NOVOS DOCENTES E NOVOS ALUNOS
J uan Car Carlos Tedesco sco Emilio Tenti Fanfani A rg e n tin a j.te d e sco sc o @ iip e -b u en o sai sa ire s.o rg .a r
INTRODU ÇÃ O
O texto texto a seguir tem por objetivo objetivo reflet refletir ir sobre sobre alguns alguns fatores que contribuem para modificar o papel dos docentes da educação básica na América Latina. Para isso, será preciso realizar uma análise das tendências gerais de mudança e transformação do ofício de ensinar, à luz de certas evidências relacionadas com mudanças em diversas esferas da vida social e, sobre essa base, desenvolver algumas linhas de propostas sobre as implicações que têm os novos desafios sobre a definição do papel docente. Se alguém quisesse fazer uma lista do que se consideram “características “características desejáveis” desejáveis” do “novo docente”, a pa rtir rtir de uma revisão da literatura contemporânea, seguramente encontraria uma série de elementos muito variados e até contraditórios. Por um um lado apareceriam qualid ades relarelacionadas com o conhecimento e os valores que o docente deve possuir e desenvolver nos alunos, ao que se acrescentaria uma série de competências relacionadas com o modo de facilitar ou obter as aprendizagens dese jadas: jad as: manej o de métod os de ensino relacionados com os conteúdos, competências relacionais que o habilitem para interagir com alunos, pais, colegas e membros da comunidade, domínio de técnicas relacionadas com os avanços mais modernos das tecnologias da informação e da comunicação, suas suas próprias capacidades de ap rendirendizagem e atualização permanente, suas competências para a investigação e reflexão sobre suas práticas etc. A lista seria interminável e a compreensão dos diversos sentidos que vai adquirindo o ofício hoje seria um tanto difícil. E mais: se se chegar a crer que o “novo professor” deveria reunir todas essas carácteríisticas assinaladas pelos especialistas em diversos documentos, o resultado seria algo assim como um tipo ideal tão contraditório como de impossível realização prática. Na verdade, o discurso genérico sobre "os docentes" está está infestado infestado de p erigos. C om efeito, é fácil cair nos lugares-comuns quando se fala de um objeto tão genérico e com um como o “ professor professorado ado latino-americano”. Sem dúvida, é possível identificar problemas comuns e ao mesmo tempo assinalar diferenças e especificidades. Por outro lado, não se pode falar dos docentes de hoje e do futuro imediato sem reconhecer que se trata de uma categoria categoria social que tem uma longa história. história. O ofício de professor, tal como hoje o conhecemos, quer dizer, como atividade que se desenvolve nos sistemas escolares formais, tem a mesma idade que o estado capitalista. E o peso da história está presente não só nas dimensões materiais do sistema educativo republicano (os edifícios,
as aulas, os textos escolares, os recursos didáticos etc.), como também nos agentes, quer dizer, na mentalidade dos professores, sua identidade e sua prática. É óbvio que os professores de hoje são diferentes dos professores do momento em que se constituiu o Estado e os sistemas educacionais modernos. Sem dúvida, parte desse passado está ainda presente na consciência prática e até na consciência reflexiva dos docentes de hoje. Por isso, se se quer efetivamente captar o que há de novo no ofício de ensinar, não se pode deixar de fazer referência aos momentos marcantes de sua trajetória no tempo. Somente uma visão de longo prazo permite apreciar o sentido das diversas imagens com que se pensa o magistério de hoje, desde a do p rofessor rofessor sacerdotesacerdote-apóstolo apóstolo até a do trabalhador-militante, ou do professor profissional. À sua vez, cada um desses tipos ideais de docente responde a um conjunto de determinações sociais de ordem geral. O mais importante importante tem a ver com o sentido sentido que tem a educação escolar no mundo em que vivemos. A definição do “professor ideal” não independe do sentido e da função que se designam aos sistemas escolares nas sociedades latino-americanas contemporâneas em cada etapa de seu desenvolvimento. O momento fundacional do ofício de p rofessor rofessor permite permi te analisar a lógica dos ajustes e determinações recíprocas entre os homens e os postos definidos institucionalmente. U m faz o outro. O professor professor se faz tal tal ao ocupar um cargo na escola e ao mesmo tempo “faz o cargo”. No processo histórico, a coerência entre ambas as dimensões tendeu a desaparecer. Hoje em dia existem múltiplas configurações do ofício de ensinar, mas além das diferenças é preciso encontrar alguns fatores sociais que favorecem a emergência de diversos princípios estruturadores que organizam a construção social da docência como atividade. Ao fazê-lo estaremos reconhecendo os principais conflitos e tensões que estão presentes no campo da política educativa latino-americana neste novo milênio.
Três princípios Três princípios históricos históricos que estruturam estruturam o ofício de professor O momento de origem é fundamental porque constitui constitui a base sobre a qual se assentam as construções seguintes. seguintes. O período períod o fundacional se caracteriza caracteriza por uma tensão tensão muito particular entre dois paradigmas: o da vocação e o apostolado apostolado versus versus o de ofício aprendido. O que distingue distingue o momento de origem é precisamente a luta entre esses dois pólos, que remetem a interesses práticos e a lógicas discursivas especí específicas. ficas. O peso que têm as representarepresentações relacionadas com a vocação e as qualidades morais do docente se explica pela função que se dá ao sistema
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educacional no momento constitutivo do estado e da sociedade capitalista moderna (T ED ESC O J.C ., 1986). A ciência racional e a escola eram o equivalente funcional da religião e da igreja nas sociedades ocidentais précapitalistas. A ideologia positivista que presidiu o processo de secularização que acompanhou a conformação dos sistemas educativos reivindicou para a ciência e a escola um caráter e uma dignidade moral quase sagrados. A escola do Estado tinha por função construir essa nova subjetividade que se conferia ao cidadão da república mod erna. A tarefa do professor era o resultado de uma vocação, sua tarefa se assemelhava a um “sacerdócio” ou “apostolado” e a escola era o “templo do saber”. O ensino, mai s que uma profissão, é uma “mi ssão” à qual alguém se entrega, o que supõe uma gratuidade proclamada que não condiz com o que a sociedade espera de uma profissão, entendida como ativida de da qual se vive, quer dizer, da qual se obtém uma renda e uma série de vantagens instrumentais (salário, prestígio etc.). De todo modo, desde a origem existiu uma tensão entre esses componentes pré-racionais do ofício de ensinar e a exigência de uma série de conhecimentos racionais (pedagogia, psicologia, didática etc.) que o professor deveria aprender e utilizar em seu trabalho.
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um estudo de ALLIAU D A. e co lab oradores (1995 ), os m otivos d e esco lha da carreira do cen te m ais freq üen tem ente m encionad os por um a am ostra de alunos de institutos de professorad o da cida de de B ueno s A ires foram a "vocaç ão" (48% ) e "o am or pelas crianças" (42% ). Po r outro lad o, 36% do s estud antes op inaram qu e é fun çã o do professo r "tran sm itir valores m orais" (contra 15% que op taram pela a lternativa "transm itir saberes").
O amadurecimento do sistema de educação básica que acompanha o processo de modernização das sociedades ocidentais tende a uma progressiva secularização do ofício de professor. Nas décadas de 1960 e 1970, as representações do professor como sacerdote já não ocupam um lugar dominante na sociedade. A massificação dos postos de professor, a elevação dos níveis de escolaridade média da população, o deterioramento do salário e das condições de trabalho e outros fenômenos conexos (p erda de prestígio relativo do ofício, mudanças na origem social relativo dos professores etc.) constituem as bases materiais sobre as quais se vai estruturando uma representação da docência como um trabalho. A sindicalização do magistério contribuirá para impor uma imagem social do professor, como trabalhador que é, assumido por números significativos de docentes.
No plano do discurso se enfatizará um ou outro conjunto de componentes, segundo o interlocutor. Se se trata de ganhar terreno contra a tradição (como no caso das lutas pela imposição do título para o exercício da docência), se insistirá nas competências técnico-pedagógicas modernas, mas quando se pretende limitar o cientificismo e o afã regulamentarista e tecnicista dos novos especialistas em pedagogia, se levantarão as bandeiras do particularismo, a vocação, a intuição e a criatividade inerentes ao ofício de ensinar. (TENTI FANFANI E., 1988).
Pelo menos na Argentina, o modelo de professor-trabalhador está presente no seio mesmo do corpo magisterial. Trata-se de uma denominação gerada no calor da luta contra certas representações originadas no campo do E stado, que alguns não hesitaram em q ualificar como "tecnocráticas". D urante a décad a de 1970 as lutas pelas condições de trabalho e salário docente se desenvolvem em um contexto de reformas que buscavam avançar no processo de modernização do sistema educativo. No pólo do poder tende-se a desenvolver uma definição do ofício que, em grande medida, é um "aggiornamento" do clássico "mix" de profissionalização com vocação. Para contestar essa tipificação, os docentes agremiados reivindicam o nome de "trabalhadores", homologando-se assim o resto dos assalariados em sua reivindicação da convenção coletiva p ara fixar salário e condi ções de trabalho e legitimam o recurso da folga, das mobilizações etc. como instrumentos de luta. A ênfase posta na condição de trabalhador assalariado é um freio a toda pretensão de exigir do docente prestações que vão mais longe do que o explicitamente estabelecido na convenção coletiva de trabalho.
A pesar da a ntiguidade, essa representação “ vocacional” no entanto está presente nas próprias auto-representações de professores e alunos dos institutos do professorado. Também está presente nas expectativas de vários setores da sociedade, que distinguem o professor do resto das profissões e ofícios, precisamente pelo peso específico que se adiciona a esse elemento tão tradicional mas poderoso da vocação, relacionada com o apostolado e o sacerdócio. A ssociado a isso, também se regis-
A similaridade tendencial nas condições objetivas de trabalho e de vida entre professores e trabalhadores assalariados se expressa no plano da subjetividade coletiva como discurso de identificação e toma posição explícita em favor dos interesses do conjunto da classe dos trabalhadores. A o final da década d e 1990, M arcos G arcetti, dirigente máximo nacional do grêmio docente, se pronunciava claramente nessa direção quando expressava: "Nosso lugar por história é junto ao povo e no orgânico
Essa dosagem contraditória mas efetiva faz do professor uma categoria social com perfil próprio e diferenciado do resto dos profissionais e intelectuais clássicos. Esse equilíbrio instável entre elementos diversos e até opostos constitui a particularidade do ofício de ensinar.
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tra uma forte vigência de uma definição do ofício que enfatiza o papel do professor como “moralizador” em prejuízo de sua função técnica de desenvolver aprendizagens1.
gremial junto aos demais trabalhadores expressados pela C G T". Para que não restem dúvidas do sentido dessa definição, alertava contra "nossas veleidades como profissionalistas (sic), às quais entre outros males devemos a postergação setorial e a tardia chegada ao conjunto dos demais trabalhadores" (C itado em BATALLA N G . e G AR C ÍA F.J., 1992, pág. 230). D esde então o antiprofissionalismo é uma posição de luta já instalada no campo do gremialismo docente argentino, posição que se renova toda vez que do campo do E stado se reiteram projetos de p rofissionalização do magistério de educação geral básica. Atualmente, em que pesem as radicais tranformações acontecidas em todos os níveis básicos das sociedades latino-americanas, a luta pela definição dominante do ofício, no entanto, supõe combinações variáveis destes três elementos: vocação-apostolado, trabalho assalariado e profissionalismo. O caráter profundamente relacional da atividade docente, quer dizer, o fato de que se desdobra em uma interação cara a cara e intensiva professor-aluno, a converte em uma função diretamente relacionada com a reprodução da sociedade e, portanto, lhe dá um caráter quase sagrado. Nesse terreno, o processo de secularização não avançou tanto como em outros campos de atividade social, como as atividades políticas, científicas ou produtivas. A formação das novas gerações tem um conteúdo fortemente ético-moral que é como um obstáculo para o avanço de qualquer processo de racionalização radical. Portanto, para ser um bom professor (como no caso de outros serviços pessoais tais como enfermagem ou assistência social) não basta o domínio de competências técnico-científicas nem um compromisso ético genérico (p rincípio de honradez, ética profissional etc). Pelo contrário, na definição da excelência docente, o compromisso ético-moral com o outro, uma certa atitude de entrega e desinteresse adquirem uma importância fundamental no desempenho do ofício. Por outro lado, o ofício docente é o oposto do trabalho autônomo. Salvo nos casos (hoje excepcionais) de "professor particular", que trabalha diretamente para o aprendiz ou sua família, a maioria dos docentes presta serviços em instituições escolares. Portanto, o docente é, na maioria dos casos, um funcionário assalariado que trabalha em relação de dependência e recebe um salário (e não honorários). C omo tal, é um trabalhador que em muitos casos está sindicalizado e luta coletivamente pela defesa e melhoria de suas condições de trabalho. Por último, sua condição de profissional vem do fato de que o desempenho de sua atividade requer o domínio de competências racionais e técnicas que são exclusivas de
seu ofício e que se aprendem em tempos e espaços determinados. Por outro lado, o docente, em que pese que tradicionalmente trabalhe em contextos institucionalizados, na aula goza de uma margem variável de autonomia. C ompetência técnica e autonomia são componentes clássicos da definição de uma profissão. As tipologias são (ou devem ser) claras por definição. A realidade não tem essa “obrigação”. As representações reais do ofício de professor que competem pela hegemonia sempre são uma articulação destes três elementos estruturais: o apostolado, o trabalho e a profissão. A luta está dada pela imposição do princípio estruturador dominante da definição. As polêmicas atuais pela redefinição do ofício de professor não transcorrem no vazio e não se resolvem unicamente no plano do simbólico discursivo. As crises nas representações sempre têm algum fundamento no plano das “realidades objetivas”, que em certa medida trascendem a consciência, a vontade e a intenção humanas. M as a objetividade é sempre "polissêmica", ou seja, pode ser objeto de diferentes interpretações. Portanto, as lutas não são nem puramente simbólicas nem puramente materiais. A seguir são examinados alguns processos sociais gerais que hoje tendem a introduzir elementos de novidade na definição do papel docente na maioria das sociedades latino-americanas.
Transformações atuais De um modo esquemático, se poderia distinguir uma série de fatores que operam como elementos transformadores do ofício docente que, em quase todos os casos, têm um sentido duplo. Por um lado, são desafios que favorecem potencialmente um avanço no processo de profissionalização (nos sentidos acima explicitados) do ofício docente. M as, ao mesmo tempo, pod em ter efeitos contrários e se constituir em obstáculos poderosos para o avanço do processo. Em alguns casos podem ser vistos como fatores que alentam uma franca e clara desprofissionalização do ofício. C omo em outros campos de atividade, as novas condições de vida estabelecem novos desafios às instituções e aos papéis tradicionais, mas as respostas que se produzem podem ter signos opostos e contraditórios que merecem ser levados em conta na análise que se segue. 1. MU DA NÇAS NA FAM ÍLIA, OS M EIOS DE COM UNICAÇÃ O DE MASSA E OUTRAS INSTITU IÇÕES DE SOCIA LIZA ÇÃ O
A maioria das sociedades atuais se caracteriza por uma mudança profunda das instituições que acompanham os processos de construção da subjetividade das novas ge-
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rações. O papel que d esempenham a escola e o professor na reprodução da sociedade depende do lugar que ocupa na estrutura do sistema de instituições que cumprem funções sociais análogas. Na origem do estado moderno, a socialização das novas gerações repousava sobre um tripé formado p ela família, pela igreja e p ela escola. Esta última foi adquirindo um peso cada vez mais importante com o avanço dos processos de industrialização e urbanização. Igreja e família experimentaram transformações muito profundas como resultado de uma série de macroprocessos de longo prazo, tais como o avanço contraditório dos processos de secularização (já que estão acompanhados do desenvolvimento de novas formas de religiosidade) , a presença cada vez mais sistemática dos meios de comunicação de massa e outros consumos culturais, a incorporação da mulher ao mercado de trabalho, a fragmentação e a instabilidade das configurações familiares, as mudanças nos modelos de autoridade etc. Esses processos produziram mudanças p rofundas no sistema de instituições responsáveis pela socialização infantil e juvenil. A escola está submetida a um novo conjunto de demandas sociais. Em alguns casos, chega-se a pedir à escola o que as famílias já não estão em condições de dar: contenção afetiva, orientação ético-moral, orientação vocacional e relacionada a um projeto de vida etc. Esses novos desafios se traduzem em novas exigências para o perfil de competências do docente. Posto que não existe uma clara divisão do trabalho entre instâncias de socialização, o conflito entre elas se torna cada vez mais provável. O s valores que circulam na escola, a família e os meios de comunicação de massa nem sempre são coincidentes ou complementares, e com freqüência podem ser contraditórios. O trabalho do professor se inscreve nesse novo quadro de relações, o qual agrega uma dose crescente de complexidade. (T ED ESC O J.C ., 1995) As novas gerações em geral são fortes consumidoras (consumidoras intensivas) de bens simbólicos produzidos e distribuídos por poderosas empresas culturais. A ação do professor se inscreve em um novo contexto geral que ordena a socialização das crianças e dos jovens. C abe acrescentar que tanto as transformações na estrutura familiar como o tipo e a freqüência de consumos culturais variam fortemente segundo a posição das novas gerações na estrutura social.
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Ser professor no novo contexto familiar e dos sistemas de produção e difusão de sentidos pode ser uma ocasião para profissionalizar o professor ou pode ter um efeito contrário. A resposta é uma questão de cultura e de política. Se se decide que o professor simplesmente “ substitua” a família no cumprimento de certas tarefas de contenção afetiva ou de orientação ético-moral (como é certamente o caso
em certos contextos), o resultado é um retrocesso no perfil profissional da ativid ade. A professora “ mãe substituta” está longe da professora profissional, especialista em ensino e ap rendizagem d e determinados conteúdos culturais socialmente válidos. É mais difícil aprender a ser mãe do que desenvolver competências no campo do ensino e da aprendizagem. M as as mudanças no contexto de socialização podem ser uma oportunidade de avançar no processo de racionalização do ofício do docente, por exemplo, mediante o desenho de uma nova divisão de trabalho nas instituições escolares. Poderiam desenhar-se novos papéis escolares, tais como psicólogos escolares dotados das competências necessárias para acompanhar o desenvolvimento afetivo das novas gerações, orientá-las na formulação de seu projeto de vida, garantir a integração e o sentido de pertinência dos alunos nas instituições escolares e que trabalham em equipe com pedagogos especializados em ensino/aprendizagem. Em síntese, ser professor nesse novo contexto de socialização pode encorajar o desenvolvimento de novas e complexas competências profissionais ou provocar um empobrecimento do ofício se for reduzido a uma simples função de substituição da família. 2. AS NOVAS DEMANDAS DA PRODUÇÃ O E O MERCADO DE TRABALHO MODERNO
As mudanças na economia e no mercado de trabalho que vivem a maioria das sociedades latino-americanas apresentam novos desafios aos velhos sistemas escolares. Vivemos a expansão permanente da chamada "sociedade do conhecimento". Em quase todos os campos de atividade tende-se a incorporar doses crescentes de conhecimento científico e tecnológico que precisam ser aprendidas em instituições formais e não no trabalho, como era freqüente nas socied ades p ré-capitalistas. Espera-se que a escola e o professor não só formem sujeitos no sentido genérico, mas que contribuam para a produção de capital humano ou força de trabalho treinada. Em muitos casos, espera-se que essa formação comece nos níveis educacionais considerados como “gerais e básicos” (em especial quando se trata da educação dos setores mais pobres e excluídos da sociedade). Essa demanda introduz novos desafios à instituição educacional e seus agentes. Estes últimos devem estar mais informados sobre a lógica de desenvolvimento da ciência e da tecnologia modernas e de sua incorporação em todas as esferas da vida socia l. O professor deve ser também um orientador vocacional e, como tal, precisa ter um conhecimento do comportamento do mercado de trabalho. Formar recursos humanos obriga a escola e os docentes a multiplicar as ocasiões de aprendizagem para além dos limites da escola, o que, por sua vez, requer novas atitudes e competências.
A demanda pela formação para o trabalho induz a reconhecer que existem outros âmbitos de aprendizagens legítimos, em primeiro lugar as mesmas organizações onde se realiza a produção de bens e serviços. As práticas de vinculação escola/trabalho supõem um reconhecimento de que o professor não tem o monopólio do ensino, que outros agentes, em especial aqueles que desenvolvem atividades de produção, também podem cumprir tarefas auxiliares em matéria d e pedag ogia. O reconhecimento de que exi stem outras instituições e outros agentes pedagógicos "não especializados" (engenheiros de obras, médicos de hospitais, operários especializados, gerentes etc.) pode ser considerado como uma ameaça ao monopólio educacional dos docentes profissionais. Por último, a aceleração das mudanças sociais na ciência, na tecnologia e na produção social obriga a uma atualização permanente dos docentes, para que a formação que oferecem esteja à altura das demandas sociais. É b astante conhecid o o caráter estruturalmente conservador das instituições escolares. Essa característica derivava da função que se determinou nas primeiras etapas do desenvolvimento das sociedades capitalistas. Hoje os docentes, como outros agentes profissionais, estão submetidos a uma exigência de mudança rápida que requer a mobilização de recursos de aprendizagem que nem sempre tiveram oportunidade de desenvolver durante sua etapa formativa ou em sua experiência de trabalho.
de inclusão (no setor formal ou no informal, de alta ou baixa produtividade, moderno ou tradicional etc.) nos mercados de trabalho. A expansão do fenômeno da pobreza extrema, da vulnerabilidade e da exclusão de grandes grupos de famílias, crianças e adolescentes do sistema produtivo e de consumo (e seus fenômenos associados de violência social, desintegração familiar e social etc.) tem efeitos diretos sobre o trabalho e a identidade profissional dos docentes de educação básica. Estes podem ser analisados em dois eixos fundamentais. Por um lado, as dimensões mais dolorosas da exclusão afetam a mesma “educabilidade” das novas gerações. Por outro, as dificuldades próprias da vida em condições de pobreza extrema (desnutrição, enfermidade, violência, abandono etc.) se manifestam na vida cotidiana da escola e incidem sobre o conteúdo do trabalho dos docentes. Em muitos casos, estão obrigados a desempenhar tarefas assistenciais socialmente consideradas urgentes (alimentação, sustentação afetiva, moralização etc.) que prejudicam o sucesso da missão tradicional da escola: desenvolver aprendizagens. Esses fenômenos põem em crise determinadas identidades profissionais e requerem uma discussão: ou bem o magistério opta pelo aprofundamento de sua especialização profissional ou bem desenvolve uma nova profissionalidade pedagógico/assistencial (organizador e mobilizador de recursos sociais para a infância em função de objetivos de a prendizagem e desenvolvimento de subjetividades).
3. OS FENÔMENOS DE EXCLUSÃ O SOCIAL E OS NOVOS DESAFIOS DA EDUCABILIDADE
4. A EVOLUÇÃ O DAS TECNOLO GIAS DA COM UNICAÇÃ O E DA INFORMAÇÃ O
Na maioria de nossas sociedades se registram processos de desenvolvimento e mudança econômica, social, política e cultural que têm sinais contraditórios. Por um lado, se desenvolvem setores da vida econômica que incorporam doses crescentes de conhecimentos científicos e tecnológicos e ad quirem uma conformação organizacional novidadesca (desburocratização, desenvolvimento de organizações inteligentes etc.). Por outro lado, inúmeros setores produtivos seguem alheios a essas transformações. A maioria da força de trabalho está inserida nos setores mais atrasados e de menor produtividade, quando não está completamente excluída do trabalho produtivo. Enquanto os setores mais concentrados e modernos da economia demandam uma força de trabalho dotada de comp etências éticas, relacionais e cognitivas muito complexas, o resto da economia se reproduz conforme padrões produtivos e de gestão muito tradicionais e rotineiros. Esse desenvolvimento desigual na economia e no mercado de trabalho contribui para tornar cada vez mais desiguais as oportunidades de vida das pessoas e dos grupos sociais segundo seu grau e tipo
As extraordinárias inovações no campo das tecnologias da i nformação e da comunicação podem ter efeitos completamente contraditórios sobre a evolução do ofício docente. O sentido dos imp actos das inovações científicas e tecnológicas nunca está predeterminado nem é unidirecional, dependendo de decisões e políticas específicas. Enquanto alguns celebram o advento das N T IC como o princípio do fim do ofício de ensinar, outros consideram que elas oferecem uma inestimável oportunidade para completar o processo de profissionalização dos docentes. Com efeito, alguns acreditam que essas inovações têm potencialmente um caráter substitutivo do docente, já que permitem uma relação direta entre o aprendiz e o capital cultural acumulado pela humanidade. As escolas como instituições que atuam em espaços físicos determinados e os professores que realizam sua tarefa de ensino/aprendizagem cara a cara com um grupo de alunos seriam obsoletos e, no dizer de alguns, “tão produtivos como um kolhoz” (P ERELM AN L., 1995). Em vez de continuar investindo somas vultosas e crescentes em escolas e professores, aconselha-se que esses
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recursos sejam orientados para o desenvolvimento e a difusão da "multimídia e da telemática". Desse modo o problema docente se resolve por substituição. A educação a distancia e o autodidatismo substituiriam esses velhos e caros dispositivos que se desenvolvem em tempos e espaços exclusivos e que empregam uma força de trabalho especializada. Esse cenário não é de realização provável, pelo menos a curto ou médio prazo, e não existe política educativa nacional que tenha esse projeto em sua agenda. Sem d úvida, existe como proposta de certos grupos de interesses que, embora minoritários e fracos no campo político, tiveram uma certa difusão e funcionam como ameaça, ao menos para certos grupos de docentes. Segundo os resultados das enquetes entre docentes realizadas pelo IIPE na Argentina, no Uruguai e no Peru 2, a atitude desconfiada a respeito dos impactos das NTIC aparece em proporções variáveis. Por exemplo, o temor de que as tecnologias educativas substituam os docentes é compartilhado p or 18,5% dos docentes argentinos, 20% dos uruguaios e 28% dos peruanos. Apesar desses temores, o mais provável é que os novos recursos tecnológicos contribuam para elevar sensivelmente a profissionalização do docente. Do mesmo modo que a vinculação entre formação e trabalho, as novas tecnologias obrigarão o docente a tornar-se uma espécie de gestor e organizador de processos de aprendizagem. O docente do futuro será um mobilizador de recursos múltiplos, tradicionais (a palavra, o caderno, o livro) e modernos (P C , internet etc.)3. 2 Esses
e stud os fazem pa rte d o prog ram a de investiga ção entitulad o "O s doc entes e os desafios da p rofission alizaçã o" , qu e se faz em diversos p aíses da A m érica La tina d esde 2000 . 3
U m a d iscussão sobre essa dim ensão da s no vas tecno log ias po de ser vista em J.J. B R U N N ER e outros; Ed ucaç ão e n ovas tecn olog ias: Esp eranç a ou inc erteza ? IIPE/U nesco , B uenos A ires (na p rensa ). 4
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C om o hipótese pod e-se afirm ar qu e o do cente q ue trab alha em contextos d e po breza go za de um respe ito e um a co nsideraçã o (fruto d a distância sociale cultural) que fortalece sua autoridad e pe da gó gica, o qu e é um a vantag em , já q ue ela é um com ponente fund am ental de sua própria co nd içã o profission al.
5. ORIGEM SOCIAL, RECRUTAMEN TO E CAR AC TERÍSTICA S SOCIAIS DOS DOCENTES
A lém da formação e das condições de trabalho, a origem social dos docentes e sua posição atual na estrutura social também contribuem para a formação de sua própria identidade como categoria profissional. As evidências indicam que na maioria dos países latino-americanos os docentes são recrutados em quase todos os segmentos sociais. Sem dúvida, alguns extratos sociais estão mais representados que outros. As pesquisas feitas pelo IIP E na A rgentina, no P eru e no Uruguai mostram algumas evidências sobre a origem social dos docentes e de sua posição na estrutura social do presente. No Uruguai um informe preliminar assinala que "a distribuição por classes de renda nacional dos docentes é melhor que a da população geral". Por sua vez, "os docentes estão super-representados nas classes 3 e 4 (27,1% e 28,6% , respectivamente) e sub-representados nas classes 1 e 2 (6, 5% e 16,4% , respectivamente). N as classes mais ricas, a p roporção de docentes é de 21,4% , uma
parcela muito pequena de representação" (ANEP-IIPEUnesco, 2002). Na Argentina o panorama é bastante parecido com o do Uruguai. Nesse país, "os docentes têm uma forte representação nas classes 3 e 4, que representam a camada média e média alta", (. ..) enquanto apenas 6% dos docentes se situam na classe 1, onde se encontram 20% dos lares urbanos mais pobres. Esse fato mostra que suas famílias não se encontram entre as mais desfavorecidas da estrutura social argentina. (I IP E-U nesco, M inistério da Educação, 2000) Sem dúvida, apesar dessa concentração dos docentes nos níveis médios da estrutura de distribuição de renda, é preciso ter em conta dois fenômenos significativos que têm a ver com suas percepções subjetivas e com o fenômeno da pobreza. Além da análise das características objetivas dos docentes segundo a renda que percebem, os bens de consumo duradouro que possuem etc., os estudos acima citados informam sobre sua percepção quanto à trajetória social ao longo do tempo. N o caso da A rgentina, os dad os mostram que os docentes atuais se caracterizam por ter experiências bem diferenciadas. Enquanto um terço diz que sua situação socioeconômica atual é pior que a que tinham seus pais quando eram crianças, outro terço diz que é melhor, e outro terço que é igual. No Peru, uma maioria de professores (42% ) diz que está melhor, 30% que estão pi ores e 27% que estão ig uais. D esse ponto de vista, a autopercepção dos docentes mostra a existência de situações bem diferenciadas. Por último, cabe assinalar que existe também um subgrupo significativo de docentes que considera que vive em lugares que podem ser definidos como pobres. C om efeito, 52% dos docentes peruanos e 20% dos argentinos manifestaram estar nessa situação. Essa aproximação muito geral está indicando que existe uma significativa minoria de docentes latino-americanos que vive em condições objetivas e subjetivas de pobreza. Por outro lado, existe uma elevada probabilidade de que os professores mais pobres se encontrem desempenhando funções em establecimentos que também são "pobres" (em termos de qualidade da infra-estrutura física, equipamentos didáticos etc.) e que são freqüentados por crianças e adolescentes que vêm também dos grupos mais desfavorecidos e excluídos da sociedade. Essa conjunção de pobrezas seguramente afeta o conteúdo e a forma do trabalho docente e é um forte obstáculo para a profissionalização de um grupo considerável de docentes latino-americanos4.
Por último, é preciso levar em conta um fato paradoxal: ali onde o salário do docente é um componente fundamental do total da renda percebida no lugar de referência (na A rgentina, apenas para 30% dos docentes o salário que recebem por desempenhar essa atividad e representa 70% ou mais do total da renda dos lugares onde vivem) , maior é a probabilidade de experimentar situações de pobreza. É óbvio que a posição na estrutura da distribução das rendas determina a qualidade, variedade e intensidade dos consumos culturais dos docentes, assim como o acesso às oportunidades de aperfeiçoamento profissional. 6. NOVOS ALUN OS: AS CARA CTERÍSTICAS SOCIAIS E CULTURAIS DOS DESTINATÁRIOS DA AÇÃ O EDU CATIVA
O s docentes de hoje se encontram nas aulas com novos alunos. Estes possuem características socioculturais inéditas. A qui interessa refletir sobre dois eixos. O primei ro tem a ver com a modificação significativa no "equilíbrio de poder entre as gerações". O segundo, com a cultura própria das crianças, adolescentes e jovens de hoje. M uitos educadores não possuem as competências de atitude e cognitivas necessárias para responder aos desafios próprios da formação das novas gerações. Essas defasagens estão na origem de alguns problemas de comunicação que dificultam tanto a produção de uma ordem democrática nas instituições como o desenvolvimento de aprendizagens significativas nos alunos. Essas novas condições do trabalho docente podem produzir doses significativas de frustração e mal-estar profissional. As instituções encarregadas da formação inicial e permanente de docentes não incorporaram de forma sistemática essa temática a seus programas. Por uma série de razões estruturais que se estendem por longo tempo na história, o equilíbrio de poder entre as gerações sofreu mudanças substanciais (ELIAS, N., 1999). N a atualida de, ainda que as relações entre as gerações continuem sendo assimétricas e a favor dos “maiores”, essa assimetria se modificou profundamente em benefício das novas gerações. Hoje as crianças e os adolescentes são considerados sujeitos de direito. Não só têm deveres e responsabilidades frente aos maiores, como se lhes reconhece capacidades e direitos. A incorporação praticamente universal da Declaração Internacional dos D ireitos da C riança (ai nda falta uma assinatura significativa, a dos EUA) é um indicador do grau de institucionalização alcançado por essas novas relações de poder entre as gerações. A instituições educativas têm que tomar nota dessa realidade e transformar seus dispositivos, em especial aque-
les que regulam as relações de a utoridade entre professores, diretores e alunos, as que organizam a ordem e a disciplina e aquelas que estruturam os processos de tomada de decisão. Há de se reconhecer que os adolescentes e jovens têm direitos específicos (à identidade, a expressar suas opiniões, a ter acesso à informação, a p articipar na definição e aplicação das regras que organizam a convivência, a participar da tomada d e decisões etc.) e há que desenhar os mecanismos institucionais que garantam seu exercício (regulamentos, participação em colegiados, recursos financeiros, de tempo e lugar, competências etc.). (TENTI FANFANI, 2001) O reconhecimento de direitos dos adolescentes somado à erosão das instituições escolares (produto da massificação com subfinanciamento e da perda de monopólio no campo das agências de imposição de significados) está na origem da crise da autoridade pedagógica como um efeito de instituição. Nas condições atuais, os agentes pedagógicos (professores, diretores, especialistas etc.) não têm garantidos a escuta, o respeito e o reconhecimento dos jovens. M as a autoridade ped agógica, entendida como reconhecimento e legitimidade, continua sendo uma condição estrutural necessária à eficácia de toda ação pedagógi ca. O problema é que hoje o professor tem que construir sua própria legitimidade entre os jovens e adolescentes. Para isso deve recorrer a outras técnicas e outros dispositivos de sedução. Trabalhar com adolescentes requer um novo profissionalismo que precisa ser definido e construído. Por outro lado, as crianças e os adolescentes de hoje não são apenas portadores de uma nova cultura feita de novos saberes e valores (em certa medida sempre foi assim), como também são portadores de uma nova relação com a cultura. A lguns autores (SIM O N E R ., 2001) chegam até mesmo a formular a hipótese de que as mudanças nos meios de produção e difusão da cultura introduzem modificações nos conteúdos e modos de pensar. A predisposição das novas gerações pelo uso da "visão não alfabética" (através da imagen) como via de acesso e desfrute de produtos culturais pode ser um obstáculo para ter acesso e usar a tradicional visão alfabética própria da cultura escolar e docente. Acontece que o tipo de sentido que se mobiliza determina um tipo de cultura. A visão não alfabética se associa ao desenvolvimento de uma linguagem "não proposicional" diferente da linguagem proposicional que é típica da cultura escolar, baseada na escrita e na leitura de textos. O s jovens, no entanto, consumidores intensivos de imagens, tendem a uma linguagem não proposicional, que é genérica, vaga, “não d á nomes às coisas, como que alude, usando ‘pala-
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vras gerais’ dentro das quais se pode incluir o que se quer” (SI M O NE R ., 2001, pag. 148), e rechaça a estrutura, a distinção entre elementos, a análise, a contextualização, a referencialidade, as taxonomias etc. Se é certo que a cultura de nosso tempo tende a privilegiar a visão não alfabética e a debilitar o peso da visão alfabética como meio de aproximação do conhecimento, esse é um dado que torna mais difícil a tarefa da escola e do professor, na medida em que, para alcançar seus objetivos, tem que produzir uma espécie de “conversão” cultural nos educandos, cujas condições de sucesso precisam ser explicitadas. Em síntese, pode-se dizer que sempre existiu um conflito ou uma distância entre a cultura da sociedade (em especial a cultura que se usa na vida cotidiana), a cultura dos jovens e a cultura da escola, encarnada nos docentes. M as na etapa em q ue predominava a visão alfabética poderia se supor que existiam dois fatores que facilitavam a tarefa da escola: ela e sua cultura gozavam de uma alta legitimidade social na medid a em q ue tinha uma espécie de m onopólio sobre os processos de distribuição do conhecimento evoluído; existia uma alta demanda de conhecimento baseado na leitura e na escrita proposicional. C om efeito, muitas crianças chegavam à escola sabendo ler e escrever, ou pelo menos dotadas de certo preparo, o que facilitava sua alfabetização. As condições em que hoje se desenvolve a relação sociedade-escola são diferentes. As novas gerações têm outras oportunidades de aprendizagem antes e durante a etapa de escolarização. Sua experiência escolar tem um significado que deriva da relação que mantêm com outras ofertas culturais. O conflito cultural entre as novas gerações e seus docentes não é apenas e sobretudo uma questão de valores, mas remete à difícil questão da coexistência de dois modos de apropriação e uso da cultura, um tradicional e proposicional, que reina nas coisas da escola, e outro que tende ao não proposicional e que os jovens “experimentam” e vivem em sua vida cotidiana e que se exercita e aprende ao mesmo tempo na relação com os meios de comunicação de massa (sobretudo a televisão) e o resto da oferta de bens culturais (internet, vídeo, videogames, música etc.).
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Nas condições atuais se torna cada vez mais problemática a velha questão da relação entre “experiências” e “vivências” da vida cotidiana e sua expressão em termos de determinadas tradições culturais que reinam no mundo da escola e da educação formal. O trabalho docente nes-
sas condições implica um desafio particular que põe à prova todo o sistema de competências envolvido na definição clássica do professor. A escolarização massiva e obrigatória de adolescentes e jovens parece ser uma "tendência pesada" do desenvolvimento de nossas sociedades e, nesse contexto, tanto a modificação do equilíbrio de poder entre as gerações como a emergência de novos modos de produção e apropriação de cultura impactam diretamente sobre a profissionalização dos docentes. Em ambos os casos estes necessitam desenvolver um conjunto de competências específicas que os torne aptos para o diálogo com esses novos alunos a fim de garantir as condições sociais (convivência) e pedagógicas (comunicação e interação) que tornem possível o desenvolvimento de aprendizagens significativas. O s docentes precisarão ser cada vez mais "experts em cultura das novas gerações", na medi da em que a transmissão da cultura escolar (o currículo) deverá levar em conta não apenas as etapas biopsicológicas do desenvolvimento infantil, como também as diversas culturas e relações com a cultura que caracteriza os destinatários da ação pedagógica. Essa exigência é ainda mais pertinente em um mundo onde o multiculturalismo tende a se converter em uma situação cada vez mais freqüente e até mesmo cada vez mais valorizada. O novo docente deverá ser capaz de compreender, apreciar e "fazer dialogar" as culturas incorporadas pelos alunos das instituições escolares. 7. O CONTEXTO ORGANIZACIONAL/ INSTITUCIONAL DO TRABALH O DOCENTE E A EM ERGÊNCIA DO DOCENTE COLETIVO
O contexto do trabalho docente está experimentando transformações profundas, muitas delas como resultado de políticas educacionais específicas. Essas mudanças avançam com ritmo e modalidades desiguais no conjunto do sistema educativo e têm efeitos significativos na definição do pa pel do docente. O s velhos sistemas centralizados, fechados, hierárquicos, caracterizados por uma rígida divisão funcional do trabalho, extremamente regulados etc. estão se transformando em sistemas descentralizados que fortalecem a autonomia das instituições no território, a participação de agentes escolares e extraescolares em todos os níveis e a interação com outros âmbitos (produtivos, culturais, científico-tecnológicos, artísticos etc.) da vida social. Pouco a pouco vão se perfilando novos modelos de organização e novos estilos de gestão que geram novas demandas aos agentes escolares. Essa passagem da escola burocrática à escola pós-burocrática (com todas as contradições e conflitos associados ao processo) põe em crise tanto a profissionalização dos gestores educativos como a d os docentes. O trabalho
docente muda de conteúdo nas organizações educativas pós-burocráticas. O novo docente se encontra situado em um contexto onde a divisão do trabalho pedagógico é muito mais complexa na medida em que se incorporam novas figuras profissionais (orientadores, animadores culturais, produtores de texto, especialistas em avaliação, peritos em tecnologias educativas, bilingüismo, multiculturalismo etc.). Sua atividade é cada di a mais relacional e a polivalência, a capacidade de tomar iniciativas e assumir responsabilidades, a avaliação, o trabalho em equipe, a comunicação, a resolução de conflitos, etc. se convertem em competências estratégicas que definem seu novo papel profissional. É óbvio que essa mudança qualitativa do contexto organizacional que enriquece a profissionalização do docente não é, porém, um fenômeno massivo nas instituições educacionais. Em geral sua emergência é mais provável nas instituições mais ricas e que atendem aos grupos mais privilegiados da sociedade. Em geral, muitos estabelecimentos públicos para os grupos mais desfavorecidos e empobrecidos não conservam as características mais típicas das organizações burocráticas. Em muitos casos, o caminho da burocracia à pós-burocracia (ou às organizações inteligentes) passa por uma estação intermediária onde muitas instituições permanecem ancoradas: a burocracia degradada. Esse é o caso de um vasto conjunto de instituições educativas que sofrem os rigores da crise fiscal com todos os efeitos de empobrecimento de recursos, deslegitimação e confusão normativa, conflitos crescentes entre os membros da comunidade escolar etc., situação que contribui para debilitar as instituções e degradar as condições de trabalho do docente. Na realidade pode-se dizer que o “sistema” educativo tende não só a se diferenciar (o que pode ser um sinal positivo de adaptação às necessidades e condições de vida da pop ulação que atende), como a fragmentar-se e hierarquizar-se em instituições "ricas" em recursos, inteligentes, fortes, capazes de cumprir suas funções de transmissão cultural e instituições "pobres", e portanto débeis, ineficientes e incapazes de cumprir a função que a sociedade espera delas. Essa heterogeneidade regressiva (porque tende a reproduzir as hierarquias sociais em vez de contribuir para superá-las) se associa a uma di ferenciação dos papéis docentes que terminam por fragmentar a profissão e transformá-la em um arquipélago com ilhas dotadas de qualidade, complexidade e recompensas materiais e simbólicas muito desiguais e hierarquizadas. Entre as inúmeras conseqüências da incorporação de maior autonomia institucional aos estabelecimentos escolares no desempenho profissional dos docentes, a principal é a exigência de trabalhar em equipe. Essa exigência
implica uma ruptura importante na cultura tradicional dos docentes, baseada na idéia de autonomia individual, associada a um alto nível de regulação e controle burocrático de suas atividades. C omo assinalam vários estudos, a atividade dos professores se caracteriza pelo anonimato e o regulamentarismo, o que permite conceber a docência como um “ofício de individualistas” ( C HA PO U LIE J.M , 1987; DU BET F. et M AR TU C C ELLI D., 1996). A impessoalidade burocrática é a melhor garantia de autonomia na relação pedagógica. Por isso é que, embora os professores percebam negativamente a inspeção, poucos a desaprovam, já que os protege de toda intervenção externa. Nesse esquema de ação educativa baseado no individualismo docente, a unidade d e trabalho é a sala de aula e não a instituição escolar, a escola. Várias tendências, cuja vigência já está presente no desenvolvimento da educação, indicam que esse risco da cultura profissional dos docentes não poderá se manter no futuro. Em primeiro lugar, a heterogeneidade dos alunos obriga a trabalhar em equipe para atender às diferentes exigências, tanto de tipo cognitivo como cultural, apresentadas pelos estudantes; em segundo lugar, a diversificação das demandas para a educação não pode ser satisfeita indi vidualmente por cada docente, mas pela instituição em seu conjunto; em terceiro lugar, o reconhecimento cada vez mais evidente da continuidade do processo de formação da inteligência e da personalidade requer um trabalho articulado entre os docentes que trabalham nas diferentes etapas do processo educativo; por último, o desenvolvimento da capacidade de trabalhar em equipe é uma exigência para os alunos cada vez mais intensamente requerida, tanto pelo desempenho no mercado de trabalho como pelo desempenho como cid adão. Passar de uma cultura de exercício individual do ofício a uma cultura de profissionalismo coletivo não é um processo fácil. Em primeiro lugar, é importante reconhecer que, embora a reforma institucional baseada na maior autonomia e a existência de projetos por estabelecimento seja um passo muito importante, isso não esgota o processo. A autonomia institucional é uma condição necessária, mas não suficiente para o trabalho em equipe. Em segundo lugar, também é importante reconhecer que não existe um só tipo de equipe. U tilizando uma metáfora desportiva, Peter Drucker definia três grandes categorias de equipe: a primeira se refere ao tipo de equipe que se estabelece no jogo de tênis em dupla. Nesse caso, as equipes são de poucos membros e cada um trata de se adatar à personalidade, aos pontos fracos e fortes do companheiro. A segunda categoria é encontrada no jogo
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de beisebol, ou no desempenho das orquestras, onde cada membro tem posições e funções fixas para desempenhar. A terceira categoria se baseia no futebol, onde cada jogador tem p osições fixas, mas o conjunto da equipe se move simultaneamente e adota uma determinada estratégia (D RU K C ER, 1995). A definição de qual será o tipo dominante de equipe em uma determinada instituição é um passo importante na elaboração do projeto institucional. Em terceiro lugar, as análises e as propostas de trabalho em equipe se apóiam fundamentalmente nas experiências efetuadas no setor privado, onde a adesão a determinados princípios costuma ser um requisito de entrada e onde os líderes da instituição podem tomar decisões para garantir a coerência do projeto. Esses dois riscos – adesão a princípios e poder de decisão – não aparecem da mesma maneira nas instituições públicas, que se orientam por princípios formais de funcionamento burocrático. C omo i ntroduzir nas instituições públicas os riscos que permitam um funcionamento mais comprometido com determinados objetivos e mais cooperativo do ponto de vista do trabalho profissional é, precisamente, um dos problemas mais importantes que se apresentam para a política educacional atual, particularmente do ponto de vista da administração e da gestão. (T ED ESC O J.C., 1998) A esse respeito, é importante lembrar que a incorporação da idéia de equipe docente tem implicações importantes sobre as condições de trabalho. P erguntas do tipo “C omo permitir a mobilidade dos docentes se se enfatiza a autonomia institucional e se o desempenho está associado ao perfil de cada instituição?”, “C omo definir uma política salarial por equipes e não por indivíduos isolados?”, “C omo garantir níveis adequados de objetividade na avaliação do desempenho docente quando o rendimento é por equipe e não por indivíduo?” aparecerão à medida que se avance no desenvolvimento de estratégias educativas baseadas na id éia de promover uma educação ad equada aos novos desafios. Essas perguntas não têm respostas únicas nem a priori e será necessário aceitar que não existe uma maneira única de resolver os problemas. A elaboração das respostas exigirá, em conseqüência, um certo grau de experimentação e de avaliação de resultados em que as tradições de cada país terão um papel fundamental.
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As tendências mencionadas podem produzir dois fenômenos inter-relacionados: a polarização e a heterogeneização do campo docente (T ENT I FAN FANI E. , 1995). O s recentes processos de privatização e descentralização dos sistemas educativos empurram na mesma direção. Por um lado, se ampliará a distância entre os modelos típicos situados nos extremos (polarização). Por outro, se
registrará um aumento dos particularismos que aumentarão a segmentação do mercado de trabalho docente (heterogeneização). Próximo ao primeiro pólo irá se conformando uma minoria de docentes cujo trabalho os assemelhará ao modelo dos "analistas simbólicos", quer dizer, a esse subconjunto de indivíduos cuja atividade, na essência, é identificar, definir e resolver problemas novos e cujo capital cultural se assenta em quatro habilidades básicas: abstração, pensamento sistêmico, experimentação e colaboração. N o outro pólo se concentra a maioria dos professores. Estes, diferentemente dos analistas simbólicos, realizam "serviços de pessoa a pessoa" que são tarefas simples e repetitivas para as quais não são requeridas competências de um alto grau de formação. Esses agentes cobram "em função das horas trabalhadas ou do rendimento laboral; estão estreitamente supervisionados (como seus chefes), não precisam ter adquirido muita formação (no máximo um título de secundário ou seu equivalente, além de certo treinamento vocacional)". (R EIC H, R. , 1992, pág. 175). 8. M UDA NÇAS NA S TEORIAS PED AGÓGICAS E REPR ESENTAÇÕES SOCIA IS SOBR E O PAPEL DO PROFESSOR
O papel do professor depende em grande medid a da função social que em cada momento histórico se dá ao sistema educativo. De fato, na maioria de nossas sociedades se espera que o sistema educativo escolar cumpra não uma, mas várias funções. Em outras palavras, nem todos os membros da sociedade têm as mesmas expectativas ou esperam as mesmas coisas das instituições onde se educam as novas gerações. N a verdade, a escola é uma instituição multifuncional e cada vez se espera mais coisas dela e dos professores. Por exemplo, se poderia dizer que, enquanto alguns esperam que o sistema escolar desenvolva conhecimentos relevantes nas pessoas relacionadas com as linguagens, as matemáticas e as ciências naturais e sociais, outros demandam uma formação moral e de cidadania, o aprendizado de línguas estrangeiras, uma formação para o trabalho, o domínio de ferramentas de informática (computação), a formação de competências artísticas e desportivas, a preservação de determinadas tradições culturais e/ou religiosas etc. Em outras palavras, a escola é uma instituição muito mais complexa e multifuncional que uma empresa produtora de automóveis ou camisas. É provável que nem todos os membros de uma determinada comunidade escolar compartilhem a mesma vi são a respeito dos objetivos prioritários que a escola deve perseguir, portanto nem todo o mundo possui os mesmos critérios de avaliação para definir o que é uma "boa escola".
Por isso, torna-se particularmente interessante peguntar quais são as opiniões dos docentes a respeito dos fins da educação, já que elas estarão associadas a certas imagens sobre o papel que eles desempenham na sociedade. As pesquisas do IIPE-Unesco revelam dados significativos, tanto sobre o que os professores definem como funções prioritárias da educação como a respeito da definição de seu próprio papel profissional. O questionário aplicado convidava os docentes a eleger "os dois fins mais importantes" e "os dois menos importantes" da educação e a optar entre duas formulações de seu papel: uma como "facilitador da aprendizagem dos alunos", outra como "transmissor de cultura e conhecimento". O s resultados mostram que existe uma diversidade de orientações a respeito. De uma lista proposta de fins da educação, o que obteve a maioria das preferências dos docentes argentinos foi o que se relacionava com o desenvolvimento "da criativida de e d o espirito crítico" (61% ). Em segundo lugar aparece a “preparação para a vida em sociedade", finalidade assinalada como prioritária por pouco menos da metade dos docentes entrevistados (45% ). Só em terceiro lugar, e com uma porcentagem muito mais baixa ( 28% ), aparece a transmissão de "conhecimentos atualizados e relevantes". O u seja, menos de um terço dos docentes se pronuncariam a favor dessa finalidade clássica do sistema educativo. O transmitir "valores morais" foi assinalado como um objetivo prioritário por 25% dos docentes argentinos. Só uma minoria (13% ) se pronunciou pela "formação para o trabalho". Entre os fins menos importantes, o de "selecionar os sujeitos mais capacitados" contou com o consenso de 73% dos docentes argentinos. Além dos significados que os docentes dão a cada um dos fins assinalados (aspecto que uma pesquisa não está em condições de exemplificar), pode haver várias leituras desses resultados. Em primeiro lugar, pode-se assinalar o consenso absoluto em torno de uma formulação de fins da educação como "o desenvolvimento da criatividade e do espirito crítico". M as esse consenso adquire um significado particular quando se o compara com a minoria (menos de um terço) que concebe a transmissão de conhecimento como o objetivo principal da educação escolar. C abe assinalar que essa preferência não é uma exclusividade dos docentes argentinos e que, em termos gerais, é compartilhada pelos docentes uruguaios e peruanos a quem se aplicou um questionario análogo. Tudo parece indicar que estamos na presença de um paradigma ou modo de ver as coisas da educação que é relativamente hegemônico entre os docentes latino-americanos. O predomínio dessa preferência, além do seu con-
teúdo, pode estar associado ao peso de certas correntes pedagógicas contemporâneas que se desenvolveram no calor da crítica a um modo tradicional e esquemático de entender os fins da escola que em sua forma caricaturesca foi qualificado como de "educação bancária". Em outras palavras, muitos pedagogos de prestígio reivindicaram o valor do desenvolvimento de certas faculdades intelectuais e ético-morais nos educandos, contra a ênfase dada à transmissão de conhecimentos entendidos como informação, que os alunos deveriam aprender. Em sua forma mais esquemática, a educação tradicional se reduziria à memorização de um conjunto de conhecimentos que a sociedade acumulou ao longo de sua história e que eram considerados valiosos para a solução de problemas, tanto individuais como derivados da convivência social. Sem dúvida, se poderia dizer que essa ênfase no desenvolvimento de faculdades complexas, quando significa uma desvalorização da idéia de educação como apropriação de conhecimentos e capital cultural em geral, pode ter conseqüências negativas. Com efeito, a preferência exclusiva por "criatividade e capacidade crítica" pode ter boas intenções quando se separa e se opõe à idéia de educação como apropriação dos frutos da cultura e da civilização humanas. A não ser que se conceba a criatividade como uma qualidade quase mágica, quer dizer, como uma capacidade de fazer algo do nada (como uma capacidade divina), ela não é mais do que uma simples expressão de desejos, se não vai acompanhada de uma forte ênfase na apropriação daquelas ferramentas de pensamento e de ação que os homens desenvolveram, codificaram e acumularam ao longo de sua história. Em qualquer campo de atividade complexa, tanto técnico-científica como estética ou desportista, têm maior probabilidade de inventar e de criar aqueles que já se apropriaram de elementos culturais previamente desenvolvidos, que provêm uma capa cidade concreta de fazer e de pensar o novo. São os que mais se apropriaram do capital literário que têm maiores probabilidades de fazer literatura de valor. O mesmo se pode afi rmar de qualquer campo d isciplinar ou científico. O saber acumulado tem esta virtude: não só é conhecimento, como também método, estratégia, instrumento, recurso para criticar e superar o dado. Essa é uma característica diferencial da cultura contemporânea. Em outras palavras, quando se trata de saberes e competências, a reprodução está intimamente ligada à sua própria produção renovada. A cultura comp lexa se conserva e se transforma em um mesmo movimento. Se é assim, a ênfase exagerada na criatividade, quando não vai acompanhada de uma valoração contemporânea pela apropriação do saber acumulado, corre o risco de ser uma lacuna, um objetivo declarado de duvidosa reali-
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zação prática. Essa hipótese é plausível quando se observa a subvalorização da idéia de transmissão cultural 5, a qual pode-se associar com um certo esvaziamento em matéria de aprendizagem de conteúdos culturais básicos, tais como o domínio da linguagem, o cálculo, os elementos básicos das ciências sociais e naturais, as competências relacionadas com a busca e análise da informação, os idiomas estrangeiros etc. Não é demais recordar que o domínio desses conteúdos é uma condição indispensável a qualquer atividade criativa e crítica. O questionário aplicado na Argentina, no U ruguai e no Peru oferecia ao entrevistado duas definições típicas do papel docente. U ma dizia: “ O docente é, antes de tudo, um transmissor de cultura e conhecimento”. A outra afirmava: “ O docente é sobretudo um facilitador da aprendizagem dos alunos”. A primeira corresponde a uma concepção mais clássica e “dura” do ofício, enquanto a segunda expressa uma formulação mais contemporânea e provavelmente mais “branda” do papel do docente. A preferência dos docentes argentinos se orientou decididamente (72,8% ) para a segunda opção. A penas 12,9% se identificaram com a primeira, enquanto uma minoria (11% ) não se identificou com nenhuma. E ssa estrutura de preferências se reproduz nos outros dois países estudados. Esses dados estão indicando que as definições citadas organizam bastante bem o espaço das alternativas possíveis em matéria de função docente.
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C ab e lem brar qu e, pa ra "com pe nsar" essa op eração d e "sub traç ão" de c onteúdo, ce rtos discursos insistem em definir o professor com o um "investiga do r e criad or", m ais que um sim ples tran sm issor d e cu ltura e con hec im ento. A exp eriênc ia ind ica qu e e sse apa rente enriquecim ento da definiçã o do ofício d oc ente, ao se b ase ar em considerações pou co rea listas sobre a espec ificidad e prop riam ente pe da gó gica do trab alho do cen te e sob re a s cond ições sociais em qu e este se de senvo lve, se redu z a um discurso vazio e volun tarista, carente d e qualque r im plica ção p rática .
O predomínio da idéia do docente como “facilitador” é generalizado em todos os subgrupos que podem ser constituídos no universo estudado. Sem dúvida sua intensidade varia em função de certas características dos sujeitos. No caso argentino, os dados indicam que os professores primários se inclinam mais para essa imagem que seus colegas professores do secundário. A diferença é particularmente forte quando se trata de professores homens. Q uase um quarto destes optam pela definição mais clássica do docente como “transmissor de cultura e conhecimento”. As preferências dos docentes, tanto no que diz respeito à definição das funções da educação como à de seu próprio papel, indicam a presença de uma subvalorização relativa do conhecimento como acervo cultural que deve ser transmitido às novas gerações. Essa atitude generalizada, que é um indicador da difusão de certas orientações pedagógicas durante as últimas décadas do século XX no corpo docente latino-americano, entra em contradição com determinadas expectativas sociais a respeito da escola como instituição responsável pelo desenvolvimento de conhecimentos que sejam significativos, tanto para a construção de subjetividades autônomas como para a formação de recursos humanos e de cidadania ativa.
Em resumo, é provável que a subvalorização relativa do tema da transmissão cultural na definição do ofício de docente torne menos clara a especificidade de seu trabalho e se constitua em um obstáculo de peso para o êxito de novos e mais complexos níveis de profissionalização dessa atividad e.
O caráter integral das políticas futuras Afirmamos neste trabalho que os fatores que de uma maneira ou de outra incidem na configuração atual da atividade docente têm efeitos ambíguos e até contraditórios. Eles não determinam em um sentido único a evolução desse ofício no presente e no futuro imediato. Este dependerá, em grande medida, de uma política realista, quer dizer, que parta de um conhecimento do sentido, da amplitude e das características específicas das transformações que se desenvolvem em todos os âmbitos da vida social contemporânea. A análise do papel dos docentes neste momento de profundas mudanças sociais põe em evidência a enorme complexidade dos problemas e da necessidade de enfrentá-los com estratégias sistêmicas de ação e não com políticas parciais. Durante as últimas décadas, e como estratégia frente ao deterioramento das condições de trabalho e de prestígio da profissão, existiu uma tendência natural de focalizar a discussão do papel dos docentes em termos de sua situação material. Esse enfoque parcial mostrou suas limitações e atualmente existe um consenso cada vez mais importante em reconhecer a necessidade de enfrentar o problema a partir das múltiplas dimensões que o integram, mas, como já foi dito repetidamente com respeito ao enfoque sistêmico das estratégias educativas, reconhecer a necessidade de enfrentar o problema em todas as suas dimensões não significa que seja possível ou aconselhável tentar resolver tudo ao mesmo tempo. O caráter sistêmico deve ser entendido como a necessidade de definir uma seqüência nas ações por meio das quais se torne público quando e como as diferentes dimensões do problema serão enfrentadas. O s momentos mais relevantes dessa seqüência têm a ver com os critérios de seleção dos estudantes dos institutos de formação docente, seus programas e suas estratégias pedagógicas, as modalidades de inserção profissional, a carreira e os critérios de avaliação de desempenho e recompensas materiais e simbólicas que se associam à profissão. A enorme diversidade de situações existentes atualmente em nossas sociedade indicam que é i mpossível definir uma seqüência de validade geral. As estratégias devem se adaptar às condições locais e é ali que podem ser definidas de forma adequada. (TEDESC O J. C., 1999). Em resumo, o enfoque integral das políticas docentes implica aceitar a complexidade das situações que se
enfrentam. M as há um ponto sobre o qual é necessário insistir: a complexidade, diferentemente do que supõem muitos enfoques, também existe em situações de pobreza e subdesenvolvimento. Nessas situações, o único pobre é a disponibilidade de recursos, mas não complexidade da realidade. É provável que aqui, como nos países mais desenvolvidos, o caminho da profissionalização dos docentes se encontre cheio de obstáculos. Vale a pena reproduzir uma lista extensa e exaustiva deles, tal como a apresenta um especialista, na med ida em que a mai oria deles opera em uma grande diversidade de contextos nacionais: "A dificuldade de introduzir padrões em uma atividade tão massiva; a desvalorização das credenciais como conseqüência de uma elevação dos requisitos de formação docente; a tendência à nivelação e à homogeneidade de condições que é típica do sindicalismo docente; os limites políticos e orçamentários a uma elevação significativa dos salários dos docentes; a posição histórica do ensino como uma forma de trabalho para as mulheres; a resistência política dos pais de família, cidadãos e políticos a uma afirmação do controle profissional sobre as escolas; a entrada tardia da docência no concorrido campo das ocupações profissionalizadas; a prévia profissionalização dos administradores escolares e o poder das burocracias educativas; a larga tradição de introduzir reformas educacionais por meios burocráticos; o problema de convencer
o público de que o conhecimento sobre temas escolares aparentemente não esotéricos é uma forma de ‘expertise’ profissional exclusiva; a dificuldade de incluir a pedagogia num sistema formal de conhecimento profissional; o papel estendido dos não profissionais (pais de família e outros cidadãos) na instrução das crianças; o baixo status das escolas de educação e dos formadores de professores; a resistência das universidades a relaxar o monopólio sobre o conhecimento de mais alto status; e a diversidade de lugares em que se realiza a formação de professores". (LABAREE, D.F., 1992, pág. 126-127). A consciência e o conhecimento do alcance e da profundidade dessas dificuldades é condição necessária para o êxito de qualquer política de profissionalização dos docentes. Uma política integral que busque favorecer uma nova profissionalização docente deverá contemplar intervenções articuladas em três dimensões básicas: a formação, as condições de trabalho e de carreira e o sistema de recompensas materiais e simbólicas que se oferecem. A experiência indica que nenhuma reforma parcial, quer dizer, que se concentra exclusivamente em uma dessas dimensões (o salário, a formação docente ou o estatuto que regula o trabalho e a carreira), poderá favorecer essa profunda "reforma intelectual e moral" necessária à profissão docente para garantir níveis básicos de eqüida de na di stribuição desse capital estratégico que é o capital cultural.
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