Como funciona a democracia - Uma teoria etnográfica da política Marcio Goldman
Prólogo - Os tambores dos mortos e os tambores dos vivos Peter Gow - “Qual “Qual é a explicação? Por um lado, creio que Tânia esteja certa. Isso é realmente fazer traal!o de campo" essas experi#ncias emanam de outras pessoas. $as !% mais. &c!o que é si'nificati(o que ten!a sido m)sica o que ou(imos nos dois casos. * poss+(el que, em estados de alta sensiilização, padres complexos, mas re'ulare re'ulares, s, de sons do mundo, como rios correndo ou uma noite noite tropical, tropical, possam e(ocar formas musicais que não temos consci#ncia de termos considerado esteticamente prolem%ticas. -a medida em que estamos aprendendo aprendendo esses estilos musicais sem o saer, saer, ns, so determinadas circunstâncias, os projetamos de (olta no mundo. &ssim, (oc# ou(iu tamores de candomlé, eu, m)sica de flauta. Penso que um processo semel!ante ocorre com as pessoas que estudamos. Porque eles o(iamente tamém ou(em essas coisas. $as eles simplesmente aceitam que esse é um aspecto do mundo, e não se preocupam com isso. Toda(ia, continua sendo impressionante e o mistério não é resol(ido por essa explicação. / que ima'ino é que de(emos repensar radicalmente todo o prolema da crença, ou ao menos deixar de dizer pre'uiçosamente que 0os fulanos cr#em que os mortos tocam tamores1 tamores1 ou que 0os eltranos acreditam acreditam que os esp+ritos do rio tocam flautas1. 2les não 0acreditam1" é (erdade3 (erdade3 * um saer sore o mundo4 Gow !""#$% &p% !'( )* “Os tambores dos vivos e os tambores dos mortos fa+em parte da mesma e,perincia global( e foi certamente o fato de eu ter sido afetado pelos primeiros .ue abriu a possibilidade de ouvir os segundos% /m outro sentido( contudo( foi talve+ necessário ter escutado os tambores dos mortos para .ue os dos vivos passassem a soar de outra forma( 0á .ue( nesse momento( vivi uma e,perincia .ue( sem ser necessariamente idntica 1 de meus amigos em 2l34us( tin3a com ela ao menos um ponto de contato fundamental5 o fato de ser total e de n6o separar os diferentes territórios e,istenciais .ue 3abitamos% Como me escreveu Peter Gow( era mesmo a no76o de cren7a .ue deveria ser posta em .uest6o( na medida em .ue 4 uma das grandes responsáveis pelas falsas distin78es .ue buscam separar a 9realidade: da.uilo .ue em geral se denomina 9imaginário: e .ue( na verdade( deveria simplesmente ser c3amado de 9real:( na medida em .ue a realidade 4 sempre o efeito de um ato de cria76o% / n6o dei,a de ser curioso observar( de passagem( .ue ;4v<-=ru3l &%%%* 4 um crítico radical da no76o de cren7a( propondo sua substitui76o pelo conceito de experiência% >a verdade( 4 a própria distin76o .ue n6o possui alcance universal( uma ve+ .ue depende de uma 9defini76o da e,perincia inconteste entre nós após um longo trabal3o secular de crítica .ue des.ualificou e e,cluiu da e,perincia válida as e,perincias místicas: ;4v<-=ru3l !"?"5!)!-!)@$A% ¬a ) - 9Bi+emos .ue eles 9crem .ue o mundo mítico foi real( e .ue o 4 sempre &%%%*% Be fato( em todos os casos desse gnero( eles n6o tm conscincia de 9crer:( mas de sentir( de e,perimentar a realidade do ob0eto( n6o menos do .ue .uando se trata dos seres e acontecimento do mundo .ue os rodeia: ;4v<=ru3l =ru3l !" !"#5! #5!@D@D-!@# !@#$% $% Ou( como como escrev escreveu( eu( em lingua linguagem gem bem mais mais con contem tempor porEne Enea( a( Paul Paul Fe
2ntrodu76o - Hntropologia Hntropologia da política e teoria etnográfica da democracia “%%% como lembrou 3á tempos Ios4 Guil3erme Magnani !"#)5!@"-!$( desde !"!)( MalinowsJi n6o apenas criticava o insustentável pressuposto de e,istncia de uma 9 opinião nativa: ¬a ? - “nunca se dá o caso de .ue os 9nativos: - assim( no plural - ten3am alguma cren7a ou ideia5 cada um deles tem suas próprias ideiasA MalinowsJi( apud Magnani !"#)5 !$% p% ?#*( como revelava .ue 4 0ustamente a diversidade de opini8es .ue permite ao etnógrafo reconstituir o .ue denominava 9fatos invisíveis: MalinowsJi !"'( vol% !5!D$% H no76o de representa76o 4 de fato problemática Magnani !"#)5!@D-!@#$ e o trabal3o de campo 4 sobretudo uma atividade construtiva ou criativa( pois os fatos etnográficos 9n6o e,istem: e 4 preciso um 9m4todo para a descoberta de fatos invisíveis por meio da inferncia construtiva: MalinowsJi !"'( vol% !5!D$% >esse sentido( se a 3istória se escreve( como .uer Paul Fe6o obstante( o problema central a.ui n6o 4 tanto .ue 9virar nativo: se0a impossível impossível ou ridículo( mas .ue( em todo caso( 4 uma ideia fLtil e plena de inutilidade% “Hs refle,8es de Geert+( como tamb4m se sabe( dirigem-se a MalinowsJi e sua 9observa76o participante:% Penso( contudo( .ue seria preciso recon3ecer .ue essa no76o n6o 4 assim t6o clara .uanto costuma parecer% &%%%* ao converter a antiga 9antropologia de varanda: KtocJing Ir% !"#$ em trabal3o de campo efetivo( MalinowsJi parece ter operado na antropologia um movimento em tudo semel3ante ao de reud na psi.uiatria5 em lugar de interrogar 3ist4ricas ou nativos( dei,á-los falar 1 vontade% H observação participante significa( portanto( muito mais a possibilidade de captar as a78es e os discursos em ato do .ue uma improvável metamorfose em nativo% / como este Lltimo( em geral( e ao contrário da 3ist4rica( n6o procura nem 4 levado ao gabinete do antropólogo( o trabal3o de campo torna-se uma necessidadeA% &p% @D* Uma teoria etnográfica( no ponto de vista do MalinowsJi de 7oral 'ardens and t!eir ma'ic ( “n6o se confundiria nem com uma teoria nativa sempre c3eia de vida( mas por demais presa 1s vicissitudes cotidianas( 1s necessidades de 0ustificar e racionali+ar o mundo tal .ual ele parece ser( sempre difícil de transplantar para outro conte,to$( nem com o .ue MalinowsJi viria a denominar mais tarde 9uma teoria
científica da cultura: cu0a imponncia e alcance só encontram paralelo em seu caráter anmico e( em geral( pouco informativo$% /vitando os riscos do sub0etivismo e da parcialidade( por um lado( e do ob0etivismo e da arrogEncia( por outro( MalinowsJi parece ter descoberto 9o soberbo ponto mediano( o centro% >6o o centro( ponto pusilEnime .ue detesta os e,tremos( mas o centro sólido .ue sustenta os dois e,tremos num notável e.uilíbrio: Nundera !""!5 D#$% “ importante n6o se e.uivocar a.ui% H diferen7a entre teorias nativas( etnográficas e científicas n6o repousa sobre uma reparti76o 0udiciosa de erros e verdades nem sobre uma suposta maior abrangncia das Lltimas( mas sobre diferen7as de recortes e escalas( de programas de verdade( como diria Paul Feesse sentido( permite superar os con3ecidos parado,os do particular e do geral( assim como( talve+( os das práticas contra as normas ou das realidades em oposi76o aos ideais% 2sso por.ue se trata sempre de evitar as .uest8es abstratas a respeito de estruturas( fun78es ou mesmo processo( e dirigi-las para os funcionamentos e as práticas% ¬a " - “ou( nas palavras de Iac.ues Bon+elot !"D)5!D@$( trata-se de dei,ar de perguntar 9o .ue 4 a sociedade( pois isto 4 abstrato e n6o leva al4m de um conceito geral% Pergunta-se antes5 como 4 .ue nós vivemos em sociedade /sta 4 uma .uest6o concreta5 onde vivemos Como ocupamos a terra Como vivemos o /stadoA% p% ?#* “Hssim( se o ob0etivo Lltimo deste livro 4 esbo7ar uma teoria etnográfica da política ou da democracia( n6o 4 por.ue se limita a uma cidade em particular( suas elei78es e seus movimento negros( dei,ando de lado os níveis mais gerais ou abstratos% Uma teoria etnográfica procede um pouco 1 moda do pensamento selvagem5 emprega elementos muito concretos coletados no trabal3o de campo - e por outros meios - a fim de articulá-los em proposi78es um pouco mais abstratas( capa+es de conferir inteligibilidade aos acontecimentos e ao mundo% ¬a ! - “como escreveu ;4vi-Ktrauss !"'?5"#-""$( em antropologia trata-se sempre de atingir 9um nível em .ue os fenQmenos conservem uma significa76o 3umana e permane7am compreensíveis - intelectual e sentimentalmente - para um conscincia individual .ue n6o encontra 0amais em sua e,istncia 3istórica ob0etos como o valor( a rentabilidade( a produtividade marginal ou a popula76o má,ima:% H esses conceito certamente poderíamos acrescentar independente( a escol3a ou a democracia idealA% p% ?#( "* Rrata-se a.ui( assim( de uma tentativa de elabora76o de uma grade de inteligibilidade .ue permita uma mel3or compreens6o de nosso próprio sistema político% Para isso( recorre-se certamente a acontecimentos muito concretos( mas tamb4m a teorias nativas muito perspica+es e a formula78es mais abstratas .uando estas se mostram LteisA% &p% @#( "* Keguindo ;4vi-Ktrauss( “%%% s6o as próprias características epistemológicas da disciplina .ue e,igem a e,perincia de campo% 9/n.uanto a sociologia se esfor7a em fa+er a cincia social do observador:( escreveu ;4vi-Ktrauss !"'?5"D$( 9a antropologia procura( por sua ve+( elaborar a cincia social do observado:% 9H sociologia:( prossegue( 94 estreitamente solidária com o observador:( e( mesmo .uando
toma por ob0eto uma sociedade diferente( adota o ponto de vista da.uela do observadorS ainda .uando pretende falar da 9sociedade em geral:( 4 9do ponto de vista do observador: .ue amplia sua própria perspectiva% H antropologia( ao contrário( elaboraria a cincia social do observado( adotando o ponto de vista do nativo ou o de um 9sistema de referncia fundado na e,perincia etnográfica &%%%*( independente( ao mesmo tempo( do observador e de seu ob0eto: iidem$% nesse sentido .ue ;4vi-Ktrauss pQde tamb4m escrever .ue a distin76o entre 3istória e antropologia se deve menos 1 ausncia de escrita nas sociedades estudadas pelos antropólogos do .ue ao fato de .ue o 9etnólogo se interessa sobretudo pelo .ue n6o 4 escrito( n6o tanto por.ue os povos .ue estuda s6o incapa+es de escrever( como por.ue a.uilo por .ue se interessa 4 diferente de tudo o .ue os 3omens se preocupam 3abitualmente em fi,ar na pedra ou no papel% ¬a !! - “como observa ravet-Kaada !"#!5)$( essa talve+ se0a a sina do 3istoriador( uma ve+ .ue( 9nos ar.uivos( o 9povo: 4 falado mais do .ue fala( aparecendo como o ob0eto do discurso administrativo( n6o como su0eito de um discurso autQnomo:% / talve+ se0a preciso( como pregava Mic3elet( perscrutar - mas como - 9os silncios da 3istória:( pois muta78es essenciais se produ+em e n6o s6o registradas nos ar.uivos: idem5 '?$A% p% ?"* H antropologia teria desenvolvido( desse modo( 9m4todos e t4cnicas apropriados ao estudo de atividades .ue permanecem &%%%* imperfeitamente conscientes em todos os níveis em .ue se e,primem: ;4vi-Ktrauss !"?"5@-$% por isso .ue o trabal3o de campo n6o poderia ser considerado apenas 9um ob0etivo de sua profiss6o( nem um remate de sua cultura( nem uma aprendi+agem t4cnica% Tepresenta um momento crucial de sua educa76o: ;4vi-Ktrauss !"'?5?"$% Tepresentaria para o antropólogo( enfim( o .ue a 9análise didática: costumava representar para o psicanalista5 a Lnica forma de operar a síntese de con3ecimentos obtidos de forma fragmentada e a condi76o para a 0usta compreens6o at4 mesmo de outras e,perincias de campo% “Ral concep76o do trabal3o de campo como uma esp4cie de processo ou trabal3o( no sentido psicanalítico do termo$ aponta para duas .uest8es em geral dei,adas de lado tanto pelos etnógrafos( .uando refletem sobre sua e,perincia( .uanto por a.ueles .ue os criticam sem nunca ter passador por esta% H primeira 4 .ue o etnógrafo tamb4m 4( ou deveria ser( modificado por ela% ;imitar-se( ent6o( a comentar a posteriori os efeitos de sua presen7a sobre os nativos( tecendo comentários abstratos sobre seu trabal3o de campo( parece revelar uma certa sensa76o de superioridade5 invulnerável( o antropólogo atravessa a e,perincia etnográfica sem se modificar seriamente( acreditando-se ainda capa+ de avaliar de fora tudo o .ue teria ocorrido% Mel3or seria ouvir a advertncia levistraussiana5 9n6o 4 0amais ele mesmo nem o outro .ue ele &o etnógrafo* encontra ao final de sua pes.uisa: ;4vi-Ktrauss !")5!D$% /ssa perspectiva a respeito do trabal3o de campo e da etnografia parece articular-se muito estreitamente com a ideia estruturalista de .ue cada sociedade atuali+a virtualidades 3umanas universais e( portanto( potencialmente presentes em outras sociedades% O nativo( nesse sentido( n6o 4 mais pensado simplesmente como a.uele .ue eu fui como ocorre no evolucionismo$( ou mesmo como a.uele .ue eu poderia ser como ocorre no culturalismo$5 ele 4 o .ue eu sou parcial e incompletamente e vice-versa( 4 claro$% “Ora( se adotarmos um ponto de vista um pouco diferente( podemos talve+ ser mais diretos e di+er .ue o trabal3o de campo e a etnografia deveriam dei,ar de ser pensados como simples processos de observa76o de comportamentos ou de vista do outro$( ou como uma esp4cie de transforma76o substancial tornar-se nativo$% a+er etnografia poderia ser entendido( antes( sob o signo do conceito de devir - desde .ue( 4 claro( se0amos capa+es de entender bem em .ue poderia consistir esse 9devir-nativo:% “Rentando definir de forma breve o conceito de devir( .ue cun3ou com Beleu+e( Guattari escreveu .ue este 4 um
08...9 termo relati(o : economia do desejo. /s fluxos de desejo procedem por afetos e de(ires, independentemente do fato de poderem ser ou não reatidos sore pessoas, ima'ens, identificaçes. &ssim, um indi(+duo antropolo'icamente etiquetado masculino pode ser atra(essado por de(ires m)ltiplos e, em apar#ncia, contraditrios" de(ir feminino coexistindo com um de(ir criança, um de(ir animal, um de(ir in(is+(el, etc Guattari !"#)5@@#$: “2sso significa .ue o devir n6o 4 da ordem da semel3an7a( da imita76o ou da identifica76oS n6o tem nada a ver com rela78es formais ou com transforma78es substanciais5 9n6o 4 nem uma analogia( nem uma imagina76o( mas uma composi76o de velocidades e de afetos: Beleu+e e Guattari !"#5@'$% O devir( na verdade( 4 o movimento pelo .ual um su0eito sai de sua própria condi76o por meio de uma rela76o de afetos .ue consegue estabelecer com uma condi76o outra% /stes afetos n6o tm absolutamente o sentido de emo78es ou sentimentos( mas simplesmente da.uilo .ue afeta( .ue atinge( modifica5 um devir-cavalo( por e,emplo( n6o significa .ue eu me torne um cavalo ou .ue eu me identifi.ue psicologicamente com o animal5 significa .ue 9o .ue acontece ao cavalo pode acontecer a mim: idem5 !"$( e .ue essas afec78es comp8em( decomp8em ou modificam um indivíduo( aumentando ou diminuindo sua potncia 5 !!!$% nesse sentido .ue e,iste uma 9realidade do devir-animal( sem .ue( na realidade( nos tornemos animal: idem5'$% “Mas 4 preciso compreender( tamb4m( o estatuto das duas condi78es( a.uela da .ual se sai e a.uela por meio da .ual se sai% Kó 4 possível sair( ou fugir( de uma maioriaS esse termo n6o designa( contudo( 9uma .uantidade relativa maior:( mas 9um estado ou um padr6o em rela76o ao .ual tanto as .uantidades maiores .uanto as menores ser6o ditadas minoritárias: idem5 ')$% /M outros termos( Beleu+e e Guattari buscam distinguir a no76o meramente .uantitativa de maioria da.uela( normativa e valorativa( do 9maior: ou 9ma0oritário:% ¬a ! - “em geral( complementa os autores( assume-se o ponto de vista da maioria( o .ue 9pode ser visto em todas as opera78es( eleitorais ou outras( em .ue se concede o poder de escol3a( com a condi76o de .ue a escol3a permane7a conforme aos limites da constante: Beleu+e e Guattari !"#5#$% &p% ?"* Be forma correlata( a minoria n6o se confunde com o minoritário( e( en.uanto a primeira 4 apenas uma .uantidade menor( o segundo 4 a.uilo .ue escapa( .ue foge do padr6o( .ue dev4m5 94 preciso n6o confundir 9minoritário: en.uanto devir ou processo( e 9minoria: como con0unto ou estado: iidem$% nesse sentido .ue devir-nativo( por e,emplo( n6o significa tornar-se nativo( o .ue( se fosse possível( redundaria simplesmente em sair de um estado de maioria$ para cair em outro de minoria$% Mas 4 tamb4m nesse sentido .ue percebemos .ue só se escapa dos estados maiores por meio das minorias( uma ve+ .ue( por desviar do maior( toda minoria comporta um devir-minoritário( ainda .ue as minorias propriamente ditas se0am( principalmente( apenas 9germes( cristais de devir( .ue só valem en.uanto detonadores de movimentos incontroláveis e de desterritoriali+a76o da m4dia ou da maioria: idem5 !?$% “Um devir-nativo( portanto( implica um duplo movimento5 uma lin3a de fuga em rela76o a um estado padr6o maioria$ por meio de um estado n6o-padr6o minoria$( sem .ue isso signifi.ue 9reterritoriali+ar-se sobre uma minoria como estado: idem 5'D$( mas( bem ao contrário( ser capa+ de construir novos territórios e,istenciais onde se reterritoriali+ar% O devir( assim( 4 o .ue nos arranca n6o apenas de nós mesmos( mas de toda identidade no fato de .ue o devir tamb4m afeta o meio5 a.uilo .ue se d4vem - ou( para ser mais preciso( a.uilo por meio de .ue um devir se constitui - dev4m tamb4m outra coisa( o .ue significa .ue o devir-nativo está relacionado a um devir-outro do nativo% ¬a !) - 9este processo - .ue os autores denomiam 9dupla-captura: Beleu+e e Parnet !"DD5#$( 9duplo-devir: Beleu+e e Guattari !"#5'DS?DS)??$ ou 9bloco de devir: idem5)$ - talve+ sirva para lan7ar mais lu+ sobre as comple,as
rela78es entre etnógrafo e nativos do .ue os lugares-comuns repetido( tanto acerca da ob0etividade científica .uanto da autoridade etnográficaA% p% ?"*% &p% -@* ravet-Kaada - Participar “significa a necessidade de o etnógrafo aceitar ser afetado pela e,perincia indígena &%%%* significa( sobretudo( dei,ar-se afetar pelas mesmas for7as .ue afetam o nativo( n6o se colocar em seu lugar ou desenvolver em rela76o a ele algum tipo de empatia% >6o se trata( portanto( da apreens6o emocional ou cognitiva dos afetos dos outros( mas de ser afetado por algo .ue os afeta e assim poder estabelecer com eles uma certa modalidade de rela76o( concedendo 9um estatuto epistemológico a essas situa78es de comunica76o involuntária e n6o intencional: idem5"$% / 4 0ustamente por n6o conceder 9estatuto epistemológico: a essas situa78es .ue a 9observa76o participante: 4 mais um obstáculo .ue uma solu76oA% &p% @(* “%%% n6o se trata simplesmente de relativi+ar( nem de crer ou n6o crer na democracia% Como bem observou Fel3o !""'5!D@$( o 9lugar de crítica: do relativismo parece bastante limitado e talve+ se0a mesmo necessário 9relativi+ar: essa pretens6o% >a verdade( trata-se de n6o ser ingnuo ou apologista demais( nem antropólogo de menos( e recon3ecer .ue( sendo um sistema político como outro .ual.uer( o nosso tamb4m 4 passível de uma análise crítica% Por.ue( por um lado( o mel3or elogio .ue pode ser feito 1 democracia 4 mesmo o vel3o adágio segundo o .ual ela 4 o pior sistema político e,istente( com e,ce76o de todos os demais con3ecidos$% Por outro lado( isso n6o modifica nada se pretendemos analisá-la como antropólogos( cabendo( ent6o( simplesmente( a busca do mel3or meio para fa+-lo( pois 4 evidente .ue essa análise antropológica da democracia pode ser efetuada de diferentes modosA% &p% '* “%%% uma pes.uisa realmente antropológica sobre política desenvolvida ao movimento negro em 2l34us n6o deveria consistir tanto no estudo desse movimento em si ou da política na cidade( nem mesmo no estudo das rela78es entre ambos( mas em uma análise da política oficial na cidade orientada pela perspectiva c4tica .ue o movimento negro tem a seu respeito% O .ue pode parecer simples nuan7a 4( na verdade( uma .uest6o fundamental( uma ve+ .ue se apóia em op78es metodológicas e epistemológicas cruciais - ainda .ue inicialmente algo involuntárias -( as .uais abriram outras perspectivas para a compreens6o da própria política como um todo e em seu sentido mais oficialA% &p% '* “%%% ;atour denuncia o erro da antropologia de nossa sociedade em imaginar só poder estudar 9o primitivo em nós:5 o 9grande repatriamento:( di+ ele( 9n6o pode parar aí: e seria preciso passar a estudar as dimens8es centraisA% Centrais para .uem &seguindo ;atour poderíamos pensar 9central: no sentido em .ue uma esta76o ferroviária 4 central simplesmente por possuir um maior nLmero de cone,8es em uma rede ¬a @!* Hssim( “para permanecer fiel ao 9ponto de vista nativo:( será preciso( ent6o( renunciar 1 capacidade de conferir uma inteligibilidade mais global Ou( para atingir uma tal inteligibilidade( será necessário tratar a perspectiva nativa como simples parte do ob0eto e e,plicá-la a partir do nosso ponto de vista tido como superior% &%%%%* Parece-me( assim( .ue uma outra possibilidade para a c3amada antropologia das sociedades comple,as seria a manuten76o do foco tradicional da disciplina nas institui78es tidas como centrais e a busca( por meio de uma esp4cie de 9 desvio etnográfico :( de um ponto de vista descentrado% Ou se0a( se( como pretende Ver+feld @!5-'$( a característica da antropologia 4 a investiga76o da.uilo .ue 4 9marginal: em rela76o aos centros de poder( 4 preciso admitir .ue uma tal marginalidade poderia locali+ar-se n6o apenas nos próprios fenQmenos( mas tamb4m( e talve+ principalmente( na perspectiva sobre elesA% &p% )(D*
“%%% no caso específico da política( uma ra+6o suplementar poderia ser invocada a favor da valori+a76o das teorias nativas% Como observou Mic3el oucault( uma das grandes novidades .ue apareceram a partir da d4cada de !") foi o .ue ele denominou 9insurrei76o dos saberes dominados: oucault !"D)5!)$( se0a no sentido da memória de certas modalidades de resistncia .ue as formali+a78es teóricas tendem a mascarar em benefício do .ue consideram as Lnicas lutas verdadeiras &%%%* se0a na.uele da e,istncia de saberes locais .ue tendem a ser desacreditados pelo saber oficial% O 9acoplamento entre o saber sem vida da erudi76o e o saber des.ualificado pela 3ierar.uia dos con3ecimentos e das cincias: permitiria( assim( a 9reativa76o dos saberes locais - menores( diria talve+ Beleu+e - contra a 3ierar.ui+a76o científica do con3ecimento e seus efeitos intrínsecos de poder: idem5!)?-!)'$% “/m lugar de abordar a política em si mesma e por si mesma( trata-se( pois( nos termos de oucault !"#5!!-!@$( de tentar decodificá-la por meio de filtros oriundos de outros campos sociais% Be certa forma( esse trabal3o de decodifica76o poderia ser a própria defini76o de uma antropologia política em sentido estrito( embora a e,press6o ven3a conotando 3á muito tempo coisas bem diferentesA% &p% #( "* “%%% na medida em .ue a antropologia nascente se atribuiu como ob0eto 0ustamente as sociedades 9n6o políticas:( deve-se sublin3ar .ue foi a partir desse 9isolamento: do político no duplo sentido de .ue este 4 delimitado e obliterado$ .ue a antropologia construiu seus ob0etos preferenciais5 o parentesco( contraface do político nas sociedades sem /stadoS a religi6o( derivada do parentesco por meio da e,ogamia e do totemismoS e( pouco mais tarde( a economia primitiva( dedu+ida da e,ogamia por meio da troca e da reciprocidade% Mais tarde( a antropologia poderá( desse modo( reencontrar o político( mas definindo-o primeiramente apenas por suas fun78es e( depois( por sua dispers6o% “>o primeiro caso - .ue se passa por ser fun76o de uma antropologia política -( temos uma defini76o 9substantivista:( no sentido de .ue a política 4 um domínio( ou um 9subsistema:( social específicoA% H crítica a esse modelo n6o tardou e na segunda metade da d4cada de !"' “a ideia da política como área específica das rela78es sociais 4 substituída pelo princípio formalista &%%%* de .ue a política 4 um aspecto de .ual.uer rela76o social% /ssa crítica( sem dLvida( possibilitou novas abordagens da política( efetuadas de um ponto de vista antropológico e sem o pressuposto de .ue e,istiria algum tipo de particularidade na política como subsistema social específico% “por outro lado( o caráter em geral microscópico dessa concep76o de poder n6o dei,ou de produ+ir estran3o efeitos% /m primeiro lugar( um certo risco de( ao ser aplicada sobre .ual.uer rela76o social( perder de vista o caráter estruturante da política% Ou( afim de evitar essa armadil3a( um afastamento da perspectiva antropológica e a busca de refLgio nos modelos macroscópicos da sociologia e da cincia política - de .uem a antropologia seria assim uma esp4cie de au,iliar menos% “Mais s4rio do .ue isso( entretanto( s6o os riscos gerados pelo caráter potencialmente tentacular de uma concep76o formalista de política5 como observou Georges =alandier !")"5@'-@)$( ela tende .uase .ue inevitavelmente a se tornar 9ma,imalista:( o .ue significa confundir o político e o social ou se0a( tudo o .ue os seres 3umanos fa+em$% O efeito dessa confus6o 4 parado,al5 en.uanto as concep78es substantivistas da política sempre buscaram relacionar o .ue concebiam como um domínio da sociedade com suas outras dimens8es economia( parentesco( religi6o etc%$( o formalismo político tem a má tendncia de redu+ir todas essas dimens8es 1s rela78es de poder e( desse modo( a n6o investigar a e,perincia total da .ual a política( assistimos assim( 3á algumas d4cadas( a uma reifica76o sem par do políticoA% &p% "( ?*
“%%% abordar a política a partir 9do ponto de vista nativo: n6o significa ficar aprisionado nas elabora78es locais( mas produ+ir teorias etnográficas .ue possuam( ao menos( trs ob0etivos% O primeiro 4 livrar-se das .uest8es e,trínsecas colocadas se0a por reformadores sociais( se0a por revolucionários ou cientístas políticos - 0á .ue se con3ece bem a rela76o de interdependncia .ue parece e,istir entre a cincia política e o nosso sistema político( em especial a democracia representativa( com suas elei78es e vota78es% Como a economia( a cincia política nunca conseguiu resolver o dilema de ser um con3ecimento teórico e crítico ou uma simples t4cnica de interven76o e engen3aria social% Hl4m disso( 9do ponto de vista nativo:( a.uilo .ue pode ser definido como política está sempre em rela76o com o restante das e,perincias vividas pelos agentes( o .ue evita a tenta76o da substanciali+a76o e literali+a76o do político% inalmente( pode-se ao menos tentar evitar o uso normativo ou impositivo de categorias( pro0etando sobre os conte,tos estudados .uest8es .ue n6o s6o a eles pertinentes% >osso problema 4 de tradu76o( n6o de imposi76o( e isso( parodo,almente( complica-se .uando pes.uisamos na língua .ue falamos e na sociedade em .ue vivemos% Política( por e,emplo( parece ser( simultaneamente( um 9ob0eto: ou uma 9categoria nativa:$ e um 9conceito:% >a verdade( n6o se trata( ao menos em estado puro( de nen3uma das duas coisas( mas de um dispositivo 3istórico .ue permite recortar( articular e refletir( de maneiras diferentes( práticas e e,perincias vividas% >ossa tarefa consiste( assim( n6o apenas em abordar abstratamente as conceptuali+a78es nativas( mas em apreend-las em ato( ou se0a( no conte,to em .ue aparecem e segundo as modalidades concretas de sua atuali+a76o e utili+a76o( levando o esfor7o de restitui76o das dimens8es micas das no78es at4 as Lltimas conse.uncias% “/m segundo lugar( uma antropologia da poítica deve evitar cuidadosamente as abordagens efetuadas em termos negativos - a.uelas .ue privilegiam as faltas( ausncias( ideologias e manipula78es% Muitas ve+es( imaginamos .ue a política 4 ou deva ser algo( e nos surpreendemos por.ue essa defini76o ou concep76o n6o 4 partil3ada com os agentes( atribuindo-nos( assim( a tarefa de analisar uma realidade tida como estran3a simplesmente por.ue foi mal recortada% Rudo se passa como na rea76o de Mar, aos neo3egelianos .ue n6o conseguiam compreender como o mundo real podia n6o obedecer aos modelos de Vegel5 críticas teóricas ou ideológicas contra o estado empírico das coisas( ou contra supostos preconceitos e estereótipos( n6o podem levar ao abandono do real% Como observou C3Etelet !"D'5 ?$( ao enfati+ar o caráter etnográfico do / 7apital ( a Lnica solu76o para a.ueles .ue n6o acreditam .ue 9a 3istória pode n6o ter ra+6o: 4 a observa76o direta das atividades concretas dos seres 3umanos e a elabora76o de etnografias% Rrata-se( em suma( de reencontrar a dimens6o micro$sociológica da política e a dimens6o micro$política da sociologia( escapando tanto de uma cincia política .ue dá as costas para as rela78es sociais concretas( .uanto de uma sociologia .ue evita encarar de frente as rela78es de poder% “inalmente( uma verdadeira antropologia da política recusa( como vimos( a falsa distin76o entre o central e o perif4rico% Para isso( submete essa dicotomia 1 perspectiva nativa( procedendo por meio da amplia76o do campo de análise e fa+endo aí entrar o .ue normalmente se e,clui da política5 os faccionalismos( as segmentaridades( as redes sociais( certamenteS mas tamb4m o parentesco( a religi6o( a arte( a etnicidade etc% >6o para desvendar supostas rela78es entre subsistemas relativamente autQnomosS tampouco para revelar .ue atrás de tudo isso estariam ocultas rela78es de poder .ue ao mesmo tempo motivariam os seres 3umanos e seriam a e,plica76o de tudo o .ue eles fa+em% H tarefa 4 mais modesta5 evitar( como adverte Ios4 Carlos Todrigues !""@5'@( gripo do autor$( .ue 9as teorias sobre o poder se transformem em teorias de poder:S elaborar teorias etnográficas capa+es de devolver a política 1 .uotidianidade( 9essa esp4cie de t4dio universal e,istente em toda cultura: Fe
constituídosS finalmente( ao menos tentar vislumbrar a.uilo .ue( por ve+es de modo silencioso( escapa sempre a essa mesma .uotidianidadeA% &p% ?!(@*
Cap% ! - @@5 Memorial da Cultura >egra de 2l34us nota !' - “Como demonstrou Paul Fe
Cap% @ - !"")5 Pes.uisa “%%% se a política 4 uma atividade invasiva( mesmo a.ueles .ue n6o s6o políticos podem( 1s ve+es( praticála - e isso n6o se aplica apenas no sentido de política partidária ou oficial% Wuando se suspeita de .ue algu4m está tentando uma manobra no interior de um bloco afro ou de um terreiro de candombl4 visando ampliar sua esfera de influncia( con.uistar uma posi76o de maior prestígio ou obter algum tipo de vantagem material( pode-se acus%;lo de estas 9fa+endo política:% Bo mesmo modo( 9dei,e de fa+er$ política: .uer di+er( se0a sincero( claro( direto$ n6o 4 uma e,press6o incomum em 2l34us% “oi Moacir Palmeira .uem c3amou a aten76o para o fato de .ue uma investiga76o antropológica da política em nossa própria sociedade deve( necessariamente( levar em conta a multiplicidade de concep78es e significados de .ue se reveste o termo% 2sso n6o significa( 4 claro( .ue basta sustentar o caráter polissmico de 9política: para .ue nossos problemas se resolvam% Keria preciso compreender essa polissemia em um sentido mais sociológico ou sociopolítico e recon3ecer .ue diferentes concep78es de política est6o sempre em coe,istncia( interpretando-se e opondo-se em um espa7o social 3ierar.ui+ado% Hssim( os 9eleitores: em geral tendem a conceber a política como uma atividade transitria .ue come7a e termina a cada dois anos( por e,emplo$( transcendente uma ve+ .ue 4 pensada como e,terior e superior ao grupo de referncia$ e poluente 0á .ue contamina as rela78es sociais com manipula78es e falta de sinceridade$ - disrupti(a( em suma% Por outro lado( .uando nos apro,imamos do domínio institucionalmente designado como política( ou .uando nos deparamos com agentes sociais .ue tendem a considerar sua a76o como política( defrontamo-nos com uma concep76o mais substancialista e moralmente neutra( definindo a política como uma esfera ou domínio idealmente permanente e contínuo( imanente e positivamente valorado% “Ora( o fato de a política( de acordo com a primeira concep76o isolada( possuir idealmente uma temporalidade própria - uma ve+ .ue( na prática( 4 claro .ue as rela78es entre os políticos e seus eleitores s6o permanentes( ainda .ue com graus de intensidade variados &%%%* - remete ao .ue Palmeira e Veredia denominaram 9tempo da política:% preciso observar( contudo .ue essa no76o parece funcionar mel3or .uando se limita a transcrever uma concep76o nativa dos eleitores( a .ual tende a enfati+ar o caráter
temporário de seu envolvimento na atividade política - o .ue fa+ com .ue esta( de seu ponto de vista( praticamente se confunda com o processo eleitoral% >6o se trata( pois( de uma realidade em si mesma - 0á .ue( como se sabe( as transa78es políticas ocorrem o tempo todo -( nem de uma representa76o nativa gen4rica - uma ve+ .ue se desdobra( em fun76o das diferentes concep78es de política presentes em .ual.uer cenário concreto% /m outros termos( e,istem sempre muitos 9tempos da política: em cone,6o eXou competi76o5 o dos 9políticos: em geralS o dos candidatos( seus assessores e cabos eleitoraisS o dos eleitores comuns e o dos mais enga0ados &%%%*% /ssas temporalidade parcialmente 3eterogneas se interpenetram de forma fundamentalmente assim4trica( pois uma coisa 4 aproveitar as elei78es para obter( taticamente( digamos( pe.uenas vantagens ou empregos em geral transitóriosS outra 4 desenvolver estrat4gias para o controle de posi78es e cargos socialmente tidos como muito importantes% / n6o 3á dLvida de .ue a.uilo .ue 4 válido para o tempo n6o o 4 menos para o espa7o ver =arreira !""#5!$A% &p% !!"-!@!* “Moacir Palmeira !""!5 !!"-!@!S !""@5 @DS !"")5?'-?)$ estabeleceu uma importante distin76o entre o voto en.uanto 9escol3a: de caráter( em tese( individual( dependendo( portanto( da 9elabora76o de crit4rios pr4vios:$ e o voto en.uanto 9ades6o: coletivo e dependente de certas lealdades assumidas por meio de 9compromissos:$% Creio .ue a distin76o tem( sobretudo( um valor idealtípico% Por um lado( como adverte Palmeira( por.ue o 9voto-ades6o: n6o sup8e( absolutamente( a fatalidade de algumas 9lealdades primordiais:( 0á .ue cada um está envolvido em mLltiplas redes de lealdades e obriga78es( podendo invocá-las alternativamente( o .ue fa+ com .ue as 9ades8es: sempre impli.uem 9escol3as: e confere ao sistema uma grande fle,ibilidade% Por outro( por.ue 4 claro .ue o 9voto-escol3a: n6o sup8e a e,istncia de um eleitor inteiramente livre e independente o .ue contrariaria .ual.uer análise verdadeiramente sociológica ou antropológica$( suas 9escol3as: envolvendo sempre 9ades8es: pr4vias% Hssim( essas duas modalidades correspondem mais a imagens do voto do .ue a tipos empiricamente e,istentes( e entre elas escalona-se toda a variedade de processo de decis6o eleitoral .ue a observa76o etnográfica 4 campa+ de atingir $e 1s .uais retornaremos$% “/ssas modalidades parecem relacionadas( ademais( a diferentes formas de avaliar a política% Uma( de caráter( digamos( 9dedutivo:( tende a partir de grandes .uest8es e valores transcendentes para c3egar at4( por e,emplo( um voto para vereadorS a outra( 9indutiva:( parece tomar como ponto de partida as e,perincias mais imediatas - e,perincias .ue( como observou Ver+feld !"#'5@)$( tendem a gerar 9pouca f4 no processo democrático em geral: -( procedendo( ent6o( por alargamentos progressivos de seu campo de aprecia78es% /( como pode rapidamente ser comprovado por meio do contraste entre as grandes obras da cincia política e a leitura das se78es de política de .ual.uer 0ornal( a democracia pode ser abordada tanto pela via de seus registros macroscópicos seus grandes ideais( a liberdade( a igualdade( a representa76o etc%$( .uanto em seu microfuncionamento as negocia78es( os acordos( as bargan3as$A% ¬a ) - “>esse Lltimo caso( tudo parece passar-se como na descri76o das opera78es capitalistas feita por Beleu+e e Guattari !"D@5!?$5 94 como a coisa( o capitalismo( .ue o inconfessável come7a5 n6o 3á uma opera76o econQmica ou financeira .ue( tradu+ida em termos de código por 3ipótese( n6o faria e,plodir seu caráter inconfessávelA% p% !?* &p% !@(?*
Cap% - !""@5 Centro Hfro-Cultural
Territrios existenciais Guattari( !"#"5@"$ - “resultado de investimentos criativos .ue( certamente( podem estar articulados a bases espaciais( mas tamb4m a uma infinidade de outras rela78esA% por constituirem territrios existenciais ( .ue os territórios negros( no =rasil( “n6o s6o 0amais e,clusivamente negros% por isso( tamb4m( .ue a 9africanidade: .ue se costuma invocar para defini-los n6o di+ respeito a uma Yfrica real( imaginária ou simbólica( no sentido usual desses termos( mas a uma e,perincia e,istencial na .ual 9Yfrica: funciona como um 9ritornelo: - 9um refr6o .ue( incessantemente acionando( tra7a um território e &%%%* se desenvolve em motivos territoriais( em paisagens territoriais: Beleu+e e Guattari !"#5"D$( criando territórios e,istenciais e erguendo barreiras contra as for7as do caos idem5 #@A% &p% !"( !?* nota # - “9Hs ideias n6o morrem% >6o .ue elas sobrevivam simplesmente 1 título de arcaísmos% Mas( em um momento( elas puderam atingir um estágio científico( e depois perd-lo( ou ent6o emigrar para outras cincias &%%%*% Hs ideias( elas sempre voltam a servir( por.ue elas sempre serviram( mas segundo os mais diferentes modos atuais: Beleu+e e Guattari !"#5 @#D$A% &p% !#?* Goldman busca( sobre o conceito de se'mentaridade( “assinalar os deslocamentos necessários( visando uma generali+a76o do conceito ou( para ser mais preciso( as transforma78es .ue facilitem a migra76o desse conceito% Para isso( creio( 4 preciso primeiramente recusar a falsa dicotomia entre ideologia e prática ou princípio ideal e organi+a76o real( ou como se .uiser denominar$ e aceitar( com ;ien3ardt !"'#5!)( !!?$( .ue a segmentaridade 4( sobretudo( e no sentido forte do termo( uma 9teoria política: nativa( .ue serve( simultaneamente( para e,plicar e orientar a prática política% >esse sentido( ela informa e dá sentido 1 a76o( sem .ue ten3a .ue corresponder ponto por ponto ao .ue agentes e antropólogos crem observar empiricamente% ¬a " - “ por isso .ue Ieanne ravet-Kaada pod sustentar .ue 9uma disposi76o para a segmenta76o: 4 mais importante .ue a segmenta76o propriamente dita( e .ue um sistema segmentar parece repousar menos sobre a 9oposi76o dos segmentos: do .ue 9sobre a reparti76o das oposi78es sobre um certo nLmero de níveis ou de encai,amentos ordenados uns em rela76o aos outros: ravet-Kaada !"))5 !"-!!$A% p% !#?* “/m segundo lugar( 4 estritamente necessário libertar o conceito de seu vi4s sociologi+ante ou culturali+ante( e repetir .ue a segmentaridade n6o se confunde com um determinado tipo de sociedade ou mesmo com as lin3agens$ ¬a ! - “a teoria da lin3agem e a segmenta76o n6o s6o a mesma coisaS de fato( elas representam dois diferentes tipos de antropologia% O primeiro trata de se.uncias de eventos no plano da observa76o e em particular com a aparncia dos grupos$( en.uanto o segundo trata de rela78es formais .ue caracteri+am os tipos de eventos possíveis: Bresc3 !"#)5"$*( nem constitui uma particularidade cultural .ual.uer Ver+feld !""@5))$% Contudo( liberar a segmentaridade desse vi4s sociologi+ante significa igualmente liberá-la do 9tipologismo:( da grande divis6o .ue aprisiona o conceito( a oposi76o entre sistemas segmentares e sistemas estatais% Os segundos( na verdade( s6o t6o segmentares .uanto os primeiros Beleu+e e Guattari !"#5 cap% "S Ver+feld !""@$( ao menos a partir do momento em .ue passamos a nos interessar mais pelos processos do .ue pelas formas( moviemento .ue permite .ue nos afastemos do 9morfologismo:( o outro grande fantasma .ue espreita a teoria da segmentaridade% “Hconteceria( ent6o( 1 segmentaridade o mesmo .ue ao totemismo% /ncarada como institui76o( só pode condu+ir a uma 9ilus6o:( contribuindo para e,oti+ar e e,orci+ar formas de vida social consideradas incompletas por n6o possuírem o /stado Ver+feld !"#D5 !')$ - servindo( assim( por contraste( para refor7ar certa ideia de 9identidade europ4ia: idem5 !)'$ -( e( mais do .ue isso( por operarem com princípios dificilmente assimiláveis 1 ideia de identidade dominante no Ocidente% /ncarada como
processo(
ao contrário( a segmentaridade pode aparecer como fenQmeno universal( o .ue basta para afastar toda tenta76o tipológica5 a segmenta76o 9at4 recentemente era tratada como um tipo e,ótico em ve+ de um aspecto universal da vida política: idem5 !'# - grifos do autor$% >a verdade( a segmenta76o representa um dos modelos de 9relatividade social: acionados em .ual.uer sociedade5 9 a segmenta76o 4 o arran0o relativo das alian7as políticas de acordo com crit4rios genealógicos( ou outros( de distEncia social entre grupos em disputa: idem5 !') - grifos meus$% apenas a presen7a de uma ideologia substancialistam típica dos /stados nacionais( .ue fa+ com .ue( em algumas sociedades( o grau de recon3ecimento da segmentaridade se0a menor do .ue em outras% / 4 a presen7a dessa ideologia no interior da refle,6o antropológica .ue fa+ com .ue no78es como estrutura social ou mesmo organi+a76o social acabem sendo compreendidas em uma acep76o puramente morfológica( n6o funcional ou processual% H segmentaridade 4( portanto e sobretudo( uma perspectiva - uma 9vis6o segmentar do mundo:( como di+ Ver+feld !"#'5!!)$ - a partir da .ual tamb4m o antropólogo deve observar a realidade social( ao menos .uando realmente dese0a ser livre de todo atomismo e de todo subtancialismo% /m suma( trata-se de recon3ecer .ue - assim como o princípio de reciprocidade significa( em Lltima instEncia( .ue dar e receber s6o um e a mesma coisa - princípio de segmentaridade significa apenas .ue oposi76o e composi76o formam sempre uma totalidade indecomponívelA% &p% !?(?* “Rudo se passa( na verdade( como se fosse preciso( digamos( 9desnueri+ar: a segmentaridade% Pois parece ser o modelo nuer .ue fa+ com.ue os antropólogos só percebam a forma piramidal da estrutura segmentar - forma .ue( nos termos de Beleu+e e Guattari( poderia ser denominada 9arborescente:% Hs lin3agens dinJa( ao contrário( apresentam um aspecto muito diferente( apro,imando-se do .ue esses mesmos autores denominam 9ri+omática: Beleu+e e Guattari !"#$% ¬a !' - “conectividade( 3eterogeneidade e multiplicidade( bem como o caráter a-significante( n6o estrutura e n6o generativo( constituem os 9seis princípios do ri+oma:( em oposi76o 1 9árvore: Beleu+e e Guattari !"#5!'-@'$*% H segmenta76o n6o pode( assim( ser oposta em bloco ao /stado( n6o apenas por.ue o /stado está por ela permeado( como tamb4m por.ue e,istem modalidades distintas de segmenta76o - e isso mesmo nas c3amadas 9sociedades segmentares:A% &p% !?'* “%%% um antropólogo n6o poderia dei,ar de lembrar .ue( 3á muito tempo( ;4vi-Ktrauss !"''5 !")@$ revelou .ue a distin76o entre 3istória e mito 4 muito menos nítida do .ue imaginamos ou gostaríamos% nesse sentido .ue estou convencido de .ue a mel3or abordagem antropológica sobre a 3istória de 2l34us deveria proceder de uma investiga76o de todas as narrativas encontradas de todas as 9vers8es: da 3istória de 2l34us( diria certamente ;4vi-Ktrauss$( efetuada com o au,ílio do mesmo m4todo elaborado por esse autor para a análise dos mitos% /ncontraríamos( desse modo( certamente( a s4rie de oposi78es em torno das .uais a 3istória local parece ser construída( compreendida e instrumentali+ada5 entre um passado selvagem e pobre e um presente civili+ado e ricoS entre outro passado( glorioso( e um presente algo medíocreS entre a regi6o( por um lado( e o /stado( o país e o mundo( por outroS entre a nature+a pródiga( mas difícil e inóspita( e a culturaS e assim sucessivamenteA% &p% !?#* nota @ - “9a 3istória n6o 4( pois( nunca a 3istória( mas a 3istória-para:A ;4vi-Ktrauss !")@5?!$% &p% !#)* “Rrata-se a.ui( por um lado( de fornecer ao leitor os elementos .ue inevitavelmente intervm na análise propriamente etnográfica e antropológica .ue constitui o ob0etivo deste trabal3oS por outro( trata-se de recon3ecer .ue( se um ‘contexto’ e,iste( ele só pode( ou só deve( ser apreendido por um antropólogo do
ponto de vista de seus informantes( o .ue fa+ com .ue a 3istória local - e mesmo 92l34us: - se0am( fundamentalmente( o .ue se convencionou designar categorias nativasA% &p% !'* Remas como compra de votos( promessas eleitorais e a 9fra.ue+a: das institui78es democráticas no =rasil( “s6o abordados a partir de perspectivas inteiramente negativas( em um duplo sentido5 condenam( e,plícita ou implicitamente( as práticas analisadas( e tentam e,plicá-las a partir de no78es problemáticas as mesmas( aliás( .ue as elites costumam acionar$( como aliena76o( priva76o material( ignorEncia ou logro% &%%%* o principal problema dos antropólogos costuma ser uma tendncia a subordinar as práticas e ideias muito concretas com .ue se defrontam em campo a princípios gerais .ue supostamente serviriam para dar conta do .ue 4 observado% Hssim( a compra de votos poderia ser e,plicada em fun76o do papel dominante .ue valores clientelistas e rela78es de reciprocidade desempen3ariam em certas camadas da popula76o% Hs promessas eleitorais se tornariam inteligíveis por.ue( afinal de contas( estaríamos ás voltas com um universo social regido por rela78es pessoais% / mesmo o ceticismo e a falta de participa76o política poderiam ser atribuídos á pouca ades6o aos valores democráticos característica de culturas n6o individualistas% “O problema 4 .ue( como todas as abordagens culturalistas( as e,plica78es .ue privilegiam a c3amada cultura política tendem a ser circulares &%%%* operando por meio de uma curiosa sin4do.ue5 o etnógrafo atinge o .ue considera valores centrais a partir da observa76o empírica de um nLmero necessariamente limitado de comportamentos e ideias e( em seguida( busca e,trair desse material algum princípio abstrato( .ue ele aplica indiscriminadamente a .ual.uer comportamento ou ideia observáveis( os .uais( por sua ve+( passam a funcionar como simples confirma76o de .ue o valor isolado 4 mesmo determinante% “/ssa circularidade( por sua ve+( instaura uma confus6o( apontada por Pierre Clastres &%%%* entre o empírico e o transcendental% Pois( se 4 óbvio .ue a compra de votos ou as promessas eleitorais s6o práticas e representa78es empiricamente observáveis( isso n6o di+ nada acerca do valor moral e de verdade a elas atribuído( os .uais constituem um espa7o aberto para a divergncia( o conflito( a negocia76o e a mudan7a de opini6o% Ho converter a78es e símbolos muito concretos em categoriais( valores ou padr8es( corremos o risco de eliminar todo esse campo de varia76o( transmutando a troca( por e,emplo( em uma esp4cie de ra+6o transcendental do voto% Ho fa+-lo( perdemos de vista tanto a polissemia sociológica dos termos com .ue trabal3amos( .uanto a dinEmica social .ue devemos tornar inteligível% inalmente( como observou Tic3ard Gra3am !""D5!"-@!$( 9fatores culturais: n6o constituem determinantes e,teriores( prontos a serem acionados .uando se dese0a e,plicar o clientelismo( o autoritarismo ou a infla76o5 o .ue se denomina cultura 4 o resultado de um processo em contínua elabora76o( n6o um dado e,trínseco e supostamente ob0etivo% “/m contraste com no78es desse gnero &%%%* creio ser mais prudente operar por meio de uma esp4cie de plurali+a76o nominalista das categorias% Como demonstrou Paul Fe
“%%% se do ponto de vista do movimento negro( o trabal3o na campan3a e a constru76o do Centro HfroCUltural podem( de fato( ser encarados como os elementos de uma troca( digamos( restrita( o mesmo n6o ocorre .uando encaramos o fenQmeno do ponto de vista dos candidatos e políticos% Para estes( o compromisso de constru76o do Centro Hfro-Cultural aparece( antes( como uma esp4cie de dívida( cu0a .uita76o pode ser adiada ou 9rolada:% >a verdade( o .ue ocorreu 4 .ue ela foi cuidadosamente postergada at4 o momento em .ue pQde ser inscrita em uma nova transa76o eleitoral% /sta( por sua ve+( 0á fa+ia parte de um novo ciclo de transa78es( inserido em outras elei78es% por isso .ue( em certo sentido( esse tipo de dívida n6o pode nunca ser pago5 seu caráter aberto 4 a garantia da continuidade dos flu,os de rela78es e votosA% ¬a ? - “nos termos de Beleu+e !""5@@!-@@@$( os eleitores est6o sempre entre a 9.uita76o aparente: ou se0a( imaginam .ue saldaram sua dívida( mas ela( certamente( ainda será cobrada mais uma ve+$ e a 9moratória ilimitada: .uando se posterga o pagamento( mas se mant4m a obriga76o$A% &p% !##* “%%% tanto as formas de reciprocidade .uanto as estruturas de mercado s6o capa+es de fornecer modelos alternativos( .ue n6o apenas servem para a a76o( como podem ser retoricamente acionáveis por .uais.uer das partes envolvidas em uma determinada rela76oA% &p% !D* “%%% uma promessa eleitoral n6o 4 identificável por características .ue l3e seriam próprias% o conte,to( o debate e a negocia76o .ue fa+em com .ue uma proposi76o se0a uma promessa( um compromisso( uma mentira ou .ual.uer outra coisa% &%%%* /m segundo lugar( 4 preciso observar .ue todos esperam .ue políticos fa7am mesmo promessas( e .ue 4 preciso saber lidar com elas% &%%%*Ora( como demonstraram( 3á bastante tempo( alguns filósofos da linguagem Hustin !")!S !")@S Kearle !")"$( as promessas n6o se 0ustificam por um referente ob0etivo .ue l3es seria e,terior e em rela76o ao .ual sua veracidade poderia ser medida% K6o( nesse sentido( 9ilocutórias:( o .ue significa .ue istauram a.uilo mesmo a .ue se referem &%%%* >o entanto( se seguirmos uma distin76o de Hustin !")@5!!-!@$( as promessas s6o tamb4m( e talve+ sobretudo( 9perlocutórias:( na medida em .ue produ+em 9efeitos e conse.uncias sobre os sentimentos( pensamentos ou a78es da audincia( do falante ou de outras pessoas: &%%%* ¬a ? - “como sugeriu Rambia3 !"#?5$( 4 preciso combinar a ideia do 9performativo: da filosofia da linguagem com a de 9performance: como atua76o - e isso n6o apenas no sentido de atua76o teatral( mas na.uela de 9atuar sobre:( 9influir:( o .ue tornaria .uase inLtil a advertncia de =ourdieu !"#@5 "'-")$ de .ue 9a eficácia simbólica das palavras se e,erce apenas na medida em .ue a pessoa-alvo recon3ece .uem a e,erce como podendo e,erc-la de direito:% Pois n6o 3á .uem n6o saiba .ue 9a for7a ilocutória das e,press8es:( seu poder instituinte( n6o pode ser buscada 9nas próprias palavras:( mas no caráter 9institucional: da linguagem( na 9autoridade: de .uem a utili+aA% p% !##* Uma promessa( em suma( 4 uma 9palavra de ordem:( n6o 4 9feita para .ue se acredite nela( mas para obedecer e fa+er obedecer:( n6o te nada a ver 9com a verossimil3an7a ou com a veracidade: e demonstra uma total 9indiferen7a &%%%* em rela76o a .ual.uer credibilidade: Beleu+e e Guattari !"#5"'-")$% >6o se trata nunca( portanto( de mentira( uma ve+ .ue esta sup8e ainda certa rela76o com a verdade e( mesmo( algum respeito por ela( 0á .ue( ao mentir( em geral dese0a-se a cren7a de outrem% ¬a ?? - “cren7a .ue( 4 claro( n6o se confunde com outras( na medida em .ue e,istem( como sustenta Fe
.ual.uer rela76o com a verdade e com a mentira( pois nelas( de acordo com a terrível frase de Goebbels( 9n6o falamos para di+er alguma coisa( mas para obter um determinado efeito: apud Kantos !"#"5 !?#$% “Palmeira e Veredia !""'5 ?D-?#( D@-D?S ver tamb4m !"D$ tm( pois( toda a ra+6o em apro,imar as promessas e os 9programas:( dos .uais as primeiras parecem só se distinguir retoricamente$ ¬a ?' Garrigou !""@5 @D-@#$ “a política democrática 4 um mercado de promessas bati+adas de programas: acrescentando( em nota( .ue isso 9n6o 4 uma pervers6o( mas a própria substEncia da democracia eleitoral:%$ p% !#"* das acusa78es( o outro gnero .ue povoa a maior parte dos discursos políticos5 ¬a ?) - “=arreira !""#5?"$ contrasta as promessas com os acordos( sublin3ando .ue as primeiras s6o pLblicas e tendem a n6o ser cumpridas( en.uanto os segundos costumam ser restritor e( via de regra( cumpridos:% p% !#"* ambas s6o performáticas ilocutórias e perlocutórias$( ainda .ue as primeiras se0am mais dirigidas a 9coletividades: e as segundas a 9reputa78es individuais:S ambas instauram circuitos de comunica76o e estabelecem vínculos envolvendo 9sub0etividades:( ainda .ue as promessas este0am ligadas ao futuro e as acusa78es ao passado e ao presente% Como vimos no capítulo anterior( 4 o abandono do privil4gio da sinta,e e da semEntica em benefício de uma pragmática .ue permite evitar os falsos problemas colocados pelas promessas eleitorais% /m lugar de insistir na busca de sua 9lógica: ou de seus 9referentes:( trata-se( simplismente( de assinalar .ue promessas e acusa78es e,igem muito mais aceitabilidade do .ue credibilidade ver Ver+feld !"#@5 )?'-)?)( )'D$ e .ue( para isso( devem ser formadas seguindo formas e adotando categorias convencionais( .ue garantam sua legitimidadeA%&p% !D!-*
<0 &%%%* !% m)ltiplas definiçes de facções , mas entre os antroplo'os !% um certo consenso de que se trata de unidades de conflito, cujos memros são arre'imentados por um l+der com ase em princ+pios (ariados. 2m 'eral, estão em jo'o conflitos considerados pol+ticos =en(ol(endo o uso do poder p)lico>. &s facçes não são 'rupos corporados =(ia de re'ra os autores pensam; nas como quase;'rupos di%dicos não corporados, etc.>4 Palmeira !"")5'?( nota '$ “2sso significa( parece-me( .ue o conceito 4 descritivo e morfológico( en.uanto a no76o de segmentaridade( como observei anteriormente( destina-se( sobretudo( a caracteri+ar processos( n6o grupos% &%%%* 4 preciso frisar ainda - e esse ponto 4 crucial - .ue a aplica76o do conceito de segmentaridade nas sociedades com /stado n6o consiste( de forma alguma( na simples transposi76o de tipologias .ue funcionavam entre sociedades ou culturas para um plano intra-social ou intracultural .ual.uer% Ou se0a( n6o se trata de supor .ue( no interior de sociedades estatais( o /stado funcione de modo inteiramente centrali+ado( en.uanto pe.uenas aldeias( grandes famílias( blocos afro ou terreiros de candombl4 obede7am a princípios segmentares% Hinda .ue a estrutura segmentar do /stado se0a em geral uma 9segmenta76o dissimulada: Ver+feld !""@5 !?$( ela e,isteS ao mesmo tempo( unidades segmentares s6o continuamente cooptadas pelo aparel3o de /stado( passando a obedecer a uma lógica da centali+a76o% /ntre segmetaridade e /stado as rela78es tamb4m s6o de oposi76o e de composi76o( e 4 preciso recon3ecer o 9caráter necessariamente segmentar de( virtualmente( .ual.uer /stado->a76oA Ver+feld !""@5 ) - grifo do autor$A%&p% !D?('* “%%% se( nas sociedades dotadas de lin3agens( o processo de segmenta76o parece transcorrer sobre um plano diacrQnico irreversível( e se( por outro lado( o con0unto das opera78es de segmenta76o e fus6o está inteiramente dado( como possibilidade( a cada instante( no caso das forma78es segmentares em sociedades de /stado tudo parece passar-se sobre um ei,o diacrQnico reversível( .ue permite .ue segmentos separados se reLnam para se dissolver mais adiante e( eventualmente( se reunir de novo%
“Hl4m disso( a 9politi+a76o: da no76o de segmentaridade permite perceber .ue nem sempre a lógica do famoso prov4rbio árabe 9eu contra meus irm6osS meus irm6o e eu contra meus primosS meus primos( meus irm6o e eu contra o mundo: Kal+man !"D#5'S ravet-Kaada !"))5!#$ 4 realmente posta em prática% &%%%* em política n6o 4 incomum .ue alian7as .ue cortam o espa7o segmentar se0am efetuadasA% &p% !DD* “Os principais gan3os metodológico( teórico e( eventualmente( político obtidos com a aplica76o de um conceito plural de segmentaridade 1 nossa própria sociedade talve+ se0a( na verdade( o aumento de nossa capacidade de tornar inteligíveis mecanismos por meio dos .uais se dá a articula76o entre segmentos políticos e unidades derivadas de outros processos de segmenta76o% Pois( ao contrário do .ue poderia ocorrer ao confrontarmos sociedades distintas( o fato de estarmos 1s voltas com diferentes lógicas sociais n6o pode a.ui ser redu+ido a uma simples .uest6o de alternativas culturais - nem( muito menos( a uma esp4cie de 0ogo de soma +ero no .ual essas lógicas apenas se e.uivaleriam% Rrata-se( na verdade( de mecanismos complementares assim4tricos( .ue( longe de simplesmente se oporem ou e,cluírem( articulam-se entre si( na medida em .ue s6o alternativamente acionados( de diferentes maneiras( por agentes específicos .ue atuam em conte,tos precisos% Os resultados sociopolíticos derivados do confronto e interpreta76o desses mecanismos tendem a infletir-se mais na dire76o de alguns deles do .ue de outrosA% &p% !DD(#* Beleu+e e Guattari !"#$( sobre segmentaridade( partem da no76o proposta pelos africanistas britEnicos em !"? e “procedem mediante amplia78es sucessivas do alcance do conceito% /m primeiro lugar &%%%* enumeram trs modalidades de segmentaridade( in%rias( circulares e lineares conv4m( talve+( repetir .ue essas modalidades( ou modula78es da segmentaridade( n6o constituem( de forma alguma( tipos5 elas apresentam( ao contrário( um caráter dinEmico( de tal forma .ue se passa( incessantemente( de uma a outra( como 0á veremos$% /M seguida( em uma manobra apenas provisória( tratam de distinguir uma segmentaridade 9primitiva: e uma 9de /stado:5 se( no primeiro caso( subsiste 9certa fle,ibilidade:( no segundo( temos uma 9segmentaridade dura: idem5 @''$% /( se a 9segmentaridade primitiva: 4 fle,ível( isto se deve ao fato de .ue os diversos centros de cada domínio de segmenta76o território( parentesco( idade etc%$ 0amais coincidem - o mel3or e,emplo disso 4 a impossibilidade de ade.uar completamente genealogia e território( impossibilidade com a .ual se c3ocaram .uase todos os .ue trabal3aram com a segmentaridade% Por outro lado( 4 0ustamente o /stado .ue deve ser concebido como o espa7o de 9ressonEncia: de todas as segmenta78es( as .uais se tornam( desse modo( 9duras:5 “&%%%* a se'mentaridade torna;se dura, na medida em que todos os centros ressoam &%%%*% / 2stado central não se constitui pela aolição de uma se'mentaridade circular, mas por concentricidade dos c+rculos distintos ou por uma ressonância dos centros &%%%*. &s sociedades com estado comportam;se como aparel!os de ressonância, elas or'anizam a ressonância, enquanto as primiti(as a iniem A idem5 @'D$% “/m suma( 9a vida moderna n6o destituiu a segmentaridade &%%%*( ao contrário( a endureceu singularmente: idem5 @')$% somente a 9cai,a de ressonEncia: do /stado .ue pode fa+er com .ue divis8es binárias se0am continuamente reprodu+idas sem modifica78es profundas( .ue os vários círculos .ue a todos envolvem pare7am ter apenas um centro( e .ue as diferentes atividades ou institui78es com .ue todos estamos envolvidos tendam para uma forma Lnica ou uma unidade transcendente% >6o se trata a.ui( contudo( repito( de supor uma nova tipologia5 n6o 3á distin76o empírica possível entre as
segmentaridades fle,ível e duraS elas est6o sempre 0untas( interpenetrando-se e transformando uma 1 outra em todas as partes idem5 @)-@)!$A% &p% !D#( "* “&%%%* aos mecanismos de captura e con0uga76o respondem sempre( e incessantemente( as cone,8es( resistncias e lin3as de fuga% Pois as forma78es segmentares mantm com o /stado ele tamb4m cortado pela segmenta76o$ uma rela76o semel3ante 1 postulado por Pierre Clastres !"D?S !"#$ para a c3efia indígena sul-americana5 nos dois casos( trata-se( ao mesmo tempo( de uma prefigura76o do /stado 0á .ue segmentos e c3efia podem funcionar como pólos de unifica76o e centrali+a76o$ e de uma con0ura76o na medida em .ue a c3efia indígena 4 impotente e .ue as forma78es segmentares se desfa+em e refa+em ininterruptamente$% “Rudo se passa entre o c4lebre adágio atribuído a Ma.uiavel( 9dividir para governar:( e sua aparente contesta76o por parte das 9tribos: em .ue( como escreveu Gellner( 9&%%%* a se'mentaridade é &%%%* a consequ#ncia do estado de dissid#ncia &%%%* e pode;se exprimir seu princ+pio contrariando o ad%'io" 0 Bividir-vos para n6o serdes governados:A apud avret-Kaada !"))5 !D - grifos da autora$% “O problema 4 .ue( em um regime de segmentaridade dura( tudo ressoa no ou na dire76o do$ /stado( e a capacidade de divis6o dos segmentos tende a dei,ar de ser um mecanismo contra-/stado para passar a funcionar como ponto de encai,e para a coopta76o e a domina76o% Pois( se( como costuma ser dito( a democracia parece( de fato( estar voltada para a administra76o de conflitos( esta n6o se dá no sentido em .ue usualmente 4 entendida( ou se0a( como acordos e pactos .ue( de algum modo( devem distribuir as vantagens entre o maior nLmero possível de agentes% Rrata-se antes( creio( de um processo de distribui76o dos próprios conflitos( 0ogando conflitos contra conflitos de modo a controlar e impedir a eclos6o de outros( supostamente mais graves( .ue amea7ariam a estabilidade e a permanncia do sistemaA% &p% !#(!* “%%% como observou Ver+feld !"")5 DD$( o /stado procura sempre imprimir sua própria forma aos grupos com .ue entra em rela76o - e isso inclui a.ueles .ue a ele se op8em( bem como os movimentos .ue( voluntária ou involuntariamente( dele tentam escapar% O 9segmentável:( como ainda Ver+feld !""@5 )$( 4 simultaneamente( o 9unificável:( e a segmentaridade( ao contrário do .ue se costuma imaginar( n6o consiste na divis6o de uma suposta unidade primeira em entidades discretas( mas na convers6o de multiplicidades em segmentos( ou se0a( em unidades simultaneamente divisíveis e unificáveis( de acordo com mLltiplas estrat4gias( .ue v6o da repress6o 1 resistncia( passando pela manipula76o e pa coopta76oA% &p% !#@*
Cap% ? - @5 /lei78es “%%% assim como ocorre com outros princípios da democracia participativa( estamos a.ui 1s voltas com varia78es locais em torno de temas tidos como centrais tanto pela ideologia democrática .uanto por muitos analistas do processo eleitoral% O .ue n6o significa( tampouco( .ue tais varia78es se0am simples desvios ou deturpa78es5 o 9voto consciente: em 2l34us 4 t6o consciente como em .ual.uer outro lugar ou grupo( apontando( no final das contas( para a importEncia do estabelecimento de rela78es mais duradouras e menos imediatistasA% &p% !"@*
“%%% o .ue oucault !"#?5 @-$ revelou para a 4tica antiga tamb4m parece ocorrer na pol+tica5 nesta( como na.uela( n6o e,istem apenas normas ideais e comportamentos reais( mas tamb4m modos de subjetivação a0ustando esses dois planos% Be fato( no mesmo sentido em .ue oucault fala da constitui76o de um su0eito ou de uma conscincia moral( poderíamos falar da ob0etiva76o de um su0eito político e de uma conscincia política( pois( como lembra Feesse sentido( n6o cabe discutir o .ue seria uma verdadeira democracia( nem se este ou a.uele /stado específico o brasileiro( por e,emplo$ 4 ou n6o democrático% Rrata-se apenas de tentar conferir um mínimo de inteligibilidade a processos muito reais .ue em conte,tos de sociedades nacionais organi+adas( ao menos em parte( sobre princípios democráticos% Pois( se concordarmos( por um instante( em denominar 9/stado democrático: a.uele 9&%%%* que apela aos princ+pios da democracia pol+tica, cujo 'o(erno procede de eleiçes li(res =no sentido de que os cidadãos podem efeti(amente escol!er entre candidatos ao poder realmente diferentes>, que pratica uma certa separação entre as ordenes le'islati(a, executi(a e judici%ria, que em um plano mais 'eral recon!ece serem os conflitos constituti(os da exist#ncia social e, pelo menos em princ+pio, afirma que a ne'ociação é o mel!or meio para resol(#;los, e que admite ser a fundação do ireito a de 'arantir a lierdade das pessoas =e de seus ens> e sua i'ualdade perante a lei. : C3Etelet e Pisier-Nouc3ner !"#5 !D$( “n6o precisaremos de muita imagina76o para adivin3ar .ue uma organização molar dessa nature+a e,ige todo um trabalo molecular de objetivação % / foi provavelmente oucault !"D'5 ?[ capa$ o primeiro a sublin3ar com a devida nfase essa dependncia( ao demonstrar a e,istncia de um certa modalidade de poder .ue tornou possível a democracia como forma política5 9sem dLvida( o s4culo \F222 inventou as liberdadesS mas ele l3es forneceu um subsolo profundo e sólido - a sociedade disciplinar ( da .ual ainda somos um produto:% Rrata-se a.ui( como sustenta Pi++orno !"##5 @??$( da 93ipótese de .ue os regimes democráticos modernos liberais só s6o possíveis devido a um longo trabal3o pr4vio de 9disciplinari+a76o: de seus cidad6os:% ¬a !D - “Beleu+e !""$ sugeriu ainda .ue a análise foucaultinana do processo de substitui76o das sociedades da soberania pelas sociedades disciplinares entre os s4culos \F222 e \\ deveria ser complementada( 3o0e( pela análise de uma nova transi76o .ue( politicamente( corresponderia 1 implanta76o de uma outra modalidade de capitalismo no plano econQmico( com a conse.uente necessidade de transportar os mecanismos disciplinares - criadores( desenvolvidos e operados nos espa7os fec3ados e limitados das fábricas( pris8es( escolar e 3ospitais - para os espa7os abertos e potencialmente
sem limites do mundo como um todo% 1 estrutura constituída( ou definida( por essa opera76o .ue Beleu+e dá o nome de 0sociedade de controle1 ( e 4 com esse pano de fundo .ue as análises do funcionamento real dos sistemas democráticos contemporEneos deveriam ser condu+idasA% p% @"* “Hssim( .uando Mic3el Offerl4 !""5 !?D$ c3ama a aten76o para o fato de .ue a democracia representativa sempre pareceu uma 9monstruosidade 0urídica:( na medida em .ue con0uga um ideal da democracia direta a participa76o eleitoral$ e outro do governo de notáveis os efetivos responsáveis pelo funcionamento do sistema$( ele nos p8e na pista de uma solu76o para o vel3o problema das rela78es entre práticas e ideais( comportamentos e normas( ou como se .uiser denominar% Pois tudo se passa( tamb4m entre nós( como na análise da democracia grega condu+ida por Paul Fe6o se trata( pois( de imaginar .ue os ideais e as normas simplesmente se opon3am 1s práticas e aos comportamentos% Ho contrário( 4 apenas sobre o pano de fundo do semi-ideal da democracia representativa .ue tais práticas podem funcionar e fa+er sentido% Bo mesmo modo( 4 apenas se apoiando sobre práticas dessa nature+a .ue o ideal da democracia pode sobreviver e continuar a ser sustentado contra todas as evidncias do cotidianoA% &p% @-'* >os sistemas eleitorais “um político de sucesso 4 a.uele capa+ de( nos termos de Beleu+e e Guattari( capturar e sobrecodificar candidatos movidos por interesses( cálculos e apoios e,cessivamente locais ou pontuais( variados demais para garantir uma elei76o% ¬a @! - “9C3amamos ‘captura’ essa essncia interior ou essa unidade de /stado: Beleu+e e Guattari !"#5 '!$S 9a sobrecodificação( esta 4 a opera76o .ue constitui a essncia do /stado: Beleu+e e Guattari !"D@5 @)$% Ou( nas palavras de Guattari !"#)5 @#"$( 9&%%%* o termo sobrecodifica76o corresponde a uma codifica76o de segundo grau% /,emplo5 sociedades agrárias primitivas( funcionando segundo seu próprio sistema de codifica76o territoriali+ado( s6o sobrecodificadas por uma estrutura imperial( relativamente desterritoriali+ada( impondo a elas sua 3egemonia militar( religiosa( fiscal etcA% p% @?* Ba mesma forma( o político bem-sucedido sobrecodifica em seu benefício os diferentes códigos .ue fa+em com .ue uma família divida os votos de seus membros entre vários candidatos aos .uais sente dever algo ou nos .uais deposita alguma esperan7aS ou a.ueles .ue levam um bloco afro a apoiar um candidato visando obter vantagens .ue os demais blocos n6o ter6oS
ou os .ue fa+em uma vi+in3an7a se inclinar na dire76o de algu4m .ue( supostamente( trará mel3orias para sua vida cotidiana% Canali+ando as mLltiplas lógicas em a76o( as diversas motiva78es pessoais( as oposi78es e conflitos locais( o político de sucesso os orienta a todos esses elementos e processos( e fa+endo com .ue con0untos muito 3eterogneos de votos se somem e garantam sua elei76oA% &p% @)* nota @) - “%%% o fato de os nativos poderem interpretar a presen7a do antropólogo da maneira .ue ac3arem mais convincente - n6o importando o .ue ele diga ou o .ue ac3e .ue está fa+endo no campo - impede .ue a mera e,plicita76o de inten78es ou o consentimento informado possam ser utili+ados como desculpas para possíveis desli+es 4ticos do pes.uisador% Rrata-se sempre( pois( de interpreta78es( 0amais de ignorEncia ou simples descon3ecimentoA% &p% @?* “%%% o abandono de perspectivas sintáticas e semEnticas em benefício de uma pragmática - tamb4m advogado por r< !""'5 !@'-!@)$ - parece ser a condi76o de possibilidade de uma compreens6o mais sofisticada( n6o só do racismo( mas de alguns correlatos( como as no78es de ra7a( etnicidade( identidade etc% desse ponto de vista .ue Io3n Galat< !"#@$ propQs a substitui76o das análises semEnticas da etnicidade - preocupadas com a identifica76o dos grupos denotados pelos marcadores 4tnicos - por uma perspectiva pragmática( .ue n6o apenas leve em considera76o os conte,tos cambiantes de a76o e as posi78es neles ocupadas pelos agentes( mas( sobretudo( parta delas% >esse sentido( os marcadores 4tnicos funcionam como os s!ifters linguísticos( conotando categorias cu0as fronteiras s6o móveis e instáveis% O .ue n6o significa( evidentemente( .ue tudo se0a possível( mas apenas .ue os limites de inclus6o e e,clus6o n6o s6o fi,os e n6o podem ser con3ecidos antes da investiga76o empírica idem5 !)$% “ claro .ue( em cada conte,to pragmático( um( ou alguns( dos marcadores tende a predominarS mas esse predomínio( local e mutável( n6o se confunde( de forma alguma( com a fun76o de sobrecodifica76o .ue( em regimes específicos( um marcador pode e,ercer sobre os demais% >os termos de Beleu+e e Guattari !"D@$( seria preciso( talve+( distinguir modos de classificação ( e mesmo racismos( 9selvagens: e 9despóticos:% >o primeiro caso( estaríamos 1s voltas com códigos polívocos acionados alternadamenteS no segundo( com uma sobrecodifica76o desses códigos por parte de um significante tido como privilegiado% Wue este se0a a cor da pele( a genealogia( a 3eran7a gen4tica ou mesmo o patrimQnio cultural importa pouco perante essa fun76o de sobrecodifica76o% “Ranto as classifica78es 9selvagens: .uanto as 9despóticas: s6o se'mentares5 algu4m 4 negro( em determinada situa76o( sempre com( para e em oposi76o a outrem% >esse sentido( n6o 3á distin76o entre sistemas descontínuos e contínuos( mas( sim( entre as duas modalidades da segmentaridade% Bo ponto de vista da flex+(el ( os códigos .ue permitem decidir se H está com = em oposi76o a C( ou H está em oposi76o a = e C( s6o de muitas nature+as e encontram-se em estado de varia76o contínua% ¬a @ “Como escrevem Beleu+e e Guattari( 9a segmentariedade primitiva 4( ao mesmo tempo a de um código polívoco( fundado nas lin3agens( suas situa78es e suas rela78es( e a de uma territorialidade itinerante( fundada em divis8es locais emaran3adas% Os códigos e os territórios( as lin3agens de cl6s e as territorialidades tribais organi+am um tecido de segmentaridade relativamente fle,ível: Beleu+e e Guattari !"#5 @''$% por isso( tamb4m( .ue Pierre Clastres !"D?$ tem toda ra+6o em recusar a imagem banal de um etnocentrismo universal( e distinguir o etnocentrismo 9selvagem:( .ue 90ulga sua cultura superior a todas as outras sem se preocupar em sustentar um discurso científico sobre elas:( do nosso( .ue dese0a 9situar-se de uma só ve+ no elemento da universalidade sem se dar conta de .ue permanece sob muitos aspectos solidamente instalada em sua particularidade: idem5 !)$% Pois( onde 3á /stado( assiste-se sempre 1 tentativa de 9supress6o mais ou menos autoritária das diferen7as socioculturais: Clastres !"#5
'?$A% p% @?!* Os sistemas 9duros:( por sua ve+( s6o t6o segmentares .uanto os outros( mas neles( para usar a e,press6o de Ver+feld !""@5 !?$( a segmentaridade está como .ue 9dissimulada: e se apresenta como oposi76o fi,a% /sse 4 um dos processos .ue Ver+feld !"")$ denomina 9literali+a76o:5 pertencimentos( .ue( nos idiomas locais( s6o mais 9estilos: .ue 9identidades:( operando claramente como s!ifters eu( .ue sou 9eu: para mim( mas sou 9voc: para voc( tamb4m posso ser branco para algu4m e n6o para outrem$( tendem a ser cristali+ados na forma de identidades 4tnicas ou nacionais idem$ - as .uais( longe de serem o solo sobre o .ual se constroem as forma78es estatais( s6o um dos resultados das mesmas% ¬a “/ssa 4 a condi76o( tamb4m( para .ue dei,emos de pensar a diferen7a 9no sentido identitário representa76o das características particulares de cada indivíduo ou grupo$: e passemos a pensá-la como devir( um 9diferir:( inclusive( e talve+ especialmente( de si mesmo5 9o conceito de diferen7a &%%%* 4 0ustamente o .ue nos arranca de nós mesmos e nos fa+ devir outro: TolniJ !""'$A% p% @?!* “Kublin3emos( novamente( .ue n6o se trata a.ui de uma oposi76o entre formas ideológicas ou sociais individuali+adas( mas de processos instáveis em regime de varia76o contínua% >esse sentido( os antropólogos( .ue( por ve+es( gostam de imaginar .ue seu papel 4 a desreifica76o do .ue os agentes sociais reificariam( deveriam ser mais modestos( uma ve+ .ue( fre.uentemente( 4 o contrário .ue ocorre% H antropologia( de fato( deve lutar contra a literali+a76o( mas sua arma n6o pode ser a denLncia do .ue os nativos pensam estar fa+endo% Ho contrário( como etnografia das práticas e como pragmática! a disciplina s" pode apoiar-se! precisamente! sobre o caráter flexível das classificaç#es cotidianas! a fim de enfrentar o aparente enrijecimento operado pelo $stado e por outras instituiç#es% $ & apenas isso 'ue podemos denominar contextualização e relativização A% &p% @?-)*
“%%% o racismo( mais ou menos .ue um preconceito ou uma ideologia( 4( sobretudo( uma prática e( mais precisamente( uma forma de poder5 9&%%%* o que faz a especificidade do racismo moderno não est% li'ado a mentalidades, a ideolo'ias, a mentiras do poder. 2st% li'ado : técnica do poder , : tecnolo'ia do poder: oucault !""D$ “Ora( esse 9racismo moderno: de .ue fala oucault 4( sem dLvida( um racismo de /stado% >6o no sentido de .ue só 4 praticado por /stados( mas por.ue possui uma forma-/stado( forma .ue( como vimos acima( procede por meio de uma esp4cie de 9domestica76o: do racismo selvagem no sentido levistraussiano dos termos$( sobrecodificando seus códigos e submentendo-o ao imp4rio de um valor ou crit4rio central% Ocorre .ue( ao mesmo tempo .ue enri0ece os códigos locais( essa opera76o os torna( n6o mais fle,íveis( certamente( mas bem mais dceis5 9/ racismo europeu como pretensão do !omem ranco nunca procedeu por exclusão nem especificação de al'uém desi'nado como /utro &%%%*% / racismo procede por determinação das (ariaçes de di(er'#ncias, em função do rosto @omem ranco que pretende inte'rar em ondas cada (ez mais exc#ntricas e retardadas os traços que não são conformes, ora para toler%;los em determinado lu'ar, ora para apa'%;los no muro que jamais suporta a alteridade &%%%*% Bo ponto de vista do racismo( n6o e,iste e,terior( n6o e,istem as pessoas de fora% Kó e,istem pessoas .ue deveriam ser como nós( e cu0o crime 4 n6o o serem: Beleu+e e Guattari !"#$:% “Kubmetido a um processo de a,iomati+a76o( o racismo pode tornar-se at4 mesmo diferencial( apelando( por e,emplo( mais para a no76o de cultura do .ue para a de ra7a% >6o por.ue a primeira( como 1s ve+es se finge imaginar( sofra de um defeito congnito .ue( necessariamente( a fa7a ser utili+ada com o mesmo terrível papel da segunda% /stamos 1s voltas( na verdade( com diferentes modos de tratar a ra7a ou a cultura( e a luta trava-se precisamente em torno desses modos de tratamento% O racismo de base cultural 4
apenas o resultado de uma sobrecodifica76o pela nature+a% >6o dei,a de ser verdade( contudo( .ue a cultura parece mais bem dotada para o processo de a,iomati+a76o( fa+endo com .ue e,istam posi78es desiguais no sistema( mas com .ue esse racismo contemporEneo n6o opere mais 9em termos de divis8es binárias e de e,clus8es( mas como estrat4gia de inclus6o diferenciada: Vardt e >egri @!$( e .ue 9a e,clus6o racial geralmente apare7a como resultado da inclus6o diferencial: Vardt @$A% &p% @)( D*
Capítulo ' - !""#X!"""5 Carnaval “/m um trabal3o fundamental( Tic3ard Gra3am !""D$ demonstrou .ue o verdadeiro sentido das eleiç#es( fre.uente e ininterruptamente reali+adas ao longo de todo o Kegundo Teinado no =rasil( era menos o de responder pela efetiva escol3a dos governantes por parte do povo 0á .ue os resultados eleitorais eram .uase sempre ob0eto de manobras fraudulentas ou alvo do uso aberto da violncia$ do .ue funcionar como uma esp4cie de ‘teatro’ em .ue 9os participantes usavam a linguagem da estratifica76o social para( mais .ue e,cluir os votantes( diferenciá-los: idem5 !'$( ou se0a( para e,ibir e ratificar uma ordem social e,tremamente estratificada e elitista% Hpós a reforma de !##!( esse 9teatro das elei78es: teria dei,ado de funcionar e o autor apenas levanta a .uest6o do destino dessas práticas de ostenta76o de status( voltadas para distinguir 9claramente os poucos .ue dirigiam as elei78es dos muitos .ue apenas votavam: idem5 !'#$% Creio .ue( longe de terem desaparecido( essas práticas se dissolveram nas rela78es cotidianas entre políticos e eleitores( tornando-se particularmente visíveis nos momentos de campan3a% /m outros termos( se pode ser verdade .ue 9o tempo da política: abre ou intensifica canais de comunicação entre diferentes camadas sociais( 4 preciso recon3ecer( igualmente( .ue isso n6o significa necessariamente uma maior permeabilidade entre tais camadas% =em ao contrário( pode representar uma ocasi6o e,tremamente ade.uada para a e,ibi76o de status e para reafirma76o de todas as 3ierar.uias sociais% “>esse sentido( ao estabelecerem( de dois em dois anos( o espa7o onde s6o encenados esses dramas( .ue mesclam participa76o e e,clus6o( as elei78es constroem de fato a domina76o( mas n6o da forma como se imagina .ue fa+em% Pois n6o se trata nem da simples institui76o de uma soberania legítima( nem da mera legitima76o de formas de domínio pree,istentes% Rrata-se de mais um mecanismo de poder( no sentido material ou foucaultiano da e,press6o n6o no burgus ou mar,ista$% >as elei78es e na 9política:( 3á muito mais do .ue política5 3á poderes( sub0etividades e agncias( elementos .ue uma antropologia da política n6o pode dei,ar de ladoA% &p% @'#( "* “%%%% n6o 4 difícil perceber .ue a 9cultura: - termo .ue serve de denominador comum 1s formas de sociabilidade a.ui em .uest6o - parece fa+er parte do arsenal de aparel3os de captura de .ue disp8em os /stados e os poderosos% Conceito cun3ado por Beleu+e e Guattari !"#$( 9aparel3o de captura: designa basicamente os dispositivos de apropria76o das a78es 3umanas 3eterogneas e em varia76o contínua e de sua convers6o em atividades 3omogneas( reguláveis e mutuamente comparáveis% ¬a !) - “mesmo fa+endo a ressalva de .ue a distin76o 4 efetuada em 9termos somente descritivos:( Beleu+e e Guattari !"#$ sustentam .ue 9agenciamentos seriais( itinerantes ou territoriais:( operando por meio de códigos polívocos( s6o capturados e convertidos em 9agenciamentos sedentários( de con0unto ou de Rerra:( .ue operam por sobrecodifica76oA% p% @#* dessa forma .ue a convers6o de territórios de e,plora76o em terras de produ76o tornando os primeiros comparáveis e apropriáveis$ 4 um aparel3o de captura .ue% simultaneamente( possibilita a 9renda fundiária: e 4 correlato da ob0etiva76o da propriedade e do
proprietário idem$% Bo mesmo modo( o 9trabal3o: e a 9moeda: s6o aparel3os de captura da a76o livre de varia76o contínua e troca( ob0etivando o trabal3ador( o lucro e o imposto idem$% “Como evidentemente n6o 3á ra+6o para supor .ue a lista dos aparel3os de captura se0a finita( podemos aplicar o conceito a .ual.uer dispositivo .ue opere de forma 3omóloga 1.ueles concretamente isolados por Beleu+e e Guattari% >a verdade( s6o os próprios autores .ue c3amam a aten76o para o fato de .ue 4 o /stado( em bloco( .ue poderia ser considerado o aparel3o de captura por e,celncia( atuando sempre por meio de convers8es das for7as .ue captura e utili+ando( para isso( uma grande variedade de dispositivos específicos do .uais a renda( o trabal3o e a moeda s6o apenas trs casos particulares .ue parecem( aliás( funcionar com mais for7a no momento de constitui76o 3istórica do capitalismo do .ue em suas fases mais avan7adas% Ke acrescentarmos a isso o fato de .ue por 9/stado: n6o se pretende meramente designar uma institui76o( mas um modo de funcionamento e uma forma de poder( compreendemos por .ue 9c3amamos 9captura: essa essncia interior ou essa unidade do /stado: idem$% Ou se0a( compreendemos .ue n6o e,istem um /stado .ue captura( mas .ue a captura 4 o /stado e vice-versa - o .ue significa .ue( deste ponto de vista( a diferen7a entre o aparel3o de /stado propriamente dito e as c3amadas 9organi+a78es n6o governamentais:( por e,emplo( 4 absolutamente irrelevante% Observemos( finalmente( .ue Beleu+e e Guattari idem$ tamb4m isolaram o .ue denominam os 9dois pólos: do /stado( uma ve+ .ue este opera tanto por 9captura mágica: .uanto por 9contrato 0urídico:% 2sso .uer di+er( em primeiro lugar( .ue( se a organi+a76o 4 legal 4( sem dLvida( um dos bra7os do /stado( a capacidade de atrair( prometer( sedu+ir( 4 o outroS e( em segundo( .ue a oscila76o contínua e permanente entre os códigos e,plícitos e os ardis e trapa7as inconfessáveis 4 o modo mesmo de funcionamento desse tipo de poderA% &p% @)?('* nota !# - “/m outro conte,to( Paul Fe
ou se0a( ao passar a funcionar de acordo com as regras do e.uivalente geral para ser e,posta e( literalmente( vendida em um mercado$% H cultura 4( ao mesmo tempo( uma 9palavra-cilada: idem$ e um aparel3o de captura( possivelmente um dos mais bem adaptados 1s e,igncias da sociedade de controle .ue caracteri+a o capitalismo contemporEneo% “/ssa tamb4m parece ser a conclus6o de Mic3ael Ver+feld !""@S!"")$( .uando sugere .ue seria próprio das forma78es estatais promoverem uma esp4cie de transla76o do social ao cultural( acionando mecanismos semióticos-políticos .ue convertem as 9rela78es ind4,icas: locais ou propriamente 9sociais:( uma ve+ .ue envolvem con3ecimento direto mLtuo( produ+em finas distin78es entre pessoas r grupos e dependem em alto grau de sua conte,tualidade$ em rela78es 9icQnicas: ou 9culturais: .ue tendem a literali+ar os símbolos( desvinculando-os de seus conte,tos pragmáticos$% Uma imagem de unidade cultural parece obscurecer a relatividade socialS o 9gen4rico: parece se superpor ao 9genealógico:% nesse sentido .ue o /stado nada mais 4 do .ue o con0unto de opera78es voltadas para a essenciali+a76o( naturali+a76o e literali+a76o de e,perincias sociais sempre mLltiplas e polifQnicas5 a ningu4m 4 permitido possuir mais .ue uma religi6o( um pertencimento local( uma etnia ou uma corS 9estilos:( sempre móveis e conte,tuais( convertem-se em 9identidades:( .ue s6o cristali+adas em 9etnicidades:( .ue( por sua ve+( tendem a se enri0ecer como 9nacionalidades: !"")$S a 9labilidade semEntica dos valores locais:( .ue fa+ com .ue pertencimentos familiares( grupais( 4tnicos e mesmo nacionais funcionem como verdadeiros s!ifters idem$ tende a ser eliminada ou limitada pelo /stado% Ho mesmo tempo( uma ve+ substanciali+adas( essas variáveis doravante 9valores: ou mesmo 9coisas:$ retornam 1 vida social cotidiana e alimenta ódios( discrimina78es e massacres% Besse ponto de vista( 4 possível observar .ue a democracia n6o 4 necessariamente sinQnimo de tolerEncia e de um menor grau de essenciali+a76o5 o contrário pode ocorrer( na medida em .ue a diversidade tamb4m pode ser condenada em nome da igualdade idem$A% &p% @)?-)* Kobre o processo e,plicitado por r< !"DD$ de “9convers6o de símbolos 4tnicos em símbolos nacionais:A Goldman afirma .ue “o .ue n6o parece evidente 4 .ue a fei0oada( o candombl4( o samba ou a mLsica afro possam sel al7ados definitivamente da condi76o de signos minoritários para a.uela de símbolos ma0oritários% >a verdade( tudo se passa como se o valor semimótico de cada uma dessas produ78es oscilasse de acordo com os níveis segmentares .ue atravessam% >esse sentido( o problema político central das elites n6o seria tanto a simples apropria76o e deslocamento dos símbolos( mas a elimina76o de suas ambiguidades( fa+endo com .ue ad.uiram um sentido unívoco - literali+ando-os( como di+ Ver+feld -( tarefa .ue( 4 claro( n6o pode 0amais ser inteiramente bem-sucedida% >6o 4 por acaso( portanto( como lembra r< !"DD5 ?)$( .ue em !"D( o Iornal / 2stado de Aão Paulo ten3a criticado duramente o governo paulista por este ter organi+ado uma grande festa pLblica de umbanda% O mal-entendido interno 1 elite paulista e,plica-se( talve+( se admitirmos .ue( en.uanto o governador visava um nível segmentar mais elevado - sobre o .ual a umbanda e outras forma7]es podem funcionar como representa78es do =rasil como um todo -( o periódico mirava um nível segmentar menos inclusivo( no .ual elite e umbandistas só podem mesmo se opor% &%%%* Ke( por um lado( conv4m evitar todo romantismo e admitir .ue( muitas ve+es( essas forma78es &minoritárias* se prestam 1 captura e se conju'am com o /stado ou com as for7as ma0oritárias( por outro( 4 preciso recusar .ual.uer esp4cie de pessimismo ou fatalismo5 1s capturas e con0uga78es respondem sempre( e incessantemente( as conexes( as lin3as de fuga e as resistncias% ¬a @@ - Beleu+e e Guattari !"#$ distinguem as cone,8es revolucionárias das con0uga78es reterritoriali+adoras( e sustentam .ue 4 na imprevisível varia76o entre ambas .ue a luta política e distribui5 9como isso vira fascista ou revolucionário: Beleu+e e Guattari !"D@$A% p% * O Lnico
problema 4 .ue estas devem ser compreendidas em um sentido ligeiramente distinto da.uele a .ue estamos mais 3abituados5 como sublin3a ^ourabic3villi @$( “ resistir se distingue de rea'ir :( e em um sentido propriamente micropolítico e molecular a resistncia 4 sempre primeira em rela76o 1 captura( 0á .ue esta só pode incindir sobre formas de vida e for7as vitais .ue lutam para perseverar em seu serA% &p% @)#* “ evidente .ue( em todos os casos( esses candidatos ligados a movimentos negros ou 9culturais: capturam e canali+am flu,os de votos na dire76o de outras candidaturas mais bem-sucedidas( ou se0a( atuam como mulas dos eleitos% Observemos( contudo( .ue n6o s6o apenas votos o .ue 4 drenado dessa maneira5 4 o con0unto das rela78es sociais dos envolvidos( sua militEncia cultural e( em Lltima instEncia( sua vida( .ue s6o capturados e sobrecodificados nesse processo% / 4 nesse sentido .ue cabe indagar se n6o s6o as elei78es de modo geral( e a política como um todo( .ue deveriam ser encaradas( sempre e em toda parte( como aparel3os de captura% “Citando R4rmico Kampaio erra+( Falente !"#)$ lembra .ue “8...9 a eleição é um mecanismo (ital de asorção dos protestos ao oferecer uma 'rande oportunidade de manifestação de insatisfaçes, j% que um candidato escol!ido por protesto nem precisa ser eleito ou 0caso eleito, não precisa necessariamente influenciar as decises da m%quina pol+tica:% “Mesma conclus6o .ue a de Tic3ard Gra3an em seu estudo sobre a política no =rasil no s4culo \2\% Obcecada por conciliar elei78es( legitimidade e ordem( a elite brasileira desenvolvia um esfor7o muito consciente para canali+ar .ual.uer forma de protesto ou oposi76o para o interior da política eleitora5 9o constante esfor7o de legislar elei78es 0ustas demonstra uma preocupa76o em abrir a política a 3omens de opini8es divergentes( .ue assim n6o se voltariam contra o regime: Gra3an !""D$% “/m outros termos( como demonstrou Mic3el Offerl4 !""$( o estabelecimento e o funcionamento de um sistema democrático e,igem( como seu correlato( a produ76o de um certo tipo de agente social( o 9eleitor:% >6o esse ser fictício cu0a e,istncia se limita a poucos minutos em uma cabine eleitora ou 1s paginas de alguns manuais( mas um produto bem específico( resultante de todo um processo de 9domestica76o:( de 9ortopedia social:( .ue visa produ+ir um su0eito .ue n6o se0a e,cessivamente passivo ou o sistema perderia seu apoio ou legitimidade - mas .ue( ao mesmo tempo( n6o se torne ativo demais( consentindo em só participar do processo político nas instEncias e momentos tidos como ade.uados% “ por isso .ue a e,alta76o de Clemenceau - 9o princípio do sufrágio universal n6o permite nen3um compromisso% /le concede o mesmo direito ao sábio e ao ignorante5 ele o concede em virtude de um direito natural: idem$ - pode ser respondida com o cinismo de ;edru-Tollin5 9lógica da igualdade e meio de evitar a revolu76o: iidem$% / .ue Katre !"D$ pode perguntar 9por .ue eu votaria Por.ue me convenceram de .ue o Lnico ato político de min3a vida consiste em colocar meu voto na urna a cada .uatro anos: / concluir5 9mas isso 4 o contrário de um ato:A% &p% @D( !* “Como lembra Ver+feld !"#@$( toda 9distribui76o de culpa: possui uma 9nature+a pLblica ou social:( e fa+ parte das rela78es sociais mais cotidianas de .ual.uer comunidade% /m 2l34us( a culpabili+a76o dos mais prócimos 4 um fenQmeno político facilmente perceptível( funcionando tanto .uando se imagina .ue a.uele .ue ocupa uma posi76o superior presidente da TepLblica( governador( prefeito( ou mesmo simples candidato$ n6o está sendo realmente informando do .ue está acontecendo e por isso n6o age para resolver a situa76o$( como .uando se suspeita .ue a.ueles .ue ocupam posi78es intermediárias e mais pró,imas est6o agindo em benefício próprio( e n6o como verdadeiros intermediários conectando
inferiores e superiores% H c3amada media76o 4( sem dLvida( uma arte muito difícil de ser praticada% /la e,ige( por um lado( .ue algum tipo de rela76o entre a.ueles .ue o mediador deve pQr em contato efetivamente se estabele7a ou( ao menos( pare7a se estabelecer - sob pena de .ue se duvide de sua capacidade ou interesse em mediar% Por outro lado( entretanto( a media76o e,ige tamb4m( e sempre( .ue um contato direto entre os mediados 0amais se estabele7a completamente - o .ue faria com .ue a media76o simplesmente perdesse sua ra+6o de ser% >esse sentido( toda media76o 4( simultaneamente( uma antimedia76o( e todo mediador 4 um suspeito potencial de estar atuando apenas para si mesmo% “>a verdade( o uso conceitual do termo media76o comporta um problema básico( a saber( o binarismo para o .ual inevitavelmente parece tender% /sse binarismo 4 responsável por uma esp4cie de miragem( uma terceira margem do rio( na .ual o mediador confortavelmente se instalaria% ¬a ! - “Missionários( mediadores( políticos e outros &%%%* comp8em sempre o terceiro v4rtice do triEngulo clientelista isolado por Gra3anA% p% @#?* >o entanto( como demonstrou Gra3an !""D$ para as rela78es de poder no =rasil durate o Kegundo Teinado( a estrutura clientelista .ue se enraí+a supostamente em processos de media76o$ 4( na verdade( triádica5 algu4m pode a algu4m por algu4m( e n6o 3á nen3uma ra+6o para considerar o termo m4dio como um simples intermediário de uma rela76o dual .ue seria mais importante% nesse sentido .ue se pode falar na e,istncia de 9trs elos: idem$ e 9dois níveis: idem$ de clientelismo5 9para bai,o: entre o .ue pede e a.uele por .uem pede$ e 9para cima: entre o .ue pede e a.uele a .uem ele pede$% Hinda .ue( de formas diferentes e evidentemente assim4tricas( todos os envolvidos em rela78es clientelistas s6o prisioneiros uns dos outros( e estamos a.ui certamente 1s voltas mais com uma forma de poder e um modo de governar e,tremamente ade.uados para uma sociedade fina e rigidamente estratificada do .ue com u simples sistema ideológico ou cultural apoiado em valores tradicionais e 3ierár.uicosA% &p% @D?( '* “Kartre !"D$ escreveu .ue o voto secreto pode ser considerado 9o símbolo de todas as trai78es .ue o indivíduo pode cometer para com os grupos de .ue fa+ parte:% Creio .ue seria necessário( contudo( precisar ampliar o alcance dessa profunda afirmativa% /m primeiro lugar( o caráter realmente secreto do voto parece mais um elemento de retórica política do .ue uma realidade efetiva% Be fato( evoca-se esse caráter tanto para enaltecer a democracia representativa .uanto para n6o declarar abertamente o próprio voto% >a realidade( entretanto( as coisas s6o um pouco mais complicadas( e um bom cabo eleitoral 4 capa+ de descobrir( com ra+oável dose de precis6o( .uem dei,ou de votar como prometera .ue o faria% Por sua ve+( os cabos eleitorais .ue n6o se revelam capa+es de obter a .uantidade de votos .ue prometem aos candidatos a .ue est6o ligados correm o risco de perder sua remunera76o( e mesmo seu trabal3o% Hl4m disso( a cren7a difusa( mas ra+oavelmente bem disseminada( de .ue Z&e sempre possível descobrir como um eleitor votou cumpre( por si só( uma importante fun76o de controle - e 4 em parte a necessidade de difundir essa cren7a .ue leva os cabos eleitorais a anotarem( cuidadosamente( os dados dos títulos de eleitor da.ueles .ue os procuram em busca de alguma 9a0uda: na 4poca das elei78es% Ba mesma forma( em !""#( .uano o voto eletrQnico foi introdu+ido em 234us( corriam boatos de .ue ele permitia a identifica76o do voto e( at4( de .ue uma fotografia do eleitor era tirada no momento em .ue apertava o bot6o de votar% “/m segundo lugar( como tamb4m sugere Kartre( o voto secreto torna mais fácil pacificar a própria conscincia .uando um eleitor sente .ue n6o se comportou eleitoralmente como deveria% possível trabal3ar para um candidato e pedir uma grande .uantidade de di votos para eleS mas o voto pessoal e íntimo pode ser conferido a .ual.uer um( permitindo assim conciliar convic78es e deveres contraditórios( escol3as e necessidades antinQmicas% Rrata-se a.ui( desse modo( de mais um desses 9 doule inds: de .ue
est6o repletas as democracias representativas e .ue( evidentemente( n6o comprometem em nada o sistema( servindo( ao contrário( como uma das condi78es de .ue seu funcionmento continuado n6o represente 0amais grandes riscos para a ordem estabelecida% &%%%* ¬a @ - “com o conceito de doule ind Gregor< =ateson procurou tra+er 1 lu+ a estrutura dos processos de produ76o da es.ui+ofreniaS ao mesmo tempo( sugeriu .ue esses processos est6o igualmente presentes nas 9rela78es normais: =ateson !"D@$( mais precisamente( nessas comple,as situa78es em .ue duas 9in0un78es negativas: conflitantes s6o acompan3adas por 9uma in0un76o negativa terciária proibindo a vítima de escapar do campo:% O .ue engendra esses estados em .ue 9n6o importa o .ue algu4m fa7am ele 9n6o pode vencer:A% p% @#?* “/m terceiro lugar( n6o 4 apenas o caráter secreto do voto .ue n6o resiste a uma investiga76o etnográfica5 os outros dois atributos fundamentais .ue costumam ser empregados na defini76o do ato de votar tamb4m parecem ter a mesma sorte( .uando submetidos a esse tipo de investiga76o% Como demonstrou Baniel Ga,ie !"D#$( o c4lebre princípio do one man, one (ote 4 sempre( na realidade( infletido por uma esp4cie de voto censitário oculto( .ue depende do grau de investimento do eleitor na política( bem como de seu capital material e cultural% Marin3o( por e,emplo( funcionava como uma esp4cie de consel3eiro &%%%*% “inalmente( o caráter universal do voto tampouco pe encontrado em estado puro na realidade etnográfica% /m parte por.ue( como demonstrou Mic3el Offerl4 !""$( a universali+a76o do voto tende a se deter na barreira das distin78es tidas como 9naturais:% / ainda .ue estas( evidentemente( variem segundo os locais e as 4pocas( o fato 4 .ue determinadas categorias de pessoas mul3eres e escravos ou( em outras sociedades e momento( menores de idade e pródigos$ s6o sempre formal e inevitavelmente e,cluídas do direito ao voto ou do dever de votarA% &p% @DD-"* nota ' - “H isso devemos acrescentar o fato de .ue nem todos os .ue possuem o direito ao voto possuem( tamb4m( o de serem votadosA% &p% @#'* Guennifle< !""?$ - “%%% a contradi76o entre o sentimento de necessidade de uma unidade transcendente do resultado eleitoral e o fato inelutável da diversidade dos votos n6o só 4 constitutiva da democracia representativa como torna mais compreensível .ue uma suspeita em rela76o ao sufrágio e aos eleitos pare7a consubstancial a esse sistema - o .ual( nesse sentido( e como ocorre com a pris6o na análise de oucault !"D'$( parece estar( desde seu nascimento( sempre em crise e e,igindo rigorosas medidas corretivas% “Hl4m disso( tudo aponta( tamb4m( na dire76o de uma falta de interesse muito real( .ue revela .ue a suposta universalidade do voto( da mesma forma .ue seu caráter secreto e igualitário( pertence mais ao domínio dos valores ideais de certa camada da popula76o do .ue ao mundo real de .ual.uer uma delasA% &p% @D"-@#*
Capítulo ) - @?5 Candidaura “%%% 3á uma coe,istncia de sentimentos opostos( .ue fa+ com .ue pessoas e grupos possam( simultaneamente( ansiar pela elei76o de algu4m .ue os represente e temer a irrup76o( em seu cotidiano( de poderosos mecanismos de 3ierar.ui+a76o% Mais um 9doule ind : ( mais um ponto de apoio para o funcionamento dos sistemas políticos constituídos pelas democracias representativas% “Hpesar de todas as ra+8es negativas( permanece assim o fato de .ue o efeito positivo( ainda .ue n6o intencional( do .ue parecem ser simples carncias de conscincia( organi+a76o( e,perincia( unidade ou
ideologia$ 4 a con0ura76o do fantasma da desigualdade interna ao grupo - desde .ue se aceite designar 9grupo: uma realidade multiforme e móvel( segmentar( como vimos( .ue pode assumir a forma de uma família( vi+in3an7a( bloco( movimento etc% Pois o problema( como demonstrou( entre outros( =eatri+ Veredia !"")$( 4 .ue a intro0e76o da política - .ue 4( sobretudo( uma maneira de gerir rela78es entre desiguais - no seio de um grupo .ue se concebe sob o signo da igualdade 4 sempre muito difícil% ¬a ' “Como escreveu Veredia !"")$( 9a resistncia da comunidade a ter candidatos pZróprios fa+ sentido( na medida em .ue c3amar algu4m para ser político 4( de fato( c3amá-lo para ser de for da comunidade% Bito de outro modo( fa+ sentido por.ue tra+endo-se a política - .ue 4 e,terior a - para dentro da comunidade( s6o introdu+idas rela78es de desigualdade entre iguais% HlgueZm eleito( automaticamente( passa a ser de fora( isto 4( dei,a de ser um membro a mais( tornando-se uma perda para a referida comunidadeA% p% !* “Mais do .ue isso( como observei em diversas ocasi8es( uma Zserie de mecanismo de dilui76o de poder 4 continuaente posta em a76o nos meios sociais de .ue fa+em parte os militantes do movimento afrocultural de 2l34us% Hl4m de se considerar a política algo e,terior( su0o e passageiro( pode-se 9dividir os votos:( no sentido de .ue( ao serem procurados por diferentes candidatos em busca de apoio eleitoral( c3efes de família( ( m6es-de-santo( dirigentes de blocos afro tentam determinar( com maior ou menor grau de sucesso( em .ue candidatos diferentes membros da família( terreiro ou grupo cultural dever6o votar% Pode-se( igualmente( 9dividir: votos no sentido de votar em algu4m( pedir votos para outrem e trabal3ar para um terceiro( em fun76o das mLliplas lealdades em .ue todos sentem estar envolvidos ou da necessidade de din3eiro por muito e,perimentada% / pode-se( tamb4m( apoiar( a0udar ou lan7ar muitos candidatos( por partidos diferentes( o .ue fa+ com .ue suas vota78es( de alguma forma( anulem-se reciprocamente% “Ora( essa resistncia em colaborar voluntariamente para o sucesso dos mecanismos de centrali+a76o do poder e essa recusa prática em aceitar a intro0e76o de mecanismos de 3ierar.ui+a76o assemel3am-se( sem dLvida( ao .ue Pierre Clastres !"D?$ denominou 9contra-/stado:( esse con0unto de mecanismo .ue( nas sociedades 9sem /stado:( impedem a constitui76o de um poder central ou coercitivo% Mas 4 claro .ue n6o temos nen3uma ra+6o para supor .ue tais mecanismo funcionem apenas nas 9sociedades primitivas:( e devemos recon3ecer .ue eles est6o bem vivos entre nós% >6o obstante( 4 preciso evitar todo romantismo e recon3ecer o óbvio5 .ue( em uma sociedade dotada de /stado( o funcionamento dos mecanismos contra/stado pode( muitas ve+es( contrariar sua própria orienta76o% Hssim( no confronto entre lógicas sociais distintas( marcadas pela assimetria de poder acima evocada( a resultante do c3o.ue entre concep78es da política moralmente negativas e moralmente positivas tende a se infletir na dire76o das segundas( ou se0a( a favor do /stadoA% &p% @"'( )* “/m outros termos( creio .ue a demonstra76o etnográfica de /vans-Pritc3ard - segundo a .ual a bru,aria ou a feiti7aria convivem perfeitamente com as mais corri.ueiras no78es de causalidade física - pode( sem dLvida( ser estendida para determina78es de ordem social ou psicológica% Hfinal( ningu4m imaginava realmente .ue o feiti7o lan7ado contra o Bila+ense fosse a causa de sentimentos e a78es .ue( na verdade( ele se limitava a agregar( amplificar e direcionar% O .ue significa( tamb4m( .ue o fato de saber .ue uma pessoa está agindo de determinado modo por.ue foi enfeiti7ada n6o anula( necessariamente( as desconfian7as em rela76o a ela( nem funciona( automaticamente( como prova de sua inocncia Lltima____%%