Música Música Independ Independente ente no Brasil Brasil dos anos 90 – Revista Revista de Cultura Cultura Vozes n. 1, ano 95, vol. 95, 2001 – Vozes – São Paulo
Música Independente no Brasil dos anos 90 Eduardo Vicente 1
Resumo: O texto procura oferecer um breve relato da produção musical no Brasil centrado na atuação dos selos independentes e na sua relação com as gran grande dess grav gravad ador oras as.. Num Num cenár nário em que que a crescente nte conce concentr ntraçã ação o econô econômic mica a da produç produção ão music musical al faz-se faz-se acompa acompanha nharr do sur surgi gime ment nto o de nova novass e mais mais flex flexív ívei eiss tecn tecnol olog ogia iass de prod produç ução ão e dist distrribui ibuiçã ção, o, são são anal analis isad adas as as opor oportu tuni nida dade dess que que surg surgem em para para a ampliação da participação destes selos no conturbado mercado nacional.
Nas pesquisas de vendagem de discos realizadas pelo Nopem em junho desse ano, duas produções de gravadoras independentes figuravam entre as 50 mais vendidas2: o álbum “Jorge Aragão ao Vivo”, de Jorge Aragão, ocupava o 1º lugar em São Paulo e 2º no Rio, já “Morango do Nordeste”, de Lairton & seus Teclados, colocava-se em 18º lugar em SP e em 23º no RJ. O álbum de Jorge Aragão saiu pela Indie Records, empresa sediada no Rio e responsável ainda pelo sucesso de artistas e bandas como Vinny, LS Jack e Líbano3. Já o CD de Lairton saiu pela Gema, uma gravad gravadora ora paulist paulistana ana vol voltad tadaa exclus exclusiva ivamen mente te para para o que eles eles própri próprios os 1
Eduardo Vicente é graduado em Música Popular e mestre em Sociologia (pela Unicamp). Realiza, atualmente, doutorado em comunicações na ECA/USP sob a orientação do Prof. Waldenyr Caldas.
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O Nopem é um instituto de pesquisas voltado exclusivamente para o mercado fonográfico. A empresa foi fundada em 64 e suas pesquisas são realizadas nos pontos de venda do eixo Rio-São Paulo, que representa aproximadamente 2/3 do mercado nacional de discos.
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Também gravaram ou gravam pelo selo nomes como Luiz Melodia, Jerry Adriani, Sá & Guarabira, Wando, Boca Livre e 14 Bis.
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definem como segmento “brega romântico” e que visa o mercado formado pelas regiões Norte e Nordeste do país. A importância desses números não deve ser menosprezada, pois “se a ideologia do pós-industrialismo aponta para a autonomia local, para a indi indivi vidu dual alid idad adee do cons consum umid idor or,, a dinâ dinâmi mica ca econ econôm ômic icaa revel revelaa ou outr tros os aspe aspect ctos os...... No luga lugarr da fragme agment ntaç ação ão,, ob obsserva erva--se um umaa cres rescent centee concentração das firmas”, e “concentração significa controle”4. O caso da música é exemplar. Atualmente, apenas 5 grandes gravadoras controlam aproximadamente 80% da música veiculada em todo o mundo5. São elas: Universal Music, Warner, EMI, BMG e Sony. Além disso, essas empresas não são, com exceção da EMI, “apenas” gravadoras, mas apêndices de gigantescos gigantescos conglomera conglomerados dos transnaci transnacionais onais de comunicação comunicação que abrangem abrangem áreas como televisão, cinema, rádio, editoras e, em casos mais recentes, a Internet, satélites e sistemas de difusão por cabo. A gravadora Warner expressa bem essa tendência. O grupo do qual faz parte6 fundiu-se em janeiro deste ano com a America On Line (AOL), maior provedor mundial de Internet. Da fusão surgiu o maior grupo de comunicações do mundo, que alcançará com suas publicações, canais de TV e Internet, 160 milhões de americanos, mais da metade da população daquele país7. 4
ORTIZ, R. Mundialização e Cultura: São Paulo, Brasiliense, 1994, p. 163.
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SPELLMA SPELLMAN, N, Peter: Peter: Merger Music Busine Business ss Sol Soluti utions ons,, Merger Mayhem? Mayhem? The The Upsi Upside de to a Down Downsi size ze, Music http://www.mbsolutions.com/ art3.html, 1999
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Além da gravadora e editora musical fazem parte do grupo, entre muitas outras empresas, editoras como Time-Life Books; estúdios cinematográficos como Warner Bros. (75%), Castle Rock Entertainment e New Line Cinema; empresas de televisão por cabo e satélite como CNN, Superstation, TNT, Cartoon Network, HBO (75%); o Clube de CDs Columbia House (50%, em associação com a Sony) e revistas como DC Comics, Fortune, Life, People e Time – conf. YÚDICE, G, La Industria de la Musica en el Marco de la Integración América Latina – Estados Unidos: Conferência apresentada no seminário “Integración Económica e Industrias Culturales en América Latina y el Caribe”, Buenos Aires, jul/98. Texto fornecido pelo autor 7
É também a 4ª maior empresa do mundo, conf. Revista Veja, Edição 1 632 -19/1/2000
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O fato de duas gravadoras nacionais e não ligadas a nenhum grupo de comunicações terem conseguido colocar álbuns entre os mais vendidos do paí paíss mo most stra ra,, a meu meu ver, ver, qu quee im impor porta tant ntes es mo modi difi fica caçõ ções es pare parece cem m esta estar r ocorrendo na esfera da produção e distribuição de música. É sobre elas que este texto procurará refletir. A esfera da produção
Tornou-se tradicional, dentro da contexto da indústria fonográfica, a classificação das gravadoras em majors ou indies. São chamadas majors as grandes gravadoras que controlam o mercado internacional de música. Não só as cinco já citadas estão representadas no país, como dividem o mercado com duas outras majors nacionais: a Som Livre (das Organizações Globo) e a Abril Music (criada em 98 como braço fonográfico do Grupo Abril). As estratégias de ação dessas empresas derivam, é claro, dessa sua integração a grandes grupos de comunicação, podendo ser assim sintetizadas: divulg ulgaçã açãoo baseia baseia-se -se na estrat estratégi égiaa do blockbuster , ou seja, na 1. Sua div inve invers rsão ão de gran grande dess soma somass para para a prom promoç oção ão maci maciça ça de po pouc ucos os segm segment entos os e arti artist stas as.. Se Seus us trab trabal alho hoss são são inte integr grad ados os em dife difere rent ntes es formatos como filmes, filmes, telenovelas, videoclipes, programas de TV, sites da Internet, etc.
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2. Tendem a terceirizar sua produção (uma possibilidade aberta pelo uso
das tecnologias digitais8) e contratar apenas artistas já “testados” no mercado por intermédio de indies. 3. Para a distribuição dos seus produtos priorizam as “grandes superfícies”
(supermercados e magazines) – que favorecem o consumo maciço – em detrimento das pequenas redes e lojas especializadas9. 4. Util Utilizamizam-se se fortemente fortemente da inovação inovação tecnológ tecnológica ica para a alavancagem alavancagem de suas uas vend vendas as,, reco recorr rren endo do cons consttante anteme ment ntee ao relan elança çam mento ento do doss gigantescos catálogos musicais que possuem em novos formatos de distribuição (como o CD, o DVD, o MP3, etc). Indies
é o modo pelo qual são denominadas as gravadoras (não
nece necess ssar aria iame ment ntee de pequ pequen enoo po port rte) e) não não liga ligado doss a gran grande dess grup grupos os econômicos. Como regra geral, os caminhos disponíveis para a sua atuação são: 1. Trabalhar visando a prospecção de novos artistas e sua promoção em
mercados locais para posterior repasse às majors. 2. Trabalhar em associação direta com as majors, que se encarregam da
divulgação e distribuição de suas produções. O selo MZA, por exemplo, 8
Tratei do tema das tecnologias digitais de produção musical e da terceirização da produção em minha dissertação de Mestrado não publicada "A Música Popular e as Novas Tecnologias de Produção Musical: uma análise do impacto das tecnologias digitais no campo de produção da canção popular de massas ", Campinas, IFCH/Unicamp, 1996. Também abordo o tema no artigo “A Indústria Fonográfica nos Anos 90: elementos para uma reflexão”, In: Arte e Cultura da América Latina: vol VI, n º 2 (2 º semestre de 1999) – Sociedade Científica de Estudos da Arte – CESA – 1999, p: 71-96
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Sendo o comércio eletrônico de CDs e de música digitalizada a grande tendência do mercado atual.
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funciona como uma espécie de joint venture da Universal Music que lança todos os trabalhos por ele produzidos10. A própria Indie Records conta, atualmente, com distribuição da Universal. 3. Operar Operar de forma forma completamen completamente te independente independente das majors, mas apenas
em segmentos por ela desprezados ou em mercados regionais onde os custos de divulgação e as dificuldades de distribuição são menores11. Ente Entend ndoo qu quee o qu quad adro ro aqui aqui expo expossto mostr ostraa exi existir tir um umaa cer certa complementaridade entre as atividades de majors e indies. Uma divisão do mercado – moldada pela forma de atuação das grandes gravadoras e, por isso, necessariamente desigual – que determina em boa medida os espaços e a estratégia de atuação das indies. Num primeiro olhar, os dois selos independentes que citei no início desse texto enquadram-se perfeitamente nessa “ecologia” da produção musical. A Indie Records é, como já vimos, distribuída pela Universal Music e a Gema opera dentro de uma região e em um segm segmen ento to bem bem defi defini nido do,, mant manten endo do circ circui uito toss de dist distri ribu buiç ição ão e divulgação baseados em pequenas lojas do interior e rádios comunitárias. Porém, o movimento da Gema para fora de seu nicho e o sucesso de um artista da Indie superando os da própria major que a distribui parecem denotar o surgimento de “ruídos” na engrenagem da indústria, de desafios ao sólido controle que as majors exercem exercem atualmente atualmente sobre sobre mercado mercado musical. 10
O selo pertence ao produtor Marcos Mazzola, e entre os artistas que lançou estão Chico César, Rita Ribeiro e Zeca Baleiro. 11
Podem ser citados como exemplos destas estratégias os selos Visom (RJ) e Núcleo Contemporâneo (SP) que atuam na área de música instrumental; o MCD e o Azul Records (ambos de SP) na New Age e na World Music; o JWS e o Kaskata’s no rap; o Outros Brasis, centrado na música e no mercado da região Norte do país (principalmente o Pará) e o ACIT , dedicado à música regional gaúcha.
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Os “ruídos” na distribuição
Uma condição fundamental para o sucesso da estratégia de atuação das majors é a da manutenção do seu controle sobre as instâncias de distribuição e divulgação musical. Estes, porém, são setores que enfrentam no momento grandes turbulências. De um lado, o surgimento nas últimas décadas de um amplo número de TVs e rádios locais possibilitou a criação de circuitos de divulgação que favorecem uma maior regionalização dos padrõ padrões es de consum consumoo simból simbólico ico,, reduzi reduzindo ndo a influê influênci nciaa exerci exercida da pelas pelas grandes redes de mídia. Temos, nesse contexto, a formação de circuitos locais de música como a do forró eletrificado de Fortaleza, do mangue beat recifense e do rap da periferia de São Paulo, entre outros12. Também a nível mundia mundial,l, tanto tanto a distri distribui buição ção quanto quanto a div divulg ulgaçã açãoo foram foram tum tumult ultuad uadas as recentement recentementee pelo surgiment surgimentoo e populariza popularização ção do MP3, um formato formato de digi digita tali liza zação ção de áudi áudioo qu quee viab viabil iliz izou ou a circ circul ulaç ação ão de mú músi sica ca grav gravad adaa atra atravé véss da Inte Intern rnet et13 e abri abriu, u, assi assim, m, a po posssibi sibili lida dade de para para a cópi cópiaa e transmissão ilegal de música pela rede. Pesquisa da RIAA constatou que “as vendas de discos entre os jovens de 15 a 24 anos diminuiu de 32,2% em 96 para 28% em 98. E... essa queda está relacionada ao MP3” 14. Mais do que incentivar a pirataria on line, acredito que o MP3 desafie a indústria em pontos ainda mais sensíveis. Em primeiro lugar, abre novas perspectivas de divulgação e distribuição para artistas e selos independentes, o que já pode 12
Vale ressaltar que, no caso de Fortaleza, grande parte da cena musical encontra-se sob o controle do empresário Emanuel Gurgel, que é proprietário de bandas, rádios, forródromos e do selo Som Zoom – o que mostra que mesmo nestes circuitos locais a concentração econômica pode se fazer presente.
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Isso ocorreu em função do MP3 – que surgiu como uma consequência consequência do desenvolvimento do DVD – gerar arquivos muito menores do que os obtidos através do formato anteriormente usado, o WAV.
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“Prepare-se: a indústria começou o contra-ataque on line”, jornal Folha de São Paulo, 22-07-99. Porém, como se trata de um “contra-ataque” e a RIAA é a associação que congrega as grandes gravadoras norteamericanas, acho que devemos tomar com reservas as estatísticas apresentadas.
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ser constatado em diversos sites nacionais e internacionais 15. Em segundo, abre a possibilidade para que artistas que se projetaram internacionalmente no âmbito da grande indústria passem a considerar a hipótese de adotar a produção e distribuição independentes, aumentando assim o controle sobre sua carreira16. Além do MP3, as oportunidades para a venda direta de CDs abertas pela Internet estão criando importantes vias alternativas de distribuição para as gravadoras de menor porte. Atualmente, até as bancas de revista passaram a ser utilizadas como vias alternativas de distribuição 17. ........................ ..................................... ................. .... O maior espaço de atuação aberto por estes fatores talvez esteja levando a um nível inusitado de articulação dos selos independentes do paí país. s. Si Sign gnif ific icat ativ ivaa nest nestee proc proces esso so foi foi a cria criaçã ção, o, em 19 1999, 99, da AMI AMI Associação dos Músicos Independentes. Seu objetivo é o de unificar as estratégias de divulgação e distribuição dos selos, bem como aumentar seu poder de negociação junto a fornecedores. Ainda é cedo, no entanto, para avaliar que impacto sua criação terá sobre o mercado no sentido de um maior equilíbrio entre majors e indies18. Outro fato que merece destaque é o da transf transform ormaçã açãoo da tradic tradicion ional al gravado gravadora ra Eldora Eldorado do em distri distribui buidor dora. a. Embora essa tenha sido uma decisão movida por razões exclusivamente 15
Dentre os nacionais destaco www.mp3clube.com.br www.mp3clube.com.br ee www.imusica.com.br
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Prince (ou o artista que um dia foi conhecido por Prince) faz largo uso da internet em sua condição atual de artista independente.
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Esse expediente foi usado por Lobão em seu último trabalho, o independente “A Vida É Doce”, bem como para todas as produções do selo Panela Records, de Pierre Aderne.
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A AMI já está representada junto à ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos), que congrega as principais indústrias do país. Entre os envolvidos em seu projeto estão os selos Visom, MCD, Núcleo Contemporâneo e Pau Brasil, além dos produtores Edson Natale e Pena Schmidt.
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mercadológicas, pode estar abrindo novas possibilidades de distribuição para os selos menores. A proposta da Eldorado é atender um mercado hoje desprezado pelas majors, chegando a praticamente todas as lojas de discos do país. A Eldorado distribui, atualmente, por volta de 40 selos, todos independentes e de pequeno porte. Bibliografia
IFPI, The Recording Industry in Numbers 99: the definitive source of global music market information , London, IFPI, 1999.
ORTIZ, Renato, Mundialização e Cultura, SP, Brasiliense, 1994 PETERSON, Richard e BERGER, David G. - "Cycles in Simbol Production: the case of popular music" In: American Sociological Review,
1975, vol. 40 (april) SPELLMAN, Peter. Merger Mayhem? The Upside to a Downsize , Music Business Solutions, http://www.mbsolutions.com/ art3.html, 1999 YÚDICE YÚDICE,, George George.. La Indus dustria de la Musica en el Marco de la Integración América Latina – Estados Unidos : Conferência apresentada no
seminá seminário rio “Inte “Integra gració ciónn Económ Económica ica e Indust Industria riass Cultur Culturale aless en Améric Américaa Latina y el Caribe”, Buenos Aires, jul/98. Texto fornecido pelo autor
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