MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
CURSO DE INTEGRAÇÃO PESSOAL
ÍNDICE: O PORQUÊ DESTE LIVRO ................................. .................................... ... 4 UM APÓLOGO PARA MEDITARDES .............. ............................ .............. 6 O MÉTODO DESTA OBRA ................................. .................................... ... 9 PARTE GERAL — CARACTEROLOGIA ......................... ......................... 11 CARACTEROLOGIA ........................... ........................................ ............. 12 ............................. .. 15 Caracterologia e Fisiognomônica ...........................
O TEMPERAMENTO SANGUÍNEO ............................. ............................. 19 O TEMPERAMENTO BILIOSO .............. ............................ .................. .... 21 O TEMPERAMENTO NERVOSO ...................... ............................... ......... 22 A TEORIA DE FREUD .............. ............................ ......................... ........... 25 A POSIÇÃO DE ADLER .............. ............................ ....................... ......... 28 PARTE PRÁTICA ........................................ .......................................... .. 29 PARTE PRÁTICA ........................................ .......................................... .. 30 ANÁLISE DOS TIPOS ................... ................................. .................... ...... 31 OPOSIÇÕES ENTRE OS TIPOS ............................... ............................... 35 DILAÇÃO E RETRACÇÃO ............... ............................. .................... ...... 36 OS DILATADOS ..................................... ........................................... ...... 38 CLASSIFICAÇÃO DOS DILATADOS ............... ............................ ............. 39 OS RETRAÍDOS .............................. ........................................... ............. 43 ASPECTOS GERAIS ........................... ........................................ ............. 43 CLASSIFICAÇÃO DOS RETRAÍDOS ............... ............................ ............. 45 OS TIPOS REAGENTES .......................... ..................................... ........... 57 PARTE DINÂMICA ............................ ......................................... ............. 59 ANÁLISE DINÂMICA DA FISIOGNOMIA ....................... ......................... .. 60 A FACE .............. ............................. ............................. .................... ...... 60 CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS ........................... ........................... 60 O OLHO ........................................ ................................................. ......... 60 EXAME E SIGNIFICADO DOS MÚSCULOS DOS OLHOS E DA TESTA .. 61 VESTÍBULO DO APARELHO RESPIRATÓRIO .................... .................... 62 VESTÍBULO DO APARELHO MANDIBULAR...................... ...................... 63 CLASSIFICAÇÃO DOS HUMORES SEGUNDO CORMAN CORM AN ............ ............ 64 ANÁLISE DO ROSTO .............................. ....................................... ......... 66 AS MÃOS ............................ .......................................... .................... ...... 72
ÍNDICE: O PORQUÊ DESTE LIVRO ................................. .................................... ... 4 UM APÓLOGO PARA MEDITARDES .............. ............................ .............. 6 O MÉTODO DESTA OBRA ................................. .................................... ... 9 PARTE GERAL — CARACTEROLOGIA ......................... ......................... 11 CARACTEROLOGIA ........................... ........................................ ............. 12 ............................. .. 15 Caracterologia e Fisiognomônica ...........................
O TEMPERAMENTO SANGUÍNEO ............................. ............................. 19 O TEMPERAMENTO BILIOSO .............. ............................ .................. .... 21 O TEMPERAMENTO NERVOSO ...................... ............................... ......... 22 A TEORIA DE FREUD .............. ............................ ......................... ........... 25 A POSIÇÃO DE ADLER .............. ............................ ....................... ......... 28 PARTE PRÁTICA ........................................ .......................................... .. 29 PARTE PRÁTICA ........................................ .......................................... .. 30 ANÁLISE DOS TIPOS ................... ................................. .................... ...... 31 OPOSIÇÕES ENTRE OS TIPOS ............................... ............................... 35 DILAÇÃO E RETRACÇÃO ............... ............................. .................... ...... 36 OS DILATADOS ..................................... ........................................... ...... 38 CLASSIFICAÇÃO DOS DILATADOS ............... ............................ ............. 39 OS RETRAÍDOS .............................. ........................................... ............. 43 ASPECTOS GERAIS ........................... ........................................ ............. 43 CLASSIFICAÇÃO DOS RETRAÍDOS ............... ............................ ............. 45 OS TIPOS REAGENTES .......................... ..................................... ........... 57 PARTE DINÂMICA ............................ ......................................... ............. 59 ANÁLISE DINÂMICA DA FISIOGNOMIA ....................... ......................... .. 60 A FACE .............. ............................. ............................. .................... ...... 60 CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS ........................... ........................... 60 O OLHO ........................................ ................................................. ......... 60 EXAME E SIGNIFICADO DOS MÚSCULOS DOS OLHOS E DA TESTA .. 61 VESTÍBULO DO APARELHO RESPIRATÓRIO .................... .................... 62 VESTÍBULO DO APARELHO MANDIBULAR...................... ...................... 63 CLASSIFICAÇÃO DOS HUMORES SEGUNDO CORMAN CORM AN ............ ............ 64 ANÁLISE DO ROSTO .............................. ....................................... ......... 66 AS MÃOS ............................ .......................................... .................... ...... 72
OS OITO TIPOS ........................... ......................................... ................ .. 82 TIPO MARTE ........................... ......................................... .................. .... 82 TIPO TERRA.............. ............................ ............................ .................. .... 84 TIPO JÚPITER .............. ............................ ............................ ................ .. 86 TIPO SATURNO ..................................... ........................................... ...... 88 TIPO VÊNUS.............. ............................ ............................ .................. .... 91 TIPO MERCÚRIO .............. ............................. ............................ ............. 93 TIPO SOL ............................ .......................................... .................... ...... 95 TIPO LUA ............................ .......................................... .................... ...... 96 MÉTODO PRÁTICO DE ANÁLISE CARACTEROLÓGICA ............ 99 PROVIDÊNCIAS A SEREM TOMADAS ........................ .......................... .. 99 UM EXAME PRÁTICO DE CLASSIFICAÇÃO DE ASPECTOS ........ 100 PARTE ESPECIAL ............................ ........................................ ............ 104 NÓS E OS NOSSOS PENSAMENTOS .............. .......................... ............ 108 EXERCÍCIOS ........................... ......................................... ................. ... 110 QUEM ÉS TU? .............. ............................ ............................ ............... . 111 O POUCO QUE PEÇO DE TI ................ .............................. ................. ... 114 EXERCÍCIOS RESPIRATÓRIOS .............................. .............................. 117 EXERCÍCIOS MENTAIS .............. ............................ ...................... ........ 120 REGRAS IMPORTANTES SOBRE A MEDITAÇÃO ................ ................ 121 NOVOS EXERCÍCIOS MENTAIS ...................... .............................. ........ 128 OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS.............. ............................ ................. ... 130 OBSERVAÇÕES E REGRAS SOBRE A MEDITAÇÃO .............. .............. 134 A IMAGINAÇÃO ..................................... .......................................... ..... 138 OS VALORES ............... ............................. ............................ ............... . 153 RECOMENDAÇÕES IMPORTANTES .............. .......................... ............ 161 A LIBERDADE .............. ............................ ............................ ............... . 171 A INTEGRAÇÃO DO EU ................................. .................................... ... 172 A DIGNIDADE ........................... ......................................... ................. ... 178 DA AUTONOMIA À LIBERDADE ........................... .............................. ... 180 A LIBERDADE EM TI .............. ............................ ........................ .......... 184
O PORQUÊ DESTE LIVRO
Durante os meus anos de magistério, como professor particular, fui f ui muitas vezes procurado por pessoas aflitas, angustiadas, que buscavam um lenitivo para as suas almas magoadas, doridas de tantas preocupações, desencantos e amarguras. E como também os meus dias estiveram cheios de decepções, de angústias sem fim, compreendi a todos, e a cada um, e em meu coração ressoavam aquelas queixas e apelos. Também minha vida foi procelosa; também passei por lanços dolorosos no caminho, pontilhados de ingratidões, de amarguras demoradas, de incompreensões inexplicáveis, inexplicáveis, de inimigos inim igos gratuitos que atuavam nas sombras, e de raros adversários que me enfrentaram de fronte erguida. E não poucos foram os momentos em que, debruçando-me sobre as minhas experiências, abismei-me em desânimos e até desesperos. E por todos os meios, ante o espetáculo do mundo, sem deixar-me arrastar pelo pessimismo fácil, procurei aquela fonte, a única que nos pode dar a linfa que minora a nossa sede e refrigera as nossas mágoas: um otimismo concreto e bem fundado. É comum, entre literatos da nossa época, tripudiar sobre as dores humanas, remexer feridas em vez de cauterizá-las. Há quem busque angústias quando não as têm, numa morbidez afanosa de sofrimentos, mais falsos que verdadeiros, para depois criar, com gritos de dor, obras nem sempre autênticas. Há quem diga até que o otimismo é uma atitude de filosofia barata. Mas há algo mais barato que o pessimismo? Olhem para o mundo. Quantos os que se queixam, quantos os que se angustiam, açulados pela imaginação doentia; quantos proclamam angústias (as famosas angústias físicas e metafísicas de tantos intelectuais!). Quantos procuram mágoas para explorá-las? Há coisa mais barata por este mundo? O otimismo é mais difícil das atitudes, e a filosofia, que nele se funda, não é mais fácil. É mais simples lembrar os momentos de sofrimento que os de alegria. E deixando de lado os envenenadores da vida, os caluniadores de que falava Nietzsche, os eternos amarguradores de todos os instantes, deficiente daquele “granus salis", chorões de todos os modos e matizes, falsificadores de máscaras mentirosas, abismados em sombras porque temem a luz como pássaros noturnos e duvidosos, sempre julguei que um sorriso valia mais que um esgar de amargura e que um raio de sol é mais belo que a sombra que obscurece. E foi procurando viver em mim a água lustral da alegria, que pude suportar o espetáculo das velhas carpideiras milenárias. E buscando essa água lustral, não a quis só para mim. E abençoei aqueles escritores otimistas, ridicularizados pelos caluniadores da vida,
4
aqueles que sempre oferecem esperança num gesto de genuíno apoio aos transviados, que procuram caminhos luminosos dentro e fora de si. E quando de mim se acercavam os que pediam um pouco de tranquilidade de espírito, não neguei. E o gesto, que de mim esperavam, procurei realizar. E nessas tentativas humanas, ao procurar minorar mágoas mais profundas, ao procurar suavizar doridos, ao procurar reintegrar outros que se frangiam em dúvidas e desesperos, nasceu este curso, que só bem espargiu, que só humanidade disseminou, que só esperanças construiu. Não poderia citar aqui tantos homens e mulheres, de todas as classes e profissões, para os quais tive palavras de ânimo, e com eles sofri a mágoa que era deles, e minha também, porque sou humano. Um dia, um daqueles a quem dera muito de minha boa vontade e de minha melhor atenção, para ajudá-lo a reintegrar-se em si mesmo, pediu-me, num gesto tão belo que me comoveu, numa voz tão humana que me tocou a alma, que reduzisse a páginas de um livro aquelas nossas longas e demoradas conversações, para que pudessem elas levar a tantos que sofrem um novo caminho, que na verdade é um velho caminho apenas esquecido, a fim de pôlos outra vez na estrada real, em que há tanto daquela alegria que decorou com beatitude nossos dias de infância. inf ância. A tarefa não era fácil. Havia eu criado métodos de reintegração para casos pessoais. Como o que fora conveniente para indivíduos, poderia tornarse útil aos muitos que pedem um pouco de luz e de alegria? Era preciso meditar, procurar por entre as lições aquelas ministráveis a qualquer um, e que lhes desse um amparo geral benéfico. Teria de fugir ao tecnicismo da psicologia, e falar uma linguagem muito simples e verdadeira. Ademais, precisaria passar por todas as unilateralidades de escolas e de posições, de que a psicologia está cheia, para oferecer um método que não implicasse senão benefícios. E buscando e estudando, através de meditações e ensaios, saíram estas páginas que hoje dou à publicidade. Anima-as apenas um desejo e uma convicção. Desejo de não aumentar a tristeza do mundo, rebuscando sombras para cobrir as poucas luzes que brilham nos corações, como é tão do sabor dos que desejam tornar de outros as angústias duvidosas que são suas. Convicção de que elas auxiliem os que sofrem a encontrar uma solução aos males psíquicos, que se reencontrem, afinal, com um sorriso autêntico nos lábios e muito amor nos corações.
MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS
5
UM APÓLOGO PARA MEDITARDES Certa vez, um jovem, ansioso de conhecimentos, procurou um sábio que vivia isolado dos homens. — Senhor, — disse o jovem — vim à vossa procura, porque só vós sereis capaz de resolver o problema que me aflige. O sábio olhou o jovem com simpatia, e disse-lhe: — Fala que eu te ouvirei. — Senhor, por mais que procure Deus, eu não o encontro. Estive nos templos que os homens construíram, atravessei países, conheci diversas crenças, interroguei o céu, as estrelas, as nuvens, essas mensageiras meigas e suaves, o vento que embala as folhas das árvores, e não o encontrei. Creio que só vós sois capaz de responder à minha pergunta... — Meu filho, não crês que Deus seja o Bem? — Naturalmente, Senhor. — Admitirias que fosse ele mau? — Como admitir tal coisa? — Não é ele o Bem supremo de tudo? — Assim o creio; mas onde está? O Sábio fez um gesto para detê-lo, e continuou: — Vês aquela planta que se desenvolve sob aquele carvalho? Não estende ela as suas raízes no chão em busca da água e do alimento? E não é a água e o alimento da terra o seu bem? — É, senhor. — E quando ela estira os ramos em busca do sol, do ar, não procura ela o seu bem? — Procura, senhor. E aquele pássaro que canta naquele carvalho... Olha, ele desce. Vem até o chão. Vês como bica, aqui e ali... Que busca ele? O seu mal? — Não, senhor, o seu bem. — E não busca tudo o seu bem? bem? — Busca, senhor. — E tu, quando me vieste procurar, procuravas procuravas o Mal? — Não, senhor, eu procurava o Bem. — E saber onde está Deus, seria para ti um mal, ou um bem? — Um bem, senhor. — Então, ao achares Deus, acharias um bem, que é o teu bem, não é verdade? Pois não é Deus um bem? E ao acha-lo, não conhecerias um bem,
6
por tua vez? — É verdade, senhor. — E achas que o teu bem seria um mal para Deus? — Não, senhor, pois ele, que ordenou o mundo, deu-me o anseio do bem. O sábio sorriu satisfeito, e disse-lhe pausada e paternalmente: — Pois, meu filho, respondeste admiravelmente. Deus, que é o Bem, ordenou o universo. E é da lei do universo que todas as coisas busquem o seu bem. Mas o homem é livre, e pode procurar o próprio mal. Tu não queres o teu mal.... — Nunca, senhor. — ...queres o teu bem. E ao querê-lo, cumpres a lei de Deus, e ao buscalo, buscas Deus, porque Deus é o bem. Fez uma pausa e prosseguiu: — Meu Filho, olha para dentro de ti. Realiza o teu Bem. Ele não necessita do mal de teu semelhante. Ama o teu Bem. Ele não necessita do mal de teu semelhante. Ama o teu bem, respeita-o, como deves respeitar e amar o teu semelhante. E à proporção que realizes em ti, e à tua volta, o Bem, Deus há de aparecer cada vez mais nítido para ti, pois Deus é o bem, o supremo bem que todas as coisas anseiam. — Pai, — respondeu o jovem com um terno sorriso — agora compreendo. O meu ímpeto de procurar Deus era um sinal de que deveria procurar o meu bem e, ao realiza-lo, Deus se revelaria totalmente para mim. Obrigado, senhor, sei agora o que devo fazer. Não precisarei mais buscar longe de mim o que mora em mim. Não irei a terras distantes para encontrar o que já trago em meu coração. Agora sei, agora sei que Deus estará sempre comigo toda vez que eu lutar pela realização do meu bem... Obrigado, senhor! Depois de ouvires este apólogo, medita alguns minutos, e eles te serão proveitosos. O apólogo nos ensina que só conhecem o verdadeiro amor aqueles que tem confiança e uma grande esperança no Bem. Tudo o que desejamos encontrar nele, nós nele encontramos realmente, e muito mais. Pois tem ele acaso um limite? Não é ele uma eterna fonte de água cristalina e fresca? Não dá o Bem o Bem? Não é ele o eterno criador de si mesmo? Nunca amaremos demais o bem. Quanto mais o amarmos, mais dele nos aproximamos. Nunca deixou de acompanhar aqueles que nele tiveram grande confiança; também nunca nos abandonou. Até quando nos transviamos, quando seguimos o caminho do Mal, nós procuramos no Mal, um bem. Nossos olhos estão sempre voltados para o maior de todos os valores, para o supremo de todos os supremos. Poderias tu, mesmo que o quisesses, lutar contra ele? Não seria proclamares de início a tua derrota? Então já sabes qual o caminho da vitória. Luta por ele. Não temas os empecilhos, os entraves, as dificuldades. Ele jamais te abandonará. Confia
7
nele, e terás dentro de ti aquela fortaleza ante a qual se aniquilarão todas as forças contrárias. Crê em ti, e crer em ti é crer em teu bem. Podes agora admitir que alguém te desvie do teu caminho?
8
O MÉTODO DESTA OBRA Leitor amigo, seguiremos juntos. Serei teu companheiro solícito nesta jornada. Quero seguir ao teu lado, indicando este velho caminho que muitos esqueceram. Não posso deixar de contar com a tua boa vontade e um desejo, por pequeno que seja, de te libertares dos desvios que te afastam da meta desejada. Sofres, estás nervoso, amarguram-te preocupações, angustiam —te terrores que não sabes de onde vem. Teus dias são amargos e os frutos de tua vida têm sido ácidos. Desejas que tudo seja diferente, que teus olhos brilhem com outra luz? Tens-me ao teu lado. Vamos juntos procurar o que nos parece perdido. — Mas que poderia eu fazer? Se te indicar o caminho, a estrada que leva à meta desejada, terás que ir pelos teus passos. É longa a jornada, mas vale a pena o esforço. Não te vou pedir nada que não possas fazer, nem te vou oferecer palavras. Vou oferecerte ação. Tu irás fazer, pouco a pouco, o que te vou pedir. Mas, antes de tudo, quero fazer-te uma pergunta da qual não deves te espantar: — Conheces a ti mesmo? A resposta a esta velha, milenar pergunta, é o primeiro passo. E se a julgares ociosa, no primeiro momento, não demorarás muito para considera-la tão significativa para ti. Mas como responde-la? Esta pergunta, que parece-me ver já nitidamente nos teus olhos, tem uma resposta: podes conhecer-te, se comigo quiseres trilhar o caminho que te vou indicar. Conhecer é libertar-se. Não há excesso nessa afirmativa tão simples e tão categórica. Já o sabiam os grandes sábios de todos os tempos. Conhecer é saber suas possibilidades, e o que somos, já latente em nós. Portanto, o caminho que te vou oferecer é o seguinte: Iniciaremos juntos o estudo da caracterologia, para que ela te permita conhecer o que és e o que os outros são. Ao mesmo tempo que leias estas páginas, e nelas te procures, deves cuidar e seguir o que te proponho nos "Primeiros Exercícios". Lá encontrarás as razões que os justificam. E cada dia, sem que o desfalecimento te domine, conduzirás os teus passos por onde te indico. Levarás contigo uma confiança que crescerá cada vez mais. Pelo-te, por enquanto, apenas uma pequenina coisa: tu desejas reintegrar-te, libertar-te de tuas angústias. Tens certeza de que tens este desejo? Pelo menos, ele aflora em ti algumas vezes. Peço-te que creias no teu desejo. Ele é a voz do teu bem que luta por ti. Já não estás só. Alguém dentro de ti, o teu mais verdadeiro eu, acompanha-te. Já somos três.
9
E confiante apenas nessa amizade de dois amigos, que não te abandonarão mais, lê estas páginas, medita sobre elas. Se algumas vezes o cansaço te dominar, não faz mal. Deixe-as de lado. Mas, retorna depois. E ao mesmo tempo começa esses pequenos exercícios, tão fáceis, que te indico. Lerás, deste modo, este livro; do princípio ao meio, e do meio ao fim, conjuntamente. A parte da Caracterologia deve ser lida, capítulo por capítulo, mas acompanhada pela leitura, de capítulo por capítulo, da Parte Especial. E, como tenho a certeza de que tudo será para ti cada vez melhor, só te peço um favor. Quando te sentires melhor, e a alegria já estiver brilhando em teu rosto, escreve-me algumas linhas, e conta-me quanto o bem já está contigo. Tuas palavras serão para mim uma boa paga, e elas alimentarão a minha fé na alegria, e me darão forças para que eu também possa ajudar, cada vez mais, a outros que, como tu, esperam que alguém lhes indique o caminho do bem. Prometes?
10
PARTE GERAL — CARACTEROLOGIA
11
CARACTEROLOGIA O estudo da caracterologia é imensamente útil, pois pensam muitos que o conhecimento de uma de nossas fraquezas é o bastante para dela nos libertarmos, como o conhecimento de uma virtude é suficiente para termos mais confiança em nós mesmos. Entretanto, não basta apenas o conhecimento. Só a técnicas ligada ao conhecimento nos levaria à libertação. Na neurose (doença nervosa) por exemplo, o doente tem consciência de si; já na psicose (doença psíquica), tal não se dá, há perda parcial de ou total da consciência do eu. O tratamento do neurótico pode ser grandemente auxiliado pela caracterologia, enquanto o psicótico, por apresentar, além do desequilíbrio psíquico, outros de ordem física, necessita mais da ação clínica, e não pode curar-se por meios apenas hábeis ao neurótico. São tais aspectos que nos mostram quão útil é o estudo da psicologia, pois somos seres munidos de um psiquismo, pelo qual devemos velar, para que não sofra perturbações que ponham em risco a nossa integridade. E poucos meios são tão proveitosos, dentro do campo da psicologia, como o é a disciplina, que é ciência e prática, da Caracterologia. A Caracterologia, (vem de Charakter, em grego, marca, sinal característico, e logos, ciência, o saber) é a ciência que tem por objeto o estudo do carácter. Os seres humanos se diferenciam uns dos outros, mas também apresentam semelhanças, e a fim de estuda-los melhor, foram classificados em diversos tipos , que revelam em comum certo número de aspectos. A ciência que estuda os tipos humanos chama-se Tipologia, e tem ela um importante papel nos estudos caracterológicos. A caracterologia não se interessa apenas pelos caracteres. Ouve —se muitas vezes falar em um "homem de carácter" e um "homem sem caráter". Que se pretende dizer com tais expressões? Que um homem atua segundo normas invioláveis, princípios mais ou menos rígidos, e de tal forma, que podemos saber como procederá em tal caso ou em tal outro. Não admitirá nada que ofenda a tais princípios. E nisso revela o seu caráter. Enquanto outro se deixa levar pelas circunstâncias, procede hoje deste modo, amanhã daquele. Nunca se pode saber ao certo qual a sua atitude. Diz-se que esse homem não tem caráter. Um exame também superficial das crianças nos mostra, desde logo, que umas revelam, cedo, possuir um caráter, enquanto outras apenas esboçam alguns traços. E todos encontramos pais que pretendem imprimir no filho um caráter digno, dar-lhe aquela marca de distinção, que o não confunda com qualquer outro. Ouve-se ainda falar em pessoas de bom caráter, mas de temperamento intolerável. E aqui temos uma distinção entre temperamento e caráter, pois o temperamento refere-se mais ao corpo, e o caráter mais ao espírito. O temperamento herda-se, e o caráter adquire-se. O temperamento é físico, e o caráter é espiritual, porque se refere ao espírito humano.
12
Desta forma, torna-se claro o papel da caracterologia, pois ela estuda o temperamento e o caráter. Por isso, ela nos ensina a penetrar no nosso íntimo, e saber porque procedemos assim ou de outra maneira, bem como poderemos agir para vencer uma fraqueza ou adquirir uma força que nos falta. Duas posições são tomadas em face do temperamento e do caráter. Uns afirmam que o caráter é apenas o temperamento; outros que o temperamento e o caráter são aspectos distintos do psiquismo humano. Não se pode definir o que é temperamento , mas sabe-se que ele se refere ao somático (do grego soma , que quer dizer corpo ), portanto, ao nosso corpo, à parte material de nossa vida, ao físico. O caráter está ligado, não propriamente à parte física, mas ao que se chama alma , à parte psíquica, e toma comumente o nome de personalidade. Mas o caráter é o que caracteriza, marca a personalidade de alguém. Para os materialistas, a parte material explica a espiritual; para os espiritualistas, a parte espiritual explica a material; para os espiritualistas, o espírito serve-se do corpo para expressar-se, embora não deixem de considerar a influência que o somático exerce sobre o psíquico. Desta forma, o que o corpo revela são apenas sinais que indicam, que apontam uma manifestação anímica. A caracterologia não toma nenhuma das duas posições. Como a posição materialista ou a espiritualista pertencem ao campo da filosofia, e como a caracterologia pretende apenas ser uma ciência prática, funda-se em alguns postulados que lhe tem sido muito úteis. São os seguintes: 1) Reconhece a caracterologia a reciprocidade (isto é, a interatuação, portanto atuação mútua) do psíquico e do físico. Assim como o psíquico pode adoecer de males de origem física, também o físico pode sofrer de males de origem psíquica. Assim como uma grave enfermidade pode abalar o espírito, uma imaginação descontrolada pode afetar o físico. 2) A reciprocidade é contemporânea, isto é, dá-se simultaneamente. Não há fato físico, somático, que não interesse ao psíquico; nem psíquico que não interesse ao físico. Desta forma, tudo quanto sucede na vida humana, sucede no homem. Podemos não ter consciência, mas não deixa de nele colaborar o nosso psiquismo. 3) Eis porque a caracterologia se interessa cuidadosamente pelo estudo do físico como do psíquico, e aceita o princípio eugênico "mens sana in corpore sano" como um ideal de terapêutica caracterológica. 4) Reconhece a caracterologia que podemos partir, tanto do psíquico como do físico para alcançar este ideal. Assim, como vemos pessoas de temperamento doentio e de um caráter forte, outras de temperamento são, mas de caráter débil, reconhece a caracterologia que, apesar da interatuação dos dois aspectos, que podemos chamar de Corpo e Alma, ou Temperamento e Caráter, pode haver, nessa reciprocidade, maior acentuação de um ou de outro. 5) Desta maneira, reconhece, a caracterologia que o papel da educação é importantíssimo na terapêutica caracterológica, e deseja cooperar para que os seus ensinamentos sejam úteis ao progresso humano, individual e coletivo. Há homens valentes por caráter, mas que tem medo físico, e este é
13
natural; mas há pessoas valentes fisicamente, por temperamento, que afrontam o perigo com naturalidade. O verdadeiro valente é o que o é pelo caráter sem querermos desmerecer o que o é pelo temperamento. Muitas vezes o temperamento e o caráter entram em choque. Temos ímpetos de fazer o que não devemos fazer, o que o nosso caráter nos proíbe. E, nessas lutas, podem surgir choques dos mais violentos. Como dominar o temperamento pelo caráter? Como construir um bom caráter quando o temperamento é frágil? Perguntas como tais interessam à Caracterologia. E vamos ver como serão respondidas. Podemos dividir as principais funções de nosso espírito em: sensibilidade afetividade
intelectualidade
A sensibilidade é da parte somática, o corpo, e é nela que se funda o temperamento, que é hereditário. Herdamos o temperamento da raça ou raças a que pertencemos, de nossos pais e avós. A intelectualidade é a parte do nosso espírito que realiza a função do conhecimento ordenado do mundo objetivo. Nossa sensibilidade é munida de sentidos (visão, tato, audição, olfato e sabor) que nos põem em contato com o mundo exterior. Por meio deles, intuímos sensivelmente o acontecer. (Intuir, vem do latim, de intus, dentro, e ire, ir, penetrar nas coisas). É por meio dos sentidos que intuímos sensivelmente as coisas. Mas, quando procedemos a essa intuição sensível, percebemos que os fatos nos mostram aspectos semelhantes e aspectos diferentes , simultaneamente. Pois, na verdade, este livro, bem como esta folha de papel são semelhantes; o primeiro àquele livro e o segundo a esta e outra folha de papel. Mas, ao mesmo tempo que observamos tais semelhanças, também observamos diferenças. A intelectualidade é a função que capta semelhanças e diferenças. Chame-se intuição intelectual a intuição quando capta semelhanças e diferenças. (Intelecto vem de inter e lec. Inter significa entre, e lec é um radical que significa tomar, captar. Daí temos: ler, que vem de legere , eleger, de e-lec , tirar para fora, separar; assim colecionar , selecionar ). É por meio da intelectualidade que o ser humano põe ordem ao caos de acontecimentos de fatos, que formam o existir. Pelas semelhanças construímos os conceitos. Assim, o conceito árvore encerra as semelhanças que tais seres tem entre si, o que neles se repete. Mas os fatos que sucedem nos causam simpatia ou antipatia, isto é, nos atraem ou nos repugnam. Sentimos afeição por este ou aquele ser. A afetividade é a parte do nosso espírito que funciona com os afetos, com os sentimentos simpatéticos ou antipatéticos . Na sensibilidade , temos os instintos, os hábitos sensíveis, o temperamento que herdamos.
14
É com a intelectualidade e a afetividade, que tem suas raízes na sensibilidade, que construímos a nossa personalidade, cuja marca saliente é o nosso caráter. O espírito humano está impresso em suas obras e em sua cultura. A cultura humana reflete o caráter e o temperamento dos povos. No que a cultura egípcia realizou, com seus grandes templos, sua vida, sua escultura, sua administração e sua história, sentimos o temperamento e o caráter egípcios. Da mesma forma, hindus e gregos nos revelam o seu temperamento e seu caráter. Observamos uma árvore, um animal, um ser do mundo exterior. Vemos nessa árvore um tronco forte, rugoso, amplos galhos, cobertos de espessas folhas. Ali vemos, naquele animal, uma expressão feroz, cujas garras nos mostram agressividade. Cada fato vivo do mundo exterior deixa-nos ver, através do que exterioriza, muito do que lhe é próprio. Todos os fatos do existir são sinais do que lhes é interior. Sinais porque apontam, indicam, dão —nos alguma informação sobre a interioridade dos seres. Tudo tem uma expressão (ex, fora, portanto, pressão para fora). Tudo indica o que é. Saber ler através de desses sinais é penetrar no que há de mais profundo das coisas. Pois a caracterologia nos ensina a penetrar no profundo da alma humana, através das expressões, dos sinais expressos no corpo humano. Caracterologia e Fisiognomônica
Os estudos caracterológicos já eram conhecidos da antiguidade. Os povos da Índia, do Egito e da Mesopotâmia a estudavam. Entre os gregos, Aristóteles dedicou-se ao seu estudo, e são dele estas palavras: "O que é durável na forma expressa o que é durável na natureza do ser; o que é móvel e fugaz expressa o que nesta natureza é contingente e variável". Durante a Idade Média, os estudos caracterológicos foram descuidados. Foi com Lavater, Porta, Carus, Letamendi e Goethe que esses estudos se desenvolveram. Com Duchenne, Darwin, Klages, Lange, Sigaud, Corman, Toulemonde, etc., a caracterologia penetrou num terreno genuinamente científico. As observações feitas sobre a fisionomia humana, e o reexame sob bases científicas dos estudos da fisiognomônica , palavra formada de fisionomia e nomos , disciplina que estuda as leis da fisionomia, permitem à caracterologia penetrar em campos mais amplos. É preciso, no entanto, estabelecer que ela conhece limites. Não é uma reveladora do que vai acontecer. Não nos ensinará a saber se tal fato benéfico ou maléfico nos sucederá. A caracterologia ensina-nos a conhecer o nosso temperamento e o nosso caráter, bem como os dos nossos semelhantes. Ensinará quais as tendências que temos ou tem eles. Como poderão proceder nesta ou naquela circunstância. É uma ciência descritiva e normativa: descritiva por descrever, explanar o que nós somos, através de métodos que ela torna hábeis; e normativa , porque nos oferece regras práticas para que vençamos os
15
nossos defeitos, e possamos salientar as nossas virtudes.
* *
*
Hipócrates, pai da medicina ocidental, dividiu os temperamentos em quatro, segundo os humores, classificação que se tornou clássica. Essa classificação perdurou até o século XIX, quando foi posta à margem, por insuficiente. No entanto, caracterólogos modernos reconhecem que tem ela muito mais valor do que julgavam os homens daquele século, razão pela qual volta a ser usada, pois oferece uma útil base de classificação e de compreensão dos tipos humanos. A classificação dos tipos, segundo os humores, de Hipócrates, é a seguinte: 1) O linfático — predominante a linfa; 2) O sanguíneo — predominante o sangue (glóbulos vermelhos); 3) O bilioso — predominante a bílis; 4) O nervoso — predominante o humor nervoso (também chamado de melancólico ). Para Hipócrates, cada uma dessas funções seria caracterizada pela predominância pela predominância de um desses humores, ora mais abundantes ora menos, e conforme o seu fluxo se caracteriza o tipo humano. Como em todos nós há os quatro humores, esta classificação seria apenas ideal, pois os seres humanos poderiam ter várias combinações e graus, sendo por exemplo: predominantemente bilioso, a seguir nervoso, sanguíneo, depois linfático. As combinações e graus seriam as mais diversas. Assim, o nosso temperamento, dependeria das nossas secreções. Modernamente, Périot, depois de ter sido abandonada a classificação de Hipócrates, deu-lhe novo valor. Verificou que há quatro funções essenciais, que são: a) A nutrição; b) A função sexual-sanguínea; c) A receptividade; d) A reactividade. A nutrição realiza-se pela alimentação. A receptividade é a capacidade de ser impressionado, e a reatividade a de atuar por estímulos exteriores (reações). A predominância de qualquer uma dessas funções sobre as outras marca o tipo de temperamento. É impossível um equilíbrio perfeito entre todas, pois a
16
intensidade delas é diferente uma da outra. As funções de nutrição e a função sexual-sanguínea referem-se mais ao somático (ao corpo). Os dois últimos (receptividade e reatividade) são mais complexos. Marcaria o temperamento a predominância de uma dessas funções. Examinemos os tipos: O tipo linfático é aquele no qual predomina a nutritividade (de nutrição). O sangue, sabemos, é composto de dois tipos de glóbulos: os brancos e os vermelhos. A linfa é um humor amarelado, e, as vezes, incolor, que contém em suspensão glóbulos brancos, e que circula nos vasos linfáticos. São linfáticos aqueles nos quais há certa predominância dos glóbulos brancos. Para o linfático, as funções digestivas são as mais importantes. Morfologicamente (segundo a forma exterior; em grego, morphê): manifesta-se o linfático pela espessura dos lábios e pela distensão do ventre. Quando a linfa é muito abundante, tende para a adiposidade. São eles de talhe elevado, mas de musculatura fraca. Embora não pareçam, são fracos. Gostam de descansar; são pouco ativos. Aparecem muitas vezes, nas pessoas linfáticas, manchas brancas pelo corpo. Elas tem os membros moles e a pele úmida e fria, bem como as mãos e os pés também frios. Psicologicamente, são fracos. Há países, como o Brasil, em que o seu número é muito grande. Trabalham pouco e desejam a tranquilidade física. Gostam das conversações prolongadas pela noite a dentro. O tipo linfático é mais comum entre as mulheres que entre os homens, considerando-se aquelas como normalmente linfáticas. Em geral, tem pouca capacidade de observação. Não gostam dos perigos, e quando alcançam a idade de 40 anos tomam ares de velhos, e dão conselhos aos jovens. São, como estudiosos, aplicados e precisos. Gostam de economizar forças e não querem gastá-las em exercícios. Não tem a vida física nem a moral muito fortes. Evitam, assim, os sofrimentos, mas também se privam de alegria e de entusiasmo. Para terem facilidade de palavra precisam tomar alguma coisa, como álcool, etc. Em ambientes fechados falam mais. Tem aversão a toda ação viva e imediata. Também não gostam de mudar de hábitos. Não tem forças para superar os obstáculos e não se espantam muito facilmente. Há dois tipos de linfáticos: 1) O linfático apático; 2) O linfático amorfo. Os primeiros caracterizam-se pela apatia, pela incapacidade maior ou menor, mas já de um elevado grau, de sentirem afetos (pathos , em grego, afecto, a-pático, sem afeição).
17
Amorfos (de morphê, forma; portanto sem forma) são os linfáticos que não apresentam nitidez nas formas psíquicas e se deixam facilmente modelar, por passividade, pelos outros, sem capacidade, no entanto, de conservar a forma adquirida. São aqueles que, por não terem forma, nunca sabemos o que são. Há, no entanto, um tipo de linfático bem positivo que é o linfático fleumático, que já revela atividade. São perseverantes, tenazes, de um otimismo frio. Temos um exemplo desse tipo nos ingleses, que são preponderantemente linfáticos, mas fleumáticos (a fleugma dos ingleses). São metódicos, egoístas. São bastante pontuais e formais. Gostam das ciências físicas e não são muito tendentes às mutações. Tendem para as sistematizações abstratas (reunir ideias em conjuntos fechados), por isso se tornam sectários (secta , de seccare , cortar, separar por corte, daí seita). São de grande força passiva, tem bastante sangue frio, tenacidade muitas vezes extraordinária. Conselhos importantes . Queremos salientar, neste ponto, que estas explicações são ainda analíticas e abstratas. Não há o tipo do linfático puro, nem do bilioso puro, etc. Precisamos, de início, estudar separadamente os temperamentos para depois, aprender a coordenar os traços para a construção de um retrato seguro.
18
O TEMPERAMENTO SANGUÍNEO Tem o sanguíneo o temperamento dominado pela associação das funções sexual e sanguínea, o que influi poderosamente sobre a respiração e a circulação. As narinas são dilatadas, o peito é largo e de grande capacidade respiratória. Pode respirar cerca de 5 a 7 litros de ar por minuto, que em ritmo acelerado chega a muitíssimo mais. A circulação do sangue é fácil e o coração é bem forte. As artérias são de calibre superior ao normal. A hemoglobina do sangue conserva o oxigênio, por isso o enrubescimento constante lhes é peculiar. É uma vantagem na juventude ser sanguíneo, mas uma desvantagem na velhice. O abuso do alimento ameaça-o de apoplexia precoce. Os sanguíneos são eufóricos, por isso malgastam suas forças, e estão sujeitos a uma decrepitude prematura. Já os nervosos, que em breve estudaremos, por serem mais precavidos, conhecem a longevidade. Como os sanguíneos, tem sempre apetite e uma digestão fácil, tem tendência a entregar-se a abusos. Psicologicamente, os sanguíneos são otimistas, muito extrovertidos (vertidos para fora); vivem o momento que passa. Não guardam recordações amargas, por isso perdoam facilmente. Gostam de acordar cedo e de deitar cedo em geral. Deixam-se arrebatar pelo entusiasmo, e como são de grande vivacidade mental tem bastante confiança em si mesmos e no futuro. Por isso, realizam e vencem. São muito dados aos prazeres, gozadores até. Mas, graças à força de que dispõem são altruístas, sorridentes, felizes da vida. São aqueles para os quais o povo diz que "tudo está azul". São desejosos de aventuras, conversadores, gesticuladores, eloquentes, falam muito bem. São atrativos, irresistíveis até. Por serem excessivamente confiantes em si mesmos, chegam a cair no ridículo. Tem facilidade de prometer e às vezes prometem o que não podem cumprir. São sociáveis, gostam de prestar serviços, tem tantos amigos quantas pessoas conhecem. São bem sinceros em suas amizades. Aparecem para muitos como egoístas, mas tal depende da educação recebida dos pais, pois são levados facilmente à abnegação e ao sacrifício. São dominados pelos instintos , por isso são muitas vezes arrastados pelos impulsos. Classificam-se em: a) Positivos , quando combinam o sanguíneo com o bilioso e demonstram energia muscular e muita força de vontade; b) Negativos -quando o sanguíneo se combina com o nervoso. Como este é mais sujeito ao linfatismo, tende a ser mais receptivo, mas com perigo de apatia.
19
O temperamento normal no homem é: Bilioso-nervoso-sanguíneo-linfático A mulher é em geral: Nervosa-linfática-sanguínea-biliosa. Essas ordens, são, no entanto, muito raras de encontrar-se.
20
O TEMPERAMENTO BILIOSO Excetuando certas violências que são próprias do temperamento bilioso, é este muito útil ao homem. O bilioso revela uma cor baça, amarelada, oliva. Os olhos são profundos, negros, penetrantes, expressivos, nariz agudo e enérgico, narinas abertas, lábios comumente finos. Os cabelos são duros. É seco de corpo, músculos bem desenhados, pele quente, veias aparentes, pulsos alongados. É o tipo atlético. Em geral gosta muito de açúcar, de alimentos feculentos, aveia, pão, batatas, etc., pois precisa muito de glicogênio para o sangue. Gosta de legumes frescos, ricos em vitaminas. Não abusa muito da carne. Psicologicamente, caracteriza-se pela reatividade, pelo furor de agir e de dominar. É ativo, empreendedor, ambicioso. Há importantes exemplos históricos desse tipo, como Miguel Ângelo, Napoleão, Richelieu, etc., os quais eram biliosos. Em geral, não gostam de perder tempo. Estão sujeitos a cóleras súbitas; são vingativos, desconfiados. Quando dotados de inteligência superior, tornam-se dominadores. São pouco diplomatas, ambiciosos, mas, para alcançar altos postos, chegam à humildade e até à adulação dos que os possam servir.
21
O TEMPERAMENTO NERVOSO Os nervosos são em geral enfraquecidos e sujeitos à perversidade por debilidade. Podem ser divididos em: 1) Astênicos — débeis, incuráveis, anêmicos ou pré-tuberculosos, cuja astenia tende a progredir. A fisionomia é expressiva e móvel, o pescoço é delicado e longo. O rosto toma a forma V, o que indica primazia das funções cerebrais. (No futuro estudá-los-emos entre os "retraídos de base"). São mais emotivos que ativos. A cor é pálida, os olhos ocultados nas órbitas, porte pequeno, nariz estreito, lábios finos, queixo pontudo, pescoço longo de pássaro, membros esqueléticos. 2) Estênicos — em geral intoxicados, embora dotados de vigor, facilmente se fatigam. Têm o sono leve, agitado de sonhos, e sofrem de insônia. Toda atividade os abate. São muito agitados, com tiques nervosos. Resistem, no entanto, às epidemias, às intoxicações microbianas. São disfóricos (eufórico , sempre revela alegria, disfórico , predominantemente abatido, triste, melancólico). Tendem à misantropia (aversão ao homem, ao seu semelhante). São aptos ao trabalho reflexivo. Psicologicamente, são insociáveis, taciturnos (tacere, calar), pensam muito. Quando atletas, estão sujeitos a momentos decepcionantes, e inesperadamente malogram. São muito receptíveis, mas reagem, volvendo-se para dentro de si mesmos. Estão sujeitos a emoções violentas; muito apreensivos, o que leva os outros a julgá-los covardes (o sanguíneo julgaria a apreensão do nervoso covardia). Toda espera os prostra. Se vão ao dentista, e tem de esperar, sofrem terrivelmente. Mas, no perigo, são seguros, reflexivos, bravos, estóicos, cheios de sangue-frio, aptos à defesa. Sofrem muito com a imaginação. São, em geral, doentes imaginários. Sofrem mais com o que imaginam do que com a realidade. Dão em geral jornalistas, romancistas, escritores, artistas, etc. Alternam períodos de logorréia (falar muito, de logos palavra e rhé, fluir) e de mutismo obstinado. São escravos da lógica e dominados pelas ideias. A nossa vida nos dá exemplos dos temperamentos: Somos marcantemente linfáticos na infância; sanguíneos-sexuais na juventude; na maturidade, biliosos, e nervosos na velhice, bem como bem o mostra o dr. Périot. Esta classificação revela dois grupos: 1) O grupo de sangue-puro; a) Com falta de hemoglobina, temos o linfático; b) Rico em hemoglobina, e consequentemente em oxigênio, temos o sanguíneo. 2) O grupo de sangue intoxicado: os biliosos e os nervosos.
22
São estes os predominantes entre os homens. O bilioso pode juntar-se facilmente ao sanguíneo. Já o sanguíneo junto ao linfático é um contra-senso. * *
*
Vejamos uma classificação que se tornou famosa: a de Krestschemer, notável psiquiatra, ao qual tanto deve a caracterologia moderna. Dois são os tipos classificados: 1) Os ciclotímicos. São estes bem alimentados, redondos, de corpo espesso, membros curtos, musculosos, nariz pouco acusado, sem ponta, narinas dilatadas, cabelos finos e ameaçados de calvície precoce. Os gestos são ondulados, envolventes como carícias, toda agilidade se manifesta em curvas . São chamados pícnicos (espessos), quando ventrudos. São comilões, beberrões, muito sociáveis, dados, expansivos, benevolentes, joviais, agradáveis. São abertos, calorosos, um pouco sem-modos. Oscilam entre a alegria e a tristeza (ciclos de alegria e tristeza). Ora, estão exaltados, ora oprimidos. Moralmente , são extremados. São práticos, realizadores, enérgicos, empreendedores, e sabem conduzir os homens; sabem mandar. Nota-se, desde logo, grande semelhança entre eles e os sanguíneos. 2) Os esquizotímicos são o inverso dos primeiros. Magros, alongados, angulosos. Os primeiros atuam em curvas; os esquizotímicos em ângulos. A cabeça deles é oval, a testa larga, os maxilares reduzidos, com manifesta predominância das funções cerebrais. As faces são cavadas, as maçãs salientes, os olhos retraídos nas órbitas. O cérebro é projetado para a frente. São rudes. Simulam frieza, domínio de si. Assemelham-se aos nervosos. São subdivididos em três grupos: a) Os astênicos ou leptósomos : fracos, de peito estreito, perfil anguloso, nariz amplo. Cansam-se facilmente e são inaptos ao exercícios do corpo. Preferem os exercícios do espírito. Tornam-se intelectuais; b) os atléticos (estênicos) são musculosos, sólidos, mas sujeitos a fadigas físicas. Assemelham-se muito aos biliosos; c) os displásticos (ou mal-vindos) os que sofrem de insuficiência glandular essencial ou por excesso de funcionamento. Moralmente, os esquizotímicos, que são tão angulosos, são de pouca comunicabilidade, irritáveis, muito emotivos, mas tem o lado positivo da profundidade, da delicadeza, embora muito suscetíveis. São lúgubres e melancólicos. Fecham-se em si mesmos, pouco adaptáveis e antipatizam com os meios sociais.
23
À primeira vista parecem brutais, insensíveis. Mas, na verdade, são hiperemotivos, profundos, de caráter difícil de penetrar-se. São muito análogos aos nervosos. Napoleão, por exemplo, quando jovem, era esquizotímico, mas quando vitorioso tornou-se ciclotímico. A classificação de Kretschmer é de grande valor, sem dúvida. Mas como deu demasiada importância ao anormal, mais que ao normal, é de valor complementar nas classificações caracterológicas. Não deixaremos, porém, de aproveitar as suas contribuições, que são deveras importantes.
24
A TEORIA DE FREUD A filosofia de Freud é uma teoria monótona. Não há, para ele, propriamente, seres normais. Um homem normal seria uma estranha criatura num mundo freudiano, tempestuoso mundo de forças obscuras, penumbrosas. Uma censura indormida e cruel vela no solar da consciência, repelindo impulsos associais, rechaçando-os para os antros mais escuros do inconsciente. Mas, lá, eles pervivem, revoltados, fomentando complots , elaborando complexos mórbidos, que surgem ao solar da consciência e burlam a vigilância extremada da censura, travestindo-se de símbolos para sabotarem, depois, a unidade do ego , dando nascimento às neuroses ou explodindo, ébrios de vitória, nas grandes arrancadas destrutivas das psicoses. Fixemos a sua influência na caracterologia. O desenvolvimento da libido (em Freud, sexual) tem sua influência na formação posterior do caráter. São três as fases da libido, 1) a oral; 2) a anal; 3) a genital. Na primeira, toda frustração à satisfação dos desejos provoca a agressividade geral. Na segunda, retenção das fezes e seu caráter hedônico, prazeroso, fixam a obstinação, na teimosia e, também, a ordem. O relaxamento leva ao caráter generoso, pródigo e desordenado. Na terceira, manifestam-se os primeiros sinais de masturbação, com o perigo do complexo de castração, em certos casos provocado pelas ameaças inconsideradas de pais, e outros, que propõem o castigo da castração. A fixação deste estado leva à necessidade de ser amado! Entre os complexos, temos o de Édipo (amor genital à mãe) e o de Electra (ao pai). Além desses, o de inveja e de ódio aos irmãos mais moços (complexo de Caim). Há perigo de homossexualidade, devido à falta de solução do complexo de Édipo, e o de Diana (nas jovens), com manifestações viris e aversão ao casamento. Notam-se, desde logo, os excessos de interpretação freudiana, pela acentuação exclusiva dos impulsos destrutivos, e negação total dos construtivos e benévolos. * *
*
Carl Gustav Jung, famoso médico suíço, foi discípulo de Freud, de quem também se afastou. No estudo dos caracteres humanos, apresentou uma classificação, considerada como das melhores, e que tem grande valor para os nossos estudos. Ante a vida, os homens tomam duas atitudes:
25
1) A atitude de introversão (os introvertidos) própria dos temerosos do conflito com o mundo exterior, e que se vertem para dentro (intra ); 2) A atitude de extroversão (os extrovertidos ) dos que, temerosos do conflito interior, vertem-se para fora (extra ). A inestética teoria freudiana reduz o homem ao animal; a de Adler, com sua vontade de potência, também tem um pouco de fel. Já Jung, no entanto, reconhece no homem, além dos impulsos malevolentes, tão acentuados na época atual, impulsos benevolentes, altruístas, que tem sua origem nas camadas inconscientes do ser humano, onde uma das mais profundas é a do inconsciente coletivo , herdado pelo indivíduo, de seus antepassados. Como as principais funções psicológicas são a sensação, a intuição 3 a afetividade e a intelectualidade, os introvertidos como os extrovertidos podem revelar uma acentuação dessas funções. Assim, há introvertidos dos sentidos, como há intuitivos, intelectuais e afetivos. Um introvertidos sensualizado guarda para si suas sensações, goza em si mesmo, oculto. Um extrovertido gostaria da presença de outros. Um introvertido, que tivesse prazer na mesa, recolher-se-ia na solidão, enquanto um extrovertido sentir-se-ia bem em companhia de outros. Um extrovertido intelectual, com a presença de outros, discutiria temas, com mais ardor. Aqueles que gostam de estudar junto com outros revelam uma extroversão intelectual. Um extrovertido afetivo manifesta logo suas paixões; enquanto um introvertido afetivo guardaria seus sentimentos. Não é difícil compreender que, por essa classificação de Jung, poderíamos construir inúmeros grupos, pois um introvertido intelectual poderia ser um extrovertido sensual, etc. Mas em linhas gerais, quanto às atitudes, os extrovertidos e introvertidos apresentam os aspectos que passaremos a descrever. Convém ainda ponderar que Jung considera os introvertidos e os extrovertidos como positivos ou negativos. Os introvertidos positivos são os que, embora se vertam para dentro, são criadores, como certos artistas, intelectuais, etc. Negativos, quando sua introversão é destruidora, negadora. Os extrovertidos positivos são criadores, ativos, enquanto os extrovertidos negativos perdem-se numa atividade exteriorizada ineficiente. Esta classificação, no futuro, será aproveitada para a análise dos tipos caracterológicos, pois tanto esta como a de Kretschmer e a de Hipócrates se completam, e permitem uma visão clara do tipo caracterológico, como ainda teremos oportunidade de mostrar.
26
Extrovertido
Introvertido
Sociável e amigo. Confiante em si, nas suas possibilidades, na sua sorte. Sensibilidade a reacção viva, mas superficial. Vive no presente, adapta-se ao momento. Dispõe do futuro e desconta-o.
Pouco sociável. Pouco confiante em si e nas suas aptidões ao sucesso. Sensibilidade lenta, mas profunda e prolongada. Vive no passado.
Excitado, e aumenta a excitação ante os outros. Instável a todo instante. Mitômano, contador de mentiras, mitos, palrador. Servil, acolhedor.
Aniquilado pelo público.
Apreende o futuro, prepara-se para os golpes do destino. Deixa para amanhã o que o aborrece. Aborrece-se do que virá amanhã. Optimista e inquieto. Aborrecido e pessimista. Pronto a prometer, inapto a executar. Avaro de promessas, mas fiel à sua palavra. Pródigo e dilapidador; gasta o capital Parcimonioso, economiza o capital guardado por outro. social. Pede emprestado, paga suas dívidas Inimigo de pedir emprestado, e das muito tarde, ou nunca. dívidas. Contente de si mesmo, cheio de Inquieto, concentrado. confiança. Exuberante, alegre, jovial. Sério, triste mas com acessos explosivos de alegria. Imprevidente, reflecte pouco. Reflecte bastante, previdente e calculador. Audacioso e empreendedor. Tímido e prudente.
Estável. Brutalmente sincero.
Pouco servidor, severo nas suas apreciações. Formas de orgulho derivadas do Formas de orgulho derivadas do complexo de superioridade (fatuidade, complexo de inferioridade (orgulho vaidade, segurança). Orgulhoso, defensivo). expansivo.
27
Cede aos seus instintos. Age antes de reflectir. Impulsivo e activo.
Resiste aos seus instintos porque se defende dos desejos. Reflecte antes da acção, e muitas vêzes se abstém dela. Hesitante, impulsivo sòmente na exasperação da paixão. Muito depois após muitas solicitações, nas quais refletiu bastante, é que age.
A POSIÇÃO DE ADLER Para Adler, discípulo, a princípio, de Freud, de quem depois se afastou, a humanidade compõe-se de fortes e fracos. Todos somos fracos em algum instante ao menos. Sentimos nossa inferioridade e dela sofremos. Somos obrigados a recalcar nossos impulsos, e submetemo-nos ao mais forte, mas nossa humilhação nos leva a afirmações viris compensadoras. "Eu quero ser um homem completo...é muitas vezes o caminho da neurose", diz Adler. Mas reconhece que o complexo de inferioridade só se fixa se houver uma inferioridade concomitante ao aparelho genital. O protesto viril é um brado, um gesto de agressividade e de libertação; o filho quer ser como o pai. Tem pressa em ser homem; daí seu desapego pelas mulheres na época da puberdade, e também sua recusa em obedecê-las. "Quando eu for grande como papai..." quem não ouviu ainda tais frases? A mulher jovenzinha sofre também desta fascinação (observem as manifestações do feminismo, bem como o desejo de ser homem, desejos de emancipação feminina, a busca dos esportes, o desprezo pelo pudor). Manifesta-se o complexo de inferioridade, segundo Adler, quando tais impulsos encontram o obstáculo de um defeito físico.
28
PARTE PRÁTICA
29
PARTE PRÁTICA Compendiaremos daqui por diante as lições de Charles Sigaud, desenvolvidas pelo caracterologista dr. Louis Corman, para que, com as contribuições de outras fontes, possamos oferecer um apanhado mais completo do estudo que ora empreendemos. São ainda valiosas as velhas regras oferecidas, as quais aproveitadas por Louis Corman, permitem-nos estabelecer uma ordem analítica, fundamental para a compreensão dos tipos que ele classificou. A fisionomia humana apresenta três planos:
Tendo à frente um rosto humano, (uma fotografia, por exemplo) trace-se uma linha que corte horizontalmente acima do lábio superior. Outra, logo acima dos olhos, pela pálpebra superior. Teremos então dois outros planos: um que contém os olhos e o nariz, e o outro que inclui a parte frontal. Analisemos: 1° Plano -Pode ser dividido em três regiões principais: boca, queixo e maxilar. É o plano da instintividade, o que se refere à nossa vida sensível e vegetativa. É o plano dos instintos, da sensualidade, no sentido puro da palavra. 2° Plano -Pode ser dividido em três regiões: nariz, olhos e face. É o plano da afetividade, dos nossos sentimentos. 3° Plano -Pode ser dividido em três regiões: a superciliar, onde estão as
30
sobrancelhas, incluindo as têmporas; a região central, que corta ao meio a testa, e, finalmente, a região cerebral, parte superior. É o plano da intelectualidade, da inteligência humana. A clássica fisiognomonia, cujas lições mais importantes são aproveitadas para os novos estudos da caracterologia, oferecia uma classificação dos tipos fisionômicos, opondo-os, segundo as características contraditórias. Essa classificação era fundada na classificação dos planetas, que simbolizam os tipos gerais do temperamento do caráter humano. Opunham-se assim: Marte x Vênus; Terra x Mercúrio; Júpiter x Saturno; Sol x Lua.
ANÁLISE DOS TIPOS TIPO MARTE
É um tipo instintivo-afetivo (com predominância dos dois planos inferiores). É essencialmente caracterizado pelo grande desenvolvimento de seu instinto combativo. Ama a ação, a aventura, a luta. Grande energia física, excede-se nos esportes. É sempre apaixonado, violento, impulsivo, colérico. Obedece ao seu primeiro sentimento, e tem pouca reflexão. É homem de movimento, empreendedor, cheio de iniciativa, sempre voltado para o futuro e impaciente por realizar o que há no espírito.
31
TIPO VÊNUS
É instintivo-afetivo (predominância dos planos inferiores). Tem o instinto da família e da maternidade. Mulher na forma feliz, melhor adaptada à sua missão fisiológica. Ama a vida calma, os prazeres aprazíveis da casa. Amável para com todos, conciliante, cheia de compaixão para com os que sofrem. Não conquista pela força, como Marte, mas pela doçura, pela ternura. Não é feita para mandar, mas, pela docilidade, sutileza e sentido da realidade prática, realiza muito em todos os domínios. É sensível aos objetos que a rodeiam, às belezas visíveis e palpáveis. Sua atividade é incessante, mas calma, de ritmo lento. Não é intelectual, mas o juízo é seguro e tem uma intuição justa das coisas.
TIPO TERRA
Tipo instintivo (predominância do plano inferior). Sente-se bem no terreno da matéria, dos objetos. Dotado de poder físico, sem o dinamismo do marciano; ritmo lento, atividade paciente, infatigável, realiza obras sólidas e duráveis. Não é sensível
32
à beleza de um objeto, mas vê sempre o lado útil. Tem a sensibilidade obtusa, hábitos grosseiros. Ligado aos bens deste mundo, à família, às tradições, às suas propriedades. Tem apenas uma ideia, mas uma ideia concreta, útil, de cada vez, da qual pode tirar matéria para realizações práticas.
TIPO MERCÚRIO
Tipo intelectual (predominância do plano superior). Sente —se à vontade entre as coisas do espírito. Sensibilidade viva, ritmo rápido. Tem mais sutileza e habilidade do que poder. Mãos hábeis, delicadas, não ousam destruir a matéria, mas são excelentes para manejar instrumentos. Não se prendem profundamente aos outros. Caráter frívolo e mutável. Inteligência viva, brilhante, curiosa de tudo e de assimilação fácil. Não se atém demoradamente em nada, dispersa-se facilmente, malgasta o esforço, e não empreende nenhuma busca em profundidade, de forma que não realiza nunca uma obra durável.
TIPO JÚPITER
33
Tipo instintivo-afetivo-intelectual (equivalência dos três planos). Adaptado à vida social prática, ligado aos bens materiais, mas sob forma menos primitiva, que o tipo Terra. Ama a opulência, a riqueza, as honras, as funções sociais e oficiais, tudo o que provoca a estima alheia. Expansivo, volve-se para a vida exterior; é de humor benevolente, otimista. Tem muitos amigos, gosta de companhias, é de inteligência positiva, prática, clara, ordenada, adaptada aos negócios. É um comerciante nato, bom político. Sabe dirigir com habilidade.
TIPO SATURNO
Tipo instintivo-afetivo-intelectual (equivalência dos três planos). Homem, cujos instintos sofreram um recalque, é interiorizado. Enquanto os outros valem por sua vida exterior, ele vale por sua vida interior. A sensibilidade é rica, inquieta e atormentada. Tem poder de reflexão, originalidade, tendência às especulações abstratas. Não se adapta à vida prática. É de lenta decisão, afasta-se dos homens, solitário de uma independência ferozmente defendida.
TIPO SOL (APOLÍNEO)
34
Tipo intelectual (predominância do plano cerebral). Dotado, como Mercúrio, de uma sensibilidade delicada e de brilhantes dons de assimilação, mais rico que este último, mais apto para aprofundar o pensamento. Imaginação estética, de grande poder de síntese, que o torna um criador no domínio literário ou musical.
TIPO LUA
Tipo dotado de muita imaginação (predominância do plano cerebral). Mas, enquanto a imaginação do tipo Sol é ativa e criadora, a do tipo Lua é passiva. Vive um sonho sem fim, suas visões são brumosas. Comumente indolente, tímido; diante dos obstáculos, deixa-se levar pelas circunstâncias. É incapaz de persistência em qualquer direção. Sua tendência imaginativa confere-lhe, contudo, certos dons na poesia ou na pintura. Necessita do apoio de um tipo mais ativo para realizar seus dons latentes.
OPOSIÇÕES ENTRE OS TIPOS Marte-Vênus (repete-se sob certos aspectos em Sol-Lua ). É ligado a uma
importante diferença na textura das fibras vivas. Todo organismo, cujas fibras são moles, estendidas, deixa-se facilmente marcar pelos seres e coisas que o cercam; é plástico, maleável, dócil às ordens que recebe. Vênus é doçura, ternura, graça, intuição, dons de assimilação. As formas arredondadas; o rosto é oval ou em círculo; as linhas curvas dominam. É o tipo feminino por excelência.
35
Quando um organismo é, ao contrário, composto de fibras duras, tensas, é ele que marca os seres e as coisas; é ativo, dominador. Firmeza, vigor, vontade, inteligência lógica, são o apanágio de Marte. Tem formas angulosas; rosto quadrado ou retangular; as linhas retas dominam. É um tipo masculino. Terra-Mercúrio: Antagonismo entre o pesado e o leve. As formas finas e
delicadas correspondem a uma sensibilidade viva e a um ritmo, rápido, enquanto as formas pesadas e grosseiras são ligadas a uma sensibilidade obtusa e a um ritmo lento. Decorrem dessa lei os seguintes corolários: 1) Que a estabilidade das impressões está na razão inversa da sua vivacidade. 2) Que essa mesma vivacidade, função de uma sensibilidade aguda, é a fonte habitual de todas as curiosidades do espírito. Mercúrio, de pés ágeis, tem formas gráceis e elegantes. Rosto triangular, queixo afinado, traços finos e delicados. Vivacidade das impressões, mobilidade, frivolidade, dispersão da atividade, diletantismo, curiosidade pelas coisas do espírito em muitos domínios, gostos intelectuais. Terra tem pés pesados, formas corporais maciças. Rosto solidamente encravado, com largo maxilar; traços grosseiros. Pouca sensibilidade, lentidão, estabilidade de sentimentos, adaptação às funções monótonas, gostos manuais, poucas ideias, mas solidamente ancoradas no espírito, reflexão e juízo em maior dose do que imaginação. A oposição Júpiter-Saturno (oposição descoberta por L. Corman) permitiu a formação da morfo-psicologia: A oposição Júpiter —Saturno é a oposição entre o Dilatado e o Retraído.
DILAÇÃO E RETRACÇÃO Dilatação e retração expressam o movimento da vida: instinto de expansão e instinto de conservação. -Há gestos de expansão e de retração. O tipo dilatado é em geral utilitário, ligado ao mundo, despreza os sistemas, os ideais. Não se afasta dos fatos. É falho de imaginação e de espírito inventivo. Analisemos o tipo retraído: o rosto é longo. São indivíduos que necessitam de meios especiais para seu desabrochamento. Não cedem às influências do meio. São independentes, autodidatas e dominam seus impulsos. Querem dominar a si mesmos. São difíceis de escolher, mas ligamse fundamente ao que escolhem. Tem poucos amigos, mas são bem ligados aos amigos que tem. Não são tão ativos como os dilatados, mas são mais precisos. A inteligência é eletiva. Gostam das especulações intelectuais mais profundas. São inquietos, tímidos, cheios de manias, de dificuldades de adaptação. Vivem mais no passado ou no futuro. São pouco práticos. Não dão bons comerciantes. Constroem castelos no ar. Em geral, misantropos, amam,
36
no fundo, a humanidade. Para que se tenha uma visão clara do dilatado, podemos imaginar um balãozinho de borracha, no qual tivéssemos pintado uma fisionomia humana, com sobrancelhas, olhos, nariz, boca, etc. Teríamos o tipo dilatado perfeito. Seria aquele cujo rosto fosse uma bola, completamente dilatada em todas as direções. Mas, ao examinarmos um rosto humano, logo vemos que não há tal dilatado perfeito, pois há sempre retraimentos. Dessa maneira, pode caracterizar-se como: a) Dilatado -aquele em que predominam as expansões; b) Retraído -aquele em que predominam os retraimentos. Há ainda os tipos complementares. São aqueles que nos revelam um equilíbrio entre a expansão e o retraimento. Há maior número de complementares do que retraídos e dilatados. No entanto, em nosso país, o número de retraídos é muito grande, devido ao estado de sub-alimentação em que vive a maioria dos habitantes deste país riquíssimo em possibilidades. Para a caracterologia não há separabilidade entre Corpo e Alma, como se vê nas concepções de Aristóteles e de Tomás de Aquino. A frequente calúnia aos nossos instintos, como se fossem eles manifestações do mal, é errônea. Nossos instintos são vitais e necessários ao nosso equilíbrio e à nossa defesa. Por outro lado, não é o corpo nosso inimigo, mas um amigo, ao qual devemos a máxima atenção. Vivemos esta vida e nada adiantaria, nem à pureza do próprio espírito, se nosso corpo fosse por sua vez desprezado por nós. Nem tampouco caberia aqui atendêssemos apenas às injunções do corpo sob pena, também, de afastarmo-nos da saúde do espírito. Só um equilíbrio saudável entre ambos nos pode ser proveitoso. O organismo é inseparável do meio. O ser humano alimenta-se com os bens que o meio exterior oferece. E temos de tomar aqui o termo alimento em seu sentido amplo. São alimentos o ar, o sol e até a presença estimulante dos nossos semelhantes. O dilatado é um ser que se adapta bem ao meio ambiente. Por isso, desabrocha-se plenamente. Já o retraído revela um movimento de recuo, de defesa. A criança, quando nasce, é geralmente dilatada. Com o decorrer da vida ela se retrairá. Pode dizer-se até que todo retraimento é sinal de um movimento de defesa do organismo em face do mundo exterior. Expandimo-nos onde encontramos ambiente favorável; retraímo-nos onde encontramos oposição exagerada ou uma oposição muito forte.
37
OS DILATADOS1
O dilatado oferece um rosto com ausência de saliências ósseas, um rosto amplo. Tem ele facilidade de trocas com o ambiente. Vejamos as características gerais dos dilatados: 1) Facilidade de aceitação das circunstâncias e boa acomodação; alegres, otimistas. Tomam tudo pelo lado bom. 2) Espontâneos em sua ação. O gesto é fácil e bem adaptado. Tendência para o automatismo. São impulsivos. 3) Expansivos, exteriorizados. "Pensar é deixar de falar e agir" dizia Bain, um dilatado. Os dilatados tem dificuldade de pensar. Refletem pouco. Comparam as novas situações a uma situação antiga e análoga. Sua atividade mental não vai além das necessidades quotidianas. São concertos e práticos (no sentido vulgar dos termos). Não gostam de sistemas nem de ideias intelectuais. Análise: O dilatado, quando criança, tem um desenvolvimento fácil. Come muito, dorme bem, é expansivo e sorridente. Cresce facilmente; o caráter é manso e dócil. É amável para com todos, aceita facilmente as carícias dos estranhos; é afetuoso. Na idade escolar : Bom aluno, disciplinado, dócil. Estudioso por disciplina, sem muita curiosidade. Aprende tudo facilmente, sobretudo o que pode servirlhe. Retém facilmente se lhe mostram. Tem a palavra fácil. 1 Os
desenhos reproduzidos são de A. Protopazzi, considerados por Corman como os mais genuínos.
38
Na adolescência: Avança além dos outros. Manifesta maturidade física, corpulência, despertar precoce do instinto sexual, natural, sem perversões. Casa cedo. Atinge logo a maturidade intelectual, que não é ultrapassada. Como é aí, aí ficará. Sabe bem cedo o que quer. Leva a bom fim o que empreende, porque só empreende o que sabe que pode fazer. Na sociedade: É povo, multidão. Gosta da sociedade. Vale quanto vale o seu grupo social. Venera o passado, mas vive o presente. Na política é oportunista e conservador. Na ordem moral: Observa as regras do maior número, por isso pode ser honesto ou desonesto, segundo o ambiente. Não é muito delicado na escolha dos meios de enriquecer. Será virtuoso num mundo onde se pratique a virtude. Dificilmente será um assaltante...à mão armada. Na ordem religiosa: Será fiel à fé ensinada; não conhece dúvidas. Na amizade: Necessidade de presença humana. Familiariza-se facilmente. Todos são "seus amigos". É generoso, humano, coração aberto, compassivo. Gosta da alegria. Julga que são infelizes apenas os que querem ser. Na família : Casa cedo. Não separa a sensualidade da vida afetiva. Ciumento, não perdoa qualquer falta da mulher. Em geral tem muitos filhos. Quando surge um filho retraído, há grandes aborrecimentos, pois pai e filho não se entendem. Na vida pessoal: Só acredita no que pode sentir. É um intuitivo sensível. Reflete pouco, tem boa memória, mas fraca imaginação sem originalidade; é incapaz de criar. Prático na vida quotidiana, incapaz de perceber o defeito de uma ideia. Nele não há nada, na inteligência, que não tenha estado primeiro nos sentidos. Aqui a máxima filosófica dos realistas se aplica bem. Lembremo-nos de Leibniz que a modificou, aceitando algo antes da experiência. Leibnitz era um retraído. Vida profissional : Podemos encontra-lo em todas as profissões. Boa adaptação. Gosta das profissões dos pais. Todo trabalho automatista lhe é fácil, pois aprende vendo. Tem capacidade para os serviços pesados. Excelente comerciante, bom vendedor, pracista, bom gerente. Como médico: muito prático, graças à sua fidelidade aos fatos. Prefere a observação direta à teoria, e sabe reconfortar os doentes. Bom advogado, porque fala bem. É um "conteur" pitoresco. Na ciência, um colecionador de fatos. Escravo dos fatos. Em filosofia, em geral, pragmático e sensualista. Em sociologia, afirma que somos o reflexo do mundo, e que a vida material dos povos é que determina a sua forma de vida.
CLASSIFICAÇÃO DOS DILATADOS Podemos classificar os dilatados em dois tipos: a) Dilatados astênicos -os astênicos não são totalmente privados de atividade, mas são preponderantemente pouco ativos, cansados, lentos, moles (em geral linfáticos).
39
b) Dilatados estênicos -Não são, por sua vez, totalmente ativos, mas preponderantemente ativos (em geral, sanguíneos). Os momentos de passividade são frequentes nos primeiros. Os momentos de passividade são mais raros nos segundos. Morfologicamente, segundo as lições de Sigaud e Corman, podemos distinguir os astênicos dos estênicos. Análise do Dilatado Dilatado Astênico
Dilatado Estênico
Corpo volumoso, pesadamente carregado de graxa, carnes flácidas. Movimentos lentos e raros, "nonchalance".
Corpo volumoso, gordo, mas também musculoso, um tanto nervoso. Movimentos prontos e frequentes ação rápida. Gosta de movimento, fala muito e com voz forte. Idem.
Cabeça arredondada, pescoço curto. Rosto arredondado, cara de lua cheia, com duplo queixo. Carnes moles, abatendo-se quando o sujeito emagrece. Relevos musculares pouco acusados. Pele graxenta de poros largos, de contato frio (pálido). Aparelho piloso pouco desenvolvido; barba rara, sobrancelhas espessas, calvície frequente. Queixo mole, destacando-se mal da papada que o envolve, muitas vezes retraída, recuada. Testa vasta, hemisférica sem nenhuma diferenciação.
Vestíbulos átonos, boca larga, constantemente entreaberta, lábios pálidos e moles, comissura descendente.
Rosto arredondado com covas. Carnes firmes. Relevos musculares bem acusados. Pele graxenta, de poros largos, mas de contato quente (rosado). Aparelho piloso bem desenvolvido; barba forte, sobrancelhas largas; calvície, também frequente. Queixo firme, bem destacado. Testa vasta, arredondada, levemente inclinada para trás, apresentando zona discreta de diferenciação, covas laterais. Vestíbulos tônicos, boca larga, entreabre-se em sorriso, lábios vermelhos, comissura elevada.
40
Nariz pequeno, côncavo, muito carnudo, asas espessas e sem mobilidade.
Nariz pequeno, côncavo, medianamente carnudo, asas finas e vibráteis.
Olhos claros (verdes ou azuis lavados) globulosos, à flor do rosto, muitas vezes míopes. A expressão é vaga, não fixam nenhum objeto próximo e são perdidos na lonjura. Pálpebras superiores se abaixam como uma cortina.
Olhos bastante claros (azul fraco ou castanho claro) salientes. Expressão franca e risonha; olhos pousados sobre o objeto próximo. A fenda palpebral é oblíqua para o alto e para fora; e a sobrancelha segue em seu movimento.
CARÁTER GERAL DOS DILATADOS ASTÊNICOS O caráter dos astênicos revela passividade quanto à adaptação ao meio. O ambiente atua sobre eles e marca-lhes o caráter. Querem gozar as coisas sem fazer esforço. São linfáticos na classificação de Hipócrates. Gostam de comer muito, bebem bastante. São pouco afetivos. Gostam de receber e não muito de dar. Precisam que os outros os estimulem, os animem, porque, por si mesmos, são em geral vencidos. Se não são de uma afetividade quente, são ao menos ternos. São benevolentes, mas como são passivos, são pouco ativos em sua bondade. A vontade é fraca. Não gostam de fazer esforço e por isso não mantém domínio de si mesmos. Tem todas as características do temperamento linfático. São preguiçosos até para pensar. A imaginação é viva, cheia de visões, mas tem pouca capacidade de refletir. Não são muito comuns os tipos de dilatados astênicos.
CARÁTER GERAL DOS DILATADOS ESTÊNICOS São caracteristicamente ativos em sua adaptação ao meio ambiente. São totalmente vertidos para o mundo exterior (extrovertidos). São de grande atividade e de uma sensibilidade viva. Não são originais, mas onde estejam são sempre ativos. São de uma afetividade ativa, expansiva. Cheios de ardor. E a imaginação os impulsiona sempre à ação. Entusiasmam-se facilmente. O humor é jovial (são sanguíneos, na classificação de Hipócrates). São alegres, mas levados facilmente à cólera. Não se lhes pode pedir que guardem um segredo, porque este deixará logo de ser segredo. Podem prometer, mas logo esquecerão. Ao inverso dos astênicos, são cheios de vontade e sobretudo vontade de
41
ação. Não são capazes de reflexão muito prolongada. A inteligência é intuitiva, pronta. Não tem imaginação inventiva. Tem bastante iniciativa, são práticos, pragmáticos. Dão em geral bons comerciantes, industriais, vendedores, etc. Entre os dilatados e os estênicos, temos os dilatados médios. Os caracteres são equilibrados. Entre os dilatados, os tipos médios são os predominantes, sendo raros os tipos extremos de astênicos e estênicos.
42
OS RETRAÍDOS Os retraídos, cujos aspectos gerais já conhecemos, são formados por aqueles que tiveram períodos difíceis na vida. Revelam, desde logo, uma adaptação penosa. São obrigados a manter o máximo cuidado na alimentação, a escolher os alimentos. Estão sujeitos a perturbações digestivas. Revelam momentos de fadiga, de insônia frequente. São geralmente doentes, mas em grau menor, de doenças muito graves. Necessitam muito de defesa. Caracterizam-se por apresentar uma individualidade mais pronunciada que os dilatados.
ASPECTOS GERAIS Morfologicamente: rosto longo, ou curto em casos extremos,
43
preponderância das forças de conservação sobre as de expansão. Estreitamento do rosto, de estrutura ossosa, de cútis pálida ou oliva. Os vestíbulos sensoriais são pouco abertos no meio; lábios finos; narinas semifechadas, olhos encovados em órbitas profundas, parecendo pequenos. Achatamento lateral do rosto; boca estreita, nariz e forma de lâmina; olhos muito próximos um do outro. Tem defeitos e virtudes como os dilatados (tipos favoráveis e desfavoráveis) — Dotados de viva sensibilidade — Eletivos por essência, por isso percebem numerosas diferenças. São autodidatas, querem dominar a si mesmos. Dois rostos, um expansivo e sorridente para os familiares, e outro sério, distante, secreto para os desconhecidos. Gostam das especulações intelectuais, mas sujeitos ao abstracionismo, ao sistematismo. Pouco otimistas, sérios sempre, severos, até tristes. Em geral pessimistas. Veem tudo pelo pior. Malevolentes muitas vezes, falta-lhes espontaneidade nas ações. Não se deixam conduzir pelas emoções do momento. Detêm-se entre a ação e a reação; freiam os instintos. Refletem antes de agir. Deles é o pensamento "liberta-te da ação". Tem muitas manias, são inquietos, sujeitos a ressentimentos. Podemos distinguir os retraídos em: Retraídos Ricos
Retraídos Pobres
Atitude de combate ante o meio. Otimismo de ação; querem criar um mundo à sua medida.
Atitude passiva de defesa. Pessimismo: renunciam a toda luta.
Vivem sempre no futuro.
Vivem sempre no passado.
Revolucionários.
Desejo de mudar, sem força para realizar o desejo.
Independência de caráter e de opinião. Contudo são capazes de aceitar uma disciplina. Voluntários.
Independência, indisciplina.
Caráter muitas vezes refletido, sempre decidido. Orgulhosos Duros consigo mesmos e para com os outros. Vida interior: retirada de fortes.
Caráter indeciso; ruminação mental, perplexidade. Dissimulados Duros mais para os outros do que para si mesmos. Vida interior: refúgio de fracos.
Apegam-se pouco, mas fortemente.
Não sabem apegar-se.
Espíritos críticos.
Espíritos criticadores.
Espíritos metódicos.
Espíritos sistemáticos.
Cheios de veleidades.
44
Abstratos.
Abstratores de quintessência.
Das contradições entre os tipos dilatados e os retraídos, temos os exemplos de Don Quixote e Sancho Pança, e, no cinema, "O Gordo e o Magro". Os retraídos podem ser classificados em: 1) retraídos laterais; 2) retraídos de fronte; 3) retraídos de base; 4) retraídos bossuados. Esses tipos estudaremos a seguir.
CLASSIFICAÇÃO DOS RETRAÍDOS Três são os principais tipos de retraídos que vamos estudar: 1) Retraído lateral que se caracteriza pela ação; 2) Retraído de fronte , pelo pensamento reflexivo e agente; 3) Retraído de base , pelo pensamento especulativo.
O retraído lateral
45
É um homem de ação. O retraído lateral aparenta-se ao dilatado por certa largura no contorno, certa espessura de carnes e pela abertura dos vestíbulos sensoriais. Muito próximo ao dilatado estênico, sua mímica é expressiva e de grande vivacidade. A atividade física é sempre abundante, e o interesse pelos estudos é sempre subordinado. No adolescente, desenha-se a combatividade, o gosto pelos esportes e pelas aventuras, que caracterizarão muito bem a maturidade. O dilatado adquire a personalidade moral desde cedo, mas o retraído lateral só a adquire bem mais tarde. É preciso evitar a confusão com o retraído extremo. As crianças retraídas laterais necessitam de muito ar, muito espaço livre, muitas horas de folga, muita liberdade de ação. Instintivamente. São exteriorizados, mas ativos. Gostam da mudança, desprezam o repouso, e o instinto de nutrição é pouco desenvolvido. Às vezes tem grande apetite, e vão aos excessos. Habitualmente se satisfazem com refeições frugais. É forte neles a sensualidade. É pouco desenvolvido neles o instinto de propriedade. Falta —lhes o
46
senso comercial dos dilatados. São, no entanto, dinâmicos e audaciosos. Fisicamente: São bem desenvolvidos, vigorosos, fortes, diferentes dos retraídos de base. Não temem as intempéries. Tem excelente circulação e afluxo de sangue. Gostam dos animais, sobretudo dos cavalos. Gostariam de ser marinheiros, viajantes, e dão bons missionários, soldados, exploradores. Afetivamente: A sensibilidade é mais viva que a do dilatado, mas influída ainda no exterior. Manifestam amplamente a sua simpatia e a sai antipatia. São francos, mas leais, "o coração na mão". -Não gostam da vida solitária. Tem necessidade de presença humana, de camaradas com quem possam confiar seus pensamentos. Precisam confessar, e quando o fazem, sentem-se aliviados. São coléricos, gritam, mas se acalmam logo. Gostam de reunir —se aos amigos para excursões, caça, esporte. A alegria é barulhenta e comunicativa. São generosos, bravos, apaixonados, entusiastas. O quadro familiar é sempre estreito para eles. Tem tendências progressistas. Intelectualmente: São intuitivos. Os sentidos estão abertos aos fatos exteriores. São impulsivos, respondem sem meditar, incapazes de se concentrarem. Quando lhes é submetido um problema, ou compreendem desde logo ou não compreendem mais. Tendem para o concreto. Pouca é a sua vida interior. Suas ideias são empestadas aos que admiram. A inteligência serve à ação. São pessoas de movimento, e as ideias vem quando caminham. Profissionalmente: Não gostam de estar sentados. Adquirem facilmente profissões manuais. São bons chefes. No comércio são maus pracistas, mas bons viajantes, e quanto mais longe melhor. Necessitam da aventura para estimular-se. Dão bons atores. Mas abandonam o que começam.
OS RETRAÍDOS DE FRONTE: A ACÇÃO REFLETIDA
47
Os dilatados tem os vestíbulos abertos, mas nos retraídos de fronte eles se fecham. Os olhos afundam-se nas órbitas, os vestíbulos se abrigam, e a boca se fecha. Os retraídos de fronte tem duas atitudes diferentes ante o ambiente: em face de um meio favorável à expansão, comportam-se como dilatados, e abrem-se amplamente a todas as influências; num meio nocivo, retraem-se, fecham-se. Os vestíbulos nos revelam sua dupla maneira de agir. A boca é larga e bem carnuda (expansão), o tonos dos lábios revela uma oclusão perfeita (retraimento). O pensamento é uma atividade de luxo, para muitos. Não o é para o retraído de fronte, que não separa nunca o sinal do objeto, não rompe o seu contato com a natureza. O pensamento não se separa da ação. É uma ser de ação refletida, mas com certo equilíbrio.
48
Temos os seguintes tipos. 1) O prático, que se parece com o dilatado, devido ao seu praticismo. Na vida social, assemelha-se ao dilatado-extrovertido. Familiarmente, é bom chefe de família. Em geral tem muitos filhos, é bondoso. Na vida pessoal, fecha-se um pouco, introverte-se, defende-se contra certas impressões. É objetivo e de grande capacidade de síntese. Profissionalmente, é bom patrão, tem qualidades de sociabilidade. Torna-se industrial, e prospera nos negócios. Sabe organizar. É apto para carreiras liberais, prático, ligado à realidade concreta. Como sábio é inovador, excelente professor. Falta-lhe mais imaginação para realizar invenções novas, iniciativas ousadas. 2) O homem equilibrado: Na infância só consegue o equilíbrio num meio de eleição. É necessário um equilíbrio entre as forças internas (individualidade) e as do meio (adaptação). Tem a fronte em pé, regularmente sinuosa. O olhar é quente, luminoso, ardente e contido. O nariz é reto quase, asas delicadas, sem fragilidade. Boca pouco saliente, lábios fechados, bem desenhados. Temos um exemplo desse
49
tipo no desenho 3 do tipo Saturno, que se acha na página 34. Queixo reto e levemente saliente. É o ideal antigo. Guarda a justa medida. Senhor de si. Os impulsos afetivos são moderados pela razão. Tem senso prático e está ligado às Ideias gerais. É possuidor de vasta cultura, ou tem possibilidade de obtêla. Na vida social, nunca é povo. Só se expande em meios de seleção. Suas apreciações são moderadas. Sabe conciliar os opostos, e apaziguar discórdias. É pacífico e avesso à violência. Não mente. Sabe calar. Defende encarniçadamente a sua independência. Não tem a pretensão de que pode dispensar-se dos semelhantes. Toma posição pelas causas justas. Aceita a disciplina, quando não é imposta pela força. Bom chefe, sem despotismo; firme, sem rigidez. Com os amigos é familiar, íntimo. Introverte-se com os outros. Parece frio por isso. Na família , sabe controlar os instintos. Nada de frivolidades. Gosta dos dignos. Ama com profundidade. Aceita os direitos do coração, mas também os da razão. Medita para casar e cumpre a sua palavra. Não usa da violência. Não é avaro, mas sabe gastar com cuidado. Gosta do equilíbrio em tudo. Cuida da educação dos filhos, respeita-lhe a personalidade. Mas sabe, também, que uma liberdade sem freios gera escravos. Concilia a liberdade com a necessidade. Sua vida social é diferente da interior. É profissionalmente apto, capaz de assumir postos de envergadura. Tem iniciativas felizes. Na arte, alia a sensibilidade ao métier . Em ciência, sabe fazer sínteses e tende para a ciência experimental. Na filosofia, repele a rigidez sistemática. Sempre aberto às novas ideias. 3) O doutrinário : Fechado, saturnino, ciumento. Não aceita conselhos, quando jovem. Consegue boas notas em certos estudos e em outros não. Tipo do solitário na vida familiar. Falta-lhe coração. Não sofre a dor dos outros. Pode viver em isolamento. É glacial e mantém todos à distância. Fala pouco, por isso chamam-no de taciturno. Usa só monossílabos. A dissimulação é muito forte. Em geral, é ressentido. Domina as paixões e não é colérico. É premeditado quando se vinga. Tem tendências nihilistas. Quando puritano, é fanático. Temos um exemplo no desenho 2 do Tipo Saturno, à pág. 52. É suspeitoso e ciumento. Se se separar de um amigo, não o procurará mais. Quer transformar os amigos em adeptos. Na família, é pouco carinhoso. Costuma dizer que as afeições mais sólidas não são as que se traduzem por manifestações exteriores.
50
Quando casa, no início conhece um momento de abandono e de expansão, mas depois... é despótico. Tirano em casa, rigorista, econômico, avarento até. Os filhos temem a sua tirania. É severo e pune com excesso. Abre abismo entre si e os seus. Mata a individualidade e a personalidade nascente nos filhos. E é teimoso. No trabalho, um carrasco. O que decide, faz. Não aceita a palavra impossível. É refletivo. Só aqui é paciente. Pode levar os estudos em profundidade. Tem dificuldades para guardar nomes próprios e números. Homem de fórmulas. Bom para trabalhos solitários: como mecânico, ajustador, técnico. Não tem aptidão para profissões comerciais. Reflete antes de agir. Como magistrado é o homem da Dura lex, sed lex. No laboratório, pode estudar os segredos das doenças. Como prático, é muito medíocre.
OS RETRAÍDOS DE BASE
Como já vimos, é o pensamento especulativo o que caracteriza o retraído de base. Neste predomina o instinto de conservação, que é muito forte. A adaptação ao meio se torna mais difícil. É mais um espectador que um ator no mundo. Refugia-se na vida interior e seus pensamentos marcam uma certa independência. É um introvertido refletivo. Já na infância vemos os traços do retraído de base. Seu crescimento é difícil, seu sono irregular. São crianças sofredoras, pequenas, miudinhas. E ficarão miúdos através do tempo. É uma criança que pouco sorri. Sua expressão é séria, e dá a impressão de ter mais idade do que realmente tem. É uma criança que pergunta sempre por que?
51
Na fase escolar, é estudiosa. Gosta de estar cercada de livros. Está constantemente doente. Na puberdade, o período é bem difícil. Nem sempre pode levantar-se pela manhã. Precisa descansar durante o dia. Por isso, nesse período, o progresso escolar é bem medíocre. Atinge a maturidade bem cedo. Quando adulto, o talhe é pequeno, a ossatura é bem visível. Opõe-se ao dilatado em todos os traços. Enquanto este tem tudo em expansão, o retraído de base só tem a parte superior (o plano da intelectualidade). Magro, testa ampla, as maçãs pouco salientes, nariz em lâmina maxilar estreito e em geral em retraimento (rosto dos caipiras, em geral). Também estão em retraimento os vestíbulos sensoriais. Vive em ambientes artificialmente construídos. São misantropos (aversão aos outros); não gostam de frequentar reuniões; calados, desconfiados. Não gostam de ir a banquetes. Quando são olhados, fogem com o olhar. Não fitam os outros nos olhos. Quando convidados a uma festa, tem sempre uma razão para não ir e uma desculpa para justificar a falta. Se os pais são religiosos, tornam-se carolas. Se os pais tem maneiras corteses, tornam-se maneirosos, cheios de preciosismo. Não formam boas amizades, quase não tem amigos. Se deixados à parte, logo retornam para dentro de si. Não tem arrebatamentos passionais; acham que a paixão é loucura. Buscam no casamento um pouco de proteção. Não veem as coisas belas, porque procuram o Belo abstratamente. Amam sempre tudo quanto é abstrato. Tem muita tendência para certas funções intelectuais, como gramáticos, revisores, rebuscadores de fatos, guarda-livros, contadores, etc. Perdem-se nas palavras e nas ideias. São pouco ativos. Leem muito. Não gostam de aventuras, mas leem romances de aventuras. Tem medo do amor, mas leem romances e histórias de amor. Preferem os livros à natureza. Preferem herbários, animais empalhados, etc. Tem grande memória e aprendem com facilidade o que leem. Tornam-se facilmente eruditos. São comumente cérebros enciclopédicos. Se entre eles surgem muitos homens medíocres, também surgem muitos homens de valor. Tem, assim, seu lado positivo e seu lado negativo.
RETRAÍDOS ESTÊNICOS E ASTÊNICOS São estênicos os retraídos ativos, que os há em número bem grande.
52
Os astênicos, de pouca atividade, também são comuns, sobretudo entre nós, onde grande parte de nossa população do centro do país oferece um grande contingente de retraídos de base. Em parte, esse retraimento tem sua origem na sub-alimentação de 35 milhões de brasileiros, quase famintos, que estão à espera de um milagre nacional de recuperação. Astênicos
Estênicos
Corpo longo e estreito, músculos flácidos, articulações relaxadas, "nonchalance", gestos moles.
Corpo longo e estreito, músculos nervosos, articulações rígidas, atitude enérgica — gestos firmes.
Rosto longo, achatado lateralmente. Modelado, feito de curvas moles, desenhando um oval.
Rosto longo, achatado lateralmente — modelado, feito de linhas angulosas, desenhando um retângulo. Fronte elevada, em forma de retângulo acidentado e oco de bossas — têmporas encovadas, têmporas de contorno saliente.
Fronte elevada, em forma de ogiva, uniformemente arredondadas; têmporas achatadas. Nariz longo, de desenho mole, continuando com a fronte por uma curva regular.
Nariz longo, de desenho firme, separado da fronte por uma cavidade em sua raiz.
Maxilar alto; com a borda inferior desenhada em forma de curva, contínua, da orelha ao queixo, com o ângulo mandibular meio curvo. Queixo mole, em recuo muitas vezes.
Maxilar alto, ângulo bem delineado, marcado.
Queixo anguloso, reto ou saliente.
53
Vestíbulos estreitos e átonos. A boca é estreita, mas entreaberta; lábios moles e a comissura labial abaixa-se de cada lado. O nariz é estreito; suas asas são flácidas, sem vida. Os olhos são próximos, em órbitas, pálpebras caídas, olhar embaciado, expressão sonhadora. Sobrancelhas esparsas, desenham à distância do olho uma curva arredondada.
Vestíbulos estreitos e tônicos. A boca é estreita, bem fechada, e os lábios finos, fortemente pressionados um contra o outro — a comissura é reta. O nariz estreito, em lâmina, asas finas, animadas de muita vida. Olhos próximos — encovados, olhos cheios de acuidade. Sobrancelhas espessas, desenhadas, ao lado do olho uma reta.
Astênicos — Psicologicamente, são fracos, são retraídos fracos, infecundos. São instintivamente fracos também. Ignoram as paixões do amor, e tendem para perversões sexuais. Tem pouca combatividade; são acovardados. Emotivamente fracos, incapazes de lutar, temerosos de responsabilidade, invejosos dos sucessos alheios. Quando à mística que muitos lhe atribuem, deve considerar-se que a verdadeira mística é aquela que nos põe em contato com os poderes sobrenaturais e não as manifestações nervosas de um misticismo mórbido, cheio de dores. Os astênicos só podem conhecer desta última espécie já viciosa da mística. Intelectualmente, tem dificuldade de penetrar na realidade e refugiam-se no sonho. É pouca a atividade intelectual. A memória é sem precisão. Refletem mal e tem dificuldade de um raciocínio lógico. Não tem forte bom senso nem senso prático. Profissionalmente, só aptos para certos trabalhos manuais — enervam-se facilmente, cansam-se logo. Malogram onde há necessidade de qualquer espécie de iniciativa. A sensibilidade e a plasticidade conferem-lhe alguma disposição artística. Podem dar bons atores. Estênicos — Já os estudamos morfologicamente. São sérios, riem pouco, são calados, de coração seco, são autodidatas, ativos, dinâmicos, e realizam
54
muitas vezes seu meio de eleição. São fieis em suas afeições e são sóbrios. Não tem aptidões comerciais. A vida afetiva é solitária; julgam injustamente porque julgam por si, tem tendência para a crítica. São pouco adaptáveis à vida social. Tendem a sair cedo de casa e a viver solitários. Não mudam seus hábitos quando casam. São em geral dirigidos pelo meio, exagerados na moral, puritanos, sectários, intolerantes, tanto no bem como no mal. Refugiando-se em mundos artificiais, criados por eles mesmos, mundo de abstrações. São espíritos sistemáticos.
OS RETRAÍDOS DE BOSSA (BOSSUADOS)
O que caracteriza este tipo é a dilatação das bossas com o retraimento das concavidades (covas). Ele revela assim esta contradição: retraimento-dilatação. Essas bossas são verificáveis entre as diversas zonas do rosto, as quais permitem construir uma subclassificação. Psicologicamente, para a morfo-psicologia de Corman, revela essa contradição a contradição psicológica, uma personalidade feita de oposições. Expansão-retração indica uma pessoa que tende a expandir-se, mas que se retrai, ou que conhece ciclos de expansão e de retraimento, no tocante à vida exterior. Na vida interior, temos uma contradição entre a adaptação ao meio e uma fuga ao real. São pessoas que se balançam entre atos de egoísmo e de altruísmo. Revelam reações inesperadas, pois quando julgamos que procederão deste modo, procedem de modo totalmente Contrário. São cicloides em sua atividade. São dotados de uma afetividade apaixonada, de grande sensibilidade. Ou são amigos ou não. Não há nelas lugar para meio termo. A vida desses tipos humanos é cheia de reviravoltas. Conhecem períodos que de desmesuram. Ao lado de períodos de ascetismo e austeridade.
55
Podem ser classificados, segundo os seguintes aspectos: 1) Quando as bossas são muito salientes, o retraimento é dinamizante, e revelam capacidade de ação, eficiência, realizações exteriores. 2) Quando os vestíbulos são abertos (olhos, narinas, boca) são dinâmicos. 3) Quando os vestíbulos são fechados, abrigados, o dinamismo toma uma direção interiorizante; sem excluir um dinamismo exteriorizante. 4) Os vestíbulos fortemente fechados indicam uma interiorização máxima, e grande tensão nervosa. 5) Quando o retraimento é irregular, há influência inibidora que perturba fortemente o equilíbrio da personalidade. ANÁLISE DOS GRUPOS: No primeiro grupo, a retração dá economia de forças. São pessoas que tem a força dos dilatados, mas são mais resistentes que estes. Por isso precisam dosar os esforços. São de físico forte, saudável, pouco sujeitos a doenças. Preservam as forças e sabem usá-las quando necessário. Na vida afetiva, são impulsivos. Mas revelam também grande sangue frio, domínio de si mesmos. Tem capacidade de canalizar os impulsos numa direção. Por serem estênicos, são apaixonados, capazes de amores e paixões fortes. Como suas paixões são concentradas, são por isso duráveis, embora enganem a muitos por seu ar tranquilo, suave, impassível. Gostam das coisas visíveis, palpáveis. São conquistadores pela força e querem subjugar todas as coisas. Amam a matéria. Tem vontade de expansão, são generosos, realizadores. O segundo grupo nos dá tipos impulsivos. O terceiro grupo nos dá tipos refletivos. Esses dois tipos são menos ligados à matéria que os do primeiro grupo. São capazes de desinteresse. São ávidos de movimento, de viagens. São dotados de sensibilidade ardente, muito fogo. Seus gestos são vivos. As narinas fremem. Em tudo põem amor. Suas afeições são calorosas, mas tirânicas. Gostam da independência e abominam que se lhes ponham entraves à liberdade. Os refletivos são também assim, mas tem mais capacidade de frear os impulsos (os do terceiro grupo). Na aparência são calmos, frios, distantes. Aparentam frieza, mas são capazes de sentimentos muito profundos. A imaginação é inflamada. Tem muita vitalidade e sabem disciplinar-se. Os do quarto grupo revelam grande luta interior e sofrem muitas
56
contradições. São em geral rígidos, até cruéis. Extremados no bem e no mal. Por isso tendem ao revolucionarismo, ao terrorismo. O rosto é muitas vezes assimétrico, e não sabem sorrir. O quinto grupo é de inibidos. Há em geral desarmonia nos planos. São personalidades mal equilibradas, atormentadas por conflitos interiores. Estão sujeitos a perturbações nervosas. Recalcados, sua atividade é irregular. São irritáveis e os instintos são, às vezes, pervertidos.
OS TIPOS REAGENTES
A inteligência é em muitos inibida. Vivem a polaridade agir-reagir. Os reagentes tem o ser exterior mais desenvolvido que o interior. Estão sujeitos à dispersão de forças. O equilíbrio é precário quanto ás forças, pois estas são por eles malgastadas, e esse malgastar é perigoso. Há compensação instintiva por meio de retrações dos vestíbulos ou do contorno. Os vestíbulos são abertos em geral. As crianças do tipo reagente são precoces, despertas, abertas ao meio exterior; conhecem cedo ternas afeições.
57
Os reagentes não amadurecem em profundidade; permanecem superficiais. Sua plasticidade é que engana. Adotam as opiniões dos grandes, mas são fracos quanto ás ideias pessoais. Tem dificuldade de adquirir uma personalidade própria, necessitam de proteção. Carentes de iniciativa; tudo lhes interessa, mas falta-lhes profundidade. São abertos às ideias, mas, por fraqueza de personalidade, não avançam. Não realizam obras duráveis. Sua atividade é superficial; não surge ela do mais profundo, mas é reativa. Perdem seu tempo em ninharias. São sensuais, mas instintos fracos, e não conhecem paixões profundas. São borboletas (Don Juan). Sua insatisfação é acusada aos outros. Entre si mesmos são assaltados de ideias obscuras, terríveis; temem enlouquecer. Sofrem o perigo de se tornarem toxicômanos, pois abusam dos estimulantes. São delicados, avessos aos grosseiros e aos utilitários, gostam das exterioridades, das roupas, etc. Veem as coisas muito pela exterioridade. Deixam-se empolgar pelo exterior, hoje por isto, amanhã por aquilo. Saem animados, mas aos primeiros obstáculos desanimam. São inconstantes. Estão sempre a par das últimas novidades literárias. Falam dos livros que devem ser lidos, mas não os leem. Tem ideias gerais sobre eles. Gostam muito de ser homenageados; precisam, mesmo, dessas homenagens, pois do contrário, duvidam de si mesmos. Intelectualmente tem boa capacidade de assimilação. O concreto dos reagentes é o mundo das palavras e dos livros. São vivazes, tem boas intuições. A atenção é dispersa, falta-lhes reflexão. Ou compreendem logo ou não compreendem nunca mais. Sofrem do perigo de falarem sobre muitas coisas, de tudo um pouco, e de se perderem nos pormenores. Precisariam de um ponde de referência, pois distraem-se facilmente: "olham para as moscas...". Profissionalmente , são inábeis aos trabalhos silenciosos e ocultos. Precisam de assistência. Surgem entre eles muitos pequenos talentos. Não se conhece nenhum grande talento nem genialidade. São diletantes, não criadores. Como pintores tem gosto, delicadeza na cor e nada mais. Como músicos, são amantes da melodia e regulares executantes. São escritores para escrever leves e rápidas histórias, mas inábeis para uma obra de fôlego. Hábeis versificadores, não poetas propriamente. Muito tendentes à tísica, à tuberculose, sofrem do perigo de morte prematura. Quanto às crianças, necessitam de ambiente calmo, sereno. Apesar de muito sociáveis, necessitam, ás vezes, de muita solidão, solidão completa em companhia de amigos ou de um cão ou de livros. Tem tendência para vocações religiosas, monacais, mas malogram. Precisam compensar a solidão com o convívio. Há ainda os reagentes compensados, nos quais os aspectos negativos ficam minorados e os positivos são exaltados. Nestes, a reagência é menor. Os vestíbulos não são todos abertos, e tem, assim, uma compensação para os extremos. O tipo 6 é extremado, o 3 revela certa compensação.
58
PARTE DINÂMICA
59
ANÁLISE DINÂMICA DA FISIOGNOMIA A FACE A face apresenta três vestíbulos: 1) O vestíbulo cerebral (ouvidos e olhos); 2) O vestíbulo respiratório (narinas); 3) O vestíbulo digestivo (boca). Nesses vestíbulos estão os nossos sentidos, que mantém contato com o mundo exterior. Eis a razão por que a face é tão significativa para o estudo morfo-psicológico, pois estão aí precisamente os nossos sentidos principais.
CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS Estudando Aristóteles a fisiognomia teve estas palavras que tanto valor e significação oferecem à caracterologia atual: "O que é durável na forma expressa o que é imutável na natureza do ser; o que é móvel e fugaz nessa forma expressa o que, nessa natureza, é contingente e variável". Ora, a mímica da face nos mostra uma mobilidade que nos permite, também, captar o que se passa , o que transcorre na alma humana. No símio superior, temos a "idade da face", com o predomínio desta sobre o crânio, enquanto no homem atual (homo sapiens ) é maior o predomínio do crânio sobre a face. Se como seres racionais somos mais estáveis, no entanto, quanto aos nossos sentimentos, atitudes ante a vida, somos mutáveis, transeuntes. A face nos revela a mutabilidade a par da imutabilidade.
O OLHO É o aparelho sensorial mais ligado ao cérebro e de um grande papel na inteligência humana. Sua posição coloca-o no limite do plano superior e dos planos inferiores. Se taparmos com uma folha de papel um dos olhos, enquanto vemos o outro, logo verificamos um olho fixador (geralmente o esquerdo, de olhar fixo, observador, penetrante, agudo) e um olho sonhador (em geral o direito, afetivo, de olhar perdido, vago, distante). É possível encontrarmos indivíduos em que ambos os olhos sejam fixadores ou ambos sonhadores. Neste último caso, estamos em face de uma
60
pessoa sonhadora, que vive num mundo de quimeras, e no primeiro em face de quem é totalmente afastado da afetividade, do sentimento, que adquiriu uma frieza extraordinária. É comum observar-se que a presença de dois olhos fixadores em indivíduos criminosos, premeditados, frios e cínicos. O lóbulo ocular está encravado na cavidade orbitária (orbital). É constituído por uma membrana de estrutura nervosa, sensível ás impressões luminosas: a retina, em volta da qual estão os aparelhos de transmissão de ótica, de proteção (membranas) e de mobilidade (músculos). A retina está em relação direta com o cérebro, ao qual ela transmite, pelo nervo ótico, as impressões que a afetam. Está na parte posterior do glóbulo ocular. As impressões chegam-lhe transmitidas pelos meios transparentes do olho (cristalino, etc.) e são canalizadas pelo diafragma. O raio luminoso atravessa primeiro a córnea, lentícula circular transparente na parte anterior do glóbulo. Depois é recebido no diafragma de abertura, o íris , abrindo-se ou fechando-se, segundo a luz é rara ou abundante. O cristalino é uma lentícula biconvexa, cuja curvatura se modifica, graças ao funcionamento de um pequeno músculo, segundo o objeto, que é fonte luminosa, se estiver colocado mais perto ou mais longe, acomodando-se assim segundo a distância. O raio cristalino atravessa o corpo vítreo, ocupando a câmara posterior do glóbulo até chegar à retina. O glóbulo é guarnecido de membranas protetoras, como a coroide, a esclerótica, que, na parte em que se torna transparente, chama-se córnea. Acha-se o olho abrigado pelas paredes ósseas da órbita que o contém. As pálpebras (superior e inferior) abrigam o glóbulo, e são véus músculomembranosos de forma quase lunar. O aparelho motor é complexo. Compõe-se dos músculos próprios do olho, dos músculos das pálpebras e dos músculos dos supercílios.
EXAME E SIGNIFICADO DOS MÚSCULOS DOS OLHOS E DA TESTA Fronte -Músculo de testa — segundo músculo da atenção. Seus fascículos internos -músculo da dor patética. Elevador da pálpebra superior — Primeiro músculo da atenção. Músculo orbicular das pálpebras — músculo oclusor do orifício palpebral; porção palpebral — os fascículos centrais que circundam o orifício palpebral. Porção orbitária — os fascículos periféricos, que descansam sobre a borda da cavidade orbitária. Superciliar — enrugador das sobrancelhas, músculos do esforço.
61
VESTÍBULO DO APARELHO RESPIRATÓRIO É ele constituído pelo maciço facial superior. Compreende o nariz, vestíbulo do aparelho respiratório, e suas dependências. Sua forma e dimensões são variáveis, quer em largura, quer em altura. Tem a forma de uma pirâmide, sendo o cume (raiz), ligado ao osso frontal, entre os dois olhos. A base do nariz tem a forma de um triângulo; o lóbulo a ponta do nariz, e as narinas, com suas asas, formam a parte móvel.
SIGNIFICADO DOS MÚSCULOS O piramidal do nariz -músculos dos lutadores. As rugas significam, segundo Fritz Lange e Duchene, no piramidal do nariz, a agressão. Vemo-la no "David" de Miguel Ângelo. É raro encontra-lo marcado em pessoas de antes de 20 anos, embora surja nos momentos de luta. Só o vemos já gravado em pessoas de mais idade, cuja vida foi uma constante luta contra grandes dificuldades. A sua presença não quer dizer que estamos em face de uma pessoa que gosta de pendências, mas de quem tem tenacidade de vencedor, de lutador que não se entrega. Na maioria dos generais europeus desta última guerra, vemos a presença desta ruga. É raro encontra-la em fisionomias de poetas e artistas. É raro encontra-la em mulheres. Os sulcos que vemos ao lado das asas do nariz significam descontentamento, e são comuns em pessoas, cuja vida está cheia de aborrecimentos e decepções.
62
As rugas que aparecem no nariz franzido, mas que são normalmente visíveis, eram consideradas como rugas de lubricidade. Mas Fritz Lange diz têlas visto em pessoas cuja vida foi cheia de desencantos. Quando nos descontentamos de alguém, franzimos o nariz. Quem conhece muitos desgostos, por franzir tantas vezes, acaba por marcar essas rugas.
VESTÍBULO DO APARELHO MANDIBULAR É formado principalmente do maciço facial inferior: o maxilar inferior ou mandíbula. Com o maciço facial superior forma a cavidade bucal, vestíbulo do aparelho digestivo, em torno do qual atuam muitos músculos de grande valor expressivo. O maxilar é uma lâmina ossuda resistente, quadrilátera, curva, na forma de uma ferradura. Na borda superior, estão os alvéolos, onde se encravam os dentes. Na borda inferior, temos o limite do rosto. Entre os dois, na frente, está o queixo. Dois ramos ascendentes do maxilar juntam-se à base do crânio. Formam assim um ângulo, ângulo mandibular, de grande importância e significação. A mandíbula inferior, através dos dentes, entra em contato com a mandíbula superior. Quando elas estão no mesmo nível perpendicular, temos o ortognatismo; quando a mandíbula inferior se projeta, o prognatismo inferior; quando é a superior que se projeta, o prognatismo superior . Se a mandíbula inferior se retrai, temos o retrognatismo .
63
Na parte que circunscreve a abertura bucal estão os lábios. Temos o lábio superior e o lábio inferior. Na parte onde se unem, nas bordas, vemos as comissuras labiais. Possuem os lábios uma parte mucosa, carnuda e cheia (parte vermelha dos lábios). Quando fechados, pode dar-se uma oclusão simples, normal, ou uma oclusão com esforço.
SIGNIFICAÇÃO DOS MÚSCULOS No orbicular dos lábios, que é o elevador do lábio inferior, temos o músculo do gesto ameaçador. No triangular dos lábios, também chamado buzinador, o músculo da resignação. Vemos traçarem-se aí duas rugas descendentes em todos os tipos humanos que se resignam ante os acontecimentos adversos. No zigomático maior, temos o músculo do riso franco. No quadrado do queixo (também chamado quadrado da barca), que é depressor do lábio inferior, temos o músculo do aborrecimento, do enjoo. No triangular dos lábios, encontramos o músculo da pesadez. * *
*
CLASSIFICAÇÃO DOS HUMORES SEGUNDO CORMAN Todos estes pontos, ora estudados, vão servir-nos de apoio para outros exames importantes, que nos construirão os elementos para a formação de um exame completo da morfo-psicologia e análise do temperamento e do caráter. Queremos, antes, chamar a atenção para uma classificação dos humores apresentada por Corman, de grande valor para futuras análises. Para Corman, há duas modalidades de humor: 1) Irritabilidade-fleugma — Caracteriza-se no indivíduo que se mostra sensível (irritabilidade) ou indiferente (fleugma) às impressões exteriores. 2) Euforia-disforia — Caracteriza a primeira o fato dessas impressões provocarem mais prazer que desprazer; a segunda, pelo inverso. Os primeiros são otimistas; os segundos, pessimistas.
CARACTERÍSTICAS DA IRRITABILIDADE
64
Cabeça pequena, rosto afilado, mão longa. Movimentos de expressão rápida, refluentes (muita mímica na face), gestos de mão. Todos os ritmos são rápidos. Afetividade facilmente despertável; muito emotivo. Ritmo mental rápido, caráter muito instável.
CARACTERÍSTICAS DA FLEUGMA Corpulento, redondo ou cúbico. Cabeça volumosa, face redonda ou quadrada; mão quadrada. Movimentos de expressão lentos (rosto impassível, olhar lento, gestos lentos. Ritmos motores lentos). Afetividade e intelectualidade fracamente despertáveis. Poucas impressões o emocionam. Ritmo mental e afetivo lento. Revela estabilidade.
CARACTERÍSTICAS DA EUFORIA Corpo ondulado, com curvas regulares. Movimentos de expressão de rapidez média. Gestos adaptados, fáceis, ondulosos e expansivos (centrífugos: que se afastam do centro). Sorriso voltado para cima, sobrancelhas puxadas para fora, comissura dos lábios elevada, olhar risonho. Expansão, otimismo espontâneo. Ritmo mental e afetivo de rapidez média, adaptado ás circunstâncias.
CARACTERÍSTICAS DA DISFORIA Modelo do rosto chio de covas e saliências, "atormentado", tipo do retraído-bossuado, que já estudamos. Bossas salientes na testa, têmporas cavadas, olhos fundos. Nariz de perfil sinuoso, maçãs salientes, faces envoltas. Os ângulos maxilares bem salientes. Os ritmos motores são retardados, sacolejados. Não se adapta bem às circunstâncias; movimentos centrípetos (tendem para si, para dentro). Mímica da "amargura" -rosto desfeito, traços descendentes; a comissura da boca também é descendente, as sobrancelhas caem, olhar preocupado, muitas rugas na testa. Psiquicamente é disfórico, preocupado, voltado para si, introvertido. Toda a emotividade é interiorizada; o pessimismo é natural. O ritmo mental e afetivo é demasiadamente lento, inadequado aos
65
acontecimentos.
ANÁLISE DO ROSTO Ao plano mandibular, corresponde a vida instintiva; ao plano naso-malar, a vida afetiva, e ao frontal, a vida intelectual. Ao olharmos uma pessoa de perfil, será fácil ver qual dos planos é o que predomina. Se for o inferior, temos o domínio dos instintos; se o médio, a vida afetiva, passional. As necessidades emotivas suplantam e superam as de ordem intelectual e as de ordem instintiva. Se for o plano superior, há espiritualização das tendências. Ao olharmos um rosto de face, se o maior diâmetro está nas faces é sinal de uma afetividade concreta, realista; se nas maçãs do rosto, sinal de uma afetividade apaixonada, ardente; se nos olhos, é sinal de uma vida afetiva espiritualizada, sublimada.
PLANO DA INSTINTIVIDADE (MANDIBULAR) Nuca poderosa e dura. Mandíbula volumosa e forte. Músculos mastigadores poderosos e duros. Boca grande: comissura larga, lábios espessos e duros, dentes volumosos.
Predominância dos instintos materiais, das necessidades do corpo. Glutonaria. Sensualidade grosseira. Actividade física abundante. Sensibilidade rude, forte, grosseira.
Estamos, aqui, em face de um grande desenvolvimento desta parte. Mas há ainda os de desenvolvimento médio e os de desenvolvimento inferior . Desenvolvimento médio Plano da instintividade, sem deficiência em comparação com os outros planos e sem os aspectos excessivos do desenvolvimento considerável, que estudávamos acima.
Espiritualização moderada. Exigência moderada dos instintos. Sobriedade, delicadeza de gosto, sensualidade moderada, com grande actividade física.
Desenvolvimento insuficiente:
66
Nuca fina Maxilar pequeno, estreito, queixo em retraimento. Mastigadores magros e moles. Comissuras bucais estreitas, lábios finos ou muito moles. Dentes pequenos, mal colocados no maxilar, acavalando-se.
Espiritualização extrema; fraqueza dos instintos. Sobriedade, inapetência. Sensualidade fraca, frieza. Actividade física insuficiente. Debilidade física. Sensibilidade fraca, delicada.
Análise do maxilar (tipo masculino) Maxilar quadrado, de ossatura forte, com saliências bem marcadas. Com queixo quadrado ou recto ou saliente: ou ainda: ângulos mandibulares salientes, rectos. Mastigadores (músculos) poderosos. Lábios musculosos, firmes, fechados, aparecendo pequena linha da mucosa vermelha dos lábios.
Força do instinto de reprodução. Actividade física, gosto pela luta. Energia física, brutalidade, violência.
Orgulho de sua força.
(tipo feminino) Maxilar menos forte, mas ainda com saliências ósseas. Queixo redondo. Ângulo mandibular obtuso, curvo. Dentes médios. Lábios pouco canudos, menos firmes, menos fechados, aparecendo grande parte da mucosa. Formas pouco arredondadas, de curvas moles. Se o modelado da mandíbula é
Forma sedutora do instinto de reprodução. Graça e não vigor. Doçura. Aprobatividade.
Passividade total. Moleza
física.
Pouca
coragem
67
chato, com faces achatadas, queixo pontudo.
Lábios de expressão móvel.
Modelado redondo-cúbico Maxilar arredondado ou quadrado, queixo redondo ou quadrado. Mímica dos lábios pouco variada.
física. Irritabilidade nos instintos. Sensibilidade viva, fàcilmente despertável. Mobilidade, instabilidade, gosto pela mudança. Ritmo de acção lenta, pesadez.
Fleugma Sensibilidade lenta. Estabilidade, sedentariedade. Ritmo de acção lenta, pesadez.
Modelado ondulado Curvas ovais, umas convexas, outras côncavas. Queixo oval ou redondo. Faces ovais, com covinha no centro. Mímica dos lábios expansiva, comissura dos lábios, desenhando uma concavidade no alto. Se retraído , com covas e saliências ossudas, bem marcadas — faces cavadas — rugas à volta da boca, mímica dos lábios retraída, cantos da boca abaixados.
Expansão natural dos instintos. Alegria habitual. Gestos graciosos — Graça física.
Falta expansão dos instintos. Tristeza habitual. Instintos inibidos, recalcados. Gestos lentos.
Outros aspectos Lábios entreabertos num sorriso, descobrindo os dentes. Boca sempre aberta.
Desejo de agradar. Aprobatividade. Ingenuidade, desatenção e até imbecilidade.
68
PLANO DA AFETIVIDADE (NASO-MALAR) Plano médio largo, alto. Nariz alto e largo, com base larga, com lóbulo cadente, asas espessas, pouco móveis. Com dimensões menores que as acima citadas. Nariz de tamanho médio, largo, com base recta, lóbulo arredondado, asas carnudas, moderadamente, e móveis. O plano naso-malar pouco desenvolvido. Nariz pequeno, estreito, lóbulo pontudo, maçãs não salientes — asas pouco carnudas, sem mímica. Nariz convexo, em todas as suas formas. Nariz côncavo. Nariz ondulado. Forma do nariz longa; achatado transversalmente, estreito, lóbulo pontudo, narinas achatadas, asas de mímica muito móvel. Nariz curto, arredondado, lóbulo redondo ou quadrado, asas pouco móveis.
Predominância da afectividade concreta, material e impulsividade brutal.
Espiritualização moderada da vida afectiva. Ardor impulsivo e apaixonado, mas sem a brutalidade já descrita anteriormente. Espiritualização excessiva ou defeito de sensibilidade afectiva. Egoísmo “por defesa”, em retraimento. Tendências dominadoras, tirânicas. Plasticidade, capacidade de ser impressionável. Doçura, submissão afectiva. Dos retraídos bossuados, “saturnianos”. Mobilidade dos sentimentos, das paixões. Estabilidade dos sentimentos, das paixões.
Tipo retraído-bossuado Nariz sinuoso — entre as maçãs e o nariz com certo retraimento —
Vida afectiva inquieta, cheia de preocupações — tipo humano
69
maçãs salientes.
sombrio, ciumento, às vezes tirânico, atormentado e atormentador dos outros.
PLANO DA INTELECTUALIDADE (FRONTAL) O plano da intelectualidade, plano superior, da vida espiritual, é o da inteligência: da observação (na parte da cavidade orbitária), da racionalidade (parte central da testa) e da imaginação (parte superior). Formas angulosas Relevos ósseos marcados; bossas superciliares, bossa nasal, cavidades temporais.
Espíritos activos, dominadores, mais reflectidos que intuitivos. Atenção voluntária sustentada.
Formas curvas, arredondadas Com ausência de relevos ósseos, com excepção da saliência arredondada das bossas frontais, sem cavidades.
Espíritos receptivos, mais intuitivos que reflectidos. Atenção voluntária caprichosa. (Mais típico das mulheres)
Modelado Fronte chata. Crâneo pequeno. Olho pequeno e chato, olhar muito móvel. Fronte redonda, como bola. Olho grande, como bola. Olhar lento e átono. Crâneo ondulado, intermediário, entre o chato e o redondo. Fronte cujas saliências ósseas continuam por planos curvos, com
Inteligência de compreensão e de concepção rápidas. Atenção prontamente desperta e prontamente distraído. Inteligência lenta. Atenção difícil de despertar. Inteligência ágil, desembaraçada. Ritmo de pensamento variável segundo as necessidades do fim
70
superfícies planas. Olhar alegre risonho.
visado. Atenção estável sem excesso.
Tipo retraído-bossuado Fronte atormentada, com saliências ósseas, marcadas, abruptas — órbitas profundas, olhos encavados, olhar sombrio — rugas horizontais.
Problemas interiores, interiorização.
máxima
Zona inferior, subjacente às órbitas: Quando saliente , indica percepção utilitária: decisão dos actos. Pouco saliente , mas sem deficiência: percepção mais intuitiva, mais artística da realidade; Achatada , com falta de bossas: falta de observação e de decisão. Fronte estreita, baixa, fugidia.
Fronte estreita e baixa, recta.
Fronte estreita, mas elevada, têmporas chatas. Frente larga, alargada no alto, têmporas achatadas. Se a fronte tem pouca altura. Se a fronte é elevada. Fronte larga, têmporas bombadas na parte alta. Se a fronte é elevada e harmoniosa — gênio criador. Fronte em ogiva, sem relevo ósseo, de largura máxima na altura dos
Inteligência não evoluída. evoluída. Só apreende os factos em sua evidência imediata, incapaz de compreender as idéias. Falta de reflexão. Impulsividade nos actos. Concreto quanto aos fins. Inteligência pouco evoluída. Capacidade de reflexão, mas rotineira, automática, sugestionável. Concrecção nos fins. Inteligência de sábio, de especialista, sentido do pormenor. Espírito analítico. Inteligência científica, mas com surto de idéias, com tendência à dispersão. Superficialidade nas idéias. Espírito assimilador profundo, espírito sintético. Inteligência de artista, sentido das harmonias.
Predominância da intuição e da imaginação sobre a observação e a
71
olhos.
reflexão.
OS OLHOS E O OLHAR Olho chato, pequeno, muito móvel. Olho redondo, grande, lento. Olho profundamente encravado na órbita, ora móvel, ora lento.
Sensibilidade muito viva, mobilidade do espírito, rapidez na associação de idéias. Sensibilidade de lento despertar, com lentidão de ideação. Sensibilidade contida, inteligência lerda; taciturnidade (calado).
O olhar e sua direção
Olhar para a terra. Olhar elevado. Olhar recto, convergente sobre o objecto. Olhar recto, convergente sobre a pessoa com quem se fala. Olhar afastado do interlocutor.
Índice da predominância dos instintos materiais. Idealismo, espiritualização das tendências. Sinal de espírito positivo e atento. Indica franqueza e lealdade. Indica caráter enganador e às vezes timidez.
Nos casos de olhar convergente, a pessoa desvia depois o olhar, levandoo para baixo, enquanto nos casos de olhar afastado, quando a pessoa não presta atenção, o interlocutor pousa o olhar meio oculto, afastando-o para o lado, logo que percebe que o outro o nota.
AS MÃOS Mão muito longa, estreita portanto, pouco espessa — dedos finos, compridos. Mão tão larga quase como comprida, espessa, dedos grossos, arredondados, cúbicos ou
Grande mobilidade. Pouca mobilidade.
72
quadrados nas pontas.
OS DEDOS D'Arpentigny assim os descreve: "Há dedos lisos e dedos nodosos... Com dedos nodosos, ao mesmo tempo que tereis cuidado, simetria, pontualidade, procedereis pela reflexão. A ciência estará em germe em vós. Dedos sem nós, ao contrário, trazem consigo o germe das artes. Por mais positivo que seja o fim ao qual vos impele o interesse, procedereis sempre mais pela inspiração que pelo raciocínio, mais pela fantasia e pelo sentimento do que pelo conhecimento... Nossos dedos terminam ou em espátula, ou quadradamente, ou em cone mais ou menos agudo. A falange em espátula confere a necessidade imperiosa da agitação corporal, da ocupação constante; a inteligência instintiva da vida real; o culto da força física; o gênio do cálculo, das artes industriais e mecânicas; as ciências exatas aplicáveis; as ciências experimentais, as artes gráficas; a administração. A falange quadrada indica mais visão justa que grandes ideias positivas e médias; o gênio dos negócios, o respeito pessoal; o instinto do dever e da autoridade; o culto do verdadeiro prático; o espírito de conduta. O gosto pelas ciências morais, políticas, sociais; a poesia didática, analítica, dramática; a gramática, as línguas, a lógica, a geometria. O amor da forma literária do metro, do ritmo, do acabamento, da simetria, da arte definida e convencionada. Os dedos em espátula tem a ação e o "savoir-faire" ("saber fazer") mais do que o saber; os dedos quadrados tem antes o saber que o "savoir-faire". Os dedos terminados em cone indicam tendências às artes plásticas, à pintura, à escultura, à arquitetura monumental, à poesia da imaginação e dos sentidos; ao culto do belo pela forma sólida e visível; aos arrebatamentos românticos; à antipatia pelas deduções rigorosas; à necessidade da independência social; à propensão ao entusiasmo; à submissão à fantasia. Cada uma dessas três formas da falange terminal pode acompanhar dedos lisos ou nodosos. Em ambos os casos, as qualidades acima descritas se manifestam, mas os dedos lisos procedem pela inspiração, pela paixão, pelo instinto, pela intuição e superam ali onde o gênio prevalece sobre a combinação; os dedos nodosos, pelo cálculo, pelo raciocínio e pela dedução." Prossegue D'Arpentigny: "Há dois tipos de dedos: os que trazem nós e uma falange terminal quase quadrada, quase cônica, de tal forma que esta última tem no conjunto uma forma ovóide, que indica ideias especulativas, meditação, ciências filosóficas, deduções rigorosas pela palavra. Amor do verdadeiro absoluto; poesia da razão, do pensamento; alta lógica; necessidade de independência, política, religiosa e social; deísmo; democracia, liberdade." É o dedo "filosófico".
73
O segundo tipo é o dos dedos lisos, terminados em cone afilado, em ponta: contemplação; religiosidade, idealidade, despreocupação dos interesses materiais; poesia da alma e do coração; necessidade de amor e de liberdade; culto de todos os gêneros do belo, pela forma e pela essência, mas sobretudo pela essência. É o dedo chamado "psíquico", ao qual chama de "idealista".
O POLEGAR Simboliza para os quirônomos (os que estudam o significado das mãos e linhas, hoje, obedecendo a certo rigor científico, em oposição à clássica quiromancia), a vontade, o sentido moral que opomos aos nossos instintos. Assim se expressa D'Arpentigny: "Em geral, um polegar pequeno, minguado, mesquinho anuncia um gênio irresoluto, nas coisas, bem entendido, que decorrem da razão e não do sentimento... As pessoas de polegar grande são governadas pela cabeça. Os primeiros são ingênuos, graciosos; os segundos tem a Verdade. Se, pois, vos recordardes do que disse — prossegue D'Arpentigny reconhecereis que são três vezes predestinados à poesia os que juntam falanges cônicas dos dedos lisos a um polegar pequeno. E o que tem falanges quadradas ou em espátula, junto a dedos nodosos e um grande polegar, é três vezes destinado às ciências". "Na primeira falange está o sinal da lógica, quer dizer, da percepção, do juízo, do raciocínio. E no segundo, o da invenção, da decisão, da iniciativa... É a vossa falange estreita, magra, curta? Ausência completa de decisão, submissão às opiniões recebidas, às ideias alheias, dúvida, incerteza sem fim, e consequentemente falta de cuidado moral. A essa incapacidade de tomar partido, vós dareis uma explicação lógica se vossa primeira falange for desenvolvida. Tereis, ao contrário, ideias seguras, convicções fortes e tenazes, tereis espírito pronto, decisivo, e sereis provavelmente ao mesmo tempo um mau raciocinador, um homem dotado mais de paixão moral que de julgamento, se vossa segunda falange, sendo longa e forte, a outra, ao contrário, for magra e curta". É preciso, no entanto, acrescentar que essas afirmativas não são universalmente válidas no sentido científico, pois as observações sobre quironomia científica não nos oferecem ainda bases tão seguras para formulálas. No entanto, é de convir que as observações realizadas permitem aceita-las como normas geralmente seguras, podendo servir, portanto, de ponto de partida, desde que outros aspectos característicos as corroborem, isto é, sejam apoiadas em outras observações, emprestando-lhes, assim, validez.
74
CLASSIFICAÇÃO DAS MÃOS MÃO DO TIPO MARTE
Mão de tamanho médio, de forma hexagonal, espessa, dura, musculosa. Palma grande, espessa, dura, de desenvolvimento muscular considerável, sobretudo na eminência hipotênar, que ultrapassa amplamente a borda interna da mão. Dedos curtos, cúbicos. Polegar curto. Mão que caracteriza o tipo marciano, tendências materiais predominantes.
MÃO DO TIPO TERRA
75
Mão grande, de forma geralmente quadrada ou retangular, muito espessa e muito dura. Pele seca e calosa. Palma maior que os dedos. Palma grande, espessa, dura, muito musculosa. Dedos quadrados, de extremidade espatulada ou quadrada. Caracteriza a mão do tipo Terra.
MÃO DO TIPO JÚPITER
76
Mão de tamanho médio, de contorno retangular-arredondado, espessa, musculosa, mas ao mesmo tempo, menos dura que as dos tipos anteriores. Palma igual aos dedos. Palma de forma quadrada, espessa, carnuda. Dedos de forma cúbicaarredondada. Polegar bem desenvolvido. Mão do tipo Júpiter.
MÃO DO TIPO SATURNO
Mão grande, de forma alongada, de espessura média, dura, musculosa, recoberta de uma pele seca, com saliência dos ossos e dos tendões: mão "descarnada". Palma igual aos dedos. Palma mais longa que larga, musculosa, estreita na base. Dedos longos, grossos, apresentando nós nas articulações. Polegar grande, bem destacado dos outros dedos. Tipo da mão de Saturno.
MÃO DO TIPO VÊNUS
77
Mão de tamanho médio, de contorno oval, bastante Musculosa, com covinhas no dorso. Palma maior que os dedos. Palma quadrado-oval: a eminência tenar proeminente, mas suave (monte de Vênus). Dedos curtos, arredondados e redondos na ponta. Polegar pequeno. Mão do tipo Vênus.
MÃO DO TIPO MERCÚRIO
78
Mão bastante estreita, de longitude média, em forma de losango, cuja largura máxima está na base dos dedos, firme e seca. Palma igual ou inferior aos dedos. Palma de base estreita, de musculatura bem desenvolvida. Dedos longos, chatos, arredondados na ponta, algumas vezes levemente secos nas junturas. Polegar grande, bem destacado. Mão do tipo Mercúrio.
79
MÃO DO TIPO SOL
Mão pequena, oval, muito afilada para a extremidade dos dedos, pouco músculo, mas bastante firme contudo. Palma ovóide, estreita na base. Dedos cônicos, afilados em sua extremidade. Polegar pequeno, bem destacado. Mão de tipo Sol.
MÃO DO TIPO LUA
80
Mão longa, de forma oval, desprovida de músculos, frequentemente fria e azulada pelo frio. Palma igual aos dedos. Palma alongada, as massas musculares são moles, fracas. Dedos longos, largos em sua raiz e cônicos na sua extremidade. Polegar pequeno, deslocado. Mão do tipo Lua.
81
OS OITO TIPOS A caracterologia clássica dividira, fundando-se na classificação astronômica, os seres humanos em oito grupos, que formaram os oito tipos caracterológicos, que passaremos a estudar. No entanto, aproveitando as contribuições da caracterologia moderna, e seguindo as licções de Sigaud e Corman, sintetizaremos, a seguir, para um emprego público, o que empresta nitidez e clareza aos oito grandes grupos. Iniciaremos pelo estudo do
TIPO MARTE Este tipo se caracteriza pelos seguintes aspectos gerais: Morfològicamente
Predominância do plano mímica das asas do inclinação da orelha; agressiva do maxilar. Sub-predominância do inferior. Intenso desenvolvimento músculos mastigadores.
médio; nariz; forma plano dos
Subordinação do plano intelectual aos dois já tratados.
Predominância da vida afectiva, anímica sobre a vida dos instintos e sobre a da inteligência. Paixão impulsiva. Combatividade. Sub-predominância dos instintos de nutrição, de reprodução, que trazem a marca da combatividade. Inteligência impulsiva em seus actos, concreta quanto aos fins — Vida afectiva-instintiva.
No plano da instintividade : Pescoço forte e musculoso — Mandíbula larga, forte. Ângulo mandibular recto, saliente, tendendo para fora. Queixo pequeno, pontudo para frente, como destacado do maxilar. Boca de tamanho médio. Comissura recta — Lábios espessos, musculosos, duros, sempre fechados. Lábio superior alto em sua parte cutânea e desbordando para a frente o lábio inferior. No plano da afectividade :
82
Faces secas, chatas, com maçãs muito salientes. Nariz fortes, alto, aquilino, convexo. Depressão na raiz do nariz. Dorso estreito, lóbulo pontudo. Asas carnudas, destacadas. No plano da intelectualidade : Fronte pouco desenvolvida, tanto em largura como em altura, de modelado chato, ondulado. De perfil, desenha uma curva achatada, oblíqua. Músculo temporal (nas têmporas) é volumoso e de contracção vísivel. Sobrancelhas baixas, elevam-se um pouco junto às têmporas. As sobrancelhas são separadas por dois traços horizontais na raiz do nariz. Olhos pequenos, afundados nas órbitas. Pálpebra superior, elevada ao máximo, deixando ver a esclerótica, que é branca e algumas vezes injectada de sangue (vasos capilares). Olhos castanhos. Orelha de tamanho médio, igual ao nariz, oblíqua em baixo, destacada para a frente (45.º sobre a horizontal). Pavilhão destacado do crâneo. Parte superior afilada em ponta. Expressão geral :
Movimentos expressivos, revelando força e combatividade, de ritmo rápido. Cabeça para trás, em atitude de desafio. O olhar dardeja directo, quente, fixo, brilhante, insolente até. Assas do nariz frementes. Os punhos cerram-se fàcilmente, como se fossem bater. Mãos crispadas. Quando as mãos se abrem mostram os dedos bem separados uns dos outros. A palavra é abundante, sonora. CARACTERES GERAIS Coléricos. A qualquer ataque cerram as mãos e a injúria logo lhes vem à boca. Mas essa violência passa logo, e não guardam profundo rancor. A afectividade é fàcilmente despertada, explosiva. São ardentes, impetuosos, excessivos em tudo que fazem. Não conseguem obter fins estáveis, tanto materiais como espirituais. São dominadores, conquistadores; têm a embriaguez da acção. Os obstáculos não os detêm e, se necessário, sabem matar. São corajosos, têm o instinto do heroísmo. Combativos. A imaginação é transfiguradora. São excessivos, se tentem para a direita como se tentem para a esquerda. Gostam dos extremos. São francos e dizem o que pensam e nunca mentem por cálculo, mas em geral por exageração. Crêem até em suas mentiras. Gostam da vida aventurosa. São soldados, marinheiros, nômades. Preferem mandar a obedecer e só aceitam a obediência quando ela os leva a realizar a força, a actividade impetuosa. Não podem ocupar cargos que exijam método, cálculo, reflexão paciente.
83
Impróprios para as obras que exijam um longo alento. Têm dificuldade para a filosofia e para as ciências. São realizadores. Quando escritores são geralmente polêmicos. Gostam da oposição e criam quando a vivem. Suas idéias são sempre apresentadas com agressividade. Gostam do paradoxo. São criticadores sistemáticos. São raramente artistas. Gostam de governos fortes e quando fazem revoluções é para substituir a disciplina reinante por uma disciplina mais dura. Em matéria religiosa são sempre combativos e prendemse mais à regra do que ao espírito.
TIPO TERRA Caracteriza-se o tipo Terra pelos seguintes caracteres: Morfològicamente
Psicològicamente
Modelo cúbico (rosto quadrado).
Humor fleugmático.
Predominância do plano inferior.
Predominância da vida instintiva.
Mandíbula larga e alta.
Predominância do instinto de nutricção.
Desenvolvimento do músculo mastigador.
Força dos instintos.
O plano médio é sub-predominante.
Vida afectiva intensa, mas material.
Plano intelectual menor que o afectivo.
Inteligência concreta, estreita, rotineira.
Pouco desenvolvido. Mèdianamente desenvolvida.
Espírito de descontinuidade.
Consequentemente: a vida afectiva é fàcilmente despertada, forte, mas pouco exteriorizada. Actividade espontânea, mas de ritmo lento. Vontade de acção. Domínio de si. Talhe médio e grande geralmente (1m. 65, 1m75). Volumoso, pesado, musculatura resistente. Preponderância dos ossos e músculos. Modelo cúbico.
84
Pelo espessa, resistente, seca. Pelos abundantes, grandes, secos e duros. Cabelos curtos, cortados, bem curtos. Barba dura, abundante, sempre mal escanhoada. No plano da instintividade : Rosto quadrado, anguloso, ou tendendo para o cônico, com a parte inferior aumentada. Pescoço curto, musculoso, forte. Mandíbula volumosa. Ângulo mandibular recto, saliente. Queixo largo, quadrado, recto de perfil. Boca grande, comissura recta. Lábios espessos, musculosos, duros, cerrados. Dentes sólidos, grandes. No plano da afectividade : Faces secas, quadradas. Maçãs salientes moderadamente. Nariz forte, ora convexo ora recto. Largo na base; lóbulo de asas carnudas, pesadas. No plano da intelectualidade : Testa pouco desenvolvida, tanto em largura como em altura. Levemente inclinada no alto e em retrocesso. Bem desenvolvidas as bossas superciliares. Pele enrugada. Olhos pequenos, encravados. Outros aspectos :
Orelha grande, vertical. Pavilhão carnudo, lóbulo muito desenvolvido. Mão grande, quadrada ou rectangular, espessa, dura. Pelo seca e calosa. Palma maior que os dedos, espessa, dura, musculosa. Dedos de secção quadrada, curtos, de extremidade espatulada ou quadrada. Expressão geral : grosseira e material.
Ritmo lento dos movimentos. Mímica pouco móvel. Olhar duro, seco, terno, pouco móvel, voltado para baixo. Fala pouco, voz grave.
CARACTERES GERAIS Expressão do homem ligado à terra. Todo o seu interêsse se dirige para os bens materiais. Seu humor é fleugmático. Indiferente às alegrias e às
85
tristezas que outros tipos não suportariam. Quando sua afectividade é despertada é forte, intensa. Capaz de grandes esforços, pois tem boa musculatura. Pouca delicadeza, incapacidade de captar subtilezas. Utilitário, material, mas bom observador. Tem memória fiel, mas pouco extensa. As associações de idéias são lentas, pouco variadas. Pouca originalidade. Julga os outros pelo lado material. É terra à terra. Gosta das distinções separadas nìtidamente. Ou é... ou não é. Separações como as que observa na matéria. Pouca imaginação. É estável em suas virtudes e tendências. São pouco sensíveis e se apegam pouco, mas sua amisade é segura. São homens estáveis. Capazes de cóleras terríveis. Muito teimosos, e sem idealismo. Em geral são homens de família. Muito ligados ao solo. Gostam dos que, como ele, cultivam a “matéria”. Só gostam de falar do que sabem bem. Gostam das mulheres carnudas. São grosseiros em seu amor, até brutais. Não são capazes de ternura. São parcimoniosos. Castigam facilmente aqueles que não podem persuadir. Suas roupas são rústicas. Gostam de móveis pesados, de casas sólidas. Chegam até à avareza. Gostam de tudo onde haja exibição de força. No esporte, gostam do halterofilismo, lutas violentas. São muito comuns no pequeno comércio: empório, bares, açougues, etc. Dão alguns sábios, observadores pacienciosos, mas sem capacidade para a síntese, para idéias novas. Na política, querem governos fortes, preferem a ordem à liberdade.
TIPO JÚPITER Morfològicamente
Mais carne que ossos, pesados. Pele clara.
Psicològicamente
corpulentos, Actividade física menos rude que a do tipo Terra, pois se afasta da “materialidade”.
Modelado do corpo ondulado, tendente ao Humor eufórico. redondo. Equilíbrio dos planos. Equilíbrio das funções psíquicas. Talhe alto, corpo volumoso. Pele espessa, quente, pouco húmida, cor rosa ou branco-rosado.
86
Pelos distribuidos por todo o corpo, castanho, ondulado. Barba abundante. Calvície precoce que começa no cume da fronte. Cabeça volumosa. Ângulos arredondados. Plano da instintividade : Pescoço curto, músculos bem desenvolvidos. Mandíbula potente, alta e larga, mas os contornos são cobertos pela abundância de gordura. Mandíbula quase em ângulo recto. Queixo mole, arredondado, recto de perfil, com fossa no centro. Boca grande, comissura recta, um pouco elevada (aspecto eufórico). Lábios espessos, carnudos, vermelhos. Lábio inferior saliente. Plano da afectividade : Faces grandes, carnudas, cheias, sem saliência ossosa. Nariz grande, largo, recto de perfil. Lóbulo redondo, base recta, asas carnudas. Plano da intelectualidade : Fronte larga e alta. De perfil desenha uma curva ondulada. Bossas superciliares salientes. Bossas frontais salientes. Largura máxima da parte central, redonda. Poucas rugas. Sobrancelhas largas, moderadamente arqueadas, com distância média dos olhos. Olhos grandes, salientes. Outros aspectos :
Orelha grande, disposta verticalmente, espessa, de glóbulo voluminoso. Mão grande, média, contorno rectangular, arredondada, espessa, musculosa. Dedos cúbicos, arredondados, palma quadrada, espessa, carnuda. Movimentos suaves, ritmo médio, um pouco lento. Os jùpiterianos não correm, seu humor é eufórico. Sempre sorridentes, olhar recto, quente, luminoso. Algumas rugas nas comissuras dos olhos. Palavrosos, alegres, tom de voz grave, timbre claro.
87
São práticos, productivos. Têm o sentido dos negócios. Sensuais. Combatividade média. Humor eufórico, expansivos, optimistas. Inteligência equilibrada. Adaptados à vida social; extrovertidos. Boa memória, associações de idéias abundantes. São pouco intuitivos, mas bastante lógicos. Reflexão vigorosa. Pouca imaginação criativa. Vontade forte. Estáveis, tenazes. São amigos de todos, generosos, mas um pouco indiscretos, gostam de exibir sua generosidade. São orgulhosos de seus nomes. Gostam do convívio das mulheres, sem serem libertinos. São, no entanto, bons pais. São em geral industriais, comerciantes, onde vencem. Gostam as honrarias. Como cientistas são bons observadores e tendem a tornar claros os aspectos mais difíceis. Bons professores, muito didácticos. Na filosofia tendem ao dogmatismo e ao realismo. Bons organizadores. São rarmente artistas, e quando o são, não ultrapassam a mediocridade. Na política, na religião, são homens de opiniões oficiais. Defendem sempre a ordem, a autoridade, o poder estabelecido.
TIPO SATURNO Morfològicamente
Psicològicamente
Ossudo. Retraído-bossuado.
Humor disfórico, semi-irritável (biliosodisfórico).
Corpo alongado (longilíneo), rosto também Vida instintiva predominando sobre a vida longo intelectual. Predominância do plano inferior, mas retraído. O plano médio predominantes.
e
o
superior
são Inteligência limitada, mas profunda.
s vezes o plano superior é desenvolvido. Fronte estreita, mas elevada. Tendência ao sistematismo, inteligência de especialista.
ASPECTOS GERAIS
88
Geralmente introvertido. Sensibilidade e afectividade interiorizadas. Recalques. Ritmo contínuo e lento. Vontade de acção medíocre, mas domínio de si e grande capacidade de atenção. Talhe elevado. Pele espessa, resistente e seca, de cor amarelada. Magro, pelos abundantes, negros. Ossatura espessa. Rosto rectangular alongado verticalmente. No plano da instintividade: Pescoço forte, musculoso, mas magro e comprido. Mandíbula possante, de largura média. Ângulo obtuso da mandíbula. Queixo largo, alto, prognatismo leve. Boca grande, comissuras descendentes, cortadas por uma ruga vertical. Lábios espessos, musculosos, fechados. Lábio inferior predominante. No plano da afectividade : Faces secas, muito cavadas ao lado das maçãs. Nariz forte, alto, largura média. Linha do nariz sinuosa. Inicia do fundo cavado. No plano da intelectualidade : Fronte e órbitas características dos retraídos-bossuados. Fronte estreita, mas alta. De perfil, levemente incilnada para trás, chata, com saliência das órbitas superciliares. Têmporas com crateras, saliências das bordas. Órbitas profundas. Muitas rugas na testa, horizontais. Sobrancelhas baixas, rectas, mas caindo aos lados. Pelos negros e espessos. Outros aspectos :
Olhos de volume médio, chatos, profundos, encavados. Orelha grande, vertical, lóbulo carnudo. Mão grande, alongada, dura, musculosa, pele seca, ossos salientes. Palma mais longa que larga. Dedos longos, nodosos.
89
Expressão:
Disfórica, ritmos variados. Traços de amargura. Palavra rara, surda. Carácter :
Disfórico e irritável. Interiorizado, introvertido. Sombrios, preocupados. Vida cheia de acontecimentos desagradáveis. Queixam-se da oposição e do antagonismo das coisas. Muito inquietos quanto ao futuro; volvidos para o passado. Misantropos. Considerados como egoístas, porque vivem isolados, retraídos. Sem expansividade na alegria. Quando felizes, são graves e silenciosos. Recalcados. Vida interior muito intensa. Dados a ruminações mentais. Pouca espontaneidade nos instintos. São rígidos, pouco hábeis. Muito escrupulosos. Custam para decidir, mas não abandonam facilmente o que decidem. São observadores, ma distraem-se fàcilmente para a vida interior. Memória pouco forte e esquecem fàcilmente. Capacidade de reflexão muito sólida, penetrante. Por isso são lógicos, calculadores, mais que intuitivos. As idéias nascem com lentidão. Pouca presença de espírito. O imprevisto desconcerta-os. Pouca imaginação criadora. Curiosidade limitada, tendência para a especialização. Bons para documentarem um assunto, mas pouca capacidade criadora. Vontade variável. São tímidos ante a acção. Não gostam de exteriorizar as suas impressões. Desde criança são sérios. Gostam do estudo e pouco dos brinquedos. Quando homens, são silenciosos, pouco expansivos. Falavam vagarosamente, com voz surda e grave, e com tom sentencioso. Numa discussão ficam inibidos. Os argumentos vêm depois. Não gostam das companhias barulhentas, preferem poucos amigos, com os quais se extravertem. Gostam das mulheres discretas, reservadas. Uma alegria muito viva os agasta. Muito desconfiados, suuspeitosos da afectividade dos outros, duvidam da afeição de uma mulher, por isso são tenebrosos, ciumentos, tirânicos até. Sofrem e fazem sofrer. Gostos sóbrios. Em sua casa não há luxos inúteis. Tudo está no seu lugar; ordem pela ordem. Não gostam de excepções. Chegam à avareza. Não gostam de caminhar nem viajar. Gostos sedentários. Depois que adquirem um hábito, dificilmente o deixam. Gostam do isolamento e não querem as carreiras ruidosas. São meticulosos em seus trabalhos, por isso gostam de funções que exigem precisão, como artes mecãnicas. São coleccionadores. Muito limitados e sintetizadores. Gostam das ciências experimentais, das ciências sociais. Confundem a
90
erudição com o saber profundo. Como duvidam, tendem à meditação. Quando escrevem, gostam de fazer confissões, diários íntimos. Preocupam-se com o além. São estóicos, mas inquietos com o futuro. Não têm crenças religiosas ardentes. Não têm grande inspiração nas artes, mas podem fazer artes menores, decoração. Na política, são homens de princípios rigorosos. Quando realizam uma obra, suas fontes são seguras, as cifras são exactas, porque amadurecem muito as suas idéias.
TIPO VÊNUS Morfològicamente
Psicològicamente
Ossatura pouco saliente, envoltura gorda, linhas curvas, modelado ondulado.
Tendências concretas, com espiritualização gradativa. Eufórica. Irritabilidade média. Predominância da vida instintivoafectiva sobre a espiritual. Predominância dos instintos (nutrição e reprodução) sobre a vida passional. Inteligência pouco evoluída. Receptiva-intuitiva.
a) Quando predominam os planos inferior e médio sobre o superior. b) Predominância do inferior sobre o médio. Rosto oval. c) Fronte estreita, pouco elevada com curva regular, sem rugas. Descrição morfológica:
Talhe pequeno (1m50 a 1m60). Corpo volumoso, peso médio, preponderância de carnes. Proporções brevilíneas. Modelado redondo-ondulado — Pelo brancarosada, quente-húmida. Sistema piloso abundante, cabelos sedosos. Rosto oval. Plano da instintividade : Pescoço redondo, curto. Mandíbula média, envolta em carnes. Ângulo mandibular obtuso. Queixo recto, oval. Boca de tamanho médio. Lábios carnudos e moles. Dentes médios. Plano da afectividade :
91
Faces largas, ovais, cheias, com fossas. Maçãs pouco salientes. Nariz de altura média. De perfil, a linha é recta, com ligeira tendência a encurvar-se. Lóbulo redondo, narinas redondas, asas carnudas. Plano da intelectualidade : Fronte geralmente estreita e pouco elevada, de forma arredondada, curva regular. Ausência de rugas. Sobrancelhas bem desenvolvidas, fazendo um arco à distância média dos olhos. Olhos grandes, de forma oval. Outros aspectos:
Orelha pequena, vertical, pouco destacada, lóbulo carnudo. Mão de tamanho médio, de contorno oval. Palma maior que os dedos. Dedos curtos, redondos. Polegar pequeno. Movimentos delicados, curvos, expansivos, graciosos, de rapidez média. Palavra abundante, sonora, timbre claro e de tonalidade elevada. Mímica eufórica, sorridente. Sorriso da boca, mostrando os dentes.
CARÁTER Tipo feminino por excelência. Instinto maternal, feminilidade, tipo afectivo. Eufórico, terna, optimista e confiante. Tendências afectivas pronunciadas. Compreende tudo afectivamente. Pouco lógica, muito intuitiva. Sujeita a juízos superficiais. Muito observadora. Atenção caprichosa. Boa memória. Lembra-se de nomes, factos, impressões concretas. As associações de idéias são predominantes afectivas. Capta tudo pela intuição. Tem dificuldade para a análise racional, como também para a síntese. Se lhe colocam um problema acha logo a solução ou não a encontra. Não gosta de refletir longamente. A vontade é dominante, mas dirigidas pela afectividade, impulsiva, instável e caprichosa. É teimosa, perseverante. As pessoas deste tipo gostam de agradar. Gostam do convívio humano. São meigas e dóceis. Muita assimilação. São complacentes, benevolentes e sempre prontas a servir. Muito compassivas, sofrem nas carnes as dores dos outros. Comovem-se com as angústias dos outros e não gostam de viver em ambientes tristes. Gostam da natureza, flores, plantas, animaizinhos. Gostam do elogio, do cumprimento galanteador. Perdem-se em pequenos pormenores. Muito amigas, mas mutáveis no amor. Querem ser conquistadas e sentir-se dominadas. Preferem a afeição à liberdade. Casam cedo. Gostam de crianças.
92
Têm facilidade de aprender muitas profissões. Mas precisam ser dirigidas. Gostam mais do divertimento que dos esportes. Vaidosas. São hábeis para trabalhos manuais, modas, costuras, decoração, etc. No comércio podem ser boas intermediárias, porque falam muito. Quando artistas, pintam com graça, mas sem originalidade. Na música, melodias sensíveis, em ritmos curtos e leves. Na literatura, tendem para o romance de amor. Cumprem as leis morais da sociedade; são o que a sociedade é. Onde há religião, são religiosas; onde não há, não o são. São muito cédulas a tudo quanto não exija muita ponderação.
TIPO MERCÚRIO Morfològicamente
Psicològicamente
Predominância do plano superior (rosto triangular) Grande mobilidade dos olhos.
Predominância da vida espiritual sobre a instintiva-afectiva. Inteligência pragmática (curiosidade intelectual). Inteligência secundada por actividade realizadora.
Quando os outros estágios, embora sub-predominantes, são suficientemente desenvolvidos (perfil recto). Aspectos gerais :
Talhe pequeno (1m50 a 1m60). Corpo de volume pequeno, peso fraco. Pele fina, seca, bastante resistente. Pelos pouco abundantes, finos. Crâneo oval, com a parte maior elevada. Rosto de contorno triangular. No plano da instintividade : Pescoço longo, musculoso, magro. Mandíbula achatada lateralmente, afinando-se em ponta no queixo. Ângulo mandibular quase recto. Boca média ou pequena, recta, comissura cerrada, lábios finos, fechados.
93
No plano da afectividade : Faces achatadas, secas. Maçãs pouco salientes. Nariz de altura média, estreito, lóbulo pontudo, asas pouco carnudas, muito móveis. No plano da intelectualidade : Testa grande, larga e alta. Levemente inclinada para trás, chata, saliência das órbitas. Têmporas chatas. Sobrancelhas um pouco afastadas uma das outras, de traçado recto, pouco afastada dos olhos. Pêlos abundantes. Olhos pequenos, encaixados nas órbitas. Outros aspectos :
Orelha de tamanho médio, sem lóbulo, desenvolvida na parte superior da concha. Colocação vertical, pouco carnuda. Mão estreita, de largura média, em forma de losango, com a largura máxima na base dos dedos. Firme e seca. Palma igual ou inferior aos dedos. Dedos longos, chatos, arredondados na ponta, nodosos nas junturas das falanges. Polegar pequeno, bem destacado. Expressão:
Movimentos suaves, directos, de ritmo rápido. Grande habilidade manual. Palavra abundante, voz de tonalidade média. Humor irritável. Lábios móveis, asas frementes. Olhos móveis, olhar brilhante e seco (olhar investigador, curiosidade intelectual). Olhar oblíquo e fugidio. Sensuais sem poder instintivo. Combativos sem ardor. Ocupados em seus interesses. Eufóricos-disfóricos, têm ciclos. Prontos sempre à alegria e à tristeza, conforme as circunstâncias. Muito variados (diversos seres dentro de si). Gostam das mudanças. São fàcilmente solicitados a numerosas impressões. Sensibilidade fàcilmente afectada. São mutáveis, inconstantes. Ignoram a paixão profunda. São pessoa de acção imediata. Muita actividade física, pés ligeiros, mercurianos. Curiosos, investigadores. Boa memória. Não se aprofundam muito nos estudos. Um pouco superficiais, mas brilhantes. Distraem-se facilmente. Imaginação brilhante. Espontâneos, mas incapazes de uma boa síntese por falta de uma boa análise.
94
Muito sociais, salvo quando combinados com Saturno. Gostam de vestir bem, com elegância. São ágeis, falam muito, com voz rápida, clara, nítida. Inconstantes no amor como na amisade. Voluptuosos de imaginação, mas de sentido fraco. Gostam da vida elegante, seductores e frívolos até. São activos, mas não gostam da acção física continuada. Gostam dos esportes que exigem agilidade e não força. Gostam de tênis, dansa. São artezões, comerciantes. Incapazes de realizar obras profundas. Grandes vulgarizadores das obras. Escritores de bom gosto. Cépticos em geral quanto à religião e à ciência. Sua moral é marcada segundo as circunstâncias. Mudam-na quando pressionados.
TIPO SOL Morfològicamente
Psicològicamente
Rosto ovóide, com predomínio do plano superior, com base média. Têmporas cheias, convexas. Expressão luminosa do olhar.
Predominância da vida espiritual sobre a instintiva e a afectiva. Pensamento intuitivo, artístico superam o lógico e o utilitário.
Talhe médio — Pouco peso — Pêlos pouco abundantes, calvície frequente. Bigode e barba pouco abundantes. Crâneo de forma oval, pouco alongado. Rosto oval, mas com a parte superior com maior diâmetro. Plano da instintividade:
Pescoço harmonioso — Mandíbula de contorno delicado, pouco estreita, ângulo obtuso. Queixo oval, perfil recto. Boca pequena, mèdiamente fechada, harmoniosamente desenhada. Plano da afectividade:
Médio, faces ovais, cheias, firmes, sem saliência das maçãs. Nariz de altura média, recto, de largura média. Lóbulo redondo, de base
95
horizontal, asas pouco carnudas, pouco móveis. Plano da intelectualidade:
Fronte grande, larga e às vezes alta. Arredondada de perfil, com saliência fraca da arcada superciliar. Têmporas abombadas, convexas na parte superior. Poucas rugas ou nenhuma. Sobrancelhas alongadas em curva harmoniosa, a pouca distância dos olhos. Cabelos pouco abundantes, castanhos. Olhos grandes, ovais, pouco profundos. Azul celeste, cinzento claro, com pontinhas douradas. Orelha de tamanho médio, mais desenvolvida na parte superior, delicada, com curvas harmoniosas. Mímica: Serenidade calma e idealismo. Olhos muito expressivos. O olhar
é pouco móvel, dirigido para cima ou recto, sem fixar com insolência. Muito luminoso. Caráter: Tranquilidade, calma. Parecem pouco sensíveis às dores alheias. Mas é mera aparência. Mais aptos às idéias puras que às realidades materiais. Idealistas. Boa capacidade de observação. Capacidade para interpretação de símbolos. Grande potência na imaginação. Inspirados, metódicos na procura da verdade. Capazes de sínteses criadoras. Sentido das harmonias artísticas. Vontade forte e capacidade de acção. Dominam a si mesmos. São equilibrados e não traem os seus ideais. São serenos ante as adversidades, e de uma grandeza de alma extraordinária. São avessos aos exageros e ao ruído da fama. Seus gestos são medidos, leves, ascendentes, mas sempre sóbrios. Têm o sentido do belo. Quando ricos, não vivem no luxo; quando pobres, mantêm-se discretos e sempre dignos. São nobres de alma. São generosos e não temem passar da riqueza à pobreza. Têm uma personalidade que se impõe. A maioria é de artistas no bom sentido da palavra. Na ciência dão sábios de grande intuição, embora sejam pouco propensos às investigações científicas. Quando filósofos são espiritualistas. Têm grandes intuições. Quando religiosos são serenos e nunca sectários. Não gostam de cargos governamentais, mas quando os ocupam são magnânimos e não gostam de empregar a violência.
TIPO LUA Morfològicamente
Psicològicamente
Modelado redondo. Pouco aparecem os ossos. Predominância do plano superior — Rosto redondo (forma de lua cheia).
Debilidade de acção e humor fleugmático. Predominância da vida espiritual. Tendência ao sonho. Pouca acção
96
Olhos redondos. Talhe elevado. Poucos pelos, calvície frequente. Crâneo ovoide, com o ocipital saliente para trás.
do instinto de nutrição.
O tipo lua (lunar) é raro. E quando é puro, é infeliz, pois vive em plena imaginação, e é por ela torturado. Em geral surge combinado com Marte, como os idealistas, artistas, tipos criadores, actores, etc. Combina-se também com saturno e com Mercúrio. Saturno dá certo domínio e Mercúrio muita plasticidade, embora superficial o mais das vezes. No plano da instintividade: Pescoço magro. Mandíbula pouco desenvolvida, ângulo mandibular obtuso. Queixo em recuo. Dentes mal colocados e acavalando-se uns aos outros. Boca grande, comissura caída. Lábios grossos, pouco musculosos, moles. No plano da afectividade: Faces largas, flácidas, caídas. Pouca saliência das maçãs. Nariz pequeno, lóbulo redondo, um pouco arrebitado, azas flácidas. No plano da intelectualidade: Fronte elevada, oval ou ogival, alta na altura dos olhos, poucas saliências ósseas, o que se pode ver de perfil. Sobrancelhas bem separadas, curvas, em semi-círculo, esparsos os pelos. Olhos grandes, redondos, quase à flor do rosto. Pálpebras um tanto caídas. Tendência para a miopia. Características:
Muita mímica de rosto. Olhar sonhador. Em geral, o lunar é sonhador, imaginativo, de instintos um pouco fracos. Tem muita inteligência imaginativa, e quando não é um lunar puro, mas combinado, é criador. Grandes filósofos foram lunares combinados, como São Tomaz. Dá, desta forma, tipos positivos e negativos. Muitos poetas, artistas são lunares. Se o lunar é totalmente dominante, dá tipos mitônomos (tendentes a mentir, sem maldade, porém). Falam muito. Tendem para a indolência, à imobilidade, mas quando influídos por Marte, ou Apolo ou Mercúrio, são activos e criadores. Viajam muito com a imaginação, e são capazes de viver, na
97
imaginação, aventuras, situações com tamanho realismo, que chegam a sentir as emoções dos personagens e das situações criadas, o que é importante para o actor. Muitos gênios são de influência lunar, e dão muitos místicos. Tem, como todos os tipos, dependendo das combinações, aspectos positivos e negativos.
98
MÉTODO PRÁTICO DE ANÁLISE CARACTEROLÓGICA Como proceder para fazer uma análise? Vamos dar, a seguir, as regras principais e imprescindíveis, que se devem observar para obter as notas para uma análise, e que permitam a formação de um perfil exacto. O exame pode ser feito: a) com a presença do examinador; b) através de fotografias. No segundo caso, o exame é sempre parcial e de difícil bom êxito, pois a fotografia tanto pode favorecer como desfavorecer a fisionomia. É preferível, portanto, neste caso, que a fotografia seja feita por amador, que não tenha a preocupação da iluminação, pois certas sombras podem levar a interpretações falsas. É preferível que as fotografias sejam uma de frente e outra de perfil. Dispondo-se de uma só, a análise se tornará mais precária. Se se dispuser da presença da pessoa a ser examinada, as possibilidades são maiores. Neste caso, deve-se ver a pessoa de frente, de lado, e realizar o exame tão minuciosamente quanto possível. Todos os aspectos devem ser anotados, obedecendo à ordem que daremos a seguir. Dispondo de uma folha de papel, traçará uma linha central. Do lado esquerdo dará os aspectos notados. Do lado direito escreverá o significado dos mesmos. Procederá assim: Traços caracterológicos
Características
Instintividade Plano predominante; Maxilar formando ângulo recto. Ossudo, etc.
Predominância da instintividade.
PROVIDÊNCIAS A SEREM TOMADAS 1) Visão geral. Examinar a forma f orma do rosto: se redondo, oval, em paralelas, em forma de losango. 2) Qual o plano predominante: a) Qual o plano sub-predominante, e o inferior? Se são equilibrados os três ou se equilibrados apenas dois. 3) Classificar como: Dilatado ou retraído ou complementar.
99
4) Qual o tipo de dilatado? Se astênico ou estênico. 5) Qual o tipo de retraído, conforme a classificação. 6) Se há complementaridade. Se há presença deste ou daquele retraimento ou dilatação. 7) Análise dos planos: a) o plano da instintividade: Forma da mandíbula; ângulo; se ossuda ou carnuda; se predominam os músculos mastigadores; forma do queixo, se projectado, normal ou em recuo; lábios fechados ou abertos, duros ou moles, finos ou grossos. Tamanho da boca. Qual dos lábios é o predominante. b) O plano da afectividade: Faces dilatadas ou não; com covas ou não; encavadas ou não. As maçãs se projectadas ou não; rosadas ou não. Os olhos encovados ou não; redondos ou não; grandes ou pequenos. Nariz grande ou pequeno, côncavo, convexo ou ondulado; com raiz funda ou surge no plano de fronte; se largo ou estreito, em lâmina ou redondo; se o lóbulo é grande ou pequeno; se arrebitado ou não; se as asas são móveis ou não. c) O plano da intelectualidade: Arcada superciliar projectada ou não; sobrancelhas próximas ou afastadas dos olhos; se juntas, unidas, ou separadas; têmporas cavadas ou não. Parte central funda ou não; rugas ou não; com bossas ou não. Parte superior, se vasada ou não, com entradas ou não; com dilatação lateral ou não (parte superior). 8) Qual o tipo astrológico predominante? Quais tipos astrológicos se combinam no examinado. Atenção: — Estabelecidas essas análises, é fácil verificar quais os aspectos que caracterizam o tipo em estudo. É fácil, aí, estabelecer, então, se é um sanguíneo, um linfático ou um nervoso ou bilioso. Se introvertido ou extrovertido. Pela predominância dos planos, se é um introvertido ou extrovertido de função intelectual, ou intuitiva ou afectiva ou sensível. 9) Exame das mãos e dedos.
UM EXAME PRÁTICO DE CLASSIFICAÇÃO DE ASPECTOS Tomemos o tipo (Júpiter 3). 1) Visão geral: Frente: rosto oval.
Façamos a análise: Bondade.
100
2) Equilíbrio dos planos. 3) Dilatado médio. (Complementar) 4) Dilatado estênico. 5) (Prejudicado). 6) Há retraimento frontal. Combinação de dilatado com retraído de fronte. 7) Análise dos planos:
Característica de combinação jupiteriana. Com as características deste tipo já estudadas. Activo. Combinação com Marte. Com as características deste tipo já estudado.
Instintividade
Significações
Maxilar bem desenvolvido, ondulado, de contorno arredondado, ângulo obtuso. Nuca delicada sem fraqueza. Lábios carnudos, finamente desenhados. Queixo pontudo.
Exigências instintivas moderadas — Gosto delicado, mais voluptuoso que sensual. Actividade física. Ritmo rápido, de adaptação rápida.
Afectividade
Significações
Modelado ondulado. Nariz médio, recto, largo na raiz, de lóbulo oval.
Vida afectiva serena. Sensibilidade afectiva facilmente desperta; mobilidade, mudança de gosto. Idealização dos sentimentos.
Asas do desenhadas.
nariz,
finamente
Combatividade.
Intelectualidade
Significações
Modelado ondulado. Ausência de bossas acentuadas. Testa elevada e larga. Sobrancelhas separadas. Órbita superciliar em relevo médio.
Inteligência viva. Pensamentos claros. Aptidões diversas. Assimilação rápida. Boas qualidades de observação e
101
decisão. 8) Tipo astrológico predominante Combinação.
Júpiter. Marte Qualidades afectivas e intelectuais jupiterianas, com dinamismo e iniciativa e combatividade de Marte. Sujeito por isso a cóleras súbitas. Bom para chefe de indústria.
Perfil caracterológico:
Revela o examinado ser um homem de bom coração, sujeito a grande simpatia pelos seus semelhantes. Mas tal aspecto positivo não lhe impede certas cóleras súbitas, em que se excede muitas vezes, arrependendo-se, porque sua bondade exerce e prepara uma crítica aos seus excessos, que nem sempre domina. É um extrovertido, muito bom amigo, bastante sociável. Homem de grande actividade, batalhador, emprega sua acção na realização dos planos que esboça. Apesar de ter impulsos instintivos, sabe dominá-los, e eles não conseguem torturá-lo. Tem gosto delicado, aprecia os pratos bem feitos, gosta das bebidas de gosto delicado, nunca exagerando, porém, o uso que delas faça. Muita actividade física e intelectual; é incansável. Rápido em suas observações, logo nota a conveniência ou não do que deseja empreender. É corajoso, não se deixa abater fàcilmente em face das adversidades. Fàcilmente são despertadas as simpatias, por isso muitas vezes se arrepende de ter considerado como amigo quem não o merecia. (A sensibilidade fàcilmente desperta leva a certos erros de observação, apesar de tê-la bem desenvolvida). Da mesma forma, admira-se muitas vezes de ter perdido a afeição a quem julgava firme. É honesto em seus sentimentos e sempre idealiza sua afeição. Se casado e ama a esposa, empresta uma cor idealista ao amor que devota. Quanto a este ponto dificilmente se casaria sem amor. O cálculo não o dominaria, por ser corajoso e combativo. Quem se casa por cálculo revela fraqueza. Tem muitas aptidões, adapta-se fàcilmente a qualquer ramo de actividade, pois tem assimilação rápida, aprende com rapidez. Tem bastantes iniciativas e sabe criar projectos que executa. Chegado até aqui, estás apto, prezado leitor, a teres um retrato de ti mesmo, bem como de todos os outros que te cercam, se o desejares. Na verdade é muito difícil para muitos fazerem uma análise de si mesmos, quando se deixam influir por suas paixões, desejos, etc., pois tendem, naturalmente, a salientar um aspecto ou outro, bem como a esquecer um traço importante para a boa classificação de si mesmos. Deves, por isso, ter o
102
máximo cuidado e revisar, sempre que possível as tuas apreciações, ponderando bem se não te deixas dominar por alguma apreciação apaixonada. Mas, como já vimos, não basta conhecer-se para conquistar uma reintegração desejada. É preciso, ainda, a acção que nos leva a reintegrar-nos. Essa acção, como já viste, está expressa na Parte Especial deste livro, cujos exercícios não podes deixar de realizar e repetir sempre, sem desfalecimento e com plena fé, pois depende agora, apenas de ti, a marcha victoriosa que tanto desejaste.
103
PARTE ESPECIAL
104
Tu, quem quer que sejas, não podes negar que buscas o bem. Tens uma obra a realizar, uma missão a fazer. Tua atenção está voltada para o que te cabe realizar. Poderias conseguir o que desejas ou que te cabe construir, se desviasses as tuas forças para o que não interessa à realização da meta planejada? Não julgarias desde logo que toda atividade desviada do fim é uma atividade inútil e perdida? Mas, para onde se dirige o teu apetite? Para o bem, sem dúvida. Se o bem é a tua meta, toda atividade que não levar até ele é uma atividade inútil. Portanto, se queres alcançar o teu bem, deves naturalmente planejar a tua ação para que não haja atividades inúteis. Mas, quem deseja realizar alguma coisa, precisa saber onde e quando vai realizá-la. Um arquiteto que deseja construir um prédio precisa conhecer o terreno onde vai elevá-lo. Tu precisas, para alcançar teu bem, saber onde ele está, pois do contrário serias como aquele viandante que procura uma cidade sem saber onde ela está. E assim como o viandante necessita que outros lhe indiquem onde está a cidade que busca, talvez precises, também, saber onde está o teu bem. Raciocinemos juntos: é o teu bem algo a ser criado, ou já existe? Como já vimos até aqui, o teu bem já existe, pois todas as coisas buscam realizar o seu bem. Mas se ele já existe, então para que procurá-lo? Sim, ele já existe, mas é preciso saber onde ele está, da mesma forma que o viandante sabia da existência da cidade procurada, não, porém, onde ela se achava. Então surge outra pergunta: está em mim mesmo ou fora de mim mesmo o bem que me é próprio? Eu te respondo que não haverá nenhum bem fora de ti, se antes não encontrares o bem em ti. E vou mostrar-te: O teu bem está em ti, esta é a afirmativa. Mas é preciso desvelá-lo, descobri-lo dos véus que o ocultam. E o que o oculta são todas as solicitações que te afastem do teu próprio bem. Digamos que procuras, levado pelo teu apetite, pondo em ação a tua vontade, o bem nas coisas que te cercam. Por acaso, não são elas um bem para ti? Não dão elas inúmeros prazeres, bem-estar, satisfações? Então, o teu bem está nas coisas. Mas duas são as situações de um homem ante as coisas: a) Ser senhor das coisas; b) Serem as coisas senhoras do homem. Qual situação que preferirás? Ser escravo das coisas, ou utilizá-las para o teu bem? Certamente, responderás que queres dominar as coisas. Elas devem servir-te e não servires tu a elas. Mas como poderias tornar as coisas tuas servas, se elas te dominassem?
105
Nesse caso, escravo das coisas, elas não seriam o teu bem, e quanto mais as perseguisses, mais dominado estarias por elas. Portanto, o bem que elas te dariam seria sempre menor que o bem que delas tereis, se te tomasses senhor. Desta forma, o teu bem, fora de ti, não poderia ser alcançado sem que fosses um senhor e não um escravo. Mas pode ser senhor, quem não é senhor de si mesmo? Ser senhor de si mesmo é realizar o que de melhor há para nós. E a ideia de melhor implica a de um bem superior a outros bens. Portanto, o teu maior bem é seres senhor de ti, pois, desde que o sejas, te tornarás senhor das coisas. Pois não é verdade que as coisas provocam em ti paixões, emoções, sentimentos, preocupações que não são o teu bem, mas reduções, ataques ao teu bem? Desta forma, vês claramente que o teu bem está primeiramente em ti e secundariamente nas coisas. Tens, portanto, que libertar o teu bem dos véus que o cobrem, para que possas dominar as coisas e fazer com que elas te sirvam. Já sabes que a confiança em ti mesmo é o ponto de partida. Poderias dizer: “não posso fazer isto agora, mas podê-lo-ei amanhã.” Assim como um estudioso sobe degraus até alcançar o pleno conhecimento, também conhecemos degraus para alcançar o nosso bem. — Que devo fazer? — perguntas-me. — Confia em tua vitória, em primeiro lugar. Já sabes que tens o teu bem em ti. Falta-te apenas libertá-lo dos véus que o encobrem. Realiza o exercício diário de meditação, nas formas a serem indicadas e o de respiração rítmica. Com esses exercícios abrirás as portas que conduzirão à tua vitória. Agora medita sobre estas minhas palavras: Há coisas que dependem de mim e há coisas que não dependem. Os meus pensamentos, a minha vontade e as minhas paixões dependem de mim. O que se refere aos outros e ao mundo não depende de mim. Se me aflijo com o que não depende de mim, só posso enfraquecer-me. Tudo quanto possa fazer para o bem dos outros não deixo de fazer. Contudo, sou o meu amigo que precisa lutar por mim. Se me aflijo com o que é meu, a culpa é apenas minha, pois posso vencer o que depende de mim. Todas as vozes que venham de mim, contra mim, não são minhas. Porque o que é meu, trabalha por mim. Ouvirei as minhas vozes que falam a linguagem do meu bem, e repudiarei, com o meu desprezo, as vozes que não falam a sua linguagem. Sou eu que faço a minha força ou a minha fraqueza. Lutarei por mim e pelo meu bem.
106
Quando me surge uma ideia dolorosa, preocupadora, minha inimiga, dirlhe-ei: “Tu és apenas uma ideia e nada és do que pretendes representar.” Analisa-a então: é uma ideia que se refere às coisas que dependem de ti ou às que não dependem de ti? E se se refere a coisas que não dependem de ti, despreza-a, e dize-lhe: Isto não se refere a mim. — Mas, e as minhas preocupações sobre assuntos que dependem de mim? — podes perguntar. Pois bem, analisa-as: são sobre fatos fundados ou infundados? São dúvidas que te assaltam? São temores vãos? Fundam-se em fatos sucedidos? Sejam o que forem. Sejam reais, até, tenham fundamento até. Lembra-te, porém e pronuncia dentro de ti: “as preocupações crescem quando eu as alimento com o meu temor, quando eu lhes dou conteúdo com a minha vontade. Sei que só poderei vencer o que é contra mim, quando estou do meu lado, quando estou unido a mim mesmo. E quem poderia fazer essa desunião, se o interior de cada ser humano é um reino onde podemos dominar soberanamente? Eu não me enfraquecerei em favor dos meus inimigos”. Meu caminho já está traçado: lutar por mim. Ninguém me afastará de mim mesmo e do meu bem. Se nós somos que são os nossos pensamentos, podemos ser o que pensamos. E acaso não temos liberdade de pensar no bem, como podemos pensar no mal? E se desejamos o nosso bem, pois esta é a lei de todo o existente, porque não pensamos em nosso bem?
107
NÓS E OS NOSSOS PENSAMENTOS Não nos esqueçamos que o pensamento é uma força. E o que pensamos toma vida dentro de nós. Se pensamos no bem, o bem em nós se corporifica e se torna carne. Pensamentos positivos e optimistas nos fortalecem. Um pensamento alegre sempre nos dá alegria. Uma confiança em nós se torna corpo em nós. Como procedermos para alcançar essa grande conquista pelo nosso bem? Como tornar-nos os criadores de nós mesmos, os cavaleiros andantes de uma nobre empresa? Em primeiro lugar, convençamo-nos de uma verdade; que não podemos nem devemos ser nossos inimigos, mas nossos amigos. Quem lutará melhor por ti que tu mesmo? A tua batalha está aí e tua missão é uma única: realizar-te. E a primeira providência é teres esta certeza: tu deves ser o teu melhor amigo. Portanto, mãos à obra. Que desejas alcançar? Responde a ti mesmo: o meu próprio bem. E quem irá realizá-lo? Eu mesmo. E de que forma estarás apto a realizar o teu bem? Esgrimindo os meus pensamentos a meu favor. — Quais serão as tuas armas? — O meu escudo é a confiança em mim mesmo. A minha lança é a minha vontade. As minhas setas serão os meus pensamentos. — E vais dirigir os teus pensamentos contra ti? — Não; como poderia fazê-lo? Seria insensato que as atirasse contra mim mesmo. — E qual será o teu alvo? — Minhas setas têm uma meta: o meu próprio bem. Sorrirei quando tiver dentro de mim pensamentos alegres. Estarei tranquilo quando meus pensamentos forem de tranquilidade. Conhecerei paz se meus pensamentos forem de paz. — E como serão as tuas orações a ti mesmo? — Jàmais direi “não posso”. Jàmais pronunciarei dentro de mim este não . Sim será a minha palavra, porque afirma, e eu quero afirmar-me. Estarei sempre comigo mesmo. E a paz eu a encontro em mim mesmo. As coisas exteriores não me darão a paz que eu encontro em mim mesmo. As coisas me servirão, eu não servirei às coisas, mas a mim mesmo. Conheço bem o caminho e não me perderei mais. E cada manhã ao acordar eu direi a mim mesmo: bom dia, meu bom e fiel amigo!
108
— Pode alguém te arrebatar esta amisade? — Não: ninguém. Meu amigo é como uma rocha que as tempestades não abalam, que os ventos tentam inùtilmente deslocar. Mas os ventos passam e a amisade do meu amigo fica, fiel, digna, altiva desafiando todas as tempestades. — Mas não és tu guiado pelo destino? — Eu sou o meu destino. Meu querer é o meu destino. — E os maus pensamentos não te vencerão? — São acaso fortes os maus pensamentos? A força dos maus pensamentos está na vontade que eu puser a favor deles. Se eu ponho minha vontade no meu bem, como poderei pô-la nos maus pensamentos? — E eles não te abalarão? — Como poderiam abalar-me se eu sou aquela rocha por onde passam inùtilmente os ventos tempestuosos e não a abalam? Quem possui o bem dentro de si é o próprio bem. Quando tenho sede, posso pensar no que quiser, mas a sede não será aplacada. Quem poderá aplacar a minha sede de bem senão o bem? Ninguém poderá destruir o amor de quem ama uma coisa com bastante amor. — E um grande sofrimento não pode te abalar? — Não; eu respondo como o filósofo: não há mal, por maior que seja, que não o possa vencer com o meu desprezo. E eu desprezo todas as más idéias, tudo quanto quer vencer o meu bem, porque sei que ele é indestrutível.
109
EXERCÍCIOS
110
QUEM ÉS TU? Se ainda não leste nem realizaste plenamente um retrato caracterológico de ti mesmo, o que te será fácil depois de estudares a Parte Geral deste livro, não te devo preocupar esta falha, pois ela não impedirá que possas agora na Parte Especial, iniciar os exercícios, depois das providências que passarei a descrever, no intuito de realizar a tua integração. Talvez sejas um retraído introvertido ou extrovertido, nervoso ou bilioso, e estarás sujeito às contingências do teu temperamento e do caráter que adquiriste. Mas tu podes realizar a ti mesmo, e a tua personalidade poderá por ti mesma ser construída. Mas, antes, ponderemos sobre alguns pontos que são de grande importância para alcançarmos a meta desejada. Vamos dispensar certos aspectos técnicos e de certas discussões filosóficas de psicologia. Não iremos penetrar no tema da tensão psíquica, que em nós forma uma unidade de multiplicidade, e que é mais ou menos coerente, segundo o nosso grau de integração. Em palavras simples: há personalidades amorfas, frágeis, facilmente desviáveis, impressionáveis, móveis, e outras que são o inverso. E entre os extremos, há uma gradatividade imensa. Não há dois tipos humanos iguais, senão dentro das formalidades estatuídas pela tipologia. Se há em comum um número imenso de notas, de aspectos, de qualidades, etc., há, ao mesmo tempo, outros que são diferentes, totalmente diferentes. Portanto, o ser humano é formal e tipologicamente homogêneo, mas é individualmente heterogêneo, diferente, diverso. Podemos, no entanto, estabelecer algumas regras que todos os psicólogos aceitam. Por exemplo: o grau de coerência da tensão psíquica (chamam-na alma, psiquismo, espírito, mental, o que quiserem, não importa aqui) é uma garantia de firmeza do ser humano. Uma personalidade é mais forte quanto mais coesa e mais coerente for a sua tensão psíquica. Em suma, a sua unidade psíquica quanto mais forte, mais forte a sua personalidade. As agressões, que os estímulos exteriores possam realizar ou os pensamentos negativos terão sua força na proporção da fraqueza da tensão psíquica. Se essa for forte, malograrão todas as ideias errantes, negativas, como também as preocupações, as angústias; e os desajustamentos que daí decorrem se tornarão consequentemente menos comuns e mais difíceis de ser adquiridos. Todos nós conhecemos momentos de fluxo e de refluxo. Os fluxos psíquicos caracterizam-se pelo entusiasmo, pelo “sentir-se bem” inteiramente, pela paz conosco mesmo, pelo otimismo, pela vontade de atuar, de realizar, de empreender. Os refluxos levam-nos ao pessimismo, à descrença em nós e nos outros, ao abatimento moral, e nos tornamos presas fáceis das preocupações, das angústias, da tristeza, da inapetência, da falta de entusiasmo, da apatia, da desilusão, do desespero até. Consideremos de início, o que somos. Todos nós conhecemos momentos de fluxo e refluxo, que se alternam constantemente, perdurando uns mais que outros.
111
Procedamos, no entanto, a algumas análises: 1) Quando sobrevêm os momentos de refluxo? Que nos parece tê-lo motivado? Foi uma palavra que alguém pronunciou, um gesto, um fato, uma atitude? Foi porque pensamos nisto ou naquilo? 2) Anote-se aqui o fato que nos parece ser a chave que abriu a porta ao estado de refluxo. 3) Quando surgem os sintomas, analisemos as circunstâncias e anotemos os acontecimentos que os cercaram, e os que os precederam. Vejamos se há repetições. Por exemplo, quem sofreu, em sua família, um desastre de automóvel, no qual alguém que muito estimava perdeu a vida, não tolera que lhe falem em desastres. Imediatamente se acabrunha, entristece-se, entra em refluxo, mesmo que tome uma atitude irada, nervosa, agitada. Examine-se, portanto, e verifique que fatos provocam os estados de refluxo. 4) Às vezes, não somos capazes de examinar o que nos parece ter feito eclodir o estado de refluxo. Ele surge como se nada o motivasse. Sobrevêm sem um porquê, e não nos aparece com qualquer conteúdo. Estamos angustiados por nada. Não conhecemos nenhum conteúdo de nossa preocupação ou de nossa angústia. Tudo nos corre bem e, no entanto, sentimo-nos inquietos, como se algo nos ameaçasse. Por mais que procuremos saber de onde vem, ou a possível causa, não a achamos. Desse estado decorrem inúmeras atitudes antissociais, irritações bruscas, e fazemos o que normalmente (dizemos a nós mesmos) não seríamos capazes de fazer. Nesses casos, a análise se torna mais difícil. Mas meditemos sobre alguns exemplos que nos são bem úteis. Dizemos: “gato escaldado até de água fria tem medo”. É que a água lhe associa a desagradabilidade da queimadura. E basta vê-la para que o esquema água-desagradabilidade lhe surja, e consequentemente o gato fuja. Um cão, que levou uma paulada de algum homem vestido de zuarte, foge, ou toma uma atitude agressiva, ante qualquer outro homem vestido de zuarte, que dele se aproxime. A tais atos reflexos chamam os psicólogos reflexos condicionados. Tanto a criança como nós revelamos muitos desses reflexos, e outros. São verdadeiros esquemas que construímos pela experiência. O ser humano é um grande estoque desses esquemas, e nossa vida está marcada e orientada por eles. Repelimos tudo quanto nos é desagradável, aceitamos tudo quanto nos é agradável. Além desses esquemas fáticos, que são formados pela associação de imagens de fatos, já por nós experimentados, o ser humano tem a capacidade de organizar esquemas eidéticos; isto é, esquemas construídos apenas das ideias que captamos nesses fatos. Vamos a exemplos esclarecedores. Quem sofreu injustiças em sua vida e revoltou-se muitas vezes pelos castigos ou penas recebidas, sem uma justificação, forma um esquema eidético: injustiça-revolta. E toda vez que vê
112
alguém injustiçado, revolta-se. Aqueles que em suas vidas lutam contra a injustiça, tomam atitudes enérgicas contra todos os atos que provoquem males aos outros que não os merecem, e revoltam-se. Não basta que sejam contra si mesmos apenas. Em face de qualquer injustiça, o sangue sobe —lhes à cabeça e irritam-se, rebelam-se, esbravejam, e tornam-se até campeões da justiça, lutando para que ela se instaure soberana, na sociedade. Analisemos alguns dos nossos esquemas. Porque nos irrita isto e nos alegra aquilo. Procuremos descobrir os primeiros exemplos, os primeiros fatos, e verifiquemos, finalmente, o esquema eidético que formamos. Esses esquemas, depois que se coordenam com outros, estruturando-se dentro de nós, são dificilmente desintegráveis. Tomam uma coerência tão grande que marcam o nosso caráter. (Caráter, em grego significa marca). O nosso caráter é formado de inúmeros esquemas que se gravaram em nós. E quanto mais fortemente gravados, mais nítido o nosso caráter. Mas, assim como há esquemas benéficos, há esquemas maléficos. Os hábitos, que são adquiridos, são verdadeiros esquemas. E do mesmo modo que obtemos bons hábitos, também obtemos maus. Que fazer para fortalecer os bons esquemas e desintegrar os maus, a fim de nos libertarmos da sua tirania? Os esquemas consistem em verdadeiras normas dentro de nossa alma. São o que os escolásticos chamam de habitus. Esse termo vem do verbo habere, haver, ter. Habitus é tudo quanto não faz parte da essência, mas que é adquirido. E podemos, psicologicamente, adquirir bons hábitos ou maus, como também podemos libertar-nos dos maus. Ora, se são eles aquisições, e não formam a nossa essência, poderemos dispensá-los, embora isso nos custe, às vezes, muito trabalho e boa vontade. Mas, quem vai dispensá-los? É a nossa alma, em sua pureza. É a nossa tensão psíquica forte, que é a nossa arma de desintegração dos maus esquemas. Portanto, para que ela seja capaz de uma tarefa tão importante, é preciso, em primeiro lugar, que ela seja muito forte, poderosa, coesa. O caminho está em fortalecê-la. É o primeiro lanço da jornada. Podemos, depois, alcançar outros estágios importantes. Vamos, portanto, seguir os primeiros passos, que nos levam ao fortalecimento de nosso espírito.
113
O POUCO QUE PEÇO DE TI Vamos juntos percorrer esse lanço, e depois examinaremos outros. Quem vai fazer uma viagem, toma diversas providências, e uma das mais importantes é preparar tudo quanto precisa para ela. E, assim como arrumamos em nossas malas os apetrechos, objetos de que iremos necessitar, precisamos, também, arrumar tudo quanto vamos precisar para essa viagem. E como todo viajor deseja que a viagem seja a mais agradável possível, que menos dissabores apresente, não julgues que eu vá exigir de ti, de início, muitas coisas. Vou pedir, ao contrário, bem pouco; tão pouco que não me negará, pois só exigirei de ti à proporção que sejas capaz de me dar o que te peça. Muitos se queixam de que não têm confiança em si mesmos. Seria tudo muito fácil se disséssemos apenas: tem confiança em ti, e a confiança surgisse subitamente. A confiança em si é a maior virtude que se pode desejar para um homem. Quem tem confiança em si realiza o que pareceria impossível. Mas, muitos se queixam que não a têm, e não sabem como adquiri-la. A confiança em si não se adquire diretamente, mas direta e também indiretamente. Não basta dizer que se tem confiança em si, pois ela não nasce apenas pela palavra. Nem adianta desesperar-se. Na verdade, tu tens confiança em ti. Não acreditas no que digo? Mas, pensa um pouco. Quando te levantas pela manhã, duvidas acaso que sejas capas de vestir-te? Não és capaz de ir até à mesa e tomar a tua primeira refeição? Não és capaz de fazer tantas pequeninas coisas? Se és capaz de fazer tantas coisas, és capaz, pelo menos. Rememora, por favor, tantas coisas que fazes, tens feito e que és capaz de fazer. Mas, logo poderias me retrucar, que há muitas coisas que não podes fazer, pois não és capaz de fazê-las. Não há dúvida. Mas, pensa mais um pouco; quando criança, quantas coisas não podias fazer, e que hoje fazes. O atleta que vê um haltere tão pesado, julga que não poderá erguê-lo. E nas primeiras aulas de halterofilismo, não pode fazer o que outros fazem. Não pode, porém, deixar de reconhecer que o que outros fazem não o faziam antes. Portanto, tu és capaz de muitas coisas. Assim como hoje és capaz de fazer o que anteriormente não o podias, serás capaz de fazer amanhã o que hoje parece difícil. Se és capaz até de viver, és sempre capaz. Portanto, reconhece uma verdade: és capaz.
114
Assim, já alcançamos alguma coisa ao chegarmos aqui. Tu me acompanhaste até aqui. Já temos um importante ponto de partida, pois já temos alguma confiança em nós. Pois não fazemos já o que não fazíamos? Não fomos capazes de um progresso? Se fomos, por que não o seríamos de mais? Vamos fazer uma experiência. Deixa teus braços pousados sobre esta mesa, junto a este livro. Não o movas. Conta até vinte, sem os moveres. Conta: um, dois, três, quatro ... vinte. Não conseguiste? Vamos, outra vez, contemos até cinquenta. Não te movas totalmente: Um, dois, três, quatro, cinco .. cinquenta! Viste como podes ficar quieto? Experimentemos um pouco mais: olha aquele objeto ali. Fixa o olhar sobre ele. Não te movas, não olhas para outra coisa, só para ele. E conta até vinte. Um, dois, três, quatro ..... vinte. E que tal? Vamos contar até cinquenta. Um, dois, três, quatro, cinco... cinquenta! Magnífico! Coloca-te agora na cadeira em que estás. Afasta tuas costas do encosto. Vira para cima a palma da mão direita. Coloca sobre ela a mão esquerda. Deixa-as pousadas agora sobre as pernas. Toma uma posição firme. Não te movas. Olha para um objeto à tua frente. E conta até vinte. Repete até cinquenta. Toma a mesma posição. Fecha os olhos. Respira lentamente, ritmadamente pelo tempo que puderes. Não te preocupas com os pensamentos que surjam. O que nos interessa agora é que realizes esse exercício de respiração. Respira profundamente. Enche mais que puderes os pulmões. Olhos fechados, mas procura “olhar” bem no centro da raiz do nariz. Inspira profundamente. Guarda bem o ar nos pulmões até contares dez. Deixa-o sair lentamente, enquanto contas até cinco. Suspende um pouco a respiração. Os pulmões esvaziados. Enche-os de novo, lentamente; guarda o ar, esvazia, descansa, prossegue. Esplêndido! Tudo já está correndo muito bem. Vamos repetir. Agora procura respirar deste modo: enche os pulmões bem devagar. Guarda o ar. Expira vagarosamente. Tão vagarosamente que nem sequer ouças o ruído da respiração. Torna-a bem fluídica. Pouco a pouco, continuando nesse exercício, conseguirás alcançar um ritmo bem teu, natural. E faze esse exercício diariamente, tantas vezes quantas puderes. Podes
115
abusar dele, pois quanto mais fizeres, melhor para ti. Pelo menos, deves fazêlo uma vez pela manhã e outra à noite. E vais fazê-lo sempre, daqui por diante, durante toda a vida. Seria muito complexo tentar explicar quanto vale este exercício. Mas basta dizer algumas palavras: ele vai regularizar, aos poucos, a tua respiração, a alimentação do oxigênio de que precisa o teu sangue; vai regularizar todo o teu corpo e também ajudar a fortalecer o teu espírito. Pois a atenção que puseres, olhando para a raiz do teu nariz, vai ajudar a concentrar a tua tensão psíquica. E só o bem poderá vir para ti desta concentração. Prosseguimos então. Estás contente, não está? Já tens outra confiança em ti. Bem que o sabia, pois o primeiro passo está dado e a viagem agora vai ser mais bela ainda. E como bons caminheiros, que seguem cantando pela estrada, por que se alegram com a beleza dos caminhos, rejubila-te, alegra-te, sorri. Ergue agora os músculos da face (os zigomáticos). Levanta esse sorriso. Não ri para baixo, mas para cima. Assim mesmo. E alegria, companheiro, cantemos juntos!
116
EXERCÍCIOS RESPIRATÓRIOS O mesmo exercício que se realiza sentado, também se pode realizar quando deitado. Deita-se de costas, estiram-se as pernas. Colocam-se duas mãos bem juntas ao corpo, de cada lado. E respira-se da mesma forma, olhos fechados, o olhar convergente. Se acaso surgir algum mal-estar, por estar o olhar convergido para a raiz do nariz, deve-se convergi-lo, como se se dirigisse para um objeto distante. E respira-se da maneira indicada. Esse exercício acalma. Se se adormecer ao fazê-lo melhor ainda. Mas se acaso houver estremecimento e câimbras não há motivo para preocupações. Nosso corpo não é muito acessível à disciplina, e se rebela um pouco. São pequenas reações que não fazem mal. Continuem-se os exercícios que afinal esses estremecimentos desaparecerão, e sentir-se-á o praticante cada vez mais calmo. * *
*
Daremos agora uma série de regras para exercícios respiratórios. Respiração rítmica — o ritmo é individual. No entanto, antes de alcançálo, o praticante pode seguir esta norma: 3 segundos para a inspiração; 2 de retenção de ar nos pulmões; 5 para a expiração; 2 de descanso, em, seguida retorno à inspiração. Observações: No início, é quase impossível conseguir a regularidade. Contudo, não há motivo para preocupação. Prossegue-se no exercício pelo prazo de uns 5 minutos. Obtida certa regularidade, nos dias sucessivos, aumenta-se para 10, até 15 minutos. A pouco e pouco alcança o praticante o seu ritmo individual, mas sempre conservando as quatro fases inspiração-retenção-expiração-descanso, até alcançar a fluidez da respiração, que se fará quase em silêncio. Modalidades: Este exercício pode e deve ser realizado: a) estàticamente; b) dinâmicamente; No caso a , deve o praticante permanecer sentado na postura já indicada.
117
No caso b , deve colocar-se em pé, pernas abertas. Cruzar as mãos na nuca. Inspirar profundamente, conservar o ar nos pulmões, expirá-lo com a flexão do busto sobre os joelhos até esvaziar totalmente os pulmões. Permanecer os 2 segundos neste estado e inspirar levantando o busto até a posição normal. Tempo: Adquirido o ritmo individual, na postura estática, esse exercício deve ser seguido cotidianamente. O exercício dinâmico pode variar, e deve ser feito da seguinte maneira: Inspiração — 3 segundos; Retenção — 10 segundos; Expiração — 5 a 6 segundos; Descanso — 2 segundos no mínimo. Alcançar esse tempo já é extraordinário, e abre campo para profundas modificações interiores. Duração dos exercícios: Um dos nossos graves defeitos consiste na pressa. Não gostamos de empregar dias, meses e até anos na realização de uma tarefa que não nos ofereça imediatos resultados. Por isso, tais exercícios, como outros, sempre úteis e benéficos para o bom funcionamento, não só físico como químico, são abandonados em meio do caminho, por aqueles que não percebem, desde logo, imediatos benefícios. Mas, num setor como esse, o do nosso pleno domínio, todo esforço, toda confiança, toda decisão, toda calma, toda a perfeição que se alcancem, embora que parcialmente, servem para nosso bem. Podemos não perceber os benefícios maiores, porém eles se processam lenta e silenciosamente, e terão, afinal, que dar os seus frutos, que bem valem o esforço despendido. * *
*
Estás contente. Rejubila-te. Já conquistaste mais do que julgas. Agora já tens confiança que terás confiança em ti . A primeira confiança é ter confiança que teremos confiança em nós. E ao ter essa confiança, já temos uma confiança em nós, a de confiarmos que somos capazes de confiar em nossa confiança. Não é um jogo de palavras. É uma verdade que tu estás vivendo agora. Já tens confiança. E vais fazer muito mais. Mais do que esperas. Vamos agora iniciar uma nova fase. São os exercícios de meditação. Lê vagarosamente, com calma, pensando em tudo quanto vai escrito. Não tenhas pressa.
118
Imagina que, na viagem, um dos viandantes quer andar muito depressa. Ele cansará logo. Para não cansar, é preciso ir devagar.
119
EXERCÍCIOS MENTAIS Pode-se ficar na mesma posição do exercício respiratório, ou em outra que for mais cômoda. Escolhe-se um assunto qualquer; por exemplo, esta frase de Virgílio: “Podemos, porque pensamos poder”. Pensar que podemos é ter confiança em nosso próprio poder, e ter confiança nele, é fortalecer o poder que há em nós... e assim sucessivamente. Medita-se sobre tudo isso, sem se mover. Apenas o pensamento atua e o corpo deve permanecer imóvel. É possível que sejamos interrompidos por pensamentos diferentes, e também levados para muito longe do que estávamos meditando. É natural que pensamentos errantes invadam o nosso cérebro e nos desviem do ponto onde estávamos. O que se deve fazer é voltar novamente ao assunto e meditar sobre ele, sempre com alegria, sem se preocupar com o que aconteceu. E tantas vezes, quantas puder. Esse exercício pode durar uns 5 minutos, o que já é um progresso extraordinário. Não se deve forçar o pensamento, a fixar-se só sobre o tema. Não se deve lutar nunca contra as ideias intrusas. Quanto mais se lutar contra elas, mais fortes elas serão. Deve-se deixá-las de lado, e prosseguir no exercício, que deve ser realizado diariamente. À proporção que as ideias intrusas ameaçam perturbar a meditação, recomeça-se outra vez, sem se preocupar com a interrupção. Regra importante: escolher sempre, como tema de meditação, assuntos positivos. Não pensar em coisas ruins, males, infâmias, doenças, fraquezas. Os pensamentos devem exercitar-se sobre aspectos positivos e benéficos. Aproveita como tema grandes pensamentos positivos de grandes autores. Em nossos livros “Curso de Oratória e Retórica” e “Técnica do Discurso Moderno” oferecemos exemplos e regras de meditação, muito úteis.
120
REGRAS IMPORTANTES SOBRE A MEDITAÇÃO Depois dos conselhos que demos sobre a meditação, desejamos, agora, chamar a atenção do leitor para os pontos seguintes, de grande importância para o bom êxito das mesmas: a) Na meditação, nenhuma tensão é necessária. Ao contrário, é até prejudicial. Iniciada com tranquilidade, não exige nenhum excesso de esforço. A meditação deve orientar-se com a maior naturalidade. b) A duração deve ser aumentada à proporção que o bom êxito for sendo conquistado. Para iniciar, basta meio caminho até à base ótima de meia-hora. c) A direção do olhar deve ser para frente. d) Se, no início, houver estremecimentos, lembrar-se que eles são naturais. Podem dar-se em todo o corpo, ou apenas nas pernas, braços, etc. Tais procedimentos, comuns a princípio, terminarão por desaparecer totalmente. e) Ao iniciar a meditação, que deve ser feita em lugar reservado e ausente de estranhos, pensar primeiramente que se está só, entregue ao seu próprio bem, que, por sua vez, está imerso no Bem Supremo. Esse o cerca, esse o sustenta, e esse o amparará. f) Se a meditação for sobre uma única ideia, por sobre ela a máxima tensão psíquica. Se for através de idealizações (por encadeamento de ideias), não se preocupar se pensamentos errantes e estranhos a perturbarem. Quando sentimos que nos perdemos em pensamentos estranhos, não nos perturbemos por isso, pois é natural. Voltemos ao pensamento fundamental da meditação, prosseguindo com confiança. g) Se se manifestarem dificuldades muito grandes para nos fixarmos sobre vários pensamentos, a solução é pensar em poucos, e sobre esses fazer a meditação. h) Procurar estar sempre alegre; um leve sorriso deve pairar no rosto. Não abrigar qualquer sentimento de hostilidade. Viver um momento de pleno amor. i) Permanecer em silêncio, e se discorremos, os pensamentos devem ser pronunciados apenas intimamente. Pensa no bem universal, no bem de tudo e de todos. Este teu desejo deve ser sincero. Sentir-te-ás mais forte. j) Os pensamentos errantes ou perturbadores devem ser recebidos com tranquilidade e calma, e sobretudo com paciência. Eles acabarão por não mais surgir, e obter-se-ão a paz interior e a força mental desejada. Outras meditações virão a seu tempo.
121
k) Os pensamentos estranhos, se merecerem a nossa atenção, criarão raízes e força. Deve-se recebê-los com indiferença, e prosseguir na meditação. Eles acabarão por não mais nos procurar. l) Esse exercícios devem ser prosseguidos de 3 a 6 meses e só devem ser substituídos por outros mais complexos, sobre temas mais amplos, depois de obtida a sua plena realização. m) Não se deve lutar contra o mental. Conservar-se sempre calmo. n) Se a concentração dos olhos causar qualquer mal-estar, pode-se abandoná-la e dirigi-la para o exterior ou olhar normalmente com os olhos fechados. o) Nunca abandonar a prática da meditação, embora pareça difícil a princípio. Deve-se sempre fazê-la, porque só ela nos dará a solidez da tensão psíquica e sua força interior e mental. Ela contribui para a formação, não só de um espírito forte, mas também de um corpo são. A alegria, que se obterá, depois de uma longa prática, e a satisfação que se conhecerá, serão tão grandes, que compensarão todos os esforços despendidos. p) Sempre que o teu pensamento de dispersar através de pensamentos vagabundos, não te preocupes, como já o dissemos. Procura, com mansidão, voltar ao pensamento principal da meditação. No início serão inúmeras as vezes em que te dispersarás. Mas, cada vez, o número de dispersões diminuirá. No início, podem dar-se dezenas de dispersões. Por isso não te preocupes. q) Lembremo-nos que a dor aumenta segundo a atenção que a ela lhe dermos. Também os pensamentos errantes ou contrários aumentarão de força, quanto mais atenção lhes dermos. r) Lembremo-nos que o subconsciente trabalha enquanto dormimos, e também quando estamos despertos, em vigília, e entregues ao consciente. Para problemas, cuja solução não encontrávamos, vemo-la surgir quando menos esperávamos. É que o subconsciente trabalhou para solucioná-los. Lembremo-nos que o subconsciente pode atuar quase sempre a nosso favor. Muitos sábios, filósofos, cientistas, estudiosos de toda a espécie, confiam ao seu subconsciente a solução de grandes problemas. E conseguem obtê-la, graças à confiança que nele depositam. s) Lembremo-nos que o mental é a maior força que existe. Confiemos no seu poder, e trabalhemos para desenvolvê-lo, sempre com confiança nas meditações que fizermos. t) Lembremo-nos que um mental é tanto mais forte quanto maiores forem a alegria e a serenidade. Cultivemos a alegria com pensamentos alegres, e a serenidade pelo amor ao bem. A SERENIDADE
122
Para que a mente conheça a serenidade, é preciso que o corpo a pratique constantemente. Um bom exercício é a respiração rítmica. Mas, para conseguir melhor efeito, convém praticar pequenos exercícios de serenidade durante o dia. Vamos a exemplos: a) Permanecer em silêncio, pelo menos um certo tempo. b) Os exercícios de análise de um grande pensamento, feitos com calma, sem precipitações, separando as ideias que estão entrosadas, para examinálas, cada uma de per si, para depois concrecioná-las num conjunto de pensamentos, são de grande utilidade. c) Se alguém, ao ter que resolver um assunto, examiná-lo ponto por ponto, com calma e ponderação, sem deixar arrastar-se por impulsos afetivos, fará outro exercício fácil, que ajuda a dar ao mental a serenidade de que necessita. Um mental agitado não permite progressos, e é presa fácil de preocupações fantasistas. Quem domina o mental é um verdadeiro homem. Há um grande fundamento no famoso ditado: “Aquele que é senhor do seu mental é senhor do universo.” A vitória sobre o mental é a realização plena da liberdade. Que cuidados devemos tomar? Um sintoma do mental agitado está na busca desenfreada da novidade, da diversidade. Tudo desagrada. Daí o temor à monotonia, que leva tantos ao exagero de considerar monótono tudo quanto se repete. Para evitar esse defeito, temos o exercício da meditação, que levando o mental a fixar-se sobre ideias, fá-lo ir e vir de uma ideia para outra, repetindo pensamentos, permitindo vitórias, e facilitando um prazer na repetição. Não devemos desanimar, se há certa monotonia na vida. Somos hoje tão solicitados para a diversidade, que toda repetição nos parece roubar uma possibilidade de novidade. No entanto, a própria novidade acaba por nos cansar, porque temos uma capacidade limitada para o semprenovo. Precisamos, por isso, saber alternar a diversidade com a repetição, e saber ver, naquela, a primeira, o que se repete, e na segunda, o que oferece de novo. Por acaso podemos ver uma coisa sob todos os aspectos? Pode alguém dizer que conhece tudo de qualquer coisa? Todas as coisas oferecem novidades, embora sejam repetidas. Saber perdurar entre ambas é a melhor lição que nos oferece a vida, pois os excessos, neste como em muitos casos, só nos podem levar a aborrecimentos.
123
Quem teima em ver (atualizar) apenas os aspectos repetíveis, acaba por aborrecer-se. Mas, é preciso ver que a vida é sempre nova, e nós, de certo modo, outros, cada dia que passa. Não prestemos tanta atenção ao que se repete. Procuremos o novo no que se repete, e o encontraremos. Mas só seremos capazes de conquistar este estado ideal se soubermos dominar o nosso mental, depois de havermos conquistado a serenidade. Que precisamos, então, fazer? Ser sempre pontuais em nossos exercícios e, se possível, fazê-los sempre às mesmas horas. Nunca esquecer a ordem do exercício de meditação: 1) Um sorriso nos lábios, erguendo os músculos zigomáticos; 2) Exercício de respiração rítmica; 3) Exercício de meditação sobre temas positivos. E, sobretudo: alimentar os sentimentos positivos! Quando sentirmos simpatia por alguém, um sentimento de bondade, procuremos alimentá-lo. Não busquemos razões para justificar o nosso abandono, tais como: “ninguém merece nossa estima”, “os seres humanos são todos maus”, ou afirmações semelhantes. Todas essas expressões só servem para enfraquecer nossa potência positiva. Nesses instantes, deixemos que nossa ternura se desborde. Olha: vês aquela criança que brinca com aquela bola? Lembra-te de ti. Também foste criança. Pudeste brincar ou não, pouco importa. Se tua infância foi feliz, ama a felicidade daquela criança. Se tua infância foi de carências, sê feliz agora na felicidade daquela criança. Deixa que um sorriso de bondade e de ternura surja em teu rosto e alivie o teu coração. Depois disto, o teu dia há de ser melhor. E há de ser melhor, se ao veres um casal de namorados, souberes sentir a ternura do amor. Deseja-lhes o bem, mesmo que tu não o tenhas conhecido neste ponto. Sentirás alívio e tua alma se apresentará pura ante ti mesmo e o teu espírito despejado de uma carga, que te enchia a vida de tristeza. Como querem sentir-se bem aqueles que tudo fazem para aumentar a sua tristeza e, o pior, a sua miséria? Para se ser feliz, é preciso exercitar-se na felicidade. A felicidade exige um treino, um longo treino. Todos os que falam contra a felicidade, já mediram bem, já procuraram em si mesmos delinear o que fizeram para exercitar-se na felicidade? O mundo tem muita luz. Por que, então, pensar só nas sombras? É uma sabedoria, e a mais feliz das sabedorias, aquela que nos ensina a pôr óculos de otimismo. Quem procura o mal, e só vê o mal, como pode alcançar o bem? Embora pensamentos bons estejam em nossa mente, muitas vezes, ao termos que resolver alguma coisa, fazemos tudo ao contrário do que seria razoável fazer. E por quê? Porque, dizemos, nossos sentimentos nos levaram
124
ao erro. Por isso se vê que não basta apenas o pensamento para nos levar à ação. O sentimento atua com tal força que somos desviados sem considerar o que é melhor. Não basta a educação do mental, quando não há educação dos sentimentos. Se deixamos que os sentimentos negativos nos dominem, seremos sempre fracos. Alimentar sentimentos positivos, eis, portanto, a grande regra que se impõe para o nosso bem. “Mas, é difícil, às vezes alimentá-los”! Há quem faça essa afirmativa. Certa vez, um famoso f amoso sábio, teve estas palavras para um discípulo: “Se colocas uma tábua estreita no chão e caminhas ao longo da mesma, se imaginas que vais cair nela, dela cairás. Se, ao contrário, tens fé em ti mesmo, atravessá-la-ás com perfeito equilíbrio. E por que, se ela estivesse no alto, cairias, quando, com ela no chão, não caíste? Porque tua imaginação te leva a pensar que cais, e cairás.” Cuida, pois, da imaginação. A imaginação é nossa amiga ou nossa inimiga. Se ela trabalha com imagens negativas, eis que trabalha contra nós. Se trabalha com imagens positivas, ei-la a nosso favor. A imaginação depende muito de nós. Quando imaginamos positividades, no sentido puro do termo, alimentamo-las. Quando imaginamos negatividades, procuremos desviar-nos delas. Medita, em teus exercícios, sobre tudo quanto dissemos aqui, e luta por tuas idéias e sentimentos positivos. Só assim conquistarás a victória do teu mental, a serenidade que desejas, a liberdade que será teu prêmio. FORTALECE-TE O fortalecimento do nosso espírito exige, portanto, uma tríplice atividade, pois deve dar-se combinada e contemporaneamente com o fortalecimento das nossas três funções psíquicas. Para o fortalecimento do sensório-motriz (sensibilidade), temos os exercícios respiratórios, a ginástica, etc. Para o fortalecimento da intelectualidade, temos a prática da meditação e as práticas afins. Para o fortalecimento da afetividade, temos os sentimentos positivos. Caracteriza-se o nosso método pela prática da positividade, em qualquer setor. Já que abordamos, em suas linhas gerais, os diversos aspectos e as práticas correspondentes, cabe —nos agora acrescentar, para cada setor, novas observações e práticas que nos oferecerão meios mais seguros e mais eficazes de alcançar o que desejamos.
125
A PRÁTICA DO JÚBILO Chamavam os antigos de jubileu a indulgência plenária, solene e geral, concedida pelos papas aos católicos, para remissão de todas as dívidas e pecados. Havia, assim, júbilo geral, alegria geral, porque os homens tiravam de suas costas o peso do temor do pecado, que acarretava, consequentemente, os castigos prometidos. É verdade que o termo tomou depois outros sentidos; mas mantém e conserva o conteúdo conceitual de satisfação plena a palavra júbilo , que nos indica uma grande e profunda alegria. Praticar o júbilo é praticar a alegria. Em todo momento de alegria, sentimo-nos mais fortes. A alegria é sempre excitante e criadora de forças. Com alegria, sentimo-nos mais capazes de fazer qualquer coisa, enquanto todos sabem que, sob o peso de uma tristeza, as nossas forças se amesquinham, e a capacidade de ação se torna menor ou desordenada e frágil. Não há, portanto, quem não reconheça o poder da alegria. Mas, se todos a desejam, nem todos a vivem em sua alma, e muitas fisionomias são de uma triste eloquência, pois nos revelam evidente abatimento moral. Sabem muitos que é difícil a alegria quando o espetáculo do mundo nos oferece tanta mágoa. Não basta dizer-se que à parte de tanta tristeza, há muita luz e muita alegria no mundo, pois que está imerso nas trevas não pode contemplar a beleza das coisas, que só a luz da alegria pode iluminar. No entanto, a prática da alegria não é fácil. Pode ter alegria quem alimenta sentimentos negativos? Pode ter alegria quem não domina seu mental? Pode ter alegria quem não alimenta a sensibilidade com bons exercícios? Não se trata de uma alegria qualquer, como certas alegrias passageiras, que deixam atrás de si uma marca sombria e, às vezes, até um rasto de tristeza. Trata-se agora do júbilo do júbilo . E o júbilo é predominantemente da intelectualidade e da afetividade. O júbilo, em sua maior profundidade, implica um gozo mais profundo de todas as coisas. Cada instante da vida nos oferece muitos motivos para cultivar o nosso júbilo. Cada uma das nossas pequenas vitórias, e somos vitoriosos quando superamos qualquer dificuldade, nos oferece um motivo de júbilo, se soubermos captá-lo. Vejamos: cada vez que fazemos um exercício, porque não procuramos o júbilo que ele nos oferece? Não é mais um degrau para a nossa libertação? Não basta, portanto, convencermo-nos apenas de que cumprimos uma obrigação, é preciso gozar o júbilo que ele oferece. Pois, não vencemos? Não marchamos no caminho das nossas vitórias? Não nos aproximamos cada vez mais do fim desejado? Rejubilemo-nos.
126
Ergamos nossos olhos, inflemos nosso peito, um sorriso nos lábios, deixemos que nossos olhos brilhem mais, e gozaremos o instante de júbilo. Se dissermos: felizmente já fiz o meu exercício hoje. Não há nessa frase a expressão de quem se libertou de uma obrigação penosa? Não estamos tomando uma atitude negativa? E, no entanto, se dissermos: “muito bem, fiz o meu exercício. Mas, felizmente, em outras ocasiões, farei outros, e assim sem fim, até o fim da minha vida.” Não estamos, então criando um júbilo? E olhemos agora para os fatos cotidianos. Procuremos, em cada uma das nossas atividades, o júbilo que elas nos oferecem. Ele é a luz que ilumina cada um dos nossos instantes. Ele dissipa as trevas que obscurecem a beleza do mundo. Só com o júbilo daremos maior positividade a cada um dos nossos instantes. E a nossa vida não é feita de muitos instantes? Pois lutemos para dar-lhes luz, dissipando as trevas que os obscurecem, e a nossa vida será luminosa, pela clareza da grande e potente alegria, que é o júbilo. E quando compreendermos bem isso, rejubilemo-nos. Conheçamos o júbilo do nosso júbilo, e assim marcharemos para a posse da alegria, que é sempre positiva. Pois não é verdade que sempre desejamos que a tristeza passe, que ela se desvaneça? Pois, então, guardemos esta verdade: a positividade de nossa alma está na proporção das nossas alegrias. O júbilo é alimento da alma.
127
NOVOS EXERCÍCIOS MENTAIS É imprescindível, para nosso bem, este ponto de partida: o homem é um composto de corpo e alma. E essa alma é o que liga mais profundamente ao que se escapa ao conhecimento dos nossos sentidos, que é apenas do corpóreo. Não vemos e não sentimos o que não tem corporeidade para nós, mas sabemos hoje, graças aos conhecimentos científicos, que existem poderes para os quais os nossos sentidos são surdos e cegos. Vemos nossos pensamentos sem os vermos. Podem nossos olhos estar pousados sobre os fatos do mundo exterior, e, no entanto, por nossa mente estão passando pensamentos, que vemos sem vê-los, intenções que surgem sem que as representemos, ideias que não têm dimensões nem formas espaciais, mas que compreendemos, aceitamos ou repelimos. E, no entanto, vemo-las sem as ver. Portanto, somos capazes de ver muito mais do que vemos, porque, com os olhos do espírito podemos ver o que os olhos do corpo não veem. Essas visões não são corpo, pois não se dão no espaço, porque não estão localizadas, nem têm tamanho, formas quantitativas do espaço, e, como ideias, não têm idade, nem, portanto, tempo, embora as captemos dentro do nosso tempo. Essas visões não são as mesmas que temos deste livro, desta mesa, daquele quadro. Pois estes seres, nós os vemos ali, aqui, acolá, num lugar, com um tamanho. Mas essas visões, de que falamos, não as vemos materialmente! Quando meditamos sobre nós mesmos, quando nos examinamos, ou interrogamos conscientemente a nossa consciência, contemplamos nossas ideias, ou oramos a uma divindade, quer com palavras pronunciadas ou não, nós realizamos exercícios que tomam o nome genérico de exercícios espirituais. Passear, caminhar, correr são exercícios corporais. E assim como podemos realizar uma ginástica para o corpo, a fim de corrigir certas deficiências nossas, podemos realizar uma ginástica para o espírito, que nos auxilie a resolver nossos problemas e nos permita alcançar a pontos mais elevados, que nos darão uma fruição maior dos bens que a vida oferece. Quem deseja realizar tais exercícios espirituais, deve dispor-se para eles de um modo todo especial, e realizar, previamente, as seguintes providencias, sem as quais é preferível nada fazer: 1.ª providência Afirmar para si mesmo a maior verdade cósmica: o ser é o Bem, e eu, enquanto ser, sou o Bem, e estou no Bem. E com convicção, com fé, com dignidade e respeito, dizer para si mesmo: “O bem me cerca, estou imerso no Bem e confio-me a ele.” 2.ª providência Com a maior reverência ao Bem Supremo, fonte, origem e fim de todas as
128
coisas, realizar o exercício respiratório, rítmico, por alguns minutos, procurando pensar apenas no Bem, no próprio bem e no Bem Universal. 3.ª providência Após o exercício respiratório, realizar o exercício espiritual, segundo as normas que indicaremos. CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES Nunca esqueçamos que todos os nossos esforços em nosso bem encontram uma resistência, oposta pelo nosso “adversário”, o nosso obstáculo, o “demônio”, de que falam as religiões. Não faltam vozes que tentam desmoralizar-nos. Não faltam sugestões de pessoas conhecidas, e até dentro de nós mesmos, que constantemente afirmem a inutilidade de nossos esforços. Toda voz de desânimo, todo impulso de fraqueza, de covardia ante os exercícios, são de origem do que é contrário a nós em nós. E devemos, desde logo, denunciar aos nossos próprios olhos tais fraquezas. E desprezando-as, cumprir o nosso dever com júbilo. Repelir a desmoralização do maligno. Opor-lhe a nossa resolução, e com dignidade e confiança em nós mesmos, prosseguirmos.
129
OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS Sem necessidade de examinar aqui um tema de Noologia (ciência que estuda o funcionamento do nosso espírito), o que nos levaria a longínquas análises, desejamos apenas lembrar uma velha experiência, que, através de milênios, sempre trouxe grandes benefícios para o homem, e é o fundamento de muitas das orações que aconselham as religiões. À noite, antes de dormir, naquele instante de modorra, que precede ao sono, o nosso subconsciente está em pleno contanto com o consciente e de tal modo que tudo que, com confiança, a ele solicitarmos, será obtido. Nesse instante, dirigindo-nos como amigos ao subconsciente, como já vimos, devemos pedir tudo quanto é possível obter de nós mesmos, e certamente o conseguiremos. Se pedirmos para sermos calmos, confiantes, tranquilos, ter bastante capacidade de ação, boa lógica, raciocínio rápido e bem concatenado, coragem, força interior, etc., muito conseguiremos. Podemos pedir tudo quanto dependa de nós, tudo quanto desejávamos constituísse patrimônio do nosso ser. Esse exercício deve ser repetido diariamente ao deitar e ao acordar. * *
*
Acompanhando os outros exercícios, que indicaremos a seguir, este deve processar-se da forma que exporemos. Ao acordar, nosso primeiro empenho deve ser o de afirmar para nós mesmos a posse do que desejamos ter. Assim, pode afirmar-se: “Sou forte, domino minhas fraquezas” (precisar quais fraquezas); “Sou senhor dos meus desejos e venço-os (precisar quais); “Cada dia (e precisar o setor), sou mais senhor, ou cada dia sou mais senhor disto ou daquilo.” Esse instante, importantíssimo, deve ser aproveitado para afirmarmos a nós mesmos, o que mais desejamos de imediato de nós. Obtido o valor desejado, prossegue-se, pedindo o seu progresso e conservação, ou para afirmar outros, e assim sucessivamente. Este exercício corresponde ao que se faz ao dormir, ao subconsciente, que já estudamos. QUE FAZER QUANDO ERRAMOS? Quando fizermos alguma coisa errada, quando um mau pensamento nos
130
assaltar, quando um desejo indevido nos impulsionar, quando praticarmos um ato que foi injusto ou mal feito, não nos enchamos de aborrecimento. Levemos a mão ao peito, sintamos sinceramente o erro, e digamos a nós mesmo: “Evitarei que se repita. Não faz mal. Evitarei que se repita.” EXERCÍCIO ELEMENTAR COTIDIANO Agradecer ao Bem todo benefício alcançado. E nunca esquecer que são muitos. Quanto aos males sucedidos, nunca os atribuir ao Bem, mas apenas às relações do que acontece. Quanto às nossas faltas, realizadas durante o dia, firmarmo-nos no propósito de não repeti-las. Confiar que o Bem nos há de ajudar para o nosso bem. Esta rápida meditação deve ser feita diariamente, antes de deitar. Segue-se, depois o pedido ao subconsciente. Esse pedido deve ser sempre positivo. COLÓQUIOS INTERIORES Precisamos desdobrar-nos como um amigo com quem conversamos. E no mesmo tom amigo, confidencial e bondoso, devemos examinar nossos erros, nossos desejos, nossos sonhos, esperanças, etc. E quando tomamos um tema para meditação, podemos interrogar-nos, para saber que pensamos sobre isto ou aquilo. Discordar, desafiar para análises, fazer perguntas, se não esquecemos alguma coisa, se não estamos examinando o assunto superficialmente, etc. Todas essas providências, num amplo diálogo interior, têm um efeito extraordinário. CONTEMPLAÇÃO ESPIRITUAL Tomando um tema espiritual, a visão do Bem, podemos fazer um grande exercício, de efeitos incalculáveis. O bem desta coisa pode ser este ou aquele. Tal ser deseja alcançar tal fim, que será o seu bem. Desta forma, o bem de cada coisa está aqui e ali, mas o Bem, o sentido do Bem, está em todas e em todas é igual. Pensemos no Bem enquanto tal, não no disto ou daquilo, nem nisto ou naquilo, mas no Bem em si mesmo. Contemplemo-lo. Sentir-nos-emos logo avassalados pelo bem que nos cerca, à medida que nele penetrarmos. Nossos sentidos devem perespiritualizar-se no exercício, à proporção que o formos fazendo
131
diariamente: 1) Tentemos ver o Bem com os olhos do espírito, espiritualmente, em si, em toda a sua beleza; 2) Tentemos ouvir a melodia harmoniosa que ele é; 3) O perfume que dele se evola, o sabor que sentimos do Bem, e, finalmente, 4) Tacteemo-lo com os nossos sentidos. Devemos colocar-nos nesta disposição. “O Bem é a minha felicidade.” Rejubilemo-nos; sintamos a alegria, um sorriso nos lábios, um sorriso suave e meigo, uma respiração fluídica, e entreguemo-nos, depois, a essa contemplação espiritual do Bem, que terminaremos por alcançar, sem o menor vestígio material, sem qualquer representação material, até conquistar um estado de beatitude interior de grande satisfação interna. Não se atinge logo nos primeiros dias a esse estado superior, mas esse exercício dispõe nossas forças de modo a se tornarem cada vez mais poderosas. Esse exercício implica, antes de tudo, a máxima confiança em si mesmo, através da qual se há de alcançar o estado de plenitude do bem. POSITIVIDADE SEMPRE! Todos os temas de meditação, que variarão segundo as posições dos praticantes, conforme suas crenças e ideias, devem ser positivos e nunca negativos. Desejar, tratar. Meditar sobre o que se pode dizer sim e nunca sobre o que se quer dizer não. Meditar sempre sobre o que nos é benéfico e bom, e nunca sobre o que nos é maléfico e prejudicial. As ideias devem ser claras e nunca confusas. Para evitar a confusão, faça-se a análise lógica, dialética das ideias. Examine-se e medite-se sobre a própria meditação, na análise das ideias que se associam, verificando se o são por contiguidade, semelhança ou contradição. Ver se as ideias em contradição não têm uma origem no “obstaculizador”. SILÊNCIO! Busca-o sempre que o possas. E ante ele, pensa em teu bem. Crê firmemente em teu progresso e afirma sempre para ti mesmo que, cada instante que passa, conheces um estado melhor. DISCUSSÕES
132
Evita as longas discussões, sobretudo com pessoas dispersas, que juntam argumentos sobre argumentos, sem ordem e sem disciplina, misturando juízos apenas de gosto com algumas pseudo-ideias malformadas e mal assimiladas. Evita essas discussões, que não são em nada benéficas. Se não for possível conduzir o colóquio com alguém em boa ordem, segundo boa lógica, cuidadosa e bem organizada, é preferível que te cales. Sempre sê disciplinado no trabalho mental. Essa é a regra importante, e nunca ceder às fogosidades do pensamento em conversas diluídas, dispersas, em que se fala de tudo e não se fala de nada. Para ajudar a disciplina mental, faze a disciplina física em tudo quanto empregares a tua atividade. Lembra-te de que não serás capaz de segurar uma bola se tua atenção não estiver voltada para ela. Se teus olhos estiverem dispersos, perdidos, não segurarás a bola que te atirarem. Igualmente com a meditação. O bem que desejas deve sempre ser o principal tema de tua atenção, e os teus olhos espirituais devem estar voltados para ele. Lembra-te que confiar em ti mesmo é confiar em teu bem. E confiar em teu bem é confiar no Bem. Ter confiança nele é adquirir sempre e sempre maior força. Nenhum mal pode ser absoluto. Se o mal fosse absoluto, o universo já teria desaparecido, porque ele é destrutivo, e se tivesse um poder absoluto tudo já teria sido destruído. O Bem, portanto, é absoluto, porque não pode ser destruído. Confia nele, e a ele entrega-te com confiança e serás invencível. Quem poderia amanhã te derrotar, quando tens em ti, certamente, o Supremo Poder do Universo? Medita sobre a relatividade do mal e a realidade concreta do Bem. Pensa sempre no poder absoluto do Bem.
133
OBSERVAÇÕES E REGRAS SOBRE A MEDITAÇÃO Os exercícios respiratórios e a meditação são as práticas mais importantes que se podem oferecer. Não são novidades, sem dúvida, são velhos e esquecidos caminhos que levaram muitos a alcançar os pontos mais elevados que o homem jamais atingiu. De todos os exercícios e métodos conhecidos até hoje, são aqueles dois os que maiores e mais seguros benefícios ofereceram, pois nunca falharam em suas finalidades. Podem os psicólogos inventar muitos métodos, mas nenhum terá o poder daquele que alimenta o corpo, fonte de nossa vida, que é uma respiração regular e bem ordenada, e aquele que fortalece o nosso espírito, que é a meditação, e que nos dá a maior inteireza ao espírito, a maior força para resistir à dispersão e nos afastar de tudo quanto pode atuar para nosso mal. Por isso, a recomendação desses velhos caminhos deve sempre ser lembrada, e muitos aspectos importantes nunca devem ser esquecidos. Um homem sem vida interior não é capaz de conhecer-se. A meditação facilita a interiorização, a concentração das forças psíquicas, e por seu aspecto dinâmico, racional e dialético, evita a fixação em ideias contempladas, que são um campo aberto às manias, tão perigosas. Para conhecermos os nossos erros, defeitos, e as nossas possibilidades, nada melhor que a meditação. Todo homem, capaz de manter uma vida interiorizada muito forte, é muito mais poderoso e enfrenta melhor as situações difíceis do que qualquer outro. Quando maus pensamentos penetrarem em tuas meditações, não te preocupes. Deixa que sobrevenham, realizem a sua atividade, não lhes resistas, nem faças nenhum esforço de vontade para afastá-los; pois, do contrário, além de te fatigares, dar-lhes-ás mais forças por oposição. Coloca-te apenas como espectador um tanto indiferente, e toma uma atitude de desprezo. Se tomares outra atividade, deverá consistir em pensar positivamente em temas opostos aos dos maus pensamentos, sem te preocupares se aqueles retornaram. À proporção que fixares o pensamento nos bons, e desprezares os maus, sem a eles resistir, tirar-lhes-ás toda a força, e eles acabarão por não mais surgir. Permanece sempre calmo, e compreende que é natural que tais pensamentos sobrevenham. * *
*
Não deixes passar um dia sem fazer exercícios de meditação. Nunca é demais recordar este ponto. * *
*
134
Começa sempre pelas meditações mais fáceis. Não te preocupes, no princípio, em alcançar os pontos mais elevados. O importante é começar. * *
*
Se és um extrovertido, um dilatado, terás, no início, certa dificuldade, menor que as que terá um retraído, um introvertido. Não te preocupes, porque alcançarás, com o tempo, o pleno domínio. Por pouco que seja o tempo de tua meditação, cada minuto ganho é uma positividade a mais. Conseguirás, com o tempo, manter uma meditação, sem perturbações, por horas a fio. * *
*
Se ao iniciares a meditação, o teu espírito estiver muito dispersivo, não te irrites, nem fiques nervoso. Deixa-o errar à vontade. Ele acabará por cansar-se. Quando sentires que podes fixar a atenção sobre uma imagem que memorizas ou sobre uma ideia (reflexão), inicia o exercício, sem te aborreceres pelo tempo perdido. Nunca perderás tempo se não te deixares preocupar. * *
*
Não esperes resultados imediatos da meditação. Eles, às vezes custam a se manifestar. São um desafio à tua diligência. Aceita o desafio, e prossegue com alegria e com confiança no progresso, que acabarás por conseguir. Ele virá fatalmente. Tem fé em ti mesmo. * *
*
Se meditares sobre um tema, sentirás súbito desejo de meditar em outro, não te preocupes. Medita sobre o novo tema. Depois, noutra ocasião, retorna ao tema primitivo. Lembra-te que vencerás por persistência e não por oposição ao mental. Faze o que tens de fazer, e não te preocupes com o que suceda em contrário. Lembra-te que o que vale são as positividades ganhas e não as negatividades vencidas.
135
* *
*
Sempre sê pontual em tuas meditações. Não as abandones nunca. Cada dia que deixas de fazer uma meditação, perdes dois. Aproveita todos os instantes para pôr o máximo de atenção no que fazes. Ajudarás, assim, a atenção às ideias. Para ajudar a tua meditação noturna, evita os alimentos fortes ao jantar. Faze uma refeição frugal, se possível, ou pelo menos a mais leve que puderes. * *
*
Não percas tempo em discussões inúteis, sobretudo com fanáticos. O esforço, que mal gastas nessas discussões, aproveita-o para estudar, para meditar, para analisar bons temas. * *
*
Se fizeres tua meditação na presença de outros, convém que sejam pessoas que não perturbam a tua atividade interior. É preferível, porém, que as faças sempre sozinho. * *
*
Procura sempre julgar os outros com justiça. Não exijas de ninguém o que está além de suas possibilidades. E ao examinar os erros que outros pratiquem, procura colocar-te na situação em que eles se encontravam. Não te esqueças nunca que, quando pensas nessas situações, tu não estás nelas. Portanto, dá mais força às circunstâncias, e procura compreender os outros para ajudá-los. * *
*
Todo o bem que faças, virá para teu bem. Podes duvidar desta milenar
136
verdade, contudo é mais verdadeira que todas as falsas filosofias que homens desesperados quiseram construir, para estender a todos o mal que eles contém dentro de si mesmos. * *
*
Reconhece que cometes erros, e medita sobre eles. Aprenderás a compreender os erros dos outros e a não exigir dos outros o impossível. Se podes fazer uma coisa que outros não podem, não sejas demasiadamente exigente para com eles. Medita sobre isto, muitas vezes.
137
A IMAGINAÇÃO Não é ela a fonte de tantos bens e de tantos males?
138
Concentra o mental, sempre que possas, ao ler um livro, ao ler um jornal, ao assistir um filme, ao escrever uma carta. Imobiliza-te, e concentra toda a mente sobre o que fazes. Lembra-te que o mental nunca descansa, nem mesmo quando dormes. Quando o sono se apossa de teu corpo, em que a tua consciência também adormece, ele continua trabalhando, ativo sempre. Os exercícios diários de meditação dão ao mental uma força e uma direção exclusiva em teu favor. Devemos meditar sobre uma ideia sem importância, ou apenas sobre grandes ideias? A resposta a esta pergunta é muito simples: é preferível, sempre que façamos nossos exercícios mentais, sejam eles dirigidos para grandes pensamentos positivos. No entanto, tal não impede que, em certas ocasiões, quando nos encontramos em face de pensamentos pouco agradáveis, não possamos meditar sobre eles. No início, quando o que segue nosso curso, ainda se encontra dominado por preocupações contrárias, aconselhamos a fazer os exercícios como até agora expusemos. Tal não impedirá que, num futuro próximo, quando tenha fortalecido devidamente o mental, o corpo e o espírito, não analise tais pensamentos que outrora o preocupavam. Verá, então, quão fracos eram eles, e que a sua força estava apenas na nossa fraqueza. Ao chegarmos a esse ponto, nossa força já terá atingido a um grau bem alto. Por isso, no início, nosso conselho é: meditação sobre temas elevados e positivos. Só posteriormente sobre quaisquer outros temas. O que se pode fazer aqui é o seguinte: quando tenhamos que fazer algum trabalho desagradável por natureza, não devemos recuar. Não esqueçamos a força do júbilo, essa grandeza alimentadora de nossa alma e de nossa imaginação. Por que é desagradável o serviço que temos que fazer? Porque a nossa imaginação lhe empresta as mais sombrias cores. Lembremo-nos dos estudantes de medicina, que nos primeiros anos, quando se veem obrigados a trabalhar no necrotério com cadáveres, sentem, de início, uma repugnância que parece invencível. Há muitos que abandonam a carreira. No entanto, os que a seguem, realizam, depois, uma obra de grande valor. E aquela repugnância desaparece e cuidam eles de nossas chagas e de nossas misérias, totalmente libertados das cores sombrias e desagradáveis que lhes emprestava a imaginação. Cuidemos, pois, quando empreendemos algo que nos parece desagradável, em ver genuinamente a nossa tarefa. Ora, todas as coisas têm valores e desvalores. Não estaremos apenas vendo os maus e escondendo aos nossos olhos os bons? E além disso, não estaremos aumentando o aspecto desagradável, por valorizarmos os maus valores, provocando com a nossa imaginação aspectos desagradáveis não tão evidentes? Lembro-me de uma pessoa a quem um dia lhe ofereceram uma cenoura crua para que comesse. Ao levá-la à boca, achou a coisa mais horrível e
139
desagradável do mundo. Um caldo de cenoura seria um verdadeiro veneno. Tinha a impressão que morreria se tomasse tal coisa! Mas, um dia, sentiu que os olhos já não viam tão bem. Para ler um jornal, precisa óculos. Consultando um médico, este aconselhou-o que comesse cenouras cruas. — Cenouras cruas, doutor?! Mas isso é horrível! — Coma cenouras cruas... — Mas, eu não sou lebre, doutor... — Pois seja lebre, e coma cenouras cruas como lebre. Pois lerá jornais. — Mas é tão desagradável. — Procure o agradável e acabará encontrando-o. Lembra que a cenoura tem tais vitaminas, etc. O nosso amigo começou a comer cenouras cruas. Já estava convencido que eram úteis. O gosto esquisito acabou por tornar-se agradável. Hoje, na sua casa, pode até faltar manteiga, mas cenouras raladas não faltam. E o melhor é que lê jornais sem óculos. Muitas das coisas desagradáveis são como as cenouras cruas. Depois de comidas, acompanhadas da convicção de que são úteis e necessárias, nossa imaginação começa a cobrir nela os bons valores. Pode-se ainda duvidar do valor da imaginação? Mas se nos perguntassem: podemos dirigir a nossa imaginação? Só uma resposta cabe aqui: podemos. E como é este um tema de tal importância para a integração de uma personalidade e para o domínio do mental, merece eles estudos especiais. Podemos fazer exercícios para dominar a nossa imaginação? Sim, podemos. E são eles de uma importância tal que sem o bom domínio deles, não seremos senhores do nosso mental. Comecemos, portanto, por parte, degrau a degrau. Se um trabalho desagradável ou uma ideia sem interesse recebe de nós a atenção do nosso mental, aos poucos verificaremos que a força do mesmo tende a aumentar, e diminuem as nossas fraquezas mentais, Sabemos que a força de um estímulo exterior está na proporção da atenção que lhe prestamos. Se atendemos para algo, captamos melhor e mais nitidamente o que nos era confuso. Uma imaginação quimérica, fantasista, desorientada, só pode dar-se num mental fraco, nunca num mental forte. Portanto, o caminho do domínio da imaginação só pode ser aquele que começa pelo domínio do mental. Vamos oferecer um pequeno exercício de grande valor. Quando sentirmos uma pequena dor numa parte do corpo ou mesmo um prurido qualquer, não os atendamos. Procuremos desviar nossa atenção para
140
outras coisas. Perceberemos que a dor ou o prurido diminuirão. Mas, ao mesmo instante, porque estamos pensando sobre eles, tendem a aumentar. Façamos outra vez a mesma experiência, dirigindo a atenção para outra coisa, e observemos se diminuem. Certamente diminuirão. Chegados a este ponto, procuremos não senti-los mais, pela desatenção que lhes daremos. * *
*
É a imaginação um dos temas mais importantes da Psicologia, e os estudos que tem provocado são dos mais numerosos. A palavra imagem vem de imago, em latim, que indica o que é interior. Ao intuirmos um fato do mundo exterior, dele formamos uma imagem. Assim, temos imagens que são representadas (apresentadas de novo) pela memorização. Mas eis que o poder criador do espírito humano revela-se aqui. Nós não reproduzimos apenas as imagens que obtivermos dos fatos do mundo exterior. Nós também as combinamos. Assim a imagem do ouro, que guardamos em nossa memória, e a imagem de monte, podem levar-nos a construir a representação de um monte-de-ouro, sem que desse monte tivéssemos tido uma experiência. Fácil é compreender agora o papel criador da nossa imaginação. Contudo, é preciso considerar um ponto importante. Todas as imagens, que podemos representar, são fundadas na nossa experiência. Não é possível construir uma unidade composta de imagens diversas, que não as tenhamos experimentado isoladamente. Assim, se imaginarmos o Centauro, parte homem, parte cavalo, uma cabeça humana num corpo de cavalo, temos as imagens já experimentadas por nós, pois, separadamente, já as conhecemos. O que não intuímos do mundo exterior foi a combinação dessas duas partes, formando um novo ser, o Centauro. Este é, portanto, o produto da imaginação, que é a atividade do nosso espírito em construir novas unidades com partes que são imagens já por nós experimentadas. Desta forma, o artista pode, com pincéis e tintas, construir, imaginativamente, e reproduzindo a imaginação na tela, novas unidades, compostas de imagens diversas. A imaginação tem um poder criador: o de criar novas imagens pela combinação delas. Contudo, a imaginação não pode dar vida a essas novas imagens compostas. Pode um arquiteto imaginar uma construção, e depois juntar os materiais necessários e dar-lhe a realidade.
141
Estamos aqui em face de uma realização material do que fora anteriormente pura imaginação. O que o construtor faz é reunir, obedecendo às leis da mecânica, materiais sob uma forma para a qual eles estão naturalmente formados. Uma pedra pode ser assentada sobre outra pedra. Uma parede pode ser erguida, desde que se obedeçam as leis da estabilidade mecânica. Podemos, também, ao imaginar um monte-de-ouro, saber que ele pode ser realizado, mas já uma montanha de ouro se torna praticamente impossível, e muito menos uma cadeia de montanhas de ouro. Um centauro, que pode ser imaginado, já não pode realizar-se em vida, porque contraria as leis da ciência. Que vemos, então? Que há combinações que podem encontrar uma resposta na realidade, resposta de reprodução fiel, e outras que não o podem. Um centauro pode ser reproduzido com tintas numa tela; não o pode na natureza. Há pessoas que são muito imaginativas, como os poetas, artistas, sonhadores que, despertos, vivem um mundo de imagens maravilhosas. Outros o são menos. Há acaso alguém desprovido totalmente de imaginação? A resposta que se impõe é que não há. Se encontrarmos graus diversos na capacidade de imaginação, há em todos sempre imaginação. A imaginação pode ser regrada ou desregrada. Chamam de imaginação regrada aquela em que alguém que a vive, não a vive como realidade, mas como ficção. A imaginação começa a desregrar-se, quando as imagens combinadas passam da categoria de pura ficção para a de realidade, isto é, quando, quem as crias, juntando imagens, fundadas na experiência, julga que a nova unidade forma, também, uma realidade. Assim procederia um desregrado na imaginação que, fundando-se na realidade do busto humano e na realidade do corpo de cavalo, acreditasse na realidade da combinação Centauro. Agora surge, nitidamente, a grande significação que tem a educação da imaginação. Educar a imaginação não é secá-la, não é destruí-la. Que seria a Humanidade se o ser humano, sem imaginação, fosse a norma? Onde estariam os grandes inventos, as grandes melhorias humanas? Onde, enfim, o progresso, se dominasse no homem uma falta de imaginação? Todos os grandes inventores, todos os grandes criadores, foram pessoas imaginativas. Educá-la é conduzi-la para fins benéficos. Há muitas providências a serem tomadas neste setor, sobretudo porque já sabemos muito bem quanto ela influi sobre nós. E influi, porque, se considerarmos a imaginação como realidade, poderemos errar.
142
No caso do arquiteto, como vimos há pouco, pode ela tornar-se realidade. Mas poderia o arquiteto imaginar, também, uma construção tão desmedida que não tivesse nenhuma correspondência com a realidade. Bastaria que ele desprezasse as leis da estabilidade ou as condições da técnica. Um ser-vivo imaginário não pode tornar-se vivo na realidade, como o exemplo do Centauro. Portanto, vemos que a imaginação pode ser medida, regrada, ou desmedida, desregrada. Saber separar o que é mera ficção do que é realidade é importantíssimo, e implica exercícios que começam onde começa o domínio do mental. A imaginação criadora tem ainda outro papel importante: o de criar realidades dentro de nós. Note-se bem: Se não podemos criar realidades fora de nós, podemos, no entanto, criálas dentro de nós. E eis onde a imaginação pode atuar positiva ou opositivamente. Vamos a exemplos esclarecedores: certo escritor criou uma personagem, numa de suas novelas, que era um louco moral. O escritor, em toda a sua vida, havia sido um homem plenamente normal. Mas viveu com tal intensidade o tipo que criara, que tempos depois de haver escrito o livro, começou a sentir os sintomas da loucura da personagem, em si mesmo. Terrível foi o seu espanto. Perplexo ante os acontecimentos, viu que, dia após dia, aumentavam os sintomas, e já não sentia forças suficientes para dominar-se. Apavorado com a situação, e sentindo-se fraco para dominar-se, preferiu o suicídio a realizar, em vida, a triste figura do ser que havia criado em sua novela. Duas perguntas podem colocar-se aqui: 1) Ou o autor criou pela imaginação um ser tão vivo em si mesmo que passou a vivê-lo com tal intensidade, que ele dominou plenamente a personalidade do autor, substituindo-a aos poucos pela da personagem; ou 2) O autor já tinha em si, em estado de latência, a personagem, que já formava uma personalidade potencial, que, aproveitando-se da porta escancarada da imaginação artística, surgiu à tona para vencer as resistências do autor. No primeiro caso, a personagem é uma mera criação do autor; No segundo caso, a personagem tinha uma autonomia, que permitiu vencer as resistências. Este fato, pela sua importância, merece que sobre ele meditemos e procuremos, em face dos conhecimentos de que atualmente dispomos, resolver entre tais possibilidades. O homem é um feixe de possibilidades. Em nós, temos, em estado de potência, tido quanto o ser humano pode ser e criar, tanto para o bem como para o mal. Nossa atividade psíquica tem o papel de atualizar (tornar eficiente, realizar) ou de virtualizar (colocar no estado de latência) tudo quanto podemos ser. É fácil agora compreender o que é sugestão, esse gerar sub, esse ordenar
143
de modo a tornar em ato o que contemos em potência. Por isso, se a atividade do nosso espírito tomar um sentido positivo e benéfico para nós, pode atualizar o que nos é positivo e benéfico, como, se tomar um sentido negativo, atualizará o que temos de negativo, de destrutivo, em nós. Podemos despertar as forças do bem como as forças do mal, de que tanto falavam as religiões e que a psicologia moderna nos auxilia a compreender em termos científicos. Os estudos, que fizemos até aqui, sobre a educação da imaginação, levam-nos a compreender quão necessário é cuidar do domínio do mental. Ora, a imaginação é mental, dá-se no nosso psiquismo, e dele depende. Dominar, dirigir, educar a imaginação implica necessariamente o domínio, a direção, a educação do mental. Portanto, além dos exercícios que já tivemos ocasião de estudar e descrever, impõe-se agora obedecer a um conjunto de regras que são de magna importância. O dirigir a nossa atenção para fatos do mundo exterior é um exercício importantíssimo. Ao vermos um fato, digamos, um inseto que se move por entre vários objetos, que devemos fazer? Deixar que passe sem nos interessar? Não; aproveitemos o instante para um exercício de atenção externa. Olhemos, observemos, acompanhemos os movimentos do inseto, como podemos acompanhar, observar o movimento de um avião em pleno ar, ou de um pássaro nas alturas. Eis uma máquina que funciona com toda a sua complexidade. Devemos aproveitar o instante para apreciar o seu movimento, dando-lhe toda a atenção. Concentrar nossa atenção sobre os fatos do mundo exterior, eis uma grande regra para o domínio das forças psíquicas. Aqueles que ante os fatos são dispersos, olham ora para cá, ora para lá, interessam-se por isto, ora por aquilo, enfraquecem cada vez mais o seu mental. Deve-se exercitar a atenção pela concentração em tudo quanto se faz. É uma carta que se lê: máxima atenção! É uma carta que se bate à máquina: máxima atenção! É alguém que nos fala: máxima atenção! Transformemos cada um dos nossos momentos da vida exterior num exercício atencional, e estaremos construindo o poder extraordinário da mente. Mas, nesses momentos em que observamos as coisas, surgem imagens, devaneios, ideias errantes que procuram afastar-nos do trabalho que empreendemos. Como proceder, então? Lembremo-nos dos conselhos já dados quanto à meditação e às ideias errantes. Não lutemos contra o mental! Retornemos à observação. A princípio, essas ideias e devaneios procurarão impedir o exercício atencional. Mas, finalmente, elas se cansarão, e nós as venceremos. Então, podemos sintetizar agora:
144
A atenção exterior é a observação; a atenção interior é a meditação. Completemos uma com a outra, e uma fortalecerá a outra. E não nos esqueçamos nunca destas regras: Não lutar contra o mental! Não repelir violentamente as ideias intrusas! Aproveitar cada instante para realizar um exercício atencional exterior! Aproveitar cada instante para os exercícios atencionais interiores (meditação). O trabalho feito com concentração nos dará ganho de tempo. Se hoje levarmos tal tempo para fazer um serviço, acostumando-nos a realizá-lo sempre com concentração, acabaremos espantosamente diminuindo o tempo gasto. Os grandes homens da indústria não poderiam dirigir seus inúmeros negócios se não fossem capazes de uma grande concentração. Nem o poderiam os sábios, os cientistas, os grandes inventores, os generais, etc. Vê-se, assim, claramente que o domínio da imaginação começa no preciso ponto onde se inicia o domínio do mental. Os exercícios mentais são exercícios prévios de domínio da imaginação. Examinemos agora estes problemas: De onde vêm as nossas preocupações? Do mundo exterior, ou de nós? Se vêm de nós, quando nelas atua a imaginação? Pois, ou se fundam em imagens combinadas com um sentido e um significado próprio, que nos oferecem perigos, suspeitas, dúvidas, ou se fundam em fatos sucedidos, cujas possibilidades procuramos descobrir, e construímos imagens sobre imagens dos acontecimentos futuros possíveis, que possam ainda pôr em risco algum bem que prezamos. Conclusão: nossa vida interior, por mais seca que seja, está sempre povoada, cercada, acompanhada, estimulada ou reduzida pela imaginação. O seu modo de proceder consiste em marcar a direção das nossas atitudes ou influir em nossas valorizações. Aquela montanha, que vejo daqui da janela do meu quarto, é uma massa cinzenta homogênea. Sei que ali há árvores, arbustos, veios d’água, pássaros das mais variadas formas e cores. Mas daqui, de onde estou, ela é apenas uma massa cinzenta. Quem estiver mais próximo dela, verá muito mais que uma simples massa cinzenta, e quem a percorrer encontrará uma variedade tão grande de fatos e aspectos, que não teria fim se desejasse descrevê-los. Vê-se, assim, que os fatos são sempre o que são. Aquela montanha é o que ela é. É a sua própria verdade. Mas, a montanha para mim é diferente do que ela é na verdade. Assim, os fatos variam para nós, embora não sejam em si senão o que eles são. E por que variam para nós? Assim, a montanha é diversa para os olhos dos seus espectadores, mas apenas nesses olhos, e não em si mesma; e assim os fatos são diferentes aos nossos olhos, sem que em si mesmo sejam eles outra coisa do que eles mesmos.
145
Vejamos mais: estou aqui. Nunca vi aquela montanha senão à distância. Não sei como ela é em si mesma. Sei que tem árvores, vegetação, animais diversos, caminhos para percorrê-la, algumas cabanas de camponeses. Posso construir com a imaginação até paisagens, manchas de um trecho ou de outro, posso imaginar até a visão que, olhando dali, teremos desta cidade. Muitas coisas posso imaginar. Mas todas as que acaso imagine serão, naturalmente, muito distintas do que é a montanha na sua realidade. A imaginação tende a completar o que os olhos não veem! E eis o seu importante papel que pode ser benéfico ou maléfico. Se conheço a montanha como ela é, não poderei tão facilmente criar tantas imagens. Já saberei como ela é. Ora, a nossa imaginação não pede licença para trabalhar. Ela está sempre atuando. Mesmo quando dormimos, ela atua e, muitas vezes, vislumbramos a sua atividade nos sonhos povoados de tantos ilogismos e de tanta criação exótica. Cercados por ela, como sempre estamos, podemos dizer que vivemos num mundo de realidade povoado pela imaginação . Onde termina a realidade e onde começa a ficção? Se o soubermos, poderemos ser senhores da realidade e da imaginação! Que maravilhoso é possuir um critério seguro, como um guia fiel e competente que nos leve através de caminhos desconhecidos ao ponto almejado! Que podemos fazer para alcançar este ponto? Duas propostas costumam ser feitas: 1) Destruir a imaginação, secá-la; 2) Dirigi-la, analisá-la, dominá-la. A primeira está prejudicada pelas razões que tivemos ocasião de acima descrever. Resta a segunda, portanto. Vamos empreender juntos este longo caminho. Serei o teu guia e tu o confiante viajor. À tua fé e à tua confiança, corresponderão a minha confiança e a minha fé. Conheço o caminho, e tu confias no meu conhecimento. Pois bem, entre olhares amigos e confiantes, prossigamos a nossa jornada. Quem segue uma viagem, a primeira coisa que faz, é munir-se de tudo quanto é necessário para ela. E essa viagem, que nos levará a achar as fronteiras entre a imaginação e a realidade, que nos dará meios de impedir que aquela nos prejudique em vez de nos auxiliar, exige uma preparação prévia. Então devemos: 1) Continuar firme e confiantemente os exercícios aconselhados; 2) Desenvolver a força de concentração. Exercícios atencionais exteriores e interiores. E agora, o 3.°, o movimento importante:
146
És um homem extrovertido, como poderias ser um introvertido. Onde estás, tu te extrovertes. Se tens ao teu lado uma só pessoa, com quem conversas, procederás de um modo. Se tens duas ou mais, procederás diferentemente. Se és extrovertido, ante uma pessoa, és mais comedido; ante mais de duas, já te excitas, falarás com mais ênfase, manifestarás um entusiasmo tão excessivo que podes perder até o controle. Se és um introvertido, ante uma única pessoa, conservas a tua naturalidade. Mas, eis que sobrevêm duas, três, outras, e começas cada vez a fechar-te mais, a calar-te, a sobrares, como diz o povo. Não é assim? Por que mudaste de atitude? É que nós, em geral, nunca somos os mesmos ante fatos diferentes. E por quê? Porque os fatos nos provocam imagens novas, nos estimulam nos movimentos de extroversão ou de introversão. Cuidemos, agora, de um estudo importante: as nossas atitudes ante os outros, e procuremos analisar nelas a influência que exerce a nossa imaginação. Depois, então, nos exercitaremos para evitar os defeitos. Aqui começa o novo caminho, aqui já palmilhamos a trilha da vitória! Seguindo as pegadas do que dissemos, devemos, agora, salientar o importante papel das atitudes . Nossas preocupações surgem: 1) De nós mesmo; 2) Do mundo exterior. Têm elas suas origens em nós mesmos, em nosso psiquismo, ou provêm de quando nos encontramos, no mundo exterior, em face dos outros. Essa distinção apenas salienta a fonte. Se podemos distinguir quanto à origem da precipitação, da preocupação, não podemos deixar de reconhecer que ela sempre depende de nós. Reconhecer este ponto é de capital importância. Pois, na verdade se os outros nos provocam preocupações, segundo as suas atitudes, devemos reconhecer que precisamos estar predispostos a nos preocupar para que tal aconteça. Se ante outros nos surgem preocupações, deveremos sempre considerar: Quanto nos cabe na estrutura da preocupação. Que fixemos para criar um ambiente favorável para que ela surgisse em nós? Se observarmos bem, verificaremos que nossas atitudes provocam certas reações dos outros que nem sempre percebemos nitidamente, mas que influem terrivelmente sobre nós. Se somos introvertidos, num ambiente de extrovertidos, estamos sujeitos a criar situações desagradáveis, tanto para nós como para os outros. Ante a expansão geral, nós nos retraímos. E quanto mais os outros se expandem, mais nos retraímos. Provocamos nos outros o aspecto de quem é “do contra”. Parecemos, desde logo, egoístas, antipáticos. Não rimos nem conversamos com a mesma exuberância que eles. Se somos extrovertidos, numa roda de introvertidos, logo nos sentimos
147
como se estivéssemos num velório. A tristeza parece dominar o ambiente. Sentimo-nos mal, e a nossa expansão e alegria causam, por sua vez, mal-estar na roda. Quer dizer que devemos procurar apenas os nossos pares? Poder-se-ia proceder assim, mas a vida não nos permite, e nós nos vemos obrigados a “dançar segundo a música que tocam”. Portanto, paciência. Temos que nos adaptar ao ambiente em que estamos. E como fazer? Ora, o conhecimento é um meio de libertação. Se sabemos que somos introvertidos ou extrovertidos, já sabemos que, nas rodas, que nos são antagônicas, devemos conter nossos impulsos naturais e procurar compreender com simpatia os outros. Dessa forma, evitamos aborrecimentos aos outros e a nós mesmos. Digamos agora, que, sendo nós extrovertidos, estamos numa roda de extrovertidos, na qual se dá a presença de um introvertido. Este exercerá sobre nós uma verdadeira provocação, que nem sempre suspeitamos. Temos vontade de falar mais alto, de ser mais exuberantes, de extroverter-nos mais, porque outros (os introvertidos) parecem reagir contra nós. Queremos, então, impor-nos. E perdemos a noção dos limites. Resultado: dizemos mais do que devíamos dizer. E depois ficamos preocupados que as nossas palavras tenham sido compreendidas assim ou de outro modo, a serem impressões que não desejaríamos provocar nos outros. Sentimo-nos, então, supinamente aborrecidos. “Para que disse isso? Sei que pensam que eu...” E uma dúvida nos espicaça a consciência. E nesse dia, por mais que façamos, e à proporção que mais lutamos contra o mental, as preocupações crescem, e o nosso “inimigo”, sempre a postos para nos exprobrar os erros, ri-se à nossa custa e aumenta ainda as preocupações, memorizando até fatos passados, já esquecidos, mas que voltam à memória para aumentar ainda mais o nosso mal-estar psíquico. Portanto, há uma regra útil: conter-se. E conter-se até quando tendemos a introvertermo-nos. Procurar sempre a posição equilibrada entre introversão e extroversão, é o melhor meio. No início, como em tudo, há dificuldades, mas é possível obter-se esse domínio. O pondo de partida é começar a dominar —se e, a pouco e pouco, a vitória se aproxima, de tal forma, que a conquistaremos, afinal. Mas todas as preocupações, que surgem das nossas atitudes para com os outros ou dos outros para conosco, dependem do nosso estado psíquico. Toda a vez que tais preocupações surgem, podemos estar certos que algo de defeituoso temos em nós. Salvo, naturalmente, naqueles exemplos de desajustamento, de falta de delicadeza, de erros graves em nosso modo de proceder, que provocam nos outros uma reação, ou que os ferimos, sem que o desejássemos, mas apenas por falta de cuidado. Estes casos são facilmente resolúveis, pois basta que cuidemos em não repeti-los, e a preocupação se desvanece. Devotam-se os psicólogos ao estudo das relações íntimas entre a realidade e a imaginação. E não é um tema apenas de psicologia, mas de filosofia também. Onde termina a realidade e começa a imaginação? Traçar
148
nítidas fronteiras é difícil. Além disso, o homem é um ser supinamente imaginativo, e poderíamos dizer, sem exagero, que nunca o ser humano pode viver a realidade pura e simples, sem a presença da imaginação. Portanto, o problema só se pode resolver pelo controle desta. Aconselham os psicólogos, como melhor método para distinguir a realidade da imaginação, observar quanto há de correspondência sobre o que pensamos com a sucessão dos fatos. Muitos imaginam isto ou aquilo pode ser ou dar-se, mas os fatos o desmentem. Portanto, os fatos do acontecer universal podem servir-nos de guia para que analisemos os nossos pensamentos e as nossas opiniões. Se procedermos assim, já teremos um bom meio de ver até onde vamos no terreno do imaginativo, bastando que recordemos o que pensamos sobre os fatos futuros, que nos confirmaram ou nos negaram o que a imaginação havia construído. Tem ela, assim, um grande papel, além do de conseguir novas estruturas com velhas imagens; é o de valorizar os valores. O que valoramos pode receber de nós uma nova carga valorativa, e darmos mais valor ao que tem menos, e menos ao que tem mais. A medida dos valores é realmente difícil. A própria Economia não resolve facilmente este problema, e a Filosofia também não. Portanto, precisamos estudar os valores para que saibamos guiar-nos ante as circunstâncias e sabermos quando nos excedemos em nossas valorações e valorizações. Valoração é a ação de captar um valor; valorização, a atividade que consiste em dar um suprimento de valor a um valor, já valorado. Assim, há objetos que podem ser valorados como valendo tal. Mas nós, por diversos fatores, podemos dar-lhes mais valor. Esta caneta vale tanto, por exemplo. Mas, como ela foi de meu pai, vale muito mais. Tem para mim, um valor a mais que lhe dou. Eu valorizo-a muito mais que outros a avaliaram. Um fato que sucede pode provocar reações diversas em diferentes pessoas. Num, pode passar indiferentemente, mas noutros provocará uma gama de preocupações, que vão desde o desgosto mais leve até o mais profundo pesar. Ora, o fato é o mesmo. Em si mesmo, tem o seu valor. Mas, para os outros, apresenta valores diversos. Só nos preocupa aquilo a que damos um valor além da medida. Analisemos as nossas valorizações e vejamos o papel que nossa imaginação exerce nessa atividade, e estaremos em condições de trabalhar a nosso favor e evitar muitos dos motivos que nos têm servido para transformar nossa vida numa existência intercalada de preocupações totalmente inúteis. São essas preocupações totalmente inúteis que devemos afastar de nós, para que nos libertemos. E o empenho para consegui-lo não é difícil. Para obter o desejado, comecemos pelo princípio. Examinemos
149
primeiramente os valores, que emprestamos às coisas e aos fatos, e depois a sua inter-relação com a imaginação e, finalmente, nosso papel para libertarmonos. Temos, aqui, um novo veio, cuja exploração nos oferecerá novas possibilidades de vitória, e facilitará a nossa plena integração pessoal. Antes de estudarmos os métodos de domínio da imaginação, cujo controle é fundamental para uma completa integração pessoal, convém previamente estudá-la sob vários aspectos: criadora positiva inovadora Imaginação desregrada negativa patológica Com este esquema, temos os diversos aspectos que são importantes para nós. Uma imaginação positiva criadora, e uma inovadora, são úteis, benéficas e devem ser alimentadas. É criadora a imaginação quando ela trabalha na estruturação de velhas imagens para construir uma nova imagem sintética, como a realiza o artista. É inovadora, quando, ao perceber as possibilidades que permitia inovar algo totalmente não conhecido, como procede, por exemplo, um industrial talentoso, que pode, com velhos materiais, com velhas técnicas, criar uma nova modalidade de produção. Estas duas imaginações devem ser estimuladas. Mas, como há sempre o perigo de desdobramento, uma imaginação positiva, quando se desmesura, pode tornar-se desregrada . Como se podem dar tais desmesuramentos? A imaginação distingue-se da realidade. Enquanto esta se dá em ato, existe em si, independentemente de nós, o imaginativo, enquanto tal, existe apenas em nós. Portanto fundamental. Mas onde termina o primeiro e começa o segundo? Difícil estabelecer uma fronteira, porque, em cada caso particular, a imaginação e a realidade se combinam, de modos diversos. O único critério que temos é o de considerar como realidade o que de fato, fora da nossa mente, já se dá. E como imaginação, as possibilidades maiores ou menores, ou a consideração de fatos que julgamos terem-se dado ou em ação de dar-se, mas dos quais não temos a evidência segura de seu acontecer real. Como já vimos, a imaginação não se afasta do homem, que com ela vive. Por isso, vivemos constantemente num mundo imaginativo e num
150
mundo real. Mas, o critério que temos para captá-lo em muito nos auxilia. Convém, no entanto, ainda distinguir: Numa imaginação desregrada, o sujeito, que a experimenta, pode saber que a vive, e é o caso normal de imaginação descontrolada, ou não pode saber que ela é imaginação e a toma como realidade, que já é um caso patológico. Assim temos: a) Imaginamos, mas sabemos que imaginamos; b) Imaginamos e pensamos que é realidade. Quando alguém toma a imaginação por realidade é já a evidenciação de um caso patológico? Na verdade, convém ainda distinguir. Se for esporadicamente, não o é. Mas, aqueles que tomam como realidade, constantemente, o que imaginam, revelam que o seu desregramento já atingiu a um ponto tão agudo, que acusa o doentio, o mórbido, o patológico. Vamos a exemplos esclarecedores: Estamos em face de um fato real. Começamos a considerar as suas possibilidades. Quais possibilidades estamos considerando: as benéficas ou as maléficas? Alguém nos olha de soslaio. Ficamos desconfiados. Nossa imaginação põe-se a trabalhar. “Esse indivíduo não gosta de mim, tem alguma má vontade que não revela. Certamente suas intenções não são boas. (A imaginação está trabalhando com negatividade, portanto, para nós, maléfica. Ela se agita e prossegue). Já observei vários gestos inamistosos. Ah, não há dúvida, esse indivíduo planeja alguma coisa contra mim!” E nesse diapasão trabalha a imaginação. Tudo se torna para nós evidente. Tínhamos um fato real: um olhar de soslaio. O reto pertence às nossas ficções. Temos aqui um exemplo das fronteiras entre a realidade e a imaginação. O primeiro, o olhar, pertence à realidade; o restante, à imaginação. Que devemos fazer em tais casos? Examinar com cuidado o que a imaginação amontoa de provas contra o indivíduo? Examinemos o que há de real contra nós? Nada, ou algum fato já praticado? Examinemos o fato e o despojemos do que é imaginativo. Tiremos dele todos os valores positivos e opositivos, e consideremos o que há de existencial no fato. Se procedermos assim, muitas das nossas considerações imaginativas perderão sua força e a realidade acabará por esplender com toda clareza. Lembremo-nos do seguinte: o cientista, quando estuda um fato do mundo, como procede o botânico ao analisar uma planta, não se guia nem se deve guiar por valores, mas descrever a planta existencialmente como a planta acontece. O cientista não pode fazer julgamentos de valor, sob pena de afastar-se da Ciência e fazer Filosofia, o que cabe a outro setor do conhecimento. Enquanto a Ciência trabalha com julgamentos (juízos) de existência, a Filosofia trabalha também com juízos de valor. A Filosofia pode julgar o homem como o ser mais valioso da terra. Mas, o cientista o estuda, nas ciências correspondentes, com a mesma naturalidade e realidade que estuda os seres
151
mais ínfimos. Todas as vezes que julgamos alguém ou um fato, façamos este exercício: quais são os meus juízos de valor e quais os juízos de existência? Coloquemos de um lado os de existência, e, de outro, os de valor. Cuidemos de considerar que, nos primeiros, haja realmente apenas existência, e nenhum juízo de valor, mesmo oculto. Feito isto, analisemos nossos juízos de valor. Todo juízo dessa ordem vale realmente quando está fundado em uma existência; do contrário, é apenas imaginação. Se tal for feito, não nos escapará nada, e evitaremos cometer injustiça ou tomar atitudes contra outros. Este trabalho de análise pode ser empregado para qualquer fato, e pode ser aplicado quanto aos julgamentos dos outros. Estamos, por exemplo, em face de um livro. O autor defende esta ou aquela posição. Examinemos seus juízos de existência e seus juízos de valor. Façamos a análise destes últimos, procurando os fundamentos existenciais. Veremos, desde logo, quanto trabalha a imaginação nos outros. Revertamos para nós a mesma prática, e compreenderemos quanto em nós ela atua.
152
OS VALORES A análise dos juízos de valor é o ponto de partida mais importante para uma verdadeira análise da imaginação e de pleno domínio de nós mesmos. Toda a vez que há uma ruptura da indiferença, há a presença de um valor para nós. E também o há, quando pomos, embora considerando iguais, um objeto superior ou antecedente a outro. Sempre que damos uma preferência a isto ou àquilo, e preferimos aquele a este, estamos revelando que há valores. Propriamente, toda a vida é um ato de valoração. Teríamos que penetrar aqui no terreno da Filosofia se desejássemos explicar tais aspectos; mas, basta-nos ficar no âmbito da Psicologia. Um homem e uma mulher seguem por uma rua movimentada, cheia de lojas. Certamente, ante as vitrinas, que exibem vestidos femininos, a mulher será mais facilmente atraída que o homem, enquanto este se dirigirá mais para a que mostre objetos de uso masculino. Uma criança verá melhor os brinquedos que um adulto. Um fumante de cachimbo prestará atenção aos cachimbos expostos, e assim sucessivamente. Nós somos atraídos por tudo quanto representa um maior valor para nós, ou põe em risco um valor que estimamos. Há um velho ditado de muita sabedoria: “quem vai aos porcos, tudo lhe ronca”. Conhecemos todas as alucinações do caçador, bem como as alucinações do sedento no deserto, que vê sempre regiões de exuberante vegetação e água cristalina e certamente fresca. Conta um filósofo hindu que, viajando certa vez por um deserto na Índia, num dia de intenso calor, admirava-se que, por toda parte, visse tão belas vegetações à distância e lagos tão claros, de água cristalina e agradável. E punha-se a dizer a si mesmo: “Não compreendo por que dizem que esta região é desértica. Como há belas manchas de terra, com lindas árvores e belos lagos!” Como sentisse sede, resolveu dirigir-se para um desses oásis. E qual não foi o seu espanto quando viu que tudo não passava de miragem. Pôs-se, então, filósofo como era, a meditar. Nós vemos muito do que desejamos. Na verdade, a sede já se fazia sentir nele há muito, embora não fosse tão exigente, porque “sabia” que poderia satisfazê-la facilmente num daqueles lagos. Mas, ao ter a evidência de que tudo não passava de miragem, a sede aumentou, cresceu a olhos vistos, e o temor não se apossou dele totalmente porque tinha meios de afastar-se do deserto e obter água em pouco tempo. Tudo isso lhe serviu de grande lição. Nossa imaginação nos dá o que desejamos... mas nos dá como imaginação. Quando estamos dormindo e sentimos fome, no sonho, em imagens, recebemos lautos jantares, pratos maravilhosos, doces em profusão, que comemos de tal modo, sem nos satisfazer, o que nos provoca enjoo e malestar quando acordamos. Ora, a nossa imaginação trabalha quando estamos vigilantes e ela atua valorizando os fatos. Sabemos que valorar um fato é captar o valor que ele
153
tem. Valorizar é dar um valor ao valor, como desvalorizar é tirar valor de um valor, diminuir o valor de um valor. Valorar é apreciar com justeza o valor. Valorizar é dar mais ou dar menos. Portanto, no valorizar, já atuamos diferentemente de quando valoramos. Na verdade, dificilmente valoramos sem valorizar ou desvalorizar. Valorar com justeza seria captar um valor através da elaboração de um juízo de existência do valor. Assim, quando digo: “Esta mesa é um móvel que guarnece a casa”, eu expresso um juízo de existência. Mas quando digo: “Esta mesa é muito confortável ou agradável”, formulo um juízo de valor. Mas esse juízo de valor pode ser existencial, isto é, o valor “está” na mesa, pois realmente ela apresenta a qualquer pessoa uma agradabilidade ou uma confortabilidade. Neste caso, o juízo de valor está justificado por um fato ou por uma qualidade inerente ao fato. Ora, se nos pusermos a examinar os nossos atos e a procurar neles os juízos de valor que incluem, veremos que muitos deles se fundam no que há na coisa valorada, mas muitas vezes, o valor não está na coisa. Nós é que nela o pomos. E esses valores, que são fictícios, criação nossa, representam mais o que desejamos ou o que não desejamos. Portanto, nossa atividade valorativa tem uma importância muito grande. Ora, nossa imaginação, que tem um poder criador, pode emprestar a uma coisa um valor que a coisa não tem. Assim como a imaginação pode tomar duas realidades, como o corpo de um cavalo e o busto de um homem, e juntá-los, para formar o centauro, que é uma ficção, também pode juntar um valor, que já captamos e conhecemos aqui, ou ali, e pô-lo como se estivesse no objeto que apreciamos. Eis como trabalha a nossa capacidade criadora. Aí está um grande bem e um grande mal nosso, porque a imaginação enriquece a vida de belas imagens ficcionais, mas também nos leva a erros clamorosos, e a consequentes injustiças. A imaginação tem sua origem, psicologicamente falando, na nossa sensibilidade e na nossa afetividade. Ela surge espontânea, do fundo do nosso ser. Mas, nossa razão pode efetuar um grande trabalho para controlá-la, porque a razão, sendo fria, analista e sintetizadora, como é, pode nos ajudar na análise de nossas ficções, facilitando-nos o meio de encontrar um controle para as nossas criações. Analisar todos os nossos juízos de valor e ver quanto há neles de valoração e de valorização é o primeiro passo para o domínio da imaginação. Pois, à proporção que descobrimos nossos interesses; isto é, nossa disposição a preferir isto àquilo, aprendemos a julgar melhor. Com o decorrer do tempo, a imaginação, que não precisa ser estancada, e que pode continuar em sua maravilhosa produção de imagens, passa pelo cadinho da análise da razão. E esta, fria e objetivamente, verificará o que é ouro de lei e o que não é. A pouco e pouco nos assenhoreamos desse método de análise, e em breve a nossa
154
imaginação, quando entra em sua atividade, não impedirá que saibamos, simultaneamente, o que é real e o que não é. Quando atingimos este ponto, teremos dado um grande passo. E depois dele, tudo será fácil conquistar, porque já somos invencíveis, pois vencemos a nós mesmos, sem nos derrotarmos. Já que entramos na tarefa mais difícil, como, também, uma das que melhores frutos nos pode oferecer, que é o domínio da imaginação, impõe-se uma preparação prévia. E o primeiro cuidado é ter um espírito repousado, descansado, sem mais as agitações que tantos males nos causam. No decorrer de um dia, passamos por muitas experiências. Nossos sentidos estão cansados de tantas horas de vigília e de atividade sem fim. Nossos olhos, despertos durante tantas horas, pedem repouso. E repouso pedem os nossos ouvidos, e nosso tato e o nosso sabor. Todo o nosso organismo precisa repousar e mesmo o nosso velho coração, infatigável trabalhador, que cuida com tanto carinho da distribuição do sangue que vai alimentar nossos músculos, também quer que não o perturbemos, mas o deixemos trabalhar descansadamente, isto é, com o ritmo que lhe é próprio. E durante o decorrer desse dia, ficaram gravadas em nós inúmeras imagens do espetáculo do mundo, palavras que ouvimos pronunciar, e que geram agora, dentro de nós, tantas réplicas ou nos provocam a explosão de nossos sentimentos ou nos precipitam em novas atitudes. E se rememoramos o decorrer deste dia, se durante alguns minutos dizermos como que um balanço de tudo quanto ocorreu, poderemos aproveitar muito das lições que a nossa experiência cotidiana nos oferece. Quantas vezes, no decorrer deste dia, prejulgamos os acontecimentos; quantas vezes esperamos que algo sucedesse e não sucedeu ou, quantas outras, o inesperado surgiu sem que tivéssemos sequer imaginado que tal pudesse suceder. E quantas vezes procedemos com a lógica e em quantas outras fomos verdadeiramente irracionais, deixando-nos arrastar pelas primeiras impressões, sem prestar a devida atenção aos acontecimentos? Façamos um balanço do que nos aconteceu. Examinemos aquela ocasião em que fomos ríspidos demais, e aquela outra em que, sem o querer, magoamos alguém que, na verdade, não merecia ter sofrido tal vexame. Examinemos como se deram tais fatos, ponderemos sobre as circunstâncias, e logo veremos, sem grande dificuldade, que poderíamos ter evitado aquele erro que nos magoa e aborrece agora. E aprenderemos logo como evitar tais fatos. Passemos então os olhos sobre os diversos julgamentos. Como fomos injustos ali, e como fomos ingênuos naquele outro caso. Como é possível que não tivéssemos visto que erramos naquele momento? Ora, tais perguntas surgirão e muitas vezes acompanhadas de uma mágoa bem dolorosa. E por que, durante o dia, que é tão curto no tempo, erramos tantas vezes?
155
Por que em tantas ocasiões trabalhou a nossa imaginação com tal ímpeto que desvalorizou demasiadamente certos aspectos e de tal modo, que não nos foi possível aquilatar com equilíbrio o que se passava? Por não termos descansado bem o nosso mental. Então, está no descanso do mental o caminho que nos levará a achar o equilíbrio desejado? Responderemos que, em grande parte, sim. E essa parte é tão importante que não nos basta apenas saber manejar bem a lógica, se estamos cansados e somos capazes de nos deixar arrastar pela imaginação, cuja raiz está sempre na nossa afetividade; isto é, deixamo-nos arrastar pelas nossas paixões, que nos levam às desvalorizações ou às valorizações extremadas. Não dizem os psicólogos que o nosso mental nunca descansa? Não é verdade que ele sempre trabalha? Sim, é verdade. Mas é preciso ponderar o seguinte: quando o nosso corpo está cansado, procuramos as posições que nos colocam à vontade para que descansemos os nossos músculos. No entanto, os nossos pulmões e o nosso coração continuam na sua faina. Pois, também o nosso espírito continua o seu trabalho sem descanso. Mas o que se dá durante as nossas horas de vigília? Dá-se que não deixamos nosso coração trabalhar calmamente. Nós o excitamos, nós o apressamos, nós realizamos muitas coisas que o fazem, ora andar mais depressa, ora mais devagar. Por isso, nas nossas horas de vigília, cansamos demais o coração, como cansaria um chefe de oficina que obrigasse o operário, a toda hora, a mudar de ritmo de trabalho. O coração não para, e quando para, deixamos de viver. Se nós o forçamos, ele cansa além do normal. Assim como os exercícios que fazemos fortalecem o coração, também nossos exercícios mentais fortalecem a nossa mente. É preciso dar descanso à nossa mente de vez em quando, para que se recomponha. Por acaso, quem passa as noites mal dormidas pode pensar bem? Será capaz de ter o senso, o equilíbrio para poder pensar? Muitos podem passar bem as noites e ter a mente cansada. E por quê? É muito simples a explicação: imaginemos que alguém tem de correr um quilômetro. Se for uma atleta, já treinado, correrá normalmente, e mal se notará que está cansado. Se nunca fez atletismo, logo sentirá cansaço, e finalmente estará completamente abatido. Pois devemos ser atletas mentais. Um cérebro forte, treinado, é capaz de enfrentar melhor que qualquer outro as solicitações da imaginação. Não que a queiramos aniquilar, mas desejamos, e apenas, controlá-la a nosso favor. E quem irá controlar a imaginação, que é espontânea, que surge com todo o irracionalismo natural de uma criança, com ímpetos e desejos infantis, se não o nosso mental? Uma imaginação desbordada é uma imaginação que não foi bem conduzida para um recipiente, como os rios, quando os leitos não são suficientes, transbordam as margens e inundam os campos. Então, que fazer para dominar a nossa imaginação que consista, na verdade, em pô-la em serviço útil, a nosso favor e para o nosso bem? Em primeiro lugar , ter confiança em que é possível alcançar esse
156
domínio. Um desanimado nunca o alcançará, e terminará por tornar-se joguete da imaginação. Em segundo lugar , é preciso fortalecer o mental, o que se obtém pelos exercícios que oferecemos até aqui, e outros que iremos, a seguir, oferecer. Em terceiro lugar , meditar logicamente. Ler trechos e verificar como os pensamentos estão implícitos, contidos em outros; se há relação ou não entre um e outro. Ao lermos um trecho, vejamos se há bom sentido, se há nexo entre as palavras do autor, ou se tudo está desalinhavado no que diz. Em quarto lugar , não esquecer que há sempre uma luta entre a nossa vontade, orientada pelo nosso eu consciente e os impulsos que vêm do inconsciente. No próprio mental, há forças que lutam pela desordem e se rebelam. Esses choques podem dar-lhes algumas vitórias, estas, porém, serão passageiras, e cada vez mais espaçadas. É preciso ter a maior atenção nos exercícios para permanecer sempre numa posição estável, evitando qualquer movimento do corpo, pois há uma grande relação entre o corpo e o mental. Quem domina o seu mental, domina-o até nas ruas mais movimentadas de uma cidade metropolitana; quem não o domina, nem no silêncio de uma gruta é capaz de fazê-lo. Segui os vossos pensamentos durante a meditação, sempre sobre temas positivos. Procurai retirar de cada ideia tudo quanto esta ideia pode conter, e tudo quanto dela pode relacionar com outras. Meditai sobre as novas ideias associadas. Fazei as comparações entre elas, procurai os aspectos contraditórios, o que deixastes de considerar, e depois medi, calculai tudo, em suma, meditai e, finalmente, terminareis por uma síntese do pensamento, completando-a com outra síntese das ideias provocadas por aquela. Façamos exercícios práticos. Analisemos bem o que é a associação. Prestemos a atenção aos nexos que ligam as ideias, e veremos que todas elas têm um nexo muito semelhante ao dos fatos que se dão na natureza, ao qual chamamos de realidade. Ao nexo, que liga as ideias, chamamos idealidade. Pois saibamos dominá-lo. E com esses exercícios fortalecemos o mental, e de tal modo, que ele não se cansará facilmente. E descansá-lo-emos através da respiração rítmica e do sono, sempre com o auxílio do nosso subconsciente, que por ser o nosso melhor amigo, há de velar, toda vez que lhe apelamos, peno nosso, e sempre, pelo nosso bem. As associações se processam: a) Por contiguidade; b) Por semelhança; c) Por contraste; Um exemplo de associação por contiguidade: vemos uma pessoa sempre com um charuto aos lábios; ao ver um charuto, recordamo-nos dessa pessoa. Um exemplo de assimilação por semelhança: uma bebida verde, que
157
bebemos, e da qual gostamos, e toda vez que vemos um líquido verde, lembramo-nos da bebida. Por contraste, temos os exemplos do branco que nos associa o negro, do bom que nos associa o mau, etc. Mas vimos também, que essas associações têm um nexo, pois não associamos tudo o que era contíguo, semelhante, ou contrastante. Associamos alguns fatos e não outros . Há influência da nossa afetividade, pois preferimos , inconscientemente até, associar isto e não aquilo. E nessas associações, revelamos muito das nossas preferências, muito das nossas preocupações. Tomando-se um conjunto de ideias chaves, podemos acrescentar-lhes as palavras que se nos associam. Partamos de um exemplo: amor. Que se associa logo a esta palavra? Uma jovem bela, uma praia coberta de sol, umas palmeiras decorando as margens, as ondas verdes quebrando-se nas rochas, etc. As associações variarão segundo as pessoas. Ao analisarmos, depois, as nossas associações, podemos fazer uma espécie de autoanálise, e penetrar um pouco mais profundamente dentro de nós mesmos, e conhecermo-nos melhor. Por meio dessas análises, poderemos saber muita coisa que estava oculta à nossa consciência sobre o nosso próprio íntimo. Ora, a nossa imaginação trabalha também por associações. Dá-se um fato, assistimo-lo; logo a nossa imaginação associa uma sequência de imagens que o completam. Mas essas imagens não surgem sem uma razão. Elas não vêm ao acaso como muitos julgam. Há um nexo entre elas, um nexo que é preciso examinar. Temos um momento de preocupação. Procuramos, primeiramente, o fato chave, isto é, o fato que abriu a porta à imaginação. Qual foi o acontecimento? Nem sempre é difícil perceber. Basta que examinemos da seguinte maneira: a) Vejamos qual foi o momento em que nos preocupamos. Um momento antes e tudo corria à mil maravilhas. Mas sucedeu “aquilo”. Qual foi esse aquilo ? b) Examine-se o fato sucedido e coordene-se a sequência das ideias que surgiram e criaram o estado afetivo de preocupação. Faça-se uma espécie de síntese de todas as ideias e imagens que surgiram. Se possível, tome-se uma folha de papel e escrevam-se imediatamente todas as ideias sobrevindas, como também as imagens na ordem de sua sequência. c) Temos agora às mãos as ideias e as imagens. Procuremos ver o nexo que há entre elas. Veremos logo que todas se entrosam ou por contiguidade, ou por semelhança ou por contraste. d) Procuremos, ao examinar a distância entre duas ideias ou imagens, o interesse afetivo que poderia ter surgido. É fácil fazer-se o exame. Digamos que alguém falou em guerra , e subitamente uma sequência de ideias ou imagens se associaram. Canhões, metralhadoras, bombardeios, aviões rasgando velozes o espaço, bombas destruindo cidades indefesas, mortos, crianças chorando, feridos, mães desesperadas. Subitamente, a
158
imagem do bombardeio da cidade em que vivemos. Estamos na guerra, somos feridos; não, mortos, esmagados sob escombros, etc. A preocupação nos assaltou, estamos angustiados, em mal-estar, já não atendemos nada, a tristeza cobre o nosso rosto, o coração empequenece, estamos acabrunhados. Mas, ao examinar cada uma das imagens que se associaram, podemos ver entre elas um nexo que as liga. Qual a razão por que, ao ouvirmos a palavra guerra, a ela se associaram canhões, metralhadoras, e não bombardeios, que vieram em terceiro lugar? Foi tudo obra do acaso? Por que não nos vieram logo à visão as cidades bombardeadas, as crianças feridas, etc.? Digamos que o analista de si mesmo, o auto analista, seja um industrial. Está aí o nexo da primeira associação. Primeiramente, viu, industrialmente, a guerra, porque vive com mais intensidade a realização industrial. Só posteriormente sentiu o que seria associável comumente a um homem qualquer: as destruições. Assim como se pode fazer esta análise, podem-se fazer muitas outras, e tão ricas, que só a constante experiência, o constante exercício desses exames podem nos mostrar. Com o decorrer do tempo, acostuma-se a uma análise tão completa, que ela poderá invadir terrenos novos. O interessante de tudo isso é que, no mesmo instante, substitui-se uma preocupação de ordem afetiva por uma preocupação de ordem intelectual. Em vez de prosseguir angustiando-se na vivência de uma preocupação, passa-se a viver outro modo de preocupar-se, que oferece um prazer, o prazer da análise, o prazer da pesquisa. E, em pouco tempo, o estado de desagradabilidade que conhecera a princípio, é substituído por outro, cheio de agradabilidade, o que oferece a análise intelectual, racional dos nexos e das razões. Ora, para que nos momentos de máxima preocupação sejamos capazes de fazer tais análises e vencer o estado afetivo, é necessário procedermos constantemente com exercícios, nos momentos em que estamos perfeitamente calmos, para que o nosso espírito se habilite, quando nos estados de preocupação, poder levar avante, sem dificuldade, a autoanálise tão necessária. E esses exercícios, no princípio, são fáceis. E quando se complicarem, também serão fáceis, pois, nessa ocasião, já estaremos bastante fortes para levá-los adiante. O exercício, no início, consiste em se tomarem algumas palavras chaves e escrever imediatamente todas as palavras que se associam. Depois desse trabalho, procura se descobrir o nexo que se encontra entre elas. Não só as palavras devem ser anotadas como as imagens representadas, as visões intelectuais e imaginativas que se formam. Escrever tudo com simplicidade e rapidamente. Só depois se deve procurar o nexo. Na hora de escrever, devemos ter o
159
máximo cuidado em deixar as ideias e as imagens fluírem com a máxima naturalidade, sem influir, tanto quanto seja possível, com o consciente para escolher estas ou aquelas. A análise torna-se completa com o tempo, e permitirá o melhor domínio da imaginação, ou, pelo menos, evitar que ela influa, de tal forma, na nossa vontade, que nos desvie dos caminhos que nos são mais úteis e convenientes, levando-nos a falsas apreciações, valorizações desmedidas e erros, que são sempre de funestas consequências. Aqui, como em todas as coisas superiores, a pressa deve-se evitar, porque é a mãe da imperfeição. E só se consegue um perfeito domínio do mental, quando não nos apressamos, quando não lutamos contra ele, quando sabemos, com habilidade e doçura, conduzi-lo a nosso favor.
160
RECOMENDAÇÕES IMPORTANTES
161
As páginas, que vamos apresentar a seguir, merecem de tua parte a maior atenção. Por outro lado, não deverão ser lidas uma única vez. Relidas e meditadas, transformando-as em temas para as tuas meditações, deves demorar-te na análise de todos os pensamentos possíveis que elas te permitam captar. Ler, reler, e meditar! Há muitos métodos oferecidos nas obras dos psicólogos em favor dos aflitos, dos angustiados, dos frustrados, dos ressentidos, dos sofredores, dos inquietos, dos insatisfeitos, dos desatentos, dos inibidos, dos fracos, dos desajustados, dos refratários, dos calados, dos solitários, dos penumbrosos, e até dos abissais e dos terríveis. Um método favorece a uns, não favorece a outros. Outras vezes, o método, benéfico hoje, é ineficiente amanhã. Quem os usa, nos casos de refluxo, conclui pela total ineficiência do método, sem prestar a devida atenção às circunstâncias, que o tornam ineficiente apenas naquele momento, pois, em outras ocasiões, ele volta a ser benéfico. § 1 — Uma regra importante para todos os que desejam reintegrar-se, ou integrar-se plenamente, é a de que devem considerar apenas as positividades, e delas rejubilar-se, e não as negatividades, que são comuns. Um exemplo nos auxilia a compreender bem o que pretendemos dizer. Um agricultor, que semeou seus campos, vê nele, por entres os arbustos que surgem, vingam, os que perecem ou pereceram. Acaso a tua colheita futura será constituída dos que não vingaram? Certamente, não. A colheita será feita dos que vingaram e deram frutos ou sementes. Pois o mesmo é conosco. Toda vez que adquirimos uma positividade (e sempre é uma pequena vitória), ela constitui um efetivo. Podemos, amanhã, conhecer um refluxo e cair novamente no mal que nos afeta, mas aquela positividade não está perdida, mas em estado de latência, guardada, esperando a oportunidade para atualizar-se, efetiva-se outra vez. No decorrer do tempo, as positividades em latência encontrarão, um dia, um número que as reunirá numa nova estrutura forte, e subitamente se dá a integração dela num todo positivo, que é um conjunto estruturado de positividades diversas. As pequenas vitórias, que conquistamos cada dia, no nosso subconsciente, permanecem em latência, as quais podem passar do estado de virtualidade para o de atualidade; isto é, se efetivarem num todo poderoso, integrando a nossa tensão psíquica na sua mais alta coerência. O importante é obter vitórias. É preciso crer nelas e confiar que elas fortalecerão outras. Toda a vez, portanto, que aplicares qualquer método e obtiveres uma vitória, podes estar certo de que adquiriste uma positividade que te ajudará a conquista da vitória final. Rejubila-te, portanto. E toda a vez que te sentires em estado de refluxo, lembra-te das vitórias obtidas, e dize para ti mesmo, que esse malogro provisório não poderá destruir o que já há de positivo em ti.
162
Todas as positividades ganhas são esquemas-sementes para a colheita futura. Um exemplo ilustrará melhor as nossas palavras. Alguém que tenha estudado piano, tendo abandonado, depois os estudos por muitos anos, se torna a estudar, encontrará muito maior facilidade do que quando o fizera pela primeira vez. É que os esquemas adquiridos, durante os primeiros anos, eram positividades em latência. Quem, quando jovem, estudou, embora por alto, uma língua, e depois, quando adulto, resolve estudá-la definitivamente, encontra uma facilidade muito maior do que quem nunca a estudara. Os esquemas-sementes permanecem no subconsciente e facilitam, depois, as novas vitórias. Pois cada vitória que obtenhas é um esquema-semente que, com positividade, estará no fundo de ti, para assegurar novas positividades futuras. E assim como um conjunto de pedaços de ferro, armados sob certa forma, constituem o arcabouço de um prédio, de uma máquina, assim essas positividades, que permanecem no teu subconsciente, alcançam, afinal, um número, uma forma, que dá nascimento a um todo, uma imagem integral, que formará a base positiva de tua futura libertação. Confia, portanto, nas tuas vitórias, e prossegue em teus exercícios, sem desfalecimentos, com bastante fé e confiança em ti. § 2 — Analisa quais os esquemas que se mostram em teus refluxos, se o de aflição, esquema da injustiça, da traição, da perseguição, do abandono, da doença, da dificuldade financeira, da preocupação do amanhã, do medo, da solidão, da angústia sem motivo aparente, da ingratidão, do perigo, da incompreensão, da dúvida, etc. Ao tomares conhecimento de quais esquemas se manifestam em teus momentos de refluxo, de abatimento ou de ira, estás apto a analisá-los, segundo as normas que tivemos ocasião de oferecer nas páginas deste livro. § 3 — Só gozarás o prazer de um copo d’água se não o beberes logo que se manifeste em ti a sede. O teu prazer será maior se esperares um pouco. Não ter pressa na satisfação é antegozá-la, e aumentar a sua intensidade. Desta forma, evitarás que o tédio se aposse de ti. É uma forma de lutar contra o tédio: a de não dar satisfação imediata aos desejos. Mas daí não deves ir aos extremos, pois do contrário, a satisfação obtida acaba por magoar, pois parece injusta a sua demora. Há um ponto de ouro que deves procurar em ti. § 4 — Quando te assalta um momento de refluxo, procura desdobrar-te e observar a ti próprio, e deixa-o fluir. Deixa que ele venha, que ele aconteça plenamente. Não resistas, despeja-te completamente, mas observa-te. Conseguirá essa duplicação de ti mesmo como espectador e ator de teu refluxo, a pouco e pouco. Esse desdobramento te facilitará a purificação, a catharsis dos gregos, e te sentirás aliviado. Mas te sentirás sobretudo forte, porque terás a consciência de que assistes a ti mesmo, e o teu eu espectador passará cada vez a ser mais forte, mais coerente, e cada vez mais integral. § 5 — Toda a vez que a consciência plena do teu estado de refluxo se
163
processar, sentirás um alívio. Quando possas dizer a ti mesmo: “bem, o que sinto agora é um refluxo, que demora um pouco, depois passa. Voltarei ao meu estado normal. Não tem importância, cada vez será mais fraco.” Deixa -o fluir. Se imediatamente não te sentires aliviado, não importa. O alívio será finalmente alcançado, quando já tenhas realizado, através dos exercícios aconselhados, a plena integração. Lembra-te sempre que uma cura psíquica é demorada e apresente curvas ascensionais e descensionais. Há momentos de fluxos, por entre os de refluxos. No início, estes podem ser até mais fortes e numerosos. O mal, em ti, luta pela sua conservação, positividade que se opõe à tua positividade do bem; é ele, pois, uma opositividade. Ele também luta por conservar-se. Mas o mal, por destrutivo, não é tão forte como o bem. Afinal, a vitória deste é inevitável. § 6 — Toma de um papel e deixa fluir todas as palavras que te venham à mente. Escreve sem prestar —lhes muita atenção. Depois de haveres escrito muitas linhas, analisa-as. Dessa tua análise sairão coisas surpreendentes. Irás ver associações que jamais julgar-te-ias capaz de fazer. Nessa análise, já te estás desdobrando num espectador analista e num objeto analisado. Esse exercício não só te dará alívio, como te facilitará a integrar a tua capacidade analista e um melhor conhecimento de ti mesmo. Penetrarás, assim, com a consciência e a calma necessárias, no âmago de ti mesmo. Se encontrares alguma coisa de repugnante, não te aborreças. Lembra-te que somos também o animal ao lado do anjo. Há em nós sordidezes que não nos devem espantar, pois somos seres humanos (síntese de animalidade e espírito). Não precisarás sacrificar a segunda pela primeira. Hás de alcançar a harmonia entre ambas, necessária para o equilíbrio de ti mesmo. § 7 — Se puseres tua atenção sobre a dor, ela aumentará de intensidade. Põe tua máxima atenção sobre um instante de satisfação, e aumentarás a intensidade de tua alegria. Todo instante de alegria deves vivê-lo como se fosse eterno, e nunca o consideres um momento que passa. Luta por ti, não contra ti. § 8 — Quando alguém, à tua volta, só fala no mal, nas sombras da vida, no “vale de lágrimas” da existência, podes estar certo que ele precisa de amparo. O pessimismo é a atitude mais fácil que existe. Os que julgam que precisam de sombras e sofrimentos para criar, só criarão sombras e sofrimentos. Eles precisam de luz, e ajuda-os. A alegria, já o mostrava Nietzsche, é muito mais profunda que a tristeza. O prazer é mais profundo que a dor. As eternas carpideiras na literatura costumam chamar a atenção dos grandes que sofreram e criaram. Mas esquecemos grandes que criaram, vencendo e superando o sofrimento. Todo artista que julga que precisa sofrer para ser grande, e busca o sofrimento, engana-se, pois seria maior na alegria. A obra destrutiva de tantos autores não vale pelo destrutivo que tem, mas pelo construtivo que perdura apesar dos sofrimentos. Se a vida é sofrimento, como dizem, por que aumentá-lo? Não é. Portanto, uma tarefa importante torná-la mais bela e superior? Ademais, se prestares bem atenção, verás que os momentos de alegria e de indiferença são mais numerosos que os de sofrimento. Analisa quanto o sofrimento é exagerado pelas nossas atitudes. § 9 — Toda vez que aprecies alguma coisa, faze uma análise da tua
164
apreciação. Observa se apenas evidenciaste os aspectos positivos ou os opositivos, se atuaste como um otimista ou como um pessimista. Observa se o estudado por ti, e por ti considerado como ruim, não faria alegria dos outros. Não te esqueças que as coisas, em si mesmas, são o que elas são. Lembra-te que aquela montanha, uma mancha cinzenta para ti, que estás neste lugar, é uma massa verde e bela para quem está mais próximo. Mas a montanha é a mesma. Toma esta posição ante os fatos da vida e compreenderás, então, que as coisas são muito do que lhe emprestamos, o que depende dos nossos julgamentos, porque as coisas, em si mesmas, são o que elas são. Se te desdobrares nessa análise, estarás auxiliando a fortalecer a coesão do eu, que passará a analisar a ti mesmo, e a tornar-se o teu melhor juiz, e amigo, e conselheiro. § 10 — Tudo o que faças, procura fazer do modo mais perfeito que possas. Principia a pôr em ordem em tuas coisas; mas devagar, não te apresses. Cada dia põe ordem em alguma coisa. Não queira transformar-te subitamente. Procura ser perito em algum mister, por mais simples que seja. Alcança uma perfeição, por pequena que seja. Depois, conquistarás outras. Não tenhas pressa, se queres andar mais rapidamente. § 11 — Busca o máximo de delicadeza. Não queiras impor aos outros as tuas ideias e evita aborrecê-los. Trata os outros com deferência e respeito, e logo sentirás satisfação dentro de ti. Se alguém for ríspido para contigo, compreende a grosseria. Que poderias esperar de um homem grosseiro? Vais imitá-lo? Só poderás, com isso, tornar-se igual a quem consideras inferior. Medita sobre este ponto. E quando em tua vida perderes a calma, não te preocupes. Continua meditando, e sempre com firme propósito de não imitar o pior. Acabarás conquistando um certo domínio de ti mesmo, imensamente útil para outras vitórias. § 12 — Procura desembaraçar-te. Se és tímido, fala com delicadeza e calma, com bastante naturalidade quando estiveres ante outros. Sê apenas natural e simples. Não tentes impor-te. Apenas expõe o que pensas, sem rebuscar argumentos complicados. Todos te ouvirão, se tiveres o bom-senso comum. A pouco e pouco irás obtendo o desembaraço, e finalmente te imporás com argumentos mais sólidos. § 13 — Ouve os outros. Todos gostam de ser ouvidos, e tu também. Ouve com atenção e respeito, e nunca desanimes a ninguém. Obterás uma força que crescerá dentro de ti, todos os seres humanos precisam de confidente. Sê um confidente fiel e amigo, e sobretudo compreensivo. Todos acabarão por estimar-te, e te sentirás cada vez mais tranquilo. § 14 — Teus maus pensamentos e tuas meditações devem sempre dirigirse a temas positivos. Pensa sempre no teu bem e confia que o melhor te há de suceder. Se alguma coisa te acontece de mal, procura o lado benéfico. O velho ditado popular de “que há males que vêm para o bem” é verdadeiro, e muito mais do que se julga. Se confiares no bem, ele se aproximará de ti. Lembra-te que o abismo atrai o abismo; o mal atrai o mal. Se tiveres em ti o bem, o bem será atraído. Confia no bem, que ele não te desamparará. § 15 — Tudo o que fizeres, faze-o com entusiasmo. O entusiasmo é uma virtude divina. Nas pequenas coisas que tiveres de fazer, e que te parecem
165
desagradáveis, dá-lhes a agradabilidade. Tu podes decorar a tua vida de alegrias se o quiseres. Põe amor no que faças, e logo a agradabilidade surgirá, e tudo irá rápido e fácil. Faze pequenas experiências, e logo verás que o conselho que te dou é verdadeiro. § 16 — Que a tua oração diária seja esta: “Hoje farei um bem a um ser humano”, faze-o. À noite, rememora o que de bem fizeste e alegra-te, para aumentar a tua e a alegria do mundo. § 17 — A maior luta que o homem terá de empreender é a luta contra o medo. Nunca cresceu ele tanto, avassalou tanto os seres humanos. Temer o mal é preparar-se para ele. Não tenhas medo do amanhã; confia em ti. Examina cada um dos teus medos e procura os seus fundamentos. Verás que são quase sempre inexistentes, ou melhor, sem nenhum conteúdo real, mas apenas imaginários. Não temas adoecer, nem temas malograr. Faze o que deves fazer, com confiança. § 18 — Cristo dizia que as nossas doenças não entram pela boca. Elas vêm do que sai pela boca. Queria ele referir-se às nossas ideias. Se não temos fé em nosso poder, não temos poder. Se não temos fé em nossa força, somos fracos. Nossas ideias germinam nossas doenças e também a nossa saúde. Somos muito do que pensamos que somos. Este é um grande tema para meditações. § 19 — Medita sobre a dignidade humana. Olha o espetáculo do mundo, e vê como o homem perde em valor onde há ditaduras, onde há opressão, onde há a brutalidade travestida de lei e de ideias progressistas. Vê quanto o homem vale pouco e os grandes muito crescem de valor. E verás que os que se intitulam os mais realistas são os que glorificam e adoram as maiores abstrações. Medita sobre a dignidade do homem. Observa-o como ele se transforma em utensílio, em coisa, em número. Medita longamente sobre este tema, e afirma dentro de ti o desejo e o querer construir a tua personalidade. § 20 — Toda meditação bem ordenada, todo raciocínio bem concatenado, é um grande exercício para a vontade e para a maior coerência do eu. Nunca deixes de fazer diariamente as tuas meditações, e dá-lhes melhor ordem lógica e dialética. § 21 —Se o teu dia foi agitado e tiveste de andar muito apressadamente, aproveita a oportunidade para dar uns passos bem lentos, numa lenta e tranquila caminhada. Depois, descansa, entrega-te à leitura de um livro sereno, e cheio de luz. Evita a leitura de obras mórbidas, pessimistas, porque elas apenas veem um lado da existência e desvalorizam tudo quanto é grande. § 22 — Se sofres, não esqueças que todos sofrem. Mas, há também alegrias na vida. E não há dor que a não possamos vencer. Se ela é moral, e magoa-nos tanto quanto lembrada, examina-a bem. Vê as causas que a geraram, as circunstâncias que a acompanharam, e procura como vencê-la por ti. Se te cabe a culpa, procura compensá-la por atos bons correspondentes. § 23 — Sê orgulhoso da tua dignidade. Ter maus pensamentos, pensamentos destrutivos, é muito fácil. Constrói grandes e nobres pensamentos. Aumentarás a tua dignidade, o teu valor.
166
§ 24 — A alegria dos outros não é um furto à nossa alegria. A alegria é como o fogo que pode propagar-se desde uma pequenina chama. Compreenderás, assim, que quando os outros são felizes, não o são à custa da tua felicidade. Ri com eles, e agradece o bem que permite a alegria daquele par de namorados, daquela criança que brinca. § 25 — Todos nós somos insatisfeitos, uns mais, outros menos. É uma condição de todo ser limitado. Sempre algo nos falta. Mas, quando tens, porque vais pensar na falta? Se estás aqui e sente a falta de não estar ali, não consegues a alegria que te dá o momento que passa. Não sejas como aquele que se sentia infeliz em Copacabana, porque não estava em Côte-d’Azur, e quando estava alí, lembrava-se com saudades de Copacabana. § 26 — A construção do esquema fundamental do eu, solidamente estruturado, só pode ser constituído de positividades e não de negatividades. O negativo não compõe a essência de qualquer coisa, como se vê na filosofia. Um copo, não é um copo qualquer por que não tem isto ou aquilo, mas por que é isto e aquilo. O nosso eu só pode constituir-se num esquema coerente, numa estrutura sólida, se atualizar em si positividades, para com elas, embora no início dispersas, realizar a reunião que formará a nova estrutura poderosa do nosso eu. Assim, pensar negativamente é preparar-se contra si mesmo. Se alguma coisa é pensada negativamente, é necessário, de imediato, com lógica e precisão, compensá-la com pensamentos positivos, logicamente dispostos. Digamos que ouvimos falar de tal ou qual doença, e encontramos ou julgamos encontrar em nós algum sintoma. Se abrigarmos a ideia negativa, estaremos predispondo-nos à doença. Mas, imediatamente, com lógica, com domínio, analisa-se a ideia que surgiu. Um sintoma qualquer não é fundamento bastante. Ademais, é preciso que um especialista verifique. É preciso não temer. Aceitar a possibilidade de uma doença é já preparar-se para ela. Convém resistir com segurança e positividade. Ademais, o médico é competente para resolver o caso. Por que vou abrigar em mim a ideia, que é negativa, pois a doença é sempre negativa, quando sei que tais ideias cooperam para destruir e não construir, pois nada se faz com negatividade? Assim como esse exemplo, poderíamos dar muitos outros, pois a vida de cada um está cheia de exemplos. Não aceitar a ideia negativa não é pôr-se em discussão com ela. Não se deve aceitar simplesmente por estas razões: 1) Porque é sem fundamento real; 2) Porque é desprezível; 3) Porque é apenas produto das forças adversas e não vem do nosso próprio bem, que não pode querer negatividades; 4) É proveniente do nosso componente masoquista, essa tendência que temos, negativa sem dúvida, de sofrer e de até sentir prazer no sofrimento. Essa tendência não tem sua origem no nosso bem, mas no que nos é adverso, portanto é desprezível. A análise da ideia negativa e seu consequente repúdio não deve provocar
167
uma espécie de discussão entre o que luta pela nossa positividade e o que luta, em nós, contra nós, pela nossa negatividade. O adversário torna-se forte à proporção que lhe damos atenção e valor. Aqui, lutar contra o que surge de negativo em nossa mente, através de razões colocadas de parte a parte, é fortalecer o adversário. O que é negativo, e sem fundamento, é simplesmente repudiado, por uma argumentação simples, positiva. Não se deve proceder como os mórbidos, que se entregam ao seu sistema, à sua negatividade, para explorá-la com furor, em plena exibição e excitação de seu componente masoquista, no intuito de provocar nos outros repetições do seu estado doentio. Se outros mórbidos, posteriormente, vão dar valor a essa obra, como superior, é porque ela corresponde à morbidez que os anima. Grande é o sofrimento de um Mozart que o guarda com dignidade e, em sua música, salvo em raríssimos instantes, não expressa a sua dor. E não deixou de ser Mozart, construtivo, fecundo e criador. Todos os autores destrutivos são infecundos. Em poucos livros estão esgotados. Assim há pintores que, com meia dúzia de obras, não têm mais nada a dizer, e músicos que além de uma dezena de composições, na maioria medíocres, não têm mais nada que expressar. Não se pense que o valor que muitos expressam está em suas negatividades, pois o negativo é destrutivo. Eles são grandes pelas positividades, apesar das negatividades que expressam. É um erro pensar que os grandes valores na arte se impuseram pelo negativo. O negativo neles é um ponto de refluxo e não de fluxo. Ninguém realiza nada com negatividade. Quem quer realizar-se, integrarse, precisa reunir positividades. Vejamos como se deve proceder para alcançar essa grande meta. A colheita do agricultor, já vimos, não será feita com as plantas que pereceram, que secaram, que se estiolaram. A colheita será feita com as plantas que positivamente vingaram. Pois a tua colheita só poderá ser feita de positividades. Tua atitude mental, portanto, só pode ser favorável às positividades. Queres ter coragem? Procede como se tivesses coragem. Dá positividades aos teus gestos, às tuas atitudes. Queres ser forte? Procede como se fosses forte. Dá positividade à tua força. Infla teu peito, ergue o teu busto, retesa teus músculos. Realiza o positivo da força, e confiança em ti. Queres ser ponderado? Toma a posição como se fosses ponderado, lógico. Realiza a positividade do ponderado. Queres ter atenção? Coloca-te na posição como se tivesses plena atenção. Mas tudo isso é ficcional , exclamarão alguns. É ficcional, não há dúvida, mas em termos. Há, na atitude, uma realidade enquanto tal, não há no conteúdo. A atitude do que tem plena atenção é imobilidade, toda voltada para
168
o objeto, olhos fixos, nem um músculo se move. Mas falta o conteúdo anímico da atenção. É só corpo. Enquanto o corpo é real, é a real posição da atenção. Já temos uma positividade. Falta a outra, que completa o esquema concreto da atenção: a interior. Mas já andamos meio caminho. E é fácil compreender a razão. Se a interior se concreciona com a atitude para realizar o esquema práxico, isto é, o esquema concreto da atenção, há uma grande afinidade entre o conteúdo, o interno, com o externo. A positivação do externo, por afinidade, provoca uma atualização, uma eficientização do interno. A repetição é importante. O que queres ser, procede como se o fosses. Esse como se (o als ob dos ficcionalistas alemães) se torna para nós positivo a pouco e pouco, porque já traz alguma positividade. Por isso Nietzsche, quando dizia que quem pratica atos de bondade, acaba pelo menos benevolente, compreendia, como grande psicólogo que era, a verdade que hoje pode servir a nós todos para amplos benefícios. A constante realização dessas positividades termina por constituir um lastro dentro de nós, lastro positivo. São como inúmeras peças de uma máquina, que são dispostas umas aqui, outras ali. Mas a máquina, funcionalmente, ainda não está estruturada; é preciso que o mecânico as coloque umas juntas às outras, nos respectivos lugares técnicos, para que ela surja em sua integridade. Assim somos nós. Se conquistamos positividades, não nos preocupemos, de início, se elas não se estruturam funcionalmente. O que importa é conseguir positividades e estabelecer um programa: nem um dia sem positividades. Amontoemo-las, todas, aqui ou ali, em nós. Mais realizemo-las. E assim, como um conjunto de elementos químicos, subitamente, por um simples balanço, precipita —se numa combinação sólida, um dia subitamente, essas positividades se coordenam, estruturam-se na formação de um sólido e coerente esquema, o nosso novo eu. Lembra-te do exemplo da gota d’água que derrama o copo cheio. E quando surge essa gota d’água? Mas que vale essa gota sem que o copo esteja cheio? Para que aquela gota realize a sua função de extravazar é preciso que o que enche o copo já tenha atingido os limites deste. Pois tu precisas atingir os limites do número das positividades, para que uma simples positividade qualquer realize a transmutação, a transfiguração de ti mesmo, e construa, num instante, a nova tensão de teu eu, que será a tua plena integração. Quando muitos psicólogos nos contam a história de pessoas angustiadas, aflitas, preocupadas, cheias de problemas e inquietações, que subitamente ao ouvir uma frase ou ao ler um simples anúncio, ou ao tomar uma atitude, sentem que tudo se renova dentro delas, são pessoas que procuravam positividades e as realizavam. Quando atingiram o número repentinamente, uma simples positividade realiza a estruturação da tensão, e ei-las novas, outras, libertas de tudo quanto as preocupava. Aquele que ao ouvir alguém dizer para outra pessoa: “só quem tem confiança em si é capaz de vitórias”, de súbito se sentiu capaz de vencer tudo
169
quanto o oprimia; aquele que, ao entrar num templo, e ao ouvir, num sermão, estas palavras: “quem domina seus pensamentos é mais poderoso que quem toma de assalto uma fortaleza”. E sentiu-se renovar, ser outro; aquele que ao ver o sinal vermelho, que indicava parar, e o amarelo, que lhe indicava atenção, e o verde, que lhe indicava trânsito livre, e pensou no maquinista que atravessa milhares de quilômetros, confiante apenas nos sinais, sem maiores preocupações. E sentiu-se senhor de si, novo, integrado — todos esses homens já haviam realizado positividades e, subitamente, uma, uma simples, completou-lhes o número do esquema tensional, estruturou-lhes a nova tensão do eu. Portanto, o caminho é conquistar positividades. E como fazer? Cada dia, cada momento teu, procura realizar uma positividade, tomar uma atitude positiva. Não te deixas impressionar pelas carpideiras milenárias, nem pelos propagandistas da miséria e do sofrimento humano. Afasta-te dos que propagam o mal. O verdadeiro gênio não é sombra. O verdadeiro gênio é luz; é luz meridiana, é sol, é alegria. Portanto, mãos à obra; realiza positividades, e cada uma realizada, rejubila-te com ela. Fizeste hoje uma pequenina coisa bem feita, rejubila-te. Conseguiste fazer o que não contavas rejubila-te. Ao tomares um copo d’água, que te mata a sede e te dá prazer, rejubila-te. Rejubila-te e agradece. E vê no mundo o que há de bem e de bom. Procura-o em cada momento de tua vida, em cada um dos teus atos. Conquista positividades. Lembra-te do agricultor que só poderá colher os frutos maduros e positivos. Tua colheita só poderá ser feita de maduras positividades.
170
A LIBERDADE
171
A INTEGRAÇÃO DO EU Seguimos juntos até aqui. Longa foi a viagem, e o caminho entrecortado de esperanças e algumas dificuldades e estas não se abateram. Estás convencido de que podes, por ti mesmo, alcançar dias melhores. E se cada dia disseres ao teu subconsciente: “Eu sou o meu melhor amigo, e confio em mim mesmo”, podes estar certo de que prepararás o verdadeiro caminho que nos leva à plena integração. E esse velho caminho, tão esquecido dos homens de hoje, foi o que preconizaram as antigas religiões a todos os que buscavam forças para enfrentar as grandes dificuldades, os problemas, os obstáculos de que está cheia a vida humana. Mas como poderás tu, agora, penetrar por uma senda se não alcançaste ainda as positividades que predicamos em todo este curso? Que pedimos de ti, senão positividade? Não foi outro o nosso intuito, senão o de que a tua colheita fosse a mais feliz, e grandes os resultados. Não podíamos, de forma alguma, tratar do que vamos fazer agora, nos capítulos anteriores. Era necessário primeiramente que tu tivesses realizado com bastante segurança, com bastante assiduidade, e fé, os exercícios aconselhados. Se tudo isto fizeste, se não recuaste um só momento, se foste fiel e amigo de ti mesmo, procurando com afinco e boa vontade, com confiança e fé, a realização de tudo quanto dissemos, podes agora penetrar neste último caminho que te levará à plenitude de ti mesmo. Tratá-lo-emos por partes, cuidadosamente, pois é preciso que te convenças do que iremos expor, e possas, então, sentir a grande experiência da liberdade, que é a tua completa plenitude, a vitória que tanto desejaste, e que mereces alcançar. Relê as recomendações que no último capítulo te oferecemos. Medita sobre as positividades que são ali expostas e oferecidas; mas faze-o constantemente, com júbilo e confiança. O MEDO Quantas vezes ele te assaltou, e te enleiou em tuas redes. Sentiste um estremecimento, um minguar do teu coração, um frio que te percorria o corpo. Mas também sentiste medos que surgiam quando te preocupavas com a possibilidade de acontecimentos futuros que temias. Mas se te lembrares bem, se rememorares esses momentos tão desagradáveis, deves ter notado que eles se processaram de duas maneiras extremas, incluindo, no entanto, diversos graus intermediários: a) Eras totalmente dominado pelo medo que crescia até tornar-se num
172
verdadeiro pavor; b) Ou então, quando subitamente te punhas a observar a ti mesmo, sentias que ele se desvanecia aos poucos. Como toda a tua atenção estava voltada para o medo, desejavas apenas que ele desaparecesse, e não percebeste bem o processo do seu desaparecimento. E nem podias fazê-lo. Ele te assaltava totalmente. Mas se rememorares bem, e se agora te puseres como espectador desses momentos (e não são poucos, bem o sabes), logo verás que à proporção que for maior a tua capacidade de examiná-los como um espectador, o medo diminui de intensidade e desaparece. Ora, o teu medo se apresenta de maneiras variadas, mascara-se de muitas formas e alguma até se apresentam sem que sintas estremecer ou minguar o coração, nem um frio percorrer-te o corpo. É uma antecedência que se processa. Pretendes fazer algo, mas o teu medo se mascara de racionalidade, e oferece argumentos aparentemente sólidos para que não faças isto ou aquilo. Na verdade, o teu medo procura enganar-te, mostrando-te apenas uma precaução, uma prudência, ou aconselhando-te uma atitude que te ponha a coberto do que temes. Não há dúvida que o medo é também positivo e constrói obras grandiosas. Mas é preciso evitá-lo, quando se torna negativo e, portanto, destrutivo. Bem sabes que ele levou os homens a realizarem grandes obras, proverem-se de bens para o futuro, construírem ciências, defenderem-se de perigos possíveis, acautelarem-se do imprevisto desagradável no amanhã. Tudo isso é positivo. Mas o medo, quando predispõe situações contra o teu bem, é destrutivo e não deves aceitá-lo. É fácil saber quando o é. Examina cada um dos teus atos, verifica cada uma de tuas atitudes, e examina, nelas, quanto há de medo, quanto influi ele, positiva ou negativamente. Se tal fizeres, logo ressaltarão, aos teus olhos, inúmeras possibilidades novas, perspectivas incalculáveis e acharás, por ti mesmo, novos caminhos interiores para o teu bem. O CAMINHO DA LIBERDADE Todo o homem é um infinito ainda irrealizado. Que somos nós senão um ser finito, limitado? Onde está, então, a nossa infinitude? Observa as coisas: uma pedra é uma pedra, e nada mais. Mas o homem pode modelá-la, e eis um marco num caminho, uma estátua que simboliza a beleza. Uma planta é uma planta, mas eis que o homem a torna um ornamento.
173
Utiliza-a, e faz dela um alimento para o seu corpo. As coisas são apenas o que são. Elas realizam apenas as suas perfeições e nada mais. Um cão é apenas um cão, e não conhece progressos, porque não conhece os caminhos que levam à realização das perfeições. Mas o homem avança no seu caminho, ascende a novas situações, cria perfeições, reunindo as coisas. Uma pedra que está na montanha é algo do mundo da natureza. Mas essa pedra, tornada em paralelepípedo, pela ação do homem, é transformada num ser do mundo da cultura. Há dois mundos, portanto: a) Mundo na natureza; b) Mundo da cultura. Neste último, é onde o homem cria, onde o homem modela as coisas com a marca do seu espírito; é o mundo da criação. O homem é um ser da natureza, mas que constrói uma cultura. E por que pode o homem construir uma cultura, o que não a fazem os animais? Ora, quem faz alguma coisa é porque podia fazê-lo. E a prova de que podia é que o fez. E se fez, tinha, portanto, um poder para fazê-lo; tinha em si algo efectivo , que lhe permitia realizar o que outros seres não o podem. O homem, portanto, é diferente dos outros seres, pois tem um poder que os outros seres não têm. E de onde vem esse poder? Vem dos seres que existem no mundo da natura? Mas eles não o revelam? Nenhuma pedra construiu uma cultura, nem um animal, nem uma planta. Mas o homem não é uma planta, nem uma pedra, nem um animal. Há no homem animalidade, como há o vegetativo e o mineral. Mas o homem tem algo mais que os outros seres não têm. E esse algo mais os outros seres não o têm enquanto são o que são. Portanto, o homem é deles diferentes, e profundamente diferente. Mas seu corpo é carne, sua carne é matéria orgânica, e nessa matéria estão os minerais. Não há dúvida. É tudo isso; mas há nele o que não há nos outros seres: espírito criador. E que é esse espírito criador? Naturalmente, não nos caberia num curso como este, em que apenas temos a intenção de cooperar com o bem dos outros, que nos detivéssemos a examinar um tema de Filosofia que muito bem cabe nos livros que se dedicam a esta tão importante disciplina. Nem, tampouco, tema de tal importância poderia ser examinado, sem que o pensamento esteja perfeitamente disciplinado nos caminhos belos, mas árduos, da Filosofia, e por isso não cabe examiná-lo apressadamente. Mas, do que não há dúvida, é que, na essência do homem, há o que não há nos outros seres. E chamavam os antigos filósofos a essa essência de rationalitas , que deve ter um sentido bem claro: é o espírito humano em toda a
174
sua atividade. O ser humano, portanto, atualiza esse poder na sua capacidade ilimitada de realizar perfeições. Se não as realiza todas de uma vez, tem, porém, a possibilidade de realizá-las umas após outras, e a história humana nos mostra que o homem é o grande realizador de perfeições. Que se entende por perfeição. Por perfeição se entende a realização de uma possibilidade. Essa realização pode ser ainda melhor, e atualizando esse melhor, é mais uma perfeição que se atualiza, que se realiza. O homem é, portanto, um realizador de perfeições. E há um limite para ele? Há, e não há. Exemplifiquemos: se distinguimos bem, poderemos dizer que o homem não é capaz de realizar a máxima e absoluta perfeição, aquela atualização de todas as possibilidades, porque, imerso no tempo, e dele dependendo, tem de realizar, uma após a outra, as possibilidades. E também não alcança a totalidade da perfeição; não se pode negar, porém, que ele pode avançar cada vez mais, realizando perfeições sobre perfeições. Essa marcha ilimitada cabe ao homem. E criador, como é, alcança a pontos cada vez mais elevados, e que lhe podem assegurar uma marcha progressiva que todos devem compreender e desejar seguir. Portanto, o verdadeiro e grande ideal humano só pode ser o da sua perfeição constante, o de sua marcha ascensional para superar-se. Consequentemente: o ideal humano verdadeiro só pode ser o da superação do homem por si mesmo. O homem deve superar-se constantemente para alcançar, cada vez mais, uma super-humanidade, que será, por sua vez, superada. Eis um ideal para os que não têm um ideal, propunha Nietzsche. E o verdadeiro sentido do superhomem, é este, e não o daquelas, em que se desenham o super-homem como apenas um monstro de brutalidade ou de força, como o fizeram alguns dos maus discípulos e todos os adversários. * *
*
Mas, há no homem o mesmo ser que está nas coisas, dizem. E há, não resta dúvida, mas é mister não confundir. O homem, enquanto homem, não é o que as coisas são enquanto tais. Na forma de uma pedra, há a pedra; na forma do homem, há algo mais: o espírito. Portanto, o espírito, que é ser também, realiza-se no homem, e não nas coisas. E aqui está a dignidade, o valor do homem: ele tem e realiza o que não têm e não realizam as coisas do mundo físico. O homem diferencia-se das coisas por ser criador; as coisas do mundo físico apenas são seres da natureza.
175
O homem é natureza e é espírito. * *
*
O bem nem todos sabem colher. Uns porque ignoram como encontrá-lo; outros, porque o temem. Esse fruto é a liberdade . E embora pareça incrível, há muitos que temem a liberdade. E pode-se dizer até que o mais doloroso espetáculo que se assiste hoje no mundo é o medo que provoca, medo que gera temor das responsabilidades. Leiamos essas páginas. “Deus quando nos deu a vida, deu-nos a liberdade ao mesmo tempo”, dizia Jefferson. Que é a liberdade? Grande e profundo problema de Filosofia, tema principal e capital de muitas das maiores controvérsias da humanidade, as mais belas páginas para louvá-las já foram escritas pelos filósofos, pelos poetas, pelos escritores de todos os tempos. Mas, muitas das páginas mais duras e mais terrivelmente destrutivas foram escritas para negá-la. Há livre-arbítrio ou determinismo? Praticamos nossos atos por uma escolha, ou não? Somos apenas dirigidos pelos nossos impulsos interiores aos quais não podemos dirigir nem orientar? Não vamos aqui relatar, nem de leve, essa imensa polêmica que levou séculos, e ainda hoje empolga o espírito de muitos. O homem é um animal racional: verdade que todos aceitam. E ser racional é ser capaz de escolher, capaz de preferir, de pesar, de comparar esta ou aquela solução, de captar as possibilidades das possibilidades. O homem pode prever as consequências de seus atos. Pode imaginar que se proceder assim, poderá suceder isto ou aquilo. Tal ato poderá levar a tais ou quais consequências. E porque pode julgar, pode comparar, pode medir, pode escolher. Se o homem fosse apenas uma máquina, apenas um autômato, que realiza os atos pela determinação de uma força, não teria noção do futuro. O ter noção do futuro demonstra independência, capacidade de escolher no suceder que sobrevém. É por isso que o homem é um ser autônomo e conhece a liberdade. Não podemos negá-lo, porque ela se verifica em cada um de nós. Temos um impulso para a prática de um ato determinado. Queremos refletir sobre as consequências, e a nossa imaginação põe-se a trabalhar, revelando-nos uma série de acontecimentos possíveis, que vamos
176
analisando racionalmente. Afinal, contrariando nosso impulso, vencendo nosso desejo, resolvemos não fazer o que desejávamos. Negar esse fato prático que verificamos em nossa vida, seria negar praticamente também todo o poder da educação. E ninguém pode negar a ação desta no proceder do homem. Até os animais, que julgamos autômatos, podemos domesticá-los, modificar seus hábitos, transformar seus gostos, darlhes o poder de dominar impulsos e de não realizar o que desejam. Estamos numa das épocas mais terríveis da história do homem. Apesar de toda a nossa grandeza, de todo o progresso material que conquistamos, apesar de todo o desenvolvimento de nossa ciência, de nossa técnica, estamos, no entanto, num desses momentos cruciantes da vida humana, em que muitos homens estão dispostos a perder a sua liberdade. Não são poucos, mas milhões e milhões de seres humanos que estão dispostos a vender a sua liberdade por um prato de lentilhas. Os problemas de ordem puramente material, a exigência de satisfazer as necessidades imediatas, levam milhões de homens a se disporem a sacrificar a sua liberdade, para encher seus estômagos e vestir a sua nudez, como se o caminho dela fosse compatível ao da solução dos problemas materiais. Não são poucos os que acreditam que só podemos solucionar nossos magnos problemas econômicos à custa da nossa liberdade ou, então, nos contam a impiedosa mentira de que ela consiste apenas em ter o estômago cheio e o corpo coberto. Não; liberdade é muito mais. E é através da conquista da própria liberdade que podemos garantir melhor tudo isso. O caminho da liberdade é o da prática da própria liberdade. É com a prática da liberdade que formamos homens livres. Como poderás vencer se estás já disposto a ceder a tua liberdade por um prato de lentilhas? Os que não amam a liberdade nunca podem ser vitoriosos. E lembra-te: o caminho da vitória é o caminho da liberdade, e o seu caminho é o da prática da própria liberdade. Pratica a liberdade, e respeita a dos outros, que respeitarão a tua. Onde houver escravos, liberta-os. Onde houver opressão, rebela-te. Luta pela liberdade de todos, e lutarás pela tua própria. Não podes ser livre onde há homens escravos. “Dai-me a liberdade ou dai-me a morte!” Que estas palavras de Patrick Henry sejam o teu lema na vida.
177
A DIGNIDADE ...Podes perder até a tua última esperança, mas nunca deves perder a tua dignidade. Assistimos, no mundo de hoje, a um dos mais dramáticos instantes da vida humana. Apesar de todo o nosso progresso material, apesar de toda a nossa civilização, do grande desenvolvimento de nosso saber, de nossa indústria, da técnica, o homem, esse ser para quem tudo isso é feito, e que tudo isso faz, vale tanto ou menos do que valia um cafre na época da escravatura, do que valia um escravo na época romana. O homem aumentou o seu poder de dominar o mundo, mas diminui em seu valor, em sua dignidade. O homem não vale nada para o homem; a vida humana é de pouca valia. Põe-se em jogo a vida de milhões, como sempre se fez. Há falsificadores hoje mais do que nunca; há exploradores da miséria humana mais do que nunca; e a vida de um ser humano vale menos em média que a de um animal, um boi, um cavalo e até de um cão. Apesar das grandes obras realizadas, do desenvolvimento da higiene, da construção de grandes hospitais, apesar, em suma, de todo o esforço da ciência, o homem continua não valendo nada. Leem-se as notícias de dezenas de pessoas que morreram num desastre com uma insensibilidade que espanta. Muitos passam os olhos pelas páginas de jornais que descrevem os grandes acidentes em que se perdem vidas humanas, com enfado até. Não é isso sintomático? Será que tudo isso deve suceder só porque sucede. Será que deve ser assim porque sucede assim? Medita sobre essa máquina imensa que consome vidas, que é a civilização. Observa essa pavorosa desvalorização do homem, a que hoje assistimos. Ninguém irá dizer que devamos chorar todas as lágrimas. A compaixão está desterrada de entre os homens. Mas, se a compaixão está desterrada é porque algo possui ela que não se coaduna mais com a nossa vida. Se a compaixão não pode mais resolver esse gravíssimo problema, que é a desvalorização do homem, muito menos o resolverá a nossa indiferença. E além disso, precisamos dizer de uma vez: não serás um vitorioso no sentido pleno da palavra, se não compreenderes que vales alguma coisa, que és uma vida que tem valor. O homem tem uma dignidade que deve ser apreciada, que é o seu bem maior, o verdadeiro bem. Repetimos: é a dignidade o maior bem que o homem possui. A dignidade é o valor, e esse valor deve ser alimentado por ti, continuamente. Deves valorar-te e valorizar-te, não artificialmente, mas real e humanamente, seguindo as normas mais justas. Se a intensidade da vida de hoje faz passar despercebido esse valor, todos devemos lutar por revigorá-lo, por torná-lo maior.
178
Respeita a dignidade de teu semelhante para que também sejas respeitado. Não julgues que o homem mais forte em personalidade é o que se afasta dos outros, o que despreza os outros. À humanidade de hoje falta a realização de uma grande obra. Assim como ela alcançou um grau tão elevado na ciência, na técnica, ela deve elevar o homem em dignidade. Quando sentires isso em ti, te elevarás a ti mesmo em dignidade. A tua dignidade consiste também na dignidade de teu semelhante. Respeita-a, valoriza-a, e te sentirás, desde esse instante, mais poderoso e mais forte. Um homem de dignidade conhece vitórias, e para ele uma derrota é mais facilmente superável do que a daquele que não sente nem em si mesmo, nem nos outros, o verdadeiro valor que têm.
179
DA AUTONOMIA À LIBERDADE Se imaginarmos um corpo em movimento, que parte de A para B, esse movimento pode ser: a) em linha recta, diretamente uniforme para B; ou b) numa linha mixta, multiforme, para B. Há entre os dois casos uma diferença importante, pois há graus que devem ser considerados. Aceitemos que tal movimento se dá por força de uma atração. Se assim considerarmos, no caso a , há um domínio absoluto da atração; no caso b , há choque e luta entre forças diversas e contrárias. Se se desse uma igualdade nessas forças contrárias, poder-se-ia dar um impasse, e o corpo permaneceria estático. Mas tal não se dá quanto aos seres vivos, que escolhem uma ou outra solução, porque esses dispõem de forças em reservas , que podem ser utilizadas para sair do “impasse”, o que prova a “autonomia” do ser vivo. Aceita essa autonomia, estamos palmilhando o caminho que nos leva à compreensão da liberdade em nós. “Sou livre no querer quando posso querer como eu quero, embora esse mesmo eu seja determinado com absoluta necessidade” diz Maximiliam Beck. Será essa a liberdade que procuramos? Essa é a pálida luz da liberdade, não a liberdade como a queremos. “Todas as naturezas servis sabem mandar; e todos os tiranos e déspotas possuem natureza de escravos. O autêntico nobre, o senhor pròpriamente dito, não pode nem mandar nem obedecer.” (Maximiliam Beck, Psicologia p. 225). Essa liberdade já é um traço de dignidade superior do homem. Mas ainda não é essa a liberdade que procuramos. Na liberdade é necessário o equilíbrio entre a excitação para defender seus direitos e a inibição para não ofender os dos outros. Há dificuldade de obter este equilíbrio. Daí a necessidade da presença de um acumulador central das forças psicológicas e o hábito de utilizá-las para regulamentá-las. Oscilações se observam desse acumulador, como quedas de nível bruscas às vezes. Assim se manifesta em nós a liberdade. Mas esta ainda não é a liberdade. Pavlov demonstrou que os cães dóceis são mais aptos ao trabalho e fáceis de ser mandados, enquanto os cães, criados livremente, opõem-se fàcilmente às ordens. Assim também os trabalhadores semi-escravizados (escravos do salário) são, quanto mais dóceis, mais aptos ao trabalho. Difícil, e quase sempre impossível é tornar um cão livre, isto é, vencer o reflexo inato de docilidade e de servilismo, transformar um cão dócil em “livre”.
180
Assim também quanto aos homens. E por quê? Porque seus esquemas não lhes dão a plenitude desejada. Mas a Liberdade, que queremos, é plenitude. Adiante, pois. A personalidade afirma-se na singularidade , e nesta a necessidade da liberdade . Só podem desabrochar, crescer personalidades e, portanto, singularidades, onde houver liberdade. Disso sabem todos os opressores. Sigamos mais adiante ainda. Caracteriza-se o homem por captar as possibilidades das possibilidades, e esse poder é uma das características funcionais peculiares, próprias do seu espírito. Quando o homem conheceu a necessidade , conheceu contemporaneamente a liberdade . Quando sentiu a necessidade captou a liberdade como possibilidade, pois ao ter consciência de sua necessidade quis libertar-se das suas condições. Não poderia surgir o esquema de liberdade se não fosse capaz de captar as possibilidades e conhecê-las, não por intuição sensível, mas por intuição intelectual. Quando passou do desejo para o querer libertar-se , já se estruturara a possibilidade , agora potência, actual, da libertação. Por isso o homem conhece a técnica e nela pode progredir. Sem a necessidade não conheceria a liberdade, eis o aspecto dialéctico. O factor econômico, como necessidade, considerado unilateral e formalmente seria mera abstração, porque não levaria à ação progressiva se não conhecesse o homem a possibilidade de superar-se, de libertar-se desta ou daquela necessidade, que êle objectiva, ou de poder reduzir sua ditadura. Mais uma vez, aqui, temos a contemporaneidade dos factores reais e ideais, dialècticamente dispostos para construir a concreção humana. Mas ainda essa liberdade não nos dá a Liberdade. Nós a desejamos. Está mais longe ainda. “O homem é um efeito dotado de livre-arbítrio. Por isso, pode não respeitar essa moderação, esse ‘justo meio’, essa norma de ser, ou melhor essa forma de ação que se lhe impõe. Entre a disposição da causa e a realização do efeito, há um laço de necessidade, mas sem exclusão da liberdade.” (Isaye). É alguma coisa já, mas não é tudo. Essa libertação, que não se exclui, é a que nós procuramos. Se olhares a um pouco de água que escorre, nela verás a necessidade, a obediência ao princípio da causalidade. Mas esta água encontra um obstáculo que a suspende em sua carreira. Também nesse obstáculo verás uma necessidade; ele também obedece ao princípio da causalidade. Mas se fores tu quem opôs esse obstáculo à água, há já uma distinção que não poderás deixar de fazer. Podes explicar todos os teus actos, se o
181
quiseres, como obedientes ao princípio de causalidade. Mas hás de convir que ao saberes que podias opor um obstáculo à água, sem ofender à lei da causalidade, teus braços, ao obedecer à tua vontade, também não ofendem essa lei, mas sabes, e sentes, que neste acto de escolha, em que opuseste uma necessidade a outra necessidade, para contê-la ou para superá-la, praticaste um acto livre. E poderias até afirmar que liberdade é opor à necessidade outra necessidade. Pensar e refletir sobre si mesmo, já é um acto de liberdade. No momento em que o espírito humano pode desdobrar-se para transformar-se em objecto de si mesmo, nesse instante, o homem criou para si a liberdade. E tão livre e tão inapreensível no conhecimento é o espírito do homem que êle não se funde num mero relacionamento de sujeito e objeto. Ao conhecer, podemos conhecer que conhecemos, e podemos conhecer que conhecemos, e assim indefinidamente... Sempre podemos colocar-nos fora desse relacionamento, sempre podemos ultrapassar o esquema do dualismo antagônico do conhecer, colocando-nos sempre além dele. E afirmamos a liberdade quando a queremos, porque querer a liberdade é querer superar os limites, e como o limitado poderia considerar a possibilidade do não limite? E o considera-la não é criar a sua superação? E ao criar a superação da necessidade não é já ter a liberdade? Se nela estivéssemos totalmente envoltos, imersos, como poderíamos pensar na liberdade? É essa liberdade que não morre, é essa liberdade do espírito e da Vida, que em nós se afirma, que almejamos, e essa não nos será negada. Nós a temos às mãos, porque o que passa em nós é o que passa, mas há, em nós, o que não passa, o que em sua pureza não sofre a acção das contingências, o que ultrapassa as limitações dos entes prefixados. Em nós, Vida e Espírito são apenas liberdade. E quem nos impedirá ganha-la se o quisermos? Não está às nossas mãos? Pois não a temos, em nós, afirmativa sempre, indicando-nos o caminho? Mas esse caminho é religião, dizem. Pois que o digam. Mas o que não podem negar é que temos concreta e verdadeira essa eternidade que nos acompanha, e o caminho para alcança-la está em nós. E se há amarras que nos prendem, se há condicionalidades que nos limitam, sabemos que a Vida e o Espírito nada sofrem por essas limitações, são eternas como o acto, livres, como o acto que é o ser, o ser supremo que há em nós, e que podemos alcançar. Podem uns negá-lo, e não o quererem. Podemos frustrar-nos à salvação, que é a vida plena de nosso espírito. Mas podemos alcança-la. É demais evidente para negá-la, porque ela não recebe restrições de nossa ignorância nem de nossa incompreensão.
182
Nós tomamos consciência desse supremo poder. E essa consciência é o caminho do caminho que temos em nós. Por que desesperar se somos limitados, se também somos ilimitados? Por que desesperar de nossas necessidades, se temos também o que a ultrapassa? A vida que há em nós não morre, porque o que morre é o corpóreo. A vida não é o contrário da morte. A morte é desagregação do composto. A vida é da simplicidade do acto, da primordialidade eterna. Temo-la, e não a perderemos mais. Já temos o caminho da nossa libertação. Por que não o seguirmos?
183
A LIBERDADE EM TI Pratica a liberdade e alcançarás a tua liberdade. E se em cada momento te puseres como um espectador de ti mesmo, um juiz austero de teus atos, se te colocares, em suma, ao te observares, ao examinar-te, com absoluta separação de tuas paixões, conquistarás subitamente um estado tão elevado, que te dará um prazer que é superior a todos os prazeres que conheceste. Estás preocupado? Separa-te. Examina a ti mesmo em face de tua preocupação. Desdobra-te num Eu superior, que examina friamente o teu próprio eu, e serás o observador do que fazes. Verás que ao mesmo tempo desaparecerá totalmente a tua preocupação. Verás que ao atingires este ponto, conquistarás a liberdade. Estás com medo? Examina-te: “eu estou com medo. Tremo interiormente. Deixa-me observar como se processa o medo em mim”. E eis que ele subitamente desaparece. “Estou angustiado. Não sei por quê. Vou examinar a minha angústia. Quero ver como ela se processa”. E subitamente verás que a angústia e a amargura te abandonam. E por quê? Porque não lutas contra elas. Não precisas. A luta ainda seria servidão. E tu, nesses instantes supremos, és liberdade. O homem pode ser espectador de si mesmo, espectador de sua limitação, espectador de suas fraquezas. E quando atinge esse estado supremo, sente-se livre. Vejo meu corpo sofrer, observo-o, e o meu sofrimento subitamente diminui. Vejo minha alma abismar-se em tristeza, examino-a, e subitamente menores são as trevas e um pouco de luz cresce dentro de mim até avassalarme totalmente. Faze essas experiências e terás o caminho da tua liberdade. Não as poderás fazer sem antes percorreres os caminhos que indicamos neste livro. Mas se fores fiel aos teus exercícios, se te encheres de fé e confiança em ti mesmo, quem te impedirá de seres livre? Construíste a tua liberdade. Criaste-a do nada? Não, absolutamente não. Ela já estava em ti, latente,
184