NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO DE CABRAS LEITEIRAS
Kleber Tomás de Resende1, Márcia Helena M. da R. Fernandes2, Izabelle A. Molina de A. Teixeira1 1
Professores da FCAV/UNESP, 2doutora em Zootecnia pela FCAV/UNESP
Introdução Dent De ntre re os an anim imai aiss do dome mest stic icad ados os e expl explor orad ados os pe pelo lo ho home mem, m, a cabr cabraa fo foii o primeiro. O leite de cabra, na maioria dos países do mundo destina-se ao consumo do produto in natura, entretanto na Ásia, África e Oriente Médio, a maior parte de sua produção é utilizada na elaboração de iogurte e manteiga, enquanto que na França, quase a totalidade da produção é destinada para a fabricação de queijos. (SEOANE, 1998). A caprinocultura leiteira é hoje no Brasil tem uma real expressão nos Estados das regiões Sudeste e Sul do país, apresentando-se como uma atividade praticada geralmente por criadores com elevado grau educacional, ela surge com um potencial de desenvolvimento significativo (HASS & HASS, 1994). O rebanho caprino mundial possui, de acordo com o último censo, 808,9 milhões de cabeças, a maior parte concentrada nos países africanos e asiáticos (FAOSTAT, 2005). O Brasil com aproximadamente 10,6 milhões de cabeças (IBGE, 2004), participa com 1,3 % deste efetivo. Atualmente, a produção anual de leite de cabra no Brasil estimada é de 135 mil litros, contribuindo com apenas 1,2 % da produção mundial de leite de cabra (FAOSTAT, 2005). Apesar do Nordeste concentrar cerca de 90% do rebanho caprino brasileiro (IBGE, (IBGE, 2004), o Sudeste Sudeste caracteriza-se caracteriza-se por ser a região região de maior demanda demanda do leite de cabra e seus derivados. Este fato pode ser explicado por influências culturais européias na população do Sudeste/Sul. Segund Segundoo CORDEI CORDEIRO RO (2001) (2001),, tem tem-se -se verif verifica icado do um cresce crescente nte intere interesse sse na caprin cap rinocu ocultu ltura ra leitei leiteira, ra, dem demand andand ando, o, assim, assim, um mai maior or ent entend endime imento nto dos fat fatore oress condicionantes da produção de leite. Neste Neste con contex texto, to, a alimen alimentaç tação ão aprese apresenta nta-se -se com comoo um fat fator or ext extrem remame amente nte importante, uma vez que constitui a base de qualquer sistema de produção, pois é através dela que os nutrientes são fornecidos ao organismo animal, expressando o seu
1
potencial de produção. O fornecimento de dietas que atendam às necessidades dos animais pode evitar prejuízos econômicos e ambientais, reduzindo o desperdício de nutrientes e minimizando a deposição de poluentes no ambiente. Portanto a elaboração de dietas eficientes e econômicas fundamenta-se no equilíbrio entre a quantidade de nutrientes que o animal precisa (suas exigências nutricionais) e a quantidade de nutrientes fornecidos pela ração, sendo importante, para tal, o conhecimento dos hábitos alimentares, da composição bromatológica, eficiência de utilização e do consumo destes alimentos. Exigências nutricionais de cabras em lactação O ARC (1980) relatou que as exigências nutricionais são influenciadas por vários fatores, tais como condições ambientais, nível nutricional, raça, espécies, entre outros. Portanto, as exigências nutricionais não devem ser extrapoladas de dados obtidos com outras espécies mesmo que de ruminantes. Porém, a grande maioria dos trabalhos que estimam ou fazem recomendações sobre exigências nutricionais de pequenos ruminantes, principalmente caprinos, utilizaram ou extrapolaram dados obtidos com bovinos ou ovinos O ARC (1980) definiu as exigências de mantença de um animal como a quantidade de nutrientes ou energia necessários para que os processos vitais do seu corpo permaneçam normais, incluindo a reposição das perdas endógenas e metabólicas pelas fezes e urina e pela pele, ou seja, é aquela que não permitirá perda ou ganho de peso dos animais e modificações na sua composição corporal. Embora as exigências de mantença possam ser consideradas uma condição teórica, é necessário considerar as exigências de mantença separadamente daquelas para produção. Os comitês internacionais (NRC, 1981; AFRC, 1998) devido ao pequeno número de informações disponíveis na época recomendaram valores únicos de exigências de mantença independente do grupo racial. Em publicação mais recente, o grupo de pesquisa da E (Kika) de la Garza Institute for Goat Research da Universidade de Langston propôs separação das exigências para quatro grandes grupos raciais: animais para carne (> 50% Boer), leiteiros, nativos e Angorá. No caso especificamente das exigências de mantença foi possível detectar diferenças nas exigências de energia metabolizável (EM), sendo preconizado 489, 580, 489 e 560 kJ (ou 116,8; 138,6; 116,8
2
e 133,8 kcal) de EM/kg0,75 de PV para animais em crescimento das raças de corte, leite, nativa e Angorá, respectivamente (SAHLU et al., 2004). Com respeito às exigências de proteína metabolizável para mantença só foi observado diferenças entre os animais da raça Angorá e as demais, sendo recomendado 3,07 e 4,30 g de PM/ kg0,75, respectivamente. As exigências líquidas de lactação são as mais fáceis de serem determinadas, pois normalmente baseiam-se na produção e composição do leite, entretanto muitos fatores podem influenciá-las como estágio de lactação, raça, condições sanitárias, mudanças de peso corporal, entre outros. A composição do leite varia em função de vários fatores, tais como: raça, estação do ano, sanidade, estágio e ordem de lactação, nutrição e ambiente. Dentre os nutrientes, a gordura é a mais variável e é fortemente influenciada por fatores genéticos e ambientais. Na Tabela 1 está apresentada a média das composições do leite de cabras compilados da literatura. Tabela 1. Composição do leite de cabras, provenientes de várias fontes da literatura. Cabras1 Componente (%) Média Mínimo Sólidos totais 11,1 10,9 Gordura 4,0 3,4 Proteína 3,4 2,6 Lactose 4,2 4,1 Cálcio 0,11 0,11 Fósforo 0,08 0,08 Magnésio 0,01 0,01 Potássio 0,21 0,21 Sódio 0,04 0,04 1 média dos dados de SPINA (2003), FREIRIA
Máximo 11,4 5,2 4,1 4,3 0,11 0,08 0,01 0,21 0,04 (2003), SILVA
SOBRINHO (1989), AFRC (1998), ST-GELAIS et al. (2003) Embora seja a exigência mais simples de se determinar, ainda são escassas as informações sobre exigências de lactação em caprinos, principalmente no Brasil, talvez pelo fato da maior atenção ter sido dada as exigências de crescimento. SILVA SOBRINHO (1989) estimou a exigência líquida de proteína para lactação em função da produção e teor de gordura do leite, variando de 32,0 a 38,6 g de proteína para produzir um litro de leite com a composição de gordura variando de 4 a 6%.
3
Enquanto que SPINA (2003) estimou a exigência líquida em proteína para produção de leite com 3% gordura em 26,5 g proteína/kg de leite. Quanto à energia, SPINA (2003) verificou que as equações que apresentaram melhor ajuste foram aquelas que levaram em consideração a produção e composição do leite em gordura, proteína e lactose, ressaltando que as exigências variaram em função da ordem de lactação, preconizando as seguintes equações. Primíparas
⇒
ELl = -1283,0345 + 662,4238X1 + 190,8700X2 + 125,0398X3 +
⇒
ELl = -1379,2126 + 646,1161X1 + 215,8351X2 + 151,0069X3 +
63,8442X4 Multíparas 54,2662X4 Onde: X1 = Produção média diária de leite, X2 = % de gordura, X3 = % de proteína, X4 = % de lactose Os dados de exigências líquidas para lactação de cabras estimados em condições brasileiras estão apresentados na Tabela 2. Tabela 2 - Dados de exigências liquida de energia e proteína para lactação, estimadas por diferentes autores. Raça
Teor
de (%)
Energia (kcal/kg leite) Saanen (primípara) Saanen (multípara)
gordura Exigências
Referência
de Lactação
3,0 3,0
Proteína (g/ kg leite) SRD 4,0 SRD 5,0 SRD 6,0 Saanen * - considerando 2,6% de proteína e 4,0% de lactose
532* 524*
Spina, 2003 Spina, 2003
32,0 35,3 38,6 26,3
Silva Sobrinho, 1989 Silva Sobrinho, 1989 Silva Sobrinho, 1989 Spina, 2003
A literatura internacional mais recente apresenta recomendações de exigências de energia metabolizável (EM) para cabras em função da produção e porcentagem de gordura e de exigências de proteína metabolizável (PM) em função da produção e porcentagem de proteína, desenvolvidas pelo grupo de pesquisadores da E (Kika) de la Garza Institute for Goat Research da Universidade de Langston.
4
NSAHLAI et al. (2004a), utilizando dados de 44 estudos representando 2476 cabras em vários estágios de lactação, estimou a exigência de EM para lactação (EML) em 4882 kJ/kg (ou 1166,8 kcal/kg) produção de leite corrigida para gordura (PLCG, 4% gordura). Quando a ingestão de EM foi ajustada para a perda energética decorrente do excesso de excreção dos compostos nitrogenados na urina, a EML foi estimada em 5224 kJ/ kg (ou 1248,6 kcal/kg) PLCG. Este ajuste é justificado pelo fato de que a metabolizabilidade das rações (q, relação entre a energia metabolizável e a energia bruta da ração) geralmente é determinada em situações de consumo próximo à mantença ou do ponte de equilíbrio do N, ou seja, quando o consumo e a excreção de N são iguais. Entretanto, para se alcançar as exigências de produção de cabras em lactação, o consumo de N é acima do ponto de equilíbrio, resultando em aumento da excreção do N urinário, principalmente como uréia. Assim, a energia despendida pela excreção do N urinário acima das perdas endógenas consideravelmente poderia ser usado para outras funções produtivas. Com relação à exigência de PM para lactação (PML), NSHALAI et al. (2004b) determinaram uma equação em função da produção de proteína do leite (PPL), que se segue: PML = 15,2 + 1,30 PPL, Onde PML é a exigência de PM para lactação em g/d e a PPL é a produção de proteína do leite em g/d. Quando a linha de regressão foi forçada à origem, isto é, o intercepto igual a zero, a PM L foi estimada em 1,45 g/ g de PPL. É interessante verificar que a PM foi ajustada para mudanças no peso corporal (14,3% proteína), assumindo uma eficiência de 0,59 para o uso de PM para deposição de proteína nos tecidos e que a proteína mobilizada dos tecidos foi usada para lactação com a mesma eficiência que a PM proveniente da ração e do microrganismos ruminais (NSAHLAI et al., 2004b).
É importante ressaltar que as exigências nutricionais da cabra em lactação variam ao longo das fases do ciclo produtivo. Na primeira fase, com início logo após o parto, o nível de produção aumenta rapidamente, atingindo o pico entre a 6ª e 9ª semana. Entretanto, o pico de ingestão de alimentos não ocorre concomitantemente, de maneira que a ingestão de nutrientes só irá atender as demandas da cabra quando a produção de leite estiver reduzida a 60-80% da produção no pico (BORGES & BRESSLAU, 2003). Neste momento, as cabras encontram-se em balanço energético negativo, quando reservas corporais de gordura e proteína são mobilizadas para suprir este déficit. NSHALAI et. al. (2004a) discutiram que durante o início da lactação, perdas de gordura corporal geralmente são acompanhadas por um aumento no tamanho do
5
trato gastrintestinal e na quantidade de água corporal, por onde uma retenção positiva de proteína pode coexistir com um balanço energético positivo. Na segunda fase, a capacidade de ingestão da cabra atinge o pico enquanto a produção de leite começa a diminuir, permitindo que o animal inicie a recomposição das reservas corporais. Esta fase pode durar cerca de cinco meses quando o intervalo entre partos (IEP) é de 12 meses ou apenas um mês, quando o IEP é de oito meses, exigindo maior atenção na alimentação no pré e pós parto deste animal. A terceira fase corresponde aos primeiros três meses de gestação, onde o peso da cabra aumenta lentamente, acumulando-se reservas corporais devido ao balanço energético positivo. Já quarta e última fase corresponde ao terço final da gestação, quando ocorre o maior crescimento do(s) feto(s), aumentando a demanda por nutrientes ao mesmo tempo em que a capacidade de ingestão diminui (BORGES & BRESSLAU, 2003). De acordo com NSHALAI et al. (2004a), a concentração energética na mudanças de peso corporal foi estimada em 11,3 MJ (ou 2,7 Mcal) EM/kg GPV. Este valor foi inferior ao assumido pelo AFRC (1998) de 23,9 MJ (ou 5,7 Mcal) EM/kg GPV. Entretanto, os autores discutem que ambos podem ser fisiologicamente possíveis uma vez que o custo energético da deposição ou mobilização dos tecidos podem variar de acordo com a composição de gordura e proteína dos mesmos. Assim, um maior conhecimento e estudo sobre a composição do ganho ou perda de peso durante a lactação é extremamente necessário para a estimativa da exigência de cabras leiteiras. Comportamento alimentar A cabra, conforme definição de Hoffmamn, é um ruminante intermediário, entre selecionadores de alimentos concentrados e pastejadores, ou seja, busca na planta, por uma questão de seleção natural, as partes em que há maior concentração de nutrientes, em detrimento de outras partes mais fibrosas. Dessa forma, em condições naturais, alimenta-se de brotos, folhas de leguminosas, grãos, entre outros (VAN SOEST, 1994). Em virtude desta característica, os caprinos apresentam elevada taxa de passagem de alimentos pelo trato digestivo, embora tenham baixa capacidade de digerir a parede celular, geralmente por ingerirem grandes volumes de alimento de valor nutritivo mais alto (REIS et al., 2005). Outra característica relevante é que os alimentadores intermediários mudam o seu hábito de ingestão de acordo com a disponibilidade de alimento, e desta forma são
6
mais versáteis do que os selecionadores de concentrado e os pastejadores obrigatórios. Normalmente, preferem gramíneas imaturas, mas passam a exercer o ramoneio quando ocorre o amadurecimento da forragem do pasto de gramínea (REIS et al., 2005). Os herbívoros ainda podem ser classificados segundo a Figura 01, na qual pode-se comparar ruminantes e não ruminantes. Neste sistema, os caprinos situam-se numa posição intermediária, como os que têm grande versatilidade no hábito alimentar, sendo, comparativamente, selecionadores de alimento, e com capacidade limitada de ingestão de forragem de baixo valor nutritivo, comparados aos bovinos e ovinos, a despeito da reputação de serem aptos para digerirem qualquer tipo de alimento (VAN SOEST, 1994). Da análise da Figura 01, pode-se assumir que os animais com maior capacidade de seleção de alimentos concentram-se nos grupos de menor tamanho, enquanto aqueles de maior capacidade de armazenamento de alimento no trato digestivo e que dependem da fração fibrosa como fonte de energia, apresentam menor capacidade de seleção e maior peso (VAN SOEST, 1994). O peso do animal, no qual a limitação do tamanho parece ter maior efeito na retenção de alimento no trato digestivo é de menos de 100 kg. Enquanto, o peso abaixo de 40 kg é o valor no qual a seletividade tem efeito apreciável na ingestão, passando a ser uma estratégia viável, porque o consumo deverá ser grande para permitir suficiente digestão, requerendo ainda rápida taxa de passagem. O comportamento diferenciado do caprino, em termos de alimentação, compreende não só a habilidade em selecionar a dieta entre diferentes alimentos e, dentro destes, escolher as partes mais tenras e palatáveis, mas difere também pela aceitação e muitas vezes a preferência por espécies vegetais menos aceitas por outros ruminantes (SANTOS, 1994). Assim, quando o alimento é oferecido à vontade, o valor nutritivo do alimento ingerido normalmente é superior ao valor nutritivo do alimento oferecido, sendo esta diferença tanto maior quanto menor a qualidade do alimento.
7
Figura 01. Classificação de herbívoros segundo o hábito de pastejo Adaptado de VAN SOEST, 1994. Fonte: (REIS et al., 2005)
Essa habilidade de seleção é observada não só em animais em pastejo, como naqueles confinados, sendo mais ou menos intensa conforme a disponibilidade, a forma (inteiro, picado, desintegrado, peletizado, etc) e a freqüência de fornecimento, bem como a qualidade do alimento, determinada pela própria espécie vegetal fornecida, seu estado de maturação ou mesmo forma de conservação (BORGES & BRESSLAU, 2003). O caprino, quando em pastejo em áreas de vegetação com composição botânica heterogênea, com referência às pastagens nativas e à caatinga, seleciona dieta diferente das de ovinos e bovinos, pastejando preferencialmente vegetações de folha larga, herbáceas ou arbustivas, em detrimento às gramíneas, as quais normalmente representam menos de 50% da sua dieta (ARAUJO FILHO et al., 1996). Além disso, apresenta um comportamento mais ativo que o de ovinos e bovinos, o que reflete em maior tempo despendido em pastejo, ocasionado pela maior seleção exercida.
8
O caprino, quando em confinamento, também ocupa a maior parte do tempo em atividades relacionadas à alimentação, notadamente com a procura ativa do alimento, com exercício acentuado da seleção (BORGES & BRESSLAU, 2003). Segundo MORAND-FEHR (1991), quando o volumoso é fornecido no cocho, a refeição da cabra é dividida em três fases: - uma fase de exploração, onde a cabra examina o alimento oferecido. - uma fase de consumo intenso, satisfazendo grande parte da fome. - uma fase de seleção, onde a cabra seleciona as partes do alimento a serem ingeridas. A fase de exploração pode ser reduzida quando existe maior competição entre as cabras no cocho, quando o volumoso é homogêneo ou quando as cabras estão acostumadas a ele. Ao contrário, esta fase terá maior duração quando as cabras são alimentadas em cochos individuais ou quando o volumoso oferecido é de baixa qualidade e composto por diferentes espécies vegetais. Além disso, a relação volumoso:concentrado também exerce influência no comportamento de cabras em confinamento. GONÇALVES et al. (2001) avaliaram o comportamento alimentar de cabras leiteiras alimentadas com dietas compostas por diferentes relações volumoso:concentrado (100:0, 80:20, 60:40, 40:60 e 20:80). Os autores verificaram que o tempo de alimentação foi maior para as dietas contendo valores acima de 60% de volumoso. A dieta contendo 100% de volumoso apresentou maior tempo de ruminação e menor ócio, seguida das dietas contendo 80 e 60% de volumoso, enquanto aquelas contendo 40 e 20% apresentaram menor tempo de ruminação e maior ócio. Os autores concluíram que o aumento do nível de concentrado nas dietas resultou em menores tempos de alimentação e ruminação, em função da elevada densidade energética da dieta; conseqüentemente, foi maior o tempo de ócio. Isto se deve ao fato da baixa concentração de fibra dietética não ter estimulado a ruminação. Ingestão de matéria seca Em animais ruminantes, vários mecanismos agem de forma integrada no controle da ingestão de alimentos pelo animal. O consumo potencial pode ser definido como aquele determinado pela demanda animal, ou seja, capaz de atender às exigências de mantença e produção. Por outro lado, o consumo real, ou seja, aquele efetivamente praticado pelo animal, será determinado por outros fatores como
9
característica do alimento, condições do meio ambiente e manejo, além das exigências do animal. Os fatores primários que controlam a ingestão são respostas aos efeitos diretos da ração, como distensão da parede ruminal, pH do conteúdo do rúmen, concentração de acetato, taxa hepática de propionato, fornecimento de gordura, teor protéico da ração entre outros. Uma das principais características do alimento ligada ao controle de consumo é o teor e qualidade de FDN, o que determinará o potencial de ocupação de volume no rúmen por unidade de alimento consumido (VAN SOEST, 1994). Com o objetivo de avaliar os sistemas NRC (1981) e AFRC (1993) e utilizando dietas com teores de FDN da forragem crescentes (20; 27; 34; 41 e 48%) para cabras leiteiras, CARVALHO et al. (2002) constataram que apenas o nível com menor teor de FDN proporcionou consumo de MS próximo ao predito pelo NRC (1981), enquanto que para os demais, o consumo de MS predito foi maior em 7% que os observados. Já GONÇALVES et al. (2001), avaliando proporções de volumoso:concentrado crescentes, observaram que cabras que ingeriram rações com 100% volumoso consumiram (em percentuais de PV) aproximadamente 2,5 vezes mais que bovinos e atribuíram o fato à maior taxa de passagem observada em caprinos (SILANIKOVE et al., 1993). SILVA et al. (2005) avaliaram o consumo e a produção de leite de cabras recebendo dietas contendo farelo de cacau (FC) ou torta de dendê (TD) em substituição (0, 15 e 30%) ao milho e ao farelo de soja da ração concentrada. Os autores verificaram que o consumo de rações com 15 e 30% de TD não diferenciou da dieta padrão, entretanto, a inclusão de 30% de FC ocasionou um decréscimo no consumo e produção de leite decorrente da seleção do volumoso pelas cabras em detrimento ao concentrado. Essa seleção foi facilitada pelas diferenças físicas de densidade e tamanho, de modo que o concentrado acumulava-se no fundo do cocho. Outro fator seria que os teores de EE obtidos nas dietas com 30% farelo de cacau (5,31%) podem ter agido como elemento antinutricional, contribuindo para redução do consumo. Segundo os autores, essa influência negativa é atribuída à presença de ácidos graxos livres, à capacidade de formar sais insolúveis e à propriedade de formar barreira física sobre o alimento, dificultando a colonização microbiana. OLIVEIRA JR. (2000a) observou redução linear no consumo de MS com o aumento de EE (3,2; 4,4; 5,6 e 6,3%) na ração com proporções crescentes de soja em grão, em função da redução na digestibilidade da fibra. Também SOLAIMAN et al. (2002) evidenciaram redução no
10
consumo de MS de cabras alimentadas com níveis crescentes de extrato etéreo (4,5; 7,65; 8,45 e 13,1%) na dieta. Os fatores metabólicos, mediados pelo Sistema Nervoso Central, são determinados pela satisfação da ingestão de alimentos, através de substâncias que controlam o apetite. Baseiam-se no fato de que os nutrientes, ao serem metabolizados, fornecem produtos que atuam de acordo com as necessidades do mesmo, alcançando determinados valores que podem ou não satisfazer um valor determinado geneticamente pelas necessidades do animal (VAN SOEST, 1994). O nível de ingestão de matéria seca pelo caprino pode variar acentuadamente de acordo com o estágio fisiológico do animal ou do seu nível de produção. A ingestão de matéria seca em cabras em lactação varia de 3 a 6 % do peso vivo (NRC, 1981; GONÇALVES et al., 2001; SILVA et al., 2005), podendo chegar a até 8,0% (SAHLU & GOETSCH, 1998) do peso vivo em animais de alta produção. Ao longo do ciclo de produção, o nível de ingestão de matéria seca atinge o valor mínimo próximo ao parto e o valor máximo entre a 12a e 16a semana pós-parto, cerca de um mês após o pico de produção (SAHLU & GOETSCH, 1998). O consumo é um dos principais determinantes da produção de leite, uma vez que cabras com maior capacidade de consumo de matéria seca também apresentam maior potencial para a produção de leite. Desta forma, alguns comitês e pesquisadores concentraram esforços em gerar equações capazes de estimar o consumo de matéria seca necessário para cabras em lactação. O AFRC (1998) propôs que uma equação desenvolvida pela INRA (1988), baseada em dietas que continham silagem de milho, feno de alfafa e concentrado pudesse ser utilizada, a qual é descrita a seguir: IMS = (0,062 x PV0,75) + (0,305 x PL), Onde IMS é a ingestão de matéria seca em kg, PV é o peso vivo em kg e PL a produção de leite com 3,5% de gordura em kg/dia. Outra equação utilizada, também proposta pelo AFRC (1998), baseada em experimentos com cabras adultas no meio da lactação, consumindo dietas a base de gramíneas ou feno de alfafa, leva em consideração também as mudanças de peso vivo e a proporção de forragem da ração:
11
IMS = 0,42 x PL + 0,024 x PV0,75 + 0,4 X ΔPV + 0,7 x For Onde IMS é a ingestão de matéria seca em kg, PV é o peso vivo em kg, PL a produção de leite com 3,5% de gordura em kg/dia, ΔPV é a variação de peso vivo em kg/mês e For é a proporção de forragem na ração em decimal. Mais recentemente, um grupo de pesquisadores do E(Kika) de la Garza Institute for Goat Research, compilaram resultados de 221 médias de tratamentos e desenvolveram equações para estimar o consumo de matéria seca de cabras em lactação (LUO et al., 2004). IMS = 1,1853 + (0,0117 × PV) + (0,4343 × PLCG) − (0,0720 × CEM) + (1,3565 × GPV), Onde IMS é a ingestão de matéria seca em kg,, PV é o peso vivo em kg, PLCG é a produção de leite com 4% de gordura em kg,, CEM é a concentração de energia metabolizável da dieta em MJ/kg MS e GPV é o ganho de peso diário em kg/d Dessa maneira, a estratégia de alimentação de cabras em lactação deve levar em consideração tanto a qualidade da forragem utilizada como também a sua disponibilidade (quantidade e freqüência de fornecimento), procurando-se um equilíbrio entre sobra e oferta. Considerando as limitações técnicas e econômicas dentro de um sistema de produção e procurando atender de forma satisfatória as exigências de caprinos leiteiros, RIBEIRO (1997) apresentou as seguintes recomendações para os níveis de sobra em função do alimento: - de 15 a 20% da matéria seca distribuída para ração total, feno de boa qualidade e silagem de milho. - de 25 a 30% da matéria seca distribuída para feno de qualidade média. - de 40 a 50% da matéria seca distribuída para feno e forragens de qualidade inferior. Esta última recomendação deve ser vista com cautela, uma vez que 40 a 50% de sobras podem se elevar muito as perdas, tendo reflexo direto sobre uma diminuição na rentabilidade do sistema. Essas sobras podem ser aproveitadas para outras espécies menos seletivas, de alguma categoria menos exigente, como cabras de baixa produção ou cabras secas.
12
Considerações finais Uma adequada alimentação de cabras em lactação deve fundamentar-se no equilíbrio entre a quantidade de nutrientes que o animal precisa (suas exigências nutricionais) e a quantidade de nutrientes fornecidos pela ração. No que se refere às exigências nutricionais, deve-se ter em mente que esta é influenciada basicamente pela produção de leite, estágio de lactação e mudanças na composição corporal. O caprino caracteriza-se por uma extrema flexibilidade do comportamento alimentar, aceitando os mais diversos tipos de vegetais como forragem, trazendo vários benefícios como aumento da qualidade da dieta consumida em relação à fornecida e aumento na gama de forragens utilizada para nutrição deste animal. São animais extremante curiosos,
apresentando hábito de alimentação inquisidor, o que resulta em grande variação na dieta. O consumo é um dos principais determinantes da produção de leite, assim devese ter especial atenção aos fatores restritivos ao se elaborar uma ração para cabras em lactação.
Referências
13