Período Romano O período romano caracterizou-se por duas fases, a fase da conquista com a subjugação dos povos que habitavam a península no intuito de extrair o máximo de riquezas possíveis das terras, e a fase da Romanização, em três momentos diferentes: 1. A assimilação lenta da cultura romana pelos povos autóctones; 2. A concessão da Latinidade; 3. A concessão da cidadania; Assimilação lenta da cultura romana pelos povos autóctones: Este foi um processo lento, e que se caracterizou por 6 factores preponderantes. 1. A fixação de legionários romanos em determinados locais, que dada a resistência dos povos indígenas que aí habitavam, se tornou num processo moroso, e que fez com que estes militares se tornassem quase como missionários ou colonizadores, convivendo durante muito tempo com aqueles povos que acabavam por adquirir os costumes e a língua romana, realizando transações comerciais com o s mesmos. 2. A chegada de funcionários administrativos e colonos, que vinham atraídos pela fama das riquezas daquelas terras, e em busca de um estatuto social, e que impulsionavam a convivência diária com os povos autóctones, mais uma vez fazendo-os adquirir os seus hábitos linguísticos e costumeiros. 3. A criação de estradas, que facilitou o aumento de transações entre romanos e peninsulares, e a rápida circulação de comerciantes. 4. A superioridade da técnica romana na construção não só de estradas como de pontes e viadutos, para os quais contavam com a ajuda dos peninsulares, que gradualmente foram aprendendo com os romanos; 5. A introdução dos sistemas romanos de administração municipal que proporcionava o contacto diário com as politicas romanas; 6. O culto religioso que viria a unificar as civilizações romanas e autóctones, na adoração ao imperador romano, no culto a Roma, e mais tarde na difusão do Cristianismo.
A Concessão da Latinidade (por Vespeniano) As pessoas livres classificavam-se por 3 categorias: 1. Cidadãos Romanos, que tinham plena capacidade jurídica perante o Ius Civille, na aplicação do Ius Connubi (Casamento / Família), Ius Comerci (Direito Comercial), Ius Sufraggi (Direito de votar), Ius Honori (Direito de ser eleito para cargos de magistratura) e Ius Millitari (Direito a integrar as legiões romanas). 2. Peregrinos, que era exatamente o oposto dos cidadãos romanos, ou seja, sendo cidadãos livres, não tinham proteção no direito romano, isto é, regiam-se pelas suas leis tradicionais, e, quanto muito poderiam ser privilegiados no uso do Ius Gentius, principalmente na relação comercial com os cidadãos romanos. 3. Latinos, que era uma categoria intermédia entre os cidadãos romanos e os peregrinos, isto é, não estando totalmente desamparados do direito romano como estavam os peregrinos, poderiam fazer uso de alguma capacidade jurídica dos cidadãos romanos (mas não na sua totalidade). Assim os latinos tinham direitos romanos tais como o Ius Connubi, o Ius Comerci e o Ius Sufraggi. No restante regiam-se pelas suas próprias leis.
Com a concessão da latinidade, foi permitido aos cidadãos da península adquirirem o título de latinos, mas numa conceção diferente da descrita acima. Ou seja, aqueles que já tinham este título, passou a chamar-se de “Latinos Antigos” com as características acima identificadas, e,
aos novos Latinos, passaram a chamar- se de “Latinos Coloniais”, que diferiam dos anteriores no facto de lhes estar vedado o Ius Connubi, ou seja, em matéria de família e de casamento continuariam a reger-se pelas leis tradicionais peninsulares. Havia no entanto um aspecto muito importante, é que a todos os Latinos era permitido o acesso á Cidadania Romana, Romana, pelo simples facto de estabelecerem a sua residência em Roma, passando assim a gozar dos direitos dos Cidadãos Romanos.
Período Germânico ou Visigótico Estes povos tinham uma cultura muito inferior à cultura Romana principalmente no aspecto jurídico, mas com o declínio do Imperio Romano, e sendo estes um povo aventureiro e destemido, acabaram por conseguir invadir e instalar-se na Península. A sua hierarquia era composta por um Rei, ou um conselho de príncipes, e as administrações locais eram realizadas por assembleias populares, compostas por homens livres com capacidade de armas. A invasão deu-se em 2 fases: 1. Aliança – Nesta fase os Visigodos formavam os estados como Nações, com aristocracia, e com um chefe ao serviço do Imperador Romano. 2. Emancipação – Os visigodos reclamaram a soberania do território ocupado.
Fontes de Direito Visigótico Também as fontes de Direito Visigótico se encontravam divididas em duas fases: 1. Fase da separação jurídica – Vigorando o princípio da personalidade ou da nacionalidade do direito, ou seja, existia um ordenamento jurídico para o povo Germânico e outro para a população romana. Este princípio é o oposto do princípio da territorialidade, onde o ordenamento jurídico se aplica em todo o território independentemente da sua nacionalidade jurídica. 2. Fase da Unificação jurídica – Apesar de se manter o princípio da personalidade ou da nacionalidade jurídica, a convivência consuetudinária entre os dois povos, fez surgir a necessidade da criação ou da consagração de normas jurídicas pelas quais cada um dos povos deveria reger-se: a. Leis dos Bárbaros ou Leis Populares: Criadas com a participação das assembleias populares, estas leis definiam principalmente o direito e o processo penal; b. Leis Romanas dos bárbaros: Eram textos que tinham várias aplicações, ou seja, uns destinavam-se exclusivamente ao povo Germano, outras ao Povo Romano, e outras às relações comerciais entre os dois povos. Algumas tinham ainda uma característica subsidiária. c. Capitulares – Eram normas jurídicas avulsas, promulgadas pelos Reis Germânicos, e que se encontravam divididas em capítulos, daí o seu nome. Estas Leis tinham como fontes de direito: 1. Código de Eurico – Promulgado pelo Rei Eurico, sendo esta a primeira coletânea sistemática do direito visigótico. Enquadrava-se na lei dos bárbaros, bárbaros , e aplicava-se o princípio da territorialidade, ou seja, ara aplicada a todo o território Germânico.
2. Breviário de Alarico – Enquadrava-se nas leis romanas dos bárbaros, e tinha como característica principal a regulamentação do direito público e privado nas relações entre os cidadãos romanos. Na verdade, este breviário era uma representação do direito romano, com alguns comentários para facilitar o entendimento. 3. Código revisto de Levogildo – trata-se duma revisão ao código de Eurico, adaptando-o às novas formas de viver na península, salientando-se o facto deste regular e permitir o casamento entre as duas etnias. 4. Código Visigótico – Foi a primeira lei aplicável a todos os cidadãos da Península, em termos de direito privado e público, e que teve como grande característica o facto de fundir as correntes jurídicas romanas, germanas e canónicas. Teve 3 versões: a. Rescivindiana – Apresenta uma renovação aplicável a todos os cidadãos do território; b. Ervigiana – Revisão do texto de rescevindo, suprindo e acrescentando algumas leis; c. Vulgata – Eram versões não oficiais de juristas anónimos.
Período Muçulmano A chegada dos árabes veio quebrar a unidade estadual que se viveu durante muitos anos na Península, criando dois blocos diferenciados: os Cristãos e os Islâmicos. A doutrina Muçulmana distinguia 2 tipos de cidadãos: 1. Os idolatras ou pagãos – obrigados a converter-se ao islamismo sob pena de serem liquidados. Tinham que se submeter às autoridades pagando tributos, caso contrário seriam reduzidos a escravos; 2. Gentes do Livro – Que segundo o pagamento de um tributo de capitação podiam conservar o seu credo religioso passando a chamar-se Moçarabes. Estes mantinham vantagens económicas, e regiam-se pelo direito visigótico. Fontes do Direito Muçulmano Tinha uma natureza confessional, ou seja, era um sistema jurídico que apenas abrangia a comunidade de crentes que compunha o mundo islâmico. Assim, o que definia o direito aplicável não era a raça (como vimos anteriormente) mas sim o credo religioso. 1. Alcorão – Conjunto de revelações de Ala, feitas a Maomé. 2. Sunna – Conduta pessoal de Maomé. 3. Ciência do Direito – Realizado pelos Jurisconsultos muçulmanos (alfaquis), através da analogia e do raciocínio lógico; 4. Costume – Que era fonte de criação do direito muçulmano; 5. Qanum – Normas jurídicas emanadas da autoridade soberana 8sempre condicionadas ao peso religioso do Alcorão e da Sunna).
Reconquista Cristã Os Árabes conseguiram conquistar toda a Península, com excepção das regiões Pirenaicas das Astúrias, onde se tinham refugiado nobres, bispos e o restante de um exército desmantelado, que rapidamente se organizou com vista à reconquista.
Período da Individualização do Direito Português
Decorre do ano em que D Afonso Henriques passa a intitular-se rei, até ao início do governo de Afonso III. A autonomia do território não implicou autonomia do direito. Mantinha-se um sistema jurídico herdado do sistema Leones, e só aos poucos foram surgindo fontes tipicamente portuguesas. Fontes: 1- Código visigótico: constituía o único corpo de legislação geral capaz de servir de base jurídica. Mas com o tempo começam a escassear-se as referências deste código. 2- Leis das cúrias ou concílios de Leão, Coiança e Oviedo: As cúrias eram órgãos auxiliares do rei de caracter político e nelas que se decidiam questões militares, económicas, jurídicas e religiosas. Das reuniões extraordinárias da cúria resultou a instituição das cortes. Os concílios eram órgãos de natureza eclesiástica. 3- Forais de terras portuguesas anteriores á independência: foral ou carta de foral era o diploma concedido pelo rei ou por um senhorio laico ou eclesiástico, a determinada terra, contendo normas que disciplinavam as relações dos povoadores ou habitantes, entre si, e destes com a entidade outorgante. 4- Costume: A formação das normas traduzia-se na prática constante e reiterada de uma certa conduta (elemento material) acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade (elemento psicológico). Fontes posteriores a fundação da nacionalidade: A estas fontes se deve a progressiva individualização do sistema jurídico português. 1- Leis gerais das primeiras monarquias: eram disposições que se apresentavam como um
conjunto de preceitos ordenados com algum método e versavam sobre varias matérias: proteção da fazenda da coroa; o combate aos abusos dos funcionários régios; a garantia das liberdades individuais e a defesa das classes populares contra as prepotênciais dos poderosos. 2- Forais: Fontes de direito local. Uma das mais importantes e abundantes. 3- Concórdias e concordatas: acordos entre o rei e as autoridades eclesiásticas em que as partes se comprometiam a reconhecer direitos e obrigações relativos tanto ao Estado com a igreja. Se a autoridade eclesiástica fosse o papa, era uma concordata. Com Afonso II proclamou-se o princípio de que as leis regias eram nulas sempre que contrariassem os direitos da santa igreja de Roma. Conclusão: era um direito rudimentar, caracterizado por instituições do tipo primitivo. Estávamos perante um sistema de direitos de cultura, pois resultava de camadas jurídicas: autóctones, direito romano, influências canónicas, costumes germânicos, influencias árabes e francas, entre outros. Desenvolveram-se os contratos de exploração agrícola e de crédito que constituíram os alicerces da vida económica e social da época medieval. Tipos: 1- A enfiteuse: contrato pelo qual se operava a repartição, entre contraentes, do domínio direto e de domínio útil de um prédio. O domínio direto pertencia ao senhorio e traduzia-se na faculdade de receber do foreiro ou enfiteuta (a quem cabia o domínio útil) uma pensão anual (foro) em regra consistindo numa parte proporcional dos frutos que o prédio produzia. Ao enfiteuta cabia aplicar diligentemente o esforço do aproveitamento do prédio rústico e a faculdade de alienar a respetiva posição a terceiro, com ou sem direito de preferência do senhorio.
2- A complantação: o proprietário da terra cedia-a ao agricultor para que a fertilizasse. Decorridos os prazos estabelecidos procedia-se a divisão do prédio entre ambos, geralmente em partes iguais. 3- Compra e venda de rendas: Tinha como finalidade o crédito. o proprietário do prédio carecido de capitais cedia a uma pessoa que deles dispusesse, em compensação de determinada soma para sempre recebida, o direito a uma prestação monetária anual imposta como encargo sobre esse prédio 4- Penhor imobiliário: Transmissão do prédio pelo proprietário ao seu credor com objetivo de servir de garantia e de compensação da cedência do capital, e de proporcionar o reembolso progressivo da divida, que se ia amortizando com o desfrute do prédio.
Período do Direito Português de Inspiração Romano-Canónica: 1- Época da recepção do direito romano renascido: revitalização intensa do direito romano justinianeu. Este interesse teórico e prático pelas coletâneas do corpus iuris civilis transformou-se num fenómeno que consagra o renascimento do direito romano. Este renascimento surge com a escola de Bolonha ou dos glosadores. A realidade de Portugal em termos de ordem politica, religiosa, cultural e económica apontavam para o incremento do estudo do direito romano justinianeu. O principal instrumento de trabalho dos juristas foi a glosa. Inicialmente eram notas tão breves que se inseriam entre as linhas dos manuscritos que continham as normas analisadas (glosas interlineares). Posteriormente tornaram-se mais complexas e extensas. Passaram a referir-se não apenas a um trecho ou a um preceito, mas também a todo o título. Por isso se escreviam na margem do texto (glosas marginais). Finalidade dos Glosadores: Os glosadores estudaram o corpus iuris civilis com uma finalidade prática: as de esclarecer normas de forma a poderem aplicá-las às situações concretas, mas nunca se desprenderam da letra dos preceitos romanos. Criaram então a primeira dogmática jurídica autónoma da história universal . Apogeu e declínio da magna glosa. No ciclo pós acursiano as suas finalidades esgotaram-se. Já não se estudava diretamente os textos da lei justinianeia, mas a glosa respetiva. Faziam-se glosas de glosas. Acúrsio procedeu a seleção das glosas anteriores relativas a todas as partes do corpus iuris civilis, conciliando e apresentando criticamente as opiniões mais credenciadas. Surge assim a magna glosas. Esta foi aplicada nos tribunais dos países do ocidente ao lado das disposições do corpus iuris civilis. Em Portugal constituiu fonte de direito. A magna glosa termina um ciclo da ciência do direito. Os juristas desse ciclo intermédio receberam a designação de pós-acursianos ou pós-glosadores. Difusão do direito romano justinianeu e da obra dos glosadores : À escola de Bolonha acorreram estudantes de múltiplas províncias. Esses estudantes eram pessoas já com alguma formação jurídica que procuravam uma especialização. Tornar-se-iam mensageiros do direito romano justinianeu. Assiste-se durante seculos à criação progressiva das universidades. O estudo nestas universidades conferia aos seus estudantes o benefício do ius ubique docendi, isto é, o direito de ensinar em qualquer parte do mundo cristão. Universidade significava uma corporação de mestres e escolares. É a Instituição que reúne com autonomia jurídica os profissionais do estudo.
EM PORTUGAL: Os primeiros reis portugueses tiveram colaboradores que tinham conhecimentos das coletâneas justinianeias. A magna glosa constituiu entre nós fonte subsidiária de direito através da disposição expressa das ordenações. Época da receção do direito canónico renovado: teve significado muito valioso no sistema jurídico português. O direito canónico é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam matérias da competência da igreja católica. A estas normas chamaram-se cânones. Em sentido amplo eram todas as normas do direito canónico. Em sentido restrito eram normas emanadas dos concílios. Existiam ainda os decretos ou cartas decretais, que eram epístolas pontifícias da directa iniciativa do papa. FONTES do Direito Canónico: Haviam fontes de direito divino, e fontes de direito humano. Fontes de direito divino Eram as sagradas escrituras e a tradição, sendo que esta segunda encerrava os ensinamentos e preceitos de Jesus Cristo. Fontes de direito humano Eram constituídas pelo costume; pelos decretos ou decretais dos pontífices romanos; pelos diplomas emanados de autoridades eclesiásticas; pelas concórdias ou concordatas; e pelas normas canonizadas.
Fontes de direito Português desde meados do Séc. XIII ate às ordenações afonsinas: a) Legislação geral como vontade do rei; b) Resoluções régias, que se traduziam nas respostas do rei aos agravamentos feitos pelos representantes das três classes sociais; c) Decadência do costume, os preceitos consuetudinários passaram a ser interpretados como vontade do rei, porque se não as revogava, então tacitamente aceitava-as; d) Forais e foros, codificações que estiveram na base da vida jurídica do concelho abrangendo normas de direito politico e administrativo e normas de direito privado; e) Concórdias e concordatas; f) Direito subsidiário, para resolução de casos omissos recorria-se a direito canónico, romano e castelhano. Surgem nesta altura coletâneas gerais de leis gerais. Apenas duas chegaram ate nós: a) O livro das leis e posturas; b) As ordenações de D. Duarte. Evolução das instituições: 1- Penetração das normas e da ciência dos direito romano e canónico como substituição do empirismo; 2- A influência de novas doutrinas em matéria de direito politico, como o desenvolvimento do poder real; 3- As alterações em matéria de defesa da ordem publica que esta a cargo exclusivo do estado que tem agora o ius puniendi;
4- O desenvolvimento do direito adjetivo, verificando-se a substituição da oralidade pelo uso da escrita e ao mesmo tempo a organização do regime dos recursos; 5- O ónus da prova agora vai recair sobre o queixoso e no direito criminal, há predomínio das sanções corporais em detrimento das sanções pecuniárias (dinheiro = pecúnia); 6- As mudanças introduzidas nas instituições familiares e sucessórias.
Algumas definições: Corpus Iuris Civilis Após a divisão do Império Romano, a invasão dos bárbaros destruiu o Império Romano do Ocidente. Os romanos do Oriente formaram o Império Bizantino, cujo principal imperador foi Justiniano. Este, por sua vez, agrupou e selecionou o que de mais importante havia sobre o Direito, como Constituições e pareceres dos principais jurisconsultos da época (como Gaio, Ulpiano), realizando uma compilação nomeada Corpus Iuris Civilis. O Corpus Iuris Civilis é assim a reunião das compilações de Justiniano (Código Velho, Digesto, Institutas, Código Novo e Novelas). Era inicialmente denominado Corpus Iuris, mas recebeu a nova denominação para diferenciálo do Corpus Ius Canoni (Direito Canónico).
Corpus Iuris Cononici É o conjunto ordenado das normas jurídicas do direito canónico que regulam a organização da Igreja Católica Romana (de rito latino), a hierarquia do seu governo, os direitos e obrigações dos fiéis e o conjunto de sacramentos e sanções que se estabelecem pela contravenção das mesmas normas. Até 1917 a Igreja Católica era regida por um conjunto disperso e não colocado em código unificado de normas jurídicas tanto espirituais como temporais. O Concílio Vaticano I fez referência à necessidade de realizar uma compilação onde se agrupassem e ordenassem essas normas, se eliminassem as que já não estavam em vigor e se codificassem as restantes com ordem e clareza. Assim o novo código passou a formar um corpo único e autêntico para toda a Igreja Católica de rito latino.
Acúrsio Foi o mais importante dos glosadores. Acúrsio viveu no século XIII, na Itália, e enriqueceu aplicando o direito. Fez uma compilação de 95.000 glosas, à mão. Criou a Magna Glosa de Acúrsio, que era usada em todos os tribunais.
Época das Ordenações Ordenações Afonsinas Foram elaboradas depois insistentes pedidos formulados em Cortes, no sentido de se reunir numa coletânea o direito vigente, para que evitasse as incertezas derivadas da grande dispersão e confusão de normas, com graves prejuízos para a vida jurídica e a administração da justiça. Foram iniciadas no reinado de D. João I, continuando no curto governo de D. Duarte, mas apenas foram terminadas já no reinado de D. Afonso V, em 1446. A data da sua entrada em vigor é inexata por vários motivos. Não havia na época uma regra básica definida sobre a forma de dar publicidade aos diplomas legais e o início da correspondente vigência. Além disso, ainda não existia a imprensa, pelo que levaria bastante tempo a tirarem-se as cópias manuscritas, laboriosas e dispendiosas, necessárias à difusão do texto das Ordenações em todo país. Acresce que se verificavam grandes desníveis de preparação técnica entre os magistrados e demais intervenientes na vida jurídica dos centros urbanos e das localidades deles afastadas. Assim, crê-se que a efectiva generalização deve terse operado, apenas, dobrados os meados de quatrocentos. Fontes utilizadas. Com as Ordenações Afonsinas procurou-se sistematizar e atualizar o direito vigente. Utilizaram-se na sua elaboração as várias espécies de fontes anteriores: a) Leis gerais; b) Resoluções régias; c) Petições ou dúvidas apresentadas em Cortes ou mesmo fora destas; d) Concórdias, concordatas e bulas; e) Inquirições; f) Costumes gerais e locais; g) Estilos da Corte e dos tribunais superiores, ou seja, jurisprudência; h) Praxes ou costumes aí formados; i) Preceitos de Direito Romano e de Direito Canónico; Técnicas legislativas Quanto à técnica legislativa empregou-se, em geral, o estilo compilatório, isto é, transcreveu-se, na íntegra, as fontes anteriores, declarando-se depois os termos em que estes preceitos eram confirmados, alterados ou afastados. Contudo, nem sempre se adoptou este sistema. Designadamente, em quase todo o livro I, utilizou-se o estilo decretório ou legislativo.
Sistematização e conteúdo As Ordenações Afonsinas encontram-se divididas em cinco livros. Cada um dos livros compreende certo número de títulos, com rubricas indicativas do seu objeto, e estes, frequentemente, acham-se subdivididos em parágrafos. Todos os livros são precedidos de um proémio, que no primeiro se apresenta mais extenso, em consequência de nele se narrar a história da compilação.
Importância da Obra As Ordenações Afonsinas assumem uma posição destacada na história do Direito Português. Constituem a síntese do trajecto que, desde a fundação da nacionalidade, ou mais aceleradamente, a partir de D. Afonso II, afirmou e consolidou a autonomia do sistema jurídico nacional no conjunto peninsular. Além disso, representam o suporte da evolução subsequente do nosso direito. As Ordenações ulteriores nada mais fizeram do que, em momentos sucessivos, actualizar a colectânea afonsina. Transmite-nos muitas instituições jurídicas da época que de outro modo dificilmente conheceríamos.
Ordenações Manuelinas A vigência das Ordenações Afonsinas durou relativamente pouco tempo. Concluídas e aprovadas pelos meados do séc. XV, logo em 1505 se tratava da sua reforma, alterando, suprimindo e acrescentando o que entendessem necessário. Tem-se conjecturado sobre as razões que terão levado D. Manuel a determinar tal reforma. Encontra-se uma primeira condicionante na introdução da imprensa, pelos finais do séc. XV. Uma vez que se impunha levar à tipografia a colectânea jurídica básica do país, para facilidade da sua difusão, convinha que a mesma constituísse objecto de um trabalho prévio de revisão e actualização. Ainda se menciona outro aspecto. O de que não seria indiferente a D. Manuel, que assistiu a pontos altos da gesta dos descobrimentos, ligar o seu nome a uma reforma legislativa de vulto. Só em 1521, ano da morte de D. Manuel, se verificou a edição definitiva das Ordenações Manuelinas.
Sistematização e conteúdo. Mantém-se a estrutura básica de cinco livros, integrados por títulos e parágrafos. Apura-se, em resumo, que não houve uma transformação radical ou profunda do Direito Português. Técnica Legislativa Do ponto de vista formal, a obra marca um progresso de técnica legislativa, que traduz, sobretudo, no facto dos preceitos se apresentem sistematicamente redigidos em estilo decretório, ou seja, como se de normas novas sempre se tratasse.
Colecção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Lião Uma dinâmica legislativa acelerada, característica da época, tece como efeito que, a breve trecho, as Ordenações Manuelinas se vissem rodeadas por inúmeros diplomas avulsos. Estes não só revogavam, alteravam ou esclareciam muitos dos seus preceitos como também dispunham sobre matérias inovadoras. Acrescia a multiplicidade de interpretações vinculativas dos assentos da Casa da Suplicação. Tornava-se imperiosa a elaboração de uma colectânea que constituísse um complemento sistematizado das Ordenações, permitindo a certeza e a segurança do Direito. A Colecção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Lião não constitui uma nova Ordenação, nem tão pouco, revoga as Ordenações Manuelinas, que continuaram em vigor juntamente com esta colectânea.
Ordenações Filipinas A Colecção das Leis Extravagantes não passou de uma simples obra intercalar. Impunha-se uma reforma profunda das Ordenações Manuelinas, cada vez mais urgente. Até porque estas não realizaram a transformação jurídica que o seu tempo reclamava. Portanto, a elaboração de novas Ordenações constituiu um facto natural de Filipe I, em cujo reinado, aliás, se tomaram outras providências relevantes na esfera do Direito, como por exemplo a substituição da Casa do Cível, que funcionava em Lisboa, pela Relação do Porto, a que o monarca concedeu regimento, e a entrada em vigor de uma lei de reformulação da justiça. Foram iniciadas por Filipe I, no entanto as novas ordenações só no reinado de Filipe II, através da lei de 11 de Janeiro de 1603, iniciaram a sua vigência – a mais duradoura que um monumento legislativo conseguiu em Portugal. Na verdade, apenas foram revogadas com os novos códigos na segunda metade do séc. XIX.
Sistematização e conteúdo. Legislação revogada As Ordenações Filipinas continuam o sistema tradicional de cinco livros, subdivididos em títulos e parágrafos. Do mesmo modo, não se verificam diferenças fundamentais quanto ao conteúdo dos vários livros. Apenas se procedeu à reunião, num único corpo legislativo, dos dispositivos manuelinos e dos muitos preceitos subsequentes em vigor. Introduziram-se, contudo, certas alterações. Merece destaque uma aspecto respeitante ao Direito Subsidiário.
Os “Filipismos”
Os compiladores filipinos tiveram, sobretudo, a preocupação de rever e ordenar o direito vigente, reduzindo-se ao mínimo as inovações. Intentou-se uma simples actualização das Ordenações Manuelinas. Só que o trabalho não foi realizado mediante uma reformulação adequada dos vários preceitos, mas apenas aditando o novo ao antigo. Daí subsistirem normas revogadas ou caídas em desuso, verificaram-se frequentes faltas de clareza e, até, contradições resultantes da inclusão de disposições opostas a outras que não se eliminaram. A ausência de originalidade e os restantes defeitos mencionados receberam, pelos fins do séc. XVIII, a designação de “filipismos”.
Legislação extravagante. Publicação e início da vigência da lei Aos diplomas que as Ordenações Filipinas não revogaram ou que, abusivamente, se continuaram a aplicar, outros se foram acrescentando. A colectânea filipina foi alterada ou complementada por um núcleo importante e extenso de diplomas legais avulsos. É a chamada legislação extravagante.
Espécies de Diplomas Continuava a centralizar-se no monarca a criação do direito. Todavia, a sua vontade legislativa manifestava-se de formas diversas. Daí que, paralelamente, se distinguissem vários tipos de diplomas. - Cartas de lei e alvarás: São os mais importantes desses diplomas. Apresentavam o traço comum de passar pela chancelaria régia, embora existisse diferenças formais e de duração.
Quanto ao formulário, as cartas de lei começavam pelo nome próprio do monarca, ao passo que alvarás continham a simples expressão “Eu, el rei…”; além disso, criou -se a prática de, na assinatura, aparecer, respectivamente, “ElRei” ou apenas ”Rei”.
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Decretos: estavam num plano menos relevante. Não principiavam pelo nome do rei e, visto que, normalmente se dirigiam a um ministro ou tribunal, terminavam, via de regra, com uma expressão dirigida ao seu destinatário. O âmbito dos decretos cingia-se à introdução de determinações respeitantes a casos particulares.
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Cartas Régias: Constituíam verdadeiras cartas, isto é, epístolas dirigidas a pessoas determinadas, que começavam pela indicação do destinatário, mas cujo formulário variava consoante a sua categoria social. Tal como nos alvarás, o soberano assinava somente “Rei”.
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Resoluções: são os diplomas em que o monarca respondia às consultas que os tribunais lhe apresentavam, geralmente acompanhadas dos pareceres dos juízes respectivos. Embora visassem apenas o caso concreto, a tendência era para a sua aplicação analógica, tornando-se leis gerais.
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Provisões: Diplomas que os tribunais expediam em nome e por determinação do rei. Cabiam no conceito amplo da lei. Não raro, surgiam na sequência de um decreto ou resolução régia e destinavam-se a difundir o seu conteúdo. As provisões apenas levavam a assinatura dos secretários de Estado de que dimanavam. As que eram subscritas pelo monarca, à maneira dos alvarás, confundiam-se com estes, quanto ao se valor legislativo. Dava-se-lhes, então, o nome de provisões reais ou provisões em forma de lei.
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Portarias e Avisos: Tratava-se de ordens expedidas pelos secretários de Estado, em nome do monarca. As Portarias eram de aplicação geral, não tinham indicação da pessoa a quem se dirigiam. Continham a fórmula introdutória seguinte: “Manda ElRei Nosso Senhor...” e
levavam o selo das Armas Reais. Os Avisos eram dirigidos a um tribunal, magistrado ou corporação ou até a um simples particular. Publicação e início da vigência da lei Pelos finais de 1518, providenciou-se acerca do início da vigência das leis: estas teriam eficácia, em todo o país, decorridos três meses sobre a sua publicação na chancelaria e independentemente de serem publicadas nas comarcas. O preceito transitou para as Ordenações Manuelinas, mas reduzindo-se o prazo de vacatio a oito dias quando à Corte. Entendia-se que a vigência dos restantes diplomas começava na data da publicação. As Ordenações Filipinas conservaram os prazos indicados.
Interpretação da lei através dos Assentos O problema da interpretação da lei com sentido universalmente vinculativo para o futuro foi disciplinado por um diploma da segunda década do séc. XVI - Alvará de 10 de Dezembro de 1518 - a interpretação autêntica da lei constituía uma faculdade do monarca. Também era frequente o rei presidir à reuniões dos tribunais e logo aí decidir as dúvidas interpretativas que se levantavam. D. Manuel I conferiu tais funções à Casa da Suplicação, dado ter-se perdido o uso do soberano presidir a essas sessões dos tribunais superiores, em virtude da complexidade
crescente da administração, onde se analisam várias modalidades de assentos. Os seus dispositivos incluíram-se nas Ordenações Manuelinas e passaram às Ordenações Filipinas. Determinou-se igualmente que, surgindo dúvidas aos desembargadores da Casa da Suplicação sobre algum preceito, tais dúvidas deveriam ser levadas ao regedor do mesmo tribunal. Este convocaria os desembargadores que entendesse, e com eles, fixava a interpretação que se considerasse mais adequada. O regedor da Casa da Suplicação poderia, aliás, submeter a dúvida a resolução do monarca, se subsistissem dificuldades interpretativas. As soluções definidas eram registadas no Livro dos Assentos e tinham força imperativa para futuros casos idênticos. Surgem, deste modo, os assentos da Casa da Suplicação como jurisprudência obrigatória.
Casa da Suplicação A Casa da Suplicação era o tribunal superior do Reino, que acompanhava a Corte, mas acabaria por se fixar em Lisboa. Na mesma cidade funcionava a Casa do Cível, que constituía uma segunda instância, competente para conhecer dos recursos das causas cíveis de todo o país.
Direito Subsidiário As Ordenações apresentavam-se incompletas em muitos pontos. Daí que se levantasse, com frequência, o problema da integração das lacunas da lei, ou seja, do direito a aplicar subsidiariamente. Entende-se por Direito Subsidiário um sistema de normas jurídicas chamadas a colmatar as lacunas de outro sistema. Será direito subsidiário geral ou especial, consoante se preencham lacunas de uma ordem jurídica na sua totalidade, ou somente de um ramo do direito ou simples instituição.
Fontes de Direito Subsidiário segundo das Ordenações Afonsinas Somente com as Ordenações Afonsinas se estabeleceu, entre nós, um quadro sistemático das fontes de direito. Aí se mencionam as fontes de direito nacional, colocando-se no mesmo plano as leis do reino, os estilos da corte e os costumes antigamente usados. Eram estas as fontes imediatas. O legislador afonsino salienta expressamente a sua imperatividade e prevalência. Apenas quando não se pudesse decidir o caso sub iudice com base nela se tornava lícito o recurso ao direito subsidiário. Também as respectivas fontes se encontram taxativamente previstas e hierarquizadas: I. Direito Romano e Direito Canónico II. Glosa de Acúrsio e opinião de Bártolo III. Resolução do monarca - Sempre que, através dos sucessivos elementos não se conseguisse disciplina para o caso omisso, impunha-se a consulta do rei, cuja estatuição valeria, de futuro, para todos os casos semelhantes.
Alterações introduzidas pelas Ordenações Manuelinas e Filipinas Os preceitos afonsinos sobre direito subsidiário passaram fundamentalmente às Ordenações Manuelinas e depois às Ordenações Filipinas. Contudo, sofreram ampla remodelação. Das Ordenações Manuelinas para as Ordenações Filipinas, verificaram-se meros retoques formais, além de se incluir a matéria no livro dedicado ao direito processual.
Esta transposição significa que o problema do direito subsidiário deixou de ser disciplinado a propósito das relações entre a Igreja e o Estado, deslocando-se para o âmbito do processo. Existem duas diferenças essenciais de conteúdo que separam, no âmbito do direito subsidiário, as Ordenações Manuelinas e Ordenações Filipinas. I. Quanto à aplicação dos textos de Direito Romano e de Direito Canónico. Apenas se consagra o critério do pecado, que fornecia o único limite à prevalência subsidiária do Direito Romano sobre o Direito Canónico, qualquer que fosse a natureza do caso omisso. II. A respeito da Glosa de Acúrsio e da Opinião de Bártolo, cuja ordem de precedência se conserva, estabelece-se o requisito de a comum opinião dos doutores não contrariar essas fontes. Relativamente a Bártolo, a restrição seria definida pelos autores que tivesses escrito depois dele.
Reforma dos Forais Os forais tinham constituído uma importante fonte de direito local mas com o decurso do tempo, foram-se desatualizando. As Cortes alegaram por diversas vezes as deficiências dos forais, solicitando ao monarca a sua reforma, para se por cobro às opressões de que os povos eram vítimas. Por Carta Régia D. Afonso V determinou-se o envio à Corte de todos os forais, a fim de se proceder à respectiva reforma, sob pena de perderem a validade. Quando D. Manuel subiu ao trono, a obra não se encontrava efectuada, e os munícipes voltaram a pedir essa revisão. A reforma ficou concluída em 1520. Surgem assim, os forais novos ou manuelinos, por contraposições aos forais velhos, que eram os anteriores. Quanto ao conteúdo, os novos forais limitaram-se a regular os encargos e os tributos devidos pelos concelhos ao rei e aos donatários das terras. Havia-se encerrado a sua carreira como estatutos político-concelhios.
Humanismo Jurídico Tanto entre nós, como no estrangeiro, a cultura jurídica continuava centrada nos estudos romanísticos e canonísticos. Manteve-se a subalternidade do estudo do direito pátrio, quer no âmbito universitário, quer fora dele. O Humanismo e a Renascença constituem dois fenómenos marcantes da evolução do espírito europeu. À restauração erudita dos textos da antiguidade clássica, seguiram-se transformações gerais nos campos das artes, ciências, cultura e da filosofia. Estiveram subjacentes motivos políticos, religiosos, sociais e económicos. Despontam ou acentuam-se algumas das ideias e estruturas que os tempos ulteriores haveriam de prosseguir e consolidar. No âmbito do humanismo renascentista inclui-se uma natural revisão da crítica da ciência do Direito. Essa nova mentalidade enforma a orientação da chamada Escola dos Juristas cultos, Escola dos Jurisconsultos Humanistas, Escola Histórico-Crítica e, ainda, Escola Cujaciana (nome que deriva de Cujácio, considerado o mais alto expoente do humanismo jurídico).
Causas do seu aparecimento. Características A eclosão desta nova directiva do pensamento jurídico prende-se a dois factos essenciais: o progresso do humanismo renascentista e a decadência da obra dos Comentadores (verificada na segunda metade do séc. XV). Em contraste com os ideais defendidos pelos humanistas, assiste-se ao uso rotineiro do método escolástico. A partir de certa altura, os Bartolistas limitam-se a amontoar nos seus escritos uma série interminável de questões, distinções e subdistinções, ao lado de uma quase exclusiva citação das opiniões dos autores precedentes.
A normal impreparação e o menosprezo dos Comentadores quanto aos aspectos históricos provocaram viva censura dos espíritos cultos da época. A própria deselegância do seu estilo se tornava menos chocante. Desconheciam, sem suma, as bonae litterae que estavam na ordem do dia. Eis o quadro em que surgiu o humanismo jurídico quinhentista. Começou-se a encarar-se o direito romano como uma das várias manifestações da cultura clássica. Foram os juristas desta escola os iniciadores do estudo crítico das fontes romanas, os primeiros que procuraram detectar as interpolações nos textos justinianeus. O humanismo jurídico não é apenas um movimento cultural dominado pela filologia e a investigação erudita das fontes que continham as normas do Direito Romano. Ele desenvolveu-se sob diversas tendências, abrangendo o conjunto das correntes espirituais e intelectuais, mormente os impulsos racionalistas e individualistas que definem esse período, representando uma viragem profunda em face do pensamento dos Comentadores. Percursos e apogeu da Escola Foi com o italiano Alciato, o francês Budé e o alemão Zasio que o Humanismo Jurídico, pelos inícios do séc. XVI, começou a afirmar-se em termos de movimento europeu. A estes juristas cabe acrescentar o nome de António Gouveia, natural de Beja e que cedo fez estudos em Paris. Nunca mais regressou a Portugal, passando o resto da vida como mestre de universidades francesas e italianas. Sabe-se que o ponto de partida da Escola dos Comentadores se encontra em França, mas que esta conheceu a sua verdadeira expressão na Itália. A Escola Humanista teve trajecto oposto: surgiu uma primeira corrente filológico-crítica italiana, depois continuada e desenvolvida em França. Foi neste país, com destaque para a Universidade de Bourges, onde Alciato inaugurou o ensino do Direito Romano segundo a nova metodologia, que o Humanismo Jurídico conseguiu incremento decisivo. Seguir-se-ia a irradiação europeia, mais ou menos bem sucedida, destacando-se a tendência que se caracteriza pela autonomia interpretativa do jurista em face das normas legais. Considera-se a época de Cujácio como a do apogeu da Escola Humanista. Contraposição do Humanismo ao Bartolismo Nem mesmo na França o humanismo jurídico conseguiu um triunfo absoluto sobre o bartolismo. Na Itália e na Alemanha, a orientação bartolista continuou a predominar claramente. Um pouco por toda a Europa se levantam vozes defendendo os métodos tradicionais. Iria assistir-se, do séc. XVI ao séc. XVIII, a um debate entre o método jurídico francês – mos gallicus – e o método jurídico italiano – mos italicus. Os humanistas envolveram-se demasiado na especulação pura e, por isso, construíram, sobretudo, um direito teórico, de tendência erudita, enquanto os processos dos comentadores levaram a um direito prático, quer dizer, à utilização do sistema romano com o espírito de encontrar soluções para os casos concretos. O programa do mos gallicus apresentava-se não só mais difícil de executar, mercê da preparação científica que exigia, mas também menos atractivo para a rotina forense. O Humanismo Jurídico cumpre, em termos gerais, um ciclo efémero. Não venceu os critérios enraizados. Contudo, lançaram-se inegáveis sementes que o setecentismo iluminista faria frutificar.
Literatura Jurídica
Houve juristas portugueses que aceitaram com maior ou menor evidência nos rumos do humanismo jurídico. Todavia, conclui-se que tiveram, em regra, uma acção irrelevante no quadro nacional, tanto numa perspectiva da construção científica, como da realidade prática. A orientação humanista ligada à corrente fililógico-crítica não transpôs as nossas fronteiras.
Os portugueses educados no humanismo jurídico de raiz italiana, sobretudo inspirado por Alciato, ou não regressaram ao país ou, os que regressaram, nenhuma obra de direito escreveram entre nós. O mesmo se passou com os juristas filiados na corrente francesa continuadora da italiana. António de Gouveia tornou-se um autêntico estrangeiro; e quanto aos restantes portugueses que estudaram em França, alguns voltaram à pátria, mas tiveram também reduzida importância e até não faltou quem acabasse desiludido com o humanismo. Em relação à orientação humanista que reivindicava fundamentalmente a liberdade e a autonomia interpretativa dos textos, reconhece-se que não conseguir uma sorte muito diversa: os seus reflexos em Portugal foram esporádicos, apesar de se revestirem de sensata e realista moderação. Acentua-se o predomínio de juristas que combinaram, numa equilibrada medida, as vantagens práticas do método dos Comentadores com as exigências eruditas e, sobretudo, com os postulados hermenêuticos devidos à modernidade humanista. Os jurisconsultos nacionais revelaram uma enorme mestria e senso jurídico de cientistas práticos, ao conciliarem a visão dogmática e a visão histórica. Entre outros, referem-se Manuel da Costa, Aires Pinhel e Heitor Rodrigues, acrescente-se, no âmbito dos canonistas, Bartolomeu Filipe. Todos eles apenas estudaram e ensinaram aquém-Pirinéus. Os principais jurisconsultos portugueses do séc. XVI aos meados do séc. XVIII, costumam sistematizar-se em três categorias básicas: a dos civilistas, ou seja, dos que se dedicavam ao estudo do direito romano, a dos canonistas e a dos cultores do direito pátrio, estes últimos predominando com o avanço do tempo. Observe-se, todavia, que a distinção mostra, por vezes, imperfeita ou, de certo modo, artificial, pois não faltam juristas que se notabilizaram em mais do que um desses sectores.
Ensino do Direito
Antes de D. João III
O ensino jurídico no nosso país, recua à fundação do Estudo Geral dionisiano. A bula de confirmação pontifícia de 1290, alude à obtenção de graus académicos em Direito Canónico e Direito Romano. Estes incluem-se entre os domínios do ensino universitário português com mais longa tradição. Todavia, a respeito do período que decorre até D. João III, não existem conhecimentos pormenorizados. D. Dinis determinou que houvesses dois docentes de Cânones e um de Leis. Mas parece que funcionou uma cátedra em cada um dos referidos ramos jurídicos. Isto porque, depois, apenas voltou a mencionar-se um único mestre de Cânones. Aliás, a Universidade encontrava-se, a princípio, composta de simples “cadeiras” e não de autênticas “Faculdades” no sentido moderno.
A importância relativa que, ao tempo, o ensino das Leis e dos Cânones possuía no âmbito universitário poderá entrever-se através das remunerações atribuídas aos respectivos professores, muito mais elevadas do que as restantes. Tanto D. João II como D. Manuel I procuraram melhorar o nível dos nossos estudos superiores, chamando às cátedras da Universidade alguns professores estrangeiros de nomeada e proporcionando subsídios pecuniários aos estudantes que pretendessem deslocarse aos centros culturais de além-fronteiras. D. Manuel, nos começos de quinhentos, concedeu estatutos à Universidade, que representam fundamentalmente uma simples codificação dos preceitos em vigor nos fins do séc. XV. Esses estatutos testemunham a existência de três cátedras remuneradas de Cânones e outras tantas de Leis. Mas o mesmo monarca viria a criar uma nova cátedra de Cânones – a de “Sexto. O corpo docente da Universidade foi exíguo, ao longo deste primeiro ciclo da sua existência, não só quanto ao âmbito das matérias professadas, mas também a respeito do número de escolares. Contudo, devem ter existido, ao lado daqueles professores ordinários, outros professores que ensinariam gratuitamente, à procura de fama e na expectativa de mais tarde concorrerem com êxito às cátedras vagas.
Em texto de 1431 aparecem já expressos os graus universitários de bacharel, de licenciado e do doutor. O primeiro era conferido aos que, depois de concluída a instrução preparatória da Gramática e da Lógica, cursavam as aulas de uma das Faculdades durante três anos, cada um de oito meses lectivos, e seguidamente defendiam umas “conclusões” em acto público. Os bacharéis que desejassem licenciatura – o grau académico mais difícil de obter – estavam
obrigados a uma frequência elementar de quatro anos, antes de se submeterem aos respectivos exames. A colação do grau de doutor, um acto essencialmente solene onde as provas assumiam importância reduzida, revestia-se de grande aparato. Os textos e os métodos adoptados no ensino foram, sem dúvida, os mesmo que, sob inspiração italiana, por toda a parte serviram de base aos estudos romanísticos e canonísticos medievais. Não admirará, porém, que a escola nacional estivesse ainda longe de poder rivalizar com o prestígio do ensino jurídico de certas Universidades estrangeiras, maxime transalpinas, que continuaram, durante os séculos XIV e XV, a atrair numerosos estudantes portugueses.
A segunda Escolástica. Seus contributos jurídicos e políticos
A especulação filosófica sobre o direito e o Estado apenas se tornou disciplina autónoma, entre nós, pelos fins XVIII. Tradicionalmente, tinha lugar em conjunto com a filosofia geral, a teologia e, inclusive, o direito canónico. Tanto no nosso país como em Espanha, eram os teólogos e os canonistas que, via de regra, se dedicavam a tais problemas. O ciclo que decorre do Renascimento ao Iluminismo apresenta-se como uma típica fase de transição em matéria de filosofia do direito e do Estado. Nele se verifica o progresso das ideias humanistas, das quais as últimas ilações viriam a ser tiradas pelo pensamento setecentista. Assim sucedeu com o jusracionalismo da chamada Escola do Direito Natural, que predominou, essencialmente, na Holanda, Inglaterra e Alemanha. Mas, por outro lado, aquém-Pirinéus, a segunda Escolástica teve uma influência marcante na cultura dos sécs. XVI e XVII. Correspondeu à necessidade de repensar a compreensão cristã do homem e da convivência humana – portanto, envolvendo o Direito e o Estado – em face da conjuntura do tempo, que patenteava candentes aspectos políticos, sociais e económicos, ao lado das ideias humanistas e da reforma religiosa. Ora, a especulação teológico-jurídica da segunda Escolástica conseguiu uma abertura ampla aos novos problemas e soluções, dentro de uma coerência firme aos postulados tomistas essenciais. Os estudos de filosofia jurídica e política atingiram um incremento notável na Península. Os teólogos espanhóis construíram uma obra de grande significado. Daí a corrente que se domina Escola Espanhola do Direito Natural. Também participaram nesse movimento vários pensadores portugueses de vulto e, de qualquer modo, autores e ideias circularam pelos dois países. Não parece excessivo, portanto, falar-se numa Escola Peninsular de Direito Natural, que teria repercussão na Europa transpirenaica. Esta corrente caracterizou-se, antes de tudo, pela sua posição jusnaturalista. Reafirmaramse o Direito e o Estado metafísica e ontologicamente alicerçados numa concepção teocêntrica. E, a partir da existência de tal ordem jurídica superior, os teólogos-juristas aferem o Direito positivo. Trouxeram contributos muito relevantes para o desenvolvimento de diversos sectores, desde a teoria do Estado e a ciência jurídico-internacionalista até à atenção dispensada ao direito penal e à elaboração de categorias dogmáticas modernas do direito privado. No plano da ética económica, discutiram problemas como os da usura, da troca, do preço justo. Merece destaque o impulso dado para a criação do direito internacional público moderno. Os descobrimentos suscitaram uma multiplicidade de questões actuais, mormente a da
1. 2.
Liberdade dos mares, mare liberum Legitimidade da ocupação dos territórios descobertos ou conquistados
3.
Condição jurídica dos respectivos habitantes.
Problemas esses que não encontravam resposta satisfatória nas concepções anteriores e que levaram à criação das bases teóricas do direito das gentes. Os nomes mais representativos do pensamento jusnaturalista e jus-internacionalista na Península foram espanhóis. Recordem-se entre outros: Francisco de Vitoria, Domingos de Soto, Luís de Molina, Francisco Suárez. Esta escola encontrou os seus maiores expoentes em Espanha. Mas teve, sem dúvida, pensadores valiosos no nosso país. Quanto às doutrinas políticas, importa salientar D. Jerónimo Osório. A obra deste bispo de Silves, embora não constitua um verdadeiro tratado de direito público ou uma construção política ao nível das que redigiram os grandes teólogos espanhóis do tempo, revela a formação humanista sólida do autor e desenvolve-se em tono da ideia de justiça, decorrente da ordem racional. Acrescenta-se João Salgado de Araújo, cujos escritos demonstram larga erudição, posto que reduzia força criativa no estudo da questão da legitimidade da soberania. Ainda será de referir António de Parada. Pelo que respeita ao direito internacional público, a grande polémica da época centrava-se na querela sobre o exclusivo da navegação e do comércio dos mares e dos territórios descobertos. À doutrina da liberdade de navegação – mare liberum, que encontrou o seu grande defensor em Hugo Grócio, opunha-se a do monopólio dos países que abriram essas novas rotas – mare clausum. Esta querela não era, obviamente, uma pura controvérsia científica, desligada de interesses políticos e económicos. Vários juristas portugueses sustentaram a posição monopolista. Assim sucedeu, por exemplo, com António da Gama, Jorge Cabedo de Vasconcelos, Bento Gil, Frei Serafim de Freitas e Domingos Antunes Portugal. Serafim Freitas, quando exercia a docência de Direito Canónico, escreveu uma resposta a Grócio. É patente a diferença de esquemas mentais com que estes autores desenvolvem o seu discurso. A argumentação de Grócio apresenta-se inovadora e move-se, sobretudo, numa perspectiva filosófica. Serafim de Freitas, pelo contrário, patenteia grande agilidade intelectual na utilização dos seus conhecimentos sólidos de Direito Romano e dos Comentadores mais notáveis, em defesa da situação estabelecida. Não pode esquecer-se ainda, entre os jurídico-internacionalistas, Afonso Álvares Guerreiro. Deve-se-lhe um livro sobre a guerra justa e injusta, em que aborda problemas que depois seriam também estudados por Grócio no tratado que verdadeiramente o notabilizou.
PERÍODO DA FORMAÇÃO DO DIREITO PORTUGUÊS MODERNO I.
Época do Jusnaturalismo Racionalista
Correntes do pensamento jurídico europeu
Outro período se inaugura na evolução do Direito Português com o ciclo pombalino. As orientações filosóficas e jurídicas que marcavam os horizontes europeus e que inspiraram, em boa medida, as reformas pombalinas foram:
Escola Racionalista de Direito Natural
Durante os séculos XVI e XVII, a Europa conheceu duas linhas de pensamento, que se afirmaram, não só nas áreas da filosofia jurídica e política, mas também a respeito do direito internacional público. Uma delas desenvolveu-se especialmente na Península, através da segunda escolástica, e corresponde à Escola Espanhola do Direito Natural; a outra teve o seu assento na Holanda, Inglaterra e Alemanha, costumando designar-se como Escola de Direito Natural ou Escola Racionalista de Direito Natural. Hugo Grócio é geralmente considerado fundador do jusnaturalismo moderno. As suas obras mais valiosas foram: “Mare Liberum”, respeitante ao direito internacional público e de
combate ás posições portuguesas e espanholas em matéria de monopólio da navegação e do comércio relacionados com os territórios desc obertos e “De iure belli ac pacis”, onde surge a construção do direito internacional público alicerçado num direito vinculativo para todos os homens e, quanto à respectiva origem, reputado racionalmente necessário. Estava dado o primeiro passo, Grócio - ainda manifestamente influenciado pela segunda Escolástica, representou a ponte de passagem das correspondentes concepções teológicas e filosóficas para o subsequente jusnaturalismo racionalista. O novo sistema de Direito Natural seria verdadeiramente construído pelos autores que desenvolveram os postulados ínsitos na obra de Grócio, ou, pelo menos, dela decorrentes. Destacam-se Hobbes e Locke, na Inglaterra, Pufendorf e Wolff, na Alemanha. Pufendorf desempenhou um papel de relevo, não só como o primeiro grande sistematizador do Direito Natural, sendo o representante mais característico da época de transição do jusnaturalismo grociano para o Iluminismo setecentista. Com estes autores, embora oferecendo contributos diferentes, a compreensão do Direito Natural desvincula-se de pressupostos metafísico-religiosos. Chega-se ao Direito Natural Racionalista, isto é, produto ou exigência, em última análise, da razão humana. Considera-se que, tal como as leis universais do mundo físico, também as normas que disciplinam as relações entre os homens e comuns a todos eles são imanentes à sua própria natureza e livremente encontradas pela razão, sem necessidade de recurso a postulados teológicos. O Direito Natural racionalista teve uma larga influência directa sobre a ciência jurídica positiva. Deve salientar-se que se organizaram minuciosas exposições sistemáticas do Direito Natural, conseguidas por dedução exaustiva de axiomas básicos. Também sob este aspecto, os jusracionalistas se distinguiram dos autores da escolástica renovada, pois preocuparam-se, sobretudo, com a enunciação de simples princípios gerais. Uso Moderno Surgiu na Alemanha, de onde passou a outros países, uma nova metodologia do estudo e aplicação do Direito Romano, conhecida por usus modernus pandectarum. Esta orientação caracteriza-se pela confluência de vectores práticos, racionalistas e de nacionalismo jurídico. O Usus Modernus traduz o reflexo da penetração das ideias jusracionalistas no campo do direito. Influência que se fez sentir em dois planos:
I.
Durante esta primeira fase, as ideias jusracionalistas só indirectamente se repercutiram na vida jurídica. Levaram de imediato à ampliação do campo da actividade legislativa, conforme ao intervencionismo que marcou o Despotismo Esclarecido. O fenómeno traduziu-se num esforço de adaptação do Direito Romano, não ocorrendo, todavia, qualquer alteração no estilo de exposição e no método exegético-analítico herdada dos Comentadores. Apenas desde os finais do séc. XVII se verifica a influência do jusracionalismo ao nível da doutrina e da prática do direito.
Como traço comum a ambas as fases, assinale-se que se encarava o Direito Romano com os olhos postos na realidade. Os juristas procuravam distinguir, no sistema do Corpus Iuris Civilis, o que se conservava direito vivo do que se tornara direito obsoleto. Importava separar as normas susceptíveis de ”uso moderno”, ou seja, adaptadas às exigências do tempo, das que
correspondiam a circunstâncias romanas peculiares. Só aquelas deveriam considerar-se aplicáveis. II.
Na segunda fase, tal aferição da actualidade dos preceitos romanísticos beneficiou do refinamento teórico da referência ao Direito Natural Racionalista. Tinha-se também em conta o direito pátrio, que integrava o ordenamento vigente ao lado dessas normas susceptíveis de prática actualizada. A atenção conferida ao direito nacional e à respectiva história, incluindo o seu ensino universitário, foi uma das maiores co nsequências do “Uso Moderno”.
Embora o Usus Modernus e a Escola Racionalista do Direito Natural estejam intimamente ligadas não se podem confundir. A última consistiu numa Escola filosófica e de jurisprudência teorética, ao passo que o primeiro consubstanciou uma orientação teórico-prática, antes de tudo, ligada à disciplina da vida concreta. Quanto ao nosso país, não parece que haja lugar a uma distinção nítida das fases assinaladas ao Usus Modernus. Os seus reflexos, entre nós, apenas se sentiram de forma significativa durante a segunda delas. Daí que se tenda a identificar o Usus Modernus com a penetração do jusracionalismo no universo jurídico português.
Jurisprudência Elegante
O séc. XVI correspondeu à época áurea do humanismo jurídico francês. Porém, no séc. imediato, a escola desloca-se para a Holanda. Entre as causas explicativas do fenómeno aponta-se as lutas religiosas ocorridas em França. Despontou, assim, com sede holandesa, a Escola do Jurisconsultos elegantes, apesar da difusão crescente do Usus Modernus. O nome adveio da preocupação de rigor das formulações jurídicas e dos cuidados da expressão escrita dos seus adeptos. Juristas notáveis já na primeira metade do séc. XVIII, continuaram a estudar o Direito Romano dentro do método histórico-crítico. Esta jurisprudência elegante dos Países Baixos não deixou, contudo, pelo menos na posição de alguns dos seus autores, de assumir uma orientação prática, que combinava as finalidades do Usus Modernus com as tendências do humanismo jurídico.
Iluminismo
Uma linha de pensamento que muito influenciou as reformas efectuadas no ciclo pombalino foi o Iluminismo. Quanto à generalidade da Europa, trata-se de um período que abrange todo o séc. XVIII. Do ponto de vista político, o Iluminismo desenvolveu-se sob a égide das monarquias absolutas que configuraram o Despotismo Esclarecido ou Despotismo Ilustrado, com Luís XIV e Luís XV de França, Frederico II da Prússia, José II e Leopoldo II da Áustria. Entre nós, corresponde, apenas, à segunda metade de setecentos, ou dizendo doutro modo, limita-se praticamente aos reinados de D. José I e D. Maria I. O Iluminismo foi um período voltado para uma compreensão antropológica e experimentalista do mundo e da vida. No centro situa-se o Homem. Assiste-se a uma hipertrofia da razão e do racionalismo. Assim aconteceu, quer acerca das áreas científiconaturais, quer relativamente à filosofia especulativa e à cultura, quer nos domínios ético, social, económico, político e jurídico. Verifica-se o desenvolvimento de um sistema naturalístico das ciências do espírito. Tudo, em suma, se alicerça na natureza e tem a sua base na razão do indivíduo humano. A respeito dos problemas da filosofia jurídica e política, o Iluminismo definiu novas posições teoréticas. Uma vincada concepção individualista-liberal fundamenta a sua compreensão do Direito e do Estado. Na base situam-se os direito originários e naturais do indivíduo. Tiram-se as últimas consequências do espírito individualista que se desenvolvera desde o Renascimento e que as mais recentes concepções jusnaturalistas tinham acentuado. A esta explicação ideológica acrescentam-se, sem dúvida, condições políticas que concorreram no mesmo sentido: as lutas religiosas dos séculos XVI e XVII, que despertaram um sentimento de liberdade de consciência, a Revolução Inglesa de 1688, que conduziu a um governo liberal e parlamentar, assim como os aspectos económicos que pronunciaram a revolução industrial e o capitalismo moderno. O Iluminismo não foi um movimento de sinal homogéneo. Tendo surgido na Holanda e na Inglaterra, não viria a desenvolver a mesma forma ou todos os seus traços característicos em outros países a que se alargou. Produziam-se limitações e ajustamentos, mercê do ambiente e das circunstâncias que encontrava ou das suas fontes inspiradoras. Em França, as ideias iluministas geraram o movimento cultural conhecido por Enciclopedismo – Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Diderot. Na Alemanha, relacionam-se com o Iluminismo a importante corrente literária do Classicismo e a fundação de novas Universidades. Do ponto de vista da filosofia jurídica e política, é manifesta a influência do jusracionalismo. O Iluminismo apresentou sinais peculiares nos países marcadamente católicos, como a Espanha e Portugal, mas tendo como centro de irradiação a Itália. Também aqui se registaram as influências do racionalismo e da filosofia moderna, assistindo-se à renovação da actividade científica, a inovações pedagógicas, a certa difusão do espírito laico, à reforma das instituições sociais e políticas. De qualquer modo, o reformismo e o pedagogismo não tiveram o carácter revolucionário, anti-histórico e irreligioso, idêntico ao apresentado em França. Foi este “Iluminismo italiano” que V erney transmitiu à mentalidade portuguesa.
Humanitarismo
A respeito do âmbito específico do Direito Penal e do tratamento penitenciário, há que mencionar as correntes humanitaristas derivadas do Iluminismo, que tiveram em Montesquieu e Voltaire, na França, e em Beccaria e Filangieri, na Itália, os seus expoentes mais destacados. Dentro de uma linha racionalista, essas orientações desdobram-se em dois aspectos básicos. O conteúdo do Direito Penal deveria desvincular-se de todos os pressupostos religiosos, reduzindo-se à função exterior de tutela de valores ou interesses gerais necessários à vida colectiva. Afirmava-se a ideia de necessidade ou utilidade comum como critério delimitador do Direito Penal, por oposição a uma axiologia eminentemente ético-religiosa. Por consequência, introduziu-se uma inovação no que respeita aos fins das penas – as sanções criminais passam a ter como fundamento predominante uma pura ideia de prevenção e defesa da sociedade. Ou seja: a pena justificava-se não como castigo pelo facto passado, mas como meio de evitar futuras violações da lei criminal, quer intimidando a generalidade das pessoas – prevenção geral, que agindo sobre o próprio delinquente, intimidando-o ou reeducando-o – prevenção especial. Considerava-se que a acção preventiva do Direito Penal teria de fazer-se dentro dos limites da justiça e do respeito pela dignidade da pessoa humana. Neste contexto se inscrevem, por um lado, a exigência de proporcionalidade entre a pena e a gravidade do delito, e, por outro lado, a postergação das antigas penas corporais ou infamantes e a sua substituição pela pena de prisão. Partia-se do postulado da liberdade humana como primeiro de todos os bens sociais, devendo, pois, a sanção criminal traduzir-se numa limitação desse mesmo valor. Relativamente ao processo penal, assinalam-se, paralelamente, novas posições. Sobre a contraposição entre os modelos acusatório e inquisitório, que domina a evolução do Direito Penal adjectivo, tomando como referência dois fenómenos jurídicos fulcrais do continente europeu – o ciclo do direito comum e o das codificações – verifica-se o seguinte: do séc. XIII ao séc. XVIII, ocorre uma prevalência sempre mais acentuada do processo oficioso em confronto com o processo baseado na iniciativa das partes; depois, a partir das transformações subsequentes, quer dizer, desde a análise iluminista dos problemas da justiça criminal, começa uma época que se reveste de enorme significado para o processo penal, não só no aspecto do pensamento jurídico-filosófico e político, mas ainda do ponto de vista da formação dos sistemas legislativos e jurisprudenciais modernos. Observa-se, em resumo, o trânsito de um processo de estrutura inquisitória para um processo de inspiração acusatória.
Reformas Pombalinas respeitantes ao Direito e à Ciência Jurídica
As correntes acabadas de referir constituíram a base orientadora das reformas pombalinas. Em Portugal, a polarização dessas doutrinas acentuou-se através dos estrangeirados – letrados e cientistas nacionais que, pela sua permanência além fronteiras, conheciam a mentalidade e os movimentos então em voga. Entre eles destaca-se Luís António Verney. As advertências e as sugestões de Verney não encontraram eco imediato. Contudo, estiveram presentes nas grandes transformações relativas ao Direito e à ciência jurídica efectuadas sob o governo de Marquês de Pombal. Estas transformações produziram-se em três sectores: modificações legislativas pontuais, actividade científico-prática dos juristas e ensino do direito. Operaram-se por via legislativa alterações substanciais de vários institutos. Algumas delas trouxeram um processo significativo e permaneceriam. Outras, embora correspondendo aos sistemas de ideias da época, eram completamente desligadas da nossa realidade e tradição histórica, tendo assim uma vigência curta - como por exemplo, os diplomas que disciplinavam em moldes inteiramente novos, as matérias de sucessão testamentária, legítima e legitimária.
Mais relevantes foram as providências tomadas nos outros dois planos: no da ciência do direito, que estava agora mais voltada para a interpretação e aplicação das normas jurídicas (Lei da Boa Razão) e o da formação dos juristas, através da reforma da Universidade (Novos Estatutos da Universidade).
A Lei da boa Razão: 18 de Agosto de 1769
Trata-se da Lei de 18 de Agosto de 1769, inicialmente identificada pela data, como todos os outros diplomas da época. Só no séc. XIX receberia o nome de Lei da Boa Razão. O nome justifica-se pelo apelo que nos seus preceitos se faz intensamente à “boa razão”, isto é, à recta ratio jusnaturalista. Neste diploma, de objectivos amplos, quis-se, não apenas impedir irregularidades em matéria de assentos e utilização do direito subsidiário mas também fixar normas sobre a validade do costume e os elementos a que o intérprete podia recorrer para o preenchimento das lacunas. Cerca de três anos após, os Estatutos da Universidade esclareceram alguns dos aspectos da Lei da Boa Razão. São várias as soluções que consagrou:
1. Os diferendos submetidos a apreciação dos tribunais deviam ser julgados pelas leis pátrias e pelos estilos da corte (estes constituíam jurisprudência a observar em casos idênticos). Determinou-se, porém, que estes só valiam quando aprovados através dos assentos da Casa da Suplicação. Isto significa que os estilos perderam a eficácia autónoma que antes lhes era reconhecido; 2. Confere-se autoridade exclusiva aos assentos da Casa da Suplicação, que era o tribunal supremo do Reino. Nesse sentido, declara-se que os assentos das Relações apenas têm valor normativo quando confirmados por aquele tribunal, tendo ficado assim esclarecida uma situação nociva à certeza da aplicação do Direito, que resultava da possibilidade de existirem assentos contraditórios; 3. Em relação ao costume estatuiu-se que este só valeria se: fosse conforme a lei da boa Razão; não contrariasse a lei; tivesse mais de cem anos de existência. O direito consuetudinário só conservou a sua validade secundum legem e praeter legem e nunca contra legem. Na ausência dos três requisitos, consideravam-se os costumes abusos, cuja alegação em juízo se proibiu, não obstante todas e quaisquer disposições, ou opiniões de doutores, que sejam em contrário; 4. Quando houvesse casos omissos, ou seja, faltando direito pátrio, caberia então o recurso ao direito subsidiário. Mas só se aplicaria o direito romano desde que este fosse conforme à boa razão, que correspondia à recta ratio jusnaturalista. Esta expressão assumia agora um novo significado – consiste nos princípios primitivos que contém verdades essenciais, intrínsecas e inalteráveis. Teria de corresponder aos princípios do direito natural e do direito das gentes. Deste modo, era fonte subsidiária ao lado do direito romano, seleccionado pelo jusracionalismo, o sistema de direito internacional resultante da mesma orientação;
5. Se a lacuna dissesse respeito a matérias políticas, económicas, mercantis ou marítimas, determinava-se o recurso directo às leis das “nações cristãs, iluminadas e polidas”. Assim, o Direito Romano era posto de lado, visto que pela sua antiguidade, se revelava de todo inadequado à disciplina de tais domínios, onde enormes progressos se tinham alcançado; 6. A aplicação do Direito Canónico é relegada para os tribunais eclesiásticos. Este deixa portanto de contar como fonte subsidiária. Seria um erro admitir no foro temporal, conhecer os pecados que, na opinião do legislador, pertencem exclusivamente ao foro interior e à espiritualidade da Igreja; 7. Também se proibiu que as glosas de Acúrsio e as opiniões de Bártolo fossem alegadas e aplicadas em juízo. A mesma solução estava implícita a respeito da communis opinio. A justificação dada pelo legislador é as imperfeições jurídicas atribuídas, tanto na falta de conhecimentos históricos e linguísticos dos autores, como na ignorância das normas fundamentais do Direito Natural e Divino. Em suma: às críticas herdadas do humanismo quinhentista, acrescentam-se as que decorriam da própria mentalidade iluminista de setecentos.
Os novos Estatutos da Universidade
Mais do que a lei da Boa Razão, é a reforma pombalina dos estudos universitários que, de um modo especial, reflecte a influência das correntes doutrinárias europeias dos sécs. XVII e XVIII. Em 1770, foi nomeada uma comissão – Junta de Providência Literária - incumbida de dar parecer sobre as causas da decadência do ensino universitário e sobre o critério adequado à sua reforma. Essa comissão apresentou, no ano seguinte, um relatório circunstanciado, com título de “Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra”, onde se faz uma implacável
crítica da organização existente, recuperando-se as advertências de Verney anteriormente manifestadas. Na parte que diz respeito à Faculdade de Leis e Cânones, da autoria de João Azeredo Coutinho, as críticas dirigem-se fundamentalmente à preferência absoluta dada ao ensino de Direito Romano e do Direito Canónico, em evidente prejuízo do direito pátrio·; o abuso que se fazia do método bartolista e da opinio communis; o completo desprezo pelo Direito Natural e pela História do Direito. Os novos Estatutos da Universidade, também conhecidos por Estatutos Pombalinos, aprovados em 1772, apresentaram relevantes inovações:
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Inclusão de matérias novas (Direito Natural, onde se fundiam o direito natural em sentido estrito, o “direito público e universal” e o “direito das gentes”), a história do Direito e o
ensino das instituições de direito pátrio; Não obstante, o núcleo central dos cursos de Leis e de Cânones, continuou a ser constituído, respectivamente, pelo Corpus Iuris Civilis e pelo Corpus Iuris Canonici ; -
Inspirado pelo sistema das universidades alemãs, adopta-se um novo método de ensino “sintético-demonstrativo-compendiário”, precursor de uma nova orientação, com base na qual, se fornecia aos estudantes um conspecto geral de cada disciplina, através de
definições e da sistematização das matérias numa linha de progressiva complexidade; passar-se-ia de umas proposições ou conclusões às outras só depois do esclarecimento científico das precedentes e como sua dedução; tudo isto acompanhado de manuais adequados, inclusive sujeitos a aprovação oficial; -
Traçaram-se, minuciosamente os novos programas das diferentes cadeiras, impondo-se aos professores a escola de jurisprudência preferível (no que diz respeito aos direitos romano e canónico, o tradicional método escolástico ou bartolista, foi substituído pelas directrizes histórico-críticas ou cujacianas)
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As tradicionais postilas (apontamentos manuscritos que circulavam entre os estudantes) foram substituídos por compêndios breves, claros e ordenados organizados pelos professores.
Em suma, a reforma pombalina, revolucionou o ensino jurídico português, colocando-o a par dos que melhor se fazia na Europa culta. Não obstante, os progresso registados, estiveram longe de corresponder aos desejos dos reformadores. Assim se compreendem algumas críticas que foram surgindo, que não abalaram o prestígio dos Estatutos Pombalinos, mantendo-se estes sem modificações essenciais até 1836. Apenas são dignas de referência as providências complementares promulgadas a respeito do corpo docente e do plano de estudos. A organização do ensino jurídico continuou a basearse na reforma josefina. Verificou-se uma importante alteração que contrariava a primazia que subsistira quanto ao Direito Romano e Direito Canónico – o Direito Português passou a abranger duas cadeiras sinéticas e uma analítica. Além disso, criou-se uma cadeira independente de prática judicial e ficaram a existir duas cátedras de Direito Natural, sendo a segunda delas dedicada ao estudo autónomo do Direito Público Universal e das Gentes. Estas disciplinas eram comuns às Faculdades de Leis e Cânones, que portanto, só se separavam relativamente ao ensino desenvolvido do Direito Romano e do Direito Canónico.
GLOSADORES Os Glosadores têm essa denominação graças às glosas, isto é, anotações breves e comentários dos textos feitos entre as linhas ou à sua margem, que faziam à codificação de Justiniano (Corpus Iuris Civilis). Tal escola iniciou-se na Itália, em fins do século XII e princípio do século XIII (de 1100 a 1300), em Bolonha, dando origem assim à primeira universidade, a de Bolonha. Entre os mais importantes Glosadores destacam-se: Irnério (o fundador da escola) e Arcúsio. A Universidade ou Escola de Bolonha não nasceu logo. Inicialmente era apenas um pequeno centro de ensino baseado nos ensinamentos de Irnério. No entanto o seu prestígio rapidamente transpôs as fronteiras de Itália, atraindo estudantes de vários locais, dando assim origem à famosa Escola de Bolonha ou dos Glosadores. A Glosa era o seu principal instrumento de trabalho, e que se traduzia num processo interpretativo (exegese) do Corpus Iuris Civilis. Inicialmente, limitava-se a pequenas notas ou esclarecimentos, que de tão pequenos se faziam nas entrelinhas dos manuscritos, chamandose assim de Glosas Interlineares. No entanto, as anotações começaram a ser cada vez maiores, havendo necessidade de as anotar nas margens dos manuscritos, a que se chamavam Glosas Marginais. No entanto as Glosas eram apenas um ponto de partida, porque a par destas escreviam-se vários textos interpretativos, criando-se assim a primeira dogmática de direito. É importante referir ainda que os Glosadores, tinham um respeito quase sagrado para com o Corpus Iuris Civilis.
Graças aos Glosadores, o Direito Romano tornou-se acessível aos juristas medievais , que estudaram-no pelas glosas. Assim, deve-se a eles o Direito Romano ter-se tornado a base do Direito Privado Moderno. É com eles que se inicia um debate sobre aquilo que viria se constituir na responsabilidade penal das pessoas. Como defeitos, destacam-se a falta de conhecimento do latim e da história (diziam, por exemplo, que Justiniano teria subido ao trono antes de Cristo). A Escola dos Glosadores teve o seu período áureo no Séc. XII. No Séc. XIII começaram a verificar-se alguns sinais de decadência, pois estavam esgotadas as finalidades a que se tinham proposto. Nesta altura já se faziam Glosas de Glosas.
MAGNA GLOSA A Magna Glosa é da autoria de Acúrsio, um dos expoentes máximos do movimento dos Glosadores, numa altura em esta escola já apresentava sinais de decadência. Acúrsio procedeu a uma selecção e compilação das Glosas anteriores relativas ao Corpus Iuris Civilis (juntando mais de 96.000 glosas), conciliando e apresentando as opiniões discordantes mais credenciadas. Esta obra teve uma importância tal, que a partir daí, todas as cópias do Corpus Iuris Civilis faziam-se acompanhar da Magna Glosa, que chegou mesmo a ser Fonte de Direito Subsidiário no Direito Português, só sendo excluídas pela Lei da Boa Razão.
ESCOLA DOS COMENTADORES A Escola dos Comentadores surgiu no Séc. XIV, tendo como principal referência Bártolo, e deve o seu nome porque os seus representantes utilizavam o comentário como ferramenta de trabalho. Surgiu num período de decadência dos Glosadores, e pelo prestígio que na altura tinha o método escolástico que estes utilizavam. Apresentavam os seus esquemas de exegese (interpretação), acompanhados de um esforço de sintetização muito mais perfeito do que os glosadores, procurando criar dogmática para a solução de problemas concretos. Faziam-se valer sobretudo das Glosas e dos seus comentários, bem como dos costumes e do Direito Canónico, em detrimento do Corpus Iuris Civilis. Teve uma importância muito grande, sendo invocada como Fonte de Direito Subsidiário a par dos Glosadores, e fez criar outras matérias que não tinham assento no Direito Romano, tais como o Direito Marítimo e Comercial, o Direito Internacional Privado, O Direito Civil e Penal, e o Direito Processual. Em meados do Séc. XV começou a entrar em decadência, dado a estagnação e a mera repetição dos comentários anteriores.
HUMANITARISMO A corrente humanitarista defendia em especial dois aspectos relativos ao Direito Penal: 1. Que o direito penal deveria desvincular-se de todos os aspectos religiosos, reduzindose a tutelar os aspectos gerais necessários à vida em sociedade. 2. Que as penas previstas deveriam dizer respeito apenas ao futuro, e numa perspectiva de prevenção geral ou específica, ao invés da punição ou castigo. Desta forma aboliam as penas corporais, privilegiando as penas de prisão.
HUMANISMO JURÍDICO 1. Defendiam que as normas deveriam ser aplicadas ao caso concreto, e por isso adequadas no tempo em que o mesmo ocorria, não podendo estar sujeitas a apreciações de quem em épocas transactas deliberou que aquela lei deveria ser aplicada daquela forma. 2. Desta forma opunham-se às tendências Bartolistas; 3. Defendiam que deveria analisar-se apenas e só a letra da lei , em detrimento dos comentários e das glosas; 4. Criticavam o Direito Romano aplicado na Europa Medieval, muito por culpa dos comentadores e dos glosadores, dizendo que em nada se assemelhava ao direito aplicado em Roma; 5. Criticavam ainda o próprio Corpus Iuris Civilis, porque diziam que as normas ali contidas sofriam dum hiato de tempo de mais de 1000 anos, e que estariam completamente desactualizadas relativamente ao tempo actual. Para tal apresentavam 2 soluções: a. Ou se eliminava por completo os textos originais da lei enquanto fonte de direito; b. Ou se aproveitava o que esta tinha de bom, e aplicavam-no na medida do possível (esta era a solução que prevalecia); Em Suma: Os Humanistas Jurídicos defendiam que o que se deveria interpretar era a lei, e não a interpretação desta, aplicando-a ao caso concreto, tecendo aqui fortes críticas a Bártolo e a Acúrsio, dizendo que a opinião destes precedia os casos concretos, e era repleta de erros deturpando em muitos casos tanto a história como a língua latina.
Lei da Boa Razão Diploma promulgado no âmbito das reformas pombalinas em 1769 que modificou profundamente do Direito no nosso País. Este diploma teve como inspiração as correntes Iluministas, Humanistas e Humanitaristas do seu tempo. Teve como principais factores preponderantes: 1. Preponderância do Direito Nacional sobre o Direito Romano e Canónico, que foram relegados para direito subsidiário. 2. Validação das leis passadas, futuras e provindas de outros países, com base nos princípios da Boa Razão. 3. Fixou o Costume como fonte subsidiária, desde que não colidisse com os princípios da Boa Razão. 4. O Direito Canónico foi relegado para os tribunais eclesiásticos. 5. Proibiu que fossem utilizadas em Tribunal as Glosas de Acúrsio e os Comentários de Bártolo. 6. Conferiu autoridade em matéria de assentos à Casa da Suplicação, que passou a ser o Tribunal Superior do Reino. (as decisões dos Tribunais Cíveis só teriam valor normativo quando confirmadas pela Casa da Suplicação).
OS NOVOS ESTATUTOS DA UNIVERSIDADE No governo de Marquês de Pombal foi nomeada uma Junta de Providência Literária, no intuito de avaliar os motivos da decadência do ensino literário no nosso País. No que diz respeito à Faculdade das Leis as críticas apontavam sobretudo à preferência que era dada ao ensino dos Direitos Romano e Canónico em detrimento do Direito Pátrio, e o abuso que se fazia do método Bartolista, e o completo desrespeito do Direito Natural e da História do Direito. Assim, foram criados os novos estatutos da universidade em 1772 que revolucionaram o ensino jurídico português, colocando-o a par do que melhor se fazia na Europa, fixando entre outros: 1. Inclusão de novas matérias, tais como o ensino do Direito Natural e da História do Direito; 2. Adopção de um novo método de ensino, sintético-demonstrativo-compêndiario; 3. Distribuição de novos manuais adequados, claros, e compostos por compêndios breves e ordenados;