 1973) def ine seu credo me todológico e susten ta, na mesma linha de Malinowslci e Boas, que os antropólogos devem procurar des crever o mundo do ponto de vista do nativo. Dos sociólogos europeus, Geertz conhe cia Durkheim e Weber, além de Alfred Schütz (1899-1959), um fenomenólogo so cial alemão que insistia numa abordagem interpretativa à ação. O impulso intelec tual decisivo na obra madura de Geertz, porém, é do filósofo francês Paul Ricoeur
6. O PODE R D OS SÍ MBOLOS
127
(1913-), que havia afirmado que a sociedade (ou cultura) pode ser interpretada como um texto, com a a plicação dos métodos inteipretativos da hermenêutica desenvo lvi dos especificamen te para esse fi m. A herme nêutica é um método de interpretação de texto que tem suas raízes na exegese medieval, especialmente na Bíblia, e que tem sido usado extensamente desde então por historiadores, teóricos literários e filóso fos. Muito resum idamente, ela parte do princípio de que um texto é simultaneamen te um con junto de partes individuais e um todo inteiriço, e que interpretar o texto é re a lizar um movimento pend ular entre ess es dois p ólos. Quan do Geertz introduziu essa noção na antropologia, ela parecia deixar clara a dist inção entre individualismo me tódico e coletivismo, uma vez que uma sociedade não pode ser compreendida sem le var em conta ambas as perspectivas. Por outro lado, ela ta mbém pa recia implicar que fenômenos sociai s precisam ser “lidos”, não apenas pelo antropólogo, mas também pelos próprios membros da so ciedade. Em o posição aos antropólogos ingleses, que se concentravam no indivíduo como um ator (normativo ou estratégico), Geertz introduziu assim o indivíduo como leitor. Contra o pressuposto desses antropólogos de que a sociedade era constituída racionalmente e que o indivíduo podia participar dela através da atividade racional, Geertz preconizava a idéia de qu e muitas vezes o mundo é incompreensível e que o sujeito deve interpretar ativamente o que ele vê. Assim, no artigo “Religião como sistema cu ltural” (1966 , reimpresso em Geertz 1973), ele defendeu que a religião não é principalmente um subsistema funcionalmente integrado de um todo social, mas um meio para que os indivíduos compreen dam o mundo. Em 1973 os primeiros arti The lnterpretation ofCultures , e gos mais importantes de Geertz foram reunidos em sua repu tação não deixou de cresc er desde então. Du rante a década de 1980 em parti cular, ele era visto como uma espécie de pós-mod ernista avant la lettre , embora pare ça óbvio aos autores deste livro que essa é uma visão simplista, pelo m enos em parte. Lévi-Strauss e o estruturalismo
Filho de pais judeus prósperos de classe média culta, Claude Lévi-Strauss (1908-) estudou Filosofia e Direito em Paris no início dos anos 1930 e participou do círculo intelectual em tomo do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. Em 19351939, ele trabalhou como pro fessor na Univ ersidade de São Paulo, Brasil, e realizou viagens de campo curtas a vários povos da região amazônica. Sendo judeu, ele tor nou a sair d a França d urante a II Guerra Mundial, e por interm édio de M étraux e Lowie, recebeu oferta de emprego da New School of Social Research, em Nova York, onde permaneceu até 1945. Enquanto esteve em Nova York e le foi influenciado pela antropologia boasiana e conheceu o grande lingüista russo-americano Ro man Jakob-
128
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
son (1896-1982), cuja lingüística estrutural se tornaria o principal sustentáculo do trabalho posterior de Lévi-Strauss. Ele concluiu o doutorado em Paris em 1947 e pu blicou sua dissertação em 1949, com o título Les Structures élémentaires de la pa rente (The Elementa ry Struc tures o fKi nshi p , 1969). Esse livro revolucionaria os es tudos sobre o parentesco. Seis anos depois, Lévi-Strauss publicou uma narrativa de Tristes Tropiques (1955), um relato viagem antropológica até hoje insuperável, abrangente, bem escrito e complexo, tão repleto de passagens sugestivas e inquietan tes que seria inútil resumi-lo aqui. Em seguida, decorridos outros três anos, veio a lume uma coleção de artigos, Anthropologie structurale (1958; StructuralÂnthropology, 1963a). Juntas, essas três obras consolidaram a reputação de Lévi-Strauss como um pensador extraordinário, com conhecimento etnográfico e teórico vasto, e delinearam o monumental trabalho d e toda uma vida que seria desenvolvido ao lon go das quatro décadas seguintes. Até esse momento Lévi-Strauss havia também consolidado o estruturalismo, a abordagem teórica que lhe dá notoriedade. O estruturalismo é uma teoria que procura apreender as qualidades gerais de sistemas significativos ou, em termos m ais conhe cidos, presentes própria obra Lévi-Strauss, de sistemasemdesi parentesco ecatego de mi tos. Esses sistemasnaconsistem em de elementos, mas os elementos não são rias ou objetos delineados, mas relações. Um sistema de parentesco, por exemplo, é um sistema significativo, e assim consiste em relações, mais do que em posições (status). Um pai não é em si mesmo um pai, mas apenas em relação a seus filhos. A idéia do significado como relação não era em si no va. E la constituía um co m ponente importante da linguística estrutural de Jakobson e também da lingüística se miótica criada por Ferdinand de Saussure antes da í Guerra Mundial. Em ambos o signif icado deriva da re lação - o contras te ou a difer ença - entre el ementos lingüís ticos (fonemas, palav ras, signos). O significado relacional era tamb ém fundam ental na cibernética - como Bateson gostava de diz er, significado é uma “diferença que faz diferença” (1972: 453). Finalmente, e mais importante, o significado relacional está implícito na análise que Mauss fez do presente. Aqui os objetos ficam carregados com o poder mágico das relações pelas quais el es transitam. É a troca que dá ao pre sente o significado que ele tem (v er Lévi-Strauss 1987a [1950]). A vantagem de reduzir sistemas significativos a estruturas de contrastes é que o fluxo do tempo no interior d o sistema e stá congelado. A língua viva é reduzida a uma grajnática estitiea. A expressão confusa do parentesco na prática é reduzida a uma estrutura lúcida, formal. De modo aproximado, a análise estruturalista consiste, pri meiro, em trazer essa estrutura à superfície; segundo , em deduzi r seus princípios sub jacentes - sua “lógica” ; e, finalmente, em chegar a uma “lógica.das lógicas” univer
6. O PODE R DOS SÍMBOLOS
129
sal da comunicação humana. Não precisamos deter-nos aqui nos aspectos técnicos desse processo, mas esboçaremos brevemente como ele foi expresso em As estrutu ras elementares do parentesco.
A reputação do funcionalismo estrutural assen tava-se em grande parte em suas análise s dos sistemas de linhagem segmentária, que pareciam provar além de qual quer dúvida razoável o papel do parentesco como o princípio organizacional funda mental em sociedades tribais. A teoria da linhagem, por sua vez, pressupunha uma ênfase especial às relações de parentes co linear (av ô-pai-filho), enquan to as relações laterais (marido-mulher, irmão-irmão) eram freqüentemente subestimadas. As estru turas elementares do parentesco desordenou tudo isso. Na visão de Lévi-Strauss o parentesco não era principalmente um modo de organização social, mas um sistema significativo, um sistema de relações, e a principal relação não era o laço “natural” de sangue (p ai-filho), mas o laço construído socialmente entre marido e mulher. O casa mento é o ponto de indeterminaçâo no parentesco b iológico - você não pode escolher seus pai s, m as deve escolher seu cônjuge . Para Lévi-Strauss essa escolha é a fissura pela qual a cultura penetra no parentesco, transformando a sociedade tribal de biolo gia em cultura. Evidentemente, a integridade dessa escolha deve ser salvaguardada. Ela não deve parecer como determinada pela natureza. Você não deve casar-se com seu ir mão ou irmã; eles são “próximos demais”, “naturais demais”, seria algo muito pare cido a você se casar com você mesmo. Não adiantaria nada “escancarar” o seu mun do, dar-lhe significado relacionando-o com alguma outra coisa. No casamento, como praticado em sociedades tribais, as mulheres são trocadas entre grupos de ho mens, formando-se entre es ses grupos uma relação signific ativauma relação de parentesco lateral que Lévi-Strauss chama de aliança. Da í é deduzi da a lógica do par entesco - ou seja, das rela ções de parentesco laterais, não das linea res. O resultado é uma teoria diametralmente oposta à teoria da linhagem que põe a aliança acima da descendência, o contraste acima da continuidade, a arbitragem aci ma das normas, o significado acima da organização. Numa carta bastante animada escrita perto do fim de sua vida Radciiffe-Brown disse ao francês que eles provavel mente sempre falariam sem se entender. Não obstante, Lévi-Strauss expressa mais respeito por Rad ciiffe-Brow n do que por M alinowski, “para quem c ultura é me ramente uma gigantesca metáfora para digestão” (Lévi-Strauss 1985). RadciiffeBrown e Lévi-Strauss tiveram um intere sse comum em revelar as estruturas ocult as que regiam o pensamento e a vida social e um antepassado comum em Durkheim. E embora pertencessem a segmentos muito diferentes em sua linhagem, “o sangue [para dar a última palavra a Radciiff e-Brown] é mais espesso do que a água” .
130
. Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a Os demais escritos de Lévi-Strauss são difíceis de resumir. Seus livros são lon
gos, eruditos, repl etos de fatos e interligados por alguma
forma de pensar muito so
fistic ada e às vezes muito técnica. Assim , Le Totémisme aujourd ’hui (1961; Totemism, 1963b) parece ser uma análise do conceito de totemismo (que é desacreditado), mas é tamb ém (entre outras coisas ) um a críti ca muito am bígua da oposição ocident al entre natureza e cultura. La Pensée sauvage (1962; The Savage Mind, 1966) analisa um a di cotom ia bastante padronizada, “primitivo” versus “moderno”, reminiscente de Dürkheim, Weber ou Tönnies, mas começa com u m inventário do conhecimento detalhado que os “primitivos” têm do seu ambien te natural e term ina com um a crítica à teoria da histó ria defendida por Sartre. No primeiro capítulo desse livro, “A ciência do concreto”, Lévi-Strauss estabelece a base do pensamento “selvagem” ou “mítico” (em contraste com o “moderno” ou “científico”). Ambos são igualmente complexos e igualmente racio nais, mas suas racionalidades governantes são diferentes. O
bricoleur começa com o
mundo que é diretamente acessível aos seus sentidos. Ele relaciona uns aos outros os ob jetos encontrados nesse mundo, e a partir deles constrói estruturas de significado, que então são narradas, por exemplo, como mitos. Assim, ele cria
eventos. O engenheiro, ao contrário, cria
estrutura a parti r dos
eventos a partir de estruturas. Ele começa
com uma matriz, uma abstração que os sentidos não podem perceber, e através da manipulação dessa matriz ele muda o mundo real.
The Savage Min d assinala a transição de Lévi-Strauss do “período do parentes co” ao seu “periodo da mitologia”. A obra mais notável desse último período é
Mythologiques, uma compilação
vasta , em quatr o volumes - e análise do mito nati
vo americano, publicada entre 1967 e 1974. A pura e simples complexidade dessa obra limitou sua influênci a, do m esmo mo do que a (relat iva) simplicidade de
The Sa
vage Min d a tomou extremamente popular.
Impacto inicial O impacto de Lévi-Strauss sobre a antropologia anglo-saxã foi limitado antes dos anos 1960 e suas prim eiras obras de mo raram para ser traduzidas para o inglês.
The Ele
mentary Structures ofKinship só foi traduzido em 1969, sendo durante longo tempo conhecido apenas indir etamente, através de uma introdução escrita por
um antropólo
go holandês —fundador de outra escola estruturalista mais antiga —J.P.B. Josselin de Jong (1952). Apesar da escassez de textos traduzidos, Lévi-Strauss foi desde o início um autor controverso e influent e. Na França o estrutural ismo se tom ou uma alternativa ao marxism o e à fenom enolog ia nos anos 1950, e o seu impacto sobre a vida intelectual de modo geral foi pelo menos tão forte quanto na antropologia. Intelectuais importan tes de campos diferentes da antropologia, como Roland Barthes, Michel Foucault e
6. O PO DE R DOS S ÍMBOLO S
131
Pi en e Bourdieu, foram educados no estmturaíismo e mais tarde se rebelaram contra ele - e essa revolta foi por sua vez detectada e debatida pelos antropólogos, que acaba ram introduzindo esses autores nos cânones da antropologia. Na Inglaterra Leach foi o primeiro antropólogo importante ajunta r-se a LéviStrauss. O próprio Lévi-Strauss havia comentado bastante extensamente sobre o pa rentesco entre os kachins, Leach reconheceu a relevância das con clusões do francês para os eseus próprios estudos.imediatamente Leach descobriu no estruturalismo uma alternativa sofisticada ao empirismo inglês, freqüentemente caracterizado pelo senso co mum e pelo prosaísmo, e em 1970 ele escreveu uma introdução a Lévi-Strauss que aumentou substancialmente o conhecimento da obra do autor francês no mundo de língua inglesa. O antropólogo de Oxford, Rodney Needham, que havia estudado com Josselin de Jong em Leiden, foi outro entusiasta inicial de Lévi-Strauss, apesar de ter certas reservas desd e o princí pio (Needh am 1962). Essas reservas aumentaram ainda mais depois de um a troca de corresp ondência infeliz com o próprio L évi-Suauss que, num prefácio de expressões carregadas à edição inglesa do seu livro sobre parentesco, rejeitou a in terp re tação dada por N ee dham à su a teo ria do p are nte s co. De sua parte, Needham continuou a desenvolver o pensa mento estruturalis ta so bre classificação e parentesco em direções inovadoras, mas sem fazer qualquer refe rência a Lévi-Stra uss. A maioria dos antropólogos ang lo-americanos, porém, suspei tava profundamente do estruturalismo. O que os perturbava eram os modelos abstra tos e o raciocínio dedutivo de Lévi-Strauss. M uitos considerav am sua obra inútil por que não podia ser testada empiricamente (uma avaliação da qual Lévi-Strauss dis cordava enfaticamente). A teoria do parentesco de Lévi-Strauss (muitas vezes referida como teoria da ali ança, em oposição à teoria da descendência estmtural-funcionalista) já era debatida náInglaterra durante a década de 1950 (embora incompreensões fossem inevitáveis por causa da falta de traduções). No meio estmtural-ftmcionalista aumentava cada vez mais a insatisfação com a teoria da descendência, que parecia incapaz de explicar os sistemas de parentesco não unilineares. O foco estruturalista sobre troca e aliança parecia oferecer condições para resolver esses problemas, pois atribuía peso maior às relações de parentesco laterais do que às lineares; por isso ele foi muito bem aceito por antropólogos que trabalhavam em sociedades sem grupos de descendência clara mente unilineares. Assim, num célebre debate na revista Man , em 1959, Leach de fendeu as idéias de Lévi-Strauss, ao passo que Fortes argum entou a favor do modelo da descendência. Mesmo Leach, porém, pode ter se equivocado a respeito das inten ções de Lévi-Strauss, que eram menos sociológicas e mais voltadas para o significa do do que seus colegas britânicos tendi am a acreditar. A semelh ança da controvérsia
132
Hist ór ia d a ant r op ol ogi a versus
formalista-substantivista na antropologia econômica, o debate aliança
des
cendência nos estudos do parentesco esgotou-se aos poucos pelos fins dos anos 1970. Por essa época, a tendência era
considerar os dois sis temas como complem en
tares (uma tradição cujas srcens podem rem ontar a Morgan), e o próprio Lévi-Str auss propôs um a teoria do pa rentesco que parecia integrar am bas as perspectivas (ver Lévi-Strauss 1987b). N a França Louis D um ont (1911-1998) desenvolveu sua própria versão de estrutural ismo, combinando impulsos de Lévi-Strauss com
a sociologia européia clássi
ca (D urkheim, Tõn nies) num a influente teori a da integr ação social e do signi ficado simbólico. Dumont, que é especialmente bem conhecido por seu erudito estudo so bre o sistem a de castas indiano, Homo Hierarchicus (1968), postulav a que a casta era um sistema cultural de classificação, mais do que um meio fu
ncional de organização
social (uma visão semelhante à de Needham). Ele enfatizou a irredutibilidade das categorias indianas (hindus), em explícita oposição a antropólogos políticos como Bar th, qu e haviam descrito a casta em termos puram
ente so ciológicos,
e susten
tou que atores estraté gicos eram movidos pelos mesmos tipos de motivações que os europeus. Ainda assim, Dumont seguia uma orientação mais sociológica do que Lévi-Strauss, e sua an álise enfatiza a singularidade d a cultura, dos valore s e das cate gorias indianos, O estado da arte em 1968
Até 1968 a antropologia havia se tomado uma disciplina bem diversificada. O simpósio “Man the Hunter” acabara de ser realizado, demonstrando a força de uma antropologia orientada para a ecologia . A antropologia interpr etativa de G eertz havia começado a exercer sua influência. Estudos do campesinato na América Latina e no Caribe haviam se tornado as principais áreas de estudos em alguns departamentos america nos. O “transacionalismo” ra dical de Barth (sua expressão preferida era “aná lise de processo gerativo” ) convivia com a revitalização criativa do estrutural-funcio nalismo promovida po r Douglas e Tumer. O debate da racionalidade estava em and
a
mento, o formalismo se defrontava com o substantivismo, a teoria da aliança enfren tava a teoria da descendência, enquanto
o estrut uralis mo assomava no horizonte
e jo
vens radicais marxistas e feministas aguardavam nos bastidores sua fatia do bolo acadêmico. Novas revistas, conferências, seminários, séries de monografias e insti tuições voltadas à pesquisa antropológica fizeram contribuições im
portantes para o
crescimento e diversificação da antropologia. A expansão demo gráfica fora extraordinária. Em ram o doutorado no s Estados Unidos. Até
1950 apenas 22 alunos concluí
1974 es se número havia chegado
a 409,
6. O POD ER DOS SÍ MBOLO S
133
um a proporção que se manteve estável pelo menos até meados de 1990 (Givens e Jablonski 1995). Entretanto, a disciplina havia crescido não só em complexidade e ta manho, mas também em dispersão geográfica. As antropologias holandesa, escandi nava, italiana e espanhola passaram a fazer parte da corrente predom inante - nos dois primeiros casos, a influência anglo-am ericana era mais forte; nos outros dois, os im pulsos principais procediam da França. Em vários países latino-americanos, especial mente no México, no Brasil e na Argentina, antropologias indígenas influenciadas tanto pela escola de Boas, por Steward e seus aluno s, como pela antropologia france sa, floresceram e realizaram pesquisas entre indígenas e entre camponeses. Apesar de for tes ambientes não metropolitanos como Leiden e Bergen, porém, a disciplina continuou centralizada. Na Inglaterra, Oxford, Cambridge e Londres ainda segura vam as rédeas, não obstante M anchester estar se tornando um a força a ser levada em conta e a antropologi a ser ensinada em vários out ros lugares. Nos Estados U nidos a dispers ão era maior, pois os núm eros eram m aiores, mas universidades proeminentes como Colúmbia, Yale, Harvard, Berkeley, Stanford, M ichigan e Chicago ainda lide ravam. N a F rança todos os caminhos levavam a prestigiosas instituições em Paris. As décadas de 1950 e 1960 também testemunharam uma diversificação conside rável das áreas centrais para pes quisa etnográ fica. Du rante os anos 1920 e 1930 a an tropologia inglesa expandiu-se do Pacífico até a África, enquanto a antropologia americana realizou um m ovimento menos acentuado da América do Norte nativa à s Américas Central e do Su l. Na F rança tanto a África como o Pacifico eram im portan tes desde os anos 1920 e, depois da guerra, G eorges B alandie r fortaleceu ainda mais a orientação africana (Balandier 1967), enquanto Dumont e seus alunos afluíram para o subcontinente indiano e para a Oceania. Até 1960 as terras altas da Nova G ui né haviam se tomado um a área mu ito fértil par ape squ isa etnográfica, e com essa mu dança surgiram novas perspectivas sobre relações de gênero, guerra, troca e paren tesco. P ois emb ora a pesquisa antropológica possa ser reali zada em qualquer lugar, cada região tende a propor novas questões aos etnó grafos. Apesar de tentativas ocasionais de diálogo, o contato entre as três tradições na cionai s dom inantes ainda era p equeno. C omo mo stramos repetidamente nos dois úl timos capítulos, os interesses de pesquisa eram quase sempre semelhantes, mas as abordagens teóricas eram suficientemente diferentes para dificultar uma discussão direta. Firth e Schneider tiveram de abandonar sua comparação do parentesco em Londres e Chicago. Lévi-Strauss desacreditou a interpretação de sua obra feita por Needham. Enquanto Kroeber e Kluckhohn apresentavam 162 definições de cultura, alguns antropólogos ingleses haviam discutido o conceito desde Tylor. Individual mente, houve bastante movimentação, mas predominantemente para o oeste: Bate-
134
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
son, Tumer e Polanyi haviam se estabelecido nos Estados Unidos, onde também Lévi-Straus s perm aneceu durante a gue rra. Muitos outros deveri am seguir ess e m o vimento mais tarde, especialmen
te a partir da Ingl aterr a. A s tradições nacionais, no
entant o, continuavam relati vamente limi tadas . As diferenças de idioma tiveram sua importância nesse contexto. As traduções tardias de Lévi-Strauss r etardaram a aceitação do estrutural ismo por pelo m enos uma década na maioria do mundo de língua inglesa, e pesquisas publicadas em idiomas europeus m enos prestigiados do que o
francês norm alme nte tiveram sorte ainda pi or.
Em grande part e do “Terceiro M undo ” (um t ermo intr oduzido no inglê s pelo antro pólog o Peter W orsley em 1964; em f rancê s, a ex pressão le tiers monde era conhecida desde a década de 1950, com um sentido ligeiramente diferente) esses problemas eram exacerbados pela falt
a de recurs os econôm icos adequados na academia. Fin
mente, con flitos polít icos retardaram
a internacionalização da d
al
isci plina. Nas ex-co-
lônias a hostilidade era muitas vezes dirigida à antropologia em si, inibindo assim e às vezes m esmo detendo sua dif usão. Com a descolonização, a r elação entre institui ções m etropo litanas e sua s contrapartes colo niais se desf ez. Na Eu ropa, duas décadas antes , a Cortina de Fer ro havia efetívamen te impedido a maioria dos contatos acadê micos entre o Oriente e o Ocident e. A antropologia estava se tom and o uma discipl ina global à medida que os estudiosos com
eçaram a p ublicar cada vez mais em
ingl ês;
mesmo no Ocidente, porém, especialistas em, digamos, Estocolmo, podiam buscar inspira ção em antropól ogos metropolitanos, mas tamb
ém pod iam ter certeza de que
sua pr ópria obra jam ais seri a lida for a da E scandinávia, a não
ser que optassem por
publicar num idioma estrangeiro . Com o próximo capítulo aproximamo-nos rapidamente do presente e começa mos a reconhecer interesses de pesquisa que ainda se destacam na agenda na virada do milênio. O marxismo radical dos anos 1970 está na base de vários programas de pes quisa dos dias atuais. O feminismo radica l daquela déc ad a foi tran sform ad o em sofisticados estudos de gênero. As pesquisas sobre etnicidade em sociedades com plex as co ntinua ram, posteriorm en te produzindo no vos interesses voltad os p ara o na cionali smo. As novas discus sões sobre métodos de trabal ram no início da década
ho de campo q ue com eça
de 1970 logo passariam à categoria mais eievad a de debates
mais amp los sobre reflex ividade e ética d e campo , as quais ainda con tinuam atraindo interesse profi ssional. Por outro lado, a consciência política, tão
vigo rosa na antro po
logia durante esses anos, arrefeceu, acompanhando o esmorecimento da esperança otimista de que a inspiração antropológica podia mudar o mundo. No entanto, en quanto antropólogos em
1968 ai nda se engalfi nhavam com problemas que
tempo pa receriam ultr apassados , várias questões de também em 2001.
em pouco
1978 continuavam important es
7 Questionando a autoridade
A crise dos mísseis cubanos, o Muro de Berlim, Martin Luthe r King, a prima ve
ra de Praga, hippies em Haight-A shbury, tum ultos estudantis em Paris, os Beatles, o pous o na lua, a Guerra do Vietnã - tudo isso é em blem ático dos “anos sessenta” , com o o termo é entendido no Ocidente.
Mas o clima político radical para o qu al esses
eventos contribuíram não se formou antes do fim da década e, estritamente falando, pe rte nce aos dez anos posteriores a 1968, Certa men te iss o se aplica à academ ia, onde os estudantes podem bradar suas palavras de ordem, mas os professores continuam em suas funções com o passar dos anos. Os antropólogos, sempre um grupo radical, talvez te nham se examinado mais profundamente
do que muitos outr os acadêmicos,
ma s não estavam m enos sujei tos à rotina acadêmica do que eles
. E ntramos na década
de 1970, a década esquecida, espremida entre o Po der da Flor e a Dam a de Ferr o, en tre a vitória eleitoral d e Richa rd Nixon e a mo rte de John Lcnnon, a década em que a população mundial chegou aos 4 bilhões, quando tivem os a crise do petróleo do O ri ente Médio, a copa no Méx ico, a fundaç ão da Microsoft, as mortes de Mao
e Elvis , o
primeiro pap a polonês e a revolução sandinista na Nicarágua. Foi um a d écada de so nhos revoluci onários que seri am rapidamente esmagados pelas rodas da históri
a - na
antropologia como em outros campos. A medida que nos aproximamos dos dias atuais, precisamos advertir o leitor mais enfaticamente sobre o viés inevitável de qualquer livro como este. Com o pas sar do tempo, a pura e simples dimensão da disciplina obriga-nos a ser excessiva mente seletivos ou demasiadamente superficiais, em ambos os casos em detrimento da informação. Até o fim dos anos 1990 só a Associação Antropológica Americana contava com mais de 10.000 memb ros pagantes, e havia ao redo r do globo um núm e ro incalculável de centros regionais de antropologia acadêmica e aplicada, cada um com suas tradições de pesquisa especi
ficas . Nenh um histori ador no mundo consegui
ria fazer just iça a essa multiplicidad e crescente - que, pelo fi m dos anos 1970, já es tava bem avançada.
136
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a Neste capítulo aborda mos principa lm en te duas das corre ntes intelectuais mais
for tes que surgem da ra dicali zação da academ ia - o marxismo e o femini smo. Ambas estiveram persistentemente
presentes em todas as áreas da antropologia durante a dé
cad a de 1970, at é que a decepção se instalo u e novo s projetos fora m definidos. Mas o gênero e o poder haviam chegado na antropologia e estavam destinados a ficar. Um relato dos anos 1970 que se concentrasse exclusivamente na radicalização omitiria algumas características muito importantes da antropologia desse período: afinal , essa foi também a década em que os estudos de etnicidade
receberam o reco
nhecim ento que mereciam , em que a sociobiol ogia se tomo u uma palavra familiar ( e algo a detestar ou a imitar) e em que a antropologia econômica viveu sua idade de ouro. A antropologia francesa havia retomado ao palco internacional com Lévi-Strauss e agora toda uma companhia de franceses entrava em cena, com mensagens não só politica men te radicais, mas també m intelectua lm en te provocantes. Foi um a década de controvérsias, e a primeira em que a antropologia se tomou tão ampla e interconectada, que não é mais possível rastrear nem mesm
o a mais importante de suas co
nexões. O que segue, porém, deve dar uma idéia sobre alguns eventos mais funda mentais dos anos 1970. A volta do marxismo
Nas gerações anterio res de an tropólogos, Stew ard, W hite e Gluck man foram prova ve lm en te os au tores m ais d ec isivam en te influenciados por Marx - Stew ard em seu materialismo, White em seu determinismo tecnológico, Gluckman em seu inte resse pela crise e pelo conflito. Suas obras, porém, omitiam totalmente referências a Marx. Existem alusões dispersas a Marx e à teoria marxista em obras de alguns an tropólogos anglófonos dos anos 1950 e início dos anos 1960, entre os quais Eric W olf e Stan ley Diam ond nos Estad os Unidos e Peter Worsley na Inglat
erra. O clima
ideológico dos anos 1950 e 1960 não foi propício nem receptivo aos marxistas, de modo especial nos Estados Unidos ; mas a situação não fo i muito diferente na Ingla terra. Um com unista ingl ês ardoroso com o W orsley passou por dificuldades enormes para co nseguir pennissã o para pes quisar e enc ontrar emprego antes de finalmen te ser aceito para trabalha r no departamento de so ciologia da Un iversidade de Man chester, com o apoio de Gluckman. Na Inglaterra, Estados Unidos e Fran ça tudo isso mudo u rap idam en te na década de 1960, certamente entre os estudantes. A teoria marxista da a gia como consciência fals a, a distinção infra-estrutura/sup
lienação e da ideolo
erestrutura e o conceito de
contradição passaram a fazer parte do vocabulário acadêmico usual pelo fim dos
7. Ques
t iona ndo
137
a aut or idade
anos 1960, e muitos jove ns antropólogos começaram
a se envolver seriamente com a
então cen tená ria teoria das classes sociais e da mudança histórica. teoria marxista para a antropologia contem
Mas transplan tar a
porânea não foi tarefa fá cil. Como descri
to no c apítulo 2 , o marxismo era acima de tudo uma teoria sobre a sociedade capita lista. Suas tentat ivas de descrev er e comp arar difer entes modos de prod ução e de en volver-se na históri a cultural de long o prazo, essa última empreendida princip
almen
te por Engels depois da morte de Marx, foram profundamente influenciadas pela an tropologia evolucionista unilinear, vitoriana. A disciplina estivera seguindo outras direções durant e quase um século desde então . Se algum fator devesse manter unida a dispersa pr ofissão em mead os da década de 1960, esse teria de ser um compromisso com a variação empírica, uma desconfiança com relação a modelos simplistas, universalistas, e um relativism o cultural entranhado . Afirma r, como Marx e Engels afir maram, que algumas sociedades er am “mais avançadas” do que outr as, simplesmen te não era boa antropologia. Evolucionismo à parte, Marx havia também apresentado uma visão persuasiva do inundo moderno que, num contexto de injustiças globais cada vez mais visíveis, parecia tão relevan te à década de 1970 quanto à de 1870. No trabalho de campo os antropólogos estavam progressivamente mais expostos a essas injustiças, e muitos estavam ansiosos para dar
sua contri buição p ara eliminá- las. Ma rx era o sociólogo
que expunha esses pr oblemas com ma ior eloqüência, e assim fo i para ele que os no vos revoluc ionário s afluíram. Era irrelevante que o marxismo fosse mais do que uma teoria social; que ele tivesse se tomado a ideologia estatal oficial de uma parte subs tanci al do m undo, e assim obviamen te se tr ansformado num recurso de poder p olít i co. Partícularmente para um marxista, isso devia ser um fato de profundo significa do, mas raram ente o foi. Em vez disso, a s estruturas de pode r dos grandes Estados co munistas paradoxalmente se reproduziam nas organizações fora daqueles Estados que lutavam por liberdade com relação a outras estruturas de poder. Enquanto isso, na academia ocidental, batalhas devastadoras travavam-se entre maoístas, trotskistas, stalinistas, anarco-sind icalistas e assim por diante; no entanto, po r fim, todos es ses se uniam para enfrentar o inimigo comum, em geral personificado no professor local de antropologia. As antropologias acadêmicas marxistas nasceram de toda essa verdadeira comoção. Houve várias comentes de antropologia marxista. Uma, que poderíamos rotular de marxismo cultural ou estudos de superestrutura, entrou em cena tão tarde que já era pós-m arxista quand o se estabelece u na antropolog ia na déc ada de 1980. Essa fo i a corrente do marxismo inspirada pelos estudos críticos de Antonio Gramsci sobre ideologia e hegem onia e pela crítica à merc antilizaç ão da cultura feita pela E scola de
138
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
Frankfurt, especialmente por Adorno e Horkheímer. Essa forma de pensame nto m ar xista entrou na antropologia com Oríentalism (1978) de Edward Said, um livro que criticava representações européias de árabes e de outros povos asiático-ocidentais por exotizarem indevidamente “o outro” (capítulo 8). Tom e a crítica de Said, m isture com o pós-estruturalismo de Michel Fo ucault e acrescente uma pitada de desconstrucionismo a D eirida, e o resultado é o inebriant e coquetel que atingir ia a antropologia na década de 1980. As duas principais vertentes da antropologia marxista foram o marxismo estrutu ral e a economia política. Testemunho tanto da amplitude da ob ra de Marx corno do escopo da antropologia é o fato de que hou ve pouco contato entre essas escolas e de que as questões que levantaram foram surpreendentemente diferentes. Po r fim, uma quarta ramificação do marxismo ac omp anhou a ênfase do próprio Marx à pessoa como coipo m aterial produtivo e criativo num mundo material. Volta remos a esse “marxismo sensual” , com suas raízes no romantismo alemão, na parte final deste capítulo. Marxismo estrutural
Um dos pr ecursores da nova era foi um trabalho publicado em 1960 pelo antro pólogo francês Claude Meillassoux, que apresentou um a análise manifestamente marxista da produção de subsistência em sociedades agrícolas. Origmalmente eco nom ista e hom em de negócios, Meillassoux havia estudado antropologia com Balandier e realizou trabalho de campo entre os guros da Costa do Marfim no final da déca da de 1950 . Suas pesq uisas foram d e orientação m arxista desde o princíp io, no senti do de que não somente se concentraram na vida econômica, mas tentaram map ear a dinâmica entre as r elações sociais de produção e os meios tecnológicos e ambientais de produção na sociedade guro. O artigo (1960) de Meillassoux representou a pri meira evidência de uma antropologia francesa marxista emergente. Mais tarde ele desenvolveria uma tipologia dos “modos de produção pré-capitalistas” na África, mas, diferentemente de seus contemporâneos mais jovens, Meillassoux foi princi palmente um pesquisador empírico comprom etido, e ele seria cada vez mais crítico das teorias grandiosas que dom inari am a antropologia marxista fr ancesa. Co m efei to, ent re os marxistas franceses, M eillassoux qra o qu e mais simpatizava com a esco la inglesa. Num prefácio à tradução inglesa do seu livro de 1975, Femmes, greniers et capitaux ( Maidens, Meai an dM or ey , Meillassou x 1981), ele escreve que Balan dier o havia introduzido “à melhor antropologia do momen to - isto é, a antr opologia inglesa”, e um pouco adiante enaltece a obra de Schapera, Gluckman, Monica Wil
7. Ques
t iona ndo
a aut or idade
139
son e outros. No entanto, ele observa que o funcionalismo “ se baseava mais nu ma es pécie de empirismo legalista do que numa análise acabada do conteúdo de relações econômicas e sociais” (198 1: viii) e que ele encobria a exploração econô mica ao per mitir que o parentesco permeasse todo o campo de investigação. Isso não era coisa fácil de faz er ao escrev er sobre sociedades organizadas com base no parentesco, e ele acabou propondo u m modo de produção não descrito po r Marx ou Engels, que deno minou “modo de produção doméstico”, baseado na família. É interessante observar que Sahlins, em seu Stone Age Economics (1972), desenvolveu um conceito quase idêntico, mas com objetivo diverso: mais do que conciliar economias africanas com a teoria marxista, ele procur ou resgatar a antropologia econômica dos perigos do for malismo, onde o maximizador individualista era o ator universal. Na visão de Sah lins, o grupo doméstico tomado como uma unidade não era um ator maximizante, e fundamentando-se tanto nos estudos camponeses anteriores de Chayanov como na teoria da reciprocidade de Mauss, ele sustentou que a produção baseada no grupo do méstico não é um meio de maximização, mas um modo de satisfazer necessidades. Um obstácu lo constante na teoria marxista para os novos antropólogos franceses era o conceito de que o pode r em última análise está no controle dos meios de produ ção, isto é, na propriedade de ferramentas, campos, maquinaria e assim por diante. Considerando que, em sociedades africanas tradicionais, essa propriedade muitas vezes não é individual mas atribuída a grupos de parentes, o proble ma era localizar o poder nessas sociedades. Meillassoux tem de conceder, aparentemente contradizen do Marx, que “o poder nesse modo de produção está no controle dos meios de re produção hum ana-bens de subsistência e esposas - e não dos meios de produção” (Meillassoux 1981: 49). O estruturalismo não foi um impulso decisivo no marxismo de Meillassoux. Ou tros foram mais criativos em estabelecer elos entre Marx, antropologia e sensibilida des intelectuais correntes, inclusive não só a obra d e Lévi-Strauss, mas tamb ém as in terpretações srcinais de Marx propostas pelo filósofo Louis Althusser. Quando Pour Marx , de Althusser, e seu Lire Le Capital (em co-auto ria com Étienne Balibar) foram publicados em 1965, os livros tiveram impacto importante tanto sobre a vida intelectu al francesa em geral como sobre a nova geração de antropólogos. O marxi s mo de Althusser parecia se ajustar bem à antropologia, uma vez que ele introduzia uma medida de flexibilidade na relação infra-estrutura/ superestrut ura. Uma leitura convencional de Marx diria que a infra-estrutura (caracteres materiais + sociais do processo de produção) determina a superestrutura (tudo o mais na sociedade). Em sociedades não-capitalistas (ou “pré-capitalistas), em geral era muito difícil ver co mo isso acontecia. A maioria dos antropólogos não-marxistas simplesmente não
140
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
acreditari a nisso, pois contradizia
tudo o que eles haviam
aprendido. Na antropologia
inglesa, política ou parentesco eram considerados fundamentais; na antropologia am
e
ricana, sistemas simbólicos eram vistos como um mundo autônomo, e a obra de Lév i-Strauss (o qual caracterizara a
si mesmo de modo explícit o, mas confuso, como
marxista) tratava exclusívamente da superestrutura. Isso se aplica também a Dumont, que cheg ou à fam a com a publi cação de Hom o Hierarchicus em 1968. Su a vi são, segundo a qual os valores de uma sociedade determinavam em última análise sua estr utura de poder, era diretamente oposta à dos m nalou u m afastamento na
arxistas - com efeito, ela assi
direção contrária à del es.
Althusser, que escreveu extensamente sobre ideologia, legitimou as pesquisas sobre rituais e mitos como mecanismos de dominação. Ele sustentava ainda que num a dada sociedade, qu alquer institui ção social pode ser dom que ela domina
inante no senti do de
defacto , mas se ela faz isso ou não será sempre em última
instância
determinado pela infra-estrutura. Na Europa Medieval, por exemplo, a Igreja era a instituição dominante, mas era em última instância determinado pelo modo de pro dução feudal que a ela devia dom
inar - e em última inst ância servir aos fi ns dess e
modo de produção. (A expressão “em última
instância” aponta aq ui para um aspecto
vago em A lthusser , reproduzido po r mu itos de seus seguidores. De acordo com uma frase freqüentemente citada, a econom
ia exer ce “determinaçã o em últi ma instância”,
significando que mesmo parecendo que instituições outras que não a economia são as mais importantes numa dada sociedade,
em última instância elas são determina
das por relações econômicas. Embora a frase “determinação em última instância” seja freqüentemente atribuída a Marx, na verdade
ela fo i pronunciad a por Engels nos
funerais de Marx.) Nas m ão s do m ais fam oso dos an tropó logos m ar xistas fran ce ses, M aurice Godelier (1934-), as influências de Marx, Althusser e da etnografia comparada mescla ram-se com uma admiração igualmente forte pela obra de Lévi-Strauss. Diferente m ente de M eillass oux e de vários outros antropólogos marxistas fr anceses, que viam o est ruturali smo com o um a forma de mistifi cação ideali sta, neok antiana, G odelier que no iní cio da década de 1960 havi a tra balha do com L év i-S tra us s-v ia o est rutur a lismo com o um a vanço científi co real . E m sua visão o conceito marxista de contradi ção podia tomar o estruturalismo mais histórico, enquanto o aparato conceituai do estruturalismo era indispensável para localizar os mecanism
os ocu ltos da sociedade
e da cultura. Num estágio, Godelier inclusive foi tão longe a ponto de sugerir que Ma rx era um estrutural ista avant la lettre (1966, reedit ado em Gode lier 1977). Godelier , srcinalm ente formado em filosof ia, aderiu à antropologia po
r infl uência
de Lévi-Strauss, e realizou um extenso trabalho de campo entre os baruyas da Nova
7. Ques
t iona ndo
a aut or idade
141
Guiné. Mais inclinado à teoria do que Meillassoux, seu projeto, além de conciliar Marx e o estruturalismo, é um estudo comparativo de diferentes sistemas econômicos. Os bamyas, com sua economia não-monetária baseada na subsistência e na troca, mostra ram diferença s importantes entre sociedades capitalistas e não-capitalista s. Godelier i ntere ssava- se também - como M eillassoux - pelo paren tesco. Como o parentesco parecia estar “em toda parte” nas sociedades tradicionais, Godelier con cluiu que ele devia ser visto como parte tanto da superestrutura como da infra-estru tura (Godelier 1975). Em ve z de procurar por instituições específicas que cuidav am da economia, da ideologia e ass im por diante, ele propôs um “marxismo fo rmaliza do” que procurasse por funções. Essas formulações mostram a n ecessidade que mui tos desses pesquisadores sentiam de uma teoria marxista mais flexível . Grande parte do cabedal estrutural marxista tratava dos modos de produção. A própria idéia de Marx e Engels de um “modo de produção asiático” era muito discuti da, e noções de um ou vários “modos de produção africanos” eram amplamente d e batidas na esteira das pesquisas de Meillassoux e de outros realizadas nesse conti nente. Quase todos esses debates desapareceram a partir da década de 1970, junta mente com a maio ria das tentativas antropológicas de tipologias grandi osas. A antropologia marxista britânica foi em grande parte subsidiária da variedade estrutural francesa. Às vésp eras da radic alizaçã o dos fins dos anos 1960 Lévi-S trauss foi reconhecido como o mais digno antagonista e parceiro de discussões das teori as “locais” , e como a antropolo gia marxi sta americana (ver p . 144s) cra parenta próxi ma da ecologi a humana - um campo inexi stent e na Inglate rra - isto pode parecer fá cil de entender. A isso se deve também acres centar que o antropólogo mar xista inglês mais importante, Maurice Bloch, era de srcem francesa. O problema fundam ental com o marxismo na antropologia era, e é , que ele é es sencialmente um a teoria da sociedade capitalist a, e que sua mensagem sobre as “so ciedades pré-capitalistas” estava expresso na linguagem do evolucionismo unilinear. Conciliar marxismo ortodoxo com pesquisa etnog ráfica exigia uma vontade forte, e como Jonathan Spencer (1 996: 353) mostra, quando antropólogos marxistas realiza ram uma análise etnográfica competente, “ela se tomou mais obviamente cultural, mas se mostrou cada vez menos convincentemente marxista” . Não obstante, muitos antropólogos marxistas franceses, notadamente Godelier, continuaram a publicar obras antropológicas com um sabor caracteristi camente marxista ao longo d as déca das de 1980 e 1990. Outros, com o Bloch e Marc Aug é (ver capítulo 9), acabara m re vendo suas prioridades de pesquisa. Em bora Joel Kahn e Josip Llobera, num artigo de revisã o de 1980, escrevessem que era muito cedo então para “prod uzir um a crítica
142
H
definitiva” do movimen
i st
ó r ia
d a
A nt
r op ol
og
ia
to (Kah n e Llobera 1980: 89) , ele já hav ia m alogrado como
tendên cia coesiva quando
o artigo de revisão foi enfim publicado.
Os não tão marxistas
Enqua nto os antropólogos marxistas franceses quase sempre se envolviam em a
ti
vidades polí ticas, dentr o ou fora do Partido Com unista Francês, isso r aramente acon te cia com os antropólogos am
ericanos marxistas ou de
influência marx ista da s décadas
de 1960 e 1970 . Ap esar disso, é fácil ver em retrospec to que suas contribuiçõe s tiveram uma influênci a mais direta sobre a injustiça gl obal e as qu estões políti cas essenciais do que os esforços de caráter mais acadêmico
de seus colegas frances es.
N os Estad os Unidos a an tropologia m ar xista teve início nos prim eiros an os do pós-guerra, com alunos de Stew ard, de W hite e de Fried , com eçou a to m ar corpo pelo fim da déc ad a de 1960, flor esce u nos anos 1970 e a lcanç ou seu ponto culm in an te no início da década de
1980. Os interesses desses antropólogos, talvez menos
limi
tados pelos padrões intelectuais contemporâneos do que os marxistas estruturais franceses, continuam exercendo ainda hoje um papel importante nos estudos antro pológicos do p oder e d o su bdes env olvim en to. Em bora essa geraç ão de an trop ólogos materialistas americanos incluísse algmnas das figuras mais importantes dos anos 1970, al guns ( como M arvi n H arr is) nunca aderiram r ealmente ao m ara sm o, enquan to outros (como Marshall Sahlins) seguiram itinerários intelectuais complexos pró prios, pass ando por um a fase marxista, mas de pois aband onan do es sa co rren te. Sah lins, or iginalmen te um ev olucionista treinado por White, envolveu-se criativa e entu siasti camente nos debates marx
istas sobr e m odos de produção
cia; num a contribuição famosa, quase rousseaun ele sust entou que sociedades caçad
e formas de su bsistên
íana, ao simpósio “ Man the Hun ter”,
oras e coletoras representava m “a sociedade aflu
ente srcinal” ( 1968, rei mp resso em Sahlins 1972), e que as economias de escassez eram conseqiiência das desigualdades impostas pela revolução agrícola. No centro de su a sub seqüente coleção
de ensaios,
Stone Age Economics (1972), “O n the socio-
logy of pri mitive exc hange” (Sobre a sociologia de troca pri tou que a lógica da r eciprocidad e generalizada, ou partil
mitiva), Sahlin s susten
ha, era a norm a nas socieda
des tribais, onde o ator calculista, “economizante” da economia formalista estava claramente ausente. Mas já nesse livro, de cunho marcantemente marxista, Sahlins foi mais con vincente em seus argumentos cu lturali stas do que em suas tentat ivas de mostrar relações causais entre modos de produção e cultura simbólica. Depois, em 1976, em seu impo rtante tratado teórico, cou indignado o marxism
Culture andPracticalReason,
o po r seu reducionismo
S ahlins criti
e po r não tratar a cultura si mbó lica
como ela devia ser trat ada, como um dominio autônomo.
143
7. Ques t iona ndo a aut or idade
O itiner ário seguido por Sahlins -
da ecologia cultural via
marx ismo até um in
teresse pelo simbolismo - foi menos idi ossi ncráti co do que poderia parec er. Vários outros antropólogos americanos seguiram rotas semelhantes (se não idênticas). Um exemplo é Andrew P. Va yda (ver Va yda 1994), de Colúmbia, cujas prioridade s de pes quisa passaram, entre as décadas de 1960 e 1980, de um a forte versão de ecologia cul tura l a um a atitude cognit ivist a e quase pós-modem a com relação à teorizaç ão. Cola borado r próximo de Va yda nos anos 1960, R oy Rappaport também passou de um a po sição materialista para um a visão cibernétic a. Na lo nga série de posfácios à edição de
Pi gs fo r the Ancestors de 1984, Rappaport revela um envolvime determinismo ecológico e uma sofisticação crescen
nto decrescente com o
te em suas análises de cicl os de re
troalimentação na comunicação. A influência de Bateson foi decisiva nesse caso. Com Marvin Harris ( 1927-20 01) a si tuação foi bem diferente.
Em bora fosse alu
no de Steward em Colúmbia, ele estivera ligado à antropologia boasiana, predomi nante nos seus anos de graduação, só descobrindo
a obra de W hite e de Steward em
meados dos anos 1950. Com o trabalho de campo realizado em Moçambique, quan do sentiu na carne os problemas causados pelo colonialismo português, Harris radi calizou sua posição
política e também aguçou seus intere sses analíti cos. Nas décadas
seguintes ele desenvolveria seu próprio programa de pesquisas, ou “paradigma" como ele poderia tê-lo chamado, com base no conceito de que os fatos materiais da economia e da ecologia
determinam a cultur a - não apenas “em última inst
ância",
m as diretamente. N um fam oso artigo de 1963 ele analisa a vaca sagrada do hinduís mo, e con clui que o status especial desse animal pode parecer uma característica exó tica da religião hindu, mas na realidade é um
exem plo perfeito de racionalidad
e eco
nôm ica e ecológica. Inevitavelmente, Harris
foi acusado de funcionalismo, m
as não
deu atenção ao fato. Pelo fim dos anos 1960 e na década de 1970 o materialismo de Harris se tornou m ais acentuadam ente não-marxista, e em sua principal obra teór
ica,
Cultural Materialism (1979), ele passa metade do livro repudiando o que considera como programas de pesquisa alter nativos infer iore s - desde a sociobíol ogia e o mar xismo até o “ecletism o". Harris foi o m aterialista positivista mais forte na antropo lo gia american a e via a insist ência marxista num a “relação d ialética” entr e infra-estru tura e superestrutura como um
expedien te mistificador e não-científico.
Seus adver
sários, e eram muitos, o classificavam de várias maneiras como evolucionista mate riali sta grossei ro ou como marxista vulgar sem nenhum
a com preens ão dos as pectos
mais sutis da s ociedade. Desc revendo suas raízes intelectuais, ele diz que “o materia lismo básico veio de Marx e do [psicólogo behaviorista] B.F. Skinner; a importância dos fatores econômicos tam
bém veio de Marx; o evolucíonism
o em geral, de White;
e os focos ambiental e dem ográfico, de Steward e do [historiador cultural Karl] Witt-
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foge l” (Harris 1994: 76). Harris publicou um manua l popular e, em 1968, uma histó ria da antropologia ( TheR ise o f Anthropological Theory), que descreve a história da disciplina mais ou menos como u ma narrativa evolucion ista unilinea r (com ram ifica ções secundárias e becos sem saída), terminando
de forma não surpreen dente com o
materialismo cultural. Mesm o na Inglaterra houve o debate entre marxismo
e ecologia cultura l. Depois
de pa irar nas im ediaçõe s da respeitáv el vida universitária durante décadas, a ecologia cultural finalmente encontrou adeptos entre alguns professores titulares, e logo ficou claro que embora ecologia cultural e marxismo abordassem as mesmas questões, eles as respondiam de modos profundamente diferentes (Bumham e Ellen 1979). Numa demolição pirotécnica da obra de Rappaport sobre os tsembaga marings, Jonathan Friedma n (1979) —que em sua tese de dou torado hav ia reanalisado a obra de Leach sobre os kach ins segundo o molde estrutur al marx ista - sustentou que a análi se ecológica do r itual tsemba ga efetuada por Rappa port caia nas armadilhas clássicas do funcionalism o ao situar , como parecia, '‘ o grande ecologista no cé u” como um su je ito onisciente regulando p opulações de porcos conforme necessário. A resposta de Rappaport seria um apelo batesoniano sofisticado pela unidade da “mente” que sus tentava que no universo conceptual dos
tsembag as não havia diferença entre o mate
rial e o simbólico - por conseguinte, nenhum “ grande ecologista” ou “ funcion alis mo” era necessário; o vernáculo
simbólico local era de fat o um discurso esp ecializa
do sobre ecologia.
Economia política e o sistema capitalista mundial O principal proponente da antropologia marxista, ou de influência marxista, americana (ele próprio não descreveu sua obra como marxista) foi certamente Eric W olf (1 923-19 99). O “ponto alto” da antropologia marxis ta americana m encionado acima foi a publicação de sua principal obra,
Europe and the People Without Histoty,
em 1982, um a pesquisa magistral sobre os complexos efeitos econôm
icos, culturais e
políticos do colonialism o sobre os povos estudados po r antropólogos. Nessa obra, como em g rande parte do seu trabalho, W olf se concentra nas características da vida e da história de nâo-europeu s negligenciado s por gerações de antropólogos. W olf, de srcem austrí aca, foi outro dos alunos de Stew ard e de Ben edict em Colúm bia, e mais tarde ele se referiu a esses seus professores dizendo
que eles, “cada um a seu modo,
intensificaram o meu próprio interesse pelo modo como subgrupos e regiões se uni ram para forma r nações” (W olf 1994: 228). Integran te do projeto de Steward desen volvido em Porto Rico nos fi ns da década de 1940, mais tarde W ol f trabalhou no Mé xico com questões relacionadas com o campesinato e publicou uma obra de síntese
7. Q ues t iona ndo a aut or idade
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importante, Peasanls , em 1964. Contrário à abordagem da sociedade única adotada pelas escolas de antropologia hegemônicas, durante toda sua vida W olf se dedicou à análise d o modo com o o destino de comunidades locais se entremeia com processos de grande escala. De mane ira geral, o mo tor desses processos é o lucro econômico, e o resultado é acumulação de capital no centro e exploração na periferia. Mais do que qualquer outro grupo, as vitimas dessa exploração eram os camponeses. Despojados de terras e produzindo para o mercado inter nacional a um a remuneração freqüentemente grotesca, eles ta mbém ten diam a vive r em países pobres, cuja autonomia na cional era instável devido à sua integração desigual na economia mundial. W olf não estava sozinho nesse esforço de pesquisar a fundo a teoria do sistema mundial, o imperialismo e o subdesenvolvimento durante a década de 1970; longe disso. Com Marx, a antropologia havia descoberto Lenm, cuja teoria sobre o imperi alismo foi um adendo lógico à própria teoria de Marx e uma alt ernativa a concepções predom inantes (fora da antropologia) sobre os efeitos civilizadores do colonialismo. Num período em que a sociologia rural era um campo de pesquisa em rápida expan são, inclusive na Amé rica Latina, a economia política marxista parecia ser um instru mento “natural” de todo ferramental campo pesq s haviam uisadorcomeçado volt ado para Tercei ro Mundo, especialmente quando de cientis tasdosociai a seoenvolver com questões de desenvolvimento em proporções muito maiores do que até então (ver Grillo e Rew 1985). A tentativa mais ambicio sa de uma síntese nessa direção du rante a década de 1970 foi o neotrotskista Immanuel Wallerstein em The Modem World System (19 74-1979), um estu do volumoso do desenv olvimento de um mundo triparti te de centro s, sem iperiferi as ep eriferias, com recursos geralmente fluindo das periferias para os centros. Num a escala menos grandiosa, os anos 1970 foram tam bém a década da teoria estrutural do imperialismo de Johan Galtung (1971), que mostrou como a desigualdade m undial era mantida através de alianças entre as eli tes dos centros e as elites das periferias. teoria da dependência, pri Os anos 1970 testemunharam ainda o surgimento da ma próxima da teoria do sistema mundial. Enquanto teóricos do desenvolvimento haviam anteriormente sustentado que todas as sociedades acabariam por alcançar o Ocidente, uma posição cripto-evolucionista antropologicamente inacei tável (e, além disso, dificilmente cometa em termos empíricos), sociólogos e economistas como Andre Gunder Frank e Samir Amin, escrevendo sobre a América Latina e a África, respecti vamente, procuravam dem onstrar que o intercâmbio entre partes ricas e po bres do mundo - fossem ou não colônias de fa cto equivalia a acumulação de capit al no norte e privação no sul. Entretanto, em geral, os teóricos da depen dênc ia não eram antropólogos, e a pri ncipal exceção, P eter Worsley, parecia simplesmente confirmar
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a regra. Emb ora Worsley fosse aluno de Gluckman, ele trabalhava num de partamen to de sociologia, e a maior parte de sua obra era de cunho sociológico. Não qu e os an tropólogos fossem cúmplices cínicos do imperialismo mundial, que seu relativismo cultural os tivesse levado ao niilismo moral ou que tivessem se esquecido do sofri mento do mundo. Pelo contrári o, durante os anos 1970 (e antes) muitos antropólogos haviam feito todo o possível par a ajudar “seus” povos a m elhorar sua situação . Esses esforços, porém, estavam em grande parte voltados às populações indígenas, as de tentoras de “culturas au tênticas” . Nos anos 1970 o estudo de milhões de pobres urba nos e de camponeses semim odemos havia se tomad o solo fértil para pesquisas antro pológicas, mas o prestígio proporcionado pelo trabalho de campo nesses grupos não podia ser comparado ao do trabalho de campo entre culturas “autênticas”, como as representadas pelos forrageiros africanos, pelos horticultores da A mazônia ou pelos caçadores do Ártico. O problema da relação da antropologia com as questões do neocolonialismo e da exploração do Terceiro Mundo era pelo menos quádruplo. Primeiro, como sugerido, as massas pobres dos trópicos em geral não eram consideradas dignas de atenção an tropológica sustentáv el. Efossem las eram “aculturadas emboravinte, estudos ficos de povos modernos feitos ao longo demais”, de todo oe século foi etnográ somente na década de 1970 que esses estudos começ aram a se toma r comuns. Mas até então a estrutura teórica para lidar com esses grupos não tivera tempo de se desenvolver. Se gundo, a abordagem do povo único, preferida tanto pelos boasianos como pelos in gleses por razões teóricas e também metodológicas, não se conciliava facilmente com um interesse pela econom ia política global, embora o projeto Porto Rico de Steward pudesse ser visto como um caminho intermediário. T erceiro, a relaçã o histórica da antropologia com o colonialismo havia sido de indiferença —os únicos antropólo gos de prestíg io a incluir o horizonte do colo nialism o em seus estudos antes dos anos 1960 pertenciam à Escola de Manchester. U m dos livros mais debatidos na antropo logia inglesa no início dos anos 1970 foi do antropólogo Talai Asad, natural da Ará bia Saudita, Anthropology and the Colonial Encounter (Asad 1973), onde a maioria dos colaboradores sustentava que o desenvolvimento da antropologia e do colonia lismo havia sido suspeitosamente semelhante em várias partes do mundo. Quarto, e não menos importante, a noção d e “desenvolvimento" era - e é - um conceit o difícil de digerir por parte dos antropólogos, pois eles haviam sido ensinados durante várias gerações a ser céticos com relação a idéias etnocêntricas de evolução social. LéviStrauss diz que, em comparação com um “terceiro-inundista”, ele se considera um “quarto-mundista” , significando com isso que defende os povos pequenos, vulnerá veis e únicos não apenas contra a investida da ocidentalização, mas também contra
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os esquemas de desenvolvimento de governos do Terceiro Mundo (Eribon e LéviStrauss 1988), Dizendo isso ele provavelmente fala em nome de uma grande parte, talvez uma maioria, da comunidade antropológica dos anos 1970. Por difíceis que fossem, esses problemas podiam ser superados, como revelou a obra de Wolf. Anos antes Redfield havia sustentado que os camponeses “tinham sua própria cultura”, e embora a busca da “cultura autêntica” continuasse forte na antropo logia, não havia argumentos acadêmicos robustos para não estudar as culturas híbri das, mescladas, da América Latina e do Caribe, digamos. Uma combinação de traba lho de campo em profundidade com u ma análise sistêmica e histórica mais ampla era também perfeitamente viável, embora ela não legitimasse inteiramente o uso de mate rial não-etnográfico. A relação com autoridades colonia is era irrelevante na dé cada de 1970. O que permanecia, então, era o problema do “desenvolvimento”, que parecia quase tão difícil de resolver como os problemas encontrados pelos marxistas franceses com a determinação da infra-estrutu ra em sociedades trib ais. Muitos dos antropólogos mais criativos que trabalhavam com as questões de economia política nos anos 1970 haviam enfrentad o esse problema. N a maioria dos casos, fiéis aos princípios da antro pologia, eles sustentariam que o desenvolvimento precisava ser definido de dentro, isto é, como um a categoria “êmica” (nati va). Ao m esmo tempo, eles considerava m o fato da expansão capitalista global como uma f orça objetiva, homogeneizante e unificadora no mundo, e, nesse sent ido, W olf e outros antecipara m uma tendência dos anos 1990 na antropologia, especificamente, o estudo da globalização. Havia um foco regional diferente sobre o “quintal dos Estados Unidos” nas pes quisas antropo lógicas dos anos 1970 influenciadas pela econom ia política marxista e pela teoria do sistema mundial. Sidney Mintz (outro dos antigos alunos de Steward), da Universidade Johns Hopkins, era, com Wolf, o proponente mais importante dessa escola na década de 1970 e depois. M intz é um caribeanis ta cujas obras mais elabora das incluem uma coleção de ensaios sobre mudança histórica no Caribe (M intz 1974) e uma história cultural do açúcar, Sweetness and Power (Min tz 1985). À semelh ança dos primeiros esforços de Steward, esse foco regi onal tendia a estimular a antropolo gia acadêmica e a sociologia rural nos países em estudo. Diferentemente da maioria dos lugares n o Terceiro Mundo , países como Argentina, M éxico e Brasil ofereciam facilidades acadêmicas promissoras, com uma disponibilidade regular de colabora dores “nativos” em potencial para antropólogos ocidentais, com quem eles podia m colaborar em pé de igualdade em termos intelectua is. E ssas eram notícias auspicio sas para os muitos antropólogos ocidentais jovens e politicamente comprometidos que realizavam trabalho de campo entre camp oneses latino-americanos dentro de uma estrutura teórica marxista (M elhuus 1993).
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Embora o marxismo estrutural francês pareça hoj e não ter saída, ele deixou uma marca indelével na profi ssão. Ele dirigiu vigorosam ente a atenção para os complexos emaranha dos locais e globais da desigualdade e do poder, da resistência e da sobrevi vência; ele se engalfinhou resolutamen te com a mudan ça histórica e com a difíci l re lação entre “desenvolv imento” e cultura. Mais importante de tudo, talvez, ele dirigiu a atenção de uma corrente predominante
levement e durkheimiana ou boa siana para
as condições materiais imperativas da vida. Isso ele ti nha em comu m com a obra tan to dos materialistas americanos como dos interacionistas ingleses. Podemos no en tanto ver na obra de God elier e Meillassoux os inícios de uma teoria que trata dessas questões numa perspectiva mais ampla, tentando supe
rar a dist inção gerahn ente feita
entre o material e o ideacional. Afirma mos acim a que as fronteiras ent re o marxismo estrutur al e a econom ia po lítica eram praticamente intransponíveis. Mas isso nem sempre aco ntecia na práti ca, e há alguns raros exemplos de antropólogos que tiveram sucesso em
ambos os lados .
O antropólogo argentino Eduardo Archetti é um desses casos. Archetti graduou-se em sociologia na A rgentina antes de estuda r com Godelier em Paris nos fins da déca da de 1960, quando Mintz também ensinav a em Paris. Como pesquisador, seu princi pal interesse voltava-se não pa ra questões de determinação da infra-estrutura ou dos modos de produçã o africanos, mas para a lógica subjacente das sociedades cam pone sas e sua relação com o mundo externo. Inicialmente, ele fez uma avaliação muito bem fundamentada da obra de Chayanov. Sob a supervisão de Godelier, realizou tra balho de campo entre camponeses na Argentina e escreveu uma tese de doutorado sobre as teorias de subdesenvolvimen to e dependência que deixavam uma impressão mais profunda do que o marxismo estrutural. Quando
Archetti come çou a lecionar n a
Universidade de Oslo, em mea dos dos anos 1970, o professor que o contratou lembra que “nós o contratamos porque precisávamos de alguém
que ensinasse as últimas no
vidades do marxismo estrutural francês” (A. M. Klausen, co municaçã o pessoal) . D e vemos sempre lembrar-nos de que as trajetórias int electuais raramen te são simples e que as fronteiras raramente são claras.
Feminismo - e o início do trabalho de campo reflexivo Em 1954, sob o pseudônimo de Elenor Smith Bowen, a antropóloga americana Laura Bohannan publicou Return to Laughter, um relato notavelmen te singelo e pes soal de uma antropóloga americana (fictícia) em trabalho de campo entre os tivs da Nigéria. O pseudônimo se justificava porque era considerado inconveniente expor ao público aspectos pessoais do trabalho de campo, dúvidas e erros, circunstâncias for tuitas e incoerências que se ocultavam sob o abrangente termo malinowskíano “ob
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a autoridade
servação participante”. Em 1966 a antiga aluna de Malinowski, Hortense Powdermaker, publico u Stranger an dFrien d: The Way o f the Anthropologist, onde descr eve toda uma v ida de expediçõ es de traba lho de ca mpo a lugares os mais di versos . Mais uma vez, a impressão é de que o trabal ta de dados bem organizada que R
ho de campo talvez não seja exatamente a cole adcliffe-Brown tinha em mente. Em
seguida, em
1967, os próprios diários pessoais de Malinowski descrevendo seu trabalho de cam po entre os trobriandeses foram encontrados, editados e publicad os —e c riaram um escândalo imediato. Deles po dia-se depreende r que o próprio mestre não passara de um mortal. Ele havia tido saudades, havia pragu ejado con tra os nativos, se mastu rba do e sentido pena de si mesmo.
Depois disso, como a lguém pod eria afirmar que eles
pr oduziam “conhecimento ob jetiv o” ? Apenas alguns anos mais t arde os participantes do grande Debate d
a Racionali
dade inclinados à filosofia s e debateriam com essas mesmas questões , mas no inters tício um grupo de jove ns antropólogas americanas responde questão em foco. Em 1970, ano em que
u de forma mais prática à
Rationality de Bryan W ilson foi publicado,
apareceu também um volume editado com o títul o Women in the Field: A nthropol o-
gical Experiences (Golde 1970). Cada ensaio desse livro, e são muitos, descreve as circunstâncias concretas em que a autora desenvolveu sua
pesqu isa de campo e pon
dera sobre o efeito de suas experiências sobre a qualidade dos dados coletados. Os ensaios são muito diferentes, refl etindo um a ampla variedade de práticas e experiên cias no cam po, mas todos coincidem n um ponto: o fato de que as pesquisadoras eram mulheres exerceu profunda influência sobre as conclusões a que ela giu desse modo a idéia de trabalho de campo
s chegaram. Sur
“posicionado ”, segundo a qual refleti n
do sobre seu papel pessoal no campo, a antropóloga aprende a compreender exatamente que tipo de dados ela recebeu. Assim,
Women in the Fie ld levantou dois deb a
tes: na condição de “trabalhadoras de campo” reflexivas, como devemos agir? Se gundo, que papel exerce o gênero nos sistemas sociais? A primeira questão foi respondida com uma série de relatos detalhados e práticos de com o situações concretas de tra balho de campo haviam de fato sido t ratadas. Ou tro exem plo nessa linha é Doing Fieldwork: Warnings and Advice. de Rosalie Wax, pu blicad o em 1971, onde a jo vem que se prepa ra para se r antropóloga fica sabendo, em tennos inequívocos, “em que está se metendo”. A segunda questão - como estudar o gênero antr opologicam ente? - introduz o primeiro participante masculino nesse relato até aqui exclusivam ente fem inino. O homem era o antropólogo inglês Edwin Ardencr (1927-1987), que
public ou Cren
ça e o prob lema da mulher em 1972 (in Ardenc r 1989). Oriu ndo de Oxford, tendo rea lizado extenso trabalho de campo
nos Camarões e na Nigéria, Arden
er era um antro
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pólogo original e intelectualmente provocante cujas obras teóricas mais importantes (coligi das em A rdener 1989) tratam da relação entre antropologia social e lingüíst íca, problemas de tradução, generalização e inteligibilidade. No entanto, ele se inte ressava também por questões referentes ao poder, principalmente as relacionadas com quem controla o poder de defi nição numa sociedade. Com binado com seu inte resse sistemático pela linguagem
- uma especialização rara na antropologia soci
al
inglesa - não deve ser s urpresa que Ardener desse um a contribuição importante a esse ca mpo. Sua mulher, Shirley Ardener, foi figura de proa na antropologia feminis ta inglesa na mesm a época e editou duas importan tes coleções na décad a de 1970 ( S. Ardener 1975, 1978). Ardener começou seu ensaio com uma afirmação memorável: “O problem
a da
mulher não foi solucionado pelos antropólogos sociais”. E esclareceu imediata mente que “o problema” não dizia respeito à posição social da mulher, embora a cultura feminista mais recente lamentaria a ausência desse tema também na antro polog ia clássica. Para Arden er o “problem a” era a ausência evidente da mulher nas páginas da maioria dos clássico s da antropo logia, mesmo em livros escritos por an trop ólogas - apesar de mencionar a obra
Chisungu (1956), de Audrey Richards,
como uma exceção. A principal causa dessa ausência era provavelmente um viés generalizado para o masculino na sociedade ocidental, mas isso não explica mente o problema na antropologia. Em seguida, Arden homens ou m ulheres, se relacionam mais facilmente com do que com femininos. Em quase todas as sociedades os
total
er afirma que os etnógraf os, informantes masculinos homens dominavam a es
fera pública e estavam m ais habituados a falar com foras teir os. Os modelos cultu rais de sociedade que o etnógrafo trazia do campo eram portanto principalmente mascu linos. E se referiu às mulh eres como um grupo emudecido, não no sentido de que elas não tinham permissão para falar, mas sim de que suas informações geral mente não eram estruturadas em termos
fáceis de transferir para notas de campo.
Nesse ponto, a análise de Ardener lem brava os estudos sociolingü ístic os de classe, raça e língua nos Estados Unidos, os quais mostravam que crianças negras e da classe operária não iam bem na escol a em parte por c ausa de sua forma de expres são “de pende nte do conte xto” (ver Giglioli 1976). De qualquer modo, o ensaio de Ardener e o debate que ele suscitou levantaram na Inglaterra questões semelhantes às que o livro de Golde havia levantado nos Estados Unidos. A resposta veio dois anos depoi s, novamente de um grupo de antropólogas ame ricanas , na fon na de outro volume editado, mas a gora de enfoque mais teór ico: Wo-
man, Culture and Society (1974), editado por M ichelle Z . Rosaldo e Louise Lamphere. As duas principais questões de Arde ner foram tratadas nessa obra .
7. Q UEST IONAN DO A AUTORIDADE
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Primeiro, Ardener havia pre ssu pos to—como premissa para o silênci o das mu lhe res - que as sociedades geral mente distinguem entre um a esfera privada e uma esfera pública, sendo que os hom ens têm o controle sobre a segunda e as mulheres são con finadas à primeira, Rosaldo, uma das editoras, analisa comparativamente o contraste doméstico-público em seu ensaio, mostrando que em geral as atividades femininas, dadas as restrições físicas impostas pelos partos freqüentes, se limitam às imediaç ões da casa, Elas constituem um a esfera doméstica em tom o das imediações a partir des sas atividades (publicamente silenciosas). Os homens, por outro lado, afastam-se dessas imediações e constituem um a esfera pública em tom o de atividades (publica mente visíveis) como ritual , política e comérci o. Segundo, quase no fim do seu ensaio, Ardener havia com entado que as mulheres são freqüentemente associadas à natureza “selvagem” , enquanto os homens são co n siderados essencialm ente “hum anos ”. Sherry Ortner, que mais tarde escreveria sobre os sherpas do Nepal e também produziria vários artigos teóricos influentes, pergun tou: “O fem inino está para o masculino como a natureza está para a cultura?” (Ortner 1974). Ela af inn a que “cad a cultura, a s eu próprio m odo e em seus próprios term os” , considera as mulheres como “em certo grau inferiores aos home ns” (p. 69), e descre ve a sér ie de associações simbólicas que relaciona os socialmente oprimidos ao m un do não social. Outro artigo na coleção (novam ente) de rruba o mito do matria rcado original (Bamberger), e outro ainda analisa a imagética sexual e a divisão do trabalho ( 0 ’Laug hlÍn). O impacto duradouro de Woman, Culture and Society - e prova velmente são poucos os antropólogos formados depois de meados da década de 1970 que não se depararam com ele - deve m uito a seu tom claramente não revolucionári o. A obra fo i t o a coleção de ensai os antropológic os sobre relações de gênero, não um manifesto político. Essa obra, e inúmeras coleções editadas posteriormente sobre as mulheres e (cada vez mais) sobre gêne ro, contribuíram para mudanças perm anentes nas priori dades de pesquisa da antropologi a, em bora - e isso é ine rente à natureza da mudança - essas mudanças em si continuasse m a passar por transformações nas décadas de 1980 e 1990. É difícil avaliar o impacto do feminismo sobre a antropologia. Nas duas últimas décadas do século vinte, em geral não foi fácil distinguir seus impulsos teóricos da corrente crescente de estudos pós-coloniais, multiculturais e pós-modernistas. A nova ênfase sobre “os mundos das mulheres” levou a uma série de etnografias que focalizaram as mulheres, desde o relato de Jean Briggs sobre a vida emocional entre os inuítes canadenses (1970) , passando pelo reestudo sofisti cado de Annette W einer sobre as Ilha s Trobriand (1976), pela dis cussão de Michelle Rosaldo sobre a lingua
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gem e a emoção entre os ilongots caçadores de cabeça das Filipinas (1980), até a mo nografia sensível ao gênero de Robert e Yolanda Murphy sobre os mundurucus do Brasil (1985) . Esses e outros livros questionaram
a visão ortodoxa sobre a vida
em
sociedades tradicionais. Em 1967 ainda não constituíra problema falar em socieda des não agrícolas sob o t ítulo “Man the Hu nter” . Em 1981 foi publica da a coleção Woman the Gatherer
(Dahlberg 1981), e desde os fins da década de 1970 esse tipo de
economia tem sido conhecido como forrageira, ou economia de caça e coleta. Em muitos casos foi mostrado que a coleta realizada por mulheres e crianças contribuiu muito m ais para a subsistência do que a caça dos homens. As perspectivas feministas também tiveram mais efeitos sutis sobre o trabalho antropológico, como os próximos capítulos mostrarão. A antropologia do corpo, o estudo do parentesco e do gênero, o interesse pela “resistência” entre grupos oprimi dos e numerosas revisões conceituais de trabalhos sobre o conceito de poder, tudo isso teria sido difíci l de imag inar sem o crescimento do feminismo co
mo movimento
intelectual dentro e fora da antropologia. Significativamente, essa década foi tam bém um período em que estudos femininos em grande quantidade passaram a fazer parte da disciplina. Mulheres na antropologia haviam até aqui permanecido era silên cio (embora não completamente, como mostra a carreira de Margaret Mead ou de Audrey Richards), Ago ra elas estavam prontas para
falar.
Etnicidade
Uma terceira tendência na antropologia dos anos
1970, menos imediatamente re
levante para o mundo externo à academia do que o marxismo ou o feminismo (mas que em pouco tempo pa ssaria a se r reahnente percebida com a importância devida!) foram os estudos de etnicidade, O c rescimen to dos estudos d e etnicidade estev e asso ciado a pelo menos quatro centros distintos. Um era representado pelo trabalho de George DeVos e seus colaboradores em Berkeley (ver,
por exemplo, DeV os e Roma-
nucci-Ross 1975). Trabalhando com várias minori as étnicas na Europa, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, DeVos e seu grupo estavam envolvidos com uma antropologia a linhada com a escola da cultura e da
personalidade, mas também
inspirada pela psicologia social e por seu interesse na formação da identidade. Para eles um aspecto fundame ntal da etnicidade era (e é) a auto-identif
icação, m as dedica
vam-se também ao estudo das configurações de personalidade de culturas na tradi ção de Benedict. Outro corpo de pesquisas voltava sua atenção pa
ra as “sociedades plurais” . Cu
nhado pelo antropólogo jama icano de formação britânica Michael G. Smith (1965), o termo se refe ria às sociedades comp ostas de múltiplos grup os étnicos. Smith, srci-
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nalmente um africanista ocidental que passou a escrever cada vez mais a partir de suas índias Ocidentais nativas, via os grupos integrantes das sociedades plurais como corporações culturalmente distintas, freqüentemente bem estruturadas, com petindo impetuosam ente pelo poder. Uma controvérsia relacionada com a sociedade plural aborda a questão de se os grupos étnicos que compõem essas sociedades são de fato culturalmente discretos , um a vez que muitas vezes foram submetidos a uma intensa integração cultural, principalmente no Caribe. O debate sobre a sociedade plural lem bra a discussão da Escola de Chicago sobre o cadinho am ericano e também os problemas da Escola de Manchester com a destribalização e retribalizaçâo na África, e não levou a nenhuma conclusão definitiva . A s sociedades se diferenciam e a compreensão dos estudiosos a respeito delas também. O debate sobre a sociedade plural foi especialmente intenso entre os caribeanistas. As duas outras tendências nos estudos de etnicidade foram ain da mais influentes. Elas t am bém convergiram para questõ es importantes. Ambas eram de srcem ingle sa e ambas enfatizaram a dimensão instrumental, política das relações étnicas, não seu conteúdo cul tural . Am bas tamb ém tiveram grande interesse em identifi car estra tégias individuais. Por volta de 1970, apareceram vária s mo nografias sobre ur banização e mudança social escritas por africanistas ingleses. Abner Cohen, um dos antigos alunos de Gluckman, publicou Custom andPolitics in Urban África (1969), um estudo do co mércio e da etni cidade na África Ocidental que m ostrou como com erciantes hausas do nort e da N igéria monop olizavam o comércio de gado por meio de redes baseadas no parentesco, na etnicidade e especialmente na religi ão. Escrevendo desde a África Oriental, David Parkin mostrou, em Neighbours and Nationals in an African City Ward (1969), como lealdades tribais dos luos foram transformadas em etnicidade mod erna depois da migração para Nair óbi. Nesses e em outros estudos do mesm o pe ríodo a continuidade com a Escola de Manchester foi intensa. Efetivamente, o pró prio Mitchell escreveu um a das contribuições mais importantes à coleção editada Urban Ethnic ity (Abner Cohen 1974b). Na introdução de Cohen, e em seu volume teórico Two-DimensionalMan (1974a), isso está sobejamente claro. Nesse livro, en tre as influências que podem ser percebidas estão a insistência de Yic tor Tu m er sobre a multivocalidade dos símbolos, a análise de Mitchell sobre a transformação da lea l dade tribal em etnicidade modern a e a fusão srcinal de Gluckman do estrutural-fun cionalismo com um interesse pelo conflito social. Cohen, no entanto, foi além dos seus mentores, com seu foco explícito sobre o caráter dual, emocional e político dos símbolos étnicos e sua observação de que empreendedores políticos podem man ipu lar esses símbolos para conquistar e conduzir a lealdade de seus seguidore s. C ohen
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também avançou muito ao separar etnicidade de cultur
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a, quando afirmo u que “os ho
mens da Cidade” (banqueiros londrinos) podiam muito bem
ser vistos como um gru
po étnico. O mais influente dos estudos de etnicidade desse período, porém, foi a coleção editada por Barth, Ethnic Groups and Boundaries (1969). Baseado numa conferên cia de 1967, e incluindo colaborações de antropólogos escandinavos im inclusive vários de seus ex-alunos
portantes -
- o livro, e especialmente a introdução do editor ,
foi uma das obras mais am plamente citadas na an tropologia acadêm ica nas tr ês últi mas décadas do século vin te. Aqui Barth sustentava - não diferentem ente de Cohen, que trabalhava sobre as mesmas questões simultaneamen
te - que a et nicidade era
principalm ente um fenôm eno social e político, e não cultural. Barth, porém , continu ou dizendo que é “a fronteira étnica que define o grupo, não o material cultural que ele contém ” (1969: 15). Em outras pala vras, é a relação entre grupos, não a cultura de grupos, que lhes dá si gnificado. Percebe-se facilmente a semelhan ça dessa visão com as idéias de Lévi-Strauss e de Bateson sobre a natureza do significado, uma seme lhança que também mostra o interesse comum de todos esses autores pela cibe rnéti ca. Ba rth desv iou assim o foco dos estudos de etnicida de da idéia de que a identidade étnica é um aspecto da cultura, história e território próprios de um grupo, para um conceito mais processual de man utenção da fronteira. Os estudos empíricos que cons tituem o corpo d o volume exploram essa idéia e analisam a comunicação
econômica,
po lítica e demográfica que acontece entre fronteiras étnicas. A primazia dessa comunicação
foi mostrada, p or exemplo, pelo fato de que di
ferenças culturais importantes podiam existir dentro de um único grupo étnico, ou, pelo contrário, que dois grupos étnicos diferentes podiam ter culturas quase idênti cas. O que importava não era isso, dizia Barth, mas o fato de que os grupos se perce biam como diferentes e interagiam com base nessa percepção, provando sua diferen ça, para si mesm os e uns para os outros, através de sua interação . A posição form alista de Barth com relação à etnicidade (todos os grupos étnicos são definidos por um
tipo universal de “comportamen to étnico”), reflete sua preocupação com a econom ia forma lista (por exemplo, 1967). O sucesso do form alismo nos estudos de etnicidade tem sido, porém, muito maior. A contribuição de Barth aos estudos de etnicidade p ode tam bém ser vista retrospectivamente como um preâmbulo ao movimento desconstrutivista posterior na antropolo gia, onde a noçã o mesma de todos culturais com um conteúdo substancial foi questiona da em bases epistemológicas, teóricas e metodológicas (capítulo 9). Pois se os líderes de grupos étnicos praticamente fabricavam diferenças vis-à-vis a outros por razoes estraté gicas, o que então restava da concepção boasiana de todos culturais únicos?
7. Ques
t iona ndo
155
a aut or idade
Além disso, logo se descobriria que os novos modelos de etnicidade eram com patíveis com as novas tendências na antropologia que em ergiram nas décadas de 1980 e 1990 e que se concentra vam no nacion alismo , na glo balização e na identida de. Em parte dessa ob ra convergiam várias tendências discretas analisadas neste ca pítulo: desigua ldade de poder, p roce de nte do marxism o e do fem inism o, o contexto global , procedente do marxismo,
discur sos “em udecidos” e r eflexividade, com
ori
gem no feminismo, e desconstrução cultural, oriunda dos estudos de etnicidade. Embora as principais escolas européias de pesquisas sobre etnicidade a descreves sem principalmente como u ma ferramenta políti ca e inst rumental, logo se desenvol veram análises mais complexas que enfatizaram as dimensões de identificação sub jetiva e de segurança ontológica que tam bém são inerentes à etnicidade. Dois livros influentes que desenvolvem mais esse aspecto da etnicidade do que sua dimensão sociológica foram
Ethos and Identity (1978), do antropólogo de Manchester A.L.
Epstein, e The Symbolic Construction o f Community (1985), de Anthouy P. Cohen.
Teoria da prática Em 1984, Sherry Ortner, que havia contribuído com o volume de Rosaldo e Lam phere dez anos antes, pub licou o artigo “Theory in anthro polog y since the s ixties" (Teoria em antropologia desde os anos sessenta). Aqui ela postula que um para digma teóri co n ovo e abrangente estivera aflorando na antropologia duran
te as duas
décadas anteriores, por ela denominado “teoria da prática”. Segundo Ortner, a teoria da prática era o desdobram
ento de várias tendências dom
inantes na discipli na, mais
particularm ente da antiga co ntrové rsia entre a aborda gem orientada para o ator e a orientada para a estrutura da déca da de 1950 e da obra marxista e feminista dos anos 1970. Essa tendência nova, definida elasticamente, abrangia uma variedade de pro gramas de pesq uisa diferente s, mas um interesse metateó rico comum a todos era o de unificar o individualismo metodológico e o coletivismo e de analisar o papel do cor po humano situado nu m m undo material como o princ ipal Embora as referências de Ortner fossem principalmente mas conclusões também
descreveram tendências
l oci i s
de interaç ão social.
a antropól ogos americanos,
importa ntes na ciênci a social euro
péia conte mporânea. A idéia de um a teo ria socia l que pudesse unificar a orientação para o ator e a ori entação para a estrutura, como também perspectivas sociológicas e culturais signifi cativas, não era nova. Com efeito, o próprio termo prá tica (ou práxis), do modo como foi empregado pelos teóricos mencionados por Ortner, deriva de Marx, cuja descri ção do corpo humano como simultaneamente explorado pelo poder e resistente ao ooder deriva da sua teoria do va lor e constitui um a das afirmações mais vig orosas nas
156
H
i st
ó r ia
d a
A nt
r op ol
ogi
a
ciências sociais. Além disso, as feministas, com sua ênfase no poder e no gênero, também impeliram o corpo para o foco da atenção analítica, do mesmo modo que o impulsionou a subdisciplina recém-instit
uída, a antropologia médica, que se toma ria
uma das especializações de mais rápido desenvolvimen
to na antropologia na década
de 1980. Alguns desses interesses acabariam se expressando num rapprochement hesitan te da antropologia e da biologia durante a década de 1990 (capítulo 9). Durante os anos 1970, porém, eles atraíram a atenção de várias das principais luze s da teoria so cial européia, duas das quais serão tratadas brevemente aqui; abordaremos a terceira principalm ente no próximo capítulo. Em 1979 o sociólogo Anthony Giddens (1938-), descrito como “o cientista so cial inglês mais conhecid o desde Key nes” , publicou CentralProblems in Social The-
oiy, um a coleção de ensaios com forte tendência
para M arx e Altkusser, mas também
citando teóricos da interação, como Goffman e Barth. O objetivo explícito de Gid dens era unificar essas duas dimensões
da vida social a que ele se referi a como estru
tura e agência, respectivamente. Em seu
chef-d ’oeuvre, The Constitution o f Society
(1984), Giddens abrange grande parte do mesmo campo que Bourdieu; em vez de distinguir entre doxa e opinião (ver abaixo), ele distingue entre razão discursiva e prática, acrescentando o subconsciente como um terceiro nível; e reitera o contraste entre agência e estrutura como
uma tensão fundame ntal na vida socia l.
Chegando quase ao mesmo resultado que Bourdie u num nível teórico, a obra de Giddens era mais pobre em ilustrações empíricas e, em parte por causa disso, ela foi avidamente lida po r antropólogos, mas menos utilizada nas pesquisas propriamente ditas. Pode -se dizer que sua obra se envolve mais diretame
nte com a história da filo
sofia do que com dados etnográficos e sociológicos. Ela cataloga uma
série de dico
tomias perenes na ciência soci al (m aterialist a-idealist a, poder-resistência,
indivi
dual-c oletivo , consciente-inconsciente, et c.), organiza-as num sistema de pensamento abrangente e logica mente coerente e estabelece
uma série de princípios gerais impor
tantes de pesquisa sociológica que eram também relevantes pa O conceito de agência, que na
ra os antropólogos .
obra de Giddens evocava um ator estrat égico cons
ciente, atuando dentro de restrições estruturais impostas pelo poder sobre seu corpo, é quase idêntico ao conceito de “prática" de Ortner. Prática é também o termo prefe rido para o mesmo fenômeno na obra do sociólogo e antropólogo francês Pierre Bourdieu (1930-). Nascido numa familia de classe média baixa numa cidade provin cial na França, Bo urdieu estudou em Paris (com M ichel Foucault e Jacques Derrida; ver capítulo 8), e realizou trabalho de campo
entre os kaby les, um grupo berbere na
157
7. Q uest iona ndo a aut or idade
Argélia, durante a Guerra da Independência argelina nos anos 1950. Ele foi profun damente influenciado por Marx e Lévi-Strauss, Mauss, Durkheim e Weber, e seu projeto tem sido o de unificar todas es sas influ ên cias num instru men to simples mas sensí vel para o estudo das sociedades humanas.
Bourdieu escreveu sobre uma
gran
de variedade de temas, inclusive classe, esportes, arte, gosto, arquitetura, poder, gê nero e troca, e sua influência sobre a antropologia tem sido ampla e profunda. Sua obr a mais infl uente até o mom ento, Esquisse d ’une théorie de la pr atique (1972; On dine o f a Theoty o f Practic e , 1977; cf. também Bourdieu 1990), é basicamente uma meditação teórica constante sobre a relação entre normas coletivas, poder so cial e agência individual, como esses se expressam através do corpo humano e pelo corpo humano. Dois aspectos da teoria de Bou rdieu nos interessam aqui.
Primeiro, a idéia d e ha
bitus , que ele empresta de Mauss e do teórico alemão N orbert Elias (1897-1990). Em termos gerais, habitus é a int ema lização perm anente da ordem soci al no corpo hum a no. O corpo habita um mundo m
ateri al, um mundo de poder e um mundo
de out ras
pes soas . As res trições estrutur ais ineren tes nes se mun do se im pr im em no co rpo, fo r mando disposições permanentes: esquemas de percepção e pensamento, extrema mente gerais em sua aplica ção, com o os que dividem o mundo de acordo co m as opo sições entre ma sculino e feminino, lest e e oest e, futuro e passa do, e m cima e em bai xo, direita e esquerda, etc., e também, num nível mais profundo, na forma de postu ras e posições coiporais, modos de ficar de pé, de sentar, olhar, falar ou caminhar (Bourdieu 1977: 15). Habitus é assim um modo de uma dança -
estilo estético de ação imprégnante que determina o ator ao
não se pode sair dela sem que haja perd a do enc anto. Ao mesmo
tempo o estil o, como a dança, pode ser prat icado com m aior ou men or habil idade, pode ser usado criativamente e abre possibilidades infinitas para variação e improvisação. Voltando a Bateson, e além dele a Benedict, o conceito de tangível à idéia vaga e geral de
habitus parece dar reali dade
ethos, ligando-a ao pod er e ao mundo materi al.
Na segu nd a par te do livro Bourd ieu desenvo lve um modelo de cultura simbó lica no qual ele distingue
doxa e opinião corno duas formas básicas de conhecimento.
Doxa se refere ao que é considerado como fato consumado, que está além de qual quer dis cussão e que, em mu itos cas os, não pode nem
sequer ser ar ticulado por mem
bros da socied ade. Opinião , ao co ntrário, se refe re àqueles aspectos da cu ltur a que estão abertos ao escrutínio, à discussão e à divergência. Um terceiro teórico a exercer um impacto profundo gica r elacionada com práticas envo
sobr e a pesquisa antr opoló
lvendo o corpo, a quem voltaremos no próximo
capítulo, f oi o fi lósofo e historia dor f rancês M ichel Fouca ult (1926-1984 ). Em 1975
158
H ist ór ia , d a Ant r op ol ogi a
Fouca ult publicou um estudo muito elogiado sobre o surgimento do sistema moderno na Europa, com bases muito sólidas sobre o conceito de
prisional
disciplina. Disci
plina, como habitus, é estrutura e poder que foram impressos no corpo, formando disposições permanentes. Foucault, porém, enfatiza a violência dessa “impressão” com mais intensidade do que Bourdieu e dá uma idéia mais vívida do custo da mo dernização para que m q uer que esteja sujeito a el a. Esse aspecto da obra de Foucault teve uma influência fundamental sobre os estudos antropológicos do po der e da vio lência que apareceram durante as décadas de 1980 e 1990 (capítulos 8 e 9). Em suma, os teóricos da prática abriram todo um novo campo de investigação para a antropologia, concentrando-se no corpo humano como fato central de toda existência soci al. Esse interess e os ligou - direta ou indiretamente - a outro grupo de pesquisadores que estivera explorando a interface entre biologia e sociologia. Esse grupo incluía Turner, cuja obra mais recente sobre performance e ritual continha um a forte orientação para o c orpo. Incluía Bateson, que (com Mead) havia trabalha
do sobre a linguagem do corpo em Bali e inspirado antropólogos como Ray Birdwhistell (1918-1994), que realizou um trabalho altamente técnico sobre comunica ção não-verbal. Esse intere sse voltou-se també m para a obra de psicólogos, lingüis tas e antropólogos cognitivos que haviam analisado aptidões lingüísticas e percep tivas congênitas ou profundam ente impressas (ver capítulo 9) . Finaimente , ele se ligou à obra de um grupo de biólogos e antropólog os físicos que cri aram um impulso im portante na disciplina no fim da década de 1970 através de um a tentativa de redefini ção da antrop ologia com o ura ramo do estudo da evolução (E.O. Wilson A forte resistência entre antropólogos
1975).
da coment e dom inante a essa obra é ilus
trada pelo fato de que quando a obra póstuma de Victor Turner,
Body, brain and cul-
ture , foi publicada em 1987, seu editor julgo u nec essário prefaciá-la com um a longa introdução, explicando que Turner, em sua senilidade,
não havia se torna do um so-
ciobiólogo.
O debate sociobiológico e Samoa Foi com relutância que a maioria das figuras veteranas da discipli na reconheceu a antropologia marxista como projeto
legítimo, apesar de suas i nsinuações evoluci o-
nistas. A an tropologia feminista foi, de modo geral, bem recebida
como elaboração
de algumas preocupaçõe s disciplinares perenes. E a teoria da práti
ca, especialmente
na versão de Bo urdieu, parecia se ajustar per feitamente à antropologia. Com a sociobiologia as reações foram diferentes. Ela se deparou com reações extremamente hos tis, e antagonistas tradicionais -
materialistas culturais e hermeneutas, antropólogos
7. Q
uesti
on
a nd
o
a
aut
or
i da
159
de
políticos ingleses e marxistas estruturais franceses - uniram forças temporariamente para tentar exorcizar o mau espírito da sociobiologia. O centro da controvérsia foi o livro do biólogo Ed ward O. Wilson Sociobiology (1975). A ma ior parte dele trata das formas não humanas de “organização soc
ial”, mas no último capítulo W ilson propõe
incluir as ciências sociais no grande esforço da
biolo gia evolucionária. Ele vê a cu l
tura essencialmente como um a adaptação no sentido biológico; sua pri
ncipal função
consiste em asseg urar a produção de progénie, e para com preender o que as pessoas se propõem a faze r e como as sociedades funciona m, é preciso observar suas ativida des à luz do hardware do seu aparato genético. Na visão de Wilson, fenômen os cul turais como religião, cooperação e moralidade precisam ser vistos como adaptações biológicas. N o am biente intelectual “libe ral” (um eu femism o am ericano para radi cal) da época, quando o feminismo e o marxism o se agigantavam, esse determinismo biológico inevitavelmente provocaria alvoroço. Num a sessão pública em 1978, um membro da assistência derramou uma jarra de água gelada na cabeça de Wilson quand o ele subia na tri bun a para falar, enqua nto outros cantavam : “W ilson, agora você está todo molha do!” Esse episódio serve para ilustrar a
paixão em tom o do pro
jeto da sociobiologia. Como o leitor não ignora, a idéia de determinismo biológico não era nova à an tropologia. Mas ela não tivera uma prese
nça marcante na disciplina desde que Boas a
havia contestado no começo do século vinte. O racismo científico estivera pratica mente mo rto desde os anos entre as duas grandes
guerras. A partir do início dos anos
1960, porém, alguns antropólogos, e inúmeros biólogos interessados no comporta mento humano, haviam começado a pensar seri amente em desenvolver uma ciênci a darwinista da cultura . A lguns livros populares co m títulos tentad ores como The Na-
kedApe, The Imperial Animal e The Territorial Impera tive apareceram no fim da dé cada de 1960, pleiteando para a biologia áreas que haviam sido monopolizadas por relativis tas culturais e outros cientistas sociais durante
a maio r part e do século vinte.
Esses li vros eram academ icamente m odestos e causaram menos a nsiedade do que ir ritação entre os profissionais. Com a publicação do livro de Wilson, e tr ês anos mais tarde do seu On Human Nature, an tropólogos sociais e culturais
tinham um alvo dig
no de ataques contínuos, e eles o atacar am. M esmo bió logos evo lucionários, inclusi ve Richard Lew ontin e Stephen Jay Gou ld, saíram a público para desm erecer a visão simple s de human idade proposta por Wilson. Na a ntropologia, Marvin Harris - que poderia ter sido considerado como um aliado natural dos sociobiólogos - escreveu um artigo sobre o movimento em
Cultural Ma terialism, onde concluiu qu e a varia
ção cult ural no mun do tinha de ser explicada por referência a fatores ecológicos, de mográficos e tecnológicos e que as propostas sociobiológicas
ou eram triviais ou er
160 ..
H
i st
radas. Sahlins, que acabara de completar seu anti-reducionista
Reason, respondeu escrevendo um pequeno livro,
ó r ia
d a
an
tr
op
ol
ogi
a
Culture and Practical
The Use and Abuse o/Biology
(1977), que foi publicado bem antes do término do debate nas revistas. No livro, ou panfleto, Sahlins levanta vários argumentos. Um deles é que a sociobiologia é uma espécie de darwinismo social, uma ideolog ia do individualismo e da competição dis farçada em “ciênc ia real” . Um outro, de caráter mais técnico, se refere ao conceito de “seleção por parentesco”, apresentado por Wilson e seus seguidores. Segundo esse princípio, a lealdade e a disposição de uma pessoa de fazer sacrifícios pessoais de pendem do parentesco genético, de modo que uma pessoa estaria mais inclinada a fa zer sacrifícios por parentes genéticos próximos do que por terceiros. Obviamente, um antropólogo cultural teria algumas dúvidas sobre esse tipo de visão, e Sahlins passa quase metade do livro mostrando que as fonn as de considerar a parentela vari am muito em todo o mundo e que não existe r elação ne cessária entre proxim idade ge nética e solidariedade social em decorrência do parentesco. Numa réplica a Sahlins, Richard Dawkins (na segunda edição de
The Sacia! Gene. 1983) defende que as re
presentações culturais podem variar, mas que isso não significa que as práticas apre sentem um a variação correspondente. O debate não tenninou aí. Lévi-Strauss demoliu cortesmente a sociobiologia em seu Le Regard éloigné (1983; The Viewfro m Afar , 1985), mostrand o que a idéia de “aptidão inclu siva” era uma categoria exp licativa vazia, pois e ra tão flexível na práti ca que poderia ser usada para explicar absolutamente tudo. Em
seu importante livr o
Evolution and Social Life, publicado um a década depois de Sociobiology, além dis so, Tim Ingold (1986) dedica grand e atenção ao livro e à controvérsia decorrente. Em tom exasperado, ele observa que Wilson (em
On Hurnan Nature), em sua tentativa de
criar do nada uma ciência social em bases biológicas, inadvertidamente reinventa o método comparativo evolucionista do século dezenove (Ingold 1986: 71). No exato momento em que o debate em torno da sociobiologia estava esmore cendo, pelo menos na corrente predominante da antropologia, ele foi reavivado com a publicação de uma monografia sobre a vida social samoana. Em 1928 Margaret Mead havia publicado o seu Corning ofAge in Samoa, uma descrição íntima de ado lescentes em desenvolvimento que contribuiu substancialmente para o estabeleci mento do relativismo cultural, não somente na antropolo na corrente principal da vida intelectual americana. N
gia americana, mas também
o interstício entre as duas gran
des guerras, a o bra havia sido instrumental para desacred itar o então poderoso movi mento da eugenia, que favorecia a “criação seletiva” dos seres hiunanos, aparente mente para aprimo rar a cultura. O livro fora também inspiração importante para o fe
7. Q
uesti
on
a nd
o
a
aut
ori
161
dade
minismo americano e era frequentemente mencionado pelas novas feministas antro pológicas da dé ca da de 1970. Em 1983 o antropólogo australiano Derek Freeman publicou uma investida de
Margaret M ead anã Samoa: The
dimensões livrescas contra a pesquisa de Mead:
Unmaking o f an Anthropological Myth (Freeman 1983). Freeman estivera fazendo pesquisas de scontínu as em Samoa durante décadas, e no início ele hav ia tomad o as idéias de Mead sobre a sociedade samoana como pressuposto inquestionável, con forme ele explica. Foi aos poucos que e
le começo u a estranhar a discrepância entre o
que via ao se u redor e a descrição de Mead. Nada parecia combinar:
funções de gên e
ro, socialização e sexualidade não eram em absoluto como Mead as havia do. No livro, el e atri bui essas discrepâncias em parte ao otimismo exagerado, te ao f ato de M ead ter sido astuciosamente mal
repres enta em par
direcionada por seus informantes. A
próp ria análise de Freeman dava a entend er que Samoa era um lugar assu stad or para se crescer . O estupro era comum, o suicídio e os dis
túrbios mentais proliferavam e
em flagrante con trast e com o retrat o român tico da sexualidade adolescentes, fei to por Mead - havia um culto extremo da
-
livr e entre samoanos
virgindade.
A obra acadêm ica de Me ad havia sido criticada ante s. Em ger al hav ia concordân cia de que seu tr abalho de campo em S am oa—como jov em de 24 anos, menos de uma década depois da volta de Malinowski das Ilha s Trobriand - fora metodologicam ente questionável e que a mo nografia provavelm ente não representara um trabalho cienti fico important e. A virulência do ataque
de Freeman e o fat o de ele resolv er publicá-lo
depois da morte de Mead em 1978 (ele estivera trabalhando no livro durante déca das) contribuir am para as reações quase unânim es a favor de Mead entre os antrop
ó
logos americanos. No entanto, os anos 1970 haviam sido fecundos em reanálises, desde o desmantelamento da obra de Barth sobre os swat pathans (1972) realizado por Talai A sad, às acusações de funcion alismo no estudo de Rap paport (1 979) feitas por Jona than Friedm an, até o seguimento e crítica respeitosa, mas instigante, de Annette W einer a M alinow ski (1976). Na da disso causou tanto alvoroço como a crí tica de Freeman a Mead. A impressão mas ainda sendo desagradável
é que ele não estava apenas criticando Mead,
à mem ória de u m ícone do humanism o liber al e, pior
de tudo, agindo assim como um antropólogo simpatizante da biologia. Freeman foi tratado rudemente por seus colegas antropólogos e rapidamente se tornou
non grata; m as ele continuou sua cruzada nos anos
persona
1990 adentr o.
E interessante observar que outros especialistas em Samoa de modo geral não to mam o partido de Freeman. Alg uém poderia achar que eles fariam iss o: entre os dois, não era ele o verdadeiro cientista, trabalhando persíst
entem ente por décadas, coletando
materia is volumosos, dedi cando tempo ao aprendi zado da língua - enquant o Mead
H ist ór ia d a Ant r op ol oci a
162 ...
nunca passara de uma visita nte sem tempo para mais do que contatos r ápidos com seus informantes? Talvez, mas os especialistas foram cautelosamente am
bíguos ao avaliar
os méritos relativos das pesquisas de Mead e de Freeman. Um não-especialista mos trou, levemente irônico, que o argumento de M
ead de que a criação/educaçã o era mais
forte do que a natureza havia se comprovado nos
anos interpostos, um a vez que a so
ciedade americana havia passado de uma visão muito puritana da sexualidade para uma visão mais liberal. Alguns especialistas regionais enalteceram Freeman por lhes ter fornecido um quadro mais completo da sociedade samoana, enqua nto Lowell Holmes, ele próprio um dos que repetiu o trabal ho de M ead no inicio da década de 1959, concluiu afirmando, com referên cia ao seu próprio trabalho, que teria fi
cado m uito sa
tisfeit o em chicot eai- Mead , mas era incapaz de fazer iss o: a semelhança entre a Sam oa real e a Sam oa retr atada por Mead era for te demais (Ho lmes 1987). Embora o conteúdo dessa controvérsia seja por sua própria natureza fascinante e envolvente para qualquer antropólogo, o que mais
nos intere ssan o contexto da his tó
ria da disciplina é o grau de paixão, para não dizer agressão, que ela despert
ou. M es
mo durante os então recentes debates calorosos sobre descend
alian ça no
ência
versus
parentesco, a sup osta un iversalid ade da suprem acia mascu lin a, o ve rdad eiro signifi cado marxista de determinação infra-es trutural ou a autonom ia da cult ura, os antago nistas raramente ultrapassavam as fronteiras da ironia no ataque a seus oponentes. Com o debate da sociobiologia e questões conexas relacionadas com sus
a natureza
ver
cultura, a cortesia habitual do debate antropológico foi esquecida, e o balde de
água fria sempre ficou por perto. Antes de voltar a essas (e outr as) questões, precisamos m
ergulhar nas águas tur
bulentas e turvas do pós-m odernismo. Co nsiderad o po r alguns como fonte de sa lva ção, por outr os como beco sem saída, e po r outros ainda com o um túnel com uma luz no fnn, as diferentes correntes intelectuais sumariadas como “pós-modernismo” ti nham poucos interesses em comum, mas eram respostas a uma situação histórica particular.
8 O fim do Modernismo?
Se toda época tem sua atmo sfera própria, a d os anos 1980 é inconfundível. A dé
cada parece precipitar-
se sobre nós num a nuvem pesada de couro pret o, decadência
walkman, descendo pela
urbana, Aids e craque. O som do The Cure saindo de um rua, passando pelo jove m pálido na esquina com do. Ou as adolescentes em
seus spikes e cabelo moicano doura
slacks justos desmaiando histéricas diante de Michael
Jackson e dançando até o dia amanhecer —enquanto os primeiros, toscos, computa dores pessoais cheg am ao mercado dom éstico e a lua descorad a brilha do al to de um céu que agora contém buracos de ozônio e gases de estufa que um antropólogo arguto logo cha
- fenômenos estranhos ,
ma rá de híbridos. O utro híbr ido é enterrado num
sarcófa go inominável perto da pequena
cidade de Chem obyl, na Ucrânia. Reagan
e
Thatcher; Nicarágua e Afeganistão. índira Gandhi assassinada; Saddam Hussein elei to. O lof P alme assassi nado. M ikhail Gorbac hev eleito. Na metade da década, m gulhadores de águas profundas localizam o
er
Titanic no fundo do Atlântico Norte, e
planos são feitos para resg atar pa rte s do en orm e e luxu oso nau frágio. Mas então a União Soviética anuncia sua
glasnost t perestróica, redução u nilateral de armas e li
berdad e d e expressão; e o mund o observa a grande supe rpotên cia co mun ista ca mba lear e desa bar sob seu próprio peso. Em 1989 o M uro de Berlim é demo lido e vendido aos pedaços para indivíduos e empresas em todo o mundo. A demo cracia e o cap ita lismo triunfam. Nelson Mandela é libertado. Os anos 1980 trouxeram desdobr amentos políticos dom ésticos que deixaram des contentes muitos acadêmicos da área das ciências sociais e humanas. O setor público ficou debilitado e as universidades foram
reestruturadas para se tom ar mais efici entes.
Os recursos futuros destinados a disciplinas “inúteis” como
a antropologia se tornaram
mais incertos do que nunca. A competição e o individualismo foram proclamados das tribunas e insti tuídos nas universidades. Depois da vida acadêm
ica expansiva, agressi
va dos anos 1970, os anos 1980 parec iam contidos: claustrofóbico s ou ensimesmados.
164
H ist ór ia d a ant r op ol ogi a
A desilusão era geral entre um a geração de antropólogos que até recentem ente pensava que podia muda r o mundo. Pelo fim da década, alguns pareciam acred itar que “a antro pologia como a conhecem os” estava (ou devia estar) morta e enterrada, enquanto ou tros continuavam co m suas pesquisas, enviando alunos a trabalho de campo e m anten do as inst ituições em funcionamento - organizando conferências, editando revistas, re visando monografias, trabalhando
em projetos aplicados, etc .
Até 1980, a antropologia havia se toma do uma disciplina diversificada e dinâmi ca, com inúmeras tradições de pesquisa c laramente delineadas. Apesa r dos recentes sobressaltos c ausa dos pelos m arxistas e outros sublev ado res, e a despeito da
qua
se co nsta nte auto crítica que a ntropólogos havi am prati cado durant e uma década ou mais, os principais teóricos ainda inspiravam
interesse e r espeito. Eles constituíam a
geração que havia adquirido experiência e conhecimento em departamentos dirigi dos por pessoas como Kroeber, Redfield e Herskovits, Firth, Evans-Pritchard e Gluckm an durante os primeiros anos do pós- guerra. A estrela ascendente da antropo logia americana era Geertz, que havia se mudado de Chicago para Princeton em 1970, dois an os depois que Tum er/ ò/ para Chicago e ali assumiu sua
cátedra de pro
fessor. Até então Geertz estava consolidado como o antropólogo simbólico mais eminente, admirado po r suas interpretações eloqüentes e sut is. Seu contemp orâneo, I Sahlins, chegou em Chica go em 1973. Sahlins havia aba ndon ado o neo-ev oluci onismo e aderido ao marxismo boasiano
(se isso é pos síve l!), mas em pou co tempo pa s
saria a desenvolver sua própria linha de estruturalismo. Todas as três fases de sua obra tiveram seus admiradores. Schneider, também em Chicago, logo proclamaria (1984) que o conceito de parentesco
era tão bom quan to era sem sentido; e Wolf, que
publica ria seu magnum opus sobre o impacto local do colonialismo em 1982, teve um séquito numeroso na City Unive rsity de Nova York. Harris passaria de Colômbia para a Universidade da Flórida em 1982, depois de publicar seu m anifesto teórico so bre materialismo cultural em 1979 - o mesmo ano em que Bateson, perseguindo seus interesses interdisciplinares na C alifórnia, terminou sua primeira e ú de síntese, Minei and Nature.
nica grande obra
Entre os antr opólogos b ritâni cos, vários partir am para os Estados Unidos Douglas, Frederick Bailey, Victor Turn
Mary J
er e outr os. Dou glas continuou a realizar um
trabalho importante nas fronteiras entre o estruturalismo e o estrutural-funcionalis mo - alguns considera m o pouco conhecido
Cultural Bias (1978) seu melhor livro
desde então . N a d écada seguinte, ela publicaria How Institutions Think (1987), uma defesa notável do estrutural-funcionalismo num
tempo em que, aos olhos da maioria,
ele estava seguramente relegado às brumas da história. Na Inglaterra, Needham e Arden er tiveram seus adeptos em Oxfor d; Needh am com sua versão de estrutural is-
165
8. O FIM D O MO DERNISMO?
mo mais holandesa do que francesa e um foco etnográfico no Sudeste Asiático; Ardener, o africanista, com sua preocupação “
pós-estruturalista” pela linguage m e a
cognição. Em Cambridge, presidiam Leach e Goody: Leach continuando a atrair a atenção por suas idéias teóricas, influenciadas em quase igual medida por Malinowsk
i
e Lévi-Strauss; Goody trabalhando persistentemente em suas grandiosas compara ções. Enqu anto isso, Ernest Ge llner (1925-1995), um filósofo tcheco natural de Paris que havia ader ido ao funcionalis mo malino wskiano durante sua permanência na LSE e que havia se convertido à antropologia e publicado seu primeiro e único estudo de campo sobre santos marroquinos (Gellner 1969), integraria o departamento de antro pologia de Cambridge no início dos anos 1980. Barth, um pesquisador de campo in cansável, havia terminado estudos na Nova Guiné e em Omã e estava planejando um novo período de trabalho em Bali. Na metade da década de 1970 ele havia se mudado de Bergen para o Mus eu Etnográfico em Oslo - e passado do seu ant igo interesse por economia, ecologia e política para estudos do conhecimento. Em 1987 ele publicou
Cosmologies in theMaking, um estudo region al de tradições do conhecimento n as Ter ras Altas da Nova Guiné, abordad as de um a perspectiva processual e generat iva. Na França todos os caminhos ainda pareciam levar a Paris, onde Lévi-Strauss de sempenhava suas funçõ es. Ele havia testemunhado a ascensão fenomenal do estruturalismo durante os anos 1950, e depois o implacável ataque contra essa escola lança do pela geração mais jovem , capitane ada por Foucault e Derrida. Lévi-Strauss co
nti
nuou a escrever novos livros, apesar de ter poucos novos alunos por essa época. Bourdieu havia se mudad o de Lille para Paris no começo dos anos 1960, e se tomo u uma figura internacional com a tradução para o inglês, em
1977, de Outline o f a The-
ory o f Praclice. i Dumont, cuja reputação como antropólogo estivera aumentando desde que Homo Hierarchicus foi publicado em inglês em 1970 (até então, fora da França, ele era considerado como um “mero” sul-asianísta), continuara a escrever obras instigantes sobre hierarquia e valores, individualismo e coletivismo, “o Oci dente” versus “o O riente”, e atrairí a um séquito bastante substancial durante a déca da de 1980. Até 1980 não era mais possível dizer que a
pesq uisa antropológica estava lim ita
da a cer tas “regiões cen trais” ou a estudos de culturas exóticas teira da revolução metodológica dos anos
, não ocidentais. N a es
1970, o trabalho de campo em países oci
dentais havia se tom ado corriqueiro, e o s anos 1980 veri am uma produção considerá vel de publicações nesse gênero,
inclusive Kitchen-Table Society( 1984), de Maria n-
nc Gullestad - um estudo da m ulher da classe operári a urbana da Noruega; e
Falling
Jrom Grace (1988), de K atherine Newman - um estudo da mobilidade des cendente entre a clas se média american a no governo Reagan. A antropologia urbana,
iniciada
H ist ór ia d a ant r op ol ogi a
166
pelas escolas de Chicago e Manckester, havia se consolidado como um em preendi mento absolutam ente respeitável . A geração m ais velha de antropólogos entrou na década de
1980 com emoções
contraditórias. Para alguns o recuo com relação ao compromisso político parecia uma traição a tudo o que era sagrado para a antropol ogia. O utros viram um a oportu nidade de vo ltar ao trabalho, depois de uma décad a de debates políti cos temp estuo sos. Para outros ainda foi a oportunidade longamente esperada de livrar-se da antiga idéia da antropologia como ciência natural e de instituir um novo humanismo. Um exemplo deste último foi Victor Tumer, que, em sua obra póstuma
The Anthropology
o f Perfo rmance , escreve a respeito da “desumanização sistemática dos sujeitos de estudo humanos” nos relatos antropológicos, “co nsiderando-os como os port adores de uma “cultura” impessoal ou [como] cera a ser impressa com “padrões culturais”, ou conforme determinado por “forças,” “variáveis” ou “pressões” sociais, cultur
ais
ou psicológico-sociais de várias espécies” (Turner 1987: 72). Tumer havia percorri do um longo caminho desde seus anos de estudant e c om Gluckman. N esse livro ele propõe uma antropologia experimental, alegre, uma antropologia voltada para o ser humano pleno, como um corpo que vive, respira e tem emoções. Turne r recebeu bem o pós-modem ismo (apesar de não gostar do rót ulo) porque o pós-modernismo, pelo menos em algum as de suas formas, dava liberdade com relaç ão a sistemas abstratos e modelos formais, fossem eles orientados para o ator ou estruturais, sociológicos ou cultur ais. Modelos formais obscureci am a exuberância, a criatividade e o hum vida hum ana e colocavam a mente científica acima das pessoas reai
or da
s.
Há um paradoxo nisso, que explicaremos rapidamente. Por um lado, um li nha-dura teórico como Bourdieu parece estar dizendo quase a mesma coisa que Tur-j ner. Seu conceito fundamental, habiíus, tem o propósito expresso de mo strar a ri que za da inter ação humana - concentr ando-s e no corpo - que é precisamente o que Tur ner recomenda. Por outro lado, todo o projeto de Bourdieu, com suas ambições totalizantes e seu argumento formal e intrincado, parece contradizer inteiramente as in tenções de Tumer. Também entre a geração mais jov em as idéias e interess es eram variados. Para convencer-se disso, basta examinar algumas monografias produzidas
por eles. Tome
Medusa 's Hair (1981), de Gananath Obey esekere, uma análise de inspiração psicanalítica e médica da possessão por espírito no Sri Lanka; ou
Sound and Sentiment
(1982) , de Steven Field , que p ode se r descrita como um ensaio estruturalista anima do sobre música, som natural e emoção em Papua Nova Guiné; ou
Transylvanian
Villagers (1983), de Katherine Verdery, reconstituindo três séculos de mudanças po líticas, econômicas e étnicas num a comunidade cam ponesa romena; ou
Space, Text
8.0
f im d o
Mod
er ni sm o
?
167
and Gender ( 1986), de Henrietta Moore, um estudo - inspirado por Ricoeu r e Marx do gênero, simbolismo e poder entre os marakwets quenianos.
From Blessing to Vio
lence (1986), de Marc Bloch, a última e mats importante tese estrutural marxista, aborda a história e o pod er conforme são expressos através de um ritual de iniciação em Madagascar; enquanto
Legends o fPeople, Myths o f State (1988), de Bruce Kap-
ferer, mergulha nos fundamentos cognitivos dos nacionalismos do Sri Lanka e da Austrália, baseando-se consideravelmente nas idéias de hierarquia de Dumont e na teoria do desemp enho ritual de Turner. Poderíamos continuar nesse veio indefmidamente, mas já vim
os o suficiente para
ter uma idéia da grande variedade de questões e lugares que foram analisados nessas etnogra fias. Mas devemos presta r atenção também ao ecleti smo teórico que as impreg na. A influência do marxismo e do feminismo aparece freqüentemente; e observa-se um a tendência a enfocar o corpo, o poder e o r itual - mas os autor es parec em mais dis postos do que antes a acrescentar um a pitada de Lévi-Strauss sem deglutir toda sua perspectiva, ou a aplicar uma análise de rede baseada na ação em estudos de integração social essencial mente durkheimianos. O estudo de Steven Feld , transitando à vontade pe la paisa gem teórica, talvez seja o melhor exemplo disso no grupo. O pós-mod cm ismo proclamou a “morte da grande narrativa”, “desconstruiu” os grandes projetos de síntese, deixando os fragmentos espalhados pelo chão. Assim, os individualistas vi vem dias felizes, tanto na antropologia como em outras áreas, e todo antropólogo que se respeite parece criar uma caixa de f errame ntas ana lítica particular, ind isponível para ser reciclada por quem quer que seja , a não ser em fragmentos. Um relance sobre algum as obras mais explicitamente teóricas da década parece confirmar essa impres são. Tom e The Symbolic Construction o f Comrnunity (1985), de Anthony P. Cohen, um livro pequeno sobre identidade local baseado em dados de Shetlan d e no modelo de etnicidade de Bart h - em contraste com
The Gender o f lhe
Gift (198 8), de Marilyn Straíhem , uma obra enorme e intrincada sobre troca e gênero entre os hagens da Nova Guiné, envolvendo-se com um cos, inclusive Mauss e Lévi-Strauss; ou tome
a grande variedade de teóri
Symbols that Standfor Themselves
(1986), de Roy W agner, um excurso neo-lévi- straussiano sobre criati vidade sim bóli ca na fi losofia européia e na etnografia papua na - em contraste com
ofThings (1986) , obra editada de Arjun Appadurai, um
The Social Life
a discuss ão das transforma
ções do consumo e do valor em sistemas econômicos globais, com base nas teorias do valor dc Marx e de Simmel. Todos esses projetos vari ados e incom patíveis aconteceram sobre o pano
de fun
do de um movimento acadêmico mais geral. Idéias freqüentemente denominadas “pós-estruturali stas” estavam se difundi ndo. Michel Foucault estava se toman
do u m
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
168
nome familiar entre os antropólogos. Controvérsias intensas giravam em tomo de questões de representação, reflex
ividade e a própria possibilidade de
uma ciência an
tropológica. Se os anos 1970 foram uma década de compromisso, os anos 1980 fo ram um a época de dúvida . E - em parte como result ado do próprio individualis mo e ecleti smo que observamos acim a - essa dúvida também afetou a integri
dade das vá
rias tradições nac ionais na discipli na. Suas fronteiras de um século de idade co me ça vam a toma r-se indef inidas . O fim do Modernismo?
Até a metade dos anos 1980 muitos antropólogos mais jovens, especialmente americanos, falavam sobre uma crise na antropologia, uma crise relacionada ao modo como os antropólogos descreviam -
ou “represent avam ” - os povos que el es
estudavam (ver, por exemplo, Fabian 1983; Clifford e Marcus 1986). Em graus di versos, eles acusavam a disciplina de “exotificar” o “outro”, de manter uma “distinção sujeito-objeto” entre o observa
dor e o observado, q ue, diziam, con tinuav a o pro
jeto de “alterizaçâo” do colonialism o conservando um a “d istinção” assim étrica, in defensável, entre “Nós” c “Eles”. Jargões à parte, a crise teve muito a oferecer no cenário dos anos 1980. Muitos antropólogos e pesquisadores de outras áreas haviam sustentado que o Ocidente, e especialmente a tradição ocidental científica e intelectual, tende fortemente para o controle, representado em sua forma mais visível pelas “circunstâncias controladas” dos laboratórios de física (Latour 1991). Como ciência, é claro que a antropologia também tem essa “disposição” (como Bourdieu poderia chamá-la) para controlar seus objetos de estudo. O simples planejamento de um projeto de pesquisa supõe isso. E é evidente que se deve ter muito cu
idado em todas as etapas do projeto de pes
quisa para manter ao míni mo a dose de - bem - “alt eriz açâo”. Mas o movimento pós-modemista foi menos direto do que isso. De fato, po der-se- ia muito bem pergun tar se se deve consider á-lo um m ovimento propriamente dito, um a vez que seus principais proponentes muitas vezes de
fendiam idéias opos
tas. Hav ia de fato muitos dif erentes matizes de “ pós-m ode rnism o” (situação perfe ita mente coerente com o espírito do “pós-modernismo” em si). Vejamos o panorama histórico de alguns desses matizes. Na década anterio r ó marxism o e o feminism o haviam preparado co nsistente mente o caminho para a crítica pós-mod
em a da antropolog ia. Eles havia m mostr ado
que o conhecimento e o poder estavam interligados e que as visões de mundo nunca eram ideologicamente neutras. Entretanto, os próprios marxistas e feministas supos
8. Of im d o Mod er ni sm o ?
169
tament e se s ituavam em algum tipo de meta nível de onde podiam, com segurança e criticamen te, observar e an alisar o mundo. Rem ova esse m etan ível, o que rest a é pó s-m od ern ism o, E algo com o se alguém tirass e a autorid ade da observação e da descrição cientificas dos boasianos e malinowskianos. Tudo o que restaria seria um número indefinido de versões do mundo. O termo “pós-modemo” foi definido primeiramente na filosofia pelo filósofo francês Jean-François Lyotard em sua
La Condition postmoderne (1979; The Post-
modern Condition, 1984). Para Lyotard a condição pós-modema era uma situação em que não havia mais nenhuma "grande narrativa*1abrangente que pudesse ser invocada para dar sentido a o inundo como um to do . Diferentes v ozes co mpetiriam por atenção, mas nunca se integrariam. Q livro, um
best-seller inesperado, propunha-se
srcinalmente a ser uma crítica do efeito da padronização e “achatamento” dos siste mas de recupe ração de informação c omp utadorizad a sobre o discurso intelectual. Ele descrevia uma situaç ão histórica específica no Ocide nte (a que outros se referiram de formas variadas como “sociedade de informação”, “sociedade de consumo” ou mes mo “sociedade pós-industrial”) , em que o domínio era exercido por novas tecnologi as, por novas relações de poder e por ideologias
. Mas o pós-modemismo era ele pr ó
prio uma ideologia, uma perspectiva analítica e uma estética que descrevia o mundo (seja o mundo do periodo pós-modemo em si ou qualquer outro mundo) como descontinuo e fragm entado - um mundo de mu itas vozes locais e indiv iduais, mais do que um mundo de escolas e ideologias hegemônicas. A arquitetura, o cinema, a lite ratura e a arte abraçaram essa atitude com entusiasm o, o que resultou num grande nú mero de produções ecléticas, ao modo de colagens, muitas vezes explorand o ironica mente evocações saudosistas de estilos e modas do passado. Na antropologia a mes ma atitude foi rapidam ente associada ao relativismo cultural intransigente, indo
mui
to além do relativismo de Boas, digamos. Todos os mund os e visões de mundo eram iguais - desde que não tentas sem dominar uns aos outr os. Cada mundo era constituí do por um “jogo de linguagem” independente (um termo que Lyotard emprestou do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein), e nós somos condenados a viver em dife rentes mundo s, sem nenhuma língua comum que po ssa nos unir. Visões de dem ocra cia ou de direitos humanos universais eram, como certos marxistas também haviam afirmado, parte inerente de um a ideologia específica da cultura ocidental e não podi am ser de valor neutro. Esse c enário nos lemb ra a crítica de .Herder a Voltaire ( capítulo l); n esse contexto o pape l de Voltaire é representado princip almente pelo soc iólo go alemão Jürgen Haberma s i 1929-), que desen volveu uma teoria de ação comun ica tiva herrschafftfrei (democrática, “livre de autoridade”) nos anos 1970.
170
H ist ór ia d a ant r op ol ogi a
O impacto direto de Lyotard sobre a antropologia foi limitado. De maior impor tânc ia para a nova geração de antropólogo s foi Michel Foucaul t ( 1926-1984) que, no entanto, n unca se considerou um pós-modemista. Filósofo e teórico social crítico, as principais obras de Foucault tratam em parte das condições do conhecimento (Fouca ult 1966), em parte da história da mentalidade (Foucault 1972), e em parte, como vi mos, do poder e do corpo no mundo moderno (Foucault 1975). Através de estudos his tóricos do tratamento do desvio (insanidade, criminalidade e sexualidade) na Europa, Foucault mostrou como as estruturas consideradas como pressuposto natural para compreender e agir sobre o mundo mud aram historicamente. Ele adotou o termo dis curso para delinear essas estruturas. O termo “discurso” havia sido usado por lingüistas duiante anos, mas no emprego de Foucault ele significava especificamente uma troca pública de idéias , em que certas questõ es, agendas e definições - os assim cha mados “objetos discursivos” - se desenvolveram como resultado de lutas de poder entre os participantes do discurso e se impuseram sobre o corpo humano sensual. Em sua prosa implacável e intensamente bela, frequentemente baseada era analogias milita res em suas descrições do poder discursivo e da disciplina corporal, Foucault falou do discurso como o responsável pela implantação de um regime de conhecimento. À primeira vista essa teoria pareceria não representar um desafio para a antropo logia da corrente hegemônica, relativista, mas antes confirmar sua importância, em contraposição à ciência social quantitativa. Entretanto, antropólogos leitores de Fou cault, especialmente Paul Rabinow (1989), destacaram que a. antropologia era ela própria um regime de conhecimento. O ataque de Foucault ao poder, portanto, não somente atingiu as culturas que o s antropólogos estudavam , mas a própria antropolo gia. Conseqüentemente, os cursos de história da antropologia não podiam mais descrevê-la como um acúmulo de conhecimento e de experiência de valor neutro, mas deviam vê-la como uma genealogia de objetos discursivos (“cultura” ou “atores”) que foram constituídos, debatidos e questionados através do fluxo discursivo impes soal e imbuídos de autoridade pelo poder contido no discurso. A obra antropológica in spirada por Foucault nos anos 1980 pode ser classificada em duas categorias distintas: de um lado, estudos etnográficos de poder discursivo, como a obra dc Lila Abu-Lughod sobre gênero e politica no Oriente Médio (AbuLughod 1986); e de outro, críticas de investigação antropológica em si (como Clifford 1988), Num caso e no outro, a perspectiva foucaultiana era compatível com vi sões que haviam sido anterionnente promovidas por marxistas e feministas. O co-'t nhecimento era sempre situado, e mais frcqüentemente do que não, servia pa ra jus ti ficar estruturas de poder existentes. Além disso, como indicamos acima, e discutire mos abaixo, a perspectiva guardava uma afinidade limitada e no entanto surpreen
8, O FI M DO MOD ERNISMO?
\
171
dente com inúmeras agendas antropológicas existentes, mas também com certas li nhas da antropologia interacion ista ingl esa. Assim, tanto Geertz como Barth podiam afirmar que suas abordage ns analíticas eram de fat o precursoras do pós-m odem ismo . Antropólogos interpretativos americanos e estudantes europeus de etnicidade esta vam assim (junto com fem inistas e alguns marx istas do passado) entre os primeiros a demonstrar intere sse pelo pensamento pós-modem o.
Quando F oucault estudou na École Norm ale Su périeure em Paris durante a déca da de 1950, ele participou de um grupo influenciado pelo filósofo marxista estrutural Louis Al thusser e pelo sem iólogo e crítico literário Rola nd Barthes. Na década de 1960 . esse grupo de “pós-es tmtura listas” atacou veem entem ente Lévi-Strauss, em parte por ele não ter uma concepção de poder, em parte pela esterilidade elegante dos seus moI delos for mais. Derr ida, alun o de Fouc ault e depois principa l figura des se movimen to, logo estendeu sua crítica à filosofia ocidental como um todo. Ele desenvolveu um m é todo de análise de texto que expunha os pressupos tos hierárquicos inerentes aos textos, ao qual chamou de desconsíruçâo) Dcsconstruir um texto é localizar nele seu centro de poder, e em seguida procurar expressões não percebidas, marginais, que escapam ao j poder, e queprojeto permitem ao leitor o texto detinha novas para doxal desse - dado que ainterpretar desconstrução em si demaneiras. ser feita A emnatureza textos escri tos - era evid ente para Derrida , e por isso suas desconstmções sempre procuraram desconstruir a si mesma s. Isso resultou num estilo de escrita intrincado, extrem amente au to-reflexivo, cheio de alusões, contradições e ironia, que na própria obra de Derrida também é meticulosa mente exato - mas que em muitos de seus admirador es parece , no j máximo, obscuro, e no mínimo impregna o texto com um “centralismo” que se opõe direta mente ao obje tivo de Derri da. O próprio D errida, qu e cresceu na periferia, como judeu na Argélia francesa, tinha um interesse intrínseco pelas “margens”, e mais tari de ded icar -se-i a a causas com o a extinção do apartheid. Transferido para a antropologia, o método de Derrida acarreta efetivamente o ffim da autoridade etnográfica. Não existe uma “vis ão oniscien te” (I -view), privile giada e fixa da qual se possa fazer afirmações neutras de qualquer espécie. Todo c on ceito é escorregadio e toda descrição pode ser contestada e retorc ida. Novam ente, es ses problemas não eram de todo estranhos à antropologia. Desde o “Debate da Racio' nalidade” (capítulo 6) e a revolução no trabalho d e campo (capítulo 7), problemas se melhantes haviam ocupado as primeiras posições no debate antropológico, e antes disso haviam sido levantados periodicamen te. A novidade com rela ção à prop osta de Derrida era a sugestão de que qualquer texto podia ser dcsconstruído. Em outras pa lavras, a crítica de Winch à representação da feitiçaria zande feita por Evans-Pritchard não era mais estável e válida do que o texto que ela criticava. Na filosofia de
172
. Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a
Derrida não existe ponto de referência fixo, “ponto arquimedeano ”, para usar um ter mo favorito do pós-modem ismo. O potencial para autocrítica, já significativo na an tropologia, foi assim elevado a alturas inauditas. Embo ra alguns antropólogos tentassem (e em geral fracassass em) seguir Derrida até as últimas conseqüências, reações mais moderadas também ocorreram. Assim, em The decline o f modernism in social anthropology, Edwin Àrdener (1985, in Arde ner 1989) desenvolveu a idéia de que a antropologia social estava inextricavelmente ligada ao modernismo, elasticamente definido como um movimento artístico e intelectual que faz uma d istinçã o precisa entre mod ernidade, por um lado, e todas as outras formas de existência humana, por outro. O modernismo antropológico, como sintetiz ado, por exemplo, na obra de Evans-Pritchard, assentava-se sobre várias pre missas, entre as quais : uma distinção sujeito-objeto clara (pesquisador de campo ati vo versus informante passivo), uma concepção “primitivista” (sociedades tradicio nais são todos estáveis, integrados) e uma idéia de atemporalidade (a sociedade em estudo é apresentada como “os nueres”, não “os nueres em 1936”). A rdener sustenta va que essas premissas agora não eram mais defensáveis, e em conseqüència a antro pologia social modernista (funcionalismo, estrutural-funcionalismo, estmturalismo) perdeu seu momentum e legitim idade em tom o de 1980. Na visão de Ardene r o traba lho de campo antropológico seria conseqüentemente desacreditado e seriam produ zidos textos que não passariam de comentários sobre outros textos. O mundo pós-colonial
Mas outro s temas correlatos também estavam tomando corpo e contr ibuíram para o movimento pós-m odernista na antropologia. Um desses foi o movim ento pós-colonial nas artes e hum anidades, que questionou o direito dos intelectuais da metrópole de definir quem eram e como eram “os nativos” e, de modo mais geral, questionou a autoridade estética e intelectual dos julgamentos metropolitanos. O próprio Derrida estivera próximo desses interesses, mas dois outros escritores tam bém influenciariam a antropologia profiindamente: Frantz Fanon (1925-1961) e, num diapasão menos teórico, Vine Deloria (1933-). Fanon, m édico natural da Martinica e escritor, publicou dois livros com impacto duradouro sobre o pensamento, abordando a questão do poder e da identidade em relações grupais desiguais. Em Peaunoire, masques bl ancs (1956; Black Skin, White Masks, 1986), Fano n empreen de uma análise heg eliana do relacion ame nto entre o hom em branco e o homem negro nas colônias. O livro é um retrato psicológico vigoroso do sentimento de inferiorida de e humilhação imposto sobre o negro, que fora convencido por seus senhores bran cos que sua única esperança era ficar bran co - mas cuja pele jamais se tornaria bran
8. O f i m d o Mod er ni sm o ?
173
ca. A única saída dessa situação era esconder-se atrás da máscara do "‘nativo”, apa rentemente obed ecendo aos desejos do senhor, mas ao mesmo tem po vivendo, atrás da máscara, uma vida totalme nte diferente. Esse livro antecipou em quase três déca das essas preocupações em antropologia. Ele foi sutil e terrível, e mais tarde levou Fanon a defender, em Les damnés de la terre (1960; The Wretched o f the Earth, 1967), a necessidade de uma revolução negra. Vine Deloria, um nativo sioux dacota, é professor de Estudos Nativos Am erica nos, teólogo, advogado e ativista. Seu livro Custer Die dfo r Your Sins (1970), muito debatido, foi um ataque apaixonado a todos os tipos de autoridades liberai s (e não tão liberais) que falavam sobre o s norte-americanos nativos e em nome deles, imp edin do-os assim de efetivamente falarem por si mesmos. Deloria estava especialmente furioso com os antropólogos boasianos, cujo relativismo cond enava qs nativos ame ricanos ao eterno exotismo e os impedia de chegar à igualdade com os brancos. Ape sar desses e de outr os livros im portantes escritos por não-antropólo gos (o au tor queniano Ngügi wa Thiongto é outro exemplo), o movimento pós-colonial da dé cada de 1980 foi d e fato lançado por um professo r de litera tura, americano de srcem palestina, Edw ard Said. Seu Orientalism (1978)como se tomou umenorme estudo influência. referencial, tan to pela srcinalidade intelectual que o caracteriza por sua Nele Said afirma que representações de “orientais” na academia ocidental eram per meadas por um fascín io e aversão ambivalentes pelo Oriente “irracional”, “sensual” e “místico” - uma ambivalência devida ao colonialismo do sé culo dezenove, mas cu jas raízes podiam situar-se num passado ainda mais distante (ver capítulo 1). Said sustentava que par a os europeus “o Oriente” era um espaço flexível, consistindo em muitas e bem diferentes sociedades locais, distribuídas entre dois continen tes desde o Marrocos até o Japão. Citando um comentário infame de Marx sobre os “asiáticos”, dizendo que “eles não podem represen tar a si mesmos, e por isso precisam ser repre sentados”, Said sustentava que estudos ocidentais sobre asiáticos, incluindo mono grafias antropológicas, haviam criad o um a imagem “essencializada” - ou “reifícada” - do seu modo de vida . baseada numa d icotomia simplista e engano sa entre “nós” e “eles”, em que o Ocidente representava ciência e racionalismo e o Oriente sua negação. A crítica de Said, que em grande parte er a dirigida a tr abalhos relacionados com sua área natal (Ásia Ocidental e norte da África), foi contestada por muitos especia listas regionais que julga ram que ele desacredita va injustam ente trabalhos acadêmi cos sérios e encobria a diversidade cm estudos asiáticos ocidentais. No entanto, o ar gumento instigou a comunidad e antropológica cada vez mais autocrítica, e seu s inte resses sobrepuseram-se em parte com os da antropologia pós-modemista.
H ist ór ia d a ant r op ol ogi a
17 4
Said questionava as representações simples, inequívocas, de “culturas inteiras” que eram comuns na pesquisa antropológica (embora parecesse aprovar Geertz) e ressalt ava a noção de que o conhecim
ento estava sem pre “posicionado” (dependente
da posição soci al tanto do conhecido com o do conh ecedor). Como no pós-m odernismo, parecia não ha ver posição privilegiada a partir da qual pudessem
ser feit as avali
ações neutras de outros povos. “Estudos pós-coloniais”, qu e surgiram como disciplina acadêmica autôno
ma du
rante os últim os anos da década de 1980, abordav am as questões leva ntadas po r Said, Fano n e outros, entre est es dois teóricos influentes de srcem
indiana, o crítico literá
rio Gayatri Chakra vorty Spiv ak e o teórico cultural Honti K. Bhabha. Em sua gem, ambos eram (e são ) mais explicitamente pós-mode
abo rda
mistas do que Said, mas têm
em comum com ele a mesma pr eocupação pelas vozes reprimidas
- analfa betos, m u
lheres , castas inferior es, negros - e po r dar a elas um lugar ao sol , descon struindo a hegemonia do conh ecimento ocidental e masculino. A perspectiva pós-colonial teve uma recepção am
bivalente na antropolog ia. Por
um lado, com certa justificativa, os antropólogos podiam achar que sua
discipli na po
deria servir d e antídoto para o oriental ismo, pois este era a única ab ordagem im por tante na academ ia com seu princ ipal foco fora da Europa. Desde M alinowsk i e Boas, não tivera a antropologia como u
m dos seus principa is objetivos oferecer interpreta
ções simpáticas de visões de mundo não-européias, e não ha gos impor tant es - de Morgan e Boas em diante tentes c ontra as forças da destruição?
viam m uitos antropólo
defendi do povos pequenos e impo
A re,sposta era obviamen te sim, e todavia m ui
tos - dent ro e fora da profi ssão - concor dari am que a antropol ogia teve muita s vezes uma tendência desconfortavelmente apadrinhadora para representar ouú-os “que eram incapazes de representar a si mesm
os”, e que o holismo de muitas an
sicas ser via para criar uma imagem do “outro” como uniformem
álise s clás
ente pass ivo e imu
tável - como um objeto essenciali zado de pesquisa cientí fica. Assim, èmbora não mencione Said, o artigo de Ardener sobre o declínio do modernismo na antropologia tem paralel os importantes com
Orientalism.
O debate continuaria em anos futuros. Em 1983 o antropólogo holandês Johannes Fabian publicou o
seu Time and the Other , onde ele diz que a antrop ologia tende
a “conge lar” no tempo os povos que ela descreve. Em
1990 Ronald Inden, em seu in
fluente livro Jmagining índia , demonstrou a relevância da crítica orientalísta para os estudos sul-asiáticos. Finalmente, em
Occidentalism (Carrier 1995), vários antropó
logos e sociólogos mostram que tanto os ocidentais têm imagens estereotipadas do “O riente” quant o os orientai s alimentam imagens estereotipadas do Ocidente.
8.0 f im d o Mod er ni sm o ?
175
Em muitas regiões do Terceiro Mundo, em parte como conseqüência da critica do orientalismo, antropólogos passaram a ser vistos com desconfiança cada vez maior pelas autoridades naciona is e pelos intelectuais locais. Eles são tidos como ca çadores de coisas “exóticas” e avent ureiros intelectuais - mais parte do problema do que da solução para pessoas que lutam para sobreviver de um dia para o outro e para poder representar a si nesm as em sua plena dignidade, como membros respeitados da comunidade global. Os antropólogos reagiram a essas críticas de formas diversas. Um efeito dura douro sobre a disciplina como um todo foi provavelmente que o relativismo cultural tradicional, conforme evidenciado pelos boasianos, passou a ser uma posição difícil de sustentar. Aos antropólogos não é mais possível afirmar publicamente que se opõem, por exemplo, à Declaração Universal dos Direitos Hum anos por razões relativistas (como a AAA havia feito em 1947). Além disso, em conseqüência da autocrí tica contínua e dos confrontos freqüentemente tensos com representantes intelectu ais de povos estudados que ocorreram nos anos 1980, os antropólogos voltaram sua atenção cada vez mais para processos de larga escala da história global. As aborda gens sistêmica e histórica favorecidas por antropólogos como Wolf e Mintz pareci am mais e mais relevantes para muitos antropólogos joven s, enquanto os estu dos sinçrônicos, de uma sociedade única pareciam cada vez mais ultrapassados e politica mente incorretos (capítulo 9). Finalmente, o debate do orientalismo estimulou tenta tivas de conceitualização da especificidade da es crita antr opológica sobre regiões es pecificas. Assim, em 1990, o antropólogo inglês Richard Fardon editou um volume com muitos colaboradores eminentes que descrevia o crescimento e transformação de “tradições regionais em escrita etnográfica” . Na introdução Fardon (1990) mostra que essas tradições, qu e associam tipicamente uma região etnográfic a com interesses analíticos específicos (intercâmbio na Melanésia, estudos da linhagem na África, etc.) são expressões de prioridades acadêmicas que freqüentemente têm menos a ver com condições empíricas nas regiões que estão sendo descritas do que com hierar quias estabelecidas dentro da antropol ogia em si. Entretanto, ele também ress alta que essas tradições se desenvolveram tipicamente a partir da exposição de longo tempo às próprias regiões através do trabalho de campo, e que portanto elas não são arbitr á rias, mas c ontêm dados importantes relacion ados com as condições reais nas regiões. Embora seus principais objetivos fossem inegavelmente políticos mais do que epistemológícos, a crítica pós-colonial da antropolo gia “de fora” em grande parte co incidiu com a “virada reflexiva” que ocorreu dentro da disciplina nos anos 1980, es pecialmente nos Estados Unidos. Vários livros publicados na segunda metade da dé cada podem ser considerados como representativos desse movimento, e nós agora passamos a analisar brevemente a mensagem e o impacto dessas obras.
H ist ór ia d a Antropologia
176
Um novo ponto de partida ou um retorno a Boas? O que em retrospectiva poderíamos chamar de movimento pós-modemista na antropologia americana estava associado à obra de um grupo bastante reduzido de especial istas. O núcleo era formado p elo não-antropólogo Jam es Clifford, um histo riador da antropologia com propensão para estudos literários, e pelos antropólogos Stephen Tyler ( convertido da etnociêncía ao
pós-mod emism o), G eorge Marcus, Mi-
chael Fischer, Renato Rosaldo e Paul Rabiiiow. Outros ligados ao movimento inclu íam Fabían, Richard Handle
r (al uno de Sch neider voltado ao estudo de discur sos na
cionalist as) J rí la A bu-Lughod (especialist a em mundo árabe) e Akhil G upta e Ja mes Ferguson, co-autores e editore
s de um a importante obra sobre a construção
discursi
va do espaço e da narrativa nos anos 1990. Apesar das diferenças (com relação, por exemp lo, às pos sibilidad es e limitaçõe s da etnografia), esses e outros estudiosos den tro e fora dos Estados Unidos tiniram inúmeros interesses em comum. Eles se senti am constrangidos com a “alterizaçãp” reificada típica da antropologia modernista clássica e pr ocuravam retom ar essa quest ão de várias formas, muitas vezes advogan do “etnografias experimentais”, onde os informantes participavam como parceiros iguais na produção de conhecimento (Clifford e Marcus 1986; Marcus e Fischer 1986). Além "disse-,-eles criticavam a idéia boasiana (e, mais recentemente, geertziana) de culturas como todos integrados com raízes históricas profundas. Inspirados por Foucault e marxistas culturais com o A ntonio G ramsci (1891-1937), eles também se interessavam pelos modos
de re presentação e de po de r sugeri dos por estilos de es
crita particulares. O ano de 1986, sob muitos aspectos um
annus mirabüis para esse movimento,
testemu nho u a publicação de dois livros importantes e o lançamento de uma nova re vista edi tada por Marcus , inti tulada - de modo surpreendentem ente tímido - sim plesmente Cultural Anthropology. O primeiro livro foi
Anthropology as Cultural
Critique com o subtítulo An Experimental Moment in the Human Sciences, de Mar cus e Fischer. Afirmando que a disciplina sofria de “uma crise de representação”, eles apresentaram vários dos problemas de scrit os ac ima e destacaram a importânci a da reflexividade (situando o
conhecimento do antropólogo) e de interess es sistêmi
cos mais amplos (introduzindo uma compreensão
da histó ria do mund o e da econo
mia em análises etnográficas). Eles sustentavam que um objetivo importante da dis ciplina devia ser o de envolver-se em crítica cultural “em casa” e que uma maneira apropriada de alcanç ar esse objetivo era recorrer à
çlesfamiliarização - criando uma
sensaç ão de '‘estranhamento” ao mo strar a semelhança da
cultura própria dos leitores
..com culturas remotas e “exóticas”. Na visão deles os anos 1980 foram um período com possibil idades excepcionais para cumprir a prome
ssa da antropologia como ins-
8.0
f im d o
Moder
ni smo
?
177
tnimento de crítica cultural. A disciplina estava em desordem; o amplo consenso pós-guerra fora rompido em ambos os lados do Atlântico; o movimento pós-colonial havia gerado incerteza; grandes teorias haviam perdido seu apelo. Nessa situação, “etnografias experimentais” podiam contribuir substancialmente para uma auto-reflexão crítica sobre a sociedad e ocidental.
Anthropology as Cultural Critique , que enfatizava a continuidade
dos interes
ses de antropó logos co mo Mead, Sahlins e Douglas, foi menos radical do que o vo lume editado Writing Culture (Cliffo rd e Marcus 1986). Emb ora este livro tivesse em tomo de doze capítulos escritos por diferentes estudiosos que representavam várias posições no debate pós-mo demista, ele foi recebido com o um ataque direto ao conceito dominante dc cultura. Unanímcmente, os colaboradores se distancia vam da idéia de cultura como um “todo integrado”, questionaram os mecanismos retóricos da antropologia “científica” e destacaram os méritos tanto dos métodos “dialógicos” (cora o critico literário
russo Mikhail Ba khtin sendo a principal in spi
ração aqui) quanto da contextualizaçào histórica na arte da repres
entação an tropo
lógica, a cada dia mais problemática.
Writing Culture, de enorme influência, foi seguido dois anos mais tarde pelo The Predicament o f Culture, de Clifford, que pod e ser resum idamente de scrito como um longo argumento, construído em bases históricas, contra o essencialismo. No ano Geertz publicou um livro pequeno, elegante, intitulado
mesmo
Works and Lives: The.
Antkropologist as Author. O livro foi uma coleção de ensaios sobre antropólogos fa mosos, e nfatizando os aspectos retóricos e literários de seus escritos
; ele teve como
base uma série dc palestras anteriores a Writing Culture. As previsões de Ardener pa reciam agora confirmar-se no outro lado do Atlântico: a busca antropológica havia chegado ao fim, pois não lidava mais com pessoas vivas, mas com lexros. íNatuiaimente, essa visão apresentava limitações sérias. Em nenhum
outro período como nos
anos 1980 fora realiza do tanto traba lho de campo, em tantos lugares diferentes. No entanto, é fato que algumas das obras mais deb atidas dessa década eram textos reflexivos, que desconstruía m a autoridade etnográfica, questiona vam a legitimidade éti ca de transform ar “nativ os” em dados e em última aná lise desafiavam a validade da representação etnográfica em si. Os vínculos entr e a antropologia pós-mo dem ista americana e os estudos literá rios eram fortes. Ambos se voltavam para a filosofia francesa recente em busca de inspiração, e os jov ens antropólogos, impreg nados de hermenêutica geertziana, estavam predispostos a ver as culturas como textos. A ruptura
desses antropólogos com
Geertz consistiu em grande parte em problem atizar a relação sujeito-objeto entre an tropólogo e informante, e não em v era s culturas (“textos culturais”) c omo todos inte-
H ist ór ia d a Antropologia
17 8
grados. Entretanto, esses problem
as não eram estranhos ao próp rio Geertz. Certa vez
ele comparou um a cultura i ntegrada a um polvo, um animal pouco coordenado com um cérebro fraco que nem
sempre sabe o que cada um
dos seus braços está fazendo; e
em Works and Live s ele de fato desconstrói os textos antropológicos clássicos, des crevendo-os como obras imaginativas, historicamente situadas. Com efeito, po der-se- ia dizer que, vista a dist ância, a antropologia americana pós-m
odem a repre
senta uma forma extrema de boasianismo, mais do que alguma coisa inteiramente nova. Geertz é a figura pri ncipal aqui . Embora os antropólogos mais jove ns que se re uniram em tomo de Cultural An thropology tivessem uma relação ambivalente com
a
hermenêutica de Geertz, ele era o parceiro de discussões preferido deles. A continui dade entre a visão antropológica de Geertz e o projeto de desconstrução radical de fendido em Writing Culture foi considerável. O próp rio Geertz a chava que a geração mais jove m havia ido longe demais , e cunhou o termo “hipocon dria epistemológica” para des crev er a autocrítica excessiva que im pedia as pessoa s de realizar um b om tra balho etnográfico. Muitos antropólogos concordariam com G
eertz e inclusi ve iriam mais longe do
que ele em seu criticismo. Alguns críticos mais explícitos eram Steven Sangren (1988) , que via a “virada reflexiva” como
um recuo com relação à missão própria da
antropologi a, e Jonathan Spencer (1989), para quem
a antropologia poderia ser vist
mais apropriadam ente como um estilo de trabalho do que como uma form
a
a de escri
ta. Marvin Harris, em um dos seus muitos papéis de posição, discutiu exaustivamen te (alguns diriam parodiou) as
preferências de George M arcus, que parecia ser favo
rável a um aumento do “núm ero de estudos de campo ex perimentais, personalí sticos e idiossincráticos realizados por pretensos romancistas despreparados e narcisistas enfatuados atribulados com logodiarréia congênita” (Harris 1994: 64). Em est Gellner, num pequeno
livr o dedicado à defesa da ciência raciona
da dupla ameaça do fundamentalismo
l diante
de “mundo fechado” e do r elativismo pós-mo-
demo sem l imites, censurou severamente os pós-mod emistas am ericanos, destacan do Clifford e Rabinow
como alvos principais, por preguiça
mental e conceitos mal
defini dos, e em última análise por estarem mais interessados em suas próprias inter pretações do que em co mpreend er o mundo (G ellner 1992). Embora Gellner consi derasse Geertz um precursor importante do movimento pós-modemista, ele obser vou que Geertz, pelo menos, ainda estava tentando “d
izer alguma coisa sobre al guma
coisa ”, como o próprio Ge ertz se expressara certa vez . E m contra ste com a crítica à s teorias da Grande Divisão (ou “Grande Fosso”) [Great Divide/ “Big Ditch”] (que contrapõem “nós” a “eles”, “moderno” a “primitivo”, e assim por diante), Gellner confirmou sua posição como um modernista na linha de Ardener. Em outro lugar,
179
8. O FI M DO MODERNISMO?
Gellner (1993) também se mostrou reticente com relação ao pós-colonialismo, por este subverter propo sições de verdade cientifica, confund ir ideologia e análise e não com preen der que o “problema do poder e d a cultura... é importante demais para ser dei xado à critica literária” (Gellner 1993: 4). Finalmente, Gellner sugeriu que havia um elemento de carr eiri smo no m ovimento pós-mod em o, ob servando que
“Sturm und
Drang and Tenure poderia muito bem ser o slogan deles” (Gellner 1992:27) [Tempes tade e Impulso e Titularidade]. Há sem dúvida algo de verdade nis so, mas a mesma coi sa poderia naturalmente ser dita de todos os movimentos inovadores na história an tropológica, desde a “revoluçã o funcionalist a” malinowski-radcliff e-browniana, pas sando pelas “revoluções” evolucionista de Steward e interacionista de Barth, até a “revolução” nos estudos de nacionalismo que o próprio Gellner apoiaria. Também tem sido freqüentemente observado que muitas idéias que inspiraram a antropologi a pós-mode ma a mericana tiver am srcem na França, e que os americanos adaptaram os mestres franceses
pa ra conformá-los à sua própri a antropolog ia, e nes
se processo deturpando muitas vezes suas idéias. Na leitura americana, Foucault se tornou um teórico do discurso; Derrida, um filósofo do relati
vismo. Certamen te, isso
pode ser verdade, mas também é importante situar a antropologia americana em si. Boas, um alemão, havia entendido muito bem no seu tempo o potencial para o
con fli
to étnico e racial nos Estados Unidos, u m país disperso, multinac ional, e os aconteci mentos desde sua morte não provaram que ele estava err ado. Clifford e Marcus po dem parecer tão triviais quanto o McDonald’s para os intelectuais altivos de Paris, mas o relativismo, mesmo o relativismo extremo, era uma posição compreensível num país dividido p or uma história de escravidão afro-am ericana, genoc ídio de nati vos americanos e imigração de todas as partes do mundo. Algun s crít icos também duvidavam que o pós-modernismo to tão radical da tradição antropológica
fosse um afastamen
quanto ele pretendia ser . Entretanto, e sse ar
gume nto era uma espa da de dois gumes, e foi também usado po r alguns dos próprios pó s-mode mistas pa ra legitimar seu projeto. Assim, Kirsten Hastrup, um a aluna dina marquesa de Ardener, cuja obra é implacavelmente antipos itivista, e que de algum modo representa uma contrapartida européia a
o pós-mod emism o americano, susten
tou que a antropologia sempre havia sido uma ciência pós-modem a, desde o mome n to em que ela começou a contrapor o Ocidente a imagens de outros mundos da vida (ver Hastrup 1995). Em bora Hastrup possa ter exagerado ao faz
er essa afirmação,
existem afinidades eletivas entre os esforços desconstrutivistas dos pós-modemistas e várias tendências anteriores na história antropológica. Assim, há precedentes cla ros de pós-m odem ismo no Debate da Racionalidade dos anos
1960 (capítulo 6) e na
revoluç ão no trabalho de campo da déc ada de 1970 (capítulo 7), e o desmascaram en-
ISO
Hist ór ia d a Ant r op ol oci a
to da objetividade do método e tnográfico havia sido um jog o de salão antropológico em ambos os lados do Atlântico pelo menos desde de tudo, naturalmente, há continuidade co
a II Guerra Mundial. Mas acima
m o particularism o histórico de Boas e com
a tradição romântica alemã. Em geral, os antropólogos americanos, imbuídos dessa tradi ção, tinham por isso uma predisposição mais favorável ao pós-modem
ismo do
que seus colegas europeus, que eram os herdeiros de positivistas consumados como Radcliffe-Brow n (ver Kuper 1996: 189). A desconstruçâo dos estudos do parentesco feita por Schneider não tinha nada a ver com o pós-modemismo, mas foi a obra de um boasiano devotado e defensor incessante da sociologia de Parsons. Mais tarde sua obra seri a citada com aprovação tam bém na Inglaterra pelo antropólogo inglês de srcem tcheca, Ladislav Holy, em seu manual sobre o parentesco (Holy 1996). No entanto, o ponto de referência de Ho ly não é Boas, mas o individualismo metodo co do mo vimen to antiestrutural-funcionalista inglês das décadas de
lógi
1950 e 1960 (ca
pítulo 5). Esse m ovimento é também frequentem ente considerado como precursor do pós-m odem ism o. Quando Barth, em meados dos anos 1960, demoliu o conceito de estrutura social e postulou que forma s sociais estáveis eram resultado de escolha in dividual, isto foi (num sentido) um argumento desconstrutivo muito semelhante à desconstruçâo dos conceitos boasianos e geertzianos de todos culturais integrados levada a efeito pelos pós-modemistas. No entanto, a crítica pós-moderna da antropologia, com apoio eventual dos estu diosos feministas e pós-coloniais, representou
alguma coisa nova, embo ra sua srci
nalidade fosse muitas vezes exagerada na época. No que dizia respeito à antropolo gia, a novidade esta va principalm ente na ênfase reflexiva sobre estil os de escrita, na rejeição de uma vo z autoral neutra, não posicionada, e (mais fundame aplicação da reflexividade à antropologi
ntalmente) na
a em si. Dep ois do pós-mod emism o, a antro
pologia não podia mais ser vista como discurso privilegiado com acesso à verdade objetiva sobre os povos que ela estudava. v Outras vozes
O pós-modemismo e “a virada reflexiva” não foram os únicos acontecimentos durante os anos 1980. Para os antropólogos em geral a situação se manteve como sempre, com a disciplina continuando a crescer e a se diversificar em subcampos cada vez mais es pecial izados . O pós-modemismo -
um afasta mento novo e não tes
tado na discipl ina - foi normalme nte considerado com cautela. Assim, em dois text introdutórios recentes à teoria antropológica, um
os
de Robert Layton (1997) e outro de
Alan Bam ard (2000 ), o pós-modemismo recebe lugar de destaq ue, com aproxim ada men te tantas páginas de texto quanto o estrutural-funcionalismo o
u o estruturalismo.
8.0 f im d o Mod er ni sm o ?
181
No entanto, ambos os autores são cuidadosos em não fazer um julgam ento definitivo sobre seus méritos e efeitos duradouros sobre a disciplina. A volumosa
Companion
Encyclopedia o f Anthropology (Ingold 1994), só faz uma menção rápida ao movi mento, nada mais. Entretanto, durante a década
de 1980, houve em ambos os lados do Atlântico um
grande núm ero de antropólogos dos quais se poderia dizer que pertence m à pe n feri a do pós-modemism o, simpat izando com algu mas de suas concepções , mas incorpo rando-as à teoria antropológica estabelecida. Em
grande parte foram estudiosos que,
diferentemente de Gellner e Harris, achavam que sua disciplina era uma atividade interpretativa cujas pretensões a uma verdade permanente eram discutíveis. O exemplo mais óbvio é Victor Turner, cuja teoria da perfo nna nce inspiraria muitos antropólogos que estudavam o ritual e fenômenos correlates (ver Turner e Bruner 1986). Outro exemplo foi o mela nesianista Ro ger Keesing, que, em seus últimos trabalhos acadêm i cos antes de sua morte prematura em 1993 (Keesing 1989, 1994), sustentava que a concepção clássica de cultura fora equivocada. Ele agora defendia que “seu” povo, os kwaios, não tinham uma cultura homogênea, mais ou menos estática, e que as idéias deles de sua própria cultura eram tanto politizadas como
influenciadas por escrit os et
nográficos sobre eles próprios. O volume editado de Judith Okely e Helen Calloway,
Anthropology and Autobiography (1992), também comparava alguns interesses do grupo Writing Culture, mas enfocava menos os textos e mais o trabalho de campo et nográfico. Essas duas estudiosas eram herdeiras da tendê
ncia hermenêutica, antipositi-
vista, na antropologia britânica que começou com a obra tardia de Evans-Pritchard. Elas voltaram os postulados da hermenêu tica para dentro, para a próp ria antropologia, para observar criticamente a articulação da produção de conhecimento e experiência pessoal. Como no caso de Keesing, os interesses desses autores eram desenvolvidos independentemente dos pós-modemistas americanos; de sua parte, Okely havia pro duzido uma crítica vigorosa do “cientismo” na antropologia da metade dos anos 1970 (Okel y 1975). Outra ob ra com essas característi cas gerais, provav elme nte ne gligenciada, em bora injustamente, foi o volume m agistral, ma s pouco lido, do antro pólogo americano Robert Ulin sobre tradução cultural e racionalidade, Understan
ding Cultures (Ulin 1984). O livro se aproxima dos interesses do grupo da revista Cultural Anthropology , mas em vez de aderir ao pós-modemismo, ele aplicou um método herm enêutico voltado à his tória (em oposição à hermen êutica mais a-históri ca de Geertz) inspirado pelo filósof o alemão Hans-Georg Gad ame r (1900-) . Um dos antropólogos mais importantes a ser inspir ado pelo método desc onstmtivista foi Marilyn Strathem, um a melanesianista de Manchester, que sucedeu Gellner em Camb ridge nos anos 1990. Strathern publicou vários livros influentes
no fim da
1S2
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
década de 1980 e início dos anos 1990. Em sua obra magna,
The Gender o f the Gift
(1988), ela analisou os conceitos de identidade pessoal e de troca na Melanésia, e sustentou que a cultura melanésia havia sido muito mal inteipretada por europeus que lhe impunham seus próprios conceitos e preconceitos. Num nível mais geral Strathem sustentou que as teorias clássicas de sentido de que não levavam
troca e identidade eram defeituosas no
em consideração o gênero. Tem sentido, pergu
ntava ela,
dizer que objetos são trocados entre duas “pessoas”, ou que uma “pessoa” tem uma certa identidade, se essas “pessoas” sempre têm gênero? Essa é uma crítica funda mental que aproximou perspectivas feministas do centro de vários debates teóricos básicos em antropologia, e assim aumentou muito sua legitim idade na disciplina. Mais tarde, em After Nature (1992), Strathem p rocede a uma comparação de conc ei tos que definem id entidade pessoal, sociedade e parentesco na Melanésia e na Ingla terra, apresentando um argumento diretamente relacionado com uma questão subs tancial (novas tecnologias reprodutivas) e com a relação (reflexiva) entre conceitos antropológicos e nativos. Strat hem representa uma abordagem “pós-moderna” que talvez
seja mai s signi
ficativa a longo prazo do que a obra um tanto programática dos pós-modernistas americanos. O mesmo se poderia dizer do projeto bastante parecido do melanesianista americano Roy Wagner, que publicou
The Invention o f Culture em 1975, um
ensaio teórico influente que antecipou algum as questões centrai s do pós-modemism o. Wagner afirma nessa obra que as culturas eram construções puramente simbólicas, com uma capa cidade inerente para a mudança, a inovaçã o e a reflexividade. Em 1986 ele elaborou ainda mais ess es temas em Symbols Th atSta ndfo r Themselves, um rela to complexo e altamente técnico de transformação simbólica e continuidade que comb ina a análise rigorosa de Lévi-Strauss com um a perspec tiva reflexiva e proces sual que lembra o pós-modemismo. Wa gner fo i um entre os mu itos autores dos anos 1980 que começa ram a explorar as repercussões da aplicação d a fenomenologia (uma escola de pensamento fundada pe lo filósofo alemão Ed mund Husserl) à análise antropológica. Um dos primeiros proponentes dessa abordagem foi o antropólogo inglês Tim Ingold, que antes havia trabalhado sobre adaptação ecológica. Em
1986 Ingold publico u uma obra t eórica e
histórica importante, Evolution and Social Life (Ingold 1986) , onde desenv olveu um modelo para o estudo da humanidade em suas dimensões sociais, culturais, biológi cas e ambientais, sem reduz ir uma à outr a. De dois modos pelo menos
esse livro se
assemelha ao projeto dos pós-modemistas americanos. Primeiro, Ingold anuncia a necessidade d e “limpar parte do entulho conceptual acumulado
de um século de teo
rização social e evolucionária”; e, segundo, ele enfatiza que nós “
não podem os man-
S. O f im
do
Mod er ni sm o ?
183
ter a ilusão de que estamos, co mo deuses, se parados do mun do” (p. 376) . Esta segu n da atitude lembra claramente as
idéias propostas po r grandes fenomenó logos, como
Martin Heidegger (1889-1976) eMaurice Merleau-Ponty (1908-1961). Como esses filós ofos (que rejeitaram a dicotom ia sujeit o-objeto em bases totalm ente difer entes das dos pós-modernistas), Ingold ressalta que as pessoas estão estreitamente
ligadas
ao mundo não-humano que habitam. Sua solução para o paradoxo sujeito-objeto é portanto quase oposta à dos americanos. Descartando o pós-modernismo como dis tanciamento intelectual, ele propõe ap roximar a antropologia de outr as “ciênci as da vida” (como a biologia) - bem o contr ário de com parar cultura s com textos literár ios. O movimento de Ingold em direção à biologia se assemelha ao de muitos antro pólogos que, de perspectivas muito diferentes, procuraram estabelecer elos entre a antropologia e as ciências naturais durante a década
de 1990. Voltaremo s a essa ten
dência no capítul o 9; aqui, porém, é necessário mencio nar doi s mov imentos correla cionados que já começ avam a se desenvo lver aceleradamente nos anos
1980.
Durante a década de 1970, os países ocidentais aumentaram espetacularmente seus orçamentos para promov er o desenvolvimento do Terceir o Mundo. O lobby de ajuda se tomou um poder a ser reconhecido na política global, e os antropólogos eram chamados com freqüê ncia sempre maior a planejar, implem entar e avaliar pro jetos de ajuda. Através da Unesco, da Organização Mundial da Saúde, do Banco Mundial, da União Européia e de outras organizações
internacionais, atr avés da rica
flora de ONGs que começavam a se envolver em ações de solidariedade e através de vários ministérios nacionais de apoio ao desenvolvimento criados nessa época, a
pe
rícia prática dos antropólogos se tomou um bem cada vez mais procurado. Desde o princípio, o problema foi encontrar nichos em que o conhecimento antropológico pu desse ser desenvolvido signifleativament e. As organizações eram freqüentemen te do minadas po r representantes de prof issões "duras” , como economia, direito e engenha ria, que viam com ceticismo conceitos como “cultura” e “identidade”. No entanto, os antropólogos rapidamente começ aram a deixar sua marca em diversas áreas . O interes se crescente pelos estudos do campesinato e pela antropologia econômica durante os anos 1970 é um testemu nho claro disso; ade mais, com o passa r dos anos, e com os pro blemas práticos de ajuda ao desenvolvimento tomando-se mais evidentes, as opiniões e idéias antropológicas passaram a ser cada vez m ais respeitadas e acatadas. Embora os sucessos não devam ser exagerados (interesses tecnocráticos e eco
nômicos ainda do
minam o trabalho de ajuda) , deve-se obse rvar que vários pontos de vista antropológi cos importantes passaram a fazer parte do cotidi ano das pessoas. Os an tropólogos es tiveram entre os primeiros a defende
r a necessidade de orientar o trabalho de ajuda
para pro jetos de pequena escala, para as mulheres (como o núcleo estável de lares em
184
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
muitas áreas oprimidas pela pobreza) e para a consciência ecológica - pontos de vista que hoje são amplamente aceitos - em teoria , se não, sempre na prá tica, Uma das áreas em que os antropólogos tiveram mai or sucesso em formar alian ças com as principais profissões de ajuda é a da saúde e da nutrição e, na década de 1980, quando muitos antropólogos de outros setores estavam decepcionados com o trabalho de ajuda, a antropologia médica se desenvolveu e se tornou o subcam po de mais rápida ex pansão na discipli na. A antropologia m édica tem suas raízes no traba lho pioneiro de Audrey Richards n os anos 1930 e nos esforços de inúmeros profissio nais dedicados que acompanharam e desenvolveram estudos nessa esfera nas déca das seguintes. Um exemplo disso é Ronald Frankenberg, que estudou com Gluckman. Fra nkenberg, que hoje é al go como um “monstro sagrado” da antropologia mé dica, realizou trabalho de campo na Á frica Central e na Inglaterra (onde escreveu so bre futebol, entre outras coisas) e escreveu extensamente sobre questões de saúde e métodos de cura (ver Frankenberg 1980). Ele atuou como consu ltor em divers os pro jetos de ajuda e realizou trabalho teórico pioneiro sobre questões como a concepção do tempo na prática médica e a compreensão psiquiátrica de crianças. Durante os anos ele se particularmente sentiu atraído pela fenomenologia e por aspectos movimento pós-m1980 odemista, pela obra do seu antigo colega e do amigo, V ictor Turner. sobre performance, que lhe despertou o interesse pelos usos do ritual na cura (tradicional e moderna). Frankenberg é um exemplo de como é possível aplicar ó “desco nstru cion ism o” de forma “construti va” . Sua crítica à essencialização dos coiyceitos de doença e saúde mental nas ciên cias médi cas inspiro u muitos a co nsider ar o$ processos sociais que dão origem a esses conceitos. j Em geral, pode-se dizer que os antropólogos m édicos contribuem para a ativida de médica com um com uma compreensão do contexto soci al. O efeito de um p rogra ma de exames de saúde regulares para mulheres grávidas, por exemplo, pode ser muito melhorado conhecendo as idéias das mulheres a respeito da propriedade, de seus horários de trabalho, das estruturas de autoridade dentro de suas casas, de suas obriga ções de paren tesco , de suas concepções de como a doença se expres sa e do que ela sig nifica . M uitos antropólogos médicos proem inentes são eles próprios médicos ou psiquiatras, o que lhes confere um alto g rau de profi ssionalismo e aumenta sua le gitimidade no ambiente da profissão médica em si. Nos Estados Unidos, onde a antropologia médica teve seu maior crescim ento du rante as décadas de 1980 e 1990, uma das figuras mais influentes foi Nancy Scheper-H ughes (da Universidade da Califórnia em Berkeley). Scheper-Hugues, aluna de Hortense P owderm aker (capít ulo 7) e ex-ativista dos direitos humanos, realizou tra balho sobre antropologia psicológica e questões de saúde relacionadas ao gênero na
8. O FIM DO MODERNISMO?
185
Irlanda en o Brasil (Scheper-Hugues 1979,1992), e atua lmente está trabalhando num estudo sobre violência e democracia na África do Sul . Em 1987 ela e Margaret Lock escreveram o artigo programático '‘The mindful body: a prolegomenon to future work in medical anthropology”, que mapeou uma agenda para futuras pesquisas teó ricas e aplicadas no campo. Numa recente entrevista, ela descreve seu trabalho de campo no Brasil nos seguintes termos: [...] Comecei com a questão da alta incidência de mortalidade in fantil. O que isso significava para mulheres que tinham de en frentar quatro, cinco, seis e em alguns casos até onze mortes su cessivas? O que isso significava para sua compreensão da mater nidade? O que significava em termos do seu senso de otimismo e esperança? E o que significava para as crianças que sobreviviam? Corno eram criadas? Como preenchiam os espaços depois de to das as crianças quehaviam morrido antes? [...]Resolvi investigar essas mortes. [...] Fiz entrevistas com [...] perto de cem mulheres, levando-as a descrever-me o contexto em que ocorreu a morte de cada um dos filhos e a dizer quais seriam as possíveis causas, na opinião delas. Mas também entrevistando crianças porque, no Nordeste do Brasil, são as crianças que enterram os mortos e fazem a procissão. O que elas pensam sobre a morte? (Scheper-Hughes 2000). Um terceiro exemplo desse subcampo é Arthur Kleinman, professor de Psicolo gia e antropólogo médico sênior no prestigioso Departamento de Medicina Social na Universidade Harvard, que realizou trabalho extenso sobre psiquiatria intercultural, especialmente na China (ver Kleinman 1980; Kleinman e Good 1985). Kleinman, que se envolveu numa ampla variedade de atividades de consultoria, tem sido em anos recentes Diretor do World Mental Health Project, um projeto de consultoria de grande escala patrocinado pelas Fundações Carnegie e Rockfeller e organizado sob os auspícios das Nações Unidas. Ele foi também um dos pioneiros no estudo do “so frimento social”, que trata das “consequências da gueixa, da fome, da depressão, da doença e da t ortura - toda sorte de problemas humanos que resultam do que o p oder político, econômico e institucional causa às pessoas” (Kleinman et al. 1997). Como vários dos estudos acima indicam, os antropólogos médicos não se limi tam à pesquisa aplicada; na verdade, com o recente rapprochement entre antro polo gia e as ciências naturais, a consolid ação de teorias da prática or ientada s para o corpo e o crescente interesse pela fenomenologia, os antropólogos médicos deram contri buições muito significativas durante os anos 1990 para a pesquisa fundamental numa grande variedade de campos. Como assinalamos em nossa análise sobre Marilyn
Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a
186
Strathem acima (p. 181 s), esse envolvime nto co m o discurso teórico básico
da antro
po logia tende a indicar que o subcampo (antropologia fem inista on médica) alcançou um estágio de maturida de e não é mais um “intere sse especial” marg inal na disci plina. Finalmente, analisa remos brevemente um
tercei ro importante campo
de pesqui
sa que passou a ocupar lugar de destaque nos anos 1980, especifícamente, o estudo do nacionalismo. Como a antropologi a médica, embora por ra zões muito diferen tes, os estudos do nacionalismo foram menos vulneráveis à crítica epistemológica pó s-mod em a do que muitas outras áreas da antropologia. Essas pesquisas não postu lavam a existência de “culturas discretas, homogêneas” existentes num “presente et nográfico” atemporal . Antes , exploravam u ma caracterís tica parti cular da m oderni dade, em cujo nome elites políticas e culturais afirmavam a existência dessas cultu ras, pelo menos em parte por razões estratégicas. Com
o vimos, o conceito de cultura
tinha as mesma s raízes his tóricas (no romantismo herderiano) do nacionalismo po
lí
tico, e os a ntropólo gos que procura vam desconstruir ideologias nacionalistas ti nham assim muitos i nteres ses em comum com os desconstrutor es pós-m odemistas do co n ceito de cultura. Emb ora de orientação tanto empírica como co
mparativa, e assim po
tencialmente abertos ao ataque pós-modemista, os estudos do nacionalismo geral men te passaram sem ser questionados: eles não eram essencialistas (eles descon straíam essencialismos nativos), anistóricos (eles situavam seu objeto de estudo firme mente na história) nem neo coloniais (m uitos dos principais estudo s do nacionalism o enfocavam sociedades ocidentais). Além disso, à medida que os conflitos políticos por motivação nacionalista se espalhavam em todo o mundo durante a década de 1990, os estudos antropológicos do na cionalismo pare ciam cada vez mais re levantes. E devido ao excesso de violência de muitos mo
vimentos nacionalist as, parecia natu
ral para alguns estudiosos do nacionalismo contribuir com estudos sobre os efeitos da violência (como na antropolo gia médic a; ver Malkki 1995) e com estudo s sobre o poder (como na antropologia política; ver Kapferer 1988). O florescimento interdisciplinar dos estudos do nacionalismo ocorrido durante os anos 1980 foi profundam ente inspirado p or três livros publicados no m esmo ano. O primeiro foi Nations andNationalism, de Gellner (1983), onde um dos principais argumentos sustentava que o nacionalismo era uma ideologia funcional, coesiva, numa sociedade industrial por outro lado fragmentada e alienadora. O segundo foi
Imagined Communiíies, do hist oriador Benedict Anderson
(1983) , que se concentra
va nas características simbólica s do nacionalismo , com parando-o a fenômen os como parentesco e religião. O terceiro foi The Invention o f Tradition, uma co-ediçâo dos historiadores Eric Hob sbawm e Terence Ranger (1983), que demonstrava que muitas supostamente “tradições antigas” eram de fato inventadas por autoridades coloniais
8. o
f im d o
Mod er ni sm o ?
187
ou por outras elites para criar coesão onde ela de fato não existiria. Freqüentemente inspiradas por esses livros, pesquisas antropológicas sobre o nacionalismo pareciam confirmar a visão de Ardener de que o
Modernismo preenchia na antropologia soci
al
“um espaço quase precisamente datável de 1920 a 1975” (Ardener 1989 [1985]: 197). As pesquisas sobre o nacionalismo e, de modo mais geral, sobre a política da identidade er am vistas como uma forma de antropologia pós-modema
. M onografias
influentes sobre o nacionalismo, como Legends o fPeople, Myths o f State, de Bruce Kapfe rer (Kapferer 1988 ), combinavam preocup ações clássi cas de antropologia - o signif icado do mito, o problema da coesão social, o poder dos símbolos
- com um a
tentativa de entrar em harmonia com a política de identidade contemporânea, sua imagética viol enta e prática freqüentemente
violenta, sua criação de imagens do
migo e sua relação com o Estado. Aqui vemos no
ini
vamente o movimen to de um sub-
campo em transi ção desde um a posição relati vamen te marginal na disciplina cm di reção à corrente principal. Embora os debates sobre o pós-modemismo recebessem muitas manchetes du rante os anos 1980, talvez seja (como Derrida poderia dizer) nas margens do movi mento pós-mod emo , mais do que entre seu s representantes mais eminentes , que de vemos procurar suas contribuições mais permanentes. Estudos de intercâmbio e identidade, estudos inspirados
pela feno men ologia, estudos da saúde e do nac iona lis
mo passaram todos ao primeiro plano durante essa década e infl damente a antropologia da década de 1990.
r
uenciariam profun
Reconstruções
A falta de distância histórica impossibilita uma revisão adequada dos anos 1990, seja do ambiente cultural geral da década ou do empreendimento específico da antro pologia. É no entanto evidente que algumas tendências dos anos 1980 se consolidaram, em ambos esses aspecto s. A incerteza, ou ambivalência, tomou-se um elemento típi co (alguns diriam uma afetação) da vida intelectual. Caracteristicamente, Henrietta Moore, uma das antropólogas britânicas mais influentes da geração atual, introduz o seu Anthropological Theoiy Today, um titulo ambicioso, com a frase: “É muito tentador começa r um livro dest a natureza afirmando que não existe algo como uma teoria antro pológica” (Moore 1999: 1). Em seguida, ela comenta rapidamente que os projetos crí ticos dos anos 1970 e 1980 levaram, nos anos 1990, a um recuo generalizado da teoria para a etnografia e, em alguns casos, “mesmo do projeto da antropologia em si” (1999: 1). Detalha ndo a questão um pouco mais, ela diz que não há mais nada (se é que já hou ve) que se assemelhe a uma antropologia única e, além disso, que o status de teoria como tal é cada vez mais questionável. “A teoria é hoje um conjunto diversificado de estratégias críticas que incorpora em si um a crítica de suas próprias localizações, posi ções e interesses: isto é, ela é altamente reflexiva” (Moore 1999: 9).
A im pressão que se tem disso e de outras tentativas de oferecer sínteses amplas da antropologia dos anos 1990 é que a disciplina está irremediavelmente fragm enta da e em profunda desordem. Simultaneamente, foi extraordinário o sucesso da antro pologia durante essa década. O aumento de publicações e de conferências foi formi dável, o envolvim ento em pesquisas aplica das nunca foi tão vasto, e em m uitos paí ses a antropologia foi uma área dos cursos de graduação imensamente popular. Na Universidade de Oslo, em tom o de 75 universitários eram esperados para o primeiro ano na primavera de 1990. Quan do os professores entraram no auditório para recep cionar os novos alunos, fomos recebidos por uma platéia de 330, muitos dos quais continuaram estudos de pós-graduação ao longo da década. Existem algumas razões
9. Reconstruções
189
óbvias para esse aumento de popu laridad e da antropologia. Assim como a sociologia marxista oferece u meios para com preend er os interesses ocultos da opressão de clas ses e gêneros nos anos politizados de 1970, a antropologia ofere ceu uma compreensão da variação cultural numa década em que joven s em países ricos viajavam muito mais do que seus pais ou avós haviam viajado, e em que o multiculturalismo, a política de identidade, a discriminação étnica e a guerra nacionalista eram pontos importantes na agenda de políticos, de movimentos populares, de ONGs e de meios de comunicação em quase toda parte. Ironicamente, o tradicional conceito antropológico de cultura finalmente parecia ter entrado na esfera pública aproxima damen te na m esma ép oca em que a maioria dos antropólogos alimentava outras idéias sobre a questão. Os dados demográficos da discipl ina aumentavam em complexidade, mas a an tropologia continuava mais ampla e variada nos Estados Unidos do que em outros países. Nos fins dos anos 1990 a A ss ociaçã o A ntr opoló gic a Am ericana regis tr a va um número aproximado de 10.000 membros, enquanto a Associação Inglesa de Antrop ólogos Sociais con tava com meno s de um décimo des se núme ro, e ar ecém-fundada Associação Européia de Antropólogos Sociais talvez tivesse 2.000. A predominância da língua inglesa no discurso acadêmico, que estivera em ascensão desde os anos intermediários entre as duas grandes guerras, fortaleceu-se ainda mais nos anos 1990. Num país como o Brasil, há muito mais antropó logos ativos do que na Inglaterra, mas com poucas ex ceções, como a obra de Roberto DaM atta (1991), suas publicações são desconhecidas para quem não lê português. Do mesmo modo, há corpos importantes de literatura antropológica e/ou etnográfica em idioma espanhol, russo, polonês e outros da Europa Centr al, em japonê s e - cada vez mais - em chinê s. Existe também uma importante literatura antropológica em língua inglesa na índia, praticam ente desconhecida fora dos círculos especializados. Finalmente, durante os anos 1990, antropologias européias não metropolitanas receberam atenção crescent e graças à fundação da Associação Européia de Antropó logos Sociais em 1988. Criada por iniciativa de Adam Kuper na Universidade Bru nei, um dos objetivos priucipais da Easa (European Associati
on o f Social Anth ropo
logists) era congrega r antropólogos do norte da Europa (protestante/germà
nico) e do
sul da Europa (católico/româ nico). Então, no fim de 1989, enquanto os antropólogos se ocupavam com o planej amento da primeira conferência da Easa (a ser realizada em Coimbra, Portugal, em 1990), o mundo foi surpreendido pelo que se tomaria o acontecimento definidor dos anos 1990: a queda da Cortina de Ferro (logo seguida pela dissolução da União Soviética) e a conseqüente liberalização cultural e intelec tual na maior parte da Europa Central e Oriental. As mudanças políticas e econômi cas que seguiram na esteira desses sobressaltos seriam muitas e
parado xais - e desde
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
19 0
o primeiro momento abririam uma região etnográfica totalmente nova e de dimen sões continentais para a pesqu isa antropológica (ver p. 203ss) . Mas para os planeja dores da Easa a preocup ação ime diata fo i a oportunidade de contatos acad êmicos in tensos com co-antropó logos nesses país es. A gora era possível desenvo lver r elações com tradições antropológicas que estiveram praticamente desconhecidas na acade mia ocidental durante anos. Na ex-União Soviética foi descoberta uma etnografia que combinava a abordagem histórica da tradição difusionista alemã com o evolucionismo marxista (ver Dunn e Dunn
1974). Na Polônia a metodo logia de Znaniecki
(capítulo 4) , inspirada na Escola de Chicago,
havia se desenvolvido e transformado
numa microssociologia urbana sofisticada (ver Wedel 1986). Assim, a Easa enfren tou d esde o início o desafio não só de estab elec er ligações entre o norte e o sul da Eu ropa, mas também de integrar as antropologias da Europa Oriental e Ocidental. Com a participação de antropólogos de todo o continente nas conferências da Easa, e por meio de painéis periódicos sobre a história da antropologia eu
ropéia (ver
Vermeulen e Roldán 1995), compôs-se um quadro do passado da disciplina que é muito mais com plexo do que o apresentado neste
livro. A e tnologia sueca, o surrea
lismo polonês, o Volkskunde esloveno, o estruturalismo eslovaco dos anos 1930 e a importância pennanente de Bastian na Alemanha e em outros lugares são apenas al guns exemplos das possíveis novas genealogias da antropologia européia. Podem os traçar brevem ente o desti no de uma dessas tradições. Como vim
os (ca
pítulo 2), a antropologia da Rússia p ré-revolucionária estava estreitamente ligada à tradição alemã. Esse foco teóri co foi man tido duran te a década de 1920 e início do s anos 1930, mas os etnógrafos soviéticos , em sua maioria, eram ao mesmo tempo tra balhadores práticos, envolvidos em tarefas como atividades literárias, educação e serviços de s aúde. Os antropólogos foram
instrumentos no desenvolvime nto das pri
meiras línguas escritas para muitas minorias analf abetas da União Soviét ica. Sob Sta lin, tanto a etnografia teóri ca como a aplicada foram impiedo samente reprimidas, mu i tos praticantes foram assassinados e a profissão foi efetivamente reduzida a mera do cumentaç ão emp írica (por exemplo, de cultura material ). As déca das de 1960 e 1970 viram um ressurgimento da pesquisa analít ica. Y uliy Bromley desenvolveu uma sofis ticada teoria da et nicidade n a Acad emia de Ciências de Mosco u (ver Banks 1996); V. V. Pimenov realizou trabalho inovador sobre m odelagem estatíst ica d a coesão cul tural (Len ingrado); e Yuliy V. Arutyun yan efetuou levantamentos etnossociológicos de larga escala (Moscou). No Ocidente todos esses trabalhos eram muito pouco co nhecido s, apesar dos esforços de algumas pessoas, como
Stephen P . Dunn, ex-aluno
de Morton Fried em Colúmbia, que fundou e durante 25 anos editou
Soviet Anthro
pology and Archaeology’, um a revista de tr aduções que verteu um a grande variedade
9. Reconstruções
191
de publicações soviéticas para o inglês. Durante os anos 1990 a antropologia russa passou por um estado de conflito e desordem (ver Tislikov 1992). Enquanto antropólo gos de gerações mais velhas, muitos dos quais ocupam posições de prestígio em insti tuições proeminentes em Moscou, São Petersburgo e Novosibirsk, tendem a continuar as tradições da etnografia soviética, muitos antropólogos mais jovens (alguns dos quais não tiveram formação em antropologia), voltam-se para o Ocidente em busca de ins piração (ver Condee 1995 para exemplos). Em São Petersburgo a fundação da nova Universidade Européia, financiada pelo bilionário hún garo-ame ricano George Soros, cristalizou até certo ponto esse litígio, com mais antropólogos de orientação ociden tal reunindo-se em tom o de Nikolai B . Va khtin na U niversidade Sor os. Esse breve esboço dá uma idéia da diversidade entre as várias antropologias na cionais que se tomaram cada vez mais notórias durante os anos 1990. Ele também mostra o que talvez seja a maior limitação deste livro. Nossa narrativa se concentrou fortemente na antropologia como ela emergiu durante o século vinte em três áreas linguísticas: o alem ão (até os anos entre as duas grande s guerras), o francês e o inglês (britânico e americano). Fizemos essa escolha porque essas tradições definiram real mente a corrente predominante do desenvolvimento teórico e metodológico na disci plina. Em parte, essa é uma questão de poder defmicional, e se o melhor da antropo logia brasileira, digamos, tivesse sido traduzido regularmente para o francês e para o inglês, a história da disciplina como um todo po deria muito bem ter sido diferente (embora, como vimos acima, na ausência de contatos pessoais regulares, a tradução pode ser insuficiente). Quer se goste ou não, porém, a situação atual é que o inglês está assumin do cada vez mais o papel de uma língua franca antropológica em todo o mundo; e a falta de proficiência em inglês está se tornando uma desvantagem muito grande. Nas confe rências bienais da Easa, tanto o inglês como
0
francês são idiomas o ficiais, mas o in
glês é de longe o mais usado; nesses eventos, mesmo antropólogos franceses apre sentam seus trabalhos em inglês. Durante os anos 1980 e 1990 jovens estudiosos em países com fortes tradições antropológicas nativas foram sendo sempre mais estimu lados a publicar seus trabalhos em inglês. Conquanto existam razões acadêmicas perfeitamente saudáveis para isso, a situação também cria uma assimetria de poder peculiar, visto que o inglês de não-nativos em geral é um instrumento muito mais po bre de comunicação do que sua língua nativa. Outra questão, relacionada a essa para a qual deveria haver uma resposta qualificada, antropologicamente fundamen tada - é se a conver gência linguísti ca atual da di sciplina i rá fmalment e conduzir à ho mogeneização ou à heterogeneizaçao. Por um lado, estudiosos em áreas mais diver sificadas, escrevendo a partir de diferentes tradições nacionais, conhecem mais os
192
Hist ór ia d a ant r op ol ogi a
trabalhos uns dos outros através do meio de um
a língua comum. Por outro, a própria
transposição desse trabalho para uma língua estrangeira inevitavelmente remove al gum as de suas qualidades {v er Wierzbicka 1989). Todo antropólog o que trabalha com duas línguas - e os autores deste livr o pertencem a esse grupo - sabe que a riqueza e nuança de expressão que ele cultiva em sua própria língua nativa é difícil de transplan tar para uma língua estrangeira, que muitas vezes inclusive não dispõe de conceitos para o que ele quer dizer. Poucos são dotados com os talentos linguísticos de um Mal inowski, e mesmo ele nem sempre estava “à vontade” entre os trobriandeses. Levando em considera ção esses incon venient es - a históri a progr essivamente mais complexa da matéria (à med ida que r elatos de comunidades de língua não me tropolitana são sempre mais publicados em inglês) e a falta at
ual de coerência teórica
na disci plina - volt amo-nos agora para um esboço tentativo
de algum as das princi
pais tendê ncias na an tro polog ia da década de 1990. De certos modos, as co ntinui dades com o passado são esperançosas -
ou inquietantes, dependendo
do ponto de
vista adotado. A observação participante intensiva continuou sem contestações como método de escolha para obter conhecimento confiável e detalhado sobre ou tros povos, apesar de ser cada vez mais sup lementada com uma am pla variedade de outros métodos, e agora era ponto pacífico que o trabalho de camp o em sociedades comp lexas levantava diferentes questões
metod ológicas em comparaçã o com o tra
balho de campo n as ald eias. A idéia de que o mundo que hab ita mos é constru ído so cial e cul turalme nte também continuou sendo ac eita pela m aioria dos antropólogos - muito embora com uma mistura variável de relativismo pós-moderno. Em geral, os anos 1990 também viram um recuo
com relaç ão ap osiçõ es pós-mod emas extre
mas (à medida que a revolução pós-modema, como muitas outras antes dela, foi sendo assimilada pela corrente predominan
te da disciplina) e um a volta a u m “rea
lismo” etnográfico mais equilibrado, o que comprovou que o conhecimento antro pológico p ode muito bem ser relativo, mas nem por isso se to ma menos releva nte. Na m esma linha, o particu larism o e o relativism o cu ltu ral extremos dos anos 1980 pa recem ter sido suplantados po r um interesse m ais eq uilibr ad o po r estudos em pí ricos da relação en tre o universalmente humano e o culturalmente parti
cular. Como
resultado, algumas controvérsias antigas da disciplina reapareceram em novas rou pagens; e alguns novos campos de pesquisa envolveram a redescobcrta de trabalhos de um passado mais distante - durante as décadas de 1980 e 1990 , por exemplo, Mauss foi redescoberto em pelo menos três contextos: como teórico
da mo ralidade de troca
(Thomas 1991; Weíner 1992), como teórico da condição de
pesso a (Carrithers et a i
1985) e como teórico do corpo (ver Mauss 1979 [1934]). Os três campos foram im po rtantes durante a d écada de 1990.
9. RECONSTRUÇÕES
193
Entretanto, algumas novas características próprias da antropologia dos anos 1990 precisam ser mencionadas. Antes de mais nada, alguns exemplos mais evidentes. Pri meiro, como v imos no capítulo anterior, qualq uer distinção simples entre nós e el es, ou observador e observado, se tomou praticamente indefensável. “Nativos” são perfeita men te capazes de iden tificar a si mesm os e se mostram cad a vez mais avessos a tentati vas antrop ológicas que se propõem a ditar quem eles ■ 'realmente” são. Essa percepção contribuiu para uma consciência mais aguçada das questões éticas na antropologia, que veio aumentando desde que a Associ ação Antropológica Americana - no auge da revolução do trabalho de campo - publicou sua “Declaração sobre a ét ica” em 1971. Hoje, reflexões éticas integram habitualm ente trabalhos dos próprios alunos. Ou tra ra zão para isso é que a “antropologia em casa" não é mais uma curiosidade, mas uma parte perfeitamente normal do empreendimento - e dilemas éticos são naturalmente mais compreensíveis e mais prementes quando estamos perto deles. Segundo, qualquer dicotomia simples “tr adicional-moderno ” também se tomo u quase indefensável , seja por raz ões epistemológieas ou puram ente empíricas . Com efeito, parece a estes autores que essa aversão a qua lquer coisa que soasse a evolucionismo era tãoAssim, forte nacomo antropologia da década de 1990 que ela poderia ivalerdea u1950 m ponto cego. os neo-evolucionistas demonstraram nasequ décadas e 1960 , é fácil docum entar diferenças empíricas marcantes entre (por exemplo ) so ciedades de caçadores-colet ores de pequen a escal a e sociedades pós-industri ais mo dernas, em termos de medições quantitativas como o fluxo de energia per capita. O motivo por que questões assim devem interessar-nos é que o homo sapiens sapiens habitou a Terra como caçador-coletor durante aproximadamente 150.000 anos, ao passo que a sociedade m oderna é extremamente recente (o quanto recente é questão de gosto teórico e foco empírico). Como menos de nm décimo por cento da história humana transcorreu em sociedades “modernas”, é evidente que teorias gerais de so ciabil idade humana se beneficiariam com o entendimento da diferenç a entre siste mas sociais “ primitivos” e “modernos” . Terceiro, o mundo assistiu a um cresci mento fenomenal em conexões transnac ionais de toda espécie - da migração ao turismo, de mercados de valores internacionais à Internet. Essa aceleração poderosa da mobilidade social através de grandes distân cias geográfi cas lev ou muitos antropólogos a questionar o elo muitas vezes conside rado como fato consumado enfie grupos de pessoas e localidades geográficas limita das a que eles “pertencem”. Todo o conceito de espaço de repente precisa ser repen sado, à medida que os antropólogos estudam cada vez mais grupos globalm ente dis persos, como refugiados e m igrantes, trabalhadores numa em presa multinacional ou comu nidades na Inter net. Os estudos sincrônicos clássicos num sitio único, numa
194
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
sociedade única, que constituíam
a marca característica da antropologia, estão se tor
nando cada vez mais raros, e espera-se que os antropólogos contextualizem
rotinei
ramente seu trabalho tanto histórica como regionalmente. Logo voltaremos a algu mas idéias teóricas que
surgiram dis so. Em discussões de métodos, um novo termo
começou a aparece r recentemente -
trabalho de campo de sítios múltiplos - que pa
rece referir-se a diversos tipos diferentes de e
studos não localizados, d esde estudos
de redes dispersas em cidades ou instituições até estudos de comu intercontinentais.
nidades migrantes
Quarto, e como parte do “repensar o espaço” a que nos referimos acima, vimos um novo interesse nos territórios f ísicos ocupados pelas pessoas,
sejam el es ecossis
temas tradicionais, paisagens urbanas ou paisagens cibernéticas virtuais -
os quais
haviam parecido irrelevantes aos constmcionistas sociais radicais do pós-modemismo. Sentimos uma afinidade entre esse interesse pelo ambiente físico e a orientação para o corpo humano (físico) en fatizada pelos teóricos da prática (capítulo 8), e, efe tivam ente, Bourdieu dá igual realce às ime diaçõ es físicas e ao corpo físico em sua te oria do habitus. Essa afinidade sugere que o novo e realidade física está acontecendo em termos m vimento cultural ecológico dos anos 1960.
rapprochement entre antropologia
uito dif erentes do que durante o mo
Finalmente, o desgaste do conceito de cultura que ocorreu desde a década de 1960 hav ia, até o fim da década de 1990, desac reditad o com sucesso a antiga idéia de “um povo ” possuindo “um a cultura em comum ”. Assim, po r um lado, a idéia do todo social foi enfraquecida, um a vez que a “sociedade ” é relativizada e se dissolve em re des dispersas e sobrepostas. Por outro lado, como indicam
os acima, a idéia do mundo
físico (e do corpo) alcançou uma proem inência m aior no pensam ento antropológico. Esse paradoxo poderia sugerir um afastamento de longa duração com relação às ções durkheimianas de sociedade como sistema autônomo e um movimen
no
to na dire
ção de noções correntes em algumas ciências naturais. Essa última tendê ncia é uma entre duas que selecionamos para reflexão especial neste último capítulo de nossa história da antropologia, junto com a tendência para estudos de globalização
e lugar, N ossa escolha desses dois assuntos
em particular é
mais ou menos arbitrária. Existem muitas outras tendências que poderíamos ter ana lisado com igual justificativa. Assim, vimos um crescimento marcante na pesquisa antropológica sobre troca, tanto na área central tradicional da disciplina (como
a Me-
lanésia; Barraud et al. 1984; Strath em 1988; We iner 1992; Gode lier 1999) e “em casa” (como um a rua no nort e dc Londres; M iller 1998), Tam bém foram realizados muitos trabalhos sobre simbolismo, história e poder, inspirados de modo particular pela obra de Marx, Gramsci e Foucault (Eferzfeld 1992; Trouillot 1995; Gledlnll
9. RECONSTRUÇÕES
195
2000). Vimos uma tendência para um reflorescimento da antropologia econômica, informada pela teoria pós-estruturalista. pela obra recentemente redescoberta de Simmel e pelo marxismo (Camer 1997: Lutz e Nonini 1999). Estudos importantes foram feitos sobre antropologia da violência política (Malkki 1995; Nordstrom e Robben 1995; Tam biah 1996) e direitos humano s (Wilson 1997); novas áreas de pes quisa que podem se tomar decisivas para o futuro da antropologia. A decisão de dirigir nossa at enção para os estudos de globalização e para os estu dos de biologia e cultura não significa que consideramos esses campos como mais importantes do que um ou outro dos que acabamos de citar. Não obstante, considera mos as duas tendências especialmente interessantes no contexto da história da disci plina - em parte, porque ambas ultrapassam os limites da antropologia da corrente principal de formas visíveis; em parte, porque ambas foram um solo fértil importante nos anos 1990. As duas tendências também nos oferecem inúmeros contrastes e so breposições dignos de nota. Falando de modo geral, poderiamos dizer que elas res pondem ao estado atual da antropologia e do mundo de dois modos diferentes - mo dos, porém, que são, em ambos os casos, fiéis à história da disciplina. A primeira ten dência distanciar-se história e das”complexidades para reapresentar a antigaparece pergunta “O que é da o ser humano? - revitalizando ass atuais im a controvérsia nat ureza/educação, que na sua época foi constitutiva da antropologia moderna. A segun da tendência nos remete no vamente às duas outras perguntas clássicas “O que é so cieda de” ? e “O que é cultu ra?” - mas agora num con texto de fluxo global.
Biologia e cultura Duas perguntas complem entares podem ser feitas sobre a natureza da humanida de (Ingold 1994): “O que é o ser huma no? ” (resposta: “ Um pequ eno ramo de um ga lho do grande tronco da evolução ”; “Um parente próximo dos chim panzés”, etc.) e “O que significa ser u m ser humano?” (um a pergunta que gera todo um conjunto de diferentes respostas). Como mostrou este livro, a segunda questão predominou sobre a prime ira na antropologia do século vinte. A panhar o ponto de vista d o nativo era es sencial tanto para Boas como para Malinowski, e tanto Mauss quanto Radcliffe-Brown estavam interess ados na natureza da sociedade mais do que na natureza do homo sapiens sapiens. Explicações causais que viam a cultura humana e a sociedade como resultado de forças externas, fossem elas ambientais ou genéticas, eram sem pre visões minoritárias, embora às vezes influentes. Durante as duas últimas déca das, porém, vimos um a revitalização da relação entre antropologia e várias das ciên cias naturai s. Esse m ovimento é em última análise impulsionado pelo fato de que as ciências naturais estão utilizando modelos cada vez mais complexos capazes de for-
196
Hist ór ia d a Ant r op ol oci a
necer simulaçõe s realistas do comportamento de processos biológicos e
mesmo, até
certo ponto, m entais. Em bora a aplicação direta desses modelos para a ciência social qualitativa seja obviamente impossível (uma vez que os modelos
dependem de dados
de entrada numéricos), no entanto, vimos anteriormente (em nossa análise da ciber nética) que modelos provenientes da ciência natural podem
ser aplicados proveitosa
mente como metáforas do processo sociàl. Assim, Manlyn Strathem (1991) usou a Teoria do Caos matemática como m etáfora dos ti pos de diferença que existem entre situações e arenas sociais. Para muitos antropólogos a pr incipal atração é a complexidade dos novos mo
de
los, Com a teoria dos sistemas complexos, a própria ciência natural parece ter aban donado o mundo unilinear de causa e efeito em favor de um universo multilinear, probabilístico, que parece m uito m ais familiar aos cientistas sociais - e que também aumenta a compreensão das ciências sociais entre muitos cientistas naturais. Entre tanto, a desconfiança entre esses dois ramos da acade mia continua sendo m uito gran de; os desentend imentos são com uns e impedem o intercâm bio de idéias. O cas o a se guir ilustra bem os problemas que existem. Em 1979 Bruno Latou r e Stev e Woolga r publicaram a monografia seminal Labo ratory Life. Esse foi um projeto de campo tradicional, de um único sítio, realizado num laborató rio bioquímico de alta tecnolo gia na Califórni a. D esde o início, os auto res são muito cuidadosos em separar a tarefa que realizam daquela dos cientistas que eles estudam. Enquanto os bioquímicos estão obtendo conhecimento sobre o mundo físico “ lá fora”, Latour e Woolga r perguntam como esse conhecimento se tor na um fato soci al: como o experimentador reconhece um
“resultado” quando ele o vê, como
esse “resulta do” circula entre os integrantes do laboratório: é criticado ou aceito, de fendido, relacionado com outros “r esultados” e publicado? Ao respo nder a essas per guntas os autores desenvolvem os rudimentos do que Latour (1991) mais tarde cha maria de Teoria de Rede de Atores, a qual liga pessoas, objetos e idéias numa rede em que ocorrem “traduções” constantes (pessoa a objeto, objeto a idéia, etc.) (ver também p. 205). No capítulo introdutório da monografia, hoje um clássico, os auto res descreve m sua entrada no laboratóri o, um a entrada que tomam conscientemente exótica para que o leitor tenha a sensação de estranheza
como se entrasse em contato
com uma tribo da Nova Guiné. Na esteira desse trabalho apareceram muitos estudos sociológicos e antropológi cos so bre ciênc ia, muitas vezes denominados “STS” (Studi es in Technology and Scien ce - Estudos de Tecnolo gia e Ciência), variando desde relatos gerais
sobre a part ici
pação da ciência em processos econôm icos e políticos de larga escala até microestudos de ambientes de pesquisa específicos. Entretanto, a crítica implícita à ciência
9. R
econstru
ções
197
natural que muitos desses estudos continham e seu envolvimento freqüentemente pós-estruturalista com regimes e ideologias de conhecimento, em nada contribuíram para melhorar as relações entre antropólogos e cientistas naturais. Mesmo Latour e Woolgar em geral evitavam essas armadilhas; no entanto, o trabalho deles foi em grande parte criticado ou ignorado por biólogos e físicos. Mais recentemente, o infa me caso Sokal demonstrou que as tensõ es ainda são consideráveis. Em 1996 o físico Alan Sokal publicou um artigo intitulado “Transgressing the boundaries: Toward a transfonnative hermeneutics of quantum gravity” (Transpondo fronteiras: Rumo a uma hermenêutica transformadora da gravidade quântica) na revista Social Text, onde defendia que a física teórica deve ser vista como uma construção social e não como um a “verdade ob jetiva” (Sokal 1996). Pouco depois ele declarou que o art igo havia sido um blefe: um a discussão incoerente e incompreensí vel repleta de jargão pós-modemista e raciocínio obscuro, e que todo o exercicio havia sido uma tentativa de expor o vazio e o antiintelecmalismo da elite cultural pós-modema. Conquanto o caso Sokal não envolvesse antropólogos (seus alvos eram principalm ente teóricos da literatura e filósofos), el e deu uma demonstração i nequívoca da brecha que continua a existir entre as concepções humanista e científica. Vale observar, porém, que Latour nunca sustentou uma visão constmcionista fortemente social. Com efeito, em WeHave Never Been Mod em (1991), ele afirma que é tão inútil procurar reduzir a ciência física à ciência social quanto vice-versa. Em vez diss o, é preciso desenvolver uma linguagem analítica para descrever as “tra duções” que estão constantemente ocorrendo entre os dois campos, manifestamente separados. Po r um lado, a teoria de Latour constitui assim um ataque direto ao axio ma da separação entre sociedade e natureza que se tomou cons titutivo tanto das ciên cias naturais como das ciências humana s desde os anos 1600. Por outro lado, a teor ia chama atenção para a natureza híbrida de todos os resultados científico s, pa ra o fato de que o conhecimento é transformado à med ida que sai do laboratório ou da situaçã o do trabalho de campo e entra numa rede global de tradução e retradução. É útil ter essa visão em mente na seqüência, onde analisaremos duas grandes fa mílias de perspectivas antropológicas que se envolvem mais diretamente (muitas ve zes através de trabalho interdisciplinar) com as ciências naturais. A primeira família está diretamente ligada ao campo interdisciplinar em rápida expansão da ciência cognitiva. A “cognição” (que podemos definir brevemente como todos os processos mentais associados à aquisição e gerenciamento do conhecimento, inclusive a per cepção, a memória, o julgam ento, a formação de conceitos, o uso da linguagem, etc.) é um interesse antigo na antropologia, tendo assumido muitas formas em períodos anteriores do século, desde a hipótese Sapir-W horf, passando pelo Debate da Racio-
198
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
nalidadc e por LaPensée Sauvage de Lévi-Strauss até a especialidade que muitas v e zes é simplesm ente chamada de antropologia cognitiva (D ’And rade 1995); esta, nas décadas de 1950 e 1960, desenvolv eu novos m étodos para analisar as relações entr e conceitos numa determinada cultura. Assim, num famoso estudo sobre classificação de cores, Brent Berlin e Paul Kay (1969) apresentaram evidências da existência de categorias universais de cores. Duran te os anos 1980 vários desses interesses antro pológicos convergiram no trabalho que estava em andamento em lingüística, psico logia, neurologia, biologia evolucionária, pesquisa sobre inteligência artificial e Teo ria Geral de Sistemas para formar o novo campo da ciência cognitiva. A ciência cognitiva ainda é um campo em process o de formação que utiliza uma ampla variedade dc métodos (desde tomografia computadorizada até observação participante) e levanta um grande, e cada vez maior, núm ero de questões. O ad ven to de novos mo delos de simulação matemática para sistema s complexos estimul ou muitos ramos dessa pesquisa; além disso, com programas progressivamente mais complexos e com hardware mais resistente a cada dia que passa, esse trabalho pode comprovar-se de potencial extraordinário no longo prazo. Essa informação não foi desperdiçada pelas agências de financiamento em todo o mundo, que investiram pe sadamente em vários ramos da ciência cognitiva. Inúmeros institutos de pesquisa in fluentes se estabeleceram e pesquisas experimentais extensas e orientadas para o campo estão sendo realizadas. Tudo isso significa que a ciência cognitiva oferece no momento um número imenso de questões instigantes e sugestivas, mas ao mesmo tempo resultados em sua maioria passíveis de experimentação e fragmentários. Por isso, é difícil avaliar o impacto de longo prazo da ciência cognitiva sobre a antropologia. Entretanto, impressiona o fato de que os cientistas cognitivos têm como provado que o indivíduo não nasce como um a tabula rasa (tábua rasa) cogniti va. Desde Durkheim, os antropólogo s tenderam a aceitar sem questiona r o postulado da tabula rasa - os processos mentais humanos eram universalistas e socialmente construídos e podiam ser adaptados livremente a uma variedade infinita de condi ções. Em contraste, as novas pesquisas demonstram
que nossa mente e aparelho sen
sório são instrumentos altamente especializad os, com potenciais e limitações especí ficos. Sem dúvi da, se um conhecimento positivo de como esses instrumentos fu
ncio
nam está para aparecer, ele será do maior interesse para a antropologia. O estado da arte na antropologia em si é indicado por um influente estudo de Scott Atran (1990) que desen volve temas tanto da sociologia d urkheim iana como da etnociência ao afirma r que existem modos específicos, inatos, de classificar o mundo natural que são universalmente humanos. Diferentemente, os antropólogos que tra balham no contexto da ciência cognitiva representaram uma ampla gama de convic
9. R econs
19 9
t r uções
ções. Por um lado , Dan Sp erber (ex-aluno de Lévi-Strauss) e Pascal B oyer se mostra ram favoráveis a uma exp licação darwinísta da cognição humana (Sperber yer 1999 - um argumento semelhante foi apresentado por Bateson em
1996; Bo
1979). Por ou
tro lado, diversos teóricos sugen ram que a neurologia poderia conter pistas para uma compreensão de aspectos universais da cognição humana (Tumer 1987; Bloch 1991; Boro fsky 1994). Finalm ente, estudio sos como Bradd Shore, Dorothy Holland e Naomi Quinn (H ollan d e Quinn 1987; Shore 1996) aderiram a variedades da teoria do es quema ou teoria do protótipo (srcinalmente desenvolvida em lingüístic a) segundo as quais a cognição se organiza em tomo de um número limitado de “significados elementares” prototípicos constituídos de componente
biológico e construção soc ial
(“em cima” e “embaixo” podem ser categor ias humanas universa is, mas seu signifi cado é evidentemente diferente num atol polinésio e nos Andes). Uma idéia semelhante está expressa em dois livros escrit
os em conjunto po r um
lingüis ta e um filósof o, George L ako ff e Mark Johnson (1 980,1 999); essas obras f o ram muito importantes para consolidar a concepção de que a cognição e o conheci mento humano se constroem universalmente sobre
metáforas baseadas na experiên
cia corpo ral. A experiência corporal, que tem ciaramente um co mponente univer sal (todos nascemos com duas màos), também é claramente particular ao indiví duo e às sociedades. Ao mesmo tempo, a experiência corporal é intimamente conhecida de cada um de nós, sendo portanto fonte copiosa de
analogia s com outros campos expe-
rienciai s, que são assim i nfundidos com parte da ambiência que ral particular invocou. O trabalho de La
a experiência corpo
koff e Johnson, conciliando uma
crença em
universais com um interesse pelo particular, foi especialmente importante em subcampos como a antropologia médica e a antropologia do conhecimento
.
Um último exemplo do trabalho nesse gênero é a obra comparativa da lingüista americana de srcem polonesa, Anna Wierzbicka, sobre a formação de conceitos em várias línguas européias. Numa influente comparação de palavras russas e inglesas para estados emocionais, ela demonstra que as duas línguas estabelecem a divisão conceptual entre mente (ou alma) e corpo de modos diferentes e incompatíveis (Wi erzbick a 1989). Essa obra, que pod eria dar a impressão de se r mais do que uma reto mada da hipótese Sapir-W horf (capítulo 4), e assim outra contribui ção ao relati vismo cultural, na realidade tem um forte componente universalista, na medida em que o objetivo de longo prazo de Wierzbicka é descobrir “universais semâ
nticos”.
Com efeito, os exemplos acima - e muitos outros poderiam ter si do citad os - pa recem sugerir um refloresci mento tentativo do un iversalismo na antropologi a e uma inversão das tendências pós- estruturalistas e pós-modema s, com sua rejeição (como - g-c s entenderi am) de qualquer coi sa que lembrass e pretensões ci entífi cas na antro
Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a
200
pologia. Seja qual for a posição que assumam na questão natureza-educação, e aqui os novos antropólogos cognitivos divergem, eles consideram as representações cul turais como “enriquecimentos de ontologia intuitiva” (Boyer 1999: 210) e estão re solvidos a revelar a natureza exata do suporte físic o subjacen te ao material elástico e flexível da cultura. O universalismo da segunda abordagem que resolvemos destacar é muito mais pronunciado. As atitudes dos antropólogos para com a teoria evolucionária, ouneodarwinismo, eram - e são - contenciosas e variadas. Alguns vêem os re latos darwi nistas da sociedade como desumanizadores e científícainente irresponsáveis, como tentativas de redu zir a riqueza da ex periência e da variação sociocultural global à ge nética. Outros vêem as teorias darwinistas da mente hum ana como insufícientemente respaldadas po r evidências at é o momento, e portanto irrelevantes -
dois nomes de
destaque aqui são Claude Lévi-Strauss e o renomado lingüista Noa m Chomsky. O u tros ainda vêem enorme potencial explicativo na fusão de darwinismo, psicologia cognitiva e pesquisa etnográfica detalhada. Mas evidentemente os céticos dominaram a cena, e nisso tiveram o apoio de uma venerável linhagem de antropólogos. Antes da guerra, Boas, Mahnowski e Radcliffe-Brown {cujas idéias críticas sobre segrega ção racial são pouco conhecidas, cf. Kuper 1999: xiii-xiv) haviam sido críticos implacáveis do determinismo biológico, da eu genia e da pseudo ciência racista a ela muitas vezes associada, que muitos biólogos dar winistas, a propósito, apoiavam (ver Malik 2000). Depois da guerra a visão ortodoxa nos dois lados do Atlântico fo i que os relatos biológicos da nature za hum ana eram irre levantes ou então errados quando aplicados ao conteúdo da antropologia. Os antropó logos que estudavam a natureza humana viam-na como infmítamente maleável (com algumas exceções importantes, como Lévi-Strauss), ao passo que aqueles que estuda vam principahnente a sociedade e a cultura consideravam-nas como perfeitamente in teligíveis em termos do seu desenvolvimento histórico e da sua dinâmica interna. Explicações biológicas da natureza humana só retom ariam ao cen ho da vida intelectu al na metade da década de 1970 (capítulo 7) e foram então quase unanímeme nte rejei tadas por antropólogos sociais e culturais. Desde o início dos anos 1990, porém, a sociobiologiareemergiu numa forma nova e mais sofisticada, com maior potencial para coa lizões com a antropol ogia socia l e cultural tradicional - mas novamente os antropólo gos quase sempre rejeitaram suas propostas. No entanto, o debate se tomou menos agressivo, talvez por causa da “virada cognitiva” na sociobiologia ou talvez porque a antropologia em si se tomou mais receptiva a essas questões. A ciência social darwinist a, que procura ex plicar a sociedade humana em termos da história evolucionária da espécie humana, pode ser mais ou menos dividida em
9. Recon str uçõe s
20 1
dois grupos de pesquisas (Knight etal, 1999: 1-2): de um lado, antropolog ia evolu cionária, que toma como ponto de partida avanços na genética humana que parecem indicar que o grau de solidariedade interpessoal é determinado pela distânc ia de pa rentesco; quanto mais próximo o relacionamento biológico, maior a probabilidade de se fazer sacrifícios. O outro grupo, cada vez mais conhecido como psicologia evolucionária, “con centrou-,se menos nas conseqüências funcionais do comportamento do que nos m e canismos cognitivos que supostamente lhe dão sustentação” (Knight et al. 1999: 2). Diferentemente dos sociobiólogos da primeira geração, essa escola não inferiu a cul tura como uma adaptação biológica simples a partir de comportamentos específicos como sexo e violência. Falando claramente, ela se voltav a mais para a cognição e a classificação do que para o sexo e a violência. A publicação referencial dessa nova síntese foi a coletânea The Ad apte dM ind (Barkow etal. 1992) e os proponentes mais dedicados da teoria foram o antropólogo John Tooby e a psicólog a Leda Cosmides, marido e mulher, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. Evitando deliberadamente o polêmico rót ulo de sociobiologia, ele s - e outros - desenvolveram uma teoria da mente humana segundo a qua l a mente era composta de domínios específi cos que haviam srcinalmente evoluído como resposta adaptativa ao Ambiente da Adaptação Evolucionária: o ambiente em que o hamo sapiens sapiens teve srcem como espécie (muito provavelmente as savanas das terras altas do Vale do Rift na África Oriental). As características definidoras da mente humana eram assim srci nalmente adaptativas (elas melhoraram a aptidão da espécie o u potencial para sobre vivência), mas no contexto contemporân eo elas podem ser muito bem mal-adaptativas. Novamente, pareceria haver boa razão para que os antropólogos acolhessem isso como conhecimento positivo nessa área - mas até agora a pesquisa desses estu diosos é muito inconclusiva e fragmentada para ser úti l aos antropólogos. Além dis so, embora vários psicólogos evolucionários tenham tentado explicar aínter-relação entre evolução biológica e mudança cultural (Boyd e Richerson 1985; Durham 1991), a escola ainda não de senvolveu uma teoria da mudança cultural, o que a faz parecer singularmente ínapropriada no mundo em rápidas mudanças de hoje. Considerando tudo, e apesar dos inúmeros aperfeiçoamentos, a maioria dos an tropólogos ainda via a psicologia evolucionária como uma forma de reducionismo biológico, e ela não conseguiu fazer avanços maiores na corrente predominante da antropologia social e cultural durante a década de 1990. No entanto, parece seguro concluir que os contatos entre antropólogos e biólogos foram revitalizados durante os anos 1990. Os biólogos passaram a c ompreender cada vez mais que a linguagem, a autoconsciência, o mito e o ritual eram fenômenos complexos, caracteristicamente
Hist ór ia d a Ant r op ol ogi a
202
humanos que não podiam ser simplesmente vistos como elaborações sobre compor tamen to primata genérico. Os antropólogos, po r sua vez, admitiram em grande parte que a teoria da tábua rasa da socialização humana é insustentável, e muitos começa ram pelo menos a questionar a separação a priori das ciências naturais e sociais. Hoje, quando são feitos investimentos substanciais nas ciências biológicas e programas de pesquisa abrangentes são realizados, talvez seja apenas uma questão de tempo até que as fronteiras interdisciplinares tradicionais sejam questionadas ainda mais.
Globalização e a produção da localidade Por algum tempo, durante a década de
1990, difici lmente uma conferência im
portante n a área das ciências sociais deixava de incluir a palavra “globalização” em seu título. Antes do fim dos anos 1980 o termo praticamente não era usado (Robertson 1992: 8);de repente, ele passou a fazer parte do vocabulário do dia-a-día. Mu
itos
antropólogos trabalhavam no sentido de definir o campo e desenvolver novos pro gramas de pesquisa, novas revistas com eçaram a ser editadas (como Public Culture, sediada em Chicago) e livros era grande quantidade foram publicados, freqüentemente com palavras como “Global”, “Cultura”, “Modernidade” e “Identidade” em seus títulos. O volum e editado mais influente foi Global Culture {1990), de Mike Featherstone, seguido po r Modernity and Identity (1991) de Scott Lash e Jonathan Friedman, Modernity and Self-Identity ( 1991 ) do sociólogo Anthony Giddens,
Cultural
Complexity ( 1992) de U lf Hamierz , Global Identity and Cultural Process ( 1994) de Friedman e Modernity at Large ( 1996) de Arjun Appadurai, para mencionar alguns dos mais lidos. O termo globalização pode ser provisoriamente definido como qualquer proces so que toma irrelevante a distância geográfica entre locais. A difusão por todo o mundo, digamos, dos conceitos de direitos humanos, padrões de consumo, tecnolo gias da informação, mú sica pop e ideologias nacionalistas pode ser descrita como um processo de globalização, como tam bém o podem os fluxos de capital internacional, a pandemia da AIDS, o tráfico de drogas e de anuas, o crescimento de redes acadê micas transnacionais em antropologia, ou os movimentos migratórios através dos quais, por exemplo, comunid ades caribenh as se estabelecem na Inglaterra. Tais pro cessos dependem claramente do desenvolvimento de infra-estruturas de escala glo bal (redes de transporte de longa distância, tecnologias de comunicação modernas, etc.), embora os antropólogos sejam rápidos em dizer que os efeitos socioculturais de, digamos, passagens aéreas baratas, televisão por satélite ou a Internet sejam im previsíveis e altamente diversos.
9. Reconstruções
203
A novidade da globalização tem sido debatida dentro e fora da antropologia. Alguns afirmam que as redes econômicas, políticas e religiosas de grande alcance em escala regional ou mesmo continent al existem há séculos, enquanto outros sus tentam que fenôm enos como a emergência de sociedades urbanas poliétnic as no Oci dente, a propagaçã o de sistemas educacion ais modernos no Terceiro Mundo, a disse minaç ão global de estilos de vida e de ideais político s ocidentais ou a crescente politização de identidades étnicas essencializadas merecera ser considerados como ver dadeiramente novos, ditando novas agendas para a teoria e o método na antropolo gia. Para estes autores. Refercm-se a si mesmos..., não há dúvid a de que a velocidade
e o volume dos modernos fluxos de informação, de pessoas e de bens não têm
prec e
dentes na história humana; não obstante, redes de longa distância ligadas ao comér cio, parentesco, interc âmbio ritual e confli to políti co provavelmente existir am num a escala muit o m enor - desde que a própria sociedade exi ste. Embora possa parecer trivial, nós também sentimos a necessidade de enfatizar a distinção entre globalização em si - um complexo de process os sociocul turais efeti vamente em curso, com raízes históricas estendendo-se até o colonialismo e além, e
estudos de globalização - um conjunto de aborda gens antropológi cas desses proces sos que alcançaram proeminência durante os anos 1990. Quanto à “globalização em si”, o fato de ma ior destaque do período pós-g uerra foi sem dúvida a queda da Corti na de Ferro. Para a antropologia esse acontecimento teve repercussões extensas e profundas. Primeiro, como mencionado acima, antropólogos ocidentais e orientais começaram imediatamente a trocar idéias em congressos e conferências, esforçando-se para com preende r a concepçã o que uns e outros tinham da disciplina. Segundo, e ainda mais fundamentalmente, toda um a região etnográfica nova se “abriu” para a investigaçã o antropológica. Seu passado recente comum havia estabelecido
um a cer
ta medida de coletividade em toda essa região (materializada, por exemplo, em con venções burocráticas, educacionais e científicas, na ideologia e na memória social), sobrepondo-se a um mosaico de tradições locais das mais variadas srcens, que se impu nham com força renova da sobre o colapso súbito da autoridade central. Para os antropólogos ocident ais que quase em seguida empreenderam tra balho de campo na “região pós-socialista”, essas condições pareciam suficientemente especiais para es timular o desenvolvimento de um conjunto de abordagens teóricas e metodológicas inovadoras. Assim, em 1991, a antropóloga americana K atherine Verdery publicou o influente artigo “Theorizing Socialism: A Prologue to the ‘Transition’”. Baseando-se nas pesquisas de um grupo de antropólogos ocidentais que haviam realizado trabalho de campo na região antes de 1989 (ver Halpe m e Kideckel 1983 par a uma síntese), na ob ra de estudiosos eu ropeus orientais (como o econ omista húngaro János
204
H
Kom ai) e (surpreendentemente) nas
i st
ó r ia d a
A nt
r op ol
ogi
a
teorias de Karl Polanyi (capítulo 5) , Verdery de
senvolve aqui um modelo holístico da sociedade
“socialista” p ré -1989, modelo que
descreve essa sociedade como um tipo social histórico distinto, com certas seme lhanças com o feudalismo. Pesquisas posteriores em parte seguiram o modelo de Verdery (ver Humphrey 1996/1997) e em parte desenvolveram-se seguindo rumos diferentes (ver Ries 1997), Não obstante, a perspectiva da antropóloga americana continua dom inante nos estudos da região. Esse exemplo serve para ilustra r vários pontos e ao mesmo temp o para introdu zir-nos ao estudo antropológico
da globalização. Por um lado, vemos um p
globalização socioeconôm ico que leva à derrocada de um
rocesso de
sistema político regional .
Por outro, vemos antropólogos (eles próprios agentes da globalização) penetrando num “c amp o” novo e intato, definindo-o como uma
“região e tnográfica” , formando
alianças com estudiosos locais e tentando estabelecer uma respeitável “tradição re gional de escrit a etnográfica” (ve r p. 175 acima). Assim, um processo de globalização removeu as barreiras em to mo da região, mas os antropólogos ocupam-se
em locali
zar a si mesmos dentro dela, afirmando a singularidade da região e desenvolvendo uma teoria talhada especificamente para ela. Paradoxalmente, porém, a própria teo ria assim desenvolvida se ocupa pouco com a globalização, Com efeito, sua ênfase sobre tipologias e mecan ismos de integra ção social reporta- se aos anos 1970 e an tes. Naturalm ente, essa propensão tipo lógica reforça ainda mais o argumento de que a re gião é realmente singular, e assim objeto legíti mo de estudo para um novo subgrupo de antropólogos. Como vemos, a globalização tem efeitos locais imprevisíveis e que podem ser autônomos na medida em que se opõem diretamente à globalização. Esse entendi mento foi um ponto de partida importante para os estudos de globalização que apare
ceram na antropologia durante os anos 1990. O interesse antropológico pela globalização não surgiu num vácuo. Os estudos de etnicidade e nacionalismo realizados na década de 1980 (capítulo 8) anteciparam claramente a escola da globalização, na medida em que
o nacionalismo foi po r defi
nição um fenômeno associado à modernidade e ao Est ado, e em que os movimentos étnicos também estiveram em
grande parte associados à mu dança e à modernização.
Do mesmo modo, existem continuidades claras com o interesse dos anos 1970 em Econom ia Política (capítulo 7) . Com efeito, dois grandes hom ens dessa escola, Erí c W olf (aluno de Stewárd) e Peter Worsley (aluno de Gluck man), haviam pub licado li vros importantes no início da década de 1980 (Wolf 1982; Worsley 1984) abordando aspectos cultura is do capitalism o global e - especialm ente no caso de Worsley a glob aliz aç ão da modernidade. Re cuando ainda mais, exist em continuidades com a
20 5
9. R econstruções
teoria marxista-leninista do imperial ismo, com a tradição dos estudos do camp esina to capitaneada pela Escola de Chicago e Steward,
e com os estudos de modernização
da Escola de Man chester. Essas continuidades se refletem com muita clareza na influente obra do antropó logo sueco U lf Hannerz: enquanto sua primeira mo nografia (1969) foi um estudo da vida no gueto americano, em grande parte na tradição de Chicago, e sua primeira obra teórica importante (1980) foi uma avaliação da an tropologia urbana, sua contri buição m ais importante nos anos 1990 foi uma análise do campo, dos métodos e dos potenciais dos estudos de globalização (Hannerz 1992). Neste último volume o con ceito de cultura foi redefinido para
significar fluxo, processo e integração parcial, em
vez de sistemas de significado estáveis e demarcados. Esse conceito de cultura era compatível com as sensibilidades pós-modemistas ainda dominantes, como o era a definição de globalização de Hannerz -
aspectos de modernidade globais, e nã o uma
“aldeia global” monolítica. Esses ajustes tomaram os estudos de globalização mais palatáveis do que a antropologia tradicional, mas foram também talhados para com preend er um mundo em que todos culturais limitados e estáveis eram nitidamente não predominantes. Hannerz cunhou o termo “crioulização cultural” para descrever a m escla de duas ou vár ias tradiçõ es a nteriormente discr etas; outro te nno freqüent emente empregado para denotar o mesmo fenômeno era “hibridismo cultural” (Modood e Werbner 1997). .Finalmente, como quase todo antropólogo que escreve nesse campo, Hannerz enfatiza que os processos globais gerai s têm c onseqüências locais específicas. A glo balização não necessariamente implica o desaparecimento de diferenças culturais lo cais; em vez disso, trava-se uma batalha com resultados imprevisíveis e, com fre quência, altamente criativos. Com efeito, o neologismo
glocalização foi proposto
para ressaltar o componente local nos processos de globalização. No entanto, o pa drão de variação cultural num a era de fluxo intensificado e contato além-fronteiras se tom a radicalmente diferente do “ arquipélago de culturas” antevist o na antropologia cultural clássica (cf. Eriks en 1993 b). Para antropólogos como H annerz, os est udos de globalização eram portanto sim plesmente um a extensão das pesquisas existentes pa ra um novo contexto empírico de telecomunicações globais e de imigração em expansão. Para outros, a globalização parecia levantar inúmeras questões novas, a que eles respondiam com formulações teóricas inovadoras. Um exemplo deste segundo grupo é a “teoria de rede de atores” proposta por Bruno L atour (ver p. 196). O riginalmente desenvolvida num
estudo de prática cientí
fica, a ênfase dessa teoria sobre “híbridos” e sobre os processos de “tradução” que
206
H ist ór ia d a Ant r op ol ogi a
ocorrem quando pessoas, objetos ou idéias fluem de contexto a contexto parecia idealmente apropria da para um mundo global izado. Quando desdobrad a m etodolo gicamen te de acordo com as linhas sugeridas pela teoria de rede clássica (capítulo 5) e inspirada teoricamente pelas fecunda s discussões sobre a teoria da troca realizadas durante os anos 1990, a teoria de rede de atores se toma uma ferram enta fonnidáv el para análise de processos globais. Arju n App adurai é outro antropólogo que contribuiu substancialmente para uma teoria da globalização. Em seu volume editado em 1986 sobre antropologia econô mica ele desenvolve idéias de transformaçã o de valor em redes globais que lembram as redes de L atour e, como no caso de Latour, inspiradas em última análise por preo cupações fenomenológicas. Então, em 1995, Appadurai publicou o artigo “The pro duction o f locality” , onde propõe que as sociedades humanas sempre viveram tensões entre processos locais e globais, na med ida em que toda sociedade precisa necessariam ente interagir com seu contexto. “A produção de locais”, cuja lealdade assegurará que a comunidade local não seja tragada por seu contexto, toma-se assim uma preocupação fundamental de todas as sociedades, do mesmo modo que a tensão entre interesses locais e globais se tom a uma preocupa ção fundamental de todos os indivíduos. Ba seado nisso, Appadurai propõe uma revisão radical dos estudos antropológicos do ritual em que o ritual funcionaria, acima de tudo, como um instrumento para “produzir localidade”. Ve mos aqui mais um exemplo de uma construção teórica que relaciona um subcampo potencialmente marginal na antropologia a questões clássicas de investigação antro pológica, como troca ou ritual. Embora as pesquisas sobre globalização fossem em grande parte uma especiali dade anglófona (como que para confirmar indiretamente alegações de que a “globali zação cultural” era equivalente a americanização), algumas das contribuições mais importantes para o campo foram dadas pelo antropólogo francês Marc Augé, que ha via estudado ritual e política na África Ocidental, em grande parte num modo estru tural marxista, durante a década de 196 0. Em pequenos estudos etnográfico s do me trô de Paris e d os Jardins de Luxemburgo (Augé 1986, 1985), e de modo mais influ ente em seus livros teóricos posteriores, inclusive Non-lieux (1991; Non-Places, 1995), Augé analisou o destino das noções antropo lógicas clássicas de lugar, cultura, sociedade e comunidade na era pós-modema de fluxo e mudança. Afirmando que a estabilidade do “lugar” não podi a mais ser tomad a como fato consumado nesse mun do inconstante, Augé tem muitas preocupações semelhantes às de Appadurai (ver Appadurai 1996). Numa obra que lembra a do seu conterrâneo pós-moderno Jean Baudrillard, Augé analisa sonhos e a imaginação sob diferentes regimes informado-
9. Rec ons t r uções
..207
nais, baseando-se em suas pesquisas anteriores na África Ocidental e também em elaborações globais recentes. O parentesco entre os estudos de globalização e o desconstrucionismo pós-modernista ficou evidente na obra de vário s antropólogos, talvez de forma mais marcan te em Partial Connections (1991), de Strathem. Ele sustentava que nem sociedades nem sistemas simbólicos são todos coerentes, e citou pesquisas sobre globalização (especialmente Hannerz) favoravelmente em apoio a seus argumentos. A multiplici dade de vozes, a remoção de distinções claras entre “culturas” ou “socied ades” , a ati tude eclética com relação ao método de pesquisa e a insistência de que o mundo era habitado por híbridos (objetos, pessoas ou conceitos, conforme o caso), foram algu mas das noç ões em comum. Alguns dos principais antropólogos pós-mod emo s, mais notoriamente George Marcus, defenderam estudos comparativos de modernidade como arcabouço apropriado para uma antropologia atualizada e reflexiva. Para al guns, os estudos da interface global-local, os paradoxos da reflexividade cultural ge neralizada e a difusão global dos ícones e instituições de modernidade forneceram uma base empírica sólida para as elevadas e muitas vezes puramente teóricas postu lações dos pós-modemistas. Apesar das muitas continuidades com tradições de pesquisa já existentes, a emergência dos estudos de globalização (ou estudos comparativos de modernidade) podem significar o último suspiro das noções antropológicas clássicas de “cultura” e “sociedade” que vêm mostrando tenacidade extraordinária diante das críticas quase contínuas desde a década de 1960. A razão disso não é tanto o valor int rínseco das teo rias de globalização em si, mas o fato de que essas teorias dirigem nossa atenção para uma realidade empírica, onde mesmo a categoria ideal de sociedade ou cultura está vel, isolada, “autêntica” parece cada vez mais anacrônica. Os modelos a tor-rede exa minado s rapidament e acima talvez sejam a pré-es tréia do tipo de concepções que por fim substituirão o s conceitos clássicos. E les retratam um mundo de “conexões par ciais”, de “objetos discursivos” em constante mudança e hibridaçâo empregados e ordenados por portadores humanos com idéias reflexivas de sua própria identidade, em que idéias de “cultur a”, derivadas da antropologia, podem figurar com destaque. Povos nativos como os samis do norte da Escandinávia e muitos grupos nativos nor te-americanos debatem ativamente os méritos relativos dos estudos etnográficos de suas culturas; pessoas em Trinidad podem ter fam iliaridade com a teoria do plural is mo cultural de M.G. Smith (1965); aborígenes australianos baseiam-se ativamente na etnografia clássica ao apresentar sua “cultura” às autoridades; ilhéus do Pacífico reservam- se direitos autorais sobre seus rituai s para impedir que antropólogos os di vulguem através de vídeo. Ness a era de reflexivida de cultural generalizada, os antro-
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HISTÓR IA DA ANTROPOLOGI
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pólogos podem acabar na situação tipicamente “híbrida” de estudar não a cultura de outro povo, mas representações quase antropológicas da cultura desse pov o. Nem todos na disciplina participaram do entusiasmo súbito pelos estudos de glo balização. Para alguns, foi algo como as novas roupas do imperador: a globalização foi apenas um nome de fantasia para o neo-imperialismo, depurado de sua dimensão po lí tica. Conqu anto seja verdade, porém, que a preocupação com as relações de poder te nha se mostrado variável nas pesquisas sobre globalização, eia não esteve aus ente. O poder é um a questão fundamental na obra de Appadurai e também no influente corpo de trabalhos de pesquisa sobre modernidades comparativas produzido ou estimulado por John e Jean Com aroff na Universidade de Chicago (ver, por exemplo, Com aroff e Comaroff 1993). Inspirados por obras sobre poder e “resistência” (capítulo 7) d e auto res como James C. Scott (1985), Anthony Giddens (1979), Eric Wolf (1969) e finalmente M arx, os Comaroffs sustentaram, inter alia, que rituais tradicionais, como a fei tiçaria, podem - sob o impact o do stress extremo inerente ao s processos gl obais - so frer uma mutação para fonnas virulentas que estimulam a violência de massa. Outras objeções dirigidas contra os estudos de globalização foram que a antrop
o
logia deve continuar enfatizando o local e único, e que os “profetas” da globalização exageraram o alcance da modernidade. Entretanto, como mostramos acima, reco nhec er a existência de inter-relações globais não impede manter-se a atenção voltada para o local - na verdade, as culturas locais fragmentadas do mundo globalizado pa recem atrair uma abordagem particularista, boasiana até. De fato, os antropólogos mais renomados associados à tradição do relativismo cultural nas últimas déc adas do século vinte, especificamente Geertz e Sahlins , escreveram ambos ensaios que situa ram criteriosamente a investida ou , pelo menos, o impacto da modernidade sobre so ciedades anteriormente tribais e tradicionais, no contexto maior de seus respectivos projetos. Sahlins escreveu sobre as ironias da política da identidade na Melanésia: “como o nova-guine ano disse ao antropólogo: se não ti véssemos kastom (costume), seríamos iguais aos brancos” (1994 : 378). Ele também descreveu a comercialização e a politizaçâo de identidade no Pacífico, desdenhando a cultura comercial “hav aia na” apresentada aos turistas por havaianos que recriam a si mesm os “à imagem que outros fizeram deles” (p . 379). Entretanto, dando continuidade à sua obra prec eden te, ele então enfatizou que “o que precisa ser estudado etnograficam ente é a indigenização da modernidade - ao longo do tempo e em todos os seus altos e baixos dialéti cos” (p. 390). Geertz, num teor bastante semelhante, escreveu que diferenças “sem dúvida perm anecerão - os franc eses jam ais co merão manteiga com sal. Mas os bons velhos tempos de queima de viúvas e de canibalismo se foram para sempre” (1994: 454). Ele no entanto não via contradição entre o surgimento de um mundo inteiriço
9. Reconstruções
209
de conexões (contraposto a um mundo descontínuo de culturas autônomas) e seu programa geral de pesquisas, que ele resumiu, num lugar, como “captando a guinada da mente estrangeira” (p. 462). Ambos esses ensaios passaram uma sensação de desconforto, revelado indireta mente através do extenso uso da ironia. Tanto Geertz como Sahlins admitiam que uma era havia passado, falando da era contemporânea como “pós-m
odem a”, usand o
o termo descritivamente para denotar fr agmentação, mo dernidade reflexiva e fron teiras confusas.
POSFÁCIO
Uma das monografias de graduação mais populares na antropologia nas últimas décadas do século vinte foi o pequeno volume de Napoleon Chagnon sobre os ianomâmis, habitantes das densas florestas tropicais nas fronteiras do Brasil com a Vene zuela. The Fierce People (1968; 5a edição, 1997) descreveu uma cultura dominada pela violência, guerreira, "neolítica”, cuja organização social (aldeias baseadas no parentesco propensas à divisão) e beligerância foram explicadas tendo como ponto de referência teorias darwínianas de seleção natural; a divisão das aldeias quando cresciam demais e não conseguiam mais se mante r coesas por proximidade genética, e a guerra, cau sada por competição entre os homens por mulheres, selecionadas dire tamente para os mais aptos. No outono de 2000 outro especialista em povos da Amazônia, Terence Turner, leu as provas de um livro prestes as air sobre os ianomâmis, escri to pelo jom alista investigativo Patrick Tiemey (2000). No livro ele apresentava algumas críticas muito sérias dos pesquisadores que trabalhavam entre os ianomâmis, tendo como alvo es pecialmente Chagnon e a equipe com a qual ele havia colaborado no fim dos anos 1960. Alguns pontos por ele levantados con tinuam sendo debatidos neste momento, mas a controvérsia acalorada gerada na antropologia americana revela a contínua existência de Boas. algumas linhas divisórias importantes que definem a disciplina pelo menos desde Turner, cuja obra sobre os caiapós era influenciada por sensibilidades pós-modema s e procurava situá-los historicamente, além de analisar - em seus artigos mais lidos - sua políti ca de identidade moderna emergente, reagiu imediatam ente aos ar gumentos de Tiemey. Ele escreveu à presidente da AAA, prevenindo-a de que um grande escândalo que afetava toda a disciplina estava em andamento. Casualmente, seu e-rnailpara a AAA vazou, e em questão de dias milhares de antropólogos conhe ciam seu conteúdo. Emb ora algumas alegações de Tiemey, especialmente a de qu e o geneticista James Neel, Chagnon e outros membros da equipe deles propagaram
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mais ou menos deliberadamente o sarampo entre os ianomâmis, acabassem sendo um equívoco, ele tinha outras acusações a
fazer . Entre outras coisas, ele afirmava que
Chagno n havia cbantageado os ianomâmis para
que lhe dessem informações sigilo
sas sobre parentesco e que havia incentivado ardoro
same nte alguns atos de violência
que ele então filmou como parte de sua documentação sobre a “ferocidade” desses índi os. Du rante algum tempo
a pesquisa de Chagnon
sobre o s ianomâmis fora ques
tão polêm ica entre especial istas que haviam apontado fraquezas m etodológicas (Ferguson 1995) ou ressaltado outros aspectos da sociedade ianom âmi (Lizot 1984) , mas os indícios de que ele havia praticamente forjado alguns de seus dados, além de ter agido de modo profundam
ente ant iético, desemb ocaram num escândal o de enon nes
propo rções, co mpa ráve l à hostilidade enfren tada por ou tro an trop ólog o de orienta ção biológica quase duas décadas antes, Derek Freeman. Em novembro de 2000, quando a AAA organizou um painel especial sobre o livro de Tiemey durante sua conferência anual , Chagnon recusou-se a p
articipar porque suspeit ava que o e ncon
tro atingiria proporções de linchamento público. Nisso , é possível que ele estivesse certo. A AAA era dom inad a por relativ istas culturais, os quais, em sua maioria, provavelmente desconfiavam não só da ética de campo de Chagnon,
mas também do seu univer salismo darw iniano, e a poiari am com
sati sfação qualquer propo
sta de punição (para não dizer castra ção profis sional ) por
uma ou ou tra dess as razões, ou por ambas. Seja como for -
e a poeira ainda não ba i
xou no m omento em que fazemos este relat o - o caso , e especialmente os perf
is dos
seus principais protagonistas, realçou duas tensões que parecem perenes na antropo logia do século vinte. Primeira, havia a questão natureza
versus
educação. Para
Chagnon, o co mportamen to cultur al estava estrei tamente ligado à pr ogramaç ão ge nética; para T um er, ele era em grande parte autônomo e irredutível à
biologia. O con
flito entre os dois parecia uma reedição do antigo confronto entre relativismo e uni versalismo, com Tumer no papel do cavaleiro boasiano, subjugando o dragão da maldad e do darwm ismo, cuja conv ersa mac ia sobre genes e seleção nat ural escondia um coração enegrecido pela eugenia, pelo racis mo e pela puri ficação étni ca. Segun da, havia a questão da auten
ticidade cultural e de sua relação com
- que substi tui o “dragão de fogo” pelo cientis
a ética profi ssional
ta obcecado que quer obter seus dados
a qualquer pr eço. A po pularidade do livr o de C hagnon deveu-se em grande medida à descrição que ele faz de uma cultura “prístina” incontaminada pela modernidade. Duran te os anos 1990 os ianom âmis nego ciaram direitos sobre a tema com auto rida des brasil eiras e venezuelanas,
foram m arginali zados pe la afluência de m inerador es
de ouro e apresentaram sua causa no horário nobre da televisão em todo o mundo. Entretanto, Chagnon não consid erou tarefa sua ajudá-los a
fazer a transição para um
POSFÁCIO
213
modo de vida semimodemo. P ei: : cn iri no , sua idéia de “mun do tribal” era a de um laboratório para pesquisas eierrvcas. pelo menos em parte. Assim, no debate, formou-se grande alvoroço em tomo do fato de Chagnon, ao coletar genealogias, impri mir números com tinta indeles e: nc braço das pessoas, uma prática que lembrava o tratamento dado aos prisioneiros nos campos de concentração de Hitler. A obra de Tumer sobre os caiapós, ao contra-o. descrevia a cultura caiapó como uma mescla dinâmica, híbrida . Na concepção de Tumer, para sobreviver como grupo, eles preci savam adaptar-se às circunstâncias modernas e - parad oxalm ente—essa neces sidade de modernização era precondição p ara sua sobrevivência cultural. Entre outras coi sas, ele os incentivou a aprender português e os ensinou a usar câmeras de vídeo para que levassem sua causa à atenção do mundo. Esse debate acalorado, que aconteceu quase exclusivamcnte no ciberespaço nos me ses finais de 2000, revelou uma comunidade antropológica que estava profundamente dividida sobre questões de teoria, métodose ética profissional. Com o “caso Chagnon”, a antropologia do século vinte havia chegado a um fim sem chegar a uma conclusão. Métodos, conceituações e programas de pesquisa mudam. As frontei ras entre an tropologia e outras disciplinas são extremamente imprecisas em certas áreas; as duas grandes famílias de concepções analisadas neste último capítulo, por exemplo, são claramente interdisciplinares: os estudos de globalização relacionam-se com teoria política, geografia humana, macrossociologia e história; as abordagens evolucioná rias associam-se à psicologia, à biologia e à neurologia. Além disso, o ecletismo na teoria e no método tem sido característica das duas últimas décadas do século vinte. No entanto, ainda é possível dizer que algumas tensões clássicas da antropologia, di ferenças que fizeram diferença (frase de Bateson) e que definiram o espaço dentro do qual a antropologia aconteceu, permanecem intactas. Em primeiro lugar, ainda faz sentido distinguir entre antropologia como ciência generalizadora (modelos: Harris, Gellner) e antropologia como uma das humanida des que busca mais a riqueza inteipretativa do que a precisão (modelos: Clifford, Strathem). Segundo, também faz sentido (apesar de haver muitos estudos influentes de uma área para outra) disting uir entre antropólo gos de sociedade concentrando-se sobre agência, estrutura social, política (modelos: Barth, Wolf) e antropólogos de cultura concentrando-se em símbolos, estruturas mentais, significado (modelos: Lévi-Strauss, Geert z). Evitamos intencionalmente a qui os tennos antropologia “so cial” e “cultural”, que em geral se referem à divisão americano-européia e que ape nas parcialmen te coincide com essa distinção. Terceiro, como em parte sugere o caso Chagnon, ainda é perfeitamente razoável distinguir entre abordagens que vêem a so ciedade e a cultura principalm ente como fenôm enos histórico s (como estudos de glo-
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balizaçâo) e abordagens que procuram principalmente estruturas e padrões atem po rais, imutáveis (como o neodarwinismo). Muitos an tropólogos, se não a maiori a, estão na encruzilhad a de um a, duas ou de todas essas três polaridades, mas quase todos sentem a força magnétic a dos pólos e às vezes são forçados a assum ir uma posição. O pr óprio Boas osc ilou entre ambições ci entíficas e humanísticas em nom e da disciplina, e o seu relativismo cultural é muitas vezes de stacado a pon to de obsc urecer suas fortes crenças nas pretensões científicas da antropologia. Outras dualidades que definem as fronteiras da matéria também poderiam ser propostas: primitivismo (antropologia modernista) modernidades; neodarwinismo
versus
estudos comparativos de
e outras abordagens materialis
logia e antropologia reflexiva; buscas do único
versus
tas
versus
fenomeno-
buscas do universal. Numa
controvérsia famosa em meados dos anos 1990, Sahlins e o antropólogo Gananath Obeyesekere, natural do Sri Lanka, debateram a universalidade e a relatividade na agência. Em sua obra sobre a história havaiana S Capitão Cook fora assassinado, naque
ahlins (1981, 1985) sustentou que o
le dia fatídico de 1779, porque os havaiano s o
havia m integrado a um mito e ele fracassara em seg
uir o roteiro desse mito. Contes
tando esse ‘‘exotismo”, Obeyesekere escreveu um livro inteiro onde afirmava que Sahlins hav ia exagerado a “alteridade” dos
havaianos, q ue provavelme nte eram esti
mulados pelas mesmas m otivações univer sais, pragmática s e em ulti ma anális e psi cológicas como todo mundo (Ob eyeseke re 1992). Sahlins respondeu c om outro li vro em que defendia sua visão em grande detalhe (Sahlins
1995). Um debate muito me
nos personalizado e agressivo do que algumas outras controvérsias recentes em an tropologia (como a de Gellner
versus
Said, Freeman
versus
Mead, Turner
versus
Chagnon), o intercâmb io cheio de nuanças e sem sensacionalismo entre tão respeita dos professores revelou que, mesmo no centro da antropologia cultural americana, existem profundas divergências a respeito da essência da humanidade, dignas de ar gumentos que exigiriam todo um livro. Na medida em que as tensões esboçadas acima não foram resolvidas, o espaço intelectual que definia a antropologia permanece intacto, apesar do “fim do Moder nismo”. A idéia do primitivo pode ter passado, e a noção de um mundo de culturas discr etas pode ter s e tomado obsole ta; mas as grandes quest ões - “O que é socieda de?”, “O que é cultura?” , “O que é um ser human o?” e “O que significa ser um ser hu mano?” - continuam sem res postas . Ou ante s: elas continuam sendo respondi
das de
modos conflitantes. A disciplina só poderá prosperar se esses conflitos se tomarem suficientemente exp lícitos, pois como este livro espera ter ao longo de toda sua história, sempre dependeu vas perspectivas e novos conhecimentos.
mostrado, a antropologia,
da controvérsia para desenv olver no
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INDICE REMISSI VO*
Abolição da escravatura. 28 Abu-Lughod, Lila, 170, 176 aculturação, 109 Adorno, Theodor, 138 África do Sul, 13, 106 foco regional sobre, 59, 89s. 133s sociedades africanas, tipos de, 89s urbanização no sul, 106s agência, conceito de, 156s agricultura primitiva, 30s ajuda ao desenvolvimento para o Terceiro Mundo, 183s Alemanha, lingüística comparativa. 37, 39s, 50s difusionismo, 39-42 hermenêutica na, 46 influência de Bastian na, 190s nacionalismo, 23 tradição racionalista, 16s Romantismo na, 22-25 sociologia na, 28-30 Alexandre o Grande, 12 alienação, teoria marxista da, 136 Althusser, Louis, 139s, 156, 171
’ 'w.;ir3çílaó? porAuriol Griffith-Joaes.
América Latina antropologia na, 132 como região etnográfica, 97, 101, 133 América do Sul estudos antropológicos na, 77, 133 trabalho de Lévi-Strauss na, 77,128 Américas, descobrimento e conquista das, 13-15 Amin, Samir, 145 análise componencial, 123 Anderson, Benedict, Imagined Communities, 186 antropologia anos 1930, 69-72 anos 1980, 163-168 americana, 28s, 37s, 67, 179-181 antropólogos na, 73-75, 84s britânica, 28s, 51, 66 cognitiva, 124 cultural como central, 52s, 93, 115s debates centrais da, 95-98, 104s, 119s, 130-133, 158-162,211-214 definição de Mauss da, 62s diversidade na, 132-134,163-165, 213s
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a
domínio de Boas na, 51-55,73s, 83-85 Associação Européia de Antropólogos Sociais (Easa), 68. 96, 189 e ciências naturais, 183, 185, 195-202 ativismo político anos 1960-1970, 135s ecletismo teórico, 167,213s econômica, 90s, 103,112,136s, 183,195 ator, metáfora do (Teoria do papel), “em casa”, 65, 193 115-117 especialização na, 53 Teoria de Rede do Ator. 196, 205,207 evolucionária, 201 física, 49 francesa, 75, 77, 165s forasteiros na, 91s impacto do estruturalismo de Lévi-Strauss sobre a, 130-132 institucional, 123 internacionalização da, 134 marginalismo da, 51, 70-72 médica, 112, 184, 186 microssociológica, 62, 81, 115, 120 na Espanha, 133 na Holanda, 68, 133 neo-evolucionismo na, 83, 96s, 193 política, 112-114, 186 psicológica, 78, 80s, 184 social, 98, 119 subcampos da, 185-187 tradições nacionais da, 37s, 50s, 66-68 urbana, 84, 146, 165, 205 Appadurai, Arjun, estudos de globalização, 206 Aquino, Tomás de, 16 Archetti, Eduardo, 148 Ardener, Edwin, 149-151,164,172, 178s sobre modernismo e pós-modemismo, 171-174 Ardener, Shirley, 150 '■nina, antropologia acadêmica na, 133 Antropológica Americana 8 , 96,175, 189 j
Atran, Scott, 198 Augé, Marc, 141, 206 Non-Places, 206 Austrália (Sidnei), 62 Áustria, 41 autoridade em Weber. 46-48 Bachofen, Johann Jakob, 34 Bailey, Frederick, 109, 112, 164 Balandier, Georges, 98, 133, 138 Bali, trabalho fotográfico de Mead e Bateson em, 75, 79, 93 Balibar, Étienne, 139 Barnard, Alan, 180 Barnes, John, 108, 112 análise de rede, 112 Barth, Fredrik, 48, 109, 114s, 132, 156, 171,180 Cosmologies in the Making, 165 Ethnic Groups and Boundaries (ed.), 115,154
Models o f Social Organization, 114 Political Leadership among Swat Patlians, 112
Barthes, Roland, 130, 171 Bastian, 33s, 48, 54 Bataille, Georges, 76 Bateson, Gregory, 74s, 92s, 116 teoria da comunicação, 93, 116 e funcionalismo, 93s
ÍND ICE REMI SSI VO
Mind and Nature, 164 Naven, 92s
243
lógica da prática, 89 Outline o f a Theory o f Practice, 157,
nos EUA, 74 uso da cibernética, 93, 116 Bateson, William, 92
165 Bowen, Elenor Smith, ver Bohannan, Laura Boyer, Pascal, 199
Baudrillard, Jean, 63, 206i. 91 Bechuanaland (Botswana Benedict, Ruth, 55, 67, 70s. 79. 92. 152 The Chrysanthemum and the Sword, 78s cultura e personalidade. 77-81.92s. 152 Bergson, Henri, 50 Berkeley, Universidade da California em, 55s, 74, 133, 152 Berlim, 25, 33 Berliner Museum für Völkerkunde, 26,33 Berlin, Brent, 198 Bhabha, Homi K., 174 biologia e antropologia, 156, 158, 200-202 evolucionária, 159-161 uso da cibernética em, 116 Birdwhistell, Raymond, 86, 158 Bloch, Marc, From Blessing to
Brasil, antropologia acadêmica no, 134, 147,189 trabalho de Scheper-Hughes no, 185 Briggs, Jean, trabalho sobre os inuites, 151 Bromley, Yuliy, 190 Buda, Gautama, 11 Burma, trabalho de Leach sobre, 112-114
Violence, 167
Bloch, Maurice, 141 Boas, Franz, 30, 41,51,55 carneira, 51-53 influência de Bastian sobre, 33, 53-55 Bogoraz, Vladim ir Germanovich, 41 Bohannan, Laura. Return to Laughter, 148 Bourdieu, Pierre, 63, 131, 156s habitus, 80, 157, 166, 194
caçadores-coletores, 30, 152, 193 Caillois, Roger, 76 Calloway, Helen. Anthropology and Autobiography (com Okely), 181 Calvinismo, 46 capitalismo, inícios do, 12s global, 204 caráter nacional, trabalho de Benedict sobre, 78-80 Caribe, como região etnográfica, 97, 101, 147 cerâmica, 31 Chayanov, Alexander, 84, 139, 148 Chicago Escola de, 83-86 simpósio “Man the H unter” (1966), 102,132, 142 Radcliffe-Brown na, 62, 73s Universidade de, 82 China, 13, 185, 189 Chomsky, Noam, 200
244
cibernética, 93, 102, 116,154
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145-147
interesse de Rappaport pela, 143
efeitos políticos do. 144 movimento pós-colortial, 172-175
gregas, 10-12
português, 143s
européias medievais, 12s
relações da administração com
ciência
ogi
antropólogos, 71s. 145s
cognitiva, 123, 197s
Colson, Elizabeth, 108
de modelos formais, 112-115
Coma roff, John e Jean. 208
e antropologia, 183, 185,195-202
Comunicação
e o Tluminismo, 19-22
intercultural, 86
inovações no século XIX, 49s
não-verbal, 158
internacionalização da, 28
compu tadores, análise de dados, 124
livre da autoridade da Igreja, 14, 19
Comte, Auguste, 34, 38.42
do parentesco, 86-90, 111 raça na, 5, 159, 200
conflito, e mudança construtiva, 47s obra de Gluckman sobre, 109s
cinema vérité, 76 civilização e cultura, 22s classificação comparativa, 124 das sociedades (Mauss), 43 e simbolismo, 121 s e sistemas de parentesco, 3 0s Clifford, James, 170, 176, 178s
The Predicament o f Culture, 177 Writing Culture (com Marcus), 177 Cohen, Abner. Customs and Politics in
Urban Africa, 153 Two-Dimensional Man, 153 Urban Ethnicity (ed.), 153 Cohen, Anthony P. The Symbolic
Construction o f Community, 155 coletivismo, 24 e teorias da mudança, 117 metodológico, 24 Colombo, Cristóvão, 13 colonialismo, 29, 49, 108 declínio do, 69s destribalização, 110, 153
a
e a escola Manchester-Salisbury, 108,
e estruturalismo, 128 cidades-Estado
ant
conexões tran snaciona is, 193 Confúcio, 11 Conhecimento aquisição de, 16s, 24, 197 como processo coletivo, 24 doxa e opinião, 157 e crença, 88 e discurso, 170 Conklin, Harold, 123 Conrad, Joseph, 56 construção da nação e formação do Estado, 30 contexto, 193s de pesquisa, 7ls importância do, 66s contrato e status, 34 cores, classificação, 124, 198 Cosmides, Leda, 201 Costa do Ouro (Gana), trabalho de Fortes na, 87-89 povo tallensi, 87s
Ín
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245
v o
Costa do Marfim, 138 cristianismo e o fim do Impem: Romano, 12 cultos da carga, Melanesia, 1 T cultura camponesa, 25 como adaptação biológica. 159 e personalidade, 123s definições deKroeberda. 124. 133 definição de Tylor da. 35?. 48. 53 difusão européia da, 28 e biologia. 195-202 e civilização, 23, 36 e etnicidade, 153s e língua, 83 e nacionalismo, 186 função da, 99 limitada, 36s redefinida, 205 subsistemas de Steward, 100s visão pós-modemista da, 176s
ver também difusionismo
Debate aliança-descendência, 104s, 129-131 natureza-educação, 77s, 95-97, 161s, 194s, 212 Declaração Universal dos Direitos Humanos, 96, 175 Deloria, Vme, Cus ter Die dfor Your
Sins, 173 Derrida, Jacques, 63, 138, 156, 165,172 influência de, 179 Descartes, René, 15-17, 19 e matemática, 19 desconstrucionismo, 171s descrição e sistemas de parentesco, 30s desfamiliarização, 176 destribalização, 110, 153 determinismo biológico, 159, 200 ecológico, 143 tecnológico, 99s, 136 DeVos, George, 152 dialética, 25
dados empíricos, 35 etnocientífícos, 124 coleção de Kroeber, 81s Dahlberg, Frances, Woman the
Gatherer, 152 Dakar-Djibuti, expedição a, 75s D’Alembert, Jean Lc Rond, 21 DaMatta, Roberto, 189 Darwin, Charles, 28 darwinismo, 200 Dawkins, Richard, The Selfish Gene, 160
Diamond, Stanley, 100, 136 dicotomia sujeito-objeto, 172, 177, 183, 193 Diderot, Denis, 21 diferença cultural, 14 visão “objetiva” de Montesquieu, 20 difusionismo, 33, 37, 39-42 influência contínua do, 48, 66-68 lingüístico, 37 visão de Lowie do, 98 direitos humanos, 16, 96, 195 Declaração Universal dos, 96, 175 disciplina, conceito de, 158
246 Douglas, Mary, 120, 132, 164 Cultural Bias, 164 How Institutions Think, 164 Purity and Danger, 122 doxa e opinião, 156s Dumont, Louis, 44, 64, 132 Homo Hiera rc hies, 132, 140, 165 Dunn, Stephen P. Soviet Anthropology and Archaeology, 190 Durkheim, Émile, 42-45, 62, 198 Division o f Labour in Society, 43 Elementary Forms o f Religious Life,
44, 59 influência sobre a antropologia britânica, 5 1 Primitive Classification (com Mauss), 43 sobre o ritual, 120s Rules o f Sociological Method, 45
solidariedade social, 13,44s, 120s e estrutural-funcionalismo, 45, 58, 62 East African Institute o f Social Research em Makerere (Uganda), 108, 112 economia política, 144-148 ecologia, 116s, 132, 143 cultural, 98-102, 143s e ajuda ao desenvolvimento, 183 e sociedade, 99-103 Einstein, Albert, 49 Elias, Norbert, 157 Eliot, T.S., 38, 120 emoção e cultura, 78s no Romantismo, 22s ver também antropologia psicológica
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empirismo e racionalismo, 15-17 enciclopedistas, 21 Engels, Friedrich, 31, 137 Epstein, A.L., 107 Ethos and Identity, 155
Escola de Frankfurt, 137s escolha e casamento, 129 na mudança social, 110 Estados Unidos, 9 anticomunismo nos, 96s, 99s, 117,136s antropólogos muda m-se para, 133s, 164 como cadinho, 84, 153 influência da sociologia nos, 42 pós-guerra, 96 estrutura e agência, 58s, 156 estrutural-funcionalismo, 45, 58-62 Douglas sobre, 164 escola inglesa, 86-89, 105s, 130s revitalização do, 131 s, 164 estudos camponeses, 73s, 101, 132, 144s, 167, 182s de globalização, 41, 203-208 do desenvolvimento, 147 do subdesenvolvimento, 147 Estrabão, geógrafo, 12 etnicidade, 107, 110, 136, 152-155 etnocentrismo, 17 etnociência, 123s etnografia na Europa Central e Oriental, 190 definição de Mauss de, 63 russa, 36, 51, 190s tradições regionais na, 175s
247
INDICE RE MISSIVO
etnolingüística (Sapir), 73. S2s
Fardon, Richard, 175
etnologia, definição de Mauss de. 63
Featherstone, Mike. Global Culture,202
ethos (personalidade culturall. T3s. 117
feitiçaria
na eugenia, 160, 200 Europa, 27, 49 Central, 189 emigração da, 27s Oriental, 189, 203 tradição racionalísta, 15s Evans-Pritchard, E.H., African Political
Systems (com Fortes), 87. 89s. 119 no Cairo, 73, 91 crítica a Mead, 80
trabalho de Evans-Pritchard sobre, 88s,
112 trabalho de Gluckman sobre, 109s Feld, Steven. Sound and Sentiment, 167 feminismo, 50, 148-152, 168 radical, 134, 136 fenomenologia, 182, 184s fenômenos sociais, 45,127 Ferguson, James, 176
seguidor de Radcliffe-Brown. 59. 61,
Fichte, Johann Gottlieb, 23
110s
Fiji, trabalho de Ho cart em, 91
“História e antropologia social''
Filipinas, trabalho de Rosaldo nas, 152
(Marett lecture 1950), 119
filme, uso de, 75s
influência de, 119, 171s
filosofia, objetivo da, 16s Firth, Raymond, 70, 91
Kinship and Marriage among the Niter, 119 Nuer Religion, 120 em Oxford, 6 1 ,87s, 96, 105 aluno de Malinowski, 61, 73. 88
The Nuer, 11, 112s Witchcraft, Oracles and Magic among the Azande, 88 evolução cultural, 30, 38 estágios de Morgan da, 30s evolucionismo, 28s, 37s, 39-42,48s materialista, 81, 98s, 100 e neodarwinismo, 200 expedição ao Estreito de Bering, 41
aluno de Malinowski, 56, 61, 72s
Elements o f Social Organisation, 110 e mudança social, 110-112 formalismo de, 104 individualismo metodológico, 91, 104 naLSE, 90, 105, 111 obra sobre os maoris, 90, 103, 110 trabalho com Schneider, 125,133
We, The Tikopia,90, 103, 110s Fischer, Michael, 176
Anthropology as Cultural Critique (com Marcus), 176s fluxos de informação, 116
Fabian, Johannes, 174, 176
Time and the Other, 174 Fanon, Frantz, 172, 174
Black Skin, White Masks, 172 The Wretched o f the Earth, 173
fontes de energia e mudança cultural, 98, 102
Forde, Daryll, 98, 119 na UCL, 90,91s, 105 trabalho com os yakos, 89, 98
248 formalismo, 103-105, 132, 139 em estudos étnicos, 154 Fortes, Meyer, 70
H
i st
ó r ia
d a
A nt
r op ol
ogi
a
Frobenius, Leo, 40 fronteiras étnicas, 154 funcionalismo, 139
African Political Systems (com
Bateson e, 92s
Evans-Pritchard), 87-90
de Malinowski. 57, 106
aluno de Malinowski, 59, 72s, 87 e debate aliança-descendência, 131s em Cambridge, 73, 105, 111
Gadamer, Hans-Georg, 181
em Oxford, 87
Gaining, Johan; teoria estrutural, 145
ruptura com M alinowski, 87s
Geertz, Clifford, 48, 82, 125-127, 171
seguidor de Radcliffe-Brown, 87s
Agricultural Involution, 102
trabalho de campo, 87-89
e globalização, 207s
trabalho na Costa do Ouro, 87s
influência de, 164. 177s
Fortune, Reo, 92
Sorcerers oj'Dobu, 91 fotografia, uso da, 75s Foucault, Michel, 130, 138, 157s, 165 discurso, 170s influência de, 167, 170s, 176, 179
obra sobre simbolismo, 102, 118, 164s
The Interpretationo f Cultures, 127, 132 uso da ecologia cultural, 101s
Works and Lives: The Anthropologist as Author, 177s Gellner, Ernest, 22, 165
Frake, Charles, 123
crítica d o pós-modem ismo, 178s
França, 9, 34
Nations and Nationalism, 186
sistema acadêmico, 67s Frank, Andre Gunder, 145
Ghana, trabalho de Fortes na, 87s trabalho de Goody na, 112
Frankenberg, Ronald, 184
Giddens, Anthony, 58, 156, 208
Frazer, Sir James, em Cambridge, 61,66,
globalização, 155,202-209
73 apoio para Malinowski, 56
The Golden Bough, 38, 118 Frederico III, rei da Dinamarca, 25
século XIX, 49s “glocalização”, 205 Gluckman, Max, 70, 89, 108s, 136 em Oxford, 87
Freud, Sigmund, 38, 47,49
Escola de Manchester, 97,105, 107-110
Fried, Morton H., 100, 142
no Instituto Rhodes-Livingstone, 73
Friedman, Jonathan, 144, 161
seguidor de Radcliffe-Brown, 61
Global Identity and Cultural Process ,
sobre conflito social, 109s
202
trabalho com os zulus, 89
Modernity and Identity (com Lash), 202
Godelier, Maurice, 140s, 148
In
di
ce
r em
i ssi
249
v o
Goffman, Erving, 86, 156
Presentation o f Self in Everyday
expedição a Torres, 38 uso de filme, 75s
Life, 115
Handler, Richard, 176
teoria do papel, 115s
Hannerz, Ulf, 205
Golde, Peggy (et al ). Women in the
Field , 149 Goldenweiser, Alexander. ”0. ~3s Goodenough, Ward, 123 Goody, Jack, 71, 114, 165 “The Consequences of Literacy" (com Watt), 118
Cultural Complexity, 202 Harris, Marvin, 100, 102,142s, 164, 178
Cultural Materialism, 143, 159 The Rise o f Anthropology, 144 Hastrup, Kirsten, 179 Havaí, 208 debate Sahlins-Obeyesekere sobre, 214
The Development Cycle o f Domestic
Hegel, G.W.F., 24s
Groups, 111
Heidegger, Martin, 183
trabalho em Ghana, 111
Henrique, o Navegador, 13
Gould, Stephen Jay, 159 Grã-Bretanha, 9 relações do Colonial Office com antropólogos, 71 influência da sociologia na, 42
Herder, Johann Gottfried von, 23 conceito de Volk, 23, 25s influência de, 40 hermenêutica, 46, 127, 181 Heródoto de Halicamasso, 10, 14
Graebner, Fritz, 40s
Herskovits, Melville, 55, 74, 96
Gramsci, Antonio, 137, 176
hibridez, 163
gregos, antigos, 9-11
cultural, 86
Gríaule, Marcel, 75s
de resultados científicos, 197
grupos oprimidos, 152
“hipocondria epistemológica”, 178
I Guerra Mundial, 49
história cultural, 81s
II Guerra Mundial, 69, 77,95
Hobbes, Thomas, 16, 19
Gueixas Napoleônicas, 19 Gullestad, Marianne; Kitchen-Table
Hobsbawm, Eric, The Invention o f Tradition (com Ranger), 186
Society , 165 Gupta, Akhil, 176
Hocart, A.M., 91 holismo da antropologia, 66
Habermas, Jürgen, 169
da sociedade, 63
habitus (Bourdicu), 80, 157, 166, 194
Holland, Dorothy, 199
Haddon, Alfred; em Cambridge, 61s,
Holmes, Lowell, 162
72s, 75
Holy, Ladislav, 180
H
250
homeblindness, 20s Horkheimer, 138
Human Relations Area Files (HRAJF), 74 humanidade, natureza da, 15 unidade psíquica da, 29, 36, 95 Humboldt, Wilhelm e Alexander von, 33 Hume, David, 16 Hunt, George, 53 Husserl, Edmund e a fenomenologia, 182
i st
ór
ia
d a
A nt
r op ol
ogi
índias Ocidentais sociedades plurais nas. 153, 207s individualismo, 2 1s e conceito de sociedade, 18s, 58s Freud e, 49 individualismo metodológico, 24 de Barth, 114s de Boas, 54s de Firth, 91, 103s de Weber, 46,48 e estudos do parentesco, 125s
Ibn Khaldun, 12, 14
Escola de Cambridge. 110-115
idéias e conhecimento, 16s
indivíduo(s), corno ator, 104
identidade, 155, 187, 208
centralidade do, 17s, 47s
formação da, ! 52
como leitor, 104
política da, 187
direitos do, 16
ideologia no marxismo, 31,33
e sociedade, 58s, 64
Igreja
estratégias pragmáticas do, 103s e teorias da mudança, 117
e libertação da ciência, 14, 19s universalismo da, 12s Ilhas
maximização pelo, 113s, 139 Ingold, Tim, 182
Andaman, 58
aplicação da fenomenologia, 182
Trobriand, 55-57
Companion Encyclopaedia of Anthropology , 181 Evolution and Social Life , 160,182
íluminismo europeu, 9 escocês, 16 Império Romano, 12
injustiça, 136s instituições na teoria da estrutura social, 59s
Imperialismo estudos do, 41 s, 145s
interacionismo simbólico, 86
Inden, Ronald; Imagining índia, 174 índia antropologia acadêmica na, 189 como foco regional, 133s, 174s
inuites obra de Boas sobre, 52 obra de Briggs sobre, 151
influência de Radcliffe-Brow n na, 62 obra de Rivers sobre Todas na, 38s
Jakobson, Roman, 128s
trabalho de Dumont sobre sistema de castas, 132
Japão, caráter nacional, 79 Java, 102
a
25 1
ÍNDICE REMISSIVO
Jochelson, Vladimir llich, 41 jogos soma zero, 113 Johnson, Mark, 199 Josselin de Jong, J.P.B., 130s
Lash, Scot. Modernity and Identity {com Friedman), 202 Latour, Bruno, 9, 196 Laboratory Life, 196 We Have Never Been Modern, 197
Kabyles, grupo berbere na Argélia, 156s Kahn, Joel, 141 Kant, Immanuel, 23-25 Crítica da razão pura, 23 realidade construída socialmente, 29 Kapferer, Bruce; Legends o f People; Myths o f State, 167, 186s Kardiner, Abraham, 81 Kay, Paul, 198 Keesing, Roger, 181 Klausen, 148 Kleinman, Arthur; antropologia médica, 185 Kluckhohn, Clyde; 124, 133 Navaho Witchcraft, 124 Komai, János, 203s Kroeber, Alfred L„ 51, 54, 70, 124, 133 Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions, 124
em Berkeley, 73, 96, 98 história cultural, 81 s Kulturkreise , 41 Kuper, Adam, 70-72, 109 Easa, 189 Lakoff, George, 199
Layton, Robert, 180 Leach, Edmund, 72, 105, 165 aluno de Malinowski, 61 s, 72s em Cambridge, 72, 105, 165 e estruturalismo de Lévi-Strauss, 130-132 Political Systems o f Highland Burma,
112s trabalho sobre simbolismo, 114 Leacock, Eleanor B., 100 Leenhardt, Maurice, 76 lei natural, 16 leis jurídicas de estrutura social, 60s Leiris, Michel, 76 Invisible Africa, 76
Lenin, V.L; teoriado imperialismo, 145, 205 Léry, Jean de, 14 Lévi-Strauss, Claude, 38, 64, 133, 199 ataques pós-estruturalistas a, 171s e estruturalismo, 128-132, 139-141, 165s
Elementary Structures o f Kinship,
128-130 e Radcliffe-Brown, 130 Mythologiques, 130 Structural Anthropology, 128
L ’Année Sociologique, revista, 43, 62s
The Savage Mind, 130s, 197s
Lamphere, Louise (ed.). Women, Culture and Society, 150 Lao-Tsé, 11
The Viewfrom Afar, 160s Totemism, 130 Tristes Tropiques, 80, 128
H
25 2
Lévy-Bruhl, Lucien, 76
Primitive Mentality, 65 Lewis, Oscar, 85
i st
ó r ia d a
A nt
r op ol
ogi
caráter, 90s diários de trabalho de campo, 149 influência de, 66s. 72s
Lewontin, Richard, 159
Man, revista, 131
Lienhardt, Godfrey, sobre os dinkas, 120
Mandeville, Sir John. Voyages and
liminaridade, conceito de, 121 língua, central para o Romantismo, 22s lingüistica comparativa, 37s, 40, 50s, 123s semiótica, 128s Linton, Ralph, 74
a
Travels o f 13 Maori, Nova Zelândia: trabalho de Firth sobre, 90, 103. 110 Marco Polo, 13 Marcus, George, 177. 179, 207
antropo logia psicológica, 81
Anthropology as Cultural Critique,
microssociologia, 81
177s
sobre status e papel, 115
Cultural Anthropology (revista), 178,
The Individual and His Society (com
181
Kardiner), 81
Writing Culture, 177s
Llobera, Josip, 141
Marquês de Condorcet, 21
Locke, John, 15s, 19
Maret, R.R., 88
“lógica das lógicas”, 128
Marett lectures, de Evans-Pritchard:
Londres, Museu Britânico, 25 estudo do parentesco em, 125s, 133s London Sch ool of Economics, 39 ,7 2 ,90 Malinowski na, 55s, 61s sob Firth, 90, 111 Lowie, Robert H., 55, 70, 73 evolucionismo materialista, 81, 98s,
100 Lyotard, Jean-François, 169
“History and social anthropology” (1950), 119 marginalismo da antropologia, 51,70s, 72 Marx, Karl, 25,28,31-33 e sociologia, 42, 156
O capital, 31 marxismo, 31, 137 análise de classe, 32, 136 cultural, 137 e anticomunismo, 96s, 99s, 117, 136s
Madagascar, trabalho de Bloch sobre, 167
e ecologia cultural, 143 s
Maine, Henry, Ancient Law, 34,48
e estudos imperiais, 41, 205
Mali, povo dogon, 75
estrutural, 138-141, 167s
Malinowski, Bronislaw, 36, 51s, 55-58,
infra-estrutura no, 32, 101, J39
70
na França, 138-141
alunos de, 61s, 66, 73s, 87
radical, 134s
Argonauts o f the Western Pacific, 55s,
superestrutura no, 32, 101 s, 137s, 139
103
volta do, 136s
IND ICE REMI SSI VO
matemática, 19
253
mito
materialismo cultural de Harri;. : 02
como mecanismo de dominação, 140
matriarcado srcinal, 34
e nacionalismo, 186s
Mauss, Marcei, 43, 51, 62-65. ~Cs. 139
e processo político, 113s, 120s
influência de, 64s, 66
estudo de Frazer do, 38
Lcenliardt, 76
trabalho de Lévi-Strauss sobre, 129s
redescoberta de, 192s
mobilidade, 164s
The Gift, 63s, 103s
modernismo, 49
maximização, 103s, 138s individual, 112-115
modernização cultural, 85s Montagu, Ashley, 96
Mayer, Philip, 110
Montaigne, Michel de, 15
McLennan, John Ferguson, 34, 3 ”
Montesquieu, barão de
Mead, Margaret, 55, 70. 74s. "6
Coming o f Age in Samoa. >160 criticas a, 80, 158s cultura e personalidade. 77-81 Meillassoux, Claude, 148 análise marxista da produção de subsistência, 138 Melanésia cultos da carga, 107 trabalh o de Keesin g na, 181 trabalho de Rivers na, 40 trabalho de Sahlins na, 102, 208 trabalho de Strathem na, 18ls Métraux, Alfred, 77,127 México antropologia acadêmica no, 133, 147 trabalho de Redfield no, 85s trabalho de W ol f no, 144s migração, 85s, 193s
Persian Letters, 20 The Spirit o f Laws, 20 Moore, Henrietta
Anthropological Theory Today, 188 Space, Text and Gender, 166s Moore, Jerry, 98 Morgan, Lewis Henry, 29s
Ancient Society, 30 Systems o f Consanguinity and Affinitty..., 30 Moçambique, 143 movimento pós-colonial, 172-175 movimento trabalhista, 27s, 31 s mulheres em estudos antropológicos, 150-152, 184 e saúde, 183-185 multivocalidade, 122, 153
para trabalho, 27
mundo mediterrâneo, 12
século XIX, 27s
Munique, museu de, 25
Miklukho-Maklai, Nicolai Nicolaievich, 36 Mintz, Sidney W., 100, 147s
Sweetness and Power, 147 Mitchell, J. Clyde, 107, 153
Murdock, George P., 106
Area Files , 74 Murphy, Robert F., 100, 152 Murphy, Yolande, 152 museus etnográficos, 25
254 nacionalismo, 23, 25, 79, 155, 167 estudo antropológico do, 186s Nações Unidas, 185 Nadei, Siegfried, 72, 9 ls
H
i st
ó r i a d a ant
r op i
)l
og
ia
Nietzsche, Friedrich, 15, 47 Noruega, estudos antropológicos na, 114, 165, 208 nutrição, 184
narrativas de viagem, 10, 18 dos exploradores, 13s gregos antigos, 10s Nativos americanos, 14s, 30s coleta de dado s de K roe be r sobre, 81 s Deloria e, 172s trabalho de Benedict sobre, 78s trabalho de Boas sobre, 52s
Obeyesekere, Gananath, debate com Sahlins, 214
Medusa’s Hair, 166 Objetividade. Cartas Persas de Montesquieu, 20 Okely, Judith, 181
trabalho de Mo rgan com, 30
Anthropology and Auto-biography (com Callaway), 181
uso da etnografia pelos, 174s
Orissa, índia, trabalho de Bailey em, 112
navios a vapor, 27
Ortner, Sherry, 151, 155
nazismo, 95s Needham, Rodney, 131, 133, 164
Pacifico
Neel, James, 211
ilhas do, 39
neocolonialismo, 145s
foco regional sobre, 59, 133
neodarwinismo, 200
padrões culturais, 93
neo-evolucionismo, 83, 96, 192
Paris
e ecologia cultural, 97-103
Comuna de, 28, 31
materialista, 74s, 97s
estudos etnográficos de, 206
Nov a G uiné, 92 estudos de parentesco na, 125s
museu, 25 Park, Robert, 84
pesquisa de campo de
Parkin, David. Neighbours and Nationals
Miklukho-Maklai na, 36 trabalho de Barth na, 165s
in an African City Ward, 153 Parsons, Talcott, 74, 115, 124
trabalho de Mead na, 80s
particularismo, 66
trabalho de Rappaport com os
histórico, 53-55, 179s
tsembaga marings, 102, 143s
no Romantismo, 22s
tribo baruya, 140s Nova Y ork, New School o f Social Research, 73, 127 Newm an, Katherine. Falling From
Grace, 165
percepção de risco, 123 personalidade cultural, 77s pesquisa, aplicada, 107 contexto de, 71s método de caso alargado, 107s
Ín
di ce
r em
i ssi
255
v o
Picasso. Pablo, 49
dogon, Mali, 75
Piraenov, V.V., 190
guro, Costa do Marfim, 138
Platão. Diálogos, 1Os
hagen, 167
pluralismo cultural, 126s, 207s
hausa, Nigéria, 153
poder, 135, 151
ianomâmi, Amazonas, 2 11s
e meio s de produ ção, 138s
iatmul, Nova Guiné, 92
estruturas marxistas do, 138 na globalização, 208
ilongot, Filipinas, 152 kachin, Bunna, 113, 131, 144
relações de, 28
kanak, Nova Caledónia, 76
Polanyi, Karl, 74, 100, 103, 134. 204 Polinésia, trabalho de Sahlins na. 102 Polônia, 95 academia antropológica na, 190 surrealismo na, 190
The Great Transformation, 103 tipos de economia, 104 população, crescimento da, 27s Porto Rico
kwaio, Melanésia, 181 kwakiutl, 79 marakwet, 167 mundurucu, Brasil, 152 ndembu, Zâmbia, 121 nuer, Sudão, 89, 112s, 119s tallensi, 89 tsemb aga maring, No va Guiné, 102, 143s tswana, 89
e estrutura social, 60
yakõ, 89
obra de Fortes sobre, 112
zulu, 89, 109
projeto de Steward em, 101
povos
pós-estruturalismo, 167
indígenas, 207s
pós-modemism o, 162, 166, 168-172,
primitivos, 106s
180-183 crítica de Gellner ao, 178s
Powdermaker, Hortense, 71 s, 184
Stranger and Friend, 149
desconstmcionismo do, 167, 171
produção pré-capitalista, 138
e estudos pós-coloniais, 174, 178 precedentes do, 179
progresso idéia de, 19
povo axânti, 87, 89 azande, Sudão, 89, 118, 120 baining, Nova Guiné, 92
social, 19 psicologia evolucionária, 201 psiquiatria, 184
baruya, Nova Guiné, 140s bemba, Zâmbia, 89
Quênia, lealdades tribais, 153s
caiapó, Amazonas, 211, 213
Quínn, Naomi, 199
dinka, Sudão, 120
256
Rabinow, Paul, 170, 176, 178
H
i stó
r u d a
A nt
r op ol
de gênero, 133. 136. 151, 181 s
racismo, 54
de status, 93
científico, 95, 159, 199s
étnicas, 84
oposição de Boas ao, 40, 71
no parentesco, 129
Radcliffe-Brown, A .R. 5 ls, 58-62, 70 African Systems o fKinship and
Marriage, 119
relativismo, 17. 50, l!9s, 179 de experiência diferente, 16 e universalismo, 11. 16, 212, 214 religião, e representação coletiva, 44
A Natural Science o f Society
como sistema cultural, 127
carreira, 58-62
como superstição. 19
caráter, 90
estudo de Frazer da, 38
e Lévi-Strauss, 129
sociologia da, 65. 110
em Chicago, 62, 73 em Oxford, 73
representações coletivas (Durkheim), 44s, 59
estrutura social, 60
retribalização, 107, 110. 153
influênci a de D urkheim sobre, 58-60
Revolução Francesa, 19. 27
Radin, Paul, 73
Revolução Industrial. 27
Rameau, Jean Philippe, 15
Revolução Russa, 50
Ranger, Terence. The Invention of
Richards, Audrey, 71, 114, 184
Tradition, 186 Rappaport, Roy A., 100, 143s, 161
Pigs fo r the Ancestors, 102, 143 Ratzel, Friedrich, 40 razão, 19,22 discursiva e prática, 156 reciprocidade, 104, 139 generalizada, 142
Richter, Friedrich (Jean Paul), 23 Ricoeur, Paul, 119, 126 ritos de passagem, 65, 11ls, 120s ritual com direitos, 207 como mecanismo de dominação, 140, 207 e teoria do desempenho, 165s
reconstrução histórica, 36s
interação, 86
Redfield, Robert, influência de
naven (iatmul), 92
Radcliffe-Brown sobre, 74
na religião, 44, 65s
estudos camponeses, 74, 84s, 101, 147
para reduzir conflitos, 110s
Redistribuição, 104 reflexividade, 116, 134, 168, 176, 180
a
relações
racionalismo, 15-17
surgimento do, 28
ogi
simbolismo do, 104s Rivers, William H.R., 51
cultural, 207
The History ofMelanesian Society,39
em trabalho de campo, 148s
The Todas, 39
INDICE REM
ISSI VO ...........
Rivet, Paul, 77 Rodésia do Norte (Zâm biz . . " Romantismo, 22-26, 179s Rosaldo, Michelle Z., 151 Women, Culture and Soci ev.. 150 Rosaldo, Renato, 176 Rouclie, Jean, 76 Rousseau, Jean-Jacques. 21s On the Social Contract. 2 1
2 57
Schelling, Friedrich von, 23 Scheper-Hughes, Nancy, antropóloga médica, 184s Schmidt, Wilhelm, 40 Schneider, David, 82, 164, 180 American Kinship, 125 Schoenberg, Arnold, 49 Schütz, Alfred, 126 Scott, James C., 208
Rússia difusionism o na, 41, 51 etnografia na, 36, 51, 190
Seligman, Brenda, 39
Sacro Império Romano. 22 Sahlins, Marshall, 99s, 102
trabalho no Sudão, 38, 88
Culture and Practical Reason. 142, 160
debate com O beyesekere. 214 e globalização, 208 Stone Age Economics, 139, 142 Use and Abuse o f Biology, 160 Said, Edward. Orientalism, 138, 173s Saint-Simon, Henri de, 28 Sangren, Stephen, 178 São Petersburgo, Rússia, 191 Sapir, Edward, 55, 70, 82 etnolingüística, 73, 82s, 123s Language, 82
Sartre, Jean-Paul, 127, 130 saúde em áreas urbanizadas, 27 mental, 184s projetos de ajuda ao desenvolvimento, 184 relacionada ao gênero, 185 Saussure. Ferdinand de, 128 ScÈtapera. Isaac, 70. 105
Seligman, Charles, 55, 88 expedição a Torres, 38 na LSE, 38, 61, 72 semântica, 123 sentidos, 16, 24 Service, Elman R., 100 Shakespeare, William, 15 Shore, Bradd, 199 Shtemberg, Lev Yacovlevich, 41 simbolismo, 194 como classificação social, 121-123 do ritual, 105 e mudança social, 106s e nacionalismo, 186s na antropologia americana, 124-127 obra de Geertz sobre, 102, 118, 164 obra de Schneider sobre, 125-127 visão de Wagner do, 167, 182 Simmel, Georg, 42 sistemas de parentesco matrilinear, 34, 121 patrilinear, 89 sistemas legais, 20 status e contrato, 34
258
Skinner, B.F., 143
H
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Stratliem, Marilyn, 1S5s
sobreviventes culturais, 35, 40
After Nature, 182
socialismo
Partial Connections. 207
colapso do, 203
The Gender ofth e Gift, 167, 182
srcens do, 28
uso da teori a do Cacs. 196 subconsciente, 156
socialização, 77s, 123 sociedade capitalista e teoria econômica, 103
substantivismo, 103-105 Sudão, estudos do desenvolvimento
conceito de, 53
no, 114
redes na, 193s
povo dinka, 120
esferas pública e privada, 150s
trabalho de E vans-Pritchard no, 73
relação do indivíduo com, 18, 57s, 64
trabalho de Seligman no, 39, 88
sociedades plurais, 152s, 207s sociologia, 28, 36-38, 42 e antropologia, 124
superestrutura no marxismo, 32,1 01,13 7, 139s surrealismo, 65, 76
na tradição européia, 29s, 42, 48 rural, 145 Sócrates, 11 Sokal, Alan, e artigo, 197
tabus, trabalho de Bataille sobre, 76
tabula rasa, conceito da mente como, 16, 198
sofistas (Atenas), 11
Tax, Sol, 73
Soros, George, 191
tecnologia
Southall, Aidan, 108
e cultura, 40, 100
Spencer, Herbert, 42, 50
modema, 100
Spencer, Jonathan, 141, 178
século XVIII, 19
Sperber, Dan, 199
século XIX, 49
Spivak, Gayatri Chakravorty, 174
telégrafo, invenção do, 27
Srínivas, M.N., 62, 70
teoria
Steward, Julian, 74, 81
da cultura, 83
ecologia cultural, 100-103
da dependência, 145
em Colúmbia, 96s, 100
da linhagem, 129
estudos camponeses, 101
das comunicações, 93, 116
evolução multilmear, 98
do caos, 196
Handbook o f South American Indians
do esquema, 199
(ed), 77, 100
do protótipo, 119
influência marxista sobre, 136, 142
dos sistemas complexos, 196
Stocking, George, 71
econômica e sociedade capitalista, 103
259
ÍND ICE REMISSI VO
social. 155s Status da. 155s, 188 Terceiro Mundo exploração, 146 hostilidade com antropologia. ;34„ l~4s texto e desconstrucio nismo, 1“ : Thiong’o, Ngügi Wa, 173 Thomas, William, em Chieag: 84 The Polish Peasant in Europe and America , 84
Tierney, Patrick, livro sobre os ianomãmis, 211 Tikopia, Polinésia, trabalho de Fmh em, 90s, 103, 110 Tocqueville, Alexis de, 29 Todorov, Tzvetan, 14 todos culturais, 22, 154 como superorgânicos, 82 crítica pós-modema do, 174, 176, 194 Tonga, trabalho de Hocart em. 91 Tönnies, Ferdinand. Community and Society, 37, 42 Tooby, John, 201 Tones, expedição a, 38s totemismo, 130 trabalho divisão do, 32, 43, 100 infantil, 16 migração, 107 trabalho de campo, 36, 71-73 em sociedades complexas, 192s entre pobres urbanos, 146, 165 métodos de Boas, 52s múltiplos sítios, 194 observação participante, 56s, 148s, 192 por antropólogos, 41 reflexivo (feminista), 1 48-152
tradução cultural, 50, 83 e racionalidade, 119s no contexto do imperialismo, 76 troca, 47, 133, 194 estruturalismo e, 131 na antropologia francesa, 97 mercado, 104 valor de, 33 Turner, Terence e controvérsia de Chagnon, 211-214 traba lho sobre os caiapó s, 175-177 Turner, Victor, 122s, 132, 134, 153, 164 Body, brain and culture, 158 comunicação do ritual, 120s, 158 Schism and Continuity in an African Society, 121 The Anthropology o fPerformance, 166 The Ritual Process, 121 Tyler, Stephen, 176 Tylor, Edward Burnett, 35s Primitive Culture, 35
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260 de Yale, 82 do Cairo, 73, 91 Européia (S. Petersburgo), 191 Harvard, 133 Johns Hopkins, 147 Stanford, 133 urbanização, 27 e mudança social, 153s identificada com civilização, 30 na África do Sul, 106s, 109 Vakhtin, Nikolai B., 191 valor de uso, 33 formação do em Marx, 33, 167 Van Gennep, Arnold.Rites o fPassage, 65 Vayda, Andrew P., 100, 143 Velsen, Jaap van, 108 Verdery, Katherine “Theorizing Socialism”, 203s Transylvanian Villagers, 166 Vespúcio, Américo, 14 Vico, Giambattista. The New Science, 19, 38 Viena, museu, 25 violência, estudo da, 185s “virada reflexiva”, 76, 175, 178, 180 Volk, 23 Völkerkunde, 26 Volksgeist, 23 Volkskultur, 33 Voltaire, 21s, 23
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