Copyright © 2015 by Ivan Sant’Anna Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
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Para Ciça
Apenas os mortos viram o fim da guerra. (Solilóquios na Inglaterra [1922], de George Santayana — filósofo, ensaísta e poeta espanhol)
Aqueles que pensam que religiões podem ser mortas pelas armas são tolos. ( Those who think that religions can be killed by guns are foolish. ) (“Sahae” [in An Epic Unwritten, 1999], de Saadat Hasan Manto — escritor paquistanês)
Sumário
Capa Folha de rosto Créditos Dedica tória Epígrafe Introdução 1. A queda do Terceiro Templo 2. Diáspora 3. Alá é Deus e Maomé, o seu profeta 4. Povos do Livro 5. Óleo de pedra 6. Início do regresso 7. O maior negócio do mundo 8. Uma terra, dois povos 9. Golda 10. O gigante negro 11. Um mar de hidrocarbonetos 12. Ascensão do nazismo 13. Segunda Guerra Mundial 14. Holocausto 15. O judeu errante 16. Êxodo 17. Independência ou morte 18. Crise de Suez 19. As Sete Irmãs 20. Opep e OLP 21. Guerra dos Seis Dias 22. Sem resposta 23. Questão de tempo 24. Objetivo: desforra 25. Russos, fora 26. Segredo ao pé da lareira 27. Ovo de Colombo 28. Faisal 29. Inteligência e contrainteligência 30. Contagem regressiva 31. Véspera do ataque
32. Manhã do Yom Kippur 33. A hora H 34. Primeira noite 35. O dia seguinte 36. Show nuclear 37. Operação Nickel Grass 38. O dia em que a Opep tomou o poder 39. Os senhores das armas 40. Corrida contra o relógio 41. Briga de cachorro grande 42. A arma petróleo 43. Encha o tanque! 44. Os novos-ricos 45. Assassinato e sequestro 46. Ismael vai a Isaac 47. O segundo choque 48. Guerra de preços 49. Choque falso Epílogo Bibliografia
Introdução
Durante dezenas de milhões de anos, resíduos de organismos marinhos — e de matéria orgânica terrestre levada ao mar pelos rios — foram sendo depositados em bancos de areia nas bacias sedimentares dos continentes e em suas margens continentais. À medida que depósitos adicionais se acumulavam na parte de cima, a pressão nas camadas inferiores se elevava. Vindo de baixo, o calor emanado do centro da Terra cozinhou lentamente aquela massa orgânica prensada, dando origem ao petróleo. Este, uma vez formado, fluiu para a superfície, por ser menos denso do que a água salgada que impregnava as fendas de argila, a areia e as rochas porosas que constituem a crosta terrestre. Nessa trajetória para cima, parte desses resíduos fósseis tornou-se presa de armadilhas formadas por argila impermeável e por camadas rochosas impenetráveis. Na escuridão dessas crateras, aquele líquido negro e viscoso permaneceu intocado ao longo dos tempos. Surgiram então os homens. Em seus primórdios, eles já se deparavam com petróleo ao perfurar a superfície da Terra — em inúmeros pontos do globo terrestre, o mar havia recuado — em busca de água. Milênios mais tarde, os chineses passaram a usá-lo como combustível nos campos de sal. Mais recentemente, no século XII, também na China, equipamentos de perfuração atingiram profundidades de até mil metros. No início da segunda metade do século XIX, um aventureiro americano de nome Edwin L. Drake, que indevidamente se intitulava coronel, descobriu uma dessas cavidades contendo combustível fóssil junto a um regato da Pensilvânia. Essa descoberta marcou o início da Era do Petróleo. Embora não mais do que um pequeno lapso na história da civilização, já que as reservas conhecidas até hoje deverão se esgotar no final do século XXII ou no início do século XXIII, esse lapso é o nosso tempo. Nele nasceram nossos avós. Nele morrerão nossos netos. Nos últimos 150 anos, desde o achado do “coronel” Drake, os homens mataram e morreram por petróleo. Em sua busca, nações foram constituídas. Outras, milenares, foram desfeitas. Povos de culturas diferentes se viram obrigados a abrigar-se sob uma só bandeira. Povos de mesma raça e fé foram divididos. Fizeram-se guerras, impuseram-se governos, depuseram-se outros. Para desgosto da civilização ocidental à qual se deve juntar o Japão, a China, os Tigres Asiáticos e a Oceania, a fatia mais generosa dessa gigantesca fortuna encontra-se enterrada sob os pés de povos que o Ocidente (embora não o confesse) considera de cor, credo e costumes inferiores. Como se não bastasse o “inconveniente”, as grandes jazidas petrolíferas ficam perto de uma região altamente conflituosa, na qual judeus e árabes disputam o direito de posse das mesmas terras — delimitadas a oeste pelo mar Mediterrâneo e o deserto do Sinai, ao norte pelo Líbano e a Síria, a leste pelo mar Morto e pelo vale do rio Jordão, e ao sul pelo golfo de Aqaba —, direito esse garantido por milhares de anos de história, que cada um desses dois povos interpreta à sua maneira. É o relato dessas lutas — a econômica, pelo petróleo; e a política, religiosa e militar, pela posse das terras milenares de Israel e da Palestina — que faço em O Terceiro Templo, com destaque para os acontecimentos que chegaram a ameaçar a espécie humana, como o leitor verá nas páginas que se seguem.
Ivan Sant’Anna
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1. A queda do Terceiro Templo
Em 1966, durante uma palestra para estudantes da Universidade de Nova York, o general israelense Moshe Dayan — uma figura mítica que usava um tampão sobre a cavidade do olho esquerdo, perdido numa refrega contra os ingleses na Palestina em 1941 —, que seria um dos heróis da Guerra dos Seis Dias no ano seguinte, afirmou que Israel poderia ganhar diversas guerras contra os vizinhos árabes, mas não podia se permitir perder uma sequer, tão pequeno e vulnerável era o seu território, praticamente um enclave no meio de nações hostis. Sua única rota de fuga era através do mar Mediterrâneo. E fugir da “Terra Prometida” mais uma vez, tal como acontecera na Antiguidade, não estava nos planos do povo israelense. O Templo Sagrado, ou Primeiro Templo, foi construído pelo rei Salomão no ano 957 a.C. no monte Templo, em Jerusalém, e destruído em 587 a.C. quando os babilônicos de Nabucodonosor derrotaram e saquearam a cidade. O Segundo Templo de Jerusalém foi erguido em 516 a.C. na mesma colina e durou até o ano 70 da Era Cristã, ocasião em que os romanos, por ordem do imperador Tito, o reduziram a um monte de ruínas. Já o Terceiro Templo, previsto no Livro de Ezequiel, no qual inclusive consta sua planta, jamais existiu. Para que fosse construído no mesmo local do primeiro e do segundo, a nação moderna de Israel, fundada em 1947, teria de demolir a mesquita de al-Aqsa, o terceiro lugar mais sagrado do islamismo (atrás apenas de Meca e Medina), e os santuários da Cúpula da Rocha, de grande importância religiosa para judeus, cristãos e muçulmanos. Portanto, o Terceiro Templo existe apenas no terreno do simbolismo, significando, em código, a nação de Israel. Na segunda-feira, 8 de outubro de 1973, terceiro dia da Guerra do Yom Kippur (assim chamada pelos ocidentais; tanto os israelenses quanto os árabes a chamam de Guerra de Outubro), quando os sírios, ao norte, e os egípcios, ao sul, avançavam quase sem encontrar resistência sobre Israel, Moshe Dayan, então ministro da Defesa da nação judaica, comunicou à primeira-ministra Golda Meir que “o Terceiro Templo está desabando”. Nessa situação extremamente crítica, segundo ele, o único modo de impedir a derrota seria lançar mão do arsenal nuclear do país, que começara a ser montado no final dos anos 1960. As ogivas atômicas poderiam ser instaladas em mísseis Jericós, na base aérea de Sdot Micha, para serem lançadas contra alvos sírios e egípcios. Tal como diversos líderes mundiais, o secretário de Estado americano, Henry Kissinger, temia o uso de armas nucleares por parte dos israelenses. Por isso, ele insistiu com o presidente Richard Nixon para que auxiliasse Israel, atendendo a um apelo desesperado de Golda Meir. Nixon ordenou o início da Operação Nickel Grass, uma ponte aérea americana para suprir os israelenses de armas e munições convencionais, além de equipamentos os mais diversos. Essa ajuda deu uma guinada no rumo da guerra, evitando que algum chefe militar de Israel, num momento de desespero, voltasse a cogitar o uso de armas atômicas. Desde que os americanos fizeram seu primeiro teste nuclear em Los Alamos, no deserto do Novo México, em 16 de julho de 1945, seguido do bombardeio atômico das cidades de Hiroshima e Nagasaki no mês
seguinte, e a União Soviética detonou sua bomba teste em Semipalatinsk, no Cazaquistão, em agosto de 1949, passou a vigorar a teoria da “destruição mútua assegurada”. Se uma das duas superpotências fizesse uso da bomba contra a outra, com o subsequente revide, estaria garantida a destruição total, ou quase total, de ambas. Para não ficar atrás em termos de prestígio, a GrãBretanha, a França e, mais tarde, a China desenvolveram seus artefatos. O mesmo iriam fazer a Índia, o Paquistão e, muito mais tarde, a Coreia do Norte. Mas nenhuma dessas nações, ao que se sabe, pensou seriamente em usar tais armas. O auxílio americano não só evitou que Israel fosse derrotado, mas permitiu que suas tropas, agora reforçadas pelas legiões da Reserva convocadas às pressas, avançassem, no norte, pelo território sírio, ameaçando a capital Damasco e, no sul, atravessassem o canal de Suez, além de cercar o Terceiro Exército egípcio no deserto do Sinai. Se no início da guerra Israel fora o lado ameaçado, agora eram os sírios e os egípcios que se encontravam em situação desesperadora. Faltava pouco para que as baterias israelenses chegassem ao alcance de tiro de Damasco e do Cairo. A Força Aérea de Israel, após ter aniquilado as defesas antiaéreas inimigas, tinha amplo domínio do céu da região. Desta vez, quem não aceitou a situação foram os soviéticos. Afinal de contas, além de uma derrota de árabes para os israelenses, seria uma derrota de armamentos soviéticos para armamentos americanos. O Kremlin então resolveu agir. Numa carta enérgica para Nixon, Leonid Brejnev, o líder da União Soviética, afirmou que não permitiria que o Terceiro Exército egípcio fosse destruído. Brejnev não se limitou às palavras. Nas margens do estreito de Dardanelos, na Turquia, que liga o mar de Mármara ao mar Egeu, aparelhos de espionagem americanos detectaram emissões de nêutrons provenientes de um cargueiro soviético que se dirigia ao mar Mediterrâneo. Estaria a União Soviética enviando armas atômicas para o Egito? Os americanos responderam à altura. Os Estados Unidos puseram o nível de prontidão de suas forças armadas espalhadas pelo mundo em Defcon 3, o que significava que o país considerava a possibilidade de um confronto atômico com a União Soviética. Nesse caso, as IDFs (Israeli Defense Forces — Forças de Defesa de Israel) também poriam suas instalações nucleares em estado de prontidão máxima. Pela primeira vez desde a crise dos mísseis de Cuba, onze anos antes, o mundo se via ameaçado por uma guerra atômica. Para que isso acontecesse, bastaria um erro de avaliação ou uma ação temerária dos dirigentes de uma das partes envolvidas. Fosse esse o caso, não seria apenas o Terceiro Templo que desabaria. Todo o planeta estaria sob ameaça.
2. Diáspora
Por volta do ano 1440 a.C. os israelitas, um segmento do povo semita, de cultura, costume e religião próprios, migraram em massa do Egito, atravessaram o deserto do Sinai, transpuseram o rio Jordão e chegaram a Canaã, a Terra Prometida e solo de seus primeiros ancestrais. Nos duzentos anos que se seguiram, dominaram a região, subjugando os cananeus, os filisteus e outros povos locais. Suas principais cidades eram Samaria, no reino de Israel, e Jerusalém, no reino de Judá. Coube ao rei Davi (c.1040-970 a.C.), que derrotou os filisteus, juntar Judá ao reino de Israel. Seu reinado e o de seu filho, Salomão, que governou de 970 a 931 a.C., representaram o período de apogeu da nação. Três séculos e meio após a morte do rei Salomão, os babilônicos de Nabucodonosor II invadiram Israel, capturaram Jerusalém e saquearam e destruíram o Templo Sagrado, atualmente conhecido como Primeiro Templo. Parte do povo judeu foi levada para a escravidão na Babilônia. Outros retornaram ao Egito, onde se fixaram no delta do Nilo. Grupos menores se estabeleceram em outros lugares, inclusive na Grécia. Foi o início da Diáspora (dispersão dos judeus pelo mundo), que iria se dar em várias etapas ao longo dos séculos seguintes. Por volta do ano 540 a.C., Ciro, o Grande, da Pérsia, conquistou a Babilônia e permitiu que os judeus que tinham ido para lá quarenta anos antes, assim como seus descendentes, retornassem para Canaã. Quarenta mil homens, mulheres e crianças percorreram os 1,6 mil quilômetros que os separavam de erusalém, onde reergueram a cidade e iniciaram a construção do Segundo Templo. Alguns séculos mais tarde, surgiram os romanos, que se impuseram em Israel à força das armas. Foi durante o domínio de Roma que nasceu, em Nazaré, Jesus Cristo, judeu, filho de carpinteiro, um revolucionário que iria mudar o curso da história de modo tão marcante que o ano presumido de seu nascimento seria marcado como o Ano Zero. Por muitos considerado o Messias que iria libertar e unir o povo judeu, Jesus de Nazaré acabou sendo crucificado em Jerusalém por decisão de uma corte judia, sob a acusação de impostura, e com a aquiescência do prefeito da província romana da Judeia, Pôncio Pilatos. No ano 70 da Era Cristã, os judeus se revoltaram contra os romanos em Jerusalém, agora parte da udeia. De Roma, o imperador Tito deu ordens para debelar impiedosamente a revolta e destruir a cidade. No topo de sua colina, o Segundo Templo transformou-se em ruínas. Os judeus que permaneceram em Jerusalém tentaram se rebelar contra os romanos outras vezes até que, no ano 135, foram derrotados pelas legiões de Adriano. Os que sobreviveram, com poucas exceções, foram expulsos, dando prosseguimento à Diáspora. Jerusalém transformou-se em uma cidade essencialmente pagã, com seu nome alterado para Aelia Capitolina. O imperador Adriano mudou também o nome do país, que deixou de ser Judeia, passando a se chamar Palestina Síria. Espantosamente, esses grupos de judeus dispersados pelos quatro quadrantes do mundo ao longo dos dois milênios seguintes iriam conservar seus costumes e sua identidade cultural e religiosa. E jamais
abandonariam o sonho de voltar a se reunir nas colinas da Judeia, a Terra Prometida, à qual dariam o nome de Sion.
3. Alá é Deus e Maomé, o seu profeta
Segundo as tradições orais e as escrituras das principais religiões monoteístas, judeus, islâmicos e cristãos são descendentes do patriarca Abraão que, em algum momento do segundo milênio a.C., saiu de Ur, na Mesopotâmia, e foi viver em terras situadas entre o mar Mediterrâneo e o vale do rio Jordão. Como sua esposa, Sara, era aparentemente estéril, Abraão tomou como segunda mulher uma escrava, gar, que lhe deu um filho, Ismael. Mais tarde Sara, já com certa idade, deu à luz um menino, Isaac. Agar e Sara então entraram em atrito. Para pôr fim à rixa, Abraão levou Agar e Ismael para o vale de Meca, um entreposto de caravanas de beduínos próximo à montanha de Arafat, na Arábia. Deixou mãe e filho lá, com algumas provisões, e voltou para Sara. Ainda segundo a tradição, os israelitas são os descendentes de Isaac, e os árabes, de Ismael. Séculos e mais séculos se passaram. No ano 570 da Era Cristã, nasceu em Meca, de uma família do clã dos hachemitas, um menino que recebeu o nome de Maomé. O pai da criança, Abdulla, morrera pouco antes de seu nascimento, deixando para a viúva alguns camelos, ovelhas e um escravo. Sem condições de sustentar condignamente o filho, a mãe o enviou para ser criado no deserto por uma família de beduínos, hábito comum à época. Quando Maomé completou 2 anos, a mãe mandou buscá-lo de volta, mas morreu pouco tempo depois. criação passou para o avô, que também faleceu, dois anos mais tarde. Maomé, cuja família era enorme, foi viver com Abu Talib, um tio rico que administrava um negócio de caravanas. Coube a Talib ensinar ao sobrinho a arte de comprar, vender e cuidar da criação de camelos. Aos 20 anos, Maomé tinha estatura mediana, pele rosada, olhos grandes e penetrantes que se sobressaíam no rosto, cabelo encaracolado e uma espessa barba negra. Apesar dos dotes físicos e da habilidade nos negócios, continuava solteiro. Meca tinha aproximadamente 3 mil habitantes. Por ser um oásis, continuava a ser parada obrigatória das caravanas. Os cristãos e os judeus, que contavam com inúmeros árabes em suas fileiras, conviviam bem entre si. Em suas conversas, relembravam as histórias bíblicas de Abraão, Moisés e Jesus, narrativas que haviam passado de pai para filho ao longo dos tempos. Finalmente o tio de Maomé, Abu Talib, o apresentou a uma viúva rica chamada Cadija. Era uma mulher de negócios que equipava caravanas. Eles se casaram e geraram seis filhos, quatro meninas e dois meninos. Muito doentes, morreram todos ainda crianças, deixando Maomé sem herdeiros do sexo masculino. Maomé costumava se recolher a uma caverna no monte Hira, onde se dedicava à meditação durante intermináveis dias. Consta na tradição que, numa noite do ano 610, quando ele tinha 40 anos e meditava no deserto, o arcanjo Gabriel lhe apareceu e ditou os princípios da lei islâmica. Durante os meses seguintes, o arcanjo retornou diversas vezes. “Você é um mensageiro que instruirá a humanidade”, teria afirmado Gabriel, acrescentando que no Dia do Juízo Final as pessoas seriam divididas entre as obsequiadas com o Paraíso e as que queimariam no fogo do Inferno.
Em 613, Maomé começou a disseminar em público a palavra de Deus. Logo surgiram os primeiros seguidores. E as fileiras de muçulmanos foram engrossando. Iniciaram-se as peregrinações a Meca, exclusivamente para ouvir o Profeta. As conversões ao Islã se sucediam numa velocidade espantosa. Tal como Cristo, seis séculos antes, Maomé atraía multidões, ávidas por ouvir suas palavras. Mais tarde, estudiosos islâmicos compilariam esses ensinamentos e escreveriam o Alcorão, livro santo da nova religião. Em 622, Maomé mudou-se para Medina, então chamada Iatreb. A partir desse ano, iniciou-se o calendário islâmico. Iniciou-se também a expansão da nova fé pelo mundo, quando seguidores do Profeta tomaram a Pérsia. Após a morte de Cadija, sua primeira e até então única mulher, Maomé tomou várias esposas. Mas não conseguiu ter um filho homem para sucedê-lo. Ao contrário de Jesus, que sempre pregara a paz, Maomé e seus seguidores viviam se envolvendo em escaramuças, seja atacando e saqueando caravanas, seja lutando contra os clãs da cidade de Meca, que, em revide, chegaram a atacar Medina, sem sucesso. A rivalidade entre muçulmanos e judeus, que permaneceria através dos tempos, começou nessa ocasião. Maomé acusou os judeus de Medina de conspirar a favor de seus inimigos de Meca. Os homens dos clãs judaicos foram passados pela espada e suas mulheres e crianças vendidas como escravos. Em 630, Maomé, então com 60 anos, decidiu voltar para Meca. Comandando um exército de 10 mil homens, entrou triunfalmente na cidade. A Caaba, uma pedra negra de formato cúbico, que, ao longo dos anos, servira para reverenciar vários deuses, passou a ser dedicada exclusivamente a Alá e tornou-se o monumento mais sagrado do Islã. Maomé declarou que cada muçulmano era irmão de outro muçulmano — “Somos uma única irmandade”. Só que as coisas não aconteceram exatamente assim. No dia 8 de junho de 632, Maomé, vítima de uma doença súbita, entregou sua alma a Alá. Como não havia deixado filho homem, iniciou-se a disputa pela sucessão. Os muçulmanos se dividiriam em duas vertentes: a dos sunitas, a maior delas, que aceitou como líder (califa) Abu Bakr, de 60 anos, sogro do Profeta; e a dos xiitas, para quem Ali, genro do Profeta, era seu legítimo sucessor. A divisão, que não aconteceu de imediato, perdura até os dias de hoje e gerou grandes morticínios ao longo dos séculos. pesar da morte de seu fundador, a religião islâmica continuou se expandindo. Além de praticamente toda a rábia, já se estendera à Síria e ao Iraque. Quando Abu Bakr morreu, Omar ibn al-Khattab assumiu a liderança. E decretou a jihad , a guerra santa contra os infiéis, incentivando ainda mais a propagação do islamismo. Mesopotâmia, Palestina e Constantinopla sucumbiram à nova fé. A cidade de Jerusalém foi tomada pelos muçulmanos em 637. Cinco anos mais tarde, todo o Egito estava nas mãos deles. Mais algum tempo e o Islã chegou à fronteira com a Índia. Em 644, Omar foi assassinado por um escravo e Otman tornou-se o novo califa. Com ele, o domínio muçulmano expandiu-se para a Armênia, a Ásia Menor, alguns territórios da Ásia Central e o norte da frica. As conquistas do Islã pareciam não ter fim. Sob os gritos de Allahu Akbar (Alá é o maior) os exércitos muçulmanos conquistaram a Turquia, o Turquestão, o Afeganistão; atingiram as fronteiras da China e o vale do Indo; entraram na Europa, indo até Lisboa; cruzaram os Pireneus e chegaram a 160 quilômetros de Paris. Só não tomaram a França porque foram derrotados na Batalha de Tours, em 732. Por todos os cantos, não árabes também se convertiam ao islamismo. Embora Meca e Medina continuassem sendo os centros religiosos do, agora, império do Islã, o poder central ficava nas exuberantes e cosmopolitas Damasco e Bagdá. Enquanto os islâmicos se espalhavam pelo mundo em busca de conquistas territoriais e religiosas, os judeus também se afastavam de suas terras ancestrais, só que fugindo de perseguições.
4. Povos do Livro
ntigos teólogos islâmicos costumavam descrever a si mesmos, além de judeus e cristãos, como os “povos do Livro”, pois a fé dessas religiões monoteístas se baseava em escrituras sagradas: a Torá, a Bíblia e o Alcorão. Entre o século II, quando foram expulsos da Judeia, até o final da década de 1940, quando tiveram liberdade para voltar de vez para suas terras ancestrais, os judeus foram um dos povos mais perseguidos do mundo. Esse sofrimento provavelmente contribuiu para mantê-los unidos. Durante sua diáspora, os judeus se dividiram em grupos regionais. Sendo proibidos de exercer diversas profissões e funções, muitos deles se dedicaram ao ofício de emprestadores de dinheiro a juros, negócio que não podia ser praticado nem por cristãos (“ Pecunia non paribus pecunia ,” escreveu Santo Tomás de Aquino), nem por muçulmanos (o Alcorão proíbe expressamente a cobrança de juros), por imposição de suas crenças. Na Europa, muitos judeus tiveram de se “converter” ao cristianismo para não serem massacrados pelos exércitos do papa. Foi o que aconteceu, por exemplo, no século XI, nas cidades do vale do Reno. Era comum os judeus, os “inimigos de Cristo”, serem usados como bodes expiatórios e queimados vivos em fogueiras, em meio aos brados de vingança do populacho, sempre que sobrevinha uma pandemia como a peste negra do século XIV, que dizimou um terço da população da Europa. Nessas ocasiões, a acusação mais frequente era a de que haviam contaminado as nascentes de água e os poços públicos. Após as grandes descobertas além-mar, os judeus participaram da onda migratória para o Novo Mundo. Essa migração atingiu seu auge nos séculos XVIII, XIX e na primeira metade do século XX. Na América, a comunidade judaica floresceu, principalmente em Nova York, cidade extremamente mercantilista e tolerante aos diferentes credos. No período em que, na Europa e na Ásia, os judeus se dedicavam principalmente à luta pela sobrevivência, cristãos e muçulmanos guerreavam entre si, ora com a expansão do Islã até o oeste europeu, tentando impor sua fé, ora com os cristãos, por meio das cruzadas, organizando grandes expedições armadas para captura da Terra Santa. A Primeira Cruzada, inspirada pelo papa Urbano II (que garantiu aos seus integrantes a salvação eterna), tomou Jerusalém em 15 de julho de 1099. Nos anos que se seguiram, no suposto local do calvário de Cristo, os cruzados construíram a igreja do Santo Sepulcro. Os cristãos mantiveram a cidade sob seu domínio durante 88 anos, até que uma ofensiva islâmica, invocando o conceito de guerra santa, a jihad (que também garantia o Paraíso aos seus mártires), expulsouos de lá. A partir de 1169, e durante duas décadas, os cruzados tiveram de enfrentar um tremendo inimigo, o legendário guerreiro Saladino. Ao longo de cinco séculos as cruzadas continuaram se sucedendo, assim como os avanços muçulmanos na Europa. As duas religiões se expandiam e se encolhiam: a rivalidade entre sunitas e xiitas, turcos, mongóis e árabes fragilizava os islâmicos, as divergências entre Roma e Bizâncio enfraqueciam os cristãos. Lisboa, extremo ocidental do domínio muçulmano, foi recuperada pelos cristãos em 1147, por um exército e uma armada compostos de portugueses, ingleses e holandeses. Em contrapartida, quase um século
e meio mais tarde, com as quedas de Acre, Tiro, Sidon e Haifa para os islâmicos, os cruzados foram definitivamente derrotados no Oriente. O golpe de misericórdia do cristianismo no Leste veio com a queda de Constantinopla, capital bizantina, tomada pelos exércitos do sultão otomano Maomé II, em 1453. Após conquistar Constantinopla, o Império Otomano fez diversas incursões bem-sucedidas à Europa Central e Oriental, Bálcãs, Norte da África e ilhas do Mediterrâneo, mas os muçulmanos não voltaram a dominar terras no oeste europeu. A essa altura, as descobertas no Novo Mundo se sucediam. E foi justamente lá que, meio milênio após o fim da Constantinopla bizantina, uma descoberta no estado americano da Pensilvânia iria alterar sensivelmente o curso da História, com desdobramentos importantes no Oriente Médio, não raro envolvendo divergências profundas entre os “povos do Livro”.
5. Óleo de pedra
No século XIII, o viajante veneziano Marco Polo, ao regressar de uma de suas viagens ao Oriente, contou que na região de Baku (no atual Azerbaijão) existiam fontes das quais fluía um óleo preto e viscoso. Embora não servisse para fritar alimentos, o óleo de Baku era bom para iluminação, alem de ser útil na cura de sarnas de camelo. Seiscentos anos se passaram até que, em agosto de 1859, o petróleo surgiu para valer. Chamado óleo de pedra, era encontrado nas minas de sal ao redor de Oil Creek, nas proximidades da cidadezinha de Titusville, Pensilvânia, nordeste dos Estados Unidos. Quem primeiro explorou petróleo na região foi Edwin L. Drake, um ex-maquinista de estrada de ferro que se apresentava falsamente como coronel. Submetido a um processo de refino, o óleo de pedra de Titusville produzia querosene, excelente para iluminação, que até então era feito com o caro óleo de baleia, utilizado em lamparinas e nos postes públicos. gasolina, resíduo da refinaria, e para a qual não se via utilidade, era descartada nos rios. Um empresário nova-iorquino chamado John D. Rockefeller, de 20 e poucos anos, com grande talento comercial e não menor ganância, não se interessou pela prospecção do petróleo, pois a considerava muito arriscada — muitos furos davam em nada. Então, investiu seu dinheiro — 72,5 mil dólares — em refinarias. Fundou a Standard Oil Company, objetivando nada mais nada menos do que obter a hegemonia e o total controle da produção e da comercialização de querosene, inclusive exportando o produto para outros países. Em meados da década de 1860, Rockefeller já era um homem riquíssimo. E sua fortuna só tendia a crescer. Em 1879, a Standard Oil detinha 90% da capacidade americana de refino, além de dominar o setor de transporte do petróleo, tanto por estradas de ferro como por oleodutos. A Standard não só obtinha fretes mais baratos para si como exigia que as ferrovias cobrassem um valor maior dos concorrentes, repassando a diferença para a empresa de John Rockefeller. Um quarto de século após o achado na Pensilvânia, uma grande jazida foi descoberta no estado vizinho de Ohio. Desta vez, John D. Rockefeller não resistiu e a Standard Oil entrou no ramo de prospecção. A essa altura, a região de Baku — o Azerbaijão fora anexado ao Império Russo — também extraía petróleo em 82 poços. Logo outro sobrenome veio se juntar ao de Rockfeller na liderança do novo negócio. Tratava-se da família Nobel, da qual um dos integrantes, o inventor sueco Immanuel Nobel, emigrara para a Rússia na primeira metade do século XIX. Seu filho mais velho, Robert, ao chegar a Baku em 1873 para comprar madeira, que os Nobel usariam na fabricação de coronhas de espingardas, teve sua atenção desviada para as jazidas locais de petróleo. Robert Nobel não pensou duas vezes. Investiu o capital de 25 mil rublos que levara para comprar matéria-prima para sua indústria de armas na construção de uma refinaria produtora de querosene. A terceira família a entrar no ramo do petróleo foi a dos banqueiros Rothschild, que financiou a construção de uma ferrovia ligando Baku ao porto de Batum, no mar Negro, cobrindo uma distância de
700 quilômetros. Os Rothschild também construíram as instalações petrolíferas do porto. Mais tarde, se associariam a Marcus Samuel, um comerciante londrino de grande projeção. O controle do petróleo mundial estava agora em poder de quatro famílias: Rockefeller (Standard Oil), Nobel (Irmãos Nobel) e Rothschild/Samuel (Companhia de Petróleo do Mar Cáspio). A concorrência entre eles tornou-se feroz. Logo uma nova empresa entraria na briga: a Royal Dutch, que descobrira grandes jazidas petrolíferas na ilha de Sumatra. Quando tudo indicava que o negócio do petróleo seria o maior e mais lucrativo do planeta, eis que um americano de 32 anos, Thomas Alva Edison, de grande genialidade, inventou a luz elétrica, decretando a médio e longo prazo a obsolescência do lampião a querosene.
6. Início do regresso
Durante uma séria crise econômica ocorrida na Alemanha na segunda metade do século XIX, boa parte da imprensa do país não perdeu tempo em apontar uma conspiração judaica como origem dos problemas. Os principais culpados dos tempos adversos, segundo esses jornais, eram os banqueiros judeus. Não se lançou ninguém na fogueira, como acontecera em séculos anteriores, mas o preconceito contra os “assassinos de Cristo” continuava presente na sociedade europeia. O líder sionista húngaro Max Nordau dizia que o sentimento comum era de extinção iminente. O romancista austríaco judeu Stefan Zweig descreveria a atmosfera da época como “abafada e insalubre”. Cada episódio de perseguição e preconceito reforçava a opinião do povo hebreu, separado pela diáspora, de que estava chegando a hora do regresso à Terra de Israel, ou Sion. Isso começou a ser feito por meio de compras de lotes na Palestina, primeiro de modo disperso, mais tarde pelo Fundo Nacional Judaico, criado com doações da comunidade judaica da Europa e dos Estados Unidos. Quem vendia os terrenos eram os árabes que viviam entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, então parte do Império Otomano. Os primeiros judeus dessa nova era haviam emigrado para Israel em 1878. Fundaram uma vila pioneira, que chamaram de Petah Tikva (A Porta da Esperança). Quatro anos mais tarde, um grupo de sionistas russos que se autodenominou Hovevei Zion (Amantes do Sion) chegou ao país. Um dos maiores entusiastas da fundação de um Estado judaico foi o russo Aaron David Gordon, que tinha 49 anos quando chegou à Palestina, em 1905. Gordon ajudou a fundar o primeiro kibutz (comunidade agrícola coletiva), Degania, na costa do mar da Galileia. A poetisa hebraica Rachel Bluwstein, com apenas 19 anos, também oriunda da Rússia, chegou a Israel na mesma ocasião. Aos poucos, os judeus iam pingando na Terra Prometida. A futura capital, Tel Aviv, foi fundada por sessenta famílias em 1909. Nos cinco anos seguintes, mais 35 mil chegaram à Palestina. Muitos deles iriam engrossar a Legião Judaica do Exército britânico na luta contra o domínio otomano durante a Primeira Guerra Mundial. Grande parte dessa migração seria financiada pelo barão Edmond de Rothschild, aborrecido com o antissemitismo da Rússia, terra na qual sua família se associara com a Royal Dutch, que agora se chamava Royal Dutch-Shell. Os Rothschild haviam vendido sua parte no empreendimento petrolífero para os sócios holandeses. A inauguração, em 1869, do canal de Suez, projetado e construído pelo francês Ferdinand de Lesseps, e que ligava o Mediterrâneo ao mar Vermelho, num percurso de 160 quilômetros, aumentara tremendamente a importância estratégica do Oriente Médio, principalmente do Egito. Agora os navios que iam da Europa para o oceano Índico já não precisavam contornar o cabo da Boa Esperança, no sul da frica, uma economia de trajeto de 8,5 mil quilômetros entre Roterdã e a península Arábica. O tempo de viagem entre a Inglaterra e a Índia diminuiu de três meses para menos de três semanas. O controle acionário da companhia exploradora do canal de Suez ficou sendo da França e da GrãBretanha, 50% para cada uma das duas nações. O Egito, país cujo território o canal atravessava, já não tinha participação no empreendimento, após ter vendido sua parte para os britânicos. Isso provocou a fúria dos movimentos nacionalistas egípcios, liderados pelo coronel Ahmed Urabi. Em 11 de junho de 1882, cerca de
quinhentos europeus foram mortos por fanáticos em Alexandria. A Grã-Bretanha interveio com suas forças armadas, destroçando os exércitos de Urabi e transformando o Egito, na prática, em “protetorado” britânico. Antes mesmo da descoberta do petróleo na região, o Oriente Médio já começava a se transformar no barril de pólvora cujo pavio permanece aceso até hoje.
7. O maior negócio do mundo
Na América do Norte e na Europa, os lampiões a querosene foram, aos poucos, sendo substituídos por lâmpadas elétricas. Em 1902, só nos Estados Unidos, já havia quase 20 milhões delas em uso. O petróleo acabaria se tornando uma commodity de pouca utilidade, não fosse a descoberta do motor a explosão, que chegara para ficar. Automóveis começaram a ser fabricados nos dois lados do Atlântico Norte. No processo de refino do óleo cru, o querosene foi cedendo lugar à gasolina como produto final mais importante. Depois da Pensilvânia e de Ohio, jazidas petrolíferas foram encontradas no Texas. Só o poço Lucas 1, de Spindletop, naquele estado, produzia 75 mil barris por dia. A empresa que o explorava receberia o nome de Texaco. Seguiram-se descobertas muito promissoras em Louisiana e Oklahoma. Ao sul do rio Grande, no México, uma companhia petrolífera chamada Mexican Eagle encontrou o maior poço do mundo até então, produzindo 110 mil barris diários. Standard Oil (que seria desmembrada em várias empresas por ferir a lei antitruste americana), Royal Dutch-Shell, Texaco, Gulf Oil Corporation, Mexican Eagle, British Petroleum… os grandes conglomerados petrolíferos iam sendo constituídos. Enquanto isso, no Oriente, mais precisamente na Pérsia, onde vazamentos de petróleo eram encontrados de tempos em tempos, mostrando indício de grandes jazidas, em maio de 1901 o xá Muzaffar al-Din vendeu, por 40 mil libras mais uma participação de 16% nos lucros, os direitos de exploração no país, válidos por sessenta anos. O comprador dessa concessão foi um bem-sucedido especulador internacional chamado William Knox D’Arcy. Sete anos após a assinatura do contrato, as jazidas foram detectadas e a produção logo começou. D’Arcy associou-se à Burmah Oil, com sede em Londres, que, em 1914, se transformaria na Anglo-Persian, com participação acionária do governo britânico. Em 1906, um engenheiro de perfuração, George Reynolds, e um oficial do exército, Louis Lane, ambos ingleses, haviam encontrado, num lugar chamado Maidan-i-Naftan, no Kuwait, pedras saturadas de petróleo. No dia 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do império Austro-Húngaro, foi assassinado em Sarajevo, na Bósnia, dando início à Grande Guerra (mais tarde chamada de Primeira Guerra Mundial). O conflito, que englobaria toda a Europa e parte do Oriente Próximo e Médio, potencializou em proporções jamais imaginadas a importância dos combustíveis líquidos, essenciais aos tanques, aviões e aos navios de guerra mais modernos. Por todos os cantos, os lucros das companhias petrolíferas se multiplicaram. O óleo de pedra descoberto pelo “coronel” Drake tornara-se o maior e mais importante negócio do mundo.
8. Uma terra, dois povos
Durante a Primeira Guerra Mundial, tropas aliadas partindo do Egito atravessaram o deserto do Sinai para lutar na Palestina, então parte do Império Otomano, império esse que se unira aos alemães na guerra. Em março de 1917, os Aliados conquistaram a cidade de Gaza. Para obter o apoio militar dos árabes durante a campanha contra os otomanos, a Grã-Bretanha lhes garantiu independência no futuro. A promessa foi formalizada pelo oficial de ligação do Exército britânico Thomas Edward Lawrence, o Lawrence da Arábia, uma combinação de militar e diplomata, de rara competência em ambas as funções. Lawrence inclusive lutou com bravura ao lado do futuro rei do Iraque, o emir Faisal, filho do xerife Hussein, de Meca. Em novembro de 1917, lorde Arthur James Balfour, ministro do Exterior britânico, em carta para lorde Rothschild, um dos patrocinadores da migração para Israel, garantiu textualmente: “O governo de Sua Majestade vê favoravelmente o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina.” Essa afirmação, que ficou conhecida como Declaração Balfour, visava obter o apoio político e financeiro da comunidade judaica dos Estados Unidos ao esforço de guerra aliado e foi recebida com grande regozijo pelos sionistas do mundo inteiro. Terminada a Grande Guerra, um novo quadro geopolítico se estabeleceu no Centro e Leste Europeus e no Oriente Médio. A Alemanha tornou-se uma república, enquanto a Áustria-Hungria e o Império Otomano se fragmentavam em diversos países independentes e, não raro, hostis uns aos outros. Após a Revolução de 1917, a Rússia se transformou na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a primeira nação comunista da história. Na partilha das terras antes ocupadas pelo Império Otomano, o Tratado de Sèvres concedeu à França o protetorado da Síria. O general Henri Gouraud, primeiro governador francês do país, já chegou a Damasco provocando: “Saladino, voltamos” — em uma clara referência ao tempo das cruzadas, cuja lembrança tanto provocava ódio entre os árabes. Pouco depois, a Síria foi dividida pela França em duas partes, com a criação do Líbano. À Grã-Bretanha coube o Iraque, a Transjordânia (atual Jordânia) e a Palestina, sendo esta a terra cujo domínio os britânicos haviam prometido simultaneamente aos dois povos rivais: árabes e judeus. Os exércitos ingleses haviam tomado Jerusalém e Bagdá durante a guerra. Por ser uma cidade santa para cristãos, judeus e muçulmanos, a entrada dos britânicos em Jerusalém, após a saída dos otomanos sem luta, se revestiu de grande simbolismo. O comandante das tropas, general llenby, em respeito aos milhares de anos de história da cidade, fez questão de cruzar suas portas a pé. Isso aconteceu na terça-feira, 11 de dezembro de 1917. Independentemente das mudanças de governos e de fronteiras, judeus continuavam emigrando para a Palestina. Mesmo assim, ainda constituíam uma parcela muito pequena da população, cuja proporção era de dez árabes para cada judeu. Isso não impedia a eclosão de episódios de violência entre os dois lados de quando em vez, apesar da presença das forças britânicas.
9. Golda
Em 1898, quando Golda Meir nasceu em Kiev, na Ucrânia, sua família, assim como as demais da comunidade judaica local, era alvo de fortes preconceitos religiosos, que não raro se transformavam em manifestações violentas ( pogroms ), como saques, agressões e até mesmo assassinatos. Nesse ambiente hostil, o pai de Golda, carpinteiro de profissão, lutava bravamente para levar alguma comida para casa, cuja rotina podia ser resumida em pobreza, frio, fome e medo. Golda era a filha do meio de três irmãs, sendo Sheyna a mais velha e Tzipke, a caçula. Outros quatro, dois meninos e duas meninas, haviam morrido antes de completarem um ano de idade. Em 1903, a família se mudou para Pinsk, na expectativa de tempos melhores. Mas a vida continuou difícil e o pai de Golda Meir emigrou para os Estados Unidos — primeiro para Nova York, mais tarde para Milwaukee, no estado de Wisconsin, onde estabeleceu sua oficina de carpintaria. Ficou três anos morando sozinho na América até ganhar dinheiro suficiente para pagar a passagem da mulher e dos filhos, o que acabou acontecendo em 1906. Golda era então uma meninota de 8 anos. Sheyna, com 14, já ensaiava ideias revolucionárias. Seu sonho era criar um Estado socialista judeu na Palestina. Sheyna, que se casara com um rapaz chamado Shamai e se mudara para Denver, chamou Golda, então com 14 anos (em 1912), para morar com eles. Logo Golda Meir também passou a compartilhar das ideias sionistas da irmã. Foi quando conheceu um judeu lituano chamado Morris Meyerson, seis anos mais velho do que ela. Os dois se apaixonaram. Embora muito pobre, Morris era dotado de grande inteligência, cultura e senso de humor. De Denver, Sheyna e Shamai foram para Chicago, levando Golda junto. Mas em 1916 ela voltou para a casa dos pais. Entrou para a Milwaukee Norman School, onde se diplomou como professora. Nessa época, já havia cerca de cinquenta kibutzim na Palestina, então dominada pelos otomanos. Golda ficou sabendo disso quando David Ben-Gurion, um dos fundadores do futuro Estado de Israel, fez uma visita a Milwaukee a fim de recrutar voluntários para lutar na Grande Guerra. A ideia de um dia emigrar para a terra de seus antepassados não saiu mais da cabeça da jovem. Em 1917, quando da Declaração Balfour, Golda Meir ficou exultante. Para ela, o exílio do povo judeu terminara. Golda e Morris, que haviam ficado noivos, resolveram mudar-se para a Palestina tão logo tivessem condições financeiras. O casamento aconteceu no dia 24 de dezembro de 1917, em Milwaukee. Golda tinha 19 anos. Os dois foram para Nova York, onde trabalharam durante três anos e meio para juntar o dinheiro das passagens de ida para Israel. Numa viagem repleta de privações e de incidentes, Golda e Morris partiram de Nova York no dia 22 de maio de 1921 e, viajando de navio e de trem, só chegaram a Tel Aviv dois meses depois. A cidade tinha 15 mil habitantes, em sua maioria judeus vindos da Lituânia, Estônia, Polônia e Rússia. Para quem chegava desses lugares, Tel Aviv podia até ser um lugar habitável. Mas não para quem morara em Milwaukee, Denver, Chicago e Nova York. Golda e Morris tiveram de engolir sua decepção com a Terra Prometida. Foram morar num apartamento de dois cômodos, sem eletricidade e água corrente e com banheiros coletivos.
Dois meses depois, Morris e Golda se mudaram para o kibutz Merhavia, no vale de Jezreel, na Baixa Galileia, e passaram a viver seu “sonho socialista”. Os dias se resumiam a trabalho de sol a sol na lavoura, na criação de animais, na cozinha e na limpeza. Dois anos e meio após a mudança para Merhavia, Morris, que sempre detestou serviços braçais, ficou seriamente doente. O casal então se mudou para Tel Aviv e depois para Jerusalém. Lá, Golda Meir teve seus dois filhos: Menahem, o mais velho, e Aya. Agora eram quatro bocas para comer e as condições de vida da família continuavam precárias. Para piorar as coisas, Golda constatou que seu casamento era um fracasso. Mesmo assim, ela e Morris continuaram vivendo sob o mesmo teto, talvez por falta de melhor alternativa. Em 1928, Golda Meir foi eleita secretária do Moetzet HaPoalot (Conselho de Mulheres Trabalhadoras). Mais tarde, em 1932, Golda, por ter nacionalidade americana e falar inglês fluentemente, foi indicada para trabalhar para o movimento sionista nos Estados Unidos. Levou as crianças com ela e ficaram dois anos na mérica, antes de voltar para a Palestina. Durante esse tempo, Morris permaneceu em Jerusalém. Aos poucos, os britânicos foram deixando de lado a promessa de lorde Balfour de 1917, de uma terra para os judeus na Palestina, e se interessando mais pelo apoio árabe em uma altamente provável guerra contra a Alemanha, oferecendo-lhes um Estado árabe independente no prazo de dez anos. Quando Golda Meir tinha 20 anos e ainda morava com Morris em Nova York, na aldeia de Mit AbulKum, no delta do Nilo, nascia Anwar el-Sadat. Seu pai tinha 13 filhos para sustentar e mudou-se com a família para o Cairo quando Anwar ainda era uma criança de 6 anos. Quase meio século mais tarde, Golda e Sadat seriam protagonistas, na qualidade de comandantes supremos dos exércitos israelense e egípcio, da luta sangrenta que seria travada nas margens do canal de Suez e nas areias da península do Sinai.
10. O gigante negro
Logo após o término da Primeira Guerra Mundial, as empresas petrolíferas americanas se deram conta de que o século XX seria o século do automóvel. Em 1916, por exemplo, ano em que o desfecho da guerra ainda pendia para os alemães, havia 3,4 milhões de carros registrados nos Estados Unidos. Treze anos mais tarde, pouco antes do crash de outubro de 1929 na Bolsa de Nova York, esse número tinha saltado para 23 milhões, o que representava 78% dos veículos automotores existentes no mundo. Na beira das estradas, os postos de abastecimento surgiam quase que da noite para o dia. Standard Oil o New Jersey e Standard of Indiana (criadas após o desmembramento forçado da Standard Oil), Sinclair, Gulf, Socony, Philips, Sun, Shell, Texaco, os totens das grandes empresas se sucediam ao longo do caminho. Após o crash crash da Bolsa e com o início da Grande Depressão, obviamente o preço do petróleo despencou. Não só por causa da crise econômica, que obrigava as pessoas a deixarem seus carros na garagem por falta de dinheiro para encher o tanque, mas também porque, justamente naqueles anos sombrios, grandes reservas petrolíferas foram descobertas em solo americano, boa parte delas no Texas. Bem antes, em 1923, no início dos “esfuziantes anos 1920” ( The Roaring Twenties ),), a Califórnia se tornara o grande estado produtor dos Estados Unidos, fornecendo um quarto do petróleo extraído no mundo. Três anos mais tarde, descobriu-se o Grande Seminole, em Oklahoma, e logo depois ricas jazidas foram localizadas no Novo México. Mas o boom de achados do Texas ofuscou tudo o que acontecera antes na indústria petrolífera. Columbus Joiner, 71 anos, mais conhecido como Dad Joiner, que vivia no leste do Texas, se gabava de ser capaz de farejar petróleo existente sob o solo. Como não dispunha de capital, o velho Dad usava sua lábia para captar investidores que pudessem financiar suas prospecções no condado de Rusk, a sudeste de Dallas, quase na divisa com a Luisiana. Na sexta-feira, 3 de outubro de 1930, às oito horas da noite, a terra começou a tremer sob as perfuratrizes de Joiner no poço Daisy Bradford número 3. Alguns minutos se passaram e um líquido negro e viscoso jorrou muito acima do topo da torre. Dad Joiner acabara de encontrar o Gigante Negro (The Black Giant), o maior poço de petróleo dos Estados Unidos. Dad era bom para encontrar petróleo, mas não tinha a mesma competência para lidar com finanças. Logo descobriu que vendera quotas em excesso de seu empreendimento e que talvez nada lhe restasse de lucro. Mas havia outro poço, o Deep Rock, localizado nas proximidades do Daisy Bradford, que se revelaria tão produtivo quanto o primeiro. Infelizmente, Joiner não chegou a ficar sabendo disso. Um espertalhão chamado Haroldson Lafayette Hunt, após embebedar Columbus Joiner, conseguiu comprar do velho explorador os direitos do Deep Rock desembolsando apenas 30 mil dólares. Dad Joiner morreu dezesseis anos depois, aos 87 anos, sem nunca mais ter “farejado” nenhum poço rentável. rentáve l. Já Hunt tornou-se torn ou-se um dos homens mais ricos dos Estados Unidos. Com o agravamento da Depressão, no dia 5 de maio de 1933 o preço do petróleo caiu para quatro centavos de dólar o barril. Contribuiu para isso a produção de enormes jazidas que haviam sido descobertas no
México e na Venezuela. Em 31 de março de 1938, o presidente mexicano Lázaro Cárdenas estatizou as companhias petrolíferas do país (todas elas estrangeiras), antecipando o que iria acontecer em quase todo o mundo nas quatro décadas seguintes.
11. Um mar de hidrocarbonetos hi drocarbonetos
O atual reino da Arábia Saudita, no qual ficam as cidades sagradas de Meca e Medina, foi fundado por bdul Aziz bin Abdel Rahman al-Saud, mais conhecido como Ibn Saud, na península Arábica, em 1932. No ano seguinte, geólogos da Standard Oil of California (Socal) que faziam prospecção na região do golfo Pérsico — e que já haviam localizado petróleo no Barein — iriam descobrir que o solo arenoso do leste da península repousava sobre um riquíssimo lençol petrolífero. Tendo pacificado e unido, sob sua liderança, diversos clãs rivais do deserto, alguns pelo poder das armas, outros por alianças ancoradas em casamentos, Ibn Saud tinha 54 anos, boa parte deles levando vida nômade, montado na sela de um camelo e dormindo em tendas. Criara reputação de ser, além de político hábil, um guerreiro valente, fama essa facilitada por seu porte impressivo, tórax avantajado e 1,95 metro de altura. Em 1932, Ibn Saud, sunita do ramo wahabi, já tivera 24 de seus quarenta e tantos filhos homens — ele não se preocupava em contar nem em registrar as filhas. A única fonte de renda do reino era o hajj , peregrinação que todos os muçulmanos, na medida do possível, devem fazer a Meca pelo menos uma vez na vida. O rei Saud permitiu que a Socal prospectasse eventuais jazidas petrolíferas no leste da península. Só na sétima tentativa a gigantesca reserva do poço Dammam número 7 foi encontrada. Sem que Ibn Saud pudesse suspeitar disso, naquele momento seu reino entrava numa era de fortuna e prosperidade. Achado Achado o petróleo, as negociações nego ciações entre entr e o rei e a Socal S ocal não foram fáceis. Mas finalmente fin almente as duas partes chegaram a um acordo. O reino receberia, em três parcelas, 155 mil libras em ouro, a título de empréstimo, e mais 5 mil como adiantamento dos royalties do do primeiro ano de exploração. Os empréstimos seriam mais tarde pagos em petróleo pelos sauditas. O prazo de concessão era de sessenta anos, cobrindo 900 mil quilômetros quadrados de área de prospecção. pr ospecção. A Standard Oil of California Californ ia criou uma nova empresa, a Casoc — California-A Californ ia-Arabian rabian Standard Oil Company —, para explorar a concessão. Enquanto a Arábia Saudita dava seus primeiros passos para se tornar a maior potência petrolífera do planeta, em outros pontos do Oriente Médio novas jazidas eram acrescentadas às já existentes. Kuwait, Iraque, Barein, Pérsia (que passou a se chamar Irã a partir de 1935)… Sob as esmaecidas paisagens da região ao redor do golfo Pérsico havia um mar subterrâneo formado por hidrocarbonetos. Restava às grandes companhias petrolíferas, quase todas do Ocidente, lutar ferozmente pelas fatias mais gordas daquelas riquezas. Quarenta anos mais tarde, durante a Guerra do Yom Kippur, essas corporações iriam enfrentar, em suas transações com os países produtores de petróleo do Golfo, um oponente de peso, negociador duro de roer. Mas no momento em que as perfuratrizes do poço Dammam número 7 encontraram óleo no deserto saudita, Ahmed Zaki Yamani, natural de Meca, era apenas um garotinho de 3 anos, filho e neto de juízes de cortes de interpretação inter pretação das leis islâmicas. islâmicas. Mais tarde, Yamani se tornaria o tzar do petróleo.
12. Ascensão do nazismo
pós a assinatura do armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, as potências vencedoras impuseram aos alemães o Tratado de Versalhes, cujas cláusulas draconianas implicavam, entre outras penalidades, o pagamento de uma multa indenizatória de 132 bilhões de marcos-ouro. Fora isso, a Alemanha teve de fazer extensas concessões territoriais e entregar aos Aliados grande quantidade de matérias-primas. Totalmente privado de recursos, o governo alemão recorreu à impressão de papel-moeda, provocando em consequência uma das piores hiperinflações da história. Em novembro de 1923, um dólar valia mais de 4 trilhões de marcos. As aposentadorias e as pensões de guerra viraram pó, assim como os salários dos funcionários públicos. O dinheiro simplesmente deixou de existir como reserva de valor e o povo recorreu ao escambo. Neste cenário caótico, surgiu um líder messiânico, Adolf Hitler, austríaco de 34 anos que lutara no Exército alemão durante a guerra, fora promovido a cabo e recebera a Cruz de Ferro por bravura no campo de batalha. Tendo assumido a liderança do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, que logo se tornaria mais conhecido pela abreviação Partido Nazista, Hitler debitava os males do país aos “traidores de Versalhes”, aos comunistas, e à “conspiração judaica universal”. Ele tinha ódio aos judeus — sentimento que não era nenhuma raridade nem na Alemanha nem na Áustria — desde os seus tempos de vagabundo errante em Viena, cidade onde viveu de 1905 a 1913, ano em que se mudou para Munique. Adolf Hitler era um orador inflamado, de gestos e expressões teatrais, que hoje seriam taxados de ridículos, mas que naquela época agregavam multidões de seguidores esperançosos, em meio à enorme penúria que varria o país. Na quinta-feira, 8 de novembro de 1923, quando a hiperinflação vivia seus últimos dias, Hitler, sem que seu partido tivesse adeptos em número suficiente para isso, tentou afobadamente dar um golpe de Estado, que ficou conhecido como o Putsch da Cervejaria, pois foi numa delas, a Bügerbräukeller, em Munique, que o brado de revolta foi lançado. O Putsch se revelou um fracasso. Na marcha que se seguiu pelas ruas da cidade, alguns nazistas foram mortos pela polícia, mas Hitler conseguiu escapar ileso. Preso mais tarde por alta traição, foi condenado a cinco anos de cadeia, dos quais cumpriu apenas 13 meses. De sua cela, o líder nazista escreveu Mein Kamp (Minha luta), que se tornaria a bíblia nacional-socialista. Quem se deu ao trabalho de ler o livro pôde antever o que aconteceria com a Alemanha, e particularmente com os judeus (“encarnação de todos os males”), se um dia Adolf Hitler assumisse o poder. Tudo o que ele fez mais tarde — guerra de conquista, expansão para o leste, escravização das “raças inferiores”, extinção de todos os partidos que não o nazista, ditadura implacável — estava previsto em Mein . Kampf Só que, quando Hitler saiu da prisão, o mundo mudara. A economia da Europa, puxada pelo crescimento espetacular dos Estados Unidos, que viviam os “esfuziantes anos 1920”, se recuperara dos tempos difíceis da guerra. A própria Alemanha, sob a República de Weimar, florescia, com ampla liberdade democrática. O marco voltara a ser uma moeda estável. Com isso, os nazistas perderam muitos adeptos.
Quando, em outubro de 1929, a Bolsa de Nova York sofreu um crash de proporções até então inimagináveis, um dos poucos beneficiários da Grande Depressão que se seguiu foi Adolf Hitler. As hordas nacional-socialistas eram agora engrossadas por multidões de desempregados. A cada eleição, os nazistas ganhavam mais assentos no Reichstag (Parlamento). Por fim, no dia 30 de janeiro de 1933, Hitler assumiu o posto de chanceler, que equivalia e equivale até hoje na Alemanha a chefe do governo. Um ano e meio mais tarde, com a morte do presidente da República, Paul Von Hindenburg, Adolf Hitler se autoproclamou Führer (chefe) da Alemanha, com poderes totais. Obrigou todos os oficiais das Forças Armadas a prestar juramento de obediência à sua pessoa. Nos anos que se seguiram, Hitler atropelou a História, moldando-a às previsões de seu livro. Os fatos se sucediam com tanta rapidez que os demais líderes mundiais se limitavam a aceitá-los como fait accompli . Na Alemanha, o Partido Nazista passou a controlar a vida e a atividade dos cidadãos. As Leis de Nuremberg proibiram os judeus de exercer qualquer tipo de comércio ou atividade profissional; seus filhos, de frequentar escolas. Campos de concentração foram construídos em todo o país. No auge da depressão mundial, a Alemanha nazista tornou-se uma ilha de prosperidade econômica, em função de um ambicioso programa de rearmamento (em desobediência ao Tratado de Versalhes) e de obras públicas de grande porte. Hitler aliou-se ao ditador italiano Benito Mussolini. Seguiu-se a expansão territorial prevista em Mein Kampf . Em 1938, a Alemanha anexou a Áustria e no mesmo ano tropas nazistas invadiram e ocuparam a Tchecoslováquia. Em todas essas regiões, os judeus que não haviam fugido antes eram os primeiros a serem reunidos em guetos ou lançados nos campos de concentração. Até que o mundo acordou. No dia 1 o de setembro de 1939, Adolf Hitler, após ter assinado um pacto de não agressão com a União Soviética de Stalin, atacou a Polônia. Em represália, Grã-Bretanha e França declararam guerra à Alemanha. Iniciava-se o segundo conflito mundial, no qual o povo judaico da Europa continental seria caçado em suas casas, sinagogas e esconderijos, e levado para locais onde seriam dizimados aos milhões. A SS e a Gestapo, sinistras entidades do Terceiro Reich de Hitler, iriam se juntar nas páginas da História aos soldados de Nabucodonosor e às legiões romanas de Adriano, que haviam tentado aniquilar o povo de Eretz Yisrael dois milênios antes.
13. Segunda Guerra Mundial
Blitzkrieg (guerra-relâmpago) da Alemanha contra a Polônia durou apenas cinco semanas. Foi uma luta de blindados contra cavalaria, de aviões rápidos e modernos contra aeronaves lentas e obsoletas. Varsóvia foi arrasada pelos bombardeios da Luftwaffe. Embora tivessem declarado guerra aos alemães, Grã-Bretanha e França não tomaram nenhuma medida concreta de ajuda aos poloneses. Ficaram praticamente imóveis, no que ficou conhecido como “guerra de mentira” ( phoney war ). Até que nos primeiros meses de 1940 a iniciativa coube novamente à Blitzkrieg de dolf Hitler, que varreu os Países Baixos e a França. As tropas britânicas estacionadas em solo francês se concentraram na praia de Dunquerque, de onde foram evacuadas por mar para a Inglaterra. O próximo passo de Hitler era a invasão das ilhas Britânicas, codinome Operação Leão Marinho, que teria de ser precedida pela neutralização da RAF (Royal Air Force). Mas os alemães subestimaram a capacidade e a determinação do inimigo e a RAF os derrotou na Batalha da Inglaterra. Adolf Hitler se voltou então contra a União Soviética. Atacou-a através da Operação Barbarossa, em junho de 1941. Essa Blitzkrieg nas estepes foi ainda mais feroz do que as anteriores. O rolo compressor alemão chegou até um ponto do qual os soldados nazistas puderam avistar as torres do Kremlin. Mas foram rechaçados pelo “general inverno”, tal como acontecera com as tropas de Napoleão Bonaparte, 130 anos antes. Grã-Bretanha e União Soviética tornaram-se aliadas. O primeiro-ministro britânico Winston Churchill passou a se referir a Stalin como “tio Joe”. Só faltava a entrada dos Estados Unidos no conflito. Isso aconteceu em dezembro de 1941, quando os japoneses, parceiros dos alemães, atacaram Pearl Harbor. Havia agora dois teatros de guerra distintos: o da Europa (que ainda incluía o norte da África e partes da sia) e o do Pacífico. O momento de virada aconteceu em fevereiro de 1943, com a derrota dos alemães em Stalingrado. A partir daí, o Terceiro Reich não fez outra coisa senão encolher. E passou a lutar em duas frentes terrestres, ambas retrocedendo, quando os Aliados ocidentais desembarcaram nas praias francesas da Normandia em junho de 1944. Fazendo questão de unir seu destino pessoal ao da Alemanha, Adolf Hitler manteve o estado de guerra contra os Aliados até que as tropas soviéticas se encontravam a um quarteirão de distância do bunker da chancelaria, em Berlim. Para não cair nas mãos dos russos, Hitler se suicidou. Faltava o desfecho da guerra no Pacífico, que, de ilha em ilha, se aproximava do solo japonês. Para poupar o que se estima em um milhão de vidas americanas e 3 milhões de vidas japonesas, o presidente Harry Truman, que assumira a Casa Branca com a morte de Franklin Delano Roosevelt, autorizou o uso de bombas atômicas, lançadas em Hiroshima e Nagasaki, respectivamente em 6 e 9 de agosto de 1945. Em discurso ao país pelo rádio, em 14 de agosto, o imperador Hirohito se rendeu, pondo fim à maior carnificina de todos os tempos. O petróleo desempenhou papel importante na Segunda Guerra Mundial. Sem fontes próprias de combustíveis fósseis, os alemães se valeram dos poços da aliada Romênia, mas fracassaram na tentativa de se
apoderar das gigantescas reservas de Baku, na União Soviética. Falharam também na tentativa de alcançar as jazidas do Oriente Médio. Nessa ocasião, o futuro presidente do Egito, Anwar el-Sadat, atuou como espião dos alemães na cidade do Cairo ocupada pelos ingleses.
14. Holocausto
Quando, no terceiro dia da Guerra do Yom Kippur, o ministro da Defesa de Israel, Moshe Dayan, alertou Golda Meir sobre a iminência de uma derrota total de Israel para o Egito e a Síria, sugerindo que a primeira-ministra fizesse uso de armas atômicas, os governos dos Estados Unidos e da União Soviética tinham plena noção de que o risco do segundo ataque nuclear da história (considerando-se Hiroshima e Nagasaki como um só episódio) era grande. O povo judeu — sabiam Nixon, Kissinger e Brejnev — jamais se deixaria abater como gado em um matadouro, tal como acontecera durante a Segunda Guerra Mundial. Segunda-feira, 5 de outubro de 1942. Cinco mil prisioneiros, entre homens, mulheres e crianças, todos judeus, haviam sido reunidos por soldados de grupos de extermínio das SS — Einsatzgruppen — numa ravina localizada nos arredores da cidade de Dubno, na Ucrânia, 330 quilômetros a oeste de Kiev. Usando chicotes, os nazistas obrigavam os presos a se despirem de modo organizado, deixando suas peças de roupa em pilhas predeterminadas para calçados, vestidos, paletós, calças, camisas, sobretudos e trajes íntimos. Já nus, os presos eram executados a tiros de metralhadora, em grupos de aproximadamente vinte, à beira de uma vala de 30 metros de comprimento e 3 de profundidade, de modo que os impactos das balas os faziam cair lá embaixo, a maior parte deles morta ou agonizando, e alguns poucos apenas feridos. Outra fileira substituía a anterior na beira da cova, e nova salva de tiros se sucedia. Terminada a execução, um trator de lâmina cobria de terra os mortos e moribundos e aplainava o terreno. Quando os encarregados nazistas do programa de extermínio dos judeus, a chamada Solução Final, chegaram à conclusão de que a morte por fuzilamento era demorada e gastava muita munição, passaram a usar caminhões fechados com os canos de escapamento voltados para dentro da carroceria dos veículos, onde os judeus eram postos e levados para um “passeio”. Em dez ou quinze minutos estavam todos mortos pela ação do monóxido de carbono. O novo sistema de aniquilamento funcionou por algum tempo, mas também foi considerado lento. A quantidade de judeus que chegava de todos os cantos da Europa era maior do que a capacidade de liquidálos. Surgiram então as câmaras de gás, sendo a primeira delas inaugurada no campo de Treblinka, na Polônia, 85 quilômetros a nordeste de Varsóvia. De todos os campos, o mais tristemente célebre foi o de Auschwitz-Birkenau, quase na fronteira da Polônia com a Tchecoslováquia, onde 1,1 milhão de prisioneiros morreram nas câmaras, ou em consequência da fome e de maus-tratos, sendo nove em cada dez deles judeus. Mais tarde, durante o julgamento dos criminosos nazistas em Nuremberg, um dos comandantes do campo de Auschwitz, Rudolf Franz Ferdinand Höss, diria sobre as execuções: Usava gás de monóxido, mas não estava muito satisfeito com o resultado do mesmo. Por este motivo, quando construí o campo em Auschwitz decidi-me pelo Zyklon B, que introduzíamos nas câmaras por uma pequena abertura [no teto]. De acordo com a temperatura que fizesse, as vítimas demoravam de cinco a quinze minutos para morrer. Sabíamos que haviam morrido quando deixavam de gritar . […] Podíamos introduzir 2 mil pessoas [nas câmaras de gás] ao mesmo tempo.
Estima-se que 6 milhões de judeus tenham sido mortos pelos nazistas. Homens, mulheres e crianças foram presos em quase toda a Europa e transportados em vagões ferroviários de gado ou de carga para os campos de concentração. Os que não tiveram a sorte de morrer durante a viagem eram submetidos a uma triagem médica na chegada aos campos. Aqueles sem capacidade de trabalhar — como os doentes, os idosos e as crianças pequenas — eram imediatamente levados para as câmaras de gás. Os demais só eram executados após suas forças terem sido exauridas pelo trabalho e pela escassa alimentação. Então seguiam para o mesmo destino de seus filhos, pais e avós: as câmaras e os fornos crematórios. Quando, durante a ofensiva final dos Aliados, os campos foram encontrados e libertados — alguns ainda com pilhas de cadáveres insepultos, os sobreviventes resumidos a pele e ossos —, a opinião pública mundial entrou em choque ao tomar conhecimento dos detalhes do terrível crime cometido pelos alemães. Um holocausto ocorrera na Europa em pleno século XX. Restava decidir onde alojar os remanescentes do povo judeu, que tinham perdido suas terras, suas casas, seus bens e a maior parte de seus familiares.
15. O judeu errante
Uma antiga lenda cristã, de cunho antissemita e sem nenhuma base em fatos ou escrituras, dizia que, ao percorrer as ruas de Jerusalém carregando a cruz rumo ao monte Calvário, Jesus Cristo passou pela oficina de um homem chamado Ashver, judeu e carpinteiro como ele. Tendo sido ofendido, humilhado e agredido pelo colega de profissão, Jesus, ainda segundo a lenda, amaldiçoou Ashver, condenando-o a vagar eternamente pelo mundo até o Juízo Final. O judeu errante da Via Sacra pode nunca ter existido, mas não faltaram judeus errantes depois da Segunda Guerra Mundial. Foram centenas de milhares deles, homens e mulheres que, após terem perdido toda a família, perambulavam pelos campos de refugiados da Europa sem nenhum documento para provar sua identidade. Quando finalmente conseguiam alcançar suas casas, encontravam-nas destruídas, assim como as dos vizinhos. Em Kiev, por exemplo, capital da Ucrânia, cidade natal de Golda Meir, a parte norte da rua Nizhny Val, próxima ao rio Dnieper, era uma área quase exclusiva da comunidade judia até a invasão nazista de 1941. Mas, no segundo semestre de 1945, os poucos judeus que conseguiram voltar para lá só encontraram escombros e nenhum parente, amigo ou conhecido. Além disso, o governo comunista soviético não demonstrou o menor interesse em patrocinar a reconstrução do bairro judaico. Foi nessa época que o velho sonho dos judeus de fundar um Estado próprio e independente na Palestina — sonho esse que, com algumas exceções, como a de Golda Meir, jamais passara de um sonho — ganhou força. Mais do que isso, tornou-se uma ideia fixa entre os judeus errantes dispersos pela Europa. Com certeza por causa do Holocausto, a causa da pátria judaica foi acolhida com simpatia em quase todo o mundo no pós-guerra. Mas não entre os árabes que compunham a maior parte da população da Palestina e que desejavam tão somente se tornar independentes da Grã-Bretanha para fundar sua própria nação. Havia uma culpa coletiva com relação ao tratamento dispensado ao povo judeu durante o nazismo. Não só entre os alemães ditos de bem, que pouco ou nada fizeram para evitar a “faxina étnica” e o massacre, mas também entre os cidadãos dos países aliados. Afinal de contas, entre a subida de Hitler ao poder, em 1933, e o início da guerra, as nações democráticas mais civilizadas, inclusive os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França, com exceção de alguns protestos isolados, não tinham tomado nenhuma medida concreta para tentar impedir os abusos e as atrocidades que se sucediam na Alemanha. Em 1945, a sensação de remorso por essas omissões era enorme. Como alternativa à Palestina, outros lugares foram indicados para alojar o povo judeu. Entre eles, Uganda e Madagascar, colônias inglesa e francesa na África, sem que os nativos locais fossem consultados. Numa proposta não totalmente desprovida de lógica, o rei da Arábia Saudita, Ibn Saud, sugerira a Franklin Delano Roosevelt, em 14 de fevereiro de 1945, que o povo judaico tivesse seu lar nacional na Alemanha. O encontro entre os dois chefes de Estado acontecera no cruzador Quincy , da Marinha norte-americana, ancorado no Great Bitter Lake, no Egito. Só que o judeu, ou a judia, errante, queria ir para Eretz Yisrael. E foi isso que começaram a fazer, mesmo por conta própria, tão logo a fumaça da guerra e dos fornos crematórios se dissipou.
16. Êxodo
Enquanto os líderes das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial discutiam como seriam os estatutos das Nações Unidas e os procedimentos para a criação de uma pátria para os judeus desalojados pela guerra, a comunidade judaica internacional se antecipava aos fatos financiando o deslocamento de dezenas de milhares de sobreviventes do Holocausto, a maior parte das vezes ilegalmente, para a Palestina. A bordo de velhas embarcações de todos os tipos e calados — fretadas por judeus ricos, principalmente americanos —, os refugiados tentavam furar o bloqueio britânico no Mediterrâneo e desembarcar nas praias da Terra Prometida. Algumas dessas “banheiras” enferrujadas obtinham êxito. Outras, interceptadas pela Marinha Real, eram encaminhadas para a ilha de Chipre, 400 quilômetros ao norte da Palestina, aonde os passageiros, praticamente só com a roupa do corpo, iam para o insalubre e superlotado acampamento de Famagusta. O caso mais emblemático foi o do navio President Warfield , rebatizado de Exodus , que ao transportar 4,5 mil sobreviventes do campo de concentração de Bergen-Belsen de Marselha para a Palestina teve sua viagem abortada por navios de guerra britânicos. Os judeus a bordo tiveram seu pedido de asilo negado pela França e acabaram desembarcando em Hamburgo, na Alemanha ocupada. A opinião pública mundial condoeu-se imensamente com o episódio. Sensibilizado, ou se sentindo pressionado, o presidente Harry Truman, dos Estados Unidos, pediu à Grã-Bretanha que autorizasse a entrada de 100 mil judeus alemães e austríacos na Palestina. De Londres, o primeiro-ministro trabalhista Clement Attlee respondeu com um rotundo “não”, mais interessado em agradar aos árabes, de olho nas jazidas de petróleo do golfo Pérsico. A Liga Árabe das Sete Nações, fundada em março de 1945, se opunha terminantemente à imigração judaica para a região. Mesmo os judeus que conseguiam chegar à Palestina não podiam se considerar a salvo. Havia uma cota de imigração estabelecida pelo governo inglês. Os que ultrapassavam essa cota eram presos nas praias, após o desembarque, e levados para Famagusta. Nessa época, começaram a surgir escaramuças entre tropas britânicas e combatentes judeus do Haganá (Defesa), organização guerrilheira sionista. Percebia-se claramente que a era do judeu conformado com o destino que outros povos lhe impunham chegara ao fim. Agora, tudo indicava, seria “olho por olho, dente por dente”. Em junho de 1946, a Haganá dinamitou todas as pontes sobre o rio Jordão. No mês seguinte, outra organização sionista, a Irgun, uma ramificação da Haganá, liderada pelo futuro primeiro-ministro de Israel, Menachem Begin, perpetrou um atentado a bomba no hotel King David, quartel-general do Exército britânico em Jerusalém, matando 91 pessoas, entre ingleses, árabes e até mesmo judeus. As autoridades britânicas responderam com prisões em massa. A situação tornou-se insustentável. Três militantes da Irgun foram condenados à morte por enforcamento, sob a acusação de terrorismo. Em resposta, os sionistas sequestraram dois soldados ingleses, os sargentos Mervyn Paice e Clifford Martin, mantendo-os como reféns no intuito de evitar as execuções de seus companheiros. Como os três judeus foram enforcados, os sargentos foram mortos num bosque de eucaliptos e deixados pendurados nos galhos das árvores. “Olho por olho…”
Por fim, Attlee entregou os pontos. Desistiu da Palestina, tal como estava fazendo com relação à ndia.
17. Independência ou morte
No final de 1947, as Nações Unidas divulgaram seu plano de divisão da Palestina, demarcando as áreas que seriam ocupadas por judeus e árabes. Estes últimos — que constituíam a grande maioria dos habitantes do território — não aceitaram a decisão da ONU. Seguiram-se ataques árabes aos residentes judeus, imediatamente revidados. Emboscadas e assassinatos se sucederam dos dois lados. Um dos maiores opositores da partilha da Palestina era o rei Ibn Saud, da Arábia Saudita. “Judeus e árabes são inimigos desde o século XVII”, escreveu o monarca ao presidente americano, Harry Truman. E ameaçou cancelar a concessão da Aramco, empresa que detinha os direitos de exploração de petróleo na península Arábica. Segundo a decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas, o Estado de Israel passaria a existir oficialmente no dia 14 de maio de 1948. Jerusalém, local sagrado para judeus, cristãos e muçulmanos, seria uma cidade aberta, com administração internacional. Um mês após a votação na ONU, da qual se absteve a Grã-Bretanha, esta anunciou que suas tropas deixariam a Palestina em 15 de maio, dia seguinte ao da independência. “Que judeus e árabes resolvam entre si suas diferenças”, ficou implícito na decisão britânica. Finalmente chegou o grande dia: sexta-feira, 14 de maio. Após quase 2 mil anos de diáspora, os judeus tinham de novo sua nação. Numa cerimônia realizada à tarde no Museu de Tel Aviv, no bulevar Rothschild, David Ben-Gurion, num discurso de apenas quinze minutos, proclamou a existência do Estado de Israel, sendo Tel Aviv a capital. Horas depois, os Estados Unidos e a União Soviética reconheceram oficialmente o novo país. Ainda no dia 14, Ben-Gurion foi eleito primeiro-ministro. A independência aconteceu na sexta; no sábado os britânicos foram embora; no domingo, 16 de maio, começou a primeira guerra entre árabes e judeus. Mal começara a respirar, o minúsculo Estado de Israel foi invadido por tropas libanesas, sírias, iraquianas, jordanianas e egípcias. Pode-se dizer qualquer coisa da guerra, menos que foi civilizada. Tanto um lado como o outro cometeram atrocidades, tais como executar civis e soldados desarmados e rendidos. Nos primeiros 26 dias de luta, os árabes levaram vantagem e tudo indicava que Israel não duraria um mês. Mas, graças à ajuda financeira dos judeus americanos, ou à grande determinação dos combatentes de Israel, ainda com a lembrança do Holocausto na cabeça, ou, mais provavelmente, às duas coisas, o avanço dos árabes foi detido antes que eles se apoderassem de Tel Aviv e de toda a região de Jerusalém, o que teria sido o fim do Estado judeu. As Nações Unidas tentaram impor uma trégua para pôr fim aos combates. Os árabes não se interessaram pela ideia, pois continuavam com esperanças de aniquilar Israel. Os judeus, estancadas as primeiras ofensivas do inimigo, também desdenharam da proposta. Os armamentos dos dois lados eram primários. Dos nove aviões da “força aérea” israelense, apenas um não era monomotor. Os egípcios usavam como bombardeiros velhos caças Spitfire ingleses. As forças blindadas de Israel contavam com tanques franceses fabricados em 1935, além de dois Cromwell britânicos e dois Sherman americanos da Segunda Guerra.
Entre os comandantes do Exército de Israel havia um oficial extremamente agressivo e impiedoso, à frente de uma companhia de infantaria. Seu nome, Ariel Sharon, mais tarde teria grande importância na história do país, como general e como primeiro-ministro. Tentando obter um cessar-fogo e trazer de volta os palestinos que haviam sido expulsos de suas terras pelos judeus, a ONU enviou um dos diplomatas mais competentes do mundo para cuidar do assunto. Tratava-se do conde sueco Folke Bernadotte, que quase abreviou a Segunda Guerra Mundial no teatro da Europa, ao tentar conseguir a rendição dos nazistas antes que a Alemanha fosse totalmente aniquilada. Só que fanáticos israelenses, interessados em ampliar seu território, agora que os ventos da guerra começavam a se mostrar favoráveis graças a uma série de ofensivas bem-sucedidas, assassinaram Bernadotte no dia 17 de setembro de 1948. A infâmia coube ao grupo sionista Lehi, que procurava impedir o regresso dos palestinos. Um dos três homens que aprovaram o assassinato do conde sueco foi Yitzhak Shamir, futuro primeiro-ministro israelense. Imediatamente, Ben-Gurion ordenou a dissolução do grupo Lehi assim como da Irgun, outra organização extremista judia. Israel venceu a Guerra da Independência. A vitória se materializou no início de 1949, quando os árabes aceitaram um cessar-fogo ordenado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Uma série de acordos e armistícios foi assinada pelas partes envolvidas no conflito. Ao final da luta, o território de Israel se tornara 21% maior do que aquele estabelecido pelo plano de partilha de 1947 elaborado pela ONU. Três milhões de refugiados palestinos árabes agora se distribuíam em acampamentos na faixa de Gaza, no Sinai, na Jordânia e no Líbano. Por sua vez, Israel tornara-se um país soberano, com um milhão de habitantes, cercado de inimigos raivosos à espera de uma oportunidade de vingança. Enquanto isso, o saudita Ahmed Zaki Yamani, um jovem de cabelos ruivos e olhos castanho-escuros penetrantes, que mais tarde seria chamado de o “tzar do petróleo”, estudava direito na Universidade Rei Fuad, no Cairo. Um dos seus contemporâneos na universidade era um ambicioso cairota, Yasser Arafat, estudante de engenharia civil. Na mesma cidade se encontrava preso, por assassinato, um oficial do Exército egípcio, o futuro presidente do país Anwar el-Sadat. Nenhum deles tinha conhecimento da existência dos outros dois, embora os três estivessem destinados a escrever páginas importantes da história do Oriente Médio.
18. Crise de Suez
Entre o final da Guerra da Independência e o início da década de 1950, aproximadamente meio milhão de judeus havia emigrado para Israel. Chegavam de todos os lugares: dos campos de refugiados de Chipre, lemanha e Áustria, além de países como Turquia, Tchecoslováquia, Bulgária, Iugoslávia, Polônia, Romênia, Hungria, Marrocos, Tunísia, Argélia, Líbia, Iraque, Iêmen, Pérsia (futuro Irã), China e até mesmo de alguns pontos da Arábia Saudita. Grande parte desses indivíduos se constituía de mulheres, crianças, idosos e de pessoas incapazes não só para o serviço militar, como para o trabalho comum, devido aos danos físicos infligidos nos campos de concentração. Mesmo assim, com tantos inimigos ao redor, Israel teve de constituir forças armadas fortes o suficiente para defender seu território. No Egito, o rei Farouk, que subira ao trono em 1936 com apenas 16 anos, chegara aos 30. Embora, ao ser coroado, tivesse prometido promover o bem-estar de todos os egípcios, Farouk se interessava mesmo era pelos prazeres da vida mundana, que incluíam longas temporadas na Riviera Francesa, onde era frequentador assíduo do cassino de Monte Carlo, chegando às vezes a perder mais de 100 mil dólares em uma única noite. É óbvio que isso não contribuía em nada para sua popularidade entre os súditos. Em 23 de julho de 1952, Farouk foi deposto por um golpe militar. A bordo de seu iate, carregado de lingotes de ouro, o rei partiu do porto de Alexandria para “padecer” seu exílio justamente na Riviera, onde o pano verde das mesas de bacará e belas mulheres o aguardavam. Apesar de a liderança nominal do golpe ter sido atribuída ao general Mohamed Naguib, que assumiu a chefia do Estado, o verdadeiro cabeça do movimento foi o coronel do Exército Gamal Abdel Nasser, de 34 anos. Quando Naguib quis ter voz ativa, Nasser assumiu o poder na agora república, primeiro no cargo de primeiro-ministro, depois no de presidente — na verdade um ditador feroz que sufocaria qualquer tentativa de oposição. Extremamente populista e carismático, o coronel Nasser estendeu sua influência a todo o mundo árabe e até mesmo a países que se definiam, não sem uma certa dose de bravata, como “não alinhados”, isto é, fora do campo gravitacional dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética. No mês de setembro de 1954, o advogado saudita Ahmed Zaki Yamani, com 24 anos, desembarcou nos Estados Unidos pela primeira vez. Tinha como meta, que seria plenamente alcançada, obter um mestrado em jurisprudência comparativa na Universidade de Nova York (NYU). Sua bolsa de estudos era um presente do próprio rei Ibn Saud, que conhecera Yamani em Meca durante uma visita à escola na qual hmed, além de ser o aluno mais inteligente e preparado, era o primeiro da classe. Em Nova York, Yamani fez amizade com Nat King Cole, que tocava piano e cantava em um night club de Midtown. Sempre que o jovem saudita chegava ao local, Cole o recebia com uma versão de Haji Baba (Ali Babá). Pouco depois de receber seu diploma de mestrado na NYU, Ahmed Zaki Yamani casou-se, lá mesmo em Nova York, com uma jovem iraquiana chamada Laila Faidhi, que fazia doutorado em Educação. O casamento foi uma cerimônia simples, realizada na casa de um amigo marroquino do casal. Ahmed e Laila
se mudaram para Cambridge, Massachusetts, onde Yamani obteve novo mestrado, de Direito e Comércio Internacional, na Escola de Direito de Harvard. Grã-Bretanha e a França suportavam o ditador Gamal Abdel Nasser, apesar de seu nacionalismo radical árabe, que alguns chamavam de pan-arabismo, e com seu envolvimento com os “não alinhados”, desde que Nasser não se metesse com o canal de Suez, cujo controle acionário era franco-britânico, assim como franco-britânica era a operação do canal, uma das rotas marítimas mais importantes do mundo e pela qual transitava a maior parte do petróleo produzido no golfo Pérsico. No início, Nasser quis apenas receber 50% dos lucros de Suez. Ingleses e franceses sequer aceitaram discutir o assunto. O ditador então começou a pensar grande. Gamal Abdel Nasser decidiu romper os acordos internacionais assinados por seu país e nacionalizar o canal. Em vez de 50%, ele agora queria tudo. Queria também o controle operacional, ou seja, o poder de decidir quais os navios que poderiam e os que não poderiam passar do Mediterrâneo para o mar Vermelho, e vice-versa. Num discurso pronunciado numa esquina de Alexandria na terça-feira, 26 de julho de 1956, não só para a multidão presente, como, também transmitido pelo rádio, Nasser criticou o francês Ferdinand de Lesseps, construtor do canal e falecido havia mais de sessenta anos. O nome “de Lesseps” nada mais era do que uma senha para que, naquele exato momento, um grupo de 12 militares egípcios já treinados para a missão ocupasse a sede da companhia de Suez. De sua esquina, Nasser continuou falando ao povo e, ao final do pronunciamento, anunciou que o canal de Suez acabara de ser nacionalizado. A notícia foi recebida com urros de alegria em todo o país. “O canal está situado em território egípcio, é parte do Egito e pertence somente ao Egito”, assim Nasser concluiu seu discurso. O primeiro-ministro britânico Anthony Eden ficou sabendo da nacionalização de Suez durante um jantar que oferecia em Londres ao rei Faisal, do Iraque. Eden imediatamente entrou em contato com o premier francês, Guy Mollet, e com David Ben-Gurion, em Israel. Dessas primeiras conversas entre os três começou a surgir o plano de recuperação do canal. No dia seguinte ao discurso, 27 de julho, Nasser voltou de trem para o Cairo, onde foi recebido como herói. Reuniu-se então com Anwar el-Sadat, que aos poucos vinha se tornando seu homem de confiança. De algum modo, eles sabiam, viria uma reação franco-britânica. Era questão de tempo. Precisavam estar preparados. Enquanto isso, Ali Nasr, um prático egípcio de 26 anos do canal, subiu os degraus do edifício da companhia em Ismailia, um dos centros operacionais de Suez, situado em sua margem oeste, a meio caminho entre o Mediterrâneo e o mar Vermelho. Nasr informou aos práticos e operadores franceses, britânicos e gregos que estavam lá que, a partir daquele momento, eles trabalhavam para a companhia egípcia. Em 15 de setembro, os países do Ocidente repatriaram seus práticos, deixando a difícil operação de guiar os navios pela via estreita por conta de alguns poucos oficiais egípcios, auxiliados por pilotos enviados às pressas pelos países comunistas do Leste Europeu. A duras penas, a navegação continuou fluindo sem nenhum incidente grave. Os britânicos e franceses não queriam adotar nenhum procedimento que interrompesse o tráfego no canal, mas continuaram a conspirar para retomar seu controle, sempre contando com a participação de Israel. Só que os três países não se deram ao trabalho de consultar o presidente dos Estados Unidos Dwight “Ike” Eisenhower, que estava em campanha de reeleição. Depois de ter saído da desgastante Guerra da
Coreia, a última coisa que Ike queria era envolver os americanos em um novo conflito que afugentasse o eleitorado. Num ato que poderia ser definido como beligerante, Nasser bloqueou o porto de Eilat, ao sul de Israel, única saída do país para o mar Vermelho, além de proibir a passagem de navios israelenses pelo canal. Era clara a intenção do ditador egípcio de provocar uma nova guerra entre árabes e judeus, agora se valendo de armas fornecidas pela União Soviética. A conspiração entre britânicos, franceses e israelenses para invadir o Egito, reverter a nacionalização de Suez e, se possível, derrubar Nasser ganhou corpo. Na quarta-feira, 24 de outubro de 1956, representantes de alto nível dos três países se reuniram secretamente numa casa de campo no subúrbio parisiense de Sèvres. Israel deu tanta importância a essas conversações que enviou em sua comitiva David Ben-Gurion, Moshe Dayan, Shimon Peres e Golda Meir, sendo que ela acabara de assumir o ministério das Relações Exteriores. O avião militar francês que buscou os quatro em Tel Aviv pousou em um aeródromo militar próximo a Sèvres. Nesse encontro foi concebida a Operação Mosqueteiro. Israel atacaria o Egito pela península do Sinai, com suas tropas indo até a margem oriental do canal de Suez, e uma força de intervenção anglo-francesa interviria para “separar os beligerantes”, cada um de um lado do canal. Apartada a briga, as tropas inglesas e francesas ficariam por lá, “protegendo” a navegação. Se bem-sucedido, o plano seria perfeito. Só faltou o detalhe: não avisaram os Estados Unidos. Para complicar o cenário internacional, no mesmo dia do encontro em Sèvres, tanques do Exército Vermelho entraram em Budapeste, cuja população se rebelara contra o domínio soviético. E isso se tornou a grande preocupação do presidente Eisenhower, sem contar as eleições presidenciais americanas no mês seguinte. o nascer do sol de segunda-feira, 29 de outubro, paraquedistas israelenses, sob pretexto de estarem se defendendo de um ataque de fedayin (guerrilheiros da causa palestina), foram lançados na península do Sinai (Operação Kadesh) e a guerra contra o Egito começou. Imediatamente, tal como fora combinado em Sèvres, Grã-Bretanha e França pediram um cessar-fogo entre as duas partes. Israel, também como fora acertado, aceitou o pedido. Nasser, como era previsto, o recusou. Estava aberto o caminho para o envio de forças francesas e inglesas para “restabelecer a paz”, coisa que fizeram imediatamente. Na noite de 29, o presidente Nasser estava em sua residência quando ouviu o ronco de motores de aviões. Imediatamente subiu ao terraço, a tempo de ver caças e bombardeiros britânicos e franceses atacando uma base aérea próxima. Nasser então rumou para o quartel-general do comando do Exército para dirigir suas tropas. Percebeu que enfrentava uma aliança tripartite — Grã-Bretanha, França e Israel — e que suas chances de vitória na guerra que se iniciava eram extremamente remotas, o que logo se confirmou quando ficou sabendo que sua aviação fora totalmente destruída ainda no solo. Ao ataque aéreo seguiu-se o desembarque de tropas francesas e britânicas na zona do canal. Nas estradas próximas, blindados e caminhões egípcios ardiam por todos os lados, alvos de bombardeios aéreos. Eisenhower, que fazia uma viagem de campanha eleitoral, ficou furioso ao saber do ataque ao Egito. Declarou que se as tropas israelenses não se retirassem imediatamente das posições que haviam ocupado na margem oriental do canal de Suez, os Estados Unidos apoiariam sanções contra Israel nas Nações Unidas. A União Soviética também condenou a invasão tripartite, mas seus dirigentes ficaram felizes ao ver que o foco da atenção internacional se deslocara da Hungria para o Oriente Médio. Num episódio dos mais bizarros, o presidente Eisenhower telefonou para o primeiro-ministro britânico nthony Eden e o mandou pessoalmente “para o inferno”. Pelo menos foi o que Ike pensou. Na verdade, o
telefonema fora atendido por um funcionário de Downing Street 10, que não teve tempo de se identificar antes que Eisenhower, depois de dizer o desaforo, batesse o telefone em sua cara. Embora soubesse que o Egito jamais venceria a guerra contra a aliança tripartite, o coronel Nasser ainda tinha algum espaço de manobra. Pôs a pique diversos navios no canal, bloqueando-o totalmente, o que anulou o esforço de guerra franco-britânico. Agora os petroleiros que iam do golfo Pérsico para a Europa teriam de contornar o sul da África. Obedecendo a uma exigência de Eisenhower, França e Grã-Bretanha puseram o rabo entre as pernas e se retiraram do Egito. O mesmo fez Israel. A fuga dos três só não foi totalmente desonrosa porque, na noite de 3 para 4 de novembro de 1956, a Assembleia Geral da ONU criou uma força de paz a ser enviada imediatamente para garantir a segurança de Suez, que, mesmo assim, continuaria de propriedade e sob controle dos egípcios. Ficou claro para todas as nações do planeta que agora havia apenas duas superpotências: Estados Unidos e União Soviética. E Gamal Abdel Nasser, o grande vitorioso da crise de Suez, passou de herói a mito no mundo árabe. Para seu azar, o mito se superestimou. Pior, subestimou os israelenses. Uma década mais tarde, em 1967, quando os primeiros bebês que haviam nascido em Israel logo após a independência já eram jovens e saudáveis guerreiros, e a nação judaica se consolidara, o coronel Nasser cometeria o maior erro de sua vida, desafiando-os para uma nova luta.
19. As Sete Irmãs
s grandes empresas que controlavam a produção, o refino e a distribuição de petróleo e seus derivados em meados do século XX eram conhecidas como Sete Irmãs, ou Sette Sorelle, pois o apelido foi dado pelo italiano Enrico Mattei, um empresário que fez fortuna intermediando negócios petrolíferos. Em princípio, eram elas a Royal Dutch-Shell, a British Petroleum, a Gulf, a Standard Oil of New Jersey (que mais tarde se chamaria Exxon), a Mobil, a Chevron e a Texaco, sendo que as quatro últimas eram sócias da Aramco, que explorava as jazidas da Arábia Saudita. Alguns analistas relacionavam de 8 a 11 irmãs, incluindo as italianas Agip e ENI, a CFP (Compagnie Française des Pétroles) e a britânica Anglo-Iranian, ou mantinham o número sete, trocando um ou outro nome. Enfim, grosso modo, essas eram as empresas que monopolizavam o mercado mundial de hidrocarbonetos. Nos acordos com os países da América Latina (México e Venezuela) e do Oriente Médio, as Sete (ou mais) Irmãs usavam o critério fifty-fifty . Abatidas as despesas, o lucro era dividido igualmente. Isso em tese apenas, pois os demonstrativos de resultados eram uma farsa. Na apuração das despesas de exploração, as companhias inflavam os custos. Além disso, elas fixavam a seu bel-prazer o preço final de venda dos produtos, sob o qual era calculado o lucro. O México foi o primeiro país produtor a reagir ao esbulho, estatizando, em 1938, as companhias americanas exploradoras (nos dois sentidos da palavra). Não houve menção dos Estados Unidos de cruzar o rio Grande para garantir seu feudo. A discussão se limitou ao valor da indenização compensatória a ser paga às empresas. Havia uma diferença abissal entre as duas pretensões. O México queria pagar 7 milhões de dólares. As companhias, receber 408 milhões. O número acordado acabou sendo de 30 milhões, muito mais próximo da proposta mexicana. Foi criada a Pemex, estatal que explora o petróleo do país até hoje. A Venezuela era território da Standard Oil of New Jersey e da Shell. O país aceitava o fifty-fifty , embora, em razão da maquiagem das contas, o acordo significasse 60%/40%, ficando a Standard Oil e a Shell com a fatia maior. Isso provocou a revolta do ministro do Desenvolvimento do país, Juan Pablo Pérez Alfonso, que precisou brigar muito para corrigir os métodos de cálculo de resultados. As Sete Irmãs temeram que a derrota em solo venezuelano representasse um precedente a ser copiado pelos países produtores do Oriente Médio. Em 1941, os Aliados haviam deposto o xá Reza, do Irã, que simpatizava com Adolf Hitler, substituindoo por seu filho Mohammad Reza Pahlavi, de apenas 21 anos. Antes, durante e depois da Segunda Guerra o petróleo do país era explorado pela Anglo-Iranian, detestada pela população, pois, entre outros contrassensos, pagava mais impostos à Grã-Bretanha do que royalties ao Irã. No início da década de 1950 o povo iraniano quis seguir o exemplo do que acontecera no México. A palavra de ordem passou a ser “encampação”. O primeiro-ministro Haj Ali Razmara foi contra. Isso lhe valeu a vida. Em março de 1951, Razmara foi assassinado por um fanático nacionalista quando entrava
numa mesquita no centro de Teerã. Seu substituto, Mohamed Mossadegh, decidiu expropriar a AngloIranian. O xá Reza Pahlavi assinou a lei no dia 1o de maio. Em represália à estatização, os principais países do Ocidente decretaram um embargo ao petróleo iraniano. A produção do país caiu de 666 mil barris diários para apenas 20 mil. Houve recessão e inflação. Estava criado o cenário para a derrubada de Mossadegh. E foi justamente isso que os governos britânico e americano promoveram através da Operação Ajax, em 1953. Durante o processo de deposição de Mossadegh, o xá, temendo que o golpe tramado pelo Ocidente pudesse se reverter também contra si e sua família, fugiu para Roma. E foi de lá que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos o trouxeram para restabelecê-lo no trono. Com a ausência de Mossadegh, e com um xá extremamente agradecido, o Ocidente podia contar com um amigo e aliado no Oriente Médio e de novo com o fornecimento de petróleo iraniano, agora entregue a um consórcio internacional. Dele participavam a Anglo-Iranian, as quatro sócias da Aramco, além da Gulf, da Shell e da CFP, ou seja, as Sete Irmãs — oito, no caso. Nos anos 1950, a África entrou de vez no mapa mundial do petróleo. Em 1956, jazidas foram encontradas na Argélia e na Nigéria. Três anos mais tarde, um novo gigante foi descoberto, desta vez o poço Zelten, no deserto da Líbia. Coube à Standard Oil of New Jersey (Exxon) a sorte grande. Em 1959, durante o Congresso Árabe do Petróleo, realizado no Cairo, Pérez Alfonzo, agora ministro de Minas e Hidrocarbonetos da Venezuela, e observador de seu país no evento, procurou Abdullah Tariki, chefe do Diretório dos Negócios das Minas e do Petróleo da Arábia Saudita. Alfonzo quis saber a opinião de seu colega sobre a criação de um órgão internacional que representasse os interesses dos exportadores de petróleo. Como Tariki se interessou imediatamente, estava plantada a semente da Opep.
20. Opep e OLP
Desde o início dos anos 1950, o mercado mundial de petróleo não fazia outra coisa senão crescer. De um lado, a indústria automobilística era a principal força motriz das economias dos países desenvolvidos. De outro, novas jazidas eram descobertas. s Sette Sorelle continuavam a tratar com desdém os exportadores, nunca os consultando quando decidiam reduzir seus preços, sobre o qual era calculado o lucro e, por conseguinte, o fifty-fifty . No dia 9 de agosto de 1960, por exemplo, a Standard Oil of New Jersey diminuiu o valor do barril em 14 centavos, equivalentes a 7%. As demais companhias a acompanharam, gerando profunda indignação entre os países produtores. Foi nesse cenário de confronto que representantes de Arábia Saudita, Venezuela, Kuwait, Iraque e Irã, reunidos em Bagdá, decidiram criar a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que havia sido sugerida um ano antes pelo venezuelano Pérez Alfonzo. Logo outros países se juntariam ao grupo inicial. O objetivo explícito da nova entidade era o de formar um cartel para defender os preços, regulando a produção. O anúncio do nascimento da Opep, em 1960, foi simplesmente ignorado nos Estados Unidos e na Europa. As “irmãs” sequer mencionavam a palavra Opep (Opec, na sigla em inglês) em seus relatórios e se recusavam a trocar correspondência com o novo órgão. Isso perdurou por dois anos, até o início de 1962, quando Ahmed Zaki Yamani, então com 32 anos, foi nomeado ministro do Petróleo da Arábia Saudita, substituindo o ultranacionalista Abdullah Tariki. Tão logo assumiu a pasta, Yamani convocou as quatro sócias da Aramco — Standard Oil, Mobil, Chevron e Texaco —, para uma conversação sobre royalties , em Riad. Vindo do ministro saudita, as empresas não podiam deixar de comparecer. Só que, quando os diretores das companhias chegaram à capital da Arábia, Yamani recebeu-os tendo ao lado representantes dos demais países da Opep. A porta fora arrombada. Inicialmente, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo fixou sede em Genebra. Mas, como os suíços lhe negaram status diplomático, a instituição mudou-se para Viena. Sua importância crescia lentamente, muito lentamente. As Sorelle ainda eram as principais protagonistas do mercado. No Oriente Médio outras entidades sem nenhuma relação com o mercado de petróleo se sobressaíam no noticiário da imprensa. Entre elas, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), cujo líder era o engenheiro Yasser Arafat. Seu modus operandi , a guerrilha e o terror. Seus recursos humanos, as centenas de milhares de palestinos espalhados por campos de refugiados na Síria, no Líbano, na Jordânia e na faixa de Gaza, gente que, além da vida miserável e sem perspectivas, pouco ou nada tinha a perder.
21. Guerra dos Seis Dias
Em 1966 ocorreram diversos incidentes ao longo da fronteira de Israel com a Síria. Do alto das colinas de Golã, por exemplo, franco-atiradores sírios visavam assentamentos israelenses na Galileia. Nessa mesma época, guerrilheiros palestinos da Al-Fatah, facção da OLP também sob o comando de Yasser Arafat, passaram a cometer atentados e atos de sabotagem em Israel, cujos órgãos de segurança e Forças Armadas reagiram prontamente. O clima se tornou tenso. Já em 1967, no mês de abril, a Força Aérea Israelense se envolveu em combates contra caças MIGs sírios, abatendo seis deles sem sofrer nenhuma baixa. Em maio, no Egito, o presidente Gamal Abdel Nasser deslocou tropas e unidades blindadas para o deserto do Sinai. A Rádio do Cairo informou que uma nova guerra egípcio-israelense estava para acontecer e previu o aniquilamento do Estado judeu. No dia 18 de maio, Nasser exigiu a saída das Forças de Paz das Nações Unidas estacionadas na faixa de Gaza e na cidade de Sharm el-Sheikh desde a crise de Suez, onze anos antes. U Thant, secretário-geral da ONU, cedeu imediatamente. Em apenas três dias, os soldados foram repatriados para seus respectivos países. Israelenses e egípcios voltavam a ficar frente a frente na fronteira, à distância de um tiro de fuzil. Nasser, cada vez mais inebriado por seu sucesso no mundo árabe, não perdeu tempo em dar o passo seguinte em direção à guerra. Na terça-feira, 22 de maio, ele reinstituiu o bloqueio do estreito de Tiran, voltando a fechar, tal como fizera em 1956, a única porta de saída da navegação israelense para o mar Vermelho. Simultaneamente, o presidente egípcio deslocou 100 mil soldados e novecentos tanques para a península do Sinai. Como se suas ações não bastassem, Nasser declarou na Assembleia Nacional, no Cairo: “Nós visamos à destruição do Estado de Israel.” Não poderia ter sido mais explícito. O rei Hussein, da Jordânia, apostou no cavalo errado. Achando que o Egito desta vez derrotaria Israel, Hussein foi até o Cairo prestar vassalagem a Nasser, com quem assinou um pacto de mútua defesa. O Iraque aderiu imediatamente, pondo suas forças armadas sob o comando do Estado-maior egípcio, assim como fizeram os sírios, cujas tropas, seis brigadas reforçadas por trezentos tanques, entraram em estado de alerta máximo em Golã. Sem os soldados da ONU para separar os dois lados, por fim estourou o conflito. guerra entre Israel e os árabes em 1967 acabou ficando conhecida na história pelo nome de Guerra dos Seis Dias. Mas não teria sido nenhum exagero se fosse chamada de Guerra das Seis Horas. Pois seis horas foi o tempo que a Força Aérea de Israel levou para destruir os aeródromos egípcios, sírios e jordanianos e os quatrocentos aviões neles baseados, determinando assim o desfecho dos combates. O raide começou às oito da manhã de segunda-feira, 5 de junho de 1967. Ao mesmo tempo, sem serem molestados pelo ar, os blindados de Israel avançaram para oeste pelas areias do Sinai. Enganado por Nasser, que lhe revelou que Tel Aviv estava sendo bombardeada pelos egípcios, o rei Hussein cometeu outro erro. Mandou tropas jordanianas bombardearem a parte oeste de Jerusalém e os
assentamentos judeus próximos ao rio Jordão. O Exército de Israel contra-atacou, em quatro dias venceu a batalha e a Jordânia perdeu, talvez para sempre, Jerusalém Oriental. Tendo sido derrubados os muros de concreto e as cercas de arame farpado que separavam as duas metades da cidade de Jerusalém, agora os devotos judeus podiam ir, pela primeira vez desde 1948, à Cidade Velha e rezar no Muro das Lamentações, último vestígio do Segundo Templo. Em 8 de junho, quarto dia de guerra, o Exército israelense já tinha dominado todo o Sinai, destruído completamente o equipamento bélico egípcio no deserto e alcançado a margem oriental do canal de Suez. Na frente norte da guerra, o sucesso de Israel foi igual. Suas forças armadas escalaram e se apossaram das colinas de Golã, de enorme importância estratégica, pois, além de ser uma barreira natural de defesa, se trata de verdadeira plataforma de tiro, com amplo domínio visual das planícies do oeste da Síria. A sorte da Jordânia foi pior do que a da Síria. Durante aquela semana o reino de Hussein perdeu metade de seu território, representada pela Cisjordânia — que os judeus chamam pelos nomes bíblicos de Judeia e Samaria —, além de sua força aérea e de boa parte de seus blindados. Seguiu-se a negociação de um cessar-fogo entre as partes, com os vencedores impondo, como sempre acontece, seus termos. Israel tinha acrescentado 70 mil quilômetros quadrados ao seu território, que aumentara quatro vezes e meia e agora incorporava a península do Sinai, o estreito de Tiran, a faixa de Gaza, a Cisjordânia, a parte oriental de Jerusalém, a margem oeste do rio Jordão, as cidades de Belém, ericó, Hebron, Gaza, Sharm el-Sheikh, os montes Hérmon e Sinai e as colinas de Golã. O presidente Gamal Abdel Nasser ficou devastado, moral e fisicamente. Passou a ter crises frequentes de diabetes e de furunculose. Sentia dores excruciantes nas pernas. Nasser não era mais o herói invencível da crise de Suez nem o paladino do mundo árabe e do grupo dos não alinhados. Frustrado, ele descarregou sua fúria nacionalista nos Estados Unidos, rompendo relações diplomáticas com o governo do presidente Lyndon Johnson, acusando-o de favorecimento a Israel. derrota da coalizão árabe na Guerra dos Seis Dias deixou os guerrilheiros palestinos sem suas bases na região. Eles então se espalharam pelo mundo, formando organizações terroristas como a FPLP (Frente Popular para a Libertação da Palestina) e a Setembro Negro.
22. Sem resposta
Na noite de 4 para 5 de junho de 1968, no Ambassador Hotel, em São Francisco, Califórnia, um jordaniano de nome Sirhan Bishara Sirhan matou a tiros o senador Robert Kennedy após um evento das primárias democratas da campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos. No ano seguinte, em 27 de janeiro, nove judeus foram executados em Bagdá, sob a acusação de espionagem em favor de Israel. Cada um desses fatos criava animosidade contra os árabes entre a população americana. Nessa época, no Egito, a decadência física do presidente Gamal Abdel Nasser se acentuava, tendo ele inclusive sofrido um ataque cardíaco. Segundo escreveria em seu livro autobiográfico, Anwar el-Sadat, que em dezembro de 1969 seria nomeado vice-presidente do país, “a impressão que ele (Nasser) dava era justamente a de um morto-vivo. A palidez da morte se evidenciava em seu rosto e mãos, embora ainda se movesse e caminhasse, ouvisse e falasse”. Apesar do cessar-fogo decretado após a Guerra dos Seis Dias, guerrilheiros árabes continuavam promovendo ataques e emboscadas contra soldados israelenses na faixa de Gaza e no Sinai. Nasser chamava essa estratégia de Guerra de Atrito (1967-1970). No dia 22 de novembro de 1967, o Conselho de Segurança da ONU aprovara a resolução 242, de iniciativa britânica, determinando, entre outras coisas, que as forças armadas israelenses se retirassem dos territórios ocupados durante a Guerra dos Seis Dias. A não observância, por parte de Israel, dessa cláusula da resolução, contou com o apoio do presidente americano Lyndon Johnson. Israel não se limitou a manter forças de ocupação nos territórios conquistados, mas também iniciou a construção de assentamentos, principalmente na Cisjordânia e na faixa de Gaza, mostrando claramente que pretendia restabelecer a Terra de Canaã, desmantelada havia quase dois milênios. Como, evidentemente, os árabes, que defendiam a criação de um Estado palestino independente, não concordavam com essas colônias judias, o impasse “uma terra, dois povos” permanecia sem solução. Cada lado tinha a inabalável convicção de que o território lhe pertencia. E o pior é que, dependendo da época da história em que se baseavam, ambos tinham razão. Os palestinos, por escrituras de propriedade que remontavam à época do império otomano; e os judeus, por primazia e também por terras compradas dos árabes. carreira e o prestígio de Ahmed Zaki Yamani continuavam em ascensão, principalmente por causa de sua habilidade como negociador que jamais perdia a calma e o fio da meada. Em setembro de 1968, por sua iniciativa, fora criada a Oapec (Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo), em reforço à Opep. Durante uma palestra na Universidade Americana de Beirute, Yamani declarara que a Arábia Saudita pretendia ter uma participação maior na renda do petróleo produzido no país. Isso deixou os diretores da ramco assustados. Nessa ocasião, a produção líbia se elevara a mais de 3 milhões de barris por dia, excedendo a saudita, justamente quando a curva de demanda global ultrapassou a de oferta. Pudera. Desde 1960, os preços haviam sofrido uma queda de 40% em termos reais, estimulando o consumo.
Como o canal de Suez estava fechado desde a Guerra dos Seis Dias, havia grande demanda pelo petróleo da Líbia e da Argélia, países à beira do Mediterrâneo, portanto com acesso direto à Europa. Nos primeiros dias de setembro de 1969, um grupo de jovens oficiais líbios liderados por Muammar alGaddafi, um tenente do Exército de 27 anos, depôs o rei Idris e assumiu o poder. Mais do que depressa, Gaddafi se promoveu a major — e mais tarde, a coronel — e tornou-se ditador. Entre outras medidas, fechou as bases militares britânicas e norte-americanas no país, além de assumir pessoalmente as negociações com as empresas petrolíferas estrangeiras que atuavam na Líbia. No Iraque, Saddam Hussein, um herói pela coragem pessoal, mas um covarde pela crueldade contra os inimigos, subia os degraus de sua carreira política no partido Baath, sendo agora presidente de um conselho regional. Saddam tornara-se célebre ao atravessar o rio Tigre a nado após ter extraído, com uma navalha, uma bala encravada em sua perna, logo após uma troca de tiros com adversários, em sua primeira tentativa de dar um golpe de Estado. Em novembro de 1968, Richard Nixon, tendo como vice Spiro Agnew, vencera a eleição presidencial americana. Três meses depois, em 26 de fevereiro de 1969, Levi Eshkol, primeiro-ministro de Israel, morreu de ataque cardíaco e foi logo sucedido por Golda Meir. Golda e Nixon exerceriam papéis preponderantes na Guerra do Yom Kippur, quatro anos e meio mais tarde. Pouco depois de assumir o cargo, Golda Meir visitou os Estados Unidos. Durante uma entrevista coletiva na Casa Branca, um jornalista perguntou à primeira-ministra israelense: “Se estiver em perigo, Israel fará uso de suas armas nucleares?” Como seu país não confirmava possuir bombas atômicas, assim como não o desmentia, Golda virou as costas e deixou o repórter sem resposta.
23. Questão de tempo
No início da década de 1970, época em que o canal de Suez permanecia fechado à navegação, o preço do barril de petróleo começou a subir consistentemente. Parte dessa alta deveu-se a um acidente em território sírio que destruiu um trecho do Tapline, oleoduto que ligava os campos petrolíferos sauditas ao porto de Sidon, no Mediterrâneo, transportando 500 mil barris por dia. A Síria não permitiu que os dutos danificados fossem substituídos. Mas a razão principal do aquecimento do mercado foi o consumo crescente de eletricidade na Costa Leste americana, devido ao rigoroso inverno de 1969-1970. Naquela região foram registradas as temperaturas mais baixas em trinta anos, forçando os Estados Unidos a aumentar as importações de óleo cru do Oriente Médio e estreitando o gargalo do abastecimento. Nessa ocasião, diversos países árabes, insuflados por Muammar al-Gaddafi, chefe do governo revolucionário da Líbia, país que abastecia 30% da Europa, defendiam o uso da “arma” petróleo para atingir objetivos políticos e econômicos. Mas, como o rei Faisal — irmão e sucessor de Ibn Saud —, que assumira o trono saudita em 1964, não compartilhava dessa doutrina, a ideia custava a ganhar corpo. O xá Mohammad Reza Pahlavi, do Irã, ficou com inveja e ciúme do prestígio que Gaddafi estava obtendo no mundo do petróleo. Não deixou por menos. Pressionou as companhias estrangeiras que prospectavam e produziam em seu país e conseguiu mudar a regra dos fifty-fifty . Agora eram 55% do lucro para o Irã e 45% para as empresas. Antecipando-se aos governantes dos países árabes do Golfo, as companhias que atuavam na área se apressaram a oferecer o mesmo percentual, 55%. Numa iniciativa audaciosa, a Venezuela exigiu, e conseguiu, mais: 60%. No Egito, a saúde de Gamal Abdel Nasser continuava definhando a olhos vistos. Durante uma conferência no Cairo, para tratar do problema palestino, Nasser teve de lidar com a hostilidade de Gaddafi e de Yasser rafat, o que não contribuiu nem um pouco com seu estado. Após o encontro, o presidente Nasser decidiu comparecer ao aeroporto para cada um dos bota-fora dos chefes de Estado e de governo que compareceram à conferência. Após a partida do último deles, o emir do Kuwait, Nasser, de tão exausto, já não podia caminhar direito e precisou ser amparado por seus guardacostas até a limusine presidencial. Naquela noite, 28 de setembro de 1970, ele morreu. Dezessete dias depois, o vice-presidente do Egito, Anwar el-Sadat, foi eleito presidente do país. Em dezembro de 1970, a Opep, tendo como secretário-geral o líbio Omar el-Badri, mas como líder inconteste o saudita Ahmed Zaki Yamani, começou a pleitear que os países-membros participassem dos controles acionários das companhias petrolíferas que atuavam em seus territórios e concordassem em pagar um preço maior pelo barril. Se as negociações falhassem, pelo menos era a opinião de Yamani, um conflito entre os produtores e as Sete Irmãs era questão de tempo.
24. Objetivo: desforra
Em 1971, o poder e o prestígio da Opep continuavam em alta. Agora agindo em grupo, os países exportadores aumentaram as alíquotas dos impostos sobre o óleo produzido em seus campos. Por sua vez, as companhias petrolíferas, que desde o final do século XIX tinham travado uma concorrência feroz entre si, resolveram agir como força unificada, entre elas a Exxon, a Chevron, a British Petroleum, a Gulf, a Mobil e a Texaco. Cartel de um lado; cartel do outro. Havia também a questão do preço do barril a ser pago aos países produtores, além da soberania sobre seus recursos, ou seja, o poder de ditar o volume de petróleo a ser bombeado dos poços e exportado, direito que o Irã já obtivera, com a nacionalização, em 1951. Impostos, preço, soberania, nacionalização… quando um dos assuntos saía da agenda, entrava o outro. Se antes a esperteza só se manifestava de um lado, o das Sete Irmãs, agora não havia mais nenhum ingênuo no mundo dos hidrocarbonetos. No cenário dos países da Opep três figurões se destacavam: o ditador líbio Muammar al-Gaddafi, por sua intransigência; o ministro do Petróleo saudita, Ahmed Zaki Yamani, por seu discernimento; o xá do Irã, Mohammad Reza Pahlavi, por conciliar sua personalidade mundana, totalmente ocidentalizada, com sua condição de líder de uma nação muçulmana xiita. O xá era capaz de sair de uma reunião da Opep em Teerã, ir na limusine imperial para o aeroporto, de onde decolava ao comando de seu Boeing particular rumo à Suíça. No dia seguinte podia ser visto esquiando com a imperatriz, Farah Diba, e os filhos, na pista próxima à sua villa de inverno em SaintMoritz, anexa ao hotel Suvretta. Reza Pahlavi ostentava o título de reis dos reis — xainxá — fazendo-se passar aos olhos do mundo como sendo o último descendente direto de Ciro, o Grande. Nada mais falso. Ele era filho de um coronel semianalfabeto que, em 1921, coroara a si mesmo ao final de uma rebelião contra a legítima dinastia persa. linhagem de Pahlavi remontava, portanto, a mero meio século. Apesar de seu primeiro nome, Mohammad, o xainxá não gostava de ser apresentado como muçulmano, mas como herdeiro da Pérsia pré-islâmica. Mantinha ótimas relações com Israel. Golda Meir e Moshe Dayan faziam visitas frequentes (embora secretas) a Teerã. Oficiais das Forças Armadas Iranianas estagiavam em academias militares israelenses. Yamani, com a óbvia concordância do rei Faisal, era contra a nacionalização do petróleo saudita. Achava que o país não tinha estrutura para extrair e comercializar com eficiência seu petróleo e preferia fazê-lo através da Aramco. Mas o rei e o ministro obviamente faziam questão de ter voz ativa na definição dos preços e das cotas de produção. Gaddafi era sempre imprevisível. Em dezembro de 1971, por exemplo, o ditador líbio nacionalizou o campo de extração Hunt Sahir, da British Petroleum. Era o primeiro passo de seu plano de estatização das reservas petrolíferas da Líbia.
Em 4 de fevereiro de 1971, o presidente Anwar el-Sadat, do Egito, declarara na Assembleia do Povo, no Cairo, que se Israel recuasse suas tropas no Sinai para os desfiladeiros de Khatmia, Gidi e Mitla, abandonando a margem oriental de Suez, ele reabriria o canal, fechado desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Mais do que isso, Sadat se dispunha a assinar um acordo de paz com Israel. Paralelamente a essa mão estendida aos judeus, Sadat visitou a União Soviética, onde assinou a compra de três esquadrões de caças MIG-21, além de baterias SAM (Surface-to-Air Missile) SA-2, SA-3, SA-6 e SA7, armas antiaéreas com as quais os McDonnel Douglas Phantom F-4 da Força Aérea Israelense não tinham capacidade de lidar. Junto com as baterias SAM e um avançado sistema de radares associados a elas, 15 mil militares soviéticos foram enviados ao Egito, para ensinar os soldados locais a operá-los. Sadat tinha um único objetivo na cabeça: restaurar o poder das Forças Armadas Egípcias e desforrar-se de 1967, mesmo que isso custasse a vida de um milhão de egípcios.
25. Russos, fora
Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) continuava cada vez mais ativa. E inventiva, terceirizando o terrorismo. Tanto foi assim que, na terça-feira, 30 de maio de 1972, três anarquistas japoneses da organização Exército Vermelho, após terem desembarcado no aeroporto Lod, em Tel Aviv, procedentes de Roma, pegaram suas malas, na verdade caixas de violino, na esteira de bagagens e delas tiraram fuzis e granadas. Saíram atirando e lançando projéteis a torto e a direito, matando 24 pessoas — a maioria peregrinos católicos porto-riquenhos — e ferindo mais de setenta. Um dos terroristas foi morto pela polícia. Outro se suicidou. O terceiro foi ferido e preso. Ao ser interrogado no hospital, confessou estar a serviço da FPLP. Cada um desses incidentes puxava para cima os preços do petróleo, pois prenunciava o agravamento da crise no Oriente Médio, de cuja produção os países do Ocidente, além do Japão, haviam se tornado reféns, sob pena de terem suas economias paralisadas. Os Estados Unidos, por exemplo, que em 1948 tinham 34% das reservas mundiais comprovadas, viram esse número cair para 7%. No mesmo período, as reservas do Oriente Médio haviam subido de 28 bilhões para 567 bilhões de barris. A Arábia Saudita se valeu dessa situação para exigir, e obter, sua primeira participação acionária na ramco, embora o rei Faisal e o ministro Yamani ainda não cogitassem da estatização total da empresa. Na Líbia, o indócil Muammar al-Gaddafi assumira o controle de 50% da italiana ENI, 51% da Occidental Petroleum e desapropriara totalmente a americana Bunker Hunt. No Egito, o presidente Anwar el-Sadat, depois de ter obtido armas e munições, além das temíveis baterias antiaéreas SAM, da União Soviética, agora queria se ver livre dos 15 mil assessores militares daquele país que haviam treinado as Forças Armadas Egípcias a operá-las, além de passar outros ensinamentos de táticas de guerra. Na hipótese, cada vez mais atraente a Sadat, de começar uma nova guerra contra Israel, a presença dos russos poderia ser um estorvo. A última coisa que o presidente egípcio desejava na vida era ter de pedir licença a Moscou para atacar os israelenses. Não bastasse isso, os assessores soviéticos eram tremendamente impopulares junto ao povo e aos soldados do Egito, por causa de sua arrogância. Para perplexidade do mundo em geral, e da União Soviética em particular, no dia 6 de julho de 1972 Sadat expulsou, de uma só tacada, os 15 mil conselheiros militares russos estacionados no Egito. E não fez por menos: deu-lhes uma semana para deixar o país. O presidente Sadat arrematou sua decisão de pôr os soviéticos para fora com outra de cunho vingativo pessoal. Até então, quase todas as vezes em que telefonara para falar com algum líder do Kremlin, ele recebia, de um auxiliar do chefão, a informação de que o tal dirigente se encontrava indisponível, de férias na Crimeia. Pois bem, Sadat também viajou de férias, para Alexandria. E foi isso que seus assessores informaram aos ministros de Moscou que ligaram para o palácio presidencial, no Cairo, para saber o motivo da decisão radical de expulsar os assessores militares.
“O presidente Sadat está em sua estação de veraneio, incomunicável”, foi o que ouviram em resposta, o que os fez babar de raiva. Se os soviéticos lamentaram profundamente a decisão de Sadat, considerando-a uma ingratidão, Washington, por sua vez, a interpretou de modo equivocado. Os americanos entenderam que os egípcios estavam acenando em sua direção. Naquele segundo semestre de 1972, o presidente Richard Nixon tinha vários assuntos importantes na cabeça, sendo o principal deles as eleições presidenciais que seriam realizadas no dia 7 de novembro, na qual enfrentaria o democrata George McGovern. A popularidade de Nixon estava em alta. Seu assessor de Segurança Nacional, Henry Kissinger — um judeu alemão que se naturalizara americano em 1943 e se graduara summa cum laude em Harvard —, negociava em Paris o fim da Guerra do Vietnã, que já durava dezesseis anos e que era profundamente rejeitada pelo povo americano. No campo diplomático, Nixon, por sugestão de Kissinger, estendera um gesto de boa vizinhança ao presidente Mao Tsé-Tung, da China, visitando-o em Pequim e quebrando um gelo que vinha desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Pouco depois da meia-noite de sábado, 17 de junho de 1972, cinco militantes do Partido Republicano haviam invadido o quartel-general dos democratas num dos prédios do complexo Watergate, em Washington, para espionar estratégias de campanha dos adversários eleitorais. O episódio, no início considerado apenas um incidente de pequenas proporções, tanto que não evitou a reeleição de Nixon, arruinaria seu segundo mandato, época em que Anwar el-Sadat pretendia atacar o Estado de Israel, valendose do elemento surpresa e contando com o guarda-chuva dos mísseis SAM.
26. Segredo ao pé da lareira
Nos primeiros meses de 1973, a demanda por petróleo em todo o mundo continuou aumentando. Muitos analistas temiam inclusive um racionamento de gasolina quando chegasse o verão no hemisfério norte. Os preços — como não podia deixar de ser — subiram. Em janeiro, a Arábia Saudita aumentou em 15 centavos o barril. Seguiram-se o Irã, o Kuwait, o Qatar e Abu Dhabi, sendo que neste último a alta foi de trinta centavos. A Líbia adotou postura diferente. Diminuiu sua produção. Os kuwaitianos fizeram o mesmo. O equilíbrio entre oferta e demanda tornou-se crítico. A margem de sobra era de apenas 500 mil barris por dia, que significavam 1% do consumo dos países ocidentais e do Japão. Qualquer acidente ou incidente nos locais de produção ou no trânsito para o mercado final determinaria a falta de combustíveis nos postos de abastecimento. Em seu amplo escritório em Riad, o ministro Ahmed Zaki Yamani, nas suas conversas com os chairmen das quatro empresas acionistas da Aramco, levantava a hipótese de a Arábia Saudita também diminuir o fluxo de retirada de óleo nos poços, a não ser que eles pressionassem o governo Nixon para se afastar de Israel. O rei Faisal confidenciara a Yamani que estava pensando seriamente em usar pela primeira vez o petróleo como arma política no conflito árabe/israelense. O mesmo acontecia no Kuwait, cuja Assembleia Nacional, por unanimidade, aprovara uma recomendação do emir, que equivalia a uma ordem, nesse sentido. Enquanto isso, os presidentes Anwar el-Sadat, do Egito, e Hafez al-Assad, da Síria, estimulados pelas decisões dos vizinhos árabes ricos, para as quais tinham contribuído com suas influências, formaram uma aliança com o objetivo de atacar Israel. As negociações, obviamente secretas, entre os dois chefes de Estado tiveram início no dia 21 de janeiro de 1973. A Síria, tal como o Egito, adquirira baterias antiaéreas SAM e instalações de radar soviéticas durante uma visita do presidente Assad a Moscou. O propósito inicial de Sadat e Assad não era ambicioso demais. A Síria queria recuperar as colinas de Golã, perdidas durante a Guerra dos Seis Dias. O Egito, recuperar a margem oriental do canal de Suez. O codinome da ação conjunta era Operação Badr (Lua Cheia). Os dois chefes de Estado árabes achavam que ela não teria magnitude suficiente para provocar uma retaliação nuclear por parte de Israel, mesmo porque a indignação mundial contra os israelenses seria inevitável. Decidida a estratégia básica, o ataque foi programado para outubro daquele mesmo ano. Antes disso, o Egito teria de aumentar para 40 metros a altura de seus diques de areia na margem oeste do canal, de modo que seus observadores pudessem estudar, usando potentes binóculos, as fortificações e rampas de tiro de tanques situadas por trás da linha Bar-Lev de defesa. Tratava-se de uma muralha maciça, feita de areia, argila e cascalho, apoiada por uma parede de concreto, construída ao longo de toda costa oriental do canal de Suez. Para tumultuar a vida em Israel, sírios e egípcios começaram a simular falsos ataques. Em maio de 1973, por exemplo, os dois países árabes concentraram tropas nas proximidades das fronteiras (Golã e Suez). De
Tel Aviv, a primeira-ministra Golda Meir ordenou uma mobilização dos reservistas, ao custo de 10 milhões de dólares, mas nada aconteceu. Aos 75 anos, Golda vivia sob tensão constante. Dormia pouquíssimas horas. Ela e seu ministro da Defesa, Moshe Dayan, tinham certeza de que uma nova guerra contra os vizinhos do norte e do sul era questão de tempo. Só que o chefe da inteligência militar, major-general Eli Zeira, que acabara de assumir o cargo, garantia que o Egito e a Síria não estariam em condições de desfechar uma ofensiva antes de 1975. Embora a Força Aérea Egípcia carecesse de uma boa quantidade de bombardeiros de médio alcance, a União Soviética acabara de lhes fornecer mísseis Scud, capazes de atingir, a partir de território egípcio, alvos em Israel, uma contrapartida duvidosa ao arsenal nuclear israelense. Finalmente a data do ataque foi escolhida por Sadat e Assad: sábado, 6 de outubro, dia do Yom Kippur, o feriado religioso mais importante do calendário judeu, quando a maior parte das autoridades, oficiais e soldados de Israel estaria recolhida com suas famílias, muitos deles em kibutzim distantes de seus locais de trabalho e bases operacionais. Numa ofensiva no campo das relações exteriores, em junho, Anwar el-Sadat reatou relações diplomáticas com a França, a Grã-Bretanha e a Alemanha Ocidental, rompidas desde a nacionalização do canal de Suez. Embora Sadat não tivesse condições de avaliar plenamente o alcance de sua decisão naquele momento, a medida lhe seria extremamente útil durante a guerra próxima. Em prosseguimento à política de détente entre os Estados Unidos e a União Soviética, em junho de 1973 o presidente Leonid Brejnev fez uma visita de Estado à América. Foi um encontro tão cordial entre Nixon e Brejnev que o americano convidou o colega russo para se hospedar em sua fazenda em San Clemente, na Califórnia. No meio da noite, durante uma crise de insônia, Brejnev abriu a porta de seu quarto e disse a um agente do serviço secreto que precisava falar com Nixon imediatamente. O presidente americano foi acordado e, vestido com um roupão, recebeu Brejnev ao pé da lareira de seu escritório, cuja janela dava para o Pacífico. O soviético revelou que a situação no Oriente Médio estava cada vez mais explosiva e que os árabes poderiam atacar Israel a qualquer momento. Ninguém melhor do que Brejnev para saber disso, pois fora a União Soviética que vendera baterias SAM e mísseis Scud para o Egito e a Síria.
27. Ovo de Colombo
s linhas de defesa de Israel e do Egito nas margens do canal de Suez (os israelenses, na oriental — linha Bar-Lev; os egípcios, na ocidental) eram parecidas: enormes diques de areia, tendo por trás fossos antitanque, dos quais tinha sido retirada a areia para os diques. No plano de ataque egípcio havia uma estratégia, tão simples quanto genial, desenvolvida por um jovem engenheiro do Exército — um verdadeiro Ovo de Colombo. Consistia em destruir os taludes da Bar-Lev com possantes jatos d’água. Após a concepção da novidade, representantes do Corpo de Bombeiros do Cairo tinham visitado a Alemanha Ocidental e a Grã-Bretanha e encomendado 450 conjuntos de mangueiras de espessura até então inédita. “Vocês vão apagar o incêndio, mas também destruir o prédio em chamas”, os alemães e os britânicos acharam a concepção exagerada, mas, como estavam recebendo pelo serviço, projetaram o esquema de bombeamento d’água e as mangueiras altamente resistentes à pressão. “O incêndio também terá de acontecer nas proximidades do mar, ou de um rio ou lago. Caso contrário, não haverá água suficiente para abastecer o sistema”, advertiram também os fornecedores. Como a água para dissolver as dunas israelenses seria abundante, retirada do canal de Suez, o aviso não preocupou os egípcios. Foram criados novos batalhões de engenheiros para executar a operação de desmanche dos diques inimigos. Para atravessar o canal e superar os obstáculos antitanque de Israel, o Egito adquiriu pontilhões e balsas na União Soviética, cujos dirigentes começavam a se esquecer da afronta da expulsão dos 15 mil assessores militares no verão do ano anterior. Pressionado pelos países mais radicais da Opep — Iraque, Argélia e Líbia —, o preço do barril de petróleo continuava subindo. A justificativa agora era a desvalorização do dólar e a inflação mundial. Só que uma coisa provocava a outra e a outra provocava a primeira, num círculo vicioso perverso para o Ocidente. Para usufruir desses aumentos, em apenas um ano a Aramco aumentara sua produção em 62%. O rei Faisal, que nunca tivera relações muito boas com Nasser, por causa da prepotência do líder egípcio, era agora amigo íntimo de Anwar el-Sadat. Uma das razões pelas quais o monarca saudita admirava Sadat era a expulsão dos assessores soviéticos. Como todo rei que se preza, Faisal temia o comunismo. Egito e Síria continuaram comprando armas em Moscou, inclusive aviões de combate MIG-21 e SU-22 e tanques BMP1. Com as aeronaves e os tanques vieram instrutores militares soviéticos, para ensinar os árabes a operá-los. Faisal, cuja força aérea e exército usavam aviões e blindados americanos, não demonstrou nenhuma insatisfação com Sadat e Hassad. Afinal de contas, o grande inimigo era Israel. Nixon jamais revelou a Golda Meir o segredo que ouvira de Brejnev. Ou não acreditou no colega soviético, ou sua cabeça só conseguia se concentrar no escândalo de Watergate. Há pouco mais de dois meses do Dia D dos árabes, o serviço secreto israelense continuava sem desconfiar de nada.
28. Faisal
No sábado, 6 de outubro de 1973, data escolhida pela aliança Egito/Síria para atacar Israel (Operação Badr), uma série de fatores deveria favorecer os exércitos árabes. Além de surpreender os judeus em seu dia de recolhimento mais sagrado, na noite de 6 para 7, a lua cheia forneceria luz natural para os egípcios estabelecerem pontes sobre o canal de Suez e os sírios escalarem os penhascos de Golã. Finalmente, em Suez a maré e as correntes estariam propícias à travessia de veículos anfíbios. Em agosto, Egito e Síria voltaram a concentrar grande quantidade de tropas nas proximidades de Golã e na margem oeste do canal de Suez, fazendo com que Israel decretasse outra mobilização geral, mais uma vez gastando 10 milhões de dólares. Na quinta-feira, dia 23, Anwar el-Sadat voou para Riad, na Arábia Saudita, para dar conta ao rei Faisal da iminência da guerra. Foi uma viagem bem-sucedida. Faisal concordou em usar o petróleo como arma de dissuasão contra o Ocidente, destinada a evitar que os Estados Unidos e os países do Oeste europeu ajudassem Israel durante o conflito. Sadat explicou por alto seu plano de ataque, mas não informou sobre a data. Agiu como se ela ainda não estivesse definida e o rei não indagou muito a respeito de detalhes. Entusiasmado com a possibilidade de uma derrota israelense, Faisal concedeu uma ajuda de meio bilhão de dólares ao Egito. Tão logo Anwar el-Sadat voltou para casa, passando antes pelo Qatar e pela Síria, o rei Faisal convocou hmed Zaki Yamani ao palácio. Sem mencionar a guerra iminente, pediu ao ministro um relatório completo sobre a produção e os planos de expansão da Aramco e sobre as consequências na economia ocidental de um embargo do petróleo saudita. O rei chegou a falar em números: “Estou pensando em um corte de 2 milhões de barris/dia na produção.” Yamani, autorizado por Faisal, informou aos diretores da Aramco que o rei estava pensando seriamente em usar de pressão contra os Estados Unidos, caso os americanos continuassem simpáticos às causas de Israel. Faisal fez mais do que falar com Yamani. Concedeu uma entrevista, coisa que não era de seu hábito, à revista americana Newsweek, na qual declarou que a Arábia Saudita usaria o petróleo como arma política. Os primeiros contornos do grande choque energético dos anos 1970 começavam a se delinear.
29. Inteligência e contrainteligência
No dia 2 de setembro de 1973, o rei Faisal voltou a dar uma entrevista, desta vez para a rede americana de televisão NBC. “É seriamente preocupante para nós que o governo americano não esteja modificando sua política no Oriente Médio e continue ao lado de Israel”, declarou o rei. Ao ser perguntado pelo entrevistador se a Arábia Saudita cogitava diminuir suas exportações de petróleo, Faisal não deixou por menos: “O apoio completo da América ao sionismo e sua posição contra o mundo árabe torna extremamente difícil para nós continuarmos a suprir os Estados Unidos e mesmo manter relações amistosas com a América.” Três dias mais tarde, numa coletiva de imprensa na Casa Branca, Nixon, que já fora alertado por Brejnev sobre a iminência de uma nova guerra no Oriente Médio, respondeu ao rei: “Nós não somos nem a favor dos árabes nem de Israel.” A possibilidade de uma interrupção no fluxo de petróleo do Golfo Pérsico e do Norte da África preocupava seriamente a Alemanha Ocidental e o Japão, os derrotados da Segunda Guerra que, desde então, tinham acompanhado os Estados Unidos em sua política externa. As duas nações agora procuravam se afastar de Israel para não suscetibilizar os árabes. “Nós apoiamos os países produtores de petróleo”, o ministro do Comércio Exterior e da Indústria japonês, Yasuhiro Nakasone, que já fora obrigado a impor um racionamento de querosene e gasolina no inverno anterior, não podia ter sido mais explícito. Isso sem saber que os presidentes Hassad e Sadat já haviam iniciado a contagem regressiva para a guerra. Em meio a tanta insegurança, os preços do barril continuavam subindo. O mesmo acontecia com a inflação mundial, que oscilava entre 7% e 8% ao ano. Como o lucro das Sete Irmãs também aumentava, sem que os países produtores se beneficiassem em igual proporção, Ahmed Zaki Yamani concluiu que chegara o momento de a Opep ter uma conversa séria com as empresas. Antes de se reunir com elas, viajou para Teerã, onde obteve o apoio do xá Reza Pahlavi. Nos Estados Unidos, o presidente Richard Nixon não acreditava, ou fingia não acreditar, na possibilidade de um embargo e, por conseguinte, de uma crise energética sem precedentes. Para Nixon só havia um assunto importante: Watergate. Tendo recebido o apoio do xá, o ministro Yamani convocou uma reunião da Opep, em Viena, para exigir novo acordo com as empresas petrolíferas. O encontro foi marcado para 8 de outubro, dois dias após a data prevista para o início da batalha, embora nenhum dos delegados da Opep, nem mesmo Yamani, soubesse disso. Assim como não o sabiam as Sete Irmãs. O segredo era restrito a Sadat, Hassad e aos principais chefes militares do Egito e da Síria. No Cairo e em Damasco, os preparativos para a batalha se tornavam frenéticos. Era preciso assegurar o funcionamento dos serviços públicos essenciais, principalmente as centrais elétricas, o abastecimento de água e o setor de comunicações, assim como expandir os cemitérios e aumentar o número de leitos nos hospitais, dando alta aos pacientes menos graves.
Numa falha gritante dos órgãos de Inteligência de Israel, nada disso foi percebido, ou pelo menos considerado, em Tel Aviv, nem mesmo o alerta de cinco dias, colocando as Forças Armadas Sírias e Egípcias em prontidão total a partir do dia 1 o de outubro. Em 13 de setembro, houve uma avant-première da guerra. MIGs-21 sírios enfrentaram Phantoms F-4 e Mirages IIICs da Força Aérea Israelense, que haviam invadido o espaço aéreo sobre águas territoriais da Síria em missão de espionagem. Treze MIGs foram abatidos, contra nenhuma perda israelense. Isso só fez aumentar a autoconfiança das Forças Armadas de Israel. Já os sírios se eximiram de usar suas ultraeficientes baterias antiaéreas SAM soviéticas, para não revelar o potencial de seu guarda-chuva de defesa. No dia 22 de setembro de 1973, Henry Kissinger sucedeu William Rogers, tornando-se o 56 o secretário de Estado dos Estados Unidos. Kissinger, que tivera papel preponderante nas negociações de paz com o Vietnã, na reaproximação com a China e na détente com a União Soviética, seria o gestor da política externa americana na guerra que se aproximava. Em Tel Aviv, o chefe da inteligência militar israelense, major-general Eliezer Zeira, se mantinha convicto de que não haveria risco de um ataque árabe naquele ano. “A concentração de tropas sírias nas proximidades de Golã”, disse Zeira para Moshe Dayan e Golda Meir, conforme a primeira-ministra relembraria em suas memórias, “se deve ao medo que eles têm de que nós os ataquemos”. Yitzhak Rabin, então embaixador de Israel nos Estados Unidos, compartilhava da mesma opinião. “Nunca houve uma época na qual nossa segurança esteve tão garantida como agora”, ele declarou em Washington. Os israelenses estavam tão otimistas que um aviso do rei Hussein, da Jordânia, sobre um iminente ataque sírio-egípcio em Golã e no canal de Suez foi solenemente ignorado. ntes de embarcar para a reunião do comitê ministerial da Opep, em Viena, o ministro Ahmed Zaki Yamani foi ao palácio discutir com o rei Faisal a posição saudita no encontro. “Não vá”, surpreendeu o rei. “Envie um representante.” Yamani explicou que fora dele a iniciativa de convocar o comitê e, portanto, não havia como não ir. Contrariado, Faisal consentiu. O ministro notou que algo importante iria acontecer e que o rei estava ciente. Mas não tinha como pedir explicações. Na noite de sexta-feira, 28 de setembro para sábado, 29, uma tática evasiva árabe foi posta em prática. Dois pistoleiros palestinos sequestraram um trem na fronteira entre a Tchecoslováquia e a Áustria e tomaram como reféns cinco passageiros judeus, todos emigrantes russos que se dirigiam a Israel. Como seria de se esperar, o incidente monopolizou as atenções do governo de Tel Aviv. Imediatamente, Golda Meir viajou para Estrasburgo, onde fica o Parlamento europeu. Só regressaria em 3 de outubro, três dias antes da data marcada por egípcios e sírios para o ataque.
30. Contagem regressiva
o longo da margem oriental do canal de Suez, alguns oficiais israelenses perceberam uma movimentação incomum no lado egípcio. Na segunda-feira, 1 o de outubro, por exemplo, o major-general Avraham Mandler, comandante da 242a divisão de blindados, estacionada no Sinai, pôs sua unidade em estado de alerta. No mesmo dia, o tenente Benjamin Tov, do Comando Sul de Inteligência, enviou um relatório para seu superior, tenente-coronel David Gedaliah, informando que os egípcios estavam preparando um ataque. Uma cópia do documento foi enviada para a Inteligência Central, em Tel Aviv. Seus especialistas, escaldados pelas duas mobilizações recentes, ao custo de 10 milhões de dólares cada uma, consideraram precipitada a conclusão do tenente Tov. Além disso, no final da semana haveria o feriado do Yom Kippur. Uma mobilização desnecessária agora, além de onerar ainda mais os cofres do Estado, seria extremamente impopular. Sem contar que os árabes estavam em pleno Ramadã, época de jejum e orações, portanto mais do que imprópria para uma guerra para eles também. Na Europa, tendo o chanceler austríaco Bruno Kreisky cedido às exigências dos sequestradores do trem, que demandavam o fechamento do centro Schönau de triagem de emigrantes judeus russos — além de salvoconduto para que eles, sequestradores, viajassem para a Líbia —, os cinco reféns foram liberados. Em Estrasburgo, Golda Meir, que jamais admitia dialogar com terroristas, ficou furiosa, mesmo tendo sido poupada a vida dos judeus graças à negociação. A primeira-ministra retornou imediatamente para Tel Aviv, aonde chegou na noite de terça-feira, 2 de outubro. Na manhã seguinte, ela se reuniu com o ministro da Defesa, Moshe Dayan, e com Yisrael Galili, também membro do gabinete e um dos seus principais conselheiros. Ambos disseram que a situação nas colinas de Golã (Dayan fora até lá de helicóptero) começava a ficar preocupante, devido à concentração de tropas sírias junto à fronteira, com oitocentos tanques e mais de 120 baterias de artilharia. Israel já tinha pistas fortes de um ataque coordenado em duas frentes. No Cairo, o presidente Anwar el-Sadat reunira o Conselho Supremo das Forças Armadas e discutira com seus integrantes as diretrizes finais da guerra. Ato contínuo, assinou a Ordem de Combate, dirigida ao comandante-chefe, marechal Ahmed Ismail. Após tratativas entre os altos-comandos sírio e egípcio, que levaram em conta principalmente as condições de luminosidade em Suez e Golã, a primeira onda de ataques foi marcada para as 14 horas de sábado, dia 6 de outubro. Com tudo acertado, na quarta-feira, 3 de outubro, o presidente Sadat convocou ao palácio o embaixador da União Soviética, Vladimir Vinogradov. “Gostaria de informar oficialmente ao seu governo”, Sadat disse a Vinogradov, “que o Egito e a Síria vão desfechar um ataque conjunto contra Israel”. Antes que o embaixador tivesse tempo de dizer alguma coisa, Sadat acrescentou: “Preciso saber qual será a atitude soviética.” Vinogradov, que já sabia do ataque havia muitas semanas — só desconhecia o dia e a hora exatos —, demorou algum tempo, só para simular surpresa, antes de responder: “Vou consultar Moscou
imediatamente. E volto ao senhor.” A palavra do Kremlin se revelou a Sadat no dia seguinte. A surpresa do presidente egípcio foi autêntica. “Meu governo”, a voz de Vinogradov não revelou nenhuma emoção, “solicita vossa permissão para a vinda ao Egito de quatro aviões de passageiros de grande porte a fim de evacuar as famílias soviéticas que vivem aqui. Esses aviões devem chegar ao Egito amanhã cedo”. Foi desse modo que o presidente Anwar el-Sadat ficou sabendo que o Kremlin não levava fé numa vitória sírio-egípcia sobre Israel. Quanto à atitude soviética com relação à guerra, que era o que interessava a Sadat, o embaixador Vinogradov não deu nenhum indicativo. “Assim que tiver uma posição a respeito, meu governo lhe informará por meu intermédio”, limitou-se a dizer o diplomata. Mais ou menos a mesma coisa aconteceu em Damasco entre o presidente Hafez al-Assad e o embaixador soviético local, embora as relações de Moscou com os sírios fossem bem melhores do que as com o Cairo, devido à expulsão dos assessores militares feita por Sadat no ano anterior. O pouso e a decolagem dos aviões russos no Egito e na Síria, retirando as famílias soviéticas, não passaram despercebidos pelos radares de Israel. Mas o diretor da Inteligência militar israelense, Eli Zeira, não deu maior importância ao fato, embora tivesse passado a informação para Moshe Dayan, que também não a achou relevante. Ambos julgaram que as aeronaves estavam transportando suprimentos para os árabes. A mobilização geral em Israel não foi convocada. Faltavam dois dias para o Yom Kippur e boa parte dos reservistas se preparava para ir para a casa de seus familiares. A Terra Prometida baixara sua guarda.
31. Véspera do ataque
s forças da ativa de Israel ao longo das fronteiras com seus vizinhos árabes não eram muito poderosas, nem em armamentos nem em efetivos. O mesmo não se podia dizer das unidades de reserva. Só que, para deixálas em posições e condições de combate, o país precisava de um aviso de seus corpos de inteligência com pelo menos 48 horas de antecedência, dando conta da iminência de um ataque. Esse não era o caso na sexta-feira, 5 de outubro, véspera do Yom Kippur do ano judaico 5743, embora alguns comandantes isolados, entre eles o da 7 a brigada blindada, estacionada nas proximidades das colinas de Golã, e o da 252 a divisão blindada, no Sinai, tivessem posto, por conta própria, suas tropas em alerta. Os dois chefes militares tinham detectado deslocamentos incomuns de tropas nas hostes inimigas. Nas 24 horas compreendidas entre o pôr do sol de sexta-feira e o de sábado, os judeus praticantes iriam fazer jejum e orar nas sinagogas. E mesmo os não devotos se absteriam de comer em público e dariam um pulo no templo, nem que fosse para fazer presença. Bem cedo nessa sexta, Golda Meir ficou sabendo, por meio de um relatório da Inteligência, que as famílias dos conselheiros militares soviéticos que serviam na Síria estavam se retirando do país em voos especiais. A primeira-ministra não gostou nem um pouco da informação. Indagou a respeito ao ministro da Defesa, Moshe Dayan, ao chefe do Estado-maior, David Elazar (Dado), e ao diretor da Inteligência militar, Eli Zeira. Nenhum dos três considerou o fato relevante, muito menos um motivo para pôr em ação os reservistas. Golda não se deu por satisfeita e convocou, para o meio-dia, uma reunião de emergência dos nove integrantes do Gabinete que se encontravam em Tel Aviv. Os demais haviam viajado por conta do Yom Kippur. Por insistência da primeira-ministra, aprovou-se uma resolução pela qual Golda ou Dayan poderiam mobilizar, a qualquer momento, e sem consulta prévia ao Gabinete, as Forças Armadas, inclusive o pessoal da reserva. Terminada a reunião, Golda Meir foi para casa. Seus filhos, Menachem e Aya, haviam convidado alguns amigos para o jantar antes do pôr do sol que precederia o jejum. Após a refeição, Golda pediu licença e subiu para o seu quarto. Surgiram as primeiras estrelas do Yom Kippur e ela ficou deitada na cama, pensando nos problemas que o país poderia ter de enfrentar. Não conseguiu dormir. Em Washington, a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça deu autorização para as empresas petrolíferas americanas negociarem em bloco com a Opep, em Viena, numa reunião marcada para o dia 8 de outubro. Normalmente, isso seria ilegal, já que a lei antitruste, que existia desde 1890, não permitia conluios entre empresas do mesmo ramo visando fixar preços de seus produtos. Mas sendo a Opep um cartel, só podia ser enfrentada por outro cartel. Daí a licença para o setor de petróleo, prática estabelecida havia alguns anos, mas que tinha de ser dada caso a caso.
Também na sexta-feira, dia 5, a comitiva saudita, liderada pelo ministro do petróleo Ahmed Zaki Yamani, decolou de Riad, a bordo de um jato especial, com destino a Viena. Yamani continuava sem saber da guerra próxima, embora desconfiasse de algum evento extraordinário, já que o rei Faisal questionara a necessidade de sua viagem à Áustria. Naquela parte do Oriente Médio, o pôr do sol de sexta-feira, 5 de outubro, ocorreu às 17 horas e 22 minutos. Quando os últimos resquícios da luz solar desapareceram no oeste, as tropas egípcias e sírias, assim como as divisões de blindados e de artilharia dos dois países, se aproximaram da fronteira expandida (pela Guerra dos Seis Dias) de Israel em Golã e no Sinai. Nos aeródromos árabes, foram feitas as últimas inspeções nos caças, bombardeiros e helicópteros. O efetivo do Egito era de 1,2 milhão de homens em armas, sendo 66 mil oficiais e 1.134 mil soldados, 4 mil peças de artilharia, 1,7 mil tanques e outros 2 mil carros de combate. A defesa era composta de 150 mil baterias SAM, de eficiência incomum, além de outros 2,5 mil canhões antiaéreos convencionais. Nos aeródromos, a Força Aérea Egípcia contava com quatrocentas aeronaves de combate, sessenta de transporte e 140 helicópteros, além de esquadrões de caças enviados pela Argélia, pela Líbia e pelo Iraque. A leste das colinas de Golã, a Síria concentrara 150 mil soldados, 1,2 mil tanques, 850 carros de combate dos mais diversos tipos e setecentas peças de artilharia aérea, sendo cem delas baterias SAM soviéticas. A Força Aérea dispunha de trezentas aeronaves, entre caças e bombardeiros leves. Contra os inimigos árabes, o Exército ativo de Israel contava com 75 mil homens: 11,5 mil do Exército, outros 11,5 mil na Força Aérea, 2 mil na Marinha e 50 mil recrutas em período de treinamento. Outros 350 mil soldados, das unidades de reserva, se encontravam recolhidos com suas famílias, sem terem recebido nenhum tipo de alerta. A Força Aérea Israelense, embora poderosa, não era páreo para as baterias antiaéreas soviéticas SAM do Egito e da Síria. Isso ficaria bem claro no dia seguinte, o feriado do Yom Kippur e décimo dia do Ramadã, quando Israel seria surpreendido por um ataque aéreo e terrestre devastador.
32. Manhã do Yom Kippur
s quatro da manhã, o telefone soou junto à cama de Golda Meir. Como estava semidesperta, ela atendeu no segundo toque. Era o brigadeiro-general Israel Lior, secretário militar da primeira-ministra. “Os serviços de inteligência”, disse ele, sem perder tempo pedindo desculpas por ligar àquela hora, “receberam informações de fontes confiáveis de que os egípcios e os sírios vão lançar um ataque conjunto contra nós hoje, às 18 horas”. Golda respondeu de bate-pronto. “Convoque Dayan (Moshe Dayan, ministro da Defesa), Dado (David Elazar, chefe do Estado-maior), Allon (Yigal Allon, vice-primeiro-ministro) e Galili (Yisrael Galili, integrante do Gabinete e assessor de confiança da chefe de governo) para estarem no meu escritório às sete horas.” Golda Meir fez as contas de cabeça e concluiu que Israel tinha 14 horas para organizar a defesa. Na verdade, não tinha. A Operação Badr, sírio-egípcia, marcara o ataque para as 14 horas, portanto, quatro horas mais cedo do que a informada pela Inteligência. Enquanto aguardava o início da reunião, Dado se encontrou com os demais componentes do Estadomaior, chamados às pressas. Eles decidiram preparar a mobilização, alertar a Defesa Civil e evacuar os assentamentos judeus próximos às colinas de Golã. Traçaram também planos para um ataque aéreo preventivo contra aeródromos sírios e egípcios e sítios de lançamento dos mísseis SAM em território árabe. Foi também decretado um alerta geral ao longo das linhas de frente norte (Golã) e sul (canal de Suez). No Cairo, assim que acordou, o presidente Anwar el-Sadat procurou agir como se fosse um dia absolutamente normal, para não despertar suspeitas. Tomou café, fez sua habitual sessão de ginástica e deu uma folheada nos principais jornais. Com exceção das pessoas que caminhavam silenciosamente para as sinagogas, as ruas das cidades de Israel pareciam mortas, sem nenhum tráfego de veículos, como acontecia todos os anos no Yom Kippur. Naquele sábado não haveria jornais, nem transmissões de televisão ou rádio. Os transportes públicos não funcionariam, assim como as escolas, lojas, restaurantes, café e escritórios. Mesmo os serviços essenciais, como hospitais, corpo de bombeiros e delegacias de polícia, trabalhariam com efetivos limitados. Nas unidades das Forças Armadas, o maior número possível de oficiais e soldados recebera licença para passar o feriado com suas famílias. Na reunião de emergência com a primeira-ministra, Moshe Dayan e David Elazar divergiram quanto às medidas a serem tomadas, sendo que Dayan ainda não estava totalmente convencido de que a guerra era certa. Dado não só achava o conflito inevitável, como sugeria dois ataques aéreos preventivos: um, ao meiodia, contra os aeródromos sírios; o outro, às 17 horas, contra as forças terrestres da Síria. Golda Meir optou por convocar 100 mil homens das tropas terrestres, pôr toda a força aérea de prontidão e esperar que os árabes tomassem a iniciativa. “Se atacarmos primeiro”, disse ela, “seremos considerados os agressores e não conseguiremos ajuda de ninguém”.
David Elazar, um veterano da Guerra de Independência, da Crise de Suez e da Guerra dos Seis Dias, não se continha de tanta ansiedade. Então, às 13 horas, ele decidiu, por conta própria, ordenar uma mobilização geral das IDFs (Forças de Defesa de Israel) e não apenas os 100 mil soldados decididos pela primeira-ministra. Em 48 horas todas as unidades das três armas estariam em posição de combate, tanto no Sinai quanto em Golã. s 13h30, meia hora antes da hora H, a Rádio do Cairo interrompeu sua programação para dar a notícia (falsa) de que os israelenses haviam desfechado um ataque contra a localidade de Zafarana, na costa do mar Vermelho. E que os egípcios iriam retaliar. Tratava-se de um estratagema comum quando se queria inventar um motivo para iniciar uma guerra. dolf Hitler, por exemplo, fizera isso em 1o de setembro de 1939, ao acusar os poloneses de atacar um posto aduaneiro alemão na fronteira, como pretexto para invadir a Polônia. Nessa mesma hora, 13h30, Sadat, vestindo um uniforme militar, seguiu em um jipe com seu ministro da Defesa, marechal Ahmad Ismail Ali, para o Centro de Operações, de onde comandariam o ataque. Faltavam quinze minutos para a hora H quando observadores israelenses instalados no monte Hérmon, em Golã, viram os sírios, na planície abaixo, removerem as redes de camuflagem de suas peças de artilharia. Exatamente às 14 horas, 222 caças-bombardeiros de fabricação soviética decolaram de aeródromos egípcios, cruzaram o canal de Suez e voaram sobre o Sinai para bombardear Israel. O mesmo aconteceu com aeronaves da Força Aérea Síria, em Golã, no ataque coordenado. Em terra, granadas choveram sobre as posições israelenses no norte e no sul. Iniciara-se a guerra, a quarta entre árabes e judeus desde a fundação de Israel. Ao contrário de 1967, desta vez a vantagem da iniciativa era do Egito e da Síria. Isso iria pesar muito nas horas seguintes.
33. A hora H
o longo da frente do Sinai, mais de duzentos canhões egípcios começaram a bombardear a linha Bar-Lev. Lançadores de foguetes Katyusha, de fabricação soviética, que tanto terror havia provocado entre os alemães no teatro oriental durante a Segunda Guerra Mundial, também foram usados. Sobre dez pontilhões dispostos sobre as águas do canal de Suez, os tanques do Exército egípcio, sob supervisão direta do tenentegeneral Saad el-Shazly, iniciaram a travessia para ir de encontro aos taludes israelenses. Só no primeiro minuto da Operação Badr, 10,5 mil projéteis foram lançados sobre a primeira linha de defesa de Israel. Enquanto isso, caças-bombardeiros e helicópteros da Força Aérea do Egito começaram a atacar baterias de mísseis, aeródromos, postos de comando, instalações de radar, centros de comunicação e bases de suprimentos israelenses ao longo da parte oriental do Sinai. Os pilotos egípcios voavam sob o guarda-chuva dos mísseis SAM, que derrubavam os caças de Israel que se apresentavam para combate. Por trás dos taludes de defesa israelense menos de quinhentos homens das IDFs eram alvos do fogo de 80 mil soldados egípcios, já plantados na margem leste do canal de Suez. O ritmo de projéteis que atingiam a linha Bar-Lev era agora de 175 por segundo. Na frente norte, as unidades de Israel nas colinas de Golã recebiam o impacto de uma barragem de setecentas peças de artilharia sírias. E não era só isso. De cima, também protegidos pelo guarda-chuva SAM, MIGs da Síria lançavam bombas sobre os tanques israelenses posicionados nas rampas de tiro. Eram 14h20 quando, no sul, a primeira sortida aérea egípcia retornou aos seus aeródromos para reabastecimento. Agora 4 mil homens da infantaria atravessavam o canal em 720 botes de borracha. Assim que punham os pés na margem leste, os soldados de Sadat, protegidos por cortinas de fumaça lançadas por dispositivos especiais, e estimulados por gritos de Allahu Akbar (Alá é o maior), corriam em direção aos taludes de defesa de Israel na linha Bar-Lev. Em Golã, a vantagem dos sírios sobre os israelenses era de sete tanques por um. Sem contar a proteção aérea dos MIGs, que não podia ser enfrentada à altura pelos Phantoms e Skyhawks de Israel por causa das baterias SAM. Estas abatiam boa parte das aeronaves das IDFs que se aproximava. O único trunfo dos israelenses era o fato de estarem em terreno mais alto, portanto com boa visão do inimigo, além de seus fossos antitanque ladeados por terrenos minados que impediam um avanço rápido das forças sírias. hmed Zaki Yamani, ministro do Petróleo da Arábia Saudita, estava em Viena com sua comitiva, para participar da reunião da Opep, quando soube que a guerra havia estourado. Logo chegaram notícias das primeiras vitórias egípcias e sírias, o que causou grande regozijo entre os delegados de todos os países árabes. O mesmo não aconteceu com os representantes das companhias petrolíferas, também na cidade para acompanhar o evento, que se sentiram extremamente frágeis para defender qualquer manutenção dos preços do barril de óleo cru ou mesmo impedir um aumento muito grande. Pior, havia o medo de que o petróleo fosse usado como arma política, tal como o rei Faisal antecipara à imprensa. No final da tarde, a situação das forças israelenses nas duas frentes era crítica. No norte, os sírios haviam criado brechas através de quase todas as linhas de defesa de Golã. Ao sul, a novidade egípcia — romper os
taludes da linha Bar-Lev com jatos de água de alta pressão — obtinha um êxito quase completo. Os diques de areia e cascalho simplesmente se derretiam, abrindo caminho para a infantaria e os blindados de Sadat. Cumprindo uma tradição multimilenar, os judeus encerram o dia do Yom Kippur ao som do shofar — chifre de carneiro — que, ao ser soprado, indica o fim do período de orações e jejum. Seguem-se comemorações festivas em todos os lares. Não foi o que aconteceu naquele sábado, 6 de outubro de 1973, quando surgiu a primeira estrela no céu de Israel. A noite seria sombria, todos se apercebiam disso. Tal como dissera Moshe Dayan em 1966, Israel poderia ganhar muitas guerras, mas jamais perder uma sequer, pois isso poderia significar seu fim.
34. Primeira noite
Faltando dez minutos para as 18 horas, já era noite no Sinai. Após terem atravessado o canal entre os lagos Great Bitter e Little Bitter e o golfo de Suez, diversas unidades egípcias que haviam rompido sem maiores dificuldades as primeiras linhas de defesa israelense se valiam da luz da lua para avançar pelas areias do deserto em direção aos desfiladeiros de Mitla e Gidi. Como poucos tanques israelenses conseguiram chegar até as margens do canal no primeiro dia de luta, para dar sustentação à linha Bar-Lev, o preço em mortos, dos egípcios, foi de apenas 302 soldados. Isso ficava muito aquém da estimativa do Estado-maior de Sadat. No norte, a ofensiva árabe também obtivera êxito. Tratores Caterpillar D-9 do Exército sírio haviam nivelado os fossos antitanque israelenses, que agora podiam ser transpostos facilmente. Sem armas de combate noturno — os sírios possuíam equipamentos de visão infravermelha —, os blindados de Israel teriam de esperar a manhã seguinte para tentar uma contraofensiva, ou então combater quase às cegas — havia apenas a claridade proveniente dos tanques em chamas — durante a noite, como aconteceu em muitos casos. O major-general Hofi, do Comando Norte israelense, concluíra ser quase impossível conter a ofensiva síria em Golã, tal era a desproporção de forças, quinze por um. Mesmo assim partiu para o sacrifício e manteve seus tanques em posição nas rampas de tiro, sujeitos ao fogo da artilharia inimiga, sabendo que as baixas seriam enormes. Era preciso segurar ao máximo o avanço árabe até que chegassem as unidades de reserva. Era procedimento padrão dos comandantes de tanques de Israel lutar com a cabeça para fora da torre, o que lhes permitia melhor observação do campo de luta. Isso os tornava alvos perfeitos para franco-atiradores sírios. A cada momento um desses comandantes era decapitado por projéteis inimigos. Não raro, o corpo escorregava para dentro do tanque e a cabeça rolava para fora. Nessa altura dos acontecimentos, os militares da ativa e os reservistas de todas as patentes já tinham sido chamados nos quatro cantos de Israel, muitos deles sendo alvos de pedradas de judeus ortodoxos por estarem dirigindo veículos no Yom Kippur. Mas o agrupamento completo, para guerrear com efetivo total, só estaria concluído na tarde de segunda-feira, dia 8 de outubro, o que talvez fosse tarde demais para evitar uma derrota. No Egito, o presidente Anwar el-Sadat se encontrava na sala de operações do alto-comando de guerra havia quase seis horas quando foi avisado que o embaixador soviético no Cairo, Vladimir Vinogradov, solicitava uma audiência. Sadat deslocou-se para o palácio Al-Tahirah, onde recebeu o diplomata. Para grande surpresa do presidente egípcio, Vinogradov propôs, em nome do governo de Moscou, um cessar-fogo. Indignado, Sadat recusou-se sequer a discutir a proposta. Disse ao embaixador que suas tropas haviam começado a recuperar o território perdido em 1967 e que a ofensiva prosseguiria até que os objetivos militares egípcios fossem alcançados, sem revelar quais eram esses objetivos. Durante toda a noite de sábado, dia 6, para domingo, 7, as IDFs continuaram sofrendo baixas pesadas. Tanto as defesas da Purple Line, em Golã, como as da Bar-Lev, no Sinai, caíam uma após a outra. Chegara,
tudo indicava, a vez dos árabes. O canal de Suez voltava a ser guarnecido por tropas egípcias dos dois lados. Nos pontos de travessia já havia dez pontilhões. Cinquenta balsas haviam transferido quinhentos tanques e plataformas de lançamentos dos temíveis SAM para o lado oriental. Israel não se mantinha inerte. Aviões comerciais da El Al, transformados em cargueiros, decolavam de aeroportos nos Estados Unidos tendo a bordo mísseis ECM (Electronic Counter Measures) americanos com armas teleguiadas de altíssima precisão, tão ou mais eficientes do que as baterias SAM soviéticas. A Força Aérea Israelense precisava recuperar a supremacia aérea que lhe permitira vencer as guerras anteriores.
35. O dia seguinte
Dez horas após o início da travessia do canal de Suez, diversas unidades de infantaria e de blindados do Segundo e do Terceiro Exército egípcios haviam solidificado suas posições no Sinai, a leste da linha Bar-Lev, que agora apresentava diversas brechas. As forças de Sadat haviam superado suas melhores expectativas. Ao norte, em Golã, embora tivessem sofrido baixas pesadas, os israelenses haviam pelo menos danificado ou destruído mais de uma centena de tanques sírios no local conhecido como Vale das Lágrimas. No cômputo geral, após o nascer do sol de domingo, dia 7 de outubro de 1973, ficou claro que o resultado das batalhas era amplamente favorável aos árabes. Tendo intensificado sua ofensiva à luz do dia, os blindados e a artilharia sírios esmagavam as forças mecanizadas e de infantaria de Israel, em número muito menor em homens e equipamentos. Enquanto isso, no Sinai, os israelenses, cujas baixas agora se contavam aos milhares, receberam ordens de abandonar a linha Bar-Lev e recuar para os desfiladeiros de Khatmia, Gidi e Mitla. Algumas unidades, cercadas em bolsões, foram instruídas a se render aos egípcios. Nascidos e criados na vitória, os soldados de Israel se sentiam totalmente desorientados na derrota. Após inspecionar, a bordo de um helicóptero, as frentes norte e sul, o ministro da Defesa Moshe Dayan, muito acabrunhado, retornou a Tel Aviv e aconselhou a primeira-ministra Golda Meir a ordenar a retirada das IDFs das colinas de Golã para o vale do Jordão. Ao sul, no Sinai, 90 mil homens, 850 tanques e 11 mil veículos egípcios já tinham passado para o lado leste do canal de Suez e avançavam pela península praticamente sem encontrar oposição. Em Genebra, o ministro Ahmed Zaki Yamani, da Arábia Saudita, acompanhava, exultante, os acontecimentos. O entusiasmo entre seus colegas árabes da Opep não era menor. A essa altura, Yamani já concluíra que seu rei, Faisal, havia tido conhecimento prévio da guerra. Por isso lhe pedira para ficar em Riad. Nessa mesma manhã de domingo, o alto-comando israelense resolveu arriscar os Skyhawks, Phantoms e Mirages da Força Aérea para tentar neutralizar as baterias SAM dos inimigos e reverter o curso da guerra. Não foi uma boa decisão. Em questão de minutos, cinco Skyhawks foram abatidos por mísseis soviéticos, um no Sinai e quatro em Golã. Uma segunda leva partiu em missão no norte, sendo oito Phantoms pulverizados pelos sírios, contra a destruição de apenas uma das plataformas de lançamento dos SAMs. Os planos de ataques aéreos foram abandonados. Israel perdera sua proverbial supremacia nos céus do Oriente Médio. No solo, os árabes avançavam como formigas pelas areias do sul e as escarpas do norte, rumo ao coração do território inimigo, cujas forças de reserva, com poucas exceções, ainda não estavam agrupadas para a luta. Numa das maiores conquistas da Síria naquele domingo, uma unidade de quinhentos paraquedistas, não sem sofrer pesadas baixas, capturou, à tarde, o posto de operações israelense no monte Hérmon, ponto culminante da região de Golã e conhecido como “Os Olhos de Israel”. Hérmon, chamado de Jebel Sheikh pelos árabes, agora era um local privilegiado de observação para os sírios. Na captura do monte Hérmon, diversos israelenses foram feitos prisioneiros e receberam choques nos órgãos genitais até que revelassem o segredo da abertura da pesada porta de aço do centro de comunicações.
Finalmente aberta a porta, os presos, assim como os que estavam no interior do centro, num total de 28 homens, depois de amarrados e terem seus olhos vendados, foram mortos pelos paraquedistas, sendo três deles decapitados a machado. No interior do posto de observação, os sírios haviam capturado equipamentos ópticos japoneses de última geração, que imediatamente foram enviados de presente para Moscou. No gabinete da primeira-ministra Golda Meir, as notícias ruins vindas do sul chegavam uma após a outra. Entre os principais chefes militares reunidos ali, Moshe Dayan era o mais pessimista. Ele advogava abertamente um recuo das tropas no Sinai, cuja primeira linha de defesa já estava nos desfiladeiros Mitla e Gidi. Por outro lado, o chefe do Estado-maior, David “Dado” Elazar, achava que os israelenses tinham de fazer um contra-ataque para tentar recuperar a linha Bar-Lev e chegar ao canal de Suez. Decidiu-se então que Dado fosse de helicóptero até a frente sul e, chegando lá, tivesse autonomia para tomar a decisão que achasse melhor para o país. Para a frente norte, tomou-se uma decisão parecida. O tenente-general aposentado, Haim Bar-Lev, herói militar de Israel, e naquele momento servindo ao governo como ministro do Comércio e da Indústria, voltou a vestir um uniforme e foi enviado para o quartel-general da região de Golã, também com poderes para decidir o que considerasse necessário para evitar a derrota para os sírios. Nesse cenário, a noite caiu sobre o segundo dia de batalha. lém das boas-novas vindas do teatro de guerra, durante mais uma visita do embaixador soviético, Vladimir Vinogradov, ao Cairo, o presidente Anwar el-Sadat recebeu a ótima notícia de que a União Soviética estava estabelecendo uma ponte aérea para enviar armamentos (inclusive blindados e aviões de combate) e munições para o Egito. A conversa só não foi perfeita para Sadat porque Vinogradov voltou a insistir num cessar-fogo entre árabes e israelenses, deixando entrever que Moscou se dividia entre a guerra fria e a détente , ambas com os Estados Unidos. E tanto russos como americanos sabiam que Israel tinha um arsenal de bombas atômicas. Esse dado prevalecia sobre todos os outros. quela altura, Golda Meir se conscientizara de que, quaisquer que fossem as decisões de Dado, no Sinai, e de Bar-Lev, em Golã, seria impossível vencer a guerra se Israel não recebesse, imediatamente, ajuda militar dos americanos.
36. Show nuclear
O balanço dos três primeiros dias de guerra confirmava a grande vantagem dos árabes, com conquistas territoriais no norte e no sul. Empoleirados nas escarpas de Golã, os atiradores de elite sírios, com seus rifles de visão noturna, continuavam matando sistematicamente os comandantes de tanques israelenses, sempre com as cabeças expostas do lado de fora de suas torres. No Sinai, barragens de mísseis e armas antitanque egípcias destruíam os blindados de Israel ao longo da Artillery Road, estrada que corria paralela ao canal de Suez. Os israelenses perderam 180 de seus 290 tanques deslocados para a região. A situação da Força Aérea de Israel também era desanimadora, seus caças, bombardeiros e helicópteros sendo abatidos pelos mísseis SAM sírios e egípcios. Durante e logo após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, o agora ministro da Defesa de Israel, Moshe Dayan, que emergira daquele conflito como grande herói militar, tornara-se uma celebridade internacional. Seu rosto, com um tampão negro sobre a cavidade do olho esquerdo, perdido na luta contra os ingleses na época do protetorado, fora capa das principais revistas do Ocidente, inclusive da Time duas vezes. Agora, Dayan encontrava-se em estado de profunda depressão. Num episódio insólito, ele chegou a chorar durante uma coletiva de imprensa. E não era para menos. Ele errara em todas as suas previsões. Até mesmo na manhã de sábado, 6 de outubro, quando a Inteligência israelense finalmente descobriu que um ataque árabe seria desfechado naquele dia, o ministro não acreditou na informação. E foi contra a convocação de todos os oficiais e soldados da reserva. No início da tarde de segunda-feira, 8 de outubro de 1973, Moshe Dayan se apresentava para uma reunião do comando militar no gabinete da primeira-ministra Golda Meir após ter inspecionado, de helicóptero, as frentes do Sinai e de Golã e constatado a situação periclitante das IDFs. Dayan estava tão pessimista que levou consigo para o encontro Shalhevet Freir, diretor-geral da Comissão Israelense de Energia Atômica e responsável pelo programa nuclear do país. Tendo no colo uma pasta com os documentos ultrassecretos que descreviam sequencialmente os passos necessários para um ataque atômico, Freir sentou-se num banco do corredor, próximo à porta do escritório da primeiraministra. Lá dentro, depois de discutir a situação militar com Golda Meir, com o vice-primeiro-ministro Yigal llon, com o chefe do Estado-maior, Dado, e com o assessor especial para assuntos de segurança, Yisrael Galili, Moshe Dayan fez menção de sair da sala, pôs a mão na maçaneta da porta, sem abri-la e, como se estivesse se referindo a um assunto banal, do qual se esquecera durante as discussões, virou-se para a primeira-ministra e disse: “O Terceiro Templo está desabando”, numa alusão clara à possibilidade de Israel perder a guerra e até mesmo ser aniquilado pelos árabes. “Só nos resta o último recurso, preparar o show nuclear.” O tom de voz de Dayan não disfarçava toda a angústia que sentia. “Esqueça isso”, Golda Meir respondeu imediatamente. Bombas atômicas são armas de dissuasão. Onde Israel poderia lançá-las, com seus mísseis Jericó? No Sinai? Impossível. Atingiria egípcios e israelenses, e a radiação se espalharia por toda a área, inclusive chegando às cidades dos dois países. Em Golã? O mesmo resultado.
Se Israel lançasse ogivas nucleares contra grandes centros urbanos árabes como Cairo e Damasco, o mundo inteiro se voltaria contra o país, mesmo em sua situação de encurralado. A posse das bombas só servia para assustar os Estados Unidos e a União Soviética, tal como acontecera na crise dos mísseis de Cuba, onze anos antes, e a primeira-ministra de Israel, a septuagenária Golda Meir, tinha perfeita noção disso. Richard Nixon, com toda a carga de Watergate sobre suas costas, teria de resolver o impasse. Urgentemente, a tempo de salvar o Terceiro Templo.
37. Operação Nickel Grass
partir da terça-feira, 9 de outubro, com a chegada de todas as suas unidades de reserva na frente norte, os israelenses começaram a reverter a situação em Golã, obrigando os sírios a recuar pela primeira vez desde o ataque inicial. Ao mesmo tempo, oito Phantoms F-4 da Força Aérea de Israel, que decifrara e neutralizara os códigos secretos das baterias SAM sírias (embora não os das egípcias), bombardearam Damasco. Mas havia um “porém”: a recuperação das IDFs não tinha como durar muito tempo, pois as tropas de infantaria e as forças blindadas estavam ficando sem armamentos e munição, e a força aérea com poucas aeronaves e mísseis. Em contrapartida, a União Soviética iniciara a ponte aérea de socorro à Síria. Fizera o mesmo com os egípcios, embora, no Sinai, as tropas de Sadat continuassem levando vantagem sobre as de Israel. Em Tel Aviv, Moshe Dayan, cada vez mais abalado pelos acontecimentos, pensou em mobilizar estudantes secundários e homens que já tinham passado da idade do serviço militar para reforçar — se é que tal tipo de soldado podia ser considerado um reforço — o contingente. Tal como no caso das armas nucleares, a ideia do ministro da Defesa foi descartada por seus colegas do gabinete de guerra. Se Dayan estava deprimido, o corpulento, truculento, audacioso, cruel, desobediente e competente general Ariel Sharon — mais tarde primeiro-ministro de Israel — tinha um plano mais do que ousado. Ele pretendia levar algumas de suas unidades para cruzar o canal de Suez em alguns pontos desprotegidos e invadir o Egito. Assim, ao mesmo tempo que tropas de Sadat estariam lutando no Sinai, outras israelenses irromperiam no lado ocidental do canal a caminho do Cairo. Em Viena, os delegados da Opep, Yamani à frente, de acordo com a nova política de usar o petróleo como arma política no conflito árabe-israelense, tentavam impor às empresas petrolíferas ocidentais um substancial aumento no preço do barril, que passaria de três para cinco dólares. As companhias contrapropuseram um aumento de 25%, de três para 3,75 dólares, e a negociação chegou a um impasse. Ahmed Zaki Yamani simplesmente pegou um avião e regressou a Riad, deixando o assunto irresolvido e o Ocidente ameaçado de ficar sem combustíveis. Na quarta-feira, 10 de outubro, os israelenses, numa batalha terrível que custou muitas vidas de ambos os lados, conseguiram recapturar as colinas de Golã e sua força aérea destruiu refinarias de petróleo e usinas elétricas em território sírio. Mas as IDFs ainda precisavam tomar de volta o monte Hérmon. Além disso, corriam o risco de que o auxílio americano não chegasse a tempo e tivessem novamente que recuar. Enquanto isso, no Sinai, 294 israelenses se tornaram prisioneiros de guerra e várias fortalezas da linha Bar-Lev foram abandonadas. A situação era cada vez mais clara: Israel vencia no norte e perdia no sul. Mas, nas duas frentes, os instrumentos de guerra de Israel escasseavam. Na sexta-feira, 12 de outubro, Dado foi informado pelo comandante da Força Aérea Israelense, Benny Peled, que já não havia mais condições de apoiar as operações terrestres, tal era a carência de aeronaves e munição. Mesmo assim, Ariel Sharon mantinha sua ideia de enviar tropas para a margem ocidental do canal
de Suez e começava a contar com o apoio do alto-comando das IDFs. Entre outras razões, levava-se em conta o impacto que isso causaria em todo o mundo. Nessa mesma sexta, Richard Nixon recebeu uma mensagem da primeira-ministra Golda Meir. No texto, ela dizia que a sobrevivência de Israel e de seu povo dependiam agora da boa vontade dos Estados Unidos. Nixon consultou Kissinger, que confirmou que as provisões essenciais de guerra de Israel estavam se esgotando. Golda chegara a cogitar a hipótese de voar secretamente para Washington para fazer um apelo pessoal ao presidente Nixon. Só não o fez para não abandonar seu posto naquele momento crucial. Então escrevera a carta, que chegou à Casa Branca num momento crítico. O vice-presidente americano, Spiro Agnew, acusado pela Receita Federal (IRS) de sonegação de impostos, acabara de renunciar e seu substituto tinha de ser escolhido. Apesar de todos os seus problemas — Vietnã, Watergate, vacância do cargo de vice-presidente e alta do petróleo —, Nixon concordou em acudir Israel. Daí surgiu a Operação Nickel Grass, uma ponte aérea de 10 mil quilômetros de extensão, levando suprimentos. A logística ficou a cargo do Pentágono e as negociações políticas por conta do Departamento de Estado. Todas as companhias aéreas contatadas se recusaram a fazer o transporte. Elas não só temiam um embargo árabe no fornecimento de combustíveis, como também a possibilidade de se tornarem alvos de ataques terroristas. Restou usar a força aérea, o que implicava reconhecer que os Estados Unidos haviam entrado na guerra, apostando num dos lados, tal como fizera a União Soviética. Em contatos com Tel Aviv, Kissinger e o secretário de Defesa, James Schlesinger, informaram ao governo de Golda Meir que os cargueiros da Força Aérea Americana iriam pousar nos aeródromos israelenses no meio da noite. Nesse caso, o descarregamento do material teria alguma chance de passar despercebido por causa da escuridão e as aeronaves poderiam decolar de volta antes do amanhecer. Havia outro problema. Os aviões de transporte não tinham autonomia para voar sem escalas dos Estados Unidos até Israel. Algum país amigo teria de autorizá-los a pousar em seu território, para reabastecimento. Os governos da Grã-Bretanha, França, Alemanha e Espanha não só não concordaram com essas escalas técnicas, como também não permitiram que os cargueiros americanos sobrevoassem seus territórios. Ninguém queria se indispor com os árabes, por causa do petróleo, além de — caso da Grã-Bretanha e da França — ser a primeira oportunidade de desforra da humilhação que Eisenhower lhes infligira durante a crise de Suez, em 1956. Restou aos Estados Unidos escolher Portugal, mais especificamente um dos seus territórios autônomos, no caso o arquipélago dos Açores, no meio do Atlântico. Saindo dali, as aeronaves poderiam passar pela vertical do eixo central do estreito de Gibraltar e sobrevoar o Mediterrâneo até Israel. O presidente português Marcelo Caetano não cedeu facilmente. Richard Nixon precisou telefonar pessoalmente para ele e pressioná-lo para obter a autorização de pouso. Tudo acertado, na hora em que os enormes cargueiros C-141 Starlifter e C-5 Galaxy se preparavam para decolar, abarrotados de armas e suprimentos, de bases militares de Nova Jersey, Delaware e Carolina do Sul, com destino ao aeroporto de Lajes, nos Açores, chegou a informação de que os fortes ventos que sopravam sobre o arquipélago impediriam o pouso. As decolagens foram adiadas por várias horas. Agora o pouso em Israel ocorreria à luz do dia.
38. O dia em que a Opep tomou o poder
ssim que o sol nasceu no domingo, 14 de outubro, mil tanques egípcios — precedidos por um ataque aéreo maciço e prolongado bombardeio de artilharia — avançaram pelo Sinai em direção aos desfiladeiros Gidi e Mitla, se expondo além da área coberta pelo guarda-chuva de proteção dos mísseis SAM. Os israelenses já os esperavam e destruíram 250 dos tanques inimigos. No confronto, Israel perdeu apenas vinte tanques. Em Damasco, o presidente Hafez al-Assad, percebendo que os ventos da guerra agora sopravam contra seu país, tentou, inutilmente, através dos ofícios da União Soviética, obter um cessar-fogo. Os projéteis das forças de artilharia de Israel já atingiam os subúrbios da capital síria. Nas duas frentes, os israelenses já levavam nítida vantagem. O único risco continuava sendo o de ficar sem equipamentos e munição, o que poria a perder todo o esforço das IDFs. De Tel Aviv, o chefe do Estado-maior David Elazar (Dado) autorizou o que Ariel Sharon vinha pedindo desde o início da guerra: que algumas unidades israelenses cruzassem o canal e passassem a combater em solo egípcio. A travessia, que levou o codinome de Operação Gazela, foi programada para ser feita na noite de 15 para 16 de outubro. Coube ao próprio Sharon liderá-la, com quatro brigadas blindadas, e acabou acontecendo com grande êxito. Pela primeira vez, Israel punha os pés em solo africano. pesar do problema inicial — ventos fortes no arquipélago dos Açores —, a Operação Nickel Grass prosseguia. O primeiro cargueiro militar americano, tendo decolado de Delaware com 12 horas de atraso, pousou — após a escala de reabastecimento nas ilhas portuguesas — em Israel no domingo, dia 14, em plena luz do dia. Com isso, o auxílio dos Estados Unidos a Israel tornou-se de domínio público, o que contrariou todos os países árabes, embora a ajuda da União Soviética ao Egito e à Síria também fosse explícita. Como as negociações em Viena sobre o novo preço do barril de petróleo haviam fracassado, os representantes dos países árabes da Opep decidiram viajar para o Kuwait e discutir o assunto lá, sem a presença das empresas petrolíferas. Viajaram juntos num voo da Air India que decolou da capital austríaca na noite de segunda-feira, 15 de outubro. Na terça, 16, Richard Nixon anunciou uma venda adicional de armas para Israel no valor de 2,2 bilhões de dólares. Nessa mesma data, os seis ministros do petróleo do Golfo, que já se encontravam na cidade do Kuwait, reunidos no hotel Sheraton, decidiram aumentar o preço do barril de petróleo em 70% para 5,12 dólares, sem consultar as empresas petrolíferas. Mais tarde, Ahmed Zaki Yamani diria em suas memórias que “foi o dia em que a Opep tomou o poder”. guerra do Yom Kippur transformara-se em mais um capítulo da Guerra Fria entre as duas grandes potências. Com os Estados Unidos financiando e exportando armas abertamente para Israel, a União Soviética incrementou sua ajuda aos árabes. Seus gigantescos aviões cargueiros Antonov-12 executaram mais de duzentas missões de envio de suprimentos para a Síria e o Egito nos dez primeiros dias de combates.
Washington, por sua vez, agora enviava aviões Phantom e Skyhawk para a Força Aérea Israelense, reabastecendo-os no ar durante o longo percurso. Durante esses dias, no mercado livre (spot ) de Roterdã, o preço do barril, movido pelo pânico, subiu além dos 5,12 dólares fixados pela Opep. Essa reação animou os ministros árabes do petróleo, que continuavam reunidos no Kuwait. Após cada um deles consultar seu chefe de Estado, resolveram acatar uma proposta de Yamani, que também já falara a respeito com seu rei: reduzir a produção de cada país-membro em 10% e cortar 5% em cada mês subsequente, até que as tropas de Israel recuassem para as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, em 1967, como determinava a resolução 242 das Nações Unidas. O petróleo tornara-se uma arma política poderosa. Encerrada a reunião, Yamani voou para Riad para se encontrar com Faisal. Havia um assunto ainda mais importante a ser resolvido: o embargo total das exportações de petróleo aos países que estivessem ajudando Israel. Esses “países”, no plural, tinham um nome: Estados Unidos da América.
39. Os senhores das armas
O comportamento do general israelense Ariel Sharon durante a Guerra do Yom Kippur se assemelhou muito ao do general norte-americano George Patton na Segunda Guerra, durante a ofensiva aliada na frente ocidental. Tal como Patton, Sharon, inquestionavelmente destemido, desobedecia às ordens de seus superiores, obrigava seus soldados a correrem riscos excessivos e minimizava o número de baixas em seus relatórios para o alto-comando. O major-general Avraham Adan, comandante da 162 a divisão, atuando no Sinai, acusava Sharon de ser um “caçador de glórias”. Com egípcios lutando no lado leste do canal, e os israelenses de Ariel Sharon combatendo na margem oeste, o palco do teatro de guerra ficou confuso. Tanto o Segundo e o Terceiro Exércitos de Sadat podiam ficar sob cerco no Sinai — entre a Artillery Road e os desfiladeiros — como as tropas de Sharon, cuja cabeça de ponte tinha um quilômetro e meio de profundidade e quase 5 quilômetros de largura, serem encurraladas pelas forças egípcias. Não raro, ao amanhecer, em ambos os lados do canal, tanques israelenses e egípcios podiam ser vistos calcinados, a menos de 100 metros um do outro, com suas tripulações carbonizadas após terem combatido quase às cegas durante a noite. Vista sob uma perspectiva mais ampla, a guerra se definia em favor de Israel, que quase a perdera nos primeiros dias. pós refletir muito, Faisal decidiu-se pelo embargo de petróleo aos Estados Unidos. O rei disse a Yamani que Nixon lhe deixara sem alternativas. Caso contrário, poderia perder a lealdade de seus súditos. A essa altura dos acontecimentos, os americanos estavam muito preocupados com a situação do petróleo. Os soviéticos, por outro lado, temiam que suas armas (usadas por sírios e egípcios) perdessem uma guerra para armas americanas (usadas pelos israelenses). E a solução para ambos os problemas era, primeiro, um cessar-fogo e, depois disso, uma paz negociada por todos os envolvidos, beligerantes e financiadores. Anwar el-Sadat recebeu uma mensagem de Moscou pedindo-lhe que recebesse o presidente do Conselho de Ministros da União Soviética, Alexei Kosygin. Respondeu que Kosygin seria bem-vindo ao Cairo. A situação das Forças Armadas Egípcias estava se tornando cada vez mais difícil — o Terceiro Exército corria perigo de ficar isolado no Sinai, sem contato com suas fontes de suprimento —, e Sadat também já pensava num cessar-fogo honroso, regressando os dois lados às posições da véspera do Yom Kippur. Restava a concordância de Tel Aviv em participar de negociações de paz, pois os israelenses estavam começando a gostar da guerra, com Ariel Sharon mostrando suas garras a uma distância de apenas 100 quilômetros do Cairo. No norte, a Síria agora lutava retrocedendo o tempo todo, mas ainda mantinha o posto de observação no monte Hérmon. Em seu primeiro encontro com Sadat, Kosygin propôs que as partes em guerra cessassem as hostilidades tendo como linhas divisórias as posições dos exércitos naquele momento. Isso significava ter tropas israelenses na margem ocidental do Canal; tropas egípcias, praticamente cercadas, no Sinai; e uma Síria diminuída de tamanho, tal como ocorrera em 1967. O presidente egípcio recusou, indignado, a sugestão, embora não tivesse nada melhor para oferecer.
Kosygin ficou quatro dias no Egito. Em seu último encontro com Sadat, fez uma análise sombria dos acontecimentos: “Uma ameaça ronda o Cairo”, pressagiou, antes de pegar o avião de volta para Moscou. Embora tenha dito “não” ao russo, a decisão de aceitar um cessar-fogo, agora nas melhores condições que pudesse obter, foi tomada pelo presidente Anwar el-Sadat naquela noite, conforme ele mesmo relata em suas memórias. Nesse meio-tempo, Henry Kissinger viajara para Moscou, munido de plenos poderes para negociar em nome do presidente Richard Nixon. No Kremlin, Kissinger combinou com Leonid Brejnev que árabes e israelenses assinariam um cessar-fogo, a ser imposto pelos Estados Unidos e pela União Soviética através do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para entrar em vigor às 19 horas de segunda-feira, 22 de outubro. Os senhores das armas haviam decidido a questão. Os interesses de Estados Unidos e da União Soviética continuavam os mesmos. Os americanos não queriam ficar sem gasolina nos postos; os russos, que seus aliados árabes não fossem demolidos por Israel, tal como na Guerra dos Seis Dias. Richard Nixon e Henry Kissinger só não sabiam que o embargo de petróleo, por parte dos países árabes, seria para valer, com ou sem continuação da guerra. O rei Faisal, assessorado por Ahmed Zaki Yamani, era o grande fiador dessa decisão.
40. Corrida contra o relógio
minuta da resolução 338 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que determinava o fim das hostilidades entre árabes e israelenses, foi elaborada em Moscou por assessores de Henry Kissinger e Leonid Brejnev. Os papéis ficaram prontos no domingo, 21 de outubro de 1973. Como o cessar-fogo fora estipulado para entrar em vigor às 19 horas do dia seguinte, Israel e Egito, ao tomarem ciência e concordarem com esse detalhe, se apressaram em intensificar os combates para que, na hora marcada, suas tropas se encontrassem na melhor posição possível. A Síria, de seu lado, não aceitou a trégua. Como previsto, o conselho da ONU aprovou a proposta nas primeiras horas da segunda-feira. Apenas ajustou o horário do início da trégua de 19 horas para 18h52, a fim de que houvesse um período exato de 12 horas entre a aprovação no plenário e o fim da batalha. Em Washington, a crise provocada pelo arrombamento no conjunto Watergate se agravava. Richard Nixon exonerou o procurador especial, Archibald Cox, autor da intimação para que o presidente apresentasse à ustiça as fitas com as gravações das conversas no Salão Oval. Em protesto contra a decisão de Nixon, o procurador-geral, Elliot Richardson, e seu principal assessor, William Ruckelshaus, pediram demissão. Na tarde de domingo, 21 de outubro, Ahmed Zaki Yamani, que agora todos tratavam como sheik Yamani, encontrou-se em Riad com Frank Jungers, presidente da Aramco, e informou-o sobre os cortes progressivos na produção de petróleo e sobre o embargo contra os Estados Unidos, prestes a ser iniciado. Como se essas medidas já não fossem suficientemente punitivas, Yamani disse a Jungers que os próximos passos poderiam ser a estatização da Aramco e a ruptura das relações diplomáticas da Arábia Saudita com os Estados Unidos. O rei Faisal simplesmente não se conformava com o apoio que os americanos haviam dado aos israelenses durante a guerra. Logo os demais países da Opep se juntaram à Arábia Saudita no embargo de petróleo aos americanos. E incluíram a Holanda na medida, pelo fato de os holandeses não terem condenado a atuação de Israel no conflito. Em resposta, o governo de Haia declarou que não aceitava ser chantageado e convocou a população do país a deixar os carros nas garagens e andar de bicicleta. O apelo foi recebido com entusiasmo pelos cidadãos. No teatro de guerra da península do Sinai, as IDFs haviam conseguido isolar o Terceiro Exército egípcio de suas principais bases de suprimento. Os israelenses agora corriam contra o tempo, para cercar totalmente a importante unidade inimiga antes do cessar-fogo. Quando os relógios marcaram 18h52 de segunda-feira, a trégua entrou em vigor. Mas logo foi rompida, cada lado acusando o outro de ter sido o primeiro a fazê-lo. Na verdade, foram ambos. O Egito queria evitar o sítio ao Terceiro Exército, no Sinai, e o gabinete israelense autorizou suas tropas a fazer justamente isso. A Síria, por seu lado, que não reconhecera a resolução da ONU para o cessar-fogo, via sua situação se deteriorar cada vez mais. Naquela segunda, comandos paraquedistas israelenses, numa operação de alto
risco, paga com a vida de 51 dos atacantes, conseguiram tomar de volta dos sírios “Os Olhos de Israel”, o estratégico posto de observação no topo do monte Hérmon. Só então o governo de Hafez al-Assad aceitou a trégua estabelecida pelo Conselho de Segurança. Mas, tal como acontecia entre egípcios e israelenses ao sul, as peças de artilharia de Israel e da Síria continuaram trocando tiros no norte. Quem não gostou nem um pouco do desrespeito ao cessar-fogo foi o secretário-geral Leonid Brejnev, que culpou Israel e os Estados Unidos pela violação. O urso de Moscou resolveu assustar os americanos e os judeus.
41. Briga de cachorro grande
Leonid Brejnev era o protótipo do antiestadista. Aos 66 anos, gostava da pompa do Kremlin, mas detestava os deveres do cargo de secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista. Uma de suas predileções era condecorar a si mesmo, daí seus uniformes repletos de medalhas. Usava tantas que algumas eram fixadas na gravata. Só de Herói da União Soviética possuía quatro. Havia também, entre dezenas de outras, a de Herói do Trabalho Socialista, a Ordem de Lenin, a Medalha da Estrela de Ouro, o Prêmio Lenin da Paz, o Sol Afegão da Ordem da Vitória, a medalha de Ouro Karl Marx e o Prêmio Lenin de Literatura. Sim, de literatura. O principal hobby de Brejnev era a caça, embora já não conseguisse empunhar um rifle com firmeza. Então outros matavam os javalis por ele. O secretário-geral tinha mais de cem armas. Outra paixão de Leonid Brejnev eram os automóveis: Buick, Packard, Chevrolet, Opel, Maserati, Rolls-Royce (a rainha Elizabeth II lhe deu um Silver Shadow), Lincoln Continental, Cadillac, Mercedes, Ferrari, eram suas marcas favoritas. Havia também os relógios de pulso, inclusive um dos Rolex mais caros do mundo. Em outubro de 1973, Richard Nixon se preocupava principalmente com o escândalo Watergate e com as eleições do mês seguinte, nas quais acabaria sendo reeleito. Pois tinha seus méritos. Afinal de contas, Nixon era um craque em política externa. Muito bem assessorado por Henry Kissinger, reatara relações com a China, negociara a détente com a União Soviética e iniciara as conversações de paz com o Vietnã do Norte, contra quem os Estados Unidos travavam uma guerra extremamente impopular entre os americanos. Ninguém poderia esperar que, após o tratado de cessar-fogo entre árabes e israelenses ter sido assinado (embora não respeitado em sua íntegra), Brejnev deixasse seus javalis de lado para confrontar Nixon. Foi então que agentes da CIA baseados no estreito de Dardanelos captaram emissões de nêutrons, vindas de cargueiros soviéticos em rota do mar Negro para o Mediterrâneo. A única explicação plausível é que os navios estariam transportando artefatos nucleares. Por quê? Para onde? Para atacar quem? Para entregar ao Egito? Ou à Síria? Ou simples bravata de um secretário multicondecorado? Eram muitas perguntas — todas sem sentido — para nenhuma resposta. Isso não impediu que as Forças Armadas Americanas entrassem em estado de prontidão DEFCON 3, o que significava que seus bombardeiros nucleares poderiam decolar em quinze minutos, mesmo tempo em que os mísseis com ogivas múltiplas levariam para serem disparados de seus silos ou de seus submarinos. Em que direção? Contra quem? Ou seria o alerta apenas um estratagema para desviar a opinião pública do caso Watergate? Três semanas após Golda Meir ter recusado a sugestão de Moshe Dayan para usar armas atômicas contra os árabes, as duas superpotências ensaiavam uma briga de cachorro grande. Seria só porque uma trégua não estava sendo corretamente respeitada, ou porque Nixon queria se reeleger e Brejnev aparecer? É muito difícil acreditar, mesmo que levemente, na hipótese de que russos e americanos tenham pretendido usar suas bombas atômicas para resolver um conflito no Oriente Médio. Mas nem israelenses, nem sírios, nem egípcios pagaram para ver. Mesmo porque, talvez, as bombas fossem direcionadas a eles. Foi desse modo que a guerra do Yom Kippur acabou para valer no dia 25 de outubro de 1973, três dias após
a data marcada para o primeiro cessar-fogo. Israel permitiu que os soldados do Terceiro Exército egípcio, cercados no Sinai, recebessem água e alimentos. As armas nucleares de Moscou e Washington foram embainhadas, mas não a arma petróleo dos árabes, que continuou valendo. Isso causaria a maior crise econômica dos Estados Unidos desde o crash da Bolsa em 1929.
42. A arma petróleo
Dois mil, seiscentos e oitenta e sete soldados israelenses — a maioria tripulantes de tanques — foram mortos e 7.251 ficaram feridos na guerra do Yom Kippur. Trezentos e catorze foram feitos prisioneiros, quase todos na linha Bar-Lev. Já do lado árabe, somando-se sírios e egípcios, que não informaram suas baixas, estima-se que 8 mil combatentes morreram, 18 mil saíram feridos e 8,4 mil capturados. As perdas em equipamentos bélicos dos dois lados foram colossais, mas nada que os senhores das armas não pudessem repor facilmente. Curiosamente, embora Israel tenha, na prática, vencido a guerra, o governo de Tel Aviv sofreu fortes críticas internas por ter sido pego de surpresa pelos árabes. Cabeças rolaram nas cúpulas política e militar, principalmente no setor de Inteligência. O povo israelense sentiu que o mito de sua invencibilidade fora destruído e que só havia escapado de uma derrota total graças à ajuda norte-americana. No Egito, o presidente Anwar el-Sadat se considerou vencedor do conflito contra o inimigo judeu — e, portanto, vingado da derrota na Guerra dos Seis Dias — e perdedor apenas para os americanos. O povo egípcio concordou com essa avaliação. A data de 6 de outubro, dia em que a Síria e o Egito desferiram seu primeiro e bem-sucedido ataque contra Israel, tornou-se feriado nacional, Dia das Forças Armadas, que por sinal seria marcado por um episódio trágico oito anos mais tarde. Considerando que a ajuda soviética fora tardia e insuficiente em equipamentos, Sadat, que já expulsara 15 mil russos do país um ano antes, preocupou-se agora em se aproximar dos Estados Unidos. E pensou pela primeira vez em reconhecer oficialmente a existência do Estado de Israel, desde que o Sinai fosse devolvido ao Egito, ideias que foram acatadas com muito gosto por Washington. redução progressiva da produção de petróleo por parte dos países da Opep — 10% no primeiro mês e 5% nos subsequentes — funcionou plenamente. Faltou gasolina nas bombas do Ocidente e o preço continuou disparando. Já o embargo aos Estados Unidos e à Holanda não teve muito efeito prático. Era uma coisa mais simbólica. Uma vez embarcado, o destino do final do petróleo não podia ser controlado pelos produtores. Logo a escassez de combustíveis começou a dividir os países da Otan, cada qual mais preocupado em não desagradar a Opep. Diversos países europeus, além do Japão — que tinha reservas para apenas dois meses —, procuraram demonstrar publicamente seu descontentamento com o que chamavam de política expansionista de Israel. Caladas as armas de fogo, a arma petróleo falava alto. E iria falar alto durante quase uma década.
43. Encha o tanque!
Em função dos cortes progressivos, a produção de petróleo dos países árabes caiu de 20,8 para 15,8 milhões de barris por dia nos últimos meses de 1973. Em poucas semanas, os estoques de reserva norte-americanos se esgotaram. Restava ao país agora racionalizar, ou até mesmo racionar — verbo que dava calafrios nos consumidores — o consumo. Produtores não árabes, principalmente o Irã, amenizaram um pouco a crise de fornecimento, aumentando sua produção em 600 mil barris diários. Os preços dos combustíveis nos grandes centros consumidores eram movidos pelo pânico. Pelo medo de que a mercadoria viesse a faltar. Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, boa parte dos estoques passou a se concentrar no interior dos tanques dos automóveis e dos caminhões, pois os motoristas faziam questão de mantê-los cheios. Nunca se sabia se haveria gasolina ou diesel nas bombas no dia seguinte. Para bajular os árabes, o Mercado Comum Europeu, em comunicado conjunto dos países-membros, exigiu que os israelenses retornassem às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, tal como determinava a resolução 242 das Nações Unidas. Exigiu também que Israel reconhecesse o direito dos palestinos de terem sua própria nação. Os japoneses, com suas ilhas totalmente desprovidas de reservas petrolíferas, não só imitaram os europeus ocidentais nas exigências a Israel, como também deram um tratamento especial ao ministro do petróleo da rábia Saudita, Ahmed Zaki Yamani, quando este visitou Tóquio. Yamani foi inclusive recebido pelo imperador Hirohito, distinção normalmente reservada só a chefes de Estado. Na França, o presidente Georges Pompidou estendeu o tapete vermelho do Palais Élysée para Yamani e para Belaid Abdesselam, ministro do petróleo da Argélia e presidente, no sistema de rodízio, da Oapec (sigla em inglês para a Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo). O mesmo fez Edward Heath, primeiro-ministro britânico, no número 10 da Downing Street. O rosto do sheik Yamani, com seus grandes olhos castanhos que pareciam nunca pestanejar, sua fisionomia serena e barba estilo Van Dyke, era agora conhecido em todo o planeta. Suas fotos embarcando ou desembarcando de um jato executivo, ou esquiando nas pistas de inverno da França, Itália ou Suíça, frequentavam ao mesmo tempo as colunas sociais e as seções de economia e finanças dos jornais e revistas mais importantes. Se os encontros e rasga-sedas de Yamani e seus pares da Opep e da Oapec com os líderes dos países ricos garantiam o abastecimento de petróleo, por outro lado não garantiam os preços, que continuavam disparando. Em dezembro de 1973, o Irã conseguiu vender petróleo a 17,40 dólares o barril, uma alta de 500% em relação ao início do ano. Em vez de racionar gasolina por meio de cupons distribuídos aos consumidores, o governo americano preferiu limitar a quantidade entregue aos postos. Isso logo gerou enormes filas. Os carros aguardavam, não raro durante toda a noite, a chegada do primeiro caminhão-tanque do dia. “ Fill it up! ” (Encha-o!) — ninguém mais abastecia com 10 ou 20 litros. Em vários estados, criou-se um sistema de bandeiras, que os donos dos postos penduravam na frente de seus estabelecimentos. A verde significava que a venda era livre; a amarela, que havia um limite para cada
veículo; a vermelha, que não havia gasolina, mas que os demais serviços do posto estavam disponíveis para os fregueses. No Natal de 1973, diversas municipalidades proibiram luzes de decoração nas casas e nas lojas. O estado do Oregon foi além: baniu os anúncios luminosos. Na Grã-Bretanha, o primeiro-ministro Edward Heath optou por uma tática diferente. Pressionado pela falta de petróleo e por uma greve oportunista dos mineiros de carvão, em 6 de dezembro de 1973 Heath decretou a semana de três dias úteis. É evidente que, ao fazê-lo, decretou também a recessão. Quem mais radicalizou foi a Holanda, que impôs penas de prisão para os consumidores que ultrapassassem suas cotas de racionamento de energia. Nem em seus maiores devaneios os líderes dos países produtores de petróleo poderiam ter imaginado aquela alta vertiginosa nos preços. Mas, ao se encerrar o ano de 1973, isso era um fato. Os cofres da Arábia Saudita, do Irã, do Iraque, do Kuwait, dos Emirados Árabes Unidos, do Qatar, da Nigéria, da Venezuela e de outros produtores estavam abarrotados de dólares. E não havia como, nem onde, investir tanto dinheiro internamente. Restava aplicá-los de volta nos grandes centros financeiros, de onde haviam saído os recursos. Na antessala dos gabinetes das autoridades dos países integrantes da Opep, havia então dois tipos de homens de negócio aguardando pacientemente a vez de serem atendidos: os dirigentes das empresas petrolíferas, querendo comprar óleo cru; os grandes banqueiros internacionais, querendo captar dinheiro. Iniciava-se a era dos petrodólares.
44. Os novos-ricos
Na segunda semana de 1974, a Opep, mais do que satisfeita com a alta de 500% do ano anterior, decidiu congelar o preço do barril de petróleo. Congelar no topo, bem entendido. Para o Ocidente, o estrago estava feito. Em março, os ministros árabes do petróleo, com exceção do da Líbia, anunciaram o fim do embargo contra os Estados Unidos. A medida apenas simplificou as exportações, que agora podiam ser feitas por meio de rotas diretas. O fluxo de petrodólares abastecia de recursos o mercado financeiro internacional, onde grandes fortunas eram feitas da noite para o dia. Só que o eixo dos negócios se deslocou do mercado de ações para o de mercadorias (commodities ), alimentado pela espiral inflacionária e, principalmente, pela ganância dos traders . Em Chicago, Nova York e Londres, os preços da soja, do milho, do trigo, do cacau, do café, do açúcar e de outros produtos agrícolas subiram mais em 1974 do que em qualquer outro surto especulativo da história. Nas capitais e maiores cidades dos países do golfo Pérsico, empreendedores internacionais se valeram da concentração de capitais na região para construir amplos aeroportos, hotéis de cinco estrelas, restaurantes, shopping centers, palácios e mansões luxuosas. Ferraris, Rolls-Royces e Lamborghinis corriam pelas novas autoestradas de seis ou oito pistas que cortavam os desertos. Por mais que se esforçassem, os sauditas não conseguiam gastar o dinheiro no mesmo ritmo em que ele entrava. Nos portos, navios abarrotados de artigos de alto luxo e de quinquilharias ocidentais faziam fila para ancorar. Adnan Khashoggi, um natural de Meca de 39 anos, que se dedicava a intermediar negócios entre investidores ocidentais e empresários da Arábia Saudita, se autointitulava, sem exagerar, um dos homens mais ricos do mundo. As despesas pessoais de Khashoggi somavam aproximadamente 300 mil dólares diários. Suleiman Olayan, um ex-motorista de caminhão da Aramco, que também enriqueceu da noite para o dia, tornou-se o segundo maior acionista do Chase Manhattan, atrás apenas de David Rockefeller. Olayan tinha também participações no Mellon Bank e no Bankers Trust. Multimilionários árabes, vestidos a caráter, não raro acompanhados de duas ou três esposas, eram os compradores mais cobiçados da Harrods, em Londres; das Galeries Lafayette e das lojas de grife de Paris; e da Bloomingdale’s em Nova York. Nas mesas de roleta, bacará e black jack de Monte Carlo, Veneza e Las Vegas, os petrodólares dos novos-ricos orientais eram convertidos em fichas coloridas cintilantes e faziam a festa dos donos dos cassinos. Para a grande maioria das pessoas, entretanto, fosse nos países do Terceiro Mundo, fosse nos desenvolvidos, os novos tempos eram de carestia e desemprego. Os juros subiam e a economia encolhia. Estagflação era a nova palavra do economês. Viajando freneticamente entre Washington, Cairo, Damasco, Riad, Tel Aviv, Jerusalém e Moscou, o secretário de Estado Henry Kissinger costurava os detalhes finais necessários para transformar o cessar-fogo
árabe-israelense num acordo de paz. Conseguiu que Israel retirasse suas unidades ainda posicionadas no lado ocidental de Suez. Na frente síria, também por gestões de Kissinger, as tropas israelenses saíram de seu enclave nos arredores de Damasco e recuaram para suas posições pós-Guerra dos Seis Dias, que incluíam as colinas de Golã e o posto de vigilância do monte Hérmon. Agora observadores das Nações Unidas — oficiais e soldados austríacos, canadenses, peruanos e poloneses — se interpunham entre as tropas de Israel, de um lado, e as do Egito e da Síria, do outro. Prisioneiros de guerra foram trocados entre árabes e israelenses. Embora, numa definição estritamente militar, Israel tivesse vencido a guerra do Yom Kippur, a grande maioria da opinião pública do país continuava achando que seus líderes haviam falhado ao não prevenir o ataque do dia 6 de outubro de 1973. Assim como não se conformava com o grande número de mortos entre os combatentes das IDFs. Sem mencionar o custo da guerra, equivalente a um ano do PIB israelense, o que forçara o governo a aumentar os impostos. Talvez a prosperidade reinante entre os árabes tenha influenciado os israelenses a se sentirem perdedores. O Partido Trabalhista, no poder desde a criação do Estado de Israel, começou a perder força eleitoral. Caíram o major-general David Elazar, chefe do Estado-maior, e o major-general Eli Zeira, da Inteligência militar, ambos destituídos de seus postos. O herói da Guerra dos Seis Dias e ministro da Defesa Moshe Dayan encerrou sua carreira política. O mesmo fez Golda Meir, que deixou o cargo de primeira-ministra no dia 4 de junho de 1974. Golda morreria quatro anos e meio mais tarde, em 8 de dezembro de 1978, aos 80 anos, vítima de leucemia. Seu maior orgulho, como deixou relatado em sua autobiografia, era o de que “aqueles judeus que foram mortos nas câmaras de gás tinham sido os últimos judeus a morrer sem se defender”.
45. Assassinato e sequestro
Na sexta-feira, 5 de junho de 1975, sete meses e meio após o fim da guerra do Yom Kippur, o presidente nwar el-Sadat reabriu o canal de Suez, fechado à navegação desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. A decisão de Sadat não foi apenas um gesto de boa vontade para com a comunidade internacional. O pedágio cobrado dos navios pela passagem por Suez era a principal fonte de renda do Egito, cujas jazidas petrolíferas, insignificantes, não permitiam que o país compartilhasse da riqueza dos árabes do Golfo. Em 4 de setembro do mesmo ano, Israel e Egito assinaram, em Genebra, o Acordo Interino do Sinai. Conforme os termos do tratado, as tropas israelenses se afastaram para um ponto 40 quilômetros a leste do canal, sendo substituídas por forças de paz das Nações Unidas. Israel continuou ocupando dois terços da península. hmed Zaki Yamani, tendo se divorciado de sua primeira mulher, se casou pela segunda vez em 1975, agora com uma compatriota, Tammam al-Anbar. Yamani continuava sendo o homem mais influente da comunidade petrolífera mundial. Isso se devia não só à sua capacidade de liderança e ao seu bom senso, mas também ao apoio irrestrito que o rei Faisal lhe dava. Yamani, por sua vez, devotava ao rei uma amizade e uma lealdade caninas. Não raro o monarca o chamava em plena madrugada ao palácio para discutir assuntos de Estado, ou mesmo para conversar banalidades. Tal tratamento enciumava os demais ministros, assim como diversos integrantes da família real. Um dos sobrinhos do rei Faisal, Khalid bin Musa’id, era um muçulmano fanático que abominava todo e qualquer tipo de modernidade. Nutria um ódio especial à televisão, que considerava coisa do demônio, ou do Ocidente, ou, melhor, de ambos. Bin Musa’id decidiu explicitar seus sentimentos liderando um ataque armado à nova emissora de TV que acabara de ser inaugurada em Riad. Tendo a polícia sido chamada, o oficial que comandava o destacamento foi avisado de que os atacantes eram liderados por um príncipe saudita. Imediatamente, comunicou-se com seus superiores que, mais do que depressa, fizeram chegar a informação ao rei. “Ninguém está acima da lei”, disse Faisal. “Se meu sobrinho atirar em vocês, então vocês terão de atirar de volta.” Coube ao próprio chefe de polícia matar o príncipe Khalid bin Musa’id. Tempos mais tarde, um irmão de Khalid chamado Faisal (os membros da dinastia Saud tinham sempre os mesmos primeiros nomes) mudou-se para os Estados Unidos, onde se matriculou na Universidade do Colorado, em Boulder. E lá ele foi preso por traficar LSD e haxixe. O Departamento de Estado fez um apelo ao juiz local, que aceitou fazer um acordo: o jovem Faisal se declarou culpado, recebeu uma sentença leve, imediatamente suspensa, e voltou — depois de passar por Berkeley, Beirute e Alemanha — para a Arábia Saudita. E ficou esperando a oportunidade de se vingar de seu tio Faisal, o rei, pela morte do irmão. Na terça-feira, 25 de março de 1975, Ahmed Zaki Yamani foi ao palácio real acompanhando Abdul Mutaleb Kazimi, recém-empossado como ministro do petróleo do Kuwait, numa visita de apresentação ao rei Faisal marcada para as dez e meia da manhã. Só que na comitiva de Kazimi estava um jovem que se fazia
passar por kuwaitiano, e que não era outro senão o Faisal expulso dos Estados Unidos, irmão do Khalid morto na emissora de TV. Faisal recebeu os kuwaitianos, acompanhados de Yamani, numa pequena sala de recepção ao lado de seu escritório. Antes que pronunciasse a primeira palavra de boas-vindas, seu xará, sobrinho, príncipe saudita e falso kuwaitiano, se adiantou, sacou de uma pistola e atirou três vezes no tio. Duas balas atingiram o peito do monarca e, a terceira, a veia jugular. Eram 10h32. O rei Faisal morreu deitado no tapete, a cabeça amparada pelo ministro Yamani. O assassino foi preso por um guarda-costas, que ainda precisou lutar com ele para se apossar da arma. O príncipe herdeiro, Khalid (sempre os mesmos nomes), assumiu o trono. E o novo herdeiro passou a ser o príncipe Fahd. Em 18 de junho, 85 dias após o crime no palácio, o príncipe Faisal bin Musa’id, assassino do rei, vestindo um manto branco e tendo os olhos vendados, foi decapitado em praça pública perante uma multidão. Khalid, o novo rei, um homem simples que preferia passar a maior parte de seu tempo com as tribos do deserto caçando com falcões, manteve Ahmed Zaki Yamani no cargo. Só que agora o ministro do petróleo tinha de prestar contas de seus atos ao príncipe herdeiro, Fahd, um ex-playboy do jet set internacional que se tornou a pessoa mais poderosa do país. Presidia todas as reuniões do Conselho de Ministros, às quais o rei Khalid raramente comparecia. Nem sempre Yamani obedecia às ordens de Fahd. Mas sua reputação internacional era tão sólida que o príncipe herdeiro fingia não perceber esses deslizes, embora ficasse profundamente irritado com eles. Nas vésperas do Natal de 1975, Yamani passou pelos piores momentos de sua vida. Ele e mais dez ministros da Opep foram sequestrados na sede da organização, em Viena, por um grupo liderado pelo terrorista venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, mais conhecido como Carlos, o Chacal. Ameaçando matar os reféns, Chacal obteve das autoridades austríacas um ônibus para levá-los ao aeroporto e um DC-9 da Austrian Airlines, tripulados por voluntários. Seguiu-se uma odisseia que durou vinte horas e meia. Tendo decolado de Viena às 9h15 de segundafeira, dia 22, o jato perambulou por diversos aeroportos do Norte da África. Finalmente, às 5h45 de terça, os reféns foram liberados em Argel, capital da Argélia, país que concedeu asilo aos terroristas, sendo que Carlos preferiu ir para o Iêmen. Apesar de inúmeras teorias conspiratórias terem sido desenvolvidas para explicar esse sequestro, jamais se soube quem (se é que houve alguém) o patrocinou. Pode ter sido apenas mais um episódio de exibicionismo do Chacal, versado neles. Em várias ocasiões durante as etapas da tensa jornada do DC-9 austríaco, Carlos havia dito a Yamani que iria matá-lo ao final do sequestro. Embora a ameaça não tenha sido cumprida, a partir do momento em que se viu livre e voltou para casa, Ahmed Zaki Yamani tornou-se um dos homens mais bem protegidos do mundo.
46. Ismael vai a Isaac
Os trabalhistas ainda conseguiram se manter no poder durante três anos em Israel, tendo Yitzhak Rabin substituído Golda Meir. Em 1977, o partido Likud, de direita, venceu as eleições. Menachem Begin tornouse primeiro-ministro. Nos países árabes produtores de petróleo, o boom econômico continuava. Pudera. A receita de exportação subiu de 23 bilhões de dólares (cifra de 1972) para 140 bilhões (1977). Acumulando enormes superávits em suas balanças comerciais, os Estados do Golfo, apesar de grandes desperdícios e de vultosas compras de armamentos, ainda encontravam recursos em petrodólares para emprestar aos grandes bancos internacionais. Estes, por sua vez, financiavam as nações do Terceiro Mundo, cujas dívidas externas dispararam, o que iria causar sérios problemas no futuro. Prosperidade de um lado, recessão do outro. Entre 1973 e 1975 o Produto Interno Bruto dos Estados Unidos caiu 6%. No mesmo período o desemprego dobrou de 4,5% para 9%. Durante uma reunião da Opep em Doha, o xá Reza Pahlavi, do Irã, que fazia uma leitura completamente errada do cenário econômico mundial, quis elevar o preço do barril para não menos do que cem dólares. Enfrentou obstinada oposição de Yamani, que lutou para manter os preções estáveis, no que foi bem-sucedido. Nos países consumidores, as políticas de redução no consumo de combustíveis começavam a surtir efeito. Os Estados Unidos, por exemplo, padronizaram o limite máximo de velocidade das estradas — que até então variava de estado para estado —, fixando-o em 55 milhas (88km) por hora. Automóveis menores e mais econômicos passaram a ser produzidos. As velhas banheiras de Detroit foram largadas nas garagens. Os carros japoneses de baixo consumo faziam grande sucesso entre os consumidores americanos. Para economizar eletricidade, a Administração Federal de Energia (Federal Energy Administration) estendeu o horário de verão aos 12 meses do ano. Nem tudo aconteceu de forma pacífica. Como foram fixadas cotas de compra de óleo diesel para os veículos de carga, seus motoristas entraram em greve. Na Pensilvânia e em Ohio, onde alguns profissionais furaram o movimento, houve troca de tiros entre eles e os grevistas. No Arkansas, alguns caminhões foram incendiados por sindicalistas. Os países da Opep agora estavam interessados em estatizar sua indústria petrolífera, tal como o Irã fizera em 1951. O Iraque fez isso em 1972. Dois anos depois, o Kuwait seguiu o mesmo caminho, adquirindo 60% da participação da British Petroleum e da Gulf e, no ano seguinte, comprou o restante. Pagou 50 milhões de dólares pelas ações, 2,5% do que pretendiam a BP e a Gulf. As coisas agora funcionaram dessa maneira. Os detentores das jazidas davam seus preços e as Sete Irmãs tinham de aceitar. Venezuela e Arábia Saudita, ambas em 1976, foram os dois últimos grandes produtores a estatizar suas indústrias petrolíferas. Os sauditas tinham jazidas comprovadas de 149 bilhões de barris, um quarto das reservas mundiais. No Egito, o presidente Anwar el-Sadat chegara à conclusão de que jamais conseguiria vencer Israel militarmente. Então começou a se aproximar, no início timidamente, do governo de Tel Aviv, visando
recuperar algumas áreas do Sinai tomadas na Guerra dos Seis Dias e mantidas na do Yom Kippur. Finalmente Sadat decidiu-se por uma ação ousada, que iria impactar o mundo: visitar Israel. Seu objetivo era negociar tête-à-tête com os dirigentes israelenses, que aprovaram a viagem. No dia 19 de novembro de 1977, Anwar el-Sadat desembarcou no aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv, onde o primeiro-ministro Menachem Begin e os líderes de todos os partidos — inclusive Golda Meir, já aposentada — o recepcionaram. Ao ser apresentado a Ariel Sharon, Sadat o ameaçou de brincadeira: “Na próxima vez que invadir meu país, vou pô-lo a ferros.” “Isso não vai acontecer”, Sharon achou graça. “Agora sou ministro da Cultura.” Sadat visitou a mesquita Al Aqsa em Jerusalém e discursou no parlamento (Knesset), onde falou de paz. Falou também de Abraão, Ismael, Isaac, Jacó, Moisés, Jesus e Maomé e disse que todos ali eram irmãos. Foi aplaudido entusiasticamente, aplauso repetido pela multidão que o recebeu no Cairo em seu regresso. Quem não gostou nem um pouco da aproximação de Sadat com os judeus foram os integrantes da Irmandade Muçulmana, que juraram vingar-se do que chamavam de “alta traição” do presidente. Ao gesto de boa vontade de Anwar el-Sadat seguiu-se, em setembro do ano seguinte, o Acordo de Paz de Camp David, em Maryland, firmado entre Sadat, o presidente americano Jimmy Carter — que sucedera Gerald Ford, por sua vez sucessor de Nixon — e Menachem Begin. Foi o primeiro tratado de paz de Israel com um país árabe. Uma de suas cláusulas determinava que os israelenses retirassem gradualmente suas tropas e seus colonos do Sinai. O acordo renderia a Begin e Sadat o prêmio Nobel da Paz. Carter receberia o seu 24 anos mais tarde. Conforme a cronologia estabelecida em Camp David, os últimos soldados das IDFs deixariam a península do Sinai em abril de 1982. Por outro lado, Israel e Síria jamais assinaram um tratado de paz. Os israelenses anexaram formalmente as colinas de Golã em 14 de dezembro de 1981 e os sírios não puderam fazer nada a respeito. No Irã, o xá Mohammad Reza Pahlavi enfrentava problemas com alguns segmentos da população. Os clérigos xiitas (mulás) criticavam o estilo de vida ocidental e os gastos pessoais nababescos do xá, assim como sua aproximação com os Estados Unidos. O maior líder religioso do país, aiatolá Ruhollah Khomeini, vivia exilado na França. Mas tinha grande influência sobre os iranianos. Em outubro de 1978, por inspiração de Khomeini, os trabalhadores da refinaria de petróleo de Abadã, a maior do mundo, entraram em greve. Rapidamente o movimento se espalhou pelo país, alcançando outros ramos da atividade petrolífera e dos negócios em geral e os estudantes, que saíram às ruas para protestar. A repressão da Savak, polícia secreta do xá, foi brutal. Foram feitas prisões em massa e centenas de manifestantes torturados. “É a vontade de Alá que a produção de petróleo pare”, Khomeini mandou seus clérigos proclamarem nas mesquitas de todo o país. Com a interrupção das exportações iranianas de petróleo e derivados, o preço do barril voltou a subir. Na reunião plenária de comemoração do 20 o aniversário da Opep, os delegados se aproveitaram do ensejo para decretar uma alta de 10% no preço do barril, num momento em que boa parte dos países industrializados se encontrava em recessão. Enquanto isso, Khomeini convocava mártires para lutar contra as forças do xá. “Deixe que matem 5 mil, 10 mil, 20 mil”, conclamou ele, da segurança de seu refúgio francês em Neauphle-le-Château, nas cercanias de Paris. O apelo foi recebido com enormes manifestações de apoio em todo o Irã. A Savak já não conseguia lidar com tanta gente. Quanto aos soldados do Exército iraniano, muitos se bandeavam para o lado dos rebeldes. Engenheiros ocidentais contratados pela estatal petrolífera começaram
a ser assassinados. Muitos decidiram abandonar o país, deixando a empresa sem suporte técnico. Por volta do Natal de 1978, a Opep passou o aumento de 10% para 20%. E mesmo assim o preço do barril começou a ser negociado com ágio no mercado spot de Roterdã. Dias depois, os principais assessores do xá lhe aconselharam a deixar o país. A desculpa seria um tratamento médico no exterior, já que o xá sofria de um câncer. Em Teerã, a maioria duvidava de seu regresso. Ao meio-dia de terça-feira, 16 de janeiro de 1979, o xá chegou ao aeroporto de Mehrabad, em Teerã, acompanhado da imperatriz Farah Diba e dos filhos, e partiu em seu Boeing particular para nunca mais voltar. Duas semanas depois, o aiatolá Khomeini, então com 77 anos, desembarcou em Teerã a bordo de um avião da Air France. Foi recebido por gigantesca multidão que invadiu o pátio de estacionamento e trouxe o aiatolá em seus braços. A partir daquele momento o país tornava-se uma teocracia. O mundo entrou em pânico e sobreveio o segundo choque do petróleo.
47. O segundo choque
Eram pouco mais de três horas da madrugada de domingo, 4 de novembro de 1979, quando um plantonista sonolento do Centro de Operações do Departamento de Estado, no sétimo andar do prédio Harry S. Truman, em Washington, recebeu um telefonema da embaixada dos Estados Unidos em Teerã, onde já era início da tarde. Sendo domingo um dia útil na capital iraniana (os muçulmanos guardam as sextas-feiras), a representação diplomática funcionava normalmente. Quem ligava para Washington era a funcionária Elizabeth Ann Swift, de 38 anos. “Um bando de jovens enraivecidos pulou os muros da embaixada e entrou no jardim”, ela disse, sua voz mantendo um tom estritamente profissional. “Eles agora estão tentando arrombar o prédio da chancelaria.” Então a linha caiu. Às 15 horas de Teerã, a ligação foi retomada. Elizabeth prosseguiu o relato: “Eles incendiaram uma parte do prédio.” O telefone voltou a ficar mudo, só tornando a funcionar meia hora depois. “Agora estão ameaçando matar dois fuzileiros”, desta vez Elizabeth Swift não conseguiu disfarçar seu nervosismo. “O pessoal aqui está tentando entrar em contato com alguma autoridade.” Foi a última coisa que Elizabeth disse antes de ter o aparelho telefônico arrancado de sua mão por um dos invasores que haviam irrompido no andar, muitos trazendo fotos do aiatolá Khomeini coladas no peito. funcionária e seus colegas tiveram as mãos amarradas por trás das costas e os olhos vendados. A ligação telefônica continuou no ar, Washington repetia “alô, alô, alô”, mas a outra ponta da linha estava muda. Um total de cinquenta funcionários — eram 63 de serviço, mas os iranianos liberaram os negros — foi posto em cativeiro. Embora o aiatolá fosse o líder inconteste da revolução, ainda não havia um governo formalizado que Washington pudesse interpelar. Teerã e as outras cidades do país eram palco de violências as mais diversas. deptos, ou suspeitos de serem adeptos, do xá eram humilhados, espancados e enforcados. A reação do presidente Jimmy Carter foi congelar as contas iranianas em bancos americanos e decretar um embargo ao petróleo do Irã, medida inócua, pois Teerã também embargou as exportações para os Estados Unidos. Desse modo iniciou-se o segundo choque do petróleo. Em meio a boatos os mais variados o preço do barril, que havia caído para 13 dólares após o acordo bem-sucedido entre Egito e Israel e depois voltado a subir, agora disparou para as alturas: 37, 38, 39, 40 dólares. Este último preço foi pago por uma trading japonesa e representava uma valorização de quase 1.300% desde o início de 1973, ano em que a alta começou. O mercado voltava a ser regido pelo pânico, pelo medo de que a mercadoria viesse a faltar. O aiatolá Khomeini não era o único líder da região disposto a incendiá-la. No dia 16 de julho daquele mesmo ano de 1979, Saddam Hussein, no Iraque, à moda de Al Capone, convidara alguns membros de seu partido, o Baath, para jantar em seu palácio, prendera quase todos e mandara matar aqueles que poderiam ameaçar sua liderança. Alguns, Saddam executou pessoalmente.
Saddam, que odiava o xá, mas odiava ainda mais Khomeini, queria se aproveitar da fraqueza das Forças rmadas Iranianas, causada pela transição de governo e de sistema — centenas de oficiais de alta patente do exército imperial haviam sido presos e vários, executados —, para invadir o país vizinho e se apoderar de suas refinarias e campos petrolíferos. Só esperava a oportunidade ideal. Como os reféns americanos continuavam presos, e não via possibilidade de negociar com um fanático como Khomeini, Jimmy Carter decidiu autorizar uma ação armada de altíssimo risco, dessas de filmes de ficção, para resgatá-los em Teerã. Assim surgiu a Operação Eagle Claw (Garra de Águia), que envolveria oito helicópteros, seis aviões Hércules e um número não revelado de homens. Deu tudo errado. Um helicóptero colidiu com um Hércules, ambos explodindo. Dois outros helicópteros caíram no deserto e nenhuma das aeronaves sequer se aproximou de Teerã. Oito militares morreram, assim como morreram as chances de Jimmy Carter ser reeleito — perderia a eleição de 1980 para Ronald Reagan. O governo do Irã espalhou os reféns por todo o país, invalidando qualquer outra tentativa de resgate. Enquanto Khomeini tentava organizar sua república teocrática, o xá, com o câncer em estado terminal, perambulava por diversos países, tentando obter um visto de residência. Foi rejeitado por quase todos — ninguém, nem mesmo os Estados Unidos, queria desagradar o Irã. O único que o recebeu foi o presidente nwar el-Sadat, do Egito. Mohammad Reza Pahlavi morreu no Cairo em 27 de julho de 1980 e seu corpo foi sepultado na mesquita de al-Rifai. No dia 22 de setembro de 1980, as tropas de Saddam Hussein irromperam no Irã, numa frente de 650 quilômetros, enquanto a força aérea iraquiana desfechava um ataque maciço contra aeródromos e instalações militares e petrolíferas do inimigo. Embora Saddam acreditasse que a guerra iria durar apenas uma ou duas semanas — no máximo, um mês —, opinião compartilhada pela maioria dos analistas militares internacionais, os iranianos se defenderam com bravura e fanatismo incomuns. Khomeini convocou todos os jovens a se tornarem mártires. Alguns meninos entravam desarmados no campo de luta apenas para que seus pés detonassem as minas terrestres. Limpo o terreno e mortos os garotos, os soldados armados vinham atrás. guerra duraria oito anos e onze meses, terminaria num empate — a fronteira entre os dois países se manteve — e deixaria mais de um milhão de mortos, a maior parte iranianos. Nos primeiros meses do conflito, o abastecimento mundial de petróleo caiu em 4 milhões de barris diários. Isso fez com que os preços alcançassem novos recordes, mas não em números exagerados. O preço atingiu 42 dólares, pois a perda das exportações do Iraque e do Irã foi compensada em boa parte por um aumento da produção saudita. Além disso, o Ocidente, cansado de lidar com crises no Oriente Médio, mantinha cheios seus tanques de estocagem, assim como usava superpetroleiros como depósitos flutuantes. O cativeiro dos reféns americanos da embaixada em Teerã durou 444 dias, só terminando em 20 de janeiro de 1981, exatamente o dia da posse do presidente Ronald Reagan. Foi dito na época que Khomeini entregou os reféns com medo de o novo governo republicano atacar o país, como Reagan ameaçara em sua campanha, mas o certo é que houve negociação de bastidores antes da posse, envolvendo a devolução ao Irã do dinheiro congelado nos bancos americanos. Como prêmio de consolação, Jimmy Carter foi incumbido da missão de receber oficialmente, em nome dos Estados Unidos da América, os reféns da embaixada em uma base americana na Alemanha, para onde os
prisioneiros foram levados após uma escala na Argélia. Para obter sua cota de petrodólares, os franceses construíram uma usina nuclear no Centro Al Tuwaitha, próximo a Bagdá. Embora os governos de Saddam Hussein e de François Mitterrand garantissem que o projeto tinha fins pacíficos, Israel não estava achando a menor graça em ver um de seus inimigos mais próximos e belicosos avançar no estágio nuclear, podendo, ao final do processo, construir bombas atômicas. No dia 7 de junho de 1981, através da Operação Opera, oito F-16 israelenses destruíram as instalações de Al Tuwaitha, matando dez iraquianos e um técnico francês. A França protestou violentamente, mas achou ótimo o resultado. Nada melhor do que construir uma usina de potencial perigoso, receber o dinheiro e vê-la destruída. Nada disso causava grandes impactos nos preços do petróleo que, aos poucos, ia se tornando uma commodity comum, sujeita às leis da demanda e da oferta. E no caso do ataque israelense não foi diferente. O mercado começava a se cansar dessas refregas, tão constantes elas eram. Pareciam parte de uma rotina, e não acontecimentos excepcionais. Terça-feira, 6 de outubro de 1981, oitavo aniversário do ataque do Yom Kippur, Dia das Forças Armadas no Egito. Tal como nos sete anos anteriores, o presidente Anwar el-Sadat ia presidir o desfile militar comemorativo da “vitória”. Sadat dirigiu-se para o palanque oficial numa limusine aberta, cercado por oito guarda-costas postados nos estribos laterais e traseiro do veículo. Tanta segurança tinha razão de ser. Uma fatwa (sentença de morte promulgada por uma autoridade religiosa islâmica) fora emitida pelo clérigo Omar Abdel-Rahman contra o presidente egípcio. Motivo: a viagem de Sadat a Israel em 1977 e a assinatura do acordo de Camp David com o inimigo judeu. Quando o chefe de Estado chegou ao palanque, o desfile teve início. Em certo momento, Sadat dividia sua atenção entre o vice-presidente Hosni Mubarak, à sua direita, com quem conversava ao pé do ouvido — para se fazer escutar em meio ao estrondo dos jatos Mirage da força aérea que voavam rasante sobre o cortejo —, e as unidades que marchavam e desfilavam em carros de combate pela avenida. É bem provável que Sadat não tenha entendido bem o que estava acontecendo quando o tenente Khalid Islambouli — secretamente filiado ao proscrito movimento Jihad Islâmica Egípcia —, acompanhado de outros homens, pulou de um caminhão de transporte de tropas que participava da parada e se dirigiu ao palanque. Todos portavam granadas e rifles de assalto. As pessoas reagem muito lentamente ao imprevisto. E foi o que aconteceu com Sadat e com todos que estavam ali. Valendo-se do efeito surpresa, os executores puderam se aproximar do parapeito de mármore, junto à primeira fila de assentos. Atiraram no presidente e nas autoridades próximas a ele. As granadas fizeram o resto, espalhando o terror e a morte por toda a extensão do palanque. Sadat foi atingido no pulmão esquerdo e em outros órgãos vitais. Foi levado para um hospital próximo, onde morreu duas horas mais tarde, na mesa de cirurgia. Outras 11 autoridades perderam a vida no atentado. Vinte e oito ficaram feridas. Houve consternação em Israel e grande euforia entre os islâmicos mais fanáticos, entre eles um mujahi (guerreiro sagrado) que, financiado e armado pelos Estados Unidos, lutava contra os soviéticos no feganistão. Seu nome: Osama bin Laden.
48. Guerra de preços
Com a morte de Anwar el-Sadat, Hosni Mubarak — que fora ferido no atentado, mas se recuperou — assumiu a presidência e permaneceu no cargo durante os trinta anos seguintes, sendo deposto na chamada Primavera Árabe, em 2011. Tal como seu antecessor fizera nos últimos anos de seu governo, Mubarak manteve boas relações com Israel e com os Estados Unidos. Num gesto de boa vontade para com o Egito, os israelenses se retiraram das áreas que ainda ocupavam na península do Sinai. Os assassinos de Sadat, após serem torturados na prisão para revelar os nomes de seus cúmplices na Irmandade Muçulmana, foram fuzilados em abril de 1982. O clérigo Omar Abdel Rahman, autor da fatwa contra Sadat, também foi supliciado nos porões policiais, mesmo sendo cego. Alguns anos mais tarde, Rahman foi expulso do Egito. Viajou para o Afeganistão, onde se tornou um dos fundadores da Maktab al-Khadamat, “o escritório de serviço”, organização precursora da al-Qaeda. O Sheik Cego, como Omar Rahman era mais conhecido, se apresentou na embaixada americana em Cabul e pediu asilo político nos Estados Unidos. Como colaborara com os mujahidin em sua luta contra os soviéticos, o pedido foi aceito por interferência da CIA e ele viajou para a América. O clérigo se estabeleceu em Jersey City, mais tarde se transferindo para Nova York, designado para a mesquita Al Faruk, no bairro do Brooklin. De lá ele proveu os meios para que Ramzi Yousef, O Químico, perpetrasse o primeiro atentado contra o World Trade Center, em 1993, quando uma van-bomba explodiu na garagem do subsolo das Torres Gêmeas, matando seis pessoas e ferindo mais de mil. Em 13 de junho de 1982, morreu, aos 69 anos, o rei Khalid, da Arábia Saudita, vítima de ataque cardíaco. O príncipe herdeiro Fahd, que já era quem mandava de fato no país, assumiu o trono. Abdullah tornou-se o príncipe herdeiro. Nessa ocasião, o Banco da Reserva Federal (FED) dos Estados Unidos aumentara brutalmente as taxas de juros para combater a inflação provocada pelo segundo choque do petróleo. Em consequência disso, a taxa básica preferencial ( prime rate ), praticada pelos bancos, subiu a 21,5%. Entre 1980 e 1982 desenvolveu-se a mais profunda recessão desde a provocada pelo crash da Bolsa de 1929. Como não podia deixar de ser, a demanda mundial por petróleo caiu em todo o mundo. Diante desse cenário recessivo, só restava à Opep duas alternativas: baixar os preços ou fazer cortes na produção. E foi por essa segunda hipótese que eles se decidiram, estabelecendo cotas. Se em março de 1979 os países integrantes da organização haviam produzido um recorde de 31 milhões de barris diários, esse montante caiu para 18 milhões em 1982, com cotas individuais para cada país-membro, com exceção da rábia Saudita, que ajustaria sua produção para mais ou para menos em função da oferta global. Como a adoção de cotas não surtiu o efeito desejado, em março de 1983 a Opep diminuiu o preço do barril em 15%, de 34 para 29 dólares. Era a primeira vez que isso acontecia na história da organização. Para vender mais do que os outros, burlando sua cota, a Nigéria reduziu o preço para 28,50 dólares. No biênio 1983-1984, Ahmed Zaki Yamani lutou para manter o mercado estabilizado nesses níveis menores. Nessa ocasião, ele já somava 21 anos de serviço para o governo da Arábia Saudita e estava cada vez menos prestigiado pelo rei Fahd.
O que Yamani não contava era que seu próprio governo usaria de um estratagema, de pouquíssima criatividade e não menos princípios éticos, para incrementar suas exportações. O príncipe Sultan, ministro da aviação e chairman da Saudi Airlines, foi forçado pelo rei a comprar dez novos Boeings 747, com turbinas Rolls-Royce, dos quais a empresa aérea não necessitava, pagando a compra, que custou um bilhão de dólares, em petróleo, inundando ainda mais o mercado. “Não diga nada na Opep”, o rei recomendou a Yamani, segundo revelaria a revista Petroleum Intelligence Weekly . Na mente apequenada de Fahd, os jatos não estavam custando nada, uma vez que o pagamento era feito em petróleo. O certo é que a receita do reino em exportações de óleo cru caiu de 119 bilhões de dólares, em 1981, para 26 bilhões, em 1985, uma queda de mais de três quartos. A Arábia Saudita perdia importância e influência no cenário mundial. Nas antessalas do ministro Yamani e do gabinete real já não havia tantos empresários ansiosos por fechar negócios. Começou então a guerra de preços. A Líbia, a Nigéria e o Irã, tal como fizeram os sauditas no caso dos jumbos, passaram a trocar petróleo por mercadorias, sem contabilizar essas negociações em suas cotas. Só que elas tinham o mesmo peso no mercado, onde quem mandava agora eram os compradores. A baixa que se seguiu foi tão abrupta quanto a alta de 1973, ano da guerra do Yom Kippur. De seu valor máximo, 42 dólares, alcançado na época da invasão do Irã pelo Iraque em 1980, o barril caiu para apenas dez no final de novembro de 1985. Enquanto isso, por baixo dos panos, alguns produtores chegavam a vender por seis dólares. Seis dólares! Se antes as compras haviam sido movidas pelo pânico, o mesmo acontecia agora com os vendedores. Todos queriam sair ao mesmo tempo por uma porta estreita. Era a revanche das Sete Irmãs. Certo? Errado! Com o petróleo a seis dólares, os produtores texanos perdiam dinheiro. E o vice-presidente de Ronald Reagan, George H. W. Bush, era do Texas. Sua carreira política fora toda financiada com doações das companhias texanas de petróleo. Ele mesmo trabalhara em uma delas. Bush então resolveu visitar a Arábia Saudita para pedir ao rei Fahd que reduzisse a produção do reino para elevar os preços, em prejuízo dos consumidores americanos.
49. Choque falso
Embora fosse vice-presidente dos Estados Unidos, a viagem de George H. W. Bush à Arábia Saudita na primavera de 1986 foi feita em caráter de lobista das companhias petrolíferas americanas. Jamais se saberá com precisão o que Bush prometeu ao rei Fahd em troca da diminuição das exportações de petróleo, a não ser que ele próprio o revele um dia. O que se pode dizer desde já é que sua missão contrariava o princípio da Reagonomics de deixar livres as forças de mercado. O encontro entre Bush e Fahd aconteceu em Dhahran, na província oriental do reino. O vicepresidente não demorou a perceber que o ministro Yamani perdera sua força, pois, em determinado momento, o rei lhe disse: “Quando você quiser conversar com alguém na Arábia Saudita sobre petróleo, venha a mim. A ninguém mais.” Isso foi mais tarde revelado pelo próprio Ahmed Zaki Yamani em suas memórias, tendo ele sabido do diálogo por intermédio do intérprete da comitiva americana. Aliás, Yamani nem participou das negociações, tendo apenas recebido de Fahd, após Bush ter voltado para os Estados Unidos, a ordem de reduzir a produção petrolífera. O tzar do petróleo, celebrado líder da Opep, sabia que seus dias como ministro estavam contados. O que ele jamais podia imaginar é que tomaria conhecimento de sua demissão pela TV. Isso aconteceu na noite de quarta-feira, 29 de outubro de 1986, seis meses depois do encontro de Fahd com Bush, quando Yamani se encontrava na sala de estar de sua suíte na cobertura do hotel Intercontinental de Genebra. A gestão de Ahmed Zaki Yamani como ministro do petróleo da Arábia Saudita durara exatamente 25 anos. Depois que regressou ao seu país e entregou o cargo, Yamani foi proibido de viajar para o exterior. O rei Fahd temia que ele desse algum tipo de declaração imprópria à imprensa. Só que, algumas semanas mais tarde, a restrição saiu nos jornais do Ocidente. Fahd imediatamente a revogou. Yamani pôde ir para a Europa, onde se dedicaria a administrar sua enorme fortuna e seu patrimônio imobiliário que incluía inúmeras mansões, inclusive uma de quinze quartos nas proximidades de Genebra e outra em estilo Tudor, do século XVI, em Surrey, na Inglaterra, a uma hora de carro de Londres. O sheik tinha também participações na fabricante suíça de relógios Vacheron Constantin, no banco de investimentos Investcorp, na joalheria Tiffany e em inúmeras outras empresas. guerra Irã-Iraque terminara havia três anos. Saddam Hussein agora voltava sua atenção para o Kuwait, país que ele alegava ser a 19a província iraquiana. Sendo Saddam um ditador sanguinário e implacável, quando ele se reunia com seus ministros em Bagdá, ninguém ousava contestar suas opiniões ou sugestões. E foi exatamente isso que aconteceu quando ele expôs sua intenção de se apropriar do Kuwait. Uma coisa era a superioridade militar do Iraque sobre o Kuwait, inquestionável sob todos os aspectos. Outra era supor que a comunidade internacional iria deixar passar em branco o fato de Saddam Hussein controlar 20% das reservas petrolíferas do mundo e 20% da produção da Opep, somando-se as do Iraque com as do Kuwait. Só que ninguém alertou Saddam a esse respeito — muito pelo contrário. April Glaspie, embaixadora dos Estados Unidos em Bagdá, ao perceber a iminência da guerra, após consultar o secretário
de Estado, James Baker, insinuou aos seus interlocutores iraquianos que os Estados Unidos não se meteriam em um conflito árabe-árabe. O governo de George H. W. Bush, que sucedera ao de Ronald Reagan, precisava enfraquecer as Forças rmadas Iraquianas, que ameaçavam não só o equilíbrio militar no golfo Pérsico, como também a segurança de Israel. E nada melhor do que uma guerra contra o Iraque para cortar as asas de Saddam, que mordeu a isca lançada pela embaixadora April. Às duas horas hor as da manhã de 2 de agosto de 1990, divisões iraquianas ir aquianas cruzaram cruz aram a fronteira fron teira kuwaitiana e avançaram pela autoestrada que levava à Cidade do Kuwait, praticamente sem encontrar resistência. No dia seguinte a batalha estava decidida. Foi fácil para os Estados Unidos formarem uma coalizão, ratificada pelas Nações Unidas, que contou inclusive com diversos Estados árabes, entre eles o Egito, para libertar o Kuwait. Israel espertamente se eximiu de participar. Cinco meses e meio depois da invasão iraquiana, o contra-ataque da chamada Guerra do Golfo teve início. Durou apenas 42 dias, com uma vitória esmagadora das forças aliadas. Saddam ainda lançou alguns mísseis Scud, de fabricação soviética, contra o território de Israel, esperando uma reação dos judeus, que poderia provocar alguma indignação árabe, mas os israelenses permaneceram de fora, mesmo porque os Scuds não conseguiram atingir nenhuma aglomeração urbana, assim como nenhum alvo militar. Sempre em sua busca de equilíbrio de forças na região, George H. W. Bush se absteve de avançar até Bagdá e depor Saddam Hussein, o que favoreceria o Irã. A guerra terminou com uma rendição iraquiana, mas Saddam permaneceu no poder, mais sanguinário do que nunca. Desde o início da década de 1980, a cotação do barril de petróleo que os exportadores, os compradores e os especuladores acompanhavam era a do mercado futuro de Nova York, negociado na Nymex (New York Mercantile Exchange), situada no World Trade Center, e não mais os valores fixados pela Opep. Durante a Guerra do Golfo o preço subiu de 18 para 40 dólares, valor este alcançado no dia do primeiro bombardeio americano a Bagdá. Só que ficou em 40 dólares por alguns minutos apenas, desabando em seguida. Contratado como consultor por uma trading francesa, especializada em commodities , Ahmed Zaki Yamani errou feio. Previu, Prev iu, quando quando a guerra começou, que o barril chegaria a 100 dólares. Havia sido um choque falso. Nos anos que seguiram, e no início do novo milênio, o petróleo voltaria a ser uma mercadoria como outra qualquer, sujeita apenas às leis da oferta e da demanda, excetuando-se alguns episódios isolados de pânico, como por ocasião do 11 de setembro de 2001.
Epílogo
Cada vez menos a instabilidade no Oriente Médio influenciava o mercado de petróleo na bolsa Nymex, em Nova York. O que os traders acompanhavam agora era a relação oferta/demanda, que incluía fundamentos como fatores climáticos — quando o inverno no Hemisfério Norte é rigoroso, o preço do óleo de aquecimento sobe muito, puxando a cotação do óleo cru — e os períodos de recessão e expansão das economias. A exceção ex ceção ficou por conta de episódios de grande repercussão, como co mo os ataques de 11 de Setembro — oportunidade em que o petróleo deu um salto de 25 para 100 dólares, a maior cotação de todos os tempos até então, e voltou para os 25 — e as guerras do Afeganistão e do Iraque. Mesmo assim, nessas ocasiões, os piques de preço foram rápidos. Por sua vez, as negociações sem fim entre israelenses e palestinos mal eram acompanhadas pelo mercado de hidrocarbonetos, tal como acontece nos dias de hoje. O que vale agora é a demanda. Principalmente a demanda chinesa, porque é um fato relativamente recente e de enormes proporções. Trata-se de mais de 1,3 bilhão de pessoas em processo de entrada no mercado consumidor, comprando a primeira motocicleta, o primeiro carro, viajando de avião pela primeira vez na vida. v ida. Puxado pelas compras de países como a China e a Índia e após o sobe e desce do 11 de Setembro, o mercado, depois de ter feito um fundo a 19 dólares, subiu para incríveis 150 dólares por barril. Seguiu-se a crise bancária de 2008, acompanhada de forte recessão, quando o preço caiu para 40 dólares. Terminada a crise, voltou a subir e se estabeleceu no nível de 100 dólares. Cem dólares que pouco tiveram a ver com os acontecimentos do Oriente Médio. A crise árabe-israelense continua tão longe de ser resolvida como estava em 1948, quando Israel foi fundado. Não existe a menor hipótese de uma solução que agrade aos dois lados. Em tese, o certo seria Israel encolher para as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias e, em contrapartida, os países muçulmanos reconhecerem, em peso, a existência do Estado judeu. Mas o que fazer com os milhões de palestinos que foram expulsos de suas terras há pouco menos de setenta anos e cujos descendentes se multiplicaram, boa parte vivendo em campos de refugiados? Eles vão querer voltar para suas terras ancestrais. E simplesmente não há espaço físico para os dois povos caberem ali, mesmo que aceitassem conviver em paz. O simbólico Terceiro Templo não vai cair, como Moshe Dayan temeu em 1973, mas também não será reconstruído em sua plenitude. Os judeus vão querer continuar rezando na Muralha Ocidental, o Muro das Lamentações, em Jerusalém, direito que reconquistaram em 1967. Mas os muçulmanos querem se prostrar para Alá na mesquita Al Aqsa. E a distância entre o muro e a mesquita é de apenas 160 metros. Sem contar que ali também está a igreja do Santo Sepulcro, onde muitos cristãos acreditam que é o local onde Jesus foi enterrado e de onde ressuscitou. o contrário do que se imaginava em meados dos anos 1970, quando muitos especialistas diziam que o petróleo e o gás natural iriam se esgotar em poucas décadas, novas jazidas estão sendo localizadas nas profundezas dos oceanos e nas rochas de xisto escondidas em países como os Estados Unidos, o Canadá, a
China, o Brasil e a Argentina. Novas fontes de energia estão sendo aperfeiçoadas, entre as quais a dos ventos e a do sol. É bem possível que a relação da economia mundial com o que acontece nas areias dos desertos e nas cidades sagradas do Oriente Médio tenha sido não mais do que um episódio insignificante na história da humanidade. Mas foi a história história do nosso tempo.
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