“Liberdade” Sobre esta página escrevo teu nome que no peito trago escrito laranja verde limão amargo e doce o teu nome.
Sobre esta página escrevo o teu nome: tempestade. E mais do que nome: sangue. Amor e morte. Navio.
Sobre esta página escrevo o teu nome de muitos nomes feito água e fogo lenha vento primavera pátria exílio.
Esta chama ateada no meu peito por quem morro por quem vivo este nome rosa e cardo por quem livre sou cativo.
Teu nome onde exilado habito e canto mais do que nome: navio onde já fui marinheiro naufragado no teu nome.
Sobre esta página escrevo o teu nome: liberdade. (Manuel Alegre, A Praça da Canção)
Aspectos biográficos do autor que justificam este poema Para compreender este poema é preciso, em primeiro lugar, debruçarmo-nos sobre alguns dados de carácter biográfico de Manuel Alegre:
1.
Desde estudante em Coimbra, onde frequentou o Curso de Direito, que Manuel Alegre manifestou a sua aversão à ditadura.
2.
Esteve preso pela PIDE durante 6 meses, na prisão de S. Paulo de Luanda, no seguimento de uma tentativa de rebelião contra o regime e contra a guerra colonial.
3.
Exilado político na Argélia durante 10 anos, dirigiu a emissora da resistência “A voz da liberdade”. Os seus dois primeiros livros, Praça da Canção (1965) e O
Canto e as Armas (1967) foram apreendidos pela censura. 4.
A sua vida bem que poderia ser resumida na frase de Voltaire: “ Posso não
concordar com o que diz, mas bater-me-ei até à morte pelo seu direito em dizêlas”.
Aspectos biográficos do autor que justificam este poema 1.
Torna-se o deputado mais indisciplinado da Assembleia da República,
2.
Homem de consciência, Manuel Alegre entende que a consciência de cada um não pode ser subjugada numa qualquer lógica partidária
3.
liberdade é também independência, e independência de espírito em primeiro lugar. O saber pensar por nós próprios; - “Ser culto é a única forma de ser livre” (José Martí).
4.
Ora, só pode exercer plenamente a sua cidadania aquele que tiver acesso ao conhecimento. O acesso ao conhecimento constitui um direito humano fundamental.
5.
Em 2006,foi candidato à Presidência da República. Os conceitos de democracia e liberdade são dois pilares importantes no seu manifesto eleitoral.
A Liberdade em Manuel Alegre 0
É natural que o poema “Liberdade” seja a expressão da sua experiência de vida e um reflexo dos seus ideais.
0
Muitos dos poemas de Manuel Alegre, alguns musicados, de forma clara ou mais escondida, reflectem este ideal de Liberdade.
0
Na 5ª estrofe do poema, diz que o valor supremo é precisamente a Liberdade: Esta chama ateada no meu peito Por quem morro por quem vivo Este nome rosa e cardo Por quem livre sou cativo”
O carácter antitético da Liberdade 0
Muitas vezes, o elenco dos nomes é feito em pares antitéticos, o que revela a complexidade desta realidade: água/fogo: pátria/exílio; amor/morte; rosa/cardo.
0
A liberdade é água, é pátria, é amor e rosa, mas frequentemente, a luta para a alcançar é fogo e cardo que podem conduzir ao exílio e até à morte.
0
É por isso que para o sujeito poético só existe pátria em liberdade e pela liberdade.
0
Pela liberdade, sujeito poético, está disposto a tudo: ao exílio, ao cativeiro, à morte. É uma questão de tudo ou nada.
O campo lexical da palavra liberdade 0
O nome de liberdade de “muitos nomes feito”. Na realidade, o poema é o somatório de palavras, usadas metaforicamente, que, associadas entre si, remetem para o vocábulo Liberdade. Estes diversos nomes da liberdade constituem o campo lexical que nos é proposto pelo sujeito poético: “água, fogo, lenha, vento, primavera, pátria, exílio (vv.7-8);navio (v.10); tempestade (v.14); sangue (v.15); amor e morte, navio(v.16): chama (v17), rosa, cardo (v19).
0
A primeira quadra do poema é como um sumário do resto do poema. A última estrofe como o síntese da composição. Reparese que só aqui é referido o nome liberdade.