Crédito
pg branca
Dedicatória Dedico este ensaio a todos os colegas e amigos da Música, especialmente ela, a sua vida. aos professores, verdadeiros “sacerdotes” que devotam à Dedico também ao meu velho amigo José Roberto Elias estudioso das filosofias sufi e perene, que desde os anos 70 instigou-me a escrever esta obra através dos nossos longos e freqüentes diálogos sobre as questões físicas, metafísicas e gerais da Musica. Dedico este trabalho especialmente em homenagem póstuma à minha mãe, verdadeira “guerreira” que apesar de encontrar-se em fase terminal me deu forças para resistir à impossibilidade da conclusão deste livro diante da minha sobrecarga de tarefas.
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Agradecimentos
Agradeço à minha colega de trabalho, professora Ana Maria Drummond (Escola Souza Lima-Berklee) que durante anos se disponibilizou para esclarecer-me questões sobre os períodos da História da Música Ocidental, e principalmente pelas dicas bibliográficas. Agradeço também ao amigo, mestre em Antropologia e doutor em Sociologia (USP) Heitor Frugóli Jr. pela paciência e disposição em ouvir-me sobre questões em torno da Antropologia em nossos encontros informais, porém sempre esclarecedores e prazerosos, principalmente pelas dicas bibliográficas que foram de grande valia. Agradeço a Sergio Rizek pela atenção, ao disponibilizar-se ainda que informalmente, dando sugestões tão pertinentes ao ler previamente a Introdução desta obra.
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Apresentação
Este pequeno ensaio apresenta em caráter meramente introdutório, uma concisa seleção de temas que se encontram em torno do estudo da Música (ou dos fazeres sonoros humanos) , como atividade quintessencial da “história” humana, o mais antigo produto das Culturas e das Sociedades... A Música tem como matéria prima o Som, que como fenômeno natural antecede a existência da própria humanidade. Som é Vibração, e, esta, como pode ser compreendida em sua metafísica ? Além do que, agregado à qualquer produção sonora estará aquilo que conceituamos como o Tempo. Mas, o que é o Tempo?... Música Alguns compêndios , mais antigos, traziam explica-, ções sobre a Física (Acústica)dedo Som, Anatomia e Fisiologia , Matemática Psicologia, Estética, História, Sociologia, etc. Tais características se relacionavam com o fato que, os mais importantes e influentes autores da antiguidade estavam empenhados em entender e explicar Música como uma “Ciência” do Cosmos. Entretanto, a “história” Ocidental “recente” contribuiu para fornecer um redirecionamento para a formação de novas “relações” com a Música, excluindo assim certas compreensões que faziam parte do arcabouço das Culturas , pois, as “novas” relações colaboraram para reorganizar os “papéis” da Música (dos fazeres sonoros do Ocidente). Como e porque isto aconteceu? Nesta obra pretendemos apenas provocar reflexões sobre assuntos geralmente pouco dialogados. Estamos aqui buscando trazer à tona, apenas a noção das diversidades de conceitos sobre a Música. Este sintético e fragmentado livro é apenas o resultado de uma série de observações de um músico que dedicou quatro décadas ao convívio com a Música. Cultura e Sociedade assumiram o subtítulo desta obra por estarem entrelaçados de tal forma com ela (a Música) que
não háAcesse como dissociarmos os termos. o website: www.estudosgeraisdamusica.com Música (Cultura e Sociedade) | 9
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Prefácio
Os vestígios da prática dos fazeres sonoros humanos podem ser encontrados em achados arqueológicos de milhares e milhares de anos. A presença da Música pode ser notada desde as civilizações mais remotas, nos primórdios da escrita, nas tais leituras sagradas, até os filósofos da grécia antiga. Na era medieval, uma grande ênfase histórica foi devotada à ela, modernos filósofos lhe deram atenção especial e durante séculos foi motivo de estudos de diversos setores das ciências. A Música – a qual tornou-se a minha profissão desde os anos 70 – como disciplina, e os temas das Culturas e Sociedades Humanas, tocaram-me desde os tempos em que cursava a escola. Como nasci em meados da década de 1950, pude assistir à transformações sociais, tecnológicas, musicais e artísticas bem mais aceleradas que outrora puderam ver os nossos ancestrais, em suas vidas quase monótonas, quando não existiam 90% daparafernália tecnológica e os gadgets do mundo moderno, quando a vida conservava características naturais das diversas “tradições”, algumas “autônomas”, outras não, mas, o “abstrato” tinha um “papel”, e a subjetividade era propriedade “imanente” do sujeito, como um patrimônio dasCulturas. Um período “histórico”, o qual, a vida, até então, era “real” e osdispositivos virtuais modernos – tal como as máquinas de “lobotomização” em massa, assim como a TV, por exemplo, não haviam sido inventados e ooperacionalismo técnico, o racionalismo tecnológico e a ideologia moderna ainda não estavam consolidados. Não há como ignorar que o mundo Ocidental do século 20 (mais especificamente da década 1950 em diante) denominado pelo historiador E. Hobsbawn como “Era dos Extremos”, foi em grande medida, singular... Certamente os séculos anteriores o prepararam, e nesta trama complexa, surgiriam as “ideologias” do fazer musical, e isto, alteraria profundamente as características “naturais”daquilo que outrora correspondiam aos fazeres sonoros humanos, mas que no Ocidente “ganhou” o epíteto de Música. Música (Cultura e Sociedade) | 11
As mudanças em relação à Cultura e a Sociedade foram brutal e absolutamente notórias, principalmente se considerarmos a vida urbana das grandes e principais cidades do mundo, espaços geográficos onde a Música foi profundamente afetada. Embora, a ideia desta obra tenha surgido muito cedo na minha vida, no entanto, esperei por três décadas para escrevê-la, contudo, devo confessar que o fiz entre uma e outra tarefa diária, no escasso tempo que tive pra dedicar-me à esta audaciosa empreitada, pois, pelo tipo de abordagem que se propõem, requer do elaborador a máxima dedicação e sobretudo exige “tempo disponível”, fator decisivo para a pesquisa no deslocamento à bibliotecas, no mergulho à vastidão dos textos, além da necessidade imperiosa de uma leitura organizada e orientada, portanto, um trabalho intelectual que oferece grandes dificuldades. Peço desculpas antecipadas ao leitor se cometi algum lapso no desempenho indispensável à conclusão deste trabalho, procurando, entretanto, compensar em futuras obras, as quais seriam prováveis desdobramentos desta modesta publicação. Espero sinceramente que esta pequena obra seja útil ao mundo da Música, e que amplie de fato o nosso conjunto de informações sobre ela.
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Sumário Resumo – Quatro décadas de uma experiência pessoal na Música – Uma visão Holística – O encontro de uma ampla visão da
Música – Múltiplos Conceitos ou Estudo Geral ou Transdiciplinar da Música – Um Trielo: Música – Cultura – Sociedade ................................. 15 Introdução – Uma abordagem sobre o caráter da obra (Esclarecimentos gerais sobre as Ciências envolvidas neste estudo) ................... 33 I – Música, Cultura e Sociedade C – onceitos prévios: O Homo (Sapiens,
Faber, Habillis, Ludens, etc.) quando e onde surge? O Homo como protagonista das Culturas e das Sociedades humanas – A busca por definições dos termos propostos: Música, Cultura e Sociedade ... 49
Som e Tempo como II“abstratos”(?) – As noções depré-determinantes elementos da Música (dos fazeres sonoros humanos) A metafísica do Som – Noção de Acústica,
Fisiologia e Anatomia da Audição – As propriedades do Som (Duração, Timbre, Altura e Intensidade) – O que é o Tempo? – A noção de EspaçoTempo – A ‘consciência’ do Tempo .................................................... 65 III – Origens da Música – A Biomusicologia:uma “nova” ciência que busca as srcens da Música – Um breve comentário sobre um “inventário” dos humanos ............................................................................ 78 IVhistória – Matemática e Organologia –A – Uma(Plana breve da Matemática – As “invenções” da Etnomatemática Álgebra, da Geometria
e Analítica) e os conceitos da “Geometria Sagrada” – As “invenções” dos instrumentos musicais e a sexualidade .......................................................... 86 V – A Musicologia e a Etnomusicologia – A ideia de uma ontogênese dos fazeres sonoros humanos .............................................. 105 VI – Noções de Física e Psicofísica da Música, Psicoacústica, a Neurociência (o cérebro humano e a Música) – Psicologia e Ciências Cognitivas (a Mente e a Consciência) – Semiótica da Música (Linguagem, Símbolos e Signos) – As questões da “narrativa dos discursos” das palavras e dos ‘sons’ organizadores da canção ................. 109
VII – Os “conceitos” de Inteligência – O “Pensamento” e a
“Inteligência” – Apocalípticos e Integrados –O “Positivismo” organiza a semântica na invenção dos significados da palavra “Inteligência” – Os testes de QI (Galton e Binet) – A sugestão da “Inteligência Musical” por Howard Gardner ... ........................................................................... 128 VIII – A Musicoterapia, O Fenômeno da Interação Vibração/ Substância (Figuras Sonoras), A Cristalização da Água, A Música na Filosofia Sufi (P. Ouspensky e o princípio da Vibração) e a Filosofia Perene .......................................................... 135 IX – Os Elementos da Música na concepção Ocidental dos últimos séculos – Ritmo (o pulso da Música), Melodia (A Escala
Musical como Fonte), Harmonia (Uma “invenção” mais recente), Forma, Tessitura e Timbre – As noções de Estética e Arte ........................... 148 X – Interpretações sobre os conceitos de História e Comentários sobre a História da Música do Ocidente:
sobre aspara possíveis definições de História – (Questões gnoseológicas) –Noções Preâmbulo o capítulo “Aspectos da Formação da Música Ocidental” ............................................................................. 162 XI – Aspectos da Formação da Música Ocidental – Os Primórdios – O Medievo – Era Moderna – A Música no mundo contemporâneo – Aspectos “mitológicos”, filosóficos, científicos e
sociais que contribuíram para a formação do caráter da música (invenção dos gêneros e estilos musicais) no Ocidente em suas compleições ...................... 167 XII – A “Revolução Científica” como “nova” Educadora e Interventora Cultura em geral e noEducação campoe do fazer – conceitos de Ciência, Filosofia, Pedagogia musical – Os da
O Quadrivium e o Trivium como organizadores pedagógicos da “velha” Epistémê – Os Meios ‘discursivos’ modernos: Mass Media, as “Invenções”, a Indústria e o aparato Tecnológico como tentáculos interventores e formadores Epistemológicos da Cultura (uma introdução) – A Música do Ocidente no contexto de uma nova Epistémê .................................... 200 XIII – Qual o futuro da Música? A Amusia – O mundo Cibernético e o Cyborg – O pós-humano e o Mito de Golém .............................................................................. 230 Bibliografia ......................................................................... 239
Resumo Quatro décadas de uma experiência na Música Uma visão Holística – O encontro de uma ampla visão da Música – Múltiplos Conceitos ou Estudo Geral ou Transdiciplinar da Música – Um Trielo: Música – Cultura – Sociedade
Neste capítulo pretendo esclarecer porque os episódios os quais vivenciei, foram demarcadores para a ideia da escrita deste livro, pois, não houvesse ocorrido situações as quais vivi, a escolha pela Música como atividade profissional, e principalmente as “dúvidas” e “incertezas” suscitadas a mim logo cedo, talvez não tivesse pensado em escrever este livro. Por isso, este capítulo tem um caráter autobiográfico, e nele faço uma exposição do mote central ou dos motivos gerais que levaram-me à esta empreitada. A compreensão sobre a imbricação entre Música, Cultura e Sociedade, isto é, o quanto a Música e a vida humana se confundem, foi uma sugestão que surgiu à mim ainda na puberdade... Discorrerei sobre algumas questões gerais que estão absolutamente “amarradas”, porém nem sempre saltam-nos aos olhos. Dissertarei desde quando identifiquei os primeiros sons musicais, narrando acerca do meu percurso de estudos e observações, e o encontro que tive com uma visão absolutamente aberta da Música, portanto, uma experiência pessoal vivida em relação a ela. A narrativa a seguir traz o despertar de ideias e percepções que emergiram naturalmente a partir da convivência com a Música e principalmente as dificuldades que me surgiram e que naturalmente surgiriam a qualquer pessoa que se deparasse com o mesmo âmbito o qual encontrei. Portanto, se por acaso ao longo deste livro lanço um olhar crítico, é porque as situações vividas levaram-me à tais interpretações. Música (Cultura e Sociedade) | 15
Algumas questões que serão tocadas no texto a seguir, talvez à primeira vista não demonstre qualquer relação com a Música, porém só uma leitura mais atenta poderá nos trazer à luz o grau de imbricação entre Cultura, Sociedade e Música. Durante pelo menos quatro décadas em períodos diferentes e alternados, investi em várias frentes de estudo, realizando mais de um salto, para o mesmoaassunto. em que eu percortemasvezes ria os por , fui reconcebendo MúsicaNa emmedida perspectivas diferentes. No decorrer das décadas acentuava-se em mim o desejo (e de certo modo a obrigação) de relatar aos outros, aquilo o que gradualmente compreendera. Comecei a ouvir música por volta de 1959 ou 60, na infância, no radio de minha mãe. Na época participara da bandinha da escola executando instrumento de percussão. Penso que esta experiência me aguçara a intuição rítmica. Desde este período eu percebera que o primeiro sentido da Música era o Rítmico, e que os sons podem nos levar ao transe, porém, tudo isso era intuitivo, eu não tinha como processar consciente e racionalmente, tais conceitos... A Música havia surgido à mim, primeiramente de maneira lúdica, servia-me mais especificamente à Dança. Pois, esta relação (a música e a dança) é de fato a mais essencial , talvez a primogênita. Assim como para os antigos, em particular os povos da floresta para quem música e dança estão unidas como a verdadeira “energia” da existência... Eu entendia que um outro elemento da música era a Melodia (que é de fato a música em si, isto é, o elemento o qual a identificamos). Eu não pensava ainda na Harmonia, porque não tinha à minha volta alguém que me fornecesse tal conceito. No entanto, sem querer, eu intuira acertadamente, de fato a Música na tradicional acepção (do Ocidente dos últimos séculos) é estudada considerando a constituição de três elementos principais; o Ritmo, a Melodia e a Harmonia – além destes, ainda considera-se; o Timbre que é entendido como uma das quatro propriedades do som, a Tessitura que é a extensão do registro sonoro em questão, e a Forma que é o padrão em que se enquadra a composição musical – (ver capítulo: “Os Elementos da Música na concepção Ocidental dos últimos séculos”). Mas, a Dança era muito importante para mim. Sem que eu soubesse ainda, ela era sagrada na antiguidade (‘movimentos sagrados’), mas, 16 | Wesley Caesar
para nós “modernos”, simples diversão. Na verdade, ela é a simulação do ritual prévio para o acasalamento. ADança é basicamente ‘gestual’ cuja essência só pode ser compreendida em ‘campos de estudo’ os quais no Ocidente não são enfatizados... AMúsica que se produz para a Dança funde-se como num processo mágico, e ao mesmo tempo, cósmico... A energia que daí é produzida é a própria energia da vida. Eu sentia isso quando criança, mas não entendia conscientemente. Seria necessário crescer, aprender, e muito exercício de introspecção, de reflexão sobre si e os outros, e principalmente ler muitos autores... Aprendi a “cantar” acompanhando-me ao violão logo aos 8 anos (1963). Creio que isso tenha me influenciado a optar por uma carreira musical. Mais tarde, interessei-me pelaMúsica com outro “olhar”. Não é preciso muita pesquisa para imaginar que o instrumento “musical” humano mais antigo é a voz. De fato, podemos supor que a comunicação entre “pré-humanos” e depois entre os humanos se processou através de ‘sons vocais’ e ‘gestos’ , os sons percussivos e de instrumentos de sopro podem ter surgido a seguir, e depois então as demais naturezas de instrumentos musicais... Yehudi Menuhin nos lembra: “Há provas Antropológicas de que a música surgiu antes da fala. Os ligamentos que há entre os músculos e os ossos deixam traços no arcabouço esqueletal que nos dizem muito sobre como esses músculos eram usados... Restos de esqueletos humanos mostram indícios de que o uso da voz para a produção da fala remonta a cerca de oitenta mil anos, sugerem, ao mesmo tempo, que o canto tenha aparecido, talvez, meio milhão de anos antes...”. Tais noções acerca da Música concebi ainda na década de 1970 numa “Holística” caráter experimental. Fazia que leituras de temas perspectiva variados com diversos, em autores, porém um dos livros influenciou-me ainda em finais dos anos 70 foi do autor Henry Barraud “Para compreender as Musicas de Hoje”. Em 1972 quando decidi ser musico profissional, iniciei uma carreira sem dar-me conta do complexo mundo o qual estava entrando. Na minha infância e mesmo ainda na puberdade, não fazia ideia da dimensão do seu universo, embora logo cedo “observara” aspectos não só na música, bem como da vida em geral, que se apresentavam como “fenômenos” aparentes e com particularidades contraditórias. Eu percebera (embora subjetivamente) queudo t estava “enlaçado” e que a Música concebida como tal, era produto daCultura e por isso eu Música (Cultura e Sociedade) | 17
me interessava pelos conceitos deSociedade, pois na adolescência eu havia interessado-me também pela Filosofia e pela Sociologia . A História já fazia parte do menu de estudos. Observara, portanto, que a vida e a Música são “sinônimos” ou pelo menos estão intimamente interligadas, principalmente através da “fala” na qual emitimos freqüências vibratórias variáveis o tempo todo, ou seja, “intervalos isto sugere uma similaridade sistemas musicaismusicais” fala se encontra , porém,. aCertamente, “organizada” de maneiracom diversa quando comparada aos sistemas musicais. Mas, particularmente à mim, a Música só passou a ter o sentido de algo que podia transcender e representar o sagrado, quando resolvi estudá-la “sériamente”. Por volta de 1974, passei a dedicar-me ao violão erudito, em paralelo começara a investir numa tarefa mais profunda, em assuntos e temas que para um leigo não estariam diretamente relacionados. Assim penetrei no imenso universo da Música... Os meus dias e noites passaram a ser dedicados a muita audição e execução musicais diárias durante horas. A partir de 1981 passei à dedicarme mais especificamente à uma analise geral do repertório musical desde o Pop, isto é, da música de consumo descartável até o Jazz, e o Rock (o qual abduziu-me ainda na infância), Música Brasileira (antiga e a nova MPB), e ainda mantive o estudo sobre a música européia dos grandes compositores medievais, renascentistas, barrocos, classicistas e românticos. Ao mesmo tempo em que me interessava pelaMúsica de outros povos. Então, durante quatro décadas, procurei acessar toda a literatura possível (a qual na época era precária) dostemas ligados a Música, estudos, análises, transcrições, tudo sem cessar, obstinadamente, queria entendêla em toda a sua abrangência. Mantive sempre em paralelo à minha atividade de pesquisa musical, uma carreira como musico profissional. Vários aspectos me intrigavam desde as questões sócio-musicais em seus diversos meandros, até as questõesdo propósito da composição na sua dependência de um leit-motif (ou leitmotiv em germânico) – que popular e simplificadamente entendemos como tema – e seu desenvolvimento necessário para concluir a prosódia musical proposta, que na canção popular envolve as palavras geralmente em caráter de discurso descartável e fabulista (particularmente a canção urbana), com exceção óbvia de seu setor mais “refinado” cujos autores trabalham com temáticas mais abrangentes dotadas de uma consciênciapoética mais interessante. 18 | Wesley Caesar
A Música (ao menos em nossos conceitos Ocidentais) sempre envolve aquilo que alguns chamam de grand line, a inspiração que leva o leitmotiv ao seu desenvolvimento. Para nós músicos, sempre foi natural criar linhas melódicas e harmônicas espontaneamente, porém eu queria entender o conteúdo “metafísico” disso, deste processo, e, em outra via, eu tentava imaginar qual a lógica que escondia porme trássatisfez. disso. Pois, o adágio: “músicaa lógica não é pra só prasesentir” nunca Eu queria entender do entender discursoé musical, a lógica da composição musical em si, enquanto sons “organizados”, pois, à rigor esta é dotada de um “dizer” que se apresenta como indizível, só poderá dizer na perspectiva da analise intelectiva da obra, analise racional, já tão antigas dentro do estudo da música. A Música é o espelho da cultura de um povo, ou uma raça ou civilização. Então, ela poderá dizer muito sobre o que é a Cultura que a produz. No caso do Ocidente, o sentido de ser das relações que camuflava o que era (e, é) a lógica do pensamento ocidental, já era um dos principais temas dos debates filosóficos em certas rodas... O pessoal da tal contracultura da época era na verdade aquele que mais tocava neste assunto. Mas, aqui no Brasil e em vários países da América do Sul, houvera uma intervenção na cultura popular , brutalmente conduzida por ditaduras militares (*) a partir de golpes de estado, por conseguinte, ao menos aqui em terras brasilis , os diálogos se tornaram perigosos e por isso murcharam, emudeceram, tudo ficou borocochô, pra usar uma expressão bem popular.
(*) Os poderes tecnocráticos (político-executivos, banqueiros, grandes latifundiários, a rede ), ao menos no Brasil, assumiram naturalmente o industrial e tecnológica como um todo Poder como um continuum operacional da ditadura militar. Em torno de uma ideologia já em curso, a qual, não admiteambivalência – a ideologia doCapital – a carta dos “poderes”, foi instituída com um slogan eufemístico, conhecido porDemocracia (pois, a srcem grega e o significado desta expressão deixam muito longe o que éa sua pratica). Foi, em nome destaideologia, e com este marketing, que as ditaduras capitalistasforam implantadas, e, por conseguinte, tomaram o“sentido” natural da realidade a um ponto irreversível devido à sua forma deimplantação. Portanto, as ditaduras militaressurgiram como medida interventora naCultura, “necessária” à conclusão da implantação do poder “autocrático” internacional do Capital... Música (Cultura e Sociedade) | 19
O título desta obra – Música (Cultura e Sociedade , como subtítulo) – é numa de suas muitas dimensões a expressão da relação não casual exatamente do que aconteceu no Brasil e noutros países os quais foram vítimas de uma ditadura. Sabemos que quando se interrompe elos sociais e culturais, nunca mais voltamos ao mesmo ponto. Em finais da década de 1980, quando não por acaso houvera sido derrubado o muro de Berlin, a implantação do talprojeto internacional em sua etapa principal, houvera se concluído. A doutrina do pensamento único, finalmente tivera “êxito”. Portanto, o que houvera acontecido, fazia parte de um projeto de abrangência mundial encabeçado por instituições financeiras e comerciais internacionais, etc, com o conselho de tecnocratas à serviço do Capital, organizou-se o mundo Ocidental mais recente. Este assunto, aliás, merece uma obra especial, porque a Música foi capturada por um sistema comercial-econômico, que é algo inédito em toda a história humana, se considerarmos que o processo de apropriação indébita dos elementos da Cultura adquiridos pela Indústria, não existia anteriormente como provedora da Cultura , tal como passou a existir. Aqui temos um ponto chave para futuros debates em relação à música comercial descartável, por ter sido esta, exatamente a maior beneficiada, pelo processo de implantação da indústria da Música (e da Cultura em geral) à nível internacional. Muito embora estejamos plenamente convictos que no meio deste imenso e pernicioso campo de produção industrial musical do século 20, tivemos excelentes músicos, compositores e intérpretes em geral, em contrapartida um grande percentual de nulimusicais que tivemos dades porém, e futilidades só foi possível surgir exatamente por causa da existência da indústria musical. Penso que não compreenderemos a Música dos séculos 20 e 21 no Ocidente, sem entendermos antes, a história cultural e social dos séculos anteriores e principalmente o atual. Dando continuidade aos meus interesses nos aspectos gerais da Música, conforme vinha comentando em parágrafos anteriores, com referência aos anos 70, eu havia mergulhado num estudo que envolveu uma série de temas e disciplinas. Percebera que os conceitos, acepções e conteúdos mais abrangentes da Música ou dos fazeres sonoros humanos que vão desde os sons naturais 20 | Wesley Caesar
produzidos involuntariamente até as elaborações sonoras mais complexas, não eram entendidos pelas pessoas em suas obvias graduações, diferenças, estágios de compleição musical, os quais já haviam sido naturalmente erigidos pela “cultura”. Mas, até então, eu não tinha consciência plena da amplitude do fato, só mais tarde é que pude compreender as filigranas deste grande conjunto de elementos. Dentro desta mesma percepção “lógica”, eu havia compreendido que o status quo do indivíduo dentro da estrutura social “ditava” as possibilidades de suasações, realizações materiais, suas relações psico-afeti vas com o meio, a própria escolha de uma carreira musical dependia inicial e fundamentalmente de “patrocínio”. Na minha adolescência, eu havia observado também, ao introduzir na história da música, que já nas sociedades medievais ocidentais, o musico consciente ou inconscientemente fatalmente acabava por exercer o papel de “bufão”, desde pelo menos o trovadorismo do século 12. Muito embora no medievo o espectro de atividades sociais pudesse ser muito mais restrito que o de hoje, quando a Cultura ainda era portadora de certa autonomia e espontaneidade, contudo, tal submissão do musico ao estrato social era uma situação (e, é) angustiante, principalmente tendo em vista que nas antigas culturas o papel atribuído ao musico da tribo era de relevante status místico, como um xamã. Então, o musico que nas antigas culturas exerceria um papel sagrado, agora na cultura ocidental houvera tornado-se bufão, ou seja, algo sem importância... Mas, o que aconteceu? Quem, ou que mudou? Como eu houvera iniciado uma carreira de musico profissional, isto é, como , encontrava-me, por isso mesmo, filosoficamente inquieto, pois eu“bufão” teria que sujeitar-me à situações constrangedoras dentro da profissão de musico, situações indignas e fúteis que eu inevitavelmente encontraria, por uma questão de subsistência, então, encontrei uma solução mais “razoável” que foi ensinar música. Nesta época por volta de 1972, já mencionei que havia me inspirado nas ideias da contracultura (underground) e tinha certa noção do pensamento critico na linha frankfurtiana por entusiasmo de algumas obras como A Ideologia da Sociedade Industrial e Eros e Civilização ambas de Herbert Marcuse (1898-1979) este pertencente à escola de T. Adorno e M. Horkheimer , os quais alcunharam o termo Indústria Cultural – por entenderem que a indústria havia seqüestrado os elementos da Cultura , Música (Cultura e Sociedade) | 21
os convertendo em mercadoria e principalmente usando-os como ferramentas de controle social. Adorno e Horkheimer participaram de uma vertente filosófica com base nas teorias de Karl Marx. Assim fizeram uma releitura das questões do mundo contemporâneo ... Horkheimer escreveu um ensaio que deu contribuição definitiva àquilo que passou-se a se conhecer como teoriacritica, normalmente associado à tal escola de Frankfurt. Então, antes ainda dos fundadores desta escola do século 20 terem nos influenciado, Karl Marx que foi um homem do século 19 já havia me tocado com seus diversos estudos, principalmente pela sua contundência crítica, até mesmo o tema da música. Todos sabem que Marx foi o grande teórico crítico do sistema liberal do século 19, da própria Revolução Industrial (surgida no século 18), etc. Mas, por outro lado e ao mesmo tempo em que simpatizavame com a teoria critica da escola de Frankfurt, já entre 1974 e 75 fui também tomado profundamente por temas que para mim não estavam esclarecidos, desde a Mitologia que envolve a Música, a Física e a Matemática que a contornam, até a sua Metafísica que é o seu conteúdo abstrato. Muito embora, neste período eu não havia empreendido um trabalho sobre a metafísica ou acessado ainda a fenomenologia de Husserl, embora já tivesse lido J.P.Sartre, mas, soubera que M.Heidegger era um nome respeitável e M.Merleau Ponty só descobri mais tarde. É fato, porém, que nesta época por ser adolescente entrando na fase adulta, conforme já observei anteriormente, eu não houvera percebido ainda as nuances das positividades constitucionalizadas, já instauradas
no âmago das no sociedades Civilização ),insuspeitas pois, tais epositividades já introjetadas âmagomodernas da Cultura(da tornaram-se indiscutíveis aos “olhos” dos cidadãos comuns. Embora eu já adotasse a “crítica” ao establishment como norma de conduta, ingenuamente ainda não vislumbrava o positivismo em todo o seu desdobramento abrigado à estrutura, de modo indissociável. Cujo positivismo houvera surgido como o cerne da ideologia liberal burguesa , em seu laissez-faire na construção dos fazeres mais recentes do Ocidente, em particular o fazer musical, a Música do Ocidente em geral. A vida governada (desde finais do século 18) pela tal burguesia – que tomou toda a esfera social, generalizando assim a sua ideologia até o proletariado “aburguesar-se” – introjetou na Cultura os seus ideais, 22 | Wesley Caesar
de modo, que não havia (e, não há) como escapar, inclusive a própria Música havia sido “contaminada”, em particular a canção popular. Senti-me compelido a saltar para um estudo profundo inteiramente dedicado à Música. Conforme os anos passavam mais consolidava-se em mim a ideia da escrita deste livro. O problema, no entanto, era por onde começar, uma vez que interessava-me por vários assuntos em torno da Música. Na época, elaborei um Mapa-Organograma para orientar-me na investida das investigativas sobre a música. A experiência que tive na década de 1970 dedicando-me ao estudo do Violão Clássico, me permitiu o acesso aos “grandes compositores ocidentais”, por conseguinte, o acesso aosconceitos que davam base às obras musicais em suas estruturas e formas, de acordo com soistema musical,etc. Neste período a Filosofia foi fundamental como apoio. Muitas questões surgiam, assim como tentar compreender o “espírito” das obras musicais... O que poderia haver de importante do ponto de vista filosófico ou científico nas obras dos grandes autores... Por que certos compositores antigos ainda eram importantes?... Por que os historiadores haviam dividido a música ocidental em períodos, tal como a história geral, dando a eles um caráter de propriedade histórica...? Qual era o peso (se é que havia algum) da formação social no surgimento das formas musicais, isto é, em que medida, estavam relacionados, a estratificação social com o fazer musical em suas perspectivas próprias?. Este último aspecto em particular, era um dos que mais me inquietava, porque também, e ao mesmo tempo, se relaciona com as questões fazeresde humanos O dos conceito Homo gerais Sapiensmais querecentes... até então entendíamos como tal, não teria sido “obliterado” pelo “Homo Habillis” que havia se convertido no “Homem Técnico” nos últimos tempos? Perguntava-me: “Afinal, quem é o homem moderno”? Para que servia o desenvolvimento intelectual uma vez que encontrava-se evidente, que os homens os quais detinham posses econômicas, gozavam de prestígio e poder na sociedade, eram exatamente os “incultos”, técnicos, comerciantes, etc, principalmente no mundo político...? Eu percebera que os “mentores” e “ícones” sociais deixavam a desejar em relação ao próprio discurso moral introjetado na própria vida social, o que contraditava os próprios “ensinamentos educacionais”. Música (Cultura e Sociedade) | 23
Pois, qualquer pessoa estaria confusa diante do fato (ver capítulos: Música, Cultura e Sociedade e A Revolução Científica como nova Educadora e Interventora da Cultura... ). Outra questão era o gôsto musical. Será que ele tinha alguma importância dentro deste processo que alia:música, afeto, valores morais, sociais, éticos, religiosos, etc, etc? Psicofísica da Música Hoje, explicar o fenômeno que gôstoa musical físicostenta e psíquicos relaciona com processos , naquela época este assunto era praticamente inacessível (ver capítulo: Psicologia, Psicofísica da Música, Neuromusicologia, o Cérebro Humano e a Música, A Semiótica da Música, Linguagem, Símbolos e Signos). Mas, a Música de fato tinha, isto é, tem de ser gostada (como certa vez questionou o falecido jornalista e musicomano, Artur da Tavola) ou apenas praticada como algo sagrado, ou como transe, etc? Já sabíamos que no Ocidente a Música houvera passado por um longo ciclo. Nas rodas de músicos, certos aforismos empregados não necessariamente correspondiam ao “saber” geral da sociedade como um todo, pois, havia um “abismo” entre certos entendimentos... Ao menos aqui no ambiente social brasileiro, notara uma boa distância entre o cidadão comum e os músicos, em seus conceitos e concepções musicais e o pior é que com o passar das décadas isto se acentuou. Porém, soubera também que no passado tal distância era bem menor apesar da acentuada diferença no estrato social ... Questionava-me, por exemplo, como um “som” popular de alto nível instrumental, intrincado, surgido por volta de 1870 no Rio de Janeiro, que trazia uma linguagem musical que mesclava o material do Classicismo Europeu e até do Barroco com outras nuances musicais européias e afro-brasileiras, pudera ter sido produzido num ambiente social de classe média? – Aqui refiro-me ao Chôro o qual tornou-se um grande desafio executá-lo, principalmente ao Violão, obras de E. Nazareth e outros – Isto é, que classe média era esta? Este nível musical correspondia ao seu nível intelectual? Intrigava-me, porque o ambiente o qual eu nascera – classe social pequeno burguesa, ou seja, semi-proletarizada e mesmo as classes burguesas mais abastadas as quais eventualmente eu tivera contato – não demonstrava nível qualquer o qual eu pudesse fazer uma perfeita conexão no tempo.
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Eu soubera já indiretamente influenciado pela escola deFrankfurt, que a tal música Pop (Pop Songs) – a qual até então (finais dos anos 60) eu ainda era absolutamente fascinado – teria emergido apenas por conta das necessidades de sobrevivência daIndústria e não necessariamente como algo espontâneo e involuntário dasculturas humanas, mas apenas uma utilização dos materiais legítimos das culturas adaptados agora à umalingua-
gem industrial dentro de um projeto de obsolescência planejada para o natural descarte, daí a invenção dos conceitos do “velho” e do “novo”. Porém, ao executar e analisar as canções populares, principalmente as mais descartáveis eu notara que algo estava sendo burlado, pois, as células rítmicas, as “melodias”, e principalmente as cadências harmônicas já como clichês harmônicos eram aqueles que delineavam todo o repertório popular o qual era interpretado pelos nossos “ídolos”. Então, surgira a mim a pergunta: Mas, que novidades são estas, com a eventual exclusão da parte literária da canção? Pois, notara que a canção musical em si não apresentava qualquer novidade, a não ser casos específicos como o Rock Progressivo inglês, que tentava mesclar o material da tradição Européia com o Rock, caminho aberto pelos Beatles no final dos anos 60, e, etc... Nos EUA havia caminhos experimentais num certo setor, vertentes do Jazz, enfim... No Brasil, certas vertentes vanguardistas também surgiam, porém, a sua difusão sempre dependeria da indústria (pois, todos haviam tornado-se refém dela) e esta, só investiria naquilo que houvesse retorno, o qual emergia de condicionamentos prévios. Muitas discussões em torno deste tema já rondavam as rodas de músicos. Aliás, os diálogos entre musicosentre sempre foram,ouvintes. em seu conteúdo próprio, bem distantes dososdiálogos os meros Eram muitas questões em torno da Música que surgiam me inquietando, e algumas informações eram confusas. Um curso de nível acadêmico certamente esclarecer-me-ia algumas dúvidas, mas dificilmente teria uma orientação para um estudo “holístico”, ou, “transdisciplinar”. Naquela época eu estava decidido a dedicar-me a uma tarefa que me trouxesse alguns esclarecimentos. Conforme já comentei, fiz o primeiro esboço de um MapaOrganograma , por volta de 1975, inquieto com uma série de questões, porém, não tinha a compreensão da complexidade que envolvia uma visão supostamente “Holística real da Música”. Música (Cultura e Sociedade) | 25
Naquele período (entre 1974 e 78) investi numa pesquisa sobre assuntos diversos, mas é fato, conforme já comentei, que a História da Música, a Musicologia, de um lado, e principalmente a Filosofia, em particular a Metafísica de outro, já me atraiam como temas de estudo. Entre meados de 1978 e finais de 1980, por necessidade obvia de sobrevivência, trabalhei na área de estatística em música de consumo . Uma relação, entre radio-escuta e gravadoras (no caso as “majors”), que já existia, e eu não conhecia até então. Por conta disso passei a compreender melhor o mundo comercial musical das relações entre o lançamento do material fonográfico e sua divulgação na mídia e expectativa de consumo. Passei a acessar todos os catálogos de todas as principais gravadoras, e entender razoavelmente o que era o Brasil (e em certa medida o exterior) em termos de consumo musical, tive uma introdução no mundo da “cultura musical nacional” em sua extensão territorial de alcance por vezes inacessível. Produções musicais de nível B que não apareciam na grande mídia e vendiam muito mais que os materiais expostos na mídia. Essa experiência acrescentou-me itens na visão critica que eu já possuíra. A partir de 1981 quando comecei a ensinar Guitarra e Violão surgiram muitas outras questões principalmente na ordem dos processos Pedagógicos. Os meus interesses pelas questões Cognitivas envolvidas no Ensino-Aprendizagem, e por certos ramos científicos, como aNeurociência e a Psicologia , afloraram-se. Surgira a mim, então, uma observação crítica em relação ao ensino da Música. Eu havia percebido que o ensino dela em geral (da iniciação nível acadêmico) era meramente que tínhamos técnicos dae oMúsica. era; músicosaotécnicos ensinando pessoas a serem técnico, Pois, o conceito de adestrar embutido no próprio ensino é corrente em todos os setores do aprendizado . Pois, estava claro que ninguém buscava (e ainda hoje, busca) na escola, a “sabedoria”, a emancipação, a autonomia intelectual (“exceto, talvez, quem busca a Filosofia ...” – ver capítulo: “A ‘Revolução Científica’ como ‘nova’ Educadora e Interventora da Cultura em geral e no campo do fazer musical... O Quadrivium e o Trivium como organizadores pedagógicos da “velha” Epistémê “... ). Então, não era novidade que o ensino da música pudesse estar submetido às mesmas regras alienantes adotadas no ensino oficial mundial em geral. 26 | Wesley Caesar
Percebera de modo otimista, ingênuo e utópico que estaria aqui a grande possibilidade de uma “revolução mundial” na educação geral e, por conseguinte no pensamento mundial, isto é, um processo emancipatório definitivo do indivíduo, e que pudesse ser produzido através do ensino da Música em escala mundial, ou seja, através dos verdadeiros “xamãs” da humanidade, os músicos. Um devaneio... Primeiramente, como já comentamos, a Música como elemento principal da cultura havia sido seqüestrada pela indústria do entretenimento . Segundo, os objetivos particulares dos músicos sempre giram em torno de projetos pessoais, até por obrigação de sobrevivência, o que inevitavelmente aliena o próprio, tornando-o um sujeito acrítico. Terceiro, os músicos para resgatarem seus antigos “status de xamãs” necessitariam agora tornar-se pessoas especialmente “cultas” em alto grau de “intelectualidade”, com domínio em varias áreas, para compensar, e conquistarem o respeito e atenção das sociedades contemporâneas, ou seja, uma missão impossível... Então, tal feito, uma “revolução”, só pôde acontecer produzida pelos Mass Media, que são os verdadeiros detentores e controladores dos elementos da Cultura – exatamente quando um artista ou grupo musical tornavam-se (tornam-se) famosos, gozando de sucesso e fama. O que, aliás, sempre serviu também apenas para massagear o ego pessoal de cada individuo, enquanto musico-artista – Entre os anos 2000 e 2010, durante toda a década, retomei estudos em áreas como a História da Música e uma breve iniciação na Antropologia com o suporte, ainda que informal de especialistas na área. Esta “nova” só ampliou e modificou a minhacomo visãocertos sobre o homem empreitada (homo) emnão geral, bem como, pude perceber ramos científicos (em particular as ciências sociais) se encontram em confronto, com divergências consideráveis. Retornei então, aos estudos da Filosofia, e de outras áreas. Ao longo dos anos assisti muitas palestras nas áreas de Ciências gerais, Filosofia, História, Psicologia, etc. Acessei centenas de textos de autores em diversas áreas de estudo. Como autodidata sempre tive o cuidado em acessar fontes as mais gabaritadas, dos grandes autores, dos grandes textos, pois, o critério na busca dessas fontes é fundamental, embora no Brasil a literatura sobre música sempre tenha sido precária. Música (Cultura e Sociedade) | 27
Eu sabia, portanto, que havia nascido num país de formação colonial, onde a noção de autonomia e independência intelectual eram custosas. Entre as décadas de 1960 e 70 os últimos lampejos teórico-filosóficos com srcem na antiga ’Era’ iluminista puderam ser observados através de seu “esgotamento”, pois, para alguns autores é neste período que surge o que alguns interpretam como“pós-modernidade” ou modernidade esgotada (voltaremos ao tema). Então, buscávamos informações no exterior em língua inglesa, eventualmente em espanhol e francês, etc... A minha dificuldade era encontrar pessoas e informações que fossem esclarecedoras das minhas dúvidas... Não havia, nem por hipótese remota, professores de “Estudos Gerais da Música”. Só mesmo dentro do mundo acadêmico isto seria possível em perspectiva multidisciplinar... Devemos lembrar o caso do falecido musicólogo brasileiro Ricardo Rizek que desenvolvia um trabalho apreciável e que influenciou muitos músicos, ao cruzar várias disciplinas com a Música... Outro aspecto importante é que a Teoria da Música para a minha geração de músicos populares sempre pareceu enfadonha e desnecessária, porém, tive que estudar muito e ficar adulto para compreender esta questão de outra maneira. Então, ao consultarmos os antigos compêndios ocidentais de Teoria da Música, percebemos logo que eles estavam voltados para uma acepção mais ampla da Música, pois, os modernos compêndios estão resumidos e voltados ao pragmatismo, ao ensino técnico, complementação dos cursos práticos dos instrumentos musicais, os quais são normalmente voltados ao tecnicismo. Não mencionam grautaldeteoria comda promisso com a filosofia , com os princípios fundadoreso da música, com seus teoristas, cuja maior parte formada por filósofos, matemáticos, físicos, astrônomos ou astrofísicos, etc. A propósito disto, nos lembra Nikolaus Harnoncourt em sua obra Discurso de Sons, aquilo que sempre soubemos, mas sempre nos esquecemos, de que no passado havia três tipos de músicos, os puramente teóricos, os práticos e os teórico-praticos (completos). As características históricas da teoria musical surgem acompanhando o processo cultural-social dos últimos séculos, o qual foi altamente afetado por ideologias do pragmatismo, particularmente o econômico o qual gerou o modelo do mundo moderno. 28 | Wesley Caesar
Este assunto requereria um estudo profundo dos “ Aspectos históricos da formação da Música” (pratica) e da “Teoria da Música” no Ocidente. Porém, em caráter introdutório, fazemos uma breve abordagem sobre este tema, no capítulo “Aspectos da Formação da Música Ocidental”. No Ocidente, tentar entender em que medida a teoria da música “amarrou” a pratica musical, uma vez que ao longo do percurso histórico uma infinidade de teoristas (músicos e não músicos) estabeleceram regras, conceitos, teses, que se tornaram axiomas para o fazer musical simultaneamente combinados aos processos “espontâneos” dos povos no fazimento musical, é uma tarefa específica não almejada aqui. Indico como referência os Quadros Sinópticos que criei para demonstrar o grande conteúdo de relações que a Música possui com a vida humana. Eles se encontram disponíveis na internet, no website: www.estudosgeraisdamusica.com A Música quer seja no âmbito do ensino, ou quando tratada pela Filosofia, é naturalmente multidisciplinar... Desde o mero ouvinte, até o seu mais nobre entendedor, passando pelos criadores e intérpretes , todos podem acreditar (consciente ou inconscientemente) entendê-la plenamente, entretanto, a Música nos oferece lacunas aparentemente insondáveis... Contudo, nesta obra propomos percorrer os Múltiplos Conceitos que cercam a Música, ou seja, um “Estudo Geral da Música” com uma visão que se aproxima da noção pedagógica-epistemológica do filósofo e professor Edgar Morin, um estudo de caráter transdisciplinar. Mas, qual a importância de um ESTUDO GERAL DA MÚSICA, ou seja, um
ESTUDO TRANSDISCIPLINAR ? O dado concreto é que só podemos ser tocados por este complexo disciplinar quando já atingimos certo “despertar”. Temos que estar inquietos cheios de incertezas acerca de aspectos mais prementes da Música, tanto de ordem social e cultural até as questões de ordem metafísica... É fato que a experiência pessoal conta muito para tal ‘despertar’, pois podemos crer que milhares de pessoas no mundo, não foram (e nem serão) tocadas por tal ‘despertar’, pois, grande parte da população mundial, particularmente aquela que habita as grandes cidades, se relaciona com a música como ‘puro entretenimento’ embora as situações da audição musical possam diferir. Música (Cultura e Sociedade) | 29
A Música só como ‘deleite’ não suscita questões para que uma pessoa seja provocada a buscar respostas. Ao mesmo tempo, um ouvinte comum é também um musico, porém, passivo . Pois, lá nos anos 70, esta era outra questão que me incomodava, na medida em que no Ocidente houvera surgido a ideia de palco e platéia (já nos tempos da Ópera no século 17) inventando assim o espectador separado do autor-interprete-compositor , preparando assim o campo para que a Música pudesse ser consumida como produto. Eu houvera encontrado na Física e na Matemática um grau de importância superlativa na Música Ocidental. Depois, encontrara o mesmo na cultura Chinesa antiga e Hindu ao pesquisar um pouco sobre o Oriente. Isso me incomodara (muito embora a Física não) porque desde garoto considerava a Matemática a minha inimiga numero um, a julgava absolutamente abstrata e metafórica para ser considerada como ciência exata... Perguntava-me: Que exatidão era esta que trabalhava com fórmulas imaginárias?. E, ainda tínhamos que fazer cálculos absurdos incompatíveis com a vida real, pouco aplicável ao mundo o qual vivíamos na comunidade, com o lúdico , com a dança , com a “emoção”, com os “sentimentos”, com a Música como algo “que nos elevava o espírito”, etc... (ver capítulo: Matemática e Organologia). Devemos estar cientes que um estudo aberto, como propomos aqui, só pode ser feito sob um olhar investigativo que busque interpretar os elementos investigados com certa ‘imparcialidade’ do mesmo modo admitindo as contradições possíveis das disposições gerais (ver “Introdução: uma abordagem geral sobre a obra”). Estudo Geralcaminhos da Música Ao propormos umapenas com visão “transdiscipl inar”, estamos sugerindo quepodemos percorrer, a título de ampliarmos as nossas visões, intencionando possíveis reflexões em torno de questões gerais. Então, em princípio não estamos aqui para defender uma tese ‘única’ ou propor, uma “Teoria Central...”. O nosso estudo não se trata tão pouco de um trabalho com foco exclusivo na Musicoterapia tendo em vista que esta se relaciona com varias áreas de estudo dentro da Música. A nossa ideia é tomar tópicos de estudos que certamente nos ajudarão na tentativa de compreender seus aspectos gerais, principalmente tendo em vista que a ‘acepção tradicional’ (corrente) daMúsica, já não mais se sustenta há tempos, então, estabelecer um ponto específico 30 | Wesley Caesar
de partida para as considerações gerais dela, seria obscuro na medida em que não temos um ‘principio único’ (uma ‘teoria geral’ única que dê conta de responder à todas as questões) que nos permita partir de ‘algum lugar’ seguro, diante das ‘múltiplas interpretações’ que encontramos, a despeito das nossas “investigações” gerais sobre ela. Há, todavia, a possibilidade de caracterizarmos formas interpretativas de análise que nos permita criar elos com outras teorias, “amarrando” assim, uma ‘teoria geral’, entretanto, por enquanto o que teremos é uma “lista” de ‘teorias’ ligadas direta ou indiretamente àMúsica, aparentando contraposição ou sobreposição, com possibilidades de surgirem demonstrações de aspectos convergentes, o que poderia quem sabe, resultar numa grande ‘Teoria Filosófica Geral da Musica’... Confrontar ideias, teorias, teses, antíteses e sínteses , de autores diversos, em diversas áreas, constitui-se em algo capital quando se pretende compreender o âmago das questões, sem receio da contradição, da desconstrução, ou da necessidade de recomeçar tudo... Manter o ceticismo como prudência... Os processos de transformação ou mutação das coisas são revelados ao nosso senso perceptivo... Não devemos ter receio do mergulho num oceano de ‘discursos humanos’ do qual não sabemos se vamos voltar à tona ou ficaremos imersos no caos. As “investigativas” aqui propostas poderão servir de iniciativa a pesquisas em áreas diversas, bem como tentar auxiliar ao menos no esclarecimento dos conceitos mencionados ao longo da obra. Penso existir uma distância enorme entre aqueles que já trilharam os caminhos aqui sugeridos, e aqueles que nunca os trilharam, ou estão por trilhá-los. experiência insubstituível interpretativas, e irreversível. Novos conhecimentos nos Tal fornecem novasépossibilidades “correndo o risco” de alterarmos nossos conceitos sobre a Música e tudo o que se encontra à volta dela... Deleite-se...
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Verso da página – Branca
Introdução Uma abordagem sobre o caráter da obra (Esclarecimentos gerais sobre as Ciências envolvidas neste estudo)
A maior parte dos assuntos dos respectivos capítulos deste livro apresenta uma literatura vastíssima, por isso nossas abordagens aqui devem ser tomadas como meras introduções dos respectivos tópicos. Esta obra não pretende ser um tratado sobre ou aMúsica, pois apenas queremos percorrer ítens que tentam estudá-la comentá-la dos pontos de vistahistórico, antropológico, sociológico , filosófico, metafísico, etc, de modo a avistar os temas que a cercam da maneira mais despida possível. Os capítulos podem ser lidos de maneira independente, não necessariamente formam uma ordem seqüencial, embora estejam co-relacionados. Como subtítulo deste trabalho sugeri a ideia de Cultura e Sociedade. Todavia, nos debruçarmos no estudo de tais disciplinas, é algo que está para além dos objetivos desta obra, pretendemos apenas mencionar em caráter introdutório o grau de imbricação com que a Música se encontra em relação às Culturas e Sociedades humanas. Nem de longe desejamos escrever um tratado sobre Ca ultura e a Sociedade. No entanto, estamos aqui apenas apresentando alguns conceitos sobre os respectivoscampos de estudo, uma vez que estes formam uma condição sine qua non para a existência pratica daMúsica, porque é dasCulturas e das Sociedades humanas que obviamente emerge a“Música” dos humanos, por isso assumiram a posição secundária em caráter de dependência temática desta obra, conforme já acentuei (ver capítulo:Música, Cultura e Sociedade). Nesta obra, quando nos referimos aos séculos, optei pelos algarismos arábicos e não pelos romanos, sendo: I (1), II (2), III (3), etc. Música (Cultura e Sociedade) | 33
Este trabalho naturalmente traz à tona temas que exigem definições de expressões para referência dos termos abordados. Para tanto, inevitavelmente recorreremos por diversas vezes aos dicionários da língua, instâncias padrões que “estabelecem” as convenções vernaculares das tais definições dos vocábulos gerais de um idioma, os quais delineiam os conceitos e o pensamento geral de uma Cultura ou Sociedade. Em princípio eu não havia intencionado dissertar um trabalho filosófico , contudo inevitavelmente nesta obra encontramos filosofia . Não pensei tão pouco num trabalho científico, porém aqui abordamos ciências. Não pretendia que fosse poético, mas nele há certa poesia. Não queria que fosse didático, mas nele encontramos didatismo, muito menos pretendia lançar ideias místicas, mas não tive como escapar das referências sobre as relações simbólicas humanas. Certamente, não temos aqui uma obra conclusiva , ao contrário, apenas introdutória , e assemelhasse à ideia de um estudo multifário, e principalmente não almejamos estar comprometidos com respostas definitivas, e sim propormos perguntas e comentários a cerca do assunto que aqui trazemos. Portanto, acho que temos aqui uma obra de caráter interrogativo ao mesmo tempo expositivo quando pretende apresentar conceitos já formulados em confronto à outros. Talvez certa inspiração na maiêutica socrática fizesse parir novas ideias, novos conceitos à cerca da Música, mas isto dependerá da interpretação do leitor. Sócrates, o homem que perguntava (sabiamente hesitante) convicto no desenvolvimento do discurso, mostrava que o pensamento deve ser prudente.
Se as respostas saem em fáceismoto é porque as perguntas foram mal formuladas . perpétuo contínuo Um dialogo do movimento das incertezas , se estabelece, desde os pensadores pré-socraticos e em todo o decorrer dos discursos Platônicos, Aristotélicos, passando por uma infinidade de autores durante todo o medievo e depois na tal idade moderna até chegarmos aos autores do século 19 e 20, pois, a lista é enorme e não cabe aqui. No Ocidente, encontramos na dialética o significado da lógica desenvolvida por tese, antítese e síntese (Houaiss), parte do Trivium – este no Ocidente antigo ainda incluía Gramática e Retórica. Estamos habituados a um processo , o qual, alguma conclusão deve ser objetivada, alguma meta deve ser projetada e alcançada – que inclui 34 | Wesley Caesar
uma noção de Tempo e de Espaço peculiares apenas às nossas expectativas, mas “não” podemos “crer” que sejam “universais”. Esta obra pretende dissertar sobre a Música, mas, como já colocamos, inspirada na ideia do dialogo perpétuo . Acima de tudo queremos nos aproximar do principio do Zen Budismo ou em algo no gênero, isto é, nenhuma meta alcançar – o sábio mestre, como o principiante, jamais se congratula de haver “chegado” , conforme nos lembra Carlos D. Fregtman em sua obra “O Tao da Música”. Contrariando assim a lógica ocidental da meta, da conclusão , do objetivismo utilitário, da alienação útil. Mas, porque nenhuma meta alcançar? Para podermos apenas “transitar” pelas ideias, suscitando questionamentos , “peregrinarmos” por caminhos talvez ambíguos e contraditórios, onde as ambivalências poderão nos servir para ampliarmos nosso espectro de “ideias” acerca da Música , propondo assim que o leitor divague prazerosamente sobre os temas e assuntos aqui sugeridos. Dentro dos nossos estudos, ao pretendermos estar despojados do compromisso da conclusão , a qual ficará a critério do leitor, teremos a chance de perscrutarmos as questões da “Música” ou dos fazeres sonoros humanos , como uma “viajem” através dos capítulos aqui envolvidos tentando desvendar os significados dos sons em suas perspectivas e seus contextos mais diversos. Tal como Dom Juan, o “mestre” índio (personagem do livro de Carlos Castaneda) que através das “viajens” adquiridas pelos chás de ervas alucinógenas alçava “novas dimensões” da percepção, descobria outros sentidos dos significados das coisas, do sentido da existência , em contrapartida à noção racionalista ocidental que interdita a possibilidade metafísica das coisas, inibevolta. a possível visão fenomenológica dos elementos que se constituem à nossa A proposta é alçarmos as “dimensões” da Música através das nossas indagações, cruzando ideias, investigando caminhos. Em princípio, o que deveria nos tomar, são todos os aspectos da “transcendência” os quais se encontram implícitos na essência dos sons , por conseguinte na Música e na vida humana. Sabemos que a lógica pragmática do operacionalismo técnico se “contrapõem” aos processos “metafísicos” e/ou “fenomenológicos”, pois, estes escapam às invenções dos sistemas racionais, às estruturas idealizadas, à lógica instrumental e objetiva das sociedades contemporâneas. Música (Cultura e Sociedade) | 35
Não queremos, contudo, aqui comprometer-nos com uma visão fenomenológica da Música, apenas de passagem teremos o foco no tema, pois este é um assunto para uma outra obra. Contudo, não quero esconder meu desejo íntimo em expor um conjunto de ideias que possa envolver, sem priorizar, uma abordagem fenomenológica , como a da percepção, a da consciência ou a da psique, e de todas as fenomenologias possíveis que “envolvem” a Música ou estão envolvidas por ela... Teoricamente iremos incursar num estudo múltiplo (multidisciplinar) ou transdisciplinar – para usarmos os termos do conhecido filósofo e pedagogo Edgar Morin – entretanto, em caráter de iniciação. Esta breve introdução no mundo da Música gostaria de buscar, tal como já enfatizamos, os sentidos dos significados dos fazeres sonoros humanos ao longo das tradições, ao mesmo tempo indagando sobre os significados mais recentes da música no ocidente, no fluxo de positividades, o qual toda a história do ocidente moderno foi envolvida. Porém, para buscarmos os significados de todos os fazeres sonoros humanos teríamos que dedicar uma obra específica para o assunto, por isso aqui ficaremos apenas com a ideia desta possibilidade de caráter tão amplo. Temos aqui, principalmente, uma introdução crítica dos aspectos formadores da nossa Cultura , queremos entender o quão legítima é a ideologia da modernidade que tomou posse do fazer humano, em particular, o fazer musical que mais especificamente do século 20 para cá foi apropriada pela indústria (?). Para tanto, como já sugerimos, nos servimos de uma espécie de índice geral de aspectos. assuntos que tentam descrevê-la (a Música) em todos os seus principais Então, nos serviremos de temas orientados por disciplinas que se relacionam com ela (a Música) em âmbito geral, desde antigos ‘conceitos’ empíricos até às modernas ciências. A proposta de um estudo, ainda que introdutório, sobre os papéis e a importância da Música ou dos fazeres sonoros humanos, nos obrigará implacavelmente a recorrer a temas aparentemente extraordinários a ela (a Música). ‘Mergulhar’ no grande acervo de textos e dados de ‘disciplinas’ que há poucos séculos se quer existiam. 36 | Wesley Caesar
Inevitavelmente apelaremos para ‘áreas’ de estudos que em tese pertencem ao “conjunto de saberes” modernos, cujas fontes dependem, de um lado, de aspectos interpretativos ou puramente remissivos de textos que foram escritos ou narrados pelos homens através dos “tempos”, que envolve exegética e uma hermenêutica própria, portanto sempre sujeitas ao caráter interpretativo, como a Filosofia, a História, a Mitologia, etc. E de outro lado dependem, do trabalho científico mais moderno com novas ciências, como a Biomusicologia, a Psicofísica da Música, a “Semiologia da Música”, etc, que são campos científicos que trazem novas perspectivas de analises sobre a música, e outros aspectos da vida humana. Como “atores” de um conjunto cultural complexo, multifacetado, absoluta e contraditoriamente diverso, embora carregado de um sentido homogeneizador, como são as sociedades do mundo moderno, não temos como não recorrer aos mínimos recursos os quais dispomos para este estudo, embora abreviado, mas ao mesmo tempo abrangente quanto aos seus ítens gerais. Sendo assim, as Ciências aqui nos interessam na medida em que se constituem como os “únicos” (ou principais) campos modernos do saber, ainda que insuficientes, porém são os nossoscampos possíveis para os pretensos estudos aqui propostos, incluindo a ampla literatura que relaciona asmitologias humanas como “testemunhas” dos “saberes” ou dasmetáforas humanas. Entendendo assim, Mitologia como um campo de estudo o qual podemos ter uma interpretação preferencialmente“científica”. Então, caberia aqui a seguinte pergunta: Qual a srcem das Ciên-
cias uma vez que estas modernos do saber” ? se apresentam como os “únicos, ou principais, campos Colin A. Ronan tenta nos responder a questão em sua obra “The Cambridge Illustrated History of the World’s Science” , escrevendo: “É impossível examinar a história ou a teoria da ciência sem se defrontar com a magia. Esta era um complexo amálgama de espiritismo e arcano. Para quem não tenda a imaginar a ciência moderna meramente como uma taumaturgia, a própria menção da magia neste contexto pode parecer estranha ou até inaceitável. Contudo, aquilo que aparentemente constitui abordagens totalmente disparatadas da natureza contém, na verdade, muitos fatores comuns. A magia foi um modo legitimo de expressar uma síntese do mundo natural e do seu relacionamento com o homem... A magia exprimiu o que, de um modo geral, era uma visão anímica da natureza...”. Música (Cultura e Sociedade) | 37
Em outro trecho Ronan, comenta: “A Ciência tem demonstrado ser uma enorme aventura intelectual... A Ciência é um conjunto de conhecimentos crescentes e em expansão, até o ponto em que mudanças (sejam) motivadas por experiências ainda mais complexas, mas, quando estas são provocadas por motivos religiosos, filosóficos, sociais ou econômicos, a história da ciência se prende a todas as oscilações da história mais geral...” Mais adiante Colin Ronan acentua que se alguns negam ter havido uma ciência genuína nos tempos pré-históricos, contudo, pelo que se conhece da magia, havia uma doutrina básica e um conjunto de princípios que estabelecia que o mundo não era habitado por coisas visíveis, mas, também pelo invisível... Se pensarmos, hoje, na física quântica como a mais moderna das ciências que não só contraria a física tradicional , porém, também coloca o quantum – assim denominado por Max Plank em 1900 – na perspectiva da mecânica quântica, como “representante” em certa medida do “antagonismo entre o contínuo e o descontínuo , a questão da eventual existência de um limite à divisibilidade da matéria” (Anna Hurwic – A Física), ou seja, grosso modo, o limiar entre a matéria que entendemos como tal e a não matéria, algo que ainda não compreendemos... Neste sentido, continuamos enlaçados aos mesmos problemas dos antigos, pois, o mistério da existência e de todas as coisas perduram. Lembra-nos Ronan que os sacerdotes no antigo Egito adquiriam poder através de sua função como guardiães do conhecimento científico. Então, cita a sociedade grega antiga como aquela que deu ênfase ao lado intelectual da ciência... Como uma “nova aborgadem” já pode-se encontrar na antiga Babilônia. Explica Ronan que teria surgido então, umaindícios nova síntese, uma correlação racional de experiências, um esquema para explicar fenômenos naturais, sem recorrer a quaisquer elementos ocultos ou sobrenaturais. Escreve ainda Colin Ronan – algo que nos tocou em diversos capítulos desta obra, sobre as ideias que pretendem ser definitivas, mas na verdade são transitórias e não há ciência cem por cento segura, tão pouco qualquer religião, até porque a ciência também se tornou “doutrina religiosa” – “A luta para compreender o estranho mundo que vivemos é nobre. É um esforço contínuo. Nossa atual síntese científica é mais um passo na estrada que leva a uma imagem mais ampla, mas, não o último. Nossos paradigmas serão substituídos por novos e aprimorados conjuntos de teoria... 38 | Wesley Caesar
...A crença(outrora)universalmente aceita pelos filósofoscientíficos ocidentais de que as estrelas e os planetas estavam fixos em esferas de cristal que giravam em torno da Terra – crença que era suficientemente saturada de enigmas sobre o movimento celeste para sobrepujar as mentes mais brilhantes – foi substituída por um novo desafio para os intelectos, hoje, nos voltamos para o movimento regido pela gravitação universal em um universo relativista espaço-temporal; isso representa o ápice do pensamento cosmológico moderno... (porém) um novo modelo, mais abrangente, virá, sem dúvida, substituí-lo”. Refletir sobre as srcens dos conceitos de ciência e da própria criação científica e seu desenvolvimento torna-se nossa obrigação. A Filosofia da Ciência é um setor de estudos que pretende entender os processos da criação e formação das metodologias científicas ao longo de seus percursos tentando compreender e analisar as epistemologias que envolveram as ciências como campos discursivos do saber. Michel Foucault citado em alguns capítulos desta obra é sem dúvida um dos principais autores que se debruçou numa empreitada intelectual admirável, pois, percorreu o caminho entre as “histórias” das ideias, das ciências, da política, etc, dentro de uma visão de estrutura epistemológica demarcadora dos tais campos discursivos que delinearam (ou delineiam) o perfil da Cultura (ou, os perfis das Culturas ) correspondentemente às suas respectivas épocas. Ressalta Foucault que: “a analise das formações discursivas, das positividades e do saber em suas relações com as figuras epistemológicas e as ciências, é o que se chamou, para distingui-la de outras formas possíveis de história das ciências, a analise da episteme...”. Entende-se por episteme o conjunto das relações que podem unir, numa época dada, as praticas discursivas que dão lugar a figuras epistemológicas, a ciências, eventualmente a sistemas formalizados... Voltaremos ao assunto ao longo dos capítulos... Então, Física, Matemática, Anatomia e Fisiologia do Som, História, como ciências mais antigas e Musicologia, Etnomusicologia , Psicofísica e Semiótica da Música e Neuromusicologia como ciências mais modernas e outras tantas áreas de estudo, apareceram num fluxo de uma cultura civilizadora, e dentro dela, num fluxo de positividades, num fluxo de construção positiva das coisas, de uma perspectiva da construção ou formação dos discursos que se “autodenominaram” como “modernos”... se assim podemos entender. A despeito de uma ideologia do positivismo deflagrada em séculos anteriores encontramos em autores comoAugusto Comte (1798-1857) – Música (Cultura e Sociedade) | 39
considerado o pai do positivismo – e tantos outros seguidores desta “ideologia” os seus maiores mentores, alguns autores ingleses e de outras nacionalidades européias num certo período histórico deram conta desta difusão (Comte também é considerado o fundador daSociologia). Sobre o conhecimento positivo do Homem, cito aqui então, o professor François Laplantine que na sua obra “Aprender Antropologia” comenta: “Esse
projeto de um considerada conhecimentopor positivo do Homem – istodoé,saber de um–estudo de sua cia empírica sua vez como objeto constitui umexistênevento considerável na história da humanidade. Um evento que se deu no Ocidente no século XVIII(18), que, evidentemente, não ocorreu da noite para o dia, mas que terminou impondo-se já que se tornou definitivamente constitutivo da modernidade na qual, a partir dessa época, entramos”. É importante observar que contraditoriamente, e, ao mesmo tempo, certo espírito efêmero “construtivo-destrutivo” objetivou projetos que alteraram profundamente os conceitos daquilo que se passou a entender como a “moderna” humanidade. Acima de tudo é importante notar o que comentamos de passagem noutros capítulos, que as Ciências modernas, ou uma parte delas, ao pertencerem a um fluxo de positividades, isto é, parte de um projeto que se fundamenta na “ideologia do positivismo” agrega ao menos dois aspectos contundentes; como “educadora” é “provedora” direta ou indireta dos discursos da modernidade através da propaganda que dissemina as “filosofias” da indústria e do avanço tecnológico, e, por conseguinte, é produtora do conteúdo que permite avançar a qualidade das ferramentas docontrole social. Então, neste sentido são altamente perniciosas e discutíveis. Portanto, já colocamos antes, que nossos estudos aqui, como qualquer outro que se proponha a estudar Música em todas as dimensões possíveis, encontrará os mesmos obstáculos, disposições contraditórias tais como, as quais, estamos relatando. Ainda assim vamos às nossas proposições, antes, porém, devemos colocar que embora os estudos aqui propostos possam aparentar semelhanças, por exemplo, com a Musicologia , em particular, a Musicologia Sistemática, uma vez que esta trabalha com áreas diversas, mescla ciências e humanidades, como: psicologia, sociologia, acústica, fisiologia, neurociência, ciências cognitivas, computação e tecnologia ... Além de propormos aqui também estudos diversos, a intenção é abranger as dimensões do tema “Música” sem adotar uma estabilidade disciplinar. 40 | Wesley Caesar
Teríamos uma lista enorme de proposições que justificaria o nosso estudo. Poderíamos começar estabelecendo uma série de correlações da Música, como o ‘fazer quintessencial humano’ , em versões as mais diferenciadas, como as questões do Tempo, do Espaço, das Vibrações Cósmicas, etc, etc... Devemos, contudo, preferencialmente, começar nossas indagações através dos elementos os quais determinam a existência daMúsica, em quaisquer circunstâncias de ambiente ou cultura humana: oSOM e o TEMPO são fundamentais e estão “imbricados”, seja qual for a acepção do fazer sonoro quer exista um princípio Sistemático Musical ou não. Então, tomar este ponto de partida como princípio para os “fazeres sonoros humanos” nos dá, certa segurança para posteriores colocações teóricas. (veja o capítulo:“As noções do Som e o Tempocomo elementos “abstratos” da Música”). Não obstante, antes queremos tocar em definições prévias à cerca do título e subtítulo desta obra. Então, nossa primeira abordagem é em torno do que são, ou o que pode vir a ser: MÚSICA, CULTURA e SOCIEDADE . Aqui a busca por definições nos leva à campos de estudo diversos, e principalmente provoca reflexões que podem vir a alterar consideravelmente nossos conceitos gerais. O segundo capítulo trata do Som e o Tempo os quais correspondem aos elementos essenciais de qualquer “fazer sonoro” , ou seja, a essência da Música. O Som é freqüência vibratória, parte de um processo que ocorre em planos diferentes. Podemos entender o universo comoa um tudo aquilo que é, ou ,e freqüência aceleração que atende umasinônimo ordem dede . Então, num altopossui, grau devibração vibratória o que se encontra é a “ matéria escura ”, escalando descendentemente até transformar-se em “Luz” , sombras luminosas geram “Cor”, e as cores transformam-se em “Sons”, num espectro frequencial do mais agudo até ao mais grave. No âmbito do estudo do Som temos a Anatomia e a Fisiologia que estudam a constituição e o funcionamento dos aparelhos auditivo e da fonação, os quais nos facultam a percepção e a produção dos sons. Estas ciências podem ser interpretadas na ordem do fluxo daquilo que surgiu como Biologia, o estudo da natureza viva ou dos seres vivos. Música (Cultura e Sociedade) | 41
Esta se propôs a estudar desde as estruturas celulares ou subcelulares e moleculares até o nível populacional e a interação ao nível físico-químico, etc, tentando entender elementos dos nossos funcionamentos vitais. Portanto, absolutamente abrangente. Por isso, a Biologia pôde derivar outras tantas ciências. Nestes aspectos gerais acabou por derivar ciências específicas que procuram estudar as condições que nos permitem o elo com os sons externos ao nosso corpo, e, portanto, o “fabrico” da Música. Nosso próximo tópico se refere às possíveis Origens da Música. No final do século 20, na década de 1990, os cientistas Nills Wallin, S. Brown e B. Merker, a partir de uma série de workshops e palestras, organizaram uma obra que consolidou uma nova ciência,Biomusicologia a que estuda as “srcens da música” através de três campos de trabalho, a Musicologia Comparativa que tenta entender as funções, o uso, e o comportamento da música, bem como,os sistemas musicais universais...,Musicologia a Evolucionaria que se dedica à compreensão das srcens da música, as “pressões na seleção evolutiva” damúsica, etc, e a Neuromusicologia que dedica-se à entender as áreas dainteligência, dosmecanismos neuraise cognitivosno processamento musical, e a ontogênese da capacidade e habilidade musicais ... O homem é um animal discursivo e isso nos leva à pelo menos dois tipos de abordagem, por um lado, nós humanos somos emissores de sons , ou seja, “musicais” e que isto determinou a nossa “compleição” e por outro lado, somos seres simbólicos criadores de mitos e organizadores sociais “conscientes”, inventores de linguagem , nos tornamos seres histó-
ricos – talvez, em nossa mais remota ancestralidade tenhamos sido essencialmente ahistóricos e à “partir” do mito criamos o conto , o significado da criação, a ideia do enredo, dos acontecimentos e seus desdobramentos, nos tornamos seres “históricos”(?). Então, se levarmos adiante a percepção dos autores da Biomusicologia podemos arbitrariamente sugerir que todas as atividades humanas se desenvolveram a partir daí, e não por acaso a Música sempre teve grau de alta importância entre as antigas culturas. O próximo capítulo trata da Matemática e da Organologia. A Matemática nos serve para entender melhor as medidas das propriedadesdos sons, assim sendo, nos dá razão a do Ritmo (duração do som), 42 | Wesley Caesar
da altura do Som, de sua Intensidade, de seu Timbre, e nos explica quais as relações existentes entre os graus de uma Escala Musical e das combinações Harmônicas. Ao longo das histórias dos homens , das culturas humanas, o surgimento, ou a ‘criação’, ou ‘invenção’ de uma ciência que tentasse organizar e medir as coisas pôde obviamente ter assumido várias acepções. É fato que se a Matemática foi parte de um agregado místico no passado, porém, após a Renascença ela tornou-se a pilastra principal da racionalidade ocidental e contribuiu para organizar um mundo administrativo onde tudo pode ser ordenado, previsto, certificado com exatidão, homogeneizado, etc, etc. A Organologia que estuda as definições e classificações de todos os instrumentos musicais ou sonoros envolve, ou ao menos esbarra em mais de uma disciplina, como: Física, Matemática, História, Mitologia... Ela surge ainda na antiguidade, mas como entidade científica é bem mais recente. Pretende discernir e organizar as naturezas e confecções dos instrumentos musicais no processo de suas invenções . Podemos deduzir que na mais remota antiguidade os instrumentos musicais provavelmente não eram “entendidos” como tais entre as mais diversas culturas humanas. Como podemos imaginar então, a razão de suas invenções ? Magia, Sagrado, Artefato bélico, etc, etc, etc? A relação que destaco entre a Matemática e a Organologia é que a feitura, ou, a construção de um instrumento musical basicamente dependerá de medições para a sua composição que trata na verdade do cálculo. Sendo a Matemática aquela que entendemos como a ciência do cálculo, então tal laço encontra-se estabelecido, além de um dispositivo mitológico aqui conferido, na relaçãoentender Apolo e Dionísio (verdacapítulo). Noestar próximo capítulo queremos aspectos relação música-sociedade . Nesta perspectiva, em princípio, a Sociologia como estudo da constituição e da “evolução” das sociedades humanas, é aquela que nos elucida sobre a existência dos gêneros diversos da Música, privativos de cada povo, e nos explica a influência exercida pela evolução humana sobre a arte musical. No entanto, escolhemos como título deste capítulo a Musicologia e a Etnomusicologia (ver adiante) – Aqui também gostaríamos de abordar os fazeres sonoros humanos como um todo, assim como sugere o título e subtítulo desta obra, porém, este tema merece um trabalho específico que tentaria traçar um inventário dos fazeres sonoros humanos , algo extremante audacioso Música (Cultura e Sociedade) | 43
Muito embora seja atribuída a A. Comte (já citado) a criação da Sociologia, no entanto, considera-se também que oficialmente ela só surgiu com Emile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920), embora já se pudesse encontrar suas preliminares nos iluministas como Jean J. Rousseau (1712-1778) e os enciclopedistas como D. Diderot (1713-1784), Jean Le Ronde D’Alambert (1717-1783) e Voltaire (1694-1778) entre outros. Na verdade, bem sabemos que no Ocidente as preocupações com questões sociais e políticas datam dos gregos antigos; Sócrates, Platão, Aristóteles, etc, etc. Dentro da própria Sociologia, temos um setor chamado Sociologia da Música, que ao pesquisá-lo notamos que não se caracterizou com grande ênfase. Uma das contribuições àSociologia da Música foi dada por alguns autores, entre eles Max Weber um dos mais importantes filósofos do século 19, e já no século 20 pelo filósofo alemãoT. Adorno. A Sociologia acabou tornando-se um setor de uma ciência que tem uma abordagem bem mais ampla e complexa que é Antropologia a . Esta para erguer-se definitivamente dependeu daoficialização daEtnografia a partir de Franz Boas(1858-1942) e B. MalinowsKi(1884-1942). A Antropologia se coloca como o mais amplo dos estudos sobre o homem, pois, é o estudo geral do Homem em todos os seus aspectos. Um estudo das sociedades humanas tão amplo que envolve varias áreas... E, é dentro da Antropologia que encontramos uma ciência importantíssima para a compreensão daMúsica que é a Etnomusicologia, que, grosso modo, é a união da Etnografia mais a Musicologia. Ela (a Etnomusicologia) estuda basicamente os“fazeres sonoros”dos povos com características mais primitivas, se diferenciando daMusicologia que é mais antiga e cujo objetivo de estudo está mais voltado para o, da música do Ocidente, das sociedades históricas mais modernas. O próximo capítulo é dedicado às Noções de Física e Psicofísica da Música, Psicoacústica (estuda a percepção subjetiva das qualidades do Som ), Neurociência (estuda o sistema nervoso, a anatomia e fisiologia do cérebro), Psicologia e Ciências Cognitivas, Semiótica da Música (Linguagem, Símbolos e Signos). São tópicos de estudo muito próximos embora a princípio podem não demonstrar semelhança. Na Física encontramos o estudo da Acústica que tenta nos explicar a produção dos Sons, suas propriedades e os fenômenos a que estão sujeitos. Aqui ela 44 | Wesley Caesar
está inserida no estudo da Psicofísica que pretende esclarecer pontos sobre a relação entre os fenômenos físicos do som e seus impactos em nossa estrutura psicológica . A Psicofísica surgiu mais recentemente estudando as relações das propriedades físicas e objetivas dos sons associadas às sensações subjetivas da música. É, portanto, um estudo interdisciplinar que envolve no mínimo duas disciplinas; a Física e a Psicologia . Então, aqui, a noção de Psicologia é necessária. Na perspectiva musical, ela basicamente nos faz compreender o efeito da música sobre o “espírito” humano e estuda o papel da inteligência, da imaginação, da memória e da sensibilidade do intér prete, e do ouvinte na percepção de uma obra musical . Estes conceitos são obviamente antigos dentro do estudo da Música no Ocidente e podem ser reinterpretados... P. D. Ouspensky em sua obra “Psicologia da evolução possível ao Homem” nos lembra que a Psicologia durante milênios existiu com o nome de Filosofia (ou, esteve escondida dentro desta). Pois, a Psicologia só surgiu como ciência oficial no Ocidente em fins do século 19. A Neurociência é a base para os estudos que se relacionam com o cérebro e a mente. Uma área de estudo que tenta compreender o cérebro humano em todas as suas potencialidades... Outro item deste capítulo é a Semiótica (ou Semiologia) que normalmente trata do estudo geral dos signos e símbolos, pretende estudar os fenômenos culturais como sistemas de significação, tal como os sistemas musicais que são sistemas de signos . Basicamente inspirada nos estudos de Charles Sanders Pierce (1839-1914). Esta ciência também inclui aLingüísticacomo sistema de signosa qual se desenvolveu oficialmente a partir édeuma Ferdinand de Saussure (1857-1913) no começo do século 20. Alingüística disciplina que pode dar muitas contribuições para o estudo geral daMúsica, tanto no âmbito dos estudos cognitivos (do ensino-aprendizagem), bem como, na área da compreensão do desenvolvimento do cérebro musical, isto é, em que medida a pratica musical altera não só a percepção, como também, contribui para o desenvolvimento daquilo que tratamos como“inteligência”... Por sua vez a Inteligência (no caso aqui) Musical é um tipo de abordagem mais específica. Surge na literatura dos modernos estudos nas áreas da pedagogia, da psicologia e da “educação” , mais especificamente na teoria das inteligências múltiplas proposta por H. Gardner (professor de pós-graduação na Universidade de Harvard). Música (Cultura e Sociedade) | 45
Entre outras coisas ele coloca que os conceitos de inteligência são variáveis de cultura para cultura, época para época, enfim, podemos entender que a essência de tal conceito é subjetiva. As observações nos estudos mais modernos das áreas da mente e do cérebro podem contrariar muitos axiomas já consolidados popularmente. Depois temos o capítulo que trata dos conceitos de Musicoterapia. Tentamos aqui tocar de passagem na ideia do Fenômeno da Interação Vibração/Substância cujas observações científicas podem nos dar mais alguns subsídios a cerca da Música enquanto processo vibratório e da mesma maneira temos uma ideia ainda que informal sobre a Cristalização da Água à partir de determinadas experiências que permitem entender os processos vibratórios como “formadores” da matéria... Uma breve explanação sobre conceitos que envolvem a Filosofia Sufi e a Filosofia Perene ... No próximo capítulo acentuamos os conceitos sobre os Elementos que fundamentam a Música na concepção Ocidental dos últimos séculos . Tais acepções que envolvem; Ritmo , Melodia e Harmonia (bem como, Tessitura, Timbre e Forma) como elementos constitutivos do “estatuto” da Música dos últimos séculos no Ocidente são parte de um período no qual uma “nova epistemologia” surge com as Ciências , conforme colocamos em alguns capítulos ao citar Michel Foucault. Nesta parte inserimos como complemento temático a Estética (ciência do belo) em caráter superficial que pode ser compreendida ainda no âmbito das Ciências Exatas. Pois, ela (a Estética) nos indica a lógica
ecomo o equilíbrio de proporções uma obraconceito musical , de é entendida Estética é a ciência da Arte.que È deve fatoexistir que oempróprio relativo a cada cultura humana, com a possibilidade de se quer existir tal conceito entre determinadas culturas. Penso que o conceito da formação de uma ordem estética das coisas em geral, é ainda mais subjetivo e particular que as demais ciências. Como, nas Artes Plásticas, na Arquitetura, etc, a saber... O próximo capítulo, a Interpretação da História é um preparo conceitual para o capítulo seguinte sobre os Aspectos da Formação da Música Ocidental cujo capítulo tenta traçar um esboço geral sobre uma interpretação possível daHistória da Música no Ocidente. Para tanto devemos antes refletir que a História da Música pretende estudar o 46 | Wesley Caesar
processo do “desenvolvimento” da música através dos tempos, tentando localizar sua srcem, até ao presente, e nos esclarecer sobre a influência exercida pela música na “evolução” humana... A História depende de metodologias como qualquer outra ciência. Sua aproximação com a Mitologia, no entanto, é incontestável. Conforme nos lembra os grandes mitólogos; o homem é um produtor de mitos... Neste sentido a linha que separa a História, da Mitologia, para algumas culturas humanas pode ser nenhuma. No entanto, no Ocidente a História adquiriu um caráter científico. A concepção de linha contínua evolutiva que foi adotada pelo historicismo, deixou para o historiador uma compreensão com recorte horizontal, impedindo a visão dos tais processos históricos como períodos epistemológicos independentes, na linha por exemplode M. Foucault, já citado. No século 20 com a escola dos Annales e o professor Marc Bloch e posteriormente historiadores franceses como Jacques Le Goff , George Duby e outros, é que se pôde ter uma nova visão da história, em particular, a Medieval, o que alterou consideravelmente os conceitos sobre a história e o fazer histórico e principalmente os métodos de escrita sobre a história, a historiografia, etc. Outra visão do estudo do homem e sua história é a abordagem da Antropologia Social que propõem um recorte vertical trabalhado pela Etnologia que estuda o homem em sua vida cotidiana. Parece ser uma difícil tarefa conceber ahistória sem anacronismo (enxergar o passado com a visão do presente) cuja analise seja dotada de ausência ideológica e tente os acontecimentos os riscos; da deficiência documental, da conceber interpretação equivocada, dosem conteúdo conjectural inevitável, portanto, do ímpeto deuma visão fictícia dosfatos. À seguir avançamos em algumas questões sobre; A “Revolução Científica” como “nova” Educadora e interventora no campo do fazer musical e da Cultura em geral . Obviamente este tema merece uma obra exclusiva, porém aqui vamos apenas de passagem apontar alguns dados contundentes no campo das ciências que contribuíram para a formação da Cultura e da Música dos últimos séculos. O conjunto total de dados surgidos ao “longo do percurso” no Ocidente parece singular, e pertence a adjacentesprocessos históricos relativamente complexos que aparentemente confluíram, provocando e “criando” Música (Cultura e Sociedade) | 47
assim, novas perspectivas no âmbito da sobrevivência humana gerando então aquilo que chamamos de mundo moderno . “Acendeu-se”, portanto, novas características não só de padrões de comportamento humano, mas e principalmente do “pensamento humano” . Para finalizar temos um tema polêmico que trata do que poderia vir a ser a Música no futuro. Qual o futuro da Música? – O mundo Cibernético e o Cyborg – O pós-humano e o Mito de Golém . Este tema envolve basicamente as novas tecnologias científicas que ligadas à mitos antigos vislumbram as possibilidades de suas realizações no escopo científico contemporâneo, e como, então, se poderia produzir Música num futuro que tende à ser amusico, mas não destituído de sons... (?) Bem, em princípio, a plataforma básica para que possamos “alçar vôo”, para uma tentativa decompreendermos as questões daMúsica em geral, está aqui lançada, podemos, então, iniciar a nossa jornada.
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I – Música, Cultura e Sociedade Conceitos prévios: O Homo (Sapiens, Faber, Habillis, Ludens, etc.) quando e onde surge? O Homo como protagonista das Culturas e das Sociedades humanas – A busca por definições dos termos propostos: Música, Cultura e Sociedade
Primeiramente devo esclarecer que este capítulo é na verdade parte de um resumo de um amplo trabalho, o qual pouco a pouco vamos escrevendo ao longo dos anos, conforme nossas disponibilidades no âmbito da pesquisa como nas demais necessidades implícitas. Músicaà, Cultura Sociedade Descrever sobre , é tocar nos principais temas que nos motivaram escrevereesta obra. Penso ser importante tomar como primeira abordagem as definições possíveis dos termos então propostos. Mas, uma investigativa na ampla literatura sobre o assunto, será que nos traria uma noção “justa” sobre os tais termos?. Antes de tentarmos definições, devemos partir dos seus protagonistas; os homens, ou, os humanos. As criaturas as quais deram existência, aos fazeres sonoros humanos – estes, em particular, no Ocidente adquiriram (talvez possamos dizer?) um hipocorístico que ficou conhecido porMúsica – às suas praticas gerais em grupo, às suas amplas agremiações cultu-
rais (as Culturas e Sociedades), asinventando, criando e inventariando. Tal investigativa nos levaria obrigatóriamente à uma abordagem de caráter “genealógico” sobre os humanos , mas isso é tarefa para especialistas. No entanto, acredito que uma busca pela essência talvez seja mais interessante do que uma busca pela srcem ... Mas, por outro lado, um trabalho que tente investigar aspectos que fundamentam a “Música” em toda a sua amplitude possível deverá considerar como princípio uma dada localização no “tempo” tentando identificar seus primórdios, ou os seus eventos ocorridos interrogando assim; “onde” começam os humanos, segundo os conceitos os quais adotamos sobre nós mesmos... Embora saibamos que foi na mais antiga Filosofia onde o tema do homem primeiramente surgiu, contudo, nos últimos séculos tem sido Música (Cultura e Sociedade) | 49
na Antropologia, na Sociologia , nas ciências sociais em geral onde o tema (suas srcens, as diversidades culturais, etc) encontra os seus principais estudiosos, porém outros setores científicos possuem alto grau de interesse na matéria, por isso há uma enorme bibliografia do assunto. Poucos autores se arriscam em obras que envolvem várias disciplinas e tentam ser inovadoras e muitíssimo abrangentes, uma delas é do autor André Bourguignon “História Natural do Homem”, apesar de apresentar dados científicos contundentes, certamente para alguns setores da ciência serão polêmicos... Em certos campos “literários” não científicos, numa linguagem metafórica geralmente com apelo de uma forte narrativa mitológica com aspectos daquilo que se alcunhou como criacionismo, podemos encontrar dados que emitem sugestões a respeito da história dos humanos e suas possíveis srcens ... Certa área de estudo que geralmente não é classificada nas terminologias modernas, é a Filosofia Perene (Aldous Huxley). Esta parece ser a fonte de todo o material não só filosófico, mas principalmente aquele que srcinou os grandes “troncos” religiosos modernos ( K. Armstrong), a saber... (voltaremos ao tópico). Então, duas grandes divisões conceituais são propostas; a criacionista e a evolucionista . Esta última avançou principalmente no século 19 com as teorias de Charles Darwin (1809-1882) em sua famosa obra “A srcem das espécies” na qual formulou uma interpretação sobre a teoria das srcens do homem. É fato que o evolucionismo , que influenciou fortemente muitas correntes do pensamento “moderno” apresenta pontos no quesãosemeras refere interpretações às modificações das espécies, porém, o que evidentes sempre temos, . O que propõem agenética moderna, isto é, certo campo da ciência, é que através de uma analise do DNA mitocôndrio colhido a partir de fragmentos da pele bucal de qualquer pessoa, com a analise do material colhido em laboratório, possa se traçar toda a sua genealogia sabendo-se assim quais os seus ancestrais mais remotos. Então, um alentado e “evidente” indício (científico) sugere que por volta de 150 mil anos “estávamos” todos na África e éramos todos negros. Devido ao fluxo migratório de alguns grupos (tribos) para determinadas regiões polares e tropicais, o que se presume é que com o passar do tempo, houve a despigmentação (esbranquiçamento) da pele, olhos, e outras características físicas dos 50 | Wesley Caesar
humanos, então parte dos africanos permaneceram escuros e os outros (povos do planeta em geral) ficaram num “gradiente” que vai dos mais escuros até aos mais claros... Mesmo que esta teoria tenha unanimidade para todo o pensamento ainda “vivo”, ainda assim não seria fácil iniciar “uma” história dos humanos , além do que, entre os vários setores científicos há desacordos, mesmo entre ciências afins... Em nosso contemporâneo, neste ambiente em que nos encontramos por um lado unidos por uma pseuda modernidade – questionada por muitos autores (como, J. F. Lyotard, Z. Bauman e outros) – e por outro lado ao mesmo tempo “destroçados” pela “fúria” de nossas convicções em defesa do conceito de progresso e de uma vida moderna , quer sejam, convicções científicas, religiosas ou meramente espirituais como costumam se justificar alguns... Neste contexto, será que podemos compreender a humanidade como algo genuinamente único, em seus formatos mais autênticos de sobrevivência? Um dos mais importantes antropólogos contemporâneos Marshall Sahlins da Universidade de Michigan, escreve em sua obra Sociedades Tribais: “... Entendo o termo ‘tribo’ como nação no seu uso mais antigo, um corpo de pessoas de srcem e costumes comuns que possui e controla toda a extensão de seu território. Mas, em certo grau socialmente articulada, é especificamente diferente de uma nação moderna na medida em que suas varias comunidades não estão unidas sob o gover no de uma autoridade soberana...”. Há cinco séculos, e.g., certas “tribos”, certos grupos humanos se quer sabiam da existência de outros grupos, cujos formatos de sobrevivência e peculiaridades culturais (e mero ainda acaso, podem)jamais ser absolutamente dispares, desiguais, e talvezpodiam não por terem se encontrado, mesmo considerando uma biologia única para todos. É fato, contudo, que não só a biologia, mas aspectos da vida mística podem ser muito semelhantes... Apesar de tudo, imaginar integridade das características humanas numa presumida remanescência que garantiria os principais traços da humanidade para todos os grupos humanos e, por conseguinte de todos os seus aspectos culturais, é reduzir a sua ampla diversidade à uma “pobre” unificação das culturas. Pois, bastaria considerarmos a infinidade de idiomas que existiam e que gradualmente foram se reduzindo em função dos domínios exercidos através das colonizações e invasões territoriais ao longo dos últimosulos. séc Música (Cultura e Sociedade) | 51
Ao que se sabe, quando desaparece um idioma desaparece também uma cultura, um “conjunto de saberes” de um grupo humano ou de uma população humana. A ideia da humanidade única, homogênea , agregada (que tende ou “pretende” convergir para um “único” pensamento) que teria se constituído propositalmente, nunca pôde acontecer “naturalmente”. Só foi possível o seu “forçoso” acontecimento nos últimos séculos através da “discutível” expansão comercial precedida por “relações mercantis” já existentes nos últimos milênios, porém agora com aspectos absolutamente inéditos típicos das sociedades administradas modernas. Comenta o historiador J. M. Roberts em História do Mundo: “... não sabemos quando nem onde ele ou ela (o humano) surgiu, embora possamos fazer suposições responsáveis dentro de limites razoavelmente amplo. E, para piorar as coisas, nem todos concordam quanto ao tipo de criaturas que, no inicio dos tempos, devem ser consideradas ‘humanas’ nem por onde passa a linha que as separa dos outros animais... O certo, identificável e único a respeito dos humanos não é apenas o fato de possuírem certas características, mas o que eles fazem com elas. Os seres humanos sempre demonstraram capacidade cumulativa de criar mudanças, que nenhuma outra espécie demonstrou...Eles fizeram sua própria história...Desde que foi possível romper com o determinismo da natureza, isto provocou uma enorme mudança”. A pergunta, onde começam os humanos, permanece, porque tanto a pergunta como a resposta são conceituais... Mas, por enquanto, ao menos podemos sugerir alguns pontos de intersecção que supostamente levaram a interagir caminhos ou encontros de naturezas que puderam eventualmente imbricar-se... ou foi, da terminologia srcinada certas quer seja deÉ,certos campos científicos,relativamente ou praticada fluente, arbitrariamente, expressões que arriscam classificações sobre o que somos, ou o que é o homem, ou as categorias possíveis da nossa espécie. Então, Homo Sapiens tenta indicar o homem que sabe, ou homem racional..., Homo Faber quer sugerir o homem que fabrica, Homo Habbilis sugere o homem que tem habilidades, Homo Ludens tenta indicar o homem Lúdico (que joga), etc. Estas classificações parecem aceitas por certos grupos científicos, porém outras de caráter ainda mais arbitrário, como;“Homo Economicus” que tenta sugerir que o homem é por nascença um sereconômico. E, “Homo Comercialis” cuja expressão, sugere que o homem tenha por vocação nata o comércio . Estas últimas classificações arbitrárias 52 | Wesley Caesar
inclusive sem amparo científico, parecem recusadas por setores mais “sérios”, porém, serão aceitas em setores que as usam proposital e funcionalmente – a meu ver essas últimas classificações arbitrárias parecem ser as mais elucubradas e infelizes, no entanto, devemos dizer que infelizmente são aquelas que mais transparecem no mundo contemporâneo. Então, a título de empréstimo conceitual, utilizando os termos já propostos, poderemos aqui sugerir aos taisempreendimentos modernos, digase, cujo grau de entrelaçamento entreMúsica, Cultura e Sociedade, foi, e, é altamente notável, que as noções dofazer (em particular, dos últimos séculos) poderiam ser estabelecidas pelas entãocategorias já indicadas (?). Johan Huizinga (1872-1945) em sua clássica obra Homo Ludens propõem o seguinte: “Em época mais otimista que a atual, nossa espécie recebeu a designação de Homo Sapiens. Com o passar do tempo, acabamos por compreender que afinal não somos tão racionais quanto a ingenuidade e o culto da razão do século 18 nos fizeram supor, e passou a ser moda designar a nossa espécie como Homo Faber” – entende Huizinga que esta designação é ainda mais inadequada que a anterior, então completa o autor: “Existe uma terceira função que se verifica tanto na vida humana como na animal e é tão importante como o raciocínio e o fabrico de objetos: o jogo. Creio que, depois de Homo Faber e talvez ao nível de Homo Sapiens a expressão Homo Ludens merece um lugar em nossa nomenclatura”. Huizinga reitera que jogo é tomado em sua obra como fenômeno cultural e não biológico. Acrescenta Huizinga que: “... a Civilização Humana não acrescentou característica essencial alguma à ideia geral do jogo. Os animais brincam tal como os homens...”. Em contrapartida entendemos que cultura e biologia têm uma cumplicidade indistinguível neste ponto de adiante). Huizinga, é o caráter O que queremos (voltaremos tomar aqui emprestado da ideia de Homo Ludens (homem lúdico). Embora, a expressão, lúdica, implique em jogo, o conteúdo desta palavra possui sentido duplo;brincadeira e cálculo (ver capítulo: Matemática e Organologia), e, é este o ponto que nos interessa. A Música, independente de outras características que ainda tocaremos, contém os dois aspectos; o da brincadeira e o do cálculo. Podemos dizer que acima de tudo ela (a Música) foi elaborada dentro destes parâmetros dicotômicos, onde cada um dos aspectos poderia estar modelado pela Cultura ou ser modelador dela. Meio que arbitrariamente podemos também notar, que certascategorias possíveis do tal homem civilizado se ressaltam: do“homem culto”, Música (Cultura e Sociedade) | 53
do “homem místico” , etc, mas, a principal categoria que se desenvolveu nos últimos séculos e mais se destacou foi a do “homem técnico” , que para alguns, em essência, pode ser o Homo Faber precedido ou somado ao Homo Habillis (?). Esta categoria do “homem técnico” é aquela que “persuasivamente” passou a predominar no tal mundo moderno em praticamente todos os setores das atividades humanas, inclusive aquelas as quais não são identificáveis como técnicas – pois, basta pensarmos no peso da engenharia (dos engenheiros) para a invenção e construção dos últimos séculos... (ver capítulo: A Revolução Científica e a Indústria...) Então, esta faz parecer que todas as outras estão em estado de decrepitude absoluta, assim sendo as atividades sociais gerais quer sejam lúdicas ou de estímulo real ao pensamento , etc, devem agora adequar-se ao mundo técnico, por isso que todas as atividades humanas convertidas em profissões não por acaso tornaram-se “eminentemente” técnicas. As outras categorias, do homem culto , do homem místico, do homem lúdico (e nesta categoria temos os “artistas” em geral, especialmente os músicos, etc) e outras que possam haver, puderam ter a opção ou de aliar-se à categoria do homem técnico ou ficar praticamente à margem e viver com dificuldades em estado de extinção... O homem técnico é aquele que obviamente melhor sobreviveu por ser o “criador” verdadeiro da realidade, em particular, a contemporânea, o grande construtor pragmatista daquilo que se erigiu como mundo real. As outras categorias passaram apenas a serem toleradas pela categoria dominante obviamente com muitas objeções, mas isto é assunto paraEm umanossos obra específica. dias, particularmente, para as pessoas que habitam as cidades (e em certa medida aquelas que ainda se encontram no campo, mas já em estado de “aculturação”) é absolutamente corrente (ou seja, encontra-se “introjetado” em nossa “consciência”) o conceito de moderno e antigo, inovador e arcaico, etc. Mas, será que taisconceitos sempre existiram? Será que durante toda a ancestralidade humana houve modismos ideológicos, filosóficos, etc? Será que sempre houve ideologia? Aliás, será que de fato somos modernosou “jamais fomos modernos” conforme nos propõemBruno Latour? (voltaremos a ele). Bem, pelo menos o que sabemos com boa margem de certeza, é que, algumas ideologias pragmatistas de certo espírito utilitarista, surgiram 54 | Wesley Caesar
e avançaram entre os séculos 18 e 19. É fato, contudo, que anteriores correntes do pensamento, exerceram profundas influências. Então, uma dada linha moderna de pensamento pôde surgir, pois, até mesmo na mais “ingênua” historiografia , ela se transparece. Neste “curso”, o que se torna facilmente verificável é o tratamento empreendido com caráter de descarte fisiológico na ordem da semântica das palavras e no próprio discurso, que faz desaparecer certas expressões para que com elas desapareçam também os seus respectivos conceitos... Uma espécie de faxina no idioma pode ser elaborada... – Não me refiro obviamente aqui à eventuais descartes fisiológicos da semântica das palavras constituídas nas essências dos idiomas em suas naturais genealogias, circunscritas nas intempéries das culturas obviamente de forma perene... Então, certos episódios mais recentes, aqueles que cercam os inícios de nossa contemporaneidade, quando certo fervor pelas “ideologias modernas” aflorou-se no Ocidente, quando certas paixões surgidas das idealizações que inventaram as noçõesde economia e sua subseqüente liberdade econômica desdobraram-se no alvorecer dos nossos dias... Um pouco acerca deste tema, no livro The Great Transformation considerado uma das principais obras do século 20, o seu autor (filósofo, historiador econômico e antropólogo) Karl Polanyi (1886-1964) nos esclarece: “O liberalismo econômico foi o principio organizador de uma sociedade engajada na criação de um sistema de mercado... O credo liberal assumiu seu fervor evangélico em resposta às necessidades de uma economia de mercado plenamente desenvolvida... Nos anos 1830 o liberalismo econômico explodiu como uma cruzada
apaixonante, e o laissez-faire credo inspiradora, militante” . Temos a Europase tornou como um fonte propulsora e disseminadora mundial de um “projeto” o qual passou a ser conhecido como modernidade . Não precisamos ter dúvidas que com aRevolução Industrial do século 18, e as tais teorias fundadoras econômicas que surgiram no mesmo período (em particular,Adam Smith), mais as conhecidas Revoluções; Americana (1750-1776) e a Francesa (1789), tivemos a consolidação dos elementos necessários à “nova” realidade e sua conseguinte consagração. Então, a razão dos nossos tempos, parece ser aquela que aflorouse ainda em finais da tal Idade Média e no começo do tal Renascimento , períodos assim divididos e classificados pelos historiadores. Música (Cultura e Sociedade) | 55
Se de fato isto aconteceu, então talvez possamos usar aqui a expressão frankfurtiana de T. Adorno e M.Horkheimer, a razão instrumental (que se opõem à razão critica) é aquela que se conflagrou como determinante para a construção dos tais tempos modernos . Lembrando que neste capítulo o intento é buscar definições para o que possa vir a ser Música, Cultura e Sociedade, considerando o confronto com os dados contundentes colocados até aqui, então, diante disto, como podemos demarcar os termos propostos?. Vamos investigar um pouco sobre a palavra Cultura. Roque B. Laraia em sua obra Cultura: um conceito antropológico escreve: “a conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural entre os humanos tem sido um grande dilema que permanece como tema central de numerosas polêmicas... Comenta o autor, que apesar de Confúcio séculos antes de Cristo ter enunciado que a natureza dos homens é a mesma, contudo, são os seus hábitos que os mantém separados. Isso em princípio parece verídico, então, aqui podemos perguntar; Quem é o melhor representante dos humanos? Ou seja, como discernir qualidades possíveis ou atribuir valores em características culturais dos diversos povos ou mesmo simples grupos humanos, tal como nos induz a crer e idealizar, a predominante cultura Ocidental?. Qualquer analogia que intencione estabelecer um cerne comum aos humanos seria descabida principalmente quando trata-se de costumes, comportamentos, pensamentos, praticas ritualísticas, etc, a ideia da humanidade única só pode figurar à nível da compleição biológica e mesmo assim com suas nuances adaptativas em seus respectivos habitats, no mais, se contrapõem àquilo. que antropologicamente sabemos ser naturalmente diverso, as culturas No entanto, nos últimos séculos, a evidência da diversidade natural das culturas humanas têm sido forjada ou trapaceada pelo avanço das prerrogativas do “inventado” mundo comercial ou das “negociações” que constituem as bases das relações humanas contemporâneas, o que, aliás, já acentuamos. A ideia de unificação cultural do mundo encontra-se tão presente em nossos dias, que muito provavelmente o cidadão comum, tem pra si, que a tal modernidade ocidental é representante legítima de um longo e discutível processo historicamente complexo normalmente tratado como a “evolução” da humanidade. 56 | Wesley Caesar
O filósofo e pedagogo Edgar Morin, em sua obra “Os Sete saberes necessários à Educação do Futuro”considera que:“O Humano é um ser a um só tempo plenamente biológico e plenamente cultural, que traz em si uma unidualidade originária... Ressalta o autor a importância do circuito cérebro/mente/cultura . “O Homem somente se realiza plenamente como ser humano pela cultura e na cultura. Não há cultura sem cérebro humano... mas não há mente, capacidade de consciência e pensamento, sem cultura. A mente humana é uma criação que emerge e se afirma na relação cérebro-cultura... uma tríade em circuito entre cérebro/mente/ cultura, em que cada um dos termos é necessário ao outro. A mente é o sur gimento do cérebro que suscita a cultura, que não existiria sem o cérebro”. As colocações do professor Morin, nos levam à questões fundamentais para tentarmos entender o humano. O circuito cérebro/mente/ cultura implica num complexo estudo que envolve uma boa parte dos setores das ciências, cujo fim pertence às suas respectivas áreas de competência. Noutros capítulos voltaremos ao tema. Antes proponho a tarefa de apresentarmos algumas definições possíveis que se referem ao conteúdo da palavra, ou do vocábulo MÚSICA para depois prosseguirmos na tentativa em buscar definições para o conteúdo das palavras já prefaciadas, Cultura e Sociedade (subtítulo desta obra). É amplamente sabido que a palavra Música é de srcem grega, vem de musa, isto é, das musas da mitologia grega. Lembra-nos o historiador Claude Palisca em sua obra (até o momento uma das principais já escritas sobre a) História da Música Ocidental: “A palavra música tinha para os Gregos um sentido mais lato do que aquele que hoje lhe damos. Era uma forma mais
adjetivada adedeterminadas musa – na mitologia clássica qualquer uma das nove deusas irmãs que presidiam artes e ciências...” . O historiador se refere à cultura grega antiga, porém, se pensássemos em investigar a palavraMúsica com equivalentes significadossemânticos nos idiomas dos povos primitivos, ditos não civilizados, talvez não encontrássemos o seu correspondente, muito embora saibamos que não existe grupo, povo ou civilização humana que não tenha produzidosons, isto é, fazer sonoro. Então, se não encontramos a existência da palavra (música) em possíveis dicionários antigos (pré-ocidentais, prováveis pergaminhos) em outros idiomas, então não podemos saber como a Música era definida do ponto de vista semântico e/ou etimológico, embora saibamos que a Música ou os ‘fazeres sonoros’ dos humanos eram Música (Cultura e Sociedade) | 57
cotidianamente praticados. Nada impede que as culturas humanas nos seus mais diversos idiomas se quer pudessem estar definindo os seus fazeres sonoros, principalmente por serem praticas imanentes e Sagradas. No mais antigo dicionário da língua portuguesa de 1728 Raphael Bluteau, a palavra Música aparece com a seguinte definição: “Geralmente falando é o mesmo que Harmonia e filosoficamente considerada se divide em três; Divina, Angélica e Mundana...”. Nos dicionários mais modernos encontramos pequenas diferenças. No dicionário Houaiss, por exemplo, ela aparece como: “Arte de combinar os sons de forma rítmica e melodiosa”. No dicionário Aurélio: “Arte e Ciência de combinar os sons de modo agradável ao ouvido”, “Qualquer composição musical”, “Qualquer conjunto de sons” . Tais definições não só são insuficientes, bem como, nos levam a problemas conceituais em suas próprias proposições. No Ocidente, muitas definições sobre a Música já foram experimentadas, porém talvez seja mais adequado nos referir a ela como o fazer sonoro do Ocidente, ou, os fazeres sonoros ocidentais, mais especificamente os quais se desenvolveram ao longo de 1500 anos, sendo que nos últimos 300 anos suas características e significados se tornaram ainda mais específicas no ambiente de sua organização geral, em particular no seu processo de produção e propagação. Um dos mais conceituados historiadores da literatura e da Música , Otto Maria Carpeaux em sua obra Historia da Música , comenta: “...estou convencido que a música, assim como a entendemos, é um fenômeno especifico da civilização do ocidente...” O autor O. M. Carpeaux ainda nos esclarece que: “Em nenhuma outradacivilização ocupa um compositor posiçãocivilização central de Beethoven na historia nossa civilização; nenhumaaoutra produziu fenômeno comparável à polifonia de Bach...”. No Brasil, J.J. de Moraes em seu livro “O que é Música” , buscou outros tipos de definições: “Para muita gente – inclusive para quem fisiologicamente não pode ouvir – tudo pode ser música: o movimento mudo das constelações em continua expansão... o pulsar cadenciado do coração... misturar-se às ondas do mar... Música é antes de mais nada movimento...”. A pergunta o que é Música, em suas possíveis acepções e interpretações, em seus elementos constitutivos, como Mitologia, como Sagrado , como Metafísica, na perspectiva dos últimos séculos nas Ciências Exatas, Humanas e Sociais, ainda persiste. 58 | Wesley Caesar
Na busca de definições sobre a Música, podemos tentar uma acepção de forma livre, porém procurando um conceito o mais esclarecedor possível: Música é uma “intencional” elaboração de discursos sonoros que se servem das ‘propriedades do som’ (ver capítulo: As noções do Som e Tempo como elementos “abstratos”...) As quatro propriedades do Som; Duração, Altura, Timbre e Intensidade constituem-se como inerentes ao fenômeno sonoro. Assim sendo a Música só existirá com a presença deles. A Música no Ocidente é na verdade algo que emergiu do âmago desta cultura com acepções que atenderam ao amplo lastro de formações contraditórias da mesma cultura , em vários períodos históricos. Apesar disso pôde curar-se numa base sólida, a mesma que legitimou a formação de um ethos “místico-cientificista” que designou ao mesmo tempo uma escolha à um formato de sobrevivência... Então, ao que nos parece em princípio, é que os significados da tal Música do Ocidente, passaram a ter “caracteristicas particulares”, com aspectos que talvez não sejam passíveis de analogia com outras culturas, principalmente as orientais e sobretudo as primitivas dos povos das florestas. Tentamos até aqui buscar algumas poucas ideias à cerca das definições da palavra Música e de seu conteúdo. Vamos continuar tentando encontrar noções sobre as definições possíveis das palavras que constituem o subtítulo desta obra; Cultura e Sociedade. Parece-nos em princípio que encontraremos também dificuldades com relação à taistermos em suas possíveis definições antigas (quando encontradas) comparadaspode às suas modernas A palavra se assumir muitasdefinições. acepções: “conjunto CULTURA de crenças, costumes, atividades de um grupo social ou civilização... conhecimento, instrução...” (Houaiss). Alfredo Bosi (professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales e Membro da Academia Brasileira de Letras entre outras tantas atuações), além de possuir varias obras literárias sobre os temas em pauta, comenta sobre a srcem da palavra Cultura : “Hoje em dia tornou-se particularmente difícil uma definição da cultura, porque ela pode ser estudada de vários pontos de vista, precisaríamos escolher uma perspectiva para poder defini-la... Gostaria de remontar o significado da palavra cultura na sua tradição romana. A Música (Cultura e Sociedade) | 59
palavra é latina e sua srcem é o verbo colo que significava ‘eu cultivo’, cultivar a terra... a palavra com a terminação ‘ura’ é uma desinência de futuro, um modo verbal que tinha uma relação com o futuro, aventura, algo que se deve cultivar...”. Explica-nos ainda o professor Bosi que a palavra Cultura foi uma interpretação aproximada feita pelos romanos, da palavra grega Paidéia (que significava o conjunto de conhecimentos que se devia transmitir às crianças), por não encontrarem uma expressão equivalente em seu idioma. Isto ocorreu no decurso de seu processo de helenização, porque estes (os romanos) já haviam tomado a Grécia. Então, para os romanos a palavra Cultura passou de um significado puramente material da vida agrária do cultivo da terra, para uma acepção que passou à envolver um significado intelectual, moral, conjunto de ideias e valores. Norbert Elias em sua clássica obra “O Processo Civilizador” comenta a respeito da palavra cultura ou Kultur em alemão que indica certo conjunto de significados que não necessariamente são correspondentes em francês, ou em inglês, por exemplo... Portanto, isso demonstra como certas palavras mesmo existindo em vários idiomas ainda assim não garantem significados exatos em toda a sua abrangência possível, para todas as línguas, mesmo de culturas humanas próximas. Isso demonstra o que queremos aqui enfatizar, isto é, como as culturas humanas se diferem à ponto de não terem equivalentes semânticos justos, porque isto implica em fatores condicionantes que organizam o pensamento, as características geográficas de seus habitats, hábitos e costumes alimentares, morais, religiosos, etc, a própria história dos costumes descrita por Elias em sua obra já citada. Abraham Moles na obra Sóciodinâmica da Cultura esclarece: “A noção de cultura propostaalemão pelos em filósofos cerca de dois séculos, palavra cultura aparece em foi dicionário 1793”há. Moles disserta ainda asobre a palavra Cultura dizendo que o “termo é tão carregado de valores diversos que seu papel varia notadamente de um autor para outro” , contudo acentua que “uma característica essencial do ser humano é viver em um meio que ele próprio criou”. Nos compêndios de Antropologia podemos encontrar algumas exposições do seguinte tipo:“Desde o final do século 19 os antropólogos vêm elaborando inúmeros conceitos sobre cultura...”Mais de 160 definições jásurgiram, porém, ainda não houve um consenso.É o que nos explica as autorasM. de Andrade Marconi e Z. Maria Neves Pessottoem Antropologia – uma introdução.
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Edward B. Tylor em 1871 foi um dos primeiros à formular um conceito sobre cultura ; “...todo o complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos...” Na obra Antropologia Cultural e Social de autoria de E. Adamsom Hoebel da Universidade de Minnesota e Everett L.Frost da Universidade do Leste do Novo México, os respectivos professores comentam que a expressão Cultura é correntemente conceituada pela antropologia como: “... um sistema integrado de padrões de comportamento aprendidos,os quais são característicos dos membros de uma sociedade e não o resultado de herança biológica”. Os autores comentam que A. Kroeber e C. Kluckhohn depois de examinarem quase quinhentas definições sobre o termo chegaram à seguinte conclusão: “A cultura consiste em padrões, implícitos e explícitos, de comportamento e para comportamento, adquiridos e transmitidos por símbolos, que constituem as realizações distintivas dos grupos humanos, inclusive suas incorporações em artefato; o núcleo essencial das culturas consiste nas ideias tradicionais (isto é, recebidas e selecionadas historicamente) e especialmente nos valores que lhes atribuem; por outro lado, os sistemas de cultura podem ser considerados como produtos de ação e também como elementos condicionantes de ação futura” Claude Levy-Strauss, um dos mais importantes antropólogos do século 20, escreveu em sua obra Raça e História no capitulo Raça e Cultura: “Existem muito mais culturas humanas do que raças humanas...”Mais adiante o professor Strauss nos lembra que: “Para compreender como e em que medida as culturas humanas diferem entre si, se estas diferenças se anulam ou contradizem, ou se concorrem para formar um conjunto harmonioso, devemos em primeiro lugar traçar o seu inventario. Mas é aqui que as dificuldades começam, porque aperceber-nos dedo quemesmo as culturas diferem nós entredevemos si do mesmo modo nem plano.humanas Estamos não em presença de sociedades justapostas no espaço umas ao lado das outras, umas próximas, outras afastadas, mas contemporâneas. Depois, devemos ter em conta as formas da vida social que se sucederam no tempo e que não podemos conhecer por experiência direta”. O falecido professor Strauss nos explica da dificuldade em interpretamos, primeiramente, o que é de fato uma Cultura humana em termos universais, e depois, nos mostra a dificuldade em inventariarmos de forma conscienciosa , e cabal, as culturas humanas , cujo tema já tocamos parágrafos atrás. Música (Cultura e Sociedade) | 61
E aqui enfatizamos a problematização sobre otema, abordando o autor J. Ortega y Gasset quando nos lembra em sua clássica obra“A Rebelião das Massas”que quando“a humanidade estava dispersa em vários pedaços semcomunicação entre si formava mundos interiores e independentes” , podemos completar dizendo, nos referindo à humanidades autônomas, que cada uma tinha propriedade de si, com soberania em todos os seus aspectos sociais, culturais, mitológicos, etc, sem ter que atender à um comando central mundial qualquer, tal como o mundo contemporâneo... Continua Gasset: “desde o século XVI(16) a humanidade entrou num processo gigantesco de unificação...” e podemos completar acentuando, que tal processo avançou gradualmente até tomar o planeta e o converter num mundo “único” onde os resquícios de visões de mundo ficaram obliterados entre si eliminando assim a real diversidade que tornou-se pseudo-diversa em sua luta íntima por sobreviver e que na verdade foram todas obrigadas a atender à um fluxo central de relações administradas (ou numa rede de intenções orientadas) que para atender à uma ideologia “autoritária” organizou o mundo moderno... Tal fluxo desorganizou e deslegitimou por sua vez aquilo que outrora era independente e gozava de alto grau de autonomia. A história até hoje tentou inventariar as raças, os povos, as civilizações e isto não nos parece ser um inventário das culturas humanas no seu sentido mais específico. Nesta mesma perspectiva antropológica, podemos considerar que os fazeres sonoros dos grupos humanos (povos ou civilizações) espalhados pelo planeta em épocas e geografias diferentes não necessáriamente estiveram processo continuado e “evolutivo” numa conectados perspectiva,ouporformaram exemplo,um darwinista, para citar o conceito evolucionista ainda preferido em nossos dias. Aliás, podemos supor, bem ao contrário, assim como existem os povos históricos podemos encontrar povos ahistóricos, porém, não desprovidos de mitologia (?)... Vamos tentar agora alguma definição sobre a palavra Sociedade. Do latim temos societá (comunidade) ou socius (associado) enfim algo que indique uma união de pessoas, grupo de pessoas, ou vários grupos. Hoje, a palavra Sociedade é tratada com diferentes particularidades nas diversas áreas de estudo, quer seja no âmbito das ciências 62 | Wesley Caesar
humanas e/ou sociais; na Antropologia, Sociologia, História, Filosofia , etc, ou mesmo da Biologia e seus derivados. Porém, o que nos interessa aqui é o foco na ideia de Sociedade como grupo de humanos que produzem (e sempre produziram) fazeres sonoros com finalidades diversas. Tal busca se aproxima da definição de Cultura que já tentamos dissertar, porém, na perspectiva das sociedades modernas , são elas, praticamente formadas por agremiados de culturas humanas, daí a complexidade em tentar-se abranger os termos. Nos dicionários modernos encontraremos a definição da palavra sociedade com certa diversidade, contudo, basicamente vamos encontrar: “Comunidade, Coletividade, Meio humano com suas instituições, regras e leis comuns...”. M. Sahlins, já citado, comenta: “A História tem sido decidida pelo poder econômico. Isso acontece tão regularmente a ponto de sugerir uma regra – ou lei... – de que a dominação cultural deriva da predominância técnica...” . Sahlins entende “tribo como nação no sentido mais antigo um corpo de pessoas de origem e costumes comuns, que possui e controla toda a extensão de seu território... a tribo é pouco complexa, pois, explica ele; “Sua economia, sua política e religião não são conduzidas por diferentes instituições especialmente destinad as para estes fins...”. Poderemos dizer, tal como nas sociedades modernas onde tudo é administrado por órgãos por vezes alheio à comunidades locais ou regionais. Corporações e instituições internacionais que diretaou indiretamente organizam a economia, a política e até mesmo os princípios éticos religiosos e morais que a comunidade, povo, ou sociedade devem seguir. E, nesta perspectiva descrever, oseventuais faze-, res sonoros tribo ou deque povosacabamos primitivos de aspectos de uma quaisquer, constituirá elementos e significados visceral e radicalmente distintos de qualquer sociedade moderna, a ponto de não podermos criar parâmetros analógicos. À cerca do tema das srcens das sociedades humanas, A. Bourguignon escreve: “Toda reconstrução das primeiras sociedades humanas, só pode ser hipotética... O mais razoável é tomar por base as pesquisas etológicas animais e as pesquisas etnográficas feitas com os caçadores coletores nômades que ainda vivem, admitindo a hipótese de que as primeiras sociedades humanas tinham uma organização situada a meio caminho entre a dos animais mais próximos do homem, a saber, os chimpanzés, e a dos caçadores-coletores africanos”. Música (Cultura e Sociedade) | 63
Cultura e Sociedade são vocábulos que em suas possíveis definições podem confundir-se em alguns aspectos... Em estudos sobre a estratificação social referem-se os textos à: sociedades de castas, sociedades estamentais, sociedades de classes sociais, etc. Quando nos referimos à Cultura e a Sociedade humanas, estamos definindo conceitos que surgiram no fluxo das classificações das coisas
do mundo , dos homens , e do surgimento daquilo que mais recentemente denominou-se epistemologia e se edificou num processo de auto-afirmação de suas próprias acepções, dentro da auto-consagração de uma cultura, de tal forma asseverada em sua grandiloqüência, que tal característica encontra-se presente em todo o conjunto de suas produções, desde as cultural-ideológicas realizadas num ciclo ininterrupto que vem desde pelo menos a tal revolução científica, até as produções industriais que surgiram definitivamente a partir do século 18 e se intensificaram nos séculos 19 e 20, com grande apelo às “invenções” tecnológicas em acordo com as ciências. Apesar de, a ideia da “catalogação” do cosmos , do mundo , dos homens, da natureza, etc, ser antiga, porém, com a criação científica, um conjunto de metodologias e objetivos de estudos diversos numa ordem de classificação das coisas passou a catalogar o mundo... Daí surgiram novos estudos e conceitos específicos sobre assuntos outrora indissociáveis. De modo que a Música, a Cultura e a Sociedade tornaram-se campos diferentes de estudo, no entanto continuaram em suas essências naturalmente imbricadas do ponto de vista pratico em suas realizações.
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II– As noções de Som e Tempo como elementos “abstratos”(?) pré-determinantes da Música (dos fazeres sonoros humanos) A metafísica do Som – Noção de Acústica, Fisiologia e Anatomia da Audição – As propriedades do Som (Duração, Timbre, Altura e Intensidade) – O que é o Tempo? – A noção de Espaço-Tempo – A ‘consciência’ do Tempo
Numa das manhãs enquanto escrevia este capítulo, ouvi próximoárvores à minhase janela alguns pássaros que oemquanto seus “cantos” entre as movimentavam. Imaginei destes sonsávidos, que chegavam ao meu aparelho auditivo poderiam ser de fato interpretados por nós humanos, tal como à eles próprios... Será que o que ouço é exatamente o que eles também “ouvem”?. Se for, será que terá os mesmossignificados, em seu “dizer”, em sua metafísica, e não em seus simples sentidos operacionais de acasalamento , identificação de elementos terrestres, etc? Os padrões de “canto” mudam quanto à suas respectivas formas, ao longo da existência daquela espécie ou são estáveis durante toda a vida da espécie? (ver capítulo: “Origens da Música
edos a Biomusicologia” ). Mas, quais as impressões que eles têm do Tempo e Sons?... Murshid Samuel L. Lewis (místico americano professor de dança e criador do movimento Dances of Universal Peace) em seu artigo intitulado “A Metafísica do Som” nos lembra que o som da voz, ou a emissão sonora em si produzida por um ser vivo, é o sinal (insígnia) da personalidade... Pois isso não só tem uma ampla variação entre os humanos, mas principalmente entre as espécies animais em geral que designa o caráter do bicho (animal) que emite o seu som típico, o qual expressa sua “srcinalidade” e ação – Não estamos aqui nos referindo simplesmente aos aspectos “psicológicos” dos humanos, mais do que isso, queremos nos referir a uma metafísica das espécies... – Música (Cultura e Sociedade) | 65
Completa Murshid: “cada expressão vocal revela algo da natureza do ser senciente por ele proferido...”. Comenta que as espécies animais tendem à emitir sons que podem variar em freqüências segundo o seu conteúdo de relação em suas sensações de acordo com seus habitats... O elemento “terra”, por exemplo, tende a fazer a voz mais densa e aborrecida (como a rã). Assim os animais podem produzir sons, em suas variáveis, segundo sua forma de sobrevivência. Os animais aquáticos têm suas características sonoras, os voadores talvez possam emitir sons de caráter mais expansivo, etc. O que nos chama a atenção é o quanto cada forma de vida pode ser um veículo de som... de uma metafísica própria. Lembra-nos Murshid Samuel, que de acordo com as tradições mais sagradas, “Deus” criou tudo através do Som... Obviamente aqui temos uma metáfora para compreendermos melhor a representação do Som, a sua importância para o Cosmos. Hoje, no século 21 entre as diversas ciências existentes, aCosmologia moderna e a Astrofísica continuam a estudar os enigmas dos primórdios do Cosmos . São vários cientistas e inúmeros artigos nas mais diversas revistas científicas. Glenn D. Starkman (professor em Cosmologia e Astrofísica da Universidade de Case Western Reserve) e Dominik J. Schwarz (Universidade de Tecnologia de Viena) no artigo publicado pela revista Scientific American br. (Ano 4 – n. 40), comentam: Imagine uma orquestra fantasticamente grande tocando sem parar durante 14 bilhões de anos (idade estimada do universo até então, pois, poderá ser refutada)... os cientistas ‘ouvem’ a música do Cosmos tocada pela radiação de fundo de microondas, nossa maior janela de
observação paraflutuações as condições do Universo primordial”.e Dizem que teria aleatórias havido então neste primórdio que estaseles se pareciam com ondas sonoras, e o “som” que permeava o Cosmos 14 bilhões de anos atrás foi impresso no fundo cósmico de microondas. Acentuam os cientistas Starkman e Schwarz, que agora pode-se ver o mapa do som transcrito no céu na forma das variações de temperatura do fundo cósmico de microondas. Da metafísica da natureza, será que realmente compreendemos todos os seus elementos? Será que asciências, as nossas principais “instituições” do “saber”, são suficientes e poderão nos trazer convicções sobre as essências mesmas do Som e do Tempo em suas metafísicas próprias?...Quem sabe um dia a Física Quântica, ou algo no gênero... 66 | Wesley Caesar
Tanto no Ocidente como para qualquer cultura humana que inclua os conceitos de Som e Tempo em seu “acervo”, provavelmente entenderá que não existirá música sem estes elementos essenciais, prédeterminantes, que embora nos levem a um campo discursivo real, porém, em seus “conteúdos” próprios, precedem de uma virtualidade intrínseca, de uma abstração própria, que não se refere aos objetos ou às coisas do mundo, mas que se apresentam aos nossos “sentidos” como “veridicamente” processuais. Mas, isso também depende de uma espécie de taxonomia , ou seja, uma ordem de classificação das coisas em geral, que desenvolvemos, e que nas suas varias categorias, “atende” como “suporte” às nossas “convicções” “biológico-culturais-perceptivas ” “construídas” como paradigmas (aquilo que os membros de uma comunidade partilham – Thomas S. Kuhn : As Estruturas das revoluções Científicas) – expressos aqui num sentido mais amplo – por isso podemos dizer que, segundo os nossos “sentidos”, identificamos que os elementos incondicionalmente fundamentais da Música, são; o Som (certo evento que inclui vibração percebida pelos nossos sentidos) e o Tempo (o conceito que temos da duração dos eventos). O Som e o Tempo estão inevitavelmente enlaçados pela simultaneidade dos eventos. Suscitar impressões ou observações sobre eles (oSom e o Tempo) deve preceder o surgimento daCultura Ocidental, “talvez” da própriaCivilização. Abordar estetópico requereria uma obraespecífica, melhor dissertada por especialistas, entretanto, vamos aqui apenas ‘pincelar’assunto o . Quando uma fonte sonora qualquer é acionada, simultaneamente a ela o Tempo (ou pelo menos aquilo que consideramos ser ele) se processa qualidade de duraçãodo , e Som esta, por suaveremos vez é identificada como uma dasnaquatro propriedades o que mais adiante. Deste modo, não há como falar do Som sem falar do Tempo. No entanto, vamos primeiramente tecer alguns comentários sobre o Som. Nos compêndios deFísica, podemos encontrar a definição do que é o Som segundo a visão científica moderna, conformejá exemplificamos anteriormente:“O Som consiste numa vibração do ar queprovoca variações da pressão percebidas em seguida pelo tímpano...” (La Physique – Anna Hurwic). J. Miguel Wisnick em sua admirável obra “O Som e o Sentido” nos lembra que: “O som é o produto de uma seqüência rapidíssima (e geralmente imperceptível) de impulsões e repousos, de impulsos (que se representam pela ascenção da onda) e de quedas cíclicas desses impulsos, seguidas de sua reiteração”. Música (Cultura e Sociedade) | 67
Acrescenta Wisnick : “Não é a matéria do ar que caminha levando o som, mas sim um sinal de movimento que passa através da matéria, modificando-a inscrevendo nela, de forma fugaz, o seu desenho. O Som é assim, o movimento em sua complementaridade, inscrita na sua forma oscilatória. Essa forma permite a muitas culturas pensá-lo como modelo de uma essência universal que seria regida pelo movimento permanente”. É importante observar que para os pesquisadores da Acústica, entre eles Marcelo Petraglia (Ouvirativo) , o Som não é a vibração em si, pois, a sensação sonora é um produto do nosso cérebro, porque, até a onda chegar ao tímpano, do ouvido para fora, é vibração mecânica. Nesta perspectiva, então o Som seria uma interpretação dos nossos sentidos , conforme já dei à entender em parágrafos anteriores... Em geral, a maior parte dos seres vivos dependem da audição (ou algo equivalente), para que a comunicação sonora exista, então, caberia concebermos uma ‘ontogenia dos sentidos’, isto é, qual a natureza dos sentidos, como surgiram e se desenvolveram primeiramente nos seres vivos... Mas, antes ainda, os elementos “químicos” primordiais dos Cosmos que permitiram o surgimento da vida orgânica, estes já estavam dotados de tais características...?. Enfim, a audição é o ‘sentido’ humano sine qua non para que a Música, possa existir em nossas vidas, entretanto, sem audição também poderíamos senti-la através da “vibração” ou do ‘tato’ que é mais um, entre os cinco principais sentidos, porém, a Música através da audição é “única”, uma vez que este processo é quem nos permite a intelecção do ato de ouvir. compreender os ‘sentidos’ paranos entendermos osPortanto, demais aspectos... Como sabemos,é fundamental os cinco sentidos permitem as faculdades para a sobrevivência física. Para que a existência do Som seja reconhecida pelo nosso cérebro, através do nosso aparelho auditivo, é necessário haver três fontes; “uma fonte sonora, um meio elástico (em particular o “ar”) que propaga o efeito e um aparelho receptor” – isto é, o aparelho auditivo – (José Vasconcelos). Os estudos do mecanismo da audição, no Ocidente, é algo “recente”, se desenvolveu nos últimos séculos, mais especificamente à partir de H. V. Helmholtz (1821-1894). Os sons percebidos pelos ouvidos humanos atende a uma gama que varia entre 16 e 20.000 hz (freqüências sonoras). Abaixo de 16 hz, 68 | Wesley Caesar
há freqüências subsônicas inaudíveis. As freqüências muito altas podem flutuar em milhões de ciclos por segundo e podem ser percebidas sob a forma de calor na pele, por exemplo. Juan G. Roederer professor de física na Universidade de AlaskaFairbanks, comenta: “Ouvimos um som quando o tímpano entra num tipo característico de movimento chamado vibração. Essa vibração é causada por pequenas oscilações de pressão do ar do canal auditivo associadas a uma onda sonora de entrada”. O Dr. João Straliotto (médico, pesquisador em física acústica, pósgraduado em Filosofia) esclarece: “O fenômeno consciente da sensação sonora se inicia na cóclea que é o aparelho transformador da onda sonora em estímulos elétricos os quais são elevados até o córtex cerebral na base do encéfalo” . A Fonte Sonora pode ser desde a voz humana até qualquer instrumento produtor de som , até mesmo os choques térmicos atmosféricos (como os trovões) produzem sons. Os meios propagadores podem ser vários, porém, os mais naturais serão primeiramente o ar, a água, os gases e todos os sólidos ou materiais líquidos em geral que forem transmissores ou condutores sonoros devem ser considerados. A fonte receptora será sempre a nossa audição. Embora o tema possa pertencer à antiguidade, no entanto, somente nas últimas décadas é que tem surgido mais atenção a certos aspectos que podem relacionar o Som a outros sentidos humanos. É o caso da relação entre Som e Olfato. Apesar dos dados ainda não terem sido comprovados, os estudos científicos mais recentes sugerem que “a informação recebidapelo nariz pode ser alterada pelo Som” (Scientific American Br. – maio 2010 by Lynne Peeples). menos os ouvidos ocidentais e em certa medida para outras Ao culturas nãopara ocidentais, o Som em seu estado “puro” não pode ser compreendido na ordem do intelectível ou do inteligível como algo dotado de significado, tal como as vogais ou consoantes que isoladas poucos significados poderão possuir, porém contextualizadas já em sílabas e depois já formando palavras que se inserem numa ordem discursiva, passam a ter os significados das coisas. Pois, exatamente quando o som sofre uma apropriação intencional com o fim de ser organizado em disposições seqüenciais, então, as ondas ou freqüências em seqüência, isto é, em plano intervalar, tomadas e organizadas (já em forma de discurso) para serem compreendidas pela ordem do inteligível é que torna-se aquilo que no Ocidente é entendido como Música – Música (Cultura e Sociedade) | 69
Da mesma maneira o Tempo (um estado abstrato) é tomado como posse para a realização dos eventos, e nele o Som se “realiza” segundo a interpretação dos nossos sentidos... Como observa Robert Jourdain em sua obra “Música, Cérebro e Êxtase” enquanto a Física, entende o Som como vibração, a Psicologia o entende “como uma espécie de experiência que o cérebro extrai do seu meio ambiente”. De certo modo arbitrário poderíamos tomar o Som na perspectiva das categorias sonoras; as naturais e as causais. Um trovão se classificaria como natural ainda que causado por princípios físicos explicáveis. Uma fonte sonora de categoria causal (proposital) pode ser desde o “canto” de um pássaro que se comunica para o acasalamento, por exemplo, até uma fonte sonora produzida, criada ou inventada pelo homem, mesmo a voz, até os sons de um instrumento musical, ou dos motores ou das maquinas, etc. A despeito desta questão, Murray Schaefer em “A Afinação do Mundo” nos lembra que com a Revolução Industrial apareceram na vida moderna, inúmeros sons que nunca existiram em toda a vida humana, mudando definitivamente nossa relação com o mundo dos sons e, por conseguinte, com a Música... Sendo o Som essencialmente Vibração produzida ou emitida por qualquer fonte material constituída por elementos que em sua srcem primordial deverá ser “ química ”(?)ou algo no gênero, talvez um dia poderemos dizer que a existência da matéria em geral pode ser interpretada como processos vibratórios que se “or ganizam” num fluxo constante e per manente dando forma aos diversos elementos que podem ser identificados através dos
nossos sentidos (ou não) voltaremos Já mencionamos a respeito ao do tema fato adiante. que é mais conveniente adotarmos como conceito básico ao nosso plano de trabalho ponto e de partida, Som (comoonda e/oufreqüência vibratória), as diferenciações conceituais, entre; Fazer Sonoro(os sons produzidos pelas mais diversas culturas humanas através dos tempos em suas ‘acepções’ próprias) e Música (o fazer sonoro do Ocidente que se desenvolveu comcaracterísticas próprias). Assim sendo, Música é Som, e, ao mesmo tempo, Fazer Sonoro, porém, nem todo Fazer Sonoro, poderá ser interpretado por nós Ocidentais como Música, tal como em nossa acepção. Então, nesta perspectiva proposta, o Som corresponde à essência de todo e qualquer Fazer Sonoro e, por conseguinte, à própria Música... 70 | Wesley Caesar
Entendemos o Som como portador de quatro propriedades, ou seja, quatro atributos os quais determinam características identificáveis ao nosso senso; Duração (se refere ao tempo que se prolonga o evento sonoro e que se relaciona com o Ritmo, isto é, com os valores de tempo das notas musicais, ou seja, tais valores variáveis formam o discurso que dá base a toda uma estrutura musical), a Altura (que é determinado pelo número da freqüência vibratória produzida pelo evento sonoro e que se relaciona com os Intervalos, isto é, a Escala musical, e, por conseguinte a Harmonia), Timbre (que se refere à cor do som, ao mesmo tempo, de aspecto físico, um atributo de qualidade sonora determinado por harmônios na perspectiva do fenômeno da série harmônica , ao que se atribui a gama timbrística dos instrumentos musicais em geral...) e a Intensidade (que é a força empregada na ocorrência sonora, que se relaciona com a interpretação da emissão do Som, forte ou fraca, que forma a sua dinâmica etc...) No website: www.estudosgeraisdamusica.com correlaciono alguns Quadros Sinópticos dos aspectos gerais que são estudados nesta obra. Entre eles tento relacionar aspectos que partem da Vibração como fonte provedora... Entendemos a Vibração dentro de um processo o qual envolve Freqüências , que podem existir em estágios, ou estados, ou simplesmente planos diferentes, ou seja, em forma de matéria escura do universo, Luz, Cor e Som... Teríamos muito à dissertar sobre o Som, mas agora falemos um pouco sobre o Tempo (na música). A ideia do Tempo talvez se confunda com a própria “história” humana, no entanto, podemos , será que o que nos fez “huma-e nos” foi exatamente o fato de perguntar termos desenvolvido a “consciência” ela já ser em si na sua fonte nascedoura a portadora da ideia do Tempo? Pensamos no Tempo de várias maneiras; o tempo cósmico, o tempo astronômico, o tempo das estações, o tempo da criação, o tempo que não existia antes do tempo, os tempos cíclicos, evolutivos, etc. Temos também o conceito de tempo biológico , do nosso corpo, medido pelo “relógio circadiano”, os ciclos diários de nossa biologia, em nossa vida fisiológica e psicológica. Os cientistas atribuem a uma região do nosso cérebro (núcleos supraquiasmáticos) como os responsáveis pelo processo que leva o nosso corpo a ter um ponto máximo e a um ponto mínimo durante o ciclo de 24 horas. Música (Cultura e Sociedade) | 71
Óbvio que o que nos interessa aqui é o Tempo na Música, mas este decorre dos demais conceitos ou se encontra entre eles. A ideia de Tempo o qual pode ser encontrado nas mitologias parece ser o mais debatido. Thomas Bulfinch (1796-1867) na obra The Age of Fable , comenta: “Saturno, que devora os próprios filhos, é a mesma divindade que os gregos chamavam de Cronos (tempo) que pode-se dizer, na verdade destrói tudo que ele próprio cria...” Na antiga Grécia o conceito de Chronos ou Kronos era o conceito de Tempo... O grande problema em entender o Tempo é que a própria pretensão em querer compreendê-lo esconde o fato que se não existíssemos, não teríamos ou não sentiríamos a problemática do Tempo. A questão do Tempo só surge em função da nossa existência, não sabemos se ele existiria como algo autônomo, isto é, independente da nossa existência, daí as indagações em vários filósofos desde os mais antigos na própria Grécia até os atuais. Piotr D. Ouspensky (1878-1947) foi filósofo e psicólogo, estudou varias ciências, e em particular foi “discípulo” de George I. Gurdjieff (místico esotérico conhecedor da antiga Cosmogonia e adepto da filosofia sufi, se auto-denominava “instrutor de dança” etinha na música e na dança, a suas principais ferramentas de trabalho).Ouspensky em sua obra “Um novo modelo do Universo”, comenta sobre o Tempo: “O mistério da existência antes do nascimento e depois da morte, se essa existência existe, é o mistériodo tempo. E o ‘tempo’ guarda seus segredos melhor do que pensam muitas pessoas. Para abordar esses mistérios é preciso, em primeiro lugar, compreender o próprio tempo”. O filósofo do século 19, Jean Marie Guyau, na sua obra sobre a
Gênese da ideia de Tempo a ideia tempo, tal comodifícil ela existe hoje no espírito do adulto, seja escreveu: o resultado “Que de uma longadeevolução é algo de negar. Na srcem, o sentido exato do passado está bem longe de existir no animal e na criança como ele existe no homem... Nossas línguas indo-européias têm a distinção entre o passado, o presente e o futuro claramente fixada nos verbos. A ideia de tempo acha-se assim imposta à nós pela própria língua. Não podemos falar sem evocar e classificar no tempo uma multiplicidade de imagens...”. Lembra-nos o poeta e filósofo Jean Marie que o animal e a criança que ainda não sabe falar, devem apresentar dificuldades para representar o Tempo. Continua: “Todas as línguas primitivas exprimem através dos verbos a ideia de ação, mas não distinguem bem os diversos tempos. O verbo, em sua forma primitiva, pode servir igualmente para designar o passado, o presente ou o 72 | Wesley Caesar
futuro. A filologia indica, portanto, uma evolução da ideia de tempo... Do ponto de vista psicológico, o caráter distintivo da memória humana é o sentimento exato da duração, é a ordem das lembranças, é a precisão conferida...”. Sto. Agostinho (século 4) nos coloca certa agonia, em sua dúvida:”Sei o que é o Tempo, mas se me perguntarem sobre ele já não sei dizê-lo” . Immanuel Kant filósofo do século 18, muito conhecido pela sua obra “Critica da Razão Pura” também abordou a ideia do tempo em seu estudo Estética Transcendental: “O tempo não é um conceito empírico abstraído de qualquer experiência... O tempo é uma representação necessária subjacente a todas as intuições... O tempo não é um conceito discursivo, ou um conceito universal, mas uma forma pura da intuição sensível... O tempo nada mais é senão a forma do sentido interno, isto é, do intuir a nós mesmos e a nosso estado interno...” . O famoso físico, doutor em CosmologiaStephen W.Hawking, em sua obra “Uma Breve Históra do Tempo”, nos lembra que houve certo consenso popular em torno da ideia de queespaço e tempo são coisas separadas, entretanto, diz ele: “... tivemos que mudar nossas ideias sobre espaço e tempo”. Marcelo Gleiser professor de física e astronomia no Dartmouth College comenta: “A ciência expandiu a noção de tempo muito além de nossa percepção sensorial; existem inúmeros fluxos de tempo, escondidos sob o véu de nossa existência clássica, onde o tempo é único”.. . Nos anos 70 o físico Fritjof Capra lançou uma das mais famosas obras que estabelecia um paralelo entre a Física moderna e o misticismo oriental, intitulada “O Tao da Física” escreveu ele sobre espaço e tempo: “A filosofia oriental, ao contrario da grega (antiga), sempre sustentou que espaço e tempo são construções da mente. Os místicos orientais trataram-nas da mesma forma comlimitado que lidaram com todos demaisdeconceitos ou seja, como algoa descrirelativo, e ilusório... Os osconceitos espaço eintelectuais, tempo são tão básicos para ção de fenômenos naturais que sua modificação impõe uma alteração de toda a estrutura que utilizamos na Física para descrever a natureza”. René Guénon (1886-1951) filósofo e metafísico, um dos principais porta-vozes da escola perenialista, em sua obra “A Grande Tríade”, coloca uma questão fundamental sobre as questões do Tempo, a meu ver, como algo inerente à “escolha’ de conduta do homem, ou seja, dos humanos. Escreve Guénon: “A vontade do homem, desdobrando sua atividade, modifica as coisas existentes (portanto, presentes), cria novas, que se tornam, de imediato, propriedade do Destino, e prepara para o futuro mutações no que estava feito e conseqüências necessárias no que acaba de ser feito...”. Música (Cultura e Sociedade) | 73
Neste sentido todo o fazer é plantando intencionalmente onde o presente designa o futuro que já foi organizado previamente no passado. Este Tríplice Tempo um suposto “fluxo” (na verdade, inventado pelo próprio homem) é entendido como espontâneo ditado pela natureza, ou algum Demiurgo (Platão), ou, um “Deus” construtor do Tempo, dos homens, e de todas as coisas. Se porventura no pensamento do Ocidente ocorresse uma mudança no conceito de Tempo (e de Espaço) certamente toda a estrutura da “realidade” se alteraria profundamente desde os costumes mais comezinhos até a vida humana e social (política, cultural, etc) e principalmente o fazer musical, todos teriam aspectos talvez inusitados aos nossos sensos atuais. Admitindo por hipótese que não tivéssemos a conceituação de presente, passado e futuro e que não entendêssemos no “tempo” o “senhor” do curso das coisas, cujo entendimento nos estimula aexpectativas e, por conseguinte, nos leva ao fazer, a pratica dos costumes, à práxis, podemos perguntar; como seria a realidade? Como seria o fazer musical? O que seria a Música do Ocidente sem o conceito clássico doTempo? Outra perspectiva que toca diretamente no Tempo é o da ilusão induzida. Na vasta literatura sobre os conhecimentos adquiridos com certos alucinógenos (plantas naturais ou drogas sintetizadas em laboratório, como o acido lisérgico que foi muito comum nos anos 60 e 70), a experiência com o Tempo torna-se outra, é como transformar a realidade pratica – que se encontra encouraçada nos costumes, nas ideologias, nas formas direcionadas de sobrevivência – numa realidade abstrata, do intangível, da transcendência “única”, uma “viajem” cuja experiência, para aquele vivência partirMatrix da mente ), é citar real, porém, simultavirtualque neamente , talacomo no (afilme , para algo mais atual (voltaremos ao tema sobre a percepção mental). Aliás, uma pessoa qualquer que habite a cidade e viaje para fora dela, que fique um fim de semana no campo, por exemplo, sentirá uma enorme diferença do tempo, lá encontrará o tempo que custa a passar, em contraposição ao seu cotidiano na cidade onde as horas “voam”... É fato, contudo, que quando nos referimos a alguma realidade pratica qualquer uma existiria independente da avaliação que se faça sobre ela, porém, o que nos interessa aqui é a qualidade desta realidade e também notarmos tal como observou J. Marie Guyau ao se referir aos idiomas nativos de povos primitivos como aqueles que não teriam as 74 | Wesley Caesar
formas verbais condicionadas à ideia de localização no tempo, ou seja, não haveria a introjeção do conceito no idioma. Esse “jogo” das condições naturais de sobrevivência e das interpretações dela, associado à ideia de Tempo, explicitados nas condições da própria Cultura, em seus pressupostos conceituais que incluem ou excluem do campo semântico de uma língua (ou de um idioma), certas expressões ou vocábulos naturalmente portadores de seus respectivos significados, estão naturalmente aferindo o idioma em sua formação própria que inclui todo o campo subjetivo e também o campo objetivo... Isso nos leva a arriscar um palpite bastante aceitável dizendo que, provavelmente a vida moderna (a expressão refere-se aqui ao significado instituído nos últimos 5 ou 6 séculos) em seus sentidos próprios dainvenção, da elaboração, da confecção, da engenhosidade técnica e mecânica, etc, talvez não tivesse existido. Na cultura ocidental a ideia do Tempo está relacionada à uma linha continua que “caminha” para algum “lugar”, talvez “infinito” não se sabe onde, talvez “desconhecido”, um tempo portador de uma agonia, a agonia da civilização, um conflito entre instinto natural e imposições civilizadoras que determinam um caminho, um futuro, e o homem tem que se submeter à ele, como observara S. Freud na obra O Futuro de uma Ilusão. A ideia ocidental moderna do Tempo expressa em si mesmo, o conceito da “meta”, do “objetivismo pragmático”... Vivemos em torno da ideia do tempo contínuo do progresso da contemporaneidade , do tempo da produção, do tempo industrial, tecnológico, científico, do tempo da criação do “novo” para o descarte do “velho”... O “novo” é quem se encarrega de repor o velho, que por vezes esconde “padrões” antigos disfarçados como novidades... Na cançãoa saber... popular de consumo isto foi e ainda tem sido rigorosamente verdade, Mas, sobre a ideia do tempo cíclico tal como na antiga Grécia e outras antigas culturas, lembra-nos Guy Debord (1931-1994) em sua obra aforística “A Sociedade do Espetáculo”: “A sociedade estática organiza o tempo segundo sua experiência imediata da natureza, no modelo do tempo cíclico... (este por sua vez) é dominante na experiência dos povos nômades, porque as mesmas condições se apresentam a eles a cada momento de sua passagem...”. Conceitos já introjetados nas relações de espacialidade e temporalidade podem determinar toda a tradição de uma cultura humana. Desde a mitologia mais antiga possível, uma vez portadora de narrativa enredada, em si “histórica”, contém em si a perspectiva do Tempo. Música (Cultura e Sociedade) | 75
Mircea Eliade (1907-1986) – pertenceu ao Circulo de Eranos, assim como Carl Jung (que criou a psicologia analítica) e Joseph Campbell (que era mestre em mitologia comparada) – foi um erudito, um dos maiores mitólogos do século 20, comenta sobre a Ioga e o Budismo se referindo a eles como “escolas” que possuem técnicas de “voltar atrás”. Soteriologias, técnicas místicas, filosofias, cujos fins terapêuticos, são “curar” o homem do tormento da existência do Tempo. Os indianos acreditam na lei do Karma que impõem as inumeráveis transmigrações, a temporalidade do eterno retorno à existência, então, o “sofrimento”. Para libertar-se do ciclo kármico o homem precisa libertar-se do Tempo, trata-se de partir de um momento presente e percorrer o tempo ao inverso para chegar ad srcinem , quando (supostamente) a primeira existência, irrompendo no mundo, desencadeou o Tempo, para atingir aquele instante paradoxal, quando o Tempo não existia... Em resumo: “Para curar-se da obra do Tempo, é preciso ‘voltar atrás’ e chegar ao principio do Mundo”. Para os “místicos” chineses e hindus, o objetivo não consistia em recomeçar uma nova existência aqui embaixo na terra, mas em “volver atrás” e reintegrar-se ao Grande-Um primordial (o retorno à srcem)... Temos aqui uma metáfora do Tempo Cosmogônico ou do tempo da criação. Na realidade esta “técnica” é usada como um “tratamento psíquico” que visa relaxar a pessoa se libertando da ideia do Tempo, quando esta chega ao clímax do processo... Comenta ainda Eliade que S. Freud elaborou uma técnica análoga, a fim de permitir a um indivíduo moderno recuperar o conteúdo de certas experiências “srcinais”. O importante aquicontém é observarmos que amusicais Música com do Oriente, em temperamenparticular, da Índia, que vários sistemas tos (divisões “intervalares”) bem distintos do Ocidente e que cujas perspectivas sonoras se diferenciam muito dos ocidentais, e o seu fazer musical não têm analogias objetivas em nível da organização musical em si, bem como, a música antiga da China, apesar de nos fornecer aspectos para a teoria do nosso sistema musical ocidental, em sua forma pratica, pouco tem a ver com a música do Ocidente (voltaremos ao tema). Ainda sobre a ideia do Grande-Um primordial da mística chinesa e hindu, este “conceito” vai de encontro com um supostoInício Primordial, o Universo que surge do nada, de um Tempo que se inicia de repente, porque antes nada existia. 76 | Wesley Caesar
As teorias científicas modernas também sugerem conceitos de um primórdio inicial, tal como a teoria do Big Bang proposta por Georges Lemaître (1894 -1966), padre católico, físico e astrônomo. Uma teoria cosmológica que sugere uma explosão inicial que teria dado inicio ao Universo, porém esta foi também em tese contraditada pela tal “Teoria das Cordas”, criada por Gabriele Veneziano, físico teórico. E assim as teorias científicas e as místicas religiosas tentam explicar o Tempo, mas nem sempre satisfatoriamente. Mas, como podemos entender o Tempo na Música?. O grande estudioso da música e cultura brasileiras; paulistano, poeta, musico, professor, um dos principais mentores do mais importante movimento de vanguarda brasileiro do século 20, Mario de Andrade (1893-1945), também especulou sobre o tempo na ordem da rítmica musical. Mario nos explica: “A música se realiza no tempo, e o tempo é o seu elemento primordial de manifestação. Tempo é a entidade abstrata pela qual nós compreendemos de maneira consciente a duração que é o principio de todo movimento e toda a vida. Tempo é uma abstração absolutamente geral e indefinida...”. Na Música , o Tempo surge a partir de uma fonte sonora (transmissora) da qual podemos ‘ouvir’ os sons (que aparecem como ‘interceptações’) através do ar, percorrem o espaço até chegar aos nossos aparelhos auditivos (receptores). O pulso é quem se encarregará de permitir que a partir dele um discurso de sons agora “organizados” poderão passar a existir, e isso nos leva a um outro capítulo. Bem, até aqui vimos primeiramente algumas ideias gerais a cerca do Som e depois algumas noções sobrecomo o Tempo , as quais foramsobre (e são)o fundamentais para compreendermos nossos conceitos Tempo, poderão modelar em padrões diferenciados os fazeres sonoros ou musicais. Então, agora precisamos entender o Tempo na Música como elaborador conceitual da rítmica musical, no entanto, este assunto nos remete diretamente à questão do Ritmo, que está dissertado no capítulo: “Os Elementos da Música na concepção Ocidental dos últimos séculos”.
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III– Origens da Música – A Biomusicologia Uma “nova” ciência que busca as srcens da Música – Um
breve comentário sobre um “inventário” dos humanos
Desde os autores mais antigos podemos encontrar referências sobre os mais remotos vestígios de presumíveis “instrumentos musicais”. Achados arqueológicos que sugerem ser ferramentas que indicam possíveis praticas de “fazeres sonoros humanos” das mais remotas e distantes culturas. O que parece demonstrar que em todas as culturas humanas, desde as mais primitivas, os ‘fazeres sonoros’ eram (e são) partes da essencialidade da vida em grupo.
Marius compêndio “The Music – Ancient and Schneider Oriental no Music” , comenta queNew de Oxford acordoHistory com aof antiga teoria Européia, a música começa no ponto onde aparecem de maneira distinguível os intervalos , em contraste à fala que é considerada uma sucessão de variações de pitch (“graus de alturas sonoras”). Entretanto, acentua também que é muito difícil determinar a srcem da Música, por ser um fenômeno que se encontra distante da nossa capacidade de observação, contudo, isto não indica que não tenhamos qualquer teoria sobre o assunto. Cita Darwin, dizendo que ele atribuiu, como já sabemos, o surgimento do “canto” ou da “música” entre os humanos, à imitação dos animais... Em 1995 foi encontrado nos Alpes da Escandinávia um fêmur de urso cravado com buracos circunferênciais que distam entre si cálculos relativamente precisos, supostamente “cálculos de intervalos musicais”, o que supõem-se ser uma “flauta primitiva”. A datação do objeto foi estimada entre 50 e 80 mil anos. Aqui nos chama atenção um ponto específico. Para se criar um instrumento qualquer musical, ou não musical, com medidas precisas, é necessário primeiramente que se tenha desenvolvido a noção decálculo, ou daquilo que entendemos comomatemática ou a aritmética (ver capítulo: Matemática e Organologia). Porém, os Etnomatemáticos sugerem que a Matemática deve ter surgido por volta de 20 mil anos na África. Então, não 78 | Wesley Caesar
encontramos nestas informações algo convergente, de toda forma é apenas uma questão de datação, que poderá quem sabe ser refutada. Não sabemos exatamente quando os “humanos” começaram a produzir sons propositalmente, embora muitos estudos e achados indiquem possibilidades da existência de instrumentos de percussão, bem como instrumentos com datações de tempos muito distantes... Roland de Candé em Historia Universal da Música, comenta: “A Música é uma antiga sabedoria coletiva, cuja longa história se confunde com a das sociedades humanas...”. Em princípio podemos sugerir que os instrumentos de percussão, em tese, seriam os mais primitivos, e não apresentariam qualquer “sistema de escalas” (ou afinação, ou temperamento) o que nos faz pensar que os humanos só começariam a produzir sons baseados em Intervalos (do tipo temperado em Escala) muito mais tarde. No entanto sabemos que independente da existência dos seres vivos, os sons como processos vibratórios cósmicos devem existir desde sempre, arbitrariamente podemos sugerir que teríamos primeiramente a ‘Música’ dos Sons. A expressão parece pleonástica, mas aqui se refere a uma sugestão à qual entende que as vibrações cósmicas fundamentais ou srcinais seriam aquelas as quais proveriam toda a matéria do universo, e estas teriam uma “música” própria ou uma “melodia” que seria a essência do universo. Teorias como aHarmonia das Esferas de Platão, caminham nessa linha interpretativa. Isto nos levaria ao tema “Astronomia e Música”, bem como, a “Química e Música”, uma vez que em “tese” a vibração na perspectiva da do metafísica em(ou suados essência seriaou provedora de toda a matéria química universo universos, multiversos), sendo assim do ponto de vista de uma ontologia cósmica, seria a provedora de toda a vida existente (ver capítulo: “A Musicoterapia...”). Bem, se considerássemos a opinião dos Etnomatemáticos conforme mencionamos sobre a Matemática ter surgido por volta de 20 mil anos na África, em relação à criação da Música entre os humanos, isso nos levaria a uma relação intrínseca aos sistemas musicais, isto é, com os possíveis cálculos intervalares . Mas, tal relação pode não ter qualquer pertinência se admitirmos que os sons produzidos natural e espontaneamente pelos “humanos” primitivos não foram concebidos através de cálculos intervalares e sim através de um processo orgânico de sobrevivência Música (Cultura e Sociedade) | 79
aonde a comunicação sonora através do “trato vocal” poderia preponderar (?) um pouco na linha darwinista já sugerida anteriormente – por isso já elucidamos noutro capítulo, haver fortes indícios sobre, ser a ‘voz’ o instrumento musical mais antigo da humanidade – contudo, ao longo da trajetória dos grupos humanos teria ocorrido a formação de “sistemas musicais” fundamentados em cálculos intervalares ... Certos estudiosos entendem a Música como “Linguagem”. Outros acentuam que as srcens e o desenvolvimento dela (a Música) estariam entrelaçados com a própria ‘Linguagem’ (a fala), esta teria sido antecedida pelo trato vocal animal que forneceu as srcens da própria Música . Em particular quem “advoga” este principio é a Biomusicologia, uma nova ciência surgida ainda na década 1990, que reúne vários estudos em diversas áreas (ver adiante neste capítulo). Podemos imaginar que acomunicaçãoentre os “primeiros” humanos, o gestual e a “percussão” corporal ou os “barulhos” corporais e principalmente o trato vocal (o qual já fornecia a possibilidade de uma comunicação ainda “onomatopaica”) devem ter contribuído enormemente para o surgimento da fala e aqui poderíamos então sugerir a ideia da“Música” da Fala, isto é, os sons que emitidos através dafala atendem a freqüências de vibrações variáveis, formam de maneira modificável intervalos musicais, ou seja,freqüências de vibrações que variam naaltura em cada som emitido, cujos processos não interpretamos como sistemas musicais, mas sim, comosistemas de linguagem. Nos conceitos Ocidentais só entende-se um sistema musical quando a fala torna-se canto, ou seja, já atendentendo à um sistema de escalas ou algo equivalente, quando os intervalos musicais são convencionalmente admitidos como tais.(estima-se que esta tenha surgido no Come ainterpretados “invenção” da escrita mínimo 3000 a.c. na Mesopotâmia) e a criação do texto, tornou-se possível a pratica da musicalização do texto, ou seja, o texto musicado. Este seria obviamente um evento muito mais recente dentro doprocesso de ocorrência dos eventos sonoros. Então, o texto musicado é aquilo que hoje, popularmente conhecemos comocanção. Este assunto está intimamente ligado L à ingüística e, mais especificamente àSemiótica – ou Semiologia – (ver capítulo). Mas, na área da Neurociência que se encontra dividida em setores assim como outras ciências modernas, Isabelle Peretz, neurolinguista da Universidade de Montreal, especialista em cognição musical , sugere que a Música tem valor para a nossa sobrevivência e está conosco desde o 80 | Wesley Caesar
desenvolvimento da língua, há 100 mil anos. Então, se Peretz estiver certa, então as teorias da Biomusicologia, estarão bem próximas, bem como, o próprio Darwin, conforme já citamos anteriormente. Mas, isto em certo sentido não seria coincidência, pois, todos se alinham com a escola evolucionista. Bem, tais abordagens poderão nos levar a tecer considerações gerais sobre complexas questões, como as possíveis genealogias culturais dos humanos ... Isto requereria um trabalho específico, porém, arrisquemos um palpite bastante promissor no sentido de que os mais diversos gêneros e tipos de instrumentos musicais ao longo das “histórias próprias” de grupos humanos foram sendo inventados e construídos por razões distintas, podemos crer que basicamente motivos mitológicos e/ou “religiosos” moveram os homens (ver “Matemática e Organologia”). As criações musicais concomitante às criações dos instrumentos (denominado no Ocidente como ‘Organologia’ ) formam a existência dos “fazeres sonoros humanos” que durante a longa tradição humana (podemos supor pelos indícios) tais fazeres sempre foram praticados em ‘grupo’ ainda que eventualmente existisse músico solista... Na verdade, a criação (ou invenção ) dos sons “musicais” está imbricada à criação dos instrumentos musicais . Cada um, poderá determinar as produções sonoras da humanidade, ou, os “projetos” dos fazeres sonoros humanos, ou seja, os processos musicais os quais dependeriam inevitavelmente dos tipos e gêneros dos instrumentos inventados ... Enunciamos no título deste capítulo, a Biomusicologia como uma nova ciência que busca as srcens da Música. Vamos então conhecer um pouco o comprometimento de umadesta junta proposta científica de comestudo mais, que de 20demonstra especialistas em áreas diversas, empenhados em nos esclarecer como a Música pode ter surgido. Nils Wallin (diretor do Institute for Biomusicologyat Mid Sweden University) Steven Brown e Bjorn Merker organizaram uma obra “The Origins of Music” que reuniu vários estudos em diversas áreas;Musicologia, Biologia, Antropologia, Arqueologia, Psicologia, Neurociência, Etologia e Lingüística... Em 1982 Nils Wallin já havia lançado “The Musical Brain” e na década seguinte, em 1991,“Biomusicology: Neurophysiological, Neuropsychological and Evolutionary Perspectives on the Origins and Purposes of Music”. Em 1994 um simpósio em Milão inspirado no livro “Biomusicologia”, promovido pelo Royal Swedish Academy of Sciences the Música (Cultura e Sociedade) | 81
Institute for futures Studies ..., sob o título “Man, Mind and Music” reuniu Neurocientistas, Matemáticos, Teóricos de Sistemas, Musicólogos, Etnomusicólogos, apenas um Compositor e um Mediador. O resultado disto foi a “Foundation for Biomusicology and Acoustic Ethology”, o órgão executivo do “Institute for Biomusicology”, em março de 1995. Estes três cientistas fundaram a Biomusicologia, uma “nova” ciência queo desde pretende as srcens da Música dividindo plano então, de estudo em trêscompreender principais ramos: a Musicologia Evolucionaria que estuda as srcens e a evolução da música em termos de uma aproximação comparativa da comunicação em animais, (os “cantos” dos animais, por exemplo) e em termos de uma psicologia evolucionária na linha da emergência da música no hominídeo. A Neuromusicologia que estuda as áreas da inteligência, os mecanismos cognitivos e neurais no processo do aprendizado musical, a ontogenia da capacidade, habilidade e comportamento musicais, desde o estágio fetal... A Neuromusicologia que agrega a Neurociência com a Musicologia estuda basicamente os efeitos dos aspectos musicais desencadeados no cérebro (voltaremos ao tema). A Musicologia Comparativa que estuda as funções e o uso da música e os sistemas e comportamentos musicais – Sobre uma definição primeira de Musicologia ver capítulo “Musicologia e Etnomusicologia”. A Biomusicologia de certa forma tenta dar seqüência a estudos já existentes, porém com um “novo olhar”. Os autores colocam que desde a segunda guerra, em especial mais recentemente, a Neurociência e a Biologia comportamental têm dado passos significantes em áreas de relevância para os fundamentos daMusicologia. Eles esperam adquirir melhor compreensão dos processos dacognição musical, bem como, de fatores biológicos, que junto às determinantes culturais, formataram um comportamento musical do gênero humano e o rico repertório global das estruturas musicais produzidas.Wallin, Merker e Brown acreditam que a evolução daLinguagem esteja altamente entrelaçada com a evolução da Música, e esta, proveu meios específicos e diretos explorando a evolução da estrutura social humana, função de grupo e o comportamento cultural, por isso entendem que,as srcens da Música fornecem elementos para a compreensão da evolução humana. Para eles, o “fabrico” da Música é a quintessência da atividade cultural humana e todas as culturas a produziram. A Música é um elemento onipresente em todas as culturas, grandes ou pequenas. 82 | Wesley Caesar
Comentam os organizadores da obra, que o estudo da evolução da Música pretende dar uma “luz” à importante evolução do trato vocal do hominídeo, à estrutura dos sinais da comunicação acústica, estrutura de grupo humano, o nível de divisão do trabalho de grupo, a capacidade para desenhar e usar as ferramentas, gestualizações simbólicas, localização e laterização (no cérebro) da funçãoda inteligência, melodia e ritmo na fala, a estrutura da frase na linguagem, o “começo” da comunicação, a manipulação do comportamento e da emoção através dosom, o laço interpessoal e os mecanismos de sincronização,auto-expressão a e a catarse, a expressão estética e criativa, a afinidade humana para o espiritual e o místico e a adesão universal humana para a“música”. Argumentam também que certas questões em torno das srcens evolucionárias da música, foram preocupações de vários autores Carl ( Stumpf, Robert Lach, E. Von Hornbostel, Otto Abraham, Curt Sachs e Marius Scheneider, este último já citado no início deste texto) dentro da Musicologia Evolucionaria na primeira metade do século 20, cujos temas foram abandonados por razões “políticas” que desviaram o foco de estudo. Com isso a Musicologia não assumiu oficialmente o papel de explorar as srcens da música, tal como a Sociedade de Lingüística de Paris em 1866 que promovia amplas discussões sobre as srcens da linguagem – lembrando que na visão dos nossos autores, o desenvolvimento da linguagem dependeu antes do trato vocal, e, portanto, da Música. Então, nossos autores (Wallin, Merker e Brown ) colocam que com esta “omissão” da Musicologia naquele período, ela se afastou do papel de contribuir para o estudo das srcens humanas , bem como, do compromisso de desenvolver uma Musicologia e a Etnomusicologia” ). teoria geral da música (ver capítulo: “A Acentuam ainda que, uma visão rápida na maior parte do curso da vida das tradições culturais, é suficiente para demonstrar que Música e Dança são componentes essenciais da maior parte dos comportamentos sociais. Desde a caça e os rebanhos até os contos de história e jogos, do banho e comida até as orações e meditação, do cortejo ao casamento até a cura e o sepultamento... Explicam os autores que a Música não só tem relação ambivalente com a “canção” animal, mas também uma relação ambivalente igualmente com a linguagem humana. Então, perguntar o que é Música (?), não só é uma questão filogenética em termos da Música (Cultura e Sociedade) | 83
canção animal, mas também tem significância na psicologia evolucionária entre os dois maiores sistemas de comunicação vocal que emergiram na linhagem humana. Neste sentido só há três teorias interativas possíveis para a evolução da Música e da Fala. (1) Ou a música se desenvolveu a partir da fala, ou ao contrário, (2) a fala se desenvolveu a partir da música (do “canto”), (3) ou ambos se desenvolveram de um comum ancestral. Em relação a esta questão, citam Eric Von Hornbostel (1877-1935) etnomusicólogo austríaco, já aludido anteriormente, esclarecendo que este já havia escrito em 1905, que; “a correlação entre linguagem, música e dança ocupou a atenção de vários e antigos teóricos, como Spencer (1857) e Darwin (1871)”. Este último, já citado, considerava que tais relações “expressavam a hereditariedade remanescente melodiosa dos períodos de cortejos dos nossos ancestrais animais, dos quais, derivou a linguagem em estágios posteriores...”. Realmente o estudo organizado por Wallin, Merker e Brown é intrigante e de absoluto interesse a qualquer estudioso da Música. Os autores tocam em diversos pontos interessantes, um deles é sobre a isometria rítmica que é a capacidade da métrica constante, observada já nos sistemas de “canção” animal e na fala humana. A habilidade, “desenvolvida” pelos humanos, em manter o “tempo” e se distinguir da maioria dos animais, ao mover-se na métrica alternando estilos, etc. Além disso, o que chama mais atenção é a capacidade de introduzir movimentos para um externo cronômetro tal como o beat (a batida) de um instrumento de percussão, por exemplo, criando e ampliandoAosentusiasmada “discursos” métricos, obra, alémenfim... dos organizadores, envolve vários autores como Peter Marler da University of Califórnia (Center for Animal Behavior) acrescenta mais ideias para as relações das srcens da música e da fala. Ele comenta que os últimos estudos em relação à observação da comunicação vocal entre animais, especialmenteentre pássaros, e também entre primatas, demonstram algumas questões relevantes entre as relações, (do mundo) animal, que sinalizam “linguagem” e “música”. Um dos mais prováveis significados destes sinais é de caráter afetivo enraizado no estato emocional do “sinalizador” (do animal). Uma outra questão é saber se algo equivalente a uma “sentença” na comunicação animal, ocorre naturalmente. Isso parece ser negativo. 84 | Wesley Caesar
Pois, a distinção está entre, a sintaxe lexical ou um “código léxico” (lexicoding) o qual proveria o critério para definir uma sentença verdadeira, e o “código fonológico ou fonético” (phonocoding). Este concerne a habilidade para criar novos padrões de sons por simples recombinação na diversidade geral dos sinais. O potencial para o “lexicoding” só pode surgir quando os sinais recombinados são elementos dotados de significados (ou significações). O “lexicoding” parece ser distintivamente humano, mas o “phonocoding” é difundido em certos grupos, especialmente em “canções” de pássaros e baleias, cujas vocalizações são aprendidas. Isso é menos comum nos primatas não humanos, cujas vocalizações são inatas. Muitos outros autores participam deste estudo da Biomusicologia com focos em temas diversos; as srcens e usos do “repertório” das “canções” dos pássaros; as vocalizações nos primatas como reflexões da emoção e do pensamento; a organização social da espécie primata como um fator chave na evolução da comunicação vocal e sua relevância na emergência da música e da linguagem , etc, etc... Queremos novamente lembrar que a palavra Música carrega a sua própria acepção de fazimento e elaboração sonora, e não necessariamente se refere a todos os processos comunicativos através de sons que surgiram antes ainda dos hominídeos na organização animal, conforme já interpretamos anteriormente. Talvez possamos dizer que de maneira aleatória e isolada entre os humanos possa “mais tarde ter surgido novas organizações de estruturas sonoras que se desenvolveram com novos significados na construção da organologia e semântica musicais da humanidade”. Parae compreender compreendermos o que é música funções srcinaishoje, “paconhecer as suas , usoséenecessário os seus reaisantes péis” através da sua pratica nas culturas humanas. Isto nos levaria à uma ideia de uma Ontogênese da Música cuja ideia já tocamos anteriormente.
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IV – Matemática e Organologia A Etnomatemática - Uma breve história da Matemática – As “invenções” da Álgebra, da Geometria (Plana e Analítica) e os conceitos da “Geometria Sagrada” - As “invenções” dos instrumentos musicais e a sexualidade
Este capítulo é apenas uma introdução nos temas da relação muito antiga entre Matemática e Música, e entre o cálculo e a criação dos instrumentos musicais, e mais, a relação destes processos com a sexualidade*. A Matemática e a Música estão imbricadas em relação à Rítmica que forma a sua estrutura ou o seu esqueleto, pois, parte-se de um pulso para estabelecer-se uma contagem da duração dos sons. Estão também relacionadas quanto à Escala (ou Intervalo) – Melodia e Harmonia – que é a fonte da música em si, corresponde ao lugar de onde provém toda a música... Aqui, a Altura do som, permite estabelecer um contínuo das freqüências sonoras que são em si a própria música (ver capítulo: Os Elementos da Música no Ocidente) e, conforme já colocamos, em relação também à construção dos instrumentos musicais . Já mencionamos que existem sugestões de que a “Matemática” pode ter surgido há mais de 20 mil anos na África, porém, comentamos também sobre os achados arqueológicos de ferramentas (supostosins-
trumentos musicais que demonstram ” com te” em vista da )datação do objeto,“cálculos sugerida entreprecisão 50 e 80“surpreendenmil anos. ——————— (*) A Matemática como ciência do cálculo e a Música como “ciência” dos sons, estão inevitavelmente imbricadas e, por conseguinte, envolvidas (desde tempos inimagináveis) em processos de abstrações produzidas pela mente humana (de caráter puramente interpretativo) – De modo geral, experiências, vivências e certos processos de inferências, puderam formar mais tarde, estatutos supremos do “saber”. Verdadeiras instituições dos discernimentos das coisas, passaram a atender a cer tos conjuntos descritivos como asserções tomadas para a criação daquilo que tornou-se a lógica, processo levado à um estágio de alta contemplatividade dosfazeres humanos, particularmente os mais recentes, pois, as sociedades tecnológicas e industrializadas modernas estão fundadas no excesso do fazer... 86 | Wesley Caesar
A despeito da noção de cálculo explica Carl B. Boyer (História da Matemática): “... calcular no passado significou fazer conta por meio de seixos. A palavra ‘cálculo’ é o diminutivo de calx que em latim significa ‘pedra’... Em medicina o significado literal ainda se preserva (cálculo ou pedra nos rins). É uma das ironias da história que o termo ‘cálculo’ tenha vindo a se ligar firmemente a um ramo da matemática... No sentido mais formal o cálculo foi moldado no século 17, mas as questões das quais sur giu já tinham sido colocadas dezessete séculos antes da nossa era. Papiros egípcios e tabulas cuneiformes babilônicas incluem problemas de mensuração retilínea e curvilínea que pertence ao domínio do cálculo...” Voltaremos adiante aos egípcios e babilônios, vejamos um pouco a pesquisa da Etnomatemática com povos africanos. Marc Chemillier (da Universidade de Caen na baixa Normandia – França) em artigo (Scientific American – Ed. Especial n.11) extraído da revista L’Homme Musique et Antropologie , trata sobre o “fazer sonoro” de culturas primitivas. Neste caso específico, Chemillier desenvolveu um estudo sobre a “música” dos povos Nzakara e Zande da África Central, comenta: “Na tradição musical erudita ocidental – assim como na China antiga – a música foi sempre associada à matemática. Nas sociedades desprovidas de escrita – de tradição oral– essa associação parece ainda mais surpreendente”. Ressalta o professor Chemillier que encontrou na “Música” destas tribos estruturas musicais complexas com cânones e fórmulas comparáveis a construções matemáticas intrincadas. Acredita ele que isto abriu um campo novo de estudos e pesquisas para os Etnomatemáticos. A Etnomatemática surgiu nas últimas décadas com a proposta de estudar as acepções possíveis da Matemática , existentes dentro da diversidade culturas humanas. diferenças culturais nas diferentes formas dedas conhecimento. É umAsprograma interdisciplinar que envolve assuntos como; cognição, epistemologia, história, sociologia, etc. Obviamente, tal ciência terá laços diretos com outras áreas, as quais ainda não foram devidamente “sentidas” ou tocadas, uma delas é a própria Música. Oscar João Abdounur (graduado pelo ITA e professor-doutor no Inst. de Matemática e Estatística da USP) em sua conhecida obra “Matemática e Música”, comenta: “A Matemática e a Música possuem laços profundos já conhecidos desde a Antiguidade. As primeiras manifestações de algum tipo de relação entre áreas aparentemente tão diferentes perdem-se, como dizem os historiadores, nas noites dos tempos...” Música (Cultura e Sociedade) | 87
Mas, a Etnomatematica estuda também relações Geométricas , no caso, existentes nas aldeias de certas comunidades africanas. Explica Ron Eglash (do Instituto Politécnico Rensselaer – NY.) que o urbanismo e a arquitetura de algumas aldeias baseiam-se numa geometria fractal, onde pode se ver curvas invariantes, qualquer que seja a escala de observação o detalhe aumentado é idêntico ao conjunto do qual se srcina, retângulos de proporções idênticas. Um motivo fractal, construído pela repetição de uma operação geométrica elementar, que resulta numa grade com muitos retângulos... A Geometria que envolve as questões docálculo das formas tem absoluta importância na “construção” daMúsica, principalmente em relação à construção dos instrumentos musicais. Voltaremos neste ponto adiante. Paulus Gerdes (professor do Centro de Etnomatematica em Maputo, Moçambique -Scientific American) relata que desenhos de contadores de história de um povo (Tshokwe) da África, criam enigmas de analise combinatória. O Akwa Kuta Sona é o especialista em contar histórias ilustradas com o auxilio de desenhos traçados na areia com o dedo. Os desenhos são conhecidos como Sona e pertencem a uma longa tradição, ilustram provérbios, jogos, fábulas, animais e enigmas, obviamente servem para transmitir o “saber” da cultura para as novas gerações. Qualquer musico, professor ou estudioso da Música sabem que tanto a Rítmica musical, como a Melodia e a Harmonia (enquanto padrões de encadeamentos) são todos fundamentalmente expressões de padrões de analise combinatória... Marc Chemillier (já citado), D. Jacquet e M. Zabalia (professores da Univ. da Baixa Normandia – Caen) comentam à respeito da arte dos adivinhos de Madagascar. O sikids é um método de adivinhação utilizado em toda a ilha de Madagascar. Para prever o destino, os “adivinhos”malgaxes manipulam quadros de grãos que obedecem a regrasmatemáticasrefinadas. Seus princípios foram herdados dageometria árabe, que se propagou no rastro do Islã. André Cauty (pesquisador do Centro de estudos de línguas indígenas da América) comenta sobre a aritmética dos Maias, povo da mesoamérica que era mestre na arte de manipular calendários e usava algoritmos para calcular datas. Explica Cauty que embora com a invasão espanhola a cultura Maia tenha sido destruída, porém, nas últimas décadas, uma reconstrução minuciosa elucidou algumas numéricas 88 | Wesley Caesar
encontradas, e mesmo as mais degradadas se juntam pouco a pouco em signos e palavras. Acentua ainda Cauty junto ao professor Jean-Michel Hoppan (do mesmo centro de pesquisa), que os Maias foram os únicos a ter distinguido o zero cardinal (indicador de quantidades) do zero ordinal (marcador de posição) utilizado para as datas. Loic Mangin (redator-chefe-adjunto de Pour La Science – Scientific American) relata que os Incas (povo dademesoamerica) seus números em confecções minuciosas cordas e nós.registravam Pesquisadores tentam desvendar se essa era também a forma de escrever a língua quíchua (idioma Inca). Jean-Claude Martzloff (é diretor do centro de pesquisa sobre a Civilização Chinesa do CNRS na França – Scientific American) comenta que os chineses pensavam que amatemática não podia, por essência, representar corretamente um mundo que evoluía de modo imperceptível. Para se adaptar, eles reformavam periodicamente suas teorias do movimento dos astros. Martzloff acentua que, “as explicações matemáticas do Universo que as grandes civilizações da antiguidade e da Idade Média propuseram, diferiam sensivelmente... Por exemplo, durante a dinastia Han (206-220) os chineses pensavam que a terra era plana e conduziram cálculos baseados no teorema de Pitágoras... Depois dessa dinastia, os astrônomos chineses abordaram pouco as questões cosmológicas e, quando o faziam, era sempre sem matemática, à maneira daqueles que pensavam que o céu era redondo e a Terra quadrada...Julgando a estrutura do Universo inacessível ao entendimento humano, os chineses elaboraram uma matemática para a astronomia fora da cosmologia, o que difere consideravelmente da visão européia...” Ubiratan D’Ambrosio – que é professor dos programas de pósgraduação em História da Ciência e da Educação Matemática da PUC de São Paulo, muito conhecido no mundo da matemática – em artigo para a revista Scientific American trata do tema o qual nos chama atenção pelo encontro com nossas colocações em outros capítulos. Escreve D’Ambrosio que: “Incas, Egípcios, Maias, Celtas, Inuítes, Papuas, Pigmeus, Indianos, Chineses, Japoneses. Todos esses povos inventaram sua própria maneira de contar e medir”. O professor Ubiratan, nos lembra que:“No final do século 15 e durante todo o século 16, as nações européias – sobretudo Espanha e Portugal, seguidos de Holanda, Inglaterra e França – estabeleceram colônias em quase todo o planeta. Com o impulso do regime colonial, os meios locais de produção e comércio foram alinhados ao modelo europeu. Simultaneamente, as especificidades intelectuais dos povos conquistados foram, na maior parte dos casos, ignoradas e, às vezes, proibidas”. Música (Cultura e Sociedade) | 89
D’ Ambrosio cita textualmente as palavras do algebrista Yasuo Akisuki (1902-1984) – que foi professor da Universidade de Kyoto e da Universidade de Ciência e Literatura de Tókio – as quais subscrevemos a seguir: “As Filosofias e as religiões orientais são de natureza diferente das ocidentais. Posso então imaginar que existam diferentes modos de pensar, mesmo no campo da Matemática. Não deveríamos nos limitar à aplicação direta dos métodos atualmente considerados na Europa e na América como os melhores, mas estudar de perto o ensino da matemática na Ásia. Tal estudo poderia se mostrar interessante e frutífero para o Ocidente e para o Oriente”. Poderíamos ainda estender a visão do professor Akisuki presumindo que outras culturas primitivas que não necessariamente puderam ter laços diretos e imediatos com quaisquer dos dois pólos, existiram e “pensaram” de formas distintas das citadas... Na obra enciclopédica “Biblioteca da Matemática Moderna” os professores-autores A. Marmo de Oliveira e Agostinho Silva nos fornecem alguns dados sobre a História da Matemática: “ Por volta dos séculos 9 e 8 a.c. a matemática engatinhava na Babilônia. Os Babilônios e os Egípcios já tinham uma álgebra e uma geometria, mas sómente o que bastasse para as suas necessidades praticas, e não de uma ciência organizada... Apesar de todo o material algébrico que tinham os babilônios e egípcios só podemos encarar a matemática como ciência no sentido moderno da palavra, a partir dos séculos 6 e 5 a.c. na Grécia... A matemática grega se distingue da babilônica e egípcia... Os gregos fizeram-na uma ciência propriamente dita sem a preocupação de suas aplicações praticas... Do ponto de vista da estrutura, a matemática grega se distingue da anterior, por ter levado em conta problemas relacionados com processos infinitos, movimento e continuidade...As diversas tentativas dos gregos em resolverem taisconsiste problemas queverdade aparecesse o método axiomático-dedutivo... O método emfizeram admitircom como certas proposições (mais ou menos evidentes) e a partir delas, por meio de um encadeamento lógico, chegar a proposições mais gerais...” Parece que aqui temos “problemas” em relação ao método axiomático-dedutivo , porque ele propõe verdades “mais ou menos” evidentes que devem encadear-se a uma “lógica” para chegar-se a proposições mais gerais... (?) Obviamente que aqui não temos espaço para tratar o assunto, porém, tal tema devidamente estudado nos levaria à grandes questionamentos, à uma grande polêm ica em torno do substrato daquilo que entendemos como Matemática... 90 | Wesley Caesar
Não queremos aqui nos aprofundar no tema da lógica, mas gostaríamos de citar F. Nietzsche (1844-1900) que em a “gaia ciência”, escreve: “De onde vem o lógico – De onde surgiu a lógica na cabeça humana? Com certeza, da não-lógica, cujo reino, na srcem, há de ter sido descomunal... Mas inúmeros seres, que inferiam de modo diferente do que nós inferimos agora, sucumbiram... Quem, por exemplo, não sabia descobrir o ‘igual’... no tocante a alimentação ou aos animais hostis, quem subsumia demasiado lentamente, era demasiado cauteloso na subsunção, tinha menor probabilidade de sobrevivência do que aquele que em todo semelhante adivinhava logo a igualdade. A tendência preponderante a tratar o semelhante como igual, uma tendência ilógica foi a primeira a criar todos os fundamentos em que se assenta a lógica. Do mesmo modo para que surgisse o conceito da substância, que é imprescindível para a lógica... foi preciso que por longo tempo o mutável nas coisas não fosse visto, não fosse sentido; os seres que não viam com precisão tinham uma vantagem diante daqueles que viam tudo ‘em fluxo’... A seqüência de pensamentos e conclusões lógicas , em nosso cérebro de agora, corr esponde a um processo e luta de impulsos, que por si sós são todos muito ilógicos e injustos; de habito, só ficamos sabendo do resultado do combate: tão rápido e tão escondido se desenrola agora esse antiqüíssimo mecanismo em nós”. Aos poucos estamos tentando relacionar; lógica, matemática, cálculo, geometria e Música como coisas da mesma natureza... Os autores Marmo de Oliveira e A. Silva comentam também que os gregos desviaram da álgebra (parte da matemática que generaliza a aritmética, que estuda leis e processos formais de operações com entidades abstratas) se direcionando para a Geometria (parte da matemática que estuda o espaço e as figuras que podem ocupá-lo, investiga as formas e as dos seres ) onde se destacaram, culmi-e nando nadimensões obra de Euclides “Osmatemáticos Elementos”. Citam ainda Arquimedes Apolônio de Perga como sucessores de Euclides. O ilustre filósofo Bertrand Russel (1872-1970) em sua obra “Introdução à Filosofia Matemática”, comenta que: “Os antigos geômetras gregos ao passarem das regras de agrimensura empíricas egípcias para as proposições gerais pelas quais se constatou estarem aquelas regras justificadas, e daí para os axiomas e postulados de Euclides, estavam praticando a Filosofia Matemática..” A Geometria envolve na verdade uma noção mais ampla que o simples conceito dasformas do cotidiano, é algo que se liga à ideia doAbsoluto nas antigas tradições. A frase axiomática:“O grão de areia está no Universo Música (Cultura e Sociedade) | 91
porque o Universo está num grão de areia”, apresenta uma noção dofractal, daquilo que ao demonstrar uma parte demonstra na realidade Todo o . Então, o que já havia se desenvolvido nas antigas culturas é a noção de Geometria Sagrada. As formas ou desenhos ; quadrados, retângulos, losangos, hexágonos, triângulos, circunferências, prismas, cilindros, etc, podem ser observados por todos os lados que nos cercam, desde as menores partes da matéria que podem ser observadas através dos modernos microscópicos até as imagens que podemos observar à olho nu. Na natureza, encontramos em suas formas diversas, nos vegetais e minerais até animais, os mais diversos desenhos que se explicitam aos nossos olhos. Aliás, estamos envolvidos num mundo (ou universo) de formas e desenhos . A quantidade de formas e desenhos é imensa. Já demos a entender as srcens do termo Geometria (geo= terra, metria = medida), porém o termo Sagrado se liga à algo mais específico, voltaremos ao tema noutro capítulo. Então, a tal Geometria Sagrada comporia todo o espectro possível de todas as formas existentes. Daí poder-se-ia ter as denominações das razões geométricas como interpretações gerais que envolvem ocálculo, etc. Portanto, uma coisa é observarmos as formas existentes das coisas, segundo a “ilusão” possível oferecida pelaóptica de nossa “visão” ocular, isto é, a impressão “mental” ou “cerebral” que desenvolvemos somada aos “conceitos” das própriasformas e desenhos em si que discernimos como tal, e outra é tentar racionalizá-las,calculá-las como “entes” concretos passíveis de nossas manipulações, o que, aliás, aconteceu. Ao que se sabe, toda a Arte Religiosa do Oriente e do Ocidente e todas as cosmologias foram baseadas neste conceito das formas “sagradas”... Então,antigas uma coisa é operarmos “racional e técnicamente” com algo, e outra coisa é compreendê-lo em sua essência mesma. Assim, continuamos à não compreender as essências mesmas das coisas, objeto de estudo da Fenomenologia, assunto já tocado noutro capítulo. Mas, acreditamos entender, de fato, os conteúdos das formas e desenhos os quais se apresentam à nossa visão. Ou seja, o que demonstra ser as formas em seus conteúdos para que pudéssemos ter em firme consciência os seus reais significados? Se algumas culturas humanas fizeram esta interrogativa epuderam compreender algo, ficaram com tal “saber” recôndito nos escaninhosda 92 | Wesley Caesar
civilização. Desde a antiguidade grupos esotéricos sempre buscaram explicações... Retornando à Grécia antiga, sabe-se que esta foi o centro cultural do mundo (conhecido na época), porém, passou por invasões e conquistas. Alexandre Magno (356-323 a.c.) – rei da Macedônia e ex. aluno do famoso filósofo grego Aristóteles , este o teria influenciado pela literatura e cultura grega – ao estender seu império tomou a Grécia em 338 a.c. transferindo o acervo cultural grego para Alexandria que tornou-se o centro mais importante da civilização helenística. Carl B. Boyer comenta: “Papus (de Alexandria 290-350) foi o último matemático importante da antiguidade, depois dele o nível da matemática no mundo ocidental decaiu sistematicamente por quase um milênio. A civilização romana foi em geral inóspita para com a matemática. Nos séculos XII (12) e XIII (13) a Europa latina tornou-se receptiva à cultura clássica, transmitida através do grego, árabe, hebreu, sírio e outras línguas, mas o nível da matemática na Europa medieval permaneceu muito abaixo daquele do mundo grego antigo...”. Boyer ao citar a civilização romana como um ambiente inóspito à Matemática, corrobora uma ideia inversa à tal positividade. Pois, podemos supor que a Matemática não necessariamente precisará ocupar lugar de relevância em qualquer cultura humana para que esta possa existir, e, por conseguinte, os paradigmas das culturas não seriam os mesmos. Quanto aos gregos, os professores Marmo de Oliveira e A. Silva parecem ter o mesmo palpite de Boyer citando que a ciência dos gregos entrou em eclipse já no século 7 com a tomada de Alexandria. Mas, comentam também que os Árabes ao conquistarem a Índia encontraram um tipo de cultura matemática. introduziram símbolooutro completamente novo no sistemaOs dehindus numeração até entãoum desconhecido, o ZERO. Isto teria causado uma revolução na “arte de calcular”. A propagação da cultura dos hindus por meio dos árabes levou à Europa, os denominados “Algarismos Arábicos” de invenção hindu. Citam ainda um dos maiores propagadores da matemática Allah Mohamed Ibn Musa Alchwarizmi ou Al– Khwarizmi (780-850) matemático, astrônomo, astrólogo, etc. Do seu nome resultou as palavras Algarismo e Algoritmo. Com a sua obra, originou-se o nome Álgebra. Considerado fundador dela, compartilha o crédito com Diophante (séc. 3 a.c.) Então, os autores esclarecem que: “a matemática que se achava latente se desperta” ... Música (Cultura e Sociedade) | 93
Conforme afirmou Boyer, durante um longo período da Idade Média não parece ter havido muita ênfase à matemática como “ciência do cálculo”... Será que podemos identificar o fato nas artes em geral, bem como na Música? (ver capítulo: Aspectos Históricos da Música Ocidental). Basta fazermos um giro nas artes plásticas, arquitetura, etc, porém, dependemos de uma análise mais apurada. Não pretendemos nos aprofundar neste tema porque esta seria uma outra empreitada, mas sabemos, por exemplo, que nas tais artes plásticas a “perspectiva” que ressurge na Renascença, começa em Jan Van Eyck (1390? -1441), pois até Giotto (1266-1337) ela não apresenta sinais explícitos... Em “The Story of Art” de E. H. Gombrich pode-se ler: “A nova arte da perspectiva aumenta ainda mais a ilusão da realidade... Percebe-se nitidamente que Donatello (1386-1466) e Brunelleschi (1377-1446) – ambos escultores de Florença – tinham iniciado um estudo sistemático dos remanescentes romanos... Contudo, não foi um escultor quem r ealizou a conquista final da realidade do Norte, o artista cujas descobertas revolucionarias se sentiu, representarem algo inteiramente novo foi o pintor Jan Van Eyck...” Temos aqui um ponto “chave” daquilo que talvez possamos tratar como o “fluxo das positividades” como construtor da própria história. Bastasse que a matemática não fosse reerguida no Ocidente para que a “história” dos séculos posteriores não acontecesse, em perspectivas ideologizadas, tal como aconteceu. Pois, tudo aquilo que identificamos como; a Renascença, as ciências modernas, o mundo moderno , surgiram como “ideologias”, cuja predominância do pensar matemático se fez evidente... Estamos aqui a questionar paradigmas da cultura. O quanto a
inércia (imobilismo, de reação, estagnação...) natural nãoo quanto produa-histórica ção histórica pode serfalta a própria “constituição” , ouda seja, a “história” pode não acontecer... E o que aconteceria, então?. Naturalmente seria a “inércia” real, de um “movimento” quase “inexistente”, da vida real “animal”, que emana “inconsciente”, lasciva, libidinosa, como o instinto mais primordial do ser, porque não há o Tempo, e o Poder como especialização social teria dificuldades em alicerçarse na “lógica calculada” – certamente este sentido de inércia foi o que manteve o “homem” durante milênios e milênios nas florestas, e na contrapartida foram geradas as condições essenciais à “invenção” de novos formatos de sobrevivência. 94 | Wesley Caesar
Continuando a perseguir os caminhos da Matemática, lembram os professores Marmo e A. Silva que no ano de 1202, o matemático italiano Leonardo de Pisa (1170-1250) conhecido por Fibonacci, considerado o primeiro grande matemático do medievo, ressuscita a Matemática na sua obra intitulada “Liber abaci” na qual descreve a “arte de calcular” (Aritmética e Álgebra). Nessa época a álgebra começa a tomar o seu aspecto formal. Jordanus Nemorarius (1225-1260) matemático germânico introduziu letras para significar um número qualquer, além de acrescentar outros sinais... Michael Stiefel (1487-1567) outro matemático alemão que passou a usar os sinais de mais (+) e menos (-) como utilizamos hoje, inventou uma tabela logarítmica antes de John Napier (1550-1617). Tal desenvolvimento é finalmente consolidado na obra do matemático francês François Viéte (1540-1603), denominada “Álgebra Speciosa”. Explicam os professores que nela os símbolos alfabéticos têm uma significação geral, podendo designar números, segmentos de reta, entes geométricos, etc. Com René Descartes(1596-1650) ePierre de Fermat(1601-1665) a matemática toma nova forma.Descartes faz sua “grande descoberta” (ouinvenção?) a geometria analítica que consiste em métodos algébricos à geometria. Na obra Geometria (1637) Descartes escreveu: “Em matéria de progressões matemáticas, quando se tem os dois ou três primeiros termos, não é difícil encontrar os outros”. Essa ideia de uma ordem natural, inerente à progressão do conhecimento, é fundamental para o projeto cartesiano de construir uma “matemática universal” (Os Pensadores– Ed. Nova Cultural), seja, aasmathesis ciência que capazTaldeconceito explicar tudoou e todas coisas universallis através da, uma quantidade e daseja ordem. foi precedido pelos antigos, como os Pitagóricos, por exemplo. Talvez estejamos diante de uma visão precária, pois, no Oriente antigo, por exemplo, a busca de tudo e todas as coisas parte da introspecção e do “ser’ como ente referencial metafísico, portanto uma busca interior e não exterior... De onde temos como desdobramento na “ordem” do pensamento do tal ocidente moderno, a “ciência” do “Ter”, em contraposição à ciência do “Ser” que vigorou no mundo antigo, até mesmo na antiguidade Ocidental. Sabemos bem, da influência do pensamento cartesiano para a constituição do mundo “moderno”. A época que Descartes viveu foi Música (Cultura e Sociedade) | 95
fundamental para o suc esso de seu disc urso. Pois, as dissidências com até então soberana igreja católica, causada por motivos políticos e, por conseguinte religiosos, favoreceu todos aqueles que dos domínios da igreja discordavam, por isso o protestantismo e tudo aquilo que estivesse na ordem da dissensão tivera êxito, a própria Renascença (1450-1600), aliás, toda a ordem dos discursos posteriores foi possível. Tal conformidade afetou todo o universo social, em particular, a noção de composição musical, o temperamento de escala, etc, etc... Não se trata aqui de defender o medievo, mas tentar refletir seriamente o que pôde de fato ter representado na verdade a Idade Média em contraposição ao racionalismo moderno. Descartes foi influenciado por Marin Merssene (1588-1648) matemático, teórico musical, teólogo e filósofo. Mersenne foi uma espécie de catalisador, intermediário e divulgador das ideias daquela época tendo contatos não só com Fermat, mas com todos. O Compendio Musicae de Descartes escrito em 1618 que teve influencia de Gioseffe Zarlino (1517-1590), influenciará também 100 anos depois Jean-Philippe Rameau (1683-1764) em sua obra “Tratado de Harmonia” de 1722, que consolida a ideia de Acordes Funcionais (I -IV-V) fundamentais ao desenvolvimento da Harmonia do Classicismo (1730/ 1750-1810) e depois o Romantismo, até finais do século 19 e determinante para a Harmonia Moderna, em particular a canção popular. Voltaremos ao tema no capítulo “Aspectos Históricos da Música Ocidental” . Bem, não queremos perder nosso foco aqui em torno da ideia da Matemática como importante provedora não só da Música como entidade real, mas também aquela séculos. que deu as bases gerais para a orgapensamento nização do dos últimos Retomemos Pitágoras (se é que ele realmente existiu), do qual podemos encontrar as mais altas referências como fundador de uma seita mística (e religiosa) que tinha como base o orfismo. “O pitagorismo representou um marco decisivo do pensamento racional e científico por ter elevado à condição divina uma das realizações mais racionais do homem: a Matemática” (História da Filosofia – Ed. Nova Cultural). No livro “Pitágoras e o tema do Número” o autor Mario Ferreira dos Santos (1907-1968) importante filósofo brasileiro criador de uma extensa obra, escreveu: “ O movimento pitagórico não foi só intelectual, mas religiosomoral e político. Organizado em forma de comunidade com iniciações, linguagem 96 | Wesley Caesar
simbólica, cercado de mistérios e de segredos onde predominam o respeito sagrado à palavra de ordem e a obediência cega... A concepção de Anaxímenes de que o mundo estava submerso no infinito também era aceita por Pitágoras. Para ele, todas as coisas são números. Considerava, assim, a relação entre os números e as formas geométricas. Atribuía aos números valor ontológico”. Mario Ferreira cita algo bem conhecido entre os estudiosos da Música, que Pitágoras teria ido à Pérsia quando conheceu Zaratustra (Zoroastro). Sabe-se que os pitagóricos cultivavam a matemática e a música e, sobretudo a geometria (estas três faziam parte do Quadrivium – ver capítulo “A “Revolução Científica” como “nova” Educadora... O Quadrivium e o Trivium como organizadores pedagógicos da “velha” Epistémê...” – que ainda integrava a Astronomia) como Filolau de Tebas e Arquitas de Tarento. A famosa tetractys, o numero dez (10) era considerado o numero principal, a soma dos quatro primeiros (1+2+3+4=10). Filolau acreditava que o numero 10 tinha uma grande força que atuava em tudo, começo e guia da vida divina, celestial e humana. Completa Mario Ferreira: “Pitágoras foi um iniciado nas especulações da astronomia oriental. Descobrindo a relação fundamental da altura dos sons, com a longitude das cordas que vibram, submeteu o fenômeno do som à invariabilidade da lei numérica”. Voltaremos ao tema... Mario Ferreira observa ainda que: “As doutrinas dos pitagóricos são uma mescla de ciência e crenças religiosas... O Pitagorismo é uma das concepções mais caricaturizadas e falsificadas na história da filosofia, isso deve ao caráter iniciático desta doutrina...”. Então, há uma forte sugestão de que a Matemática seria aquela que garantiu o incremento da espécie porque ela permitiu o desenvolcognitivas vimento das atividades ?. Podemos imaginar que até certo período a Matemática não surgiu, porque dependeu do desenvolvimento da consciência , ou ao contrario?. Como a Matemática pôde desencadear papel de “tanta” importância para a nossa espécie? Direta ou indiretamente estamos aqui questionando toda a música produzida pelos humanos, como uma pratica que envolve o cálculo , mas não estamos questionando os fazeres sonoros gerais do mundo animal, e mesmo dos humanos inclusive considerando a própria isometria existente no “canto” dos pássaros e baleias, que permanecem vivendo em sua imanência. Humanos não disciplinados musicalmente – talvez Música (Cultura e Sociedade) | 97
possamos chamá-los de “amusicos” (?) – produzirão sons com prováveis isometrias. Voltaremos ao ponto... Vamos admitir que a Matemática possa ser realmente natural do “Cosmos”... Isto não quer dizer que o fato determinaria a sua inevitabilidade, muito menos o seu uso e desenvolvimento em perspectivas específicas, pois não sabemos se apenas desenvolvemos algo interpretativo que pertence puramente às nossas abstrações (?). Se quer temos certeza se o mundo e o cosmos, etc, só existem em nossas mentes, isto é, se são meras interpretações mentais (?) – ver capítulo: “A Psicofísica da Música e a Neuromusicologia...” – Certamente temos margem para perguntar: Como que algo que acreditamos ter surgido na antiguidade – com especificidades que incluía a mística, cujo substrato consiste em abstração e metáfora, portanto, em tese, fora do campo discursivo, da história da razão mais recente, da tal revolução científica que teve como atributo fundamental exigências “rígidas” na composição de suas metodologias, interditando qualquer hipótese de análise vulnerável. Que execrou tudo aquilo que não fosse compatível com a racionalidade, em particular, cartesiana – pôde tornarse material essencial do discurso, o meio da ordem, da organização geral ?. Já citamos Michel Foucault (1926-1984) nesta obra, então voltemos à ele, e sua opinião sobre a Matemática. Como sabemos, Foucault é reconhecido como um estruturalista ou mesmo pós-estruturalista, como já comentamos, dedicou-se ao estudo das epistemologias – a Epistémê (Episteme) no seu pensamentoé o paradigma geral segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes científicos, que por esta razão com-
partilham, a despeito de suas especificidades e diferentes objetos,estabelece determinadas formas ou características gerais. O surgimento de uma nova episteme uma drástica ruptura epistemológica que abole a totalidade dos métodos e pressupostos cognitivos anteriores, o que implica uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência (Houaiss). Foucault dedicou-se profundamente a muitas questões relacionadas à História dos Sistemas e Pensamentos . Em sua obra “Arqueologia do Saber” nos coloca algumas ideias fundamentais à cerca do tema que aqui estamos abordando. Comenta Foucault:...a matemática é a única pratica discursiva que transpôs de uma só vez o limiar da positividade, o limiar da epistemologização, o da cientificidade e o da formalização... A matemática foi seguramente modelo para a 98 | Wesley Caesar
maioria dos discursos científicos em seu esforço para alcançar o rigor formal e a demonstratividade...” . Então;”Trata-se de saber, como um conceito – carregado ainda de metáforas ou de conteúdos imaginários – se purificou e pôde assumir estatuto e função de conceito científico. De saber como umaregião de experiência, já demarcada, já parcialmente articulada, mas ainda atravessada por utilizações praticas imediatas ou valorizações efetivas, pôde-se constituir em um domínio científico. De saber, de modo mais geral, como uma ciência se estabeleceu acima e contra um nível précientífico que ao mesmo tempo a preparava e resistia a seu avanço, como pôde transpor os obstáculos e as limitações que ainda se opunham à ela “(?) A Matemática participa do cotidiano dentro das tarefas diárias, de tal forma, que se quer é notada a sua presença. Como ciência fundamentadora e “dominadora” que se encontra num pedestal do “saber” científico, é algo não questionado, por isso estamos aqui citando Michel Foucault... Uma analise atenta poderá nos trazer à luz, que certo discernimento modelador das coisas do mundo teria passado de geração a geração, de civilização a civilização, com suposta imanência insuspeita, na ordem da práxis, e de forma incólume “organizou” as ideias, e “estruturou” o mundo. Basta olharmos nos últimos séculos o quanto os inventados sistemas econômicos modernos se serviram da matemática ... No Ocidente, vários autores se serviram de “cálculos complexos” e ideias abstratas para a formulação de suas teorias econômicas, inacessíveis a maior parte dos homens comuns. Tais teorias com o apoio da matemática adquiriram um “certificado” de idoneidade e isenção que permitiram as suas implantações com grau de autoridade suprema, como perfeitas instituições do inevitávelnos , do compêndios insuspeito , do indiscutível O que encontramos deHistória...da Matemáticaé basicamente a história que se confunde com os possíveis “primórdios” da própria espécie e isto aisenta de questionamentos de sualegitimidade como algo implacável à sobrevivência humana, uma espécie de “Demiurgo”, um princípio organizador de plantão das coisas do mundo... No entanto, já acentuei que sem a consciência da Matemática a existência do Som permaneceria, porém nossas relações de cálculos com ele talvez não existisse, e nossa percepção em relação a ele, provavelmente se alteraria... Talvez a Música não estivesse tão dependente e associada à Matemática como se tornou desde supostamente os “primórdios” da Música (Cultura e Sociedade) | 99
construção dos instrumentos musicais , embora com as devidas considerações diferenciais no tempo, espaço e nos “objetivos” da própria criação... Abraham A. Moles (1920-1992), já citado – engenheiro acústico, físico e filósofo, que foi professor de sociologia e psicologia em Universidades como Estrasburgo e San Diego entre outras – nos lembra que um dos mais antigos domínios da invenção é o do instrumento de música. Cita o musicólogo Curt Sachs (1881-1959) que foi um dos fundadores da moderna Organologia. Acentua Moles, que a obra de Sachs evidencia a profunda ligação existente entre a criação num estágio primitivo e a sexualidade, fato que decorre da própria forma dos instrumentos de música (tambor de fenda, sistro, osso talhado, trombeta, arco, etc.) que são tocados por um ou outro sexo. Cujos princípios incluem “tabus” os quais se ligam à mitos com os profundos impulsos essenciais do indivíduo, pois todos os mitos relativos a Música estão estreitamente vinculados com a sexualidade. Já comentamos noutro capítulo a dificuldade em determinar onde começa os humanos, menos ainda podemos precisar quando começaram a construir os “instrumentos musicais”, porém de toda forma podemos ter aí a incipiência daquilo que muito mais tarde vamos tratar como Organologia em Música . Portanto, teríamos aqui os primórdios dos fazeres sonoros humanos “propositais” com elo na ideia do cálculo por um lado, e a sexualidade, por outro. Antes de argumentarmos sobre a ideia de cálculo e sexualidade, vejamos então como a Organologia se apresenta. Segundo um dos maiores dicionários de música do mundo, “The
New Grove Dictionary Music” (by Stanley a “Organologia éo estudo descritivo e analíticoof dos instrumentos musicaisSadie), . O termo foi intr oduzido por Bessaraboff em 1941, para distinguir entre os aspectos científicos e o de engenharia dos instrumentos e o estudo mais amplo da música...” . Na verdade sabemos que Eric Von Hornbostel e Curt Sachs já haviam em 1914 proposto uma organização sistemática dos instrumentos musicais classificados de acordo com suas características sonoras. Mas, esta “história” é bem mais antiga, pois imaginar quando os humanos começaram a construir instrumentos musicais é algo que se perde nos tempos. Já mencionamos aqui e noutros capítulos, achados arqueológicos de supostos instrumentos musicais datados de mais 50 mil anos e certos “artefatos” que podem datar de 200 mil anos... 100 | Wesley Caesar
Entre os instrumentos mais antigos, encontra-se o Ravanastron que é provavelmente um dos primogênitos dos instrumentos de corda, que ainda pode ser encontrado no Sri-Lanka, cuja existência é estimada em 5 mil anos. Então, as referências que surgem sobre as criações e confecções de instrumentos musicais estão nas Mitologias e nos tais livros Sagrados... Há algumas indicações que antes ainda da Era Cristã, tanto na Índia quanto na China havia sistemas de divisão de instrumentos segundo suas naturezas, fontes sonoras, etc. Os chineses tinham preferência por classificar os instrumentos em: Metal, Pedra, Pele, Bambu, Madeira, Barro... Os hindus pelo tipo de produção sonora; Ocos, Tensos, Cobertos e Sólidos... No Ocidente muitos tentaram padronizar um sistema de estudo por fonte sonora e etc. Então, no século 14 Filipe de Vitry , autor do tratado “Ars Nova Musicae”, que expressou essa época, e o maior expoente deste período Guillaume de Machaut (1300-1377) tiveram entre seus contemporâneos, um dos proponentes da tal Ars Nova, Jean (Johannes) de Muris que criou um sistema para dividir os instrumentos segundo suas fontes sonoras. Em 1511 Sebastian Virdug compositor germânico e teorista dos instrumentos musicais, propôs também uma classificação. No começo do século 17, Michael Praetorius compositor e estudioso dos instrumentos musicais em sua obra em três volumes Syntagma Musicum propôs o agrupamento dos instrumentos por famílias. Marin Mersenne (já citado) no mesmo século fez algumas sugestões a cerca do agrupamento das famílias dospropôs instrumentos. Gevaert No século 19 François-Auguste um tratado para os instrumentos musicais que tornou-se precursor da moderna Organologia . Só no começo do século 20, os etnomusicólogos Hornbostel e Sachs criaram o sistema que tornou-se referência para a musicologia e a Organologia das últimas décadas. O etnomusicologista André Schaeffner no começo da década de 1930 publicou um trabalho etnológico sobre as srcens dos instrumentos musicais. Então, segundo Hornbostel e Sachs os instrumentos ficaram classificados em famílias: Idiofones cuja fonte sonora é o próprio corpo do Música (Cultura e Sociedade) | 101
instrumento, como castanholas, triangulo... Os Membranofones cuja fonte é uma membrana, como o tamborim, tímpano, cuíca, etc. Em maior abrangência os instrumentos Idiofones e Membranofones podem ser percutidos, beliscados, friccionados e soprados. Os Cordofones compreendem todos os instrumentos de cordas sob tensão, incluindo o piano e o cravo. Os Aerofones são todos os instrumentos cuja fonte sonora é uma coluna de ar. Os instrumentos de sopro em geral. Foram incluídos também os Eletrofones que são os instrumentos elétricos em geral, só surgidos do século 19 em diante. Aqui ficamos com a ideia dos instrumentos musicais construídos pelo homem, ou pelos homens, porém, será que podemos interpretar tais constituições ao longo dos “processos”, ditos históricos, do “fabrico” dos instrumentos como partes integradas do mesmo todo, ou como processos históricos isolados e descontínuos uns em relação aos outros e coube aos últimos séculos nos seus fluxos civilizadores integrarem os “significados” daquilo que na verdade não se tem certeza, conforme já questionamos mais de uma vez nesta obra? A título de penetrar um pouco mais nesta questão, quero citar o historiador e musicólogo Roland de Candé mais de uma vez abordado neste livro. Em História Universal da Música observa: “A hegemonia ocidental – Se quisermos descobrir a riqueza das musicas extra-européias, deveremos lutar contra uma atitude própria de nossa cultura: a de aplicar nossos sistemas de referência a tudo o que observamos, não sendo o mais grave falar uma língua estrangeira
pensando sua, masdeestudar de um homem sem conhecer seu pensamento. Todas as na tentativas notação,os gestos de adaptação, de integração a nosso sistema das musicas da Ásia ou da África decorrem de um exotismo superficial. Essas musicas são irredutíveis às categorias de nossa cultura musical, estando profundamente arraigadas num pensamento estranho ao nosso”. Explica o musicólogo Candé que até o século 16, as comparações eventuais entre as tradições eram simétricas. Cada cultura revelava-se exótica do ponto de vista da outra. Porém, a expansão ocidental deformou essa simetria. Impondo a nossa cultura aos quatro cantos do mundo... Lembra-nos ainda o historiador Candé que a hegemonia cultural almejada por Carlos Magno (747-814), por exemplo, limitava-se ao mundo cristão, e o colonialismo árabe não impusera uma civilização 102 | Wesley Caesar
universal e efetuara uma fecunda polinização que favorecia a difusão das mais ricas culturas. Agora gostaria apenas de complementar o tópico da ideia de cálculo na “confecção” dos instrumentos musicais e sua relação com a sexualidade. Pois, penso que temos aqui uma espécie de dicotomia que parece estar intrínseca a um processo ritual-mágico. O cálculo como vimos no começo deste capítulo é algo ligado a algum tipo de razão, muito embora, vamos admitir, pudesse ser inconsciente, fundada na abstração, mas e principalmente, ao mesmo tempo um “exercício” do lúdico, do divertimento, do “Homo Ludens” (ver capítulo: Música, Cultura e Sociedade), e o instrumento musical como material ligado ao sexo nos leva para a ideia de Eros (na mitologia grega; deus do amor, da paixão), ou seja, de libido (energia sexual que no sentido etimológico é desejo violento, paixão), parece que tais disposições são contraditórias. Porém, o cálculo que parece imprescindível à construção do instrumento musical é exatamente o preparo para o Êxtase, para o transporte fora de si em estágios diferenciados, para a exaltação mística, contraditoriamente um fluxo de duas vias opostas, que envia e recebe o Transe e a Possessão, o Encantamento, a liberação da libido, uma espécie de catarse sexual. Então, “ironicamente” Apolo prepara Dionísio. Na mitologia grega, que provavelmente srcinou-se dos babilônios, tudo parece surgir do Caos, a partir disso chegasse à Teogonia (o nascimento dos Deuses) de Hesíodo, que certamente é uma espécie de politeísmo, ao contrário do monoteísmo cristão e islâmico. Dionísio (srcinado de dois deuses tornou-se o Deus Baco para os romanos, Deus da orgia) parecedas serforças opostocósmicas, a Apolo (Deus For-e razão mas, do equilíbrio, harmonizador que dádas compreensão a tudo que o cerca). Teríamos então aqui dois impulsos, o apolíneo e o dionisíaco, conforme nos explica o professor Benedito Nunes em sua obra “Introdução à Filosofia da Arte”: “O dionisíaco é a tendência para o êxtase, predominante nas orgias... célula-mater do canto e da dança que deram srcem à tragédia, na efusão emocional provocada pela música. Seu efeito, vibração emocional intensa, vizinha do transe psíquico, produz a descarga das energias vitais acumuladas em quem o experimenta. No sentido metafísico, o impulso dionisíaco satisfaria a necessidade de embriaguez espiritual, tentativa do individuo para fundi r-se com o Todo e partici par do Ser. O apolíneo é a tendência da energia vital dos desejos e dos sentimentos para se condensar Música (Cultura e Sociedade) | 103
em formas bem delimitadas. Essas formas exteriorizam os conteúdos da nossa experiência tendo por função equilibrar os seus contrastes e arrefecer os seus conflitos latentes ou manifestos. Força geradora da poesia lírica e das artes plásticas, espécies de uma mesma expressão de caráter contemplativo, o apolíneo, ao contrario do dionisíaco, atende a uma necessidade idêntica a do sonho, cujas imagens, já de acordo com a interpretação de Freud que Nietzsche antecipou, dão forma contida aos impulsos inconscientes e aos desejos reprimidos”. Para dissertarmos melhor a relação entrea construção dos instrumentos musicais e a sexualidade teríamos que reportar o assunto à criação de uma outra obra. Eventualmente voltaremos aotema nas próximas páginas.
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V – A Musicologia e a Etnomusicologia A ideia de uma ontogênese dos fazeres sonoros humanos
Como vimos no capítulo sobre a Biomusicologia, os autores são enfáticos e otimistas em relação às srcens da música como propulsora provável da Linguagem e dos “fenômenos” que resultaram na formação dos humanos. Vimos também que eles organizaram o trabalho envolvendo varias áreas de estudo, dividindo em três setores: Musicologia Comparativa, Musicologia Evolucionária e a Neuromusicologia. Neste capítulo, tentaremos apenas posicionar noções sobre os Musicologia Etnomusicologia termosEsta e aprimeiro . última surgiu como Musicologia Comparada , e a partir de 1950 com Jaap Kunst (musicólogo holandês) o termo passou a conferir a inicial Etno (Ethno-Musicology), a Antropologia da Música ou Etnomusicologia surgiu como uma subárea da Musicologia . Tiago de O. Pinto (professor – diretor do ICBRA) em artigo, completa a informação escrevendo que a partir de 1956 a designação da disciplina consagrou-se internacionalmente com a fundação da Society for Ethnomusicology nos EUA. Joseph Kerman , um dos mais importantes musicólogos, esclarece-nos que a Musicologia é um termo criado no começo do século 20, citando o Oxford English Dictionary , o qual data a aparição do termo em 1919, porém, pondera que a expressão já houvera aparecido em 1915. Acentua que: “A Musicologia abrangia desde a história da música ocidental até a taxonomia da música “primitiva”, como era então chamada, desde a acústica até a estética, e desde a harmonia e o contraponto até a pedagogia pianística”. As categorizações principiaram nas formulações clássicas de Hugo Riemann (1849-1919) um dos mais respeitados teóricos da música e Guido Adler (1855-1941) considerado um pioneiro da musicologia . Lembra-nos Kerman, que o último estudioso do assunto a trabalhar seriamente com a Musicologia Sistemática foi Charles Seeger (18861979) que foi o espírito orientador da modernaetnomusicologia americana. Música (Cultura e Sociedade) | 105
Comenta que a Musicologia se transformou, passou a ter um significado mais restrito, referindo-se ao estudo da música Ocidental na tradição de uma arte superior. O professor Kerman faz distinções entre o musicólogo acadêmico e o popular. Explica que a Etnomusicologia é entendida como aquela que se predispõem a estudar as “musicas” não-ocidentais, citando Alan P. Merriam. Em 1964 o livro “The Anthropology of Music” de Merriam, foi decisivo para a abordagem antropológica na etnomusicologia . Lembra Tiago de O. Pinto, que Merriam formulou uma “teoria da etnomusicologia” na qual reforçou a necessidade da integração dos métodos de pesquisa musicológicos e antropológicos. Kerman comenta que os etnomusicólogos se ocuparam de modo mais intenso em estudar as musicas altamente desenvolvidas daIndonésia, Japão e Índia e a música menos desenvolvida dos ameríndios e africanos subsaarianos. O objetivo é produzir acuradas descrições técnicas, e tentar, ao mesmo tempo, entender o papel desempenhado pela Música em suas respectivas sociedades. Assim o Etnomusicólogo, que ao pesquisar (vivenciando em loco tal como o Etnólogo e o Etnógrafo) cada novo grupo humano, cada Cultura, pode “descobrir” algo que modifique os conceitos civilizadores, pois, um “novo olhar” em relação ao outro pode ser acessado. Joseph Kerman, ainda faz algumas observações sobre as diferenças nas atividades incluindo mais uma, a do Teórico Musical. Explica que o Musicólogo gosta de se considerar historiador da música tal como os da literatura os das Pois,humanista o musicólogo alinha-se os objetivos, valores e eestilo da artes. erudição tradicional. Já com os Etnomusicólogos alinham-se à Antropologia, pois diz Joseph, que raramente seus artigos e relatórios estão isentos de aparato sócio-científico. E os teóricos musicais são os mais difíceis de enquadrar em generalizações, visto que alguns inclinam-se na direção da Filosofia e outros escrevem ensaios numa linguagem autogerada tão altamente especializada quanto a da lógica simbólica. Diz o professor Kerman ; contudo, o alinhamento principal da teoria musical é com a composição musical, pois, os teóricos têm interesse intelectual na estrutura da música, os compositores revelam esse mesmo interesse, do seu próprio ponto de vista pratico. 106 | Wesley Caesar
Coloca ainda o professor que, desde que a Música exista em algum nível de refinamento a teoria deverá se fazer presente:”... em todas as culturas dotadas de escrita, os tratados sobre teoria musical precedem de muitos séculos os ensaios de história ou critica musical”. Conclui o professor Kerman , que Musicologia, Teoria da Música e Etnomusicologia não devem ser definidas em seus respectivos objetos de estudo, mas em termos de suas filosofias e ideologias. Creio que uma observação importante é lembrarmos que tanto a Musicologia como a Etnomusicologia ou a Teoria moderna da Música dependem de metodologias científicas, mais especificamente estão imersas naquilo que passamos a conhecer como ciências sociais que surgiram, podemos dizer, “oficialmente” no século 19, cujo caldo ideológico predominava entre outros aspectos; o positivismo , o liberalismo, o ‘pensamento’ técnico-industrial, a liderança de uma classe social “semi-culta” que houvera assumido o poder, o surgimento da corporação capitalista moderna , o fascismo como “organizador da cultura”, o bolchevismo , etc, etc, varias frentes as quais deram o ‘tom’ daquele período. Podemos perguntar: Qual é o peso da influência deste complexo, naquilo que vai ser designado como as ‘ciências’ da música e assim discernido como os nossos aprendizados?. Valeria um estudo considerável sobre o tal período em todos os seus aspectos. Pois, o período (séculos 18 e 19) é construtor-fundador dos nossos dias, das “nossas” ideologias, das “grandes discussões”, um período descrito reiteradas vezes por vários autores como transformador do mundo numa amplitude talvez sem precedentes. Apesar, em da resumo, ampla abordagem que possa havercomo dentro da Musicologia acho que podemos entendê-la aquela que se propõem à pesquisar toda a música ocidental desde seus primórdios, ou seja, o alvo próprio da Historia da Música do Ocidente (ver capítulo: Aspectos da Formação da Música Ocidental). Em linhas gerais a Etnomusicologia se preocupa mais em pesquisar as musicas das culturas humanas não ocidentais. Quanto aos teóricos da música ou teoristas (a lista é enorme) se considerarmos desde Pitágoras, seria necessário uma obra especifica só para tratar este tema. Pois, grande parte destes teoristas se quer foram músicos e sim, matemáticos, físicos, filósofos, etc. Música (Cultura e Sociedade) | 107
Bem, a despeito de um estudo apurado sobre as culturas humanas, certamente o primeiro intuito da Musicologia e também o da Etnomusicologia, nos levaria à sugestão de uma “pretensa” ontogênese das culturas humanas ou um “inventário” dos “fazeres sonoros humanos” , já tocamos neste ponto noutros capítulos. Lembremos que, no Ocidente aquilo que chamamos de Música corresponde no máximo aos últimos 1500 anos de História da Música, que é apenas uma parte dos fazeres sonoros humanos... Tanto a Musicologia como a Etnomusicologia tentam percorrer, estudando através de seus métodos, as características musicais das culturas humanas . O fato é que o sentido de ser do fazer musical e o próprio significado dos sons podem ser absolutamente específicos em cada um dos universos sonoros de cada cultura humana que existiram ao longo dos tempos. Quem sabe até, algumas culturas não deixaram vestígios “concretos” dos seus fazeres sonoros . Se, não estamos in loco como um etnólogo ou etnógrafo para observar presencialmente um grupo humano, como podemos analisar um grupo do passado se não for através da arqueologia ou outras técnicas científicas modernas?. Apesar de tudo, gostaríamos de ter podido dedicar um capítulo especial nesta obra para abordar os mais “espontâneos” fazeres sonoros humanos, como eventos, os mais espontâneos possíveis, dentro daquilo que entendemos como as tradições humanas, então, o nosso desejo era levantar um possível inventário dos fazeres sonoros humanos conforme já manifestamos varias vezes nestes textos, porém, não nos atrevemos a tal tarefa, pois esta missão nos traria grandes dificuldades. Contudo, há muitas (na internet há inúmeros para conhecersonoros desites) mos umfontes poucodisponíveis sobre as musicas ou fazeres outras culturas não ocidentais. Aqui ficamos com esta brevíssima introdução sobre a Musicologia e a Etnomusicologia.
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VI – Noções de Física e Psicofísica da Música, Psicoacústica, a Neurociência (o cérebro humano e a Música) - Psicologia e Ciências Cognitivas (a Mente e a - Semiótica Música Consciência) (Linguagem, Símbolos eda Signos) As questões da “narrativa dos discursos” das palavras e dos ‘sons’ organizadores da canção
Este capítulo está intitulado e dissertado de tal forma que na eventual possibilidade de ser analisado por especialistas poderá ser questionado por tratar assuntos aparentemente distintos, e apresentar aspectos aparentemente confusos, o que nos obrigaria a desmembrá-los, porém, por tratar-se de apenas noções introdutórias sobre os respectivos tópicos, considerei melhor reuní-los. Pretendemos então apenas incluir notas preliminares sobre algumas ciências que se correspondem e são setores de interesse de outras disciplinas como a Musicoterapia , por exemplo, a qual veremos uma introdução noutro capítulo. tenhamos um ambíguo, emaranhado informações que podemEmbora à primeira vista nosaqui parecer nas de tentativas em definirmos e separarmos Consciência , Mente e Cérebro , porém, todos os tópicos incluídos aqui formam um conjunto de dados que certamente poderá contribuir para a tentativa em compreendermos como a Música se processa em nosso Cérebro . Sabemos, entretanto, que nada está aqui como definitivo, no entanto, queremos expandir as nossas buscas atrás de definições, nem sempre satisfatórias... Neurocientistas, pensadores, educadores, têm desenvolvido muitas teorias à cerca do assunto. Citando novamente o filósofo e pedagogo Edgar Morin, o qual nos lembra: “Nenhum dispositivo cerebral Música (Cultura e Sociedade) | 109
permite distinguir a alucinação da percepção, o sonho da vigília, o imaginário do real, o subjetivo do objetivo...”. Foram, e são com estes “precários recursos” dos “dotes” cerebrais humanos, que as nossasmentes ‘ ’, organizaram(e continuam aorganizar) um ‘universo de discursos’ que auto-descreve; crenças, comportamentos, pensamentos práticos e filosóficos, reflexões, teorias, conceitos, acepções, idealizações, ideologias, formulações científicas, revoluções do pensamento e praticas de naturezas diversas... Os ‘conteúdos dos discursos’ são, em si, a ‘formatação’ e a ‘formalização’ da (auto) condução da vida humana, e entre eles, inscreve-se a Música, isto é, os “fazeres sonoros” de todos os grupos humanos, em toda a sua diversidade. Porém, a Música, isto é, os “fazeres sonoros” , inscrevem-se, não como um simples agregado dentro dos ‘conteúdos dos discursos’, assim como, por exemplo, as ‘trocas simbólicas’ e as ‘tarefas’ da vida em si, mas, como a principal descrição de uma essência (que é a vibração) que interliga a criação do mito à vida humana orgânica ... Bem, queremos introduzir em áreas de estudo que poderão contribuir para as nossas investigações, assim como a Psicofísica da Música que envolve Psicologia e Física com caráter interdisciplinar. Obviamente as ciências da cognição estão aqui envolvidas. A Psicoacústica, um setor que de certa forma pertence ou se interliga à Psicofísica, é o estudo científico dapercepção sonora, ou seja, propõemse a estudar ofenômeno fisiológico da audição. Então, aAnatomia e a Fisiologia do Som estão aqui intrínsecas, aliás, assunto já abordado noutro capítulo. se interrelacionam os aspectos dos estudos do CérebroInevitavelmente humano na perspectiva da Neurociência aos estudos da Mente e da Consciência que se integram mais especificamente dentro dos estudos da Psicologia (que em finais do século 19 deu sua contribuição ao tentar interpretar as atividades mentais ou cerebrais ) e das Ciências Cognitivas que pretendem estudar a Mente ou a Inteligência (os conceitos de Inteligência se diferem do conceito de Mente). As Ciências da Cognição se mostram como um estudo abrangente derivado da Filosofia . A Neurociência tem como objeto de estudo os sistemas nervosos e neurais cerebrais, e dentre as suas divisões, tem a ‘Mente’ como objeto de estudo que é em tese abrigada pelo cérebro (?)... 110 | Wesley Caesar
Segundo o dicionário Houaiss a palavraCognição aparece em 1836 (mesma data em que aparece apalavraPsicologia) em nosso idioma e tem o seguinte significado:“processo ou faculdade de adquirirum conhecimento, percepção...” . Em Psicologia a palavra Cognição se refere a, um dos três tipos de função mental ; Afeto, Cognição e Volição. Então, segundo o dicionário Houaiss, a expressão Cognição quer dizer: “Conjunto de unidades de saber da consciência, que se baseiam em experiências sensoriais, representações, pensamentos e lembranças... Série de características funcionais e estruturais da representação ligadas a um saber r eferente a um dado objeto...”. Então, as três funções mentais propostas no âmbito da Psicologia são “vitais” para os estudos da Música. Tomemos primeiramente o Afeto , cuja palavra aparece no século 15. Esta Expressão no âmbito da Psicologia quer dizer sentimento ou emoção em diferentes graus de complexidade (Houaiss). Ocorre que na Música do Ocidente uma Teoria ou Discurso de Afetos foram desenvolvidos... Penso que este tema nos levaria a um capítulo específico, o qual nos furtaremos, muito embora ao longo desta obra o tema reaparecerá. A Cognição segundo a sua própria acepção é o meio pelo qual o estudo da Música acontece... A Volição em seu sentido etimológico é o ato em que a vontade é determinante . Em Psicologia é a capacidade sobre a qual se baseia a conduta consciente, ou seja, o estudo não só da Música, mas de qualquer setor, depende destas tais funções mentais, assim convencionadas. Penso que devemos antes aqui também nos referir às srcens da Psicologia e tocar no seu principal escopo. Na obra “História da Psicologia” organizada pela professora Regina
H. de F. Campos , os professores Brozekcomentam: (Lehigh University) e Erlaine L. Guerra (Universidade FederalJosef de M.G.) “O termo psychologia é o equivalente neo-grego de Peri psyches do grego clássico, o titulo de uma das obras de Aristóteles, De anima, no latim... A história da srcem do termo psychologia não é completamente clara... “. Mas, qual seria o principal objetivo da Psicologia?. Como ciência, basicamente, pretende entender os processos mentais e comportamentos humanos (Houaiss), ou ainda, o conhecimento intuitivo e/ou empírico dos sentimentos de outrem... (Aurélio). Sabemos que a Psicologia embora seja uma ciência altamente reconhecida e amplamente praticada, ao menos no ocidente, entretanto, Música (Cultura e Sociedade) | 111
seu principal método de trabalho tem caráter subjetivo , portanto, uma ciência subjetiva..., questão polêmica. A Psicofísica da Música é uma ciência relativamente nova que relaciona os aspectos Físicos do Som com aspectos Psicológicos . A palavra Física vem do grego (physis). Como ciência se consolidou mais especificamente no período da tal revolução científica. Por definição, é a ciência que investiga as leis do universo no que diz respeito à matéria e à energia, que são seus constituintes, e suas interações (Houaiss). É, então, uma ciência que se relaciona ao estudo geral da natureza e seus fenômenos, e principalmente, tem na Matemática o seu principal suporte. Já tocamos noutro capítulo sobre os problemas da Matemática como ciência que pretende ser “exata”, etc... Podemos entender a Física na música sob dois aspectos; o Rítmico (ver capítulo “Os Elementos da Música no Ocidente”) e o do Som que está relacionada à acústica (ver capítulo “Noções sobre o Som e o Tempo”). Juan G. Roederer professor de Física da Universidade de AlaskaFairbanks (já citado) em sua obra “Introdução à Física e Psicofísica da Música” sugere que: “A música pode ser um subproduto bastante natural da fala e da linguagem” em contraposição à sugestão da Biomusicologia , como vimos noutro capítulo... Roederer desenvolve um trabalho interdisciplinar que tenta estabelecer uma relação consistente entre Física, Psicofísica e Neuropsicologia. Analisa propriedades físicas objetivas dos padrões sonoros que estejam possivelmente associadas às sensações psicológicas subjetivas da Música. Explica-nos que a sua abordagem sobre a Física e a Psicofísica da Música estuda osMúsica sistemas Físicospretende e processos Psicofísicos que ocorrem quando ,ouvimos . Então, analisar quais propriedades físicas objetivas dos padrões sonoros, estão de fato associadas à quais sensações psicológicas subjetivas da música. Descrever como esses padrões sonoros são realmente produzidos nos instrumentos, como eles se propagam pelo ambiente e como são detectados pelo ouvido e interpretados no cérebro. Para tanto Juan G. Roederer se utiliza da linguagem dos físicos e seus métodos de raciocínio e análise. Nas primeiras paginas de sua obra Roederer pergunta: O que é Música?...Aliás, questão já tocada no capítulo“Música, Cultura e Sociedade”. Comenta que alguns podem acreditar que “música é estética pura, uma 112 | Wesley Caesar
manifestação inata e sublime compreensão do belo, e não o mero efeito edcertos estímulos de ondas sonoras sobre uma complexa rede de bilhões de células nervosas... Mesmo os sentimentos estéticos estão relacionados com o processamento neural de informação”. Acentua que, “a mistura, tão característica de padrões regulares e ordenados alternados com surpresa e incerteza, comum a toda entrada sensorial classificada como ‘estética’, pode ser essencialmente uma manifestação inata do homem deexercitar a sua rede neural super-redundante com operações de processamento de informações nãoessenciais de complexidade variá vel ou alternante” . Pergunta novamente Roederer; sabemos nós realmente o que é Música? Quando falamos transmitimos mensagens concretas. O pensamento transmitido pode ser abstrato, mas o conteúdo oferece informação. Quando ouvimos sons de srcem animal, trovões, água corrente, sons ambientais , enfim, nós o fazemos, em resposta a um impulso inato de tomar consciência daquilo que nos cerca usando todos os nossos sentidos. A audição confere uma vantagem para a sobrevivência: a inter pretação da informação acústica oferecida pela linguagem e pelo ambiente tem uma importância biológica fundamental. Mas qual é a informação que a Música transmite? Então, nesta perspectiva Roederer tenta explanar seu trabalho interdisciplinar demonstrando as relações entre Física e o processo de reação Psico-sonoro . Steven Pinker (professor de psicologia e diretor do centro de Neurociência Cognitiva do MIT – EUA) entende a Música como uma criação humana que serve apenas para deleite, uma espécie de “cheesecake” para a Mente. Ele acredita que a Música tomaria emprestado os recursos das áreas cerebrais que organizam a Linguagem . Pinker crê também que viveríamos a Música . Porém, em resposta“tranquilamente” à ele, que emborasem possamos viver sem elapodemos (a música),dizer não podemos e não temos como viver sem o Som, que é a matéria prima da Música – lembrando que Som é Vibração – (ver capítulo: “As Noções do Som e do Tempo...) e este apresenta aspectos bastante contundentes em relação as suas propriedades que estão entrelaçadas aos processos do fazer musical, isto é, dos fazeres sonoros humanos. Aliás, para muitas culturas antigas a “Música” já estava expressa na própria natureza, e continua estando, porém os processos propositais de organização dos sons que são relativos à cada Cultura foram aqueles que fizeram surgir conceitos, ideais, e ideologias do fazer sonoro . Música (Cultura e Sociedade) | 113
Bem, todas as ciências que neste capítulo pretendemos tocar ainda que superficialmente, envolvem necessariamente os conceitos prévios da Consciência , da Mente e do Cérebro . Então, primeiramente seria correto tentarmos investigar um pouco, quais as acepções disponíveis para os conceitos de Consciência, Mente e Cérebro . Podemos começar perguntando: O que é a nossa ‘Consciência’ ? Mais uma vez recorrendo aos dicionários encontramos: a palavra “Consciência” aparece no século 13, e em seu sentido etimológico quer dizer senso íntimo (Houaiss) Nos dicionários em geral, o termo assume os seguintes significados; Conhecimento, Discernimento, um atributo humano o mais alto... Tais definições possuem conteúdo ‘moral’ e meramente ‘adjetival’... Seria a ‘consciência’ aquela que permite que nossas ‘ideias’ possam existir, o ‘âmago’ de nossa ‘Mente’, isto é, aquela que interpreta os nossos sentidos, aquela que organiza a História, a Música, os nossos Saberes, as Ciências, os Conceitos de Civilização, etc, e todas as tarefas humanas? Na rubrica ética a palavra Consciência assume as seguintes acepções; faculdade, princípio ou propriedade (inata ou para a teologia antiga, de implantação divina) acima da qualidade moral dos atos e motivos de uma pessoa... Em filosofia quer dizer; faculdade por meio da qual o ser humano se apercebe daquilo que se passa dentro dele ou em seu exterior... No cartesianismo, a vida espiritual humana, passível de conhecer a si mesma de modo imediato e integral... Em Psicologia já vimos em parágrafos atrás algumas acepções, contudo, podemos completar; nível da vida mental da qual o indivíduo tem percepção... fase subjetiva de
uma parte processosdafísicos... (Houaiss). Nodosâmbito Música , a expressão “consciência musical” é muito corrente, porém, para uma noção adequada ao seu conteúdo, é necessário antes compreender o que é Consciência ... Uma das teorias sobre a Consciência é a do psicólogo norte-americano Julian Jaynes (1920-1997) que em sua obra “The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind” sugere que a consciência como algo individual e relacionado à experiência única tenha surgido há alguns milênios. Neste sentido propõem que no homem primitivo havia duas “mentes” funcionando independentemente, e que a maneira como temos a consciência hoje de “forma unitária” surgiu da ruptura de assimetrias dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro. 114 | Wesley Caesar
Então, a ideia é que um hemisfério executa e lê padrões, e o outro, pensa, narra e executa... Esta teoria se encontra entre pensadores da Neurociência com apoio em evidências (voltaremos ao tema). A expressão “Consciência” foi principalmente disseminada e estabelecida já dentro da Psicologia com o surgimento da psicanálise do século 19, fundada no estudo do conceito daquilo que se convencionou chamar de a ‘psique humana’ , então, uma estrutura “virtual” que abrigaria as funções da consciência , do ego, superego, etc, etc, com Sigmund Freud (médico neurologista e precursor da psicanálise), já citado. Com esta teoria somada a outras, como a do inconsciente coletivo de C.Jung (precursor da psicologia analítica), organizou-se assim ‘sistemas’ conceituais do estudo da “mente humana” . Outros estudiosos, antes ou depois da escola Freudiana , continuadores ou não de escolas “correntes” da Psicologia , com focos diferenciados, como; E. Fromm , W. Reich e tantos outros, surgiram ao longo do percurso. Na área da Antropologia , estruturalistas como C. Levy Strauss, ao estudarem os ‘mitos e os símbolos’ humanos, os conceberam na perspectiva das teorias da ‘Consciência’. Agora tentemos as acepções possíveis sobre o que pode ser a Mente. Ao consultarmos mais uma vez os dicionários, podemos encontrar definições para a “Mente”, como; Inteligência (Houaiss) ou Intelecto , Pensamento, Alma, Espírito (Aurélio). Podemos perceber, o quanto cada uma das definições pode assumir novas acepções e serem redimensionadas em seus sinônimos, correndo o risco de perdermos a unidade dos significados dos vocábulos investigados. A expressão Inteligência já está explanada noutro capítulo. Intelecto quer dizer; faculdade pensante inerente à condição humana... e a expressão Pensamento, quer dizer; “Atividade Cognitiva, Racional, Conhecimento por conceitos...” (Houaiss). Pudemos notar também como alguns filósofos e cientistas, praticamente abandonaram ou refocaram um conceito terminológico que se referia à ‘alma’ ou ao ‘espírito’ humanos. Tais expressões tomaram um caráter figurado, no entanto, continuam a ser usadas pelas terminologias das religiões , em particular, a cristã na maior parte de suas vertentes, como expressões sinônimas da Música (Cultura e Sociedade) | 115
essência humana... Inclusive é comum ouvirmos a expressão; “o musico que toca com alma” ... Então, vejamos como podem ser definidas as expressões Alma (do latim anima) e Espírito, como sinônimos de Mente?. Ambas surgem no século 13. Em acepção livre Alma, quer dizer: princípio vital, vida... Em Filosofia quer dizer: “conjunto de atividades imanentes à vida, entendidas como manifestações de uma substância autônoma...” . Na Religião, a expressão se refere à: “parte imaterial do homem dotada de existência individual...”. A expressão Espírito, assim como as anteriores, assume acepções em Filosofia, Religião, Gramática, etc. No sentido livre tem significado sinônimo ao de Alma. Na acepção da Religião, quer dizer: “Ser supremo, Divindade... Substância imaterial, incorpór ea,...” Na Filosofia: “pensamento em geral, princípio pensante... No hegelianismo, princípio dinâmico, infinito, impessoal e imaterial que conduz a história da humanidade...”. Como vemos as acepções de Mente são múltiplas. Seria a Mente meramente o abrigo dos nossos pensamentos ? Apenas uma área “virtual” do cérebro que interliga o mundo imaginário com o mundo real?. E o que é o mundo real?. A expressão “Mente” em sua etimologia latina quer dizer mens, mentis que se refere à faculdade intelectual , inteligência .. Mas, esta acepção como vemos ampliou-se. Então, o que seria de fato a Mente? Um setor de estudos conhecido como Filosofia da Mente dedicase à interpretar ou tentar responder o que é a Mente. É por definição o estudo filosófico dos fenômenos psicológi cos que investiga a natureza da mente e seus estados gerais. Uma das maiores “estrelas” deste setor de estudos é o professor norte-americano Dennett, muito conhecido por ser um dos ‘cavaleiros’ do ateísmoDaniel moderno. Citando novamente Steven Pinker em sua obra “Como a Mente Funciona” ele acentua que; “Não entendemos como a mente funciona” , embora os estudos tenham avançado... Ele demonstra uma visão mecânica da mente, e evolucionista em contraponto a outras opiniões, por vezes, tão gabaritadas quanto às dele... Na obra “Mente, Cérebro e Cognição” o seu autor J. de Fernandes Teixeira (Phd em filosofia da mente e ciência cognitiva pela University of Essex) comenta que:
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“Foi René Descartes quem propôs, pela primeira vez nos tempos modernos, a existência de uma descontinuida de essencial entre mente e corpo, entre o físico e o mental. A partir de sua filosofia (o cartesianismo), a questão da separação entre matéria e pensamento torna-se um problema filosófico...”. Completa o professor Teixeira que a possibilidade de desafiar a herança cartesiana no século 20 foi, em grande parte, proporcionada pelo desenvolvimento da Neurociência. O que estariam tentando os neurocientistas é demonstrar que os problemas da filosofia da mente poderiam ser resolvidos através de um estudo aprofundado do funcionamento do cérebro, para tornar evidente que os eventos mentais são, na verdade, eventos físicos ou cerebrais. O que levaria à uma dissolução do conceito de Mente, e por conseguinte fortaleceria certamente o empenho sobre o estudo doCérebro, uma vez que este possue existência localizada concreta, portanto, diferente daMente que a princípio não teria localização física, apenas “virtual” ou especulativa(?). No sentido inverso, então, o cartesianismo apesar de pretender teorizar com bases sólidas teria se apresentado como mero racionalismo subjetivo... Descartes supôs que podemos deduzir, numa cadeia de raciocínios coerentes, que corpo e alma são duas substâncias distintas, e que suas propriedades são incompatíveis. Comenta então, J.F.Teixeira: “Descartes estabelece essa cadeia de raciocínios dedutivos a partir do Cogito. Embora nunca tenha dito o que é pensar e muito menos o que é existir... toma como certeza primeira, basilar, a proposição; ‘Penso, logo existo’. Isto porque podemos duvidar de qualquer coisa... mas não podemos duvidar que duvidamos, ou seja, não podemos duvidar que pensamos ao formular nossas próprias duvidas, pois duvidas são pensamentos. Assim sendo, é impossível pensar que não pensamos...” O autor Teixeira aprofunda esta questão, mas para nós aqui, nos interessa o quanto a definição do que possa ser de fato a Mente se encontra ainda sem formulação adequada para nossos estudos, pois, na verdade, “caminha” para a dissolução conceitual. Ainda a cerca das teorias sobre o que seria a Mente, temos o filósofo Andy Clark (professor de Lógica e Metafísica das Universidades de Glasgow, Sussex e Edinburgh) que é autor de uma teoria que ficou conhecida como Mente Estendida que propõem que a mente humana não estaria apenas limitada pelo organismo biológico, pelo nosso corpo, mas se estenderia para o ambiente todo, então, os circuitos dinâmicos Música (Cultura e Sociedade) | 117
através dos quais a mente e o ambiente interagem não são meramente um instrumental, o ciclo de atividade do cérebro seria executado através do corpo e do mundo... Sobre esta teoria, o professorJ. F.Teixeira comenta em artigo, que Clark sugere que não percebemos que amente é estendida porque “estamos presos a concepções cartesianas do senso comum que separam mente e cérebro ou mente e corpo. Contra essa concepção cartesiana, Clark sustenta a ideia de uma mente material que, ao interagir com o meio ambiente, gera processos cognitivos capazes de resolver problemas complexos. O início do processo de extensão da mente humana corresponde ao momento em que inventamos a linguagem, e a partir dessa invenção tornou-se difícil estabelecer uma linha nítida entre mente e mundo, entre interno e externo. Todas as formas de notação simbólica desde o início da escrita até a internet, são extensões externas de nossa própria mente. Tornamo-nos seres híbridos ou ciborgues desde que pudemos falar, pois a fala é nossa primeira associação com o mundo artificial”. Sobre o Ciborgue (ou Cyborg) voltaremos ao assunto noutro capitulo, mas quanto à um estudo sobre a Música visto nesta perspectiva da teoria da Mente que propõem A.Clark, é algo que precisaríamos talvez de uma outra obra ou ao menos outro capítulo. Então, parece que só restou o Cérebro como tema para os estudos da compressão musical... Mas, será que os estudos em torno dele serão suficientes para que entendamos aonde a Música que ouvimos acontece lá dentro, seguindo assim os estudos científicos já conhecidos e propostos sobre o Som no capítulo “Noções sobre o Som e o Tempo...”? No livro “Mapping the Mind” de Rita Carter, a autora comenta: “O Cérebro Humano tem sido lento em abrir mão de seus segredos. Até recentemente, as
maquinações que dão srcem aos nossospensamentos, sentimentos eram impossíveis de ser examinadas diretamente –memórias, sua natureza só podiae percepções ser inferida pela observação de seus efeitos... nova técnica de diagnóstico por imagem tornam visível o mundo interno da mente... O desafio de cartografar esse mundo – localizando a atividade cerebral precisa que cria experiências especificas e respostas comportamentais – está atualmente engajando alguns dos melhores cientistas do mundo...” Este tema envolve mais de um campo de estudo, e, nos parece, ao estudá-los, que nenhum traz resposta definitiva... Percebemos que estamos diante de uma espécie de gama interpretativa que surge das construções da nossa ‘consciência’ ou de nossa ‘mente’ . Então, nossa faculdade de pensar que também organizou taxonomias para tudo está tentando compreender a consciência , a mente, o cérebro , etc, 118 | Wesley Caesar
conceitos inventados pelas próprias faculdades do pensar que agora questionam a si próprias. Podemos supor que determinados padrões interpretativos habitam nossas mentes ou consciências que por similitude atuam com os mesmos prováveis “padrões” de labor e clichê de interpretação, no mesmo ou semelhante ‘centro de produção’, isto é, aquele que constrói, organiza, codifica e decodifica, ‘sons’ e os ‘reinterpretam’, os distinguem, em campos diversos, organizando assim aquilo que convencionamos ser a Música... Uma espécie de interpretação simbólica da Música, pode ser considerada dentro do esforço que fazemos em tentar compreendê-la... (?). Então, podemos perceber que outro ponto importante ‘intimamente’ ligado a Música , é observar que as formas expressivas dos vocábulos que tentam definir os conteúdos reais das ‘coisas’ não nos dão a firme convicção que expressam de fato o conteúdo real de suas “significações” , isto é, não temos segurança que as “essências” mesmas das coisas, correspondem de fato aos ‘conteúdos semânticos’ das palavras, podemos crer que são meras referências, apenas tentativas de aproximarmos dos possíveis significados das coisas. Isto vale para os “conteúdos sonoros” que nos chegam aos ouvidos que são “discernidos, selecionados”, etc, pela ‘Mente’ ou ‘Consciência’ , ou ‘Alma’ ou ‘Espírito’(?), conforme já elucidamos. O tema dos conteúdos sonoros que nos chegam aos ouvidos, além de envolver Fisiologia e Anatomia do Som, está diretamente ligado à Lingüística, antes à Filologia e, ao mesmo tempo, e principalmente àSemiótica (ou Semiologia), enquanto Linguagem , Símbolos, Significados...
Lingüísticaassim comoserciência propõem a...estudar a linguagem com métodos própriosA ciênciase autônoma , pretende (Os Pensadores – Saussure, Jakobson, Hjelmslev e Chomsky). Na obra “Ensaio sobre a Origem da Linguagem” de J.G.Herder (17441803) pode-se ler uma proposição colocada pela Academia de Letras de Berlim em 1769: “Terão os homens, entregues às suas faculdades naturais, podido inventar por si mesmos a linguagem?” . Herder inicia o texto escrevendo: “Logo enquanto animal o homem possui linguagem”. Coloca o autor questões sobre a existência das impressões naturais no próprio mundo animal, como todas as sonoridades e todos os sons selvagens que inevitavelmente ocorrem dentro dos processos involuntários de sobrevivência, que comparados aos sons naturais Música (Cultura e Sociedade) | 119
dos humanos quando nascem não possuem qualquer “dizer” que caracterizasse a própria espécie, tal como, sons característicos de cada espécie animal que a determinam como espécie ou como tipo animal, pois os humanos só adquirem linguagem própria na medida em que crescem com a própria convivência entre seres semelhantes. Escreve Herder: “... a linguagem de qualquer animal é uma expressão de representações sensoriais que, de tão fortes, se tor nam instintos; assim, no animal, a linguagem, os sentidos, as representações e os instintos são inatos, são-lhe imediatamente naturais”. Mas, não queremos aqui só colocar a Linguagem no seu sentido mais comum que se refere à comunicação verbal ou sonora , podemos dimensionar o sentido da palavra como um processo de comunicação qualquer que envolve conjuntos de significados, símbolos, signos, etc. Então, na própria acepção da lingüística a palavra Linguagem possui a seguinte definição: “qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros , gráficos, gestuais, etc.” Por extensão de sentido quer dizer: “qualquer sistema de símbolos ou sinais, ou objetos instituídos como signos; código” (Houaiss). Na obra “A Música como Linguagem” de Ernst F. Schurmann o autor propõem um estudo em torno da Música partindo da seguinte ideia: “No domínio geral da linguagem, se localizaria um campo especifico das linguagens sonoras, um âmbito no qual caberia distinguir entre a linguagem verbal e a musical”. Muito embora o autor ressalte que incluir a música dentro do conceito de linguagem é um posicionamento que pode apresentar controvérsias se considerássemos que linguagem é aquilo que tem propriedade discursiva atribuída à propriedade verbal. Porém, uma concepção ampliadaexclusivamente da noção de Linguagem, já proposta, pode incluir tudo aquilo que já consagramos nestes parágrafos... Coloca ainda Schurmann: “que falta uma conceituação teórica adequada que permita estabelecer de maneira objetiva os critérios envolvidos ao considerar-se certas manifestações musicais como pertencentes à comunicação lingüística”. Numa colocação arbitraria, talvez pudéssemos grosso modo afirmar que; não há dúvidas de que a Música seja uma Linguagem na perspectiva tanto sonora em si, ainda que sem “códigos específicos”, como na utilização de sua escrita com seus signos e símbolos, tanto na canção com a utilização da lingüística como na música puramente instrumental, adiante voltaremos ao ponto. 120 | Wesley Caesar
Quanto à Lingüística , devemos levar em conta os estudos e considerações de vários autores, embora possa haver entre eles caminhos diferentes de analises, mencionamos aqui o fundador da lingüística em finais do século 19, Ferdinand de Saussure (1857-1913), e no século 20, temos; R.Jakobson, L.T.Hjelmslev e N. Chomsky, os quais deram continuidade ao estudo, tornando-se os principais especialistas do assunto. A Semiótica se propõem ser uma ciência que estuda signos em geral e os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos ou de significação. Na obra Manual de Semiótica dos autores A. Fidalgo e A. Gradim dissertam um pouco sobre a História da Semiótica, acentuando: “Apesar da semiótica ser ainda uma jovem ciência, a reflexão sobre o signo e a significação é tão antiga quanto o pensamento filosófico” . Referem-se os autores à escritos Platônicos, citando Sócrates, Hermógenes e Crátilo. O Semiologista (ou Semiólogo) estuda símbolos e signos e ao percorrer as culturas humanas identificando as características especiais percebe a multiplicidade de materiais simbólicos, como por exemplo, as diferentes línguas. Estas por sua vez estudadas pelo Lingüista que ao considerar os princípios filológicos da constituição dos idiomas através das línguas existentes é capaz de identificar as variáveis culturais humanas. Roland Barthes é um dos mais conhecidos autores do assunto. Na sua obra L’aventure Sémiologique relaciona os estudos de Saussure, Hjelmslev e trata de aspectos já mencionados nas obras de outros autores. A expressão Semiótica (que tem sinonímia com Semiologia ) é antiga e vem do grego, apareceu como expressão dentro da medicina ainda no século 17. mesmo séculoideólogos o filósofodoinglês John Locke (1632-1704) um dosNomais influentes liberalismo – utilizou-se da ex-– pressão e desenvolveu uma obra intitulada “Ensaio acerca do entendimento humano” que trata temas como: As Ideias em geral e sua srcem, Palavras ou linguagem em geral, O significado das palavras, etc. Na obra “Tratado Geral de Semiótica” o autor Umberto Eco, disserta sobre as definições clássicas fornecidas pelos pioneiros da Semiótica contemporânea, Peirce e Saussure . Coloca os termos propostos primeiramente por Saussure ; “a língua é um sistema de signos que exprimem ideias, e, por isso, é confrontável com a escrita... o mais importante dos sistemas... uma ciência que estuda a vida dos signos no quadro da vida social... ela poderia fazer parte da psicologia social e, por conseguinte Música (Cultura e Sociedade) | 121
da psicologia geral... chamá-la-emos de Semiologia... (do grego; signo). Ela poderia nos dizer em que consistem os signos, quais as leis que o regem...” . Dentro da Filosofia do século 20 Saussure é conhecido como o criador do estruturalismo uma vez que ele concebia a língua como um sistema de elementos equivalentes ou opostos que formam um conjunto de relações... Ao pesquisar o assunto encontramos na maior parte dos textos em autores no setor da Semiótica da Música uma inclinação às teorias de Charles Sanders Peirce (1839-1914) um filósofo norte-americano com o qual a Semiótica (ou Semiologia) como Ciência, como Filosofia científica da Linguagem, enfim, como sistema de estudo dos signos, teria tomado forma. O autor H. Eco, então discorre sobre os conceitos propostos por Peirce: “Por semiose entendo uma ação, uma influência que seja ou coenvolva uma cooperação de três sujeitos, como por exemplo, um signo, o seu objeto e o seu interpretante, tal influência tri-relativa não sendo jamais passível de resolução em uma ação entre duplas” Continua Eco: “Segundo Peirce, um signo é qualquer coisa que está para alguém no lugar de algo sob determinados aspectos ou capacidades”. Mas, C.S. Peirce como filósofo e cientista escreveu uma obra que envolve outros estudos tais como; Lógica, Matemática e Pragmatismo . Então, em seus textos podemos ler argumentações sobre: pragmaticismo, fenomenologia, gramática especulativa, classificação das ciências e elementos de lógica. A Semiótica da Música pretende então estudar os significados musicais, tanto em seus aspectos acústicos, como da composição, das obras musicais, da percepção, da estética e da musicologia . No entanto, nos explica o musicólogo, filósofo e Phd (Puc-SP) José Luiz Martinez sobre as dificuldades em aplicar-se a Semiótica à Música, uma vez que o sistema proposto por Peirce é (Revista generalista e aplicá-lo à música intermediaria Opus n.06 – out. 1999).dependeria de uma teoria Mas, como vimos parágrafos atrás, em relação à Mente, Cérebro, Cognição, etc, ciências que avançam, podem influenciar na mudança ou adequação de conceitos em relação aos estudos da Semiótica. Entretanto, pode-se encontrar obras mais modernas com abordagens mais arrojadas, isto é, mais avançadas dentro do próprio escopo científico entre Música e Semiótica. Uma delas é a interessante obra “Curso e Dis-curso do Sistema Musical (tonal)” da professora e musicóloga Maria de Lourdes Sekeff , a qual voltaremos noutro capítulo. Num outro viés, podemos pensar na Música (do Ocidente) como algo que – já desde o começo do século 20 pra cá, em particular, com 122 | Wesley Caesar
a invenção do conceito de Pop Songs – tornou-se mercadoria, produto de consumo e, ao mesmo tempo, fetiche , aliás, este assunto já foi um pouco abordado noutro capítulo... Então, podemos entender que a Música tornou-se parte de um imenso conjunto de materiais disponíveis no mercado, o qual é realimentado diariamente pela indústria, na incessante multiplicação de objetos consumidos pelas sociedades contemporâneas. Neste aspecto Jean Baudrilard em sua obra “O Sistema dos Objetos” faz uma ampla leitura Sociológica dentro da perspectiva da Semiologia, cujo material de estudo deveria ser de interesse até mesmo do cidadão comum – o maior usuário dos bens de consumo produzidos pela indústria, esta por sua vez movida pela ideologia da tecnologia que repõem o estoque de produtos permanentemente numa perspectiva de obsolescência planejada. Para arrematar os temas da Mente, Consciência, etc, devemos acentuar que muitos contribuíram para a construção de tais noções, ou, para a ideia do que seja a “mente humana”. Entretanto, na visão das religiões e de muitos filósofos do passado, já citados (em particular a escolástica medieval) é a ‘alma’ ou o ‘espírito’ o centro do homem, e não, a ‘mente’ ou a ‘consciência ’. Estes temas da ‘consciência’ e da ‘mente’ humanas, ou como querem as religiões a “alma” ou “espírito” humanos, como sinônimos ou não, foram levantados, inúmeras vezes, porque são temas principais da vida humana... Embora este tema esteja (pelo menos por enquanto) não resolvido, ele é fundamental para entendermos os processos das nossas criações, em particular, a criação (ou invenção) da Música. Para encerrarnaeste capítulo quero tocar aqui na narrativa so que se consagra particularmente na canção que se do serdiscurve da Música escrita (da lingüística ), esta a qual, já comentamos, foi em grande parte seqüestrada pela indústria e vendida como Pop Song (ou seja, produzida propositalmente por autores contratados com este fim...). Apenas discorrerei aqui com base na experiência musical através de décadas, com base empírica no trato e na pratica da canção e na experiência do ensino em música. Na “Música Popular”, via de regra, a escrita, isto é, a palavra, está agregada. Então, as ‘narrativas’ dos discursos estão associadas à Música (isto é, aos sons distribuídos em intervalos, escalas e acordes ) formando aquilo que popularmente chamamos de “canção” ou a canção popular, a Música (Cultura e Sociedade) | 123
qual, no Ocidente entende-se ser a mais antiga tradição dos “fazeres musicais” e mesmo considerando parte do material musical produzido por outras culturas fora do eixo ocidental... A narrativa através das ‘palavras’ determina os eventos e as coisas em geral, de maneira objetiva, porém, a narrativa do ‘puro discurso dos sons’, isto é, aquilo que chamamos de ‘produção sonora pura’, não encontra determinantes objetivos, ou seja, o dizer de cada som, isto é, a ‘significação’ do som de cada nota musical, em princípio não se ‘apresenta’ (aos nossos “sentidos”) tal como os significados das palavras, este assunto nos levaria a outra obra... Já tocamos anteriormente sobre o fato que “padrões discursivos” quaisquer, podem ser encontrados por analogia (digo, em caráter meramente interpretativo) em outras espécies animais (?), etc, porém, o “universo de discursos” desenvolvido pelos humanos é peculiar com grau de “sofisticação” exclusiva... O “universo de discursos” inventado pelos humanos desde o mito foi capaz da construção de um mundo inédito se comparado a qualquer vida animal, pois, fundiu a vida ‘real’ com a ‘virtual’, de forma tênue... No entanto, quem poderá nos garantir que o que foi construído, portanto, todas as resultantes, dispuseram de “um” tal “maior saber”, e por isso, contou com a mais pura convicção adquirida pela experiência no âmago do ser senciente de todos os humanos, como nos faz crer a “magnificência” da modernidade?... Na tribo a “narrativa dos discursos” se funda (ou se fundava) no “mito e suas essências”, transmitida via oral para o grupo pelos seus ‘xamãs’,Entre ou uma entidade commodernas’, seus ritos,tais procedimentos, etc. narrativas são desas tais ‘culturassimilar, humanas critas em dimensões diferenciadas, através de meios que se servem como interlocutores onde o “xamã real”, foi substituído por dois “conjuntos complexos de discursos” e ‘atores’ que cumprem papéis, agora, “técnicos”, em uma realidade “administrada”... Os ‘conteúdos dos discursos’ foram alterados em seus princípios, não mais necessariamente descrevem “justificativas que preservam a ontogenia do próprio mito”, mas, sim, agora podem descrever o mito construído simultaneamente ao discurso... Sobre as questões dos significados dos sons, já tocadas anteriormente, faltou reiterar que: os ‘sons’, em si, não determinam qualquer limite no 124 | Wesley Caesar
processo da compreensão intelectivo-subjetiva mediada pela audição através do discernimento mental ou cerebral, o ‘som’ enquanto ‘vibração’ é destituído de sentido simbólico-intelectivo tal como as ‘palavras’ que identificam e classificam imediatamente; os objetos, as expressões, os pensamentos, etc, etc... – Salvo se através do avanço de alguma das ciências citadas preferencialmente quem sabe a própria Psicofísica (?) com o apoio de outras ciências cognitivas, etc, nos trazer maior clareza sobre os significados reais dos sons. Contudo, no capítulo “A Musicoterapia , O Fenômeno da Interação Vibração/Substância , A Cristalização da Água...” estamos tratando sobre temas que se aproximam muito de tal substrato, o qual, aqui estamos tentando indagar... Então, os sons, só passam a adquirir um dote classificador de sensações, ou de uma ‘semântica’ que organiza os sentidos das coisas tal como as ‘palavras’, quando de fato eles são organizados propositalmente atendendo a um sentido, uma lógica que “emerge”, que surge e se pré-organiza para servir como orientadora de discursos. Ainda assim poderá haver uma compreensão subjetiva dos sons, não classificadora de sentidos semânticos ... É possível que não por acaso as palavras propositalmente se somaram aos discursos sonoros como “emergência” do “pragmatismo” em sociedades ou grupos humanos obviamente organizados para uma vida reduzida a determinados princípios mitológicos (?)... São evidentes os exemplos de povos que constroemdiscursos sonoros com o uso específico de sons “puros” (com intervalos de sons ou mesmo
escalas),onomatopaicas porém, sem, conteúdo lingüístico , ou seja,cultura sem palavras , apenas com silabas por exemplo. Na própria ocidental, éabsolutamente trivial e cotidiano, o canto tipo sketch (canto em silabas, ou simples vogais e consoantes, onomatopéia pura, tal como os vocalizes no tradicional ensino do canto), cujos sons não representam necessariamente palavras ou quaisquer significados semânticos quepossam ser traduzidos e identificados como descritores de objetos ou coisas. Entretanto, conforme já sugeri, os sons em alturas específicas em seqüência, tal como a escala musical, combinados em intervalos diversos dentro da própria escala, formam um discurso, assim como o discurso das palavras. Uma ordem de discurso sonoro se torna intelectiva ou inteligível, compreensível à nossa “mente”, a partir da identificação de elementos Música (Cultura e Sociedade) | 125
contidos nela que previamente foram adotados pela nossa ancestralidade cultural. Então, os intervalos (as notas diferenciadas em alturas) de um sistema musical “adotado” por uma cultura (grupo, povo, ou civilização) humana serão reconhecidos pelos membros daquela cultura como algo natural, genuíno... Uma cultura, grupo ou civilização adotam “racional” ou intuitivamente um ou mais sistemas de escalas nos quais residem o seu material de produção musical, cujos princípios deverão estar provavelmente conectados a uma “ontogênese” dos seus fazeres sonoros... Na Música Ocidental dos últimos séculos sabemos do peso da influência do cartesianismo tanto para a formação de um “nexo” e de uma racionalidade, os quais deram direção ao pensamento. Por isso não é difícil perceber o quanto os elementos da composição musical e os ajustes intervalares do sistema musical mais recente, puderam ser afetados. O próprio sistema tonal que dependeu do temperamento igual determinando assim uma disposição intervalar na Escala é uma afirmação da influência do cartesianismo na música, ou de um racionalismo que busca ajustes organizados, contudo, vimos noutro capitulo que medidas intervalares com preocupações de ajustamentos mais precisos, são muito antigas. Analisar determinados aspectos nos leva para a dimensão de uma ontogenia das praticas sonoras humanas, já tocamos neste tema. No entanto, o conteúdo das freqüências vibratórias das notas musicais em suas conformidades ondulatórias podem nos dizer muito a respeito dos processos interativos entre vibração/substância , conforme já nos referimos noutro capítulo. do conteúdo lingüístico – o idioma de uma cultura humanaA odespeito qual caracteriza o perfil, a personalidade em–geral da própria cultura, relacionamos à seguir a situação atual dos idiomas em nível mundial segundo dados estatísticos. Estima-se que das seis mil e poucas línguas (alguns especialistas estimam por volta de dez mil) – idiomas humanos – ainda existentes no planeta, pelo menos a metade será extinta até o final do século 21 por conta dos domínios da expansão cultural moderna . Sabe-se que o número de idiomas no planeta já foi muito maior do que o atual. Quando uma língua desaparece, com ela vai embora uma cultura humana “dona” de um “saber” adquirido através de sua “tradição”, com possíveis acepções singulares, onde o material puramente lingüístico 126 | Wesley Caesar
(imaginemos ainda desprovido de escrita) poderá deter um conteúdo semântico portador de um conjunto de significados absolutamente particulares. Portanto, com sua eventual extinção, desaparece também o seu fazer sonoro ou musical, um fazer que poderia, quem sabe (?), nos trazer novas informações à cerca da Música em geral – Por hipótese uma tribo isolada em alguma ilha durante milênios, etc, etc... Para concluir, lembremos apenas que a fala manifesta em linguagem, conforme já comentamos, é antes o trato vocal (no caso, humano) que emiti sons em freqüências variáveis, ou seja, estamos nos referindo ao fazer sonoro imanente, à “Música” dos humanos em seu estado mais “puro”, desprovido ainda da “consciência” do fazer musical (ou sonoro) proposital..., então nesta perspectiva a dicotomia Língua/Fala é “antecessora” da “cultura musical”...
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VII – Os “conceitos” de Inteligência O “Pensamento” e a “Inteligência” – Apocalípticos e Integrados - O “Positivismo” organiza a semântica na invenção dos significados da palavra “Inteligência” – Os testes de QI (Galton e Binet) – A sugestão da “Inteligência Musical” por Howard Gardner
Neste capítulo queremos retomar o tema da Inteligência citado de passagem noutro capitulo, porém queremos buscar definições dos termos para melhor entendermos o que pode vir a ser, a tal Inteligência Musical como provedora engenhosidade em particular, a .e Aqui vamosdabrevemente tocarhumana, no conceito geral de Inteligência principalmente no conceito de Inteligência Musical sugerida por Howard Gardner que é professor de pós-graduação na Universidade de Harvard criador da teoria das inteligências múltiplas. Ainda não temos plena certeza, mas até onde chega os nossos conhecimentos atuais, somos “criadores” ou ao menos “usuários práticos” de algo “talvez” inédito no ecossistema, que é o pensamento , embora este possa ser compreendido em mais de uma acepção, contudo se constitui em tese, na plataforma da filosofia . admitindo a hipótese que outras espécies animais dotadasMesmo de pensamento , contudo, não desenvolveram a Filosofia tal sejam como surgiu nos últimos milênios aos humanos, ou ao menos por uma “elite” humana. Tão pouco, podemos notar se outras espécies animais teriam desenvolvido uma percepção intelectual das coisas, no nível da percepção humana, muito embora alguns estudos tenham avançado neste setor. Portanto, os humanos são os únicos que possuem tal predicado de forma explícita. O Pensamento como base para as atitudes “conscientes” humanas, é algo que se confunde com aquilo que entendemos como Inteligência que pode ser apenas um conceito ilustrado pela realidade, algo que não existiria sem a nossa presença. Basta sabermos se todas as culturas humanas, 128 | Wesley Caesar
as mais remotas e diversas, possuíam taisconceitos, com equivalentes semânticos. Trata-se de saber se nos milhares de idiomas já existentes em suas linguagens, se em cada um deles encontrar-se-ia qualquer palavra que contenha significados equivalentes a:Pensamento, Inteligência, etc, etc, etc... Então, como podemos crer que os significados semânticos de expressões que não existiam em outras culturas são genuinamente humanos, tais como acreditamos ser os atuais? Contudo, o que pode ser notado, é que a relação que pode haver entre os conceitos de Inteligência e a ideologia do Positivismo moderno, é muita estreita. Entre outras coisas tal ideologia exclui como conduta a duvida e a incerteza . Neste sentido, o homem moderno é “adestrado” para não questionar a realidade, não alimentar duvidas e nem incertezas , é ensinado a crer que compreende as coisas em suas substâncias mais intimas e não reconhecer que apenas as conhece operacionalmente, daí, o profundo estado de alienação. O tal Positivismo que se instaurou como ideologia nos últimos séculos, como propulsor da vida moderna não permite qualquer critica em torno da “realidade inventada” ou integrada, por isso alguns autores críticos foram categorizados como apocalípticos, e os não críticos, ou seja, os positivistas foram nomenclaturados como integrados. Umberto Eco (escritor, filósofo, ensaísta, semiólogo) em sua obra “Apocalípticos e Integrados” disserta a respeito, comentando:“... os Apocalípticos sobrevivem confeccionando teorias sobre a decadência, os Integrados raramente teorizam e assim, mais facilmente, operam, produzem, emitem suas mensagens cotidianamente a todos os níveis...”. O autor Eco questiona se não estaríamos diante de um problema que tem duas sugerindo que osApocalípticos (normalmente identificados com faces, os autores dateoria-critica da Escola de Frankfurt, embora tenhamos outras tantas escolas críticas) estariam produzindo material mais sofisticado para a mesmaindústria de consumo tão agraciada pelos Integrados (identificados com autores otimistas ou positivistas). Interprete como quiser o respeitável autor Umberto Eco , pois, dentro da realidade integrada, os positivistas encontram o seu integral espaço, “ditando assim os caminhos para a humanidade”. Umberto Eco completa: “O Apocalipse é uma obsessão do dissenter, a integração é a realidade concreta dos que não dissentem”. A expressão apocalíptico talvez deva ser melhor analisada, porém de toda forma o sujeito critico apocalíptico, não surgiu por acaso. Criticar implica antes, em se debruçar, Música (Cultura e Sociedade) | 129
tentar compreender muito bem as estruturas das coisas, correr o risco do isolamento, da antipatia, de tornar-se persona não grata. A “verdade” é que uma ideologização ou um “kit” ideológico, que trouxe de forma agregada uma carga histórica de objetos específicos com alto grau de abstração não congruente à seus próprios propósitos, instaurou-se como projeto, disseminando-se em períodos diversos a conta-gotas. Mas, o seu momento de maior propulsão teve êxito nos primórdios do século 19. Ainda em curso, o tal “projeto” tem tomado todos os cantos do tal “mundo moderno”. Neste contexto é o propositor da mais alta alienação humana talvez sem precedentes. Por isso as discussões mais prementes, de fato importantes, não podem vir à tona, e, é, neste aspecto que o conceito de Inteligência torna-se ainda mais fragilizado, duvidoso, altamente discutível. Parece ser unânime a crença na ideia de que a Inteligência é algo “positivo”, seja como algo que entendemos como um dote, talvez recebido como dádiva de “Deus”, por isso não exclusivamente humana, ou, algo desenvolvido pelos humanos em grau de exclusividade. O conceito de Inteligência surge num fluxo positivo dentro da história. É evidente que mesmo no Ocidente antigo, certos períodos históricos parecem claramente evidenciar, não haver qualquer preocupação com conceitos que em outras ocasiões se constituíram como norma, como cerne da história. O conceito de Inteligência é um deles. O conceito da palavra Inteligência em sua própria etimologia e a compreensão em seu conteúdo máximo talvez seja algo desnecessário à sobrevivência humana. Mas, já estamos inevitavelmente dependentes dele. Vamose apenas tentar buscar definições extraídas do vernáculo, ou dos dicionários, lembrar como surge na história recente a preocupação sobre aquilo que passamos a conceituar como Inteligência . Se consultarmos a palavra Inteligência nos mais antigos dicionários, a encontraremos? E nos idiomas das mais antigas culturas, ela estará lá ou terá ao menos um vizinho semântico? Nos modernos dicionários encontraremos a palavra com mais de uma acepção, em base refere-se à pessoa capacitada para resolver problemas, que possui faculdade de conhecer, compreender e aprender. Corresponde também a um conjunto de funções psíquicas e psicofisiológicas que contribuem para o conhecimento, compreensão da natureza das coisas e significado dos fatos(Houaiss). Refere-se também a; perspicácia, agudeza, intelecto, acordo, harmonia e entendimento recíproco. 130 | Wesley Caesar
Porém, a palavra ainda agrega significados mais extensos, por exemplo; Conluio, Maquinação, Trama, Destreza mental, (Aurélio). Estes últimos parecem esticar o conceito do termo de forma a levá-lo para uma nova dimensão da própria palavra. Ou seja, temos como sinonímia algo que estende tanto os seus significados que não estamos mais falando da mesma coisa. Encontramos como sinônimo o adjetivo Esperto cuja datação sugerida é século 13, que no sentido figurado quer dizerInteligente e Perspicaz (Houaiss). Mas, encontramos também Trapaceiro (datação sugerida 1692). Por sua vez fomos investigar o significado da palavraTrapaceiro e encontramos uma série de sinônimos entre eles os seguintes;Burlador (datação sugerida século 14) eDesonesto (datação sugerida séc.14). Vemos que não vale a pena continuar nossa investigativa semântica a cerca da palavra, nos dicionários atuais, porque o próprio sentido “positivo” da palavra Inteligência se desagrega em si própria em sua sinonímia, que se “negativa” a si própria, demonstrando indiretamente a fragilidade dos fluxos positivos ... Contudo, ao consultarmos dicionários mais antigos poderemos encontrar significados mais atenuados e menos contraditórios. Por exemplo; faculdade de entender, conhecimento, juízo e discernimento (Rafael Bluteau-1712-28) se referem à palavra Inteligência . As datações para as palavras; Inteligente, Inteligência, Intelecto, Inteligível, Intelecção , são dos séculos 16, 17 e 18. Porém, a palavra Inteligência tem srcem no latim, Inteligere . Existem sugestões de que os Chineses já pudessem estar preocupados com o “conceito” de Inteligência há milênios. Resta saber, se, o que faziam com ela tem paralelo com nossos conceitos atuais. O racionalismo grego pré-cristão uma vez interpretado pelo Ocidente trouxe uma evidente forma do pensamento e dos conceitos... O racionalismo levado a cabo principalmente à partir do cartesianismo passou a sugerir uma humanidade separada, entre, os inteligentes de um lado e os não inteligentes de outro... Então, os conceitos de Inteligência no Ocidente, surgiram neste fluxo organizador da cultura como algo que extrai do indivíduo o que ele poderá prover para a cultura não como algo imanente que parte dele para o grupo, mas o que a ideologia da cultura deverá possuir dele para a Música (Cultura e Sociedade) | 131
perpetuação da própria ideologia. Então, neste caso Inteligente é o sujeito que serve à ideologia da cultura e não ao contrário... Certamente não há, via de duas mãos, é uma via de mão única, o indivíduo produz para a cultura assim como o fiel produz para a sua religião. Neste sentido poderíamos então concordar com Umberto Eco , quando “denuncia” a posição contraditória e ambígua em que se encontram os críticos da cultura que acabam produzindo para a própria lógica de consumo da indústria da cultura... Tomemos agora as ideias de Howard Gardner o qual possui várias obras publicadas. No livro “Inteligência (Um conceito reformulado)” podemos ler logo no primeiro capítulo o seguinte: “Cada sociedade tem seu ideal de ser humano. Os antigos gregos valorizavam quem ostentava agilidade física, racionalidade e um comportamento virtuoso. Os romanos focalizavam a coragem máscula, e os seguidores do Islã apreciavam o soldado santo. Influenciados por Confúcio, os chineses valorizavam a música, a caligrafia, a arte de manejar o arco e o desenho. Hoje, na tribo Keres dos índios Pueblo, quem tem consideração pelos outros é altamente respeitado. Nos últimos séculos, sobretudo nas sociedades ocidentais, difundiu-se um ideal: o da pessoa inteligente. As dimensões exatas deste ideal evoluem com o tempo e o cenário. Em escolas tradicionais, inteligente era quem dominava as línguas clássicas e a matemática, particularmente a geometria. Num cenário empresarial, inteligente era quem previa oportunidades comerciais, assumia riscos calculados, construía uma organização, mantendo as contas equilibradas e os acionistas satisfeitos. No inicio do século XX(20), inteligente era a pessoa capaz de ser mandada para os confins de um império e executar ordens com eficiência... Ao aproximar-se a virada do milênio, dois novos virtuoses intelectuais passaram a ser
altamenteLembra-nos valorizados: ainda o analista de símbolos e o “mestre de mudança”. Gardner que dois mil anos atrás, funcionários imperiais chineses aplicavam exames difíceis para identificar quem estava apto para ingressar na burocracia. Na Idade Média, lideres da Igreja procuravam estudantes que fossem ao mesmo tempo estudiosos, sagazes e devotos. Comenta também que Francis Galton (primo de Charles Darwin) um dos fundadores da avaliação psicológica moderna achava que a inteligência era uma característica familiar. Galton em 1870 começou a elaborar testes de inteligência ... Bem, o que podemos completar aqui é que outros, assim como Galton forneceram mais estímulo para tais ideologias elaborando técnicas 132 | Wesley Caesar
de novos testes para medir a suposta inteligência das pessoas, os tais testes de QI (Quociente ou Coeficiente de Inteligência) que na verdade foram e são formas “arrogantes” e discriminatórias de medir e quantificar uma pessoa. Aliás, uma pergunta que não se faz, é, qual o fim em medir a suposta inteligência das pessoas? Pois, podemos argumentar que isto corre o risco de tratar-se de um ato que segrega social e existencialmente as pessoas, selecionando assim apenas aquelas que sejam úteis à ideologia da cultura. Então, podemos argumentar que foi (e tem sido) absolutamente lamentável e constrangedor submeter pessoas a tais testes só para sustentar as ideologias positivas do século 20. Não foram poucos aqueles que se interessaram pelo assunto da Inteligência , desde pelo menos Alfred Binet (1857-1911) psicólogo francês grande estimulador dos testes de inteligência . Sabemos que tais acepções fizeram avançar ou reforçar conceitos de cognição, que pertence ao menu das ideologias positivas... Óbvio que não houve um manifesto explícito e retumbante em relação à tais testes e mesmo o desprezo à qualquer cientista que se prestou a um trabalho tão abjeto e que contribuiu para a própria manipulação pedagógica no controle do comportamento, etc, etc, servindo inclusive como suporte à própria Psicologia , aquela que nos seus setores diversos agregou em áreas mais especificas ‘cabeças’ importantes como; Freud, Jung, Reich, e outros não menos importantes, incontestavelmente úteis à reflexão, no entanto, ao mesmo tempo, cientistas da cognição, dos tais testes de Inteligência que querem medir a capacidade do homem acabam contribuindo, de um lado, para criar um apartheid , uma segregação entre pessoas ‘conceitualmente’ e não inteligentes, que cujo objetivo sabemos bem, é fazer inteligentes, com que os supostos inteligentes sirvam ao fluxo das positividades ideológicas . De outro lado, servem à realidade forense, num mundo que a investigação, a vigília, e a punição, possuem alto grau de importância, infelizmente é neste questionável mundo o qual vivemos. Por isso, a Psicologia torna-se assim uma ciência um tanto fragilizada, ao usarmos as teorias de sua literatura como suporte de nossas argumentações. H.Gardner é autor de uma teoria que pretende ao menos em tese, ser mais “democrática”, pois, sugere que todas as pessoas sejam inteligentes , porém, com variabilidade entre as classificações as quais ele denominou como potenciais existentes em todas as pessoas, que é a Música (Cultura e Sociedade) | 133
teoria das Inteligências Múltiplas, já absorvida no mundo da pedagogia moderna do Ocidente. Obviamente esta teoria continua permitindo o controle social e até quem sabe de maneira mais requintada. De toda forma a teoria de Gardner propõem oito inteligências com rumo à outras possíveis, sendo em princípio: a Lingüística , a Lógico-Matematica , a Espacial, a Musical, Corporal-Sinestésica, Inteligências Pessoais, Naturalista e a Existencial (Scientific American– Mente & Cérebro– n.01). A Inteligência Musical que é aquela que nos interessa aqui, ele explica que esta, é identificável pela habilidade ou competência em compor, executar padrões musicais (rítmicos, melódicos e harmônicos) capacidade para ouvir e discernir. Pode estar relacionada a outras inteligências , tais como lingüística, espacial, e corporal-sinestésica . Neste sentido, não podemos afirmar que a criação musical ou os fazeres sonoros dos humanos são aqueles que passaram de geração à geração, de cultura à cultura, com uma auto-consciência que já se designava e entendia-se como Inteligência , pois, tal imanência deve ter consistido em si, apenas na pratica da cultura, assim como a Dança, ou mesmo a coleta de alimentos, a caça, a pesca, etc, sem necessariamente entenderse como processos os quais pudessem ser compreendidos como já dotados de um percurso de acontecimentos “inteligentes” ...
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VIII – A Musicoterapia, O Fenômeno da Interação Vibração/Substância (Figuras Sonoras), A Cristalização da Água, A Música na Filosofia Sufi (P.Ouspensky e o princípio da Vibração) e a Filosofia Perene Este capítulo reúne tópicos aparentemente heterogêneos, porém, algum elo entre eles haverá. Deixarei esta conclusão para o leitor, contudo espero estar aqui consentido pelos musicoterapeutas , ao incluir a Musicoterapia no mesmo capítulo em que disserto sobre “O Fenômeno da Interação Vibração/Substância (Figuras Sonoras), A Cristalização da Água, A
Música Desde na Filosofia Sufi eremotos a Filosofia Perene”. era tratada como algo divino, tempos a Música uma propriedade dos Deuses. Os antigos acreditavam que amúsica podia ser usada para fins terapêuticos, podia curar um enfêrmo quando usada adequadamente, e podia fazer efeito contrário se mal utilizada. Podemos encontrar estas ideias nos escritos dePlatão, e tantos outros. C. Paliska comenta que: “A Mitologia Grega atribuía à música srcem divina e designava como seus inventores e primeiros intérpr etes deuses e semi-deuses, como Apolo, Anfião e Orfeu. Neste obscuro mundo “pré-histórico” a música tinha poderes mágicos: as pessoas pensavam que ela era capaz de curar doenças, purificar o corpo e o espírito e operar milagres no reino da Natureza. Também no antigo testamento se atribuíam à música idênticos poderes” Não podemos deixar de observar aqui que, se o autor Paliska está fazendo um relato – aliás, bastante conhecido entre estudiosos – verdadeiro sobre a Grécia antiga, então, estamos falando também de ciência moderna , porque a Musicoterapia que é uma disciplina reconhecidamente séria e bem abrangente, tem como um dos principais escopos a ‘cura’ através da Música, então neste sentido os Gregos antigos sabiam muito bem o que diziam. Na obra Musicoterapia (uma visão geral) a autora Ana Léa Von Baranow, comenta: “Papiros egípcios datados de cerca de 1550 ac., atribuíamà música influência sobre a fertilidade da mulher.. Ainda hoje, os pajés e curandeiros dos povos indígenas Música (Cultura e Sociedade) | 135
utilizam a música como via de acesso para uma comunicação com os deuses e espíritos, buscando a cura de doenças e respostas para seus problemas...Durante a primeira guerra mundial os hospitais dos EUA contrataram músicos profissionais como ajuda musical após comprovar o efeito relaxante e sedativo nos doentes de guerra pr oduzido pela audição musical. “ Ana Léa explica que sómente na segunda guerra mundial (época em que surgiu a musicoterapia nos EUA com graduação nas Universidades de Michigan e Kansas por volta de 1944) com o grande número de soldados feridos e com traumas jamais vistos, é que houve um início efetivo da utilização científica da Música. Em 1950 foi fundada a Associação para Terapia Musical nos EUA. No Brasil os cursos só surgiram por volta de 1971. Na verdade a Musicoterapia alia trabalho de terapia clinica com pesquisa científica nas áreas de: Biomusicologia, Musicologia Comparativa, Psicoacustica, Teoria da Música, Acústica e Cognição Musical, Estética da Música, etc, todas elas já estudadas ou mencionadas ao longo desta obra. A autora Léa Baranow, busca algumas definições para entendermos melhor o que é a Musicoterapia. Menciona o fato que segundo a Federação Mundial de Musicoterapia em 1996, definiu-se: “Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (Som, Ritmo, Melodia, Harmonia) por um terapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para facilitar e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes...”. No livro “O Tao da Música”, John M. Ortiz (psicólogo e musico) propõem uma série de exercícios baseados em pesquisas clínicas realizadas durantee20 anos em cenários distintos.com O autor fundamentou-se em conceitos técnicas psicomusicológicas, exercícios e ideias que combinam os benefícios da música ou dos sons com princípios psicológicos e auxiliam na criação de ambientes internos e externos... John Ortiz se serve daquilo que ele se refere como Koans (ditados ou instruções aparentemente ilógicos ou impossíveis, para discípulos, mas com significado intrínseco mais profundo). Explica Ortiz que para compreender um koan é preciso compreender o contexto. Então, o autor relaciona uma lista de itens os quais se referem ao material usado em seu trabalho, como: “Técnicas básicas de psicomusicologia, maneiras criativas de usar técnicas psicológicas (cognitivas e afetivas) emcombinação com música ou sons, entoação, cânticos e afirmações psicomusicais, 136 | Wesley Caesar
aumento da percepção cotidiana a sons comuns para que eles trabalhem por nós e conosco, manutenção da sintonia com nosso ritmo pessoal em harmonia com nossas próprias melodias, implementação de termos ou frases srcinais, como ruído psicológico ou memória acústica, aprender a pensar musicalmente e a se concentrar no som (ouvir a melodia da voz de uma pessoa...) e a fazer associações sonoras usando construções psicomusicológicas criativas... essas conotações musicais e sonoras visam a instilar novas ideias sonoras e gerar um novo tipo de atenção...”. Bem, não precisaríamos nem mencionar que a Musicoterapia assim como todas as ciências , trabalha com a ideia do positivismo , porém, penso que a positividade necessária implantada pela Musicoterapia é o seu sustentáculo principal, por ser uma ciência clínica e pessoal, e, portanto, se relaciona à algo específico que é o tratamento das enfermidades, assim como a Psicologia , por exemplo, e outras ciências que possuem cunho filosófico , e, ao mesmo te mpo, cunho clínico , transitando entre ambos. Devemos assinalar que noutro capítulo a nossa visão crítica em torno daquilo que sugerimos ser um fluxo das positividades científicas e/ ou epistemológicas deve ser mantida, porque o positivismo como ideologia política é na verdade algo que se serviu (e se serve) de processos históricos como manutenção de vantagens dentro do espectro de uma estrutura social, já existentes... Assim, as reflexões sobre estas questões são absolutamente pertinentes... Mas, consideramos também, em contrapartida, que a Musicoterapia tem em seu substrato algo essencial à Música e, por conseguinte compreensão da vida... Então, da a Musicoterapia envolve estudos bem abrangentes, podemos dizer por nossa conta que ela é na verdade uma ciência multidisciplinar. A sua pesquisa como podemos observar não se restringe aos meros conceitos para a aplicação clínica, contudo, o seu principal objetivo é a cura ou o tratamento de seus pacientes. Dentro dos estudos diversos da Musicoterapia uma de suas pontas trabalhará com acognição, conforme já acentuamos anteriormente, esta se liga diretamente ao ensino-aprendizado em geral – O ensino e o aprendizado são por sua vez o “ponto chave” no fluxo ‘ positivo’ dos acontecimentos históricos em sociedades modernas conforme já demos a entender, pois, o “aprendizado” como imanência à sobrevivência é óbvio, Música (Cultura e Sociedade) | 137
porém o ensino-aprendizado como “instituição” que pretende superar a “lógica” da sobrevivência humana é algo que filosoficamente pode ser sempre debatido. Em relação a atribuir-se aos processos do ensino-aprendizado o caminho da mera ‘superação’ existencial humana e não a verdadeira ‘emancipação’ real do humano, é tema para uma discussão filosófica. Já tocamose interventora neste temanono capítulo ‘Revolução Científica’ Educadora campo do fazer“Amusical e da Cultura em como geral”‘nova’ . Mas, na própria perspectiva ‘positiva’ científica dasciências cognitivas, as questões do ensino-aprendizado estão entre outros objetivos como um considerável alvo nas séries de estudos que buscam entender melhor os tais processos cognitivos . Então, vários incentivos científicos num fluxo de ‘positivismo’ que envolve pesquisa, estatística, etc, neste setor do ensino-aprendizado , já foram consagrados. Na década de 1970, por exemplo, duas pesquisadoras; Sheila Ostrander (Literatura Francesa e Pedagogia – Univ. de Manitoba e formada em música pela Royal School of Music) e Lynn Schroeder (Literatura Inglesa e Psicologia – Skidmore College) realizaram várias viagens aos países os quais na época ainda pertenciam ao bloco soviético. Ambas fizeram muitas pesquisas e como resultado apresentaram ao Ocidente aquilo que chamaram de sugestologia. Descobriram (naquela época) em alguns lugares como na Bulgária, não só uma série de informações a cerca dos estudos damente, nas quais cientistas Russos já trabalhavam, bem como, todo um campo de pesquisa dentro daparanormalidade, que na época, era um material pouco divulgado no Ocidente. Sheila e Lynn em conjunto com uma terceira autora, pesquisadora e coordenadora de desenvolvimento mental, Nancy Ostrander, escreveram uma obra intitulada “Super-aprendizagem pela Sugestologia”. Nesta obra fazem um amplo relato de todos os seus estudos. O objetivo do trabalho é demonstrar que as capacidades de aprender e memorizar são virtualmente ilimitados. Para tanto os métodos (de sugestologia) se serviam basicamente de Música , ou seja, com o auxílio dela pode-se conseguir resultados surpreendentes na área da aprendizagem. Comentam as autoras: “Quando os relatórios sobre os efeitos da música começaram a transpirar da Bulgária, começamos a imaginar coisas. Com poucos minutos de música Barroca por dia, os alunos de Lozanov passavam a demonstrar não apenas uma consciência ampliada e melhor memória, como uma lista completa de benefícios para a saúde”. 138 | Wesley Caesar
O Dr. Georgi Lozanov é um psicoterapeuta búlgaro que desenvolveu métodos para o aprendizado de idiomas com uma técnica que se conhece como sugestopedia . Lozanov afirma que é possível aprender cinco vezes mais rápido. Contudo, alguns consideram a sugestopedia uma pseudociência. As autoras Sheila e Lynn citam aspectos os quais já tocamos em outros capítulos. Comentam sobre as questões das “vibrações” como fontes “organizadoras” da matéria. Citam algumas experiências da década de 70 que ficaram famosas – o que, aliás, bem recordo – com certos tipos de musicas que ao serem colocadas em contato com plantas exerciam um poder de transformação na aparência das mesmas. Os experimentos eram feitos especificamente com musicas Barrocas, em particular, as composições de J.S.Bach (1685-1750) e também com música indiana de Ravi Shankar (1920-). As autoras indagavam;... Se a música causa tais efeitos benéficos em plantas o que poderá causar aos seres humanos ... (?). O Fenômeno da Interação Vibração/Substância ou Figuras Sonoras é bem conhecido no meio de certos estudiosos da ciência Acústica. Marcelo Petraglia (já citado) da revista brasileira Ouvirativo (www.ouvirativo.com.br) desenvolve há vários anos trabalhos interessantes acerca do assunto. Petraglia cita alguns nomes importantes referentes à cientistas (físicos e matemáticos) que estudaram a Teoria do Som e que ao longo dos séculos deram contribuições para melhor compreensão dos “fenômenos físicos” relacionados ao Som enquanto Vibração.
Petraglia,que sobre o físico e vários musicoestudos alemãobaseados Ernst F. Florens Lembra-nos, Chladni (1756-1827) desenvolveu em seus antecessores, como L. Euler , J. Bernoulli e J. Riccati , realizando observações sobre superfícies vibratórias até então pouco estudadas. E.F. Chladni é conhecido como o ‘pai da Acústica’, muito embora outros também tenham aproximado-se desta titularidade... Chladni desenvolveu uma técnica para demonstrar os váriosmodos de vibração em uma superfície mecânica. Servindo-se de um arco de violino e uma harmônica de vidro (instrumento comum da época que era feito de tigelas de vidro fixadas a um eixo rotatório) baseando-se nos experimentos do cientista Georg G. Lichtenberg que demonstrou que uma descarga elétrica sobre uma superfície setornava visível espalhar-se sobre ela Música (Cultura e Sociedade) | 139
óxido vermelho de chumbo e pó de enxofre, com este antecedente acreditava chegar à ideia de tornar visível outrosfenômenos vibratórios. Chladni , na verdade, repetiu o experimento que houvera sido realizado em 1680 pelo filósofo e cientista Robert Hooke (Universidade de Oxford), apostando na possibilidade que, diferentes modos de vibração de um corpo podem tornar-se visíveis de diferentes formas se espalharmos algo sobre ele. Então, experimentou com placas de metal e vidro, cobertas com areia fina e observou como diversas figuras se formavam denominando-as Figuras Sonoras. Os tais padrões nodais (que são estudados dentro da Cymatic ou ‘Cimática’ que é o estudo das ondas ou do Som e Vibração visíveis) podem ser plenamente verificados. No vídeo experimental demonstrado pelo Ouvirativo , realmente o fenômeno é curioso, e bem conhecido no meio dos estudiosos, no entanto, explicaPetraglia que ao associarmos figuras com sons em movimento , vários fatores estão em jogo e não sabemos se estamos de fato visualizando a forma do Som ou a forma da Freqüência como pensamos estar, pois a experiência é o resultado da interação de um grande número de fatores. Na década de 1960 Hans Jenny desenvolveu o Tonoscópio um aparelho que permite a visualização do efeito do som e vibrações ele nos permite revelar os padrões que surgem quando vibrações interagem com diversas substâ ncias. Por exemplo, substâncias granulares como farinha e areia tendem a formar linhas nodais sobre uma superfície vibratória . Substâncias viscosas como óleo, glicerina, creme, etc, tendem a formar figuras tridimensionais onde uma outra gama de fenômenos pode ser observada. O mais curioso são os padrões de figuras na água. Relata-nos o Ouvirativo que nos experimentos onde a água é submetida a vibrações dentro de um recipiente circular, observaram-se dois processos oscilatórios básicos: ondas concêntricas que correm entre o centro e a periferia do recipiente e ondas radiais que circundam o recipiente no sentido horário e anti-horário, neste caso o resultado é a interação destes dois processos. Observam que ao longo dos experimentos que determinam o fenômeno, pôde-se constatar que o mesmo se constitui num sistema integrado como um organismo. Um trabalho surgido nas últimas décadas é de Masaru Emoto entendido por alguns como autor de uma pseudociência. Masaru ficou 140 | Wesley Caesar
mais conhecido no filme documentário “Quem somos nós” cuja temática gira em torno da física quântica, envolve também neurociência , por conseguinte, o Cérebro e a Mente... Emoto acredita que a energia vibracional humana , os pensamentos, as ideias e principalmente a Música afetam a estrutura molecular da água. Por isso dedica-se a fotografar a água depois de acionar alguma fonte sonora ou fixar pensamentos , ou ideias. Como resultado ao revelar suas fotos encontra figuras cristalizadas por vezes com estruturas geométricas complexas e muito curiosas. Grande parte deste material está disponível em seus livros; “Messages from Water”, “The Hidden Messages in Water”, etc. Tais cristalizações configuradas em estruturas geométricas mais uma vez nos reportam à Geometria Sagrada, tema o qual de passagem tratamos noutro capítulo. Voltando às autoras Sheila e Lynn, elas acentuam a ideia sobre a vibração como a fonte de todas as coisas. Escrevem:“Um ligeiro mergulho nas fontes ocultas da música demonstra que esta arte já esteve ligada a medicina e a promoção dos chamados ’feitos sobrenaturais’. Dois livros dedicados à música são atribuídos à Hermes Trimegistus, do antigo Egito.Eles estabelecem os princípios de uma filosofia relacionada com a música que foi transmitida durante séculos por grupos secretos e por corporações de músicos, pedreiros e arquitetos. O essencial desta filosofia éque existe uma harmonia e uma correspondência entre todas as diferentes manifestações do universo...Tudo que existe emana da mesma fonte, segundo a filosofia hermética...Os antigos matemáticos observaram o universo, perceberam a proporção entre as diferentes órbitas planetárias, enumeraram as periodicidades rítmicas da natureza, calcularam as
proporções do corpo humano.matemáticas. Juntaram tudo em uma ‘geometria sagrada’se–usadas um conjunto de razões e proporções Acreditavam que essas razões, no som da música e na arquitetura das edificações, estaria de acordo com as forças do universo, intensificando portanto, a vida”. Comentam ainda as autoras sobre aquilo que os musicos já conhecem bem, os sons uníssonos – ou simpáticos ( notas simpáticas ) que em forma de harmônios são acionados por vibração paralela, e que os antigos acreditavam que este fenômeno se reproduzia a nível cósmico, assim sendo – ao sintonizar-mos com as energias (vibracionais) do planeta para expandirmos nossos poderes naturais estaríamos então nos harmonizando e conseguindo a cura de nós mesmos e que estas energias do universo incluem a ideia de prana, uma energia penetrante. Música (Cultura e Sociedade) | 141
Continuam Sheila e Lynn: “Tudo, em nosso universo, está em estado de vibração. A matéria é formada por certos tipos de ondas vibrantes. Existe algo em comum entre as vibrações de uma nota musical, uma cor, uma substância química, ou uma vibração determinada dos elétrons no átomo. Cada uma vibra em sua freqüência específica em determinada proporção. O A (lá) abaixo de C(dó) médio vibra a 213 ciclos por segundo, relacionado com a cor vermelho-laranja e o metal cobre. O B(si) abaixo de C(dó), a 240 ciclos por segundo, relacionado com o amarelo e o zinco... O Dr. Donald Hatcth Andrews especialista em química, coloca que, estamos descobrindo que o universo é composto não de matéria, mas de música... As antigas escolas de música acreditavam que a música era a ponte que ligava todas as coisas. Seguindo as ideias de Pitágoras construíram o ‘cânone sagrado’ destas harmonias específicas, dos intervalos e das proporções dentro da Música – seriam os sons de ligação. Quando as pessoas ouvem os sons feitos sob determinadas proporções, os ritmos dos planetas e das plantas, da terra e do mar. A desarmonia e os padrões fora de sincronização na mente/corpo se dissolvem... A música seria a ponte para o cosmos, abrindo corpo e mente aos poderes mais elevados e ampliando a consciência. Através da música, microcosmo e macrocosmo entrariam em contato. Os compositores barrocos estavam imbuídos destas ideias ... eram treinados para usar um determinado numero e padrão de harmonia, contraponto, ritmo e tempo, em sua música. Acreditava-se que esta música barroca ‘matemática’ nos afetasse no sentido de ligar, harmonizar e sincronizar nossas mentes e cor pos a padrões mais harmoniosos”. Relatam as autoras experiências de laboratórios com determinados tipos de aparelhos que detectaram feixes de ondas específicos submetidos ao final da peça barroca Messias de G.F.Handel (1685-1759) que através de um gráfico demonstraram uma figura perfeita de cinco pontas. Bem, à matemática e a proporção referidas pelascapítulos, autoras (que nos levaquanto à Geometria e a Estética), já abordadas noutros vale lembrar que a ideia acaba por nos remeter novamente à noção de Mathesis Universallis (Matemática Universal) encontrada em R. Descartes , antes em Platão, e antes ainda em Pitágoras, etc, já questionada noutro capítulo dentro das noções filosóficas de M. Foucault, por sinal bastante pertinentes, porém que nos coloca em certo antagonismo filosófico, fato que já adverti na Introdução desta obra, não temos compromisso com a homogeneidade das ideias, queremos expor os contrários. Escrevem ainda Sheila e Lynn, sobre o fato de que os “mantras” orientais apresentam padrões precisos, geometricamente balanceados. 142 | Wesley Caesar
Citam também o compositor americano Alan Hovhaness (19112000), que foi um pesquisador de música de outras culturas, reputando a este a autoria do seguinte aforismo:“... Quando a música era melodia e ritmo, quando cada combinação melódica era uma dádiva dos deuses, cada combinação rítmica, uma prece para se penetrar nos poderes da natureza, então a música era um dos mistérios dos elementos, dos sistemas planetários, dos mundos visíveis e invisíveis”. Retornando um pouco aos experimentos do Ouvirativo , podemos ler no texto a seguir, o que exatamente em seu cerne vem de encontro com nossas intenções em relatar aspectos científicos que estão “separados” por uma linha tênue dos aspectos metafísicos cuja preocupação se evidenciou em alguns capítulos desta obra: “São muitas as analogias que surgem em nossa mente ao observarmos os fenômenos das Figuras Sonoras, pois são formas e processos que encontramos em muitos campos da natureza e mesmo da vida cultural e social. Estruturação e dissolução, cristaliz ação e fluxo, ordem e caos são acontecimentos presentes em todo o nosso campo de observação... Se aceitamos como hipótese defendida pela física atual que a essência ultima da matéria é ener gia vibratória, podemos facilmente imaginar que por detrás de cada fenômeno da natureza e configuração da substância, existe um complexo vibratório, que, se transposto para a nossa faixa auditiva se mostraria como som, como Música...” . Ao citarem a Físicaatual, referem-se inevitavelmente àFísica Quântica, a qual já tocamos noutros capítulos, porém, o que nos interessa aqui é que se o limite da matéria é a vibração então estamos novamente falando de Música (no seu sentido cósmico) enquantoSom, este enquanto Vibração, e mais, se o limite da matéria é algo que a Física tradicional não pode explicar etentando por issoexplicar então temos ao menos tese então, a Físicanão ou sabemos Mecânica Quântica o substrato desseem limite, se estamos falando de Física ou Metafísica, até que pelo menos as ciências possam dar explicações mais convincentes a cerca do tema. Retomo aqui o que tocamos alguns parágrafos atrás, sobre a Vibração e a possível alteração ou formação da matéria através ou a partir dela. Para tanto, volto a citar P.D. Ouspensky em sua obra Fragmentos de um ensinamento desconhecid o. Lembrando, que todo o texto a seguir tem base nos ensinamentos de G. I. Gurdjieff já citado noutro capítulo. Ouspensky nos descreve algumas revelações, as quais, na Filosofia Sufi e mesmo no Oriente antigo, eram entendidas como fundamentais à compreensão do Cosmos, da vida e da humanidade. Música (Cultura e Sociedade) | 143
Faz, então, uma exposição sobre as Leis Cósmicas, nos explicando que a primeira lei fundamental do universo, é a lei das três forças ou princípios também chamada de lei de três; positivo, negativo e neutro. A segunda Lei fundamental do universo é a Lei de Oitava, escreve: “Para compreender a significação dessa lei, é preciso considerar que o universo consiste em vibrações. Essas vibrações se processam em todas as espécies de matéria, seja qual for seu aspecto e sua densidade, desde a mais sutil até a mais grosseira; elas provem de fontes variadas e vão em todas as direções, entrecruzando-se, chocando-se, fortalecendo-se, enfraquecendo-se, detendo-se uma à outra e assim por diante... Segundo as concepções habituais no Ocidente, as vibrações são contínuas... A esse respeito, o modo de ver do antigo conhecimento opõem-se ao da ciência contemporânea porque coloca, na base de sua compreensão das vibrações, o principio da descontinuidade”. Esclarece Ouspensky que o principio da descontinuidade significa que todas as vibrações da natureza se desenvolvem de modo não uniforme. A força do impulso srcinal das Vibrações age até certo ponto sem mudar de natureza, mas algo intervém, e as vibrações deixam de obedecer a essa força e durante breve período se retardam mudando de natureza ou de direção. Então, progressões ascendentes ou descendentes das vibrações se fazem mais lentas, e depois deste retardamento temporário na subida ou na descida, as vibrações retomam seu curso anterior e sobem ou descem novamente de modo regular até que se produza nova parada em seu desenvolvimento. Comenta Ouspensky que é importante notar que os períodos de ação uniforme da inércia adquirida não são iguais e que os períodos de retardamento das vibrações não são simétricos. O que determina esse período de retardamento é a divisão das linhas de desenvolvimento das
vibrações em secções ro de vibrações numcorrespondentes lapso de tempo.ao duplo ou a metade do númeEntão, relaciona uma proporção numérica atribuindo por hipótese a uma freqüência de 1000 (vibrações) que depois de certo tempo duplica para 2000... Ou seja, está descrevendo aqui o fenômeno físico da Oitava, aquilo que trivialmente se estuda em Música. Devemos notar que Ouspensky nada mais está à relacionar dados de cálculo sobre as vibrações na perspectiva de explicar um fenômeno físico natural. Tal explanação é algo muito antigo que deve pertencer ao conhecimento dos mais antigos “sábios”, além do que é absolutamente conhecido entre os músicos antigos e atuais. 144 | Wesley Caesar
Acrescenta ele, escrevendo que, “as leis que determinam o retardamento das vibrações ou seu desvio da direção srcinal eram bem conhecidas da ciência antiga . Essas leis estavam incor poradas numa fórmula ou diagrama que se conservou... Nessa fórmula o período no qual as vibrações são duplicadas, dividese em oito partes desiguais... A oitava parte é a repetição da primeira com um numero duplo de vibrações. Esse período, isto é, a linha de desenvolvimento de vibrações, medida a partir de um dado numero de vibrações, denomina-se oitava, composto de oito partes”. Explica ainda Ouspensky: “O principio de divisão do período em oito partes desiguais, durante o qual as vibrações se duplicam, baseia-se no estudo do aumento não uniforme das vibrações na oitava inteira e cada uma das diferentes partes da oitava mostram a aceleração e o retardamento de seu desenvolvimento em diferentes momentos”. Neste ponto Ouspensky nos dá uma visão histórica desta fórmula :”Sob o véu dessa fórmula, a ideia de oitava foi transmitida de mestre a aluno, de uma escola a outra. Em tempos antigos, uma dessas escolas descobriu a possibilidade de aplicar essa fórmula à música. Assim é que se obteve a escala musical de sete tons (sons) que ficou conhecida na antiguidade, depois esquecida e reencontrada ou ‘descoberta’ de novo”... Mas creio que a melhor observação de Ouspensky vem a seguir: “A escala de sete tons (sons) é uma fórmula de lei cósmica elaborada por antigas escolas e aplicada a música. Entretanto, se estudarmos as manifestações da lei de oitava nas vibrações de outras espécies, veremos que as leis são as mesmas por toda parte. A luz, o calor, as vibrações químicas, magnéticas e outras, estão submetidas às mesmas leis que as vibrações sonoras; por exemplo, o espectro da luz, conhecido pela
Física; em química, a tabela periódica dos elementos, que está, sem duvida alguma estreitamente ligada ao principio de oitava”. Demonstra adiante Ouspensky a relação da Oitava não só na perspectiva da música , expondo então toda a relação dos intervalos, caminhando por ordem escalar até chegar num raio , isto é, num circulo ou numa circunferência cuja figura geométrica é certamente uma das principais referências dentro da Geometria Sagrada – A circunferência normalmente serve para representar o Circulo das Quintas, demonstrando a organização do sistema musical (voltaremos ao tema). Ouspensky comenta o fenômeno das vibrações interiores . Explica:”... em todas as vibrações se produzem outras vibrações e cada oitava pode ser decomposta Música (Cultura e Sociedade) | 145
num grande numero de oitavas interiores”. Na Física , bem como, na teoria da música , tratamos o fenômeno Série Harmônica (já mencionado noutro capítulo) como algo que se refere ao fato que, quando uma fonte sonora qualquer que produza sons compostos é acionada, ela própria produz sons paralelos aos q uais são denominados harmônios , estes se autoreproduzem em série, portanto, Ouspensky está descrevendo semelhante fenômeno. Nesta perspectiva ele se refere ao raio da criação ou a oitava cósmica correlacionando a vibração do “Absoluto” que é o todo, ou mundo 1, isto é, todos os Universos, como equivalente ao Dó (a vibração dó) e, por conseguinte em múltiplos de três (3) demonstra a Escala de Dó em plano descendente relacionada da seguinte maneira: Dó = 1 (Absoluto), Si = 3 (Todos os Mundos), Lá = 6 (Todos os Sóis), Sol = 12 (o Sol, obviamente do nosso sistema), Fá = 24 (Todos os Planetas), Mi = 48 (Planeta Terra), Ré = 96 (Lua) e o próximo é o Absoluto novamente que é na verdade a conclusão da Oitava. Mais adiante Ouspensky explica que a influência da ação do Absoluto sobre tudo e todas as coisas se dá por um processo de radiação através dos espaços estelares e interplanetários, então coloca que para estudar estas radiações propõem que tomemos o raio de criação sob a forma de três oitavas de radiações: a primeira entre o Absoluto e o Sol, a segunda entre o Sol e a Terra e a terceira entre a Terra e a Lua. A partir deste ponto Ouspensky introduz uma dissertação sobre a formação dos Intervalos musicais à nível cósmico, e mais adiante passa a se referir aos elementos químicos (o carbono, oxigênio e nitrogênio) constituídos em forma de 12 tríades relacionados às respectivas “notas” ou vibrações constituindo assimeuma tabela periódica com base no hidrogênio que leva números progressivos relacionados às 12 tríades a qual denomina a Tabela dos Hidrogênios. Este assunto é muito específico e nos levaria a outra empreitada. Devemos notar que o próprio Ouspensky reconhece “matematicidade” em todo o processo, portanto, os conceitos expostos são notoriamente pitagóricos que por sua vez estão conectados no arco das tradições... Comentamos anteriormente que, Ouspensky embora filósofo e psicólogo, foi discípulo (e o maior propagador dos conhecimentos esotéricos) de Gurdjieff que tem mensagens da Filosofia Sufi em comum 146 | Wesley Caesar
também com a Filosofia Perene . Esta última (já notamos) talvez a mais antiga de todas as filosofias (de acordo com Karen Armstrong e Aldous Huxley ) – aquela que deu base à todos os princípios religiosos modernos e que ao mesmo tempo proveu em certos aspectos o próprio racionalismo grego ao menos na Metafísica Aristotélica, ou mesmo Platônica , enfim – pois, a lista de perenialistas é grande, vem dos antigos filósofos. Poderíamos talvez considerar do antigo Egito até chegarmos à antiga Grécia, depois já no medievo em Sto. Agostinho , etc, etc, até aos nossos dias com René Guenon entre tantos outros já citados nesta obra. Sobre a importância da influência do pensamento perenialista em todo o pensamento religioso e místico, e direta ou indiretamente até no “científico”, na obra “A Filosofia Perene” seu autor Aldous Huxley, escreve: “Podem achar-se rudimentos da Filosofia Perene nas tradições dos povos primitivos em todas as regiões do mundo, e em suas formas plenamente desenvolvidas tem seu lugar em cada uma das religiões superiores. Uma versão deste Maximo Fator Comum em todas as precedentes e subseqüentes teologias foi pela primeira vez escrita faz mais de vinte e cinco séculos, e após o inesgotável tema foi tratado uma e outra vez do ponto de vista de cada uma das tradições religiosas e em todos os principais idiomas da Ásia e Europa”. Lembra-nos Huxley que embora o termo Philosophia Perennis tenha sido cunhado por G.W.Leibniz , (1646-1716) o seu conteúdo filosófico é universal e imemorial, porém como sabemos Leibniz a tomou de Agostinho Steuco (1496-1548) bibliotecário do Vaticano. Do modo como descreve Huxley não há como não encontrar em maior ou menordagrau, inevitavelmente ou Pitágoras indireFilosofia Perene desdeadeptos Platão àdiretos Hegel , de tos do pensamento a Descartes ... Então, todas as descrições conceituais que fizemos neste capítulo e mesmo nos outros capítulos, que se referem aos estudos da Metafísica ou mesmo da Física e da Matemática em seus conteúdos mais abstratos, poderiam ser “explicadas” dentro dos ensinamentos da Filosofia Perene, e a Música provavelmente como o principal “dizer”, o principal significado do Cosmos, será o ponto de partida de toda a mística de todas as culturas humanas em todos os tempos...
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IX – Os Elementos da Música na concepção Ocidental dos últimos séculos Ritmo (o pulso da Música), Melodia (A Escala Musical como Fonte), Harmonia (Uma –“invenção” recente), Forma, Tessitura e Timbre As noções mais de Estética e Arte
No capítulo “Quatro décadas de uma experiência pessoal na Música” de passagem toquei nos elementos que, em particular, no Ocidente vieram a constituírem-se como principais; Ritmo, Melodia e Harmonia. Contudo, outros elementos contribuem para a sua elaboração; Tessitura, Forma,
Timbre das propriedades, do e, os aspectos ‘técnicos’ que de-a lineiam(uma a execução-interpretação queSom) imprescindivelmente completam música ao menos no conceito Ocidental. Aqui vamos dissertar mais especificamente tais elementos que deram constituição do fazer musical dos últimos séculos. Comecemos pelo Ritmo, pois, este detêm definições as quais modelaram os conceitos formadores da música no Ocidente. Primeiramente não há como falar do Ritmo, sem falar do Tempo, assunto já desenvolvido noutro capítulo, então, uma vez já colocada as definições possíveis sobre o Tempo, devemos considerar que o Ritmo só pôde surgir dentro desta abstração que é o Tempo. Então, o acontecimento da Rítmica é o acontecimento do Tempo. A palavra Rhytmus vem do latim e parece surgir como expressão escrita em 1702 (Houaiss), porém sabemos que é bem mais antiga. No grego antigo, a ideia de ritmo era entendida dentro da gramática como associado ao verso, fundamento principal junto à poesia. No mais antigo dicionário da língua portuguesa Rafael Bluteau, a palavra Rhitmo se refere a cadencia, medida, numer o... Nos modernos dicionários, a palavra Ritmo aparece numa acepção geral como sucessão de tempos fortes e fracos que se alternam com intervalos regulares (Houaiss) ou no curso de qualquer processo, variação que ocorre periodicamente de forma r egular (Aurélio). 148 | Wesley Caesar
Dentro da acepção musical é definido como ocorrência de uma duração sonora com intervalos regulares. Padrão rítmico que define um gênero (Houaiss). Agrupamento de valores de tempos combinados de maneira que marquem com regularidade uma sucessão de sons fortes e fracos de maior ou menor duração conferindo a cada trecho características especiais. A marcação de tempo própria de cada forma musical (Aurélio). Podemos encontrar ainda expressões derivadas, comoRitmopéia que sugere estar diretamente ligada à canção, como a ciência de ritmar ou parte da arte (ou composição) musical, poética ou oratória relacionada às leis do ritmo. Nos livros de teoria da Música encontraremos as definições da palavra Ritmo de maneira mais sucinta, porém, quanto mais antiga a obra de teoria musical mais torna-se possível encontrarmos acepções mais abrangentes, filosóficas e/ou científicas. No conceito de Aristóxeno (séc. 4 a.c.), o Ritmo é “uma ordem na repartição das durações” , conforme nos lembra o professor Bruno Kiefer em sua obra Elementos da Linguagem Musical. O professor Kiefer faz comentários diversos sobre classificações gerais do Ritmo. Citando o seu colega H. J. Koellreuter, a despeito de como o Ritmo se processa em outras culturas colocando em antítese a música do oriente, por exemplo, a música indiana em contrapartida a música Européia. Descreve: “... Para o indiano o metro é ordem, mas não é medida. Não é um conceito de quantidade, mas sim um fator de qualidade, a própria essência da Música...”. Completa Kiefer: “Nesse sentido a música indiana distingue-se fundamentalmente da racionalidade da música européia em que a medida de caráter
matemático papel essencial”. Nãoassume temosumespaço aqui para abordarmos osprocessos das durações sonoras, ou seja, asformas rítmicas, dentro dos fazeres sonoros de todas as culturas humanas possíveis. Seria na verdade um assunto para uma obra específica. No que se refere aomenos àMúsica do Ocidente, acentua o professor Kiefer que os aspectos conceituais daRítmica que se diferenciaram de período à período, demonstram cada fase entendida como principal, as quais demarcaram planificações característicasda composição. O segundo elemento da Música no Ocidente é a Melodia. As suas definições podem ser encontradas praticamente em todos os livros de teoria da Música. Portanto, seria redundante estarmos aqui a defini-la, mas o que queremos é notar aspectos que a determinam. Música (Cultura e Sociedade) | 149
Como nos lembra Bohumil Med em sua obra Teoria da Música: “Toda Melodia se caracteriza pela variação de alturas (linha de sons) e pela variação de duração (ritmo)”. Esclarece-nos ainda Bohumil sobre as classificações possíveis da Melodia quanto à sucessão das notas (em graus conjuntos, com predominância de saltos...). Alguns autores relacionam as características da formação das melodias, tais como: Tema, Célula ou Motivo, Frase, Inciso, Período, etc. Na antiga obra intitulada Lições Elementares de Teoria Musical (1918) de Samuel Arcanjo , pode-se ler sobre as espécies de Melodia: Melodia Temática e Melodia Ampla. A Melodia tem como fonte provedora a Escala que por sua vez se caracteriza por conter intervalos de alturas dispostos em seqüência se encerrando numa Oitava. Na verdade, a Escala como sistema musical é então – conforme vimos no capítulo que trata da Filosofia Sufi (P.Ouspensky, o princípio da Vibração e a Lei cósmica de Oitava ) – o raio da criação. No entanto, na perspectiva da razão matemática, num cálculo arbitrário, podemos dividir a Oitava em quantas partes se queira. Por isso podemos encontrar incontáveis estruturas intervalares que formam Escalas diversas com 5 (Penta), 6 (Seis), 7 (Sete), 8 (Oito) e mais sons ou notas dentro do sistema musical cromático , por exemplo, que é o “grande sistema musical ocidental”, fundado antes na lógica das 12 tonalidades maiores e menores, mas que alinhadas às 12 tônicas (puras) em seqüência, formam um sistema fechado que se encerra com 12 sons dentro da Oitava e que tem vigorado nos últimos séculos (ver adiante). A despeito Escala destes e da forma comosesedão organiza sistemas musicais, sabemos, que da as srcens processos primeiramente na tradição das culturas, antes ainda na mitologia ou na “mística” dos tempos. Depois podemos entender que à partir da elaboração do cálculo em certas culturas ou sociedades é que forma-se um sistema musical voltado para a razão matemática . Lembra-nos William Lovelock : “Toda música baseia-se em alguma espécie de Escala e uma descrição das srcens da nossa Música deve começar por um exame da derivação do Sistema de Escala Musical” . Já comentamos sobre a mística do número sete noutro capítulo como provedor da formação da Escala. Não demos ênfase ainda ao numero cinco, como básico nas Escalas antigas, as tais Pentatônicas . 150 | Wesley Caesar
No capítulo Matemática e Organologia vimos que a “ciência do cálculo” é muito antiga, lembrando que a Matemática ao menos no Egito antigo estava confinada à aritmética. Não é difícil imaginar que os primeiros prováveis “cálculos” podem ter partido da contagem dos próprios dedos das mãos, pois, o numero cinco é absolutamente evidente em cada uma de nossas mãos. Se isso não ocorreu, ao menos temos uma prova potencial da Escala Pentatônica como a mais antiga de todas as Escalas, muito embora saibamos que antes dela possa ter surgido situações de fazeres sonoros humanos com predominância de um (único) som, tal como alguns mantras, por exemplo, que ainda subsistem. Apesar de tudo, acredita-se que a srcem da Escala Pentatônica remonte a China antiga. Porém, ela pode ser encontrada na Música Folclórica de várias culturas, como: a Celta, a Húngara, a dos povos do Oeste da África e da Ásia em geral, etc. No século 20 ela se tornou muito notória à partir da divulgação maciça do Rock americano, este por sua vez srcinou-se do Rhythm&Blues e do Country . Pois, a presença da Escala Pentatônica no Blues é absolutamente patente. Sabe-se bem, que na China antiga, tanto a escala de sete sons (Heptatônica) como a de cinco sons (Pentatônica ) eram usadas para fins diferentes. Como sabemos a soma de 7 + 5 é igual a 12, e, é neste número que encontramos nas ideias astronômicas do Egito antigo, as prováveis srcens da ideia do número 12 para se fechar um sistema musical, inclusive o próprio sistema da Escala cromática ocidental que ainda vigora: Dó – #/b – Ré – #/b – Mi – Fá – #/b – Sol – #/b – Lá – #/b – Si 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Colin A. Ronan (já citado) comenta sobre os egípcios antigos, a cerca do fato que a filosofia para eles não se constituía num foco de interesse, estavam mais preocupados com questões praticas, em medir o tempo, por exemplo. Com isso desenvolveram uma astronomia com base utilitária para a marcação do tempo. Então, não se interessavam com a natureza do universo físico, porque os sacerdotes-astrônomos estavam mais preocupados com a vida após a morte. Alguns desenhos Música (Cultura e Sociedade) | 151
em papiros demonstram isso. Pode-se notar que os conceitos da origem do universo se referia à uma mitologia que tentava explicar o início de tudo através de um cataclismo ou dilúvio. Cerca de 2.500 antes de Cristo os egípcios tinham três calendários; o civil, de 365 dias, o companheiro lunar e o ano lunar srcinal. Os egípcios foram os primeiros a considerar a divisão do dia, o qual correspondia à um período (que inclui o dia mais a noite), ou seja, entre um nascer do Sol até o outro pode-se dividir em dois turnos de 12 horas, portanto, um total de 24 horas, o que aliás adotamos até hoje. Explica-nosColin que eles escolheram 12 horas porque elas correspondiam ao movimento das estrelas pelo céu, do seu nascimento ao desaparecimento durante a noite. Um escriba teria observado o movimento de estrelas específicas em seu nascer e desaparecer, durante períodos determinados o qual denominou “hora” o período entre um nascer helíaco de uma estrela (ou grupo de estrelas) e o nascer da seguinte. De modo que o número 12 tem um significado especial muito antigo, e como vimos parece ter sido preservado pelo Ocidente, em particular nos últimos séculos. Lembremos aqui Max Weber (1864 -1920) em sua obra “Os Fundamentos Racionais e Sociológicos da Música”que entre outras coisas pretende dissertar sobre as diferenças entre amúsica Ocidental e Oriental, acentua que a racionalidade oriental buscaria em algo exterior a razão da divisão dos intervalos para se chegar a uma estrutura de Escala. Então, a “música primitiva” estaria ligada a fins práticos, conclui que“a existência de um gozo estético autônomo indicaria a verdadeira racionalização da música ocidental” . Melodiao, que Voltando aos conceitos do queelaé aexpressa ela tem caráter universal, ao menos em tese, porque é a própria Música, ou seja, é a música por excelência. Contudo, no Ocidente ela assumiu significados diferenciados ao longo dos períodos. Por exemplo, não podemos dizer que o significado (e o próprio desenvolvimento ) da Melodia no período Monódico do CantoChão, ou seja, quando a Melodia era em si a única expressão possível da própria Música possa ser comparado à Polifonia em séculos posteriores, uma vez que esta propõe uma planificação musical absolutamente distinta da Monodia pura. Pois, o enlace de vozes qu e surgirão na téc nica de composição Polifônica , não pode ser confrontado a nenhum dos períodos tanto 152 | Wesley Caesar
anteriores da predominância da Monodia do canto litúrgico (séculos 6 a 10) como posteriores (século 17 em diante), quando irá predominar a Melodia-Acompanhada que surgiu antes como intenção primeira que levou à invenção da Ópera (ver capítulo: Aspectos da Formação da Música Ocidental), organizando novos caminhos, fazendo surgir a Harmonia (o verticalismo em contrapartida ao horizontalismo da Melodia) como teoria e técnica de composição que fez da Melodia um “refém” a submetendo às regras do funcionalismo Harmônico, cuja acepção musical se estendeu até à própriaMúsica Popular que inevitavelmente redirecionou a própria Música no Ocidente. Conforme já introduzimos nos parágrafos anteriores, o outro elemento importante da Música Ocidental surgido há poucos séculos foi o evento da Harmonia como teoria de Acordes (dentro da perspectiva de uma “Teoria de Afetos”), que dão acompanhamento à Melodia fazendo desta última a sua “subordinada” ou ao menos extremamente dependente, à ponto que a Melodia desde então tornou-se Melodia-Harmônica . O número de publicações sobre tratado de Harmonia é enorme, por isso seria redundante estar aqui a discursarmos sobre as suas definições. O que nos importa é porque a Harmonia surge como técnica de composição se ela antes não existia como tal. Pois, a palavra harmonia é muito antiga, remonta à Grécia pré-cristã, porém detinha outros significados, não se referia àquilo que passou a caracterizar-se no Ocidente. Vale ressaltar as observações de Max Weber reiterando os nossos apontamentos: “Toda música racionalizada harmonicamente parte da Oitava e
a divide nos dois‘frações intervalos de quinta quarta,estão portanto em duas frações do esquema... chamada próprias’ que etambém na base de todos os intervalos musicais abaixo da quinta. Portanto, se a partir de um som inicial subirmos ou descermos em ‘círculos’ primeiro em oitavas, em seguida em quintas e quartas ou em alguma outra relação determinada... então, as potencias dessas frações nunca poderão encontrar um mesmo som... A décima segunda quinta justa é uma coma pitagórica maior do que a sétima oitava... Esse inalterável estado de coisas, e a circunstância de que a oitava é decomposta por frações próprias em apenas dois grandes intervalos diferentes, constituem os fatos fundamentais de toda a racionalização da música” . Esta nota de Weber é bem sabida entre os músicos. Sobre as relações harmônicas, esclarece: “Nossa música harmônica de acordes racionalizou o material sonoro mediante a divisão aritmética, e respectivamente harmônica, Música (Cultura e Sociedade) | 153
da oitava em quinta e quarta; a seguir, pondo de lado a quarta, da quinta em terças maior e menor... etc, etc... Partindo de um ‘som fundamental’ a harmonia de acordes constrói sobre ele suas quintas superior e inferior, cada uma dividida aritmeticamente por suas duas terças, gerando um ‘acorde de três sons’ normal; obtém-se então, através da classificação, em uma oitava, dos sons formados nesses acordes de três sons(suas oitavas respectivas), o material total da escala diatônica ‘natural’, a partir do som fundamental em questão; e, conforme a terça maior esteja situada acima ou abaixo, uma escala ‘menor’ ou ‘maior’, respectivamente... Weber tinha especial interesse em observar “a grande importância do monacato dentro do curso da racionalização da música ocidental”. No Renascimento o “espírito inovador” surgia expresso nas ideias centralizadoras fundadas na razão científica, com protagonistas artistascientistas como Da Vinci e outros. A Música gradualmente passou a ter nova acepção dentro de um horizonte já mutável em seu fluxo histórico, agora mais acentuadamente racional. No período do Barroco (1600-1750) que caracteriza ainda a pratica Polifônica na música ocidental se desenvolveu aquilo que passou a ser conhecido como Teoria dos Afetos, “sustentando o poder da música sobre as emoções do ouvinte, segundo um conjunto de regras que se relacionam entre si, colocando em jogo recursos musicais e estados emocionais específico s” como nos lembra a professora M.L.Sekeff. Então, contemporaneamente à polifonia Barroca , a Ópera teve o seu desenvolvimento, porém, esta possui uma história à parte. Seus primórdios determinaram a independência de uma classe social que pretendia e “marchava” rumo ao poder e que tais características âmbito sócio-culturais acabaram por eafetar a Música num planode geral em seus conceitos composicionais estilísticos, até mesmo na forma, conceitos tessiturais, etc. O Temperamento da Escala Ocidental, nos séculos 17 e 18, estava implicado no fato que uma substituição de sistemas musicais havia ocorrido. O sistema Modal cedeu lugar ao sistema Tonal das 12 tonalidades maiores e 12 menores... Citando novamente o professor Bruno Kiefer , esclarece-nos ele que com o período do Classicismo (1730/50-1810) o tema (musical) “deixa de ser um simples fragmento melódico para se transformar num bloco estrutural, formado, em geral de diversas partes, mais ou menos contrastantes, compostas ou não 154 | Wesley Caesar
a partir dos mesmos elementos, e que podem ter caráter melódico, rítmico, ou meramente harmônico, quando não uma combinação destas qualidades”... Acentua Kiefer a importância da Tonalidade envolta e determinante neste “jogo” de sons e “afetos”. Cuja trama, podemos completar, fixa-se num “centro’, o tal, Centro Tonal, que expressa ao mesmo tempo a primeira Lei Tonaldentro da perspectiva daHarmonia Funcional(H. J. Koellreuter). Desta decorrerá outras leis que encerram o sentido da música tonal a qual caminhou durante quase 150 anos chegando ao seu esgotamento. Sobre a questão da tonalidade citemos novamente Weber: “A música harmônica de acordes construída sobre esse material sonoro mantém agora, por princípio, em sua configuração completamente racionalizada, para cada composição musical a unidade da escala ‘própria’ produzida através da relação com o ‘som fundamental’ e com os três acordes normais de três sons principais: o principio da ‘tonalidade’...”. Então, em finais do século 19 e começo do século 20, quando do esgotamento do tal sistema tonal, muitos compositores propuseram uma possível reafirmação do sistema , porém, utilizando-se do sistema cromático de 12 sons como gama geral do Sistema-Escala , com propostas de novas divisões intervalares possíveis dentro do próprio sistema, como Claude Debussy com a Escala hexafônica de tons inteiros , A. Schoenberg propondo a Dodecafônia , e tantas outras sugestões surgiram com divisões intervalares dentro da própria escala cromática ... Nesta perspectiva da música chamada Erudita ou dos compositores que se constituíram na vanguarda das sociedades obviamente dentro da música de concerto, de orquestra sinfônica e filarmônica, etc, surge aquilo que os historiadores vão denominar de música moderna . Assimmoderna nos lembra empreciso, sua obra A Música Moderna “Se a música teve umPaul pontoGriffiths de partida podemos identificá-lo na : melodia para flauta que abre o Prelude à l’Après-Midi d’un Faune de Claude Debussy (1862-1918)”. Griffiths aborda então desde Debussy até Pierre Boulez (1925-) demarcando assim a música que se processou no século 20 como algo em paralelo à música popular. Porém, isto é relativo à cultura de cada país. Pois, o que chamamos de música Erudita no Brasil pode ser “popular” na Áustria ou na Alemanha, etc. Do ponto de vista desta música das salas de concerto houve no século 20, muitas vertentes estilísticas e mesmo na perspectiva das técnicas de composição, como: Impressionismo, Influências Jazzísticas, Música (Cultura e Sociedade) | 155
Politonalidade, Atonalidade, Expressionismo, Pontilhismo, Serialismo, Neoclassicismo, Microtonalidade, Música Concreta, Música Eletrônica etc. (Roy Bennett) Em cada uma das vertentes encontraremos vários compositores, porém quero lembrar aqui A. Walter Smetak (1913-1984) que radicado no Brasil, influenciou muitos músicos ao ensinar, criar e inventar instrumentos para experiências microtonais. Todas estas vertentes buscavam novos horizontes para a composição, algumas chegaram a eliminar a escrita da música em partitura, produzindo outras formas de escrita musical. No entanto, em contrapartida, durante todo o século 20 e começo do 21, com raras e honrosas exceções como no Jazz, no Rock Progressivo e na Música Experimental em geral, a maior parte da Música Popular manteve-se “conservadora” quanto à técnica de composição, em particular a música de consumo (a música da indústria do entretenimento), ficou retida no passado, ao mesmo tempo não representou legitimamente o seu caráter de música srcinal, do folclore, da expressão “autêntica” do povo, serviu-se da lógica “autoritária” estrutural da tonalidade e de toda a sua trama, à ponto de não encontrar mais sobrevivência na perspectiva de uma música autônoma que fosse auto-suficiente, pois, serviu-se de uma teoria da música já esgotada, como também do Modalismo, e este por sua vez é muito mais antigo que a Tonalidade. Ao menos o modalismo estava (está) “pendurado” no arco da tradição do Ocidente. Mas, este assunto mereceria uma outra obra (ver “Aspectos da Formação da Música Ocidental”). Os outros elementos que constituem parte integral da Música no Forma, anestes Tessitura Ocidente e o Timbre aqui, entretanto,são nosa debruçar três elementos em. Não vista queremos do amplo material informativo hoje disponível, compêndios deteoria e história da música que tratam mais especificamente do assunto, contudo, queremos aqui apenas citar os tais elementos, em caráter meramente de apresentação. A Forma musical como algo não necessariamente consciente, criada involuntária e espontaneamente, deve remontar os mais antigos tempos, porém, como algo consciente e proposital, calculado, etc, deve ter surgido mais recentemente. Nos últimos séculos no Ocidente ela (a Forma) assumiu um caráter determinante intrínseco nos estilos musicais porque se refere ao “mapa” da peça musical. 156 | Wesley Caesar
Conforme acentua Roy Bennett: “Usamos a palavra Forma para descrever o projeto ou configuração básica de que um compositor pode valer-se para moldar ou desenvolver uma obra musical. São vários os tipos de formas ou configurações, obtidos através de diferentes métodos, nos diferentes períodos da história da Música”. No antigo livro (1918) de teoria da Música de Samuel Arcanjo , podemos ler: “... Para que uma sucessão de sons constitua uma melodia propriamente dita, é necessário que os sons conservem entre si relações lógicas e ordenadas, sob o ponto de vista tonal e rítmico. Essa ordem de proporções recebe o nome de Forma... Forma ou Construção é a estrutura de uma melodia, ou de seus elementos integrantes (períodos, frases, células ou motivos...)” . Então, a Forma implica em divisão de partes, ou seja, uma primeira parte que normalmente é entendida como parte A, depois uma segunda parte entendida como B, etc. Assim, toda a música do Ocidente do folclore ao erudito passando pelo popular implicou e implica numa Forma. Comenta o professor B. Kiefer em sua obra “História e significado das Formas musicais”: “As Formas musicais, como de resto todas as formas em arte, só podem ser compreendidas e sentidas quando colocadas dentro do contexto cultural da época que as gerou”. A Tessitura é um outro elemento importante na construção musical, normalmente se refere a uma “disposição das notas para se acomodarem a uma determinada voz ou um dado instrumento... escala de sons de um instrumento... composição do tecido, textura...” (Houaiss). O Timbre é uma das propriedades do Som, conforme vimos noutro capítulo, é também entendido como um dos elementos da Música , ao menos Ocidente. não são muito claras, normalmente ele seno refere à “cor”Suas do definições som. Instrumentos de naturezas diferentes que eventualmente emitam a mesma nota, na mesma altura, certamente produzirão diferença no Timbre , pois, o conjunto de harmônios produzido por cada um dos instrumentos poderá ter diferenças. O mesmo ocorre com a voz humana ao emitir-se a mesma nota (tipo uníssono) vinda de duas fontes diferentes, notaremos a diferença de timbre. Outros aspectos contribuem como complemento da composição musical e, por conseguinte da respectiva interpretação ou execução. Aquilo que normalmente entende-se como Técnica que se refere Música (Cultura e Sociedade) | 157
normalmente à execução da música, peça, ou canção e que envolve na verdade questões ergométricas e/ou físico-mecânicas que se relacionam com a destreza do executante. Normalmente associamos Técnica a um princípio inviolável que consiste nos próprios movimentos requeridos à existência da execução de qualquer instrumento musical. Estes movimentos se relacionam às habilidades motoras em suas conformidades. Precisaríamos de um capítulo especial para tratarmos este tema. Tais argumentações nos levam à um outro aspecto importante que é o resultado Estético da composição. Então, devemos perguntar aqui o que é Estética musical?. Pois, o conceito de Arte e o conceito de Estética estão praticamente entrelaçados. Mario de Andrade em sua obra Introdução à Estética Musical comenta: “A Estética Musical faz parte da própria técnica do musico. Todo músico sabe Estética musical e tem a dele, senão não é musico. Dantes ela era de aquisição autodidática resumida às observações e reflexões do próprio artista. Porém, com a harmonia se deu o mesmo e com a instrumentação também. Não tem compositor sem estética musical. Um estudo preliminar da matéria evita a porção de tolices que os compositores dizem a respeito dessa matéria. Vem daí a desconfiança e descrédito com que certos estetas e cientistas observam os compositores em geral. Aliás, desconfiança e descrédito justificadamente recíproco”. Há inúmeros livros e autores que tentam responder o que é, ou meramente dissertar sobre a Estética e a Arte. Na filosofia, por exemplo, podemos encontrar vários autores que se debruçaram neste tema. Um deles foi G.W.F.Hegel (1770-1831) que em seu tratado de Estética tenta definir e esclarecer uma concepção objetiva da Arte, tentando discernir ou estabelecer relações entre oBenedito belo artístico belo natural Nunese oprofessor Citando novamente de. literatura e filosofia, nos lembra ele que os conceitos do Belo e da Arte (Kállos, Tékne e Poiésis) na Grécia antiga possuíam acepções específicas, cuja aplicação em nossa contemporaneidade talvez não consagre os termos como imaginamos: “O conceito de Belo (to Kalón) teve, na cultura e na filosofia gregas, implicações morais e intelectuais que condicionaram o alcance do seu sentido estético, o qual não foi o predominante nem esteve diretamente relacionado com a Arte, na acepção estrita do termo. Ars,artis, palavra latina da qual anossa derivou corresponde ao grego Tékne, que significa todo e qualquer meio apto à obtenção de determinado fim, e que é o que se contém na ideia genérica da arte. Quanto a poiésis, de significado 158 | Wesley Caesar
semelhante à tékne, aplicada por Aristóteles, de modo especial, para designar a poesia e também a Arte, na acepção estrita do termo”. Explica-nos o professor Nunes que os gregos antigos fizeram prevalecer três acepções fundamentais em torno do Belo ; estética, moral e espiritual . No sentido estético o Belo é a qualidade de certos elementos de pureza, como sons e cores agradáveis, das figuras geométricas regulares, das formas abstratas, como a simetria e as proporções definidas, a qualidade, enfim, de toda espécie de relação harmoniosa. A beleza dos elementos puros repousa principalmente nos sentidos davisão e da audição enquanto que as coisas que se compõem de partes dependem dos princípios do equilíbrio e da unidade na variedade. De modo que o agrado estético, prazer de ordem superior, decorre mormente da atividade privilegiada desses dois sentidos , de natureza intelectual, que estariam mais próximos da essência imaterial da alma. Quero lembrar dois aspectos. Primeiro, o que já dissertamos noutros capítulos à cerca dos nossos sentidos, o quão vulnerável e fluídico estão sujeitos. Segundo, observar que na filosofia grega o discernimento que pretende ser dotado de uma conduta “científica” é ao mesmo tempo dotado de especulações metafísicas . E, neste sentido o quanto os renascentistas que “adotaram” o pensamento grego absorveram naturalmente, paradoxos filosóficos desta cultura. Portanto, nesta linha de pensamento, no grego, Belo é o que agrada ver e ouvir, então, pode-se dizer que a “escolha” é um dote cultural e não biológico. Continua Nunes acentuando que, na acepção moral grega, a Beleza é, justamente, o patrimônio das consigo almas equilibradas, conseguem manter-se em perfeita harmonia mesmas... oque meio termo entre a virtude e o vício que para Aristóteles é a medida do Bem. “As duas ideias, a do Belo e a do Bem foram unidas por Sócrates e Platão, união essencial, teórica e prática, que o pensamento filosófico transformou num ideal pedagógico... Sócrates ensinou aos seus discípulos que tudo o que se pode chamar de belo é útil, preenchendo uma função”. Observa que entre as três espécies deBeleza há uma relação hierárquica, então o Belo estético é sujeito às duas outras espécies que lhe são superiores, e que as artes estão subordinadas. Se a música é pura, se a poesia visa estimular as boas qualidades da alma, uma e outra conseguem produzir, nos ouvintes, o mesmo efeito moderador que seria obtido pela simples contemplação de formas geométricas Música (Cultura e Sociedade) | 159
regulares, da proporção e da simetria. Poesia e Música, as artes das Musas, que formaram, na cultura grega, um complexo artístico, deviam servir para acalmar as paixões e não para excitá-las, e, assim, acalmado as paixões, elas poderiam criar uma predisposição favorável à pratica das virtudes. Vê-se, pois, que a Arte preenche uma finalidade moral, objeto de segunda espécie de beleza”. Comenta sobre a Tékne ou Ars que queria dizer Arte no sentido lato. O meio de fazer, de produzir. Nessa acepção, artísticos são todos aqueles processos que, mediante o emprego de meios adequados, permitem-nos fazer bem uma determinada coisa. Arte é a própria disposição prévia que habilita o sujeito a agir de maneira pertinente, orientado pelo conhecimento antecipado daquilo que quer fazer ou produzir” Daí derivou o conceito de Arte de Aristóteles . Então, ter-seia as Artes da medida e da contagem , considerada pelos antigos como básicas, as Artes Manuais que possibilitam a fabricação de objetos destinados ao uso, e a Artes Imitativas como; Pintura, Escultura, Poesia e Música. Completa o professor Nunes nos explicando que a “Póiesis, é produção, fabricação, criação. Há, nessa palavra, uma densidade metafísica e cosmológica que precisamos ter em vista. Significa um produzir que dá forma, um fabricar que engendra, uma criação que organiza, ordena e instaura uma realidade nova, um ser. Criação, não é, porém no sentido hebraico de fazer algo do nada, mas na acepção grega de gerar e produzir dando forma à matéria bruta preexistente, ainda indeterminada, em estado de mera potência... A Arte, enquanto processo produtivo, formador, que pressupõe aquilo que ordinariamente chamamos técnica, e enquanto atividade pratica, que encontra na criação de uma obra o seu termo final, é póiesis”. Na clássica obra História Social da Arte e da Literatura de Arnold Hauser o autor escreve: “... o sentimento de que o antigo deve ser melhor, ainda é tão forte, histórica que os historiadores da provar arte e que os arqueólogos não que recuam falsificação quando tentam o estilo artístico maisdiante os atraidaé também o mais antigo. Alguns declaram estar a arte baseada em princípios estritamente formais, na estilização e idealização da vida; outros, que se baseia na reprodução e preservação da existência natural das coisas, constituindo a mais antiga evidência da atividade artística – segundo vejam na arte um meio de dominar e subjugar a realidade, ou a vivenciem como um instrumento de submissão à natureza”. Citando novamente Mario de Andrade arrisca ele uma definição sobre a Estética; “A Estética é a disciplina do saber que estuda a Arte”. No entanto, mais adiante ressalva: “Ninguém mais hoje pode acreditar que uma definição contenha o significado total geral e particular duma coisa...”. 160 | Wesley Caesar
Porém, disserta Mario convictamente sobre as acepções da Estética como um processo que envolve filosofia, metafísica e ciência: “Desde os tempos históricos mais antigos da filosofia os pensadores incluíram o Belo entre as evidências psicológicas junto do Bem e da Verdade. E estudaram as manifestações dele. Isso prova que a Estética é uma preocupação intelectual antiguíssima que já na Grécia e na Índia fazia vibrar a imperiosa curiosidade humana. Apenas não tinha nome e não se delimitara numa disciplina determinada do saber. É no século XVIII(18) que esse batismo e essa delimitação aparecem. O filosofismo francês começa com Tratados e Ensaios sobre o Belo. Afinal Alexandre Baumgarten (17151762) baseado numa passagem de Aristóteles criou a palavra Estética denominando com ela o seu livro de 1750... De primeiro a Estética geral foi unicamente filosófica e especulativa. Desprezados os elementos da experiência a preocupação quase única era determinar o conceito de Belo e estabelecer a função dele... Esse filosofismo que no princípio foi tão exagerado a ponto de se tornar uma exclusiva especulação metafísica se transformou aos poucos pela precisão lógica de conformar a realidade objetiva do Belo com a força criadora e compreensiva do espírito. Daí tornar-se essa metafísica inicial numa lógica que não ignorava o fator psicológico e já principiava a se servir dele. Aristóteles na Grécia, Kant pros tempos modernos representam o clímax dessa evolução. A Estética geral não era mais pura divagação muito ética, porém se apoiava nas ciências de experiência. Era já um estudo positivo senão experimental contrastando com a dialética primitiva”. Mario de Andrade como estudioso da cultura demonstra como uma especulação filosófica se torna uma disciplina do saber... – Reduzir a Música a um tratado que se refere a conceitos que se edificaram em determinados períodos da história, nos deixa incertos. Na verdade, o assunto mereceria outra obrapara – Teríamos muito àsobre dissertar, temos aqui uma introdução mera referência o temacontudo, .
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X – Interpretações sobre os conceitos de História e Comentários sobre a História da Música do Ocidente Noções sobre as possíveis definições de História (Questões gnoseológicas) - Preâmbulo para o capítulo “Aspectos da Formação da Música Ocidental”
Este capítulo é um preâmbulo para o próximo “Aspectos da Formação da Música Ocidental”. Queremos apenas aludir sobre as interpretações possíveis daquilo designamos Históriaa ,História para que mos de passagem tocar que em aspectos que como prepararam da possaMúsica do Ocidente... Logo de início é importante observarmos com certo viés antropológico, em autores (como Claude Lévy-Strauss ) que acentuam o fato que; “historicidades” humanas serem contemporâneas não determina qualquer cumplicidade que nos permita identificar uma linha continua, ou seja, uma linha histórica, uma linha do tempo que pretenda ser a expressão da própria história, pois, contemporâneo , não quer dizer similar, apenas algo que acontece ao mesmo tempo, e que podem ser portadores de conteúdos absolutamente distintos, na ordem cultural geral. Contudo, podemos dizer que eventualmente através de uma dada intervenção (colonizações, pilhagens, relações comerciais, etc, etc) tais culturas humanas podem passar a existir mutuamente com características agora aproximadas, donde a confusão sobre, a história de culturas que apenas convivem, mas que não possuem valores semelhantes..., são somente contemporâneas e mantêm “intercâmbios”... Não temos como focar exclusivamente aspectos históricos da Música ocidental sem estarmos a depender da historiografia, do historicismo e seus métodos. Diante disto, seria correto investigar-se qual a real utilidade da história como ciência, como ela surge (?). Até onde a História pode ser entendida como um corpo único, o qual unificaria a expressão de 162 | Wesley Caesar
todos os humanos?. Tais respostas nos levaria à uma empreitada a qual não temos espaço e nem é o nosso objetivo... Aqui, apenas iremos tocar em noções sobre o tema. Já anunciamos que não é a finalidade desta obra (e nem nos sentimos gabaritados) aprofundar em questões das metodologias científicas... Entre alguns estudiosos parece claro que não há “uma” história da humanidade, mas cada cultura humana , até poucos séculos, tinha a sua própria “história”. Não há como não notarmos que o Ocidente moderno tornou-se dominante e “agregou” culturas distintas que se tornaram aparentemente “semelhantes”. Arrisquemos algumas definições possíveis sobre o que é História através dos pareceres de alguns autores. O problema é compreender quais são as escolas do pensamento histórico, suas metodologias e objetivos ..., o que nos leva aos modelos já existentes das analises do processo do conhecimento, e, por conseguinte, na problemática gnosiológica, das relações cognitivas no processo do conhecimento... “A teoria geral do conhecimento humano que envolve a reflexão em torno da srcem, natureza e limites do ato cognitivo” (Houaiss), implica num processo que envolve sujeito e objeto de estudo . Na obra “A Interpretação da História” de James T. Shotwell, o autor nos explica que a palavra “História”, vem do grego, e era usada pelos jônios no século VI a.c. para significar a busca de conhecimentos... , significava indagação, investigação e não narrativa... , séculos mais tarde foi substituída por um outro sentido... Assim a história começou como um ramo científico, tal qual denominado pelos atenienses como a Filosofia. Só com
Aristóteles a.c.) é que“A a História a sercomeça uma no forma de história empassou si mesma... alvorecer literatura...(384-322 O autor completa: da memória e da invenção da fala”..., mesmo a era pré-literaria teve sua história, primeiro no mito depois na saga..., esta (a saga ou a epopéia) representou um avanço sobre o mito, nela os feitos dos homens substituem os feitos dos deuses... A história verdadeira, como registro do que realmente aconteceu, amadureceu na prosa...”. O professor Marc Bloch (1886-1944) – que fundou com Lucien Febvre a revista dos Annales (1929) o mais importante movimento historiográfico do século 20, que ficou conhecido como escola dos Analles, um marco divisor nos novos conceitos de seanalisar, interpretar e escrever história, se propunham à ir além da visão positivista da história como crônica de acontecimentos – em sua obra“Apologia da História”comenta: Música (Cultura e Sociedade) | 163
“A palavra história é antiqüíssima... nas srcens da historiografia, os velhos analistas narravam, desordenadamente, acontecimentos...” Na obra “A Nova História” que envolve uma coletânea de textos de vários autores como; Jacques Le Goff, Georges Duby e Michel de Certeau que num dos capítulos comenta: “O livro de História de há cem ou cento e cinqüenta anos tinha sobretudo um papel de identificação (nacional, patriótica, social, religiosa) para o grupo onde circulava. Legitimava, circunscrevia, doutrinava igualmente. Ancorava-se num passado. Dava validade a uma ambição do grupo ou à pretensão de uma elite sobre o todo da sociedade”. Contudo observa Certeau sobre como no contemporâneo a história pôde adquirir um caráter que funde “mitologia, história, fato, inter pretação, etc, etc, simultaneamente: “É hoje a Televisão que, em História, privilegia o valor seguro, o relato patente, a vulgata comum. Aí prosperam a narrativa doutrinal e os nomes academizados”. Bem, quanto à televisão este é um tema que voltaremos mais tarde, agora o que nos interessa é o surgimento da história como ciência ou ao menos como plano de visão dos eventos humanos incorporado ao mundo científico, e como ela foi aludida de geração a geração. Certamente temos dois aspectos distintos que se mesclam naturalmente; a vida da cultura e da sociedade que produz e pereniza a sua história no seu “contínuo”, e a interpretação científica destes processos... Adam Schaff (1913-2006) em sua obra História e Verdade disserta sobre o condicionamento social do conhecimento histórico, e as duas concepções (as duas maiores escolas) da ciência da história; o positivismo e o presentismo que certamente diferem em seus princípios... Se, a história ciência exclusiva Ocidente, então,Anesta narperspectiva, qual é como a intenção da énarrativa dosdoacontecimentos?. rativa histórica pretende envolver uma gama de eventos “humanos”, ao mesmo tempo, tais eventos estão inscritos num contexto geral que envolve os paradigmas da Cultura... A ordem e a organização das prédisposições nos conteúdos das narrativas poderão servir tanto ao condicionamento das ideias alienando o sujeito, bem como, ao contrário, a sua emancipação intelectual. Na obra “História Social e Econômica da Idade Média” do professor Gerald Hodgett, podemos ler ainda na orelha do livro, o seguinte: “O mito da idade média como ‘idade obscura’, difundida pelos historiadores liberais do século 19, foi totalmente derrogado pela historiografia contemporânea. Com ampla 164 | Wesley Caesar
riqueza de argumentos, esteados em fatos incontroversos, mostraram eles que a história da idade média é de fundamental importância para a compreensão orgânica do mundo moderno. Tampouco é o medievo ‘uma fase de transição’ entre a Antiguidade Clássica e o mundo contemporâneo. Isso porque a sua história é a própria história da Europa em suas bases romano-cristãs: o Ocidente,como hoje o consideramos, foi elaborado nas retortas sociais, culturais, econômicas e políticas do Medievo, e ali nasceram as instituições e os valores que tornaram possível a nossa civilização. Está hoje comprovado que com Occam e Orésmio e outros os séculos 13 e 14 elaboraram o espírito da ciência moderna. Também está comprovado que o Renascimento por longo tempo, apontado como a contraface do Medievo, começoucom Francesco D’Assisi, quer dizer, na própria Idade Média”. Neste discurso do professor Hodgett , apesar de corroborar o que argumentamos nesta obra, porém, demonstra certa contraposição ao acentuar o fato que não há clara distinção entre medievo e renascença , coloca-os como um contínuo histórico... No entanto, em geral, o historicismo “ortodoxo” do ocidente tenta transmitir a ideia do ethos da cultura. Discursa sobre o medievo como o conjunto de elementos culturais os quais o dialogo em torno do abstrato foi a sua principal marca fundadora até chegar-se à sua “dissolvência” com o alvorecer da lógica renascentista-iluminista dos séculos 15, 16 e 17 (que prepararam o campo para um “novo” mundo), “planificada” pelo racionalismo (a partir do século 17), ou ao menos com grande suporte nele – o qual, diga-se de passagem, contribuiu com grau de relevância para a organização da Música. Então, sobre a construção de uma Historia da Música Ocidental, temosdeque ter em vistaemque uma ampla edaverdadeira realização musicais de categorias fazeres sonoros níveis graduados produção e planificação surgiu no Ocidente como uma acepção que se autodenomina composição que inclui elementos que nem sempre existiram em outras “culturas humanas civilizadas”, por exemplo; a teoria da Harmonia, o “conceito” de canção Pop moderna , a própria “elaboração” de uma “estrutura rítmica” e a própria noção de melodia, etc, etc. Podemos analisar também que, a ideia de uma estruturação musical que tenta ter uma narrativa , assemelha-se como “padrão” de evento, à narrativa do mito – talvez pudéssemos interpretar que este fato seria uma pista que nos aproximaria da ideia de uma ontogênese dos fazeres Música (Cultura e Sociedade) | 165
sonoros humanos, constituindo-se assim, como demarcações da criação de um conceito “epistemológico ” musical, ou da Música. O “batismo” aos fazeres sonoros que “fundam” um conceito do fazer musical, com o epíteto de Música, é especificamente Ocidental, e mesmo que outras civilizações utilizassem por coincidência o mesmo codinome aos seus fazeres sonoros ainda assim não teríamos qualquer garantia das similaridades de seuselementos de elaboração, de fazimento, entretanto, as premissas pitagóricas (séc. VI a.c.) ocidentais que organizaram uma “ideologia” (uma seita) musical fundada na sagração do número como elemento fundamental do universo dentro da ideia do talQuadrivium (ver noutro capítulo), é na verdade uma acepção possível do complexo de possibilidades que fundam uma cultura, pois à época de Pitágoras, Arquitas de Tarento, Aristóxeno e Erastóstenes, para citar alguns, tiveram entre si propostas diferentes para a fundação de umsistema musical ou um sistema de escalas, que é o ponto de partida para a elaboração daMúsica. Comenta Nikolaus Harnoncourt em sua obra intitulada “O Discurso de Sons”: “Da Idade Média à Revolução Francesa, a música sempre foi um dos pilares da nossa cultura... Compreendê-la fazia parte da cultura geral. Hoje, no entanto, ela se tor nou um simples ornamento que permite preencher noites vazias com idas à concertos, ou em casa com a ajuda de aparelhos de som espantar ou enriquecer o silêncio criado pela solidão. Donde o paradoxo: ouvimos, atualmente, muito mais música do que antes, mas na pratica isto representa bem pouco, não mais que uma mera função decorativa... A modificação radical da significação da Música processou-se nos últimos dois séculos com rapidez crescente...”. Completa Harnoncourt escrevendo que: “Ela (a Música) era a língua do indizível e só os seus contemporâneos podiam compreendê-la. A música transformava o homem – tanto o ouvinte como o músico”. Bem, para concluir este capítulo que tentou pincelar aspectos da noção de história como pré-condição para se compreender a historiografia que organizou a História da Música no Ocidente, podemos dizer que o racionalismo filosófico, a mitologia grega antigos, o paganismo romano, a cultura monoteísta judaico-cristã, parecem trazer a mescla da cultura Ocidental conforme estamos acostumados a assim conceber. Contudo, seria interessante, “quantificar”, se possível, os graus de interdependências no processo do fazer histórico dos tais aspectos citados, formadores da cultura , e, portanto, já introjetados nela...(?) 166 | Wesley Caesar
XI – Aspectos da Formação da Música Ocidental - Os Primórdios - O Medievo - Era Moderna - A Música no mundo contemporâneo Aspectos “mitológicos”, filosóficos, científicos e sociais que contribuíram para a formação do caráter da música (invenção dos gêneros e estilos musicais) no Ocidente em suas compleições
Como vimos, este capítulo está prefaciado pelo anterior. “Inter-
pretações sobre. os conceitos de História e Comentários sobre a História da Música do Ocidente” Não descreveremos aqui, a História da Música do Ocidente com datas e nomes de autores e compositores nos seus respectivos períodos históricos , pois, esta é uma tarefa para historiadores, além do que, seria redundante em vista da imensa bibliografia em torno do assunto. Vamos tentar apenas relacionar aspectos históricos no intuito de reiterar nossos palpites sobre como a História que é construída em seus fazeres “voluntários ou involuntários” (?) não possui “caminhos” inexoráveis... Lembremos Herbert Marcuse: “a história é a esfera da possibilidade na esfera da necessidade...”. Queremos apenas fazer algumas citações que prepararam o ambiente o qual seria propulsor não só dopensamento e da cultura do Ocidente, mas, dos conceitos que contribuíram para formar a própriaMúsica. Para começar a abordar dados históricos da música no ocidente normalmente inicia-se pela Grécia pré-cristã, que parece ser onde os autores em geral elegeram como marco inicial, embora alguns autores prefiram começar no canto litúrgico, por considerarem que não há uma referência clara do que seria a música no Ocidente antes deste período. W.S.B. Mathews em “A Popular History of the Art of Music” faz um breve resumo das características damúsica no Ocidente, quanto à escolha do material intervalar e sistemas, desde a sua antiguidade até ao século 19. Música (Cultura e Sociedade) | 167
Observou Mathews (aquilo que os estudiosos da música já bem sabem) sobre o fato de que a “moderna” música difere da antiga por dois pontos radicais; a Tonalidade, ou seja, a dependência dos tons em séries com um tom principal que recebe o nome de “chave” (na terminologia da teoria musical em português não se usa comumente a expressão “chave” que se refere a uma tonalidade) e o desenvolvimento (nos últimos séculos do conceito e da teoria aplicada) da Harmonia ou o “satisfatório uso dos sons combinados”, seria então o segundo aspecto diferencial, mencionado por Mathews. Voltaremos aos temas da Harmonia e da Tonalidade. Mathews nos esclarece que até ao período em que surgem as mudanças, a única forma mais comum de combinação de sons era o intervalo de oitava, pois, raramente se usava a quarta ou quinta. Aqui o leitor pode ter uma ideia de como podia ser a música do passado com tais limites intervalares ... O conceito do uso de outros sons (intervalos) além da oitava já havia sido sugerida por Aristóteles . Então, reitera Mathews que, do início da era cristã até por volta de 1400, foi devotado um aprendizado neste “departamento de arte”, uma concepção central procurou introduzir um principio de unidade... Nos parágrafos seguintes veremos como desde o século 6, o sistema modal que organizou a monodia cristã, mais tarde, tomou direções específicas na planificação da composição, abrindo para a utilização de outros intervalos , “avançando” assim para uma técnica que veio a ser conhecida como contraponto . Certamente o peso dos conceitos científicos surgidos já em finais tal idade média, irá teoria musical fazerda, isto e seu é, a composição ... afetar consideravelmente a Continua Mathews nos explicando, que depois de 1400 houve um progresso rápido neste sentido com as “escolas” dos países baixos – quando começa a surgir a tal Renascença – Contudo, a época do florescimento da “música moderna” não pode ser considerado antes de 1600 quando surge a Ópera (a primeira é de Caccini em 1602) e em 1700 quando a música instrumental passou a se desenvolver totalmente. Temos aqui com o autor W.S.B.Mathews uma ‘sinopse’ inicial de algumas das principais características da “trajetória” geral da música no Ocidente. 168 | Wesley Caesar
Assim, ao longo das próximas linhas vamos tentar identificar apenas alguns traços principais que contribuíram para desenhar aquilo que hoje no Ocidente chamamos de Música. Para que o leitor possa ter uma posição mais específica das terminologias e significados do “curso” da Música no Ocidente, faremos uma breve sinopse – já sugerida no próprio subtítulo deste capítulo – daquilo que normalmente os historiadores consideram como os períodos da Historia da Música no Ocidente , porém, tal sinopse estará entretecida a comentários sobre aspectos gerais da História Geral ou dos processos ocorridos em suas respectivas épocas... Em geral os historiadores europeus determinam períodos da História da Música no Ocidente segundo os contextos ocorridos em cada um dos períodos identificados como tais. “Elegeram” os tais períodos que em suas visões, foram demarcados por pontos específicos delineando assim aquilo que num suposto fluxo contínuo de acontecimentos poderá ser entendido como a História da Música do Ocidente. Segundo os compêndios da historia da música ocidental , desde a Grécia de Pitágoras (por volta do século 6 a.c.), os Pitagóricos viam dentro do Quadrivium (geometria, astronomia, aritmética e música) a orgaNumero especialmente como nização possível do Cosmos e o organizador do universo. Então, o Pitagorismo foi um marco decisivo no desenvolvimento racional e científico, por ter elevado à condição divina a Matemática – Vimos noutro capítulo com os Etnomatemáticos, que a Matemática pode ter formulações diferenciadas respectivamente à cada cultura humana, segundo as suasCitando “necessidades”... novamente o filósofo Mario F. dos Santos em “Pitágoras e o tema do numero” , escreve o autor: “O grande desenvolvimento que teve a matemática na ciência moderna, particularmente na Física, se observam seus r esultados extraordinários, permite a afirmação, de que a ciência moderna esta sob a égide de Pitágoras... Assim como a ciência medieval foi predominantemente aristotélica e a pré-relativista, democrítea, a moderna é pitagórica...”. Nos idos do sexto século da era cristã, isto é, passado um milênio da Grécia de Pitágoras, homens do clero trouxeram à luz sistemas musicais , em tese fundamentados na lógica do sistema grego antigo , cujo material srcinou aquilo que conhecemos hoje como os primórdios da Música (Cultura e Sociedade) | 169
Música do Ocidente, o canto chão ou canto gregoriano fundado nos tais Modos Gregorianos, inspirados nos tais Modos Gregos... Quase dez séculos adiante, no período em que os historiadores denominaram como Renascimento , os homens que se “encarregaram” de reinterpretar certos aspectos de uma dada filosofia antiga, trouxeram “ideias” que acabaram por “organizar” novos caminhos para aquilo que o Ocidente concebeu como Música. Assim sendo, ao longo dos séculos, por uma série de razões, podemos dizer sócio-culturais, filosóficas, etc, a tal música do Ocidente pouco a pouco contribuiu no sentido de “fragilizar ossignificados mais relevantes” daquela “Música” que se encontrava no “arco” das tradições humanas (dos fazeres sonoros humanos) – que a marcava como quintessencial da humanidade – tornando assim “imprecisos” os seus aspectos maisessenciais. Roland de Candé em sua obra “Historia Universal da Música”, escreve: “Desde a antiguidade, o publico, popular ou aristocrático, suscitou durante muito tempo, por seu comportamento ou suas exigências, a música que corr espondia a suas necessidades, assumindo assim a responsabilidade de uma evolução que podemos considerar natural. Porém, algumas vezes uma minoria ousou decidir pelo publico sobre o que lhe convinha, estabelecendo a priori, as normas da boa música. A evolução é,então, provocada “. Quanto a ideia da “boa música”, esta deverá ser bem mais antiga que o Ocidente, pois, encontramos, nos tais textos sagrados ou nos textos históricos de povos antigos como China ou Índia, indícios de categorias diferenciadas dos fazeres sonoros em âmbito social... Bem, em geral os historiadores sugerem como início da História da Música no Ocidente a tala Grécia antiga, porém,haviam na verdade, deste período teoria que o que se sabe é apenas os gregos desenvolvido para se fazer música. Então, é dado como oficial o início da música no Ocidente somente no século 6 com Papa Gregório quando este resolve fundar o tal canto litúrgico da Igreja Católica o canto chão (ou canto gregoriano) criado à partir do sistema de modos (ou escalas)... As primeiras referências Gregas que surgem, são os filósofos pré-socraticos, entre eles encontra-se Pitágoras . Embora não existam provas de sua existência, teria nascido na Jônia (região da antiga Ásia menor) e vivido por volta do século 6 a.c. Não se sabe o que é lenda, e, o que, de fato aconteceu, em relação aos feitos de Pitágoras, entretanto, 170 | Wesley Caesar
ao consultar a História da Filosofia, podemos encontrá-lo como fundador de uma seita (ou escola mística); o Pitagorismo. Seus seguidores acreditavam natransmigração das almase entendiam que o universo poderia ser explicado através dos números . Porém, na História da Música, e principalmente daMatemática, como vimos noutro capitulo, Pitágoras surge como um estudioso que teria elaborado experiências, e observado determinadas proporções nas medições de “freqüências sonoras” (intervalos musicais), interpretando assim que, tais razões numéricas expressavam as relações cósmicas. Então, neste caso ele aparece como um “cientista”... É muito conhecida a sua experiência do monocórdio, pois, teria ele percebido, que uma corda esticada, presa em duas extremidades, poderia produzir “intervalos puros”, isto é, a oitava, a quinta e a quarta , a partir de medidas que atendem à proporções aritméticas. Estabelecendo assim uma relação da Matemática com a Música. Podemos dizer que, a ciência-música no Ocidente tem aí seus “primórdios”. É importante observar que, um conceito deIntervalos como hoje conhecemos poderia ter uma acepção cósmica – conforme colocamos noutro capítulo no qual comentamos sobre aFilosofia Perene. Portanto, o uso das palavras Intervalos puros e Intervalos musicais devem ser consideradas segundo os contextos. O mesmo pode-se interpretar sobre o conceito de Ciência, pois, esta, tal como a conhecemos, só surge no Ocidente a partir da Renascença e elaborou-se como tal não antes do século16. Os Pitagóricos ao elevarem a Matemática a uma condição divina, tornaram-na uma crença que ao mesmo tempo entendemos hoje como “CiênciaPara ”... os Pitagóricos “tudo era número e Harmonia”. Na perspectiva Astronômica, os planetas, os quais são esferas, estariam alinhados como uma Escala Musical, isto é, as suas vibrações próprias formariam uma Escala. Tal acepção nos leva à ideia de “Harmonia das Esferas” . A noção de números universais é muito anterior aos Pitagóricos... Existiram muitos seguidores do pitagorismo, como por exemplo, Arquitas de Tarento (que viveu cerca de 430-360 a.c.), considerado o iniciador da mecânica científica, que escreveu obras sobre matemática, geometria e música. Normalmente é sugerida pelos historiadores da filosofia como a principal base filosófica do Ocidente, aquela que corresponde aos pensadores Sócrates e Platão. Música (Cultura e Sociedade) | 171
Na conhecida obra “A República” de Platão (talvez o mais famoso filósofo do Ocidente e teórico musical que viveu entre 428 e 328 a.c.), cujos textos relatam os diálogos do conhecido filósofo Sócrates (469-399 ac., historiador, tratadista e teórico) com outros filósofos, sobre os Modos Dórico, Frígio, Lídio e Mixolídio. Trata-se de um discurso das relações e adequações às quais os Modos devem ou não ser usados ao se fazer música, uma espécie de “Éthos” do fazer musical, como deve-se empregar tais modos para a composição musical, enfim... Na Grécia antiga, Música e Poesia eram sinônimos, a teoria e a estética musicais eram estudadas apenas pelos filósofos. A estética da forma musical era o “Ethos” , pois, os gregos atribuíam a cada Modo um caráter moral particular. Ao lermos a “República” , percebemos que certa “teoria ou discurso sobre os afetos humanos” , ou uma espécie de “tratado de psicologia da Música”, tenta se explicitar. Este tema nos levaria como sempre, a uma obra específica sobre a constituição da teoria da Música, a qual estamos aqui apenas superficialmente comentando. Sobre os aspectos da teoria da música como fundamentadora da própria cultura musical, comenta o autor Leslie D. Blasius (The Cambridge History of Western Music Theory ) da Universidade de Wisconsin-Madison, Ph.D. pela Universidade de Princeton: “...a mais básica representação da teoria da música é o schema, uma tentativa de analisar ou sistematizar um corpo de conhecimentos através da divisão de categorias idealizadas”. Acentua Leslie que a esquematização (schematization) da teoria da música na tradição do Ocidente vem de uma natural extensão da sistemática Lembra Aristotélica . o material apresentado por Aristoxenus de Tarentus que (filósofo da escola peripatetica fundada por Aristóteles) contém uma compreensiva racionalização da teoria da música dividindo a música em três domínios e campos de estudo: pitch, ritmo e melodia. É fato que podemos observar através da Música os esboços dos aspectos “psicológicos” nos traços principais das culturas humanas . Uma leitura sobre a “psicologia da Música” nas culturas humanas, é algo que está presente em suas manifestações. Tal “leitura”, entretanto, implica em saber interpretar os seus “significados”. Comenta C.. Paliska que: “As ideias de Platão acerca da natureza e funções da Música, tal como vieram mais tarde a serem interpretadas pelos autores 172 | Wesley Caesar
medievais exerceram uma profunda influência nas especulações destes últimos sobre a música e o seu papel na educação”. Então, o caráter Pitagórico da Música-Matemática , associado à um caráter “moral” da criação musical, ou, um Ethos que move o processo de criação, construíram assim os princípios do fazer musical. O Sistema de Modos gregos como fonte de influência para a sistematização da Música no Ocidente à partir de Gregório, é evidente, porém, a Escola Aristotélica foi outra fonte de influência para o pensamento musical (e geral) Ocidental... Primeiramente, o Sistema de Modos foi fundamentado no “Grande Sistema Perfeito” de Aristógenes (cerca de 350-330 a.c.) que também era filósofo e musico. No século 4 a.c. foi ele quem escreveu “Elementos de Armonía”, a obra mais antiga que se conhece no Ocidentesobre a música. Neste mesmo período Aristoxenus de Tarento, teria também escrito um tratado, embora incompleto, sobre Elementos de Armonia (em contraposição ao anterior já mencionado) que em sua teoria insistia que as notas da Escala (os Intervalos ) não deveriam ser julgadas por proporções matemáticas, tal como consideravam os Pitagóricos. Talvez seja bom lembrar que a instrução enciclopédica (educação moral) na Grécia antiga era chamada de Musike em homenagem às Musas. Porém, a Música era conhecida por Harmonia , e uma canção era um Melos (melodia). O melos era “criado” à partir dos tais Modos designados como tetracordes (quatro notas consecutivas em duas séries formava o Modo). Em princípio havia três Modos; Dório ou Dórico (considerado nobre e viril)fúnebres, o Frígio (simbolizava a energia) o Lídio (reservado os lamentos mais tarde passou a ser eusado como ameno epara doce). Destes Modos srcinou-se outros Modos chamados Hiperdório , Hipodório, etc, até chegar-se no Modo Mixolídio criado por Terpandro (c.700 a.c.). Os Modos Dórico (Dório) e Jônio teriam sido inventados (ou concebidos) por Polimnesto de Tracia. Safo, que era uma tocadora de cítara fundou uma escola de música e poesia na ilha de Lesbos. Polimnesto de Calafon criou uma escrita musical com o alfabeto grego. Damon (450-415 a.c.) musico pitagórico e teórico acreditava que a música tinha poderes educadores e deveria ser associada à política. Música (Cultura e Sociedade) | 173
Aristóteles (384-322 a.c.), filósofo e musico “anti-pitagórico”, escreveu varias obras, e sua filosofia em certa medida influenciou a formação das concepções no Ocidente medieval. Considerado o “pai” da Metafísica (na verdade um divulgador do conceito) cuja palavra srcinária do grego, meta (depois, além) e physis (natureza ou físico) – é o estudo do ser ou da realidade. Se ocupa em procurar responder perguntas tais como: O que é real?, O que é natural?, O que é sobrenatural?, etc. Mais tarde, já no período final da Idade Média, a versão cristã do pensamento Aristotélico tornou-se a doutrina oficial da Igreja, pois, a ciência moderna que surge no Renascimento desenvolveu-se em meio a uma discussão sobre o Aristotelismo . Certos conceitos Aristotélicos se contrapõem aos Pitagóricos. Podemos entender que, de um lado, a Música é em essência Metafísica, porém, organizada como um Sistema matemático com razões físicas. Já tocamos antes nesta espécie de “paradoxo” que é um ponto potencial para uma discussão intrincada em Música. Entretanto, na vida pratica toda a Música se desenvolve muito mais em torno do elemento lúdico que é o condutor dos principais processos da humanidade... Tanto Aristóteles como Aristógenes , Plutarco (50 a.c.-?) historiador, tratadista e teórico, e Sócrates , todos eles eram estudiosos dos Modos Frígio e Lídio. No livro “Música uma breve história” o autor Edson Frederico , comenta: “A Música, os fenômenos artísticos e a mitologia grega foram, no fundo, produtos de importação, Orfeu era de Tracia, no norte da Macedônia. Olimpo era filho de Marsias que era da Frigia, Síria. Os musicais receberam nomes como Frígio e Lídio,cidade porquedatambém eramModos procedentes da gregos Ásia menor”. Edson Frederico faz varias citações históricas, algumas das quais já foram mencionadas, e outras estão a seguir relacionadas. Do período posterior ao Grego pré-cristão, que é o período Romano, podemos citar, por exemplo, Marco Terencio (194 -159 a.c.) que teria divulgado as teorias musicais gregas em Roma. Um flautista chamado Tigellio, tornou-se intimo do imperador César, ele e seu amigo Demétrio também musico, tornaram-se professores de música das damas romanas. Nero, o imperador romano teve aulas de música com Terpo que era considerado o melhor musico da época. Cícero (106-43 a.c.) teria 174 | Wesley Caesar
aprendido música com os gregos e um dos poucos que a entendia “seriamente”. Na história deste período, surge com destaque, o nome dePtolomeo ou Ptolomeu (83 a 161 d.c.) que era astrônomo e musico pitagórico, foi o mais sistemático dos teóricos antigos da Música. Quando começou a surgir o Cristianismo, os primeiros cristãos (que eram em grande parte escravos) acreditavam no poder mágico do canto , embora este fosse proibido nos cultos (que eram feitos secretamente nas catacumbas) por causa das perseguições. Entretanto, no Oriente os cristãos cantavam, e, portanto, o canto cristão foi propagado do Oriente para o Ocidente (*). O período que vai do século 3 e 4 (já com Sto. Agostinho ou Agostinho de Hipona como o principal pensador e pré-cursor do cristianismo) até século 14 e 15 (quando surgi a tal Renascença que provocou uma ruptura na hegemonia do pensamento Católico) demarca basicamente tudo aquilo que chamamos de Era Medieval. Durante este longo período o Clero como “continuador” do Império Romano e principal condutor dos caminhos humanos ocidentais do mundo europeu da época, irá sustentar uma relação com a Música muito mais voltada à “metafísica” do que uma relação tratadista como Matemática-Música ou Música-Ciência na perspectiva de uma sistematização científica-musical. Embora, Sto. Agostinho (354-430) no século 4 e Boetius ou Boecius (480524/25) mais tarde no século 6 tentassem sistematizá-la. Podemos sugerir neste sentido que a Era Medieval possuiu uma relação com a Música, mais abstrata e menos voltada à ciência, se comparada à posterior Moderna . OsAeventos da músicaapenas estarão intimamenmúsica deveria te ligados aos daEra Igreja Católica. prestar-se aos serviços do clero (da Igreja). Então, especulação matemática era algo que não expressava os grandes objetivos sacros medievais, por isso não se (*) A titulo de esclarecimento devemos lembrar que, a divisão do Império (de Roma) em Ocidente e Oriente só foi definitiva nos primórdios da Idade Média. Pois, o lado Oriental permaneceu até ao século 15, porém, no lado Ocidental pequenos reinos “bárbaros” assimilaram valores e tradições romanas, e principalmente cristãs, começava então a Idade Média... Um estudo mais apurado sobre a Idade Média pode ser iniciado com os medievalistas franceses já citados noutro capítulo... Música (Cultura e Sociedade) | 175
observa muita ênfase, com preocupações científicas da racionalização do Sistema Musical, à não ser casos isolados de estudiosos que pudessem estar preocupados com o assunto, muito embora por volta dos séculos 10 ou 11 surgissem personagens como Guido D’Arezzo dando contribuições para a escrita musical (voltaremos adiante). Contudo, existiram alguns tratadistas preocupados com as questões da Música que deram curso aos processos, na tentativa (consciente ou inconsciente) de sistematizá-la. O historiador C. Paliska comenta: “Em 387 d.c. Santo Agostinho começou a escrever um tratado, Da Música, que completou seis livros. Os cinco primeiros tratam da métrica e do ritmo. O sexto aborda a psicologia, a ética e a estética da música e do ritmo. Teria projetado mais seis livros tratando sobre a Melodia”. Agostinho como sabemos voltou-se para a metafísica Aristotélica cujo pensamento exerceu influência no decorrer medieval. Entre os séculos 5 e 6 o pensador romano Boetius deu uma contribuição importante no processo de sistematização da música ocidental, tendo escrito sobre; aritmética, música, geometria, astronomia, lógica, teologia e filosofia, publicou cinco volumes intitulados “De Institutione Música” que considerava a música uma força que impregnava todo o universo. Este trabalho de Boetius tornou-se na Idade Média a mais difundida obra de teoria musical, que estava em grande parte apoiada na doutrinaPitagórica. Apesar dos processos conscientes sistematizadores da Música Ocidental no medievo serem escassos, pode-se verificar em sua trajetória alterações em seus conceitos de “Espaço-Tempo”. Retornando ao livro “Matemática e Música” do autor O.J. Abdounour, comenta ele:(por “Percorrendo a Idade média observa-se desde os anos 800 atéOcidental ao inicio mudo Renascimento volta do século XV-15), na Música danças substanciais que partem de uma concepção exclusivamente melódica, rumo a um caráter principalmente harmônico”. Com referência às colocações de Abdounour , podemos dizer que, a Música sofreu alterações na ordem de seus conceitos Espaciais (Melodia e Harmonia) e de Tempo (Ritmo). No século 4, já haviam surgido os Cantos Ambrosianos instituídos pelo Papa (Santo) Ambrósio (333-397), que teria sido responsável pelo arranjo de quatro modos, denominados Authentus , tornando-os obrigatórios na composição do canto litúrgico, em Milão. Teria criado um Antifonário (versículos cantados). 176 | Wesley Caesar
Depois de Ambrosio , o Papa Gregório Magno (Gregório I, o Grande 540-604), já citado, instituiu o sistema de Modos de Escalas para a “criação” da música litúrgica católica, que predominou durante toda a Idade Média e deu as bases para toda a música Ocidental, desde o folclore até a música mais rebuscada... Embora biógrafos tenham atribuído à Gregório I, a paternidade dos cantos litúrgicos , sabe-se que ele não compôs, nem utilizou as melodias do canto gregoriano, porém, promoveu em seu tempo a maior reforma litúrgica, exercendo assim uma grande influência na posteridade. Pois, ele apenas substituiu o antifonário de Ambrósio. O historiador O. M. Carpeaux comenta: “O coral gregoriano não é obra do grande Papa (Gregório). A atribuição a ele só data de 873”. Contudo, atribui-se a Gregório o fato de ter adicionado aos modos Ambrosianos, os Modos Plagais, donde teria surgido os Cantos Gregorianos , entretanto, não há nenhuma confirmação quanto a isso. De toda forma, o canto litúrgico católico, mais conhecido como Canto Gregoriano ou Canto Chão , foi tornado o canto oficial da Igreja Católica, a partir de Gregório. Cuja música é monódica e cantada em uníssono tipo “à capela”, tal como sempre foi exercida, sem o uso de instrumentos musicais. Conforme, acentua C. Paliska, um sistema de escrita, adequado à este trabalho, se quer existia, portanto, não se sabe ao certo como o vasto repertório conhecido mais tarde, teria sido anteriormente preservado. A hipótese é que, ou era improvisado, ou praticado de memória. O que consta nos compêndios de História da Música é que, o
Canto Gregoriano Chão) foi fundado nos ModosAutênticos (já comentados). Os Modos,(Canto em princípio quatro, considerados (Dórico, Frígio, Lídio e Mixolídio) posteriormente mais quatro chamadosPlagais (Hipodórico, Hipofrígio, Hipolídio e Hipomixolídio) teriam sido adotados a partir dos Modos Gregos, já explanados parágrafos atrás, porém, com uma interpretação equivocada, pois, segundo o autorW. Lovelock (História Concisa da Música): “O sistema modal dos gregos antigos era altamente organizado e complexo, sendo as escalas classificadas como diatônicas, cromáticas e enarmônicas. O sistema medieval de escalas que serviu como base até o século XVI(16), srcinou-se de uma interpretação errônea do sistema diatônico grego”. È muito conhecido o evento o qual por volta do século 10 Guido D’Arezzo (já citado) deu contribuições decisivas em nível da escrita Música (Cultura e Sociedade) | 177
musical (no que se refere à pauta), bem como, nomeou com sílabas as notas musicais – Ut Ré Mi Fa Sol La – extraídas das iniciais de um Hino Sacro – em forma de Escala de seis sons, nomes de notas que usamos até hoje, pois, a nota Si depois foi acrescentada e o Ut tornouse Dó. Conforme observa W. Lovelock: “A Música da Igreja, pelo menos até o século X(10), foi puramente melódica e limitada à extensão de uma oitava” – Já elucidamos tal fato no começo deste capítulo... Na mesma época de Guido D’Arezzo, surgiu uma obra intitulada Música Enchiriads, cuja autoria duvidosa atribuída à um tal Abade Otger, é um marco na historia da música do Ocidente , expõem os princípios do Organum (Diafonia) cuja base essencial é a duplicação de uma melodia em quartas e quintas paralelas, e que cuja técnica foi fundamental para o desenvolvimento do Contraponto , que acabou por srcinar a Polifonia Ocidental, mais tarde. A Polifonia contém uma construção musical, que relaciona ao mesmo tempo varias vozes (melodias), isto é, as vozes estabelecem um “dialogo” onde todos “protagonizam” ao mesmo tempo. Desde este período até quase a metade do século 18, mais especificamente com a morte de J.S.Bach (1750) esta técnica musical predominou – muito embora à partir de 1600 uma nova proposição de composição já surgisse resultando na Melodia-Acompanhada . Por volta do século 12, há o surgimento de certos movimentos musicais registrados pelos historiadores em geral, tais como; os Dramas Litúrgicos conduzido pela Igreja, e a música dos poetas populares, o Trovadorismo, cuja cultura musical estava voltada para fins lúdicos, sociais, poéticos, etc, não correspondendo assim da aosmúsica objetivos da Igreja. Então, os compêndios de história costumam reputar à estes, o primeiro “movimento” de “música popular” no Ocidente, que se tenha informação, descolado da Igreja, uma manifestação musical não religiosa, podemos dizer os “primórdios” da canção popular. Conforme acentua o historiador Roy Bennett, em sua obra “Uma breve história da Música” : “As Danças e Canções Medievais eram monofônicas. Durante os séculos XII(12) e XIII(13), houve uma intensa produção de obras na forma de canção, compostas pelos Troubadours, os aristocráticos poetas-musicos do sul da França e pelos Trouvéres que eram a contrapartida destes no norte... Eram melodias que davam clara ideia do tom, mas não dos valores reais das notas, que advinham certamente do ritmo natural das palavras”. 178 | Wesley Caesar
Ainda no século 13 surgiu uma forma musical que agregava mais uma voz às duas já existentes do Organum. Deste período em diante a música continua se desenvolvendo nestatécnica de composição que acaba desdobrando-se na técnica contrapontística fazendo predominar a tal Polifonia até surgir novos conceitos principiológicos musicais para acomposição... Quanto ao caráter das múltiplas vozes que irá surgir na música do Ocidente, temos um paralelo contundente com outros setores da vida social na Idade Média. O professor Eduardo Bittar filósofo do Direito (USP) em brilhante palestra sobre “O Homem Globalizado: Com que Direito?” , nos convoca a uma reflexão lembrando aspectos sobre o medievo em torno das fontes do Direito. Coloca em confronto a Era da Razão, aquela que dará o novo caminho num processo de reconstituição do pensamento e da vida social ocidental, inauguradora de uma nova epistémê (para relembrar Foucault), de um novo conjunto de paradigmas. Então, no próximo parágrafotemos uma descrição das caracteristicas gerais da Idade Médiaem contraposição às caracteristicas da tal Era Moderna que surge como “antítese”. Aqui temos apenas parte da explanação do professor Bittar cujas observações proferidas com grandiloqüência por ele, creio que nos servirá para uma analogia à Música do ocidente, contribuindo para as nossas anotações e reflexões sobretema o . Comenta o eminente professor Bittar: “...a Modernidade significa o afastamento do período pré-moderno, e esse afastamento impõem uma Racionalização, e é exatamente este modelo racional, que acaba paulatinamente em todos os setores da vida se alastrando como uma espécie de meta modelo substitutivo ao modelo
teológico anteriormente paramovida a condução dos negócios humanos... vida medieval era orientada, vigente inspirada, e motivada, por certa presença Se dosaolhos de Deus que vigiava o seu rebanho permanentemente, que tudo perscrutava e que estava presente em tudo, em todos os momentos, e determinava até mesmo o fundamento da Lei... Se a vida Medieval e a vida Jurídica se inspiravam e se fundavam sob movimentos ideológicos estritamente categorizados a partir do movimento ideológico cristão, nós teríamos, então, a partir da modernidade uma dessacralização destes fundamentos... Então, a Modernidade é uma espécie de ‘Age du Razon’ (Era ou Idade da Razão). Uma espécie de contorno em torno da Racionalização dos fundamentos do agir humano, em qualquer setor em qualquer campo. A Ciência explica o que a Religião não é capaz de explicar, ou explica de modo racional, portanto, de modo diverso àquele que a Teologia explicava os fenômenos mais Música (Cultura e Sociedade) | 179
comezinhos da vida cotidiana. E num certo sentido a Modernidade acaba por ser um processo paulatino de entronização da Razão. Essa espécie de fetichização de uma razão onipotente, onipresente que acaba substituindo o Deus onipotente e onipresente da era medieval. A expulsão do não racional e a sua nova categorização como sendo sinônimo de irracional acaba por construir uma espécie de eixo limitador da própria concepção humana de razão ... A Razão Moderna é uma Razão instrumental. É uma Razão limitada, não é a Razão prudencial, é a Razão Calculadora. Então, a Razão que recorta o mundo para reconstruí-lo dentro dos seus arcanos, acaba por limitar-se na sua própria abrangência. Então, a critica contemporânea que se faz a todo projeto iluminista, a todo projeto moderno de racionalização da sociedade, acaba... esbarrando no problema da limitação da própria concepção de Razão, que se inspira neste contexto... O Direito que é gestado dentro do contexto Moderno é o Direito que surgirá exatamente à conta e por fruto desta condição e sob os influxos ideológicos deste novo projeto. Que é um projeto racionalizador fundado na fetichização da Razão. A Modernidade vive a ideia de precisão, o que é racional é preciso. A Modernidade vive sob o bastião da homogeneidade, o que não é igual é expulso, é eliminado, é apagado do contexto. Então, temos que a um só tempo construir racionalmente o universo das nossas categorias pela eliminação do que não é tido à conta de explicável, de racionalizável. Então, osValores do Projeto Racionalizador da Idade Moderna; Precisão, Homogeneidade, Ordenação, Certeza, Certificação, Artificialidade, Racionalidade, surgem como grandes motes organizadores do sistema de valores que está por traz do projeto da Modernidade. Eis o momento do nascimento da maior parte das instituições modernas, a noção de Burocracia, a noção de Estado, a noção de Direito, a noção de um sistema Jurídico, a noção de planejamento urbano, enfim, e boa parte das grandes conquistas científicas, industriais, tecnológicas, econômicas, que conhecemos como vigentes ainda hoje. Então, boa partea das instituições que haveriam de ser as instituições contemporâneas que organizam nossa vida, foram gestadas sob o influxo desta ideologia. A razão produz ordem, e o dado é tornado construído. A razão produz ordem no sistema jurídico, através da codificação, através da Lei consagrada num texto. Que Direito nós tínhamos na Idade Média? Quais eram as categorias do Direito e como o Direito se organizava antes da Modernidade? Um direito disperso, um direito difuso, um direito confuso, à luz dos iluministas. Exatamente porque a um só tempo em que as fontes eram dispersas vigia o direito canônico, que era promulgado pela Igreja, pelas bulas papais, pelos editos papais, etc, que basicamente tinham inspiração nas ideologias cristãs, que se fundava em uma ordem teológica de explicação do mundo, em um universo de valores assim se fundava. De outro lado, fontes vindas do Direito Romano que ainda 180 | Wesley Caesar
vigoravam à época, em outro lado, as Leis validas dentro dos limites territoriais de certos reis ou imperadores, um outro lado, um outro Direito que valia dentro dos limites e dentro das condições de Poder sempre limitadas do senhor feudal, então, tínhamos 5, 6, 7, 8 ou 10 fontes de Direito, ao mesmo tempo. Qual a unidade disso? Qual a racionalidade disso? Então, o projeto iluminista para o Direito, é exatamente tornar todas as fontes partirem de um eixo único, o Estado (Direito Moderno=Unificação do sistema legal em torno do Estado), controláveis em torno de procedimentos racionais, fiscalizados por uma burocracia permanente de Estado, que se coloca à frente dos grandes dilemas do governo”. Bem, penso que este longo parágrafo nos traz uma boa noção do que desenhou de certa forma o medievo e um projeto que tentou idealizar novos paradigmas, a modernidade... O professor Bittar se refere à modernidade como aquela que entre outras coisas determinou uma centralização das instâncias sociais, da vida social em geral, levou à ideia de um eixo único, pois tal característica é um dos elementos fundadores da tal modernidade . Então, os Valores do Projeto Racionalizador da Idade Moderna; Precisão, Homogeneidade, Ordenação, Certeza, Certificação, Artificialidade, Racionalidade , etc, descritos pelo professor Bittar, em que grau puderam afetar a Música do Ocidente? Como podemos mensurar isso? O quanto um “projeto modernizador” do mundo pôde alterar o processo espontâneo da produção musical? O quanto desta Música pode ser considerada pura, autêntica, “verdadeira”? O quanto permanecem intactos os “símbolos” de sua tradição? Então, por similitude ao que ocorreu no Direito, sucedeu-se na Música., em Parece que mais não por acaso, exatamente no curso deste processo certoclaro, período, especificamente entre finais do século 16 e começo do século 17, tenha ocorrido uma espécie de “conspiração” em torno da Polifonia (que permitia que várias vozes pudessem existir na composição musical). Tal feito, liderado por um famoso grupo de intelectuais, pretendia que a música retornasse à monodia com o intuito da centralização de um único texto atendendo à uma única melodia , daí, o nascimento da Ópera – A Música Polifônica Modal desenvolvida durante quase toda a Idade Média, dará lugar à tal Melodia-Acompanhada definitivamente, mas, só, à partir do Classicismo, já no século 18 (voltaremos ao ponto adiante). Música (Cultura e Sociedade) | 181
Dois aspectos saltam aos nossos olhos de modo contundente que contribuem para uma visão análoga àmúsica, ou à planificação da composição musical . Primeiramente, vamos poder notar como certas acepções, asserções racionais ou da ordem das condutas racionais, dos projetos científicos, idealizarão os novos projetos dofazer no Ocidente e entre os fazeres está o fazer musical. O segundo aspecto, já mencionado, conforme argumenta o professor Bittar, que na idade média vigia varias fontes do Direito, podemos por semelhança perfeita notar que da mesma maneira na Música Polifônica que perdurou alguns séculos durante o medievo, “vigia” ou regrava a pluralidade das vozes na construção da composição musical, a qual denotará um espírito ou a intenção da multiplicidade de aspectos (que embora integrados numa sociedade de estrato social estamental, tal multiplicidade sugere certa difusão de valores). Em vista disso cabe a pergunta: Que Era das “trevas” é esta, conforme reputaram os iluministas à ela, que apesar de manter uma estrutura político-social estamental, de imobilidade social e de poder religioso autocrático, porém, ao mesmo tempo, permitia várias fontes do Direito, várias vozes na música, e permitia principalmente o caráter da vida social “autônoma” na qual a sociedade organizava a sua própria “economia” através dos mercados rurais que eram independentes e menos ainda dependiam dos mercados urbanos os quais não possuíam poder suficiente, muito menos eram centralizadores da vida humana tal como passou à acontecer, à partir do século 19, com o surgimento daquilo que passou a ser conhecido como a economia moderna, a economia de mercado? O que queremos entender é até onde um conjunto de ideias que fluíram o intuito do controle social expresso nos próprios movimentos com sociais de interesses políticos óbvios e explícitos, contribuíram apenas, para uma simples substituição dos agentes históricos que ao reestruturarem a sociedade a acomodou de maneira conveniente às “novas” ideologias de Poder, agora em novas mãos, ou ao menos em estado de sobreposição?. As observações feitas até aqui não pretendem induzir a uma critica à Idade Moderna purificando a Idade Média, o fato é que está bastante claro que no arco da tradição das Culturas e das Sociedades , a organicidade inerente e a independência que as permeavam, foram dissolvidas pouco a pouco com a tal modernidade , o que resultou em prejuízo para as próprias culturas uma vez que perderam o poder de autonomia , o 182 | Wesley Caesar
maior patrimônio de qualquer cultura humana. O que, aliás, na Música tais características podem ser perfeitamente observadas. Então, na idade moderna o conceito pitagórico de Música-Ciência , e o conceito físico-harmônico ganharam mais impulso dentro das teorizações da Música. Citando novamente O.J. Abdounour, comenta ele sobre uma trajetória da música no Ocidente que parte da monodia cristã (entre os séculos 6 a 8) e chega à polifonia modal (à partir do século 10 e 11), quando, já no Barroco , em particular à partir no século 17, e principalmente no Classicismo , a Música Ocidental sofreu uma alteração profunda em seu sistema e principalmente na planificação da composição. Esta trajetória ilustra, em síntese, os acontecimentos da música nas passagens da Idade Média para a Era Moderna, a qual na visão dos historiadores da Música Ocidental é resumida em períodos nomenclaturados por eles. Assim sendo, esta surgiu à partir do Renascimento que vai de 1450 a 1600, em seqüência temos o Barroco de 1600 a 1750, o Classicismo que vai de 1730/50 a 1810/30 e o Romantismo de 1810 a 1900. Alguns aspectos históricos relacionados à formação da cultura Européia neste período devem ser observados, para que possamos compreender melhor os efeitos da “razão” na música. Vários historiadores sustentam posições semelhantes sobre o Renascimento . O historiador J.M. Roberts em seu clássico “História do Mundo”, comenta que: “Entre 1350 e 1450 a Itália foi o grande centro intelectual da Europa que abrigou a maior parte dos sábios, artistas, cientistas e poetas da época”. A cidade de Florença teria sido o principal pólo. Europeus em geraldeu (osnome que tinham posses)foiiam estudar nesta “capitalOsintelectual”. O que à Renascença o renascimento da “sabedoria” clássica. Reiterando ainda a ideia de contraste que pode ser notada entre os períodos; antigo (idade clássica), o medievo e a tal modernidade , citamos novamente M. Foucault em sua obra “As Palavras e as Coisas”, escreve: “Projeto de uma ciência geral da ordem; teoria dos signos analisando a representação; disposição em quadros ordenados das identidades e das diferenças: assim se constituiu na idade clássica um espaço de empiricidade que não existira até o fim do Renascimento e que estava condenado a desaparecer desde o inicio do século XIX (19). Ele é para nós, hoje, tão difícil de restituir e tão profundamente recoberto pelo sistema de positividades a que pertence nosso saber que durante muito tempo, Música (Cultura e Sociedade) | 183
passou despercebido... O que torna possível o conjunto da epistémê clássica é primeiramente a relação de um conhecimento da ordem. Quando se trata de ordenar as naturezas simples recorre-se a uma máthêsis cujo método universal é a Álgebra. Quando se trata de pôr em ordem naturezas complexas (as representações em geral, tais como são dadas na experiência), é necessário constituir uma taxinomia e para tanto instaurar um sistema de signos. Os signos estão para a ordem das naturezas compostas como a álgebra está para ordem das naturezas simples. Mas, na medida em que as representações empíricas devem ser susceptíveis de se analisar como naturezas simples, vê-se que a taxinomia se reporta inteiramente à máthêsis...”. Será que poderíamos sugerir ao nos utilizarmos da perspectiva proposta por Foucault, o seguinte questionamento: Até onde as disposições gerais na relação da tal máthêsis que condicionou um discurso taxonômico do mundo não teriam então da mesma forma determinado o desencadeamento de um conjunto de aspectos da ordem psico-afetiva em relação aos próprios planos composicionais gerando o discurso de afetos os quais determinariam por sua vez as nossas relações com a própria criação musical, em via de mão dupla, nesta relação inevitável entre compositor e ouvinte normalmente intermediado pelo intérprete , o qual por sua vez, exerce nos nossos tempos, um vulto de influência “específica” no processo do discurso musical?. A relação entre a razão científica e a razão na música, é facilmente observável. J.M. Wisnick (musico, autor e professor de literatura) em palestra, cujo tema era a “Razão”, acentuou que: “A curva no ‘gráfico’ do histórico da música ocidental é semelhante à curva do Racionalismo (científico) desenvolvido no mesmo período”. RenascimentoOé artista um período de “valorização da criatividade”, logo, daO“invenção”. do renascimento se integra ao avanço da ciência e da técnica , então, a imagem que se tem do renascimento acolhe uma auto-valorização dos artistas-engenheiros . Se quisermos, podemos dizer,artistas-cientistas, que faz deste período uma época de avanço técnico associado a celebridades como Leonardo da Vinci (1452-1519) que além depintor (artista plástico), apresentou vários projetos científicos, como arquiteto, mecânico, urbanista, engenheiro, fisiólogo, químico, físico, geólogo, etc. Diz a lenda queLeonardo tocava composições próprias eminstrumentos musicaisinventados por ele mesmo. Este “espírito” voltado para atividades múltiplas traz um caráter megalômano... Difícil afirmar, porém, à primeira vista parece tratar-se 184 | Wesley Caesar
de um conjunto de ideais auto-afirmativos, uma espécie de empreitada quixotesca dotada de grande soberba que estimulou as ideologias posteriores, que sem “aperceberem-se” adotaram planos altamente auspiciosos que se alastraram por toda a vida social inclusive até a música... Daí os conceitos do sujeito que é “gênio disso” ou “gênio daquilo”, pôde surgir com a demarcada arrogância em sua fonte nascedoura, cujos “valores” sociais não se encontram devidamente “descritos” na vida social até estes momentos, simplesmente porque até então, ao que sabemos, a vida estava contornada no abstrato, orientada por uma teologia ... Mas, agora, tais “valores” passaram à interessar, pois, os “novos projetos” de construção do “novo mundo” edificado com base na entronização da razão em especial a científica, mais tarde, nas razões industrial e comercial, e principalmente na lógica antropocêntrica, pois, o novo projeto terá que se auto-justificar através de referenciais encarnados em protagonizadores para a devida sustentação das tais novas ideologias, onde sujeitos como Da Vinci, servirão de modelo. Um projeto antropocêntrico estava em curso, uma espécie de télos ou teleologia agora irá orientar os caminhos humanos... Podemos dizer que o Classicismo na Música, considerado por alguns autores a Era do Indivíduo é por excelência a era dos virtuoses exibicionistas cujos “valores” ainda podem ser contemplados em nossos dias, muito embora, o contemporâneo se apresente como non sense , apresentando grandes incongruências e discrepâncias – Os ícones na Música Popular de consumo, por exemplo, tanto podem ser artistas realmente capacitados, como tambéme podem indivíduos desprezíveis sem compromisso preparoserqualquer paraabsolutamente exercerem a “função” de musico-artista . Ao menos no período clássico o virtuose possuía tal status porque realmente tinha na música um sacerdócio. Além de tudo, há um caráter de interdependência das relações; criação do instrumento (ver capítulo: Matemática e Organologia ) – executante -composição-teoria-historia da música... que nos leva a outros capítulos desta obra... O professor Octavio Ianni em sua clássica obra ‘ Teorias de Estratificação Social’ escreveu: “Sem a habilidade do carpinteiro o violino ocidental seria impossível” (H. Gerth e C.W.Mills), e poderíamos completar reiterando que não teria existido também por conseqüência Nicolo Paganini e os mais famosos virtuoses do violino. Música (Cultura e Sociedade) | 185
Completa Ianni:”Ofícios e habilidade são, assim, pré-condições necessárias para o desenvolvimento da música instrumental”. Lembra-nos ainda o veterano professor, aquilo o que nós músicos bem sabemos, o fato que J.S. Bach compôs o Cravo bem temperado para provar a amplitude e as possibilidades adequadas do instrumento quando afinado daquele modo. E aqui fazemos alusão ao sistema tonal , e aproveitamos para indagar: Não fosse o cartesianismo , teria ocorrido tudo tal como ocorreu na música de Bach e no Barroco e o que daí sucedeu-se, pois principalmente a canção popular carregada de tonalismos, seria a mesma e o “pensar” composicional musical e, por conseguinte o condicionamento do discurso psico-afetivo musical seriam os mesmos?. O sistema tonal – que foi antecedido por um clima quase que de “conspiração” – instaurou como princípio as doze escalas maiores e doze menores onde tal conjunto pôde ser exposto dentro do “antigo” circulo das quintas, porém, neste caso privilegia a ideia de uma escala cromática , que seria a extensão provedora de todas as outras escalas diatônicas, cuja divisão em doze partes iguais (a medida é o semitom) da tônica até oitava, “estabelece uma conta artificial”, um conceito logaritmo de escala, a razão exata de uma proporção numérica , que parece ter na lógica matemática dos séculos 17 e 18 o seu maior apoio ideológico (?). Afinal, certo discurso dos afetos “protegido” por uma matemática de afetos, pôde surgir como representativo dos “sentimentos musicais humanos”(?) – A sugestão bem acertada de que a Música desenvolveu-se como uma matemática dos afetos é do professor brasileiro Flô Menezes. A Era Moderna (ou Era da Razão), argumenta O.J. Abdounur é o período que se caracteriza processos matematização experimenta-a ção Científica e mecanização , a Revoluçãopor dos de séculos 16 e 17,, propiciou emergência de interpretações e argumentações inovadoras, contrapondo-se às doutrinas aristotélicas as quais possuíam caráter qualitativo, pois, as interpretações científicas (da Era Moderna) serão regidas por fórmulas e teorias matemáticas, a ciência emergente, portanto, tornou-se mais quantitativa, primando pela exatidão e sofrendo um processo de matematização. Então, a supervalorização do modelo científico de compreensão e organização da vida em geral, deu margem a invenções e criações científicas inéditas na história, tendo como conseqüência uma nova ordem mundial racional-tecnológica que afetaria não só a música em todas as 186 | Wesley Caesar
suas dimensões, bem como, a sociedade como um todo (ver capítulo: “A ‘Revolução Científica’ como “nova” Educadora e Interventora da Cultura...” ). Continua O.J. Abdounour: “Do ponto de vista musical o Renascimento caracteriza-se pela evolução da polifonia – super posição de melodias – e conseqüente desenvolvimento da Harmonia. Realizando especulações matemáti cas concernentes a esta área em seu Música Teórica, Ludovico Fogliani (1470-1539) forneceu fortes subsídios para que Gioseffe Zarlino (1517-1590) – um dos maiores teóricos musicais da época organizasse em sua obra Instituzioni Armonique (1558) a base da educação cientifico-cultural em toda Europa durante dois séculos”. Noutro capítulo já mencionamos Marin Mersenne (1588-1648) o padre francês que dedicou-se à acústica, que fundamentou o estudo da harmonia no fenômeno da ressonância, escrevendo; Harmonie Universelle (1636). O padre mantinha correspondência com Renes Descartes (15961650) já mencionado – um dos mais conhecidos pensadores do Iluminismo, cujas concepções exerceram influência até o século 20. Descartes escreveu em 1618 o seu “Compendium Musicae”, cuja obra, acentua Abdounour , “denota influências claras do padre Mersenne, no que se refere à teoria da ressonância”. Este compêndio de Descartes por sua vez, influenciou de maneira marcante o “Tratado de Harmonia” de Jean Phillipe Rameau, cem anos mais tarde, em 1722. O tratado de Rameau é na verdade um dos principais compêndios de Harmonia que deu srcem à teoria da Harmonia Moderna . O autor Abdounour, acentua ainda que: “A percepção por parte de Galileu Galilei no século XVII(17) de que a sensação de altura musical relaciona-se diretamente ao conceito de freqüência, marca o início da física da música em
sua concepção atual... Galileu substancialmente concepção quando escreveu em 1638, quemodificou nem o comprimento nem aa tensão e a pitagórica densidade linear de cordas apresentava-se como razão direta e imediata subjacente à intervalos musicais, mas razões dos números de vibrações e impactos de ondas sonoras que atingiam o tímpano”. Ainda no começo do século 17, Johannes Kepler (1571-1630) matemático, astrônomo e filósofo, daria também a sua contribuição para a teoria musical. Em 1619, publicou uma obra intitulada “Harmonicies Mundi” que compunha-se de 5 livros. O livro 3 era um tratado sobre consonância, dissonância, intervalos, modos, melodia e notação. Conforme observa O.J. Abdounur, esta obra deu fortes subsídios para a ciência música. Música (Cultura e Sociedade) | 187
Kepler considerava que os pitagóricos haviam desprezado os intervalos de terças e sextas como consonâncias, ao considerar somente os intervalos de quarta, quinta e oitava como puros . Então, procedeu no experimento do monocórdio dividindo em oito partes, como já havia feito G. Zarlino e M. Mersenne, reconhecendo como consonâncias ; oitava, quinta, quarta, terça maior, terça menor, sexta maior e sexta menor . Kepler defendia a existência, já conhecida entre os antigos, de Escalas musicais peculiares a cada planeta, que soavam como se estes “cantassem simples melodias”, relacionando velocidades dos planetas para as freqüências emitidas, ou seja, voltamos em Platão com a ideia de Harmonia das Esferas e outros autores (ver capítulo: “...Filosofia Sufi (P.Ouspensky, o princípio da Vibração e a Lei cósmica de Oitava )”. A ideia da Série Harmônica (ou Harmônios, cujo fenômeno é conhecido desde a Antigüidade) que mais tarde dará base aos conceitos para a criação da ciência harmônica, tem nos físicos deste período (século 17) como; Joseph Saveur, Christiaan Huygens, John Wallis e outros, o seu amparo teórico, podendo-se formular então, “novas planificações” na composição musical. A Série Harmônica é um fenômeno natural produzido por uma fonte sonora (isto é, notas musicais) que em sua freqüência vibratória, gera ondas regulares capazes de produzir outras ondas fisicamente correspondentes em número de vibrações. Foram, inclusive, de singular importância os estudos de Jean Fourier, por volta de 1822, dando contribuições definitivas com seus teoremas, em particular, no âmbito da acústica musical, para a compreensão dos conceitos da Série Harmônica. Em período anterior, outros homens da músicaflauum Martinho Lutero (1483-1546) “sacerdócio”. que jáerafaziam frade agostinho, tista e exímio tocador de Alaúde, em 1521 traduziu a bíblia para o alemão, escreveu hinos e formou o Coral e através do protestantismo promoveu a Reforma Luterana, influenciando em sua época, bem como, em períodos posteriores muitas personalidades, uma delas, é o compositor J. S. Bach (1685-1750) considerado o último (junto a Haendel) do Barroco tardio, que era luterano convicto e dedicou grande parte de sua vida à música para a Igreja, tendo sido Kantor (responsável por toda a música da Igreja e pela direção de uma Escola anexa). Como sabemos, a obra de Bach tornou-se referência e influenciou varias vertentes da música no Ocidente, até hoje. Quanto ao caráter 188 | Wesley Caesar
de suas obras, vale citar o pianista concertista Arnaldo Cohen que certa vez, à respeito de uma obra específica do mestre barroco, comentou:”É um verdadeiro tratado matemático com o coração pulsando”. Tal comentário ajuda a ilustrar os caminhos da música no Ocidente, o quanto, o espírito racionalista da Era Moderna encontrou na Matemática ou na Mátêsis Universallis (e também na Física) uma forma de organizar a música e a vida, influenciando também os compositores. Ao mesmo tempo, o comentário do concertista evoca um tema que já aludimos, sobre a ideia da emoção em música “condicionada” à uma “teoria de afetos” desenvolvida no Ocidente, e que modelou a forma da construção musical. Então, uma concepção matemática organizadora do mundo (ver capitulo Matemática e Organologia ), foi combinada à Emoção (talvez possamos dizer a criação de um conceito do sentir humano, isto é, como se os sentimentos devessem ser primeiramente despertados, depois educados e ordenados dentro do “processo civilizador” – já toquei noutro capítulo sobre a ideia de uma ontogênese dos sentidos ). Poderemos observar com referência aos Intervalos musicais, certas atribuições de afetos . Por exemplo, acredita-se que; “Intervalos puros” causem sensações agradáveis, através de tentativas de testemunho científico, etc. Nos âmbitos, da Melodia, da Harmonia, e principalmente, dos Timbres, há referências estilísticas ao nível do “afeto”. Inclusive,a “teoria” de que certas Escalas ou certos Acordes estejam relacionados, à tristeza ou à alegria, cuja formulação pode ser confirmada na experiência pratica... (?) Parágrafos atráscomo tocamos no episódio o qualliteratos por volta de 1580 um grupo conhecido a Camerata que envolvia intelectuais, reunia-se em Florença, pois, encontravam-se descontentes com a técnica de composição contrapontística – ou seja, aPolifonia a qual já ressaltamos detinha um caráter “democrático” que permitia vàrias linhas melódicas simultâneas, isto é, não havia uma voz principal como protagonista – desfecharam então um ataque contra o estilopolifônico de composição. Argumentaram que o estilo contrapontístico obscurecia a poesia. O grupo Camerata pretendia, portanto, a ressurreição do que consideravam ser o antigo método de declamação, na forma de uma intensificação musical do texto. Este movimento se estendeu por mais uns anos e seus efeitos definitivos só surgiram mais tarde... Música (Cultura e Sociedade) | 189
Em 1602 G. Caccini (um dos membros do grupo Camerata) publicou uma obra que reunia canções para canto intitulada “La Nuove Musiche” (A Nova Música), que baseava-se apenas em uma Melodia (estilo monódico) resgatando então, a ideia de uma única linha vocal, ao mesmo tempo valorizando o texto, inicialmente o acompanhamento era absolutamente simples. E assim temos aqui os primórdios daquilo que chamamos de Ópera. Sobre esta questão, o historiador Roy Bennett coloca que: “A linha melódica vocal ondulava de acordo com o significado do texto, e acompanhava de perto o ritmo da pronuncia natural das palavras. Foi esse estilo – meio cantado, meio recitado – que ficou conhecido como Recitativo”. Este estilo monódico viria a ser então conhecido como a nova Música. Entretanto, a Ópera como “dramaturgia” e criação “melodramática”, têm srcens nos Dramas Litúrgicos do século 12, porém, tornou-se um gênero de música que passou a existir a partir de 1600 e seguiu até aos nossos dias. É a música de invenção Européia que como idealização de um gênero assimilado pela burguesia a acompanhou durante toda a sua ascensão. E neste sentido, o ponto importante é que, uma linha vocal monódica, isto é, uma melodia pura que tem como único objetivo valorizar o texto, com apoio harmônico, por sua vez submetido à regras prévias, é por excelência o “formato” musical popular do século 20. Acontece que grande parte da música popular Européia com srcem na ópera ou em gêneros subjacentes, entre os séculos 17 e 19 deu base a esta música popular do século 20. Citando o professor Kiefer , sobre a Polifonia “Numanovamente trama polifônica cada voz Bruno é constrangida pelas outras. Além, comenta: disto, o próprio caráter comunitário da música polifônica impossibilita, de inicio, qualquer veleidade de expansão individual desta ou daquela voz. A melodia acompanhada que surge com o barroco é afirmação do indivíduo. O perigo inerente à tal situação é óbvio: tendência para o puro exibicionismo e o virtuosismo oco” . Já tocamos neste assunto anteriormente, porém aqui ainda podemos esclarecer dois aspectos sobre o exibicionismo e o virtuosismo oco . Primeiramente, o período Barroco que demarca a atribuição ao ápice da composição musical no Ocidente mais especificamente em J.S. Bach, não consagra ao mesmo tempo o fato que o próprio Bach tivesse sido um homem de palco e platéia, ou seja, um artista do “show business” 190 | Wesley Caesar
conforme os nossos conceitos atuais... Nahistoriografia ele (Bach) sempre aparece “condecorado” como um homem que foi dedicado ao culto de sua religião e como Kantor (profissional do ensino da música). J.S. Bach compôs Suítes, Cantatas, Toccatas, um repertório enorme de peças musicais, sempre um tipo de música instrumental ou vocal voltada para outros fins bem distintos dos da Ópera. É importante relembrar que toda aMúsica Polifônica que se desenvolveu desde a Idade Média até este período do século 16 está baseada no Sistema Modal, o qual já à partir do século 17 começa a se desagregar porque dará lugar ao Sistema Tonal fundado na Escala Maior e Menor. Sobre isso acentua W. Lovelock : “O século XVII(17) assistiu à desintegração final do sistema modal, suplantado pelo sistema de Escala Maior e Menor. Nos primeiros anos houve considerável imprecisão de tonalidade, parecendo que os compositores vacilavam entre os modos e o sistema mais recente (maior e menor)”. O falecido professor H.J. Koellreutter que viveu no Brasil durante muitos anos, em sua obra Harmonia Funcional, esclarece: “O conceito de ‘Harmonia’ como ‘teoria de concatenação de acordes’ tem sua srcem em fins do século XVII(17) e começo do XVIII(18) quando o ‘horizontalismo’ do contraponto, cada vez mais, cede lugar ao ‘verticalismo’ da emissão simultânea de três ou mais sons de alturas diferentes e às leis próprias dos acordes – fundamentadas em Rameau– quando o sistema modal é substituído pelo tonal do maior e menor. Como resultado desta evolução surge a harmonia diatônica baseada em funções principais e secundárias e no principio tonal da cadência, harmonia esta que caracteriza a música do barroco de Bach e Handel, e ainda a música dos clássicos Haydn, Mozart e Beethoven , na qual, no entanto, e rítmicos começam a determinar, cada vez mais,elementos o discursométricos harmônico.” O que fica claro na história da música do Ocidente é que a partir do Classicismo , os “exibicionistas” da música surgem com magnitude, isto é, um conceito moderno de artista começa a surgir, muito embora a Ópera como evento que inaugura o conceito moderno de palco-artista e platéia-ouvinte já existisse há quase 150 anos. Então, no caso podemos dizer que neste período teria surgido o primogênito do que mais tarde seria o conceito de Música Pop (opinião partilhada com o historiador Piero Scaruffi ) ou de artista Pop, inventados pela indústria do século 20. Pois, foi necessário surgir primeiramente no século 17 com a Òpera, um conceito de palco com platéia pagante com espectadores com o Música (Cultura e Sociedade) | 191
fim de ouvir e ver a exibição de artistas. Tal surgimento mais tarde daria forma à apresentação musical moderna. Retomando a ideia do Sistema Modal medieval devemos aqui acrescentar que estes Modos Medievais (Dórico, Frígio, Lídio, Mixolídio, Hipodórico, Hipofrígio, etc) que serviram de base para a composição musical desde a sua adoção até o século 16, chegaram a um total de 12 Modos somando-se os Autênticos e Plagais. Este sistema já possuía o acréscimo de mais quatro Modos (Jonio, Eólio, Hipojônico e Hipoeólio), o sistema total foi exposto em sua teoria completa pelo escritor H. Glareanus na sua obra Dodecachordon em 1547. Mais tarde, já no Sistema Tonal o Modo Eólio será a Escala menor , e o Modo Jonio será a Escala Maior. Conforme acentua o historiador W. Lovelock: “Esses Modos (Jônio e Eólio) não podem ser considerados novas invenções, mas sua incor poração ao sistema oficial forneceu a justificação teórica para a práti ca corrente dos compositores”. Para evitar equívocos, vamos deixar claro que, os 12 Modos eram; os quatro Autênticos, os quatro Plagais (que levavam o prefixo Hipo, cujos Modos consistem em iniciar em uma quarta abaixo da Tônica do Autêntico ) e mais, os Modos; Jônio e Eólio com seus Plagais respectivos (Hipojônico e Hipoeólio) que somam quatro Modos. W. Lovelock acrescenta ainda a ideia de que, muito embora alguns Modos parecessem iguais, entretanto, eles se distinguiam por sua nota final. Comenta ele: “Uma melodia no Modo Dórico autêntico (por exemplo) situar-se-ia fundamentalmente entre Ré e sua oitava circulando ao redor do La dominante, e terminaria no Ré mais baixo. No Modo Hipodórico, a Melodia situar-se-ia entre Lá e sua oitava, mas terminaria em Ré, não em Lá. Uma autentica melodia Eólia (por
exemplo)Jásituar-se-ia também e sua oitava, masum terminaria no La final”. comentamos queentre se La hoje fizéssemos levantamento das Melodias populares, encontraríamos grande parte delas desenhadas por tais Modos (Autênticos e Plagais), bem como, obviamente as escalas tonais (Maiores e Menores). Contudo, encontraremos também na música folclórica não só do Ocidente, mas de outras partes do mundo, a Escala Pentatônica, bem como outras possíveis estruturas de Escalas. Até aqui, tivemos a exposição da base musical Européia, ou seja, do sistema musical europeu, porém, as divisões intervalares não eram precisas por razões físicas naturais, que já citamos de passagem. Portanto, a Escala, isto é, uma sucessão de intervalos da primeira nota (tônica) até a suaoitava respectiva, ainda não se encontrava separada 192 | Wesley Caesar
por medidas exatamente iguais, tal como aconteceu com “oTemperamento igual” por volta do século 17, pois, o que prevalecia até então, era“tempeo ramento desigual”que já incorria em “confusão” emséculos anteriores. Lembra-nos mais uma vez J.Abdounour que: “O Temperamento igual já mostrava-se postulado por teóricos do século XVI(16)...” Conforme vimos anteriormente (em M. Mersenne e outros) os princípios físicos dos harmônios já possuíam relevância, quanto à conjugação da média dos intervalos para a formação da Escala. O Temperamento da Escala acabou surgindo como uma “necessidade” em vista dos acontecimentos no plano científico, uma concepção racionalista (matemática ) no próprio processo da composição musical. Para ilustrar esta abordagem, basta lembrar que em outras culturas não ocidentais asdivisões intervalarespodem possuir medidas muito distintas das nossas. AcentuaAbdounour: “Podemos pensar os distintos temperamentos assumidos em música ao longo dos tempos em diferentes culturas”. Na verdade, as medidas tentam corresponder à umsignificado natural das disposições dossons, cujos significados podem se diferenciar e muito entre asculturas humanas, e neste sentido, o conceito deEspaço-Tempo, é determinante. O temperamento igual, que dividiu a oitava em 12 partes iguais, isto é, em 12 semitons, ocorrido na Europa, por volta do século 17, que alterou o Sistema Musical Ocidental, (portanto, talvez possamos entender como uma nova proposta epistemológica da música, quando novos paradigmas da composição serão inevitavelmente implantados) foi sugerido em 1620 pelo físico Simon Stevin , e também pelo organista alemão Andreas Werckmeister em 1686, com a publicação de sua obraMusiklische Temperatur que expõeeste a teoria do os temperamento igualdeporteclado. doze e a maneira de afinar segundo sistema, instrumentos A influência do novo sistema atingiu à todos os seus contemporâneos, inclusive J. S. Bach (já citado) que acabou escrevendo o Cravo bem temperado cuja obra composta para as 12 tonalidades maiores e 12 menores. R. de Candé, comenta: “A adoção do temperamento igual terá uma influência determinante na evolução dos instrumentos de teclado e no advento do piano; as técnicas de composição vão-se ver, assim, modificadas pela nova importância do desenvolvimento modulante no ‘âmbito’ do sistema ‘tonal’ e, sobretudo, a percepção musical será pouco a pouco transformada pela uniformidade das Escalas e pelos estereótipos da harmonia clássica”. Vale observar que, o condicionamento perceptivo a um novo sistema musical vai moldar os “instintos musicais” não só domusico-compositor, Música (Cultura e Sociedade) | 193
bem como do ouvinte, que será envolvido de maneira inadvertida, e que de alguma forma terá o seu “gosto musical” tanto quanto moldado aos padrões condicionantes. O ouvinte estará na verdade envolvido num processo cujas descrições encontram-se nos próximos parágrafos. Argumenta ainda o historiador R. de Candé, que, o temperamento igual gera inconvenientes. Um deles é o fato da Escala ser determinada por séries aritméticas não harmônicas, fruto de um cálculo teórico sem fundamento físico ou fisiológico, os Intervalos são impuros , salvo a oitava. Podemos imaginar o peso da razão científica tendo por base a matemática, nos conceitos que levam a uma sistematização matemática de uma escala musical cuja divisão deve conter espaços metricamente iguais, tal como no sistema rítmico, muito embora já comentamos noutro capítulo que na China antiga tais experiências com medidas iguais dentro da Escala já haviam surgido. Parece claro que a Música Tonal (ou o Sistema Tonal) surgiu como uma das conseqüências do “racionalismo” da Era Moderna, a qual é representante do pensamento dos séculos 18 e 19. A música do século 18 em diante não apenas sofreu uma modificação ao nível dos conceitos Físicos, Matemáticos, na planificação da Composição, etc, mas, e principalmente, a música “espontânea” se “tornará” cada vez mais “restrita”. Sobre o período Barroco do século 18, observa mais uma vez O.M.Carpeaux : “O século XVIII (18) passa por ter sido Racionalista no pensamento e Classicista na Arte”. Seguindo o curso histórico das implicações que organizaram o nosso Sistema. Musical, podemos ainda acrescentar dados que enfatizam a sua formação Uma via de analise refere-se aos cientistas, que de alguma forma contribuíram para organizar a “Formação do nosso Sistema Musical”. Como, H. V. Helmholtz (1821-1894), pois, uma de suas obras (“Doutrina das Sensações Sonoras como Fundamento Fisiológico para a Teoria da Música”, assunto que se relaciona com a “Teoria de Afetos” em música, e os processos do pensar, agir e fazer musicais) exerceu influência nas ideias de outros autores tratadistas da música. Bem, cabe aqui a citação de uma seqüência de autores que contribuíram diretamente para a Formação de uma Teoria da Harmonia e suas conseqüências. 194 | Wesley Caesar
Lembra-nos os autores Marilena e Zula de Oliveira na obra “Harmonia Funcional” que o significado da palavra Harmonia manteve-se através dos séculos, porém, o seu conteúdo sofreu alterações. Já comentamos que entre os gregos antigos e em toda a Idade Média significava “seqüência ordenada das Escalas”. Da Renascença em diante passou a significar “disposição equilibrada e determinística, das tríades consonantais” . Conforme já demos a entender em parágrafos anteriores, que certas “experiências” contribuíram para elaborar conceitos de Intervalos privilegiados em detrimento à outros. Vimos, por exemplo, no começo deste texto, Pitágoras como um marco inicial importante, no desenrolar deste processo. Neste sentido os autores citados, reiteram alguns dados que já mencionamos em outros parágrafos. Alguns tratadistas deram seqüência à certas noções que podemos observar como; pensamentos analógicos que ajudaram à construir significados (cujo tema é objeto de estudo do autor O. J. Abdounour varias vezes citado). Então, seguindo o rastreamento histórico sugerido pelos autores Marilena e Zula de Oliveira, ainda no século 13 certas obras ou tratados como o de Joh de Garlandia, F. Von Koln e Walter Odington, mostram elementos harmônicos privilegiando os intervalos de Terça e Sexta. Bem como, na obra já citada de 1558 de G. Zarlino o tratado “Instituzioni Harmoniche” estabelece a Terça e a Quinta como únicas consonâncias da harmonia. Em fins do século 16 o surgimento do Baixo Contínuo alterou as teorias anteriores . Uma melodia acompanhada por acordes, agora predominará como a lógica do fazer musical no Ocidente. A canção
popular Os surgida maisMarilena tarde tem aí ,suas srcens.que Jean P. Rameau (já citae Zula autores lembram do) será aquele que estabelecerá a ideia de Tonalidade com seu Centro Harmônico, criando os conceitos de Tônica, Dominante com ou sem 7ª. e Subdominante com ou sem 6ª.. Donde com justiça, pode ser considerado pioneiro da “teoria das funções harmônicas”. Marilena e Zula citam Gottfried Weber (1779-1839) o qual deu continuidade ao trabalho de Rameau, classificando os acordes da escala classificando-os com números romanos , até hoje usados, e Hugo Riemann (1849-1919) que se utilizou das teorias de Rameau e Weber estabelecendo o chamado dualismo tonal , como princípio básico da compreensão das funções harmônicas. O Dualismo admite a tríade (maior ou menor) como discurso fornecido pela natureza... Música (Cultura e Sociedade) | 195
Esclarecem que Simon Sechter (1788-1867) e Anton Bruckner (1824 -1896) criaram outra concepção, o monismo , ou seja, a tríade não é uma unidade fornecida pela natureza, mas uma conseqüência do intervalo de terça... Lembram que Max Reger (1873-1916) que foi aluno de Riemann melhorou o sistema dualista de seu mestre e estabeleceu as chamadas 5 leis tonais . Hermann Grabner (1886-1969) simplificou o sistema de Riemann e terminou por estabelecer um sistema mais funcional, talvez o mais usado, até hoje, o sistema Harmonia Funcional que envolve o conteúdo harmônico Clássico, Romântico, etc. Podemos completar aqui por nossa conta que tal sistema envolve quase a totalidade da canção popular de consumo produzida no século 20 e começo do século 21(?) pela indústria da música , isto é, indústria do entretenimento . Reputam ainda os autores Marilena e Zula, o que, aliás, sabe-se bem, que o mérito da introdução do sistema Harmonia Funcional no Brasil é de Hans J. Koellreuter, já citado nesta obra, o qual ensinou aqueles que se destacaram tanto na área da música erudita, como na popular, tal como o compositor Tom Jobim entre outros. Podemos acrescentar por nossa conta que outros autores em menor ou maior grau podem ter dado outras contribuições para sistematizações mais recentes na música do Ocidente. O Sistema Tonal que substituiu o Modal (conforme já observamos) surgiu como um discurso de si próprio. Muito embora o Sistema Modal medieval tivesse sido criado por homens do clero, conforme vimos, adquiriu ao longo dos séculos o caráter da tradição da Música no Ocidente. O Sistemasurgiu Tonalcolado surge como algo autônomo, sistema não necessariamente na tradição da “culturatalpopular”, e sim, muito mais comprometido com a Razão e a Ciência que emergiram do meio social de homens que tinham acesso aos estudos e experimentos científicos... Por isso, é difícil dizer “quanto” de uma “curta tradição” musical poderá ter emergido do seio popular, até por uma questão de uma nebulosa identificação em vista do caráter do estrato social que não permitia uma unidade do conjunto social... Sobre o sistema tonal, a professora Maria L.Sekeff que desenvolveu uma brilhante obra sobre o assunto, Curso e Dis-curso do Sistema (Tonal), comenta que do ponto de vista Filosófico: “... o Sistema nos remete ao racionalismo ocidental, associando tradiçãoempirista e formalismo lógico-matemático... 196 | Wesley Caesar
esta srcem racional e dualista levou-o a adquirir uma feição singular, possibilitandolhe erigir-se em Sistema independente, regido por leis de funcionamento próprias, fundamentando um discurso tridimensional, polarizado, seletivo, funcional, tautológico, articulado, orgânico, previsível, configurado no Acorde perfeito e no jogo de funções ‘autoritárias’ (a Tônica e suas Dominantes)”. Completa ainda a professora colocando que do ponto de vista Sociológico, “o Sistema representa a vitória de uma classe social: a burguesia. É expressão do pensamento e do universo cultural burguês à semelhança do seu potencial lúdico”. Entretanto, o final do século 19 assistiu à desintegração do tal Sistema Tonal, ele agora se esgotaria dando margem à novas teorias na tentativa de solucionar a sua desagregação, isto é, novas abordagens de estruturas intervalares ainda dentro do “sistema temperado” (ou retornando à hipótese de um temperamento desigual). Então, são vários autores compositores que agora se preocuparão com a questão. Segundo consenso entre os historiadores damúsica, foi com Richard Wagner (1813-1883) no século 19 que com uma cromatização “exagerada” da tonalidade daria conta de esgotar por vezo sistema tonal que estava em curso desde pelo menos o século 17, conforme vimos.Wagner empregou harmonias bastante cromatizadas e dissonâncias acentuadas. Claude Debussy (1862-1918) embora nascido no século 19 está “enquadrado” historicamente na música do século 20, portanto, um contemporâneo da ultima fase do Romantismo europeu. Debussy foi um daqueles que tentou sugerir um novo caminho usando em suas composições a Escala de tons inteiros (whole tone). Outros, assim como Schoenberg sugeriu Oliver(1871-1951) Messian queque o sistema dodecafônico e o Arnold atonalismo. criou uma teoria de “modos de transposições limitadas”. Bela Bartok(1881-1945) que aderiu ao usodeEscalas da Música Folclórica. Igor Stravinsky (1882-1971) que usou aEscala Diminuta embora tenha sido defensor dosistema tonal, e tantos outros que tentaram contribuir, sugerindo “soluções” para uma “nova” relação com osistema de escala. Entretanto, todas estas experiências de “vanguarda” ainda não atingiram a Música Popular do século 20, talvez eventualmente de raspão, mas não intencional e sistematicamente. Pois, no século 20 e ainda começo do século 21, tanto osistema modal em forma monódica como o sistema tonal das 12 tonalidades (maiores e Música (Cultura e Sociedade) | 197
menores) em forma de melodia-acompanhada , estão em vigor quase que na totalidade da Música Popular, isto é, do ponto de vista da organização do “sistema musical”, da predominância da funcionalidade tonal, e principalmente, a planificação musical baseada na Melodia-Acompanhada por Acordes que exercem funções harmônicas definidas, cujos Acordes encadeados em seqüências padrões já sugerem as linhas melódicas, neste sentido, a música popular (em particular de consumo) encontra-se praticamente “congelada” entre o século 18 e começo do 19. Foi, portanto, já no século 19 que certas experiências de alguns compositores deram “srcem” ao uso de Escalas não usuais, algumas já mencionadas, nos parágrafos anteriores. Cuja pratica no século 20, foi assimilada por alguns compositores do Jazz, e em outros setores da música de Vanguarda. Na música Pop, tais influências podem ser percebidas, por exemplo, com a banda inglesa The Beatles (1963-1970), particularmente a partir de 1967 com a obra Stg. Peppers Lonely Heart Club Band , podemos perceber uma alteração dos conceitos no próprio mundo do Rock. A partir de 1968 começa à surgir na Inglaterra o chamado Rock Progressivo . Bandas como; King Crimson, Yes, Emerson, Lake & Palmer, Gentle Giant, Jethro Tull, Genesis, etc, passaram à incorporar uma linguagem musical que mesclava elementos do Pop, Rock, Renascimento, Barroco, Classicismo, Romantismo Europeu do século 19, etc. Tais combinações derivaram outras possibilidades dentro da música mundial, que por sua vez influenciaram outros setores da Música Popular de consumo, inclusive no Brasil. misturas de elementos implicaram no usoHarmonias. de diferentes EscalasEssas e Modos , na construção de Melodias e respectivas Portanto, a ideia de Escala Exótica, por exemplo, tornou-se mais comum, porém, não com abrangência à toda Música Pop ou Popular , seja de consumo ou simplesmente de raiz. No Jazz, por exemplo, ficou claro o uso da superposição de tríades (sugeridas ainda no século 19 por Debussy e outros) – o uso das extensões (dissonâncias) – cadencias harmônicas utilizadas pela Bossa Nova no Brasil confirmam as influências dos movimentos musicais anteriores. A grande massa de compositores populares sempre se manteve fazendo música com base nas suas próprias raízes, porém, o mundo do 198 | Wesley Caesar
século 19 em diante passou a ser cada vez mais ocidentalizado, o que levou à uma padronização das ideias musicais. No final do século 20, isto tornou-se claro. Entretanto, os grupos humanos espalhados pelo planeta que eventualmente não foram ainda agregados ao chamado mundo moderno, podem ainda preservar seus “Sistemas Musicais” com suas “Escalas” , não sabemos por quanto tempo. Sabemos que apenas um percentual de toda a Música do Ocidente é que foi afetada pelas noções mais “modernas” do Temperamento da Escala. Porém, a Música, enquanto Som, não tem divisão de limites territoriais, por isso, uma vez, abertas as fronteiras, as Estéticas musicais se encontram... As Escalas, enquanto, fontes das Melodias, podem ser utilizadas em caráter de empréstimo, isto é, uma Escala não pertencente a uma determinada cultura humana , ou mesmo um simples grupo social, pode ser utilizada por qualquer compositor de outra cultura musical. É fato que a compatibilidade de uma Escala srcinada numa cultura estranha à uma outra dada cultura dependerá dos Sistemas Musicais já existentes previamente e mesmo poderá depender do tipo de Temperamento. Podemos proceder também para a construção de uma Escala, a partir de uma visão, puramente matemática numa perspectiva de reorganização dos intervalos já dispostos na Escala Cromática , por exemplo, sendo esse o sistema total, então, através da analise combinatória dos Intervalos podemos formar estruturas intervalares diversas. E foi o uso de certas Escalas ou Modos Exóticos, ou ainda, propostas novos sistemas que alguns compositores mencionados) do períododeRomântico , ou ,ainda do Impressionismo em (já finais do século 19, praticaram. Assim como, outros tantos compositores no século 20, cujo período caracteriza-se pela multiplicidade de vertentes musicais. O século 20 se torna ambíguo por um lado, porém, bem definido quanto à difusão da música como produto de massa, caracterizando assim uma mudança de paradigmas talvez sem precedentes...
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XII – A “Revolução Científica” como “nova” Educadora e Interventora da Cultura em geral e no campo do fazer musical Os conceitos de Ciência, Filosofia, Educação e Pedagogia - O Quadrivium e o Trivium como organizadores pedagógicos da “velha” Epistémê - Os Meios ‘discursivos’ modernos: Mass Media, as “Invenções”, a Indústria e o aparato Tecnológico como tentáculos interventores e formadores Epistemológicos da Cultura (uma introdução) - A Música do Ocidente no contexto de uma nova Epistémê
O conteúdo deste capítulo deveria pertencer ao anterior, porém, devido a sua importância considerei melhor desmembrá-lo dando destaque aos tópicos. Vimos noutro capítulo a importância do raciocínio científico no campo da Música. Aliás, o que tratamos, foi na verdade sobre aquilo que no Ocidente ficou conhecido como Música-Ciência desde Pitágoras. Já comentamos também sobre os conceitos gerais das Ciências, agora queremos em caráter introdutório dissertar sobre as Ciências como provedora e organizadora dos novos paradigmas pedagógico-educacionais, assim como já no século 20, os Mass Media, as Invenções e os aparatos tecnológicos intervieram na formação da Cultura moderna, das novas sociedades... No que se refere ao Ocidente, mais acentuadamente a partir de finais do século 19, especialmente no século 20, a Música (os “fazeres sonoros”) foi aviltadamente apropriada pela Indústria, assim, “desapossada” dos seus reais intérpretes , as comunidades , as populações em seus respectivos habitats em suas formas mais genuínas e espontâneas de criação – exceto, as eventuais sociedades fora do eixo do grande mundo civilizado moderno, remanescentes antigas culturas humanas eventualmente ainda nãocaso foram atingidasdepelo processo de “ocidentalização” do mundo, neste podem cultivar suas características mais instintivas na forma e conteúdo 200 | Wesley Caesar
de seus “fazeres sonoros” – Citando novamente Edgar Morin lembra-nos em sua obra “Cultura de Massas no Século XX” , que: “O ‘criador’, isto é, o autor, criador da substância e da forma de sua obra, emergiu tardiamente na história da cultura: é o artista do século XIX(19). Ele se afirma precisamente no momento em que começa a era industrial. Tende a se desagregar com a introdução das técnicas industriais na cultura. A criação tende a se tornar produção”. A Indústria além de apropriar-se das produções musicais livremente criadas pelas populações em geral, “contratou” em seu percursoautores específicos (funcionários) para o processo produtivo, revendendo assim, o mesmo material produzido, para as próprias populações as quais proveram ao longo dos séculos o material srcinal, convertendo então os srcinais protagonistas como meros ouvintes, consumidores da música como mercadoria. Conseqüentemente a participação doprocesso criativo ficou condicionada à uma situação deespectadores apenas com permissão para eventuais manifestações; a Dança, o Canto, etc. Tal configuração, palco-platéia com publico pagante, já teria surgido quando da invenção daÓpera no começo do século 17, conforme acentuamos noutro capítulo. Como sugerem alguns, vivemos uma realidade de múltiplas tradições simultâneas, cujo resultado é a ausência de uma única tradição predominante – há, contudo, uma única ideologia predominante no Ocidente que tem “unido” os povos; o comércio entrelaçado a outras ideologias como a industrialização , a pratica da tecnologia e outros fetiches , o maior deles, certamente é o papel moeda (o dinheiro). Contraditoriamente à especialização das ideias e dos discursos, vivemos um mundo pan-óptico, cujos paradoxos provavelmente não se encontre As precedentes. tais Ciências modernas dos últimos séculos foram desenvolvidas à custa de um conjunto de metodologias. Já tocamos na Introdução deste livro sobre o fato que, à luz de uma crítica científica tal conjunto de metodologias deve ser constantemente verificado, suas apresentações e convicções são sempre discutíveis. Poderíamos indagar no estilo de Schopenhauer ou de K. Popper e outros filósofos, perguntando: “Como podemos nos assegurar que as Ciências com todas as suas metodologias comprobatórias não estejam equivocadas sobre uma série de aspectos”? Em que medida as Ciências (dos últimos 500 anos) não seriam também as mais modernas formas Música (Cultura e Sociedade) | 201
de um complexo Mitológico fundado na Razão, que tornou-se organizador pragmático da vida humana? Uma questão intrincada, cuja “avaliação” demanda estimável esforço intelectual, no estilo de I. Kant e tantos outros... O que nos toma são as seguintes questões: Em suassrcens , o que foi a “Ciência” no passado? Quais as conseqüências do surgimento das Ciências modernas e seu respectivodesenvolvimento no decorrer dos séculos para as formas do pensamento das sociedades modernas, para a formação de uma nova epistemologia, em particular a da Música? O que no passado – no medievo, por exemplo – regulou a vida educacional? O que era a pedagogia, em particular, a Musical? Qual a implicância que pode haver das ciências modernas e seus novos agregados na formação do comportamento geral das populações, principalmente no que se refere àMúsica? Não pretendemos responder à todas as perguntas neste curto espaço, mas, tentar entender um pouco os ‘pesos’ que possam haver neste processo entre Ciência, Música, Cultura e Sociedade. Se, no passado, a Música era uma pratica espontânea do povo que permanecia sob seu “comando” e arbítrio, e também, ao contrário poderia ser algo sujeito à intervenção (ou, noutro sentido, a contribuição) intelectual dos seus respectivos teoristas, portanto, neste caso, a teoria da Música “pertencia” aos domínios de um monacato como diria M. Weber, contudo, ainda assim, a Música como manifestação espontânea se classificava como objeto do domínio da cultura, como uma espécie de patrimônio dela, porém, entre os séculos 19 e 20, quando surgiu a chamada cultura de massa (denominada por alguns) ou ainda a indústria
da outros) ela (a Música), talvez dediferenciada, forma inéditacultura e sem(denominada precedentes,por tomou certamente uma acepção nada comparável ao que já foi na antiguidade mesmo no Ocidente. Um complexo conjunto, de elementos que se imbricaram, a ponto de não se saber mais distinguir o que de fato é essencialmente puro da cultura e o que ao ser produzido pela indústria passou a ser parte daquilo que não existia na sua srcem e ag ora tomou a forma orgânica da cultura , uma vez que encontraremos dificuldades em prova r que o surgimento da indústria pode ser considerado natural dentro do fluxo de possibilidades da história da cultura , as quais sempre foram organizadas espontaneamente pela própria Cultura . Neste sent ido, o que nos interessa é saber em que grau a Música no Ocidente dos 202 | Wesley Caesar
últimos séculos encontra a mesma semelhança na ordem de dependência, já como “refém” da tríplice aliança indústria-tecnologia-economia que atingiram as Culturas e as Sociedades como um todo, imersas num “oceano” de conflitos e incongr uências . Ao investigarmos tais aspectos dessa “história”, só nos restará duas posições possíveis, a apocalíptica, como, aliás, já estamos propondo, ou a integrada... Seguindo nossas propostas interrogativas, queremos saber como surge o conhecimento científico , embora obviamente estejamos cansados de saber a tal história da Revolução Científica. Já citamos nesta obra vários autores a propósito deste tema. Porém, o que queremos é nos aproximar ainda mais do íntimo verdadeiro dos discursos modernos , tentar compreender o quanto nele se pode encontrar a essência da “verdade” geral, sobre todas as coisas, tal como soberbamente se propõem os tais discursos, através das instituições gerais do saber, do conhecimento e das suas múltiplas asserções... Devemos perguntar: O conhecimento científico dependeu fundamentalmente de que? Do saber que baseado na experiência deseja ser empírico e tomar posse da verdade, mas, passa antes pelos sentidos, mas o que é esta experiência do conhecimento que pretende saber? O saber empírico na tradição das culturas foi o regulador das mesmas, então, o que pretende este “novo saber”? Seria por acaso algo que pretende saber mais do que as próprias tradições das culturas e por isso mesmo pretendeu superá-las e substituí-las pela “nova tradição” ou crença, as Ciências? Os métodos heurísticos inevitavelmente empregados foram antes credenciados porprévia quem?e devidamente São eles agora então, ospela reguladores da Cultura ? Mas, foram discutidos própria Cultura, antes de seus surgimentos? Este era o desejo da Cultura , e por isso as Ciências surgiram, assim como a tal Revolução Industrial, o avanço da Tecnologia, etc.? Se, era o desejo da Cultura, então de qual cultura estamos falando, todas, ou daquelas culturas formadas mais recentemente dentro de uma estrutura do pensamento que se convencionou denominar-se História?. Se, a decisão pelo avanço científico foi ditada só por estas culturas mais recentes, então, asciências modernas não são representativas do desejo de outras culturas fora do eixo “civilizado”, as quais não foram consultadas, portanto, não é representativo da humanidade, como um todo..., e mais, do ponto de vista político, trata-se de um quadro autocrático Música (Cultura e Sociedade) | 203
(monocracia) e não democrático tal como pretende o slogan da modernidade?... Já dissertamos a cerca da Matemática, noutro capítulo, como base geral para o desenvolvimento científico. Talvez possamos acrescentar que a Filosofia Natural em sua srcem encarnava a ciência e a filosofia ao mesmo tempo. Desde Platão até certo período da Filosofia, não se separava o “amor à sabedoria” da posição do homem no Universo e do estudo estrutural deste , conforme nos lembra o professor Abraham A. Moles em sua obra A Criação Científica. Contudo, o percurso histórico que conduziu à criação da ciência experimental no Renascimento provocou di vergência acentuada entre ciência e “filosofia”. Tal separação acentuou-se nos séculos que passaram, assim a ciência tornou-se um corpo de doutrinas operacio nal e explicativo , ameaçando a destituição da Filosofia como provedora da reflexão do homem sobre si mesmo, e principalmente, ao pretender explicar tudo através da Física e da Matemática , da Geometria , etc, etc, descredibilizou a Metafísica , aquela que se encontrava embutida na tradição da Filosofia (ou mesmo, na tradição das culturas)... O Dr. Fritz Kahn (1888-1968) que em sua audaciosa obra O Livro da Natureza (Das Buch Der Natur) comenta: “Ciência não é coleção de conhecimentos nem busca da verdade, mas sim formação de conceitos. A Física em seus termos; massa, velocidade e energia não são r ealidades e sim os conceitos fundamentais da Física... São instrumentos do pensamento, artificialmente construídos, tais como as chaves de parafusos, são instrumentos que servem para abrir um motor o qual nada tem a ver com chaves de parafusos...”.
Dr. Fritz acrescenta o aspecto da formação do “conhecimento” e a conseguinte referência que cada época poderá prover aos seus contemporâneos, ditando assim o “pensamento” da cultura : “... Aristóteles não conhecia o conceito de atração e não teria podido discutir com Newton. Este por sua vez não poderia intervir num atual congresso de físicos, pois os conceitos de campo, de quantum, de salto eletrônico não existiam para ele. Goethe e Shakespeare diante de um jornal moderno se sentiriam analfabetos ...” . M.Merleau-Ponty (1908-1961) nos lembra: “Todo o universo da ciência é constituído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda. A ciência não tem e 204 | Wesley Caesar
não terá jamais o mesmo sentido de ser que o mundo percebido, pela simples razão de que ela é uma determinação ou uma explicação dele”. Huberto Rohden filósofo e educador brasileiro ao citar David Hume (1711-1776) sobre a questão do empirismo do conhecimento, escreve: “..nada existe no intelecto que não tenha existido nos sentidos. Qualquer conhecimento real e certo supõem uma relação entre o individual e o universal, mas, como este universal é apenas uma ficção de nossa mente subjetiva, e não uma realidade objetiva, segue-se que esta relação não existe realmente, uma vez que um dos seus termos é irreal. Logo, não há conhecimento, no sentido tradicional do termo... Todo conhecimento baseia-se no sentido da relação causal; mas, como essa relação não existe objetivamente, não há conhecimento certo... Não há na natureza nenhuma conseqüência lógica, de causas e efeitos, independentes ... O nexo causal interno é criado pela mente do cognoscente... T odo o nosso chamado conhecimento no ter reno da Física e da Química em outro setor qualquer tem por base uma probabilidade maior ou menor, mas não uma certeza real. Ora, a soma total das probabilidades não da certeza, senão apenas um elevado grau de probabilidade... H2O igual a Água, é um fato histórico, mil vezes verificado. Mas desse fato não se segue que exista uma lei necessária que obrigue o hidrogênio e o oxigênio a se combinarem dessa forma... Todo o nosso saber é essencialmente indutivo, e não dedutivo, porque começa invariavelmente com fatos individuais e concretos, e termina também com fatos dessa natureza”. Na obra do próprio Dave Hume (que ao lado de outros empiristas como J.Locke e G. Berkeley , influenciaram o pensamento do mundo moderno), em “Da srcem das Ideias” na sua Investigação sobre o entendimento humano, pode-se ler: “Todos admitirão sem hesitar que existe uma considerável diferença entre as percepções da mente quando o homem sente a dor de um calor excessivo... quandopodem relembra mais tarde essa sensação ou a antecipa pela imaginação. Essas faculdades remedar ou copiar as percepções dos sentidos, mas jamais atingirão a força e a vivacidade do sentimento srcinal... O mais vivo pensamento é ainda inferior à mais embotada das sensações...Podemos observar que uma distinção semelhante vale para todas as demais percepções da mente... Podemos dividir todas as percepções da mente em duas classes ou espécies, as quais se distinguem pelos seus diferentes graus de força ou vivacidade. As menos fortes ou vivazes são comumente denominadas pensamentos ou ideias. A outra espécie não tem nome em nossa língua, como em muitas outras, suponho que por não ser necessário para nenhum fim que não fosse filosófico... chamemo-la de impressões, usando a palavra num sentido diferente do usual...Pelo termo entendo todas as nossas percepções mais vivazes... que se distinguem das ideias...” Música (Cultura e Sociedade) | 205
Já tocamos noutro capítulo sobre o fato que, se as Ciências que formulam o conhecimento , o saber, passam antes pela “ilusão” dos sentidos, como podemos ter nela a nossa mais pura ancoragem da verdade? A mesma pergunta caberia à todos os pensamentos místicos, religiosos... As Ciências são oriundas daquela parte da Filosofia que adquiriu um “caráter técnico” e pratico, enquanto a missão da Filosofia, como diria G. W. Hegel ; “esta situada na falta de conhecimentos e de estudos, e esta parece começar onde os outros findam...”. Então, a nosso ver, a Ciência moderna foi capturada pela lógica do pragmatismo, adquiriu condição “burocrática” e partícipe do mundo “pragmatista comercial” ao unir-se com a Indústria e a Tecnologia, orientadores da vida humana – É bom lembrar que a Indústria surgiu no século 18 como exploradora da mão de obra humana tendo como objetivo a produção em série em larga escala para as massas, como resultado o fim lucrativo. No entanto, com o advento da doutrina do pensamento único, tal afirmativa é fatalmente vista como uma crítica de cunho marxista, por isso altamente rechaçada pelos partidários doutrinários das instituições modernas e considerada arcaica, ultrapassada. Muito embora, as Ciências também preservem o caráter das inconclusões, da transitoriedade de opinião, da pratica experimental, entretanto, servem à lógica do giro da fabrica que inventou produtos desnecessários à sobrevivência humana condicionando as populações aos seus respectivos usos. Portanto, as Ciências aliadas à Indústria e a Tecnologia, juntas, tornaram-se parte indissociável como peça chave de uma lógica que atende a um projetopróprios ideológico... Este processo certamente a compromete em seus objetivos de buscaincisivo , impedindo seu papel de isenção, tal como a Filosofia que ainda pode desfrutar... (embora esta também já tenha sido afetada pelo mesmo processo, mas ainda resta um pouco de “luz”) – O que deve ser preservado é o caráter da Filosofia, em sua srcem, que não pretendia afirmar, pois, queria “saber”... As Ciências se separam de acordo com o campo de estudo, mas, o operacionalismo técnico as unem, precisam demonstrar resultados. Em seus diversos setores, há divisões exclusivamente dedicadas à pesquisa, outras dedicadas à produção imediata de produtos, tal como os gadgets, etc, ambos deságuam na produção Industrial através das patentes adquiridas pelas suas invenções e “descobertas”. 206 | Wesley Caesar
Nos últimos séculos, surgiu algo inédito na história do próprio Ocidente que podemos identificá-lo como o desenvolvimento da “Corporação”, isto é, algo que no início era tímido, simples e incipiente, cresceu assustadoramente entre os séculos 19 e 20, com alto grau de autonomia, tomando conta da vida humana, exatamente depois da tal Revolução Industrial do século 18. Ela (a Corporação), em particular, à partir da Inglaterra e países da Europa e a seguir, dos EUA, tomou todos os espaços da atividade humana, alastrando-se... Neste contexto, o cientista passou a ser um “funcionário técnico” da grande Corporação, ainda que inconscientemente... Daí a grande diferença entre filósofo e cientista , porém, já comentamos que até mesmo a Filosofia foi solapada pela “modernidade instituída pela Corporação”, adotando assim um caráter técnico. Então, no mundo da filosofia podemos também encontrar teóricos técnicos cientificistas. Já comentamos de passagem que as Ciências Humanas surgiram “oficialmente”, na ordem da “história” e da epistemologia científica, que poderíamos situar depois obviamente das Ciências Exatas e das Ciências Biológicas. Observamos, então, a importância dos estudos da História da Música, da Psicologia, da Sociologia, antes ainda e primordialmente da Antropologia, para uma compreensão mais ampla daquilo que chamamos de Música. Expomos diversas questões até aqui, as quais tornam mais relevante o fato de estarmos atentos aos processos históricos da Música de acordo com seus períodos e contextos... As análises devem considerar imprescindivelmente os aspectos da contundência histórica que fatalmente alteraram a sociedade, a vidaponto, social em geral... questionar as Neste capítulo, até o presente tentamos noções sobre os conceitos de Ciência, tocamos também na Filosofia, mas queremos agora dissertar sobre a Educação e a Pedagogia, pois, como vimos, as Ciências em seu enlace com a Indústria e a Tecnologia como “ideologia e religião”, tornaram-se os principais interventores das Culturas humanas e das Sociedades em geral. Então, as Ciências modernas passaram a ter um papel “educativo”, como interveniente na Educação básica. – Acima de tudo as Ciências dentro da modernidade se apresentam como um grande “conteúdo de discursos do saber”. Os discursos somados à uma tradição relativamente antiga do“conceito de educação”, nos leva à ideia do ‘ensino dos discursos modernos’... – Música (Cultura e Sociedade) | 207
Conforme já argumentamos, temos a ideia de umaepistemologia desenvolvida nos últimos séculos expressa no surgimento e conseqüente avanço das ciências modernas através de um conjunto de planos metodológicos, oriundos ou não, de vertentes de saberes, ou “epstimes” pré-existentes. Mas, o que foi a base do saber no antigo Ocidente? O que regrava as comunidades em outros tempos, ou mesmo ainda entre pequenos grupos humanos que ainda vivem na floresta fora da civilização, “quem” determina suas regras de sobrevivência?. Sabe-se que no Ocidente durante quase todo o medievo e mesmo ainda com grande influência no mundo intelectual dos primórdios da modernidade, o Quadrivium (Artes Reales) e o Trivium (Artes Sermocinales) compunham o sistema de ensino medieval. Foram, assim, os “organizadores pedagógicos” da “velha” Epistémê, aliás, já comentamos noutro capítulo que as Sete Artes Clássicas ou Liberais sustentaram em grande medida os pilares do ‘saber’. Estavam relacionadas à noção da Paidéia grega. Mas, o que eram as Sete Artes Clássicas expressas no Quadrivium e no Trivium? O Trivium ou Artes Sermocinales, as artes da linguagem, compreendiam; Gramática, Retórica, Lógica (ou Dialética). O Quadrivium, as artes da quantidade, compreendiam; Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. Na obra Trivium (Entendendo a natureza e a Função da Linguagem) da irmã Miriam Joseph a autora descreve que as Artes Liberais denotam os sete ramos do conhecimento e que tal conceito é do período clássico, mas a expressão e a divisão das artes em trivium e quadrivium datam da Idade Média. Escreve Miriam Joseph: O Trivium inclui aspectos das artes relacionadas à mente . A deLógica (ousímbolos Dialética ) é a arte dopara pensamento enquanto ae Gramática é a arte inventar e combiná-los expressar, pensamento a Retórica é a arte de comunicar pensamento de uma mente a outra ou a adaptação da linguagem à circunstância. O Quadrivium contém aspectos relacionados à matéria. “A aritmética, ou a teoria do número, e a música, uma aplicação da teoria do numero (a medição de quantidades discretas em movimento), são as artes da quantidade discreta ou número. A geometria, ou a teoria do espaço, e a astronomia, uma aplicação da teoria do espaço, são as artes da quantidade contínua ou extensão”. Já observamos exaustivamente nesta obra como a Música adquiriu no Ocidente o caráter de “ciência” que envolve números ... portanto, pitagórica, tal como acima sugerida... 208 | Wesley Caesar
Quanto ao sentido dos termos; Trivium significa obviamente o cruzamento e a articulação de três ramos ou caminhos e tem a conotação de um “cruzamento de estradas” acessível à todos. Quadrivium significa o cruzamento de quatro ramos ou caminhos. A autora M. Joseph disserta a respeito das diferenças entre as artes liberais e as outras artes e ofícios. Escreve: “As sete artes liberais difere essencialmente das muitas artes e ofícios utilitários (tais como carpintaria, alvenaria, vendas, impressão, edição, serviços bancários, direito, medicina, ou cuidado das almas) e das sete belas-artes (arquitetura, música instrumental, escultura, pintura, literatura, teatro e dança), pois tanto as artes utilitárias como as belas-artes são atividades transitivas, enquanto a característica essencial das artes liberais é que elas são atividades imanentes ou intransitivas... O artista utilitário produz utilidades que atendem às necessidades do homem; o artista de uma das belas-artes, se for de superlativa categoria, produz uma obra que é ‘algo de belo e uma alegria para sempre’ e que tem o poder de elevar o espírito humano. No exercício tanto das artes utilitárias quanto das belas-artes, ainda que a ação comece no agente e termina no objeto produzido tendo usualmente um valor comercial; portanto, o artista é pago pelo trabalho ou obra. No exercício das artes liberais, todavia, a ação começa no agente e termina no agente, que é aperfeiçoado pela ação conseqüentemente, o artista liberal, longe de ser pago por seu trabalho – do qual é o único a receber todo o benefício -, usualmente paga a um professor para que este lhe dê a instrução e o guiamento necessários na prática das artes liberais. Completa: “As artes utilitárias, ou servis, permitem que alguém seja um servidor – de outra pessoa, ou do Estado, de uma corporação, de uma profissão – e que ganhe a vida. As artes liberais, em contraste, ensinam como viver ; elas treinam
as faculdades e as aperfeiçoam; elasvida permitem a umauma pessoa de seu ambiente material para viver uma intelectual, vidaelevar-se racionalacima e, portanto, uma vida livre para adquirir a verdade. J. Cristo disse: ‘conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará’ (João 8:32)”. Podemos entender nesta metáfora que só o conhecimento verdadeiro emancipa, algo que se encontra distante do cidadão moderno, embora se pense ao contrario. Não queremos aqui defender simplesmente a noção das Artes Liberias em detrimento às Artes Servis, mas não podemos ter a plena convicção que, o que temos como base geral da Educação foi fruto de uma decisão realmente refletida da Sociedade como um todo (?). Embora, os elementos do Trivium tenham sido absorvidos dentro do ensino moderno como título disciplinar (Gramática, Retórica e Música (Cultura e Sociedade) | 209
Lógica) – não estamos entrando no mérito dos seus conteúdos – estão embutidos nos cursos de Linguagem, porém, o Quadrivium foi dissolvido, apenas, a Geometria e a Aritmética como títulos disciplinares se encontram embutidos na Matemática. A Astronomia ainda vive como ciência moderna, mas, a Música ficou isolada como ensino, não tem expressão vital para a cultura do mundo moderno, principalmente no Brasil. Portanto, no ensino moderno, Música e Matemática se encontram ministradas em separado e menos ainda confrontadas ou justificadas entre si, ou colocadas em perspectiva de reflexão... Já tocamos noutro capítulo e reiteramos nos últimos parágrafos que as artes utilitárias ou servis se constituem no âmago da realidade moderna, pois não há uma só profissão em nossos tempos que não seja utilitária que não pertença à esse imenso campo das artes servis como atividades meramente técnicas que servem às instituições em geral. Assim sendo, ao que nos parece, quanto ao caráter emancipatório proposto pelos conteúdos das Sete Artes Liberais , este, só poderá encontrar sobrevivência na Filosofia, pois, só restou esta, como o último “recôndito” possível para o pensamento livre, independente, do “saber” autônomo, porém, como profissão fatalmente dependerá do tal mercado aquele o qual se tornou, sem precedentes, o “campo” total como meio possível à sobrevivência humana. Na obra Trivium e Quadrivium (As Artes liberais da Idade Média)que envolve vários autores, num dos capítulos Tereza A.P. Queiroz (professora doutora do dept. de História – USP) escreve: “...entre os séculos V(5) e XV(15), o Ocidente europeu materializa e põe em pratica conhecimentos em grande parte pouco conectados com que o saber fração reduzida dassobrevivências medievais nos institucional impressionamdas hojeescolas.Uma em dia dependeram de uma escolaridade formal. Nas escolas não se aprendiam à construir casas, catedrais, abadias,navios, a desenhar cidades, a pintar afrescos,a esculpir pedras ou mesmo a escrever poesias e romances. Tampouco eram ensinados aos estudantes as funções elementares de criação pratica ou os mecanismos de funcionamento externos e internos do mundo material; como produzir, como lidar com dinheiro, como dominar técnicas da agricultura ou do pastoreio, criar objetos, tecidos, roupas, sobreviver na guerra. A História, a Geografia, ou a compreensão das raízes da própria língua falada estavam longe de serem consideradas com conteúdos importantes à formação de um homem “educado”. A defasagem entre o mundo concreto e a abstração curricular parece ser uma constante. 210 | Wesley Caesar
Fantasias as mais diversas alimentaram as mentes que determinaram o parâmetros do saber acadêmico na Idade Média. Sobretudo aquelas fantasias que se conectam com a realidade...”. Explica-nos a professora Tereza Queiroz que, a reformulação dos conceitos do estar-no-mundo feita pelos intelectuais cristãos no período de desintegração do Império Romano (séculos III a V d.c.– 3 a 5) encerra uma incapacidade deliberada de libertação das maneiras antigas de pensar a realidade. Completa T. Queiroz, comentando que a manutenção da chamada tradição cultural clássica, usada como suportedo cristianismo, representa um entrave à possibilidade de formas srcinais de pensamento. Pois, pensadores como Sto. Agostinho e outros formalizaram o sagrado com uma percepção romana, descreveram assim uma sombra sobre os séculos futuros, de modo que o pensar antigo se encontrou de tal forma introjetado na mente dos construtores do cristianismo, que os séculos seguintes, dominados pelo saber eclesiástico, se viram afogados por uma sapiência deslocada, mas impossível de ser descartada, tal era sua força intrínseca. É fato também, que houve razões políticas. Observa a autora: “... a Igreja Romana era nada mais nada menos do que uma clonagem das instituições, da lei, do principio monárquico, universalista, do antigo Império Romano. Endossava o próprio mito da eternidade de Roma”. Mais um ponto importante que nos interessa aqui é a observação que faz a professora à cerca das possibilidades do estar-no-mundo no medievo. “O Ocidente europeu dos séculos V(5) a XI(11), ruralizado, com poucos enclaves urbanos significativos, comércio restrito, dominado por aristocratas guerreiros e por uma casta de homens políticos submetidos a uma engrenagem religiosa, eivado deromano. um novo avesso à concretude romana, pouco se parecetivesse com o mundo Se misticismo o preceito da bem-aventurança dos pobres de espírito realmente sido seguido à risca pelo cristianismo, certamente a Europa teria conhecido outras maneiras de estar-no-mundo a partir dos séculos IV-V (4-5)”. Lembra-nos que o entendimento cristão desde o seu início imbricou-se com uma inesgotável erudição, literária e plástica, porém a cultura antiga passou por uma profunda releitura, fragmentada, descontextualizada, ressignificada, comentando como as leituras do anterior mundo pagão puderam ser reinterpretadas. Coloca ainda a autora que: “O ensino sempre visa a uma adequação a determinadas ideias das camadas dominantes. Inscreve-se numa política de entendimento do mundo e na política propriamente dita”. Música (Cultura e Sociedade) | 211
Já escrevemos noutros capítulos sobre as questões das interdependências . O pensamento, ou o éthos de uma cultura humana se expressam na conduta desta mesma cultura. Comenta Franco Cambi (professor de Pedagogia Geral da Universidade de Florença) em sua extensa obra “História da Pedagogia” que “o dialogo entre pensamento grego e cristianismo fundou a primeira tradição filosófica da nova religião e tocou em particular o âmbito da teorização pedagógica que incorporou e transcreveu a noção de Paidéia”. Do ponto de vista cultural, mal ou bem, concorde-se ou não, a primeira grande “revolução” no Ocidente foi promovida pelo pensamento cristão, depois só na Renascença dos séculos 14 e 15, é que teríamos uma “reviravolta” . O que nos interessa é saber o quanto a Revolução Científica dos séculos 16 a 18 como reorganizadora do pensamento ocidental influiu na formação educacional do Ocidente, mais recente?. Quanto deste “pensamento” pôde afetar o pensamento musical? O quanto as artes servis e as belas-artes como praticas utilitárias, logo, servidoras às instituições, portanto não emancipatórias, tornaram-se básicas na educação assim convertendo-se em matérias essenciais aos currículos escolares contemporâneos, ou seja, principalmente desde a Revolução Francesa com as classes sociais; a burguesia que historicamente tem srcem no comércio, o proletariado que era uma nova classe formada por incautos de srcem humilde vinda do campesinato, “refém” da burguesia, etc, etc. Tal quadro daria o tom da modernidade, e, portanto, do “novo ensino” ou da nova forma de ensinar, com novas abordagens, principalmente ao comércio , este certamente se resume na expressão máxima voltadas do mundo moderno. Podemos dizer que a Escola moderna tem aí as suas srcens funcionais. A questão fundamental da Educação moderna instituída em forma de Escolas, é que ela não tem como existir à margem de uma ‘realidade comercial’ fundada no ‘conceito de mercado’. Nesta medida ela não tem como escapar dos planejamentos naturalmente estabelecidos por uma lógica que exige graduação de cursos. Aqui temos dois pontos a observar: (1) A g raduação impl ica em um percurso que for ma um enredo (já muito antigo noutras culturas) preenchido por tarefas as quais imitam uma “lógica” (já introjetada) em grande medida do enredo 212 | Wesley Caesar
mitológico que são ‘estórias’, isto é, tem começo, meio e fim, porque devem encerrar um sentido, que é o sentido do ‘discurso mitológico’. Este processo encerra uma etapa que garante ao aprendiz um status de conhecimento, ou suposto saber, que, por conseguinte o coloca apto a servir o “mercado”. (2) Outrora nas Artes Clássicas, o sujeito podia estudar livremente sem conclusão porque não havia mercado para absorvê-lo como mercadoria humana. Então, hoje, um possível conjunto de ‘informações’ que supostamente’ proveria sujeitos com noções razoáveis a cerca de assuntos diversos, com a perspectiva da conquista da ‘autonomia’ intelectual e da ‘emancipação’ reais, é convertido em “conjuntos de teorias” que formam em sua totalidade “técnicos” prontos para uma realidade onde se negocia os conhecimentos, em grande parte descartáveis. O caráter fundamental é a transição permanente das ideias, porém, com possível estabilidade variável. Isto é, o caráter industrial da produção dos objetos , e principalmente das pessoas, é estabelecer que estes devam ser permanentemente reciclados... As áreas de estudo envolvidas são remanescentes de outras áreas, somadas à novas áreas ou campos... O modelo está fundado basicamente no ‘comércio’ ou na ‘relação comercial’ que ‘compra e vende’ pessoas (funcionários em geral, técnicos, burocratas e tecnocratas) de maneira subliminar. Daí porque a formação do indivíduo deve ser graduada e objetiva uma vez que este deve servir ao mercado de maneira pratica e operacional. Então, uma formação em “nada” não serviria ao mercado, isto é, se o sujeitoemancipado”, possuir um ‘conjunto de informações’ o torne “intelectualmente independente, obviamenteque sem especialização funcional – técnica – burocrática, isto certamente não poderá ter adequação à realidade comercial... Faz-se pertinente aqui uma observação sobre as questões da Educação ou do Ensino. Sabemos que conceitos de ‘ensino’, ‘escola’, ‘educação’ e dentro destes a ‘pedagogia’, são muito antigos, principalmente, se considerarmos as fundações das primeiras universidades para termos uma referência, por exemplo, de Fez em Marrocos no ano de 859, do Cairo no Egito em 988, de Bolonha na Itália em 1088, de Paris na França em 1090, de Oxford Inglaterra 1096, passando por Sorbonne na França até chegarmos às modernas Universidades... Música (Cultura e Sociedade) | 213
Pelas datas podemos perceber que a ideia de ensino não é tão nova, no entanto, podemos supor o quanto uma “pratica” de ensinoeducação pôde se transformar no tempo, o quanto os conceitos de “estudo”, “ensino”, “educação”, puderam atender à necessidades temporais... Outra observação importante é lembrarmos que o sentido orgânico de aprendizado-ensino está inerentemente ligado ao princípio de sobrevivência animal. Tal como na tribo, este “sentido” parece não ter qualquer semelhança com os conceitos modernos de ‘ensino-aprendizagem’. Podemos argüir que, uma vez que o ‘domínio da natureza’ foi adquirido, parece lógico que os processos de ‘ensino-aprendizado’ mudaram seus significados... Franco Cambi acentua que: “A história da Pedagogia no sentido próprio, nasceu entre os séculos XVIII (18) e XIX(19) e desenvolveu-se no decorrer deste ultimo como pesquisa elaborada por pessoas ligadas à escola, empenhadas na organização de uma instituição cada vez mais central na sociedade moderna (para formar técnicos e formar cidadãos)... Nascia como uma história ideologicamente orientada...Uma história persuasiva de um lado e teoreticista de outro... Cabe aqui, observar, perguntando ao leitor: O ensino-educação serve à emancipação intelectual do sujeito ou ao controle social?... A cerca das srcens do princípio ensino-escola nos lembra Cambi, que: “... No Mediterrâneo antigo, sobretudo, a Grécia clássica e helenística, foram os núcleos constitutivos da tradição ocidental, ou, pelo menos, de alguns dos seus elementos caracterizantes... No centro da vida social, afirmou-se cada vez mais a instituição-escola, que entre Egito e Grécia se foi articulando tanto no seu aspecto
administrativo, cultural... Lembra-nos sobre as srcensde da figuraquedoa pedagogo o qual como (na Grécia antiga) era apenasainda um acompanhante criança controlava e a estimulava. Figura que se transforma e se enfatiza com a experiência dos ‘mestres de verdade’, diretores da vida espiritual, verdadeiros protagonistas da formação juvenil, tal como Sócrates... Portanto, o mundo antigo colocará como central esta figura do educador... Mais tarde, a ‘Paidéia’, isto é, a formação do indivíduo através do contato orgânico com a cultura, or ganizada em cursos de estudos...” . Como sabemos os discursos modernos foram naturalmente alterados em seus conteúdos , porque as narrativas de seus conteúdos devem agora adaptar-se à “lógica da contemporaneidade”... Não há como negar que os meios ‘discursivos’ modernos; os Mass Media, as “Invenções” e o aparato Tecnológico , se tornaram tentáculos 214 | Wesley Caesar
interventores e formadores epistemológicos da Cultura , e a Música no Ocidente passou à participar de um novo contexto dentro de uma nova Epistémê, se assim podemos nos referir... Então, se no Ocidente as artes servis , as artes clássicas mais a Igreja Católica foram os arcabouços do “saber” das populações no passado, com a Revolução Industrial isso começou a se modificar, pois, os discursos se transformaram, e a partir das invenções do século 19 e depois no século 20, já com grande força, os “novos pedagogos” que surgem agora virtuais com ampla capacidade de penetração popular, estarão participando de maneira tão integrada com os homens e mulheres comuns, que não serão mais percebidos como interventores da cultura . O ‘conjunto dos discursos’ modernos organizados dentro do processo educacional, encontra em sua base como peças chaves, um conjunto de tentáculos que formam um complexo de dispositivos virtuais – um aparato técnico virtual – Cinema, Rádio, TV, Imprensa em geral e a Internet (esta última, contudo, não possue a forma ‘monóloga autoritária’ como os anteriores, ao contrário, porém, é o maior espaço inventado pela economia moderna para o comércio direto de mercadorias). Este tema exige um estudo analítico mais aprofundado das ‘origens’ do surgimento deste ‘aparato de invenções tecnológicas’ que foram ‘peças fundamentais’ para a divulgação de materiais e produtos em escala mundial. Uma nova ideologia que é entendida como o novo conceito ‘comercial industrial’ que surgiu no século 19, antecedido pela tal Revolução Industrial do século 18 na Inglaterra, foi propulsor de uma invenção comercial moderna que experimentou algo inédito em toda a históriaEstes humana... ‘dispositivos virtuais’ agem e interagem, e nos “educam”, dentro de um processo protagonizado pela ‘relação comercial’. Aqui, as narrativas dos mitos naturalmente ocultam-se nas relações reais... Tais dispositivos virtuais se tornaram no século 20, os mediadores dos “processos mitológicos” das sociedades agora “tecnicamente avançadas”... Então, os ‘ mitos ’ agora podem ser construídos simultaneamente aos discursos , dentro das relações de compra e venda, de forma oculta, sem que os reconheçamos como tais, entretanto , quando identificados e reconhecidos – assim como na Música , por exemplo – são “naturalmente” justificados pela venda como produto Música (Cultura e Sociedade) | 215
espontâneo da sociedade, como se fossem “orgânicos”. O argumento é que, naturalmente surgiriam de uma forma ou de outra... Por isso, no mundo puramente comercial, a Música tornou-se fisiológica, algo para consumo descartável tal qual um comestível... Notadamente desde finais do século 19 no Ocidente, com o surgimento da talcultura de massa, mais as invenções dos novosmeios industrializados de comunicação, a Música foi “automaticamente” incluída no grande campo dimensional projetado por novas “organizações” e “instituições” mundiais orientadoras de certo tipo de projeto mercantista que passou a permear as relações humanas, porém agora sem o “compromisso” com os elementos mais orgânicos da cultura, uma vez que um projeto de centralização , diferente da anterior com dispersa forma de “economia”, agora em plano de unidade comercial mercadológica mundial, tornou-se possível. Utilizandose da ausência de compromisso com os elementos “sacrais” da cultura , dentro de um expediente fundado no merchandising , conseguiu preencher um campo outrora inexistente cujo espaço só pôde ser assegurado através da futilidade e da inutilidade. Associando assim, o caráter da produção musical (outrora imanente) ao mesmo fluxo de procedência abjeta do próprio âmago das ideologias conselheiras da contemporaneidade . Embora a “metafísica” a qual os sons são capazes de portar naturalmente, quiçá seja dotada de certa “proteção” a qual dificulta a captura de seu extrato, obrigando assim as desprezíveis formas de apropriação industrial-comercial dos meios naturais da comunicação humana, a manterem o seu imo quase “intocável”, no entanto, contraditoriamente e por esta mesma razão o trânsito da Música através do processo mercadológico foi possível, além do que, visto depresumir, maneira por positiva pelo próprio ouvintepopu. Por esta mesma razão, podemos exemplo, que a canção lar do século 20 foi altamente bem sucedida. Desde a Revolução Científica (século 16) um “espírito” de inovação do mundo emergia naturalmente de certa classe social que a propósito “orientava” os caminhos da sociedade. Porém, lembremos que existiam pouquíssimos cientistas no sentido moderno das ciências. Segundo dados, consta-se que até ao século 16 ou 17 poderia existir no mundo no máximo 300 cientistas. Com a Revolução Industrial do século 18, tal espírito inovador aguçou as novas gerações de cientistas que estimulados pela possibilidade de mudar o mundo e principalmente adquirir direitos de patentes 216 | Wesley Caesar
comerciais, passarama inventar os aparatosindustriaise tecnológicos, os Gadgets, e toda a ‘tranqueira’ de materiais modernosem geral, que tornaram-se os principais interventores da cultura , os quais passaram a fazer parte indissociável da vida humana, agora “autenticados” pela ideologia moderna do caminho único. Lembra-nos Colin Ronan (já citado) que a Reforma e a ContraReforma religiosa veio a ter um papel profundo no crescimento e na prática da ciência durante a tal Renascença e por muito tempo depois, quando se torna claro o progresso da ciência do século 15 em diante, que aconteceu em virtude da ética do protestantismo emergente – uma das principais obras que analisa este tema é de Max Weber; “A Ética protestante e o espírito do Capitalismo”. Então, nos explica Colin Ronan , que por um lado, a atitude protestante encorajou o crescente capitalismo da época no norte da Europa, especialmente na Alemanha, e por outro lado estimulou a pesquisa científica. Pois, o estímulo científico foi causado pelo desejo de usar a descoberta para criar uma figura do universo ordeira e coerente com a finalidade de descobrir ainda mais o trabalho de Deus. Ronan lembra que paralelamente neste período houve um movimento que exerceu profunda influência nos estudos do mundo natural, o Hermetismo, atribuído à Hermes de Trimegisto (já citado noutro capítulo). Embora, no século 17 a procedência dos escritos herméticos tenha sido contestada, dois séculos antes (século15) esses e outros trabalhos da antiguidade que chegaram à Itália, eram entendidos como incontestavelmente autênticos. especial revistaé Scientific American (n. 04)refere-se tratou o tema , a Em Era edição dos Inventores . Oa artigo obviamente “positivo”, principalmente às invenções que surgiram a partir do século 18. “No final da Idade Média, a Europa passou por uma série de transformações consideráveis... Como conseqüência acabou descobrindo um novo tipo de saber. Após séculos voltados para a filosofia cristã, os europeus come çavam a se interessar pela técnica. Algo novo encantava aqueles homens e mulheres. Elaborado por artífices iletrados, esse novo saber tinha um alto grau de inventividade e possuía a capacidade de progredir, já que a experiência de uma construção servia de base para a melhoria da seguinte... Essa característica foi logo percebida como vantagem pelos teóricos da época, envoltos em querelas que che gavam a durar séculos sem soluções... Ao conviver com esse saber, os europeus acabaram descobrindo um novo profissional. O nome pelo Música (Cultura e Sociedade) | 217
qual ficou conhecido – engenheiro – provinha de engenhosidade com que trabalhav a solucionando diversos problemas práticos. Com a difusão das maquinas e das cidades, o número desses profissionais se multiplicou. Seu trabalho partia de uma metodologia muito precisa... Os filósofos naturais dos séculos 16 e 18 perceberam a importância desta metodologia e a denominaram experimentação. Mais tarde ela acabou se transformando num dos fundamentos de uma nova forma de produção de conhecimentos que se desejava construir, as ciências modernas... Os engenheiros não eram profissionais formados em academias, mas nas cor porações de ofícios...” . Tocamos antes sobre as nossas dúvidas da “autenticidade” no âmbito da escolha de caminhos no processo que seguiu a Europa e deu curso às suas inovações. Pois, aqui temos dois pontos; primeiramente, não podemos esquecer que as populações em geral não habitavam srcinalmente as cidades, vieram dos campos, antes ainda das florestas, então, srcinalmente a cultura do fazer era limitada às suas próprias necessidades e não serviam aos interesses de terceiros. As habilidades já inatas que antes serviam a si próprias, agora nas cidades servirão à terceiros. Então, tais homens e mulheres pertencem às classes sociais do fazer, do elaborar, em termos modernos são os trabalhadores simples, no máximo, médios, portanto, não estamos aqui tratando dos ricos, dos abastados... Outro ponto é que, bastasse que estes homens e mulheres que viram na técnica a saída para as soluções de certos problemas, simplesmente não procedessem por este caminho, mas, acontece, como já observamos, que está claro que a mentalidade das artes servis ou utilitárias se encontram introjetadas na estrutura das classes sociais há mais tempo que imaginamos, pois, a ação do construir, elaborar artefatos, por exemplo, como noutromusicais capítulo e a Organologia ea confecção dosvimos instrumentos , ousobre seja,a oMatemática condicionamento do fazer indissociado à necessidade de sobreviver, deve remontar a mais longínqua tradição. Não cabe aqui, mas poderíamos discutir a qualidade, os objetivos e os beneficiados pela cultura do fazer . Não podemos nos esquecer que o estar-no-mundo , não implica que tenhamos que inventar uma ideologia de progresso, cada cultura humana sabe lá o que deve querer para si. O ponto crítico deste processo é que a tal ideologia tomou uma dimensão avassaladora penetrando nos recantos de todas as culturas, dos grupos humanos, dos povos, através seja da colonização, da imposição territorial, da pressão comercial, etc, etc... 218 | Wesley Caesar
Portanto, se é verdade que o processo moderno emergiu do seio legítimo da cultura, das mãos de homens e mulheres das classes sociais comuns, então agora podemos de modo convicto acentuar que, as classes que governaram, mantiveram o “adestramento” às demais classes, que na tradição da formação das sociedades de classes demarcou as suas respectivas realidades, de tal forma que, às classes sociais inferiores por pressão própria do aparelho de Poder e pelas necessidades óbvias de sobrevivência, só restou resolver problemas que em princípio não eram seus e se tornaram aparentemente insolúveis – É bem sabido do sofrimento das antigas gerações que encontravam dificuldades de sobrevivência não só por questões territoriais, mas principalmente por pressão do estrato social, o que os fez imbuírem-se de um espírito de reconstrução permanente, tendo a vida como uma sina, um fardo pesado, que é a da sobrevivência, muito diferente do estado psicológico das classes abastadas... Para as classes sociais inferiores, entre, terem que se suicidar em coletivo e sobreviver sob pressão social, optaram por esta última, aceitando o modo de sobrevivência já imposto pela própria história da cultura . É fato que o tema merece no mínimo um capítulo à parte, pois há vários aspectos à serem analisados – Certamente aqui podemos dizer que se houvesse ainda alguma chance para as Artes Liberais como forma educacional, elas foram de fato sucumbidas pelas Artes Servis, Utilitárias, pois a modernidade é o próprio atestado disso. Então, por conta do tal servilismo social com fim lucrativo de um lado,aspara umaindustriais classe, eedesfavorável espoliador classe, invenções tecnológicas dose séculos surgem 19 eà20outra até chegarmos às principais e mais influentes delas, os dispositivos virtuais; as maquinas de reprodução de mitologia, os processadores de “lobotomização em massa” . Neste fluxo de acontecimentos, em particular na Inglaterra, filósofos naturais e engenheiros participavam das mesmas reuniões científicas, o que favoreceu a ação deles, como “operários” de um processo propositalmente em curso, que passaram a trabalhar em “conjunto”. Os filósofos naturais ministravam cursos sobre mecânica newtoniana. Muitos ouvintes eram industriais e engenheiros . Isto demonstra como a filosofia natural estava influenciada pelas teorias da Física newtoniana. Essa aproximação entre ciência e técnica teve como resultante a Revolução Industrial . É Música (Cultura e Sociedade) | 219
bom lembrar, entretanto, que na França os filósofos naturais e engenheiros estavam separados e distantes. Eric Hobsbawm numa de suas clássicas obras A Era das Revoluções (1789-1848), escreve: “As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos. Consideremos algumas palavras que foram inventadas ou ganharam seus significados modernos... indústria, industrial, fábrica, classe média, classe trabalhadora, capitalismo, socialismo... aristocracia, ferrovia, liberal, conservador, nacionalidade, cientista, engenheiro, proletário, crise, utilitário, estatística, sociologia, jornalismo, ideologia... todas elas são cunhagens ouadaptações deste período... A grande revolução de 1789 a 1848 foi o triunfo não da indústria como tal, mas da classe média ou da sociedade burguesa, liberal; não da economia moderna, ou do Estado moderno, mas das economias e Estados em uma determinada região geográfica do mundo (parte da Europa e alguns trechos da América do Norte), cujo centro eram os Estados rivais e vizinhos da Grã-Bretanha e França. A transformação de 1789-1848 é essencialmente o levante gêmeo que se deu naqueles dois paises e que dali se propagou por todo mundo”. Acentua Hobsbawm alguns dados importantes: O mundo de 1789 era essencialmente rural e é impossível entendê-lo s em assimilar este fato fundamental. Poucos refinamentos intelectuais foram necessários para se fazer a Revolução Industrial . Os professores E. K. Hunt e Howard Sherman ambos da Universidade da Califórnia, na obra “História do Pensamento Econômico” explicam: “O termo Capitalismo designa, este sistema cujos pilares são a busca de lucros e a acumulação de capital. O capital é a fonte dos lucros... As quatro fontes principais de acumulação inicial do capitalismo foram: o rápido crescimento do volume de
intercâmbios e do comércio de mercadorias, o sistemadedepreços. produção manufatureiro, regime de enclosure dos campos, a grande inflação Houve varias outraso fontes de acumulação inicial... freqüentemente esquecidas, como, por exemplo, a pilhagem colonial, o tráfico de escravos e a pirataria”. A professora Ellen Meiksins Wood em sua obra A Origem do Capitalismo, escreve: “... a característica distintiva dominante do mercado capitalista não é a oportunidade nem a escolha, mas, ao contrario, a compulsão...” . De fato é bastante claro que este fenômeno tomou vulto principalmente no século 19, a compulsão que pode ser analisada sobre vários aspectos, mas, fundamentalmente surge como característica de uma nova “raça”– conforme observou o professor de História Geral da Universidade da Califórnia Eugen Weber – os consumidores , que 220 | Wesley Caesar
agora darão conta de consumir tudo aquilo que está para além das necessidades básicas de sobrevivência, porém, vital ao giro da fábrica. Então, este conjunto que associa um sistema econômico no caso o capitalista (que quando necessário usou a força e a persuasão para se instaurar nos continentes), com a Indústria, com o avanço Tecnológico e Científico como peças fundamentais para o desenvolvimento das invenções dos materiais industriais para consumo diário, passou a exercer um papel fundamental para a prosperidade dos novos tempos. E a Música está lá como um dos produtos – não por acaso até hoje os países disputam o ranking de marcas e patentes industriais. Os países ditos desenvolvidos detêm o maior número anual de patentes em todos os setores da invenção – tudo isso forma o perfil da modernidade. A palavra “Invenção” na língua portuguesa possui mais de um sentido e tem os seguintes significados; ardil, mentira, mecanismo e quimera (Houaiss). Então, invenção refere-se à coisa previamente imaginada ou a algo criado dotado obviamente de intenção, seja no campo da ciência, da tecnologia ou das artes. Possui o sentido também de uma Ficção ou Fabula, um engano, uma mentira inventada para enganar. No campo da retórica , por exemplo, é a escolha das ideias e dos argumentos para tratar um assunto . Entende-se também como um novo meio ou expediente para alcançar um fim. No campo jurídico, refere-se ao achado de coisa alheia, perdida pelo dono ou possuidor. Quer dizer também descobrimento ou achado em sentido geral. Existe também o Privilégio da invenção, privilégio que a lei (ou governo) concede autor de do uminvento invento, durante a garantia de período. propriedade e a exclusividade de ao exploração certo Este último nos interessa, particularmente, em dois setores; o das Ciências na sua relação direta com a Indústria, inevitavelmente atingem o espectro social e, portanto, compõem a Cultura , e, o da Música que é a Cultura em suas manifestações “abstratas”. Como sabemos Tales de Mileto (625-550 a.C.) na antiga Grécia criou o termo elektron que derivou o conceito de eletricidade. Após dois milênios, em 1650/60 o físico Otto Von Guericke inventou a primeira maquina produtora de eletricidade. No século 19, o conceito de inovação estava irremediavelmente ligado à Eletricidade que havia surgido primeiramente como Música (Cultura e Sociedade) | 221
conhecimento científico depois tornou-se ramo daIndústria. Este acontecimento fez surgir uma série deinvenções, pois, no século anterior a revolução industrial tinha nascido das mãos dos engenheiros, conforme vimos. Então, a Eletricidade foi uma invenção fundamental para viabilizar aquilo que chamamos de mundo moderno. Não fosse o invento da eletricidade como seria o tal mundo “moderno” dos séculos 20 e 21?. No que se refere à Música, podemos imaginar o quanto era difícil para a indústria divulgar o material musical antes de surgirem as maquinas de reprodução e divulgação . Então, sem eletricidade como poderia existir a música gravada, por conseguinte, as maquinas de reprodução musical, que sonorizaram todos os ambientes no século 20 e começo do século 21 e como poderia existir os nossos “fetichizados” instrumentos musicais elétricos e, por conseguinte, seus executantes... (?). Por exemplo, a guitarra elétrica e seus veneráveis “guitar heroes”?. E, todos os equipamentos musicais modernos, desde multi-timbrais até os teclados sintetizadores, emuladores de timbre, sequencers e samplers que programados passaram a integrar a maior parte da música popular de consumo das ultimas décadas, se quer notados pela maioria dos ouvintes, que crêem estar escutando, nas respectivas gravações, instrumentos musicais executados por músicos e não programados. Principalmente a divulgação dos protagonistas musicais, os “ídolos” do público que através dos mass media (cinema, radio TV, imprensa) foram divulgados, porém sem estas mídias como teriam sido divulgados, como chegariam até ao nosso conhecimento em tempo quase real, simultâneo deAssim ponta sendo, a pontacomo do planeta?. existiria toda a parafernália de equipamentos e gadgets contemporâneos até chegarmos aos aparelhos celulares e a internet?. Por conta de tudo isso os conceitos em torno da Música e o trato com ela mudou radicalmente. Então, o feito dasinvenções aliado à indústria e tecnologia foram fundamentais para a existência do tal mundo moderno o qual estamos imersos. Mas, qual é o âmago daquilo que moveu as muitas invenções, particularmente dos últimos séculos no Ocidente? Entre outras coisas, com segurança podemos afirmar apenas uma. Dentro do mundo contemporâneo um dos aspectos contundentes que faz medir o “punch” econômico de uma nação moderna é o 222 | Wesley Caesar
numero de patentes anuais, ou seja, o numero de inventos que possam grassar num País ou num Estado e todas as relações de interdependência que isso possa promover, não só em âmbito local, mas, e principalmente, mundial. Como já vimos muitas invenções são muito antigas como o relógio, por exemplo... Na Renascença Européia entre os séculos 15 e 16, como vimos, artistas-cientistas como Leonardo Da Vinci projetaram muitas invenções , mas só à partir do século 17, uma série de invenções será fundamental para constituir o mundo moderno: 1679 – o físico francês Dennis Papin inventou a panela de pressão, que cujo princípio será fundamental para a maquina a vapor, peça essencial para a Revolução Industrial. 1698 – Thomas Savery patenteou a maquina a vapor. 1765 – James Watt aperfeiçoou a maquina a vapor tornando-a mais viável ao uso impulsionando assim a Revolução Industrial . 1769 – Nicolas-Joseph Cugnot baseado no princípio de alta pressão de Papin inventa uma engenhoca que era um triciclo ou um protótipo de automóvel, demonstrou assim que a maquina a vapor poderia ser transformada para transporte. 1799 – A pilha elétrica foi criada por Alessandro Volta, cuja invenção foi precedida pelos estudos de Luigi Galvani. 1803 – O engenheiro mecânico Richard Trevithick construiu a primeira locomotiva a vapor. 1844 – A primeira transmissão telegráfica pública. 1849 – Antonio Meucci descobre que a voz pode caminhar por impulsos elétricos. 1876 – Graham Bell solicita a patente do telefone. 1877 – Thomas Alva Edison inventa o fonógrafo. Enfim, são muitas invenções e muitos inventores , porém, para a divulgação da música em escala mundial no começo do século 20, mais duas invenções foram fundamentais; o Cinema e o Radio que consagrariam a difusão da música à distância. Da fotografia já inventada, nascia o Cinema, surgido em 1895 com os irmãos Lumiére que realizaram a primeira sessão de cinema no mundo, no mesmo ano que é inaugurada a primeira sala de cinema do Música (Cultura e Sociedade) | 223
planeta – em Atlanta (EUA). Certamente o Cinema foi o grande divulgador mundial da canção popular e da música de orquestra . Guglielmo Marconi fazia experiências com radio transmissão já em 1895 embora precedidas pelo padre brasileiro Landell de Moura que 1892/93 já havia realizado transmissões de voz sem fio. Mas, por volta de 1918 é que o Radio surge como meio comercial e se torna o principal canal de divulgação da música. Podemos considerar que estes “dispositivos virtuais” se tornaram parte integrante e fundamental das cidades e depois do mundo no século 20. Quem completaria a “santíssima trindade” visual-auditiva da comunicação moderna, ao menos no século 20, seria a TV, porém, só em 1950. Muito embora a Imprensa seja o mais antigo destes meios de comunicação modernos, porém, por depender do texto, isto é, da leitura, sua comunicação é introspectiva (tanto que o Radio inventou o noticiário diário e a TV mais tarde inventaria o Tele-Jornal exatamente para digerir o noticiário impresso), portanto, menos imediata que as demais, pois, as outras, a “santíssima trindade” ( Cinema, Radio e TV) de forma monóloga e persuasiva penetram imediatamente na vida do espectador-ouvinte, mantendo o caráter da presença coletiva. O Cinema, no século 20, fomentou o mito e o sonho, tornou-se o grande interventor da Cultura , mudou a consciência e a percepção dos homens e mulheres comuns. Passou a divulgar a música como um agregado importante do jogo visual-auditivo, agora a música virou parte da
narrativa O maestro brasileiro Medaglia ministrou uma sériecinematográfica. de palestras pela TV Cultura de SPJulio exatamente com este tema, intitulado: O Som como (P) arte da Narrativa . O Radio e a Radio-Vitrola como equipamentos caseiros (e a JukeBox em menor proporção), principalmente na primeira metade do século 20, foram os grandes divulgadores da música na medida em que contribuíram para fetichizá-la. O Radio fomentou o imaginário popular estimulando o aparecimento daquilo que ficou conhecido como os ídolos da Era do Radio, assim como o Cinema inventou ídolos na música e nas artes cênicas em geral, ou seja, com muito mais poder de divulgação de ideias e influência na opinião pública do que o teatro , aliás, este último foi, e, é o grande 224 | Wesley Caesar
celeiro do mundo da dramaturgia, que proveu o elenco do Cinema e do Radio em seus primórdios, assim como o Radio proveria boa parte do elenco da TV à partir de 1950. Então, dos ‘dispositivos virtuais’ o mais penetrante na cultura popular é a TV que surgiu em meados do século 20, por ser um aparelho de caráter fundamentalmente residencial, e por esta mesma razão adquiriu um crédito sem precedentes. Passou à fazer parte da família, interagindo como o principal interlocutor dos diálogos familiares, e por conseguinte, humanos. Por isso acabou assumindo um caráter de “príncipe despótico de plantão” na vida dos seus respectivos espectadores-ouvintes . A TV sustentada por seus patrocinadores, tal como já sobrevivia o Radio, uma vez que veículos de comunicação só existem com patrocínios diretos ou indiretos, ambos, (TV e o Radio) são meios publicitários, intermediários da venda dos produtos de seus anunciantes a consumidores que são os espectadores-ouvintes , já condicionados a esta relação de compra e venda, submetidos às regras da indústria de consumo. Na TV, tudo é Show Bussiness e “fantasia”, tratando com seriedade as futilidades que inventa e promove, num suposto papel de servidor de utilidade pública. Estudos em neurofisiologia nos anos 70 e 80 provaram que, ao assistirmos TV, passamos por “hipnose”. Com a passividade crítica do espectador, impossibilitado do dialogo natural, devido à sua forma monóloga de caráter imperceptivelmente persuasivo, ela invade o mundo subjetivo do sujeito com imagens de ficção que sugerem realidade, despejando um conteúdo de elementos lúdicos e símbolos programáticos com apelos sensacionalistas que substituem o sensonacritico verdadeiro do espectador por um pseudocritico, interagindo perspectiva de vida real das pessoas. Resultado; um dispositivo virtual que exerce função “lobotomizadora”... Num ciclo constante, tais “clichês” acabam por fundamentar novas lógicas e comportamentos subvertendo a realidade de maneira insuspeita, uma vez que as resultantes já foram materializadas, antes ainda na própria tela. O processo se torna legítimo, pois, os canais de mídia padronizam linhas de comportamentos inspiradas na própria cultura . A TV forjou o seu status de “autoridade”, tal como um “príncipe divino” que arrogante e despoticamente se coloca como representante Música (Cultura e Sociedade) | 225
do desejo popular, e de um suposto dialogo de acordo das “ideias reais” da sociedade, pois, “malandra e sabiamente” assumiu as vozes das ruas, “unificando-as”, confundindo-se assim, com o grande (irmão) interlocutor da vontade popular, pois trouxe os elementos já disponíveis da cultura do povo para a tela, isto é, para o vídeo, portanto, autoritariamente outorgou a si própria a autenticidade como divulgadora da cultura popular. Então, ela (a TV) – em comunhão com o Radio (a imprensa sublimada, como diria T. Adorno ), com o Cinema (depois do teatro, foi o primeiro grande conversor de ficção em realidade, o maior dispositivo de criação e reprodução mitológica já inventado) como a principal promotora das Gravadoras (empresas fonográficas do século 20 que se apropriaram da música) – à partir da década de 1950 passara a ser a “grande responsável” pelos movimentos da música popular mais recente, obliterando de vez o último viés da possibilidade real de movimentos musicais mais “genuínos”, nascidos mais espontaneamente dos meios sociais... A TV quando havia surgido, nos anos 50, continha uma programação ainda dividida com elementos do Teatro e do Radio, não havia sido totalmente tomada pela ideologia do marketing industrial e era absolutamente musical, cuja característica se perdeu com as décadas... Mas, ela passou à promover e exaltar pessoas que se candidatavam à cargos “bufônicos”, desprovidas de qualquer conteúdo representativo dos “saberes humanos”, absolutamente sem importância qualquer, como vozes verídicas e legítimas da cultura, tais pessoas passaram à ser entidades sagradas, ícones da cultura, passaram à exercer o “papel” de representantes vozrelação popular, assumindo assim o “cargo” de opinion makers , inclusivedaem à Música em geral. Da mesma maneira as gravadoras (a indústria fonográfica como um todo conjugada com o Cinema , o Radio e a TV mais tarde) no começo do século 20, em princípio, estavam “comprometidas” em divulgar bons artistas ou ao menos aqueles que realmente eram parte da cultura , mas no correr do século tal critério foi degradado, pois, ao mesmo tempo em que lançavam “artistas autênticos”, produziam também qualquer canditado à “artista” em geral representante de sua própria vaidade e da indústria empresarial artística, porém uma vez divulgado pelos meios televisivos, tornava-se ídolo popular por vontade “legitimada” dos espectadores consumidores condicionados ao 226 | Wesley Caesar
processo imagem-verdade , com isso o nível de lançamento das musicas populares degradou absolutamente. E mesmo os mais autênticos artistas lançados pela mídia no século 20 foram “dissolvidos no ar” por ela mesma. A maior parte dos ícones inventados por ela se deteriorou no tempo. O principal é que a TV nunca objetivamente esclareceu o porque de sua existência, qual a sua real necessidade para a vida humana, ocorre que não há, a não ser o seu estatuto de; o maior veiculo de vendas de mercadorias industriais e controle social mascarados pelo entretenimento , jamais inventado até o surgimento da internet . Portanto, como dispositivo virtual surgido num mundo de marcas e patentes que intermedia a venda das produções de consumo em larga escala, tornou-se um dos maiores achados do mundo industrial , não por acaso alteou-se a si própria adquirindo em seu decorrer um poder outorgado e legitimado pelo próprio espectador-consumidor, o seu maior cúmplice, não importa se consciente ou inconscientemente. Uma cultura do “entretenimento autoritário ” já encontrava-se em curso há tempos. A TV desde sua fonte nascedoura só poderia sobreviver de anúncios de produtos, ou seja, da propaganda das mercadorias inventadas pela indústria de consumo da moderna economia . O fato é que num mundo comercial, fundado na venda de mercadorias através da propaganda calcada num histórico cultural do espírito da conquista , do sucesso e do êxito, uma “ideologia”, ou, um cerco ideológico inerente ao processo, surgiria, então só pôde ser idealizado e produzido por este único caminho, o da Mídia ou Mass Media. Na verdade o sucesso valorideológico social ganhou um. A significado do progresso específico exatamente dentrocomo do curso construção, a invenção, a produção, a inovação como lógica do estar-no-mundo tornaram-se indissociáveis do êxito daquilo que só pode dar certo. O positivismo como condição sine qua non na vida moderna tornou-se sua mola mestra. A Economia é por excelência, a fundadora de tal artificialismo que “autoritariamente” intenciona fazer com que tudo funcione. Aquele ou aquela que consegue popularidade na música, ou êxito em qualquer setor de atividades profissionais, estará assim atingindo o sucesso que é sinônimo de triunfo ou vitória, tal como ganhar uma batalha, então gozará de prestígio e respeito, como um épico da cultura, a “epopéia dos entes divinos modernos”. Música (Cultura e Sociedade) | 227
Na canção popular do século 20, o sucesso tornou-se sinônimo da própria canção. A lógica do sucesso é antes a lógica positivista . Como vimos noutro capitulo o positivismo surgiu no kit ideológico liberal por conta da nova frente de pensamento , cujas preliminares esboçaram-se com o fim da Idade Média na Europa. Na modernidade o sucesso social tornou-se obrigação, passou a ser uma patológica busca de ascenção social, numa agônica competição que foi instituída como único caminho possível para a sobrevivência humana. Pois, mesmo no Ocidente antigo esta realidade não existia, simplesmente porque não havia mobilidade social, então não havia motivos ao sujeito intencionar ascenção social. Este ponto é chave para uma ampla e importante discussão a qual não é tocada. As atividades humanas produzidas com caráter lúdico que outrora poderiam permear a vida humana tornaram-se o “trabalho”, sinônimo inevitável de sobrevivência e meta para a “vitória”, não aceitálo implica que o sujeito pode ser punido pela exclusão social como uma representação da “derrota”. A supervalorização da ideologia do sucesso como pré-condição e ao mesmo tempo fomentador das realizações humanas só pôde surgir nos termos como o entendemos hoje, depois da burguesia ir ao poder na Europa, época em que surge a “Era do Indivíduo”, a “Revolução Industrial” precedida pela “Científica”, como já vimos anteriormente. Então, um novo conceito das relações comerciais – a invenção da economia como ciência e como norma de sobrevivência se completara já no século 19 – e a Revolução Francesa em 1789, quando foi escrita a carta de uma tentativa de construção umsubmergiu mundo novo que esforçou-se em auto concretizar-se, mas pelo de visto na “angustia” da civilização. Um outro aspecto já tocado de passagem a se observar entre este e o próximo capítulo do ponto de vista civilizatório , o qual os disparates culturais se apresentam com evidência, é o fato que, mesmo a qualquer leigo, desinteressado pelos assuntos tratados aqui nesta obra, que em seu cotidiano não está preocupado com observações gerais sobre as configurações da contemporaneidade, ainda assim deverá lhe saltar aos olhos aspectos paradoxais da modernidade que, aliás, a configura como algo inédito em termos de Cultura e Sociedade. Sobre isto comenta o americano Clement Greenberg (um dos maiores críticos de arte do séc. 20) em sua obra Arte e Cultura : “Uma mesma 228 | Wesley Caesar
civilização produz duas coisas tão diferentes quanto um poema de T.S.Elliot e uma canção de Tin Pan Alley”. Como sabemos Tin Pan Alley foi o centro editorial fundamental para 90% de toda a produção musical mundial, ainda nas primeiras décadas do século 20, fomentando a “invenção” comercial daquilo que passamos a conhecer como Pop Songs (Canção ou Música Pop). Então, questiona o autor; Como tal disparidade pode existir dentro de uma única tradição cultural, fazer parte da mesma civilização sem que “ninguém” note?. Os heterogêneos de um complexo cultural que foi “inventado” através das colonizações e das frentes de liderança comerciais mundiais cujo ambiente agora estamos imersos, pertencem no ‘final das contas’ ao mesmo “caldo”, e por isso podem acabar sobrepostos... Neste caldo, qual será o futuro da Música?...
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XIII – Qual o futuro da Música? A Amusia – O mundo Cibernético e o Cyborg – O póshumano e o Mito de Golém
O tema e seus derivados que estão envolvidos neste capítulo é assunto para uma imensa obra. Porém, fiquemos aqui apenas com uma breve noção das implicações que podem haver no mundo contemporâneo entre a automação humana e a Música... Já citado neste livro o filósofo e antropólogo Bruno Latour que é professor da École Nationale Supérieure de Paris e da Universidade da Califórnia, em sua obra Jamais Fomos Modernos indaga: o que é ser moderno ? Sobre estranhos o nosso mundo pode-se questionar os se objetos pertencem à culturaque ouinvadem a natureza? Observa Latour que a palavra moderno designa dois conjuntos de praticas totalmente diferentes, que para permanecerem eficazes, devem permanecer distintas, porém, nos últimos tempos deixaram de sê-lo. O primeiro conjunto de praticas cria misturas entre gêneros de seres completamente novos, híbridos de natureza ecultura, e o segundo conjunto de praticas cria por “purificação” duas zonas ontológicas inteiramente distintas, a dos humanos de um lado, e a dos não-humanos de outro. Latour faz um questionamento interessante que merece que debrucemos nele, porém, isso nos levaria a uma dimensão maior do estudo. O que queremos, é apenas tratar em caráter introdutório sobre o tema da “pós-modernidade” ou do “pós-humano” com relação ao futuro da Música. Este capítulo aborda um tema que está no “fluxo de positividades”. Tal abordagem que agora queremos fazer vai um pouco à contramão da visão crítica esboçada em alguns capítulos anteriores desta obra. Vamos tocar em algo que se encontra num rumo aparentemente inevitável e inexorável. Aqui irremediavelmente teremos que dissertar considerando os influxos imanentes a um curso histórico já planejado, já premeditado, que tem metas a alcançar, cujos passos são calculados e 230 | Wesley Caesar
os dados científicos são colocados em vista das possibilidades já constituídas, desde os últimos séculos quando os domínios da natureza se consolidaram, e o mundo passou a ser definitivamente administrado. Portanto, aqui a história como eventual “fluxo imprevisível” de acontecimentos não é mais aleatória... Já colocamos no começo deste livro os problemas do conceito de Tempo, porém, já imersos numa perspectiva do tempo continuo podemos pensar no futuro. O que nos toca aqui é o futuro da Música , contudo, tentar projetá-lo é uma tarefa difícil, mas, nada nos impede de fazermos uma prospecção fundada no ambiente que já temos, tentando “sondar” o que poderemos ter adiante. No Ocidente e em todos os lugares do planeta que foram “ocidentalizados”, enquanto escrevo este texto, milhões e milhões de pessoas no mundo inteiro ouvem Música das mais diversas categorias, estilos e gêneros. As situações de audição musical são diversas, quer seja introspectivamente nos Ipods, por exemplo, ou em coletivo nos eventos públicos. Podemos supor que o “universo” de ouvintes da Música é grande, ou seja, escuta-se desde a música ‘popular’ mais simples e ‘banal’, até a mais refinada ‘musica’, variando obviamente de acordo com a geografia, a população, a cultura de cada região... Aliás, no mundo Ocidental nunca se ouviu tanta Música, conforme já observamos quando citamos o conde e regente Nikolaus Harnoncourt , por conta principalmente aparelhos reprodutoresvimos de somtambém inventados pelacapítulo. indústria durante todo o dos século 20, conforme noutro Podemos supor ainda que milhares de pessoas no mundo praticam música, nos mais diversos instrumentos, porém, é fato também, que milhões e milhões de pessoas nunca tocaram qualquer instrumento musical, cujo dado tem um peso enorme na convivência e compreensão coletiva da Música em geral, embora, conforme já acentuamos no início deste livro que todo ser humano possui a ‘voz’ como seu principal instrumento musical – mesmo que não a utilize para o ‘canto’ – neste sentido somos todos “músicos” (lembrando o musicólogo austríaco Viktor Zuckerkandl em sua teoria sobre o Homo Musicos). Música (Cultura e Sociedade) | 231
Um dos motes principais desta obra é demonstrar que a Música ou a pratica musical, ou seja, os fazeres sonoros humanos mais a dança se constituem na quintessência da humanidade, a sua pratica mais antiga, algo que se encontra no arco das tradições de todas as culturas humanas. Caso não mais a praticássemos perderíamos a sua existência, só nos restaria os sons naturais gerados pelos ambientes da natureza e por aqueles ambientes os quais construímos. Contudo, no Ocidente, como já notamos, ao que parece nas últimas décadas nas sociedades modernas, milhões e milhões de pessoas ouvem música diária, automática e compulsivamente, mas, também ao lado disso, podemos observar um aumento considerável na indiferença com a Música, pessoas que não se interessam por ela. Notamos claramente que hoje existe maior quantidade de pessoas que não apresentam interesse por música se comparado há 50 anos, por exemplo, quando a música ainda era parte indissociável das comunidades humanas. No entanto, esta indiferença não prova falta de habilidade musical, apenas simples desinteresse. Na contrapartida, a audição musical diária e compulsiva não necessariamente implica em habilidade prática ou vocação para a música nos sentidos convencionais destes termos. Mas, podemos sugerir também que a ausência da pratica musical, ao longo das gerações, ao menos em tese, poderá levar à inaptidão musical. Então, nos referindo exclusivamente ao Ocidente nesta mescla de pessoas musicais e pessoas já desinteressadas por ela, podemos perguntar; o que no futuro irá preponderar, a sempre musicalidade humana ou ou parcial das faculdades será Amusia (perda queaa Amusia sempretotal existiu, porém agora se acentuamusicais), e o futuroouprojetado no homem maquina , ou seja, no “cyborg”, trará a ausência definitiva da pratica musical, tendo em vista inclusive, conforme vimos noutro capítulo, que no Ocidente aquilo que foi denominado como Música durante séculos, quando chegou à metade do século 20, esgotou-se, destituindo-se dos seus principais elementos que valeram nos últimos três séculos; Ritmo, Melodia, Harmonia , voltando ao pulso – tanto na chamada Música Erudita como na música popular, o Rap, os sons produzidos pelos DJs, a “música” eletrônica de pista, etc, etc? Aliás, a estes sons que não incluem os elementos principais daMúsica Ocidental, deveriam ser tratados mais corretamente como “fazeres sonoros de certas populações urbanas”, 232 | Wesley Caesar
desprovidos parcialmente dos elementos que constituíram o estatuto da Música no Ocidente nos últimos séculos. Alguns cientistas da neurocognição musical tal como Isabelle Peretz (professora da Universidade de Montreal) – já citada nesta obra – comungam ideias a cerca da Amusia, pois, classificam-na como uma doença que têm dois tipos detectáveis; amusia adquirida (que ocorre como resultado de danos cerebrais) e a amusia congênita (que resulta de uma anomalia no processamento cerebral musical no nascimento). Os especialistas ainda sub-classificam as situações quanto aos sintomas daAmusia. Contudo, não queremos aqui nos aprofundar nesta questão, porém, nossa duvida é saber se a Música continuará a existir no futuro tal como ainda podemos ouvi-la, tendo em vista que uma boa parte das últimas gerações encontra-se jádesmusicalizada no sentido convencional da palavra... Há algumas décadas, por exemplo, têm sido crescente os ambientes freqüentados por pessoas de diversas idades que em estado de transe ou hipnose são capturadas por sons animados por Djs com conteúdo sonoro essencialmente baseado no pulso em rudimentos ritmicos, com única célula rítmica ou melódica em looping descartando Harmonia, portanto, tais sons não contam com uma estrutura rítmica, melódica e harmônica , conforme já observamos, são sons apenas hipnóticos, fazeres sonoros urbanos que se servem exclusivamente do pulso... Não estamos aqui questionando a qualidade disto tentando julgar se é bom ou ruim, retrocesso ou avanço, mas sabemos que guardados os devidos critérios que demonstraram o que foi a Música no Ocidente num de 1500 anos, certamente leigo minimante declínio profundo no gráfico interessado no ciclo assunto perceberá que houve umqualquer que conduziu em sua lógica os postulados da tal Música Ocidental. Por outro lado, como já vimos noutro capítulo, os avanços industriais-científicos-tecnológicos das últimas décadas tem sido muito rápidos. O nível de artificialismo que chegamos não tem precedentes, pois, caminha-se cada vez mais para um mundo virtualizado , autômato, onde a biologia humana vem fundindo-se à uma biologia artificial inventada pela própria industria científica, pois, a biocibernética surge. Então, o que nos toma agora é o quanto destes avanços poderão afetar definitivamente a sensibilidade humana, no sentido de levá-la a uma automação permanente e irreversível, alterando de vez a suapercepção Música (Cultura e Sociedade) | 233
musical, a sua afeição a certos sons que ainda compõem e recompõem o humano, aqueles sons os quais, dependendo como organizados, harmonizam a biologia humana constituída ao longo de milhares de anos, conforme vimos noutros capítulos. Na década de 1960 quando assistíamos no Cinema ou na TV qualquer filme de ficção científica, as pessoas em geral entendiam os aspectos ficcionais como meras sugestões imaginárias dos seus respectivos autores. Se naquela época alguém ao assistir um filme de James Bond o agente 007, atendendo seu telefone vermelho sem fio dentro do carro, e dissesse que no futuro (isto é, hoje) seria comum aparelhos telefônicos sem fio, e, além disso, móveis, seria considerado “louco”. Da mesma maneira, hoje, alguns cientistas sugerem o nascimento do Cyborg (Cybernetic Organism) e no futuro, o seu possível domínio sobre o planeta. O surgimento de uma biologia artificial e, portanto, imortal, o Homo Robôs ou Homem Maquina. Na década de 1950, o matemático e professor Nobert Wiener criador da Cibernética como disciplina de estudo, foi autor de uma obra que se tornaria clássica na literatura científica moderna, principalmente em seu respectivo meio acadêmico, “Cibernética e Sociedade” , estava ele alcunhando o termo que se tornaria algo trivial em nosso cotidiano. Obviamente que não por acaso, Wiener estava fazendo grandes prognósticos, pois, não há praticamente nenhum bem industrial ou invenção de qualquer tipo de equipamento que não provenha principalmente dos países do tal primeiro mundo. Inventam-se protótipos de materiais que se tornam produtos de consumo em larga escala altamente popularizados, como celulares, micro computadores, etc,oetc. Nesteo Cyborg sentido fica fácilaparelhos fazer prognósticos, principalmente sobre “Pós-Humano”. A expectativa das ciências que trabalham com as tecnologias que levarão definitivamente ao Cyborg (Ciborgue ) é que este venha a ser potencialmente superior aos humanos em suas capacidades gerais. Mas, e suas capacidades musicais, que é o que nos interessa aqui, serão “superiores” ou iguais às dos humanos, ou não existirão?. Na hipótese de existir, a música do Ciborgue terá significados similares à dos humanos?. Dependerá então se ele (o Ciborgue) será programado para isto, ou terá vontade própria para tanto, etc... 234 | Wesley Caesar
Numa visão mais apocalíptica pra manter nossas intenções, a filósofa e escritora Donna Haraway (professora da Universidade da Califórnia) em sua obra “Antropologia do Cyborg (A vertigem do pós-humano)” comenta: “Um ciborgue é um organismo cibernético, um hibrido de maquina e organismo, uma criatura de realidade social e também uma criatura de ficção. Realidade social significa relações sociais vividas, significa nossa construção política mais importante, significa uma ficção capaz de mudar o mundo... A produção moderna parece um sonho de colonização ciborguiana... a guerra moderna é uma or gia ciborguiana, codificada por meio de sigla C3I (comando-controle-comunicação-inteligência)... O conceito de biopolitica de Michel Foucault não passa de uma débil premonição da política-ciborgue... No final do século 20, neste nosso tempo, um tempo mítico, somos todos quimeras, híbridos – teóricos e fabricados – de maquina e organismo; somos, em suma, ciborgues. O ciborgue é nossa ontologia; ele determina nossa política. O ciborgue é uma imagem condensada tanto da imaginação quanto da realidade material: esses dois centros, conjugados, estruturam qualquer possibilidade de transformação histórica. Nas tradições da ciência e da política ocidentais (a tradição do capitalismo racista, dominado pelos homens; a tradição do progresso; a tradição da apropriação da natureza como matéria para a produção da cultura; a tradição da reprodução do eu a partir dos reflexos do outro), a relação entre organismo e maquina tem sido uma guer ra de fronteiras...” Numa visão mais integrada, porém, com uma ‘pitada’ apocalíptica, temos Pierre Levy (professor do dept. de hypermédia na Universidade Paris-VIII) que em sua obra A inteligência Coletiva (por uma antropologia do ciberespaço), comenta: “o Homo Sapiens enfrenta a rápida modificação de seu meio, da qual ele é o agente coletivo, involuntário... As redes de comunicação e as
memórias digitais englobarão em breve apoderia maioriaanunciar... das representações mensagensouem circulação no planeta... O ciberespaço o futuro eaterrador inumano que nos é apresentado em certos romances de ficção científica...”. Obviamente que alguns povos que ainda vivem nas florestas distantes da civilização, ainda não integrados, provavelmente com o passar do tempo se não forem extintos do planeta serão incluídos nesta tal modernidade cibernética . As Ciências desde a Revolução Científica depois com o surgimento e avanço da chamada Revolução Industrial (já exaustivamente citadas nesta obra), passaram a trilhar obstinadamente ummito muito antigo, a busca da eternidade do humano, que pretende a soberania do homem, odomínio Música (Cultura e Sociedade) | 235
da natureza, ao mesmo tempo, a destruição do mito da criação espontânea, a não aceitação de uma biologia mortal. No século 20 a inspiração filosófica numa espécie de mito nietzscheniano do super-homem , deu ainda mais força aos objetivos de uma idealizada superação humana sobre a natureza. Agora a biologia tem que atender a uma programação, que é a programação para a eternidade, a realização material do Mito de Golém , um dos mais antigos mitos da cultura judaica. O Golém no folclore judaico ou na cabala judaica é um ser animado que é feito de material inanimado, de maneira figurada é uma espécie de homúnculo , um ser criado artificialmente. No talmude judaico Adão que é um personagem mítico importante na cultura cristã, aparece como um golém. Como sabemos a cultura judaica deu contribuição definitiva para o surgimento do cristianismo, a maior de todas as mitologias do Ocidente. Desde pelo menos a antiga Arábia, passando pela China, Índia, e mais tarde na Renascença Européia que as experiências com homúnculos (a criação de vida humana artificial a partir de materiais inanimados) eram praticadas pela Alquimia que era uma mistura de ciência, magia e arte, pois, esta floresceu até tornar-se uma forma inicial de Química. A Alquimia que tinha neste tipo de experimento com homúnculos um de seus objetivos, desenvolveu um estudo cuidadoso de minerais e metais que mais tarde foi usado pela ciência, conforme nos lembra Colin Ronan... Os alquimistas antigos primordialmente se dedicavam à transmutação dos metais (pois, o princípio da transmutação como lei da natureza começa evapora,estas no cozimento dos alimentos, etc, etc) longaque vidase. Então, e ao elixirnadeágua praticas somadas aos objetivos de criar homúnculos nos levam diretamente aos objetivos científicos modernos conforme já estamos descrevendo nas linhas deste capítulo. Assim podemos dizer que ao menos neste sentido Bruno Latour , citado no começo deste capítulo, tem razão, pois, jamais fomos modernos ... Bem, acrescentando algumas informações a cerca das ciências modernas , apesar de vivermos um mundo de ensino orientado para a especialização, ao mesmo tempo, novas ciências aparentemente distintas surgem e se encontram, o que tem gerado um tipo de simbiose, uma forma de multidisciplinaridade científica que aponta para cruzamentos cada vez mais comuns, promovendo assim a possibilidade 236 | Wesley Caesar
quase inevitável de recursos que utilizados levarão a uma vida longa, quem sabe, eterna... Então, o mundo futuro seria um mundo de “highlanders”, curiosamente tal como os personagens bíblicos: Matusalém que teria vivido mais de 900 anos, outros longevos seriam; Adão (que aparece tanto na Bíblia Sagrada como no Alcorão), assim como os seus filhos (Caim, Abel e Sete), seriam também longevos Noé, Abraão e outros personagens que segundo estes livros sagrados viveram muitos séculos. Portanto, o mito da eter nidade estaria naturalmente alimentado pela própria tradição religiosa das culturas ocidentais, e chegado até às ciências modernas enquanto um ideal que “acompanhou a humanidade durante milênios e milênios”. Jean Paul Jacob (do ITA e Phd em matemática e engenharia – professor adjunto pela Universidade da Califórnia), comenta: “Esqueça que havia ciências isoladas no passado. Daqui para frente, as pesquisas serão multidisciplinares. Um professor com um tubo de ensaio pode estar trabalhando em um computador quântico. A biologia e a informática se unirão de tal forma que será impossível dizer onde uma começa e a outra acaba...” . Assim algumas ciências como Nanotecnologia, Inteligência Artificial, Física Quântica, Biocibernética e Robótica ou Biorobótica que envolve Engenharia Genética e Cibernética estão promovendo e previamente desenhando o futuro, pois, alguns engenheiros robóticos afirmam que até a metade do século 21, já teremos robôs autônomos com vontade própria, outros cientistas igualmente gabaritados não acreditam que isto aconteça em prazo curto. Outros apostam no hibridismo homem-máquina (biologia humana adaptada à biologia no Cyborg). Enfim, todas estas artificial e outras resultando ciências somadas à alguns inventos podem nos dar uma noção mais consistente do que realmente ou virtualmente será o futuro. Entre eles está a computação quântica que traz o chip quântico em escala nanométrica, porém, dependem da nanotecnologia para o seu avanço. Surgiu nos últimos anos a pele artificial e as próteses digitais que podem substituir os membros do nosso corpo. A computação ubíqua (onipresente) pode transformar qualquer objeto do cotidiano (canetas, fechaduras, calçados, etc) numa peça da rede digital. Os pesquisadores pioneiros deste setor científico são do Instituto Tecnológico da Geórgia (EUA). Música (Cultura e Sociedade) | 237
Algumas empresas de pesquisa genética já detém não só patentes de experimentos do DNA humano como rumam ao domínio de suas manipulações – o avanço da identificação e manipulação da codificação genética humana já como realidade, poderá no futuro permitir o inimaginável... São vários projetos e divisões científicas que trabalham com a hipótese da eternidade . Um deles é o projeto o qual participa Raymond Kurzweil no MIT como cientista futurista envolvido com estudos de inteligência artificial e transhumanismo. Kurzweil ingere por dia uma média de 150 cápsulas cujo procedimento faz parte do projeto e ele mesmo se colocou como “cobaia”. Estas cápsulas possuem substâncias químicas, algumas extraídas da própria biologia humana e sintetizadas com finalidade de agir no retardamento do desgaste físico, neutralizando assim o processo de envelhecimento. Diz Kurzweil que em futuro breve micro-robôs serão criados para agirem sem margem de erro substituindo os nossos glóbulos brancos, o que impediria as enfermidades. As pesquisas na área da criogenia, por exemplo, indicam-nos o que poderá ser o futuro, assim como é sugerido na novela inglesa Cold Lazarus escrita pelo dramaturgo Dennis Potter , a qual é imaginada numa sociedade distópica do século 24. Outros tantos autores de ficção científica tem muitas sugestões, inclusive aquelas que já foram superadas pela própria realidade... Teríamos outros tantos dados à relacionar sobre o contemporâneo científico, porém, aqui fica reiterada a pergunta sobre o que será o futuro, do da Música no mundo Robôs Cyborg (Ciborgue )? do Pós-Humano, do “Pós-Homem”, do Homo-
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