PSICOLOGIA E
DINHEIRO
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SIM, ELE MEXE COM A SUA CABEÇA! Moedas, cédulas, cartões de crédito ou títulos bancários não passam de ferramentas que possibilitam trocas, mas quando falamos em ganhos e perdas estão em jogo lógicas específicas, que escapam à racionalidade e revelam aspectos psicológicos ligados à autopreservação, agressividade e necessidade de afeto
POR
MARK BUCHAMAN
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ada como dinheiro para interferir em emoções, autoestima e inverter lógicas aparentemente pouco polêmicas. Duvida? Vamos tomar como exemplo uma quantia – R$ 10,00. É pouco? Depende. Se for para adquirir uma única bala R$ 10,00 é muito; já para comprar um carro realmente é pouco. Com certeza você sabe o que é possível comprar com uma nota dessas e que seu valor é o mesmo independentemente de quem a tenha no bolso e em que local seu proprietário esteja. Parece óbvio. óbvi o. Mas não é. Até mesmo se não levarmos em conta o que popo deria ser comprado o valor dessa quantia varia. Imagine que você está na padaria e entregou ao operador de caixa c aixa uma cédula de R$ 50,00 para pagar uma conta de R$ 7,00. Ao descobrir, já na rua, que a pessoa lhe deu troco com R$ 10,00 a menos é muito provável que você volte para explicar o equívoco e pedir que lhe seja entregue o que lhe é de direito. Agora, considere outra situação: você acabou de comprar um apartamento no valor de R$ 300 mil e, ao conferir a documentação, percebe que, por engano do corretor, pagou R$ 10,00 a mais ao vendedor. A possibilidade de “deixar para lá” é bem maior que a de se mobilizar para ser ressarcido em comparação ao cenário anterior. Ora, em tese, seus R$ 10,00 são sempre R$ 10,00. Por que em alguns momentos, então, parecem valer mais? Do ponto de vista estritamente funcional o dinheiro é uma ferramenta que possibilita trocas que ao longo da história já assumiu uma grande variedade de formas: tiras de cortiça, punhados de sal (daí deriva a palavra “salário”), moedas, notas, mais recentemente cartões de plástico e até dados no computador de alguma instituição financeira. Mas ele assume papel bem mais complexo em
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nosso psiquismo: ganha conotações fossem plantadas? 2. Quanto exigiriam emocionais e influencia decisões, não como ressarcimento se, em vez de 200, apenas 175 árvores fossem adquiridas? raro desafiando a racionalidade. “É incompreensível que aspectos psi- Resultado: quem imaginou que as 25 cológicos possam ser desprezados quan- árvores já eram de sua propriedade do estão em questão reações dos seres considerou-as dez vezes mais valiosas. humanos, uma vez que por meio delas Ou seja: quando as pessoas se sentem os sujeitos dão vazão às pulsões de auto- proprietárias de algo o valor subjetivo preservação, agressividade, necessidade do produto tende a aumentar. Daí o de ser amados, tendência a obter prazer interesse em empresas, como as cone evitar desprazer”, afirma a psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira, DO PONTO DE VISTA consultora e doutora NEUROLÓGICO, O DINHEIRO em psicologia, autora PODE TER EFEITO SEMELHANTE dos primeiros livros AOS TEXTOS PORNOGRÁFICOS, PORNOGRÁFIC OS, sobre psicologia ecoDESENCADEANDO ESTÍMUL ESTÍMULOS OS nômica no Brasil. BIOQUÍMICOS E FISIOLÓGICOS Uma distorção QUE AGEM SOBRE NOSSAS curiosa que nossa PERCEPÇÕES E EMOÇÕES mente engendra em relação ao dinheiro é a que nos faz considerar aquilo que já possuímos mais valio- cessionárias, em oferecer test-drive a so em comparação com o que temos de clientes em potencial. comprar. E isso vale também para os bens públicos, como descobriram os MORNAS E ACONCHEGANTES economistas David Brookshire e Don O pesquisador Daniel Ariely, Ariely, do Instituto Coursey. Eles disseram aos locatários de Tecnologia de Massachusetts, nos de um bairro que o projeto de cultivo Estados Unidos, argumenta que a sociede árvores de sua região previa o plantio dade moderna apresenta dois conjuntos de 200 novos espécimes. E lançaram de regras comportamentais. De um algumas perguntas: 1. Quanto cada lado estão as normas sociais “mornas e morador doaria para que as mudas aconchegantes”, planejadas para cultivar
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OS MÉTODOS DA NEUROECONOMIA
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Já há bastante tempo economistas utilizam métodos fisiológicos em suas pesquisas. Medições de resistência cutânea ou de reações da pupila têm fornecido dados objetivos sobre o comportamento decisório de consumidores. Essas técnicas, no entanto, levam a afirmações generalizadas apenas em termos, já que simplesmente captam um único sinal físico que, por sua vez, deve ser contrabalançado com as declarações dos voluntários. Isso seria, por exemplo, semelhante a uma tentativa de avaliar a qualidade musical de uma orquestra sinfônica apenas com base na intensidade do som. Além disso, subsídios fornecidos pelos próprios sujeitos revelamse problemáticos, já que, por um lado, são distorcidos por expectativas sociais e, por outro, refletem apenas impressões subjetivas. Por exemplo, o nosso corpo pode sentir frio quando tem febre, apesar de o termômetro mostrar uma temperatura elevada. As atividades cerebrais revelaramse um critério melhor. Procedimentos
de medição emprestados da neurobiologia contribuíram de forma relevante para a estabilização na neuroeconomia: métodos não invasivos permitem, hoje, visões profundas do cérebro em atividade. Com eles, os pesquisadores detectam atividades eletromagnéticas das células neurais – como na eletroencefalografia (EEG) e na magnetoencefalografia (MEG) – ou utilizam procedimentos por imagens, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a tomografia por ressonância magnética funcional (TRMf), que se baseiam em características metabólicas cerebrais. Enquanto os métodos eletromagnéticos oferecem grande exatidão temporal, possibilitando acompanhamento direto da atividade neuronal, os pontos fortes dos procedimentos por imagem estão na localização espacial exata das áreas do cérebro ativadas. A eles acrescentou-se mais recentemente a estimulação magnética transcraniana (EMT), na qual determinadas regiões podem ser objetivamente inibidas ou estimuladas por meio de um impulso eletromagnético. Neuroeconomistas têm utilizado a EMT para verificar resultados de estudos já existentes.
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confiança, cooperação e relacionamentos de longo prazo. De outro, há um grupo de princípios de mercado que priorizam a competição e o individualismo. As trocas econômicas ocorridas ao longo da história tornaram possível para nossos antepassados desenvolver a capacidade de reconhecer a diferença entre situações regidas por regras sociais ou de mercado – o que pode ter ocorrido antes mesmo do aparecimento da moeda. Aparentemente, reconhecemos as pistas associadas com o mundo mercantil de forma imediata e nem sempre consciente. Experimentos publicados em 2007 revelaram que um contato passageiro com conceitos ligados ao dinheiro orienta nossa mentalidade mercadológica, suscitando comportamentos específicos. Para estudar a questão, a pesquisadora Kathleen Vohs, do Departamento de Marketing da Universidade de Minnesota, em Minneapolis, nos Estados Unidos, e sua equipe dividiram estudantes voluntários em dois grupos e pediram que a primeira equipe montasse frases utilizando palavras que não tinham relação com dinheiro (como “frio”, “mesa” ou “fora”). Ao outro grupo foi solicitada a realização da mesma atividade, só que com o uso de vocábulos relacionados a finanças (como, “salário”, “custo” e “pagamento”). Em seguida, solicitaram aos
indivíduos de ambas as turmas que organizassem um conjunto de discos seguindo determinados padrões. Os pesquisadores descobriram que os voluntários que trabalharam com palavras com sentido monetário se dedicavam por mais tempo à tarefa antes de pedir ajuda. Em experimentos relacionados, pessoas no grupo vinculado ao dinheiro se mostravam menos dispostas a cooperar com os companheiros que pediam ajuda do que as pessoas preparadas com outras palavras. Kathleen sugere que existe uma dinâmica simples funcionando: “O dinheiro torna as pessoas mais autossuficientes e mais propensas a se esforçar para atingir seus objetivos, mesmo que para isso precisem se isolar”. Da ótica socioafetiva podemos até desaprovar esse comportamento, mas inegavelmente ele é útil para a sobrevivência. A habilidade para distinguir que há normas que se aplicam a cada situação é importante para guiar nosso comportamento. Ela evita, por exemplo, que você aja com excesso de confiança em meio a uma negociação competitiva ou que cometa o erro de oferecer um pagamento para sua sogra por ela ter cozinhado uma refeição deliciosa. “Quando mantemos normas sociais e de mercado em caminhos separados, a vida flui bem, mas, quando elas colidem, surgem os problemas”, diz Ariely. Muitas
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maneira benéfica. Ao criar um fundo de pensão, por exemplo, os funcionários podem se comprometer a aplicar mais em suas contas de aposentadoria anos depois, ou fazer isso imediatamente. Assim, as pessoas começam pagando menos e aumentam a contribuição gradativamente. A proposta parece funcionar pela mesma razão por que somos seduzidos por ofertas de “sem entrada” ou “não pague nada no primeiro ano”. k c o t s r e t t u h S
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vezes, crises financeiras podem levar à perda de controle emocional, depressão e redução da expectativa de vida. A tendência de preferir obter uma pequena quantidade de dinheiro imediatamente, em vez de um valor maior depois, pode ser um dos fatores que torna o ato de economizar difícil para tanta gente. Para “fugir” dessa armadilha, o economista Richard Thaler sugere o esquema “Guarde mais depois”, já adotado por algumas empresas – que colocam essa tendência para funcionar na prática e de
Os psicólogos Stephen Lea, da Universidade de Exeter, e Paul Webley, da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, ambas no Reino Unido, sugeriram outra razão para atitudes obsessivas e pouco saudáveis com relação a finanças: acreditam que o dinheiro age em nossa mente como uma espécie de droga de abuso, fazendo com que alguns joguem compulsivamente e outros trabalhem ou gastem em excesso. Todas essas manifestações podem indicar compulsão e dependência. Lea e Webley propuseram que, como a nicotina e a
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cocaína, o dinheiro pode ativar centros de prazer no cérebro, criando sensação de recompensa semelhante à de quando fazemos algo benéfico para a espécie, como sexo. Segundo eles, do ponto de vista neurológico, o dinheiro pode ter efeito semelhante aos textos pornográficos, desencadeando estímulos bioquímicos e fisiológicos que agem sobre nossas percepções e emoções. Algumas evidências da ideia da “dependência do dinheiro” aparecem em estudos de neuroimagem. Em um experimento publicado pela Science, uma equipe liderada pelo psicólogo Samuel McClure, da Universidade de Stanford, pediu a voluntários que escolhessem entre receber um vale para o Amazon.com naquele momento ou um valor maior alguns dias depois. Aqueles que optaram pela recompensa instantânea mostraram forte atividade cerebral em áreas envolvidas no processamento de emoções, especialmente no sistema límbico, ligado a comportamentos impulsivos e dependência de drogas. Aqueles que preferiram a recompensa tardia mostraram atividade maior em áreas como o córtex pré-frontal, conhecido por estar envolvido no planejamento racional. Um ponto importante: confiar nas pessoas com as quais fazemos negócios provoca intensas reações cerebrais. Aqueles que acreditam em seus parceiros apresentam maior atividade no córtex
pré-cingular, uma área que analisa o próprio comportamento e as ações que presumimos que o outro possa ter. O sistema límbico também apresenta atividade aumentada no septo, onde é controlada a liberação dos hormônios vasopressina e oxitocina, fundamentais para a regulação do comportamento social. O AUTOR Mark Buchaman é jornalista científico. PARA SABER MAIS Implicações da neurociência na economia do consumo. Rui Manuel Lanção Gon-
çalves e José Eduardo dos Santos Soares Carvalho. Lusíada. Economia & empresa, 11-39, 2014. A psicologia econômica como resposta ao individualismo metodológico. Hofmann, Ruth; Pelaez, Victor. Rev. Econ. Polit., São Paulo, v. 31, nº 2, June, 2011. Disponível em http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S010131572011000200006&script=sci_arttext O outro lado da moeda. Michel Shemer. Campus, 2008. Psicologia econômica – Estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão. Vera Rita de Mello Ferreira. Campus, 2008. Decisões econômicas – Você já parou para pensar? Vera Rita de Mello Ferreira. Saraiva, 2007.
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DINHEIRO NÃO TRAZ FELICIDADE. SERÁ MESMO? Contrariando o ditado popular, pesquisas mostram que pelo menos algumas satisfações podem ser “compradas”. Mas não se iluda: à medida que as necessidades básicas são supridas, os bens materiais se tornam menos significativos para o bem-estar
POR
SUZANN PILEGGI PAWELSKI
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ankasana, um guerreiro massai de 23 anos, porte atlético, pele de tom ocre e cabelos com as pontas trançadas, carrega arco e flecha, um punhal e uma lança com ponta de aço. Ele passa os dias vigiando os vilarejos da região e protegendo sua própria tribo de ataques de animais selvagens. Por puro prazer, luta com os companheiros da tribo e treina pontaria fazendo arremessos de troncos de árvores. Certa vez foi atacado por um leão, que dilacerou seus ombros e deixou enormes cicatrizes, mas, mesmo ferido, Lankasana, armado somente com um punhal, conseguiu matar o animal. Vivendo em vilarejos remotos do leste africano, os massais constroem casas simples feitas de barro, esterco e gravetos. Esses caçadores-coletores não dispõem de água encanada ou eletricidade e estão minimamente expostos aos meios de comunicação da sociedade ocidental. Praticam rituais que podem parecer desagradáveis aos ocidentais, como circuncidar adolescentes, marcar o corpo com cortes profundos e beber sangue bovino. O psicólogo Ed Diener, pesquisador da Universidade de Illinois, e seu filho, Robert Biswas-Diener, psicólogo da Universidade Estadual de Portland, viajaram para as vilas remotas dos massais no norte da Tanzânia e sul do Quênia várias vezes nos últimos 15 anos. A dupla está na vanguarda de estudos cujo objetivo é descobrir em que consiste a felicidade. Ed Diener realizou dezenas de investigações sobre o tema em vários países, mas como muitas delas são feitas em sociedades industrializadas, ele e o filho estavam curiosos para analisar o comportamento de grupos que não vivem em culturas modernas, como é o caso dos massais. Essa questão proposta pelos pesquisadores fazia parte de um projeto maior para medir a felicidade no mundo todo. Realizada pela primeira vez em 2005, a
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Pesquisa de Opinião Mundial Gallup foi uma tentativa de avaliar, entre outras medidas, o nível de bem-estar, economia e saúde das pessoas em geral. O estudo abrangeu 155 países − uma amostra representativa de 98% da população mundial. “Descobrimos uma variação enorme em relação à felicidade”, comenta Diener, que é também pesquisador sênior da Gallup. Os dados sugerem que a sociedade e a cultura podem desempenhar papel relevante na importância atribuída às emoções e crenças sobre como atingir estados de bem-estar. Ao mesmo tempo, a possibilidade de pessoas tão diferentes como os massais e os dinamarqueses experimentarem a felicidade sugere que os humanos podem obter prazer e satisfação de formas bem diversas. BONS SENTIMENTOS
No campo ainda recente da psicologia positiva, os pesquisadores estão tentando chegar a um consenso. Alguns atribuem a felicidade a fatores emocionais. Outros acreditam que esse estado decorre de uma avaliação mais racional a respeito da vida. Para englobar as duas correntes, Diener tenta medir um conceito que ele denomina “bem-estar subjetivo”, que combina relatos emocionais com autoavaliação cognitiva em várias áreas, como trabalho, renda e relacionamentos.
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Biswas-Diener e o pai aplicaram esse teste quando investigaram os massais. Os 358 participantes relataram como se sentiam sobre a vida em geral e com que frequência tinham vivenciado, por exemplo, alegria e diversão nos últimos meses. Além disso, os participantes mencionaram alimentos, amizade e saúde como “aspectos importantes” da vida. Surpreendentemente, eles
industriais, os amishes (grupo religioso cristão anabatista), nos Estados Unidos, e os inuítes, na Groenlândia. Eles descobriram que os três grupos pontuaram acima da média no quesito bem-estar subjetivo, sendo os massais os que obtiveram os maiores índices. Mas em campos específicos – como renda e alimentação, ambos relacionados a recursos materiais – estes últimos estavam menos satisfeitos que os amishes e os inuítes. EMBORA OS ESTADOS UNIDOS Os massais também SEJAM MAIS RICOS QUE A apresentaram índiDINAMARCA, OS DINAMARQUESES ces mais baixos em SÃO MAIS SATISFEITOS; A relação à saúde em DIFERENÇA PODE ESTAR, PELO geral e ao acesso a asMENOS EM PARTE, NA CAPACIDADE sistência médica em comparação com soINDIVIDUAL DE ACREDITAR NAS ciedades modernas; BOAS INTENÇÕES DO PRÓXIMO no entanto, numa escala global os massais levam uma vida muito descobriram que os aldeões são muito feliz. O fato de valorizarem pouco os refelizes – aliás, bem mais que muitas cursos materiais sugere que o dinheiro pessoas em condições semelhantes e pode comprar pelo menos alguns tipos tão felizes quanto muitos que vivem em de felicidade. No entanto, à medida que as necessidades básicas são supridas, o sociedades desenvolvidas. Juntamente com o psicólogo so- dinheiro parece não ter um efeito muito cial Joar Vittersø, da Universidade de significativo. Os pesquisadores constataram, Tromsö, na Noruega, os pesquisadores examinaram também dois outros por exemplo, que embora os Estados grupos que vivem em sociedades não Unidos sejam economicamente mais
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ricos que a Dinamarca, os dinamarqueses são psicologicamente mais satisfeitos – e a diferença pode estar na capacidade individual de acreditar nas boas intenções do próximo. Os cientistas relacionaram a felicidade ao que chamam de capital social, que inclui valores como confiança e cooperação com projetos coletivos. Numa pesquisa realizada em 2010 sobre a população dinamarquesa, Biswas-Diener, Diener e Vittersø descobriram que a maioria dos dinamarqueses confiava no governo e na administração pública, e esperavam, por exemplo, receber de volta uma carteira perdida na rua. Já os americanos consideraram o governo e vários setores públicos corruptos e duvidavam que um estranho devolvesse uma carteira a seu dono. Os pesquisadores também estão investigando o capital social nas duas sociedades usando um índice de “lei e ordem” incluído na Pesquisa Mundial Gallup. A classificação reflete a confiança dos participantes na polícia local, na sensação de segurança quando caminham sozinhos à noite e se eles (ou alguém próximo) foram vítima de roubo ou furto recentemente. Os dinamarqueses apresentaram índices significativamente mais altos que os americanos nesse item. Há ainda outro fator capaz de influir
em nossa percepção de felicidade. Anteriormente, Diener tinha encontrado evidências de que o materialismo está associado à infelicidade. E na Coreia do Sul o bem-estar subjetivo é baixo, apesar de sua prosperidade econômica. Em 2010, numa preleção memorável na Associação Coreana de Psicologia, Diener apresentou dados referentes a pessoas do mundo todo que tinham indicado, numa escala de 1 a 9, a importância que atribuíam aos bens materiais. Os sul-coreanos relataram altos índices médios – de 7,24 – em relação a outras nações economicamente prósperas, como os Estados Unidos, com 5,45, e o Japão, com 6,01. Entre os países ricos, a Coreia do Sul valorizou pouco a felicidade – de acordo com os resultados da Pesquisa Mundial Gallup. Raiva e depressão também estão amplamente difundidas na Coreia do Sul, cujos índices de suicídio se classificam entre os mais altos das 34 nações mais ricas do mundo. Embora várias razões possam contribuir de forma significativa para essa situação, os pesquisadores acreditam que a grande competição entre os cidadãos cria um ambiente geral mais estressante. As universidades sul-coreanas, por exemplo, não são suficientemente grandes nem numerosas para acomodar o contingente
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de jovens extremamente aplicados que se inscreve todos os anos – e muitos adolescentes têm seu acesso impedido à profissão desejada.
continuamente. Costa Rica e alguns de seus vizinhos lideram em indicadores que os pesquisadores classificam como os mais importantes para a felicidade – fatores sociais e psicológicos, como fortes laços afetivos com a família e CIDADÃOS OTIMISTAS O caso da Coreia do Sul é apenas uma os amigos, capacidade de confiar em pequena amostra de que dinheiro e estranhos e domínio de habilidades felicidade não necessariamente cami- e sentimentos específicos em relação nham juntos. A Costa Rica é outro caso: aos outros. Outra fonte de felicidade parece decorrer do valor que CIENTISTAS ASSOCIAM atribuímos à nossa FELICIDADE AO CAPITAL própria terra. Num SOCIAL, QUE INCLUI MEDIDAS DE estudo publicado em CONFIANÇA E COOPERAÇÃO COM fevereiro de 2011, os CAUSAS COLETIVAS; O ORGULHO pesquisadores Mike DO PAÍS ONDE VIVEMOS Morrison e Louis Tay, ambos da UniversidaTAMBÉM PODE MELHORAR de de Illinois, e Diener NOSSA QUALIDADE DE VIDA analisaram respostas de 132.516 pessoas de 128 países, que as pessoas têm renda per capita igual avaliaram sua satisfação em relação à à metade da registrada na Coreia do vida passada, atual e futura (incluindo Sul, mas são bem mais felizes. “Nos padrão de vida atual, emprego e saúde), países latino-americanos, a felicidade além do nível de satisfação em relação parece maior que a esperada em razão ao país, numa escala de 1 a 10. Eles de sua riqueza”, avalia o sociólogo Ruut descobriram que cidadãos de países em Veenhoven, da Universidade Erasmus desenvolvimento não ocidentais, como de Roterdã, e diretor da Base de Da- Bangladesh e Etiópia, valorizavam mais dos Mundial sobre Felicidade, na qual pontos fortes do lugar onde viviam que os estudos científicos são registrados os moradores de nações mais ricas
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do Ocidente, como Estados Unidos e Dinamarca. Pessoas desses últimos países tendiam a dar mais importância a fatores ligados à vida particular, como padrão de vida e saúde. A descoberta de que cidadãos felizes com seu país também tendiam a relatar melhor qualidade de vida foi mais marcante em regiões pobres, onde a vida cotidiana é um desafio e as pessoas têm dificuldade em satisfazer suas necessidades básicas. Nesses lugares, a sensação de inclusão – que pode ser uma importante fonte de felicidade e satisfação para qualquer um – ganha ainda maior importância. Assim, o bem-estar pode depender mais de fatores externos, como a percepção dos outros sobre seu sucesso pessoal e a integração em um grupo. De fato, de acordo com a teoria da identidade social, inserir-se num grupo é fundamental para a valorização da autoimagem e influi diretamente nos sentimentos de inclusão. Mas ao desviarmos o foco da vida pessoal para nosso país, nós, ocidentais, nos afastamos dessa possível fonte de prazer. A capacidade de atingir essa sensação de integração pode estar limitada pela forma como nos ajustamos à nossa cultura. Num estudo publicado em 2010, o psicólogo Ashley Fulmer, então na Universidade de Maryland, junto
com Diener e outros colegas pesquisaram mais de 7 mil pessoas de 28 países para examinar como a interação entre personalidade e cultura afeta o bem-estar. Eles descobriram, por exemplo, que ser extrovertido ajuda a melhorar o grau de satisfação pessoal somente se as pessoas daquela cultura forem igualmente expansivas e a característica for valorizada socialmente. Em outro estudo publicado na Journal of Personality and Social Psychology, Diener e seus colegas descobriram que pessoas religiosas são psicologicamente beneficiadas se viverem numa sociedade onde essa prática é amplamente disseminada. Ou seja: uma pessoa extrovertida num país “introvertido” como o Japão ou alguém bastante religioso vivendo num local sem essa característica, como a Suécia, tendem a ser menos felizes que outros cuja personalidade está bem inserida na sociedade e ajustada à sua cultura. Por outro lado, até que ponto a identificação com um grupo pode influenciar a forma como uma pessoa associa a felicidade aos seus próprios sentimentos ou aos conceitos alheios? Num estudo realizado em 1998, com mais de 60 mil participantes de 61 países, o psicólogo Eunkook M. Suh, então da Universidade de Illinois, participou com Diener de um estudo no qual se observou que, ao avaliar o grau de satisfação em relação à
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vida, aqueles que enfatizam a identidade do grupo – como acontece na China e na Índia – tendem a valorizar mais as normas sociais e quanto seu comportamento se ajusta ao que é socialmente aceito. Por outro lado, integrantes de nações individualistas – como Estados Unidos e Suécia – baseiam a felicidade quase que exclusivamente nas próprias emoções.
participantes responderam com que frequência vivenciavam determinados sentimentos e com que intensidade acreditavam que seus parceiros próximos aprovavam seu modo de vida. Na interpretação dos pesquisadores, alguns participantes concentraram-se no que pensavam que deveriam fazer e não no que gostariam de fazer. Para essas pessoas, a felicidade se baseava parcialmente na forma como eram vistas pelos demais. Outros voluntários tomavam como referência muito mais SER EXTROVERTIDO AJUDA fortemente suas emo A MELHORAR O BEM-ESTAR ções, atitudes e crenSOMENTE SE A MAIORIA DAS ças pessoais ao julgar PESSOAS DAQUELA CULTURA FOR sua satisfação diante TAMBÉM EXPANSIVA da vida. Alguns psicólogos argumentam que medidas da felicidade refletem mais o ponto MENOS COMPETIÇÃO de vista ocidental de satisfação geral Dentro da mesma cultura, fatores que o de outros povos. Pesquisas conssociais e emocionais mostram varia- tatam, por exemplo, que descendentes ções. Em 2008, Suh, atualmente da de orientais que vivem nos Estados UniUniversidade Yonsei na Coreia do Sul, dos teriam níveis mais baixos de bemDiener e o psicólogo John Updegraff, da -estar subjetivo que os descendentes de Universidade Estadual de Kent, tinham ocidentais – mas os índices podem não em mãos um questionário completo refletir a situação real. Estudos recentes preenchido por 101 americanos des- indicam que os americanos descendencendentes de europeus, nos quais os tes de asiáticos não valorizam tanto a
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ocorrência de emoções positivas como outros ocidentais. Num estudo publicado em 2009, o psicólogo Derrick Wirtz, da Universidade da Carolina Oriental, juntamente com Diener e seus colegas decidiram investigar o papel da descendência com base em 46 relatos de americanos filhos, netos e bisnetos de europeus e de asiáticos, de férias, sobre até que ponto se sentiam satisfeitos, sociáveis, tranquilos, alegres, mas também aborrecidos, irritados, culpados, tristes e preocupados. Um mês depois de voltarem para casa, os participantes tentaram lembrar com que frequência tinham sentido essas emoções durante o período em que foi feita a pesquisa. Eles também avaliaram a probabilidade de repetir a mesma viagem. Durante as férias, todos vivenciaram emoções positivas e negativas em níveis muito semelhantes. No entanto, posteriormente, os descendentes de europeus se lembravam mais dos bons momentos que os asiáticos, enquanto estes últimos costumavam se deter nas emoções desagradáveis. O item sobre “o desejo de repetir as férias” estava relacionado ao número de emoções agradáveis de que cada um se recordava − uma indicação da importância dos sentimentos positivos. O desejo dos descendentes de asiáticos de repetir a viagem parecia associado não somente
às emoções positivas, mas também à ausência de emoções negativas, sinalizando que para eles o sucesso significa, em grande parte, evitar o desprazer. Um estudo similar, conduzido pelo psicólogo Shigehiro Oishi, da Universidade da Virgínia, mostrou que os mesmos dois grupos classificaram seus dias como igualmente bons ou maus, mas os americanos descendentes de europeus lembravam-se de estar mais felizes do que realmente estavam, e as lembranças dos descendentes de asiáticos estavam mais coerentes com seus relatos diários. “Para os orientais, todos os acontecimentos têm um lado positivo e um lado negativo. Uma condição totalmente positiva é considerada muito improvável e possivelmente relacionada a uma visão superficial da vida”, observa a psicóloga Antonella Delle Fave, da Universidade de Milão, na Itália. Ela acredita que os orientais aprendem a se distanciar de suas emoções, adotando um sistema de vida mais “uniforme”, sem altos e baixos. Realmente, muitas pessoas consideram o sucesso um ingrediente importante para a felicidade – e pode até ser. Mas Diener recomenda cuidado ao defini-lo como os americanos costumam fazer. Além da própria positividade, ele admite que os americanos tendem a supervalorizar a fama e a
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fortuna, não raro depreciando valores A AUTORA pessoais e a busca por resultados que Suzann Pileggi Pawelski é mestre em beneficiem os outros. Diener acredita psicologia positiva aplicada pela Unique o sucesso promove o bem-estar versidade da Pensilvânia e jornalista. se decorrer da própria busca pela excelência – e não simplesmente porque PARA SABER MAIS somos capazes de, em dado momento, Happiness, Flourishing, and Life Satisfaction. Corey L. M. Keyes. The Wiley fazer algo melhor que os outros. Embora não saibamos com certeza Blackwell Encyclopedia of Health, Illpor que os massais são tão felizes, ness, Behavior, and Society, John Wiley Diener e Biswas-Diener acreditam que & Sons, 2014. em parte é porque conferem impor- Subjective well-being and national satância ao que têm e não ao que lhes tisfaction: findings from a worldwide falta. Além disso, promovem o respeito survey. Mike Morrison, Louis Tay e Ed por si mesmos e cultivam habilida- Diener, em Psychological Science, vol. 22, des de que precisam para prosperar, págs. 166-171, fevereiro de 2011. componentes fundamentais para a Wealth and happiness across the world: saúde psicológica. “Entre os massais material prosperity predicts life evaluhá diferenças sociais baseadas na ation, whereas psychosocial prosperity riqueza, mas as disparidades não são predicts positive feeling. Ed Diener, grandes, e todos vivem uma vida mate- Weiting Ng, James Harter e Raksha rial simples, um indício de que podem Arora, em Journal of Personality and competir menos entre si”, observa Social Psychology, vol. 99, n o 1, págs. Biswas-Diener. 52-61, 2010. Embora ninguém esteja sugerindo From culture to priming conditions: selfque portemos espadas e cacemos -construal influences on life satisfaction leões, podemos aprender algumas judgments. Eunkook M. Suh, Ed Diener coisas com Lankasana: passar mais e John A. Updegraff, em Journal of Crosstempo fazendo coisas de que gostamos -Cultural Psychology, vol. 39, no 1, págs. e nas quais somos bons, assim como a 3-15, 2008. predisposição para manter laços mais Happiness: unlocking the mysteries fortes e saudáveis com pessoas queri- of psychological wealth. Ed Diener e das, pode ser um caminho inteligente Robert Biswas-Diener. Wiley-Blackwell, para o bem-estar. 2008.
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CONSUMO, LOGO EXISTO Comprar exageradamente pode ser uma forma patológica de aplacar angústias; muitas vezes, a compulsão é “sazonal”
POR
ROBERTA DE MEDEIROS
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iante de um mercado forte e diversificado, o homem da sociedade contemporânea é continuamente bombardeado por sedutoras peças publicitárias, que prometem bem-estar, status, conforto, projeção imediata e ilusão de segurança. A lógica do “consumo, logo existo”, segundo a qual o bem-estar é conquistado pela aquisição de produtos, se torna ainda mais evidente em períodos como final de ano e férias. Em casos extremos, a compulsão por compras pode se tornar patológica. Dois psiquiatras, o alemão Emil Kraepelin (1856-1926) e o suíço Eugen Bleuer (18571939), foram os primeiros a escrever sobre o comprar compulsivo (ou oniomania), no início do século 20. Para os pesquisadores, levar em conta a dificuldade de controlar o impulso é elemento essencial para compreender o quadro. Eles observaram que algumas mulheres com esse diagnóstico buscavam excitação, assim como os jogadores patológicos. O tema caiu no esquecimento nos anos seguintes e foi retomado de forma mais intensa na década de 90. O transtorno, porém, ainda não é considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a psicóloga Tatiana Filomensky, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas, a pessoa que sofre de compulsão experimenta uma forte ansiedade que só é aliviada quando faz a compra. “Ela não consegue controlar um desejo intrusivo e repetitivo. O ato é imediatamente seguido por intenso sentimento de alívio.” Em situações de impossibilidade de comprar podem aparecer sintomas como irritação, sudorese, taquicardia, tremor e sensação de desmaio iminente. Algum tempo depois de adquirir a nova mercadoria, porém, surge a sensação de remorso e decepção diante da incapacidade de controlar o impulso. Numa atitude compensatória, o mal-
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-estar causado pela culpa leva a pessoa a comprar novamente, dando continuidade ao círculo vicioso. Numa sociedade que estimula o máximo consumo e a satisfação do prazer imediato, a compulsão por compras não é notada tão prontamente pela família, diferente do que ocorre com de outras dependências, como o abuso de drogas. Por isso, quem sofre do transtorno leva muitos anos para reconhecer o caráter patológico do seu comportamento. Mas quando isso acontece, a pessoa sente vergonha por não vencer a batalha contra o impulso – e, assim, o transtorno pode ser mantido em segredo por anos a fio. Segundo a psicóloga Juliana Bizeto, coordenadora do Ambulatório de Dependências Não Químicas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a avaliação do problema não é feita com base na quantidade de dinheiro gasto. Isso, por si só, não constitui evidência para diagnóstico, mas sim prejuízo que o comportamento pode causar na vida da pessoa, já que ela passa a negligenciar atividades sociais importantes como trabalho e família. “O que deve ser considerado é a relação do paciente com a compra. Para o compulsivo, o único prazer está no ato de adquirir, ele não pretende usufruir do objeto: é um comportamento vazio”, afirma. Há, portanto, uma restrição do prazer, um empobrecimento social e uma queda
da qualidade de vida, já que a pessoa se torna apática diante de outros estímulos.” Em sua tese de doutorado, Juliana Bizeto investiga os fatores de risco que estão envolvidos com o surgimento de dependências não químicas. Com base em dados de uma pesquisa realizada com pacientes compulsivos atendidos pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), da Unifesp, ela constatou que um aspecto de grande importância é a falta de inserção social. “A pessoa que não está inserida em um grupo social, seja no trabalho, na família ou na igreja tem maior possibilidade de desenvolver algum tipo de dependência, seja por compras, jogos, sexo ou internet”, observa.
O artigo “Compulsive Buying. Demography, Phenomenology and comorbidity in 46 subjetcs”, publicado pelo periódico Gen Hosp Psychiatry, mostra que 94% dos compradores compulsivos são mulheres. Juliana Bizeto ressalta, porém, que a presença do transtorno na população masculina pode estar subestimado. “Não sabemos se as mulheres são realmente as maiores vítimas ou se são as que mais frequentemente procuram o serviço de saúde. Em alguns casos, a gravidade do quadro é ainda mais acentuada nos homens porque eles demoram a buscar tratamento e, quando isso acontece, chegam ao ambulatório muito comprometidos”, ressalta.
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O AVARENTO E O PERDULÁRIO: DUAS FACES DA MESMA MOEDA
ao “ter possessivo”: ambos querem acumular mais que seria necessário para o seu uso. Tanto a infinidade de objetos que o gastador acumula em suas incursões por lojas de departamentos quanto o dinheiro que o poupador exagerado deixa de gastar remetem à ideia de uma Em seu livro Do ter ao ser , o psicanalista Erich Fromm diz que possuir coisas é propriedade morta, uma vez que os bens deixam de ter qualquer funcionalidade ou uma condição inerente ao homem. Há cerca de 12 mil anos, com a fundação da valor de uso. Em seu texto Caráter do erotismo agricultura, nossos ancestrais passaram anal , de 1908, Sigmund Freud propõe um a desenvolver uma ligação mais intensa paralelo entre os interesses envolvidos no com utensílios e adornos. Os objetos ato de acumular bens e o dinheiro. Segundo eram usados no cotidiano e tinham funcionalidade. Na sociedade capitalista, a teoria psicanalítica, a criança se agarra ao porém, a propriedade deixa de ter esse desejo de possuir porque ainda não é capaz de produzir – e essa sensação faz parte do caráter utilitário: em geral, acumulamos mais bens do que somos capazes de usar. desenvolvimento saudável. Mas se o adulto Do ponto de vista psíquico, o avarento se torna refém do sentimento de posse, isso e o esbanjador têm em comum a relação pode significar que ainda não se sente capaz patológica com a propriedade, relacionada de criar algo por si.
TEMPO DE ABUSOS
Nem sempre esse comportamento se repete durante o ano todo. A pessoa também pode ter “orgias” de compras ocasionais em algumas situações, como aniversários, épocas de festas e férias. A terapeuta observa, porém, que o gasto episódico não é suficiente para confirmar um diagnóstico. “No caso da compra por hábito ou impulso, a pessoa se sente
atraída pelo produto; quando se trata de compulsão há descontrole, o compulsivo simplesmente não resiste e compra”, diz a psicóloga Júnia Cicivizzo Ferreira, da Unifesp. Ela lembra que, em geral, os adolescentes são alvos fáceis quando o assunto é o consumo exagerado. O transtorno tem início no final da adolescência, fase em que as pessoas conseguem crédito pela
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primeira vez, fazendo com que alguns já iniciem a vida adulta como uma dívida incalculável. As compras descontroladas feitas por adolescentes podem estar associadas ao abuso de drogas e de álcool e ao início precoce da vida sexual. Apesar de o custo do transtorno nunca ter sido calculado, estima-se que o impulso de comprar movimente mais de US$ 4 bilhões em compras anuais nos Estados Unidos, segundo o artigo The Influence of culture on cunsumer impulsive buying behavior , publicado na revista J. Consume Psycol. Para Tatiana Filomensky, o comportamento compulsivo pode servir como meio de descarga para sanar angústias, raiva, ansiedade, tédio e pensamentos de desvalorização pessoal. Segundo ela, trata-se de um movimento aprendido. Embora não haja um “modelo”, há muitos casos de pessoas com o transtorno que tiveram pais ausentes que compensavam negligência com presentes. “Há casos, por exemplo, de pessoas que se atrasam para buscar o filho na escola e depois os compensam com doces ou brinquedos. Com isso, ensinam que objetos e produtos aplacam a tristeza; esse comportamento pode ser adotado pela criança na fase adulta.” “Há pais que passaram por dificuldades financeiras na infância e, na melhor das intenções, tentam poupar os filhos de privações”, diz o psicólogo Luiz Gonzaga Leite, coordenador do Departamento de
Psicologia do Hospital Santa Paula, de São Paulo. “Isso pode comprometer a ideia de limite tornar essas crianças, adultos incapazes de suportar frustrações.” PODER E NARCISISMO
O psicólogo Antonio Carlos Alves de Araújo concorda que o transtorno está relacionado à carência afetiva, mas acredita que o problema também tenha implicações com a necessidade de estabelecer relações de poder. “Nossa organização social nos ensina que para ser poderoso é preciso possuir objetos. O desejo de posse pode ser uma forma de compensar sensações de inferioridade que vivemos na infância diante dos adultos. Parte daí a vontade de mostrar, mais tarde, que somos fortes. E essa busca é realimentada pela cultura: afinal de contas, a carência dá lucro.” Já o psicanalista Joel Birman, professor de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que a voracidade do compulsivo está envolvida com elementos tão presentes na atualidade, como o narcisismo, o culto ao eu e o vazio existencial. O ato de comprar, segundo ele, equivale a uma experiência erótica que atenua o sofrimento do homem contemporâneo. “As pessoas recorrem ao consumo exagerado para que possam exibir uma imagem narcísica, que tem por objetivo o preenchimento do vazio com
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FATORES BIOLÓGICOS Pesquisas indicam que alguns neurotransmissores têm papel importante no surgimento do comportamento compulsivo. É o caso da serotonina, envolvida nos processos de regulação dos estados de humor e do sono. Pouca quantidade da substância no cérebro parece estar ligada à impulsividade. Um estudo que examinou usuários de ecstasy, droga que leva à perda de neurônios de serotonina, mostrou que esse grupo apresentou maior propensão à impulsividade e tomadas de decisões erradas. Outra substância que pode estar envolvida na compulsão é a dopamina, relacionada à dependência de substâncias e de comportamentos. As alterações
objetos. A compulsão se baseia numa lógica social que supervaloriza o ter em detrimento do ser.” Segundo Birman, a pessoa está sujeita ao consumo incontrolável à medida que projeta ideais de perfeição nos ídolos idealizados, fabricados pela indústria cultural, que suprem a carência afetiva. “Nossa cultura valoriza astros envolvidos em impressões estéticas e performáticas, o que
na atividade do neurotransmissor podem estar associadas à busca de recompensas, que causam sentimentos de prazer. Alguns autores do estudo propõem a existência de um mecanismo de dependência desencadeado pela diminuição de dopamina, que provoca a chamada síndrome de deficiência da recompensa e indica que algumas pessoas têm mais risco de desenvolver dependência. Estudos com pacientes com doença de Parkinson reforçam a hipótese de que a dopamina está envolvida nos transtornos do controle dos impulsos. Vários pacientes examinados apresentavam comportamento repetitivo de busca de recompensa, como compulsão por jogo, sexo, comida e compras. Esse comportamento estaria relacionado com a degradação das células neurais que captam a substância, em função da doença e do tratamento.
aumenta a insegurança das pessoas sobre o que têm como potência. Isso deflagra uma sensação generalizada de desqualificação. Se não fôssemos bombardeados a cada instante pelo estrelismo alardeado pela mídia, estaríamos menos tomados pela compulsividade.” A AUTORA ROBERTA DE MEDEIROS é jornalista.
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O QUE CONTA NA HORA DA COMPRA Marcas, anúncios publicitários e hábitos de compra recentemente tornaram-se objeto de estudo dos neurocientistas. Os primeiros resultados começam a aparecer, e a atrair o interesse dos fabricantes
POR
ANNETTE SCHÄFER
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E
moções, lembranças, instinto de rebanho. Quando se trata de fazer compras, entram em ação os mais diversos motivos, que pouco têm a ver com considerações racionais como preço ou utilidade. É surpreendente como somos capazes de permanecer fiéis durante décadas à marca mais cara de sabão em pó só porque seu cheiro evoca nossa infância. Ou escolher um telefone celular por causa do anúncio - com praias, palmeiras e pessoas bronzeadas -, que nos faz lembrar uma viagem ao Nordeste. Por isso os economistas, com seu modelo do Homo economicus que calcula os custos e benefícios de cada ação, têm dificuldade para explicar o que nos move na decisão das compras. Até psicólogos, muitas vezes, limitam-se a tentar adivinhar o que se passa na cabeça do consumidor. Qual é a razão de comprarmos produtos de marca, ou por que alguns anúncios funcionam melhor que outros? É possível que os pesquisadores do cérebro logo estejam em condições de responder a essas perguntas. Novas técnicas de imageamento e sofisticados experimentos neuropsicológicos começam a sondar o que exatamente se passa na cabeça dos clientes e consumidores. Para isso eles estudam como, por exemplo, a atividade elétrica cerebral se altera quando alguém bebe seu refrigerante preferido, ou quais regiões específicas do cérebro reagem a um anúncio particularmente eficaz. Neuromarketing é o nome dado a esse novo campo que aplica os métodos de pesquisa do cérebro a questões ligadas ao mundo do consumo e da publicidade. Henrik Walter, quando na Universidade de Ulm, Alemanha, investigou o efeito neuronal à visão de diversos tipos de carro. Ele mostrou a 12 jovens apaixonados por automóveis 22 fotos em preto-e-branco de carros esportivos, limusines e automóveis
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pequenos, em ordem aleatória, e mediu simultaneamente sua atividade cerebral com um tomógrafo de ressonância magnética. Para estimular um processo cognitivo de avaliação, o psiquiatra pediu que atribuíssem uma nota de 1 a 5 para cada imagem. Não é de surpreender que os carros esportivos tenham recebido as maiores notas. O interessante é o que a imagem computadorizada do cérebro dos amantes de carros revelou. Quando olhavam fotos de carros de corrida, uma particular estrutura de seu cérebro, o núcleo accumbens, exibia muito mais atividade que no momento em que observavam carros pequenos ou limusines. Essa minúscula região, apenas a “beirada de uma beirada”, segundo Walter, pertence ao sistema límbico e funciona como o centro do prazer. Suas células nervosas são ativadas por um neurotransmissor, a dopamina, levando à liberação dos chamados opiáceos endógenos (opiáceos produzidos pelo próprio organismo) – substâncias que estão associadas à sensação de prazer e bem-estar. Normalmente essa região é ativada por estímulos vitais para a sobrevivência, como os ligados à sexualidade ou à nutrição. Mas nem mesmo o mais apaixonado admirador de automóveis diria que um Porsche ou uma Ferrari
são necessários para manter a vida. Por que, então, a visão desses veículos desencadeia a liberação de dopamina? Segundo o pesquisador, um carro esportivo preenche uma necessidade indireta: “Funciona como a vistosa cauda de um pavão que também não traz vantagem direta para a sobrevivência, mas serve de sinal para concorrentes e fêmeas da sua espécie – vejam, sou tão forte que posso me dar ao luxo de investir nesta coisa inútil e pomposa”. É claro que uma Bugatti é muito mais apropriada para se exibir que um minúsculo Fiat Mille. Mas o que acontece no caso de carros com níveis comparáveis? Em que medida um carro esportivo da Mercedes estimula mais o centro de prazer de um apreciador de automóveis que um da BMW? Diferenças tão sutis na atividade cerebral ainda não podem ser constatadas com os aparelhos existentes. Por enquanto, acredita Walter. Mas ele está seguro de que a precisão das imagens cerebrais e o conhecimento de como interpretá-las serão muito aperfeiçoados nos próximos anos. No futuro talvez seja possível investigar neurologicamente as diferentes versões de um mesmo automóvel. “Os projetistas poderão testar sistematicamente quais variações no design de um modelo têm um máximo efeito sobre o cérebro.”
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k c o t s r e t t u h S / G . n e l l A
Assim como o psiquiatra, a maior parte dos pesquisadores em neuromarketing emprega a tomografia de ressonância magnética funcional (fMRI). O método produz imagens coloridas da troca de substâncias no cérebro e registra instantâneos da localização e intensidade da atividade cerebral, além de mostrar como esta se altera quando alguém testa um produto de limpeza ou observa um cartaz publicitário. Essa tecnologia serviu para Read Montague
mostrar o efeito neuronal das marcas. Para isso, seu grupo do Baylor College of Medicine, em Houston, escolheu um duelo clássico de marcas. Desde os anos 70 os especialistas em marketing se surpreendiam com o seguinte fato: a Coca-Cola é o refrigerante mais vendido no mundo, mas seu concorrente, a Pepsi- Cola, é frequentemente considerada mais saborosa nos testes em que as pessoas não sabem qual marca estão bebendo.
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Montague convidou 40 pessoas para um teste. Enquanto um tomógrafo media sua atividade cerebral, cada participante recebeu 35 amostras de refrigerante, sem saber de qual marca. A Pepsi causou uma reação mais forte no putâmen, região que funciona como fonte dos sentimentos de satisfação, independentemente de qual marca os participantes declararam preferir. O pesquisador repetiu o teste com uma pequena variação. Ele identificou claramente algumas das amostras como sendo de Coca-Cola. E o resultado foi que, de repente, quase todos os participantes declararam que elas pareciam mais saborosas. As imagens mostraram o que estava por trás da mudança de preferência. No caso das amostras identificadas como Coca-Cola, além do centro de satisfação, houve também ativação do córtex medial pré-frontal. Sabe-se que essa área está associada a processos complexos de raciocínio e julgamento, assim como à autoimagem. “Bastou o conhecimento de que se tratava de Coca-Cola para que houvesse uma mudança fundamental na atividade cerebral.” É evidente, portanto, que os participantes sofreram a influência de lembranças e outras impressões não relacionadas ao sabor. Esse efeito foi tão forte que encobriu os sinais enviados pelos nervos gustativos. Por outro lado, no caso das
amostras identificadas como Pepsi-Cola, aquela área do córtex cerebral não exibiu nenhuma reação. “E daí?”, poderíamos perguntar. A Coca-Cola é uma marca forte, e carros esportivos servem para alguém se exibir, sabemos disso há muito tempo. Para que, então, toda essa dispendiosa pesquisa neurológica? Os pesquisadores concordam que os resultados não são novidade: o que é novo é a possibilidade de testá-los objetivamente e constatar os mecanismos que conectam estímulos e respostas. Quanto a isso, as técnicas dos neurocientistas estão de fato à frente de outros métodos. Até agora esse tipo de estudo era feito com instrumentos tradicionais das pesquisas de mercado: questionários padronizados, entrevistas individuais e discussões dirigidas num grupo de potenciais compradores. O problema é que todos esses métodos pressupõem que as pessoas sejam capazes de expressar verbalmente seus motivos. Mas é claro que nem todo apreciador de Coca-Cola está consciente do que o atrai em sua marca preferida, e nem todos os fãs do Porsche se descrevem como pavões vaidosos. Os métodos de imagens computadorizadas do cérebro, por sua vez, funcionam sem introspecção e tornam visíveis as lembranças, associações ou emoções que
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as pessoas testadas não conhecem ou não admitiriam abertamente. Aqui está talvez o fundamento do comportamento de rebanho dos consumidores. Gregory S. Berns, da Universidade Emory, em Atlanta, pediu a 30 voluntários que comparassem pares de figuras abstratas tridimensionais e decidissem se eram iguais ou não. Ao mesmo tempo, apresentou-lhes as respostas – às vezes certas, outras erradas – de outros participantes. As imagens registradas mostraram que, em grupos, frequentemente o controle é assumido pelo córtex pré-frontal, centro do pensamento e da decisão. No caso dos participantes que confiam mais na opinião da maioria que nas próprias percepções, a atividade nesse local suplanta a do lobo parietal, local onde são tratadas as imagens recebidas pela visão. Na Universidade de Tecnologia de Melbourne, Austrália, a equipe de Richard Silberstein investigou por que alguns anúncios se fixavam mais na memória. Os cientistas exibiram a um grupo de mulheres um documentário de TV várias vezes interrompido por anúncios comerciais. Durante a exibição, a atividade cerebral das participantes foi registrada. Uma semana mais tarde, um teste de memória mostrou que elas eram capazes de se lembrar melhor dos
anúncios durante os quais havia ocorrido uma atividade excepcionalmente mais rápida no hemisfério esquerdo frontal. A importância prática dessa descoberta foi facilmente reconhecida. Com auxílio dos métodos desenvolvidos pelos australianos, as estratégias de publicidade podem testar de antemão se os anúncios programados produzem nos espectadores uma reação desse tipo no hemisfério esquerdo. “Se uma reação como essa for observada, é possível prever que o anúncio também vai se fixar de forma mais durável na memória de longo prazo”, afirma Silberstein. O interesse dos fabricantes pelo neuromarketing está despertado, e cada vez mais os cientistas recebem consultas de empresas. A General Motors e a Ford, bem como a Daimler Chrysler, já estão avaliando em que medida os métodos da neurociência poderiam complementar as pesquisas de mercado tradicionais. Pesquisadores preocupam-se em desfazer expectativas irreais dos fabricantes. “Muitos avaliam com exagero as possibilidades das técnicas neuronais”, alerta Walter. Isso decorre, sobretudo, do poder altamente sugestivo das técnicas de produção de imagens cerebrais. Com isso, logo se esquece que essas fascinantes imagens coloridas precisam ser interpretadas com cuidado. “Os mapas de atividade
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cerebral não refletem concretamente o que se passa no cérebro. Trata-se de fato de um tratamento estatístico, cujo poder preditivo depende também do nível de significação escolhido”, adverte. O economista americano Gerald Zaltman, de Harvard, vê ainda um outro perigo: o erro muito difundido de que seria possível identificar áreas específicas do cérebro que reagiriam de forma unívoca e exclusiva a estímulos bem determinados. Para ele, “a ideia de que há no cérebro um centro especial de compras pode ser muito sedutora do ponto de vista do marketing, mas é tão falsa quanto a tese da frenologia, segundo a qual seria possível deduzir as disposições mentais de uma pessoa a partir da forma de seu crânio”. Para explicar ações como assistir a um anúncio publicitário ou deliciar-se com uma barra de chocolate, é preciso levar em conta a atividade simultânea de diversas áreas cerebrais, cujo funcionamento conjunto não é suficientemente conhecido. Há, além disso, limites práticos, como o alto custo da utilização dos aparelhos, que mesmo no caso de estudos de pequeno porte logo alcança a casa das dezenas de milhares de euros, e prováveis distorções dos resultados pelo fato de os voluntários não se sentirem bem dentro de estreitos tomógrafos ou com capacetes cheios de fios.
É errado supor que o estudo do cérebro vá provocar uma revolução no mundo da propaganda, embora possa trazer importantes estímulos. Em alguns anos, os métodos baseados em imagens cerebrais devem ser parte do repertório padrão das estratégias de marketing com consequências positivas também para os consumidores, nota Silberstein: “Quando as empresas estiverem em condições de descobrir o que move os consumidores no nível mais profundo – qual a cor ou forma que os agrada ou que tipo de anúncio publicitário rejeitam -, poderão oferecer produtos que realmente satisfaçam as pessoas”. A AUTORA ANNETTE SCHÄFER é jornalista cientí-
fica, psicóloga, doutora em economia. PARA SABER MAIS Mind reading versus neuromarketing: how does a product make an impact on the consumer?””, Journal of Consumer
Marketing, Vol. 31, ed. 3, 2014 Neuromarketing: perspicaz, mas não profético. Fabrício Alano Pamplona. e-revista Logo, v. 3, n. 1, 2014. Neuromarketing in Action: How to Talk and Sell to the Brain. Sharad Agarwal. Journal of Consumer Marketing, Vol. 31 Iss: 5, pp.404 – 405, 2014.
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É MEU!
O sentimento de posse desempenha papel importante na constituição da identidade e se confunde com a ideia de satisfação; pesquisadores acreditam, porém, que sofremos mais com as perdas do que nos alegramos com os ganhos
POR
BRUCE HOOD
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H.
acabou de fazer uma linda borboleta com um molde que ela aperta contra pedaços de massa de modelar que pegou da Pat. – De quem é a massinha que você usou?, pergunta Pat. – E de quem é essa borboleta?, continua Pat. – Minha, retruca H. com voz confiante. Se o diálogo e a cena acima estivessem em julgamento, os jurados poderiam se mostrar inclinados a concordar com H. A maioria dos adultos tenderia a pensar que o verdadeiro dono do material – no caso, Pat – tem algum direito de posse sobre a obra, apesar da participação criativa de H. Nesse caso, H. é uma garotinha saudável de 3 anos que convidamos para visitar nosso laboratório em Bristol, Inglaterra, e Pat, minha aluna de pós-graduação Patricia Kanngiesser. Ela está pesquisando atitudes das crianças em relação à posse. Nossos estudos estão relacionados a cenários nos quais materiais são emprestados, negociados e vendidos. Esses experimentos fazem parte de uma área em rápida expansão, conhecida como economia comportamental, que está desvendando os processos cognitivos que levam as pessoas a tomar decisões sobre propriedade e negociações. Embora crianças participem da investigação e massa de modelar seja a “moeda” nesse caso, é a propriedade que está no centro das disputas – tal qual acontece na maioria dos conflitos mais acirrados da história da humanidade. O conceito de posse começa a se desenvolver muito cedo, particularmente em relação a objetos, como brinquedos, que as crianças utilizam para se consolar. Ao longo da vida, utilizamos cada vez mais bens materiais para expressar nossa pró-
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pria identidade. Além disso, o simples fato de elegermos um objeto o torna psiquicamente muito mais valioso que algo idêntico, ou até mais valioso, mas que não foi escolhido por nós. Aparentemente essa parcialidade associa-se a mecanismos cerebrais que avaliam potenciais perdas e ganhos com base em seu significado emocional. Pelo menos nas culturas ocidentais, as pessoas costumam tratar coisas como extensões si mesmas – se alguém risca nosso carro, por exemplo, sentimos como se tivéssemos sido agredidos. UM URSO NA BAGAGEM
A predileção pela posse pode ser uma peculiaridade humana. Somos a única espécie que produz e cobiça objetos. Outros primatas podem criar ferramentas rudimentares para quebrar frutas ou furar cupinzeiros, mas esses artefatos geralmente são descartados depois de servirem à sua função temporária. Alguns animais, principalmente certas espécies diferentes de pássaros, colecionam objetos ou até os roubam, embora haja dúvidas se possam entender ou respeitar os direitos de posse dos donos. Corvos têm fama de serem atraídos por materiais brilhantes. O macho da ave-do-paraíso, natural da Austrália, coleciona e organiza objetos em elaboradas configurações como
parte do ritual de acasalamento para atrair fêmeas. Esse comportamento reflete padrões instintivos. Já os humanos, ao longo de toda a civilização contemplaram, produziram, colecionaram e negociaram objetos valiosos ou até reverenciados em benefício próprio. Um dos primeiros exemplos disso é um bloco de argila entalhado com cruzes encontrado no Cabo Ocidental da África do Sul. Provavelmente obra de arte ou objeto de culto, essa relíquia indica que há pelo menos 70 mil anos produzimos e colecionamos objetos por seu valor estético – o que desperta prazer. Peças de arte que apareceram posteriormente, no Pleistoceno Superior, são mais elaboradas e bem-acabadas, sugerindo que nossos ancestrais investiram tempo e esforço considerável para criar artefatos em vez de se concentrar na pilhagem e na caça. Atualmente, todas as tecnologias de manufatura substituíram a necessidade de produzir os próprios utensílios. Embora estejamos vivendo na era dos descartáveis, ainda mantemos a necessidade de posse. Os exemplos mais evidentes desses objetos de desejo são os laços emocionais que criamos com objetos que vão muito além do uso funcional ou de seu valor monetário. O fenômeno aparece logo no início do desenvolvimento – grande parte
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das crianças ocidentais cria laços com objetos como bichinhos de pelúcia ou paninhos. O personagem Linus, das tiras de quadrinhos do Peanuts, arrasta um cobertorzinho por toda parte. Esses itens, mesmo sujos ou rasgados, são considerados únicos: as crianças se recusam a substituí-los por similares ou versões mais novas. No entanto, a ligação com mais de um objeto normalmente é rara.
são muito menos dominantes no Japão, onde as crianças dormem com as mães até a metade da infância. (Os pesquisadores descobriram que somente 38% das crianças japonesas acompanhadas tinham esses hábitos.) SOMOS O QUE TEMOS
O apego excessivo por objetos específicos costuma aumentar entre 1 e 3 anos, estabiliza-se por volta dos 4 e começa a diminuir em torno dos 6. No AS PESSOAS TENDEM A VALORIZAR entanto, muitas pesMUITO MAIS SEUS PRÓPRIOS soas mantêm esses PERTENCES QUE OS DOS OUTROS, laços afetivos até a idade adulta. Há ca AINDA QUE SEJAM IDÊNTICOS; sos até de profissioESSA DISTORÇÃO É CONHECIDA nais bem-sucedidos COMO “EFEITO DOTAÇÃO” que só viajam se puderem levar na mala seu escangalhado bicho de pelúcia – uma Esse vínculo que se estabelece mui- indicação de que esse vínculo afetivo to cedo provavelmente tem origem na não é privilégio somente de mentes prática de colocar crianças para dormir menos brilhantes. longe dos pais. Os pequenos, então, enNum estudo publicado em 2010, contram no cobertor ou nos brinquedos meus colegas e eu pedimos a 31 adultos colocados no berço uma forma de gratifi- que destruíssem fotografias de seus cação. Apoiando essa teoria, a neuropsi- objetos de estimação da infância. Descóloga Mieko Hobara, pesquisadora do cobrimos que esse processo provocou Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova forte ansiedade (medida por variações York, relatou que os objetos de desejo sutis da condutância elétrica da pele).
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Mas quando foi solicitado aos participantes que picassem fotografias de objetos mais valiosos, como telefones celulares, com os quais as pessoas não tinham vínculo afetivo, as variações foram muito menores. Objetos podem suscitar o desejo de posse por outras razões além do reconforto. Crianças pequenas lutam por brinquedos, por exemplo, para estabelecer sua identidade e domínio sobre os outros. O grito estridente de “é meu!” costuma ser seguido de lágrimas e tentativas dos adultos de persuadir as crianças a entregar aquilo que “deve ser partilhado”. O psicólogo americano William James foi um dos primeiros a considerar que os objetos que possuímos têm uma função importante na formação da própria identidade. Em 1890, ele escreveu em seus Princípios de psicologia: “O self de um homem é a soma de tudo o que pode chamar de seu, não só seu corpo e suas capacidades psíquicas, mas suas roupas e sua casa, sua mulher e seus filhos, seus ancestrais e amigos, sua reputação e obras, suas terras, cabeças de gado, iate e contas no banco”. Como nossos pertences definem parte de nossa identidade, instituições como prisões deliberadamente impedem o acesso a eles para eliminar o sentido de “eu”. Algumas das imagens
mais terríveis dos campos de concentração nazistas são os montes de objetos pessoais e bagagens retiradas das vítimas na tentativa de destruir sua identidade. Esses objetos agora são considerados dignos de veneração. Além de contribuir para a constituição de self, nossos pertences também podem expressar preferências. Isto é, as pessoas decidem comprar produtos que acreditam corresponder às suas expectativas – um padrão que a publicidade tem explorado muito. Os anunciantes entendem que os consumidores se identificam com as marcas; quanto mais uma marca estiver associada ao sucesso, mais as pessoas a desejam. Muitas pessoas já perderam a vida tentando defender relógios Rolex, iPods e tênis Nike em assaltos. O professor de marketing Russell W. Bel, da Universidade York, no Canadá, chama essa visão materialista de “self estendido”: somos o que possuímos e quando essas posses são violadas por furto, perda ou dano a situação mexe com nossas emoções mais profundas e vivenciamos o fato como tragédia pessoal. Criminosos como traficantes geralmente sabem disso. Vince, o assassino profissional do clássico do cinema Tempo de violência, lamenta-se com Lance, seu revendedor, depois de descobrir que seu
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Chevy Malibu tinha sido riscado com uma chave: “Ele ficou três anos guardado. Estava sendo usado há cinco dias e algum f*#*!! acabou com ele”. E o Lance responde: “Cara, esses f*#*!! deviam morrer. Sem julgamento. Sem jurados. Executados, e pronto”.
QUEM DÁ MAIS?
Até laços efêmeros com objetos podem afetar nossa escolha. Em um estudo clássico sobre economia comportamental, o psicólogo e pesquisador da Universidade Princeton Daniel Kahneman, vencedor do Prêmio Nobel
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de 1991, distribuiu canecas de café de US$ 6 para alunos de graduação da Universidade Cornell e depois solicitou que as negociassem com seus colegas de classe, representando papéis de compradores e vendedores em diversas transações. A equipe de Kahneman surpreendeu-se ao descobrir, que poucos negócios haviam sido fechados, aparentemente devido à discrepância entre preços pedidos e ofertas feitas: os voluntários valorizavam muito mais suas próprias canecas que objetos idênticos pertencentes a outros. Esse viés, conhecido como efeito dotação, foi repetido várias vezes com itens que variavam de garrafas de vinho a barras de chocolate. A simples perspectiva de ser dono de um objeto o torna “mais valioso”, principalmente se a pessoa puder manuseá-lo antes de comprar. Esse fenômeno fica ainda mais acentuado se houver disputa pela posse. Talvez isso explique a razão de algumas peças serem tão cobiçadas em leilões. Em 2008, o psicólogo James Wolf, da Universidade do Estado de Illinois, e seus colegas da Universidade do Estado de Ohio simularam um leilão – novamente com as canecas de café – com a participação de 84 estudantes. Metade dos voluntários manuseou as peças uma vez durante dez segundos
antes da venda e o restante tocou nos produtos por 30 segundos. Os pesquisadores descobriram que a média dos lances feitos pelos participantes do segundo grupo era significativamente mais alta (US$ 5,80) que a média dos lances dos integrantes do primeiro (US$ 3,70), sugerindo um efeito dotação mais forte entre os que estiveram mais tempo em contato com a caneca. MACACOS NEGOCIANTES
Posteriormente os cientistas repetiram o experimento com outros 60 alunos para checar se o aumento do desejo induzido pela competição podia ser responsável pela valorização dos objetos manuseados por mais tempo. Eles adotaram um procedimento diferente: os lances foram entregues em envelopes lacrados. Os pesquisadores descobriram então que a oferta média dos que examinaram as canecas por mais tempo (US$ 3,07) ainda era significativamente mais alta que a dos que a tocaram por menos tempo (US$ 2,24). No entanto, os lances um pouco mais reduzidos indicaram que a disputa “ao vivo” tinha efeito perceptível. Os pesquisadores também descobriram que quanto mais tempo a pessoa desempenhava o papel de arrematador num leilão on-line, alimentando a esperança de posse futura, mais se excedia
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em relação ao que pretendia gastar originalmente – o comportamento é conhecido como “febre do leilão”. Uma explicação normalmente aceita para o efeito dotação é que ele reflete a aversão à perda. Segundo a teoria proposta por Kahneman, as pessoas consideram que privação é mais significativa que um ganho equivalente. Em outras palavras, sofremos mais
funcional para evidenciar o aumento de atividade do núcleo accumbens – região do circuito de recompensa do cérebro – quando os voluntários viam produtos de que gostavam, independentemente de estarem comprando ou vendendo esses produtos. Quando pensamos que o objeto que podemos comprar é uma pechincha o córtex pré-frontal medial – outro componente do sistema de recompensa – também é ativado, mas isso não acontece se o preço do objeto é DESDE A INFÂNCIA OS OBJETOS muito alto. Mas quanFUNCIONAM COMO EXTENSÕES do as pessoas são soDE NÓS MESMOS – POR ISSO É licitadas a vender um TÃO COMUM NA IDADE ADULTA produto desejado a ESCOLHERMOS MARCAS E um preço mais baixo MODELOS QUE REPRESENTAM O do que imaginavam, QUE QUEREMOS APARENTAR a ínsula, no hemisfério direito, é ativada. Essa reação indica discrepância entre com as perdas do que nos alegramos metas antecipadas e resultados, e pode ser entendida como o correlato neural com os ganhos. O neurocientista Brian Knutson, da da frustração. Além disso, quanto maior Universidade Stanford, descobriu pa- a atividade na ínsula direita, mais prodrões de atividade neural consistentes nunciado o efeito dotação – isto é, mais com a ideia de que nossas reações emo- as pessoas valorizam a posse daquilo cionais a possíveis perdas e ganhos ali- que deveriam vender. Essas descobertas revelam a exismentam o efeito dotação. Num estudo de 2008 uma equipe coordenada por ele tência de uma “assinatura biológica” usou exames de ressonância magnética para a aversão a perdas, mostrando
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que a discrepância entre o valor percebido e o preço oferecido para venda produz resposta emocional negativa. Não se trata, portanto, apenas de um viés em relação aos objetos que possuímos – o fato é que nos sentimos mal ao vender um objeto por um preço abaixo do que acreditamos valer. O efeito dotação foi observado em crianças de 6 anos, sugerindo que essa capacidade pode ser fundamental para o desenvolvimento cognitivo. Mas o efeito também é observado em nossos “primos”. Num estudo publicado em 2007, a primatologista Sarah Brosnan, então da Universidade Emory, e seus colegas treinaram chimpanzés para negociar alimentos e “brinquedos” (como pedaços de cordas com nós). Os pesquisadores descobriram que os primatas relutavam em trocar os alimentos por novos produtos comestíveis, mas negociavam brinquedos livremente. Mas normalmente, quando os animais tinham livre acesso à comida, não demonstravam preferência pelos mesmos itens em particular, sugerindo que valorizavam mais os alimentos que “possuíam”. O psicólogo Venkat Lakshmi Naryanan, da Universidade de Yale, e seus colegas tentaram descobrir se, quando treinadas para comprar e vender alimentos, outras espécies apresentavam comportamento similar. De acordo com
relatos publicados em 2008, os pesquisadores treinaram macacos-prego para trocar moedas por alimentos. Os cientistas da Yale até forneceram aos animais pequenas carteiras onde podiam guardar o “dinheiro”. Os macacos aprenderam rapidamente a negociar com os experimentadores para que lhes apresentassem melhores ofertas, mostrando que tinham bom-senso econômico. E logo ficou claro quanto cada macaco estava disposto a pagar por diferentes alimentos. Assim como os humanos, quando os macacos recebiam comida para negociar esperavam obter um preço de venda mais alto do que pretendiam pagar pelo mesmo produto. Nesse mesmo ano, em meu laboratório, Patricia relatou que várias espécies de grandes símios, incluindo gorilas e orangotangos, também apresentavam o efeito dotação. O trabalho de Patricia, no entanto, confirmou uma diferença fundamental entre humanos e outros primatas, a mesma que o estudo do chimpanzé de Sarah sugerira: macacos e símios exibem dotação somente quando se trata de comida; esse comportamento não é notado com outros itens, nem com ferramentas que podem ser usadas para conseguir alimentos. Ou seja: somente humanos mostram capacidade de atribuir diferentes valores para objetos em geral.
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k c o t s r e t t u h S
EU E OS OUTROS
Apesar dos 30 anos de pesquisa sobre o efeito dotação, somente nos últimos anos o fenômeno começou a ser observado em outras populações além de estudantes americanos. Verificou-se que pessoas de outras culturas se comportavam de forma diferente em relação à posse. Por exemplo, nos anos de 1980 a especialista em marketing Melanie Wallendorf e o antropólogo Eric Arnould, da Universidade do Arizona, compararam moradores do sudoeste dos Estados Unidos com aldeões nigerianos e descobriram que os últimos valorizavam mais os presentes
que recebiam de outros e mostravam menos efeito dotação por suas posses. A descoberta é condizente com a visão dominante de que os aldeões nigerianos valorizam menos os bens pessoais e mais os objetos culturalmente significativos que geralmente são negociados e compartilhados pelos integrantes da comunidade. Num outro estudo, o psicólogo William W. Maddux afirma que o efeito dotação não é tão perceptível em universitários do leste asiático quanto nos do oeste. O pesquisador deduziu que como a cultura oriental é mais individualista, poderia produzir um vínculo mais forte com os objetos, como uma extensão do self. Num insight perspicaz, Maddux solicitou a 116 universitários que participavam do estudo que discorressem sobre seus relacionamentos com outras pessoas ou sobre si mesmos – uma tarefa que pode redirecionar o foco de uma pessoa. Quando jovens do leste asiático se concentravam em si mesmos, dotavam os objetos que possuíam de maior valor; já os voluntários do oeste asiático que deveriam discorrer sobre outras pessoas mostravam efeito de dotação reduzido. A forma como a sociedade interpreta o self – se a pessoa é vista como indivíduo ou como membro de um grupo – parece influenciar o comportamento em relação à posse.
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Atualmente estamos investigando quando uma criança começa a desenvolver atitudes em relação à propriedade. Há alguns meses, por exemplo, descobrimos que quando se trata de decidir a quem pertence um objeto até crianças bem pequenas são capazes de emitir opiniões. Porém, na idade pré-escolar elas raramente querem saber de quem são os materiais – algo que os adultos levam em conta. Os pequenos também entendem a propriedade como limitada a seus próprios bens, enquanto que os adultos são capazes de respeitar os bens alheios. No momento tentamos entender exatamente em que fase da infância a criança desenvolve uma compreensão mais clara sobre a ideia de posse. Detectar quando essas transições ocorrem pode nos colocar mais perto da origem de nossas convenções sobre quem possui o quê. Embora esses laços sofram influências culturais, parecem se basear numa profunda necessidade humana de ter coisas. O que pode ter se originado na tendência primitiva de cobiçar alimentos é um processo psicológico crucial capaz de moldar a forma como vemos nós mesmos e os outros. O AUTOR BRUCE HOOD é psicólogo, diretor do
Centro de Desenvolvimento Cognitivo da Universidade de Bristol, na Inglaterra. Autor de The self illusion (Oxford University Press, 2012) e de SuperSense: why we believe in the unbelievable (HarperOne, 2009). PARA SABER MAIS Children and Adults Use Gender and Age Stereotypes in Ownership Judgments. Sarah Malcolma, Margaret A.
Defeytera & Ori Friedmanb. Journal of Cognition and Development, pages 123-135, Volume 15, 2014. For whom is parting with possessions more painful? Cultural differences in the endowment effect. W. W. Maddux et al., em Psychological Science , vol. 21, págs. 1910-1917, dezembro de 2010. The effect of creative labor on property-ownership transfer by pre-school children and adults. P. Kanngiesser, N. Gjersoe e B. M. Hood, em Psychological Science , vol. 21, págs. 1236-1241, setembro de 2010. Endowment effect in capuchin monkeys. Venkat Lakshminaryanan, M. Keith Chen e Laurie R. Santos, em Philosophical Transactions of the Royal Society B, vol. 363, págs. 3837-3844, dezembro
de 2008. Predictably irrational: the hidden forces that shape our decisions. Dan Ariely. HarperCollins, 2008.
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PRODUTOS CAROS ESTIMULAM ATIVIDADE CEREBRAL Tendemos a gastar duas vezes mais quando usamos cartões de crédito do que quando pagamos nossas contas cédulas e moedas; além disso, atenção e olhar a perda financeira provoca é processada
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eu cérebro sabe reconhecer um objeto valioso – mesmo que você não registre conscientemente os valores. Pelo menos é o que mostra um estudo americano recente, publicado no periódico científico Neuron. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores escanearam repetidamente o cérebro de voluntários enquanto eles escolhiam entre dois produtos – e ganhavam dinheiro quando optavam pelo correto. Assim, alguns objetos eram associados a valores mais altos. Com a progressão do experimento, os cientistas notaram que áreas visuais do cérebro respondiam mais fortemente à opção que pagava mais. A atividade cerebral indicava o alvo lucrativo de maneira mais precisa que a avaliação racional feita pelos voluntários. Segundo os autores do estudo, esses resultados sugerem que nossa atenção é atraída para objetos valiosos e podemos “vê-las melhor” do que sem valor. Outro dado a ser considerado é que, para o cérebro, perder dinheiro é doloroso e temerário. Essa é a conclusão de outro estudo publicado na Neuroscience por pesquisadores da Universidade College de Londres. Usando ressonância magnética funcional para analisar o tecido cerebral de 20 voluntários que passavam o tempo apostando em jogos de azar, os cientistas observaram que perder ativava neurônios dos circuitos ancestrais reguladores do medo e da dor. “Muitas decisões cotidianas, como apostar na loteria ou investir em aplicações financeiras, são, de certo modo, jogos de azar que geralmente resulta em ganho ou perda