HISTÓRIA DA CULTURA E DA SOCIEDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
autor
LEONARDO TEIXEIRA
1ª edição SESES rio de janeiro
2015
Conselho editorial luis claudio dallier saldanha; roberto paes; gladis linhares Autor do original leonardo teixeira Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção gladis linhares Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação bfs media Revisão linguística amanda duarte aguiar Revisão de conteúdo paulo cotias Imagem de capa olga tropinina | dreamstime.com
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) T355h Teixeira, Leonardo
História da cultura e da sociedade no mundo contemporâneo / Leonardo Teixeira Rio de Janeiro : SESES, SESES, 2015. 120 p. : il. isbn: 978-85-5548-114-7 978-85-5548-114-7 1. Movimentos culturais. 2. Segunda guerra mundial. 3. Cultura.
I. SESES. SESES. II. Estácio.
Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
cdd 306.0981
Sumário 1. Pós-Segunda Guerra Mundial 1.1 O mundo após a segunda Guerra Mundial 1.2 A relação do Brasil com a Segunda Guerra e o fim do Estado Novo 1.3 Descolonização da Ásia e África
2. A alternativa socialista e os conflitos mundiais 2.1 O Socialismo Russo 2.2 Guerra Fria: política externa dos Estados Unidos e União Soviética 2.3 Revolução Cubana 2.4 Revolução Chinesa
3. Movimentos culturais da década 1960-70 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6
Movimentos Culturais nas décadas de 1960-70 O movimento afroamericano O feminismo O movimento Hippie Maio de 1968 na França Cultura brasileira nas décadas de 1960 e 1970
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4. O neoliberalismo: internacionalização da economia 4.1 Os caminhos da internacionalização da economia 4.2 O estado de bem-estar social – Welfare State 4.3 As políticas econômicas de Margaret Hilda Thatcher e Ronald Reagan 4.4 A experiência de neoliberal na America Latina 4.5 O Brasil no contexto internacional
5. Globalização e o fim da URSS 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 5.6
Crise do sistema socialista soviético Globalização O Fórum Econômico de Davos Fórum Social Mundial 11/09 e o início da guerra contra o Terrorismo. Os Novos desafios da economia
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1 Pós-Segunda Guerra Mundial
Este capítulo pretende analisar a dinâmica contemporânea do mundo Pós-Segunda Guerra. A crescente bipolarização da política interfere na construção de um clima de instabilidade generalizado. Apesar da improvável instituição da Terceira Guerra Mundial houve uma imposição de um clima de insegurança responsável pelo avanço na corrida armamentista e consequente crescimento da indústria bélica. Esse contexto afeta a dinâmica de vários países no globo. Analisaremos as relações desse contexto com a crise do governo de Vargas no Brasil e a eclosão dos movimentos de descolonização na África e na Ásia.
OBJETIVOS •
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Localizar o contexto de instabilidade e bipolarização mundial. Identificar os objetivos da criação da ONU. Compreender a crise do Estado Novo no Brasil. Analisar o processo de descolonização da África e da Ásia.
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1.1 O mundo após a segunda Guerra Mundial Logo após a Segunda Grande Guerra o mundo conheceu outra configuração social, política e econômica. As transformações originadas do conflito mundial estabeleceram uma nova ordem internacional marcada principalmente pela polarização dos poderes entre países capitalistas e socialistas. Em fevereiro de 1945 os líderes Winston Churchill, primeiro ministro da Inglaterra, Josef Stalin da União Soviética, e Franklin D. Roosevelt dos Estados Unidos da América, reuniram na cidade de Yalta na atual Ucrânia. Os três realizaram ao todo 3 encontros para chegarem aos acordos que colocaram fim a Guerra e estabeleceram os rumos políticos pós conflito. O último dos encontros foi realizado na cidade alemã de Potsdam, na qual foram assinados acordos internacionais que figurariam durante o período conhecido como Guerra Fria, o termo é utilizado para designar o período no qual Estados Unidos (potência capitalista) e União Soviética (potência socialista) disputavam áreas de influência para expandir seus poderes, porém os conflitos ocorriam de maneira indireta sem que a rivalidade levasse a outra catástrofe bélica. O clima de tensão no mundo era grande, pois ambas as potências possuíam armas nucleares que colocavam em risco a vida no planeta. Entre os termos do acordo, constavam, entre outros: a reapropriação dos territórios ocupados pela Alemanha Nazista, a desmilitarização e redemocratização da Alemanha com o fim do Nazismo, o julgamento dos criminosos de Guerra, organização dos valores de indenização de guerra aos países vencedores do conflito, a divisão da Alemanha em quatro áreas (EUA, Inglaterra, União Soviética e França). Um dos pontos mais polêmicos em relação esse momento histórico é a rendição do Japão. Na conferência de Potsdam, os aliados exigiram um documento de rendição assinado pelo governo do Japão. Como o Japão não assinou o termo, em agosto de 1945, meses após o fim dos conflitos armados, os EUA lançaram sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki duas bombas atômicas que mataram milhares de pessoas. Esse fato histórico não possui uma conclusão, especulasse sobre o real motivo do lançamento das bombas, os historiadores ainda não chegaram num consenso.
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Ouça a música Rosa de Hiroshima, interpretada pelo cantor Ney Matogrosso e escrita por Vinicius de Morais. Os resultados dos ataques foram catastróficos para os seres humanos e o meio ambiente. Milhares de pessoas desenvolveram câncer, ficaram cegas, surdas; em relação à natureza, plantações, rios e lagos foram contaminados, a vegetação devastada. Nas duas cidades morreram aproximadamente 210 mil pessoas com as explosões, e posteriormente os efeitos radioativos mataram outros milhares. A Rosa de Hiroshima Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A antirrosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada.
Logo em outubro de 1945 foi fundada a Organização das Nações Unidas. Sua criação é resultado do encontro entre os países vencedores da Segunda Guerra na cidade de São Francisco nos EUA. Após a Primeira Guerra, em 1919, foi criada a Liga das Nações que possui a missão de evitar novos conflitos e buscar a manutenção da paz entre as nações, como sabemos ela fracassou em sua missão, pois não conseguiu evitar o segundo conflito mundial. A ONU , como é conhecida para nós brasileiros, possui, desde sua criação aos dias de hoje, a missão de proteger a paz mundial, equilibrar as relações internacionais, instituir a cooperação entra os países, garantir o respeito aos direitos
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fundamentais da humanidade, e incentivar o progresso social. Para tanto, foram inventadas diversos órgãos, agências especializadas, fundos, programas, comissões, departamentos e escritórios, que auxiliam a intervenção em áreas específicas e desenvolvem ações humanitárias. Citaremos algumas, pois atualmente são vinte e seis programas, fundos e agências, vejamos: Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO); Fundo Monetário Internacional (FMI); Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD); Organização Internacional do Trabalho (OIT); Organização Mundial da Saúde (OMS); Organização de alimentação e Agricultura (FAO) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Notamos que a ideia e os objetivos são excelentes e poderiam afetar as relações mundiais de maneira favorável à todas as nações, porém o funcionamento de sua estrutura mantém as grandes potências no controle da situação. Em sua estrutura, encontramos entre outros, a) Assembleia Geral – de natureza consultiva e de participação aberta a todos os membros, analise as questões mundiais e emite uma recomendação adequada a situação, no entanto não tem poder de decisão. b) Conselho de Segurança – constituído de quinze países membros, é responsável pelas decisões da organização. Porém, cinco países são permanentes: EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China. Os outros membros são eleitos a cada ano. A maior diferença entre eles é que os membros permanentes possuem poder de veto às propostas do Conselho, isto é, os interesses diversos das grandes potências emperram, em determinados casos, os trabalhos da organização. c) Secretaria Geral – responsável por convocar as reuniões e publicar as decisões da organização, possui um secretário geral que é escolhido pelo Conselho de Segurança e aprovado pela Assembleia Geral. d) Tribunal Internacional de Justiça – Responsável por criar e regulamentar uma legislação que seja acatada por todos os países do planeta. Leia a seguir o preâmbulo da Carta das Nações Unidas, escrita no ano de sua fundação:
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Preâmbulo da Carta da ONU NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra,que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos. RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO DESSES OBJETIVOS. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.
CONEXÃO Visite o site das nações unidas no Brasil e descubra as diversas áreas de atuação da organização. Você poderá também verificar as principais discussões políticas a respeito das relações internacionais.
Nos anos seguintes a 1945 o mundo passou a reconstruir todo prejuízo trazido pela Segunda Guerra, tanto os meios concretos como as tradições e costumes. O clima de desilusão na humanidade era grande e enormes feridas precisavam ser curadas. A crueldade do conflito tinha abalado o espírito humano,
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campos de concentração, extermínio indiscriminado, desrespeito aos direitos e bombas sobre as cabeças fizeram enormes estragos. O resultado da guerra foi a emergência de duas grandes potências que passaram a dividir o planeta em dois blocos. De um lado, os EUA que seguia a lógica capitalista e do outro, a União Soviética, socialista. Notamos que a partir desse momento histórico ocorrerá uma mudança no eixo de decisões políticas e econômicas em perspectiva mundial. Passam a figurar Moscou e Washington como centro de criação de programas políticos e econômicos. As três principais correntes ideológicas eram o comunismo ligado a União Soviética, o socialismo que procurava se instalar em alguns países europeus e o capitalismo. O comunismo buscava a passagem do Estado para a o socialismo pela apropriação por parte do operariado dos meios de produção da riqueza social. Isso, garantiam seus líderes, levaria a diminuição das injustiças sociais. Os socialistas, que após a guerra possuíam representantes em quase todos os parlamentos europeus, desejavam elaborar uma socialização gradual das propriedades agrícolas, industriais e dos bancos, para que pudessem garantir a igualdade e liberdade, com justiça. O capitalismo por sua vez desejava garantir o liberalismo político e econômico alinhando o interesse das grandes indústrias ao governo. Dessa forma, podemos observar que a Segunda Guerra trouxe um reordenamento geopolítico. Nas conferências de Yalta e Potsdam, descritas acima, foram criadas as alianças entre os países de interesses comuns e estabelecidas as áreas de influência. O mapa do mundo passou a ser dividido em duas grandes áreas, os aliados da União Soviética e os aliados do EUA. O realinhamento dos territórios pode ser muito bem observado no mapa da Europa, que de 1947 a 1989 possuía uma linha divisória que ficou conhecida como cortina de ferro. O termo foi criado pelo primeiro-ministro inglês Winston Churchill em 1946 para designar a divisão ideológica e política entre o bloco socialista e o bloco capitalista. A Europa dividia-se em parte Ocidental: Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Turquia, Luxemburgo, Bélgica, Países Baixos, Grã-Bretanha, Irlanda, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia, Islândia e Alemanha Ocidental. Do lado Oriental: Bulgária, Romênia, Hungria, Tcheco-Eslováquia, Polônia, União Soviética e Alemanha Oriental. Restavam ainda países neutros de economia de mercado Suíça e Áustria, e países neutros de economia socialista: Albânia e Iugoslávia.
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Perante esse quadro, um ponto que nos chama a atenção é a divisão da Alemanha. No ano de 1949 o território alemão passou a ser dividido em dois países, que passaram a simbolizar a bipolarização mundial. A cidade de Berlim, por exemplo, foi dividida em duas partes: de um lado a República Federal Alemã, do outro a República Democrática Alemã, a primeira estava sob a influência do capitalismo estadunidense, enquanto a segunda sob a influência do socialismo soviético. Nesta região era possível observar o modo de vida dos dois blocos econômicos que possuíam a hegemonia no mundo. Rapidamente o capitalismo ocidental reconstruiu Berlim Ocidental que bastante modernizada passou a atrair milhares de alemães de Berlim Oriental. Entre as décadas de 1950 e 1960 mais de 2 milhões de alemães passaram da parte oriental da cidade para a ocidental, todos procurando uma qualidade de vida diferente. Para evitar que mais pessoas migrassem o governo da Alemanha Oriental construiu uma cerca, que depois foi substituída por um muro de concreto que impedia a passagem tanto de um lado como do outro. O muro de Berlim ficou conhecido mundialmente e em novembro de 1989 sua destruição marcou o fim do período de hegemonia dos blocos socialista e capitalista. Vejamos como cada um dos blocos organizou sua política econômica durante meio século. Primeiramente os anseios capitalistas dos Estados Unidos da América. Para conter os avanços socialistas foi criada a Doutrina Truman. Esse projeto político e econômico visava auxiliar qualquer país contra o avanço dos comunistas. A intervenção na Grécia e Turquia, por exemplo, resultou no assassinato de diversos líderes, e na América Latina contamos também alguns golpes de Estado, como no caso do Brasil. Após o fim dos conflitos armados o território europeu estava bastante destruído, cidades inteiras foram aniquiladas e os campos destruídos pelas explosões. No entanto, por uma questão geográfica os Estados Unidos estiveram protegidos e viram durante a guerra suas indústrias crescerem e o desen volvimento tecnológico ser alavancado. Perante o medo do crescimento das ideias comunistas nos países europeus devastados, em 1947 é lançado o Plano Marshal. Neste planejamento foram enviados bilhões de dólares para países como Bélgica, França, Itália, Grécia, Dinamarca, Holanda, entre outros. Esses recursos foram fundamentais para a reconstrução dos países do ocidente europeu. Juntamente com os dólares foram as empresas estadunidenses que produziam e disseminavam um modo particular de vida. Como a adesão ao plano
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exigia contrapartidas, o líder soviético Josef Stálin recusou-se a participar e com isso os países sob a influência da União Soviética não puderam receber essa ajuda. Dessa maneira, os países do Leste Europeu organizaram em 1949 o Conselho para Assistência Econômica Mútua , conhecido como Comecon. A intenção desse grupo era organizar recursos para reconstrução dos países que não optaram pelo Plano Marshall. Entre os países instalou-se uma cooperação científica e financeira que buscava o desenvolvimento de uma planificação econômica. No texto A situação económica ontem e hoje nos países do Leste Europeu, numa conferência no Instituto Superior de Economia e Gestão, o Professor Doutor Sérgio Ribeiro nos esclarece alguns pormenores do acordo entre esses países, vejamos: No plano económico, também em resposta ao Plano Marshall, de ajuda dos Estados Unidos à Europa Ocidental para travar as tomadas de posição e as conquistas do movimento operário, sindical e político, e que levou à OECE, OCDE, CEE e EFTA, a URSS lançou o Plano Molotov: uma série de acordos bilaterais, entre o estado soviético e cada uma das democracias populares, que estipulavam, a longo prazo, ajuda técnica e financeira, e intercâmbio de produtos e matérias-primas. Para a coordenação conjunta da planificação económica, criou-se em 1949 o COMECON, o Conselho de Ajuda Económica Mútua , organização de cooperação económica, científica e técnica fundada pela URSS, Polónia, Checoslováquia, Bulgária e Albânia (que viria a abandonar a organização), a esta aderindo entretanto a República Democrática Alemã (1950), a Mongólia (1962), Cuba (1972) e o Vietname (1978). A Jugoslávia tornou-se país associado em 1964. Foram celebrados acordos de cooperação com outros estados, como a Finlândia (vizinha e cooperante, com uma história que gostaria de contar…) Embora não se tratasse de um “mercado comum” - união aduaneira , nem sequer de uma zona de trocas livres , o COMECON, depois de vinte anos dedicados à recuperação e estruturação em moldes e formatos novos, lançou em 1971 um “Programa geral para extensão e aperfeiçoamento da cooperação e para o progresso da integração económica socialista entre os países-membros” , a aplicar a longo
prazo, isto é, 20 anos, entre 1971 e 1990. Vejamos alguns dados, tão incertos e tão falíveis como todos. Entre 1950 e 1970, a produção industrial passou do indicador 100 para 1157 na Bulgária, 1137 na Roménia, 758 na Polónia, 688 na URSS, 535 na RDA, 520 na Hungria e 501 na Checoslováquia, enquanto que, em 5 países “ocidentais” de referência passou para 460 na Itália, 430 na RFAlemanha, 315 na França, 225
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nos Estados Unidos, e 178 no Reino Unido em claro declínio industrial. Em relação a 1939, antes da guerra, essa produção industrial teria crescido 36 vezes na Bulgária, 17 vezes na Roménia e na Polónia, 12 vezes na URSS, 8 vezes na Hungria, 7 vezes na Checoslováquia e 6 vezes na RDA. Depois da necessidade imperiosa de um crescimento quantitativo , tal como já referi, citando Lénine, no início dos anos 20, para a União Soviética, a grande questão que começa na década de 60, e se coloca com toda a acuidade na década de 70, é a da passagem a uma outra etapa, em que a vertente qualitativa ganhasse maior importância, quer na racionalidade do aproveitamento dos recursos, quer na qualidade dos produtos , com visíveis efeitos na modernidade dos níveis de vida. (RIBEIRO, 2015, p.7-8)
Podemos notar que nos anos seguintes à Segunda Guerra os dois Blocos Econômicos conseguiram crescer e desenvolver os países participantes dentro dos planos capitalistas e socialistas. Dentro de cada um dos sistemas notamos o desenvolvimento pautado nas pesquisas científicas e no avanço tecnológico, as áreas industriais e de agricultura atingiram patamares muito superiores ao século XIX. A partir dos planos de recuperação econômica, tantos os países capitalistas, capitalistas, quanto as democracias populares, como eram conhecidos os socialistas, iniciaram a formação de alianças militares. No ano de 1949, sob a liderança dos Estados Unidos, foi criada a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN. Países como Canadá, Grã-Bretanha, França, Itália, Portugal, Bélgica, Holanda, Noruega, Islândia, Luxemburgo e Dinamarca estabeleceram uma união militar para combater o comunismo, e caso algum países do Leste Europeu quisesse aderir ao capitalismo, o poderia bélico estaria de prontidão. Do lado oposto os países sob a influência da União Soviética estabeleceram o Pacto de Varsóvia. A ação militar socialista previa previa que em casos de ataques dos países capitalistas capitalistas haveria um comprometimento de ajuda militar. Contudo, não foram poucas as ações militares do Pacto de Varsóvia que se voltaram contra seus membros, sempre no intuito de abafar revoltas contra o sistema socialista. A Primavera de Praga foi um dos exemplos mais marcantes. Em 1968 o líder comunista Alexander Dubcek passou a governar a Tchecoslováquia Tchecoslováquia com a intenção de construir uma socialismo mais humano, ou seja, dar liberdade aos membros do partido e não seguir a risca as ordens vindas de Moscou. Diversas transformações passaram a incomodar a União Soviética, por exemplo o aumento das
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atividades cristãs e a ampliação dos direitos civis, e logo as tropas militares organizadas pelo Pacto de Varsóvia invadiram a capital Praga para reprimir as reformas iniciadas pelo governo de Dubcke. A partir desses pactos pactos militares militares e dos acordos de auxílio financeiro averiguamos um padrão que funcionou durante quatro décadas e meia desde o ataque nuclear ao Japão ao fim da União Soviética. Sem conflitos declarados, as duas grandes potências do mundo viveram em constante confronto ideológico, político e econômico: a Guerra Fria. Para o historiador Eric Hobsbawn, podemos considerar a Guerra fria a Terceira Guerra Mundial, porém com características bastante peculiares: A Segunda Guerra Mundial mal terminara quando a humanidade mergulhou no que se pode encarar, razoavelmente, como uma Terceira Guerra Mundial, embora uma guerra muito peculiar. Pois, como observou o grande filósofo Thomas Hobbes, “a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela batalha é suficientemente conhecida” (Hobbes, capítulo 13). A Guerra Fria entre EUA e URSS, que dominou o cenário internacional na segunda metade do Breve Século XX, foi sem dúvida um desses períodos. Gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares globais que, acreditava-se firmemente, podiam estourar a qualquer momento, e devastar a humanidade. Na verdade, mesmo os que não acreditavam que qualquer um dos lados pretendia atacar o outro achavam difícil não ser pessimistas, pois a Lei de Murphy é uma das mais poderosas generalizações sobre as questões humanas (“Se algo pode dar errado, mais cedo ou mais tarde vai dar”). À medida que o tempo passava, mais e mais coisas podiam dar errado, política e tecnologicamente, num confronto nuclear permanente baseado na suposição de que só o medo da “destruição mútua inevitável” (adequadamente expresso na sigla MAD, das iniciais da expressão em inglês – mutually assured destruction ) impediria um lado ou outro de dar o sempre pronto sinal para o planejado suicídio da civilização. Não aconteceu, mas por cerca de quarenta anos pareceu uma possibilidade diária. A peculiaridade da Guerra Fria era a de que, em termos objetivos, não existia perigo iminente de guerra mundial. Mais que isso: apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados, mas sobretudo do lado americano, os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio de poder desigual mas não contestado em sua essência. A URSS controlava uma parte do globo, ou sobre ela exercia predominante influência – a zona ocupada
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pelo Exército Vermelho e/ou outras Forças Armadas comunistas no término da guerra – e não tentava ampliá-la com o uso de força militar. Os EUA exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista, além do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que restava da velha hegemonia imperial das antigas potências coloniais. Em troca, não intervinha na zona aceita de hegemonia soviética. (HOBSBAWN, 1995, p.224)
Percebe-se dessa leitura que a divisão não era equânime, para Hobsbawn as linhas que demarcavam as áreas de influência, tanto soviética quanto estadunidense, foram traçadas ainda no final do conflito, entre os anos de 1943 e 1945. O historiador nos explica que a crença no fim do mundo caso houvesse outro conflito armado não é suficiente para a compreensão do período. Ele nos chama a atenção para o fato de que a Guerra Fria, primeiramente, alicerçavase na necessidade de garantir o futuro do sistema capitalista e do liberalismo. Especialistas econômicos do período previam que o pós-guerra seria outra etapa de crise, assim como ocorrera depois da Primeira Grande Guerra. Portanto, o objetivo dos países do bloco capitalista era auxiliar os povos a manterem suas instituições livres de regimes totalitários e a integridade de cada nação. A ajuda financeira de recuperação estava atrelada a exigência da aprovação pelos EUA do regime político e econômico adotado pela nação solicitante. Nesse caminho de protecionismo encontramos também o caso de milhares de judeus sobreviventes da Segunda Guerra. Durante o conflito a Alemanha Nazista exterminou aproximadamente 6 milhões de judeus. Com o fim do conflito os sobreviventes passaram a ser conduzidos pelas organizações humanitárias para áreas na palestina, que na época era um território dominado pelos ingleses. A ONU em 1947 resolveu criar então a divisão da área em dois estados: o Estado Árabe e o Estado Judeu. No ano seguinte os líderes judeus conseguiram organizar a população e fundaram o Estado de Israel. Em grande parte essa organização ganha força do movimento Sionista, criado quase meio século antes. Pautados na leitura dos textos bíblicos, os sionistas acreditavam que existia uma área reservada para o território de Israel, a Bíblia refere-se a Canaã. Um judeu chamado Theodor Herzl lançou em 1895 o livro O Estado Judeu, no qual afirmava ser necessária a constituição de um congresso formado somente por
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judeus. Assim, os líderes sionistas que aceitaram a repartição elaborada pela ONU entraram em conflito com os líderes árabes, que eram contrários a divisão. Árabes e judeus iniciaram um conflito armado, que reverbera até os dias de hoje, e Israel ampliou sua área para além das linhas criadas em 1947. Ao contrário, o Estado Árabe nunca foi criado, e os palestinos enfrentam conflitos até os dias de hoje na tentativa de organizar um estado próprio. Os conflitos originados pela constituição do Estado de Israel em 1948 são conhecido como a Questão Palestina. Ao ampliar sua área de domínio Israel chegou a expulsar naquele momento novecentos mil palestinos de suas terras. A partir daí são inúmeros conflitos armados, desde a primeira guerra árabe-israelense em 1948, a segunda em 1956, a terceira em 1967, a criação de grupos terroristas rivais Al Fatah e a Organização pela Libertação da Palestina; e o quarta conflito em 1973. Desde sua criação Israel conta com o apoio do EUA, enquanto os árabes são apoiados pela União Soviética, podemos notar os braços da Guerra Fria ao redor do mundo. O povo palestino continua lutando para conseguir reconquistar seu território e ganhar soberania. O movimento de insurgência chamado Intifada conseguiu avançar e atualmente o povo palestino ocupa territórios na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, espaços que na teoria já eram destinados a eles, porém são considerados sem soberania. Consolidar a paz nessa região é tarefa infindável, não são raros os dias nos quais os meios de comunicação não informam a continuidade dos conflitos e a morte de pessoas de ambos os lados.
1.2 A relação do Brasil com a Segunda Guerra e o fim do Estado Novo Durante a Segunda Guerra Mundial o Brasil era governador por Getúlio Vargas. O governo brasileiro, apesar de características fascistas, manteve uma posição neutra, tentando tirar proveito de ambos os lados, das potências do Eixo – Alemanha, Itália e Japão; e também dos aliados – EUA, Inglaterra e União Soviética. Em 1941 o Brasil iniciou uma série de acordos com os aliados, enviando borracha e minérios de ferro, e possibilitou a organização de bases militares no nordeste do país sob o comando dos estadunidenses. Como retorno conseguiu financiamentos para obras de infraestrutura.
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Um ano mais tarde o governo alemão passou a atacar navios brasileiros causando a morte de aproximadamente seiscentas pessoas. Este fato foi suficiente para o governo brasileiro declarar guerra as potências do Eixo. O exército nacional enviou vinte e cinco mil soldados para a região da Itália. A Força Expedicionária Brasileira dirigidas pelo General Mascarenhas de Morais lutaram em Monte Castello, Fornovo, Castelnuovo e Collechio. Seria demasiadamente contraditório lutar contra o nazi-fascismo na Europa e ao mesmo tempo apoiar um governo que se aproximava desse modelo ideológico. Assim, alguns grupos liberais passaram a pressionar o governo de Vargas. Intencionalmente, Getúlio realizou gradualmente a abertura democrática no Brasil, libertou presos políticos, anistiou os exilados e organizou o processo para eleição presidencial. Foram retomadas as filiações partidárias: União Democrática Nacional – UDN; Partido social Democrático – PSD; Partido trabalhista Brasileiro – PTB; Partido Social Progressista – PSP; e o Partido Comunista do Brasil. Antes das eleições, em junho de 1945, Getúlio decretou a Lei Antitruste que limitava a entrada de capitais estrangeiros no país, o que criou um clima de insatisfação com as empresas estadunidenses. Com receio de que Vargas abortasse o processo eleitoral, os líderes da UDN uniram-se aos militares e forçaram a renúncia do presidente. O Brasil foi governado por José Linhares até a vitória do general Eurico Gaspar Dutra. A coligação partidária formada para a eleição de Dutra foi PSD e PTB. O primeiro estava associado às indústrias, banqueiros e latifundiários, os quais durante o governo de Vargas tinham ampliado bastante suas fortunas. A rede de negócios entre os políticos e o setor privado havia criado um clientelismo eleitoral que garantia o círculo de influências. Os votos eram negociados em troca de ações do Estado, ou seja, as pessoas escolhiam os candidatos conforme a capacidade de cumprir promessas atreladas a participação no governo. Já o Partido Trabalhista Brasileiro contava com o apoio dos operários, os dirigentes sindicais mantinham próxima relação como o Ministério do Trabalho. O conchavo era simples, o ministério criava mecanismos de proteção ao trabalhador e em troca, os sindicatos controlavam os trabalhadores no sentido de apoiar o governo. Esses acordos conseguiam manter o apoio dos operários e evitava o crescimento dos partidários do comunismo. Em setembro de 1946 o Brasil ganhou uma nova constituição. No geral o texto legal privilegiava as ideias liberais. Em seu artigo trinta e seis declara a
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independência e harmonia dos três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário; decreta a autonomia dos estados e municípios, inclusive para organizarem seus territórios, estabelece o voto secreto e direto para presidente e prevê o mandato de cinco anos para o governo. Em relação a educação, previa em seu artigo cento e sessenta e seis a inspiração nos princípios de liberdade e idéiais de solidariedade humana. O plano de governo de Dutra estava pautado no desenvolvimento das áreas da Saúde, Alimentação e Transporte. O programa foi denominado SALTE. Esse programa de gastos públicos buscava priorizar setores essenciais para a sociedade e retirava seus recursos em parte das receitas orçamentárias nacionais e outra de empréstimos. A não previsão de deficits orçamentários e o crescimento da inflação fizeram o programa perder sua força e ele foi extinto em 1951. O país passou a desconstruir a política de intervenção estatal do governo de Vargas e assumir o liberalismo econômico. Com isso houve a aproximação política econômica com os EUA. Com a Missão Abbink diversos economistas americanos passaram a estudar a economia do Brasil para formular recomendações e estruturar projetos para a economia nacional. Em plena Guerra Fria essa relação culminou na criação da Escola Superior de Guerra que servia para preparar e difundir a ideologia capitalista dos EUA. Em 1947 o Brasil assinou um tratado de cooperação com os Estados Unidos para ampliar o combate aos comunistas, O TIAR propunha inclusive a invasão de um país no qual a democracia fosse ameaçada, ou seja, o crescimento de políticas socialistas. Nesse caminho o governo de Dutra proibiu a participação do PCB no Congresso, prendeu políticos filiados ao partido e pôs fim as relações diplomáticas com a União Soviética.
1.3 Descolonização da Ásia e África A Segunda Guerra trouxe inúmeras transformações para a organização política do mundo. Uma ideia que ganhou força após os conflitos foi a de autodeterminação de cada Nação. Esse direito tornou-se consenso entre os diversos povos do planeta e foi evidenciado pelas Assembleias da ONU. Se o colonialismo já havia se enfraquecido depois da Primeira Guerra, o segundo conflito mundial colocou por terra o domínio imperialista nos países africanos e asiáticos. Entre 1945 e 1960 diversos países tornaram-se independentes. Novamente, podemos
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encontrar o enfrentamento entre EUA e União Soviética. Enquanto o primeiro buscava ajudar os processos de libertação nacional para criar novos mercados consumidores e produtores de matéria prima para suas indústrias, o segundo focava sua ajuda na instalação de governos que rompessem com alógica capitalista e assim fragmentavam o modelo imperialista liberal. Óbvio que os países que conseguiam suas independências tinham que assumir um dos lados da bipolarização. Em vários processos de libertação verificamos a relação pacifica entre metrópole e colônia, e nestes casos a transição do governo manteve a mesma estrutura, o que assegurou um dependência relativa para os países agora ditos independentes. Isso significa que tendo um governo soberano não possuía autonomia econômica e ainda estava submissa a economia da metrópole, seja para questões relacionadas a tecnologia, investimentos, educação, etc. Em 1955 o processo de libertação de diversos países resultou na Conferência de Bandung, realizada na Indonésia. Representantes dos países africanos e asiáticos recém-libertos decidiram adotar uma postura de neutralidade em relação a Guerra Fria, e buscavam, acima de tudo, o fortalecimento e desenvolvimento de suas Nações. Durante a conferência surgiu a ideia de um Terceiro Mundo, para além das duas grandes potências. A questão maior era que esses países não possuíam condições econômicas suficientes para manter o desenvolvimento de suas nações. Portanto, a consciência do subdesenvolvimento desejava encontrar auxílio para a extinção da fome, da pobreza, para combater o racismo e por fim as guerras locais. Analisando a conjuntura atual podemos encontrar vários países participantes da conferência que ainda continuam enfrentando enormes dificuldades, seja para aumentar a renda per capita, o desenvolvimento de suas indústrias, seja para liquidar as dívidas com os organismos de financiamentos internacionais. Devemos ressaltar que a expressão Terceiro Mundo não consegue abarcar todas as características dos países a que se refere. Seria uma tarefa muito ingrata colocar no mesmo grupo países como Brasil e Nigéria, ou ainda Chile e Tailândia. Por exemplo, as taxas de mortalidade infantil de cada um desses países são muito dispares, ou ainda o padrão de vida na Indonésia é distante do uruguaio.
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LEITURA Sobre o processo de descolonização dos países asiáticos e africanos procure realizar leituras sobre o processo indiano liderado por Mahatma Gandhi. O indiano pregava uma luta não-violenta e a desobediência civil. Indicamos ROHDEN, Huberto. Mahatma Gandhi: ideias e ideais de um político místico. Alvorada, 1977.
REFLEXÃO Leia a seguir o discurso do primeiro ministro indiano Jawaharlal Nehru em 1955 na Conferência de Bandung. Defensor da autonomia do Terceiro Mundo, foi criador do conceito dos países não-alinhados que buscavam não entrar para os blocos hegemônicos capitalista ou socialista. Busque seus argumentos contra a adesão dos Estados neutros da África e da Ásia aos blocos hegemônicos. Sr. Presidente, a vez esta discussão tomou é um muito mais amplo do que aquele que já esperava. Na verdade, ele cobriu toda a grande rubrica. Temos apenas tinha a vantagem de ouvir o líder distinto da Delegação turca que nos disse que mentira, como um líder responsável da nação deve fazer e não deve fazer. Ele nos deu uma declaração capaz do que eu poderia chamar de um lado representando os pontos de vista de um dos principais blocos existentes na atualidade no mundo. Eu não tenho nenhuma dúvida de que uma disposição igualmente capaz poderia ser feito por parte do outro bloco. Eu pertenço a nenhum dos dois e proponho a fazer parte de nem tudo o que acontece no mundo. Se tivermos de ficar sozinho, vamos ficar por nós mesmos, aconteça o que acontecer (e Índia ficou sozinho, sem qualquer ajuda contra um poderoso império, o Império Britânico) e nos propomos a enfrentar todas as consequências [. . .] Nós não concordamos com os ensinamentos comunistas, nós não concordamos com os ensinamentos anti-comunistas, porque eles são ambos baseados em princípios errados. Eu nunca contestei o direito do meu país de se defender; que tem que. Vamos nos defender com quaisquer armas e força que temos, e se não temos armas vamos nos defender sem armas. Estou morto certeza de que nenhum país pode conquistar a Índia. Até mesmo os dois grandes blocos de poder juntos não pode conquistar a Índia; nem mesmo o átomo ou a bomba de hidrogênio. Eu sei o que meu povo está. Mas sei também que, se depender dos outros, seja qual for grande poderes que eles possam estar se olharmos para eles para se sustentar, então somos fracos, de fato [. . .] Meu país tem feito erros. Cada país comete erros. Não tenho dúvidas de que vamos cometer erros; vamos tropeçar e cair e levan-
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tar-se. Os erros do meu país e talvez os erros dos outros países aqui não fazem a diferença; mas os erros das grandes potências fazem a diferença para o mundo e pode muito bem levar a uma terrível catástrofe. Falo com o maior respeito destas grandes potências, porque eles não são apenas grande em poder militar, mas no desenvolvimento, na cultura, na civilização. Mas eu alego que a grandeza às vezes traz valores bastante falsos, falsos padrões. Quando eles começam a pensar em termos de força militar - quer se trate do Reino Unido, a União Soviética ou os EUA -, em seguida, eles estão indo para longe do caminho certo e o resultado disso será que o poder esmagador de um país conquistará o mundo. Até agora, o mundo conseguiu evitar que; Eu não posso falar para o futuro[. . .] Tanto quanto eu estou preocupado, não importa o que a guerra tem lugar; nós não vamos tomar parte nela, a menos que nós temos que nos defender. Se eu participar de qualquer desses grandes grupos eu perder minha identidade [. . .] Se todo o mundo for ser dividido entre esses dois grandes blocos qual seria o resultado? O resultado inevitável seria a guerra. Portanto, cada etapa que ocorre na redução nessa área no mundo que pode ser chamada a área não alinhado é um passo perigoso e conduz à guerra. Ele reduz esse objetivo, esse equilíbrio, essa perspectiva que outros países sem poderio militar pode talvez exercer. Deputados deram grande ênfase na força moral. É com a força militar que estamos lidando agora, mas eu defendo que as contagens de força moral e da força moral da Ásia e da África devem, apesar das bombas atômicas e de hidrogênio da Rússia, dos EUA ou outro país, contam [. . .] Muitos membros apresentados aqui não vão, obviamente, aceitar a ideologia comunista, enquanto alguns deles vão. Pela minha parte eu não sei. Eu sou uma pessoa positiva, e não uma pessoa ‘anti’. Eu quero bem positivo para o meu país e do mundo. Portanto, somos nós, os países da Ásia e da África, desprovido de qualquer posição positiva, exceto ser pró-comunistas ou anticomunista? Tem que chegar a isso, que os líderes de pensamento que deram as religiões e todos os tipos de coisas para o mundo tem que marcar para esse tipo de grupo ou que e ser puxa-sacos do presente do partido ou de outro a realização de seus desejos e ocasionalmente, dando uma ideia? É mais degradante e humilhante para qualquer pessoa com autoestima ou nação. É um pensamento intolerável para mim que os grandes países da Ásia e da África devem sair da escravidão para a liberdade apenas para degradar-se ou humilhar-se desta forma [. . .] Digo a vocês, cada pacto trouxe insegurança e não segurança para os países que tenham acordado. Eles trouxeram o perigo de bombas atômicas e no resto do que perto deles, teria sido o caso de outra forma. Eles ainda não colocaram à força de qualquer país, submeto, a que teve isoladamente. Ele pode ter produzido alguma ideia de segurança, mas é uma falsa segurança. É uma coisa ruim para qualquer país, assim, para ser embalado em segurança. (...) Hoje No mundo, eu apresento, não só por causa da presença destes dois colossos, mas também por causa da chegada da era atômica e de hidrogênio-bomba, todo o conceito de
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guerra, da paz, da política, mudou. Estamos a pensar e agir em termos de uma era passada. Não importa o que generais e soldados aprenderam no passado, é inútil nesta era atômica. Eles não entendem as suas implicações ou a sua utilização. Como um crítico militar eminente disse: “Toda a concepção de guerra é alterado. Não há precedente. Pode ser assim. Agora não importa se um país é mais poderoso do que o outro no uso da bomba atômica e a bomba de hidrogênio. Uma é mais potente na sua ruína do que o outro. Isso é o que se pretende dizer que o ponto de saturação foi atingido. No entanto se um país é poderoso, o outro também é poderoso. Para bater o prego na cabeça, o mundo sofre; não pode haver vitória. Pode-se dizer, talvez com razão, que, devido a esta terrível perigo, as pessoas se abstenham de ir à guerra. Espero que sim. A dificuldade é que, enquanto os governos querem que se abstenha de guerra, de repente algo acontece e há a guerra e daí ruína total. Há uma outra coisa: por causa da posição atual no mundo não pode haver agressão. Se houver agressão em qualquer lugar do mundo, ele é obrigado a resultar em guerra mundial. Não importa onde a agressão é. Se alguém comete a agressão existe guerra mundial. Eu quero que os países aqui realizem seus planos e não pensar em termos de qualquer limitação. Hoje, uma guerra por mais limitada que pode ser é obrigado a levar a uma grande guerra. Mesmo se as armas atômicas táticas, como são chamados, são utilizados, o próximo passo seria o uso da grande bomba atômica. Você não pode parar essas coisas. Na luta de vida e morte de um país, não vai parar aquém deste. Ele não vai decidir sobre nossas resoluções ou de qualquer outra pessoa, mas ele iria entrar em guerra, destruição e aniquilação de outros antes de ela se aniquila completamente. Annihilation resultará não só nos países envolvidos na guerra, mas devido às ondas radioativas que vão milhares e milhares de milhas que vai destruir tudo. Essa é a posição. Não é uma posição acadêmica; não é uma posição de discutir ideologias; nem é uma posição de discutir passado história. Ele está olhando para o mundo como ele é hoje. Disponível em: . Acesso em: 19 mai 2015.
ATIVIDADES 01. Qual a relação entre a criação do Estado de Israel e o contexto de Guerra Fria? 02. A partir do excerto do discurso do primeiro ministro indiano Jawaharlal Nehru em 1955 na Conferência de Bandung: “Nós não concordamos com os ensinamentos comunistas, nós não concordamos com os ensinamentos anti-comunistas, porque eles são ambos baseados em princípios errados.” Responda: capítulo 1
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03. Qual o posicionamento dos representantes da Conferência de Bandung em relação à Guerra Fria? 04. O que representou a Conferência de Bandung para as nações africanas e asiáticas? 05. Qual a relação do final da Segunda Guerra com a crise do Estado Novo? 06. Quais eram as principais diretrizes de criação da ONU?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS RIBEIRO, Sergio. A situação económica ontem e hoje nos países do Leste europeu. Exemplares disponíveis em: http://goo.gl/8sWPZ1 . Acesso em 13 de maio de 2015. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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2 A alternativa socialista e os conflitos mundiais
Este capítulo disserta sobre as experiências de socialismo real, a saber, o caso na Rússia, Cuba e China. Contudo, em contexto de Guerra Fria as vivências socialistas geram conflitos entre as potências: Estados Unidos e União Soviética. Nesse sentido, analisaremos as políticas externas desses países e suas interferências na Guerra do Vietnã e nas ditaduras da América Latina. Portanto, focaremos nossas análises em alguns fatos históricos situados no instável período que envolve o final da Segunda Guerra e a crise do socialismo real.
OBJETIVOS Compreender o contexto de instabilidade da Guerra Fria e conflito político e ideológico desse período. Identificar a interferência norte-americana no conflito no Vietnã. Verificar as especificidades da Revolução Cubana e Chinesa. Reconhecer o debate historiográfico acerca do golpe militar no Brasil em 1964. Analisar a Revolução Russa sob a ótica do socialismo real. •
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2.1 O Socialismo Russo A história da União soviética tem suas raízes na Revolução Russa de 1917, que retirou do poder o Czar russo e iniciou uma guerra civil. Os bolcheviques liderados por Vladimir Lenin formavam o Exército Vermelho, que percorreu o território russo colocando os comunistas no poder. No início da década de vinte realizou-se a união das repúblicas soviéticas. Com a morte de Lenin em 1924, o comando Josef Stalin soviético passa para Josef Stalin que adota o regime de economia planificada baseada na ideologia marxista-leninista. O país vivenciou um período de grande crescimento econômico com o desenvolvimento da indústria e a coletivização, no qual as propriedades privadas foram transformadas em unidades cooperativas de produção estatizada. Durante a Segunda Grande Guerra a Rússia foi bastante danificada, após a quebra do acordo de não agressão os nazistas invadiram o território e realizaram batalhas intensas, morreram milhares de pessoas de ambos os lados. Aos poucos, Stalin conseguiu recuperar a economia e reconstruir o país. Realizou investimentos nos setores de energia e comunicações; construiu indústrias de base, estendeu as áreas de cultivo e mecanizou a agricultura, incentivou as pesquisas científicas e ampliou a rede de ensino. O projeto stalinista de economia planificada previa uma produção econômica controlada pelo Estado. As empresas estatais eram responsáveis pelo comércio, indústria e serviços, e os trabalhadores eram funcionários do Estado. Desta maneira, a propriedade dos meios de produção pertenciam a unidade estatal. Não há competitividade e a produção é realizada visando atender as demandas sociais. Para o historiador Eric Hobsbawm, A primeira coisa a observar na região socialista do globo era que, durante a maior parte de sua existência, formou um subuniverso separado e em grande parte autossuficiente econômica e politicamente. Suas relações com a economia mundial capitalista ou dominada pelo capitalismo dos países desenvolvidos, eram surpreendentemente escassas. Mesmo no auge do grande boom no comércio internacional, durante a Era de Ouro, só alguma coisa tipo 4% das exportações das economias de mercado capitalista foram para as “economias centralmente planejadas”, e na década de 1980 a fatia de exportações do Terceiro Mundo que ia para elas não era muito maior.
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As economias socialista mandavam um pouco mais de suas modestas exportações para o resto do mundo, mas mesmo assim dois terços do seu comércio internacional na década de 1960 (1965) se faziam dentro de seu próprio setor.( Os dados se referem, em termos estritos, à URSS e Estados a ela associados, mas servirá como ordem de grandeza). (UM International Trade, 1983, vol. I, p. 1046). (HOBSBAWM, 1995, 364365)
A autossuficiência da União Soviética gerou uma autossegregação do campo socialista, como nos informa Hobsbawm. O transito de pessoas entre os dois grandes blocos era ínfimo, claro que por motivos conscientes. As viagens eram de rígido controle e a emigração improvável. Novamente nas análises de Hobsbawm verificamos que o desconhecimento do bloco socialista pelo capitalista era imenso e vice-versa. Durante algumas décadas pouca informação foi trocada sobre o que realmente ocorria nos dois mundos. Como não havia equivalente real a experiência socialista soviética não era compreendida pelos cidadãos do dito Primeiro Mundo. Desde a Revolução Russa, os bolcheviques nunca intentaram construir um Estado socialista de um país só. A ideologia marxista indicava que o processo revolucionário russo seria apenas o inicio da transformação de escala mundial. O processo de transição necessitou ser redirecionado quando o Partido Comunista compreendeu que o país seria a solitária medalha do proletariado vencedor, encontramos em Hobsbawm como os bolcheviques encontraram uma saída, [. . .] transformar sua economia e sociedade atrasadas em avançadas o mais breve possível. A maneira mais óbvia de se fazer isso que se conhecia era combinar uma ofensiva total contra o atraso cultural das massas notoriamente “escuras”, ignorantes, analfabetas e supersticiosas com uma corrida total para a modernização tecnológica e a Revolução Industrial. O comunismo de base soviética, portanto, passou a ser um programa voltado para a transformação de países atrasados em avançados. Essa concentração de crescimento econômico ultrarápido não deixava de ter apelo mesmo no mundo capitalista desenvolvido em sua era de catástrofe, desesperadamente em busca de uma maneira de recuperar seu dinamismo econômico. Era ainda mais diretamente relevante para os problemas do mundo fora da Europa Ocidental e América do Norte, a maior
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parte do qual podia reconhecer sua própria imagem no atraso agrário da Rússia soviética. A receita soviética de desenvolvimento econômico – planejamento econômico estatal centralizado, voltado para a construção ultrarápida das indústrias básicas, de infraestrutura essencial a uma sociedade industrial moderna – parecia feita para eles. Moscou não era apenas um modelo mais atraente que Detroit ou Manchester porque enfrentava o imperialismo: ao mesmo tempo, parecia um modelo mais adequado, sobretudo para países sem capital privado nem um grande corpo de indústria privada com fins lucrativos. O “socialismo”, nesse sentido, inspirou vários dos países recém-independentes após a Segunda Guerra Mundial cujos governos rejeitavam o sistema econômico comunista. (HOBSBAWM, 1995, p. 367)
Na leitura acima verificamos que o modelo russo de experiência socialista consegue dar forma nova ao país e passa a ser utilizado por outros países do mundo. Vejamos a seguir alguns exemplos de socialismo adotado em outras partes do planeta.
2.2 Guerra Fria: Fria: política externa dos Estados Estados Unidos e União Soviética Estados Unidos e União Soviética estavam no mesmo lado durante toda a Segunda Guerra Mundial. Todavia, nem a Primeira nem a Segunda Grande Guerra conseguiram resolver uma das questões centrais pela qual lutavam: quem teria a hegemonia econômica no mundo? Quem seria a principal potência do mundo contemporâneo? Terminados esses dois conflitos mundiais a questão ainda não estava definida. Estados Unidos e União Soviética foram as duas nações que mais saíram vitoriosas, todavia, ainda não estava deliberado de quem seria o domínio econômico do mundo. A Segunda Guerra Mundial terminou com alguns sinais relevantes do que seria o encaminhamento das relações internacionais. O conflito terminou com o ataque americano com as bombas atômicas no Japão. A Alemanha e a Itália já tinham saído da guerra. O Japão dava sinais de desgaste e claramente não conseguiriam continuar o conflito sem apoio europeu. No entanto, os americanos quiseram mostrar para o mundo o poderio bélico de sua nação. Assim,
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podemos evidenciar que o final da Segunda Guerra Mundial não é um período de pacificação, mas um momento de mudança no tipo de conflito ao qual teria início naquela fase. Dessa maneira, iniciava-se o período da Guerra Fria. Esses 45 anos que vão da bomba atômica ao fim da União Soviética é um período bastante heterogêneo da história mundial. Em primeiro lugar, porque a disputa por hegemonia não estava resolvida. Em seguida, podemos pensar que as bombas atômicas evidenciaram o nível de destruição ao qual as potências tinham chegado. Assim, um novo conflito armado poderia significar a destruição do planeta. Portanto, a dinâmica que se estabeleceu foi a de um conflito político e ideológico sem o confronto direto entre as potências, como havia ocorrido durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. Apesar de objetivamente as possibilidades de confronto direto serem quase nulos, havia uma ameaça constante de emergir uma Terceira Guerra Mundial. Dessa maneira, foi um longo período de tensão em diversas partes do globo. “os dois lados viram-se assim comprometidos com uma insana corrida armamentista para a mútua destruição, e com o tipo de generais e intelectuais nucleares cuja profissão exigia que não percebessem essa insanidade.” (HOBSBAWM, 1995, p. 233). Contudo, não ter um conflito direto não significa que Estados Unidos e União Soviética não estivessem envolvidos em muitos confrontos na segunda metade do século XX. Assim, atentaremos para as políticas externas dessas duas potências nesse período. Esse contexto foi marcado por uma corrida armamentista por uma disputa ideológica e de tecnologia. A peculiaridade da Guerra Fria era a de que, q ue, em termos objetivos, não existia perigo iminente de guerra mundial. A URSS controlava controlava uma parte do globo, ou sobre ela exercia predominante influência- a zona ocupada pelo Exército Vermelho e/ou outras forças armadas comunistas. Os Estados Unidos exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista. (HOBSBAWM, 1995, p. 225).
Em 1947 o governo norte-americano declara uma famigerada política conhecida como “Doutrina Truman”. Essa agenda prevê um conjunto de medidas políticas e econômicas contra a “ameaça comunista”, em que a administração estadunidense assume o compromisso de defender o mundo da influência soviética como forma de concretizar a bipolarização do mundo, os Estados
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Unidos criaram o Plano Marshall. Nesse programa, o governo americano oferece apoio econômico aos países destruídos pela Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo em que fortalecia o capitalismo, o Plano Marshall contribuía para estabelecer uma política de dependência no globo. Desde então, as interferências americanas, supostamente legitimadas pelos argumentos da Doutrina Trumam, cresciam. Nesse contexto, os norte-americanos atuaram na Guerra da Coréia, na Guerra do Vietnã, no Irã, Guatemala, apoiaram a invasão de Cuba e criam a “Escola das Américas”, no Panamá, onde os militares eram incentivados a assumir o poder em seus países. Nesse sentido, Hobsbawm (1995) argumenta que houve uma expressiva corrida bélica e armamentista no período da Guerra Fria. Mas, que sem dúvida, as principais consequências desse conflito estão nas questões políticas como essas inúmeras formas de intervenção. Pensaremos agora no exemplo da Guerra do Vietnã como forma de compreender a interferência da Guerra Fria nas políticas internas. Havia um movimento menos pacífico na região asiática. As colônias africana e asiáticas passa vam por um processo processo de descolonização descolonização e naquele naquele contexto a interferência dos Estados Unidos e da União Soviética era determinante para definir qual seriam seus novos aliados políticos. A Guerra do Vietnã é considerada um dos conflitos mais violentos violentos da segunsegunda metade do século XX. Ocorreu na antiga região da Indochina, atuais Laos, Vietnã e Camboja. Essa região era dominada pela França, mas seus habitantes se organizavam para lutar pela independência. Ho Chi Minh foi um líder revolucionário que teve um papel importante desde a resistência à invasão japonesa durante a Segunda Guerra. O líder vietnamita seguia tendências comunistas. comunistas. Em 1954, a independência do Camboja, Laos e Vietnã estava reconhecida pela França. Ficou acordado que o Vietnã ficaria dividido entre o norte socialista e o sul capitalista. Todavia, em 1955, Ngo Diem, governante do Vietnã do Sul, comandou um golpe tornando-se ditador. Essa ditadura foi marcada por diversas ações repressoras de perseguição religiosa, corrupção. Apesar de suas ações anti-democráticas, Diem recebeu apoio dos Estados Unidos, pois havia uma ameaça de que os comunistas, influenciados por Ho Chi Minh, pudessem ganhar caso o processo pr ocesso fosse democrático. A interferência dos Estados Unidos no Vietnã do Sul foi intensa, os norte -americanos enviaram armas, dinheiro e treinamento militar par o ditador.
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Concomitante a esse investimento americanos crescia o movimento de oposição como a Frente Nacional de Libertação. Com o subsídio americano, o Vietnã do Sul decidiu atacar o norte e se utilizou do arsenal de guerra oferecido pelos Estados Unidos. Foram longos ataques a região norte. O Vietnã do Norte reagiu. Todavia, após o ataque a algumas embarcações americanas no Golfo de Tonquim, Os Estados Unidos declararam guerra ao Vietnã do Norte. Assim, em 1965 os norte-americanos entraram no conflito na Ásia. A Guerra do Vietnã desmoralizou e dividiu a nação, em meio a cenas televisadas de motins e manifestações contra a guerra; destruiu um presidente americano; levou a uma derrota e retirada universalmente previstas após dez anos (1965-75); e, o que interessa mais, demostrou o isolamento dos Estados Unidos. Por que os Estados Unidos foram se envolver numa guerra condenada, contra qual seus aliados, os neutros e até a URSS os tinham avisado, é quase impossível compreender, a não ser como parte daquela densa nuvem de incompreensão, confusão e paranoia dentro da qual os principais atores da Guerra Fria tateavam o caminho. (HOBSBAWM, 1995, p. 225).
A partir da citação de Hobsbawm fica evidente que não havia explicações coerentes para a Guerra. Por isso, causou uma insatisfação notável entre parte da população dos Estados Unidos e do mundo. Houve uma surpreendente resistência dos vietcongues que conseguiram com suas táticas de guerrilha resistir aos ataques americanos. A tropa americana se retirou do conflito em 1973. Em 1976, o Vietnã se reunificou e passou a se chamar República Socialista do Vietnã. Assim, de maneira distinta URSS e Estados Unidos buscavam interferir em políticas internas nos países dos mais diferentes locais do globo. Com exceção de Cuba, a América Latina tinha um apoio mais consolidado dos Estados Unidos como reflexo das décadas de políticas intervencionistas e expansionistas como a Doutrina Monroe e a política de boa vizinhança. Durante o período da Guerra Fria, a interferência dos Estados Unidos nas dinâmicas internas dos países da América Latina foi muito intensa. Economicamente, a América Latina dependeu das importações norte-americana e de altas taxas de financiamento. No que se refere as políticas, entre as décadas de 1960 e 1970, os Estados Unidos estiverem envolvidos com os golpe militares do Brasil, Argentina e Chile. Leia atentamente um excerto do texto Ditadura militar, esquerdas e sociedade no Brasil de Daniel Aarão Reis Filho.
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“Na América Latina, entretanto, as coisas tomaram outros rumos. Em virtude da maior presença dos EUA, do pouco peso da URSS, das opções definidas pela maior parte das elites dominantes da área, de certas tradições culturais, os projetos autonomistas construídos com algum êxito até 1945 tenderam a perder fôlego e vigor. Houve resistências, sem dúvida. O peronismo na Argentina, a revolução boliviana, o aprismo no Peru, o movimento democrático-popular na Venezuela, o nacionalismo mexicano, o varguismo e o trabalhismo no Brasil, além de uma série de movimentos e experimentos na América Central, como o liderado por J. Arbenz na Guatemala, atestam a força acumulada e as raízes sociais e históricas, em nosso continente, do programa nacional-estatista, em luta pela conquista da autonomia. Entretanto, a proposta de um desenvolvimento dependente e associado aos capitais internacionais ganhou força ao longo dos anos 50, quando novas reestruturações da divisão internacional do trabalho permitiram a alguns países mais importantes do continente - Brasil, Argentina, México - disporem de condições para emprender surtos industrializantes. As alianças então constituídas, e as expectativas geradas, pelo menos em alguns países que puderam registrar altos níveis de crescimento econômico, como, por exemplo, o Brasil dos 50 anos em 5 de Juscelino Kubitschek, minaram, mas não chegaram a destruir as bases constituídas pela tradição nacional-estatista. Com efeito, nem todos os dados estavam ainda jogados. A vitória da revolução cubana, em 1959, a da revolução argelina, em 1962, o processo de independências nacionais na África negra e no mundo árabe e muçulmano, a luta revolucionária no Vietnã, retomada a partir dos começos dos anos 60, entre muitos outros acontecimentos, conferiram novo alento aos movimentos nacional-estatistas latino-americanos. O enfrentamento entre Cuba e os poderosos Estados Unidos da América empolgavam as correntes nacionalistas, que se reconheciam como parte da nossa América, um sonho de José Martí, que muito se assemelhava, nas condições da América Latina, ao espírito afro-asiático formulado em Bandung. Assim, numa perspectiva mais ampla, histórica, a revolução cubana pode ser avaliada como um elo a mais da longa luta dos movimentos nacional-estatistas latino-americanos pela conquista de margens de autonomia. Nesta mesma perspectiva, o caráter socialista do regime político e social cubano deveria ser compreendido muito mais como uma imposição da pressão e do cerco dos EUA - e da necessária aliança de defesa com a URSS - do que como uma evolução consciente e estruturada da própria revolução.”
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As análises sobre a ditadura militar no Brasil são muito recentes. Ainda há pouco consenso se há uma unidade entre os golpes por toda a América Latina durante o período da Guerra Fria. Para o autor, há uma mudança explícita quando as teorias marxistas foram substituídas pelas correntes da Nova História. Os discursos notadamente marxistas que se utilizavam de conceitos como luta de classes e modo de produção foram substituídos por análises dos indivíduos e seus cotidianos durante a fase militar. A abordagem propriamente histórica da ditadura militar é recente. Poderíamos dizer que se trata de uma espécie de movimento de incorporação, pelos historiadores, de temáticas outrora teorizadas quase exclusivamente por cientistas políticos e sociólogos e narradas pelos próprios partícipes. De fato, a literatura sobre o golpe de 64 e o regime que o sucederia ficaria marcada, em uma primeira fase, por dois importantes gêneros. (FICO, 2004)
O Brasil vinha de uma frágil experiência democrática. Jânio Quadros ganhou as eleições em 1960, mas não consolidou boas articulações políticas que gerou a sua renúncia em 1961.
CONEXÃO João Goulart era o vice-presidente que estava em uma viagem a China Comunista. Em tempos de bipolarização, essa ação ocasionou um descontentamento de setores da elite e de alguns governantes.
Segundo Toledo (2004): “pode-se dizer que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro do golpe de Estado. Goulart foi empossado em setembro de 1961, após a fracassada tentativa golpista de Jânio Quadros. Com sua inesperada renúncia, JQ visava, contudo, o fechamento do Congresso que lhe fazia oposição. Não tendo o povo saído às ruas para exigir dos militares a volta do renunciante, o golpe se frustrou. A emenda parlamentarista, imposta ao Congresso nacional pela junta militar, pode ser interpretada como um “golpe branco”. O Congresso, acuado e ameaçado pela espada, reformou a Constituição sob um clima pré-insurreicional, contrariando, assim, dispositivos constitucionais da Carta de 46.”
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Houve uma movimentação para que João Goulart não assumisse a presidência do Brasil. Depois de muitas discussões ficou acordado que ele retornaria ao Brasil para governar com algumas condições. Decidiram reduzir seu poder e instalar um regime parlamentarista. Assim, desde o início do governo de Goulart ficou evidente uma instabilidade e tentativa de controle por parte da elite parlamentar. Enquanto existe um forte consenso entre liberais e conservadores, divergentes são as visões entre os setores de esquerda acerca da natureza e do significado do governo Goulart. Para estes, vários foram os juízos aplicados: governo de “traição nacional”, de orientação social-democrata ou democrático popular; governo populista de esquerda ou nacional-reformista – e até mesmo de “orientação revolucionária”. Haveria, no entanto, praticamente um consenso entre os setores da esquerda ao interpretarem o período de 1961-1964 como um momento em que a luta de classes no Brasil alcançou um de seus momentos mais intensos, dinâmicos e significativos. (TOLEDO, 2004)
A figura de Goulart desperta muitos dissensos entre os historiadores que versam sobre o golpe militar. Durante muitos anos a imagem de Goulart este ve associada as mudanças estruturais da sociedade e propostas como reforma agrária. Nesse sentido, o golpe militar era explicado unicamente pelo fato dos setores conservadores do Brasil se posicionarem contrários a essas mudanças. Por outro lado, há uma problematização histórica mais recente que questiona a figura de Goulart unicamente como político voltado às massas e às mudanças sociais no Brasil. Aparece uma ideia de um político pouco hábil em criar estabilidade. Nesse aspecto, essa nova historiografia divulga a imagem de Goulart como um golpista: “as razões imediatas do que (descuidadamente) chama de “revolução” derivavam da inabilidade de Goulart em “reequilibrar” o sistema político.” (FICO, 2004). O fato é que o golpe militar: Teve como protagonistas principais as facções duras das forças armadas e o empresariado nacional (através de seus partidos, entidades de classe e aparelhos ideológicos)– com o decidido apoio e o incentivo da embaixada e de agências norte-americanas (Departamento de Estado, Pentágono e outras) –, não significa que devemos isentar os setores nacionalistas e de esquerda pelo dramático desfecho do processo político.” (TOLEDO, 2004)
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Dessa maneira, é importante pontuar o fato de inúmeros fatores contribuíram para o Golpe Militar no Brasil em 1964. Há especificidades locais que diferenciam a experiência brasileira de outros casos na América Latina. Entre eles podemos pontuar: a insegurança da elite brasileira, as tentativas golpistas de Goulart, as mudanças estruturais na sociedade por meio dos Planos Trienais, a desarticulação da esquerda brasileira, o exemplo da Revolução Cubana. No que se refere ao contexto da Guerra Fria, foco de nossas análises neste capítulo, os militares brasileiros contaram com o apoio da embaixada e das agências americanas. Essa é uma permanência da experiência latino-americana acerca da interferência dos Estados Unidos nas questões locais.
2.3 Revolução Cubana A historiografia referente à Revolução Cubana é notadamente divergente em suas análises, sobretudo porque suas produções inserem-se no contexto da Guerra Fria. Nesse sentido, carregam um olhar tipicamente bipolarizado: ou comprometem-se em demonizar as transformações pós-revolução ou, ao contrário, fazem do discurso historiográfico um caminho para divulgar as propostas socialistas. “Muitos livros já foram escritos e publicados sobre Cuba e a Revolução. Entretanto, muitas dessas obras têm uma única finalidade: atacar (ou defender) o governo de Fidel Castro. É difícil separar a verdade da propaganda”. (WILKERSON, 1967, p.5). Apesar das evidentes contradições nos textos históricos acerca do processo revolucionário cubano, algumas semelhanças são observadas. A primeira ideia comum que aparece nesses distintos discursos é sobre as motivações ideológicas que deram sustentação ao movimento revolucionário cubano. Há um relativo consenso entre os historiadores de que esse movimento não nasceu a partir de princípios socialistas, ele fez-se socialista ao longo do percurso. Em contexto de Guerra Fria era notável a necessidade de posicionamento. Dessa maneira, no decorrer das transformações foi necessário que o discurso cubano se vinculasse às propostas soviéticas. Todavia, os documentos históricos evidenciam a diferença entre a revolução em Cuba e o modelo russo do início do século XX. Dessa maneira, o movimento liderado por Castro não pretendia, inicialmente, concretizar os caminhos marxistas. No contexto inicial buscavam: acabar
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com a ditadura, garantir maior autonomia em relação aos Estados Unidos e melhorar as condições de trabalho na ilha. Assim, naquele momento era um movimento mais humanista que marxista-leninista. A divergente literatura sobre a Revolução Cubana apresenta dados bastante contraditórios sobre as condições socioeconômicas da ilha antes dos movimentos revolucionários. Entretanto, reconhecem a situação de dependência a qual Cuba se encontrava antes de 1959. No que se refere ao contexto político, Cuba era marcada por uma dependência aos Estados Unidos no período pré-revolucionário. A independência da Espanha não representou a construção de uma autonomia política efetiva. O texto da primeira constituição cubana autoriza a intervenção militar norte-americana. Apoiados na lógica da Doutrina Monroe, os estadunidenses construíam uma relação de dependência com os governos cubanos por meio da Emenda Platt que permitia ao governo dos Estados Unidos interferir nos assuntos internos de Cuba. Com a escusa de defender a soberania cubana, os estadunidenses tinham legitimidade para intervir com a suposta intenção de: assegurar vida, propriedade individual e liberdade para a população. Além do contexto de dependência, a ilha era marcada por anos de uma experiência ditatorial. O governo Fulgêncio Batista foi caracterizado por uma con juntura de intensa corrupção e repressão. Batista se inseriu na política cubana na década de 1930, com um forte domínio das forças armadas, o sargento se estabeleceu no poder com um regime bastante autoritário de 1934 a 1944. Em 1952, Fulgêncio Batista regressou ao cenário cubano por um golpe de Estado, retomando o forte controle do exército. Em 1953, um movimento revolucionário, conhecido como 26 de julho, organizou um ataque ao Quartel de Moncada com a intenção de se armar para acabar com a ditadura de Batista. O movimento não foi vitorioso naquele momento, porém, inaugurou um processo de resistência à ditadura de Batista. Os ideais prematuros desse Movimento não foram, naquele contexto, guiados pela proposta do comunismo. Os manifestantes do movimento 26 de Julho foram presos após a tentativa de conseguir instrumentos para armar a população contra a ditadura. Em 1953, Fidel Castro elaborou sua própria defesa, A História me absolverá, legitimou Castro como líder do movimento revolucionário e fez de seu texto uma referência ao processo revolucionário e aos anseios desejados. Esse documento serviu como forma de divulgação dois ideais dos revolucionários para a população cubana que assistiu o ataque. capítulo 2
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O assalto a Moncada tinha terminado na derrota. Mas essa primeira batalha, o capítulo inicial da Revolução, não foi totalmente um fracasso: embora o forte não tivesse sido tomado, a atenção do povo despertou. Fidel Castro e o Movimento 26 de Julho tornaram-se conhecidos. Em Oriente, pelo menos, o espírito da resistência à tirania de Batista fora implantado. (HUBERMAN; SWEEZY, 1960, p. 48)
Em 1955 Fidel Castro exilou-se no México, momento primordial da sistematização dos novos caminhos da Revolução. Naquele momento, Castro conheceu Ernesto Guevara e Camilo Cienfuegos, personagens indeléveis para a concretização da Revolução Cubana. O novo grupo pôde organizar o segundo ataque ao regime ditatorial de Batista. Os revolucionários foram surpreendidos pelo exército de Fulgêncio Batista. Todavia, os 22 sobreviventes refugiaram-se na Sierra Maestra, local fundamental para consolidar as estratégias de guerrilha ao mesmo tempo em que serviu como experiência de sensibilização dos revolucionários, pois encontraram famílias que lutavam pela sobrevivência. De 1956 a 1959 as propostas dos revolucionários ganharam legitimidade perante a população. Numerosos campos de resistências se formaram por toda a Sierra Maestra. Em 1959 a situação já era insustentável e o ditador Fulgêncio Batista fugiu de Cuba. É importante pontuar que o movimento revolucionário foi composto pelos trabalhadores do campo uma vez que Cuba ainda não havia presenciado uma revolução burguesa estrutural, o operariado não constituía uma força homogênea e forte na revolução. Após 1956 a revolução concentrou-se notadamente no campo, por meio dos grupos guerrilheiros, isso nos faz refletir sobre a importância dos camponeses para a resistência revolucionária. O grupo original estava constituído de jovens, em sua maioria estudantes, saídos de várias classes sociais, mas os recrutas que a eles se juntaram eram principalmente de origem camponesa. Não há estatísticas precisas sobre isso, mas tal era a opinião generalizada dos soldados que interrogamos, e que haviam estado em Sierra Maestra: que três quartos ou quatro quintos dos soldados que participaram das campanhas vitoriosas finais de 1958 eram camponeses. (HUBERMAN; SWEEZY, 1960, p. 102)
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O governo pós-revolução foi liderado por três figuras relevantes da articulação revolucionária. Manuel Urritia assumiu como presidente provisório, José Miro Cardona representava o primeiro-ministro enquanto Fidel Castro era o comandante-chefe das Forças Armadas. O início do governo pós-revolucionário foi estruturado nos ideais do discurso Castrista. Dessa maneira, não havia ainda um compromisso com os ideais socialistas. Centrado nas propostas humanistas do documento de 1953, as intervenções do novo governo buscavam melhorar a distribuição de renda no país. O programa do novo governo baseou-se diretamente em “A História me absolverá”, e sua ação priorizou, portanto, medidas tendentes à elevação do nível de vida do povo, à superação do analfabetismo, da prostituição, do jogo, da corrupção, da discriminação racial, da repressão, da crise habitacional e do desemprego. (SADER, 2001, p.25)
Nesse sentido, medidas como reforma agrária, projetos de alfabetização de jovens e adultos e nacionalização de algumas empresas começam a ganhar corpo na nova administração. “Nenhum professor primário deve ganhar menos de duzentos pesos, como nenhum professor secundário deve receber menos de trezentos e cinquenta, se quisermos que se dediquem inteiramente à sua ele vada missão.” (CASTRO, 1979, p.59). Essas medidas transformam, aos poucos, a condição miserável da população urbana e rural da ilha. No entanto, não ha via nenhuma articulação declarada com a internacionalização do comunismo. Quando Fidel Castro foi questionado sobre a linha ideológica presente em sua Revolução respondeu: “Nossa revolução não é capitalista nem comunista; simplesmente urbana e humanitária.” (CASTRO apud. RIVERO, 1963, p.15). Todavia, a partir da década 1960, observou-se uma aproximação do governo de Cuba aos interesses soviéticos concomitante a um aumento nos conflitos com os Estados Unidos. Os estadunidenses queimaram uma plantação em Cuba e criaram embargos à taxa de açúcar cubano, ações que causaram um prejuízo antológico na ilha. Por outro lado, o governo cubano estatizava várias empresas de refinarias de petróleo norte-americanas como a Texaco e a Shell. Nesse sentido, notadamente os norte-americanos diminuíam suas influências políticas sobre a ilha. Ao mesmo tempo, a União Soviética colaborava com o governo revolucionário muito mais por oposição aos Estados Unidos do que para aumentar sua influência soviética na América para Hobsbawm:
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Durante várias décadas, a URSS adotou uma visão essencialmente pragmática de sua relação com os movimentos revolucionários, radicais de libertação do Terceiro Mundo, pois nem pretendia nem esperava aumentar a região sob o governo comunista além da extensão da ocupação soviética no Ocidente, ou da intervenção chinesa (que não podia controlar inteiramente) no Oriente. (HOBSBAWM, 1995, p.423)
Imerso nesse contexto de instabilidade e conflitos, Fidel Castro, em 1961, pronunciou pela primeira vez o caráter socialista da Revolução Cubana. A partir desse discurso mudanças estruturais passaram a ser percebidas na dinâmica interna e externa da política cubana. Porque o que os imperialistas não podem nos perdoar é o fato de estarmos aqui; o que os imperialistas não podem nos perdoar é a dignidade, a integridade, o valor, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o espírito revolucionário do povo de Cuba. Isso é que não podem nos perdoar: que estejamos aqui, na frente dos seus narizes, e que tenhamos feito uma revolução socialista no próprio nariz dos Estados Unidos. [. . .] Viva a revolução socialista! Viva Cuba livre! (CASTRO apud. LÖWY, 1999, p.264)
Em contexto de Guerra Fria, as declarações do caráter socialista da Revolução alteraram sobremaneira a relação entre a ilha e os Estados Unidos. O rompimento dessa relação também modificou as trocas com demais países capitalistas, desenvolvidos ou não. Dessa maneira, as aclamações ao socialismo provocaram a instalação de embargo econômico, intervenções militares e décadas de boicote político. Somente a partir do século XXI esse cenário começou a se modificar. Para maior parte da historiografia sobre o assunto, o contexto da Guerra Fria obrigava um posicionamento. De uma forma ou de outra, todos os grandes problemas mundiais se relacionaram com o conflito Estados Unidos e URSS, ou foram por eles influenciados. Por outro lado, a barreira de mitos, distorções e falsidades, criadas por máquinas de propaganda de ambos os lados, impediu, durante muito tempo, qualquer julgamento mais crítico que a opinião pública pudesse ter sobre o conflito. Assim, o trabalho do historiador se tornou extremamente difícil, sem fontes documentais confiáveis e bastante polêmico. (BARROS, 1988, p.02)
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Desde o início da administração revolucionária em Cuba muitas mudanças haviam ocorrido. No entanto, após a declaração do caráter socialista da Revolução outras transformações precisaram ocorrer sobretudo no discurso dos administradores. A concepção nacionalista defendida pelos integrantes do Movimento 26 de Julho ia, lentamente, sendo substituída pelos argumentos da luta de classes internacionalista típica das análises marxistas. Além disso, o processo de expropriação de empresas se intensificou explicitamente. Ou seja, foi fundamental alterar algumas práticas e discursos após a incorporação de Cuba ao cenário socialista. Há pouco consenso dentro da literatura se a Revolução Cubana foi positiva ou negativa para a população da ilha. As visões estão impregnadas das análises políticas bipolarizadas. Todavia, é primordial olhar para transformações no plano social que possibilitaram uma redução quase que total do analfabetismo na ilha. Além de uma melhoria inquestionável no setor da saúde e da redução da mortalidade infantil. A história dessa Revolução ainda é muito recente e o distanciamento dos historiadores ainda é questionável. Mas, precisamos fazer uma leitura atenta a esse contexto histórico de apologias e procurar interpretar as mudanças na ilha sob a luz do socialismo real em tempos de Guerra Fria.
2.4 Revolução Chinesa Para Wladimir Pomar (2003) a Revolução Chinesa ainda é pouco conhecida no Brasil. Escassas são as traduções de documentos feitas em português. Para o autor, muito de nossos conhecimentos sobre a Revolução Chinesa são originários de concepções senso comum. Neste capítulo, buscaremos compor uma visão sintética da Revolução Comunista na China a partir dessa restrita produção literária. Assim como a Revolução na Rússia e em Cuba, a Revolução Chinesa não ocorreu como previa Marx após a tomada de consciência dos trabalhadores das indústrias. A Revolução teve sua origem nos conflitos no campo entre proprietários de terra e agricultores. O processo revolucionário comunista ocorreu de 1949 a 1962 e pretendia, além de resolver às questões da distribuição da terra, garantir maior autonomia política para China. Historicamente a China foi intensamente explorada por potências europeias, sobretudo o Reino Unido, como forma de expansão do capitalismo em
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sua fase monopolista. O final do século XIX foi marcado por diversos conflitos e tentativas de garantir independência política e econômica a China. A Guerra dos Boxers foi uma revolta de cunho nacionalista fortemente reprimida pelas nações estrangeiras entre 1898 e 1900. No início do século XX uma forte resistência ao modelo monárquico bem como a dependência econômica às potências europeias marcou as lutas políticas chinesas. Em 1908, Sun Yat-Sen fundou o Partido Nacionalista (Kuomintang). Em 1911 foi proclamada a república na China. “Mesmo após a República, em 1911, a China permaneceu um mosaico de regiões dominadas por senhores de guerra, proprietários rurais com exércitos próprios lutando entre si pelo predomínio nacional.” (POMAR, 2003, p.16). Fica claro nesse contexto a ausência de um Estado forte e centralizado capaz de criar uma unidade aquele contexto de diversidade cultural e econômica. Dessa maneira, mesmo republicana, a China continuava com pressão dos tukiuns, senhores da guerra, que governavam de maneira soberana as diversas províncias chinesas. Todavia, essa falta de unidade propiciava o surgimento e organização de outras frentes de resistência. A influência da Revolução Russa e a permanência de dominação estrangeira na China incentivaram a criação de outros grupos sociais interessados em intensificar as transformações no país. A partir de 1921, o Partido Comunista da China estabelecia seu poder como forma de oposição aos ‘senhores da guerra’ em diversas regiões do país. Ao longo da administração de Sun Yat-Sen houve relativa harmonia entre setores bastante divergentes da China. Tanto o Partido Nacionalista como o Comunista buscavam enfrentar os proprietários de terra em conflitos diante uma guerra civil. Todavia, em 1925 morre Sun Yat-Sen. A partir desse momento, um processo de desentendimento entre esses setores se inicia. “Com efeito, após a morte de Sun Yat-Sen em 1925, o governo do Kuomintang que reconquistou quase toda a China, rompe com o partido comunista que exige uma profunda reforma agrária e cujos progressos inquietam os comerciantes.” (GUINSBURG, 1963, p.225). Chiang Kai-shek assume o governo da China como representante de uma área mais conservadora do partido. Em 1927 houve uma antológica perseguição do governo chinês que definiu o rompimento das relações entre partido nacionalista e o Partido Comunista Chinês (PCC). Entretanto, esse cisma forçou os representantes comunistas a migrarem para o campo, lugar fundamental para impulsionar a revolução estruturada por táticas de guerrilha. Essa nova guerra civil redividiu os posicionamentos políticos no país.
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De 1937 a 1945 o povo chinês teve que resistir as tentativas de invasão e domínio japonês. Esse movimento consolidou a articulação dos camponeses e operários ao PCC pois a população sentiu-se defendida e apoiada pelo Partido. Em 1949, iniciou a fase da Revolução centrada nos referenciais comunistas. Os revolucionários proclamaram a República Popular da China, sob a liderança de Mao Tse-tung. Em seguida, a China vivenciou uma série de reformas cuja intenção era alterar o modelo agrário dependente ao qual esteve comprometida por tantos anos. Estratégias como: coletivização das terras, controle estatal da economia e nacionalização de empresas estrangeiras fizeram parte do nomeado de Grande Salto para Frente. Não havia um consenso entre os revolucionários acerca do melhor caminho para se aplicar na China. O setor vitorioso optou por um projeto de industrialização com forte mobilização política. “a modernização que produziu o novo regime a partir de 1949 até 1976, com todas as críticas a certas etapas de “irracionalidade” econômica, logrou êxito em transformar um país semicolonial e verdadeiramente arcaico em uma das novas potências industriais do mundo até metade da década dos 1970.” (SANTILLÁN, 2012, p.106). Todavia, a China passou por um momento de crise a qual exigiu um recuo estratégico que fez com que o governo adotasse uma política de combinação entre capitalismo e socialismo. Esses reajustes da década de 1960 precisam ser situados na lógica da Guerra Fria. Esse delicado caminho escolhido pelo governo chinês abalou a relação com a União Soviética. Nesse sentido, os chineses decidiram implementar uma nova mudança nomeada de Revolução Cultural. Essa revolução foi estruturada por Mao no intuito de mobilizar a população de intelectuais e formadores de opinião da China. Essa tentativa intensificou um processo de repressão na China uma vez que o exército vermelho tomou atitudes como destruir templos, confiscar livros, perseguir movimentos contra -revolucionários. A ideia de fortalecer a imagem de Mao e reprimir a população gerou um movimento de insatisfação popular. Mao Tsé-Tung morreu em 1976 e os moderados voltaram ao poder. Seu sucessor foi Deng Xião-Ping que assumiu uma política econômica e desenvolvimentista e permitiu a entrada de tecnologia e capital estrangeiro. Desde então, as transformações caminharam para uma abertura econômica às multinacionais capitalista concomitante a uma manutenção da política controlada pelo Partido Comunista.
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Em 1978 o país adotou a política das Quatro Modernizações, que consagra reformas internas como a descoletivização gradual da agricultura, a introdução de uma economia mercantil dentro de uma estrutura socialista, a criação de áreas específicas para a captação de capital e tecnologia estrangeiras e a instalação de empresas transnacionais, destinadas principalmente à exportação. Nas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), geralmente províncias costeiras, introduziu-se legislações próprias para permitir o estabelecimento de determinados mecanismos capitalistas e o assentamento de capitais e empresas estrangeiras. (VISENTINI, 2011, p.132)
Comunismo de mercado ou capitalismo de Estado são expressões que comumente vêm associadas ao modelo político-econômico adotado pela China no século XX. A historiografia lida mais uma vez com os percalços do tempo recente. No entanto, a China do século XXI compõe o cenário de intensa produtividade industrial. Por conta da abundante oferta de mão-de-obra, a China representa uma produção de altíssima competitividade no mundo. A revolução comunista possibilitou uma redução do analfabetismo e um expressivo aumento da produção industrial. Milhares de pessoas saíram da condição miserável a qual estavam inseridas. Contudo, paralelamente há movimento de repressão política que impede uma intervenção mais democrática na tomada de decisão. Podemos finalizar delineando qual é o modelo sob o qual a China pretende inserir-se na economia global a partir da reforma. Existe sobre esta questão um consenso na literatura orientada para a construção de modelos gerais, e em certa literatura mais específica sobre o papel da China na economia global como um país que, explorando suas vantagens comparativas (enorme oferta de força de trabalho a baixo custo) se especializa na indústria leve intensiva em mão-de-obra (têxteis, produtos eletrônicos de consumo) orientada à exportação, modelo que coincide com nossa análise das redes de investimento. (SANTILLÁN, 2012, p.114)
ATIVIDADES 01. Quais características comuns podemos observar nas revoluções e experiências de socialismo real na Rússia, Cuba e China?
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02. Quais foram as principais medidas adotadas pelos Estados Unidos para controlar e prevenir o avanço do socialismo no mundo? 03. Explique a afirmação: “a Revolução Cubana não nasceu socialista, ela fez-se socialista”. 04. Comente o execrto de texto de Toledo (2004): “Aliviadas por não terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas congratularam-se com os militares e políticos brasileiros pela “solução” encontrada para superar a “crise política” no país.”
LEITURA Leiam dos artigos como forma de aprofundas as discussões: TOLEDO, C. 1964: O golpe contra as reformas e a democracia. Rev. Bras. Hist. vol.24 no.47 São Paulo, 2004. VISENTINI, P.F. A novíssima China e o sistema internacional. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 131-141, nov. 2011.
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BETTELHEIM, Charles. A luta de classes na União Soviética. Volume II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. ____. A transição para a economia socialista. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969. ESCOSTEGUY, Jorge. Cuba hoje. 20 anos de revolução. São Paulo: editora Alfa-Ômega, 1978. FARIA, Ricardo de Moura. As revoluções do século XX. São Paulo: Contexto, 2001. FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao Socialismo: a revolução cubana. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979. FICO, C. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Rev. Bras. Hist. vol.24 no.47 São Paulo 2004 GUINSBURG, j. A época contemporânea: o mundo dividido. São Paulo: Difusão europeia do livro, 1963.
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HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia das letras, 1995. HUBERMAN, Leo ; SWEEZY, Paul. Cuba: anatomia de uma revolução. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1960. LINHARES, Maria Yedda Leite. REIS, Daniel Aarão(org.). Descolonização e lutas de libertação nacional. In: O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
LÓPEZ-FRESQUET, Rufo. Fui ministro de Fidel. Editora Laudes, 1969. LÖWY, Michael (org). O marxismo na América Latina. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1999. MISKULIN, Sílvia Cezar. Cultura ilhada: imprensa e revolução cubana, 1959/1961. São Paulo: Xamã, 2003. MORAIS, Fernando. A Ilha: um repórter brasileiro no país de Fidel Castro. São Paulo: AlfaOmega, 1977. POMAR, W. A Revolução Chinesa. São Paulo: Editora Unesp, 2003. RÉMOND, René. Introdução à história de nosso tempo. São Paulo: Cultrix, 1976. RIVERO, Nicolas. Fidel Castro: um dilema americano. São Paulo: Editora Dominus, 1963. SADER, Emir. A Revolução Cubana. São Paulo: Editora Moderna, 1985. ____. Fidel Castro. São Paulo: Editora Ática, 1986. ____. Cuba: um socialismo em construção. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. SANTILLÁN, G. Contribuição para a compreensão da China Atual: economia, intervenção estatal e consequências sociais. Novos Rumos, Marília, v. 49, n. 2, p. 105-120, Jul.-Dez., 2012
TOLEDO, C. 1964: O golpe contra as reformas e a democracia. Rev. Bras. Hist. vol.24 no.47 São Paulo, 2004. VISENTINI, P.F. A novíssima China e o sistema internacional. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 131-141, nov. 2011. WILKERSON, Loree. A filosofia política de Fidel Castro: do reformismo ao “marxismoleninismo”. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1967.
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3 Movimentos culturais da década 1960-70
Este capítulo busca sintetizar os principais movimentos culturais da década de 1960-1970. Esses movimentos nos ajudam a descontruir as restritas análises políticas as quais a historiografia se dedicou a analisar nesse contexto. Olhar para o movimento hippie, para o crescimento das concepções feministas e para as ações de emancipação dos afro-americanos nos ajudam a interpretar o mundo para além das visões bipolarizadas comumente divulgadas pela mídia ocidental.
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Localizar o contexto de eclosão dos movimentos de resistência afro-americanos. Identificar os princípios do movimento feminista. Compreender o discurso do movimento hippie. Reconhecer a concepção cultural e social divulgada nos movimentos de maio de 68.. Analisar aspectos da cultura brasileira de 1960-1970.
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3.1 Movimentos Culturais nas décadas de 1960-70 As décadas de 1960 e 1970 foram de enorme efervescência cultural, no mais amplo sentido que essa palavra possa atingir. Nasceram diversos movimentos que influenciaram diversas gerações. As questões morais e o modo de vida capitalista foram amplamente questionados. O feminismo buscou dar força ao papel da mulher na sociedade, em relação a sexualidade a liberdade era o alvo, a autoridade e estrutura hierárquica foram atacadas na procura de uma relação mais horizontal, inclusive o papel da humanidade em relação a natureza. Iniciemos nossos estudos com a questão da contracultura, surgida nos Estados Unidos da América. Entre os jovens da geração de 60 um movimento ganhou força no sentido de contestar o caráter cultural e social do modelo de vida estadunidense. O objetivo principal era transgredir os valores que padronizavam a sociedade, isto significava um rompimento que buscava ampliar os limites, encontrar novas possibilidades, não tratava-se de um movimento de simples destruição do que existia, mas uma proposta nova de organização social. Aqueles jovens criaram uma onda política-cultural que confrontava o controle social com uma postura que respeitava a liberdade individual e o não preconceito. Argumentavam contra guerra, a fabricação de armas, defendiam o uso de entorpecentes, procuravam uma alimentação vegetariana, em suas ações e ideais pretendiam não prejudicar o próximo. Dentro de todas essas manifestações, iniciaremos com a questão dos direitos civis no Estados Unidos da América. O movimento dos Direitos Civis espalhou-se pelos diversos continentes e procurava garantir a igualdade entre as pessoas perante as leis, independentemente da religião, etnia ou cor da pele. Um bom exemplo desse período foi o Free Speech Movement , criado pelos estudantes da Universidade da Califórnia em Berkeley. Eles protestavam pelo direito de liberdade de expressão contra a repressão da administração da uni versidade. No site da organização podemos encontrar relatos do período, a estudante Bettina Aptheker nos relata o inicio do movimento:
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Nós nos chamamos de “veteranos”, não de uma guerra, mas de um movimento. Em 1º de Outubro de 1964, centenas de nós cercou um carro da polícia no campus de Berkeley da Universidade da Califórnia e nos recusamos a permitir que a polícia prendesse Jack Weinberg, um estudante de graduação em matemática, que era participante de uma mesa no Congresso de Igualdade Racial na central Sproul Hall Plaza do campus. Eu segurei o carro por 32 horas com Jack dentro e 950 policiais se concentraram do lado de fora da entrada principal do campus à espera de ordens para iniciar um ataque para quebrar-nos. Pouco antes de 19:00 na sexta-feira, 3 de Outubro negociadores dos estudantes liderados por Mario Savio, que viria a se tornar o porta-voz primário para o Movimento, chegaram a um acordo intermediário com o presidente da universidade. O Movimento de Liberdade de Expressão nasceu. Durou até meados de dezembro. No final, depois de um sit-in no principal edifício da administração, que resultou na prisão de quase 800 alunos, uma greve de professores, alunos de pós-graduação e equipe sancionada pelo conselho de trabalho local que paralisou o campus, e com o apoio do toda liderança do movimento dos direitos civis liderado pelos afroamericanos, começando com o Dr. Martin Luther King, Jr., vencemos nossas demandas centrais. Em 14 de dezembro, os Regentes da Universidade da Califórnia, afirmaram que, “de agora em diante, os regulamentos que regem a liberdade de expressão nos campi universitários não irão além do âmbito da Primeira e Décima Quarta Emendas da Constituição dos EUA.” Os regulamentos que regem a liberdade de expressão alterados em praticamente todos os campus no país, terminando proibições dos oradores comunistas, e mais importante permitindo que alunos e professores realizassem o diálogo político e organizassem com menos medo de represálias administrativa arbitrária. (Bettina Aptheker, texto disponível em http://www.fsm-a.org/FSM-A%20short%20histories.html).
No relato da estudante podemos perceber o desenvolvimento da luta por direitos de expressão atrelados ao movimento de luta por igualdade de direitos para o movimento afroamericano de 1961.
3.2 O movimento afroamericano Oprimidos por uma sociedade que segregava direta e indiretamente, o movimento negro nos EUA influenciou a onda de protestos da década de sessenta. A luta essencialmente era por direitos políticos, sociais e econômicos mas resul-
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taram numa revolução cultural. Cansados da violência policial, da discriminação em escolas, no emprego e no atendimento dos serviços público, milhares de jovens uniram-se para confrontar os alicerces da sociedade estadunidense. O movimento incluía jovens e adultos de ambos os sexos e buscou apoio no campo e cidades nas diversas regiões do país. As lideranças do movimento possuíam características diferentes e portanto os planos de cão podiam variar. Um dos líderes do movimento conhecido mundialmente é Martin Luther King Jr., pastor protestante nascido em Atlanta em janeiro de 1929. Influenciado pelas ideias de Mahatma Gandhi organizava protestos não-violentos como o da cidade de Montgomery. Essa ação política tinha como objetivo atingir o sistema de transporte público que mantinha a segregação racial entre os usuários do sistema. Os lugares na parte dianteira do ônibus eram de uso exclusivos das pessoas de cor branca, e os do fundo destinavam-se aos negros. Caso não houvesse mais acentos vazios e um branco entrasse no ônibus, alguma pessoa negra devia ceder seu acento para o branco sentar. Em dezembro de 1955 a costureira Rosa Parks sentou num dos bancos do ônibus que era reservado para pessoas negras. Rosa recusou-se a ceder seu acento quando o motorista do ônibus ordenou que os passageiros negros mudassem de acento para liberar espaço para um homem branco que acabara de entrar no ônibus. Ela foi presa, julgada culpada e teve que pagar uma multa. Esse fato resultou no boicote de um ano que causou sérios problemas financeiros para o sistema de transporte público do município de Tuskgee no Alabama. Luther King também foi preso durante o período do boicote, e na ocasião dizia estar orgulhoso por ter sido preso por unir seu povo contra a injustiça num protesto não violento. O mais célebre discurso de King foi proferido em 1963 na famosa marcha para Washington, entitulado I have a dream - eu tenho um sonho. Leia um trecho a seguir Há cem anos passados, um grande americano, sob cuja simbólica sombra nos encontramos, assinava a Proclamação da Emancipação. Esse momentoso decreto foi como um raio de luz de esperança para milhões de escravos negros que tinham sido marcados a ferro nas chamas de vergonhosa injustiça. Veio como uma aurora feliz para terminar a longa noite do cativeiro. Mas, cem anos mais tarde, devemos enfrentar a realidade trágica de que o Negro ainda não é livre. Cem anos mais tarde, a vida do Negro é ainda lamentavelmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da
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discriminação. Cem anos mais tarde, o Negro continua vivendo numa ilha isolada de pobreza, em meio a um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o Negro ainda definha a margem à margem da sociedade americana, encontrando-se no exílio em sua própria pátria. Assim, encontramo-nos aqui hoje para dramatizarmos tal consternadora condição. Em um sentido viemos à capital de nossa nação para descontar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as palavras majestosas da Constituição e da Declaração de independência, estavam assinando uma nota promissória da qual cada cidadão americano seria herdeiro. Essa nota foi uma promessa de que todos os homens teriam garantidos seus inalienáveis direitos à vida, à liberdade e à busca da felicidade. É óbvio que ainda hoje a América não pagou tal nota promissória no que diz respeito aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar tal compromisso sagrado, a América deu ao Negro um cheque sem fundos; um cheque que foi devolvido com a seguinte inscrição: “fundos insuficientes”. Nós nos recusamos aceitar a ideia, porém, de que o banco da justiça está falido. Recusamos acreditar não existirem fundos suficientes nos grandes cofres das oportunidades desta nação. Por isso aqui viemos para cobrar tal cheque – um cheque que nos será pago com as riquezas da liberdade e a segurança da justiça. [. . .] Voltem ao Mississipi, voltem ao Alabama, voltem à Carolina do Sul, voltem à Geórgia, voltem à Louisiana, voltem à favelas e aos guetos de nossas modernas cidades, sabendo que, de alguma forma, esta situação pode e será alterada. Não nos enpojemos no vale do desespero. Digo-lhes, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Tenho um sonho que algum dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado de sua crença. “Afirmamos que estas verdades são evidentes; todos os homens foram criados iguais”. [. . .] Quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos ressoar de cada vila e cada aldeia, de cada estado e de cada cidade, seremos capazes de apressar o dia quando todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentís, protestantes e católicos, com certeza poderão dar-se as mãos e cantar nas palavras da antiga canção negra: “Liberdade afinal! Liberdade afinal! Louvado seja Deus, todo-misericordioso, estamos livres, finalmente!” (KING, 1963)
Notamos o discurso exigente e ao mesmo tempo pacifista de King. Suas ideias estão alinhadas ao pensamento libertário da fundação da nação americana. Foram grandes os avanços na legislação a favor do movimento, segundo o professor Robert Sean Purdy da Associação Nacional de Pesquisadores e
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Professores de História das Américas, Luther King amplia a luta no sentido de fundar ações afirmativas para os negros, vejamos: o fim da discriminação econômica e da pobreza entre os negros passou a ser o principal objetivo do movimento. Luther King propôs a criação de uma legislação em favor dos pobres e introduziu a questão da “ação afirmativa para negros”. Os veteranos ativistas negros A. Philip Randolph e Bayard Rustin propuseram um “Orçamento de Liberdade”: US$ 100 bilhões seriam destinados em 10 anos a criar empregos e desenvolver os bairros pobres. Esta última não saiu do papel, mas serviu como uma importante reivindicação simbólica. Campanhas locais feitas por sindicatos conseguiram a implantação de alguns programas de ação afirmativa em empresas. E, finalmente, os abusos mais extremos de discriminação formal acabaram desmantelados. Outras campanhas econômicas, porém, faliram, como “O Movimento pela Liberdade em Chicago”, liderado por Luther King, que enfrentou forte violência de residentes brancos e a oposição da prefeitura democrata de Richard J. Daley e não conseguiu atrair suficiente apoio entre negros. Os ganhos econômicos ficaram restritos aos programas sociais de Johnson conhecidos popularmente como a “Guerra contra a pobreza”, e aos programas de “ação afirmativa” implementados por ele em 1965, que se estenderiam, em 1975, a todas as instituições que recebessem dinheiro ou fizessem negócios com o governo federal. Influenciadas pelas ações do governo federal, muitas universidades e até algumas empresas também implementaram programas de “ação afirmativa” e “sistemas de cotas” para minorias raciais e mulheres na década de 1970. Ao final das contas, os ganhos dos movimentos negros dos anos 1960 e 1970 foram contraditórios. Havia mais rostos negros nas manifestações culturais, nos esportes profissionais e na política. Negros podiam comer em restaurantes, hospedar-se em hotéis e usar serviços públicos. No Norte e no Sul, escolas em áreas de população misturada acabaram com a política de segregação. “Ações afirmativas” e, particularmente, “cotas raciais” permitiram que mais negros ingressassem nas universidades e no funcionalismo público. (PURDY, 2015)
Assim como King outro grande líder do movimento negro estadunidense foi Malcom-X. A diferença mais marcante entre os dois é que Malcom-X defendia a criação de um Estado independente para os negros. Nascido em Omaha no estado de Nebraska, o jovem Malcom Little experiênciou a violência desde a infância, como o assassinato de seu pai por espancamento. Malcom se envolveu com traficantes no Harlem, bairro de Manhattan e durante um período se dedicou a atividades criminosas, até ser preso por
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assalto a residências. Na prisão ele conhece a passa a estudar o islamismo. Em sua autobiografia Malcom-X narra como seu irmão Reginald conseguiu aproximá-lo da religião islâmica. Ao receber uma carta cheia de notícias ele notou que o irmão havia escrito uma instrução, se ele parasse de comer carne de porco e fumar, o irmão lhe mostraria uma forma de sair da prisão. Três ou quatro dias depois do recebimento da carta Malcom-X resolveu não comer a carne, fato que causou estranhamento em todos os presos de sua ala, vejamos a narrativa de Malcom-X: A reação foi muito engraçada. A notícia se espalhou rapidamente. Na prisão, onde bem poucas coisas quebram a rotina monótona, os menores incidentes provocam uma tempestade de conversas. Naquela noite, em toda a ala onde ficava minha cela, não havia quem não estivesse comentando que Satã (apelido de Malcom-X) não comia carne de porco. O que me deixou muito orgulhoso, de uma estranha maneira. Uma das imagens universais do negro, tanto na prisão como fora dela, era a de que não podia passar sem carne de porco. Fez-me bem constatar que o fato de eu não comer a carne deixara espantados especialmente os presos brancos. Mais tarde, quando li e estudei o islã, descobri que inconscientemente manifestara minha primeira submissão pré-islamica. Eu havia experimentado, pela primeira vez, o ensinamento muçulmano: "Se você der um passo na direção de Alá, Alá dará dois passos em sua direção” (Malcom-X, 1992, p. 157)
O líder islâmico que Malcom-X seguia chamava-se Elijah Muhammad, que defendia uma vertente do islamismo para o empoderamento dos negros. Em uma de suas pregações no Harlem, Malcom-X explicava sua religião tentando conquistar os frequentadores da igreja cristã, às audiências para cativá-los eram chamadas pescarias, Estão vendo as minhas lágrimas, meus irmãos e irmãs... Não surgem lágrimas em meus olhos desde que eu era pequeno. Mas não posso me conter agora, quando sinto a responsabilidade que tenho de ajudá-los a compreender pela primeira vez o que essa religião do homem branco, a que chamamos de cristianismo, tem feito conosco... Irmãos e irmãs que estão aqui pela primeira vez, por favor, não fiquem chocados. Sei que não esperavam por isso. Porque quase nenhum de nós, pretos, tem pensado que talvez estejamos cometendo um erro por não tentar descobrir se não existe alguma religião espacial para nós ... uma religião especial para o homem preto. Pois existe tal religião. É chamada islã. Deixe-me soletrar para vocês: I-s-l-a-til! Islã! (Mlacom-X, 1992, 212)
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A religião serviu como alicerce para o pensamento de Malcom-X em relação as questões dos afroamericanos. Porém, com o passar dos anos ele foi percebendo que as ações não poderiam se limitar aos aspectos religiosos, e passa a construir um discurso a favor dos direitos civis. Seus discursos tornaram-se mais ácidos e violentos, pois acreditava que a transformação não seria possível sem passar por um conflito. Malcom-X lutava pela libertação do homem negro na sociedade americana e não apenas de sua integração. Ao retornar de sua viagem a Meca, Malcom-X foi surpreendido por diversos repórteres no aeroporto de Nova Iorque. Todos aguardavam ansiosos a opinião dele sobre a onda de violência no verão de 1964. Um repórter perguntou sobre os “irmãos de sangue” que estariam sendo treinados para violência e que esta vam cometendo assassinatos, ao que Malcom-X respondeu: Ao ouvir aquelas perguntas do homem branco, subjetivamente procurando um bode expiatório, tive a certeza absoluta de que estava novamente na América. A juventude branca de Nova Iorque estava matando a torto e a direita, fazendo vítimas; isso era um problema “sociológico”. Mas quando a juventude preta mata alguém, a estrutura de poder prontamente se empenham em crucificar alguém. Quando os homens eram linchados ou assassinados a sangue-frio de outras maneiras, sempre se comentava: As coisas vão melhorar. Quando os brancos guardavam rifles em suas casas, dizia-se que a Constituição lhes garantia o direito de defenderem seus lares e a si mesmos. Mas quando os pretos sequer pensavam em ter rifles em suas casas, isso era considerado “sinistro”. Disse aos repórteres algo que eles não estavam esperando. Falei que o homem preto americano precisava deixar de pensar no que o homem branco lhe incutira: a ideia de que o homem preto não tinha outra alternativa senão suplicar por seus supostos “direitos civis”. Declarei que o homem preto americano precisava reconhecer que tinha base para levar os Estados Unidos a julgamento perante a ONU, sob a acusação formal de “negação de direitos humanos” ... e que se Angola e África do sul eram precedentes, então a América não poderia escapar a uma censura expressa. (Malcom-X, 1992, p.340)
Em junho de 1964 Malcom-X discursou no Harlem na fundação da Organização da Unidade Afro-americana – OAAU. Os propósito organização era a união entre os afro-americanos no intuito de construir uma sociedade justa e equânime. Sobre a questão da moradia, por exemplo, vajamos a forma de ação da organização:
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A OAAU irá travar uma luta sem descanso contra esses males em nossa comunidade. Deveremos ter organizadores para trabalhar com nosso povo para resolver esses problemas e começar um programa domiciliar de auto desenvolvimento. Em vez de esperar que o homem branco venha organizar nossa vizinhança, vamos fazer isso nós mesmos. Aqui está o nosso erro. Uma pessoa de fora não pode arrumar a sua casa tão bem quanto você. Um forasteiro não pode cuidar de suas crianças como você pode. Não pode cuidar das suas necessidades como você. Uma pessoa de fora não pode entender seus problemas tão bem quanto você. Você ainda está procurando por alguém de fora para fazer isso. Nós vamos fazer isso ou nunca será feito. “Nós propomos uma greve de aluguéis”. Sim, mas não pequenos movimentos num só quarteirão. Todo homem no Harlem estará na greve. Traremos todos os Negros desta cidade; a OAAU não irá sossegar enquanto houver um Negro não participante da greve. Ninguém pagará aluguel. A cidade vai parar. E eles não podem nos colocar na cadeia porque elas já estão cheias com a nossa gente. Sobre as nossas necessidades sociais eu espero não estar assustando ninguém. Eu deveria parar agora mesmo e lhes dizer que se você é do tio de pessoa que se assusta, que tem medo, nunca deveria aproximar-se de nós. Porque vamos assustá-lo pra valer! E você não terá muito para onde ir porque já está meio morto. Economicamente você está morto – morto e quebrado. Você foi pago ontem e já está duro agora mesmo! (Malcom-X, 1964)
Verificamos o quanto a questão da união era fundamental para Malcom-X. O pensamento ativista dele influênciou fortemente os movimentos dos afroamericanos nas décadas seguintes. Ele constituía seus discursos essencialmente pela conduta islâmica, na violência como mecanismo de autodefesa e o socialismo como contraponto a corrupção capitalista. Outro passo importante das lutas contra as práticas racistas nos Estados Unidos foi a fundação do Partido Pantera Negra. Fundado com os mesmos intuitos de Martin Luther King e Malcom-X o partido buscava consolidar o principio da autodefesa, criando grupos de vigilantes nos bairros afroamericanos contra a violência da polícia. Durante esse período foram realizadas inúmeras manifestações a favor dos direitos civis das comunidades afroamericanas e não foram poucos os que terminaram de maneira violenta causando morte de manifestantes e de policiais. Os fundadores do partido foram Huey Newton e Bobby Seale, que em 1966 resolveram agregar o pensamento marxista na luta a favor de sua comunidade.
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Devido a violência de suas ações aos poucos o partido foi enfraquecendo, principalmente por conta dos conflitos com a polícia. Diversos membros foram presos. No entanto, o tratamento hostil da policia causou indignação em di versas instancias, ao ponto do Congresso americano abrir vários processos de investigação sobre os casos de abuso da força policial. O lema do partido era Nós queremos liberdade, nós queremos poder para determinar o destino de nossa comunidade negra. Vejamos abaixo alguns itens do texto do Ten-Point Program, o Programa dos dez pontos, de outubro de 1966. Queremos Pleno Emprego para o nosso povo. Acreditamos que o governo federal é responsável e obrigado a dar a cada homem emprego ou um rendimento garantido. Acreditamos que, se os empresários americanos brancos não vão dar pleno emprego, em seguida, devem ser tomadas os meios de produção a partir dos empresários e colocado na comunidade, para que as pessoas da comunidade possam organizar e empregar todos os seus cidadãos e dar um alto padrão de viver. Queremos o fim do roubo capitalista em nossa Comunidade Negra. Nós acreditamos que este governo racista tem roubado de nós, e agora estamos exigindo a dívida em atraso de quarenta acres e duas mulas. Quarenta acres e duas mulas foram prometidos 100 anos atrás como restituição pelo trabalho escravo e assassinato em massa dos negros. Nós aceitaremos o pagamento em moeda que será distribuída às nossas muitas comunidades. Os alemães estão agora ajudando os judeus em Israel pelo genocídio do povo judeu. Os alemães assassinaram seis milhões de judeus. O racismo americano tomou parte no massacre de mais de cinqüenta milhões de pessoas negras; portanto, sentimos que esta é uma demanda modesta que nós fazemos. [. . .] Queremos uma educação para o nosso povo que exponha a verdadeira natureza desta sociedade decadente americana. Queremos uma educação que nos ensina Nossa História Verdadeira e o nosso papel na sociedade atual. Nós acreditamos em um sistema educacional que vai dar ao nosso povo um conhecimento de si. Se um homem não tem conhecimento de si mesmo e sua posição na sociedade e no mundo, então ele tem pouca chance de se relacionar com qualquer outra coisa. Queremos um fim imediato da brutalidade policial e assassinato de pessoas negras. Acreditamos que podemos acabar com a brutalidade policial em nossa comunidade negra organizando grupos de autodefesa pretas que se dedicam a defender a nossa comunidade negra da opressão policial racista e da brutalidade. A Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos dá o direito de portar armas. Portanto, acreditamos que todas as pessoas negras devem se armar para a autodefesa.
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[. . .] Queremos terra, pão, habitação, educação, vestuário, justiça e paz. Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da terra, a estação separada e igual a que as leis da natureza e Deus da natureza a autorizam, um respeito decente às opiniões da humanidade exige que se declarem as causas que os levam a essa separação. Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais; que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade ea busca da felicidade. Isso, para assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, é o direito do povo alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando seus poderes em tal formulário, a respeito deles parecerá muito provavelmente efetuar suas segurança e felicidade. A prudência, certamente, ditará que os governos estabelecidos por muito tempo não deve ser alterado por luz e causas transitórias; e, consequentemente, toda experiência tem mostrado que os homens estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abolindo as formas a que estão acostumados. Mas, quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objeto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, é seu direito, ele é seu dever, de jogar fora de tal governo, e de fornecer protetores novos para sua segurança futura. (The Ten-Point Program ).
O funcionamento do partido deu-se até o inicio da década de 1980. Em seus últimos anos trabalhou para melhorar as condições de vida das comunidades afroamericanas em diversas cidades.
CONEXÃO Assista ao filme sobre a vida desse importantíssimo ativista negro, realizado pelo diretor Woody King Jr. em 1981: Malcom-X – A morte do Profeta.
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3.3 O feminismo O movimento feminista tem suas origens nas ideias da Revolução Francesa. Em Nova Iorque no ano de 1848 realizou-se um congresso para discussão dos direitos das mulheres. A liberdade e igualdade devem ser instaladas como direitos sociais a todos os cidadãos, indiferentemente do sexo. Na década de 1960 a publicação do livro de Simone de Beauvoir, o Segundo Sexo, deu força ao movimento ao pontuar que a hierarquia entre os sexos é uma construção social que pode ser desconstruída. A escritora partiu da filosofia existencialista para analisar tal construção Em verdade, a natureza, como a realidade histórica, não é um dado imutável. Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno. Os proletários dizem “nós”. Os negros também. Apresentandose como sujeitos, eles transformam em “outros” os burgueses, os brancos. As mulheres — salvo em certos congressos que permanecem manifestações abstratas — não dizem “nós”. Os homens dizem “as mulheres” e elas usam essas palavras para se designarem a si mesmas: mas não se põem autenticamente como Sujeito. Os proletários fizeram a revolução na Rússia, os negros no Haiti, os indo-chineses bateram-se na Indo-China: a ação das mulheres nunca passou de uma agitação simbólica; só ganharam o que os homens concordaram em lhes conceder; elas nada tomaram; elas receberam (Cf. Segunda Parte, § 5). Isso porque não têm os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria em se opondo. Não têm passado, não têm história, nem religião própria; não têm, como os proletários, uma solidariedade de trabalho e interesses; não há sequer entre elas essa promiscuidade espacial que faz dos negros dos E.U.A., dos judeus dos guetos, dos operários de Saint-Denis ou das fábricas Renault uma comunidade. Vivem dispersas entre os homens, ligadas pelo habitat, pelo trabalho, pelos interesses econômicos, pela condição social a certos homens — pai ou marido — mais estreitamente do que as outras mulheres. Burguesas, são solidárias dos burgueses e não das mulheres proletárias; brancas, dos homens brancos e não das mulheres pretas. O proletariado poderia propor-se o trucidamento da classe dirigente; um judeu, um negro fanático poderiam sonhar com possuir o segredo da bomba atômica e constituir uma humanidade inteiramente judaica ou inteiramente negra: mas mesmo em sonho a mulher não pode exterminar os homens. O laço que a une a seus opressores não é comparável a nenhum outro. A divisão dos sexos é, com efeito, um dado biológico e não
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um momento da história humana. É no seio de um mitsein original que sua oposição se formou e ela não a destruiu. O casal é uma unidade fundamental cujas metades se acham presas indissolúvelmente uma à outra: nenhum corte é possível na sociedade por sexos. Isso é que caracteriza fundamentalmente a mulher: ela é o Outro dentro de uma totalidade cujos dois termos são necessários um ao outro. (BEAUVOIR, 1970, p. 13-14)
Verificamos nesse trecho que a filosofa trata da mulher num determinado espaço e tempo. Ela trata do feminino em relação as circunstâncias históricas, como na fala sobre as mulheres burguesas. Nesse livro ela tentou demonstrar como a realidade feminina deve ser definida pela própria mulher, na luta pela liberdade individual e a realização da condição feminina. Na mesma seara de pensamento, os movimentos feministas da segunda metade do século XX reivindicaram essencialmente a igualdade de direito entre os gêneros. A participação feminina era exigência do movimento, que buscando equivalência entre homens e mulheres, desejavam ocupar os ambientes de trabalho, político e etc. A partir da década de 1970, o movimento feminista tomou novos rumos. Diferentemente das gerações anteriores que focavam a luta na opressão do patriarcado e do capitalismo, a nova geração procurou ampliar as discussões para a opressão das próprias mulheres e daí construírem um movimento unitário que abarcasse todas as vertentes do movimento. Essa corrente do feminismo francês surge entre as mulheres com escolarização mais elevada. Grande exemplo desse período é Antoinette Fouque, uma das fundadoras do Movimento de Libertação Feminina – MLF. Durante o mo vimento de 1968 ela fica surpreendida com o machismo estabelecido entre os ativistas. Nesse período as mulheres utilizaram a comunicação de massa para denunciar a desigualdade por elas enfrentadas nos níveis políticos e culturais. Foi um período de intensa atividade
CONEXÃO Leia trecho da História esquecida da corrente feminista e classista do site Sempreviva Organização Feminista
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E para clareza do meu propósito destacarei três diferentes correntes principais, apresentadas aqui muito sucintamente. Para as diferencialistas é necessário valorizar a feminilidade como necessidade especifica cuja as raízes deveriam ser buscadas em sua função procriadora. Essa corrente animada por Antoinette Fouque e continuada pelas “Des Femmes” (Mulheres) teve um impacto entre as artistas, as escritoras e etc. Em 1979 essa corrente se apropria ilegitimamente da sigla MLF (Movimento de Libertação das Mulheres) e a registra como uma marca comercial. Para o feminismo radical o trabalho doméstico é a base material da exploração econômica de todas as mulheres qualquer que seja for sua classe social. As mulheres constituem uma classe explorada pelos homens, a opressão patriarcal beneficia economicamente e diretamente a todos os homens da mesma maneira, em função dessa análise toda aliança com movimentos mistos é julgada inoportuna ou mesmo perigosa. Para essa corrente a retórica da diferença é um simples avatar da ideologia dominante, é necessário então combatê-la sem descanso. As Revistas “Questions féministes” e depois “Nouvelles questions féministes” levaram essas diferentes análises ao longo dos anos. Essa corrente desempenha um grande papel na configuração teórica do feminismo principalmente na França. Para esse movimento (Delphy 1970) não era mais o capitalismo, mas o patriarcado, a luta principal; não é mais a luta de classes tradicional, mas a luta feminista e etc. Para o feminismo classista o discurso da diferença não era somente o produto de uma ideologia dominante. Ele é igualmente a expressão de uma primeira reação dos oprimidos à consideração de que nos reencontramos em todos os movimentos sociais nascidos de uma opressão. É necessário então barrar a ideologia das diferenças que naturaliza a relação social sem cair, no entanto, no sectarismo exagerado em relação às mulheres sensíveis a esse tipo de retórica. Para as feministas classistas, todas as mulheres são oprimidas, mas não da mesma maneira. A exploração de classe tradicional interfere na opressão patriarcal. Para as feministas desta corrente é necessário combinar a ação autônoma e com a ação unitária com outros movimentos sociais, principalmente o movimento operário para fazer avançar a libertação das mulheres. Essa orientação encontrará um eco não negligenciável entre as assalariadas dos bancos, dos correios, da saúde ou entre setores privados, levando o desenvolvimento de grupos de mulheres empresárias e de comissões de mulheres sindicalistas, que incentivaram numerosos debates dentro do movimento sindical até o fim da década de 70. (http://www.sof.org.br/ textos/15 publicado em 16 de junho de 2011)
A luta feminina continua. Nos dias atuais encontramos diversos avanços como o direito de voto, o acesso a escolarização e ao mercado de trabalho, ocupação de cargos políticos e da administração pública, fatos que poderiam
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parecer inverossímeis no início do século passado. Contudo, muito ainda precisa ser feito para romper com os preconceitos e a violência que ainda atinge milhões de mulheres ao redor do planeta. Reformulado, o movimento atual utiliza o próprio corpo como ferramenta de comunicação. Se outrora o símbolo do feminismo foi a queima dos sutiãs, atualmente as jovens ativistas tem escrito na pele suas reivindicações. A transgressão de exibir o corpo nu está a serviço da batalha contra a mercantilização do corpo feminino. Em Toronto no Canadá, um oficial de segurança, numa palestra aconselhou as mulheres a se vestirem de forma mais apropriada para evitar que fossem estupradas. Sua fala causou indignação tamanha e aproximadamente três mil mulheres foram as ruas da cidade para protestar. Nasceu daí o movimento denominado Slut Walk – no Brasil, ficou conhecido como Marcha da Vadias. Em nosso país o termo gerou polêmica, mas a luta feminina vai além da culpabilização da mulher pela violência sexual. O movimento possui em sua pauta o a igualdade de gênero, a extinção da violência simbólica, física e sobretudo doméstica. Leia a seguir trecho da Carta Manifesto da Marcha das Vadias de Brasília: No mundo, marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa sexualidade e a temer que homens invadam nossos corpos sem o nosso consentimento; marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pela possibilidade de sermos estupradas, quando são os homens que deveriam ser ensinados a não estuprar; marchamos porque mulheres lésbicas de vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de homens que se acham no direito de puni-las para corrigir o que consideram um desvio sexual; marchamos porque ontem um pai abusou sexualmente de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e, nesse momento, várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por homens aos quais elas não deram permissão para fazê-lo, e todas choramos porque sentimos que não podemos fazer nada por nossas irmãs agredidas e mortas diariamente. Mas podemos. ( Exemplares disponíveis no site: https://goo.gl/zlLBLf, acesso em 20 de maio de 2015)
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3.4 O movimento Hippie Dentro desses inúmeros movimentos o movimento hippie surge como grande arma da contracultura. Os jovens buscavam construir uma alternativa ao modelo de vida padronizado da sociedade estadunidense. A princípio o senso comum julga o movimento como um grupo de jovens drogados e que pensam apenas nos prazeres da vida, sem coragem de enfrentar o “verdadeiro” trabalho. No entanto, o movimento hippie juntamente como o feminismo e o movimento negro foram durante as décadas de 1960 e 1970 os germinadores de ideias políticas e culturais que transformaram em diversos aspectos a vida social. Os hippies foram grandes ativistas contra as guerras que assassinavam milhares de pessoas e destruía a natureza. Suas manifestações organizadas eram alvos de repressão policial e pelo descaso da imprensa, que era controlada no sentido de marginalizar o movimento. As principais características desse movimento estavam atreladas a desconstrução dos padrões morais e do modelo capitalista de vida. Os Hippies eram extremamente ligados as questões da natureza, preferiam viver em grupos comunitários nos quais dividiam tarefas, pregavam o fim das fronteiras nacionais para que todos pudessem pertencer ao mundo. O Rock and roll e as drogas faziam parte do cotidiano hippie, a questão da liberdade individual e da experimentação eram fundamentais para eles. Muitos passaram a seguir os ensinamentos de mestres espirituais do oriente, o que os aproximou bastante daquela cultura. Temas como meditação, budismo, vegetarianismo foram introduzidos no caminho da paz espiritual. A vida de solidariedade e simplicidade era oposta ao fenômeno consumista daquela época. Um dos ícones do movimento hippie foi o professor da Universidade de Harvard Timothy Francis Leary, neurocientista, futurista e libertário. Timothy era defensor do uso de LSD para o aumento da consciência humana. Perdeu seu cargo de professor por realizar uma experiência com sua turma de alunos. A seguir vejamos uma excerto de sua Declaração da Evolução Quando, no curso da evolução orgânica torna-se óbvio que um processo de mutação é inevitavelmente dissolver os laços físicos e neurológicos que ligam os membros de uma geração para o passado e, inevitavelmente, direcionando-os para assumir, entre as
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espécies da Terra a estação separada e igual a que as Leis da Natureza e Deus da natureza a autorizam, uma preocupação decente para a harmonia da espécie requer que as causas da mutação deve ser declarado. Consideramos estas verdades como evidentes: Que todas as espécies são criadas diferentes, mas iguais; Que são dotados, cada um, com certos direitos inalienáveis; Que entre eles estão liberdade de viver, liberdade para crescer, e liberdade de buscar a felicidade em seu próprio estilo; Que, para proteger estes direitos dados por Deus, estruturas sociais naturalmente surgir, baseando a sua autoridade sobre os princípios do amor de Deus e do respeito para todas as formas de vida; Que sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de vida, à liberdade e harmonia, é dever orgânico dos jovens membros dessa espécie de mutação, para cair fora, dar início a uma nova estrutura social, colocando suas bases em tais princípios e organizando seu poder de tal forma como parece provável para produzir a segurança, felicidade e harmonia de todos os seres sencientes. (Timothy Leary, The Declaration of Evolution, exemplares disponíveis em: http://goo.gl/vtxdqQ, acesso em 20 de maio de 2015. )
Como diz o professor Timothy, é hora de dar início a uma nova estrutura social. O movimento hippie buscou de diferentes maneiras construir um novo modelo social, rejeitando o excesso de consumo, o progresso técnico que arrasa a natureza, a urbanização em detrimento do campo e a violenta luta pela ascensão social. Não podemos, no entanto, compreendermos o movimento como um grupo homogêneo, havia diferenças marcantes, inclusive opostas, como em relação ao uso de alucinógenos. Contudo, uma nova proposta se instalava na sociedade ocidental. Leia a letra traduzida de Imagine, música de Jonh Lennon, que pode nos demonstrar o espírito de transformação: Imagine
Imagine não haver o paraíso É fácil se você tentar Nenhum Inferno abaixo de nós Acima de nós, só o céu Imagine todas as pessoas Vivendo o presente
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Imagine que não houvesse nenhum país Não é difícil imaginar Nenhum motivo para matar ou morrer E nem religião, também Imagine todas as pessoas Vivendo a vida em paz Você pode dizer que eu sou um sonhador Mas eu não sou o único Espero que um dia você junte-se a nós E o mundo será como um só Imagine que não ha posses Eu me pergunto se você pode Sem a necessidade de ganância ou fome Uma irmandade dos homens Imagine todas as pessoas Partilhando todo o mundo Você pode dizer que eu sou um sonhador Mas eu não sou o único Espero que um dia você junte-se a nós E o mundo viverá como um só (Jonh Lennon, Exemplares disponíveis em: http://goo.gl/9NrhKd. Acesso em 25 de maio de 2015)
3.5 Maio de 1968 na França A França foi em maio de 1968 palco de uma das maiores manifestações estudantis de todos os tempos. Estudantes universitários uniram-se aos operários e pararam o país com uma greve que abarcava diversos setores. Aproximadamente nove milhões de pessoas saíram às ruas para protestar. O governo de Charles de Gaulle deparou-se com inúmeras reivindicações que resultaram na renuncia do presidente alguns meses depois. O início dos protestos ocorreu numa passeata pacifica na Universidade de Paris em Nanterre, na qual os estudantes desejavam acomodações
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mistas, ou seja, quartos partilhados por homens e mulheres. As autoridades da Universidade decidiram expulsar alguns líderes do movimento e fechar as portas da escola. A repressão violenta por parte da polícia só atraiu mais simpatizantes como o Partido comunista Francês e alguns sindicatos. Rapidamente a cidade de Paris transformou-se num campo de batalha. Podemos desconfiar que não se tratava apenas de um anseio estudantil por liberdade sexual. Os protestos estavam pautados em um redirecionamento político necessário para aquele momento histórico. Desde o final da Segunda Guerra Mundial era a primeira vez que o sistema capitalista apresentava sinais de desgaste e uma crise financeira espalhava-se sorrateiramente. Além disso, a luta política dos partidos de esquerda ainda focavam apenas o enfrentamento do poderio burguês, desprezando outras formas de opressão, os jovens estavam denunciando o massacre das individualidades. Na agenda daqueles jovens estavam, entre outras, matérias como a liberdade e valorização das subjetividades, as questões ambientais, as reclamações dos movimentos feministas e homoafetivos, os direitos dos idosos e a questão da loucura. Diversas frases curtas serviam como lema do pensamento dos jo vens de 1968, como por exemplo: é proibido proibir! A imaginação no poder; prazer sem restrições; sejamos realistas: exijamos o impossível.
3.6 Cultura brasileira nas décadas de 1960 e 1970 A década de 1960 impulsionou muitas mudanças sociais, política e culturais. Inseridas no conflito indireto da Guerra Fria, diversas nações experimentavam a apoderamento juvenil como motor de transformações nas estruturas. O duelo para manter as áreas de influência de EUA e União Soviética se estabelecida na corrida espacial, no cinema, e nos partidos políticos. A guerra do Vietnã assombrava com a capacidade destrutiva e o massacre de civis. O Brasil era oprimido pelo momento mais crítico da Ditadura Militar. A cultura brasileira nos anos sessenta e setenta do século passado experimentou uma complexa teia de referências e intercâmbios. A busca pelo nacional e popular influenciava a expressão da modernidade no cinema, teatro e música. Os três setores artísticos desejavam problematizar sobre o acesso ao
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público, pois consideravam que a arte deveria tratar das questões nacionais de maneira realista e, portanto, deveriam chegar aos sujeitos dessa realidade. Todas essas formas de expressões experimentais enfrentavam a forte repressão por parte dos militares. O Cinema Novo foi um movimento inspirado no cinema neorealista italiano e na francesa nouvelle vague. Os cineastas brasileiros procuram um caminho que trouxesse mais realismo as telas nacionais. As discussões odorridas no I Congresso Nacional de Cinema Brasileiro deram fruto ao Cinema Novo em 1952. A obra que denota a transformação é Rio, 40 Graus de Nelson Pereira dos Santos. Lançado em 1955 o filme narra o cotidiano de cinco jovens de uma favela carioca que vivem da venda de amendoim nas areias de Copacabana, no Estádio do Maracanã e no turístico Pão de Açúcar. O filme revela cruamente os personagens das ruas do Rio de Janeiro, os políticos, os policias, as crianças faveladas, o mundo do crime. A descrição realista do domingo de verão carioca incomodou os militares que censuraram o filme. Inaugurada estava a onda de cinema brasileiro que priorizava os conceitos que poderiam denunciar para o próprio povo brasileiro a realidade do contexto social: as desigualdades e a exploração. O tipo de filme cabeça realizado no Brasil também possuía a estética realista europeia mas buscavam a nacionalização das técnicas e da forma, o objetivo principal eram criar obras degustáveis pelas classes populares. O foco passava para os personagens e suas falas. Grande expoente desse movimento cinematográfico foi o baiano Glauber Rocha. Na busca de uma estética apropriada ao movimento, ele produziu filmes que realizavam crítica ácida da realidade. Ao todo a censura da ditadura militar proibiu nove filmes de Glauber. Em 1967 o filme Terra em Transe foi premiado no festival de cinema de Cannes e é considerada sua melhor obra. O cineasta baiano levou ao extremo o lema do movimento: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.
LEITURA Leia o livro de Zuenir Ventura sobre as transformações oriundas dos movimentos da década de sessenta - 1968: o Ano que Não Terminou, Zuenir Ventura, Editora: Nova Fronteira 2006.
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Na mesma linha o teatro nacional possuía o protesto como germe de suas expressões. A maior aspiração era a conscientização da população das mazelas impostas pelo regime militar e a exploração capitalista. O desejo de agredir a moralidade burguesa-cristã estava nas diversas peças que recusavam se enquadrar na arte comercial, eram comuns o linguajar coloquial sujo e corpos nus nas cenas que procuravam sempre uma mensagem política. As peças de diversos grupos teatrais seguiam o engajamento político das artes. O Arena de Augusto Boal foi tido como maior exemlar do teatro de resistência na década de sessenta no Brasil. Como textos como Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes o grupo inaugura uma modalidade de representação que aproxima os personagens da plateia. Na peça Murro em ponta de faca o diretor escancara as entranhas do poder na política brasileira e seus esquemas de manipulação. Nesse caminho também, o Teatro Oficina de José Celso Martinez mantém até os dias atuais a crítica aos valores da sociedade burguesa e consumista que são sagrados para a classe média nacional. O grupo conseguiu manter-se ativo mesmo durante o Ato Institucional n.º 5 que perseguiu inúmeros artistas durante o embrutecimento da censura no Brasil do governo militar. Logo a seguir veremos esse momento histórico. Leia um relato sobre a peça o Assalto: Escrita em 1967 quando a ditadura militar no Brasil entrava no seu auge, o autor com pouco mais de 20 anos, já teve a sua primeira peça, Santidade, censurada pelo governo do General Costa e Silva, e com o próprio presidente em todas as redes de TV do território brasileiro, com o texto da peça em punho e definitivamente proibindo-a de ser encenada por tratar abertamente de homossexualismo. Com a primeira obra censurada Zé Vicente partiu pro seu segundo texto e primeiro a ser encenado: O ASSALTO. Na sua primeira versão, encantou não só os críticos e o público habitual de teatro pela qualidade e poesia do texto e também a juventude libertária e transformadora de 1968 por tocar abertamente nos tabús, não só do homossexualismo mas também dos movimentos de esquerda, que na época assaltavam os bancos para se manter e sustentar as guerrilhas que se armavam nos campos para desestruturar o regime militar. Zé Vicente coloca em O ASSALTO, dois personagens Vitor e Hugo (brincadeira evidente com o nome do escritor), o primeiro jovem bancário solitário vindo do interior para São Paulo se tranca numa sala com o segundo, um varredor pai de família, pra tentar comprar
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sua companhia. A tentativa de simbolizar a direita e a esquerda com os dois e evidente, mas se confunde no decorrer da situação como tesão explícito do bancário, símbolo da direita, no varredor, obviamente símbolo da esquerda, mas que aumenta a sua renda se prostituindo nas horas vagas. O ASSALTO, apesar de escrito há mais de 30 anos mostrou, nesta montagem ser uma peça atual demais, inclusive por se passar num banco, igreja do maior deus do momento: o dinheiro. Zé Vicente, é considerado até hoje como um dos maiores dramaturgos surgidos no Brasil, com suas peças de câmara faz verdadeiras peças religiosas, lembrando sempre a sua origem numa família pobre em Minas Gerais, estudante de seminário deixando transparecer seu cristianismo, que em alguns momentos lembra o de Jean Genet. Com o endurecimento da ditadura militar brasileira na época, o autor, muito perseguido, caiu no ostracismo, sendo quase esquecido pelas gerações seguintes, mas suas críticas contundentes ao mundo atual continuam nesta montagem. (http://teatroficina.com.br/plays/7 , acesso em 23 de maio de 2015)
Em relação à música, destacam-se os Festivais da Canção que eram veiculados pela televisão. Nomes como Milton Nascimento, Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Maria Bethânia, Toquinho, Elis Regina, Jair Rodrigues, Nara Leão marcaram época e produziram canções com temática nacional e de crítica ao modelo social. As vertentes que se destacaram foram a Jovem Guarda, com músicas românticas e guitarras elétricas, nascida no programa televisivo de mesmo nome, essa linguagem modificou o comportamento dos jovens brasileiros, importando o rock and roll estadunidense e inglês. As letras eram açucaradas e normalmente com temática amorosa, porém algumas críticas eram realizadas em favor da liberdade de expressão adolescente. Os ícones da Jovem Guarda foram Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Ronnie Von, Jerry Adriani, Vanusa, entre outros. Muitos críticos do movimento apontam para a alienação do grupo em relação as questões políticas nacionais. Por outro lado, o Tropicalismo foi um movimento que lutou contra a presença dos militares no poder. Criado durante o período de ampliação do poder dos militares, a Tropicália inspirava-se no sincretismo da cultura brasileira. A música influenciada pelo rock and roll ganhou estética misturando as manifestações da cultura popular, resultando em letras e sonoridade que transgrediam os padrões da época. O movimento não esteve atrelado somente a música. Nas artes plásticas, por exemplo, o artista Hélio Oiticica trazia renovações como a introdução do espectador no exercício da liberdade. capítulo 3
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A canção Baby de Caetano Veloso é ótimo exemplo da critica tropicalista em relação ao mercado de consumo e a difusão de valores internacionais pelo mercado fonográfico que encharcava os ouvidos da população brasileira. O descompromisso juvenil é apontado frente ao desprezo de grandes músicos brasileiros. Vejamos Baby Você precisa saber da piscina Da margarina, da Carolina, da gasolina Você precisa saber de mim Baby, baby, eu sei que é assim Baby, baby, eu sei que é assim Você precisa tomar um sorvete Na lanchonete, andar com a gente, me ver de perto Ouvir aquela canção do Roberto Baby, baby, há quanto tempo Baby, baby, há quanto tempo Você precisa aprender inglês Precisa aprender o que eu sei E o que eu não sei mais E o que eu não sei mais Não sei comigo vai tudo azul Contigo vai tudo em paz Vivemos na melhor cidade Da América do Sul, da América do Sul Você precisa, você precisa, você precisa Não sei, leia na minha camisa Baby, baby, I love you Baby, baby, I love you (Caetano Veloso, exemplares disponíveis em: http://letras.mus.br/ , acesso em 23 de maio de 2015)
O resultado dessa ebulição de movimentos críticos ao poderio do exército, e consequentemente o aumento da esquerda provocou medo na direita ultraconservadora brasileira. As ações do Comando de Caça aos Comunistas – CCC, no país representam o quanto o pensamento de esquerda no Brasil era
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perseguido. Atores e atrizes foram brutalmente atacados durante a peça Roda Viva de Chico Buarque, alguns membros da Igreja Católica que passaram a se dissociar dos militares sofreram represálias. Momento marcante do período foi o conflito direto entre estudantes da Universidade Mackenzie – direitistas, e os da Universidade de São Paulo – esquerdistas, na rua Maria Antonia em São Paulo. Em 3 de outubro de 1968 diversos estudantes iniciaram uma batalha que resultou na morte de um secundarista do Colégio Marina Cintra. Outro evento marcante do período foi a Passeata dos Cem Mil, realizada no dia 26 de junho de 1968. Após a morte de um estudante no restaurante universitário durante um protesto contra o aumento do preço das refeições, as organizações estudantis convocaram assembleias para organizar algumas manifestações públicas contra o regime militar. A manifestação de 21 de junho acabou com milhares de pessoas feridas e três mortes de estudantes. Para aliviar as tensões o governo militar liberou a realização da passeata no dia 26. As ruas da Cinelêndia foram tomadas na tarde daquele dia, entre os estudantes, artistas, políticos, intelectuais o lema Abaixo a ditadura, o povo no poder era entoado por todos. Durante a realização da passeata não houve conflito, mas nos dias que sucederam vários estudantes foram detidos em diversas capitais brasileira e em 12 de outubro daquele mesmo ano, o congresso da União Nacional dos Estudantes – UNE, realizado clandestinamente na cidade de Ibiúna, no interior do estado de São Paulo terminou com a prisão de mais de mil estudantes. Os anos de chumbo da ditadura brasileira estavam começando. Em 2 de setembro de 1968 o deputado do partido MDB discursou no Congresso a favor do boicote das mulheres brasileiras em relação aos soldados do exército, seu irônico texto incentivava as moças a não se relacionarem com militares. O dirscurso gerou polêmica e logo os militares pediram a cassação do deputado. A rejeição por parte do Congresso resultou na promulgação do Ato Institucional número 5 – AI-5; o mais duro golpe do regime militar no Brasil. O texto apresenta contradições enormes, pois trata o Golpe dos militares como uma revolução que luta para assegurar a autêntica ordem democrática no país, baseada na liberdade e no respeito à dignidade da pessoa humana. Seria risível se não fosse pelo número de mortes que esse documento provocou. O texto com força de lei permitia ao presidente Artur da Costa e Silva suspender as atividades do Congresso, suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos e conforme o quinto artigo, a suspensão significava:
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I. A cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II. suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III. proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV. aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada b) proibição de frequentar determinados lugares c) domicílio determinado § 1º - O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados. (Ato Institucional n.º 5, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-0568.htm)
Após o AI-5 a vida tornou-se demasiadamente controlada, não no sentido mais cotidiano como comprar pão na padaria ou ir ao médico, mas sim em relação às criticas ao governo e o desejo de uma sociedade mais justa e menos opressora. Para que você tenha uma ideia, em todas as redações de jornais haviam funcionários do governo para censurar as notícias. Em sua maioria as notícias tratavam e enaltecer o governo militar. A propaganda política soube criar o marketing que apresentava o governo militar como responsável pelo desenvolvimento e progresso pelo qual o país passava, um adesivo com os dizeres Brasil, ame-o ou deixe-o tinha grande circulação nas cidades brasileiras. O período de rígida opressão durou até a segunda metade da década de setenta, quando iniciou-se um processo gradual de redemocratização da política nacional.
CONEXÃO A tortura tornou-se rotina nos centros especializados da Polícia do Regime Militar, acesse o site http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/default.aspx para ampliar seus conhecimentos sobre esse triste período da história nacional.
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ATIVIDADES 01. Sintetize os principais argumentos do discurso de Martin Luther King e Malcom-X. 02. Um dos lemas de maio de 68 era: é proibido proibir! Explique essa ideia relacionando-a com o movimento de Maio de 68 na França. 03. Explique o excerto do manifesto de Simone Beauvoir e relacione-o ao movimento feminista: “A divisão dos sexos é, com efeito, um dado biológico e não um momento da história humana.” 04. Dê três exemplos da música brasileira entre 1960 e 1970 e argumente sua relação com a resistência política.
LEITURA Leia um dos discursos mais importantes do século XX: KING, Martin Luther. Eu tenho um sonho. Exemplares disponíveis em: http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/ihavedreamr. htm. Acesso em 20 de maio de 2015.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO TEAT(R)O OFICINA UZYNA UZONA, http://teatroficina.com.br/home BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: Fatos e Mitos. Trad. Sérgio Milliet. Difusão Europeia do Livro, São Paulo, 1970. FORDHAM UNIVERSITY, Internet History Sourcebooks Project. Documentos disponíveis em: http://legacy.fordham.edu/Halsall/index.asp
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KING, Martin Luther. Eu tenho um sonho. Exemplares disponíveis em: http://www.dhnet.org.br/ desejos/sonhos/ihavedreamr.htm. Acesso em 20 de maio de 2015. PURDY, Sean. Direitos civis e contracultura nos EUA. Exemplares disponíveis em : http://anphlac. fflch.usp.br/direitos-civis-eua-apresentacao. Acesso em 20 de maio de 2015. X, Malcom. Autobiografia de Malcom-X / com colaboração de Alex Haley. Rio de Janeiro: Record, 1992. X, Malcom. PALESTRA DE MALCOLM X NA FUNDAÇÃO DA “ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRO-AMERICANA” (OAAU) – Audubon Ballroom, Harlem – Nova York, 28 de junho de 1964.
Exemplar disponível em: http://goo.gl/qSLdrJ . Acesso em 20 de maio de 2015. Marxist History: USA: Black Panther Party . THE TEN-POINT PROGRAM. Exemplares disponíveis em: https://www.marxists.org/history/usa/workers/black-panthers/1966/10/15.htm
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4 O neoliberalismo: internacionalização da economia
Este capítulo você irá estudar sobre a internacionalização da economia. Partiremos da construção do Welfare State, uma modalidade de política-econômica na qual o Estado interfere para fazer crescer a economia e para garantir direitos sociais. Logo em seguida, veremos como a partir da década de oitenta diversos países passaram a recuperar o liberalismo político e econômico, processo ao qual denominamos neoliberalismo. Por fim veremos a consequência dessa política em nosso país.
OBJETIVOS Identificar as características do Estado de Bem-Estar Social. Verificar a dissolução das políticas acima em prol de uma economia voltada para o mercado: o neoliberalismo. Reconhecer as consequências do neoliberalismo na América Latina. Analisar o processo de abertura política no Brasil pós Regime Militar. •
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4.1 Os caminhos da internacionalização da economia O Neoliberalismo é o novo formato do liberalismo político e econômico do século XIX. Podemos defini-lo como um conjunto complexo de práticas e teorias que buscavam a separação do Estado da religião e da independência dos poderes políticos, como executivo, judiciário e legislativo. Um dos maiores pensadores do liberalismo foi Montesquieu, que contrário ao absolutismo do rei, defendia que a separação dos poderes era essencial para impedir a tirania real. O filósofo Rousseau, por sua vez, era partidário de um liberalismo que sujeitava o controle do Estado ao contrato social construído pela sociedade. Sobretudo o liberalismo protege a propriedade privada e a liberdade individual, pautado na crença da meritocracia, ou seja, os indivíduos são responsáveis por suas conquistas e o Estado não deve interferir nos interesses particulares. O neoliberalismo ganhou força na política ocidental principalmente a partir dos anos oitenta. Mas antes, façamos uma pequena revisão dos antecedentes políticos e econômicos da década de setenta.
4.2 O estado de bem-estar social – Welfare State O Estado de bem-estar social originou-se das ideias keynesianas como uma alternativa para a crise europeia ligada a Grande Depressão de 1929. Para John Maynard Keynes a questão do desemprego seria solucionada pelo fortalecimento da economia de mercado. Seus princípios renovaram a economia política de livre mercado. O plano de Keynes era manter os investimentos públicos e privados nos diversos setores da economia para equilibrar a capacidade produtiva a demanda do mercado, estabilizando o pleno emprego. Considerado um dos maiores economistas do século XX, a principal obra de Keynes é o livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Para os conservadores e liberais europeus o Estado de bem-estar social buscava suprir as necessidades de todos os cidadãos numa política econômica que criava um aglomerado de bens e serviços regulamentado pelo Estado.
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Tais direitos sociais serviriam inclusive para manter os avanços do pensamento político comunista. As políticas sócias previam assistência médica, educação, habitação e juntamente com a iniciativa privada o pleno emprego. Nos Estados Unidos da América o presidente Franklin D. Roosevelt instituiu um plano econômico para recuperar o país da crise de vinte e nove. O Estado americano abandonou por um tempo o liberalismo econômico e passou diretamente a interceder nas questões econômicas. Realizou obras públicas de infraestrutura como rodovias e reflorestamentos, construiu aeroportos, criou financiamentos agrícolas, o que resultou em milhares de empregos e elevou a demanda às indústrias privadas. Por sua força no Congresso, o presidente conseguiu aprovar a Lei de Seguridade Social, que garantiu previdência, seguro-desemprego, habitação e salário mínimo. O New Deal recuperou a economia estadunidense, apesar de inúmeras críticas por parte dos empresários. O The Social Security Act assinado em 1935, buscou estabelecer, para o bem -estar geral, um sistema de benefícios, custeados pela federação, para atender os idosos, os cegos, os deficientes, a maternidade, a saúde pública em geral e os desempregados. Leia a seguir o trecho sobre a ajuda aos desempregados TÍTULO III- SUBVENÇÕES aos Estados para DESEMPREGO DE COMPENSAÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO APROPRIAÇÃO SEÇÃO 301. Para a finalidade de auxiliar os Estados na administração de suas leis de compensação de desemprego, não é autorizada a apropriar, para o ano fiscal que termina em 30 de junho de 1936, o montante de 4000 mil dólares, e para cada ano fiscal, posteriormente, a soma de 49 milhões dólares, para ser usada como a seguir fornecida. PAGAMENTOS AOS ESTADOS SEC. 302. (a) O Conselho de Administração de tempos em tempos certificar ao Secretário do Tesouro para o pagamento a cada Estado que tem uma lei de compensação de desemprego aprovadas pelo Conselho ao abrigo do Título IX, os montantes que o Conselho determina que seja necessário para a boa administração de tal lei durante o ano fiscal em que esse pagamento deve ser feito. A determinação do Conselho deve basear (1) a população do Estado;
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(2) uma estimativa do número de pessoas abrangidas pela lei do Estado e do custo de administração da referida lei; e (3) outros fatores que o Conselho julgue relevantes. O Conselho não deve atestar para pagamento nos termos desta seção em qualquer ano fiscal num montante total superior ao montante destinado para esse fim para aquele ano fiscal. (B) Fora das quantias apropriadas para esse fim, o Secretário do Tesouro, ao receber uma certificação ao abrigo da subsecção (A), pagar, através da Divisão de Desembolso do Departamento do Tesouro e antes de auditar ou liquidação pelo General Accounting Office, a agência estatal encarregada da administração da referida lei o montante assim certificada. Exemplares disponíveis em: http://ssa.gov/history/35act.html , acesso em 20 de maio de 2015)
Pela leitura do texto notamos a organização dos repasses federais para o auxílio ao desemprego nos diversos Estados da federação. Essa estratégia, juntamente com as citadas anteriormente, funcionava para manter o crescimento da economia.
4.3 As políticas econômicas de Margaret Hilda Thatcher e Ronald Reagan Na Inglaterra o welfare state foi resultado da política do Partido Trabalhista que venceu as eleições para primeiro ministro com Clement Richard Attlee, em 1945. Para as reformas implementas no país, Attlee contou com uma equipe que incluía Aneurin Bevan e Jonh Maynard Keynes. O trabalho de estatização de minas de carvão, das empresas de gás, dos transportes, ocorreram juntamente com a criação do Serviço Nacional de Saúde. No entanto, o planejamento econômico de seu governo não conseguiu recuperar a finança inglesa, muito devido ao enorme gasto com o programa social. Logo, nas eleições próximas seu partido foi derrotado pelos conservadores, que realizaram algumas mudanças, porém mantiveram as bases do daquela reforma social.
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A mudança radical viria apenas em 1979 quando o Partido Conservador vence as eleições e Margareth H. Thatcher trona-se primeira-ministrada da Inglaterra. Sua política econômica foi responsável por desmantelar o welfare state criado pelo Partido Trabalhista.
CONEXÃO Assista ao filme The Iron Lady – A Dama de Ferro, no qual Meryl Streep interpreta Margareth Thatcher num dos momentos mais conturbados de seu governo, a Guerra das Malvinas. O filme biográfico conta por meio de flashbacks a carreira política da primeira-ministra inglesa.
A primeira-ministra governou durante onze anos a Inglaterra e sempre manteve um programa liberal de governo. Sua proposta era, primeiramente, a redução do aparelho de Estado que custava muito para se manter, diminuir os impostos dos ricos e ampliar os impostos para os pobres, e garantir mais liberdade aos consumidores e produtores. Nos cinco primeiros anos conseguiu pri vatizar inúmeras empresas estatais, fato que acarretou diversas manifestações e greves por todo país. O neoliberalismo de Thatcher, por conta do enorme endividamento do Estado, reduziu os gastos nos setores da educação, habitação e do programa de pleno emprego. Sua equipe econômica preocupou-se com grande ajuste fiscal e reformas que atendessem ao mercado. O ministro da fazenda durante o governo de José Sarney, em 1987, Luiz Carlos Bresser Pereira, elaborou como veremos a seguir, análise do período no qual ocorreram as ações neoliberais, Desde meados dos anos 80, os países altamente endividados têm-se dedicado a promover o ajuste fiscal, a liberalizar o comércio, a privatizar, a desregulamentar. Os resultados foram positivos, na medida que se superaram os aspectos agudos da crise: a balança de pagamentos voltou a um relativo controle, por toda a parte caíram as taxas de inflação, os países recuperaram pelo menos alguma credibilidade. Mas não se retomou o crescimento. O pressuposto neoliberal que estava por trás das reformas — o pressuposto de que o ideal seria um Estado mínimo, ao qual caberia apenas garantir os direitos de propriedade e os contratos, deixando exclusivamente ao mercado a
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coordenação da economia — provou ser irrealista. Em primeiro lugar porque, apesar do predomínio ideológico alcançado pelo credo neoconservador, em país algum — desenvolvido ou em desenvolvimento — este Estado mínimo demonstrou ter legitimidade política. Não há sequer apoio político para um Estado que apenas acrescente às suas funções clássicas de garantir a ordem interna, as de prover a educa- ção, dar atenção à saúde e realizar políticas sociais compensatórias. Os cidadãos continuam a exigir mais do Estado. Em segundo lugar porque rapidamente se percebeu que a idéia de que as falhas do Estado eram necessariamente piores que as falhas do mercado não passava de dogmatismo. As limitações da intervenção estatal são evidentes, mas o papel estratégico que as políticas públicas desempenham no capitalismo contemporâneo é tão grande que é irrealista propor que sejam substituídas pela coordenação do mercado, nos termos sugeridos pelo pensamento neoliberal. Como Przeworski (1996: 119) observa, “a visão (neoliberal) de que na ausência de suas ‘tradicionais’ falhas, os mercados seriam eficientes parece que atualmente está morta, ou pelo menos moribunda”. Por outro lado, tornou-se cada vez mais claro que a causa básica da grande crise dos anos 80 — uma crise que só os países do Leste e do Sudeste asiático conseguiram evitar — é uma crise do Estado, que se dá de três formas: uma crise fiscal do Estado, uma crise do modo ou das estratégias de intervenção estatal, e uma crise da forma burocrática pela qual o Estado é administrado.l Ora, se a proposta de um Estado mínimo não é realista, e se o fator básico subjacente à crise ou à desaceleração econômica e ao aumento dos níveis de desemprego é a crise do Estado, a conclusão só pode ser uma: o caminho para resolver a crise não é provocar o definhamento do Estado, enfraquecê-lo ainda mais do que já está enfraquecido, mas reconstruí-lo, reformá-lo. (PEREIRA, 1996, p. 5 – 6)
Nos EUA, concomitantemente, assumia o governo o Partido Republicano, com o candidato Ronald Reagan. O presidente havia sido ator nas décadas anteriores, e tinha ganhado bastante popularidade como representante da empresa General Eletric e da Screen Actors Guild. Sua carreira política iniciou-se com o governo da Califórnia. Durante o final da década de sessenta sua ação consistiu no endurecimento das leis, como a tentativa do retorno da pena de morte na legislação estadual, e a perseguição aos comunistas. Atacou duramente os estudantes da Universidade de Berkeley que protestavam contra a discriminação e a pela ampliação dos direitos de liberdade de expressão.
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Na presidência do EUA, Reagan governou por oito anos a partir de 1980. Durante seus dois mandatos a economia do país voltou a crescer, mas o custo disso foi bastante alto. A política adota por ele estava interligada ao fortalecimento da Guerra Fria e a programas de pesquisas militares para desenvolvimento de armas como o escudo espacial contra mísseis, o Strategic Defense Initiative . O governo de Reagan foi profundamente marcado pelo militarismo. Reativando a Guerra Fria ocupou posições no oeste europeu organizando bases militares armadas de mísseis de longo alcance. No Caribe invadiu a ilha de Granada para abafar reformas de esquerda. Na Nicarágua auxiliou os guerrilheiros contra o governo sandinista, enviando recursos, armas e agentes da CIA para treiná-los. O bloqueio econômico a Cuba foi reforçado. Sua campanha anticomunista era cotidiana, seus discursos rechaçavam a União Soviética, a qual denominava o Império do Mal. No oriente, Reagan seguia a lógica de combate a ideologia de esquerda. Suas ações na Líbia, nos conflitos internos do Afeganistão, no embate entre judeus e palestinos e na Guerra Irã-Iraque sempre pretendiam defender os interesses estadunidenses frente à influência da União Soviética. Se na década de noventa Sadham Hussein e os fundamentalistas do Talebã tornaram-se inimigos do EUA, durante os oitentas eram aliados que recebiam recursos financeiros e armas.
4.4 A experiência de neoliberal na America Latina As transformações politico-econômicas inauguradas pelo processo de globalização que alastrou o projeto neoliberal de governança demonstram a relativa dependência de dominação dos países desenvolvidos sobre os não-desenvolvidos. Na história latino americana, o processo histórico seguiu o mesmo padrão. Os pacotes de financiamento internacional sempre vieram atrelados a interferências políticas e na economia das instituições das nações credoras. Segundo o professor aposentado de Economia da Universidade Nacional Autónoma do México, David Ibarra, a união entre os Estados e esse modelo ideológico levaram:
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Consequentemente, o neoliberalismo e a globalização postulam critérios que devem satisfazer os governos — singularmente os do Terceiro Mundo —, quase sempre com escassa ou nula anuência dos cidadãos afetados. Em consequência, o pós-modernismo neoliberal anuncia o fim da história, dos grandes relatos filosóficos e suas ideologias, e inclusive a do Estado-Nação com suas responsabilidades sociais e seu empenho em cuidar do bem comum, da soberania e identidade nacionais1 . Em troca, situa a esperança na eficiência de mecanismos automatizados, fora do desejo humano, como o mercado ou estado de direito construído ex professo, em torno do próprio cânone neoliberal. Trata-se de cumprir regras, acompanhadas de incentivos e castigos que, supostamente, afastam os cidadãos de decisões caprichosas e os canalizam à otimização economicista dos seus comportamentos, como se aí esgotassem todos os propósitos humanos. Em termos propagandísticos, o neoliberalismo difundiu, no Terceiro Mundo, a tese esperançosa de que o jogo livre dos mercados fecharia a brecha do atraso, ao passar não somente pela abertura de fronteiras, como também pela estabilização de preços e contas públicas. Com algum simplismo, postulou-se que o desenvolvimento exportador e de investimento estrangeiro erradicariam a pobreza crônica do subdesenvolvimento, enquanto a difusão automática das melhoras tecnológicas elevaria os padrões de vida e se inverteriam em favor da orientação mercantil das políticas públicas. De modo análogo, sublinhou-se que os mercados abertos e a transparência das transações do governo ou dos particulares colocariam um fim na procura de gastos ou privilégios desmerecidos, isto é, serviriam de antídoto eficaz contra a corrupção (IBARRA, 2011, p.239)
De maneira geral, nos países da America latina o projeto neoliberal desviou a autonomia das nações para os organismos internacionais e reestruturou a sociedade. Podemos destacar as seguintes alterações na economia: •
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Reduziu a intervenção estatal; Acelerou a privatização de empresas estatais; Providenciou a abertura econômica; Reordenou as classes sociais;
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Para o economista mexicano, as mudanças em relação ao campo político trouxeram: O nacionalismo é substituído por uma espécie de cosmopolitismo mal interpretado; se dissolvem as soberanias dos Estados e as entidades nacionais; o presidencialismo autoritário e o corporativismo são substituídos por um regime de divisão de poderes, jogo de partidos e sistemas eleitorais mais transparentes. Como consequência, muito mudaram os valores, os interesses, as instituições, a composição das elites e sem dúvida a distribuição de ingressos. Com relação a segunda vertente, a abertura de fronteiras e a supressão de travas no investimento estrangeiro mudaram radicalmente as liberdades nacionais ante o exterior. (IBARRA, 2011, p.242)
O resultado natural dessa reorganização foi a redução da taxa de crescimento na América Latina. Enquanto isso, mesmo em níveis pequenos ocorreu o crescimento da renda per capita nos países desenvolvidos. Perante esse quadro, devemos ressaltar a questão do trabalho. A dita flexibilização do trabalho levou ao desmonte de várias leis que protegiam os trabalhadores. Atualmente no Congresso Nacional tramita um projeto nesse sentido. Dados da Organização Mundial do Trabalho – OIT, apontam para o crescimento do trabalho informal nos países latinos americanos, o que exclui o trabalhador das garantias sociais relacionadas ao tema. Vejamos o que nos indica o relatório da OIT 2014, O desempenho do mercado de trabalho América Latina e no Caribe 2014. A perda de dinamismo econômico na maioria dos países da região em 2014, temse refletido numa redução significativa na taxa de criação de emprego, ou seja, na procura de trabalho. Como se mostra na figura 5, a taxa de emprego regional caiu, tal como em 2013, comparação ano (entre os mesmos trimestres de cada ano). Note-se que a redução na taxa de crescimento econômico começou a produzir variações negativas (queda) na taxa emprego urbano desde o segundo trimestre de 2013, o que confirma o terceiro trimestre de 2014, apesar da ligeira recuperação da atividade econômica. Isto implica que, a partir desse período, taxa de crescimento do emprego é menor do que a taxa de crescimento da população em idade ativa. (OIT, 2014)
A análise dos dados nos permite verificar que o Produto Interno Bruto entre 2010 e 2014 caiu de 7% para 1,1%, enquanto a taxa de variação do trabalho urbano foi de 1% para -1%, o que significa uma regressão de 2% em quatro anos. Dessa
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maneira, percebemos que a região latino americana está, sob a égide do neoliberalismo, criando empregos em ritmo menor que épocas anteriores, a crise internacional de 2009, por exemplo, resultou na redução de um milhão de vagas.
4.5 O Brasil no contexto internacional Na segunda metade da década de setenta, o governo militar brasileiro aumentou o volume de empréstimos financeiros. Na tentativa de evitar a recessão que se anunciava emprestamos recursos internacionais para financiar nossa produção. Porém os juros atrelados ao capital fizeram explodir nossa dívida externa. Somente entre 1972 e 1981 nossa dívida saltou de dez para sessenta e dois bilhões de dólares. Isso não ocorreu somente no Brasil, diversos países do terceiro mundo também elevaram suas dívidas. O capital financiado pelo primeiro mundo retornava em forma de juros gigantescos. A dívida externa brasileira se avolumou principalmente na tentativa do go verno de aquecer nossa economia com a construção de obras de infraestrutura como hidrelétricas, estradas, e a entrada de multinacionais em nosso mercado. Além disso, a especulação financeira providenciou o enriquecimento de pessoas com informações privilegiadas. O governo vendia títulos que poderiam ser resgatados a valores muito maiores. O círculo da crise capitalista se instalou. Empresários aumentavam o preço de seus produtos, os produtores de matéria-prima para as indústrias também o faziam, os trabalhadores reivindicavam maiores salários, resultado, os empresários aumentavam novamente o preço para ampliar seus lucros. O General João Batista de Oliveira Figueiredo governou o Brasil de 1979 a 1985. Filho de militar, ele sempre se destacou na carreira. Esteve por um ano na Escola Superior de Guerra e a partir do Golpe Militar de 1964 trabalhou no Serviço Nacional de Informações – SNI. Seu governo foi marcado pelo crescimento da inflação. A desigualdade na distribuição de rendas se aprofundou, pois, as pessoas mais ricas do país fica vam com três vezes mais o percentual dividido pela metade da população. O historiador brasilianista Thomas Skidmore, situa a realidade brasileira do período no contexto internacional. Em seu Livro Brasil: de Castelo a Tancredo 1964-1985, explica que a partir de dados do Banco Mundial é possível demonstrar que o Brasil possuía uma distribuição de renda das mais injustas do mundo. capítulo 4
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Para conter os problemas na área econômica, Figueiredo nomeou o ministro Delfim Netto. Seu plano econômico previa o aumento da produção agrícola para ampliar as exportações, investimentos na produção de energia, gastos com educação, habitação e saúde. Porém, conforme Skidmore: Delfim poderia repetir seus êxitos do passado? Ou a deterioração da economia mundial excluía a possibilidade de adoção de uma estratégia de crescimento acelerado no Brasil? No fim de 1979 a resposta veio parcialmente. Os indicadores econômicos eram mistos. O PIB crescera a 6,8 por cento, a melhor taxa desde 1976. Mas a inflação disparara para as alturas dos 77 por cento, quase o dobro da taxa de 1978 e a mais alta de qualquer ano desde 1964. As notícias do setor externo não eram menos desfavoráveis. O déficit em conta corrente passara de US$7 bilhões em 1978 para US$10,5 bilhões em 1979 e o ingresso de capital estrangeiro caíra de US$10,1 bilhões em 1978 para somente US$6,5 bilhões em 1979. Para cobrir o deficit do balanço de pagamentos o Brasil teria que reduzir suas reservas cambiais em US$2,9 bilhões. O diagnóstico anterior de Simonsen parecia comprovado. A economia brasileira estava sendo atingida pelos dois problemas tão conhecidos desde 1945 - aceleração da inflação e emagrecimento das divisas cambiais - com os quais o ministro não se preocupou no período 1967-74 quando agiu como verdadeiro tzar da economia. Agora, porém, esses problemas existiam. Não podendo mais aplicar a política de altas taxas de crescimento que anunciara inequivocamente em agosto, Delfim decidiu arriscar. Decretou uma maxidesvalorização de 30 por cento em dezembro de 1979 e logo em seguida, em janeiro, anunciou o plano de desvalorizações e de correção monetária antecipada para todo o ano de 1980. A meta era reduzir as expectativas de inflação e inverter o seu ímpeto. Mas, se a inflação excedesse a uma taxa prefixada, o cruzeiro superdesvalorizado encorajaria as importações, desestimularia as exportações e estimularia os investidores a evitarem instrumentos financeiros que pagassem taxas de juros reais negativas. A jogada do ministro não lhe foi favorável, porque as forças por trás da inflação e o déficit na balança de pagamentos estavam profundamente enraizados na estrutura da economia brasileira e em suas relações com a economia mundial. (SKIDMORE, 1988, p. 421-422)
Comenta-se que quando indagado sobre o problema da inflação no Brasil, o ministro explicava que primeiro deveríamos esperar o bolo crescer para depois dividi-lo. Claro que a divisão igualitária nunca ocorreu. O planejamento
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econômico fracassou e o Brasil precisou recorrer ao Fundo Monetário Internacional – FMI. A contrapartida dos empréstimos para pagamento da dí vida externa levou a política econômica nacional a reduzir os gastos públicos, principalmente em atendimentos sociais, congelar salários e ampliar a liberdade para o mercado internacional. Juntamente com as questões econômicas, Figueiredo precisava equalizar os conflitos sociais. Para isso realizou algumas concessões e a repressão se abrandou. Porém, a linha dura com os comunistas continuou, militantes dos partidos PCB e PC do B continuavam sendo presos, as greves operárias eram reprimidas e os simpatizantes da luta camponesa perseguidos. O mais largo passo do presidente, nesse sentido, foi a lei de anistia política, logo em 1979. Embora os problemas econômicos fossem urgentes, uma das primeiras e mais importantes decisões de Figueiredo foi política. Dizia respeito à anistia, questão vital para que o Brasil abandonasse o regime autoritário e reintegrasse na sociedade e na política os milhares de exilados políticos que tinham fugido do país ou sido perseguidos no exterior desde 1964. Esta era uma questão para a qual a oposição conseguira mobilizar considerável apoio. Os entusiastas da anistia apareciam onde quer que houvesse uma multidão. Nos campos de futebol suas bandeiras com a inscrição Anistia ampla, geral e irrestrita eram desfraldadas onde as câmaras de TV pudessem focalizá-las. Esposas, mães, filhas e irmãs se destacavam de modo especial pelo seu ativismo, o que tornava mais difícil o descrédito do movimento por parte da linha dura militar. O Cardeal Arns chamou mais tarde a luta pela anistia “a nossa maior batalha”. A revogação por Geisel em dezembro de 1978 da maior parte dos atos de banimento foi seguida agora pela lei da anistia, aprovada pelo Congresso em agosto de 1979. Foram beneficiados com a medida todos os presos ou exilados por crimes políticos desde 2 de setembro de 1961 (a data da última anistia - houve 47 na história do Brasil). Ficaram excluídos os culpados por “atos de terrorismo” e de resistência armada ao governo, os quais foram reduzidos a apenas uns poucos, quando da aplicação da lei. A anistia também restabelecia os direitos políticos daqueles que os haviam perdido nos termos dos atos institucionais A nova lei trouxe de volta grande número de exilados, inclusive Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes, anteriormente excluídos por determinação do presidente Geisel. Achavam-se novamente no Brasil outras betes noires dos militares como Miguel
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Arraes, Márcio Moreira Alves e Francisco Julião, juntamente com figuras-chave do PCB e do PC do B (ambos ilegais). A anistia foi um poderoso tônico na atmosfera política, dando imediato reforço à popularidade do presidente. Mostrava também que Figueiredo confiava que podia resistir às objeções da linha dura por ter permitido o reingresso na política de tantos “subversivos”. Com os comunistas de antiga linhagem e os trotskistas novamente no Brasil, e com a imprensa virtualmente livre (embora sujeita a pressões, ameaças e até violências ocasionais), o sistema político brasileiro parecia mais aberto do que em qualquer outra época desde 1968. O movimento pró-anistia, contudo, não estava satisfeito com a nova lei. Queria que fossem chamados à responsabilidade os que deram sumiço a 197 brasileiros que se acreditava terem sido assassinados pelas forças de segurança desde 1964. Sobre muitos deles havia dossiês detalhados, inclusive relatos de outros presos que foram testemunhas oculares. Aqui a oposição tocava em um nervo exposto - o medo dos militares de que uma investigação judicial algum dia tentasse fixar responsabilidades pela tortura e morte de prisioneiros. Um bom exemplo da reação da linha dura (talvez partilhada por “moderados” cujos antecedentes possivelmente lhes fossem desfavoráveis) aconteceu em março de 1979 quando os militares tomaram medidas para fechar a revista Veja por ter publicado uma reportagem sobre supostos campos de tortura com ilustrações fotográficas. A polícia também apreendeu exemplares de Em Tempo, quinzenário esquerdista que em meados de março publicara uma lista de 442 supostos torturadores. (SKIDMORE, 1988, p. 423-425)
Nota-se, pela leitura do trecho acima que a questão da anistia foi valorizada pela população, mas, no entanto, a crítica era urgente, pois a lei livrará os torturadores do regime do banco dos réus. O governo foi aos poucos construindo a transição para a democracia, mas não de forma libertária. Manobras políticas foram criadas para transmitir o poder aos civis da Arena, evitando assim a escala da oposição ao poder. A desestabilização econômica acelerou o processo de abertura política, pois a opinião pública aos poucos foi desconfiando do governo por conta dos escândalos de corrupção. O partido de oposição Movimento Democrático Brasileiro – MDB, vinha desde os meados da década de 1970 conseguindo vitórias no Congresso, como o fim dos Atos Institucionais. Nas eleições de 1978 haviam os candidatos do MDB conseguiram cinquenta e dois por cento dos votos para o Senado, contra trinta e quatro por cento da Arena.
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No governo de figueiredo o pluripartidarismo é restabelecido e surgem os seguintes partidos: Partido Democrático Trabalhista – PDT, de linhagem social-democrática era liderado por Leonel Brizola; Partido Democrático Social – PDS, continuação da Arena, era dirigido por José Sarney, aliado aso militares; Partido do Movimento Democrático Brasileira – PMDB, herdeiro do MDB, agrupava uma diversidade ideológica interessante, de liberais a comunistas, o líder era Ulisses Guimarães; Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, liderado por Ivete Vargas, o partido parecia uma dissidência do PDS, mas contava com o apoio dos militares também; Partido dos Trabalhadores – PT, representava o pensamento de esquerda operária no país, criado a partir do movimento no ABC paulista que com Luiz Inácio Lula da Silva, contava com sindicatos dos professores, bancários, entre outros. O movimento sindical havia agitado o final da década de 1970, na leitura de Skidmore encontramos: Em outubro de 1978, outro grupo de metalúrgicos não logrou alcançar as reivindicações que fazia porque o seu líder, o presidente da Federação dos Metalúrgicos, de âmbito estadual, encurtou a duração da greve, aceitando um acordo com ganhos limitados para os trabalhadores. O contraste era assim muito acentuado entre o Lula do “novo sindicalismo” e o “Joaquinzão”, velho colaborador do governo. O Sindicato dos Metalúrgicos e Lula ganharam surpreendente notoriedade, sendo este descrito por grande parte da imprensa (ajudada em alguns casos por sugestões do Planalto, isto é, Golbery) e pelos progressistas da Igreja como o legítimo representante, não comunista, da classe trabalhadora. Lula de repente tornou-se o mais conhecido líder trabalhista desde 1945. Os comentários na imprensa lembravam que quanto mais o governo se aproximava da redemocratização tanto mais se impunha o processo de negociação entre o capital e o trabalho. A abertura política foi usada portanto para justificar o ativismo sindical e a resposta do governo foi a melhor evidência de suas verdadeiras intenções. (SKIDMORE, 1988, p. 401)
O movimento sindical conseguiu levar a greve naqueles anos mais de meio milhão de trabalhadores. Lula tornou-se naquele momento, o líder sindical de maior referência desde o fim do governo getulista em 1945. Nas primeiras eleições para governadores dos estados brasileiros que contou com os votos diretos da população, em 1982, as vitórias dos partidos de oposição foram surpreendentes, assim como as realizadas para os cargos de
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deputado e senador. Logo em 1894, espalhava-se pelo país o desejo de eleição diretas para presidente. A emenda pró-diretas foi criada pelo deputado matogrossense Dante Oliveira, porém não obteve vitória no Congresso. No entanto, o movimento pelas diretas já foi um dos maiores acontecimentos da história do Brasil. A emenda das Diretas Já foi apresentada em 1983 pelo deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT). O engenheiro civil, que ficou nacionalmente conhecido por causa da proposta, nasceu em 1952, em Cuiabá. Além de atuar na Câmara Federal, foi deputado estadual, prefeito de sua cidade e governador de Mato Grosso. Faleceu em 2006, em Cuiabá, vítima de uma pneumonia. A ideia de apresentar o retorno do voto direto, quase 20 anos depois do golpe militar de 1964, veio durante a campanha eleitoral para deputado em 1982. Nas palavras do próprio de Dante de Oliveira: “Quando eu percebia que, em todos os comícios e reuniões que fazia naquela campanha, quando falava das questões das diretas, de o povo recuperar o voto para presidente, a resposta da população era sempre mais forte, maior, era mais profundo. Aquilo foi me marcando, dia a dia. Quando me elegi federal, falei: vou apresentar a emenda das diretas para restabelecer esse direito do povo.” (Site da Câmara dos Deputaods: http://goo.gl/3Alw0z)
CONEXÃO Veja a ilustração virtual que narra a história das diretas já, em comemoração aos 30 anos do movimento no site da Câmara dos Deputados, em http://www.camara.gov.br/internet/ agencia/infograficos-html5/diretas/index.html.
Com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, os rumos da política brasileira ocorreram nos bastidores do Congresso. A disputa formalizada ficou entre Paulo Maluf do PDS e Tancredo Neves do PMDB. Em 15 de janeiro de 1985 o candidato do PMDB, ex-governador de Minas Gerias, Tancredo Neves, foi escolhido presidente do Brasil. A oposição havia conseguido uma vitória importante para a reabertura democrática no país. Porém, poucos dias antes da posse, Tancredo foi internado com uma crise aguda de infecção e faleceu antes de assumir o governo. Em seu lugar, tomou posse o vice José Sarney.
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Os anos de governo do maranhense Sarney foram conturbados e levaram o país a hiperinflação. O período denominado Nova República foi dominado por planos econômicos que procuravam eliminar a inflação. O primeiro deles foi o Plano Cruzado do ministro Dílson Funaro. O cruzado tornou-se nossa moeda oficial e a principal ação foi o congelamento total de preços e salários. As pessoas vigiam nas ruas os aumentos de preços, alguns eram conhecidos pejorati vamente como fiscais do Sarney. Porém, meses depois o presidente anunciou o Cruzado II que descongelou os preços e logo a inflação retornou com força redobrada. Funaro demitiu-se do cargo e em lugar assumiu Luiz Carlos Bresser Gonçalves Pereira. Novamente um plano econômico era criado para salvar o Brasil. O Plano Bresser estava pautado na redução de gastos do Estado e na contenção dos preços, mas a inflação chegou perto de trinta e um por cento ao mês. Ao manter a moratória da dívida externa, ou seja, suspender os pagamentos, a pressão internacional sobre o país se acentuo, fato que ampliou nossos problemas econômicos. Por último, em 1989 foi lançado o Plano Verão de Maílson da Nobrega, continha em seu pacote anti-inflacionário o congelamento de preços e a redução de serviços e tarifas públicas, medidas que em nada alteraram a realidade brasileira. A crise inflacionária atingiu 1.800% ao ano em 1989. O acontecimento histórico de maior relevância na Nova República foi sem dúvida alguma a Assembleia Constituinte e a Constituição Federal de 1988. A Assembleia Nacional Constituinte foi formada a partir das eleições para deputados e senadores no ano de 1986. O partido com maior número de vitória naquelas eleições foi o PMDB, portanto para presidente da assembleia foi nomeado o deputado Ulisses Guimarães. Leia a seguir um pequeno relato da história da assembleia. No dia 15 de novembro de 1986, realizou-se eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, que, instalada em 1º de fevereiro de 1987, promulgaria, 20 meses depois, a atual Constituição. Participaram da escolha dos constituintes mais de
69 milhões de eleitores (exatos 69.003.963), com forte predominância do eleitorado urbano (67,57%), refletindo o extraordinário crescimento das cidades, acelerado a partir da década de 70 (hoje mais de 80% do eleitorado brasileiro é urbano). A Assembleia foi integrada por 559 parlamentares (487 deputados e 72 senadores), com renovação de 45% em relação à composição do Congresso na legislatura anterior. A campanha que precedeu a eleição encerrou o mais importante ciclo da história republicana, no que
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diz respeito ao pluralismo de propostas, ao embate ideológico e ao vigor cívico da participação do povo nas ruas e praças públicas. É verdade que, após a Constituinte, ainda foram significativas tanto a primeira campanha presidencial pós-64, mais marcada pelo caráter partidário e carisma dos candidatos, quanto a mobilização pelo impeachment do presidente eleito em 1989, menos de três anos após a sua posse. Contudo, esses dois momentos, assim como as eleições que vieram depois, também com grande participação popular, foram natural desdobramento do avanço democrático e do pluralismo construído no processo constituinte. A expressão cívica, política e social da mobilização pré-Constituinte foi assim destacada pelo presidente da Assembleia, Ulysses Guimarães, no seu pronunciamento de abertura dos trabalhos: “É um parlamento de costas para o passado este que se inaugura hoje para decidir o destino Constitucional do país. Temos nele uma vigorosa bancada de grupos sociais emergentes, o que lhe confere nova legitimidade na representação do povo brasileiro. Estes meses demonstraram que o Brasil não cabe mais nos limites históricos que os exploradores de sempre querem impor. Nosso povo cresceu, assumiu o seu destino, juntou-se em multidões, reclamou a restauração democrática, a justiça e a dignidade do Estado.” No mesmo pronunciamento, Ulyssses tratou dos condicionamentos externos, condenando a “insânia dos centros financeiros internacionais e os impostos que devemos recolher ao império mediante a unilateral elevação das taxas de juros e a remessa ininterrupta de rendimentos [. . .] brutal mais valia internacional, que nos é expropriada na transferência líquida de capitais.” Com essas palavras, Ulysses Guimarães incorporou o forte teor nacionalista adotado por vários segmentos envolvidos na campanha, que reclamavam, principalmente, maior controle sobre a atuação e remessa de lucros de empresas multinacionais, preferência à empresa nacional nas compras do governo, reserva de mercado às mineradoras nacionais e a definição de empresa nacional, com vantagem sobre as estrangeiras ou de capital majoritariamente estrangeiro – todos os itens contemplados na elaboração da Carta. (Site da Câmara dos Deputados - http://goo.gl/xc7V8g)
O processo de escrita da nova Constituição Federal foi marcado pela divisão de dois grupos de pensamento opostos. De um lado os representantes da esquerda nacional: PT, PDT, PV, PCB e PC do B. Do outro, a ala conservadora da política brasileira: PFL, PTB, PL e PDS. Assim como nos dias atuias, verificamos que o PMDB mantinha uma postura dúbia, pois em certos momentos aliava-se aos progressistas, noutros com o dito Centrão. Em comum, todos os partidos desejavam o voto direto para presidente, o equilíbrio e harmonia entre os três poderes e a liberdade de expressão. A
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maioria dos desacordos giravam ao redor da manutenção da exploração capitalista. Temas como o número de horas para a jornada de trabalho, a reforma agrária, os interesses das multinacionais, eram debatidos e cada lado cedia um pouco em certa medida. Claro que muitas críticas podem ser feitas ao texto constitucional, mas é evidente que na história do Brasil, trata-se do documento mais democrático. Com a Constituição Federal de 1988, o processo de redemocratização brasileiro trouxe as seguintes transformações, entre outras, •
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Igualdade de direitos entre os cidadãos, gêneros e etnias. Racismo é crime. Liberdade de expressão. Novos direitos trabalhistas. Novos direitos sindicais. Novos direitos políticos. Equilíbrio e independência dos três poderes. Proteção ao meio ambiente.
LEITURA Leia o artigo o artigo 5.º da constituição Federal de 1988 que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais para o cidadão brasileiro. Exemplares disponíveis em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
ATIVIDADES 01. Explique o termo Welfare State. 02. Quais as principais características do governo de Ronald Reagan, presidente dos EUA nos anos 80? 03. A partir da leitura do artigo quinto da Constituição Federal de 1988, cite 6 aspectos que a diferenciam dos textos oficiais do Regime Militar.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SITE DA CÂMARA DO DEPUTADOS, Exemplares disponíveis em: http://www.camara.gov.br/internet/ agencia/infograficos-html5/diretas/index.html , acesso em 20 de maio de 2015) PEREIRA, Luiz Carlos Bresser P436a Administração pública gerencial: estratégia e estrutura para um novo Estado. Brasília: MARE/ENAP, 1996. Exemplares disponíveis em: http://www.enap.
gov.br , acesso em 24 de maio de 2015. IBARRA, David. O neoliberalismo na America Latina. Rev. Econ. Polit. [online]. 2011, vol.31, n.2, pp. 238-248. ISSN 0101-3157. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31572011000200004. Acesso em: 20 de maio de 2015) OIT Panorama Laboral 2014 Lima: OIT / Oficina Regional para América Latina y el Caribe, 2014. 117 p. Exemplares disponíveis em: www.iol.org , acesso em 22 de maio de 2015. SKIDMORE, Thomas. BRASIL: DE CASTELO A TANCREDO 1964 - 1985 Trad. Mário Salviano Silva Rio de Janeiro: PAZ E TERRA , 1988
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5 Globalização e o fim da URSS
Este capítulo você irá estudar sobre o fim da União Soviética e o processo de Globalização. Para tanto, analisaremos como o Partido Comunista de forma autoritária foi burocratizando as relações políticas e econômicas, o que resultou na estagnação da economia. A saída foi encontrada no final da década de oitenta com o desmanche da URSS e a abertura política dos países socialistas. Ao ser derrubada, barreira física do muro de Berlim, simboliza a passagem dos mercados liberalizados para o Leste Europeu e outros países do mundo, iniciando assim o processo de Globalização.
OBJETIVOS Localizar as causas da dissolução da União soviética. Identificar as políticas de abertura do bloco socialista ao mercado liberal. Verificar como se estruturou a Globalização. Reconhecer os agrupamentos que representam as forças dos mercados capitalista internacionais e os representantes de uma via alternativa. Analisar os novos desafios da economia globalizada. •
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5.1 Crise do sistema socialista soviético A derrocada do modelo socialista implantado na União Soviética ocorreu em virtude de inúmeros fatores, que provavelmente serão fruto de diversas pesquisas científicas. Devemos, no entanto, relembrar que os governos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, na extinta União Soviética eram pautados em governos totalitários de um único partido que centralizava os poderes, reprimia a liberdade de expressão, não permitiam a participação popular nas tomadas de decisão, mantinham uma classe de dirigentes com privilégios incontáveis, ou seja, colocava em práticas o inverso do pensamento socialista de uma sociedade com mais igualdade e justiça. Para alguns estudiosos, o início do problema se dá no endividamento do Estado para financiar a corrida armamentista. Os países do leste europeu esta vam arruinados no final da Segunda Guerra, foi necessário muito investimento para reconstruí-los e a partir daí criar uma indústria de base que realizasse a transformação progressiva dos países. Durante algum tempo o crescimento da economia acompanhou a modernização das nações, no entanto, a corrida armamentista redirecionou os investimentos e as outras indústrias passaram a diminuir suas produções, o resultado foi a falta de bens necessários a manutenção do cotidiano das pessoas. Como vimos anteriormente, o governo de Ronald Reagan venceu a Guerra Fria ao reforçar a competição em relação ao poderio militar. A União Soviética não conseguiu manter o ritmo de investimento e governo de Gorbachev assumiu uma postura de rendição, no sentido de colocar fim a competição na produção de armas. Em segundo lugar, a burocracia do Estado Soviético era enorme e atrapalhava o desenvolvimento econômico por dar lentidão a mais simples tomada de decisão. Segundo Jaqueline Sant’ana e Rodolfo Scotelaro: De fato, havia uma “pirâmide” de poder na URSS. Tendo como base uma população de aproximadamente 250 milhões de pessoas, o Partido Comunista soviético contava com apenas 14,8 milhões de associados. Dentre eles, um número módico de pessoas “indicadas” preenchiam o Comitê de Segurança do Estado (o KGB), o aparelho das Forças Armadas, a Administração estatal e o Aparelho do Partido. Essas instituições, por
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sua vez, tomavam decisões que atingiam toda a população russa, fosse ela comunista ou não. Todas elas participavam da escolha dos integrantes do Comitê Central, que escolhia então o Presidium do Conselho de Ministros, enquanto o KGB, o Aparelho das Forças Armadas e a Administração estatal decidiam o Conselho de Ministros da URSS, que posteriormente elegia o Secretariado do Comitê Central. Essas duas grandes organizações organizavam então o chamado “Politburo” 4 soviético. Através deste estreitamento político, criou-se um novo grupo social privilegiado, uma elite composta por generais, oficiais superiores, altos funcionários do partido e do Estado, membros dos soviéticos, diretores de fabricas, escritores, artistas, compositores e cineastas. Essa elite tinha muitos privilégios por contribuir com o governo, tais como clínicas, lojas e serviços especiais, salas reservadas de embarque em estações e aeroportos e meios próprios para receber produtos escassos no mercado. Essa “casta” privilegiada não sentia as dificuldades da maioria da população soviética, que com toda uma tradição sindical forte, tinha suas greves proibidas e violentamente reprimidas por Stalin. Formada por um grupo fechado da alta burocracia, a Nomenklatura, defendia a manutenção da ditadura do partido único, de modo a impedir que os cidadãos controlassem o funcionamento dos órgãos do Estado. Podemos considerar neste instante o pensamento do sociólogo alemão Robert Michels, que em sua obra “Sociologia dos Partidos Políticos”, publicada em 1911, nos diz que a democracia desemboca, inevitavelmente, em uma oligarquia marcada pela vontade de poder, com a emergência de líderes, peritos e políticos profissionais. Nesse sentido, quanto maior a representação das massas, maior a necessidade de uma organização política forte para esquematizá-la. O grande erro dos socialistas, para ele, era a negação do caráter elitista de todas as organizações políticas. Esta pode ser uma explicação para o fortalecimento da burocracia soviética no período pós-Lênin. Ainda segundo Michels, o partido político, para ampliar seu espaço de ação e angariar votos e aprovação popular, necessita deixar de lado suas opiniões mais ferrenhas e seus programas políticos mais extremos, optando por propostas mais centralizadas, de meio-termo, visando agradar o maior número possível de pessoas. A integridade política é então comprometida, dada a “relação de promiscuidade com os elementos políticos mais heterogêneos”. (SANTOS 7 DARRIEUX, 2015)
Como terceiro ponto temos a ausência de democracia nas relações. O planejamento econômico ficava por conta dos burocratas que publicavam relatórios bastante questionáveis sobre o desenvolvimento da economia. Por falta de controle externo, as empresas que forneciam os bens de consumo não se
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preocupavam com a concorrência, uma vez que esse inexistia, e produziam bens e serviços de baixa qualidade. Exemplo de como a burocracia atrasava o desenvolvimento da região é a relação entre as pesquisas científicas e a indústria. Apesar do número expressivo de cientistas altamente qualificados, os resultados das pesquisas e as invenções levavam anos para chegar a indústria pois o caminho dentro da burocracia era longo. Em 1985, assume o comando o comunista democrático Mikahil Gorbachev. No documento denominado Dossiê Russo trata da história de seu governo. Vejamos: Por mais complexa que tenha sido a História, ela se realizou. O tempo não volta atrás, avança sempre. Mas qual será o lugar da idéia socialista no futuro? Para responder a tal pergunta, começarei por comentar o período da perestroika. Nas primeiras etapas, nós, inclusive eu, dizíamos: a perestroika é o ressurgimento e a depuração das idéias de Outubro, a sua realização na prática. Hoje eu diria que tal afirmação continha tanto uma parcela de verdade quanto uma de ilusão. A verdade consistiu em que nós realmente queríamos devolver o poder ao povo (tirá-lo da nomenklatura burocrática) , enraizar uma verdadeira democracia popular, superar o alheamento das pessoas com relação à propriedade, consolidar na prática a justiça social. Já a ilusão consistiu em que eu, como a maioria, supúnhamos: nós podemos atingir esse objetivo aperfeiçoando o sistema existente. No entanto, logo ficou claro: a crise, que atingiu o país no fim dos anos 70 e início dos 80, não tinha caráter parcial e sim caráter sistêmico. A lógica do desenvolvimento levou à necessidade não de aperfeiçoar o sistema, mas de intervir em suas próprias bases, modificando-as. O limiar foi a XIX Conferência do partido, que em 1988 tomou a resolução de promover uma reforma política democrática. A perestroika deu os maiores passos nessa direção. Ela destruiu as bases do totalitarismo. Consolidou normas democráticas (eleições livres, pluralismo político) e liberdade de pensamento e religião no país. Deu também os primeiros passos para substituir a forma estatal única e imutável da propriedade pela diversidade das suas formas, iniciando a transição para a economia de mercado. A transição para novas relações sociais foi iniciada de forma gradual, reformista, pacífica. Somente mais tarde, após a desintegração da União Soviética, começou a prevalecer na Rússia outra estratégia, de choque. Estratégia, classificada por mim, mais de uma vez, de neobolchevismo, capaz de provocar muito derramamento de sangue, o que aconteceu também mais de uma vez. O curso dos acontecimentos e a evolução das reformas depois de 1992 fizeram-me refletir profundamente sobre
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muitas das questões que, antes até do advento da perestroika, pareciam perfeitamente claras. Entre elas, o que é o socialismo? Qual é nosso objetivo? Não descreverei todas as etapas de minhas reflexões, mas a conclusão delas decorrente é a seguinte: qualquer desenvolvimento só é possível se existir diversidade interna. A consecução de um ideal, como conseqüência da vitória de uma das tendências ou correntes existentes e da eliminação das outras, conduz qualquer sistema à crise e à ruína. Assim, o esmagamento do pluralismo político na URSS, a liquidação de todos os partidos nãocomunistas e, depois, a introdução da identidade de pensamento repressiva no próprio partido comunista constituíram a virada decisiva para o totalitarismo. A conseqüência foi a eliminação real da igualdade de direitos das nacionalidades, a supercentralização da administração e a unificação ideológica do modo de vida dos diversos povos, de sua espiritualidade sob a capa de um demonstrativo internacionalismo. O resultado é conhecido. Do exposto, concluo: é equivocado e sem perspectiva buscar a criação de uma sociedade com base em princípios exclusivamente socialistas. É chegada a hora de pensarmos com categorias mais gerais a toda civilização. Estou convencido de que a nova civilização inevitavelmente assimilará alguns traços peculiares ao ideal socialista, pois esse ideal existe há séculos e reflete as recônditas aspirações e os sonhos do homem. No entanto, ao longo dos séculos, tanto na consciência social quanto na política, foram elaborados diversos pontos de vista – conservadores e radicais, liberais e socialistas. Existem individualismo e coletivismo. Tudo isso é realidade, e em toda parte. A busca da síntese desses fenômenos, opiniões e tendências, e da sua melhor interação, segundo critérios rigorosamente humanistas, eis o que assegurará o nosso avanço a uma nova civilização. (GORBACHEV, 1998, p. 17-18)
Assim, verificamos que o governo de Gorbachev procurou redemocratizar a União Soviética aos poucos. A liberdade de expressão foi ampliada, novos partidos se formaram, diretores das fábricas foram eleitos pelo voto dos trabalhadores. As mudanças eram conhecidas pelos termos Glanost e Perestroika, que significam, respectivamente transparências nas relações políticas e reconstrução econômica. As reformas do governo de Gorbachev levaram o país a uma economia modernizada e uma política mais livre, o que desagradou enormemente os dirigentes do Partido Comunista. A reação dos burocratas e militares conser vadores levaram ao fim o governo de Gorbachev. Porém, a abertura tinha fortalecido o grupo liberal que desejava a ampliação das reformas. O resultado foi a
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autonomia das nações que compunham a União Soviética e consequentemente seu fim. Um dos maiores símbolos da Guerra Fria era o muro de Berlim. Uma barreira física gigantesca que contava com mais de cem quilômetros de extensão, milhares de pessoas forma presas ao tentar ultrapassa-lo e o número de mortos chegou a oitenta. Nada mais justo que transformá-lo no símbolo do fim da bipolarização mundial. Com o fim da União Soviética a população da capital alemã passou a protestar e exigir sua derrubada. O momento foi televisionado, milhares de pessoas portanto diversas ferramentas atacaram o muro e começaram a destruí-lo. Após vinte e oito anos de existência o muro foi completamente derrubado por máquinas e em outubro de 1990 a Alemanha estava novamente unificada.
5.2 Globalização Nos últimos anos do século XX, o capitalismo financeiro se consolidou em todo o planeta. As empresas ultrapassaram as fronteiras nacionais e passaram a atuar em diversas Nações. As revoluções tecnológicas foram imensas principalmente no campo das telecomunicações e da biotecnologia. As relações de trabalho foram alteradas por todas essas inovações e resultaram num desemprego estrutural que provoca o alargamento da distancia entre as pessoas mais ricas e as mais pobres do planeta. Para compreendermos como esse quadro foi pintado, devemos retomar o início da década de 1970, quando a reorganização das forças produtivas econômicas fortaleceu sua intensidade em âmbito internacional. O capitalismo reordenou as relações entre Estado, empresas particulares e sociedade civil. Essa reorganização foi denominada globalização. Foi nas escolas de administração estadunidense que o termo passou a ser utilizado, ele servia para tratar do mo vimento empresarial de expansão transnacional. Para Kalina Vanderlei Silva, globalização é: principalmente um processo de integração global, definindo-se como expansão, em escala internacional, da informação, das transações econômicas e de determinados valores políticos e morais. Em geral, valores do Ocidente [. . .] É uma nova fase do
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Capitalismo, surgida com o fim do bloco socialista e a queda do muro de Berlim em 1989; eventos que levaram à grande expansão de mercados, alcançando áreas antes vetadas ao Capitalismo. (SILVA, 2008, p.169-170)
Em nosso tempo os aspectos econômicos e culturais estão imersos na ideia de globalização, enquanto que no aspecto político encontramos o neoliberalismo – é o retorno da ideia de Estado mínimo, no qual ocorre a menor intervenção estatal possível na economia e no mercado. No encontro deles forma-se a nova ordem mundial. Para os defensores da ideia de globalização as transformações pelas quais o planeta vem passando têm trazido benefícios para a humanidade. No entanto, temos percebido que novamente, os mais privilegiados são aqueles que detém as grandes empresas multinacionais e o mercado financeiro. O acumulo crescente de riqueza tem gerado cada vez mais populações marginalizadas. Já a política neoliberal tem se fortalecido em diversos países. A abertura de mercados e a redução da intervenção do Estado tem contribuído para o alargamento dos mercados globais. Vale a leitura do texto introdutório do livro Por uma outra globalização de Milton Santos: Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. Haveria nisto um paradoxo pedindo uma explicação? De um lado, é abusivamente mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mundo físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. Explicações mecanicistas são, todavia, insuficientes. É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada. Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, que se aproveita do alargamento de todos os contextos (M. Santos, A natureza do espaço, 1996) para consagrar um discurso único. Seus fundamentos são a informação e o seu império, que
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encontram alicerce na produção de imagens e do imaginário, e se põem ao serviço do império do dinheiro, fundado este na economização e na monetarização da vida social e da vida pessoal. (SANTOS, 2006, p.9)
O autor nos instiga a refletir sobre a nova modalidade de capitalismo pois ainda nos encontramos à serviço do dinheiro. Essas mudanças do sistema foram reforçadas por transformações na área das tecnologias (informática e telecomunicação). Podemos verificar como se alteraram os métodos de produção, as relações de trabalho na organização das empresas e como os Estados tem tratado a política financeira. Todas essas mudanças têm alterado a vida das pessoas ao redor do planeta. Uma das mudanças mais palpáveis ocorreram na área das comunicações. Atualmente as informações chegam às pessoas quase que em tempo real, ou seja, no frescor dos acontecimentos. De certa forma, isso pode ajudar a organização da opinião pública a favor de mudanças no quadro social. O caso da Primavera Árabe foi um exemplo da possibilidade de organização pelas redes sociais. No Brasil, por exemplo, o Movimento Passe Livre, entre outras organizações, conseguiu colocar milhares de pessoas nas ruas em protestos que atingiram a maioria das capitais do país. Porém, do outro lado, os aspectos negativos são muitos. O desemprego estrutural, a diminuição dos direitos sociais, a terceirização nas relações de trabalho, têm ampliado a desigualdade social e aprofundado a miséria no mundo. O geografo Milton Santos dissertou pelo apoderamento dos mecanismos tecnológicos e sociais no sentido de utilizar a globalização para a transformação. Leia a seguir o texto O mundo como pode ser; uma outra globalização. Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante uma globalização mais humana. As bases materiais do período atual são, entre outras, a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta. É nessas bases técnicas que o grande capital se apóia para construir a globalização perversa de que falamos acima. Mas, essas mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos, se forem postas ao serviço de outros fundamentos sociais e políticos. Parece que as condições históricas do fim do século XX apontavam para esta última possibilidade. Tais novas condições tanto se dão no plano empírico quanto no plano teórico.
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Considerando o que atualmente se verifica no plano empírico, podemos, em primeiro lugar, reconhecer um certo número de fatos novos indicativos da emergência de uma nova história. O primeiro desses fenômenos é a enorme mistura de povos, raças, culturas, gostos, em todos os continentes. A isso se acrescente, graças aos progressos da informação, a “mistura” de filosofias, em detrimento do racionalismo europeu. Um outro dado de nossa era, indicativo da possibilidade de mudanças, é a produção de uma população aglomerada em áreas cada vez menores, o que permite ainda maior dinamismo àquela mistura entre pessoas e filosofias. As massas de que falava Ortega y Gasset na primeira metade do século (La rebelión de las masas, 1937), ganham uma nova qualidade em virtude da sua aglomeração exponencial e de sua diversificação. Trata-se da existência de uma verdadeira sociodiversidade, historicamente muito mais significativa que a própria biodiversidade. Junte-se a esses fatos a emergência de uma cultura popular que se serve dos meios técnicos antes exclusivos da cultura de massas, permitindo-lhe exercer sobre esta última uma verdadeira revanche ou vingança. É sobre tais alicerces que se edifica o discurso da escassez, afinal descoberta pelas massas. A população aglomerada em poucos pontos da superfície da Terra constitui uma das bases de reconstrução e de sobrevivência das relações locais, abrindo a possibilidade de utilização, ao serviço dos homens, do sistema técnico atual. No plano teórico, o que verificamos é a possibilidade de produção de um novo discurso, de uma nova metanarrativa, um novo grande relato. Esse novo discurso ganha relevância pelo fato de que, pela primeira vez na história do homem, se pode constatar a existência de uma universalidade empírica. A universalidade deixa de ser apenas uma elaboração abstrata na mente dos filósofos para resultar da experiência ordinária de cada homem. De tal modo, em um mundo datado como o nosso, a explicação do acontecer pode ser feita a partir de categorias de uma história concreta. É isso, também, que permite conhecer as possibilidades existentes e escrever uma nova história. (SANTOS, 2006, p.10-11)
Conforme o autor, no momento atual as forças de convergência para uma real transformação estão estabelecidas, uma vez que a técnica avançada e a universalização empírica criam condições para a organização de movimentos que transformem as condições impostas pelo capital.
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5.3 O Fórum Econômico de Davos A sede do Fórum Econômico Mundial – FEM, fica na cidade de Davos na Suíça. Essa organização internacional promove a cada ano o encontro das mais importantes empresas do mundo. Para os organizadores do evento, é preciso tomar medidas para melhorar a condição de vida dos seres humanos no planeta, uma vez que o processo de globalização está instalado e muito provavelmente não regredirá. No entanto, alguns críticos apontam que o encontro no fundo está a serviço a lógica liberal capitalista e culmina em acordos internacionais e reorganização de algumas relações diplomáticas. Outros, indicam que o FEM contribui para o aumento da miséria e para a destruição da natureza em escalas exponenciais, uma vez que organiza as ações da economia de mercado. Leia a reportagem da RFI, uma rádio pública da França que transmite suas mensagens via internet. O texto trata de uma pesquisa realizada antes do evento do FEM em janeiro de 2015. Maioria das riquezas estará nas mãos de 1% da população em 2016.
No ano que vem, mais da metade da riqueza do planeta vai estar nas mãos de apenas 1% da população mundial, em um contexto de desigualdades que se acentuou com a crise, segundo um relatório publicado nesta segunda-feira (19) pela Oxfam International, organização de combate à fome e à pobreza. O alerta acontece na véspera do início do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), que a entidade vai copresidir. A Oxfam afirma que os mais privilegiados viram sua fatia de riqueza aumentar de 44% em 2009 para 48% em 2014. Se a tendência permanecer, a taxa vai superar 50% em 2016. A diretora-executiva da entidade, Winnie Byanyima, disse que a explosão da desigualdade está atrasando “em décadas” a luta contra a pobreza. “Queremos realmente viver em um mundo onde 1% é dono de mais do que o resto de nós juntos?”, questionou. “Os pobres são atingidos duas vezes com a desigualdade crescente - eles recebem uma fatia menor do bolo econômico e, porque a extrema desigualdade prejudica o crescimento, há um bolo menor para ser compartilhado.” De acordo com o relatório da organização, os 80 indivíduos mais ricos do mundo possuem a mesma riqueza que os 50% mais pobres do planeta, o equivalente a cerca de 3,5 bilhões de pessoas. Esse resultado é ainda maior do que a concentração registrada há um ano, quando metade da riqueza do mundo estava nas mãos dos 85 mais ricos.
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Medidas contra desigualdades
A Oxfam indicou que, em Davos, vai pedir que sejam tomadas atitudes para se lidar com o problema, incluindo a repressão contra a evasão fiscal pelas corporações e avanços em direção a um acordo global sobre as mudanças climáticas. O Fórum de Davos se inicia na quarta-feira e reúne a elite econômica mundial. Byanyima também quer a realização de uma cúpula internacional sobre tributação, “para reescrever as regras fiscais internacionais”. Ela pede que os dirigentes internacionais combatam “os interesses particulares” dos milionários, “que criam obstáculos para um mundo mais justo e próspero”. Para compilar sua pesquisa, a Oxfam usou dados dos anuários sobre patrimônio mundial do banco Crédit Suisse, referentes aos anos 2013 e 2014, assim como a lista de bilionários da revista Forbes. (Exemplares disponíveis em: http://goo.gl/b1quyr, acesso em 23 de maio de 2015)
A partir da leitura da reportagem podemos deduzir que os acordos realizados em Davos não têm contribuído para a diminuição da desigualdade social no mundo. Veremos a seguir a respostada dos movimentos sociais ao encontro em Davos. Nasce o Fórum Social Mundial.
5.4 Fórum Social Mundial O primeiro Fórum Social Mundial – FMS, ocorreu na cidade de Porto alegre, Rio Grande do Sul em janeiro de 2001. Diversos movimentos sociais, a comunidade civil e inúmeras ONG´s reúnem-se anualmente para formularem propostas e ações a fim de dirimir as desigualdades sociais ampliadas pelo processo de Globalização político-econômica. Os ataques ao neoliberalismo e o imperialismo são palavras de ordem do movimento que possui uma proposta apartidária e não governamental. A articulação entre pessoas, movimentos sociais, instituições possibilita uma comunicação ampliada e o fortalecimento de caminhos alternativos para modelos econômicos mais sustentáveis e justos. No encontro de 2001, transpareceu a oposição clara do FSM contra o Fórum Econômico Mundial.
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Leia a seguir a Carta de Princípios do Fórum social Mundial realizado em Porto Alegre, elaborada após o acontecimento como documento avaliativo e instiuidor. Carta de Princípios do Fórum Social Mundial
1. O Fórum Social Mundial é um espaço aberto de encontro para o aprofundamento da reflexão, o debate democrático de ideias, a formulação de propostas, a troca livre de experiências e a articulação para ações eficazes, de entidades e movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo, e estão empenhadas na construção de uma sociedade planetária orientada a uma relação fecunda entre os seres humanos e destes com a Terra. 2. O Fórum Social Mundial de Porto Alegre foi um evento localizado no tempo e no espaço. A partir de agora, na certeza proclamada em Porto Alegre de que “um outro mundo é possível”, ele se torna um processo permanente de busca e construção de alternativas, que não se reduz aos eventos em que se apoie. 3. O Fórum Social Mundial é um processo de caráter mundial. Todos os encontros que se realizem como parte desse processo têm dimensão internacional. 4. As alternativas propostas no Fórum Social Mundial contrapõem-se a um processo de globalização comandado pelas grandes corporações multinacionais e pelos governos e instituições internacionais a serviço de seus interesses, com a cumplicidade de governos nacionais. Elas visam fazer prevalecer, como uma nova etapa da história do mundo, uma globalização solidária que respeite os direitos humanos universais, bem como os de todas os cidadãos e cidadãs em todas as nações e o meio ambiente, apoiada em sistemas e instituições internacionais democráticos a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos. 5. O Fórum Social Mundial reúne e articula somente entidades e movimentos da sociedade civil de todos os países do mundo, mas não pretende ser uma instância representativa da sociedade civil mundial. 6. Os encontros do Fórum Social Mundial não têm caráter deliberativo enquanto Fórum Social Mundial. Ninguém estará, portanto, autorizado a exprimir, em nome do Fórum, em qualquer de suas edições, posições que pretenderiam ser de todos os seus/ suas participantes. Os participantes não devem ser chamados a tomar decisões, por voto ou aclamação, enquanto conjunto de participantes do Fórum, sobre declarações ou propostas de ação que os engajem a todos ou à sua maioria e que se proponham a
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ser tomadas de posição do Fórum enquanto Fórum. Ele não se constitui portanto, em instancia de poder, a ser disputado pelos participantes de seus encontros, nem pretende se constituir em única alternativa de articulação e ação das entidades e movimentos que dele participem. 7. Deve ser, no entanto, assegurada, a entidades ou conjuntos de entidades que participem dos encontros do Fórum, a liberdade de deliberar, durante os mesmos, sobre declarações e ações que decidam desenvolver, isoladamente ou de forma articulada com outros participantes. O Fórum Social Mundial se compromete a difundir amplamente essas decisões, pelos meios ao seu alcance, sem direcionamentos, hierarquizações, censuras e restrições, mas como deliberações das entidades ou conjuntos de entidades que as tenham assumido. 8. O Fórum Social Mundial é um espaço plural e diversificado, não confessional, não governamental e não partidário, que articula de forma descentralizada, em rede, entidades e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo. 9. O Fórum Social Mundial será sempre um espaço aberto ao pluralismo e à diversidade de engajamentos e atuações das entidades e movimentos que dele decidam participar, bem como à diversidade de gênero, etnias, culturas, gerações e capacidades físicas, desde que respeitem esta Carta de Princípios. Não deverão participar do Fórum representações partidárias nem organizações militares. Poderão ser convidados a participar, em caráter pessoal, governantes e parlamentares que assumam os compromissos desta Carta. 10. O Fórum Social Mundial se opõe a toda visão totalitária e reducionista da economia, do desenvolvimento e da história e ao uso da violência como meio de controle social pelo Estado. Propugna pelo respeito aos Direitos Humanos, pela prática de uma democracia verdadeira, participativa, por relações igualitárias, solidárias e pacíficas entre pessoas, etnias, gêneros e povos, condenando todas as formas de dominação assim como a sujeição de um ser humano pelo outro. 11. O Fórum Social Mundial, como espaço de debates, é um movimento de ideias que estimula a reflexão, e a disseminação transparente dos resultados dessa reflexão, sobre os mecanismos e instrumentos da dominação do capital, sobre os meios e ações de resistência e superação dessa dominação, sobre as alternativas propostas para resolver os problemas de exclusão e desigualdade social que o processo de globalização capitalista, com suas dimensões racistas, sexistas e destruidoras do meio ambiente está criando, internacio nalmente e no interior dos países.
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12. O Fórum Social Mundial, como espaço de troca de experiências, estimula o conhecimento e o reconhecimento mútuo das entidades e movimentos que dele participam, valorizando seu intercâmbio, especialmente o que a sociedade está construindo para centrar a atividade econômica e a ação política no atendimento das necessidades do ser humano e no respeito à natureza, no presente e para as futuras gerações. 13. O Fórum Social Mundial, como espaço de articulação, procura fortalecer e criar novas articulações nacionais e internacionais entre entidades e movimentos da sociedade, que aumentem, tanto na esfera da vida pública como da vida privada, a capacidade de resistência social não violenta ao processo de desumanização que o mundo está vivendo e à violência usada pelo Estado, e reforcem as iniciativas humanizadoras em curso pela ação desses movimentos e entidades. 14. O Fórum Social Mundial é um processo que estimula as entidades e movimentos que dele participam a situar suas ações, do nível local ao nacional e buscando uma participação ativa nas instâncias internacionais, como questões de cidadania planetária, introduzindo na agenda global as práticas transformadoras que estejam experimentando na construção de um mundo novo solidário. (Exemplares disponíveis em: http:// forumsocialsp.org.br/o-que-e/principios/#2 )
O documento demonstra claramente que o objetivo do FMS é construir espaços de discussão e propostas de ações para um outro mundo possível, mais justo e menos desigual. Ponto relevante do texto é o item que garante a abertura a todas as opiniões e não confere força deliberativa ao encontro no sentido de construir um poder único.
5.5 11/09 e o início da guerra contra o Terrorismo. Em primeiro lugar, devemos esclarecer que tanto cristianismo quanto o islamismo são religiões que derivaram do judaísmo. No entanto, podemos perceber que atualmente milhares de conflitos, inclusive armados, ocorrem em nosso mundo, pautados no discurso de defesa da fé, ou seja, em nome de Deus, ou Alá, ou Jeová.
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A característica essencial que une essas religiões é a crença monoteísta. São consideradas religiões monoteístas aquelas que possuem apenas uma divindade, ou seja, somente um Deus é adorado. Exatamente neste ponto podemos encontrar resultados maléficos dessa adoração exclusiva. Em diversos aspectos a religião leva as pessoas a paz de espírito, ao trabalho em comunidade, ao amor ao próximo, produzindo valores de solidariedade. No entanto, quando a fé coloca-se como verdadeira e única entre tantas outras, passamos à intolerância. Inúmeras guerras assolam o planeta por motivos políticos e econômicos, mas possuem como pano de fundo argumentos religiosos. O fundamentalismo religioso é negado por diversos líderes espirituais, pois a conotação negativa do termo tende a colocar sob as mesmas características posturas que não condizem com as práticas religiosas. Para a historiadora Kalina Vanderlei Silva, Há algumas divergências entre os estudiosos do tema quanto ao caráter e ao sentido histórico do fundamentalismo. Para alguns autores, como Michael Hardt e Antonio Negri, as diferentes correntes fundamentalistas estão ligadas pelo fato de serem vistas interna e externamente como movimentos antimodernos, como ressurreições de identidades e valores primordiais que antecedem e se opõem à modernidade e à modernização. Para esses autores, o fundamentalismo é um tipo paradoxal de teoria pós-moderna, tendo surgido cronologicamente após a modernidade. Já Rouanet considera que apenas alguns aspectos da modernidade técnico-científica é utilizada por eles para fins antimodernos. Robert Kurz, por sua vez, apresenta uma visão semelhante à Rouanet ao afirmar que tantos grupos terroristas quanto a sociedade ocidental e seu totalitarismo econômico são adeptos da chamada “razão instrumental”, típica da modernidade técnica-científica. Para Rouanet e Kurz, ao que parece, o fundamentalismo é um sintoma da própria modernidade, não um fenômeno constitutivo da pós-modernidade, e muito menos (como querem os fundamentalistas) uma volta ao passado. (SILVA, 2008, p. 164-165)
A discussão conceitual nos remete ao fato de que entre a técnica e a crença existe um espaço de práticas que têm alterado diversas sociedades. Inúmeras ações terroristas ao redor do planeta têm assassinado milhões de pessoas. Entre elas destacamos o atentado em 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas, em inglês World Trade Center, nos EUA. Imagine você andando para o trabalho pelas ruas da cidade e de repente, bem à sua frente, um avião com
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centenas de passageiros choca-se contra um arranha-céu. Você pisca os olhos, conversas com as pessoas ao lado e, novamente, outro avião faz o mesmo. Esse relato foi experienciado por cidadãos estadunidenses naquela manhã de setembro em Nova Iorque. Os ataques foram assumidos pelo líder do grupo terrorista Al Qaeda, Osama Bin Laden. Porém, para compreendermos os atentados ao WTC, precisamos estar atentos ao fato de que a relação dos EUA com alguns países do Oriente é bastante conturbada desde as últimas décadas do século XX. Em relação ao Afeganistão, especificamente, a política de dominação iniciou-se com a campanha contra a ocupação da União Soviética. Naquele momento o auxílio vinha em forma de financiamentos e armas de guerra. Após o fim da Guerra Fria, a política externa dos EUA buscou explorar os recursos minerais – principalmente petróleo – de diversos países. A influência dos EUA em questões culturais e políticas desagradava a população e os líderes religiosos. O apoio a Israel, a Guerra do Golfo, entre outros fatos históricos, demonstram como os EUA desejavam expandir seus domínios naquela região, portanto podemos desconfiar que as relações Ocidente – Oriente foram ficando cada vez mais estremecidas.
CONEXÃO Assista ao filme 11 de Setembro dirigido por Sean Penn, Youssfe Chachine, Amos Gitaï, Alejandro González Iñárritu, entre outros. O filme é composto de 11 curta-metragens, dirigido por diferentes diretores. Em 2002 foi vencedor do prêmio especial do festival de Cannes.
Na manhã de 11 de setembro de 2001, os 19 membros da organização Al Qaeda realizaram o sequestro de 4 aviões com passageiros. O destino de dois aviões foram os prédios do WTC em Nova Iorque, matando todos os passageiros e diversas pessoas que trabalhavam no prédio. As imagens chocantes podem ser vistas em diversos vídeos espalhados pela internet. As Torres Gêmeas sucumbiram duas horas mais tarde arrastando diversos prédios ao redor. Os outros aviões foram destinados, respectivamente para ataques ao Pentágono e a capital Whashington. A estimativa oficial é que morreram aproximadamente três mil pessoas, de diversas nacionalidades e em sua maioria civis.
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A resposta estadunidense veio em larga escala com a chamada Guerra Contra o Terror. O fundamentalismo político do governo de George W. Bush, bastante arraigado no cristianismo, construiu um discurso maniqueísta que opunha o mal – o terrorismo islâmico, ao bem – liberalismo econômico democrático cristão. Ao acusar os terroristas de ameaça iminente, pois atacavam os ideais estadunidenses, o presidente iniciou uma guerra que substituía a oposição comunista da Guerra Fria, pelo terrorismo responsável pelo 11/09.
LEITURA Scowen, Peter. O Livro Negro Des Estados Unidos. Editora Record, 2003. No livro o autor elabora uma análise da história dos EUA no que se refere a sua política externa. Diversos episódios são interpretados, como a Guerra da Coréia, no sentido de demonstrar como o próprio país é responsável pelos ataques ao WTC. O autor escreveu o texto depois que sua irmã sobreviveu ao atentado de 11/09.
5.6 Os Novos desafios da economia Não foram apenas as torres do WTC que ruíram após os ataques terroristas de 11/09. A estrutura da economia capitalista também sofreu abalos e uma crise de escalas mundiais arrasou diversas nações, inclusive os EUA. O ponto de início da crise foi a estagnação da economia estadunidense. Diversos especialistas apontam que logo após os atentados os rumos escolhidos pela equipe econômica não foram suficientes para solucionar os problemas que já se apresentavam no final da década de 1990. Entre as ações podemos destacar: Altos investimentos no setor bélico para financiar a Guerra contra o Terror; Intervenção para manter os juros baixos; Ampliação do crédito e incentivo ao consumo, que resultaram no endividamento das famílias estadunidense; Relaxamento do controle do sistema financeiro. •
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Durante quase uma década, essas medidas conseguiram mascarar os problemas da economia, porém o resultado apareceu na crise avassaladora de 2009. Os efeitos da crise reverberaram pelas economias da Europa e Ásia, levando diversos países ao desemprego estrutural. Para alguns economistas, já em 2014 países como Alemanha e EUA apresentaram melhoras em suas economias. Conforme dados do Fundo Monetário Internacional – FMI, nos próximos anos pode haver um pequeno crescimento da economia mundial, pesquisas indicam algo ao redor dos 4%. No início da década de noventa, o livro chamado O fim da história e o último homem, de Francis Fukuyama causou polêmica ao propor que o capitalismo, vitorioso após a queda do muro de Berlim, estabeleceu-se como único modelo de sistema político-economico, não havendo possiblidade de vias alternativas, tão pouco uma transformação. No entanto, em diversos países ao redor do mundo novas formas de produzir, comprar, vender e trocar têm se consolidado. O processo denominado Economia Solidária tem conseguido interferir no processo de acumulação de capital que tanto gera desigualdade pelo mundo. Leia a seguir as características dessa expressão da sociedade civil em parceria com os Estados. Compreende-se por economia solidária o conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizadas sob a forma de autogestão. Considerando essa concepção, a Economia Solidária possui as seguintes características: a) Cooperação: existência de interesses e objetivos comuns, a união dos esforços e capacidades, a propriedade coletiva de bens, a partilha dos resultados e a responsabilidade solidária. Envolve diversos tipos de organização coletiva: empresas autogestionárias ou recuperadas (assumida por trabalhadores); associações comunitárias de produção; redes de produção, comercialização e consumo; grupos informais produtivos de segmentos específicos (mulheres, jovens etc.); clubes de trocas etc. Na maioria dos casos, essas organizações coletivas agregam um conjunto grande de atividades individuais e familiares. b) Autogestão: os/as participantes das organizações exercitam as práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses, etc. Os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de
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capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação. c) Dimensão Econômica: é uma das bases de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo. Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais. d) Solidariedade: O caráter de solidariedade nos empreendimentos é expresso em diferentes dimensões: na justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; no compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se estabelecem com a comunidade local; na participação ativa nos processos de desenvolvimento sustentável de base territorial, regional e nacional; nas relações com os outros movimentos sociais e populares de caráter emancipatório; na preocupação com o bem estar dos trabalhadores e consumidores; e no respeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. (Exemplares disponíveis em: http://goo.gl/Mdn2Se, acesso em: 02 de junho de 2015)
Pela leitura do texto podemos perceber que existem vias alternativas, como os movimentos de alterglobalização que pretende difundir e consolidar ideias de uma outra globalização possível. Projetos construídos para reverter os malefícios da globalização econômica que tem ampliado a desigualdade no mundo. A intensão intensão é promover os valores humanos humanos essenciais, essenciais, proteger o meio ambienambiente e as condições climáticas, desenvolver a justiça econômica e a proteção ao trabalho, garantir as liberdades civis, étnicas e a paz. Finalmente, você e eu podemos perceber que a história não chegou ao seu fim.
ATIVIDADES 01. Elabore um texto relacionando as consequências da queda do muro de Berlim com a Globalização.
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02. Explique o trecho do texto a seguir: O Fórum Social Mundial se opõe a toda visão totalitária e reducionista da economia, do desenvolvimento e da história e ao uso da violência como meio de controle social pelo Estado. Propugna pelo respeito aos Direitos Humanos, pela prática de uma democracia verdadeira, participativa, por relações igualitárias, solidárias e pacíficas entre pessoas, etnias, gêneros e povos, condenando todas as formas de dominação assim como a sujeição de um ser humano pelo outro. (Carta de Princípios do FSM) 03. Assista ao documentário Fahrenheit 9/11 de Michael Moore e redija um texto sobre as causas e consequências do atentado às Torres Gêmeas.
LEITURA Fukuyama, Francis. O fim da história eo último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SANTOS, Jaqueline Sant’ana Martins dos Santos & DARRIEUX, Rodolfo Scotelaro Porto Darrieux. O stalinismo e a burocracia do estado soviético. Exemplares disponíveis em : http://www.
tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=5341:o-stalinismo-e-aburocracia-do-estado-sovietico&catid=36&Itemid=127 , acesso em ; 25 de maio de 2015. GORBACHEV, GORBACHEV, Mikahil. Outubro como um marco na história contemporânea. Estud. av. [online]. 1998, vol.12, n.32, pp. 7-18. ISSN 1806-9592. http://dx.doi.org/10.1590/S010340141998000100002. Acesso em 08 de maio de 2015) SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único a consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006. SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos. 2.ed. – São Paulo: Contexto, 2008.
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