NOME:
N.O:
_ TURMA:
DATA: _________
Leia o texto seguinte.
5
Ao fim do jantar, na Rua de S. Francisco, Ega, que se demorara no corredor a procurar a charuteira pelos bolsos do paletó, entrou na sala, perguntando a Maria, já sentada ao piano: — Então, definitivamente, Vossa Excelência, Excelência, não vem ao sarau da Trindade?... Ela voltou-se para dizer preguiçosamente, por entre a valsa lenta que lhe cantava entre os dedos: — Não me interessa, estou muito cansada… — É uma seca — murmurou Carlos do lado, da vasta poltrona onde se estirara
10
15
20
25
30
35
40
45
consoladamente, consoladamente, fumando, de olhos cerrados. Ega protestou. Também era uma maçada subir às pirâmides do Egito. E no entanto sofria-se invariavelmente, invariavelmente, porque nem todos os dias pode um cristão trepar a um monumento que tem cinco mil anos de existência… Ora a sr.ª D. Maria, neste sarau, ia ver por dez tostões uma coisa também rara — a alma sentimental de um povo exibindo-se num palco, ao mesmo tempo nua e de casaca. — Vá, coragem! Um chapéu, um par de luvas, e a caminho! Ela sorria, queixando-se da fadiga e preguiça. — Bem — exclamou Ega — eu é que não quero perder o Rufino… Vamos lá, Carlos, mexe-te! […] — Quem é por fim esse Rufino? — perguntou Carlos, alongando mais os pés
pelo tapete, quando Maria findou a canção de «Ofélia». « Ofélia». Ega não sabia. Ouvira que era um deputado, um bacharel, um inspirado... Maria, que procurava os «noturnos» de Chopin, voltou-se: voltou -se: — É esse grande orador de que falavam na Toca? Não, não! Esse era outro, a sério, um amigo de Coimbra, o José Clemente, homem de eloquência e de pensamento... Este Rufino era um ratão de pera grande, deputado por Monção, e sublime nessa arte, antigamente nacional e hoje mais particularmente provinciana, de arranjar, num voz de teatro e de papo, combinações sonoras de palavras... — Detesto isso! — rosnou Carlos. Maria também achava intolerável um sujeito a chilrear, sem ideias, como um pássaro num galho de árvore... — É conforme a ocasião — observou Ega, olhando o relógio. Uma valsa de Strauss também não tem ideias, e à noite, com mulheres numa sala, é deliciosa... Não, não! Maria entendia que essa retórica amesquinhava sempre a palavra humana, que, pela sua natureza mesma, só pode servir para dar forma às ideias. A música, essa fala aos nervos. Se se cantar uma marcha a uma criança, ela ri-se e salta no colo... — E se lhe leres uma página de Michelet — concluiu Carlos — o anjinho seca-se e berra! — Sim, talvez — considerou o Ega. — Tudo isso depende da latitude e dos costumes que ela cria. Não há inglês, por mais culto e espiritualista, que não tenha um fraco pela força, pelos atletas, pelo sport , pelos músculos de ferro. E nós, os meridionais, por mais críticos, gostamos do palavreadinho mavioso. Eu cá pelo menos, à noite, com mulheres, luzes, um piano e gente de casaca, pelo-me por um bocado de retórica.
E, com o apetite assim desperto, ergueu-se logo para enfiar o paletó, voar à Trindade, num receio de perder o Rufino. Eça de Queirós, Os Maias, Lisboa, Editora Livros do Brasil, 2008, pp. 591-593.
1. Para responder a cada um dos itens de 1.1 a 1.7, selecione a opção que completa corretamente cada afirmação. 1.1 O constituinte «lhe» (l. 5) contribui para a coesão textual, sendo um exemplo de (A) catáfora. (B) correferência não anafórica. (C) anáfora. (D) elipse. 1.2 A oração «que tem cinco mil anos de existência» (l. 12) é uma subordinada (A) adverbial consecutiva. (B) adjetiva relativa explicativa. (C) adjetiva relativa restritiva. (D) substantiva completiva. 1.3 Na passagem «Ora a sr.ª Dona Maria, neste sarau, ia ver por dez tostões uma coisa também rara […]» (ll. 1 2-13), um constituinte que desempenha a função sintática de modificador do grupo verbal é (A) «por dez tostões». (B) «a sr.ª Dona Maria». (C) «uma coisa também rara». (D) «também rara». 1.4 A oração «que era um deputado, um bacharel, um inspirado...» (l. 22) é uma subordinada (A) substantiva completiva. (B) adjetiva relativa restritiva. (C) adverbial concessiva. (D) adjetiva relativa explicativa. 1.5 O constituinte «intolerável» (l. 31) desempenha a função sintática de (A) complemento direto. (B) predicativo do complemento direto. (C) complemento agente da passiva. (D) predicativo do sujeito. 1.6 O nome «anjinho» (l. 39) é um elemento de uma cadeia de referência, da qual fazem parte (A) «criança» (l. 37) e «ela» (l. 37). (B) «criança» (l. 37), «ela» (l. 37) e «lhe» (l. 39). (C) «criança» (l. 37), «ela» (l. 37), «lhe» (l. 39) e «página» (l. 39). (D) «música» (l. 37), «criança» (l. 37), «ela» (l. 37) e «lhe» (l. 39). 1.7 O constituinte «ela» (l. 37) contribui para a coesão textual, sendo um exemplo de (A) catáfora. (B) correferência não anafórica. (C) anáfora. (D) elipse. 2. Identifique a função sintática do constituinte «a palavra humana» (l. 36). 3. Identifique o tipo de coesão textual assegurado pela repetição do nome «Carlos». 4. Transcreva a oração subordinada adjetiva que integra a frase «Ela voltou-se para dizer preguiçosamente, por entre a valsa lenta que lhe cantava entre os dedos» (ll. 5-6).
Correção
1.1 (C); 1.2 (C); 1.3 (A); 1.4 (A); 1.5 (B); 1.6 (B); 1.7 (C). 2. Complemento direto. 3. Coesão lexical. 4. «que lhe cantava entre os dedos»
ENTRE NÓS E AS PALAVRAS • Português • 11 .o ano • Material fotocopiável • © Santillana
3