Título original: The Dawn of Human Culture Culture (A Bold Theory on What Sparked the “Big Bang” of Human Consciousness) Consciousness) Tradução autorizada da primeira edição norte-americana publicada em 2002 por John Wiley & Sons, de Nova York, EUA Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Criação/formatação ePub: Relíquia Tradução: Ana Lúcia Vieira de Andrade Preparação de texto: Angela Ramalho Vianna e Maria Inês Duque Estrada Revisão: Henrique Tarnapolski e Antonio dos Prazeres Capa: Sérgio Campante ISBN: 978-85-378-0314-1 Copyright © 2002, Richard G. Klein e Blake Edgar Copyright © 2004, desta edição: Jorge Zahar Editor Ltda. rua Marquês de São Vicente 99 – 1º 22451-041 Rio de Janeiro, RJ tel (21) 2529-4750 / fax (21) 2529-4787
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Sumário Prefácio
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O despertar na caverna do crepúsculo Os macacos bípedes O mistério mais antigo do mundo Os primeiros humanos verdadeiros A humanidade se expande Os neandertais em situação vulnerável O corpo antes do comportamento Natureza ou evolução antes do despertar? APÊNDICE Localizando os sítios antigos no tempo Leituras recomendadas Fontes e créditos das ilustrações Índice remissivo
Prefácio
OS SERES HUMANOS SE INTERESSAM naturalmente pelas suas origens, e cada cultura concebeu suas próprias lendas para explicá-las. A maior parte está centrada na figura de um criador sobrenatural, e aceitá-las é inteiramente uma questão de fé. A ciência, no entanto, produziu um tipo diferente de narrativa, que pode ser testada e até mesmo rejeitada, com provas encontradas no próprio solo ou, cada vez mais, com evidências presentes no próprio genoma humano. As provas científicas da evolução humana vêm sendo acumuladas há mais de 150 anos, e só na última década muita coisa foi acrescentada aos estudos dessa parte de nossa história. Hoje a soma delas permite delinear um vasto esboço que provavelmente resistirá ao teste do tempo. Assim, podemos dizer com razoável convicção que: a) os seres humanos, definidos pelo hábito de caminhar como bípedes, evoluíram de um macaco africano há mais ou menos 6 milhões de anos; b) essas múltiplas espécies bípedes apareceram entre 6 milhões e 2,5 milhões de anos antes do presente; c) todos esses bípedes primitivos permaneceram, em termos de tamanho do cérebro e da forma corpórea superior, bastante semelhantes aos macacos; d) algumas espécies – talvez as primeiras cujo cérebro era maior que o de um macaco – inventaram a pedra lascada há 2,5 milhões de anos; e) os mais antigos utensílios de pedra foram usados para acrescentar a carne animal e o tutano a uma dieta essencialmente vegetariana; f) os seres humanos pré-históricos saíram pela primeira vez da África em direção à Eurásia, por volta de 2 milhões de anos antes do presente e começaram a se separar em diferentes tipos físicos e em continentes diversos há um milhão de anos; g) o tipo moderno de ser humano evoluiu exclusivamente na África; h) os africanos expandiram-se há mais ou menos 50 mil anos em direção à Eurásia, onde subjugaram ou substituíram os neandertais e outros eurasiáticos hoje extintos. Mostramos aqui como fósseis, artefatos e genes apóiam essas conclusões e, especialmente, como documentam a origem africana da humanidade moderna. A arqueologia relaciona a expansão dos seres humanos modernos à sua capacidade altamente desenvolvida de inventar utensílios, formas sociais e idéias – em resumo, à sua habilidade absolutamente moderna de produzir cultura. Sugerimos que essa capacidade tenha se originado de uma mudança genética que promoveu o cérebro humano moderno na África, por volta de 50 mil anos atrás. No entanto, a prova de uma mudança genética é circunstancial, e a nossa tese básica é que a expansão da humanidade moderna está ligada ao despertar da cultura tal como nós a conhecemos. Embora sujeito a discussões, esse “despertar” foi o evento mais significativo da pré-história que os arqueólogos já detectaram – e está mesmo entre os que ainda irão detectar. Antes disso, as mudanças anatômicas e comportamentais aconteceram de maneira lenta, de modo mais ou menos circunscrito. Após o “despertar’, no entanto, a forma humana permaneceu notavelmente estável, enquanto as mudanças comportamentais se aceleraram de maneira dramática. No espaço de menos de 40 mil anos, revoluções culturais se acumularam, passando a humanidade da situação de grande mamífero relativamente raro para algo semelhante a uma força geológica. Fósseis e artefatos fornecem provas consistentes da evolução humana, mas seriam de pouca valia se não pudessem ser ordenados no tempo. Os recentes avanços no nosso conhecimento sobre a evolução humana devem-se tanto aos métodos de datação quanto às novas descobertas fósseis e arqueológicas. Portanto, descrevemos aqui as principais metodologias utilizadas para determinar a que época pertencem
os materiais encontrados. Já que essas descrições estão dispersas, nós as resumimos num anexo que se refere a informações mais detalhadas sobre o assunto, encontradas nos capítulos anteriores. Peter N. Nevraumont concebeu este livro baseado nos escritos mais técnicos de Richard G. Klein sobre a evolução humana. Blake Edgar produziu uma versão inicial, que Klein reescreveu e transformou no presente texto. Jim Bischoff, Frank Brown, David deGusta, Jim O’Connell, Kathryn Cruz-Uribe, Don Grayson, Teresa Steele e Tim Weaver gentilmente leram e fizeram comentários sobre partes do texto. Devemos um agradecimento especial a Kathryn Cruz-Uribe, que editou cuidadosamente o manuscrito final, ampliando sua clareza e consistência, e produziu de maneira hábil muitas ilustrações maravilhosas para realçar as descrições textuais de fósseis e artefatos. Blake Edgar agradece as idéias, informações e o tempo gasto nas discussões e entrevistas sobre os assuntos deste livro a Stanley Ambrose, Susan Antón, Ofer Bar-Yosef, Alison Brooks, Michael Chazan, Steve Churchill, Margaret Conkey, Iain Davidson, Bruce Dickson, Nina Jablonski, Anthony Marks, April Nowell, John Shea, Fred Smith, Ian Tattersall, ick Toth, Alan Walker, Tim White, Bernard Wood e Tom Wynn. Finalmente, nosso profundo agradecimento aos inúmeros paleoantropólogos cujas informações e idéias fundamentam a nossa síntese. Citamos muitos desses cientistas no texto e na bibliografia, que lista nossas principais fontes publicadas. RICHARD G. KLEIN Stanford, Califórnia
1 O despert d espertar ar na caverna do crepúsculo
MUITO ACIMA DA MARGEM OESTE do lago Naivasha, uma piscina azul no solo crestado do vale da Grande Fenda, na África oriental, existe um pequeno abrigo de pedra talhado no Escarpamento Mau. Pastores massai que outrora ocuparam essa região no Quênia central chamavam o lugar de Enkapune Ya Muto, ou “Caverna do Crepúsculo”. Muitos lá procuraram abrigo. Os sedimentos da caverna trazem gravadas importantes transformações culturais ocorridas há alguns milhares de anos, entre as quais as primeiras experiên e xperiências cias com agricultu agricultura ra e domesticação domesticação de ovelhas e cabras. Porém traços de um evento evento anterior e muito mais significativo na pré-história humana estão enterrados a mais de três metros de profundidade profundidade na areia, are ia, no lodo e no barro ba rro de Enkapun Enkapunee Ya Ya Muto. Muto. Milhares de pedaços pe daços de obsidiana, obsi diana, um vidro vulcânico negro como azeviche, foram há muito tempo tempo talhados talhados na forma de facas do comprimento de um dedo, com gumes tão afiados quanto o de um bisturi, raspadores do tamanho de uma unha de polegar e outros outros objetos obj etos feitos no no local, loca l, num numa antiga antiga oficina. Mas o que mais mais impressionou impressionou o arqueólogo Stanley Ambrose foram cerca de 600 fragmentos de casca de ovo de avestruz, dos quais 13 talhados como contas em forma de discos, com cerca de seis milímetros de diâmetro ( Figura 1.1). 1.1). Há 40 mil anos uma pessoa, ou um grupo de pessoas, agachava-se perto da entrada de Enkapune Ya Muto para perfurar buracos em fragment fragmentos os ang anguulares de casca de ovo de avestruz e raspar ras par as extrem extremidades idades de cada pedaço até sobrar apenas um anel delicado. Muitos fragmentos se partiam ao meio com apenas metade da pressão da perfuradora perfuradora ou com a raspagem das extrem extremidades, idades, que vinha vinha a seguir. seguir. Os artífices descartavam cada pedaço quebrado e passavam para outro fragmento de casca. Por que os ocupantes de Enkapune Ya Muto dedicavam tantas horas a isso, em prejuízo de atividades mais essenciais como a coleta de alimentos? A pergunta tem cabimento, já que eles não eram os únicos a se dedicar a essa atividade aparentemente esotérica. Há mais de 30 mil anos os homens da pré-história que ocupavam os abrigos rochosos de Mumba e Kisese II, na Tanzânia, e as cavernas Border e Boomplaas, na África do Sul, também fabricaram contas de casca de ovo de avestruz cuidadosamente modeladas. Ambrose acredita que essas antigas contas desempenharam um papel fundamental na estratégia de sobrevivên sobrevivê ncia dos artesãos e suas fam família ílias. s. No deserto de Kalahari, em Botsu Botsuana, ana, os caçadores-coletores caçadore s-coletores de !Kung San praticam um sistema de troca de presentes conhecido como hxaro. hxaro. Alguns artigos, como alimentos, são prontamente compartilhados entre os !Kung, mas nunca trocados como presentes. Os presentes mais mais apropriados a propriados para todas as ocasiões ocas iões são s ão exatament exatamentee cordões cordõ es de contas contas de casca de ovo de avestruz. A palavra genérica para presente é um sinônimo da palavra !Kung para “objeto de contas costurado”. Embora os nômades !Kung carreguem o mínimo de bens pessoais, eles investem tempo e energia energia consideráveis considerávei s na confecção confecção de contas contas de casca ca sca de ovo. As contas servem como símbolos. Elas representam cooperação entre vizinhos ou grupos distantes de pessoas. Se uma uma seca ou algum alguma súbita súbita mudan udança ça climática climática e ambient ambiental al provocam escassez de alimentos, alimentos, um grupo pode mudar-se para o território de outro, onde encontra auxílio e sustento junto àqueles com quem estabeleceu laços hxaro. hxaro. Para os !Kung, as contas funcionam como um símbolo leve e portátil de obrigações mútuas – a certeza de um sistema de segurança social de longo período e longa distância. “De
certa forma, eles estão pagando o seu seguro de saúde”, diz Ambrose, professor da Universidade de Illinois em Urbana. “Estão pagando seguro uns aos outros.” Ningu Ninguém ém sabe ao certo se os artífices de Enk Enkapun apunee Ya Muto Muto ou de outro outro sítio ancestral ancestral africano pretendiam pretendiam transform transformar ar contas contas de casca de ovo em presentes presentes sociais. sociai s. Mas se essas contas contas tinh tinham um sentido simbólico semelhante ao das contas dos !Kung, então a “Caverna do Crepúsculo” pode ter registrado o despertar do comportamento humano moderno. A comunicação pelos símbolos fornece uma assinatura nada ambígua de nossa modernidade. Dentro do amplo espectro da evolução humana, o comportamento simbólico foi uma inovação recente. A partir do momento em que os símbolos apareceram no registro arqueológico – como desenhos geométricos enigmáticos, pequenas figuras humanas ou de animais esculpidas em marfim, contas e outros ornamentos –, percebemos que estamos lidando com gente como nós: gente com habilidades cognitivas avançadas, que podia não apenas inventar instrumentos e armas sofisticadas ou desenvolver complexas redes sociais para a segurança mútua, mas também maravilhar-se diante da complexidade da natureza e do seu próprio lugar nela, gente com autoconsciência.
Figura 1.1 As localizações de Enkapune Ya Muto e da foz do rio Klasies. Enkapune Ya Muto forneceu contas de casca de ovo de avestruz e pedaços de contas ou contas em estado de pré-formação datadas de até 40 mil anos atrás. A foz do rio Klasies mostra que entre 120 mil e 60 mil anos atrás os caçadores humanos preferiam o dócil cefo ao mais perigoso dos búfalos.
A remota antigüidade das contas do Enkapune Ya Muto é quase certa. Ambrose descobriu que as contas de cascas de ovo de avestruz e os fragmentos em processo de feitura (contas inacabadas) eram dez vezes mais numerosos por metro cúbico na parte mais profunda do depósito do que na parte mais alta. Esse fato poderia comprovar a importância que os habitantes primitivos davam à elaboração de contas, mas também reduz a probabilidade de que elas fossem simplesmente artefatos mais recentes que penetraram penetraram nos sedimentos sedimentos profundos profundos e antigos antigos com a passagem pa ssagem do tempo tempo e com a escavação esca vação produzida produzida pelos animais. animais. Ambrose Ambrose argum argumenta enta que o valor social atribuído às contas contas de casca de ovo pelos
habitantes do Kalahari também indica um sentido simbólico profundamente enraizado, mantido durante milênios, desde uma época em que um número muito maior de bandos ancestrais de caçadores-coletores se espalhou pelo sul e pelo leste da África. Se, como conjectura Ambrose, as contas de Enkapune Ya Muto ajudaram a assegurar a sobrevivência em tempos difíceis, elas podem ter encorajado os primeiros homens modernos a atingir ambientes mais arriscados – talvez além da própria África. “Com essa rede de segurança social, eles poderiam se sair melhor do que quem não possuía meios simbólicos para estabelecer laços futuros e permanentes de cooperação”, sugere. “Pode-se dizer que é como tecer linhas de vida entre as pessoas, e essas linhas de vida são os cordões de contas.” Os outros artefatos de Enkapune Ya Muto representam uma forma inicial da tecnologia da pedra associada apenas aos seres humanos totalmente modernos da África, antes de 50 mil anos atrás. Mais do que qualquer instrumento sofisticado de pedra, no entanto, as contas simples, laboriosamente modeladas a partir da casca do ovo de avestruz, indicam que os habitantes da África oriental naquela época tinham alcançado capacidades ca pacidades cogn cognitivas itivas superiores s uperiores às de qualquer população precedent pr ecedentee de hu hum manos, na na África ou em qualquer outro lugar. Assim, o nosso bem-sucedido processo de evolução e a rica sucessão de culturas dos tempos posteriores podem ter resultado não tanto de qualidades físicas ou de armas intimidadoras, e sim da capacidade intelectual para conceber, criar e comunicar-se por símbolos. Para entender por que os achados de sítios tais como Enkapune Ya Muto anunciam um corte significativo com relação a todo o comportamento humano anterior, devemos ir um pouco mais para trás, de volta ao nosso passado africano, viajando em direção à parte pa rte sul sul do continen continente. te.
A QUATRO MIL QUILÔMETROS a sudeste de Enkapune Ya Muto, o oceano Índico bate implacavelmente na costa meridional da África. No trecho em que as ondas encontram as falésias litorâneas, exploraram-se cavernas nas quais habitantes da Idade da Pedra podiam se abrigar. As mais famosas estão agrupadas cerca de 40km a oeste do Cabo de São Francisco e a 700km a leste de Cidade do Cabo, numa faixa costeira de um quilômetro, onde o pequeno rio Klasies se encontra com o mar (Figura (Figura 1.1). 1.1). As cavernas são conhecidas coletivamente como Sítio Arqueológico da Foz do rio Klasies. Os depósitos dessas cavernas continham fósseis dos primeiros homens modernos ou pré-modernos. Neles foram encontrados também instrumentos de pedra e restos de fogueiras, bem como carcaças de mamíferos, pássaros e moluscos que servia ser viam m como como alimen al imento. to. Os fósseis humanos encontrados nas cavernas são relativamente poucos – apenas 24 – e estão em fragmentos. Por outro lado, incluem partes-chave do esqueleto que revelam o quanto, em termos anatômicos, essas pessoas eram modernas. Uma mandíbula inferior quase completa, por exemplo, mostra que seu possuidor tinha um rosto essencialmente moderno, curto, largo e achatado, bastante diferente dos rostos compridos, estreitos e projetados para a frente dos neandertais que ocuparam a Europa nessa mesma época, há aproximadamente 100 mil anos. E um fragmento de osso da parte superior de uma órbita ocular não possui o sulco da sobrancelha que marca os crânios dos membros primitivos do gênero humano. (Esse pedaço de osso também exibe cortes feitos por instrumentos de pedra, o que sugere que o crânio foi descarnado, talvez para servir como alimento. Outros fragmentos humanos foram cortados, golpeados e queimados, insinuando que se trataram partes humanas algumas vezes como as dos antílopes e focas. Isso sugere aos cientistas que, como alguns povos ancestrais, os Klasies praticavam ocasionalmente o canibalismo.) Embora os fósseis dos Klasies variem consideravelmente em tamanho, na sua forma básica são indiscutivelmente modernos. Eles foram provavelmente os ancestrais dos africanos – ou de quaisquer outros povos – da era histórica, e seus ossos datam de até 120 mil anos atrás. Com breves interrupções,
viveram na foz do rio Klasies de 120 mil anos a cerca de 60 mil anos atrás, quando o início de um período de extrema aridez forçou os povos a abandonar a região por milhares de anos. Escavadas primeiramente por Ronald Singer e John Wymer, da Universidade de Chicago, e mais recentemente por Hilary Deacon, da Universidade de Stellenbosch, as cavernas klasies preservam abundantes vestígios das cozinhas de seus ocupantes. Tais vestígios incluem conchas dos mexilhões, lapas e outros moluscos que ainda podem ser colhidos nas áreas próximas, em época de maré baixa, e situam os povos klasies entre os gourmets mais antigos de moluscos. As cavernas são igualmente ricas em fragmentos de ossos de animais e instrumentos de pedra que foram muitas vezes lascados com seixos apanhados nas praias. Conchas e ossos queimados provavelmente indicam que as pessoas envolvidas com a preparação dos alimentos e suas fogueiras eram comuns, e que certamente se podia produzir fogo quando fosse necessário. Deacon sugere que cada fogueira marca a área doméstica de uma família individual e que esses povos, portanto, assemelham-se aos caçadores-coletores modernos na sua estrutura de família nuclear. No entanto, em nenhuma das cavernas klasies havia contas de casca de ovo de avestruz como as de Enkapune Ya Muto ou forneceu algum outro objeto indiscutivelmente simbólico. Os ossos de animais exibem numerosas marcas de corte e foram quase sempre quebrados para a extração de tutano. Isso quer dizer que os povos klasies consumiam uma ampla gama de caça, dos pequenos antílopes do tamanho de galgos, como o Raphicerus melanotis do Cabo, a animais mais imponentes, como o búfalo e o cefo, bem como focas e pingüins. O número e localização dos cortes produzidos por instrumentos de pedra e a pequena quantidade de marcas de dentes de carnívoros indicam que esses habitantes não se restringiam a aproveitar os restos deixados por leões e hienas, mas tinham com freqüência o primeiro acesso a carcaças intactas de grandes mamíferos, como búfalos e cefos. Por outro lado, os ossos também mostram que essas pessoas tendiam a evitar confrontos com o mais comum – e mais perigoso – dos búfalos para perseguir o mais dócil e menos comum dos antílopes, o cefo. Tanto o búfalo quanto o cefo são animais de grande porte, mas o primeiro resiste a predadores potenciais, enquanto o segundo entra em pânico e foge ao sinal de perigo. Os povos klasies caçavam o búfalo, e a extremidade partida de uma ponta de pedra aguçada aparece enterrada na vértebra do pescoço de um extinto búfalo-gigante de chifres longos. No entanto, esses povos se preocupavam em caçar os menos ameaçadores da manada, ou seja, os animais mais jovens ou os mais velhos. As pontas de pedra encontradas no Klasies poderiam ter sido usadas para montar lanças, mas nada indica que essas pessoas possuíssem projéteis capazes de serem arremessados a distância; portanto, eles podem ter limitado seu risco pessoal concentrando-se nas manadas de cefos, que podiam ser perseguidas até a exaustão ou orientadas para armadilhas. Os numerosos ossos de cefo encontrados nas camadas de Klasies representam grosso modo a mesma proporção de animais adultos em pleno vigor que ocorreriam numa manada viva. Isso sugere que esses animais não foram vítimas de acidentes ou doenças endêmicas que tendessem a eliminar seletivamente os muito novos e os mais velhos; em vez disso, parece que sofreram uma catástrofe atingindo igualmente indivíduos de todas as idades. Os depósitos não preservaram qualquer indício de grande inundação, erupção vulcânica ou epidemia. Do ponto de vista do cefo, a catástrofe foi provavelmente a habilidade humana de direcionar manadas inteiras rumo a penhascos próximos. Em contraste com a foz do rio Klasies, outros sítios arqueológicos próximos e muito mais novos, como a caverna Nelson Bay, contêm muito mais ossos de presas perigosas, como o búfalo e os porcos selvagens, sendo que os ossos de cefo aparecem em número menor. A razão para isso provavelmente se relaciona ao fato de que na mesma época, há aproximadamente 20 mil anos, as pessoas tinham desenvolvido armas de arremesso como o arco e a flecha, que lhes permitiram atacar presas perigosas a distância e dessa forma limitar o risco pessoal. A vantagem era considerável, porque o ambiente ancestral provavelmente se assemelhava de maneira geral ao da era histórica, quando existiam ao redor
daquela região muito mais búfalos e porcos do que cefos. Os povos klasies não só evitavam a caça mais perigosa como também não sabiam tirar vantagem de outros recursos amplamente disponíveis. A idade das focas nos depósitos mostra que esses povos permaneciam na costa quase o ano inteiro, mesmo na época em que os recursos eram provavelmente mais abundantes no interior. Por outro lado, povos muito mais recentes, como os da caverna Nelson Bay, faziam suas visitas ao litoral no intervalo entre o final do inverno e o início do outono seguinte, quando podiam literalmente colher focas de nove a onze meses na praia, e voltavam para o interior quando os recursos se tornavam mais abundantes ali. A habilidade desses povos mais tardios em manter uma estratégia de temporadas eficiente provavelmente dependia em parte do uso da casca de ovo de avestruz como cantil. Fragmentos desses cantis, com aberturas cuidadosamente feitas para permitir a saída da água e a entrada do ar, foram encontrados em seus sítios, mas não na foz do rio Klasies ou em outros sítios com mais de 50 mil anos de antigüidade. A incapacidade dos povos klasies de transportar água pode têlos forçado a permanecer perto do rio o ano todo. Os peixes sempre foram comuns nas águas costeiras, perto da embocadura do rio Klasie, e corvos marinhos, que se empoleiravam e buscavam abrigo nas cavernas quando as pessoas estavam ausentes, às vezes carregavam peixes pequenos. No entanto, nas camadas em que artefatos e fogueiras indicam uma ocupação humana intensa, os ossos de peixes estão quase ausentes. Também são raros ou inexistem em outros sítios comparavelmente antigos na costa sul-africana, mesmo naqueles que ficam a uma distância mínima do mar. Em sítios arqueológicos muito mais recentes, como o da caverna Nelson Bay, os ossos de peixe predominam com freqüência entre os resíduos alimentares, e essa diferença provavelmente reflete uma diversidade em tecnologia. Só os sítios mais recentes contêm equipamentos quase com certeza destinados à pesca, como pedras entalhadas para serem usadas como pesos nas redes, ou linhas e lascas de osso cuidadosamente moldadas no tamanho de palitos, que podem ter sido usadas como isca e amarradas às linhas como ganchos. Em resumo, apenas os povos mais recentes indiscutivelmente possuíam a tecnologia da pesca. O primitivo povo klasies também ignorava grande parte dos pássaros, com exceção dos pingüins, que não voavam e podiam ser apanhados ou ter seus restos aproveitados na praia. Gaivotas, cormorões e outros pássaros de vôo eram certamente comuns nas proximidades, mas seus ossos são escassos em sítios humanos até épocas mais ou menos recentes. Quando afinal aparecem em grande número, são acompanhados por hastes de osso, que provavelmente constituíam partes de cabos de flechas, e por pequenas partículas de pedra (micrólitos), como aquelas que os povos históricos colocavam nas pontas das flechas. Caçadores do período histórico demonstraram com muita freqüência a utilidade do arco-eflecha para caçar aves. Em suma, as provas fornecidas pela arqueologia e pela fauna é que os caçadorescoletores da África do Sul que viveram há mais de 50 mil anos foram caçadores-coletores muito menos eficientes do que aqueles que os sucederam. A arqueologia demonstra que a caça e a agricultura mais eficientes e totalmente modernas só apareceram antes de 50 mil anos, entre os tipos de povos que faziam as contas de casca de ovo de avestruz em Enkapune Ya Muto.
ESSES DOIS SÍTIOS DE Enkapune Ya Muto e da embocadura do rio Klasies, separados por quatro mil quilômetros no espaço e por até 70 mil anos no tempo, ilustram um enigma crítico para o entendimento de como, quando e onde os seres humanos modernos se desenvolveram. Os fósseis humanos da foz do rio Klasies e outros sítios africanos, bem como de regiões de Israel adjacentes à África, mostram que as pessoas anatomicamente semelhantes a nós apareceram neste continente há 100 mil anos. Apesar de sua aparência moderna, no entanto, elas deixaram artefatos e restos de animais que mostram que seu comportamento não seguiu o mesmo ritmo de progresso percebido em relação ao aspecto físico. Apenas
de 50 mil anos para cá a evolução comportamental tomou impulso, e só após esse período as pessoas tornaram-se modernas, tanto em termos anatômicos quanto comportamentais. Até 50 mil anos atrás, a anatomia e o comportamento humanos parecem ter-se desenvolvido de maneira relativamente lenta, mais ou menos harmoniosa. Após o período de 50 mil anos, a evolução anatômica cessou, enquanto a revolução comportamental se acelerou de forma acentuada. Pela primeira vez havia desabrochado entre os seres humanos a capacidade para a produção de cultura, baseada numa quase infinita aptidão para inovar. Eles acabavam de desenvolver a capacidade sem precedentes de se adaptar ao ambiente, não pela anatomia ou fisiologia, mas pela cultura. A evolução cultural começou a seguir sua própria trajetória, tomando o caminho mais rápido. Apesar de nossos corpos terem mudado pouco nos últimos 50 mil anos, a cultura evoluiu num ritmo espantoso e continuamente acelerado. Nossos objetivos com este livro são delinear os indícios que mostram a evolução anatômica e comportamental humana anterior a 50 mil anos atrás e explorar as circunstâncias que envolveram a revolução na conduta dos homens que a partir daí ocorreu. Uma questão óbvia com a qual devemos nos defrontar a princípio é: o que propiciou essa revolução? Infelizmente não há uma resposta conclusiva. Para tentar respondê-la deveríamos lançar um olhar sobre outras mudanças biológicas e comportamentais importantes ocorridas ao longo do caminho sinuoso da evolução, desde o nosso mais remoto ancestral com aparência de macaco ao curioso e criativo leitor deste livro. A evolução humana percorreu um caminho de desvios e viradas e encontrou impasses ocasionais. A parte mais antiga da nossa história ainda permanece bastante obscura. Dizemos que foi quando criaturas com aparência de macacos se acostumaram a caminhar sobre as duas pernas. A partir dessa inovação essencial, a evolução humana pode ser vista como uma série de pelo menos três ou talvez quatro eventos repentinos e profundos espaçados ao longo de grandes períodos de tempo em que pouca coisa ocorreu. Dos dias de Darwin em diante, a maior parte dos cientistas tem interpretado a evolução como um processo gradual e cumulativo, um desdobramento lento e imponente de história da vida. Em 1972, no entanto, os biólogos evolucionistas Niles Eldredge, do Museu Americano de História Natural, e Stephen Jay Gould, agora na Universidade Harvard, desafiaram essa perspectiva. Eles propuseram que lacunas visíveis, e há muito reconhecidas nos registros fósseis das vidas passadas, na verdade forneciam informação vital sobre a marcha e o ritmo da evolução. Como estes cientistas escreveram num artigo de 1972, “muitas lacunas nos registros fósseis são verdadeiras; elas expressam o modo pelo qual a evolução ocorre, e não são os fragmentos de um registro imperfeito”. Eldredge e Gould chamaram sua hipótese de equilíbrio intermitente. A idéia-chave dessa hipótese é que as inovações evolutivas apareceram de maneira repentina e com pouca freqüência. É nesses pontos de mudança abrupta, muitas vezes marcados por modificações climáticas ou do ambiente, que novas espécies tendem a surgir. Grandes transformações climáticas não só criam novas oportunidades ecológicas, elas também extinguem espécies existentes, desobstruindo o campo ecológico para novas espécies. Observado a partir do presente, o registro fóssil parece mostrar uma súbita inflexão após um período de constância: o surgimento de uma nova espécie, surpreendida num lampejo do tempo geológico, interrompe um longo período de equilíbrio evolutivo que, exceto por essa ocorrência, teria permanecido inalterado. Em outras palavras, a estabilidade é a norma, enquanto o processo de formação de novas espécies é a exceção mais rara, porém essencial. A evolução, na visão de Eldredge e Gould, parece uma volta de montanha-russa: ascensões lentas e constantes são interrompidas por curvas e mergulhos de quebrar o pescoço. Do mesmo modo que as subidas ocupam a maior parte da rápida volta pela montanha-russa, a mudança gradual abarca o período mais longo do tempo evolutivo. Contudo, é nas interrupções que se concentra toda a ação e emoção. As novas espécies apareceram, e é provável que com muita freqüência, em populações pequenas e isoladas, nas quais as mudanças genéticas (mutações) têm grande probabilidade de ocorrer e se tornar
dominantes. Em populações grandes ou pequenas que estão em contato regular com outras, as mudanças genéticas, mesmo as mais vantajosas, têm maior probabilidade de ser absorvidas e desaparecer unicamente por acaso. Cada um dos três ou quatro eventos repentinos que apresentamos levou a um despertar da cultura humana moderna, ocorrido quando as populações humanas eram pequenas e geograficamente limitadas para os padrões contemporâneos. Cada um deles ocorreu aparentemente na África e, segundo evidências atuais, parece revelar a coincidência de transformações biológicas e comportamentais de grande porte. O primeiro evento aconteceu por volta de 2,5 milhões de anos atrás, quando os instrumentos de pedra lascada fizeram sua primeira aparição. Tais instrumentos revelam a mais antiga e resistente prova da cultura humana, e sua emergência quase com certeza coincidiu com a evolução das primeiras pessoas cujos cérebros eram maiores, em termos significativos, que os do macaco. O segundo evento teve lugar por volta de 1,7 milhão de anos atrás. As pessoas daquela época foram as primeiras cujos corpos tinham proporções humanas em comparação com os dos macacos e inventaram os artefatos de pedra mais sofisticados que os arqueólogos chamam de machados de mão. Podem também ter sido as primeiras a aventurar-se fora da África. O terceiro evento, documentado de maneira menos positiva, ocorreu por volta de 600 mil anos atrás. Naquele momento houve um rápido avanço quanto ao tamanho do cérebro. Também aconteceram mudanças significativas na qualidade dos machados de mão e outros instrumentos de pedra. O quarto e mais recente evento ocorreu há cerca de 50 mil anos e é – especula-se – o mais importante de todos, pois produziu a habilidade moderna de inventar e manipular a cultura. No seu despertar, a humanidade foi transformada de mamífero de grande porte, relativamente raro e insignificante, em algo semelhante a uma força geológica. A arqueologia demonstra o caráter radical e as conseqüências do último evento, mas nada diz sobre o que o teria provocado, e é aqui que nos defrontamos com um enigma. Especula-se que sua causa mais plausível foi uma mutação genética que permitiu o aparecimento do cérebro totalmente moderno. Essa mutação pode ter-se originado numa pequena população do leste da África, e a vantagem evolutiva que ela conferiu teria propiciado o crescimento e expansão dessa população. Ela permitiu que aqueles que a possuíam extraíssem muito mais energia da natureza, investindo-a na sociedade. Também fez com que as populações humanas colonizassem ambientes novos e desafiadores. Provavelmente o aspecto mais decisivo da mudança neural foi o fato de que ela possibilitou com certa rapidez o surgimento da linguagem fonêmica falada – que é inseparável da cultura – tal como a conhecemos hoje. Essa habilidade não apenas facilita a comunicação, mas também, e de maneira igualmente importante, permite que as pessoas concebam e modelem circunstâncias naturais e sociais complexas inteiramente dentro de suas mentes. Pode-se objetar que uma explicação neurológica para a explosão de cultura após o marco de 50 mil anos é um determinismo biológico simplista, uma história sem compromissos ou uma explicação do tipo deus ex machina para um paradoxo paleontológico. A idéia, é verdade, não atende a um importante critério para avaliação da validade de uma hipótese científica: ela não pode ser testada ou refutada pela experimentação ou pelo exame de fósseis humanos relevantes. Os cérebros humanos chegaram ao tamanho atual centenas de milhares de anos antes, mas os crânios pouco revelam sobre o funcionamento dos cérebros que eles continham. Não há nada nos crânios datados de um período anterior em torno de 50 mil anos atrás que mostre a ocorrência de uma mudança neurológica significativa. A hipótese neurológica, no entanto, corresponde a um critério científico importante: constitui a explicação mais simples e econômica para a evidência arqueológica disponível. E é nessa evidência, mesmo incompleta e imperfeita, que devemos confiar para reconstruir o nosso passado evolutivo. Outras explicações para a origem do comportamento humano moderno lançam a hipótese de que algum evento social ou demográfico radical desencadeou uma revolução comportamental há aproximadamente 50 mil anos. Essas interpretações, no entanto, são no mínimo tão redundantes quanto a hipótese neurológica, já que a evidência de mudança demográfica ou social é simplesmente a própria
revolução comportamental que elas tentam explicar. E também não oferecem qualquer justificativa para que a mudança social ou demográfica significativa não tivesse ocorrido dezenas de milhares de anos antes. Por outro lado, ao indicar uma mutação genética como causa, respondemos aos “porquês” da pergunta. As mutações surgem todo o tempo em indivíduos e populações. Algumas são prejudiciais e até mesmo letais; muitas delas são neutras, não chegando a tornar-se um benefício ou um ônus. Contudo, algumas dão aos seus possuidores uma vantagem que, embora pequena, lhes garante superioridade no ogo da evolução. Se essa vantagem ajuda na habilidade para obter ou processar comida, para encontrar um parceiro e para criar filhos até a idade de reprodução, é provável que ela se dissemine dentro de uma população. Quanto maior a vantagem que a mutação confere, tanto mais rápido ela se disseminará, e ninguém poderia questionar a vantagem de uma mutação que promoveu o cérebro moderno. O aumento da capacidade cognitiva e comunicativa teria permitido as jornadas externas e internas de descobrimento da humanidade que até hoje prosseguem. As provas fósseis, arqueológicas, genéticas e lingüísticas apontam para a África como o lugar em que teria ocorrido o grande avanço comportamental de há 50 mil anos. Com base no que sabemos até o momento, apenas a África oriental abrigou populações substanciais de humanos no intervalo em torno do período de 50 mil anos. Em outros lugares do mesmo continente, a aridez severa parece ter reduzido drasticamente as populações humanas de 60 mil anos atrás, ou mesmo antes disso, que reapareceram há cerca de 30 mil anos ou menos. Assim, só os sítios da África oriental como Enkapune Ya Muto podem registrar o despertar da cultura humana. O dado mais certo, entretanto, é que o despertar não ocorreu na Europa. Embora a nossa idéia sobre o começo do simbolismo primitivo esteja ligada inevitavelmente aos exemplos resplandecentes encontrados na Europa, como os rinocerontes desenhados a carvão, os ursos nas paredes da gruta Chauvet, ou os touros multicoloridos e os cavalos de Lascaux, todos eles são posteriores à emergência do comportamento moderno e à chegada à Europa de humanos que já se haviam desenvolvido culturalmente. Se as mutações cruciais tivessem ocorrido antes na Europa, a prova mais antiga do comportamento moderno estaria lá, e os estudantes da evolução humana hoje seriam os descendentes dos neandertais, maravilhando-se diante dos povos peculiares que outrora viveram na África e que desapareceram de forma abrupta. A cultura fornece um modo vantajoso e inigualável de adaptação às mudanças ambientais. As inovações culturais podem ser acumuladas muito mais rapidamente do que as mutações genéticas, e as boas idéias podem espalhar-se tanto horizontalmente, pelos povos, quanto verticalmente, pelas gerações. Essa estratégia de adaptação cultural, mais do que qualquer outra coisa, capacitou nossa espécie a transformar-se, de um mamífero africano de grande porte relativamente insignificante, na forma de vida dominante na Terra. Nós desenvolvemos uma habilidade inédita de adaptação a uma ampla variedade de ambientes. Infelizmente, às vezes, tal habilidade é usada para modificar o meio. Por terem adquirido essa vantagem cultural que serviu como ponto de partida para o desenvolvimento futuro, os primeiros seres humanos totalmente modernos foram capazes de se dispersar da África em direção ao norte, pelos Bálcãs, para a Europa; e em direção ao leste, pela Ásia, para a China e mais adiante. Quando os humanos não puderam obter mais recursos para produzir e alimentar um número crescente de pessoas, os membros das populações começaram sua longa e íngreme escalada rumo aos níveis que nós hoje desfrutamos. Os humanos colonizaram ambientes novos e cada vez mais desafiadores, começando a desenvolver as formas de organização social complexa que hoje são tanto bênção quanto maldição. E o resto, como se diz, é história.
2 Os macacos bípedes
A EVOLUÇÃO HUM ANA AINDA se encontra em processo, e não sabemos se ou como ela terminará. O início da história é mais fácil de ser construído, mas também não está inteiramente nítido. Conhecemos o cenário – algum lugar na África equatorial – e o intervalo de tempo – algo entre sete e cinco milhões de anos atrás. Foi aí que a linha evolutiva que levava aos seres humanos se separou da que levava aos chimpanzés, nosso parente vivo mais próximo. Os mais antigos representantes da linha humana ainda se pareciam e agiam muito como os macacos, e um eventual observador poderia tê-los confundido com um tipo de chimpanzé. No entanto, havia uma diferença essencial: no chão, preferiam caminhar de pé, sobre as duas pernas. Tecnicamente eles são conhecidos hoje como australopitecos, mas na aparência e no comportamento podiam se chamar macacos bípedes. São importantes para o despertar da cultura humana, porque demonstram as modestas raízes da humanidade e nos mostram o quanto mudamos num período incrivelmente curto de tempo. Se compararmos esse período à duração de uma vida humana, os cinco ou sete milhões de anos de história podem parecer incrivelmente longos, mas são muito breves se comparados aos três a cinco bilhões de anos de história da vida na Terra, ou até mesmo aos 25 milhões de anos de história dos macacos.
A DESCOBERTA DOS MACACOS bípedes foi importante não apenas para a antropologia, mas para todas as ciências. O ano foi 1924, o lugar foi a África do Sul, e o descobridor foi um jovem professor de anatomia da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo. Seu nome era Raymond Dart, um inglês que havia chegado recentemente à universidade para ensinar anatomia aos estudantes de medicina. Como tinha um interesse profundo e permanente pela evolução, encorajava seus alunos a trazerem fósseis para um museu do departamento em que trabalhava. Em 1924, um estudante mostrou-lhe um fóssil de crânio de babuíno de uma caverna descoberta numa pedreira de cal em Taung, mais ou menos 320km a sudoeste de Joanesburgo (Figura 2.1). Dart obteve posteriormente dois caixotes de sedimentos contendo fósseis da mesma caverna ou de outra próxima. O sedimento era uma mistura de areia e osso, aglutinada por uma cola viscosa dentro de um tipo de rocha conhecido como breccia. Quando abriu os caixotes, viu blocos de breccia que continham numerosos fósseis de babuíno. Mas, para seu assombro e deleite, um bloco também continha uma moldagem natural da parte interna do crânio de um primata mais avançado. A moldagem era constituída de cal presente na água que outrora enchera o crânio. A cal havia formado uma réplica do interior do crânio, e a réplica combinava com uma depressão existente num segundo bloco de breccia. Quando Dart examinou o interior da depressão, pôde ver restos de ossos. Trabalhando com um martelo, uma talhadeira e agulhas de tricô afiadas, Dart partiu para liberar o osso de sua prisão de breccia. Após algumas semanas expôs o rosto e as partes adjacentes do crânio de uma criatura jovem, com aparência de macaco (Figura 2.2). Seus primeiros molares estavam apenas rompendo quando ela morreu, e a melhor avaliação corrente sobre o assunto é que a criatura sequer chegou a alcançar o quarto ano de vida. O indivíduo era portanto uma criança, mas Dart calculou que, se tivesse alcançado a idade adulta, seu cérebro teria se tornado só ligeiramente maior que o de um
chimpanzé e seria o equivalente a um terço do tamanho do cérebro do ser humano atual. Ao mesmo tempo viu que os caninos de leite eram bem menores que os do chimpanzé e – o que era ainda mais surpreendente – constatou que o forame magno, ou o “grande orifício” na base do crânio, estava na posição humana. O forame magno permite a passagem de conexões entre a coluna cervical e o cérebro; nos seres humanos, tem uma posição mais dianteira e virada para baixo do que nos macacos. Isso ocorre porque, na postura normal, só os humanos equilibram a cabeça exatamente no alto da coluna cervical. Em 7 de fevereiro de 1925, Dart descreveu o crânio da criança no prestigiado periódico Nature, designandoo como pertencente a uma espécie previamente desconhecida, “intermediária entre os antropóides vivos (macacos) e o homem”. Ele chamou a nova espécie de Australopithecus africanus, ou “macaco africano do sul”, mas considerou-a um ancestral da raça humana. Muito mais tarde outros cunharam o nome australopitecino para africanus e espécies relacionadas. A idéia era separá-los formalmente de espécies humanas mais avançadas, porém a divisão tornou-se difusa com o tempo. Dessa forma, preferimos o termo mais curto e menos formal de australopiteco.
Figura 2.1 Localizações dos sítios de australopitecos mencionados no texto.
Figura 2.2 O crânio da criança de Taung, África do Sul.
Os críticos acharam que Dart havia sido muito precipitado, e alguns sugeriram que a criança poderia ter-se tornado mais parecida com os macacos se tivesse alcançado a maturidade. Alguns também criticaram-no por inferir a bipedestação a partir do crânio, e não dos ossos da perna ou do pé, cujas formas são a melhor indicação de como uma criatura andava ou corria. Outra objeção originou-se do “embuste de Piltdown” – um crânio e uma mandíbula inferior deliberadamente alterados para que parecessem antigos, e que foram colocados junto a fósseis genuínos de animais antigos em Piltdown, Inglaterra, em 1911-12. O logro só foi exposto em 1953, porém, em 1925, o achado de Piltdown indicava que os humanos tinham desenvolvido seu grande cérebro muito cedo, enquanto o Australopithecus africanus sugeria que o cérebro viera mais tarde, após a ocorrência da bipedestação. Além do mais, alguns cientistas desprezaram o africanus, porque pensavam, de acordo com os fósseis encontrados em Java em 1891-92, que a Ásia, e não a África, fosse o berço da humanidade. Os fósseis de Java eram genuínos, mas hoje sabemos que são geologicamente muito posteriores ao africanus e, portanto, representantes de uma espécie mais avançada, a do Homo erectus. Finalmente houve o problema de que Dart não pôde avaliar a idade geológica do crânio Taung. Sua antigüidade permanece incerta até hoje, mas datações bem estabelecidas para os fósseis australopitecos em outros lugares indicam que o sítio Taung foi formado há pelo menos dois milhões de anos. A controvérsia sobre o crânio Taung continuou por mais de uma década, e Dart foi defendido apenas pelo empenho de seu colega e partidário, Robert Broom. Este era um médico nascido na Escócia e uma autoridade em fósseis de répteis; se estabelecera em Pretória, mais ou menos 90km ao norte de Joanesburgo. Foi um dos primeiros cientistas a examinar o fóssil Taung, aceitando rapidamente o diagnóstico de Dart. E – o que foi decisivo – começou a procurar outros fósseis. Seu esforço foi recompensado em 1936 com a descoberta do crânio parcial de um adulto numa caverna de breccia na fazenda Sterkfontein, próxima à cidade de Krugersdorp, mais ou menos 25km a noroeste de Joanesburgo. Posteriormente recuperou a extremidade da articulação de um osso da coxa (o fêmur) com o joelho, também em Sterkfontein, assim como um segundo crânio adulto e um osso de calcanhar (talus ou astrágalo) na caverna de breccia na vizinha fazenda de Kromdraai. Em 1939 tinha crânios mostrando que os australopitecos adultos eram tão parecidos com os macacos quanto a criança Taung e possuía ossos de pernas que demonstravam que eles eram bípedes. Assim, ficou estabelecido o lugar dos australopitecos na evolução humana.
O TRABALHO DE BROOM abriu caminho para muitos outros achados de australopitecos na África do Sul, e o total de exemplares hoje ultrapassa os 32 crânios completos ou parciais; grosso modo, cem mandíbulas ou mandíbulas parciais; centenas de dentes isolados e mais de 30 ossos de membros, espinha e pelve. Os fósseis foram encontrados em Taung, Sterkfontein e Kromdraai, e também em antigas cavernas de Swartkrans, Gladysvale e Drimolen, todas elas agrupadas perto de Krugersdorp, e na caverna de Makapansgat Limeworks, aproximadamente 300km ao norte (Figura 2.1). Sem dúvida alguma há mais cavernas a serem descobertas, e o número de exemplares continuará a crescer. Os fósseis de Taung, Sterkfontein, Gladysvale e Makapansgat representam o Australopithecus africanus, mas os de Kromdraai, Swartkrans e Drimolen pertencem a uma segunda espécie que alguns especialistas chamam de Australopithecus robustus, e outros de Paranthropus robustus. Broom sugeriu o nome de Paranthropus para os fósseis de Kromdraai, para significar “paralelo ao homem”; aqueles que utilizam esse termo vêem uma diferença maior entre o africanus e o robustus do que os que não o utilizam. As cavernas da África do Sul não contêm qualquer substância que possa ser datada com segurança, e sua antigüidade geológica deve ser julgada em relação às espécies animais também existentes em sítios arqueológicos já datados na África oriental. A aplicação desse método fauniano de datação mostra que o africanus viveu na África do Sul há cerca de três milhões de anos, sobrevivendo até mais ou menos 2,5 milhões de anos atrás (Figura 2.3). É possível que ele tenha persistido até o período de dois milhões de anos atrás, já que nenhuma caverna sul-africana registra de forma inequívoca o intervalo entre 2,5 e 2 milhões de anos. Com base no método fauniano de localização temporal, o robustus se fez presente no período compreendido entre dois milhões e um pouco antes de um milhão de anos atrás. Em muitos aspectos fundamentais, o africanus e o robustus eram muito semelhantes, e ambos ilustram a natureza básica dos australopitecos ou macacos bípedes. De acordo com os critérios modernos, os indivíduos de ambas as espécies tinham o corpo muito pequeno. O mais alto provavelmente não chegava a 1,5 metro, e o mais pesado não ultrapassava os 50 quilos. As fêmeas tendiam a ser especialmente pequenas, e a diferença de estatura entre os sexos, conhecida como dimorfismo sexual, excedia a que existe hoje entre os seres humanos. Era tão grande ou ainda maior que nos chimpanzés, o que sugere que o africanus e o robustus tinham uma organização social semelhante à dos chimpanzés, na qual os machos competiam vigorosamente pelas fêmeas sexualmente receptivas. Se isso estiver certo, esses indivíduos, como os chimpanzés, provavelmente também tinham um sistema social no qual os machos e as fêmeas viviam boa parte da existência em separado, não havendo cooperação na divisão dos alimentos ou na criação dos mais jovens. Entre outras características semelhantes às dos macacos que o africanus e o robustus compartilhavam, a mais visível era o tamanho reduzido do cérebro. Em ambas as espécies, o volume do cérebro de um adulto era, em média, menor do que 500cm3. Isso equivale, por alto, aos 400cm3 do cérebro dos chimpanzés – muito menos que os 1.400cm3 dos seres humanos atuais. Mesmo se considerarmos as médias de tamanho do cérebro ajustadas à pequena dimensão dos corpos, seu volume correspondia a menos da metade do nosso. Ambas as espécies também possuíam a parte superior do corpo semelhante à dos macacos, com braços longos e fortes que certamente lhes davam agilidade para subir nas árvores. Eles se diferenciavam dos macacos principalmente pela parte inferior do corpo, adaptada à locomoção bípede sobre o chão, e pelos dentes.
Figura 2.3 Acima, as distâncias temporais entre as espécies humanas mais comumente reconhecidas que existiram antes de um milhão de anos atrás. Abaixo, as distâncias temporais de alguns traços anatômicos e comportamentais-chave. As linhas partidas implicam uma datação menos segura ou mais especulativa.
As diferenças dentárias são importantes por duas razões. Primeiro, dentes e mandíbulas, muito duráveis, são muito mais numerosos do que outros ossos fósseis. Eles nos indicam a existência de australopitecos mesmo em sítios onde os ossos de membros não foram preservados. Segundo, os dentes são uma janela para a compreensão do tipo de dieta alimentar e outros aspectos do comportamento. Os chimpanzés e os gorilas, por exemplo, concentram-se na ingestão de alimentos leves, como frutas maduras e folhas frescas, que não exigem mastigação pesada. Os dentes molares são portanto relativamente pequenos e envolvidos em esmalte fino, que não seria desgastado por alimentos leves. Na mastigação, esses animais não precisam mover as mandíbulas de um lado a outro com a boca quase fechada, e portanto podem ter caninos grandes. E os caninos são particularmente grandes nos machos, que os exibem para ameaçar os rivais e às vezes em conflitos violentos. Por sua vez, o africanus e o robustus tinham dentes molares grandes, encerrados numa camada grossa de esmalte (Figura 2.4). Isso implica o consumo de alimentos rígidos, duros, granulados ou fibrosos, exigindo mastigação pesada. Tal dieta provavelmente incluía sementes encontradas no chão ou bulbos e tubérculos que precisavam ser extraídos do solo. Os seres de ambas as espécies também possuíam caninos pequenos que não impediriam movimentos laterais das mandíbulas nem poderiam ser usados em exibições de ameaça. Isso pode indicar que a mudança na dieta foi acompanhada por uma redução da agressividade entre os machos ou, de maneira mais genérica, por maior tolerância social.
As principais diferenças entre o africanus e o robustus estavam no tamanho dos dentes responsáveis pela mastigação – pré-molares e molares que se alinham nas bochechas – e na força dos músculos utilizados durante esse processo. No robustus os molares eram imensos, os pré-molares haviam se tornado quase como os molares e os músculos responsáveis pela mastigação eram extraordinariamente bem desenvolvidos. Tais músculos, é óbvio, não foram preservados, mas suas junções ósseas sim, e elas incluem grandes ossos malares colocados em posição dianteira. Em muitos indivíduos aparece uma sutura óssea (sagital) ao longo do topo do crânio (Figura 2.5). Por seus imensos dentes de mastigação e seus crânios irregulares, o robustus e uma espécie da África oriental proximamente relacionada, o Paranthropus boisei, foram denominados australopitecos “robustos”. No entanto, eles tinham o corpo pequeno como o africanus e, com relação a cada característica anatômica essencial, incluindo o pequeno tamanho do cérebro e a parte superior do corpo semelhante à do macaco, exemplificam os macacos bípedes de maneira igualmente correta.
Figura 2.4 Mandíbulas superiores de um chimpanzé, de um ser humano moderno e de vários australopitecos.
Figura 2.5 Um crânio reconstruído do Paranthropus robustus.
Os macacos usam apenas a tecnologia mais rudimentar, e pouca coisa sugere que os australopitecos fossem diferentes. Os instrumentos de pedra lascada que mostram um avanço tecnológico além do nível do macaco aparece pela primeira vez por volta de 2,5 milhões de anos atrás, e o australopiteco robusto pode ter produzido algo parecido. Muitas descobertas, no entanto, indicam um indivíduo antigo do gênero omo como o seu mais provável criador. Talvez como alguns chimpanzés, o africanus e o robustus tenham modificado galhos para examinar ninhos de cupins ou empregado pedras não modificadas ou pedaços de madeira para quebrar nozes, mas tais instrumentos seriam imperceptíveis para a arqueologia. E, se os instrumentos fossem tão simples quanto os dos chimpanzés, seu uso teria se perdido, sendo reinventado muitas vezes, com impacto mínimo no desenvolvimento das espécies. Em contrapartida, a tecnologia humana é acumulada de maneira progressiva e não poderia ser facilmente reinventada do nada, e sua perda iria pôr em risco a espécie. Mesmo os criadores dos instrumentos de pedra mais primitivos teriam, provavelmente, desaparecido muito rapidamente se tivessem em algum momento esquecido como lascar a pedra. Dart sugere que os australopitecos carregavam os ossos de outros australopitecos e de mamíferos para dentro das cavernas da África do Sul. Se isso fosse verdade, poderíamos concluir que eles possuíam um interesse tipicamente humano na carne e no tutano. C.K. Brain, que escavou na caverna de Swartkrans por 20 anos e estudou cuidadosamente os ossos, propôs como hipótese alternativa que os felinos ou outros carnívoros de grande porte teriam levado para lá os ossos de australopitecos e outras criaturas. Sua prova mais contundente é um fragmento do crânio de um robustus com marcas de perfuração que poderiam ter sido feitas pelos caninos de um leopardo, pois correspondem à forma e à mordida dos dentes característicos desses felinos. Como os babuínos, provavelmente os australopitecos às vezes buscavam abrigo à noite nas cavernas, onde teriam se tornado alvos tentadores para os
leopardos ou felinos de dentes-de-sabre já extintos. Se um predador bem-sucedido consumia a sua vítima no local, muitos dos ossos teriam caído no chão e se tornado parte dos depósitos da caverna. Talvez, como os chimpanzés, o africanus e o robustus às vezes caçassem macacos ou outros mamíferos de pequeno porte, mas as cavernas sul-africanas indicam que eles eram com mais freqüência a caça do que o caçador. Já que o africanus viveu na África do Sul antes do robustus, poderia ter sido o ancestral deste; e os crânios e os dentes do africanus antecipam os do robustus em alguns aspectos. A história do australopiteco robusto, no entanto, se estende até 2,5 milhões de anos atrás, na África oriental, onde o africanus é desconhecido; e a ancestralidade do robustus provavelmente também está lá. É pouco provável que os australopitecos robustos sejam ancestrais dos seres humanos verdadeiros, porque seus dentes e crânios eram muito especializados e igualmente porque coexistiram com ancestrais mais plausíveis após 2,5 milhões de anos atrás. O australopiteco robusto se extinguiu há um milhão de anos, talvez porque não pôde competir com os seres humanos verdadeiros em evolução, ou porque não se adaptou ao declínio da chuva, ocorrido por volta dessa época. O africanus é um caso diferente. Tanto pela anatomia quanto por sua presença anterior aos seres humanos verdadeiros, ele permanece como um ancestral possível para o homem. Alguns antropólogos acreditam que, se ele não foi o ancestral, pelo menos assemelhava-se muito aos que de fato deram origem ao homem. Para tratar desse tema importante e para continuar a história dos macacos bípedes, devemos nos voltar à África oriental.
TANTO OS LEIGOS QUANTO os antropólogos sabem que a África é vital para a nossa compreensão do início da evolução humana. Não é exagero dizer que isso se deve em grande parte à dedicação extraordinária e ao talento de Louis e Mary Leakey. Começando em 1935, de sua base em Nairóbi, no Quênia, os Leakey viajaram repetidamente para o norte da Tanzânia (conhecida como Tanganica antes da independência), onde perscrutaram o desfiladeiro de Olduvai em busca de traços dos primeiros seres humanos. Eles quase sempre encontravam artefatos e fósseis de animais, mas foi apenas em 1959 que conseguiram o primeiro fóssil humano importante: o crânio bem preservado de um adolescente australopiteco robusto. Hoje ele é classificado como pertencente à espécie Paranthropus (ou ustralopithecus) boisei, embora boisei possa ter sido simplesmente uma variante da África oriental do sul-africano Paranthropus robustus. Ossos de boisei foram encontrados em outros oito sítios da região oriental da África, da Etiópia, ao norte, a Malawi, ao sul. O sucesso obtido pelos Leakey em 1959 garantiu-lhes merecido apoio financeiro, o que lhes permitiu escavar em Olduvai, durante os 14 anos subseqüentes, um número de depósitos muito maior do que nos 30 anos anteriores. Encontraram muitos fósseis humanos adicionais e mostraram que, do mesmo modo que o robustus na África do Sul, o boisei coexistiu com seres humanos verdadeiros primitivos até dois milhões de anos atrás. Seus achados também iluminaram o curso seguido pela evolução humana depois que o robustus e o boisei se extinguiram e só os seres humanos verdadeiros sobreviveram. A pesquisa dos Leakey revolucionou a paleoantropologia, não apenas porque forneceu fósseis e artefatos fundamentais em Olduvai, mas porque encorajou outros pesquisadores a explorar o grande potencial paleoantropológico da África oriental. Os líderes de expedições vieram de muitos países, e a longa lista inclui o filho dos Leakey, Richard, do Quênia, acompanhado de sua esposa Meave, Clark Howell, Donald Johanson, William Kimbel e Tim White, dos Estados Unidos, Berhane Asfaw, da Etiópia, Yves Coppens e Maurice Taieb, da França, e, finalmente, Gen Suwa, do Japão. As expedições encontraram seu maior sucesso em sítios próximos ao lago Turkana, do norte do Quênia, ao sul da Etiópia, e ao longo das margens do rio Awash, no centro-norte da Etiópia. Em sua busca, os caçadores de fósseis seguiram um procedimento importante, que Mary Leakey estabeleceu em Olduvai e num sítio mais
antigo, perto de Laetoli. Ela sabia que fósseis e artefatos antigos têm pouco valor se a sua posição estratigráfica não for cuidadosamente registrada. Para isso, trabalhou em colaboração estreita com o geólogo Richard Hay, cujo cuidadoso mapeamento geológico garantiu a ordem estratigráfica correta. Ele também conseguiu fazer uma reconstituição da paisagem em que os povos primitivos viviam. Outras expedições de busca de fósseis incluíram geólogos de campo com o mesmo propósito e, assim como os Leakey, também atribuíram aos geoquímicos a tarefa de determinar a idade dos depósitos e aos paleontólogos a de identificar restos dos animais, tanto para datação quanto para reconstituição do ambiente. Em resumo, a pesquisa sobre a evolução humana primitiva na África oriental obteve sucesso porque tornou-se verdadeiramente multidisciplinar, e foram os Leakey que lhe forneceram o modelo. A África oriental tem duas vantagens distintas sobre a África do Sul para o estudo da evolução humana. Primeiro, os fósseis da África oriental ocorrem quase sempre em depósitos friáveis de lagos ou rios, que podem ser escavados com pás de pedreiro, escovas e outros instrumentos arqueológicos simples. Em contrapartida, as cavernas de breccia da África do Sul requerem quase sempre dinamite e perfuratriz. Em segundo lugar, os sítios da África oriental contêm freqüentemente camadas de lava ou cinzas vulcânicas (pequenas partículas de lava que foram lançadas na atmosfera e mais tarde se fixaram na Terra). A lava e as cinzas esfriam num piscar geológico de olhos, e a época em que esfriaram pode ser estimada pela técnica do potássio/argônio. Isso decorre da observação de que as rochas comumente contêm pequenas quantidades de potássio-40 radioativo natural e do seu subproduto (decaimento), o argônio-40. Este é um gás que desaparece de rochas fundidas e se reacumula em rochas esfriadas em proporção direta à conhecida taxa de decaimento (“meia-vida”) do potássio-40. A razão do potássio-40 para o argônio-40, portanto, rastreia o tempo de esfriamento em anos; o tempo levado pela lava ou pelas cinzas para esfriar pode ser usado portanto para datar os fósseis e artefatos estratificados dentro dos depósitos. As cavernas de breccia sul-africanas não contêm lava nem cinzas, e os australopitecos da região devem ser datados em geral por meio da associação com espécies animais cuja idade e duração no tempo estejam estabelecidas nos sítios da África oriental. A dupla vantagem dos sítios da África oriental consiste em sua proximidade com o vale da Grande Fenda Oriental (Figura 2.1), uma falha geológica gigantesca que delimita a fronteira entre dois platôs continentais maciços. A tensão e a compressão ao longo da falha forçaram o fundo para baixo e as bordas para cima, formando uma calha de mais de dois mil quilômetros de comprimento e entre 40 e 80km de largura. Repetidos movimentos da crosta dentro e ao redor do penhasco freqüentemente bloquearam riachos para criar bacias de lagos que acabaram por aprisionar e preservar ossos e artefatos fósseis. Posteriormente, quando alguns movimentos da terra ocasionaram a drenagem dos lagos, a vegetação esparsa e a ocorrência esporádica de violentos temporais favoreceram a erosão, que deixou os fósseis descobertos. As rachaduras também favoreceram a atividade vulcânica, que proporcionou a lava e as cinzas para que fosse feita a datação. Por sua vez, a paisagem da África meridional manteve-se estável durante todo o curso da evolução humana, fornecendo poucas bacias internas para segurar fósseis e nenhum vulcão ativo. O resultado é que temos apenas as cavernas de breccia e o desafio que elas apresentam para a escavação e para a datação dos fósseis.
AS DESCOBERTAS NA ÁFRICA oriental não só permitiram ampliar o âmbito geográfico dos australopitecos, mas também fizeram recuar os registros para além de quatro milhões de anos atrás (Figura 2.3). Eles podem recuar para sete a cinco milhões de anos, até a época estimada pelos geneticistas como aquela em que o homem e o chimpanzé compartilharam um ancestral comum. Duas equipes – uma francesa e a outra etíope-americana – já reivindicam a comprovação disso. No final de 2001, a equipe francesa anunciou a descoberta de 13 fósseis fragmentários em depósitos datados de até seis milhões de anos, nas colinas
Tugen, no norte do Quênia. Os franceses classificaram os fósseis como pertencentes a uma nova espécie, Orrorin tugenensis, nome tirado da localização do sítio e da palavra orrorin, que significa “homem original” no idioma do lugar. Em meados do mesmo ano, a equipe etíope-americana relatara a descoberta de 11 fósseis datados do período entre 5,8 e 5,2 milhões de anos, na margem árida do médio rio Awash, mais ou menos 300km a nordeste de Adis-Abeba, na Etiópia. A equipe sugeriu que os espécimes pertenceriam a uma variante mais antiga da espécie já conhecida Ardipithecus ramidus, cuja descoberta no sítio de Aramis relataremos adiante. Nem os fósseis do Quênia nem os da Etiópia incluem ossos que demonstrem de maneira inequívoca a bipedestação. Os membros das equipes e outros especialistas atualmente discutem qual das espécies tem maior probabilidade de ser um australopiteco primitivo, ou, ao contrário, de ser um ancestral do chimpanzé. Um ou outro podem eventualmente representar até mesmo o último ancestral compartilhado de australopitecos e chimpanzés. Seu status não pode ser resolvido sem outros fósseis mais completos; nesse ínterim, o australopiteco amplamente aceito como o mais velho vem do sítio de Aramis, também no vale do médio Awash. Vamos nos estender um pouco aqui sobre essa história, pois ela ilustra bastante bem as dificuldades e recompensas encontradas pelos caçadores de fósseis na África oriental. Aramis hoje é um canteiro inóspito de vegetação esparsa e temperaturas muito altas. Carrapatos, víboras e escorpiões povoam-no e, à primeira vista, ele parece ser um lugar improvável para a descoberta de fósseis. Mesmo assim, uma equipe internacional de cientistas que começou a trabalhar no sítio em 1992 mostrou que, quando se procura com vontade, às vezes até engatinhando ombro a ombro, por dias a fio, podem-se recuperar traços fascinantes da vida remota: sementes, madeira fossilizada, restos de insetos, ossos de aves, répteis e mamíferos. A análise de potássio/argônio das cinzas vulcânicas demonstra que os fósseis se acumularam em Aramis há aproximadamente 4,4 milhões de anos. As descobertas de Aramis, duramente conquistadas, revelam uma paisagem antiga muito menos ameaçadora. Uma floresta densa se alinhava ao longo do rio. Macacos cólobos acrobáticos trepavam nas árvores, e antílopes koodoo, de chifres espiralados, alimentavam-se das folhas das árvores baixas. Os macacos e os koodoos parecem ter sido os animais mais comuns, embora muitas outras espécies também estivessem presentes e variassem em tamanho, desde pequenos roedores e morcegos a hipopótamos, girafas, rinocerontes e elefantes. Os carnívoros incluíam o grupo dos grandes felinos, hienas e outras espécies que esperaríamos encontrar na África. Havia também um urso que parecia estranhamente fora do lugar. O mesmo urso ocorre em outros sítios antigos da África, e no sul chega até o cabo da Boa Esperança. Sua presença assinala o quanto Aramis – e a África – mudou nos últimos quatro milhões de anos. Os carnívoros que caçavam e se alimentavam da carniça próxima ao rio em geral mastigavam e trituravam ossos, e por isso poucos espécimes sobreviveram intactos. Esqueletos parciais são particularmente raros, com uma exceção relevante: o de uma criatura que, para grande sorte dos paleontólogos, morreu com a subida das marés e teve seu corpo coberto por uma camada de lodo – um passo crucial no processo da preservação óssea. Em novembro de 1994, um estudante de pós-graduação da Universidade da Califórnia, Yohannes Haile-Selassie, estava rastejando sobre a superfície de Aramis quando percebeu alguns ossos quebrados de mão aflorando. Quando ele e seus colaboradores cavaram a superfície, outras partes do esqueleto apareceram: uma tíbia ou osso da canela, um osso de calcanhar, parte da bacia, ossos do antebraço, da mão, do pulso e parte do crânio. Os ossos estavam muito frágeis, e um toque descuidado poderia tê-los transformado em pó; desse modo, os escavadores amaciaram o depósito com água e trabalharam com precisão cirúrgica. Com seus esforços cuidadosos, finalmente conseguiram resgatar mais de cem peças de esqueleto, incluindo um conjunto quase completo de ossos do pulso, grande parte dos ossos dos dedos de uma mão e também uma mandíbula inferior que estava próxima.
Foi comprovado que o novo esqueleto pertenceu à mesma espécie de australopitecos de 4,4 milhões de anos de idade que Tim White, Gen Suwa e Berhane Asfaw haviam descrito apenas dois meses antes, após suas descobertas em outros pontos de Aramis. Sua descrição na revista Nature se baseou em 17 fósseis, incluindo uma mandíbula inferior, dentes isolados, pedaços de crânio e três ossos de braço esquerdo. A espécie era em torno de 500 mil anos mais velha do que qualquer outro australopiteco previamente conhecido, e sua semelhança com o macaco era também muito maior. Para marcar sua posição próxima à parte inferior da árvore da família humana, White e seus colegas denominaram-no ustralopithecus ramidus, derivado de ramid , que significa “raiz” na língua dos Afar, um povo local. Mais tarde concluíram que ele era tão diferente que merecia um gênero próprio e mudaram o nome para rdipithecus ramidus (ardi significa “chão” na língua afar). O nome novo reforçou a posição básica da espécie quanto à ancestralidade humana e também a probabilidade de que ela passava a maior parte do tempo no solo. Nas partes que foram descritas, o ramidus era muito semelhante ao macaco, mesmo que se tratasse de um bípede. Seus caninos, por exemplo, eram excepcionalmente grandes em relação aos molares, e os dentes eram cobertos por um esmalte fino. Assemelhava-se decididamente ao macaco no que dizia respeito à força dos braços, sendo muito provável que possuísse a habilidade de travar a articulação do cotovelo, a fim de ganhar maior estabilidade durante as escaladas. Se só dispuséssemos dos dentes e dos ossos do braço, poderíamos concluir que o ramidus era apenas um macaco; mas um fragmento da base do crânio sugere que a espécie possuía a cabeça na posição bípede humana. Ficaremos sabendo em que estágio ele estava da bipedestação assim que White e seus colegas descreverem os ossos da perna e do pé do esqueleto parcial. A bipedestação é amplamente documentada no caso do próximo australopiteco mais recente, o que Meave Leakey e seu colega paleoantropólogo Alan Walker descreveram em 1995 sobre os sítios de Kanapoi, a sudeste do lago Turkana, e da baía de Allia, na margem oriental do mesmo lago. Eles chamaram a espécie de Australopithecus anamensis a partir da palavra anam, que quer dizer “lago” na língua dos Turkana, povo local. A datação feita por potássio/argônio mostra que o anamensis viveu próximo ao lago Turkana entre 4,2 e 3,8 milhões de anos atrás (Figura 2.3). A análise dos fósseis animais mostra que as cercanias eram arborizadas, embora a vegetação provavelmente fosse mais esparsa do que em Aramis. A amostra de osso do anamensis inclui 13 mandíbulas parciais, 50 dentes isolados, um pedaço de crânio da região próxima à orelha, dois ossos do braço, um osso de mão, outro de pulso e, como pièce de résistance, uma tíbia. As mandíbulas e os dentes mostram que o anamensis tinha caninos relativamente grandes, mas também possuía molares alargados e o esmalte dos dentes mais grosso, traço que marca virtualmente todos os australopitecos posteriores. Os ossos do braço sugerem que a espécie preservou a habilidade que os macacos têm para escalar nas árvores, mas a tíbia mostra de modo ainda mais claro que ela andava quase sempre com os dois pés no chão. Nos seres humanos, ao contrário do que ocorre com os chimpanzés, a superfície articular da extremidade da tíbia que toca o joelho é quase perpendicular ao eixo, e o próprio eixo recebe um escoramento mais forte em ambos os lados (Figura 2.6). Esses e outros traços permitem que as pessoas mudem o peso do corpo de uma perna para outra durante o movimento bipedal – e eles estão presentes na tíbia anamensis. Simultaneamente, portanto, dentes, ossos do braço e tíbia indicam de maneira inequívoca que o anamensis era um macaco bípede. Com base nesses ossos conhecidos, o anamensis lembrava de perto o Australopithecus, que ocorreu contudo no período de tempo imediatamente posterior. Quando o anamensis for mais bem conhecido, talvez constatemos que era apenas uma versão anterior do afarensis, e como este foi reconhecido primeiro, seu nome seria aplicado a ambas as espécies. O afarensis ilustra mais claramente do que em qualquer outra espécie o caráter bípede do
australopiteco, porque quase todos os ossos do esqueleto são conhecidos, alguns em boa quantidade. Conhecemos o afarensis tão bem graças aos esforços de Donald Johanson e seus colaboradores, que iniciaram seu trabalho em 1973, em Hadar, ao norte de Aramis, na Etiópia; e ao trabalho de Mary Leakey, realizado entre 1974 e 1979, em Laetoli, 45km ao sul do desfiladeiro de Olduvai, no nordeste da Tanzânia. Num sítio pequeno, Johanson e seus colegas recuperaram 40% do esqueleto de um único indivíduo (Figura 2.7) que imortalizaram como Lucy, nome inspirado numa canção dos Beatles bastante popular na época. Um esqueleto parcial é muito mais valioso do que a soma das suas partes, pois, ao contrário dos ossos isolados, ele permite que os antropólogos reconstituam as proporções corporais, inclusive, por exemplo, o comprimento dos braços em relação ao das pernas. Em outro sítio pequeno, a equipe de Johanson encontrou mais de 200 ossos de pelo menos nove adultos e quatro jovens, que foram apelidados “primeira família”. Junto com os fósseis de outros sítios, eles permitem que sejam feitas estimativas altamente confiáveis de variabilidade dentro da espécie afarensis, incluindo o grau de dimorfismo sexual.
Figura 2.6 Vista frontal das tíbias (ossos da canela) de um chimpanzé, de um Australopithecus anamensis e de um ser humano contemporâneo.
Com base nas amostras colhidas em Hadar e Laetoli, o afarensis foi descrito em 1978 por Johanson, Tim White e Yves Coppens, classificado sob o nome da região de Afar, na Etiópia, incluindo Hadar, Aramis e outros sítios-chave para fósseis. A análise da relação potássio/argônio mostra que os fósseis do afarensis de Hadar se acumularam entre 3,4 e 2,9 milhões de anos atrás, e que os fósseis de Laetoli são um pouco mais velhos. Isso faz com que a espécie pertença ao período aproximado de 3,8 milhões de anos atrás (Figura 2.3). Assim, mesmo que o anamensis tenha se mantido separado, o afarensis atravessou um período de mais ou menos um milhão de anos e pouco se transformou durante esse espaço de tempo. Em Laetoli ele ocupou um ambiente seco, com poucas árvores; mas em Hadar pôde desfrutar quase sempre de umidade e maior área verde. Era portanto flexível, de acordo com suas exigências ambientais.
Figura 2.7 À esquerda, o esqueleto 40% completo de “Lucy” ( Australopithecus afarensis), de Hadar, Etiópia. À direita, reconstrução do esqueleto inteiro baseada na projeção da imagem e em outros exemplares da mesma espécie.
O afarensis tinha um cérebro pequeno, do tamanho do de um macaco, e pode ter sido ainda menor, em média, que os cérebros do africanus ou do robustus. Ele compartilhava com estes últimos o tamanho pequeno do corpo, embora fosse muito mais dimórfico. Os machos não só eram em média talvez 50% mais altos e mais pesados do que as fêmeas, como tinham caninos significativamente maiores. Tanto em machos quanto em fêmeas, as mandíbulas se projetavam mais para adiante, abaixo do nariz, do que em qualquer outro exemplar conhecido da família humana. Suas proporções corpóreas eram intermediárias entre as do macaco e as dos seres humanos posteriores. Desse modo, os braços eram muito longos em relação às pernas, e o antebraço era particularmente longo e forte. Combinados com a curvatura dos ossos dos dedos da mão e do pé (falanges), semelhante à do macaco, os braços permitiam uma agilidade próxima à destes animais para subir em árvores. Ao mesmo tempo, em todos os pontos fundamentais, a pelve, a perna e o pé demonstravam a bipedestação (Figura 2.8). A pelve encurtava-se de cima para baixo e alargava-se da parte dianteira para a traseira, de modo a centralizar o tronco sobre as articulações do quadril e, assim, reduzir a fadiga durante a locomoção bipedal verticalizada. O fêmur se inclinava para dentro em direção ao joelho e formava um ângulo pronunciado (valgo) com a tíbia, de forma que o corpo podia se equilibrar numa perna enquanto a outra estivesse fora do chão. E o pé tinha o calcanhar alargado, o arco ascendente e o dedo grande não-divergente (não-opositor), características essenciais para que o ser humano pudesse andar. Nos seres humanos cada passo envolve um golpe no calcanhar, seguido pela colocação do pé sobre o arco e, finalmente, por um impulso do dedão. Se ainda houvesse alguma dúvida em relação a essa
seqüência de movimentos no afarensis, Mary Leakey dirimiu-a com aquilo que para muitos teria sido a descoberta de uma vida. Nas escavações em Laetoli, sua equipe pôs a descoberto uma trilha de 27 metros de comprimento de pegadas, deixadas por dois indivíduos afarensis que caminharam juntos numa superfície mole que endureceu há mais ou menos 3,6 milhões de anos. No que se refere ao golpe de calcanhar, ao arco e ao dedão não-opositor, as pegadas comparam-se às produzidas pelo ser humano hoje, ao andar descalço numa base mole.
Figura 2.8 Membros inferiores de um ser humano moderno, de um Australopithecus afarensis e de um chimpanzé.
Se os paleontólogos quisessem construir um macaco bípede a partir do zero, é muito provável que não pudessem produzir uma espécie mais convincente do que o Australopithecus afarensis, e nenhuma prova seria tão convincente de que os humanos descendem dos macacos. Para os que se opõem a essa idéia, o afarensis é um engodo ainda maior que a defesa do evolucionismo por parte do exuberante Clarence Darrow1 diante de um tribunal do Tennessee, meio século antes da descoberta do afarensis.
O LEITOR QUE TENHA CHEGADO até aqui poderá pensar: “Muito bem, macacos bípedes, mas por que bípedes?” Que força seletiva natural poderia ter levado um macaco a tornar-se bípede e que vantagem lhe teria conferido a bipedestação? Essas perguntas não são triviais, mas também não são fáceis de responder. Com relação ao que estimulou a mudança para a bipedestação, a causa mais provável seria a transformação ambiental. Entre dez e cinco milhões de anos atrás, o clima global tornou-se mais frio e seco, e os pastos se expandiram, enquanto as florestas encolheram ou reduziram-se. Tal mudança trouxe a destruição para muitas espécies adaptadas às florestas, incluindo uma variedade de macacos que habitou a África e a Eurásia antes de dez milhões de anos atrás. Na África equatorial, no entanto, uma espécie símia se adaptou às condições de mudança por ter conseguido permanecer um intervalo de tempo cada vez maior no chão. A vida no solo apresentou novos desafios e oportunidades que favoreceram os indivíduos mais aptos que seus pares, em termos de anatomia e comportamento, para a reprodução. Em
retrospecto, parece que a vantagem anatômica mais importante era uma habilidade acentuada para caminhar e correr com duas pernas. A mudança para um estilo de vida baseado na bipedestação pode ter progredido de modo gradual, por um intervalo grande, ou ter ocorrido de maneira abrupta, à medida que os ambientes africanos se transformavam em resposta a um declínio particularmente radical da temperatura e da umidade do globo terrestre, entre 6,5 e 5 milhões de anos atrás. Durante esse período, um crescimento periódico na camada de gelo antártico sugou tanta água dos oceanos que o mar Mediterrâneo secou. A perda da umidade que vinha desse mar acelerou a contração das florestas nos continentes adjacentes, o que afetou as comunidades animais. Na África, os antílopes desabrocharam na ampla variedade que conhecemos historicamente, e a linhagem humana pode ter emergido na mesma época. Se é assim, sua origem constituiria um evento marcante. Por ora, essa idéia deve permanecer como hipótese, mas a pesquisa em andamento na África oriental irá um dia fornecer os fósseis necessários para testá-la. Sobre as vantagens que a bipedestação teria oferecido a um macaco habitante do solo, a primeira e talvez a mais óbvia é a de que braços e mãos podiam agora ser usados para carregar alimentos até árvores mais distantes ou para outros membros do grupo. Como Darwin percebeu há mais de um século, as mãos ficariam mais livres para manufaturar instrumentos e para que esses instrumentos pudessem ser utilizados. Hoje essa idéia é menos convincente, porque a arqueologia mostra que o uso de instrumentos de nível mais elevado que poderiam pertencer aos macacos contemporâneos ocorreu apenas há cerca de 2,5 milhões de anos, muito tempo após a bipedestação. Entre outras vantagens seletivas menos óbvias, a bipedestação pode ter reduzido a energia que os macacos de solo despendiam para se deslocar entre árvores esparsas ou arvoredos; e diminuído o perigo de insolação ao qual estavam expostos, já que eram forçados com freqüência a sair em busca de suprimento a céu aberto, ao meio-dia. A bipedestação fez com que os raios solares mais intensos só atingissem obliquamente as costas do animal em posição vertical. Experiências modernas não lograram confirmar que a bipedestação aumenta a eficiência do uso da energia. Fósseis de plantas e animais mostram que os macacos bípedes, particularmente os primevos, viveram em ambientes onde as árvores de sombra eram mais abundantes. Foi apenas há cerca de 1,7 milhão de anos que as savanas, onde a sombra era escassa, foram invadidas pelos pré-humanos, que acabaram por desenvolver uma forma corporal diferente em resposta ao desafio. Novas explicações sobre a bipedestação são portanto ainda bem-vindas, e Nina Jablonski e George Chaplin, da Academia de Ciências da Califórnia, construíram uma teoria particularmente intrigante. Ela parte da observação de que chimpanzés e gorilas ficam de pé sobretudo para ameaçar uns aos outros na disputa de comida ou de fêmeas. Durante o processo, eles levantam os braços, batem no peito e às vezes sacodem ramos para enfatizar suas exibições. Quando os gorilas machos se sentem ameaçados, com freqüência ficam eretos antes de atacar, enquanto os chimpanzés andam com arrogância e eriçam os pêlos, com o objetivo de parecer ainda mais imponentes. Quando o inimigo não recua, lutas violentas e mortais podem se travar. Os seres humanos, é claro, também mostram suas intenções ou status por meio da postura. Assim, Jablonski e Chaplin propõem que o incremento de exibições dos macacos bípedes por domínio ou apaziguamento – ao ficarem de pé ou recuarem – pode ter sido importante para reduzir a agressão violenta entre eles. O potencial para a agressão pode na verdade ter aumentado, já que a fragmentação das florestas havia concentrado os alimentos mais desejados em áreas pequenas e densas. Os indivíduos que aprenderam a diminuir o número de conflitos e de situações tensas graças às exibições bípedes podem ter reduzido o risco de ferimentos ou morte; portanto, por definição, ampliaram suas chances de reprodução. Nesse cenário, a bipedestação pode ter sido importante para promover a tolerância social antes mesmo de facilitar o transporte de instrumentos ou seu uso.
AS VANTAGENS INICIAIS da bipedestação talvez permaneçam para sempre como especulação, mas devem ter sido significativas, pois os macacos bípedes não só sobreviveram como acabaram proliferando. Os antropólogos polemizam quanto à probabilidade de que o ramidus seja o ancestral do anamensis e do afarensis, mas a maioria concorda que entre 3,5 e 2,5 milhões de anos atrás múltiplas espécies bípedes apareceram (Figura 2.3). Há cerca de 2,5 milhões de anos, havia pelo menos duas linhagens bípedes bastante distintas – uma que produziu o posterior australopiteco robusto e outra que levou aos seres humanos verdadeiros do gênero Homo e, em última instância, a nós. A linhagem do robusto é mais bem documentada, graças sobretudo ao crânio espetacular que Alan Walker e seus colegas descreveram, em 1986, de um sítio a oeste do lago Turkana, no nordeste do Quênia. Como estava depositado no solo, o crânio ficou impregnado de manganês, o que lhe deu uma coloração preto-azulada. Por isso, foi chamado o “crânio negro” (Figura 2.9). Tinha feições semelhantes às do afarensis, como as mandíbulas projetadas para a frente, mas também possuía grandes dentes de mastigação e uma sutura sagital poderosamente desenvolvida, como a do robustus e do boisei. Hoje é geralmente incluído na espécie Paranthropus aethiopicus e é um elo plausível entre o afarensis e o boisei/robustus. Outros sítios da África oriental cuja idade varia entre 2,5 e 2 milhões de anos forneceram mandíbulas e dentes isolados que podem representar tanto o aethiopicus como os primeiros boisei. A segunda linhagem é esparsamente representada antes de dois milhões de anos atrás, mas a maior parte dos antropólogos há muito admite que ela brotou do africanus ou de uma espécie parecida. A África oriental, contudo, ainda não forneceu fósseis semelhantes ao africanus. Em contrapartida, em 1999, produziu outra espécie igualmente antiga e totalmente inesperada.
Figura 2.9 O “crânio negro”, Paranthropus aethiopicus, do oeste de Turkana, Quênia.
Apenas três anos após a descoberta do esqueleto parcial do Ardipithecus ramidus em Aramis, por Yohannes Haile-Selassie, o mesmo pesquisador encontrou na superfície, em Bouri, ao sul de Aramis, no vale do médio Awash, um fragmento de crânio. Depois de revirar com certo esforço cada fragmento de osso e pedra que estivessem por perto, a equipe conseguiu reconstruir um crânio notável (Figura 2.10). Uma mandíbula inferior encontrada em depósitos de um outro lugar provavelmente representa a mesma espécie. A localização temporal feita por potássio/argônio demonstra que a espécie existiu há aproximadamente 2,5 milhões de anos, o que a torna contemporânea tanto do Australopithecus africanus quanto do Paranthropus aethiopicus. Ainda assim, diferia acentuadamente de ambas. A parte do crânio que conteve o cérebro poderia ter sido confundida com a mesma parte no afarensis, se tivesse sido encontrada isoladamente. Por outro lado, com base na forma e na proporção, as mandíbulas e os dentes poderiam ter sido confundidos com os dos humanos tardios, caso os dentes não fossem excepcionalmente
grandes. Os pré-molares e os molares igualavam ou excediam em tamanho os do australopiteco robusto, mas, diferentemente do que ocorria com este, os incisivos e os caninos eram também grandes. “A combinação de dentes grandes com uma morfologia primitiva foi uma surpresa”, diz Tim White. “Ninguém esperava isso.”
Figura 2.10 O crânio do Australopithecus garhi de Bouri, no vale do médio Awash, Etiópia.
Assim, White e seus colegas decidiram chamar a espécie de Australopithecus garhi, a partir da palavra afar, garhi, que significa “surpresa”. Na revista Science de 23 de abril de 1999, foi sugerido que “a espécie se encontra no lugar certo e na localização temporal correta para ser considerada como ancestral dos primeiros Homo, como quer que estes sejam definidos. Nada a respeito de sua morfologia o impossibilitaria de ocupar essa posição”. Possíveis ossos de membros garhi de Bouri indicam que o antebraço permaneceu comprido em relação ao braço, como nos humanos. Em outras palavras, como os humanos continuaram a se diferenciar dos macacos, parece que suas pernas se tornaram mais compridas antes de seus antebraços terem encurtado. Veremos que os primeiros da linhagem Homo podem, na verdade, incluir duas ou mesmo três linhagens e, se tais linhagens foram separadas há 2,5 milhões de anos, o garhi só podia ser o ancestral de uma. O registro fóssil da África oriental entre três e dois milhões de anos atrás é, de fato, mais pobre do que o registro para os milhões de anos precedentes, mas essa diferença reflete as excentricidades da preservação e da descoberta, não a probabilidade de que os australopitecos ou seus descendentes tivessem se tornado mais raros. À medida que a busca de fósseis prosseguir, o garhi provavelmente não
será mais a última surpresa. Meave Leakey e sua equipe puderam comprovar tal afirmação em março de 2001, quando descreveram um crânio notavelmente novo, oriundo de depósitos de 3,5 milhões de anos, a oeste do lago Turkana. Antes desta nova descoberta, a maior parte das autoridades concordava que os fósseis humanos relativamente bem conhecidos de entre quatro e três milhões de anos atrás representavam apenas o desenvolvimento de uma única linhagem – o anamensis e seu descendente imediato, o afarensis. O novo crânio compartilha uma camada grossa de esmalte dentário com ambos e, como todos os crânios australopitecos, conteve um cérebro pequeno, do tamanho do dos macacos. No entanto, seus dentes molares eram muito menores do que os do afarensis e do anamensis, e seu rosto era muito mais chato, projetando-se menos para a frente. Seus traços individuais podem ser comparados aos das outras espécies australopitecas, mas são combinados de maneira única, e Leakey e seus colegas o designaram como pertencente a um novo gênero e espécie, Kenyanthropus platyops, ou seja, “o homem de rosto chato do Quênia”. No seu rosto chato e na forma de sua sobrancelha, o platyops antecipa um crânio de cérebro muito maior, com 1,9 milhão de anos de idade, agora designado com freqüência como Homo rudolfensis. A semelhança facial no entanto poderia ser simplesmente uma questão de acaso, e muitos fósseis novos serão necessários para esclarecer as relações entre o platyops, o Homo e outros australopitecos. Por enquanto o platyops é importante porque mostra que, como os macacos, os antílopes e outros grupos de mamíferos, os primeiros seres humanos se diversificaram logo no início em múltiplas formas contemporâneas. Dentro de poucos anos os antropólogos podem estar se preocupando menos com a razão pela qual a bipedestação foi bem-sucedida e mais com o que pode ter promovido tal proliferação de espécies.
Clarence Darrow (1857-1938) foi um famoso advogado norte-americano. Sua atuação na defesa do professor John Thomas Scopes no chamado “processo do macaco”, em 1925, teve repercussão internacional. Scopes, professor de ciência numa escola estadual do Tennessee, foi acusado pela Liga Fundamentalista dos EUA de difundir a teoria evolucionista, contrariando a idéia da criação divina do homem ensinada pela Bíblia. A União pelas Liberdades Civis contratou Darrow para defendê-lo, mas o professor foi condenado à prisão e ao pagamento de uma multa, suspensa após recurso, em 1927. ( N.T.) 1
3 O mistério mais antigo do mundo
IMAGINEM UM HOMEM ACAMPANDO nas savanas da África oriental, sem barracas, ferramentas e utensílios, sem um veículo com tração nas quatro rodas e sem ao menos fazer uma fogueira. Ele é pequeno, vive nu, anda sobre dois pés e sua inteligência está contida num cérebro com menos da metade do tamanho do cérebro do homem atual. Um rio próximo ou um olho-d’água fornece uma fonte confiável e quando o perigo se aproxima seus braços compridos o impulsionam rapidamente para as árvores. Sua capacidade de escalar é crucial, pois ele não consegue correr mais que felinos, hienas e outros predadores que o vêem como alimento. Mas o que esse homem vai comer? Como vai encontrar o bastante para sobreviver? Cerca de 2,5 milhões de anos atrás, uma criatura bípede franzina fez uma descoberta revolucionária que aumentou consideravelmente suas chances de sobrevivência. Esse indivíduo habitava as florestas ou savanas onde predadores, acidentes, doenças ou a fome matavam com freqüência antílopes, zebras, porcos selvagens e outros mamíferos de grande porte. Os animais carnívoros e os que se alimentavam de carniça não aproveitavam toda a carne e o tutano disponíveis, deixando portanto para trás uma oportunidade de sobrevivência. Nosso bípede franzino descobriu que, se batesse uma pedra contra outra da maneira correta, produziria lascas finas capazes de penetrar no couro de uma zebra ou de uma gazela morta. Essas lascas serviriam também para cortar os tendões que ligam os músculos aos ossos. Em suma, ele descobriu um modo de utilizar as lascas de pedra em substituição aos dentes afiados dos felinos e outros carnívoros para retirar a carne das carcaças. Nosso inventor primitivo descobriu também que poderia usar pedras pesadas para quebrar os ossos e retirar o tutano nutritivo e gorduroso, imitando involuntariamente as hienas, que empregam os pré-molares semelhantes a martelos para esse fim. A utilização de ferramentas de pedra tornou-se uma vantagem sobre os indivíduos que não conseguiam fazer uso delas, e os que dominavam essa técnica cresceram rapidamente em número. Reforçando a anatomia com as ferramentas para poder atuar como os carnívoros, ele criou uma interação evolutiva entre o cérebro e o comportamento que culminou na capacidade que o homem moderno tem de se adaptar a uma série de condições apenas fazendo uso da cultura.
NÃO É DE SURPREENDER que as ferramentas mais antigas do mundo venham do vale do rio Awash, no centro-norte da Etiópia, famoso pelos fósseis dos primeiros australopitecos. Em algumas localidades desse vale há depósitos em leitos de rios ou lagos antigos que abrangem toda a extensão da evolução humana, de seis milhões de anos atrás até os tempos recentes. Os pesquisadores procuram os locais onde fósseis ou artefatos sofreram erosão nos depósitos antigos. Quando os encontram, primeiro tentam estabelecer a camada de origem; se ela estiver intacta nas áreas próximas, então escavam para recuperar objetos in situ, ou seja, ainda encerrados em seus locais de repouso originais. Os artefatos mais antigos vêm da drenagem do rio Gona, um afluente do rio Awash, entre Hadar, ao norte, e Bouri e Aramis, ao sul (Figura 3.1). O arqueólogo Jack Harris, da Universidade de Rutgers, fez a
primeira descoberta em 1976, mas foi só entre 1992 e 1994 que uma equipe – incluindo Harris e seu colega da Etiópia, Seleshi Semaw – escavou um número grande de peças in situ, estabelecendo de maneira segura sua idade geológica. As amostras escavadas ultrapassam o número de mil peças de dois sítios separados, e esse número é complementado por cerca de mais ou menos duas mil peças erodidas na superfície próxima às escavações. Como matéria-prima, os criadores dos artefatos de Gona selecionavam seixos vulcânicos ou pedras redondas dos leitos dos rios antigos, abandonando as lascas afiadas, os “núcleos” facetados dos quais as lascas eram tiradas e as “pedras-martelo” usadas para quebrar os núcleos. O povo de Gona compreendia claramente que para obter lascas de modo rotineiro tinha de quebrar com força a borda de um núcleo em ângulo oblíquo. Quando uma lasca é retirada desse modo, em geral apresenta uma protuberância definida ou “bulbo de percussão”1 na superfície interior imediatamente adjacente ao ponto de impacto ou “plataforma de choque”. Os arqueólogos baseiam-se nos bulbos para distinguir as lascas produzidas pelo homem daquelas que são criadas naturalmente, pois os choques entre as pedras num riacho ou quedad’água tendem a ser mais resvalantes, e os produtos fragmentados raramente têm bulbos definidos. As pedras lascadas de Gona apresentam sempre bulbos definidos (Figura 3.2) e vêm de depósitos sedimentados que se encontram em planícies aluviais de baixa energia, onde seriam menos improváveis os choques naturais. Portanto, sua origem como artefatos é indiscutível.
Figura 3.1 Localizações dos sítios com ferramentas de Oldowan, fósseis do primeiro Homo, ou os dois mencionados no texto.
Figura 3.2 Artefatos de Oldowan do sítio de Gona, o vale do Awash Médio, na Etiópia.
A antigüidade geológica dos artefatos de Gona foi também estabelecida por uma combinação de dois métodos de datação: o potássio/argônio e o paleomagnético. O método do potássio/argônio mostra que foi acumulada há 2,5 milhões de anos uma cinza vulcânica sobre a camada que comportava as ferramentas. O método paleomagnético baseia-se na tendência do campo magnético da Terra de variar 180 graus, o que significa que a direção da agulha de um compasso mudou periodicamente do norte para o sul e do sul para o norte. As partículas de ferro das rochas vulcânicas e dos sedimentos cristalizados em partículas diminutas, como os de Gona, retêm a direção antiga do campo, e a seqüência global de mudanças foi datada nas rochas vulcânicas (Figura 3.3). Os geofísicos usam o termo “normal” para se referir a um intervalo de tempo em que o campo magnético era orientado para o norte, tal como o é agora; e “reverso” para referir-se a um intervalo em que era orientado para o sul. Os depósitos de Gona registram uma mudança do norte para o sul logo abaixo da camada em que foram encontradas as ferramentas. Considera-se que essa variação tenha ocorrido há 2,6 milhões de anos. Portanto, os métodos do potássio/argônio e do paleomagnetismo localizam os artefatos de Gona entre 2,6 e 2,5 milhões de anos atrás.
Figura 3.3 Estratigrafia geomagnética global para os últimos cinco milhões de anos e idade geológica do sítio de Gona. Os retângulos pretos representam os intervalos passados em que a polaridade era normal; os retângulos brancos, os intervalos em que a polaridade era reversa. Os geofísicos referem-se aos grandes intervalos de polaridade geomagnética normal ou reversa como “crons”, e aos intervalos menores como “subcrons”.
Talvez existam artefatos mais antigos ainda, porém os sítios do sul e outros do leste da África indicam que eles não podem ser muito mais antigos. Os depósitos com cerca de dois milhões de anos da caverna robustus, em Swartkrans, na África do Sul, contêm artefatos de pedra lascada; porém não são encontrados nos depósitos grosso modo datados de cerca de 3 e 2,5 milhões de anos, das cavernas africanus, de Sterkfontein e Makapansgat. Do mesmo modo, os depósitos em Hadar, com restos abundantes de afarensis, datados entre 3,4 e 2,8 milhões de anos atrás, não produziram artefatos, mas um sítio mais novo, datado de 2,33 milhões de anos, produziu. Este sítio é particularmente importante, pois forneceu também um fóssil que pode representar aquele responsável pela produção do artefato. Em conjunto, as observações na África do Sul, em Hadar e em outros sítios da África oriental indicam que a data de Gona, de 2,6 e 2,5 milhões de anos, deve aproximarse bastante do tempo verdadeiro em que teve início a pedra lascada.
ARTEFATOS SEMELHANTES aos de Gona foram datados de 2,4 a 2,3 milhões de anos atrás em Hadar, Omo, ao norte do lago Turkana, no sul da Etiópia, e em Lokalalei, a oeste do lago Turkana, no norte do Quênia. Encontraram-se também objetos semelhantes em 11 localidades a leste e ao sul da África, datando entre 2 milhões e 1,7 a 1,6 milhão de anos. Os artefatos sul-africanos vêm da caverna Swartkrans
e de depósitos da caverna Sterkfontein, que se sobrepõem aos fósseis africanus. Os sítios mais importantes da África oriental encontram-se em Koobi Fora, na margem leste do lago Turkana, e no desfiladeiro de Olduvai, no nordeste da Tanzânia. Em conjunto, os sítios da África oriental e da África do Sul mostram que a tecnologia para produção de artefatos permaneceu estável por quase um milhão de anos após ter sido iniciada. As montagens dos artefatos de Olduvai são particularmente abundantes e descritas com minúcia, graças mais uma vez à dedicação de Louis e Mary Leakey. Os arqueólogos agrupam as montagens de ferramentas de pedra semelhantes dentro de uma “indústria”, um “complexo industrial” ou uma “cultura”. Louis sugeriu o nome Indústria de Oldowan para englobar os artefatos mais antigos de Olduvai. Como todas as outras montagens anteriores a 1,7 e 1,6 milhão de anos atrás assemelham-se muito àquelas de Olduvai, são agora também atribuídas a Oldowan. Nas descrições pioneiras que fez sobre as ferramentas de Oldowan, Mary Leakey fez uma distinção básica entre formas nucleares moldadas pela retirada das lascas ou pelas próprias lascas. Depois dividiu as formas nucleares e as lascas em tipos diferentes, dependendo principalmente de tamanho, formato e grau de trabalho (Figura 3.4). Desse modo, usou o termo “raspador” para a lasca modificada (ou “retocada”) pela retirada de lascas adicionais e menores numa ou mais bordas. E distinguiu entre raspadores pequenos, cuja serventia qualificou de “função leve”, e raspadores grandes, a que atribuiu uma “função pesada”. Dividiu as formas nucleares entre “talhadores” – nos quais as lascas eram restritas a uma borda – e “discóides”, “esferóides” e “poliedros” – nos quais as lascas eram mais extensas e produziam peças com formatos de discos, esferas e cubos. Os talhadores podiam tanto ser “unilaterais”, quando apenas com uma superfície, ou “bilaterais”, quando ambas as superfícies o eram. Um “talhador bilateral”, no qual as lascas estendiam-se por toda a periferia, tornou-se um “protobilateral”, e os protobilaterais transformaram-se em verdadeiros bilaterais (ou machados de mão), nos quais as lascas cobriam ambas as superfícies. Os bilaterais são desconhecidos nas manifestações de Oldowan, mas são as marcas da indústria acheuliana subseqüente, que surgiu desse tipo de ferramenta, entre cerca de 1,7 e 1,6 milhão de anos atrás. Os especialistas chegaram a definir outros tipos ou subtipos de ferramentas, mas mesmo a lista básica provavelmente exagera a formalidade das montagens Oldowan. Toda pessoa que tenha tentado classificar essas ferramentas sabe que muitas não se conformam aos tipos predefinidos. Peças individuais muitas vezes têm atributos de dois ou mais tipos e só podem ser compartimentadas após muita teorização subjetiva. Gary Larson captou a essência do problema num desenho animado que mostra um homem primitivo tentando rachar uma pedra grande e arredondada com uma pedra rudemente moldada. Exasperado, o homem vira-se para seu ajudante, que carrega a caixa de ferramentas, e diz: “E então? Eu pedi um martelo! Um martelo! Isso é uma espécie de chave inglesa! Bom, talvez seja um martelo. Malditas ferramentas de pedra!”
Figura 3.4 Tipos representativos de ferramentas de pedra de Oldowan reconhecidos por Mary D. Leakey e outros especialistas.
O arqueólogo Nicholas Toth, da Universidade de Indiana, realizou experiências que explicam por que as tentativas de classificar as ferramentas de Oldowan são tão frustrantes. Toth é habilidoso para lascar pedras, e seus esforços para imitar as formas nucleares de Oldowan mostram que o formato final não depende de um modelo existente na cabeça daquele que produz a ferramenta, mas da forma do seixo bruto ou de outro fragmento de pedra não-modificado que se use. O resultado disso é que a forma dos produtos experimentais tende a evoluir gradativamente, tal como as formas nucleares genuínas de Oldowan. Os arqueólogos supunham que o povo de Oldowan tinha mais interesse nas formas nucleares do que nas lascas. Mas Toth acredita que as formas nucleares eram principalmente subprodutos da manufatura das lascas. Experiências com cortes de carne mostram que as ferramentas de núcleo mais pesado, com bordas cortantes extensas e amplas superfícies de apoio podem ser valiosas para desmembrar carcaças de grande porte ou macerar os ossos para obter tutano. Mas para penetrar na carcaça e retirar a massa muscular, o máximo que o povo de Oldowan produziu foi a lasca de quartzo ou de rocha vulcânica. Quando a lasca se tornava cega pelo uso, o carniceiro podia sempre produzir uma outra e continuar o trabalho. Ossos de animais com marcas de corte demonstram que o povo de Oldowan empregava com freqüência lascas de pedra, como Toth propõe. No trabalho com a pedra, a intenção básica era criar bordas cortantes, não importando muito a forma final do núcleo. Para os padrões humanos posteriores, a tecnologia de Oldowan para trabalhar a pedra era incrivelmente crua, e o observador pode se perguntar se superava a capacidade de um chimpanzé. A resposta é provavelmente sim, tendo como base a pesquisa que Toth e seus colegas realizaram com
Kanzi, um bonobo do Centro Regional de Primatas de Yerkes, em Atlanta, Geórgia. (Os bonobos diferem dos chimpanzés “comuns” em termos de tamanho e comportamento social. São geograficamente separados dos chimpanzés comuns na selva e classificados como uma espécie distinta, apesar de acasalarem com os chimpanzés comuns em cativeiro.) Quando Kanzi ainda era criança, a psicóloga Sue Savage-Rumbaugh e seus colegas começaram a investigar a capacidade que ele tinha para se comunicar por símbolos, símbolos, e chegaram chegaram à conclusão conclusão de que era extraordinariamen extraordinariamente te talentoso. talentoso. Toth tinha tinha ensinado ensinado vários alunos a fazer ferramentas de pedra e concluiu que, se pudesse ensinar a um macaco, este seria Kanzi. Na primavera de 1990, quando o bonobo tinha nove anos de idade, Toth ensinou-o a retirar uma lasca de pedra afiada de um núcleo e a usar a lasca para cortar uma corda de náilon que amarrava uma caixa com alimentos. Kanzi captou imediatamente a idéia, mas teve muita dificuldade de produzir as lascas com o auxílio de uma “pedra-martelo”, como fazia o homem. Na sua frustração, e talvez para seu mérito, arquitetou um método alternativo de lançar o núcleo contra o chão de concreto. Kanzi conseguiu algumas vezes obter as peças de borda cortante de que precisava, mas mesmo depois de meses de prática, nem os núcleos nem as lascas atingiram os padrões de Oldowan. Os primeiros tinham um aspecto escalavrado que refletia as múltiplas tentativas malsucedidas de Kanzi para produzir lascas; e as lascas la scas eram e ram quase quase sem se mpre pequen pe quenas as e difíceis de serem ser em diferenciadas das peças fragm fragmentadas entadas naturalmente. Em suma, apesar de ter tido o melhor mentor humano possível, Kanzi nunca conseguiu dominar a mecânica da pedra lascada, e se seus produtos aparecessem num sítio antigo, os arqueólogos provavelmente provavelmente não não os aceitariam ac eitariam como como artefatos artefatos legítimos. legítimos. A irmã irmã mais mais nova de Kanzi, Kanzi, Panbanshiba, Panbanshiba, tem sido também encorajada a lascar pedras, e há planos de envolver chimpanzés comuns nessa experiência. Os arqueólogos esperam os resultados com interesse, mas a prova até o momento sugere que nem mesmo um macaco especialmente inteligente e sensível consegue dominar a mecânica da pedra lascada.
OS CRIADORES DAS FERRAMENTAS de Oldowan fizeram muito mais do que apenas lascar a pedra. Em Gona, Koobi Fora, Olduvai e outros sítios, amontoaram as lascas e as formas nucleares em feixes que marcam os mais antigos sítios arqueológicos conhecidos. Onde as condições do solo eram favoráveis, esses conjuntos de ferramentas também preservaram fragmentos de ossos de animais. Os mais comuns eram de antílopes, zebras, porcos e outros animais muito maiores que quaisquer daqueles que serviam de alimento aos chimpanzés. Tende-se a interpretar cada conjunto como um acampamento onde o povo de Oldowan se encontrava à noite a fim de trocar alimentos, fazer sexo ou simplesmente se socializar, tal como os caçadores-coletores modernos. Porém, essa interpretação pode ser ampla demais. Os conjuntos talvez representassem uma coisa muito mais prosaica, como moitas de árvores onde os indivíduos se congregavam para alimentar-se com segurança. Até agora nenhum conjunto forneceu traços inequívocos de fogueiras ou estruturas que implicassem mais que isso. Marcas de corte e de pancadas fortes mostram que o povo de Oldowan manipulava os ossos em seus sítios. Mas os fragmentos avariados por carnívoros também são comuns, o que levanta a questão de como essas pessoas obtinham os ossos. Alguns arqueólogos defendem a hipótese de que os animais eram caçados, ou sua carniça era encontrada e disputada por um confronto no qual os grupos de pessoas afastavam os carnívoros das carcaças ainda frescas. Outros argumentam que os grupos eram passivos, só se alimentavam das carcaças depois que os outros carnívoros tivessem consumido quase tudo. De antemão, a simplicidade da tecnologia de Oldowan pode favorecer essa idéia de passividade, mas as provas diretas são esparsas; as observações experiment experimentais ais e naturali aturalistas stas podem ser usadas tanto tanto como como apoio de uma hipótese quanto da outra. Sabe-se por exemplo que os carnívoros ignoram por completo as aparas de ossos dos membros que as pessoas despedaçam, porque elas não têm mais tutano e são de pouco valor nut nutritivo. ritivo. Nos sítios de Oldowan, fragm fragment entos os de ossos de antílopes e outros outros animais animais mostram mostram
com freqüência numerosas marcas de dentes de carnívoros. Isso pode significar que as pessoas se alimentavam alimentavam basicamente basicamente de carcaças carcaça s que já j á haviam servido de alim al iment entoo aos carnívoros. Porém Por ém,, sabe-se sabe- se também que a alimentação carnívora tende a retirar os elementos mais nutritivos do esqueleto: os ossos da parte diant di anteira eira do mem membro bro superior (o úmero úmero e a radiouln radi oulna) a) e da parte traseira trasei ra do membro embro superior (o fêmur e a tíbia), especialmente ricos em carne, tutano e gordura. Comparados a partes menos desejáveis, esses ossos tendem a ser comuns nos sítios de Oldowan, o que pode significar que as pessoas tinham acesso às carcaças em primeiro lugar, não precisando se contentar com as sobras. Em suma, elas eram caçadoras ou lutavam lutavam com os carnívoros pelas pel as carcaças. car caças. No entant entanto, o, talvez a revirada revira da passiva das carcaças carcaça s fosse a regra, se admitirm admitirmos os qu quee o povo de Oldowan preferia ambientes com poucas hienas para poder aproveitar as sobras deixadas pelos leões e outros felinos de grande porte. Os leões descarnavam os ossos dos membros, mas com freqüência deixavam as aparas dos ossos intactas; na ausência de hienas, quem revirasse esses restos poderia ainda conseguir ter sido capazes de obter vários ossos descarnados de braços e pernas ricos em tutano. O tutano, contudo, tem valor nutritivo relativamente baixo, em particular quando se considera o esforço feito para retirá-lo; revirar as carcaças tendo em vista unicamente que o tutano proporcionaria pouco sustento, a não ser que as matanças promovidas pelos leões fossem muito mais abundantes do que atualmente na África. Além do mais, os ossos mais nutritivos encontrados nos sítios de Oldowan mostram com freqüência marcas de corte resultantes da retirada da carne, o que sugere que as pessoas se apossavam dos ossos antes que outros os apanhassem já desguarnecidos. Em suma, as evidências disponíveis podem favorecer tanto a teoria de que os homens caçavam para comer quanto a de que as carcaças eram reviradas passivamente, e os dados existentes talvez nunca nos permitam permitam ter ter uma uma idéia exata exata sobre isso. Ainda Ainda assim, a incerteza incerteza a respeito da teoria da caça versus a teoria da revirada passiva das carcaças não deve permitir que se obscureça um ponto muito mais fundamental. Há mais ou menos 2,5 milhões de anos, as criaturas bípedes, que provavelmente não possuíam mais mais tecnologia tecnologia que ou outros tros carnívoros ou que os chimpanz chimpanzés és de hoje, dominaram dominaram a física da pedra lascada l ascada e em seguida seguida utilizaram esse novo conhecimen conhecimento to para acrescent acresc entar ar uma uma quantidade quantidade de carne car ne e de tutano inédita à sua dieta vegetariana tradicional.
deve estar se perguntando quem era esse povo de Oldowan. A que espécie eles A ESTA ALTURA O LEITOR deve pertenciam pertenciam e qual era o seu aspecto. Para responder re sponder a essas pergunt perguntas, as, devemos retornar retornar brevem bre vement entee aos australopitecos e sua história evolutiva. Os antropólogos discordam a respeito do tipo de relações estabelecidas entre as espécies australopitecas que existiam antes de 2,5 milhões de anos atrás, e a recente descoberta do Kenyanthropus do Kenyanthropus platyops só platyops só conseguiu exacerbar esse debate. Antes da descoberta do platyops, platyops , muitas autoridades concordavam que o Austral Australopithecus opithecus afarensis afarensis era a única espécie humana entre 3,5 e 3 milhões de anos atrás e que constituía o ancestral de todos os seres humanos posteriores. O afarensis pode afarensis pode ser o ancestral mais plausível de muitos ou de todos os seres humanos, mas o platyops fornece platyops fornece uma alternativa que não pode ser posta de lado a priori. priori. Igualmente importante, ele sugere que as novas descobertas só aumentam as escolhas, já que revelam uma espécie adicional e não esperada de australopiteco. Fica claro é que, quando as ferramentas de Oldowan apareceram, por volta de 2,5 milhões de anos atrás, o homem dividia-se entre pelo menos duas linhagens evolutivas. Uma levou ao posterior australopi australopiteco teco robusto robusto e a outra ao gênero gênero Homo Homo ( (Figura Figura 3.5) 3.5) Não se sabe quan quando do as duas linhagens linhagens se separaram separara m, mas uma uma hipótese razoável é que se desviaram abruptamente entre 2,8 e 2,5 milhões de anos atrás, quando as mudanças climáticas reduziram a umidade na África, causando a extinção e o aparecimento de novas espécies entre antílopes e outros grupos mamíferos. O ponto-chave é que as linhagens já estavam separadas quando as ferramentas de Oldowan
apareceram. Portanto, devemos considerar mais de um potencial produtor de instrumentos. Ninguém duvida que os primeiros representantes do Homo Homo tenham criado instrumentos de pedra, mas e o australopiteco robusto? A pergunta não é hipotética, já que pedras lascadas foram encontradas com o robustus na robustus na caverna Swartkrans, na África do Sul, e com o seu primo da África oriental, o boisei, boisei, no desfiladeiro de Olduvai e outros sítios daquela região. O antropólogo Randall Susman, da Universidade do Estado de Nova York, em Stony Brook, propôs uma regra do polegar para determinar se o australopiteco robusto produziu artefatos do tipo de Oldowan. Ele observa que os chimpanzés têm dedos curvos, com pontas estreitas e polegares curtos. Essa estrutura da mão gera uma garra poderosa, útil para escalar árvores. Os seres humanos, ao contrário, têm dedos mais curtos e retos, com pontas largas e polegares mais fortes e vigorosos. A mão humana permite uma garra precisa, preci sa, adequ ade quada ada para pa ra abrir abr ir um pote, escrever com um uma caneta ou lascar pedras. A diferença entre entre o chimpanzé e o ser humano manifesta-se no metacarpiano do polegar, o osso da borda da palma que passa entre entre o pulso e o próprio polegar. polegar. Nos chimpanz chimpanzés, és, o metacarpiano do polegar é relativamente relativamente curto e estreito, especialmente na extremidade, onde se articula com o primeiro osso (falange) do polegar (Figura 3.6). 3.6). Nos seres humanos é relativamente mais comprido e largo; em combinação com uma ponta de polegar também mais larga, fornece fixação para três músculos que os chimpanzés não possuem e que permitem permitem uma garra precisa.
Figura 3.5 Diagrama de uma árvore (filogenia) ligando as espécies humanas. As barras pontilhadas indicam os intervalos hipotéticos de tempo. Os ramos largos da árvore são estabelecidos, mas novas descobertas podem alterar as conexões propostas entre as ramificações.
Austral ustralopithecus opithecus afarensis, afarensis, e o critério de Susman sugere que Nenhu Nenhum ma ferrament ferramentaa é associada ao ao A afarensis tinha um metacarpiano do polegar como o dos não deveríamos mesmo esperar isso, já que o afarensis tinha erectus e Homo Homo neanderthalensis neanderthal ensis,, chimpanzés. As ferramentas são abundantes com os posteriores Hom posteriores Homoo erectus e que tinham um metacarpiano do polegar tipicamente humano. As ferramentas de pedra também ocorrem em sítios onde se encontram australopitecos robustos, mas, nesse caso, nenhuma previsão é possível, porque os mesmos esmos sítios em geral contêm contêm ossos dos primeiros primeiros Homo. Homo. E aí reside um dilema. Os primeiros Homo primeiros Homo e e os australopitecos robustos podem ser nitidamente diferenciados apenas pelos dentes e crânios. Os ossos isolados dos membros, encontrados em muitos sítios, poderiam vir de qualquer um dos dois. Em Swartkrans, esses ossos incluem um metacarpiano do polegar, que Susman atribui ao robustus, robustus,
pois os dentes e partes de crânio que sem dúvida lhe pertencem superam bastante os do Homo. Quanto à forma, o metacarpiano é tipicamente humano, e se a ponderação de Susman for aceita, isso pode indicar que o robusto fez algumas ou todas as ferramentas de pedra de Swartkrans. O problema é que o metacarpiano pode representar o Homo, e isso seria até mesmo provável, já que se assemelha enormemente aos polegares metacarpianos de seres humanos muito posteriores. Em resumo, a forma do metacarpiano do polegar não aponta sem sombra de dúvida o robustus como um criador de ferramentas de pedra.
Figura 3.6 Metacarpianos do polegar de um ser humano moderno, do Paranthropus robustus, do Australopithecus af arensis e de um chimpanzé.
Por conseguinte, é possível que tanto o robustus quanto os primeiros Homo tenham criado ferramentas de pedra. Sendo assim, contudo, poderíamos esperar duas tradições distintas de ferramentas entre 2,5 milhões de anos atrás e o tempo em que o robustus e seu parente da África oriental, o boisei, foram extintos, há um milhão de anos ou pouco antes disso. As ferramentas de Oldowan podem ser toscas demais para revelar tradições separadas, mas as ferramentas da indústria ou cultura acheuliana, que substituíram as de Oldowan, de 1,7 a 1,6 milhão de anos atrás, eram mais formais e sugerem apenas uma tradição evolutiva. Ninguém questiona o fato de o Homo sozinho ter criado a tradição acheuliana, já que ele perdurou durante muito tempo após o desaparecimento dos australopitecos robustos. Não queremos com isso afirmar que o robustus não tenha produzido ferramentas. Ele pode até ter sido responsável por alguns fragmentos de ossos polidos, encontrados em Swartkrans e na vizinha caverna Drimolen. Experiências com réplicas modernas indicam que o polimento se fazia quando alguém usava fragmentos para abrir ninhos de cupim. Os chimpanzés saboreiam cupins, e em alguns grupos é rotina utilizarem galhos modificados para mexer nos ninhos. Se o robustus tivesse introduzido uma transformação mais agressiva nessa estratégia básica, seu sucesso poderia explicar uma peculiaridade na composição de carbono do seu esmalte dentário. O carbono vem em duas formas não-radioativas que ocorrem naturalmente (isótopos) – carbono 12 (12C) e carbono 13 (13C). Em ambientes tropicais ou subtropicais como aqueles em que o robustus vivia, a grama tendia a ser significativamente mais rica em 13C do que folhas, tubérculos, frutas ou nozes. A relação do 13C para o 12C no esmalte dentário de um animal reflete a relação de seus alimentos preferidos. Uma equipe de geoquímicos liderada por Julia Lee-Thorp, da Universidade de Cidade do Cabo, mostrou que o esmalte dos dentes do robustus é
relativamente enriquecido em 13C. Os indivíduos do gênero robustus deviam, portanto, incluir grande quantidade de ervas na sua alimentação ou ingerir animais comedores de grama. A ingestão da grama pode ser descartada, pois ela contém partículas pequenas e duras (fitólitos) que marcam os dentes de forma distinta, e os dentes do robustus não apresentam os arranhões característicos. A idéia de que eles se alimentavam de antílopes comedores de grama ou de outros mamíferos não pode ser descartada, mas seria menos arriscado pensar em cupins ou outros invertebrados que se alimentavam de pasto.
SE ELIMINARMOS O AUSTRALOPITECO robusto, pode parecer simples determinar quem fez as ferramentas de Oldowan. Mas infelizmente não se pode fazer isso, e para encontrar a explicação devemos voltar um pouco e nos estender sobre a história da pesquisa dos Leakey no desfiladeiro de Olduvai. Cabe lembrar que seu primeiro fóssil humano representava o australopiteco robusto, o Paranthropus boisei. O fóssil foi encontrado em 1959 no sítio FLKI, perto da parte inferior do desfiladeiro, acompanhado de inúmeras ferramentas de Oldowan e fragmentos de ossos de animais. Não é de surpreender que tenham suposto que os boisei haviam feito as ferramentas e coletado os ossos. (Inicialmente falavam de Zinjanthropus boisei ou “o homem Boisei da África oriental”, em homenagem a um dos seus patrocinadores. A espécie foi depois chamada de Paranthropus, mas Zinjanthropus ou “Zinj” continua existindo no vernáculo, e FLKI é com freqüência conhecido de forma alternativa como FLK-Zinj.) Em 1961, o mundo paleoantropológico levou um choque quando Louis, Jack Evernden e Garniss Curtis, pioneiros na datação do tipo potássio/argônio da Universidade da Califórnia, em Berkeley, anunciaram que o “Zinj” e suas ferramentas remontavam a 1,75 milhão de anos. A data por si gerou uma revolução, uma vez que até aquele momento muitas autoridades, inclusive Louis Leakey, supunham que a evolução humana englobasse não mais de um milhão de anos. De repente havia muito mais tempo para acomodar a mudança biológica e a comportamental. A descoberta de “Zinj” permitiu aos Leakey obter fundos para escavar outros sítios Olduvai de 1,8 a 1,6 milhão de anos, e eles logo recuperaram restos de uma segunda espécie bípede, de cérebro maior e dentes menores. Louis e seus colegas anatomistas, Phillip Tobias e John Napier, descreveram-no formalmente na revista Nature, em 1964, apelidando-o de Homo habilis, ou factótum, para fortalecer sua crença de que esta espécie – e não a de Zinj – era a que havia produzido as ferramentas de Oldowan. Eles e outros concluíram que o crescimento do cérebro favoreceu a produção de ferramentas, e que as ferramentas para processar os alimentos haviam criado dentes de mastigação menores. Ao reduzir “Zinj” a um status não-tecnológico, anteciparam a posição que adotamos neste livro. No entanto, os anos não favoreceram o habilis, e há agora razão para se questionar sua posição como espécie e como produtor de ferramentas. Em poucas palavras, a dificuldade do habilis pode ser resumida no seguinte: entre 1969 e 1975 uma equipe liderada pelo filho dos Leakey, Richard, recuperou diversos crânios, mandíbulas e outros ossos de depósitos datados entre 1,9 e 1,6 milhão de anos atrás em Koobi Fora, na margem leste do lago Turkana, no norte do Quênia. O intervalo de tempo era o mesmo que os Leakey tinham estabelecido para o boisei e o habilis em Olduvai. Alguns dos espécimes de Koobi Fora claramente representavam o boisei, e para o presente propósito podem ser postos de lado. Outros vêm de alguma coisa mais parecida ao Homo, mas se forem englobados à amostra do habilis de Olduvai, este se tornará extremamente variável. Alguns indivíduos (de Koobi Fora) tinham crânios relativamente grandes e dentes avantajados, do tamanho daqueles atribuídos aos australopitecos; enquanto outros (tanto de Koobi Fora quanto de Olduvai) tinham crânios pequenos, do tamanho dos do australopiteco, e dentes diminutos, semelhantes aos do Homo (Figura 3.7). O volume do cérebro, estimado a partir de oito crânios Olduvai e Koobi Fora, tinha em média 630cm3, mas os tamanhos se estendiam de 510cm3 a 750cm3. Tanto o menor crânio quanto
o maior vêm de Koobi Fora, e ossos de membros do mesmo depósito implicam que havia igualmente grandes diferenças no tamanho dos corpos. Para alguns especialistas, as diferenças sugerem uma persistência do alto grau de dimorfismo sexual que caracterizava os australopitecos; mas para outros indicam que o habilis na verdade é uma mistura de duas espécies. A espécie de cérebro e dentes menores ainda poderia ser chamada habilis, já que condiz mais de perto com a definição que Louis Leakey e seus colegas elaboraram em 1964. Seu contemporâneo de crânio e dentes maiores exigiria um novo nome, e seus defensores propuseram Homo rudolfensis, baseado em “Rudolf”, o agora obsoleto nome colonial para o lago Turkana. Se aceitarmos duas espécies, só uma delas podia ser ancestral dos seres humanos posteriores, incluindo nós mesmos, e a escolha não é fácil. Se enfatizarmos a expansão do cérebro, então o rudolfensis é claramente o vencedor; mas se a redução facial e dentária forem acentuadas, o habilis é o melhor candidato. Os ossos dos membros podem favorecer o rudolfensis, se admitirmos que alguns ossos isolados e maiores dos quadris (fêmures) representam essa espécie. Em tamanho e forma, eles se assemelham de perto aos ossos dos quadris dos humanos posteriores e sugerem que o rudolfensis era significativamente maior que qualquer outro australopiteco conhecido. Por outro lado, dois esqueletos parciais bastante fragmentados, considerados representantes do habilis em sentido estrito, sugerem corpos diminutos (é possível que os indivíduos não ultrapassassem um metro de altura) e braços incrivelmente compridos, se comparados às pernas. Pelo fato de o rudolfensis possuir dentição e corpo semelhantes aos do australopiteco e o cérebro pequeno do habilis, algumas autoridades sugeriram que ambos deveriam ser retirados da linhagem Homo e colocados na Australopithecus. Essa é basicamente uma questão de definição, e uma resposta não nos ajudará a decidir se o habilis, o rudolfensis ou ambos produziram as ferramentas de Oldowan, que foram encontradas nos mesmos depósitos de Olduvai e Koobi Fora. Infelizmente até o momento não há qualquer maneira de saber disso; e se eles eram realmente espécies distintas, podemos apenas especular sobre suas diferenças ecológicas e comportamentais.
Figura 3.7 Crânios reconstruídos do Homo habilis encontrados em depósitos a leste do lago Turkana (anteriormente lago Rudolf), no norte do Quênia. Os especialistas que pretendem dividir o Homo habilis em duas espécies manteriam o crânio à esquerda no Homo habilis, mas atribuiriam o crânio à direita a uma nova (segunda) espécie, Homo rudolfensis.
O ENIGMA HABILIS / RUDOLFENSIS poderia ser resolvido se os pesquisadores de fósseis pudessem recuperar um número razoável de ossos adicionais para determinar de maneira conclusiva que existiriam muitas formas em termos de anatomia e tamanho entre 1,9 e 1,6 milhão de anos atrás. Se as descobertas futuras confirmarem que havia apenas duas, a conclusão seria a existência de uma única espécie, marcada por um grau extraordinário de dimorfismo sexual. Se novas descobertas sugerirem quatro formas, podemos concluir que havia duas espécies, cada qual, obviamente, com dois sexos. O problema poderia ser resolvido também se os trabalhadores de campo conseguissem recuperar outros esqueletos mais completos, que confirmassem o tamanho do corpo e suas proporções em uma ou em ambas as espécies. Mas tudo isso é apenas conjectura, e o andamento das descobertas fósseis indica que é muito improvável que essas questões sejam logo resolvidas. Obviamente também é crucial conhecer a história do habilis/rudolfensis anterior a dois milhões de anos atrás. Em alguns traços do rosto e da sobrancelha, o rudolfensis lembra o Kenyanthropus platyops, de 3,5 milhões de anos; se a semelhança implicar uma relação de ancestralidade e descendência, o rudolfensis poderia ser passado do Homo para o Kenyanthropus. Isso reduziria a variabilidade enigmática do Homo antigo, mas não existem fósseis entre 3,5 e 1,9 milhões de anos ligando o platyops ao rudolfensis, e as diferenças entre eles são profundas quanto ao tamanho do cérebro, dos dentes e
outros aspectos. Portanto, até o momento, nos parece sensato não julgar a possibilidade de uma ligação entre os dois. O certo é que a linhagem (ou linhagens) que produziu o habilis/rudolfensis tornou-se distinta por volta de 2,5 milhões de anos atrás, pois a linhagem colateral que produziu o australopiteco robusto já tinha surgido nessa época. Infelizmente, afora o platyops, até o momento existem apenas três fósseis que podem documentar o habilis/rudolfensis antes do período de dois milhões de anos: um fragmento de crânio de Chemeron, no Quênia; uma mandíbula inferior de Uraha, em Malawi; e uma mandíbula superior de Hadar, na Etiópia (Figura 3.8). A mandíbula de Hadar é a de maior importância, pois pertence mais evidentemente ao omo do que o fragmento de crânio de Chemeron; ela é mais precisamente datada que a mandíbula de Uraha. A análise do potássio/argônio das cinzas vulcânicas a seu redor situa a mandíbula de Hadar um pouco antes de 2,33 milhões de anos atrás. Ela lembra a do Homo sob muitos aspectos, inclusive os molares estreitados, a limitada projeção para a frente (prognatismo) abaixo da cavidade nasal e a forma parabólica da arcada dentária – o caminho que a língua delineia ao passar por cima de cada dente, começando com o terceiro molar de um lado e terminando com o terceiro molar do outro. Nos australopitecos, os molares tendem a ser significativamente mais largos, a mandíbula superior projeta-se ainda mais para a frente abaixo do nariz e a arcada dentária tem um formato mais nítido de U. Na área próxima à mandíbula, uma equipe de Hadar liderada por William Kimbel encontrou três talhadores de Oldowan e 17 lascas de pedra erodidas no mesmo depósito; quando escavaram, recuperaram outra ferramenta nuclear e mais 13 lascas de pedra. Também encontraram fragmentos de ossos de animais, inclusive um que continha uma possível marca de ferramenta de pedra. Até o momento esses artefatos são os mais antigos recuperados em associação direta com um fóssil humano. Nem a mandíbula de Hadar nem os outros dois fósseis, que podem representar o Homo antes do período de dois milhões de anos atrás, dão qualquer informação sobre o tamanho do cérebro, mas se a pedra lascada e o aumento do cérebro estiverem intimamente ligados, o crescimento do cérebro começou por volta de 2,5 milhões de anos. Descobertas futuras poderão confirmar isso ou não. O crânio do ustralopithecus garhi, de Bouri, na Etiópia, descrito no capítulo anterior, fornece material para os que duvidam dessa hipótese. Antecipa o Homo pela dentição, mas não no que diz respeito ao cérebro, que não é maior que o dos australopitecos. Os depósitos de Bouri não apresentaram artefato de pedra algum, mas forneceram ossos de animais cortados e quebrados com ferramentas de pedra. Em oposição à região próxima de Gona, Bouri não apresentou pedras arredondadas ou outros fragmentos que pudessem ser adequados ao processo de lascar a pedra; quando os criadores das ferramentas por ali passavam, talvez conservassem cuidadosamente seus utensílios até poder retornar a um local como Gona. Se assim foi, eles pensavam em termos de futuro, o que é uma característica nitidamente humana. Os ossos marcados incluem uma tíbia de antílope cortada, golpeada e retalhada várias vezes para que se pudesse chegar ao tutano; o fêmur de um cavalo com três dedos na pata, cortado quando foi separado dos ossos adjacentes e cuja carne foi retirada; e uma mandíbula inferior de antílope, cortada na superfície interior, quando a língua foi removida.
Figura 3.8 Mandíbulas superiores do Australopithecus af arensis e do primeiro Homo de Hadar, na Etiópia.
As conclusões podem ser, como sugeriu a revista Time em abril de 1999, que o garhi foi o “primeiro açougueiro” do mundo. Tim White, cuja equipe encontrou o crânio garhi e os ossos marcados pelas ferramentas, é mais cauteloso: “É uma prova circunstancial, e nem tão definitiva assim. É possível que alguns outros hominídeos tenham vindo, deixado as ferramentas, e um ano depois um carnívoro tenha deixado a carcaça de um tipo diferente de hominídeo ( garhi) no mesmo lugar.” Ele prossegue: “Mas o que depreendemos disso é que havia um hominídeo nesse hábitat com ferramentas de pedra, engajado no processamento de carcaças de mamíferos de grande porte. Isso é muito importante. Em certos casos, o comportamento é mais importante do que saber se era um garhi que praticava tais ações.” White chama o processador de ossos de “superomnívoro”, para distingui-lo de seus predecessores, provavelmente mais semelhantes ao macaco quanto à dieta e ao comportamento. White e sua equipe exploraram todas as revelações de fósseis e artefatos encontradas em Bouri, e ainda teremos de esperar muitos anos, talvez décadas ou séculos, para que uma nova erosão forneça outras pistas nesse mesmo lugar. Todavia, há outros sítios de idade semelhante a serem explorados na África oriental, e um deles ainda pode proporcionar provas da existência de outra espécie de cérebro maior, datada de 2,5 milhões de anos atrás. A descoberta irá satisfazer os que acreditam que o crescimento do cérebro e a fragmentação da pedra originaram-se de uma mesma curva evolutiva, em que um alimentou o outro. Se o garhi, no entanto, coexistiu com um companheiro de cérebro maior, então deve ter havido pelo menos três tipos humanos distintos por volta de 2,5 milhões de anos atrás – um antigo australopiteco robusto, o garhi e a suposta espécie de cérebro maior. Poderíamos até mesmo afirmar a existência de quatro tipos, se aceitarmos, como parece cada vez mais provável, que o ustralopithecus africanus restringiu-se à África do Sul, desaparecendo no mesmo local, sem conseqüências maiores, por volta de dois milhões de anos atrás. Em resumo, a metáfora apropriada para a evolução humana entre três e dois milhões de anos atrás pode ser um arbusto, e o alto grau de variabilidade no habilis/rudolfensis entre 1,9 e 1,6 milhão de anos poderia representar as pontas de muitos ramos que o registro fóssil irá revelar com o tempo. Se houve tal arbusto, contudo, a seleção natural podou-o severamente há 1,6 milhão de anos, e depois disso apenas dois ramos sobreviveram – o australopiteco robusto e a linhagem que finalmente levou ao homem de hoje (Figura 3.5). Por volta de 1,7 milhão de anos atrás, essa linhagem tinha produzido uma espécie que partia exatamente dos australopitecos em termos de anatomia, comportamento e ecologia, e não há qualquer dúvida quanto à sua atribuição ao Homo. Seus representantes foram chamados os primeiros “humanos verdadeiros”. Iremos explorar em seguida o importante passo que eles representam no longo caminho em direção à cultura humana.
O termo “bulbo de percussão” é utilizado aqui no sentido de protuberância arredondada para golpear, bater. ( N.T.) 1
4 Os primeiros humanos verdadeiros
NÓS SUGERIMOS QUE A EVOLUÇÃO humana foi caracterizada por uma série de passos curtos e abruptos, ou pontuações, que separavam períodos longos de pouca ou nenhuma mudança. Até aqui descrevemos uma possível primeira pontuação, ocorrida entre sete e cinco milhões de anos atrás, que produziu os macacos bípedes; e um segundo evento mais bem evidenciado, ocorrido entre três e dois milhões de anos atrás, produzindo os primeiros criadores de ferramentas de pedra. A maneira abrupta pela qual se deu cada passo é discutível, mas a estabilidade que a ele se seguiu é patente. Desse modo, a anatomia dos macacos bípedes pouco mudou ao longo dos intervalos que chegaram a durar um milhão de anos ou mais. A anatomia dos primeiros criadores de ferramentas é muito pouco conhecida, mas provavelmente podemos afirmar que era tão conservadora quanto as ferramentas produzidas, cuja falta de mudança ao longo do tempo é notável. Eles podem ter tido cérebros maiores que os macacos bípedes, mas podem também ter mantido a parte superior do corpo semelhante à do macaco e um alto grau de diferença de tamanho entre os sexos. Se assim foi, é provável que tenham continuado a contar bastante com as árvores como fonte de alimento e refúgio, e mantido uma organização social próxima à dos símios, envolvendo pouca ou nenhuma cooperação entre os sexos. Quando os conhecermos melhor, poderemos decidir para todos os efeitos e propósitos que eles eram “macacos tecnológicos”. Agora voltamos ao terceiro passo, ocorrido por volta de 1,8 e 1,7 milhão de anos atrás. Essa etapa é mais amplamente documentada que as anteriores e foi ao menos tão significativa quanto elas, pois produziu uma espécie que antecipou os seres humanos atuais em termos de anatomia e comportamento, com exceção do cérebro menor. Tendo isso em mente, esses elementos podem ser razoavelmente chamados de os primeiros “humanos verdadeiros”, e é assim que iremos nos referir a eles aqui. Desde logo os primeiros humanos verdadeiros foram responsáveis por um grande avanço na tecnologia da pedra lascada. Mas, depois disso, tanto sua anatomia quanto seus artefatos parecem ter permanecido marcadamente estáveis por um milhão de anos ou mais. Com relação a esse aspecto eles marcharam no mesmo ritmo de seus predecessores.
EM FINS DE AGOSTO DE 1984 Kamoya Kimeu começou a pesquisar fósseis na margem sul do rio ariokotome, a oeste do lago Turkana, no norte do Quênia. Kimeu foi por muito tempo assistente de Richard e Meave Leakey em suas buscas de ossos humanos antigos; ao se aposentar, em 1993, provavelmente tinha mais material a oferecer que qualquer outra pessoa. Nessa ocasião sua equipe permaneceu no campo por duas semanas, mas a grande quantidade de fósseis encontrados não incluía espécimes humanos. Eles planejaram levantar acampamento no dia seguinte, porém enquanto os outros descansavam ou cumpriam suas tarefas, Kimeu continuou a pesquisa. Escolheu um lugar difícil, pouco promissor, uma pequena elevação protegida por uma árvore de acácia, numa vala banhada de sol. A superfície estava coberta de seixos de lava, e qualquer fóssil erodido provavelmente teria sido esmagado pelos rebanhos de cabras ou manadas de camelos. As chances de Kimeu pareciam pequenas, mas como ele já tinha superado diversas adversidades, não esmoreceu. Logo depois encontrou um pedaço de osso
preto do tamanho de uma caixa de fósforos, que pouco se distinguia dos seixos ao redor, e quando o levantou percebeu que pertencia à testa de uma espécie humana extinta. A descoberta de Kimeu levou os Leakey e seu colega paleoantropólogo Alan Walker ao local. Durante os quatro anos seguintes, grupos por eles liderados escavaram meticulosamente os depósitos próximos. No final, não só conseguiram juntar um crânio inteiro, como recuperaram a maior parte do esqueleto que o acompanhava. Este pertencia a um adolescente do sexo masculino e logo recebeu dos seus descobridores o apelido de “menino de Turkana”. As análises dos sedimentos mostraram que o menino tinha morrido e sido rapidamente enterrado à beira de um pântano há mais ou menos 1,5 milhão de anos. Seu esqueleto estava ainda mais completo que o de Lucy – encontrado uma década antes em depósitos 1,8 milhão de anos mais antigos e é até hoje o mais completo representante dos humanos que viveram há mais de 120 mil anos. O significado do menino de Turkana é o mesmo que o de Lucy, pois se ela não deixou dúvida alguma quanto ao fato de pertencer à categoria dos macacos bípedes, o menino de Turkana mostrou igualmente, de maneira clara, que pertencia à espécie dos humanos verdadeiros.
Figura 4.1 Estrutura e proporções corporais do “menino de Turkana” e de “Lucy”.
Vale lembrar que Lucy era pequena – tinha provavelmente um metro de altura –, de braços muito compridos em comparação com as pernas. Tinha também um cone semelhante ao dos macacos, ou seja, um tronco afunilado, que se estreitava a partir da pelve até os ombros (Figura 4.1). A certa distância, um observador contemporâneo poderia confundi-la com um tipo de chimpanzé. O menino de Turkana era alto – media aproximadamente 1,62m quando morreu e atingiria 1,82m ou mais se tivesse sobrevivido até a idade adulta. Seus braços, em relação às pernas, tinham a mesma proporção encontrada nos seres humanos atuais, e o tórax tinha formato de barril sobre quadris estreitados. A distância, nosso viajante do tempo poderia tê-lo confundido com um dos pastores magricelas de Turkana, que vivem hoje ao redor de ariokotome.
Figura 4.2 Crânio do “menino de Turkana”.
De perto nosso observador perceberia logo o erro, pois o menino de Turkana tinha um crânio e um rosto que assustariam qualquer ser humano (Figura 4.2). Seu cérebro era quase totalmente desenvolvido, mas seu volume era de apenas 880cm3, só 130cm3 maior que o máximo encontrado no Homo habilis (incluindo todos os seus possíveis componentes), e 450 a 500cm3 abaixo da média do homem atual. O aumento de tamanho em comparação ao habilis desaparece se levarmos em consideração o tamanho do corpo, bastante maior. A caixa craniana – a parte do crânio que envolve o cérebro – era comprida e baixa, e as paredes do crânio, excepcionalmente grossas. Foi a grossura do fragmento de testa que primeiro chamou a atenção de Kimeu para o tipo de humano que havia encontrado. A testa do menino era chata, recuada, descia e juntava-se em ângulo a uma elevação ossuda ou arcada superciliar semelhante a uma viseira sobre os olhos. O nariz era tipicamente humano no que diz respeito à projeção para a frente e às narinas orientadas para baixo. Nesse ponto diferenciava-se dos australopitecos e do habilis, com nariz semelhante ao do macaco, embutido no rosto. Afora o nariz, no entanto, o marcante no rosto era o comprimento de alto a baixo e as mandíbulas muito projetadas para a frente. Tanto as mandíbulas inferiores quanto as superiores eram possantes, com dentes de mastigação significativamente maiores que os nossos, embora menores que a média no habilis ou nos australopitecos. O osso abaixo dos dentes frontais inferiores inclinava-se levemente para trás, o que deixava o menino completamente sem queixo. Ao contemplar uma improvável combinação de corpo moderno e cabeça primitiva, nosso observador hipotético poderia se perguntar se o seu companheiro era um visitante de outro universo, ou talvez o produto de uma estranha experiência genética. De certa maneira, o menino de Turkana era ambas as coisas, mas o outro universo era o nosso próprio mundo há muitos anos, e o cientista que fazia a experiência era a natureza.
O ESQUELETO DO MENINO de Turkana forneceu uma prova única a respeito da estrutura corporal dos seres humanos de seu tempo. Mas do início à metade da década de 1970, equipes do Museu Nacional do Quênia já tinham recuperado dois crânios, nove mandíbulas inferiores parciais, um esqueleto muito menos completo e ossos isolados de membros muito semelhantes aos dele. Os espécimes vieram de depósitos datados entre 1,8 e 1,6 milhão de anos, em Koobi Fora, na margem leste do lago Turkana. Desde o tempo da descoberta foram equiparados aos fósseis asiáticos que são atribuídos à espécie primitiva de humanos, o Homo erectus. A antigüidade dos espécimes asiáticos é discutida por razões que explicaremos adiante, porém muitas delas, se não todas, têm provavelmente idade inferior a um milhão de anos. Sendo assim, como muitos especialistas acreditam, os espécimes de Koobi Fora, Nariokotome e
da Ásia oriental deveriam ser colocados na mesma espécie, e o erectus teria origem africana.
Figura 4.3 O diagrama de árvore mostra as relações sugeridas entre o Homo ergaster e as espécies humanas posteriores.
As semelhanças entre os fósseis da África oriental e da Ásia são inquestionáveis, mas alguns estudiosos também apontaram diferenças sutis e potencialmente significativas. Assim, em média, os crânios africanos tendem a ter a cabeça mais abobadada e as paredes mais finas que os de seus companheiros da Ásia oriental, cujos rostos e arcadas superciliares são menos possantes. Sob esse e outros aspectos, são mais primitivos ou menos especializados e podem ser atribuídos experimentalmente a uma espécie separada, para a qual se propôs o nome Homo ergaster . Esse nome pode ser traduzido de maneira grosseira como “homem trabalhador”, e foi primeiro aplicado a alguns dos fósseis de Koobi Fora que vinham de depósitos contendo ferramentas de pedra lascada. A transferência dos fósseis da África oriental da classificação de erectus para a de ergaster seria normal se aceitássemos a idéia anteriormente comum de que o segundo era o ancestral direto do Homo apiens, o que o poria num estágio simplesmente anterior ao erectus. Os fósseis que datam de 500 mil anos atrás, no entanto, indicam agora que o sapiens se desenvolveu na África, e o erectus continuou sem modificações na Ásia oriental (Figura 4.3). No que diz respeito à forma e à idade geológica, o ergaster está bem posicionado para ser o ancestral não só do erectus como também do sapiens, e essa é a visão que adotamos aqui. A ancestralidade do ergaster é obscura, mas ele pode ter se originado subitamente do habilis (ou de uma das variantes das quais o habilis pode ter se separado), como uma reação de adaptação a um aumento brusco da aridez e da periodicidade da queda de chuva na região da África oriental há mais ou menos 1,7 milhão de anos. Por outro lado, no final do capítulo anterior observamos que pesquisas futuras ainda podem revelar um arbusto com vários ramos de espécies humanas, entre três e dois milhões de anos atrás. Nesse caso o ergaster poderia representar um ramo totalmente separado das variantes do habilis. No desfiladeiro de Olduvai, este último ou uma de suas variantes pode ter perdurado até 1,6 milhão de anos atrás, porém depois disso o ergaster sobreviveu sozinho. Sua história a partir de um milhão de anos atrás é discutível, pois poucos fósseis relevantes são conhecidos. Evidências presentes contudo indicam que ele pode ter perdurado por muito tempo sem transformações até 600 mil anos atrás, quando o tamanho de seu cérebro aumentou rapidamente e surgiram novas espécies humanas mais
avançadas.
ÀS VEZES PARECE QUE as controvérsias a respeito das classificações de espécies e das relações entre ancestrais e descendentes dominam a paleoantropologia; na verdade os paleoantropólogos sabem que sua prioridade priori dade deve ser compreender compreender como como eram os humanos umanos antigos antigos e como como eles se comportavam comportavam.. Alan Walker e Richard Leakey – que dirigiram juntos a escavação onde foi encontrado o esqueleto do menino de Turkana, junto com Meave Leakey – perceberam que esse achado fornecia uma oportunidade única para explorar a biologia de uma uma espécie hu hum mana primitiva. primitiva. Então Então chamaram chamaram colegas anatom anatomistas istas para estudá-lo em conjunto, e o resultado foi uma descrição monográfica abrangente e estimulante que incita nosso conhecimento a respeito do ergaster . Em média, o volume do cérebro no ergaster era era aproximadamente de 900cm3, grande o bastante para inventar os novos tipos de ferramentas de pedra com as quais ele é associado; mas pequeno o bastante para explicar por que essas ferrament ferramentas as mudaram mudaram tão tão pouco durante durante os milhões milhões de anos que que se seguiram. seguiram. Considerando sobretudo o desenvolvimento dentário, o menino de Turkana tinha provavelmente 11 anos de idade no momento em que morreu, mas sua estatura se comparava mais à de um jovem contemporâneo de 15 anos, com o cérebro de um garoto de um ano. Essa soma levou Walker a concluir: “Se o menino de Turkana era inteligente para os padrões dos macacos, em relação aos humanos de hoje era alto, forte e estúpido.” A mesma declaração poderia ser aplicada igualmente a qualquer um que vivesse entre 1,8 milhão e 600 mil a 500 mil anos atrás, antes que um impulso no volume do cérebro o levasse para mais perto da média média contemporânea. contemporânea. A forma do corpo e o tamanho contam uma história diferente, e a esse respeito o ergaster era tão humano quanto qualquer homem de hoje. A diminuição do comprimento dos braços em relação às pernas assinala o abandono final de qualquer tipo de utilização tipicamente símia das árvores (no caso, para alimento ou refúgio). Um maior comprometimento com a vida no solo significou ênfase na capacidade de andar com os dois pés, o que poderia explicar o estreitamento dos quadris (pelve) e o desenvolvimento concomitante do peito em forma de barril. A pelve estreitada aumentou a eficiência dos músculos que movimentam as pernas para caminhar com os dois pés, e teria forçado a parte inferior da caixa torácica a estreitar-se de modo correspondente. Para manter o volume do peito e a função do pulmão, a parte superior da caixa torácica teria sido obrigada a expandir-se, decorrendo daí sua moderna forma de barril. barril . O estreitam e streitament entoo da pelve acarretou também também o estreitament estreitamentoo do canal de passagem do feto, o que deve ter levado a uma redução do crescimento do cérebro antes do nascimento. A dependência das crianças deve ter se prolongado, prenunciando o grande período em que os filhos dependem dos pais, típico dos seres humanos. Provavelmente o estreitamento pélvico reduziu também o volume do aparelho digestivo, mas isso só pode ter ocorrido caso a qualidade da comida comida tenha tenha melhorado simu simultaneam ltaneament ente. e. As provas arqueológicas diretas do aparecimento de um novo tipo de alimentação são escassas ou ambíguas, mas as opções são maiores quantidades de carne e tutano, maior número de tubérculos, bulbos e outros organismos armazenados no subsolo, ou as duas coisas ao mesmo tempo. O cozimento também pode terse tornado rotina, já que ele tornaria a carne e os tubérculos muito mais digeríveis; até hoje as fogueiras ou lareiras são contudo desconhecidas antes de 250 mil anos atrás, época em que o ergaster foi substitu substituído ído por espécies mais avançadas. A arqueologia mostra que o ergaster foi foi a primeira espécie humana a colonizar ambientes quentes e áridos na África, o que pode explicar parcialmente por que o menino de Turkana tinha a formação semelhante à de um habitante da África equatorial do leste, com corpo magro e membros longos. À medida que o tronco afina, o volume do corpo diminui mais rapidamente que a área de pele – e uma área
de pele maior produz a dissipação do calor. Membros longos significam o mesmo benefício. Em povos como como os inuítes inuítes ou esquimós, esquimós, que precisam prec isam conservar conservar o calor, ca lor, observamos o oposto – corpos atarracados e membros curtos, reduzindo a perda de calor. A adaptação às condições quentes e secas também podem explicar por que o ergaster foi a primeira espécie humana a ter o nariz projetado para a frente. Nos homens de hoje, o nariz é geralmente mais frio que o corpo central, e assim tende a condensar a umidade que, de outro modo, seria desprendida durante períodos de muita atividade. Finalmente, já que o ergaster foi feito para um clima quente e seco, podemos especular que ele foi também a primeira espécie humana a possuir pele nua, quase sem pêlos. Se tivesse pêlos cobrindo o corpo, como os macacos, não poderia suar de maneira adequada, e o suor é o meio mais importante que os seres humanos – e o cérebro – têm para evitar o superaqueciment superaquecimentoo do corpo. Quando o esqueleto do menino de Turkana é avaliado com relação aos ossos dos membros, isolados de outros indivíduos, torna-se claro que o ergaster era era não só mais alto e mais pesado que os primeiros hum hu manos; a diferença di ferença de tamanh tamanhoo entre os sexos era er a a mesma que a do homem homem atual. atual. Isso cont co ntras rasta ta com os australopi australopitecos tecos e talvez com os habilis, habilis, nos quais os machos eram muito maiores que as fêmeas. Entre as espécies símias que exibem um grau semelhante de diferença de tamanho entre os sexos, os machos competem de maneira intensa por fêmeas sexualmente receptivas, e as relações entre macho e fêmea tendem a ser transitórias e não-cooperativas. A diferença reduzida de tamanho entre os sexos entre os ergaster pode pode apontar o início de um padrão mais tipicamente humano, no qual a competição entre os machos é reduzida e as relações com as fêmeas são mais duradouras, envolvendo um maior grau de proteção mút mútuua.
CERTAMENTE significa que o ergaster era era menos inteligente que os seres humanos O CÉREBRO PEQUENO CERTAMENTE de hoje; e se o tamanho do cérebro fosse o único aspecto a considerar, poderíamos nos perguntar se ele diferia cognitivamente do habilis habilis (ou habilis/rudolfensis). habilis/rudolfensis). Mas nós levamos em conta também os artefatos – que mostram que ele realmente diferia. As ferramentas também nos ajudam a compreender como o ergaster foi capaz de colonizar os ambientes mais áridos aos quais estava fisiologicamente adaptado, e como se tornou a primeira espécie humana a expandir-se para fora da África. Os primeiros criadores de ferramentas, o povo de Oldowan, dominavam a mecânica de lascas na pedra e eram muit muitoo bons em produ pr oduzir zir lascas de bordas afiadas, qu quee podiam cortar peles de animais animais ou retirar a carne do osso. Ao mesmo tempo fizeram pouco ou nenhum esforço para moldar as formas nucleares de onde as lascas eram produzidas, utilizando-as principalmente para quebrar os ossos em busca de tutan tutano. o. Para esse propósito o formato formato do nú núcleo cleo não im i mportava muito. uito. O ergaster , no entanto, iniciou uma tradição na qual as formas nucleares eram com freqüência criadas de maneira deliberada ou até mesmo mesmo meticulosa, e a forma obviamen obv iamente te im i mportava muito. O artefato característico da nova tradição era o machado de mão ou bilateral – uma pedra arredondada e plana, mais ou menos lascada em ambas as superfícies (daí o termo bilateral) para produzir produzir uma uma borda afiada em e m toda a periferia (Figura (Figura 4.4). 4.4). Muitos machados de mão assemelhavam-se a grandes lágrimas, pois estreitavam-se de uma base larga ou extremidade mais grossa de um lado para uma ponta arredondada no outro. Formas ovais, triangulares e outras também eram comuns, e em alguns lugares os criadores dos machados de mão produziram peças com uma borda reta e afiada, tipo guilhotina, do lado contrário ao da base grossa (Figura ( Figura 4.5). 4.5). Os arqueólogos, em geral, chamam essas peças de cutelo cutelo de açougu açougueiro para distin di stingu gui-la i-lass dos machados machados de mão, nos quais quais uma uma extremidade extremidade tende tende a ser mais pontuda. John Frere, tataravô de Mary Leakey, foi algumas vezes considerado a primeiro pessoa a reconhecer a origem humana e a grande antigüidade dos machados de mão. Em 1797 enviou uma carta à Sociedade
dos Antiquários de Londres, descrevendo dois machados de mão cuidadosamente produzidos que tinha recuperado de depósitos num lago antigo em Hoxne, Suffolk, na Inglaterra. Ossos de animais extintos foram encontrados por perto, e Frere concluiu que os machados de mão tinham sido “usados por um povo que ainda não usava os metais” e pertenciam “a um período bastante antigo”. Os colegas arqueólogos de Frere ignoraram em grande parte sua opinião, e foi o oficial da alfândega francesa, Boucher de Perthes, quem primeiro retomou o tema. Entre aproximadamente 1836 e 1845, de Perthes recolheu machados de mão e ossos de mamíferos extintos entre antigos seixos do rio Somme, próximo à cidade de Abbeville, no norte norte da França, e concluiu: concluiu: “Apesar das im i mperfeições, essas e ssas pedras pe dras ru r udes provam pr ovam a existência existência antiga antiga do homem, tanto quanto um Louvre pode um dia fazêlo.” Suas ponderações foram inicialmente rejeitadas, mas ganharam credibilidade em 1854, quando o dr. Rigollot, um cético ilustre, começou a encontrar machados de pederneira entre pedregulhos próximos a St. Acheul, um subúrbio de Amiens. Em 1858 o eminente geólogo britânico Joseph Prestwich visitou Abbeville e St. Acheul para verificar por si mesmo as provas. pro vas. Voltou Voltou convencido convencido,, e o caso foi aberto. ab erto. Os arqueólogos arqueól ogos em seguida seguida atribuíra a tribuíram m a fabricação fabric ação de de ferramentas antigas como os machados de mão à cultura ou indústria acheuliana, assim chamada em homenagem à prolífica localidade em St. Acheul. Mais tarde, quando artefatos semelhantes foram reconhecidos na África, também foram atribuídos aos acheulianos, e hoje sabemos que o tipo de produção encont encontrada rada em St. Acheu Acheull estava presente na na África África muito muito antes antes de chegar chegar à Europa. Europa.
Figura 4.4 Um machado de mão primitivo da caverna de Sterkfontein; e um machado de mão acheuliano posterior de Kathu Pan.
Figura 4.5 Um cutelo de açougueiro acheuliano primitivo da caverna de Sterkfontein, e outro cutelo acheuliano posterior, de Elandsfontein, corte 10.
As ferramentas acheulianas conhecidas há mais tempo são datadas de 1,65 milhão de anos atrás e provêm da mesma região oeste de Turkana, no norte do Quênia, a mesma que forneceu o menino de Turkana, embora tenham sido encontradas em sítios diferentes. Os artefatos acheulianos também são bem documentados e remontam a 1,5 a 1,2 milhão de anos atrás, em Konso, no sul da Etiópia, nas escarpas de Karari, a leste do lago Turkana, no norte do Quênia, e em Peninj, próximo ao desfiladeiro de Olduvai, no norte da Tanzânia. Em cada caso, a datação de potássio/argônio verificou a antigüidade com segurança semelhante à demonstração da presença do ergaster por volta de 1,8 a 1,7 milhão de anos atrás. A correspondência próxima entre o mais antigo ergaster e os mais antigos acheulianos não é provavelmente uma coincidência. Peninj forneceu uma mandíbula inferior de um australopiteco robusto, o Paranthropus boisei, mas isto mostra apenas que o boisei perdurou após o aparecimento do ergaster , e não que criou ferramentas acheulianas. Konso forneceu um terceiro molar superior e a metade esquerda de uma mandíbula inferior com quatro dentes do ergaster , e ele é o mais provável autor das ferramentas, não só porque tinha um cérebro maior que o boisei, mas também porque as ferramentas acheulianas continuaram imutáveis durante um milhão de anos, quando o boisei já se extinguira. As ferramentas acheulianas certamente se originaram das de Oldowan, e os mais antigos conjuntos acheulianos contêm com freqüência numerosas formas nucleares e lascas de pedra no estilo de Oldowan em seus machados de mão. Num sentido amplo, as formas nucleares de Oldowan antecipam as bilaterais acheulianas, mas nenhum conjunto de Oldowan ou acheuliano contém ferramentas verdadeiramente intermediárias entre os dois. O conceito da bilateralidade parece ter aparecido muito subitamente numa época específica, como a que pode ter produzido o ergaster . Os primeiros autores das ferramentas
bilaterais fizeram uma outra descoberta notável, ligada com freqüência à manufatura do bilateral: eles aprenderam como produzir grandes lascas, às vezes de mais de 30cm de comprimento, a partir de pedras grandes e arredondadas. Foi desse tipo de pedra que fizeram machados de mão e cutelos de açougueiro. Conjuntos antigos de ferramentas de pedra com lascas grandes podem ser atribuídos aos acheulianos, mesmo nas ocasiões em que, talvez por acaso, esses conjuntos não tenham machados de mão.
O TERMO MACHADO DE MÃO implica que cada peça era segura com a mão e usada para cortar. Contudo, vários machados de mão são muito grandes e desajeitados para isso, e seu uso preciso permanece em questão. A dúvida é ainda maior em sítios como Melka Kunturé, na Etiópia, Olorgesailie, no Quênia, Isimila, na Tanzânia, e na cachoeira de Kalambo, na Zâmbia, onde existem centenas de machados de mão, quase sempre amontoados e sem sinais óbvios de uso. Esses sítios estimularam os arqueólogos Marek Khon e Steven Mithen a propor que os machados de mão acheulianos talvez funcionassem como a plumagem de um pavão macho – um emblema para impressionar e atrair companheiras. Quando uma fêmea via um bilateral grande e bem-feito nas mãos de seu criador, podia concluir que ele possuía a determinação, a coordenação e a força necessárias para ser pai de seus filhos. Depois de conseguir uma companheira, o macho podia simplesmente descartar o símbolo de seu sucesso, junto com outros que já tinham servido a seu propósito. A hipótese de seleção de companheiras não pode ser rejeitada, mas os sítios com grandes concentrações de machados de mão aparentemente sem uso são menos comuns que aqueles onde os machados de mão são mais raros, embora demonstrem sinais de uso. Como as ferramentas apresentam grande variedade de tamanho e formato, é provável que tivessem funções múltiplas e utilitárias. Alguns formatos mais cuidadosos e simétricos talvez fossem usados em jogos com a função de discos; outras peças, feitas de maneira mais informal, podem ter servido simplesmente como fontes portáteis de lascas afiadas; e outras, ainda, podem ter sido usadas para cortar ou raspar madeira. As experiências também mostraram que os machados de mão tornaram-se eficientes ferramentas de açougueiro, particularmente para desmembrar as carcaças de elefantes ou outros animais de grande porte. A verdade é que os machados de mão podem ter sido usados para qualquer propósito imaginável, e provavelmente se assemelhavam mais a uma faca do exército suíço do que a uma cauda de pavão. Uma vez posta em andamento, a indústria acheuliana foi notavelmente conservadora, e diz-se com freqüência que perdurou sem transformações desde o começo, há aproximadamente 1,6 milhão de anos, até o fim, há mais ou menos 250 mil anos. O arqueólogo de Harvard, Glynn Isaac, que analisou os artefatos acheulianos de uma seqüência profundamente estratificada em Olorgesailie, no Quênia, observou que as ferramentas mostram uma “igualdade variável” e impressionam “até mesmo os mais entusiastas, pela sua monotonia”. Por “igualdade variável” ele queria dizer que as mudanças na forma dos machados de mão de camada a camada parecem ter sido amplamente aleatórias, e não há qualquer tendência direcional óbvia. Com freqüência, a razão pela qual os machados de mão num conjunto parecem mais refinados que em outro pode estar ligada ao fato de haver tipos diferentes de matéria-prima à disposição. A pederneira ou o sílex córneo, por exemplo, são em geral muito mais fáceis de lascar que a lava; e onde as pessoas podiam encontrar pedaços de pederneira grandes o bastante, os machados de mão tendiam a parecer mais refinados. Contudo, a despeito da aparente igualdade por períodos tão longos, os primeiros e os últimos conjuntos de artefatos acheulianos diferem em alguns aspectos importantes. Os primeiros machados de mão tendem a ser muito mais grossos, menos extensivamente trabalhados e menos simétricos (Figura 4.4). São moldados em geral por menos de dez lascas, e as marcas produzidas por elas são quase sempre profundas. As experiências modernas indicam que tais marcas resultam do uso de martelos “duros” (ou
seja, pedras). Os machados de mão acheulianos posteriores são às vezes igualmente grosseiros, porém muitos são bem finos e trabalhados de maneira extensa, além de muito simétricos, não só quanto à forma plana como também quanto às bordas. As marcas finais das lascas são superficiais e planas, e os esforços para reduplicá-las indicam que elas foram produzidas provavelmente com martelos “macios” (de osso ou de madeira).
Figura 4.6 Estágios da manufatura de uma lasca clássica levallois, cujo tamanho e forma foram predeterminados pelo núcleo.
Além disso, os machados de mão do período acheuliano posterior quase sempre são acompanhados de ferramentas mais refinadas de pedra lascada que antecipam as dos povos que sucederam os acheulianos (do período moustierense ou do paleolítico superior). Como seus sucessores, os acheulianos posteriores também sabiam preparar o núcleo para fornecer uma lasca de tamanho e forma predeterminados (Figura 4.6). Os arqueólogos chamam essa preparação deliberada do núcleo de técnica levalloise, nome retirado de um subúrbio de Paris onde os núcleos preparados foram encontrados e reconhecidos no final do século XIX. O termo levallois referese estritamente a um método de lascar a pedra, e não a uma cultura ou tradição. Esse tipo de lasca foi criado e praticado por povos de várias culturas e tradições, inclusive e especialmente pelos acheulianos posteriores e seus sucessores imediatos. Em qualquer época, algumas pessoas de certas regiões empregavam essa técnica com freqüência, enquanto outras, de regiões diferentes, quase não a utilizavam. Muito dessa variação provavelmente reflete diferenças na disponibilidade de matéria-prima adequada. A maioria dos conjuntos acheulianos é datada de maneira imprecisa dentro da longa extensão de tempo que compreende o período acheuliano. Mas as pesquisas futuras poderão mostrar que houve realmente dois períodos de estabilidade acheuliana, representando o acheuliano primitivo e o posterior. Esses períodos podem ter sido separados por uma curta explosão de mudanças relativamente rápidas na produção dos artefatos, grosso modo datada de cerca de 600 mil anos atrás, que resultaram nos machados de mão mais refinados do acheuliano posterior e que podem ter coincidido com um aumento relativamente abrupto do tamanho do cérebro humano.
JÁ OBSERVAMOS QUE O Homo ergaster foi a primeira espécie humana a expandir-se para fora da África. Mas a época em que tal fenômeno ocorreu é controversa. Para compreendermos a razão disso, devemos voltar um pouco atrás e remeter-nos à descoberta e datação de seu descendente da Ásia oriental, o Homo
erectus. A história começa com o holandês Eugène Dubois, um médico e visionário. Dubois nasceu em 1858, um ano antes de Darwin publicar sua obra clássica A origem das espécies, na qual mostrava como a seleção natural pôde direcionar a mudança evolutiva. Dubois desenvolveu uma paixão pela evolução humana, tornando-se o primeiro paleoantropólogo profissional a dedicar-se completamente à pesquisa de fósseis. Concentrou-se na Indonésia, na época uma colônia holandesa, que ele e outros consideravam um lugar lógico para começar, pois ali ainda viviam macacos que se podiam assemelhar aos proto-humanos. Obteve uma indicação para trabalhar como médico do exército holandês das Índias Orientais e chegou à Indonésia em dezembro de 1887. Começou sua pesquisa imediatamente, e em outubro de 1891 descobriu depósitos entre os cascalhos de um leito antigo de rio próximo ao vilarejo de Trinil, junto ao rio Solo, na região central de Java (Figura 4.7). Ali, juntamente com ossos de animais antigos, encontrou um topo de crânio humano de baixa curvatura angular e paredes espessas, com arcadas superciliares semelhantes a uma prateleira. Em agosto de 1892, no local onde achou que estivessem os mesmos depósitos, recuperou um osso de fêmur quase completo, absolutamente moderno em termos anatômicos. O osso do fêmur e o topo do crânio convenceram-no de que tinha descoberto uma forma ereta, transitória entre o homem e o macaco, e em 1894 decidiu chamá-lo de Pithecanthropus erectus (“homemmacaco ereto”). Essa terminologia foi mais tarde trocada para Homo erectus por cientistas que se beneficiaram de um registro fóssil muito mais completo e de uma abordagem mais elaborada para o uso dos nomes das espécies. A implicação da mudança foi mostrar que o erectus não se diferenciava tanto dos seres humanos modernos quanto Dubois acreditava. A mudança de nomenclatura é em parte uma questão de gosto, mas o ponto verdadeiramente importante é que o erectus estava muito afastado dos seus ancestrais símios, tanto em termos de anatomia quanto de tempo.
Figura 4.7 Locais dos sítios mencionados neste capítulo.
A reivindicação de Dubois sobre o Pithecanthropus encontrou o mesmo tipo de resistência que a de Dart sobre o Australopithecus encontraria 30 anos depois. Dubois foi desencorajado e, após seu retorno à Holanda, em 1895, desistiu de pesquisar fósseis humanos. Só em 1936 começou a sua defesa, quando G.H.R. von Koenigswald descreveu um segundo crânio de Pithecanthropus em Mojokerto, na região oriental de Java. O espécime de Mojokerto representava uma criança entre quatro e seis anos, mas
também com arcadas superciliares incipientes, testa chata e recuada, parte traseira de perfil anguloso (não arredondada) e outras características que lembravam o achado de Dubois. Entre 1937 e 1941, von Koenigswald anunciou a descoberta adicional de três crânios parciais de adultos, algumas mandíbulas inferiores fragmentadas e dentes isolados, em Sangiran, mais ou menos 50km acima do rio Solo, em Trinil, Java central (Figura 4.8). Ossos associados de animais sugeriam que dois dos crânios de Sangiran tinham aproximadamente a mesma idade do crânio de Trinil, e que o terceiro era um pouco mais velho. Entre 1952 e 1977, os depósitos de Sangiran produziram três crânios adicionais, alguns fragmentos de crânio e seis mandíbulas inferiores parciais. Desde então, só houve descobertas esporádicas. A mais recente foi um topo de crânio surgido em 1999, numa loja da cidade de Nova York que compra e revende fósseis e artefatos antigos. O proprietário reconheceu o valor do topo de crânio e o ofereceu aos cientistas do Museu Americano de História Natural. Mais tarde o crânio foi enviado à curadoria da Indonésia. Ainda assim, em termos extremos, a descoberta de Nova York ilustra um problema que cerca todos os fósseis de Java, a começar pela descoberta original de Dubois – seu contexto estratigráfico não foi cuidadosamente documentado no campo. Muitas vezes até a precisão dos locais de descoberta é incerta, pois os descobridores eram fazendeiros que vendiam os fósseis a cientistas. Java é uma terra de vulcões e teoricamente oferece o mesmo potencial para datação de fósseis que a África oriental, pois os depósitos com freqüência contêm fragmentos de rocha vulcânica ou camadas de cinzas receptivas à datação de potássio/argônio. Em alguns locais os depósitos contêm também um tipo de cristal vítreo que se origina dos meteoritos, cuja liquefação ocorre antes de eles atingirem a Terra e que podem ser datados do mesmo modo que a lava ou a cinza. As datações de vários materiais de Java variam de 2 milhões a 470 mil anos atrás, mas seu significado é difícil de ser avaliado, já que a relação estratigráfica dos materiais entre si e com os fósseis é desconhecida.
Figura 4.8 Reconstruções de Franz Weidenreich dos crânios do Homo erectus clássico da Indonésia e da China.
Garniss Curtis, diretor do Centro de Geocronologia de Berkeley, e seu colega Carl Swisher, hoje na Universidade de Rutgers, produziram as datações mais confiáveis e mais amplamente divulgadas. Curtis trabalhou na datação revolucionária de potássio/argônio no desfiladeiro de Olduvai e outros sítios da África oriental na década de 1960 e fez sua primeira tentativa em Java, em 1974. Coletou uma amostra de rocha vulcânica na vizinhança do sítio de Mojokerto, que produziu o crânio da criança em 1936, e chegou a uma idade de 1,9 milhão de anos atrás. No entanto poucas autoridades levaram essa datação a sério, principalmente porque a relação estratigráfica entre a amostra datada e o crânio era obscura. Entre 1992 e 1993 Curtis retornou a Java com Swisher para fazer outra tentativa. Os dois coletaram amostras de rocha vulcânica fresca de Mojokerto e examinaram o crânio encontrado no local. Descobriram que o material vulcânico ainda estava grudado à base, e Swisher pegou emprestado o canivete de bolso de Curtis para arrancar alguns pedaços. A pequena amostra do crânio provou ser muito pobre em potássio radioativo para fornecer uma idade confiável, mas a composição mineralógica e química assemelhava-se a amostras maiores coletadas no campo. Quando Swisher analisou essas amostras, chegou à idade de 1,81 milhão de anos, só um pouco mais novas que o primeiro resultado de Curtis. Enquanto Swisher estava em Java, coletou amostras vulcânicas de uma área próxima a Sangiran, que forneceu mais de 30 fósseis de erectus, chegando a uma idade de um 1,65 milhão de anos. Se as datações de Mojokerto e Sangiran forem tomadas em valor nominal, conclui-se que o Homo erectus chegou a Java mais ou menos na mesma época que o Homo ergaster surgia na África oriental. Nesse caso, ou teríamos
que abandonar a distinção de espécies entre o ergaster e o erectus, ou deveríamos argumentar que ambos compartilharam um ancestral comum, ainda mais antigo e não identificado. Esse ancestral poderia até ter vivido na Ásia oriental, e não na África. Então, por que não aceitar as datas e revisar o nosso entendimento da evolução humana? Principalmente porque não dispomos de observações estratigráficas fundamentais em Mojokerto ou em Sangiran. A datação de Mojokerto é de longe a mais convincente, pois se baseia em material vulcânico como aquele ainda grudado ao crânio. Mas a experiência na África oriental mostra que partículas vulcânicas podem ser introduzidas pela ação das correntes em depósitos muito mais jovens, e é preciso um trabalho de campo meticuloso de modo a detectar a possibilidade de tal ressedimentação. Para avaliar a relevância das datações de Mojokerto e de Sangiran, necessitaríamos saber, por exemplo, se as amostras vulcânicas de horizontes estratigraficamente superpostos fornecem datações estratigráficas consistentes, isto é, se as camadas mais profundas fornecem datas mais antigas. Caso contrário, sugere-se seriamente a ressedimentação, e a data em cada camada específica pode superestimar o tempo de sua formação, talvez por um intervalo substancial. As idades de 1,81 a 1,65 milhão de anos para o erectus de Mojokerto e Sangiran não podem ser simplesmente descartadas, mas contradizem outras estimativas de idade dos mesmos depósitos baseadas em fósseis animais, paleomagnetismo e datação pelo método de rastreamento da fissão. Esse método é primo da datação do tipo potássio/argônio e depende da decadência radioativa do urânio que ocorre naturalmente dentro das rochas vulcânicas. Como o potássio/argônio, estima o tempo em que as rochas foram aquecidas pela última vez a uma temperatura alta. Se as datas atribuídas por esse método ao material javanês estiverem corretas, os fósseis do erectus de Mojokerto e Sangiran dificilmente teriam idade superior a um milhão de anos. Fósseis de erectus são também conhecidos na China, e até então os sítios chineses mais confiáveis estão datados de aproximadamente um milhão de anos ou pouco antes. Até o momento, não há qualquer razão convincente para se duvidar que o erectus descenda do ergaster .
O HOMO ERECTUS DA ÁSIA oriental mostra que uma espécie humana tinha deixado a África por volta de um milhão de anos atrás, e acredita-se que essa espécie foi o Homo ergaster . Mas fora o debate a respeito do tipo humano envolvido, podemos também nos perguntar por que eles deixaram seu local de origem e que rotas tomaram. Em oposição a muitas outras questões em paleoantropologia, estas são perguntas relativamente fáceis de responder. A arqueologia mostra que por volta de 1,5 milhão de anos atrás, pouco após o ergaster ter surgido na África, os humanos ocuparam de modo mais intenso as periferias mais secas das bacias dos lagos, no solo do vale da Grande Fenda, e colonizaram pela primeira vez o alto platô da Etiópia (2.300 a 2.400m acima do nível do mar). Por volta de um milhão de anos atrás, tinham estendido sua área para as longínquas margens do norte e sul da África. O deserto de Saara era uma barreira impenetrável para o deslocamento na direção do norte, mas durante o longo intervalo de tempo acheuliano houve vários períodos em que essa região se tornou mais úmida e menos hostil, e o povo acheuliano aí penetrou prontamente. Quanto às questões sobre como e por que eles se expandiram pela África e ainda mais além, é quase certo que esses deslocamentos ocorreram de forma automática, simplesmente porque sua fisiologia e tecnologia lhes permitiu habitar territórios que ninguém tinha ocupado antes. Um grupo da periferia da esfera humana esgotava periodicamente sua base de recursos, e uma minoria dissidente separava-se e formava um novo agrupamento num território vazio próximo. É provável que esses agrupamentos raramente fossem longe, mas com o tempo o processo de dissidência em busca de novos territórios inevitavelmente teria levado os povos ao ponto mais extremo do nordeste africano. De lá, membros de um grupo dissidente teriam colonizado o ponto extremo do sudoeste asiático, sem sequer saber que
tinham deixado a África. Do sudoeste da Ásia, o mesmo processo de crescimento de grupos humanos teria levado inevitavelmente outros grupos para o leste, chegando à China e à Indonésia, ou para o norte e o oeste, chegando à Europa. Em teoria, os primeiros emigrantes podiam também ter se dispersado pelo estreito de Gibraltar, do estreito de Bab-el-Mandeb, no extremo sul do mar Vermelho, ou mesmo passando de ilha em ilha pela parte central do Mediterrâneo. Mas cada uma dessas rotas exigiria embarcações que pudessem navegar no mar, mesmo durante os repetidos intervalos em que os grandes lençóis continentais de gelo sugaram a água dos oceanos e o nível do mar caiu em 140m ou mais. Não há prova inequívoca da existência dessas embarcações até 60 mil anos atrás (e posterior a essa data), quando os humanos modernos devem tê-las utilizado para cruzar o mar situado a sudeste da Ásia em direção à Austrália. Os primeiros povos a deixar a África cruzaram a fronteira entre o Egito e Israel de hoje. Portanto, não é de surpreender que Israel possua o mais antigo sítio arqueológico firmemente documentado fora da África, localizado em Ubeidiya, no vale do rio Jordão, onde depósitos de lagos e rios antigos forneceram aproximadamente oito mil pedras lascadas. Incluem machados de mão e outras peças que se assemelham enormemente aos primeiros artefatos acheulianos do desfiladeiro de Olduvai e outros sítios africanos. Essas ferramentas foram situadas no intervalo entre 1,4 e 1 milhão de anos atrás, por meio de fósseis associados de mamíferos, paleomagnetismo e datação de potássio/argônio feita num fluxo de lava que cobria o material. Muitas das espécies de mamíferos de Ubeidiya são euroasiáticas, mas algumas são africanas, o que nos faz lembrar como Israel fica próximo à África. Durante a longa extensão de tempo da evolução humana, Israel foi invadido repetidas vezes por espécies africanas de animais, quase sempre durante os períodos mais quentes, entre as épocas mais longas de grande expansão do lençol de gelo. (Durante o último período quente, mais ou menos entre 125 mil e 90 mil anos atrás, os imigrantes africanos incluíam os primeiros humanos modernos ou semimodernos.) Isso leva à possibilidade de Ubeidiya representar mais um ligeiro e transitório aumento ecológico na África do que uma verdadeira dispersão humana para a Eurásia. Se quisermos demonstrar uma dispersão genuína, teremos de nos aprofundar mais na questão. A Ásia oriental com seus fósseis de Homo erectus mostra que essa dispersão deve ter ocorrido há um milhão de anos. A Europa também pode ter sido ocupada cedo, mas a evidência mais antiga e amplamente aceita a respeito da colonização humana nesse continente tem apenas 800 mil anos de idade. A prova vem de Gran Dolina, uma caverna em Atapuerca, perto de Burgos, na Espanha, que examinaremos no próximo capítulo. Em outros lugares da Europa há pouca ou nenhuma indicação da presença de povos em época anterior a aproximadamente 500 mil anos, e talvez só então tenha se consolidado a formação de colônias nesse continente. Os europeus de 500 mil a 400 mil anos atrás pareciam muito com seus contemporâneos da África e produziram artefatos acheulianos semelhantes, o que pode indicar uma onda adicional de imigração africana. Considerando apenas os fósseis e artefatos da Ásia oriental e da Europa, poderíamos concluir que os povos se espalharam da África (além de Israel) há aproximadamente um milhão de anos ou pouco antes. Uma descoberta espetacular no sítio de Dmanisi, na República da Geórgia, mostrou recentemente que essa conclusão pode ser prematura. Dmanisi é uma fortaleza medieval em ruínas que os arqueólogos georgianos escavaram por muitos anos. Em 1984 eles atravessaram a fundação de uma estrutura medieval dentro de um depósito de rio antigo, com ossos de animais e artefatos de pedra lascada. As escavações seguintes produziram mais de mil artefatos e dois mil ossos, sendo que entre estes estavam dois crânios humanos parciais (Figura 4.9), duas mandíbulas inferiores e um osso da sola do pé. Os crânios assemelham-se muito aos do Homo ergaster da África oriental, mas Dmanisi situa-se 1.500km ao norte de Ubeidiya, entre as cadeias maiores e menores das montanhas do Cáucaso (Figura 4.7). Não resta portanto qualquer dúvida de que esse achado marca uma dispersão precoce, apesar de não sabermos
ainda quão antiga foi. A análise de potássio/argônio mostra que um basalto vulcânico na base dos depósitos de Dmanisi foi formado há aproximadamente 1,85 milhão de anos. Se a data for correta, o basalto teria se formado durante o subcron paleomagnético normal de Olduvai, entre 1,95 e 1,77 milhão de anos atrás (Figura 3.3), devendo apresentar uma polaridade normal. E efetivamente apresenta, assim como os depósitos de rio que contêm fósseis e artefatos. Considerando que a superfície do basalto é virgem, os depósitos de rio provavelmente a cobriram pouco após o seu esfriamento, e quase certamente também datam do período subcron de Olduvai, anterior a 1,77 milhão de anos atrás. Levando isso em conta, os fósseis do ergaster de Dmanisi poderiam ser tão antigos quanto quaisquer outros da África. No entanto, há um problema aí. Os fósseis humanos e os de outros animais ocorrem em grandes depressões que sofreram erosão dentro dos depósitos normalmente magnetizados do rio, e as depressões estão cheias de depósitos que apresentam um magnetismo oposto. Os fósseis devem ter, portanto, idade inferior a 1,77 milhão de anos, e com base apenas no paleomagnetismo poderiam datar de qualquer época entre 1,77 milhão e 780 mil anos atrás, a última vez em que o campo magnético da Terra se inverteu. Afirma-se que os mamíferos de Dmanisi teriam uma idade próxima a 1,77 milhão de anos, mas eles representam uma mistura única de espécies, algumas das quais seriam os registros mais novos conhecidos de sua ocorrência, e outras seriam mais antigas. Um trabalho de campo contínuo pode mostrar que duas montagens de espécies distintas misturaram-se inadvertidamente; sendo assim, será necessário um trabalho adicional para mostrar qual montagem inclui o Homo ergaster .
Figura 4.9 Crânio número 2282 de Dmanisi, na Geórgia.
Os artefatos de Dmanisi incluem apenas lascas e seixos lascados. Não há machados de mão, o que pode significar que o sítio formou-se antes dessas ferramentas serem inventadas, há aproximadamente 1,7 a 1,6 milhão de anos. Contudo, mesmo muito depois dessa época, nem todos os sítios da África e da Europa contêm machados de mão, e a razão disso é obscura. As camadas de 800 mil anos de idade em Gran Dolina, na Espanha, são um exemplo disso; outras ocorrem após o período de 500 mil anos atrás, nas mesmas partes do sul e do oeste da Europa em que os produtores de machados de mão tinham se
estabelecido. Em suma, a ausência de machados de mão em Dmanisi não quer dizer que o povo fosse préacheuliano, e os artefatos de Dmanisi exigem uma descrição mais detalhada para determinar se eles diferiam dos artefatos acheulianos em outros aspectos. Há ainda o problema das diferentes publicações sobre Dmanisi apresentarem descrições inconsistentes da relação estratigráfica entre os artefatos e os fósseis. A antigüidade da presença humana em Dmanisi, portanto, permanece uma questão em aberto. Se pesquisas futuras demonstrarem que os ossos humanos e os artefatos datam de 1,77 milhão de anos atrás, o Homo ergaster deve ter deixado a África logo depois que surgiu, e seremos forçados a especular como os povos se expandiram tão para o norte e só conseguiram alcançar a Europa talvez um milhão de anos mais tarde. Se a idade de Dmanisi estiver próxima a um milhão de anos, o hiato anterior à ocupação inicial da Europa seria muito menor, e os crânios de Dmanisi sugeririam que o ergaster permaneceu essencialmente intacto por centenas de milhares de anos. Com exceção dos crânios de Dmanisi, há apenas dois outros entre 1,5 milhão e 600 mil anos de idade que se relacionam à questão da mudança evolutiva do ergaster : um crânio parcial do desfiladeiro de Olduvai, ao qual atribui-se a idade de 1,2 milhão de anos, e um crânio incompleto de Buia, próximo à costa do mar Vermelho, em Eritréia, leste da África, com aproximadamente um milhão de anos de idade. O topo do crânio de Olduvai é como o do erectus no que diz respeito às arcadas superciliares pronunciadas e à grossura das paredes, porém com relação a outras características mais detalhadas, é semelhante ao ergaster . O crânio de Buia só difere dos primeiros crânios do ergaster no que se refere às arcadas superciliares mais grossas; apresenta também uma ocorrência mais clara da existência de uma continuidade anatômica de longo prazo.
POR VOLTA DE 600 MIL a 500 mil anos atrás, apareceram na África pessoas com caixas cerebrais maiores e de aparência mais moderna. Com base em parte na nossa leitura do registro dos artefatos, levantamos a hipótese de que essas pessoas tenham evoluído abruptamente do ergaster . Assemelhavamse muito aos europeus de 500 mil a 400 mil anos atrás, e africanos e europeus foram muitas vezes classificados na espécie Homo heidelbergensis, assim denominada porque se encontrou uma mandíbula inferior num areal em escavação em Mauer, perto de Heidelberg, Alemanha, em 1907. Talvez a expansão do heidelbergensis para fora da África, há aproximadamente 500 mil anos, é que tenha levado a tradição acheuliana para a Europa. No capítulo seguinte sugerimos que o Homo heidelbergensis representa o último ancestral dos neandertalenses, que evoluíram na Europa há 500 mil anos, e dos homens modernos, que evoluíram na África durante o mesmo intervalo de tempo (Figura 4.3). Nos capítulos seguintes reforçaremos as evidências fósseis e arqueológicas de que os homens modernos se expandiram para fora da África há 50 mil anos, e “atolaram” ou substituíram os neandertalenses na Europa. Mas o que foi feito do Homo erectus, que estava firmemente estabelecido na Ásia oriental muito antes que a linha de união entre neandertais e homens modernos divergisse? O problema é difícil de ser tratado, porque os fósseis e artefatos relevantes da Ásia oriental são mais esparsos e menos bem datados que os europeus. Ainda assim, as evidências fósseis e arqueológicas indicam que o erectus continuou sua própria trajetória evolutiva divergente 500 mil anos atrás, quando neandertais e homens modernos tinham se separado no Ocidente. Isso sugere que, com o tempo, ele sofreu o mesmo destino dos neandertais. Os últimos fósseis mais notáveis do erectus vêm do sítio de Ngandong, no rio Solo, perto de Trinil, Java central. Lá, entre 1931 e 1933, escavações em depósitos de rios antigos, realizadas pela Pesquisa Geológica Holandesa em Java, recuperaram mais de 25 mil ossos fósseis, incluindo 12 crânios humanos parcialmente completos e dois ossos humanos incompletos de tíbia. Entre 1976 e 1980, pesquisadores da
Universidade de Gadjah Mada, em Yogyakarta, expandiram as escavações de Ngandong e desenterraram mais 1.200 ossos, incluindo dois crânios humanos incompletos e alguns fragmentos de pelve humana. Previamente, em 1973, a mesma equipe de pesquisadores havia recuperado um crânio semelhante e um osso de tíbia humano de depósitos de rio com aproximadamente a mesma idade, localizados nas cercanias de Sambungmacan, entre Trinil e Sangiran. Os crânios de Ngandong e Sambungmacan são um pouco maiores que os pertencentes ao clássico erectus da Indonésia, mas apresentam as mesmas características básicas, incluindo a arcada superciliar avantajada, semelhante a uma prateleira, a testa chata e recuada, a caixa craniana composta por ossos grossos, a tendência das paredes do crânio de se inclinarem para dentro a partir de uma base larga e a angularidade substancial na parte posterior (Figura 4.10). Com base nesses traços, os fósseis de Ngandong e de Sambungmacan são comumente atribuídos a uma variante evoluída do erectus.
Figura 4.10 Crânios do Homo erectus posterior clássico da Indonésia.
Espécies associadas de mamíferos indicam que os fósseis humanos de Ngandong e de Sambungmacan têm menos de 300 mil anos de idade e que talvez sejam muito mais novos que isso. Em 1996, o mesmo laboratório de Geocronologia de Berkeley que forneceu as idades de 1,81 a 1,65 milhão de anos do erectus de Mojokerto e de Sangiran anunciou que os fósseis de dentes de búfalo da Índia, associados aos crânios de Ngandong e Sambungmacan, tinham entre 53 mil e 27 mil anos de idade. Essa estimativa foi baseada no método de ressonância elétrica de giro, comumente abreviada como ESR (em inglês, Electron Spin Resonance). O ESR depende da observação de que falhas na estrutura do cristalino do esmalte dentário acumulam elétrons na proporção direta à radioatividade do ambiente em que o fóssil estava enterrado. As principais fontes de radioatividade são diminutas, salvo quantidades quase ubíquas de urânio natural, tório e potássio radioativo. O ESR é essencialmente uma técnica de laboratório que mede o
número de elétrons acumulados. A taxa anual de irradiação ou “dose de radiação anual”, pode ser medida no campo; se supusermos que ela permaneceu constante ao longo do tempo, o número de elétrons acumulados reflete diretamente o número de anos desde que o fóssil foi enterrado. Na prática, o ESR encontra muitos obstáculos, entre os quais o mais sério é a possibilidade de que os dentes em qualquer sítio tenham passado por uma complexa troca de urânio com o ambiente em que o fóssil foi enterrado. Essa troca quase sempre envolve uma apreensão de urânio da água do solo, mas também pode envolver perda, e o padrão preciso de apreensão e perda afetará, evidentemente, a dose anual de radiação à qual um dente foi submetido. A possibilidade de essa dose mudar de maneira significativa ao longo do tempo deixa com freqüência os resultados do ESR abertos a questionamentos, e as datas de Ngandong e Sambungmacan não são exceções. Se forem válidas, fornecem suporte circunstancial à sobrevivência do erectus do sudeste da Ásia até ele ser substituído por invasores humanos modernos, há 60 mil anos. Mas mesmo que os crânios de Ngandong e Sambungmacan tenham de fato uma idade próxima aos 300 mil anos, ainda assim mostram que as populações do sudeste asiático tinham uma trajetória evolutiva diferente da dos seus contemporâneos europeus e africanos.
Há um conjunto igualmente importante de fósseis de Homo erectus da China que contam basicamente a mesma história. A descoberta do erectus na China origina-se do secular costume chinês de pulverizar fósseis para uso medicinal. Em 1899, um médico europeu encontrou um provável dente humano entre fósseis numa farmácia em Pequim, e a busca de sua origem levou paleontólogos a cavernas e fissuras de calcário que continham um rico e complexo depósito de fósseis, na ladeira de Longghu-shan (“Colina do Osso do Dragão”), a mais ou menos 40km a sudoeste de Pequim, perto da aldeia de Zhoukoudian. Em 1921, o geólogo sueco J.G. Andersson começou a escavar numa caverna desmoronada em Zhoukoudian; o lugar era particularmente intrigante não só pelos fósseis, mas também pelos fragmentos de quartzo que os povos pré-históricos devem ter levado ao local. O sítio foi chamado Localidade 1 para distinguir-se de outras cavernas próximas onde também se encontravam depósitos fósseis. As escavações de Andersson produziram dois dentes humanos que chamaram a atenção de Davidson Black, um anatomista canadense que ensinava na Escola Médica da União de Pequim. Black conseguiu uma bolsa da Fundação Rockefeller, e em 1927 as escavações começaram outra vez na Localidade 1. Black morreu em 1933, e em 1935 foi sucedido por Franz Weidenreich, um eminente anatomista alemão que tinha lecionado na Universidade de Chicago. As escavações continuaram até 1937, e ao longo desse tempo produziram 5 caixas cranianas humanas mais ou menos completas, 9 fragmentos grandes de cérebros, 6 fragmentos de rosto, 14 mandíbulas inferiores, 147 dentes isolados e 11 ossos de membros. Os espécimes representavam mais de 40 indivíduos de ambos os sexos e idades variadas. Os fósseis da Localidade 1 perderam-se no início da Segunda Guerra Mundial, mas Weidenreich os tinha descrito em monografias detalhadas e preparado um conjunto excelente de réplicas em argamassa, hoje guardadas no Museu Americano de História Natural. As escavações na Localidade 1 produziram outros fragmentos de fósseis de erectus entre 1949 e 1966, mas segundo as escavações originais da Localidade 1, os fósseis de erectus que mais se prestam a um diagnóstico vieram de outros sítios espalhados pelo centro-leste da China (Figura 4.7). Os espécimes incluem uma mandíbula inferior de Chenjiawo e um crânio de Gongwangling, ambos do condado de Lantian; um crânio parcial e fragmentos de mandíbula da caverna de Lontandong, no condado de Hexian; um topo de crânio também fragmentado de um depósito situado na colina de Qizianshan, no condado de Yiyuan; dois crânios parciais bastante esmagados de depósitos de um rio em Quyuankekou, no condado de Yunxian; e dois crânios desenterrados de uma caverna próxima a Tangshan, no condado de Nanjing. Os antropólogos chineses usam com freqüência os nomes dos condados em vez dos nomes dos sítios para se referir aos fósseis.
Os fósseis chineses do erectus foram datados entre 800 mil e 400 mil anos atrás, sobretudo por paleomagnetismo, associação com espécies mamíferas e mudanças climáticas registradas nos depósitos circundantes. A “datação climática” depende da suposição de que as mudanças locais podem ser relacionadas com exatidão à seqüência datada de mudanças globais registradas no fundo do mar. A soma das evidências sugere que o fóssil chinês mais antigo do erectus é provavelmente o crânio de Gongwangling, datado de aproximadamente 800 mil a 750 mil anos atrás. Os fósseis mais novos vêm da Localidade 1, em Zhoukoudian e Hexian, onde ao menos alguns espécimes se acumularam após 500 mil anos atrás. A datação não fornece nada que sugira que o erectus chegou à Ásia oriental muito antes de um milhão de anos atrás, e indica que ele perdurou depois que outros tipos humanos surgiram no Ocidente. Os fósseis chineses do erectus diferem dos da Indonésia em alguns detalhes, e as diferenças parecem crescer com o tempo. Isso pode significar que os espécimes chineses e indonésios representam duas linhagens evolutivas distintas do Extremo Oriente, mas a questão básica permanece a mesma – o erectus ou suas variantes seguiram uma trajetória evolutiva separada de populações de idade semelhante na África e na Europa.
A CHINA ACRESCENTOU uma dimensão à história do erectus que Java não tem, pois, ao contrário deste lugar, forneceu numerosos artefatos de pedra que as populações locais do erectus produziram. Na maior parte dos sítios os artefatos são atribuídos ao erectus com base na mesma antigüidade geológica, mas os artefatos são diretamente associados aos fósseis do erectus nos sítios de Lantian e especialmente na Localidade 1, em Zhoukoudian. Os artefatos mais antigos que se conhecem vêm de sítios na Bacia de ihewan, cerca de 150km a oeste de Pequim. A análise paleomagnética de sedimentos inclusos localiza sua idade entre 1,3 e 1,1 milhão de anos atrás. Alguns dos artefatos chineses são tão bem acabados ou formados quanto os artefatos acheulianos de idade semelhante da África e da Europa, mas os conjuntos chineses quase nunca possuem machados de mão. O arqueólogo de Harvard, Hallam L. Movius, foi o primeiro a ressaltar esse contraste na década de 1940, salientando que os machados de mão não tinham sido encontrados em nenhum local da Ásia, nem a leste nem ao norte da Índia. A distinção não depende da escavação, pois na Europa, e especialmente na África, os machados de mão são encontrados com freqüência na superfície, seja porque sofreram erosão onde haviam sido enterrados, seja porque nunca chegaram a ser enterrados. Movius propôs que uma linha grosseira pelo norte da Índia tenha separado a vasta tradição acheuliana da África, Europa e Ásia ocidental da tradição não-acheuliana do leste e sudeste da Ásia (Figura 4.7). Sua fronteira resistiu ao teste do tempo e transmite a mesma mensagem que os fósseis – no momento em que os seres humanos chegaram à Ásia oriental, seguiram um caminho evolutivo diferente do de seus contemporâneos da África e da Europa. Se as datas de Mojokerto e Sangiran que discutimos previamente significam que os povos colonizaram a Ásia oriental entre o período de 1,8 a 1,6 milhão de anos atrás, então os machados de mão talvez não existissem porque os colonos teriam deixado a África antes que essas ferramentas tivessem sido inventadas. No entanto, os arqueólogos da Universidade de Indiana, Nicholas Toth e Kathy Schick, sugeriram uma alternativa. Se os colonos saíram depois do aparecimento dos machados de mão, talvez tenham passado por um tipo de “obstáculo tecnológico”, talvez uma região extensa não dispusesse de matéria-prima adequada para a manufatura dos machados de mão, e na época em que eles surgiram tinham perdido o hábito de fabricá-los. É claro que isso não foi essencial ao seu sucesso contínuo, e daí em diante o isolamento pela distância pode ter impedido sua reintrodução. Esse isolamento provavelmente explica por que um forte contraste de artefatos perdurou entre o Ocidente e o Oriente, mesmo há 250 mil anos atrás, quando os seres humanos do Ocidente tinham desistido de fabricar o machado de mão.
A DIFERENÇA ENTRE O ORIENTE e o Ocidente no que diz respeito à anatomia e aos artefatos poderia sugerir que havia uma grande diferença em termos de comportamento e ecologia, mas até agora não há evidência que comprove essa hipótese. Em relação à ecologia, por exemplo, podemos dizer apenas que os seres humanos de todos os lugares tiravam sua subsistência parcialmente dos mamíferos de grande porte. A Localidade 1, de Zhoukoudian, é o sítio chinês mais informativo, e estava literalmente cheio de ossos de uma ampla variedade de espécies. Dois tipos extintos de cervo eram particularmente abundantes, o que poderia significar que a população local de erectus era hábil caçadora de cervos. Contra isso, contudo, percebemos que os depósitos da Localidade 1 também forneceram numerosas fezes de hiena fossilizadas ou coprólitos, e que muitos ossos de animais haviam sido danificados por dentes de hienas. A prova patente da atividade de hienas significa não só que elas podiam ter introduzido muitos ossos de animais como também sugere que competiam com sucesso com o erectus pela subsistência. Com base apenas nas evidências da Localidade 1, poderíamos concluir que, como predador ou aproveitador da carniça de outros mamíferos de grande porte, o erectus foi menos eficiente que as hienas. Os ossos de animais de sítios explicitamente contemporâneos da África e da Europa sugerem que o omo heidelbergensis e seus sucessores imediatos eram igualmente caçadores ineficientes. Isso é verdade, embora o heidelbergensis e o erectus tenham produzido artefatos de pedra muito diferentes. A semelhança ecológica serve para nos lembrar que as diferenças nos artefatos de pedra entre as regiões revela pouco sobre os aspectos básicos do comportamento subjacente. Mais importante para este livro é que a semelhança ecológica aparente entre o heidelbergensis e o erectus implica que ambos permaneceram iguais em termos de comportamento, mesmo depois de divergirem quanto à anatomia. Mostraremos agora que a Europa e a África ilustram o mesmo ponto fundamental – os resíduos arqueológicos (comportamentais) permaneceram muito semelhantes em ambos os continentes, mesmo quando os europeus evoluíram para os neandertais, enquanto os africanos evoluíram em direção aos homens modernos. O padrão foi quebrado há apenas cerca de 50 mil anos, quando os africanos desenvolveram a capacidade moderna de produzir cultura e rapidamente exportaram sua anatomia e seu comportamento para o resto do mundo.
5 A humanidade se expande
CERCA DE UM MILHÃO DE ANOS atrás os seres humanos expandiram-se para as costas norte e sul da África e colonizaram também o sul da Ásia até o extremo leste, chegando à China e a Java. Mas e a Europa? O sítio Dmanisi coloca povos ao sul das montanhas do Cáucaso, nos “Portões da Europa”, há um milhão de anos (Figura 5.1). Porém, apesar das pesquisas iniciadas em 1830 – e que a atividade industrial ajudou muito –, a Europa ainda não produziu um único sítio que tenha indiscutivelmente mais de 800 mil anos de idade, fornecendo apenas um ou dois com mais de 500 mil anos. Os entusiastas propuseram muitas vezes a existência de outros sítios que antedatam 500 mil anos ou mesmo um milhão de anos, mas Wil Roebroeks, arqueólogo da Universidade de Leiden, e seus colegas mostraram que a maior parte desses sítios é datada de forma duvidosa, ou que seus artefatos poderiam ser geofatos, isto é, pedras fragmentadas naturalmente por processos geológicos. O contraste com a África e com o sul da Ásia é completo, o que significa que a Europa colocou obstáculos especiais à colonização humana primitiva, particularmente durante os intervalos glaciais. Os primeiros ocupantes permanentes da Europa foram os produtores de machados de mão do período acheuliano posterior, que saíram da Espanha e da Itália para o sul da Inglaterra, ao norte, há mais ou menos 500 mil anos. Fósseis humanos ocasionais, como os de Petralona, na Grécia, e Arago, na França, sugerem que os criadores de machados de mão se pareciam com seus contemporâneos africanos, e os europeus provavelmente descendiam de uma população africana em expansão que trouxe a tradição acheuliana posterior para a Europa. Por questão de conveniência, atribuímos essa população e seus primeiros descendentes africanos e europeus à espécie Homo heidelbergensis. Este foi apresentado no capítulo anterior, quando ressaltamos que o espécime “tipo” possui uma mandíbula inferior possante e foi encontrada em 1907 num areal em escavação em Mauer, perto de Heidelberg, na Alemanha. Espécies animais associadas indicam que a mandíbula tem aproximadamente 500 mil anos de idade.
Figura 5.1 Localização aproximada dos sítios europeus mencionados no texto.
O Homo heidelbergensis compartilhava muitos traços primitivos com o Homo ergaster e o Homo erectus, incluindo rosto largo e projetado para a frente, mandíbula inferior sem queixo, dentes grandes, extensas arcadas superciliares, osso frontal (testa) chato e baixo, muita largura no lado oposto à base do crânio e paredes cranianas grossas (Figura 5.2). Por outro lado, divergia do ergaster e do erectus sob vários aspectos: cérebro bem mais avantajado, medindo em média 1.200cm3 (comparado aos aproximados 900cm3 do ergaster e 1.000cm3 do erectus clássico); arcadas superciliares mais curvas (em oposição à arcada semelhante a uma prateleira); e forma da caixa craniana mais extensa no lado oposto à testa, mais dilatada nas laterais e menos angular atrás. Como o erectus, o heidelbergensis provavelmente evoluiu do ergaster ; na anatomia e na distribuição geográfica, é um ancestral comum e plausível dos neandertalenses ( Homo neanderthalensis) que apareceram subseqüentemente na Europa e dos humanos modernos ( Homo sapiens) que se desenvolveram mais tarde na África.
O HEIDELBERGENSIS TALVEZ TENHA SIDO a primeira espécie humana a firmar-se de modo permanente na Europa, mas não foi a primeira a tentar isso. Depósitos de cavernas em Sierra de Atapuerca, próximo a Burgos, no norte da Espanha, revelam uma tentativa anterior efêmera; e depósitos de lagos antigos em Ceprano, perto de Roma, na Itália central, podem registrar outra tentativa. Apesar do nome, a Sierra de Atapuerca não é uma cadeia de montanhas, mas uma grande colina de calcário literalmente pontilhada de cavernas. Duas delas – a Sima de los Huesos e a Gran Dolina – são tão notáveis que o prestigioso Journal of Human Evolution dedicou um número especial de muitas páginas a cada uma delas, em 1997 e 1999 respectivamente. A Gran Dolina destaca-se por ter fornecido a prova mais convincente da presença humana na Europa antes do período de 500 mil anos. Sima é famosa por uma massa de fósseis humanos que documentam a evolução local européia dos heidelbergensis para os neandertais.
Figura 5.2 Crânio parcialmente reconstruído de Arago, na França, atribuído aqui ao Homo heidelbergensis.
A Gran Dolina contém 18 metros de depósitos arenosos e pedregosos expostos pela primeira vez no fosso de uma ferrovia da virada do século XX, hoje abandonada. Escavações que começaram em 1976 e que se aceleraram após 1993 mostram que os artefatos e ossos fragmentados de animais concentram-se em seis camadas discretas. A camada que nos interessa aqui é a segunda a partir da base, conhecida como TD6, que forneceu mais de 90 fósseis humanos fragmentados e 200 artefatos de pedra lascada. Um horizonte que permanece grosso modo um metro mais alto registra a mudança na polaridade magnética global do último cron invertido (Matuyama) até o presente (Brunhes) cron normal (Figura 3.3) – o que
significa que o TD6 deve ter mais de 780 mil anos. O método de datação de ressonância elétrica de giro coloca os fósseis e os artefatos do TD6 entre 857 mil e 780 mil anos atrás, e os ossos de espécies roedoras há muito extintas indicam uma idade igualmente antiga. Mesmo com determinadas incertezas, os escavadores situam o TD6 em mais ou menos 800 mil anos atrás. Os fósseis humanos do TD6 incluem 18 fragmentos de crânio, 4 mandíbulas parciais, 14 dentes isolados, 16 vértebras, 16 costelas, 20 ossos dos pés e das mãos, 2 ossos do pulso, 3 ossos da clavícula, 2 ossos do antebraço, 1 fêmur, 2 rótulas e outros fragmentos de um mínimo de seis indivíduos. Esses seres tinham entre 3 e 18 anos de idade quando morreram. O crânio e os fragmentos das mandíbulas são muito incompletos para permitir um diagnóstico detalhado, mas as mandíbulas representam claramente seres com rostos não muito grandes e, sob certos aspectos, com aparência mais moderna do que os heidelbergensis. Os escavadores atribuíram-nos a uma nova espécie, o Homo antecessor , da palavra latina “pioneiro” ou “explorador”. A relação do antecessor com as outras espécies humanas é discutível, mas ele parece um ancestral improvável do heidelbergensis, e pode ter sido um desdobramento do ergaster que desapareceu após uma tentativa frustrada de colonizar o sul da Europa. Seu destino pode ter sido selado pela incapacidade de lidar com um dos severos períodos de glaciação que assolaram a Europa entre 800 mil e 600 mil anos atrás. Os povos do TD6 faziam artefatos a partir de seixos, pederneiras arredondadas, quartzito, arenito, quartzo e calcário, todos encontrados a poucos quilômetros da caverna. Suas ferramentas consistiam principalmente em lascas pequenas, algumas das quais eram modificadas pelo golpe de lascas diminutas ao longo de uma ou mais bordas. Os arqueólogos chamam essa modificação de “retoque”. Os povos antigos modificavam as ferramentas para alterar o formato de uma borda, dando-lhe maior estabilidade, ou para amolá-las quando o fio se gastava por excesso de uso. Além das lascas, o TD6 forneceu alguns martelos de pedra e um número médio de núcleos, com os quais se produziam as lascas. Os machados de mão são ausentes de todo, apesar de serem lugar-comum em sítios de idade semelhante na África e no sudoeste da Ásia, ocorrendo também numa camada assentada na parte mais alta da Gran Dolina, que se formou após o período de 500 mil anos atrás. Essa ausência pode significar que, da mesma forma que o omo erectus na Ásia oriental, os ancestrais dos povos do TD6 perderam o hábito de fabricar machados de mão durante a dura jornada de saída da África. Por outro lado, é também possível que o machado de mão venha a aparecer quando as amostras de artefatos pequenos forem aumentadas. Até o momento, os escavadores revelaram apenas 7m2 do TD6; para aumentar essa área, eles teriam primeiro que remover uma grande espessura de depósitos subjacentes. Na velocidade corrente, estima-se que alcançarão o TD6 de novo apenas em 2008. O TD6 já seria entusiasmante por ter fornecido restos humanos e artefatos; mas além disso produziu também 1.056 ossos fragmentados de animais, que eram cortados, retalhados ou raspados com freqüência para a obtenção de carne e tutano. Os ossos vêm em grande parte de porcos, cervos, cavalos e bisões, mas há também alguns de carnívoros, rinocerontes e elefantes. Em comparação com as espécies maiores, as menores são representadas por uma quantidade mais abundante de partes de esqueleto, o que sugere que as carcaças menores mais freqüentemente atingiram o sítio intactas. Um contraste semelhante das partes de esqueleto entre espécies menores e maiores caracteriza os acampamentos pré-históricos de todas as idades, o que era previsível. A surpresa do TD6 é o fato de os restos humanos se assemelharem aos das espécies menores de animais, não só quanto à quantidade de partes de esqueleto representadas, mas também quanto à abundância e ao posicionamento de marcas deixadas pelos danos produzidos por ferramentas de pedra. Vinte e cinco por cento dos ossos humanos mostram uma ou mais formas de danos causados pelo próprio homem, a saber: a) marcas de corte onde se percebe que grandes músculos foram rompidos ou arrancados; b) superfícies ásperas, com sulcos paralelos ou textura fibrosa, refletindo “raspagem”; c)
ossos parcialmente quebrados por uma pancada e dobrados sobre a fratura para que os pedaços fossem separados; d) marcas do impacto quando um osso era lascado para a extração de tutano. Em resumo, o líder da equipe de Atapuerca, o paleoantropólogo Juan-Luis Arsuaga, afirma: “Não há dúvida alguma de que os corpos foram empilhados por outros seres humanos, que os comiam e deixavam os restos, untamente com o que sobrava dos animais e com os utensílios que utilizavam.” A extensão e o posicionamento das marcas deixadas pelos danos produzidos sugerem que os povos do TD6 imolavam seus semelhantes para fins alimentícios, e não para objetivos ritualísticos, e isso nos faz pensar num paralelo com a situação da ilha de Páscoa, quando os europeus lá aportaram pela primeira vez, no século XVIII. Os habitantes da ilha tinham degradado de maneira severa seu ambiente, e a população que havia sido próspera e florescente diminuíra em 80%. Em desespero, os sobreviventes adotaram uma ampla gama de comportamentos bizarros, inclusive a dieta canibal. A curto prazo, isso ajudou alguns a prosseguir, mas a longo prazo só pôde acelerar o processo de extinção. Se o canibalismo no TD6 reflete uma tensão alimentar semelhante, poderia explicar por que o antecessor foi malsucedido em última análise. Os neandertais também parecem ter praticado o canibalismo, mas só em certas ocasiões; e se o costume levou à extinção, afetou apenas populações locais. Ainda assim, até onde sabemos, os macacos grandes não adotam o canibalismo quando a quantidade de alimento disponível é pequena, e os registros do TD6, dos neandertalenses da ilha de Páscoa, de sítios pré-históricos posteriores na Europa e no sudoeste americano sugerem que a dieta canibal talvez seja uma tendência humana especial que o antecessor , o neanderthalensis e o sapiens herdaram de seu último ancestral comum. Em oposição ao TD6, o sítio italiano de Ceprano forneceu apenas um único fóssil humano e nenhum tipo de artefato, mas o fóssil é importante pela idade a ele atribuída e pela forma. É constituído de grande parte do topo de um crânio humano que foi quebrado quando uma máquina de terraplenagem o atingiu durante a construção de uma estrada, em 1994. A análise de potássio/argônio de camadas vulcânicas em localidades próximas, possivelmente mais novas ou mais velhas, sugere que o topo de crânio tenha de 900 mil a 800 mil anos de idade. Reconstruído (Figura 5.3), ele compartilha muitas características com os topos de crânio do Homo erectus, incluindo arcadas superciliares possantes, paredes cranianas extremamente grossas, parte posterior marcadamente angular quando vista de lado e um volume interno pequeno (estimado em 1.057cm3). Se o crânio de Ceprano tivesse sido encontrado em Java, poderia ter sido atribuído ao erectus, e se sua datação estiver correta, o contraste anatômico com o antecessor implica uma segunda tentativa frustrada e precoce de colonizar a Europa.
Figura 5.3
Topo do crânio humano de Ceprano, Itália.
COMEÇANDO GROSSO MODO HÁ 500 mil anos, os criadores de machados de mão do período acheuliano posterior não só demonstraram sua capacidade de sobreviver na Europa ao calor e ao frio, como também se expandiram por regiões mais ao norte, que o antecessor ou outros europeus primitivos aparentemente não puderam alcançar. A razão provável é que os europeus do período acheuliano posterior se beneficiaram com os avanços tecnológicos ocorridos antes de 500 mil anos atrás na terra de origem africana. O leitor se lembrará que a tradição acheuliana (machados de mão) começou na África há mais de 1,6 milhão de anos e que perdurou na África, na Europa e na ponte do oeste asiático entre os dois continentes, até aproximadamente 250 mil anos atrás. Muitos sítios acheulianos são datados de forma precária, mas nós sugerimos previamente que eles podem estar divididos em dois estágios – um mais primitivo, antes de 600 mil anos atrás, quando os machados de mão tendiam a ser relativamente grossos, malfeitos e assimétricos; e um posterior, após 600 mil anos atrás, quando essas ferramentas passaram a ser muito mais finas, mais bem trabalhadas e simétricas, tanto de frente quanto do ângulo lateral (Figura 5.4). Os povos do período acheuliano posterior também produziram ferramentas mais refinadas de pedra lascada que não se podem distinguir das de seus sucessores. A maior sofisticação tecnológica do povo acheuliano posterior talvez tenha sido crucial para seu sucesso na colonização da Europa. O arqueólogo Thomas Wynn, da Universidade de Colorado, ressaltou que a capacidade acheuliana primitiva de impor uma simetria bidimensional ainda que tosca a um machado de mão provavelmente assinala um avanço cognitivo sobre os criadores de ferramentas de Oldowan. Se assim for, a maravilhosa simetria tridimensional de muitos machados de mão dos acheulianos posteriores podem marcar um avanço igualmente importante, permitindo que a ferramenta fosse visualizada enquanto era simplesmente uma pedra. A natureza e o tempo de mudança do acheuliano primitivo para o posterior ainda não foram estabelecidos com exatidão, mas se a transição ocorreu abruptamente há mais ou menos 600 mil anos, pode ter coincidido com a rápida expansão do tamanho do cérebro que os bioantropólogos Chris Ruff, Erik Trinkaus e Trent Holliday detectaram. A análise deles sugere que entre 1,8 milhão e 600 mil anos atrás o tamanho do cérebro permaneceu estável em cerca de 65% da média moderna, mas pouco depois aumentou para aproximadamente 90% do valor moderno. Se o crescimento cerebral e as mudanças associadas na forma do crânio tornaram possível a aparição do heidelbergensis, sua emergência há 600 mil anos assinalaria um evento marcante como o que foi proposto previamente para o ergaster , mais de um milhão de anos antes. A analogia será especialmente cabível se as pesquisas futuras confirmarem uma ligação entre o heidelbergensis e a tecnologia acheuliana posterior para confrontar o elo que postulamos entre o ergaster e a origem da tradição acheuliana.
Figura 5.4 Machados de mão do período acheuliano posterior no sul da Inglaterra.
SÃO NECESSÁRIAS NOVAS PESQUISAS para demonstrar que o cérebro cresceu abruptamente com passo certo, como sugerimos. Porém ninguém questiona que seu tamanho tenha quase triplicado ao longo de 5 a 7 milhões de anos da evolução humana. O tamanho do corpo também aumentou nesse mesmo intervalo, mas em grau muito menor. O resultado é que os seres humanos de hoje têm não só cérebros maiores como encéfalos maiores, isto é, uma quantidade excepcionalmente grande de miolos em relação à massa corporal. Os mamíferos em geral têm encéfalos maiores que os outros tipos de animais, e mesmo os mamíferos mais primitivos tinham massa encefálica quatro vezes superior à dos répteis de tamanho semelhante. Grande parte da diferença de tamanho originou-se do desenvolvimento do córtex cerebral, o invólucro de matéria cinzenta que percebemos primeiro quando visualizamos um cérebro humano. Os mamíferos originais eram provavelmente espécies noturnas, e seus cérebros maiores podem ter funcionado para processar informação vinda pelos múltiplos sentidos – olfato, tato, audição e visão – à medida que procuravam alimento e abrigo. Os cérebros dos mamíferos continuaram a evoluir, mas em muitos grupos a “encefalização”– ou seja, a proporção entre o tamanho do cérebro e a massa corporal – estabilizou-se cedo. A exceção mais patente a essa generalização diz respeito aos primatas, que geraram rotineiramente durante toda sua história, iniciada há cerca de 65 milhões de anos, novas formas encefálicas. Os humanos são obviamente primatas, e sob essa luz o extraordinário tamanho do cérebro pode ser visto como o ponto culminante de uma longa tendência evolutiva. O neurocientista Harry Jerison, da Ucla, afirma que o cérebro humano é grosso modo seis vezes maior do que poderíamos prever a partir da relação entre tamanho cerebral e corporal em outros mamíferos. Mesmo se restringirmos a investigação aos macacos e os compararmos com o tamanho do corpo humano, o cérebro do homem é mais ou menos três vezes maior do que esperaríamos. O registro fóssil sugere que, independente da época em que a “encefalização” ocorreu, ela aconteceu rapidamente, e
o cérebro humano ilustra esse ponto especialmente bem. Na verdade, talvez tenha sido o órgão que evoluiu mais rapidamente na história dos vertebrados. Os benefícios de um cérebro maior são óbvios, mas também há custos. Nos seres humanos modernos, atribui-se ao cérebro apenas 2% do peso corporal, mas esse órgão consome em geral 20% das fontes metabólicas do corpo. Além disso, os cérebros grandes e as restrições impostas à passagem do feto pelo fato de ele ser bípede complicam bastante o parto. Uma pesquisa feita com outros mamíferos sugere que os cérebros humanos deveriam ser até maiores no nascimento; ou, mais precisamente, que o período de gestação humana deveria ter talvez mais três meses. Restrita a nove meses, fica aumentada a probabilidade de o feto sair bem; mas também significa que os seres humanos recém-nascidos são mais indefesos que os filhotes de macacos e outras espécies mamíferas, o que impõe um custo posterior, principalmente para as mães. Obviamente o cérebro cresceu mesmo assim; portanto, os pontos a favor devem ter superado os contra, e Jerison considera que o benefício mais geral foi a capacidade de acumular novos comportamentos, como os que detectamos ao longo do tempo no registro arqueológico. O pesquisador assinala também que a função maior do cérebro, mais particularmente do córtex cerebral, é construir um modelo ou imagem mental do “mundo real” que, em suas palavras, “é a forma que o cérebro tem de lidar com uma enorme carga de informações e a base biológica da mente”. A expansão do cérebro a partir de 600 mil anos atrás possivelmente aumentou a quantidade de informações que o cérebro humano poderia processar, o que permitiu o desenvolvimento de modelos mentais mais sofisticados. “Os cérebros são afinal órgãos de processamento de informação”, ressalta Jerison, “e a seleção [natural] do tamanho do cérebro humano deve ter sido a seleção para aumentar ou aperfeiçoar a capacidade de processamento de informações.” Os humanos anteriores a 600 mil anos atrás certamente tinham modelos mentais sofisticados de seu mundo, mas a expansão rápida do cérebro por volta daquela época talvez tenha aumentado sua capacidade de comunicar esses modelos para os outros, isto é, talvez tenha marcado um grande passo no desenvolvimento da linguagem humana. Nenhum tema é mais intrigante e mais difícil de ser averiguado concretamente do que a evolução da linguagem; mas, como ressalta Jerison, ela é quase um sexto sentido, pois permite às pessoas acrescentar aos seus cinco sentidos primários informações retiradas dos sentidos primários dos outros. Vista sob esse ângulo, a linguagem torna-se um tipo de “sentido de conhecimento” que promove a construção de modelos mentais extremamente complexos, e pode ter fornecido benefício suficiente para superar os custos da expansão cerebral. Sugerimos a seguir que o desenvolvimento do comportamento completamente moderno há mais ou menos 50 mil anos – “o despertar da cultura humana”– talvez marque o desenvolvimento da linguagem plenamente moderna, e que esse desenvolvimento talvez tenha suas raízes em outra mudança neurológica. Enfatizamos o “talvez” porque o cérebro humano alcançou seu tamanho quase moderno não muito após 600 mil anos atrás; e se uma mudança neurológica ocorreu há 50 mil anos, ela foi confinada à estrutura cerebral. Infelizmente crânios fósseis, mesmo aqueles que têm formas muito diferentes das nossas, revelam pouco sobre a estrutura do cérebro, e as argumentações a respeito de uma mudança comportamental neurologicamente dirigida após 600 mil anos atrás não podem ser testadas independentemente da evidência comportamental (arqueológica) que as sugerem.
VOLTAMOS AGORA PARA UM TEMA que depende mais de provas e menos de especulação. Referimo-nos ao registro fóssil europeu após 500 mil anos atrás, e isso é crítico para a nossa história, porque mostra que os neandertalenses foram um fenômeno europeu que evoluiu durante a mesma época em que os humanos modernos se desenvolveram na África. Há muito tempo se conhecem fósseis protoneandertais esparsos por meio de descobertas em sítios como Swanscombe, na Inglaterra, e Steinheim, na Alemanha,
entre 400 mil e 200 mil anos de idade. Porém a certeza com a qual podemos hoje reconstruir as raízes neandertalenses vêm principalmente do material encontrado num sítio – o extraordinário Sima de los Huesos, em Atapuerca, quase sempre abreviado como Sima, por simplificação. Em oposição ao sítio irmão, o Gran Dolina, o Sima nunca foi exposto pela construção de uma ferrovia ou alguma outra atividade comercial, e sua entrada original desmoronou há muito tempo. É uma câmara diminuta, com uma área de aproximadamente 17m2, que atualmente só pode ser alcançada por uma passagem vertical de 13m localizada a mais ou menos meio quilômetro da entrada da caverna. A câmara provavelmente seria desconhecida da ciência se alguns jovens dos arredores de Burgos não tivessem se interessado em explorar sistemas subterrâneos de cavernas com tochas e cordas. Grafites mostram que esses jovens entraram no Sima por volta do final do século XIII, e em meados da década de 1970 um grupo exploratório disse a um estudante de paleontologia que o sítio Sima possuía ossos de ursos em abundância. Os ossos eram tantos e tão surpreendentes que Sima foi nomeado a partir deles (de los huesos, “dos ossos”). O primeiro fóssil humano – uma mandíbula inferior – foi encontrado em 1976 misturado a ossos de ursos e pedras no solo da caverna. A mandíbula intrigou o paleoantropólogo, mas o Sima parecia tão difícil para se trabalhar que o grupo concentrou-se em outras cavernas próximas. Em 1982 eles retornaram para dar mais uma olhada no local. “Não esperávamos encontrar nenhum outro fóssil humano”, lembra Juan-Luis Arsuaga. “Achávamos que já tínhamos dado sorte de encontrar a mandíbula.” Mas depois de uma busca superficial a equipe encontrou dois dentes humanos e decidiu pesquisar que outros tesouros o Sima poderia esconder. A partir de 1984, uma equipe com vários escavadores descia por uma escada para chegar à caverna e lá permanecia por um mês todo verão, trabalhando em posições precárias, num espaço exíguo, com oxigênio limitado. Para começar, a falta de oxigênio limitava as horas de trabalho a períodos de meia hora. Cascalhos e fragmentos de pedra espalhavam-se pelo chão da caverna, e os ossos humanos eram encontrados em depósitos abaixo de uma camada cheia de ossos de urso. A equipe levou cinco anos para retirar do chão os fragmentos de pedra e os ossos de urso, que eram colocados numa mochila de cada vez. Só então eles puderam começar o trabalho interessante de escavar fósseis de ossos humanos. Em 1989 foram instaladas luzes e uma abertura para ventilação a partir da superfície, dando numa câmara adjacente. Os escavadores passaram a ficar na caverna três horas a fio de cada vez. Deitavam-se em cima de tábuas de madeira e utilizavam espátulas para retirar camadas de argila molhada de ossos humanos individuais, agindo mais como escultores que como caçadores de fósseis. Arsuaga compara o sítio a uma sala de cirurgia, pois a superfície está agora inteiramente coberta de plástico, com exceção da pequena área sob a escavação. A analogia vai mais além, pois os fósseis são muito frágeis antes de retirados e secados a céu aberto. As mãos se movimentam com precisão cirúrgica para evitar destruir espécimes preciosos. “A cada temporada nós escavamos apenas cerca de 1m2, com profundidade de apenas 20cm”, afirma Arsuaga, “mas já encontramos 200 ou 300 fósseis humanos nesse pequeno espaço.” Ainda foram necessários alguns anos de trabalho no frio e em espaços exíguos para demonstrar o potencial do Sima à comunidade paleoantropológica. Logo no início a equipe recuperou ossos diminutos das pontas dos dedos, e Arsuaga afirma: “Sabíamos que havia esqueletos completos no Sima de los Huesos, mas ninguém nos dava crédito. Hoje a comunidade científica está interessada, mas na década de 1980 ninguém dava nada por aquele maldito sítio.” O ano de 1992 foi decisivo, pois então Arsuaga e seus colegas descobriram os primeiros crânios humanos. Primeiro eles apresentaram uma parte de testa com arcadas superciliares proeminentes. Exames posteriores mostraram que essas arcadas estavam conectadas a uma caixa craniana. Os escavadores ficaram exultantes e pararam o trabalho para tomar champanhe numa câmara adjacente, mais espaçosa. Continuaram logo depois e encontraram um grande dente canino superior, e em seguida uma segunda
caixa craniana. Ao retornarem à caverna pela última vez, antes de fecharem-na por um ano, um membro da equipe, Ignacio Martínez, insistiu em cavar um pouco mais. Em meia hora eles recuperaram um rosto que se encaixava na segunda caixa craniana. Um ano mais tarde encontraram uma mandíbula inferior, e o crânio fóssil tornou-se um dos mais completos registrados. Na mesma temporada escavaram ainda outro crânio, num total de três. Tentativas para datar o Sima estão em andamento, mas as melhores estimativas disponíveis colocam a camada com fósseis humanos perto de 300 mil anos atrás, mais ou menos entre o heidelbergensis, como o definimos aqui, e os neandertalenses maduros, que discutiremos no próximo capítulo. Os fósseis humanos encontrados no Sima também eram intermediários entre o heidelbergensis e os neandertais em termos de traços anatômicos básicos. Os crânios destes últimos eram muito grandes, com um volume craniano interno médio, ou capacidade endocraniana, de cerca de 1.520cm3. Isso é comparável à capacidade dos humanos contemporâneos, de 1.400cm3. Dois dos crânios do Sima são relativamente pequenos, com capacidades endocranianas de 1.125 e 1.220cm3, mas um terço tem a capacidade de 1.390cm3, que se encontra bem dentro dos limites neandertalenses. É de fato o maior crânio já recuperado de qualquer sítio com idade superior a 150 mil anos. Fato ainda mais extraordinário: os crânios do Sima combinam características amplamente compartilhadas de crânios primitivos com as específicas dos neandertais (Figura 5.5). Como quase todos, menos os neandertalenses, eles possuíam processos mastóides (saliência óssea voltada para baixo atrás e abaixo da orelha), e diferente de todos, menos dos neandertais, possuíam rostos bem projetados para a frente no meio (na linha que divide a parte superior da inferior do rosto) e uma área oval evidente de osso endurecido ou poroso logo acima do limite superior dos músculos do pescoço, na parte traseira do crânio. Com essas características dos crânios primitivos, os povos encontrados no Sima não eram neandertais, mas estavam claramente na linha que os produziu, ou próximos a ela.
Figura 5.5 Esboços de três crânios humanos da caverna Sima de los Huesos, Atapuerca, Espanha.
Os fósseis do Sima enriqueceram muito a ampla amostra da evolução humana mais tardia, mas também fizeram surgir um enigma muito especial – como eles conseguiram entrar no Sima? A camada na qual os fósseis foram encontrados contém apenas ossos humanos fragmentados, e estes ossos estão firmemente comprimidos. Não há artefatos, fogueiras ou qualquer outra coisa sugerindo vida na caverna. A amostra de osso escavado foi além de 2.000 espécimes individuais, incluindo os três crânios, fragmentos grandes de seis outros, numerosos crânios menores ou fragmentos de rosto, 41 mandíbulas inferiores completas ou parciais, muitos dentes isolados e centenas de ossos pós-cranianos, isto é, ossos de outras partes do corpo além da cabeça. Ao menos 32 indivíduos estão representados por ossos no Sima, e as medições feitas nas mandíbulas e nos dentes indicam que se dividem igualmente entre homens e mulheres. Erupções dentárias e deteriorações mostram que 17 das 32 pessoas eram adolescentes entre 11 e 19 anos de idade, e 10 eram adultos jovens, entre 20 e 25 anos. Apenas 3 indivíduos tinham menos de 10 anos e nenhum tinha mais de 35. As crianças podem ser mais raras porque seus ossos, relativamente macios, eram mais fáceis de desaparecer na terra; outros adultos podem estar ausentes porque, como os neandertalenses, os moradores do Sima raramente viviam além dos 35 anos. Ainda assim, a distribuição etária é enigmática; se resultou da mortalidade normal, cotidiana, proveniente de acidentes ou doenças endêmicas, seria de esperar que pessoas mais velhas e mais fracas fossem muito mais abundantes em relação a adolescentes e adultos jovens. Isso talvez indique que as pessoas do Sima não morreram de morte comum, mas sim por causa de alguma catástrofe que afetou a todos igualmente. Uma possibilidade seria uma doença
epidêmica, mas ainda assim teríamos que explicar como os corpos acabaram no Sima. Outra chance que ustificaria tanto a morte quanto a disposição dos corpos seria um ataque devastador feito por um grupo vizinho. Nesse caso, porém, os ossos do Sima deveriam apresentar ferimentos de lanças ou de cajados, mas não há nada nesse sentido. Do mesmo modo, em oposição aos ossos da Gran Dolina, os ossos do Sima não mostram qualquer marca de ferramenta de pedra, e pode-se descartar o canibalismo. O único dano vem dos dentes de raposas ou outros pequenos carnívoros provavelmente atraídos para a câmara pelos restos humanos em decomposição. Já que a amostra do Sima inclui quase todas as partes do esqueleto, mesmo as menores, os escavadores crêem que corpos inteiros alcançaram a caverna. A maioria deles está quebrada, e algumas bordas rachadas estão aplainadas, talvez pelo fluxo de sedimento ou pelas pisadas ocasionais dos ursos, que teriam desarticulado os ossos e espalhado tudo pelo chão da caverna. Se aceitarmos que corpos inteiros foram introduzidos, o mistério se reduz a como tudo aconteceu. No momento, uma explicação plausível é que outras pessoas jogaram-nos pela passagem, o que nos faz perguntar se a prática era cerimonial ou simplesmente higiênica. Ritos ou cerimônias nunca podem ser categoricamente afastados, mas o depósito não contém qualquer artefato especial ou osso de animal que um dia fora carnudo, nem outros artigos que possamos interpretar como oferendas rituais ou objetos de urnas. Um desejo compreensível de fazer desaparecer os corpos de um lugar habitado próximo torna-se, assim, uma alternativa possível. Se os indivíduos do Sima estavam simplesmente praticando uma remoção higiênica, podem ter antecipado os neandertalenses, que enterravam seus mortos pelo menos em algumas ocasiões, mas cavavam os túmulos mais rasos possíveis e ali inseriam os corpos também desacompanhados de objetos. Muitos túmulos mais elaborados, com implicações ideológicas e religiosas inequívocas, aparecem apenas após o período de 50 mil anos atrás e representam uma parte importante do significado da expressão “despertar da cultura humana”.
É QUASE CERTO QUE O POVO do Sima tenha pertencido à tradição acheuliana posterior, que se espalhou na época pela Europa, Ásia ocidental e pela África. A maioria dos sítios acheulianos não produziu nada que pudesse ser confundido com arte. Porém, como sempre acontece em arqueologia, existem exceções aparentes. A mais convincente vem do sítio de Berekhat Ram, nas montanhas de Golan, em território sírio atualmente controlado por Israel. Berekhat Ram é um típico sítio acheuliano posterior, que forneceu oito machados de mão pequenos, numerosas lascas levalloises e ferramentas de pedra lascada cuidadosamente retocadas, como as produzidas pelos povos que sucederam os acheulianos, após o período de 250 mil anos atrás. A datação de potássio/argônio de lavas subjacentes e que se encontravam sobre os fósseis coloca a camada dos artefatos entre 470 mil e 233 mil anos atrás. O líder da escavação, a arqueóloga Ma’ama Goren-Inbar, da Universidade Hebraica, e seus colegas acreditam que tenha sido formada entre 280 mil e 250 mil anos atrás.
Figura 5.6 A figura humana proposta, do sítio acheuliano de Berekhat Ram, nas montanhas de Golan; e uma figura do Paleolítico Superior, “Vênus”, encontrada em Lespugue, na França.
Juntamente com os artefatos de pedra lascada, Berekhat Ram produziu um seixo pequeno de lava de cerca de 35mm de comprimento que apresenta uma suposta semelhança com uma figura humana grosseira (Figura 5.6). O sulco profundo que circunda a extremidade do seixo, mais estreita e arredondada, pode parecer uma cabeça e um pescoço, e os dois sulcos curvos e superficiais que correm pelas laterais podem representar os braços. A pergunta inicial mais óbvia é se os sulcos poderiam ser naturais. Para investigar isso, os arqueólogos Francesco d’Errico e April Nowell entalharam seixos semelhantes com instrumentos afiados de pederneiras e compararam os resultados com os sulcos da suposta figura. Os sulcos experimentais diferiram de maneira evidente dos naturais sob vários aspectos, inclusive a textura mais macia do fundo e das laterais, onde pequenas partículas de pedra tinham sido arrancadas e depois recolocadas com a ajuda de uma borda afiada. Ao microscópio, o sulco que definia o pescoço da figura assemelhava-se de perto aos sulcos experimentais, e d’Errico e Nowell concluíram que havia sido produzido por seres humanos. A continuação da experiência de comparação também mostrou que os sulcos dos braços são artificiais. Mas D’Errico e Nowell têm o cuidado de ressaltar que não provaram que o seixo modificado fosse uma figura. O seixo apenas lembra ligeiramente as figuras humanas cuidadosamente talhadas que marcam o despertar da cultura humana na Europa após o período de 40 mil anos atrás, e mesmo que fosse mais convincente em termos artísticos, é obviamente único. Não estabelece um padrão de expressividade criativa para os acheulianos ou para Berekhat Ram; como outros pretensos objetos de arte ocasionais do período anterior a 50 mil anos atrás, não altera de forma alguma a impressão de uma explosão criativa ocorrida mais tarde.
OS POVOS ACHEULIANOS POSTERIORES podem não ter produzido arte, porém eram muito mais avançados que os povos mais antigos quanto à técnica de lascar a pedra. Veremos adiante que eram também caçadores dedicados. Em conjunto, ao que parece, eram também nitidamente humanos em outro ponto vital – no domínio do fogo. Arqueólogos como Alison Brooks, da Universidade George Washington, e Avraham Ronen, da Universidade de Haifa, afirmaram com freqüência que o fogo deve ter tido um papel central na evolução humana. Brooks declarou à revista Discovering Archaeology: “É realmente o início da humanidade. Quando existe fogo, existem pessoas sentadas em torno de uma fogueira, pessoas mudando o ambiente.” E Ronen escreveu: “Além de ser um instrumento, o fogo é um símbolo, … a única substância que os homens podem extinguir e reavivar conforme sua vontade. Se houve um gatilho que despertou a autoconsciência e o supremo senso de ‘diversidade’ foi o fogo.” Assim, é natural perguntar quando os humanos dominaram o fogo pela primeira vez. A resposta deve ser equívoca. A lógica sugere que a expansão humana pela África e pela Eurásia, por volta de um milhão de anos atrás, exigia o conhecimento do fogo para manter os corpos aquecidos, se proteger contra os predadores e preparar os alimentos. Contudo, para demonstrar o uso do fogo sem sombra de dúvida, a maior parte dos arqueólogos exigiria prova de fogueiras fósseis, isto é, traços circulares ou ovais de cinzas e carvão, circundados por artefatos de pedra e ossos quebrados de animais. Essa exigência é difícil, pois grande parte dos sítios humanos primitivos foram formados em superfícies de terra antiga, em ambientes relativamente secos, tropicais ou subtropicais, onde o carvão e as cinzas não duram muito. As cavernas fornecem melhores condições de preservação, mas boa parte delas tem entre 150 mil e 200 mil anos de idade, desmoronou ou teve seus depósitos originais alagados; portanto, não temos outra opção a não ser os sítios a céu aberto. Pequenos pedaços de terra queimada em dois sítios como esses podem indicar o domínio humano do fogo por volta de 1,4 milhão de anos atrás, mas em ambos a queimada poderia simplesmente marcar o toco de uma árvore ou um canteiro de vegetação que pegou fogo após um incêndio no mato. Ossos carbonizados ocasionais, que acompanham artefatos de 1,5 milhão de anos de idade na caverna de Swartkrans, na África do Sul, apresentam o mesmo dilema. A carbonização é indiscutível, mas os ossos tiveram sua origem fora da caverna, onde poderiam ter sido naturalmente queimados. Se de fato insistirmos em fósseis bem definidos de lareiras, a prova mais antiga e firme do domínio humano do fogo vem apenas de sítios em cavernas da África e da Eurásia, com menos de 250 mil anos de idade. Isso coloca o domínio do fogo solidamente antes do despertar da cultura humana, mas só após o heidelbergensis e a cultura acheuliana posterior. Ainda assim aceitamos o argumento lógico de que o homem primitivo deve ter dominado o fogo muito antes; e deixando de lado posições preconcebidas, sugerimos que, embora não tenhamos as provas exigidas, podemos observar uma proporção alta e pouco comum de ossos queimados, disseminações difusas de cinzas minerais, pedaços de terra queimada, possíveis fogueiras ou uma combinação de tudo isso. É lícito então argumentar que o fogo era usado entre 500 mil e 300 mil anos atrás, na famosa caverna Zhoukoudian, no norte da China, na caverna Montagu, na outra convenientemente chamada de “caverna das lareiras”, na África do Sul, e em vários sítios europeus, incluindo Vértesszöllös, na Hungria, Terra Amata e Menez-Dregan, na França, e Bilzingsleben e Schöningen, na Alemanha. O argumento lógico parece particularmente forte para o erectus do norte da China e para o heidelbergensis europeu, já que ambos ocuparam ambientes onde o fogo teria sido muito mais que um luxo.
O ESTÔMAGO DO HOMEM é pouco apto a digerir fibra muscular crua. Sem o fogo, os povos que viviam antes do período de 250 mil anos poderiam ter pouco incentivo para caçar. Porém é difícil imaginar que
eles pudessem colonizar a Europa antes de 500 mil anos atrás se não fossem caçadores ativos. As escavações em Schöningen, na Alemanha, nos forneceram prova incontestável disso. Talvez não seja coincidência Schöningen ter um lugar de destaque na lista de sítios que contêm provas antigas do uso do fogo, mesmo que declaradamente experimentais. Schöningen é uma mina ativa de carvão marrom, do tipo aberto, que casualmente contém uma das ocorrências arqueológicas primitivas mais informativas da Europa. Em outubro de 1994 uma retroescavadeira gigantesca da companhia de mineração ia começar a operar dentro de duas semanas ali e o sítio seria destruído. Quando o arqueólogo do governo alemão, Hartmut Thieme, e um colega estavam trabalhando para recuperar o número máximo possível de artefatos de pedra e de ossos de animais, desenterraram uma pequena vara de madeira apontada artificialmente nas duas extremidades. Os depósitos de Schöningen são densos e alagados, o que significa que são relativamente herméticos, e foi essa circunstância pouco comum que preservou a madeira. Artefatos antigos de madeira são uma preciosidade arqueológica, e essa descoberta levou Thieme a uma outra temporada de escavação. No ano seguinte, numa camada datada entre 400 mil e 350 mil anos, ele descobriu três inconfundíveis hastes de madeira de 2 a 3m de comprimento, talhadas a partir do cerne de uma árvore madura de espruce (Figura 5.7). Nas proximidades encontrou ossos de pelo menos dez cavalos selvagens, muitos deles com fraturas e marcas de corte que indicavam haverem sido abatidos para servir de alimento. Thieme concluiu que os caçadores da Idade da Pedra escondiam-se perto da margem de um antigo lago, emboscavam cavalos, levavam todos para a água e rapidamente matavam-nos com as lanças.
Figura 5.7 Lanças de madeira de Schöningen, na Alemanha.
Thieme publicou sua descoberta no exemplar de fevereiro de 1997 da revista Nature, que também incluía um relatório surpreendente sobre a clonagem da ovelha Dolly. O público ficou cativado com a clonagem, mas os arqueólogos encantaram-se com as lanças. Antes de Schöningen, apenas dois outros sítios tinham fornecido objetos comparáveis. Um foi Clacton, na Inglaterra, onde depósitos com provavelmente a mesma idade aproximada dos de Schöningen produziram um objeto de madeira pontudo de 30cm de comprimento que podia ser uma ponta de lança. O outro foi Lehringen, na Alemanha, onde depósitos com provavelmente cerca de 125 mil anos forneceram uma lança completa encontrada nas costelas de um elefante. Na descrição das lanças de Schöningen, Thieme enfatizou que elas eram mais pesadas na parte cortante e afuniladas para trás, como os dardos modernos. A partir disso argumentou que as lanças tinham sido projetadas para serem arremessadas. O arqueólogo John Shea, da Universidade Stony Brook, que investigou a evolução das armas de arremesso, concorda que elas eram mais aerodinâmicas que muitas lanças mais novas de Lehringen, onde o centro de gravidade estava colocado muito atrás para facilitar o arremesso. Mas ele duvida que as lanças de Schöningen pudessem ser arremessadas para longe ou ser especialmente letais. E comentou: “Imaginem-se tentando dominar um touro selvagem enfurecido com um palito de dente gigante. Essas armas podem ter sido usadas para caçar – é difícil pensar em outros usos para os dardos de Schöningen –, mas não eram muito eficazes.” Outro especialista em tecnologia de projéteis da Idade da Pedra, o bioantropólogo Steven Churchill, da Duke University, duvida que os povos de Schöningen arremessassem deliberadamente suas lanças. Pesquisou revistas e relatórios etnográficos primitivos em busca de provas do uso de lanças por caçadores-coletores históricos. Descobriu que entre 96 grupos estudados com detalhes a respeito dos hábitos de caça, muitos às vezes arremessavam lanças a curtas distâncias. Mas só dois grupos atiravam lanças regularmente a uma distância de poucos metros. Eram os habitantes aborígines da ilha de Melville, na Austrália, e alguns nativos da Tasmânia. Em ambos os casos, as lanças atiradas eram muito mais finas e leves que os dardos de Schöningen, e os alvos, muito menores que cavalos. Alguns grupos históricos, inclusive os aborígines da Austrália e os astecas do México central, tinham lanças que podiam ferir um animal de grande porte a uma certa distância. Mas para esse propósito as lanças tinham de ser complementadas com um “atirador” ou atlatl , uma vareta feita de madeira ou osso, enganchada numa extremidade para acomodar uma pequena cavidade ou entalhe na ponta cega da lança. A lança é estendida para a frente da vareta, e a vareta é estendida a partir da mão para tornar o braço mais longo. A vantagem mecânica resultante permite que a lança seja arremessada com muito mais força e mais longe do que o normal. As lanças de Schöningen são muito grandes e construídas de maneira imprópria para serem dardos atlatl , e os atlatls são conhecidos apenas em sítios muito mais recentes, de idade inferior a 20 mil anos.
OS OSSOS DE CAVALOS QUEBRADOS e com marcas de corte encontrados em Schöningen demonstram que os povos obtinham animais de grande porte, mesmo com lanças relativamente ineficazes. Ossos com marcas de corte ou golpes permitem a mesma conclusão em outros sítios de idade entre 500 mil e 400 mil anos, incluindo Torralba e Ambrona, no centro-norte da Espanha, Boxgrove, no sul da Inglaterra, e Elandsfontein, na província de Western Cape, na África do Sul. Contudo, por si sós, os ossos marcados pelas ferramentas não revelam a freqüência com que os animais eram apanhados, isto é, não revelam se os caçadores eram bem-sucedidos. Para tratar esse ponto, devemos considerar não só os ossos marcados como também abundância de ossos que não apresentam marcas de ferramentas, ou ossos que foram danificados por dentes de carnívoros. Essas observações estão disponíveis apenas num punhado de sítios, mas sugerem que os povos da tradição acheuliana posterior não caçavam mamíferos de grande
porte com muita freqüência. Isso fica claro com a análise do material encontrado no sítio de Duinefontein 2, na costa atlântica da África do Sul, cerca de 50km ao norte de Cidade do Cabo. Como muitos outros sítios enterrados, Duinefontein 2 deve a sua descoberta sobretudo à atividade comercial. A Comissão de Suprimento de Energia Elétrica da África do Sul é proprietária da terra, e em 1973 planejava construir uma usina nuclear na área. Uma máquina de terraplenagem foi levada para fazer testes no subsolo, e, por sorte, alguns dias depois um dos autores deste livro (Klein) e uns amigos resolveram fazer uma excursão a pé nas proximidades. Encontraram uma vala feita pela máquina de terraplenagem e, num monte de entulho, acharam inúmeros ossos de animais, inclusive uma presa de elefante quebrada. Quando entraram na vala, notaram uma fileira de ossos e artefatos de pedra projetando-se das paredes, mais ou menos 60cm abaixo da superfície. Dois dias depois um pequeno teste de escavação mostrou que os objetos estavam situados numa superfície de terra antiga. A escavação foi ampliada em 1975, mas a construção da usina nuclear tornou o sítio inacessível por mais de uma década. Os empreiteiros marcaram cuidadosamente o local nos mapas, e em meados da década de 1990 o autor e seus colegas verificaram que o sítio ainda estava intacto. Após cinco temporadas de trabalho, entre 1997 e 2001, tinham escavado uma área superior a 490m2 e marcaram com cuidado a posição de cada artefato e osso. A grande escavação mostrou que os ossos tendem a ser encontrados em grupos que provavelmente marcam carcaças individuais. As espécies mais comuns são os gnus, kudus e um parente extinto de grande porte do búfalo africano. Ossos ocasionais de hipopótamos, antílopes amarelos africanos e outros animais dependentes da água mostram que existia um pântano ou um lago grande próximo. Os artefatos incluem machados de mão acheulianos inteiros e quebrados, ferramentas de pedra lascada bem-feitas e os núcleos dos quais foram produzidos. As ferramentas e os ossos quase sempre se encontram lado a lado, e sua contemporaneidade não é posta em dúvida (Figura 5.8). Não há maneira alguma de estimar quanto tempo o acervo levou para se formar, mas décadas ou séculos são mais prováveis que meses ou anos.
Figura 5.8 Artefatos, vértebras de búfalo e outros ossos, bem como fragmentos de couraça de tartarugas espalhados pela superfície dos quadrados de escavação V4 e V5 em Duinefontein 2.
Os depósitos de Duinefontein são dunas de areia que podem ser datadas pela luminescência, um método próximo da ressonância elétrica de giro. A técnica da luminescência emprega o calor ou a luz para liberar elétrons que estão presos nas fendas de cristal dentro dos grãos individuais de areia. À medida que os elétrons são liberados, os grãos de areia passam a brilhar intensamente, e a luminescência (intensidade do brilho) é diretamente proporcional ao número de elétrons liberados. A luz do sol também libera os elétrons, o que significa que os elétrons soltos devem ter se acumulado, pois os grãos de areia foram expostos pela última vez na superfície pouco antes de serem enterrados. A taxa de acumulação é diretamente proporcional à radioatividade natural de baixo nível do fundo do solo, o que atualmente pode ser medido no campo. As medidas obtidas há mais de um ano em Duinefontein forneceram a dose local anual de radiação e felizmente não sugeriram nada de estranho, como um vazamento da usina nuclear. Na prática, a datação pelo método da luminescência enfrenta alguns desafios, inclusive a possibilidade de a dose de radiação anual ter variado ao longo do tempo, à medida que a circulação da água do solo acrescentou ou subtraiu urânio ou outros elementos radioativos. Se problemas potenciais puderem ser superados ou postos de lado, o cálculo de uma datação pela luminescência pode ser visualizado como o algarismo resultante quando o número total, ou elétrons liberados, é dividido pela taxa anual presumida em que eles se acumularam. A aplicação da datação pela luminescência no nível da antiga superfície de Duinefontein indica que a areia – e os artefatos e ossos associados – foram enterrados há aproximadamente 300 mil anos. Como a maior parte dos ossos não possui as fissuras superficiais que advêm da exposição aos elementos, é improvável que tenham ficado muito tempo na superfície antes de
serem enterrados; 300 mil anos deve ser sua idade geológica aproximada. Portanto, o sítio formou-se no final da era acheuliana. Até o momento Duinefontein 2 não forneceu nenhum resíduo humano; mas se tivesse produzido um crânio, este provavelmente seria semelhante ao que foi encontrado no sítio de Florisbad, no interior da África do Sul. O crânio de Florisbad foi experimentalmente datado, por ressonância elétrica de giro, em mais ou menos 260 mil anos e é um intermediário entre os crânios do Homo heidelbergensis, de 500 mil anos, e os dos africanos semimodernos, do período posterior a 130 mil anos. Assim como o heidelbergensis, o crânio tinha paredes cranianas grossas e um rosto largo e possante; mas como os humanos bem posteriores, a testa era relativamente protuberante e convexa, o rosto era chato, e não projetado para a frente. Ele antecipa os crânios modernos, mais ou menos da mesma maneira e no mesmo grau em que os crânios de Sima de los Huesos antecipam os dos neandertais, fornecendo prova direta de que as linhagens do homem moderno e dos neandertalenses divergiram há pelo menos 250 mil anos. O arqueólogo Richard Milo, da Universidade do Estado de Chicago, examinou cuidadosamente cada osso de animal da Duinefontein 2 para avaliar os tipos de danos; encontrou marcas de ferramentas de pedra, como as de Schöningen. Contudo sua pesquisa também mostra que as marcas de ferramentas são muito mais raras do que as de dentes de carnívoros, e estas são tão comuns quanto nos ossos do sítio paleontológico de Langebaanweg, 60km ao norte de Duinefontein. Em Langebaanweg os ossos também ocorrem em agrupamentos que representam carcaças espalhadas numa superfície antiga de terra, e em geral são provenientes da mesma classe de animais encontrados em Duinefontein 2. No entanto, Langebaanweg data de aproximadamente 5,5 milhões de anos – 3 milhões antes do surgimento das ferramentas de pedra mais antigas –, e portanto não apresenta artefatos e ossos marcados por ferramentas. Duinefontein 2 não fornece nada que determine se os humanos há 300 mil anos caçavam para se alimentar ou se usavam as carniças deixadas por outros animais; mas a semelhança com Langebaanweg em termos de danos nos ossos implica que seu impacto sobre outros mamíferos de grande porte foi insignificante e que eles obtinham poucas carcaças. A raridade de ossos marcados por ferramentas em Ambrona, Torralba, Elandsfontein, e vários outros sítios de idade semelhante provisoriamente reforça a mesma conclusão. Então, por que os ossos e artefatos são tão numerosos e tão proximamente associados em cada sítio? A resposta provavelmente é que cada sítio formou-se perto de uma fonte de água, que atraiu tanto humanos quanto animais durante um longo período de tempo. Os seres humanos talvez interagissem só raramente com outros animais quando iam beber água, e talvez nem hajam visto muitos ossos, que podem ter sido pisoteados e penetrado no subsolo ou escondidos pela vegetação. Do nosso ponto de vista, de 300 mil anos depois, talvez ossos e artefatos tenham sido depositados simultaneamente; e em termos geológicos foram mesmo. Mas também podem ter chegado em separado, num intervalo de semanas, meses ou anos, e não há como sabermos disso. Se é verdade que os povos acheulianos raramente obtinham animais de grande porte, a razão foi provavelmente sua tecnologia limitada, e a conseqüência básica foi um população humana pequena. Duinefontein 2 fornece um modo de testar isso, usando ossos da tartaruga angulosa que aparecem de maneira abundante na superfície de terra antiga. A caça de tartarugas não exige tecnologia alguma nem conhecimento especial, e os habitantes locais da Idade da Pedra caçaram-nas durante dezenas de milhares de anos. É quase certo que eles sempre apanhavam os espécimes maiores primeiro, pois eram mais visíveis e mais carnudos, e quando o número de caçadores aumentava, o tamanho médio das tartarugas diminuía. As tartarugas de Duinefontein 2 representam mortes naturais na superfície da terra antiga, mas seu tamanho médio deve refletir a intensidade da caça dos homens contemporâneos, e em média elas eram bem grandes. As tartarugas dos sítios associados aos primeiros humanos anatomicamente modernos, datados de 130 mil a 60 e 50 mil anos atrás, são em média muito menores; as
que pertencem a sítios de idade inferior a 50 mil anos são ainda menores. Deduz-se que as populações humanas eram especialmente pequenas no período acheuliano posterior e que aumentaram mais tarde, alcançando níveis históricos somente após o despertar da cultura humana.
COMO OUTROS SÍTIOS AFRICANOS do período acheuliano posterior, Duinefontein 2 difere dos sítios europeus quanto às espécies de animais representadas, os tipos de pedra usados para fazer ferramentas e alguns outros detalhes. Além disso, os africanos e europeus certamente pertenceram a linhagens evolutivas diferentes. Ainda assim, não há nada nos vários sítios que sugira uma diferença comportamental significativa; em ambos os continentes o comportamento parece ter sido igualmente primitivo, se julgado por parâmetros modernos. Os africanos e europeus permaneceram semelhantes em termos comportamentais – e ainda primitivos – até mais ou menos 50 mil anos atrás, quando os africanos acrescentaram procedimentos modernos à anatomia moderna. Durante um breve período os africanos e europeus diferiram vivamente quanto ao comportamento, mas o modo comportamental moderno deu aos africanos uma vantagem competitiva que logo foi espalhada pela Eurásia. Há 30 mil anos, os humanos de todos os lugares eram modernos na aparência e, mais uma vez, semelhantes em termos de comportamento.
6 Os neandertais em situação vulnerável
NO CAMINHO PARA O R ENO, o rio Düssel, na Alemanha, passa pelo vale verdejante do Neander, nome que vem de um pároco e compositor local do século XVII. O alicerce rochoso é calcário, e as paredes do vale já estiveram marcadas por buracos de cavernas. Em 1856 a exploração das pedreiras tinha destruído quase todas elas, com exceção de duas, e em agosto do mesmo ano os trabalhadores começaram a retirar a pedra ao redor da caverna conhecida como Feldhofer Grotto. Alargaram a entrada com dinamite e quando limpavam o entulho que estava lá dentro uma picareta tiniu ao bater num topo de crânio marromescuro (Figura 6.1). Outros ossos – talvez até mesmo um esqueleto inteiro – foram encontrados por perto, mas os trabalhadores recuperaram apenas o topo de crânio, alguns ossos de braços, um par de ossos de quadris, uma pelve parcial e algumas costelas. O proprietário da pedreira pensou que pertencessem a um urso, mas separou-os para que um professor de escola local e um especialista em história natural, Johann Fuhlrott, os examinassem. Fuhlrott reconheceu imediatamente ossos humanos, mas de um tipo diferente. Ficou especialmente impressionado com a forma alongada, baixa e chata do topo de crânio, as arcadas superciliares salientes sobre a cavidade ocular e a grossura dos ossos dos membros. Supôs que os restos representassem um corpo humano que tivesse sido arrastado pela correnteza para dentro da caverna durante a inundação da época de Noé. Fuhlrott entregou os ossos a Hermann Schaffhausen, famoso professor de anatomia da Universidade de Bonn. Este comparou-os cuidadosamente com um grupo de espécimes humanos modernos, e em 1857 concluiu que representavam uma “raça bárbara e selvagem” que tinha habitado o norte da Europa antes dos alemães e dos celtas. Coube a Thomas Huxley, o mais ilustre dos primeiros discípulos de Darwin, dar o próximo passo lógico. Em 1863, após um estudo cuidadoso do topo de crânio, Huxley concluiu que provavelmente representava um gênero extinto de seres humanos. Em 1864 o anatomista irlandês William King atribuiu os fósseis de Feldhofer a uma nova espécie, que batizou com o nome de Homo neanderthalensis, do alemão Neanderthal , significando vale de Neander. No alemão moderno, Thal passou a Tal , e alguns especialistas preferem o termo vernáculo Neandertal a Neanderthal . Qualquer uma das alternativas é aceitável, mas para aqueles que, como nós, se guiam pelo diagnóstico original de King, o nome técnico deve permanecer neanderthalensis.
Figura 6.1 Fóssil do topo de crânio humano encontrado em Feldhofer Grotto, Alemanha, em 1856.
De início poucas autoridades seguiram Huxley ou King, e o problema foi só parcialmente a oposição à idéia de evolução humana. Não havia tampouco evidência alguma de que os ossos de Feldhofer fossem muito antigos. A prova só veio em 1886, quando arqueólogos escavaram dois esqueletos anatomicamente semelhantes na Caverna do Espião, na Bélgica (Figura 6.2). Ferramentas de pedra e ossos de mamutes, rinocerontes, renas e outros animais indicavam que os esqueletos da caverna eram muito antigos. Em 1910 os arqueólogos puderam apontar associações semelhantes da França, a oeste, à Croácia, a leste (Figura 6.3), e os arqueólogos franceses elaboraram a sucessão básica das culturas européias das ferramentas de pedra. Eles sabiam que quando os neandertalenses e os humanos completamente modernos deixavam suas ferramentas no mesmo sítio, as que eram feitas pelos primeiros se encontravam em camadas mais profundas. Deduziu-se que os neandertais tinham estado na Europa primeiro, e a partir daí teve início uma controvérsia que continua até os dias de hoje: teriam eles evoluído para os seres humanos modernos, ou foram extintos quando os humanos modernos chegaram de outros lugares? Para nós a questão foi resolvida em favor da extinção, e nosso propósito neste capítulo é explicar por que pensamos assim.
Figura 6.2 Um dos dois crânios neandertais encontrados na Caverna do Espião, na Bélgica, em 1886.
OS NEANDERTAIS FORAM CHAMADOS algumas vezes de primitivos ou humanos arcaicos, e de certo modo isso é correto. Contudo cumpre dizer que eles não eram tão primitivos, mas diferentes, e sob muitos aspectos anatômicos verdadeiramente mais especializados que os humanos contemporâneos, ou seja, tinham mudado mais em relação ao último ancestral em comum. Nós sugerimos que esse ancestral foi o omo heidelbergensis, que ocupou tanto a África quanto a Europa entre 500 mil e 400 mil anos atrás. Comparações genéticas que discutiremos mais adiante ressaltam a probabilidade de que a linha dos neandertais e dos humanos modernos tenha se separado por volta dessa época.
Figura 6.3 Abrangência territorial dos neandertais na Europa e na Ásia ocidental, mostrando as localizações aproximadas dos sítios mencionados neste capítulo.
No último capítulo também salientamos que os neandertais exibiam alguns traços faciais e cranianos únicos. Em conjunto, essas características são desconhecidas em qualquer outro grupo humano, e mesmo como traços isolados foram encontrados apenas entre os povos que viveram na Europa pouco antes dos neandertais. Os fósseis de 300 mil anos de idade da caverna Sima de los Huesos são os melhores exemplos disso. E chamamos os povos de Sima de ancestrais dos neandertais exatamente porque os antecipam em aspectos básicos. A ausência de traços neandertalenses específicos nas populações da África e da Ásia de então demonstra que eles seguiram um caminho evolutivo separado. O rosto dos neandertais era único quanto à extraordinária projeção para a frente na linha divisória da face entre o hemisfério direito e o esquerdo. Se um homem de hoje tivesse traços totalmente moldáveis, poderia chegar a uma aparência grosseiramente semelhante colocando os dedos nos lados opostos do nariz e puxando-as ligeiramente para a frente. Os ossos faciais e tudo o mais ao longo da linha divisória retrocederiam vivamente. A arcada dentária seria empurrada para a frente, e um espaço grande se abriria entre o canto posterior dos sisos inferiores (o terceiro molar) e o canto anterior da parte ascendente da mandíbula inferior, a região elevada para articular-se com a base do crânio (Figura 6.4). Os anatomistas chamam isso de “espaço retromolar”, e é conhecido apenas nos neandertais e seus ancestrais imediatos. O rosto deles era bem fora do comum, se não único, em outros aspectos, incluindo o extraordinário comprimento de alto a baixo, as grandes aberturas nasais, as cavidades oculares grandes e redondas e a forte arcada superciliar duplamente curvada logo acima das órbitas.
Figura 6.4 Crânios reconstruídos de um neandertal clássico e de um Cro-Magnon clássico. O termo Cro-Magnon é comumente estendido a todos os primeiros europeus modernos do Paleolítico Superior.
A caixa cerebral apresentava uma tendência excepcional de projetar-se para os lados, parecendo um globo quando olhada de trás (Figura 6.2). Era mais singular ainda na área achatada do osso enrijecido na parte de trás (occipício), logo acima de uma barra óssea em que os músculos do pescoço se juntavam, e na disposição peculiar de saliências e fissuras na vizinhança do processo mastóide, abaixo e atrás da orelha. Uma dessas saliências, conhecida como sutura justamastóide, localizava-se dentro do processo mastóide, e geralmente o excedia em tamanho (Figura 6.4). Sob outros aspectos – como o contorno prolongado e baixo da caixa cerebral na posição de perfil e a tendência da parte de trás do crânio projetar-se para o lado, como se fosse um coque – os neandertais eram menos obviamente diferenciados de outros fósseis humanos, mas quando esses traços se unem a outros que lhes são peculiares, o conjunto mostra o quanto eram diferentes. Lembremos também que a caixa craniana dos neandertais era muito grande. Seu volume interno (endocraniano) era de 1.245 a 1.750cm3, com uma média próxima a 1.520cm3, ou, grosso modo, 120cm3 além da média dos seres humanos atuais. O corpo dos neandertalenses também era digno de nota, embora nesse caso as distinções fossem mais quantitativas do que qualitativas. Os neandertais são colocados numa linha contínua com os homens de hoje, embora um pouco fora da esfera humana histórica. Eles tinham troncos largos e membros curtos, como os inuítes (ou esquimós), e essas características eram muito acentuadas. As chamadas partes distais dos seus membros, ou seja, os ossos do antebraço entre o cotovelo e o pulso, e a tíbia entre o joelho e o tornozelo, eram especialmente curtos (Figura 6.5). Os ossos dos membros tendiam a ter paredes excessivamente grossas, com extremidades articulares grandes, arqueamento das pernas e marcas fortes de músculos. Por último, a cabeça diferente prendia-se a um corpo semelhante a um hidrante; nus, os
neandertais seriam alvo de olhares em qualquer academia de ginástica moderna. Já disseram que, se estivessem vestidos de forma apropriada, passariam despercebidos no metrô de Nova York, mas isso é duvidoso, a não ser que os ocupantes do metrô também fossem neandertais, ou, como muitos novaiorquinos, não tomassem conhecimento de quem estivesse à volta. As tentativas antropológicas de explicar as diferenças dos neandertalenses concentraram-se sobretudo nas suas possíveis funções. Assim, lascas, arranhões, microfraturas e um vestuário peculiar mostram que em geral utilizavam os dentes frontais como prendedores ou tornos, e o rosto comprido, projetado para a frente, talvez acentuasse a enorme força dos maxilares. Algumas saliências e fissuras da região mastóide podiam estar relacionadas a isso, caso criassem inserções nos músculos que estabilizavam a mandíbula inferior e a cabeça no processo de prender uma coisa com firmeza. Uma explicação funcional como esta não pode ser afastada de todo, mas encontra ao menos dois desafios. Primeiro, os inuítes tradicionais em geral usavam os dentes da frente como objetos de pressão para processar as peles, e os dentes em geral mostram fraturas e lascas semelhantes, ainda que menos extensas. Contudo, os inuítes faziam isso sem terem nenhuma das particularidades que distinguem os crânios neandertais. Segundo, e mais convincente, os fósseis da caverna Sima de los Huesos e de outros sítios europeus “pré-neandertalenses” exibem algumas características dos neandertais, mas não todas, e elas variam de sítio para sítio (ou de crânio para crânio). Isso sugere que as características não evoluíram como um complexo funcional integrado. A alternativa mais plausível é que seriam resultado de uma tendência genética – uma mudança genética ao acaso – presente em populações pequenas e isoladas. As mudanças ao acaso poderiam ter sido aceleradas pela seleção sexual – tendência de procurar parceiros com base em padrões de beleza arbitrários, definidos localmente.
Figura 6.5 Aspecto físico reconstruído de um neandertal e de um europeu Cro-Magnon do Paleolítico Superior.
O corpo do neandertal é mais fácil de explicar. Tanto a fêmea quanto o macho são muito musculosos, e não há mistério algum quanto a isso –, eles se exercitavam muito, e provavelmente tinham de se exercitar até para obter alimento em circunstâncias difíceis. Apesar da grande espessura de seus ossos, quase sempre os fraturavam, e os antropólogos Thomas Berger e Erik Trinkaus mostraram que se
acidentavam na cabeça e no pescoço com a mesma freqüência que os peões de rodeios. É claro que os neandertalenses não montavam potros xucros nem touros Brahma, mas provavelmente a caça de animais selvagens era uma experiência também traumática, em particular se as armas eram tão limitadas quanto iremos sugerir adiante. A adaptação climática provavelmente explica a razão de os neandertais terem peitos largos, em forma de barril, e membros curtos. Durante os aproximados 400 mil anos em que evoluíram na Europa, o clima global alternava-se periodicamente entre eras glaciais frias e períodos interglaciais mais quentes. Na média, os episódios glaciais eram muito mais longos, e as épocas em que as temperaturas se aproximavam das históricas eram especialmente raras e curtas. Isso significa que os neandertais existiram principalmente sob condições de frio a frio intenso, e é sabido que o homem de hoje que vive em climas frios tende a ter tronco muito maior e membros menores que o que vive em clima quente e tropical. Basta comparar a aparência atarracada de um inuíte (esquimó) com a configuração esbelta de um africano do Nilo. Nós exploramos a razão dessa diferença quando explicamos a estrutura magricela do menino de Turkana e de outros primitivos verdadeiramente humanos. O ponto essencial é que quando o volume do tronco aumenta, a área de pele diminui muito mais devagar, e portanto o tronco maior é melhor para conservar o calor. Membros curtos reduzem também a perda de calor. Próximo ao Equador, o problema é conservar o frio, e troncos esbeltos e membros compridos ajudam a dissipar o calor. Concluímos que as proporções corpóreas dos neandertais eram previsíveis a partir do quadro climático no qual se desenvolveram. Porém a história não termina aqui, pois os neandertalenses tinham troncos ainda maiores e membros menores que os dos inuítes (esquimós). Porém, mesmo durante os períodos glaciais, a Europa de latitude média onde os neandertais evoluíram tinha um clima mais brando que o alto Ártico, onde os inuítes viveram historicamente. É claro que estes se adaptaram mais a essas condições pela cultura do que pela forma do corpo, e são famosos por suas casas engenhosas e bem aquecidas e pelas roupas feitas de pele. A arqueologia não revela nenhuma dessas características até o aparecimento dos humanos completamente modernos que sucederam os neandertais na Europa. Esses povos aí chegaram com proporções corporais tropicais longas e longilíneas, como para marcar sua origem equatorial recente, e nunca desenvolveram uma forma corporal “ártica”, embora logo tenham enfrentado o auge do frio glacial. Conseguiram também colonizar as partes mais continentais e agrestes do nordeste da Europa e do norte da Ásia, onde nenhum humano, inclusive os neandertais, tinha vivido antes. Seu sucesso ilustra a diferença que um pouco de cultura pode fazer, e a capacidade cultural avançada deles ajuda a explicar como foram capazes de substituir os neandertalenses de forma tão completa e rápida. Ainda nos resta explicar a razão do cérebro volumoso dos neandertais. Em parte a explicação deve ser genética: o cérebro maior criava comportamentos novos, altamente adaptáveis, inclusive uma incomparável habilidade para lascar pedras. No entanto, no homem de hoje, o tamanho médio do cérebro tende a ser maior em populações altamente musculosas ou que moram em ambientes especialmente frios – e os inuítes (esquimós) estão no alto da lista, com um tamanho cerebral médio próximo ou igual ao dos neandertais. Os primeiros europeus completamente modernos tinham cérebros ainda maiores e também eram altamente musculosos e cercados de frio glacial. Em resumo, se admitirmos que os neandertais obedeciam aos mesmos princípios fisiológicos básicos do homem de hoje, seus cérebros eram grandes em parte por razões que nada tinham a ver com inteligência ou potencial de comportamento. Se considerarmos a “encefalização” – proporção entre massa cerebral e corporal –, os neandertais eram na verdade menos encefalizados que os humanos modernos. Isso inclui todos os seres humanos vivos, nenhum dos quais se igualou aos neandertalenses em massa corporal, embora alguns, como os inuítes, tenham se aproximado deles no que diz respeito ao tamanho do cérebro. Por si só, um nível mais baixo de “encefalização” não significa necessariamente que os neandertais fossem menos inteligentes que os humanos modernos, mas sugere definitivamente que talvez tenham sido. Isso é verdadeiro em particular
porque o registro arqueológico indica que eles eram muito menos inovadores em termos de comportamento.
OS NEANDERTAIS CRIARAM um número relativamente pequeno de tipos reconhecíveis de ferramentas de pedra; e provavelmente utilizaram um único tipo para múltiplas tarefas, como cortar carne, trabalhar com madeira ou processar peles. Por outro lado, seus sucessores modernos em geral apresentaram uma variedade muito mais ampla de tipos distintos, e provavelmente criaram cada um deles para servir a um propósito mais específico. A diferença talvez seja que o uso de ferramentas pelos neandertais foi menos eficiente, da mesma forma que seria a construção de uma casa hoje se os carpinteiros usassem os martelos não apenas para martelar, mas também para inserir parafusos ou serrar. Os primeiros europeus modernos eram também menos musculosos que os neandertais, e há pouca ou nenhuma evidência de que usassem os dentes como ferramentas. Tendo isso em mente, alguns especialistas propuseram que, se os neandertais dispusessem de um conjunto mais sofisticado de ferramentas, poderiam rapidamente ter se transformado em humanos modernos. Uma suposição implícita é que as distinções anatômicas dos neandertais se desenvolveram principalmente quando os indivíduos cresceram; e suas características tinham pouca ou nenhuma base genética. Essa idéia é atraente, mas certamente enganosa. Em primeiro lugar, nós temos crânios e outros ossos de neandertais muito jovens, inclusive crianças, que já exibem os traços clássicos de seu gênero quanto ao rosto e ao formato do crânio. Como as populações mais jovens nunca tinham usado ferramentas, seus traços neandertais devem ter se conservado, o que descartaria a suposição de que as diferenças só apareciam na idade adulta. Em segundo lugar – e ainda mais convincente – temos agora os genes dos neandertais, que confirmam sua divergência genética em relação aos seres humanos muito antes de os grupos humanos divergirem entre si. Até recentemente o resgate do material genético dos ossos neandertais parecia o equivalente biológico a tirar leite de pedra. O problema é que, após a morte de um organismo, seu DNA começa imediatamente a se degradar, pela exposição a microorganismos e outros elementos. Os ossos oferecem alguma proteção, mas nem mesmo os mais grossos conseguem proteger indefinidamente o DNA. Os especialistas colocam o tempo limite máximo em cem mil anos, e para conseguir isso é provável que seja necessário um ambiente relativamente frio em volta do fóssil. Entre os sítios que poderiam ter fornecido um contexto apropriado, o Feldhofer Grotto parecia provável, e nos primeiros anos da década de 1990 uma equipe liderada por Svante Pääbo e Matthias Krings, hoje no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, começou a busca do DNA sobrevivente de um pedaço de 3,5kg de osso do braço direito do neandertal originário de Feldhofer. Os ossos das criaturas vivas são ricos em proteínas, que são compostas por aminoácidos. Como primeiro passo para sua análise, a equipe de Pääbo procurou determinar se o osso de Feldhofer retinha aminoácidos diferentes na mesma proporção em que eles ocorrem nas proteínas e se seu estado físico tinha sido acentuadamente alterado durante o tempo em que ficou enterrado. Quando ambos os indicadores sugeriram um nível promissor de sobrevivência de proteína, os investigadores se concentraram na possibilidade de restauração do DNA mitocondrial, rotineiramente abreviado como mtDNA. Diferente do nuclear, que por definição é confinado ao núcleo de cada célula, o mtDNA reside fora do núcleo, em centenas de organelas (ou mitocôndrias) que suprem a célula com energia. A mera abundância de cópias de mtDNA (versus o DNA nuclear) numa pessoa viva aumentou a probabilidade de que algumas tivessem sobrevivido no osso de Feldhofer. Comparado ao DNA nuclear, o mtDNA tem duas amplas vantagens adicionais para reconstruir a história evolutiva: ele evolui cerca de dez vezes mais rápido e é herdado inteiramente por intermédio das fêmeas. A taxa mais rápida de mudança (mutação)
significa que o mtDNA tem muito mais chance de revelar separações populacionais recentes. A herança que vem apenas pelas fêmeas facilita o rastreamento de linhagens evolutivas individuais. As linhas do DNA nuclear são mais difíceis de rastrear porque 50% dele vêm da mãe, e a outra metade vem do pai. Essas partes são reembaralhadas na concepção, misturando o que é originalmente específico de cada um dos progenitores. Para um entendimento grosseiro do problema que isso apresenta e da razão pela qual o mtDNA oferece uma vantagem, consideremos como seria mais difícil reconstruir a genealogia de uma pessoa se os filhos pudessem arbitrariamente misturar partes dos sobrenomes de solteiros do pai e da mãe para criar o próprio nome. Em 1987, os geneticistas da Universidade da Califórnia, Rebecca Cann, Mark Stoneking e Alan Wilson, promoveram o contato de muitos paleoantropólogos com a análise do mtDNA quando publicaram um estudo histórico sobre a variação desse código em seres humanos. Mostraram que a diversidade do mtDNA é maior na África do que em qualquer outro lugar; que a diversidade em outros lugares é essencialmente um subsistema da diversidade africana; e que as linhagens mais antigas e profundas do mtDNA residem na África. O modo pelo qual a diversidade foi conformada fez com que os pesquisadores chegassem à conclusão de que o último ancestral que possuía mtDNA em comum com os seres humanos vivos deve ter vivido na África. E a partir da taxa presumida de divergência do mtDNA, sugeriram que a ancestral – e por definição tinha que ser “ela” – existiu nesse continente ao longo dos últimos 200 mil anos. Numa mescla de metáforas científicas e bíblicas, essa “mãe afortunada” logo se tornou popularmente conhecida como a “Eva africana (ou mitocondrial)”. Estudos subseqüentes da variação de mtDNA em seres humanos vivos, inclusive uma análise especialmente cuidadosa que a equipe de Pääbo publicou em dezembro de 2000, confirmaram repetidas vezes o resultado original da Universidade da Califórnia. O ponto principal é que mesmo quando o grupo de Pääbo começou a busca pelo mtDNA dos neandertais, já havia boas razões para se supor que nenhum grupo euroasiático antigo – nem os neandertais nem o Homo erectus da Ásia oriental – podia ter contribuído com muitos genes para as populações humanas vivas. Estudos do DNA nuclear, inteligentemente projetados para evitar o problema da herança biparental e da recombinação dos códigos no momento da fertilização, fundamentam a mesma conclusão, e análises recentes do cromossomo Y confirmam esse fato de maneira ainda mais decisiva. Em termos gerais, o cromossomo Y é o equivalente macho do mtDNA, pois é herdado apenas através do macho. Seu padrão de diversidade em seres humanos vivos revela que a Eva mitocondrial tinha uma contrapartida – o “Adão africano” – que existiu na África entre 200 mil e talvez 50 mil anos atrás. Estruturalmente, o DNA abrange cadeias de quatro blocos de configuração química chamados nucleotídeos (ou bases, individualmente abreviados como A, T, C e G), e para reconstruir a história evolutiva, os geneticistas hoje comparam rotineiramente as seqüências de nucleotídeos. Quando dois indivíduos compartilham seqüências semelhantes, presume-se que tenham um ancestral comum relativamente recente; quando as seqüências são mais divergentes, presume-se que os indivíduos sejam mais remotamente relacionados. O genoma mtDNA em seres humanos vivos abrange mais ou menos 16.500 nucleotídeos, porém Pääbo e sua equipe nunca esperaram encontrar uma seqüência completa no neandertal de Feldhofer, e encantaram-se quando o osso do braço forneceu fragmentos pequenos. Eles ampliaram os fragmentos usando a famosa reação em cadeia polimerase (Polymerase Chain Reaction), que se encontra no centro de muitas pesquisas modernas sobre genética molecular. A primeira tarefa foi determinar se os fragmentos poderiam originar-se de células de pele soltas ou de espirros de pessoas que tivessem manuseado os ossos de Feldhofer desde o seu descobrimento, há 140 anos. Dez por cento dos fragmentos mostraram seqüências que sugeriam a presença de contaminadores modernos, mas os 90% restantes eram prontamente distinguíveis das suas contrapartidas em seres humanos vivos, e foi nesses 90% que a equipe de Pääbo se concentrou. Os pesquisadores determinaram seqüências e reconstruíram um fragmento de 379 nucleotídeos de comprimento da conhecida região de controle mitocondrial, e compararam o resultado a seqüências na
mesma posição nas regiões de controle de 994 seres humanos vivos, vindos de todas as regiões do globo. Em média, as seqüências modernas diferiram umas das outras em oito posições nucleotídeas, enquanto a seqüência neandertal diferiu das modernas em 27 posições. Usando uma taxa de divergência seqüencial inferida de uma separação entre o chimpanzé e o homem de quatro a cinco milhões de anos atrás, Pääbo e seus colegas estimaram que o último ancestral que compartilhava o mtDNA com os neandertais e os humanos modernos viveu entre 690 mil e 550 mil anos atrás. Quando aplicaram o mesmo procedimento às seqüências humanas modernas em suas análises, estimaram que o último ancestral que compartilhava o mtDNA com os homens modernos existiu muito depois, entre 150 mil e 120 mil anos atrás. Como o tempo real em que a linha dos neandertais e a dos humanos modernos se separou deve datar de época posterior ao seu último ancestral com mtDNA em comum, a idade estimada do ancestral é completamente compatível com uma separação entre as populações que se seguiu ao Homo heidelbergensis e aos últimos artefatos acheulianos da África à Europa, há mais ou menos 500 mil anos. Para imprimir credibilidade máxima à sua descoberta, o grupo de Pääbo enviou uma amostra do osso do braço do Feldhofer ao Laboratório de Genética Antropológica da Universidade do Estado da Pensilvânia, e quando o segundo laboratório extraiu independentemente o mtDNA com a mesma seqüência, ambos publicaram o resultado em conjunto. O relatório apareceu no exemplar de julho de 1997 da revista Cell , acompanhado de um comentário que chamava a experiência de “investigação exaustiva do DNA préhistórico”. Em seguida a equipe de Pääbo determinou a seqüência de um fragmento um pouco mais longo de mtDNA do mesmo osso de Feldhofer, o que confirmou que o mtDNA dos neandertais e dos seres humanos vivos diferia entre si aproximadamente três vezes mais em termos de posições do que as seqüências dos humanos modernos diferiam entre si. Havia ainda o problema de que o neandertal de Feldhofer incluía uma única amostra. Mas em março de 2000 uma equipe da Universidade de Glasgow, liderada por William Goodwin, publicou um resultado bastante semelhante analisando a costela de uma criança neandertal escavada na caverna de Mezmaiskaya, no sul da Rússia; e em outubro de 2000 a equipe de Pääbo descreveu uma terceira seqüência confirmatória de um pedaço de osso neandertalense recuperado na caverna de Vindija, na Croácia. Não poderia haver mais qualquer dúvida de que mesmo os neandertais encontrados em regiões dispersas pela Europa eram muito mais proximamente relacionados entre si do que com qualquer ser humano vivo, europeu ou de outra região. Nas palavras da equipe de Pääbo, as seqüências fósseis do DNA demonstraram que “os neandertais acabaram não contribuindo com mtDNA para o conjunto genético humano contemporâneo (isto é, histórico)”. Isso não quer dizer que os neandertalenses e os seres humanos modernos não podiam se cruzar ou amais se cruzaram, mas os resultados do exame de DNA sustentam com firmeza as descobertas fósseis e arqueológicas de que, se houve cruzamento, foi uma ocorrência rara e muito difícil de detectar. Para nós, essa inferência, juntamente com a prova fóssil de que os neandertais e os humanos modernos estavam havia muito tempo em caminhos evolutivos separados, justifica a classificação em espécies distintas: omo neanderthalensis e Homo sapiens, respectivamente.
QUANDO COLOCAMOS OS NEANDERTALENSES e os seres humanos modernos em espécies separadas, estamos sugerindo que os primeiros estão extintos, pois só os segundos ainda existem. Mas então o que aconteceu com os neandertais? Como um grupo que tinha sido bem-sucedido na Europa por centenas de milhares de anos não conseguiu sobreviver até o presente, ou, como mostra a arqueologia, nem mesmo até antes de 30 mil anos atrás? Acreditamos que a resposta é clara: eles desapareceram porque não podiam competir de maneira eficiente com os humanos modernos de origem africana, que apareceram na sua porta há mais ou menos 40 mil anos. A prova encontra-se no registro arqueológico.
Os arqueólogos atribuem as montagens de artefatos dos neandertais à tradição ou cultura moustierense, assim denominada por causa das camadas de pedra em Le Moustier, no sudoeste da França, onde os pesquisadores escavaram esses artefatos inicialmente na década de 1860. A cultura moustierense é conhecida também como Paleolítico Médio e sucede o Paleolítico Inferior, cuja manifestação primária na Europa é a tradição acheuliana (machados de mão). A cultura moustierense distingue-se da acheuliana essencialmente pela ausência de machados de mão grandes e outras ferramentas igualmente de porte originadas dos “núcleos”. A razão pela qual os povos moustierenses pararam de fazer grandes machados de mão permanece obscura, porém a especulação mais plausível é que eles tinham descoberto uma maneira de fixar cabos de madeira nas pedras lascadas, e as novas ferramentas executavam as mesmas funções que os machados de mão, sendo contudo mais fáceis de fazer ou de carregar. O momento em que ocorreu a mudança da tradição acheuliana para a moustierense ainda não foi bem estabelecido, e talvez não seja exatamente o mesmo em todos os lugares. As evidências correntes sugerem que os últimos povos acheulianos viveram na Europa entre 250 mil e 200 mil anos atrás. A cultura moustierense perdurou até há 50 mil anos, quando foi substituída pelo Paleolítico Superior. Em geral este período se distinguia da cultura moustierense pela presença de numerosas lascas especialmente longas, ou “lâminas”, quase sempre retiradas de núcleos preparados de modo especial, e pela abundância de ferramentas em forma de talhadeiras, conhecidas como “buris” (Figura 6.6). O termo “buril” é de origem francesa e designa uma ferramenta moderna de metal que serve para gravar em madeira; os povos do Paleolítico Superior provavelmente usavam com freqüência buris de pedra para gravar ou entalhar ossos, marfim ou chifres. Eles fabricaram muitos modelos diferentes de buris e uma variedade ampla de outros tipos de artefatos de ossos e pedra facilmente reconhecíveis. Os protótipos específicos estão em geral restritos a certas épocas e lugares, o que permitiu aos arqueólogos definir múltiplas culturas do Paleolítico Superior. Entre as mais famosas estão: a cultura aurignaciana, que se estendeu da Bulgária à Espanha entre cerca de 37 mil e 29 mil anos atrás; a cultura gravetiana, que se estendeu de Portugal à Europa do sul e central até a parte européia da Rússia, aproximadamente entre 28 mil e 21 mil anos atrás; a cultura solutriana, que existiu na França e na Espanha entre aproximadamente 21 mil e 16.500 anos atrás; e a cultura magdaleniana, que ocupou a França, o norte da Espanha, a Suíça, a Alemanha, a Bélgica e o sul da Inglaterra entre mais ou menos 16.500 e 11 mil anos atrás. Costuma-se afirmar que o Paleolítico Superior termina por volta do período de 11 mil anos atrás, mas foi substituído por culturas que dele diferiam, não tanto pelos artefatos quanto por sua adaptação a condições climáticas interglaciais mais amenas, que tiveram início entre 12 mil e 10 mil anos atrás. Determinar exatamente quando o Paleolítico Superior apareceu é importante para nós, pois os povos que produziram os artefatos do Paleolítico Superior eram anatomicamente modernos. Eles são em geral conhecidos como homens de Cro-Magnon, nome tirado de um abrigo de pedra no sul da França onde seus ossos foram encontrados junto com os primeiros artefatos do Paleolítico Superior (tradição aurignaciana), em 1868 (Figura 6.4). Os artefatos superam bastante em número os ossos humanos dos sítios antigos, e se rastrearmos o aparecimento dos artefatos mais primitivos do Paleolítico Superior pela Europa poderemos dizer com que rapidez a cultura moustierense (neandertal) sucumbiu. Para simplificar as coisas, neste capítulo iremos igualar os neandertalenses à cultura moustierense, e os homens de CroMagnon ao Paleolítico Superior. Como veremos depois, essa equação é imperfeita, já que alguns neandertais posteriores aparentemente produziram artefatos do Paleolítico Superior; e contemporâneos africanos dos neandertais produziram artefatos semelhantes aos moustierense, embora os africanos fossem mais assemelhados ao homem de Cro-Magnon em sua anatomia.
Figura 6.6 Tipos de artefatos de pedra característicos da cultura moustierense e do Paleolítico Superior. Os povos do Paleolítico Superior fabricaram um número muito maior de ferramentas de pedra rapidamente reconhecíveis, e os tipos variaram muito mais através do tempo e do espaço.
Os neandertais e os homens de Cro-Magnon compartilharam muitos traços comportamentais avançados, incluindo uma capacidade refinada de lascar a pedra, enterrar os mortos, ao menos ocasionalmente de controlar o fogo (sugerido pela abundância de restos de fornalhas em seus sítios) e uma forte dependência de carne, provavelmente obtida com a caça. Além disso, tanto os restos dos esqueletos dos neandertais quanto os do homem de Cro-Magnon algumas vezes revelam debilitações que sugerem o cuidado dos povos com os idosos e doentes. Não poderia haver indicação mais convincente de humanidade compartilhada. Porém, há muitos aspectos comportamentais (arqueológicos) nos quais os neandertais parecem ter sido significativamente mais primitivos que o homem de Cro-Magnon. Primeiro, e basicamente, com uma intrigante exceção que trataremos mais adiante, os neandertais não deixaram qualquer prova convincente da produção de trabalhos artísticos ou jóias, e talvez por isso seus túmulos não contenham nada que sugira a existência de rituais ou cerimônias de sepultamento. Seria cabível até mesmo supor que eles cavavam túmulos simplesmente para remover uma inconveniência desagradável do espaço necessário utilizado pelos vivos. As técnicas de lascar a pedra dos neandertais podem ter sido extraordinariamente requintadas, mas, comparados aos homens de Cro-Magnon, eles produziram poucos tipos de ferramentas de pedra de rápido reconhecimento. Raramente ou nunca produziram artefatos engenhosos feitos de substâncias plásticas como ossos, marfim, conchas ou chifres. Talvez por terem criado tão poucos tipos de instrumentos de pedra e quase nenhuma ferramenta de osso, o conjunto de artefatos dos
neandertalenses é notavelmente homogêneo nas vastas áreas e ao longo de vários milênios. O advento do Paleolítico Superior testemunhou uma aceleração pronunciada na variabilidade dos conjuntos ao longo do tempo e do espaço que se reflete na multiplicidade de culturas distintas desse período – e às quais já nos referimos. Muitas delas podem ser subdivididas em unidades menores, circunscritas em termos espaciais e cronológicos, que provavelmente marcam a existência de grupos étnicos no sentido moderno, com consciência de identidade. Nem a tradição moustierense nem qualquer outra que a tenha precedido forneceu prova material comparavelmente convincente de etnicidade. Tanto os neandertais quanto os Cro-Magnons freqüentemente se abrigavam nas cavernas, e a estratificação das camadas moustierense abaixo das do Paleolítico Superior deu a primeira evidência de que os primeiros precederam os segundos na Europa. Porém as densidades dos artefatos tendem a ser baixas nas camadas neandertais, e por toda a Europa esse grupo cedia com freqüência suas cavernas aos ursos, hienas ou lobos. Por outro lado, as densidades dos artefatos tendem a ser mais altas nas camadas do período dos Cro-Magnons, e eles mantinham as cavernas em grande parte para seu uso. Isso implica que as populações de Cro-Magnons eram maiores e que eles competiam de modo mais eficiente com outros potenciais moradores das cavernas. Talvez tenham até levado as populações de ursos à extinção, pois os últimos fósseis de ursos encontrados em cavernas datam dos primórdios do Paleolítico Superior. Finalmente, quando os neandertais ocuparam sítios fora das cavernas, não deixaram qualquer prova convincente de que tivessem construído “casas” sólidas, embora tivessem de enfrentar muitas vezes condições climáticas extraordinariamente frias. Os sítios dos Cro-Magnon são os mais antigos a fornecer “ruínas” irrefutáveis, e as casas bem aquecidas que essas ruínas indicam ajudam a explicar por que eles foram os primeiros a se expandir em direção às regiões mais continentais e severas do nordeste da Europa, onde ninguém havia vivido antes. Para alguns arqueólogos, catalogar as diferenças de comportamento entre os neandertais e os homens de Cro-Magnon pode parecer um desejo de diminuir os primeiros, uma espécie de paleorracismo ao qual todas as pessoas conscientes devem resistir. Ainda assim, nosso propósito é precisamente afirmar que os restos dos esqueletos e genes significam que os neandertais não eram análogos a uma “raça” moderna, seja como ela for definida. Todas as “raças” modernas se originaram muito recentemente, a maioria nos últimos dez mil anos, e não precisamos que a genética nos diga que o cruzamento entre elas era rotineiro. Também temos provas abundantes de que um membro de qualquer “raça” moderna pode se tornar completamente funcional dentro de qualquer outra cultura. Se aceitamos a idéia da evolução humana, devemos aceitar também que algumas populações humanas antigas diferiam dos humanos modernos, não apenas na aparência, mas também no comportamento potencial. Para nós, os neandertais se encaixam nessa afirmação, apesar dos cérebros grandes, de sua humanidade patente e de sua existência relativamente recente. Em suma, sugerimos que o desaparecimento dessa linhagem tenha ocorrido não porque eles não se comportavam de uma maneira completamente moderna, mas porque não conseguiam se comportar assim. Infelizmente, a única prova que poderia confirmar essa colocação de modo inequívoco – uma análise estrutural do cérebro dos neandertais – não está disponível nem provavelmente estará.
O LEITOR QUE ACABOU de nos ver negar a arte neandertal e os possíveis rituais de sepultamento pode estranhar a existência de observações contrárias na imprensa popular. Essas observações recebem atenção tão ampla precisamente porque são raras, e só isso sugere uma diferença qualitativa do Paleolítico Superior – onde as evidências novas da arte ou dos rituais quase não merecem atenção por si mesmas. Além disso, considerando que a natureza tende a imitar a arte de vez em quando, que os objetos do Paleolítico Superior talvez tenham ocasionalmente se infiltrado nas camadas moustierense sem serem
detectados, e que os arqueólogos já escavaram traços de sítios moustierense, seria incrível se tais sítios não produzissem ocasionalmente um aparente objeto de arte moustierense ou um artigo de ritual. Alguns podem até ser genuínos, mas apresentaremos dois casos que pensamos ilustrar um problema comum – a probabilidade ou ao menos uma forte possibilidade de que a maioria desses artigos tenha origem natural. O primeiro e provavelmente mais famoso caso vem da caverna Shanidar, no norte do Iraque. Até o momento enfatizamos a origem européia dos neandertais, mas entre 80 mil e 70 mil anos atrás, quando o clima global tornou-se bruscamente mais frio, os neandertalenses expandiram seus limites até o oeste da Ásia. Naquela época eles realmente parecem ter deslocado os humanos anatomicamente modernos ou os semimodernos que tinham se expandido para a margem sudoeste asiática da África durante o começo do último episódio interglacial – especialmente quente –, aproximadamente de 125 mil a 90 mil anos atrás. Entre 1957 e 1961, o arqueólogo Ralph Solecki, da Universidade Colúmbia, descobriu uma espessa seqüência de camadas do Paleolítico Superior que se encontravam sobre uma série de camadas moustierense ainda mais espessas, na caverna Shanidar. As camadas moustierense forneceram os restos de nove neandertais, encontrados principalmente, se não todos, em túmulos. No curso da escavação, Solecki retirou de modo rotineiro amostras de sedimentos para determinar se eles preservavam pólen fóssil que pudesse lançar uma luz sobre a vegetação antiga; coletou muitas amostras das proximidades do esqueleto de um adulto do sexo masculino – conhecido como Shanidar IV. Duas dessas amostras apresentaram inúmeras e fartas porções de pólen de flores de oito espécies diferentes. Historicamente os povos locais usavam sete das oito espécies como ervas ou remédios, e como o pólen das flores não possuía amostras de sedimentos dos outros túmulos, Solecki supôs que o homem de Shanidar IV fosse um curandeiro neandertalense ou “xamã” que fora sepultado numa cama de flores. Concluiu que “a associação de flores com os neandertais acrescenta uma dimensão inteiramente nova ao nosso conhecimento de sua humanidade, indicando que ele tinha uma ‘alma’”. A conclusão enganadora de Solecki não pode ser simplesmente descartada, mas os paleoantropólogos em geral concordam que uma explicação cultural (comportamental) só deve ser aceita caso se possa excluir uma justificativa natural igualmente plausível. Nesse caso, um pequeno roedor de cova, o eriones persicus, animal semelhante ao gerbo persa, fornece uma alternativa natural plausível. As tocas dos Meriones persicus e de outros pequenos roedores permeavam os sedimentos perto de cada sepultamento em Shanidar, e a equipe de Solecki em geral usava o número e ângulo deles para descobrir possíveis túmulos. Como os Meriones persicus são conhecidos por guardarem grande número de sementes e flores dentro de suas tocas, eles poderiam facilmente ter depositado o pólen da flor perto de Shanidar IV. A explicação é menos empolgante que a humana, mas acompanha o quadro anterior de total falta de provas que garantam a existência de ritos em outros sepultamentos neandertais, inclusive na caverna de Shanidar. Nosso segundo exemplo vem da caverna 1 de Divje Babe, nas regiões montanhosas da Eslovênia. Divje Babe 1 é o melhor exemplo do que tínhamos em mente quando dissemos que os ursos ocupavam as cavernas moustierense com tanta freqüência quanto os humanos. As escavações no local, dirigidas por Ivan Turk, do Instituto Esloveno de Arqueologia, descobriram algumas dúzias de artefatos moustierenses e algumas fogueiras fósseis, mas 99% dos ossos vêm dos ursos que viviam nas cavernas e que parecem ter morrido no local. Em 1995 a equipe de Turk escavou uma nova fogueira moustierense e por perto encontrou o que acreditaram ser uma flauta feita de um pedaço de fêmur de um jovem urso. O exemplar tinha aproximadamente 11cm de comprimento e quatro buracos circulares uniformemente espaçados na superfície (Figura 6.7). Dois dos buracos estavam perfeitos, e os outros dois estavam apenas parcialmente preservados nas pontas do osso.
Figura 6.7 A suposta flauta de osso de urso da caverna Divje Babe 1, Eslovênia.
Como a esmagadora maioria dos ossos de ursos encontrados em Divje Babe 1, a suposta flauta não apresenta qualquer marca detectável de ferramenta de pedra, e a questão principal é se uma outra intervenção poderia ter produzido os buracos. Francesco D’Errico, que também estudou a figura de Berekhat Ram, juntou-se aos colegas para examinar os ossos de tocas de ursos, onde artefatos e fogueiras são totalmente inexistentes e os animais eram provavelmente os únicos habitantes. O grupo de d’Errico encontrou um número entre 4% e 5% de ossos de urso com buracos como os da suposta flauta, e a explicação mais simples seria o resultado da perfuração por mordidas dos próprios ursos, ou talvez de algum outro carnívoro de grande porte. Concluíram que o objeto encontrado pela equipe de Turk não era uma flauta, e sim um produto acidental da alimentação dos ursos ou de algum outro carnívoro. Deixando de lado a flauta de Divje Babe, os instrumentos musicais mais antigos são as flautas feitas com ossos de pássaros das camadas aurignacianas, de 30 mil a 32 mil anos de idade, encontradas na caverna de Geissenklösterle, no sul da Alemanha, e na caverna Isturitz, nos Pireneus franceses. Ambos os sítios forneceram também objetos de arte irrefutáveis, até mesmo espetaculares, e o contraste com a cultura moustierense não podia ser mais completo. Poderíamos ampliar essa discussão para incluir talvez 15 pretensos objetos de arte encontrados em sítios moustierense espalhados pela Europa e pelo oeste da Ásia, e nem todos podem ser tão facilmente descartados quanto a flauta de Divje Babe. Ainda assim, nenhum deles é tão convincentemente artístico quanto os muitos exemplares do Paleolítico Superior. Nas palavras do arqueólogo Paul Mellars, da Universidade de Cambridge, concluímos que “A absoluta escassez e isolamento desses objetos … torna difícil considerar esse tipo de expressão simbólica um componente real e significativo do comportamento dos neandertais”.
OS SÍTIOS NEANDERTAIS muitas vezes contêm ossos fragmentados de mamíferos de médio porte, como o
cervo, o bisão e os cavalos, e duas provas indicam que os neandertalenses eram caçadores ativos. Primeiro, o pó que se formou como resultado da fricção com a madeira ou com tiras de couro mostram que a cultura moustierense fixou lascas triangulares de pedra nas pontas das lanças de madeira. Segundo, traços de proteína retida nos ossos mostram que eles eram altamente carnívoros. O arqueólogo John Shea, da Universidade Stony Brook, em Long Island, fez um estudo especial das pontas triangulares das camadas moustierenses na caverna de Kebara, em Israel, e em outros sítios no sudoeste da Ásia. Observou com freqüência a presença de quebras ou fraturas ocorridas durante um impacto. Tanto estocadas fortes quanto arremessos poderiam produzir o dano, mas Shea argumenta que as lanças com lascas triangulares nas pontas eram muito pesadas, desajeitadas para o arremesso e provavelmente utilizadas de perto como armas de investida. Seriam muito mais eficazes para esse propósito as lanças de Schöningen, de 400 mil anos atrás, totalmente feitas de madeira. Mas a necessidade de aproximação ainda teria exposto o caçador a um grande risco. Isso pode explicar por que os ossos neandertais exibem com tanta freqüência fraturas curadas. O bioantropólogo Steven Churchill, da Universidade Duke, observa também que o uso repetido do corpo para jogar lanças poderia explicar por que os neandertais eram tão fortes e musculosos. Os arqueólogos que escavaram o sítio moustierense de Umm el Tiel, na Síria, recuperaram uma vértebra de pescoço de um asno selvagem que mostra a força que os neandertalenses tinham para espetar as lanças. Encravado na vértebra estava um fragmento de 1cm de comprimento de uma ponta triangular de Levallois, que quebrou quando o animal foi morto. A localização da ponta provavelmente não foi acidental, já que sua entrada teria decepado a medula espinhal e deixado o animal totalmente incapaz de se defender. Ainda assim, aproximar-se de um animal de grande porte era perigoso, e a principal estratégia dos neandertais para lidar com essa situação talvez tenha sido caçar em grupos que poderiam cercar um alvo. Shea imaginativamente pensa neles como “lobos com facas”. Já observamos que os ossos antigos algumas vezes retêm traços de proteína (colágeno), e que os geneticistas buscam tais traços antes de tentar a tarefa mais difícil de extrair o DNA. Os traços da proteína são valiosos por si sós, pois podem ser usados para revelar a dieta antiga. Espécies como o lobo ou o leão, altamente carnívoras, tendem a ter proteínas enriquecidas na variante (isótopo) de nitrogênio conhecida como 15 N. A composição de 15 N foi determinada nos ossos neandertais de cavernas em Marillac, na França, Scladina, Engis e Spy, na Bélgica, e Vindija, na Croácia; em todos os casos os resultados indicam uma dieta extremamente carnívora. O grau de ingestão de carne é certamente grande demais para resultar principalmente das carcaças, e, aliado às lanças de ponta de pedra, implica a caça ativa. Os sucessores Cro-Magnons dos neandertais tinham como alvo principal as mesmas espécies de mamíferos de porte médio, e apenas com base nos ossos de animais é difícil afirmar que os neandertais e os Cro-Magnons caçavam de maneira muito diferente. No entanto, duas observações circunstanciais sugerem que os últimos eram mais bem-sucedidos. Primeiro, os sítios Cro-Magnons são mais numerosos por unidade de tempo e tendem a conter maiores quantidades de ruínas culturais. Isso sugere que as populações Cro-Magnons eram maiores, apesar de as condições ambientais terem permanecido, grosso modo, as mesmas. Segundo, os Cro-Magnons eram quase ao certo mais bem armados, e seus artefatos de pedra e ossos incluem peças que foram provavelmente partes de armas impulsoras (projéteis) – talvez de início para jogar lanças ou dardos e mais tarde para atirar flechas. Melhores armamentos poderiam explicar por que os Cro-Magnons, apesar de muito musculosos, não eram tão fortes quanto os neandertais, e também por que eles aparentemente quebravam os ossos com menos freqüência. A musculatura reduzida também significaria que o Cro-Magnon médio necessitava de menos calorias por dia. Eles podiam, portanto, ter sido mais numerosos mesmo que obtivessem o mesmo número de animais e outras fontes de alimento que os neandertais.
Finalmente, com relação à área de alimentação, cumpre falar um pouco sobre o canibalismo neandertal. Os primeiros habitantes da Europa – aqueles que ocuparam a caverna Gran Dolina há 800 mil anos – eram canibais, e atribuímos essa prática à dificuldade de encontrar alimentos. Sugerimos que essa dificuldade possa explicar casos semelhantes de canibalismo entre os humanos modernos pré-históricos e históricos. Até o momento, nenhum sítio Cro-Magnon forneceu evidência convincente de uma dieta canibal, mas um ou dois sítios neandertais o fizeram. A prova é insuficiente, mas os sítios de neandertais são mais raros, e pode-se supor que esses povos praticavam o canibalismo com maior freqüência, talvez porque enfrentassem enfrentassem fom fomee severa mais vezes. Os dois sítios neandertais mais relevant releva ntes es são os abrigos na rocha de Krapina, na Croácia, e o Moula-Guercy, no sudeste da França. O paleoantropólogo croata Dragutin Gorjanovic-Kramberger recuperou aproximadamente 900 ossos de neandertais em Krapina entre 1899 e 1905. Seus métodos de escavação eram rudes para os parâmetros modernos, mas ajudaram a estabelecer a grande antigüidade e a ampla distribuição geográfica dos neandertais na Europa. Também Também mostrar mostraram am que que Krapina Kra pina não continha continha túmulos túmulos nem esqueletos articulados. artic ulados. Quase todas as partes dos esqueletos estavam presentes, mas espalhadas pelo depósito, e muitas se encontravam quebradas. Estudos subseqüentes mostraram que ao menos 20 indivíduos estão ali representados e que muitos eram ainda adolescentes ou adultos jovens. Camadas preservativas cobrem agora as superfícies dos ossos, o que impede qualquer tentativa de estimar a extensão do dano provocado por ferrament ferramentas as de pedra pedr a ou dentes dentes de carnívoros. Isso é uma uma pena, pois os ossos de animais animais encontrados encontrados por perto são em grande grande parte de ursos, hienas hienas ou lobos, que podem ter tido um papel na acumulação acumulação de ossos. A ocupação humana não parece ter sido intensa, já que os artefatos moustierenses superam só ligeiramente em número os ossos dos neandertais. Ainda assim, o canibalismo permanece uma explicação plausível, pela parca qu quant antidade idade de ossos humanos umanos e pelo seu alto grau de fragm fragmentação. entação. A idade ida de dos indivíduos encontrados com menor probabilidade de terem morrido de causas naturais indica matança intencio intencional nal entre grupos. A prova do abrigo de Moula-Guercy é mais convincente. Em 1991 o arqueólogo Alban Defleur, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, recuperou 12 ossos fragmentados de neandertais da camada moustierense XV e percebeu que muitos tinham várias marcas de corte de ferramentas de pedra. Como os instrumentos de metal para escavação podem muitas vezes produzir marcas semelhantes às deixadas pelas ferramentas de pedra, ao longo do trabalho Defleur instruiu sua equipe para usar apenas instrumentos de bambu. Também evitou aplicar qualquer tipo de preservativo que pudesse obscurecer as superfícies ósseas. Os ossos de Moula-Guercy estão extremamente bem preservados, e suas superfícies são quase intactas. intactas. Em 1999, Defleur e sua equipe publicaram um relatório sobre uma amostra significativamente aumentada de 78 ossos de neandertais da mesma camada moustierense e comparou os fragmentos humanos com cerca de 300 ossos de cervo vermelho, que dominavam os conjuntos de ossos animais. Tanto os humanos quanto os dos cervos vinham virtualmente de todas as regiões do corpo. Os ossos humanos representam ao menos seis indivíduos, com idade variada entre seis e sete anos até a idade adulta, quando morreram; o cervo representa ao menos cinco indivíduos, do recém-nascido, e até mesmo do feto, à idade adulta. Os dois conjuntos de ossos foram amplamente avariados por ferramentas de pedra, e o dano tendia tendia a ocorrer nas mesmas esmas posições anatôm anatômicas, icas, sem considerar a espécie, o que mostra que os “açougueiros” tinham usado as ferramentas para antes desarticular os corpos e cortar a carne e depois abrir o crânio e os ossos compridos em busca dos miolos e do tutano. Quando terminaram, espalharam os ossos hum humanos e os dos cervos pela superfície superfície do sítio. Assim como os povos da Gran Dolina, 700 mil anos antes, os neandertais de Moula-Guercy alimentavam-se tanto de gente quanto de animais. Outros sítios moustierenses forneceram ocasionalmente ossos neandertais com marcas de corte, mas a maioria deles, não, e entre os que não forneceram
encontram-se outras camadas em Moula-Guercy. Da perspectiva de uma espécie em competição com outra, o canibalismo é obviamente um jogo de perdedores; e, como os humanos modernos, os neandertais provavelmente provavelmente não não se devoravam rotineiram rotineirament ente. e.
ESTRITAMENTE FALANDO, os neandertais e os humanos modernos só deveriam ser classificados como duas espécies separadas se o produto do cruzamento entre eles fosse estéril. Os biólogos sempre concordaram com esse critério, c ritério, e muitos muitos classificam class ificam cachorros cachorros e lobos lobo s como espécies separadas, embora embora o produto do cruzamento entre eles seja em geral fértil e conhecido. O ponto-chave é que os lobos livres e os cachorros não cruzam com muita freqüência e chegaram a desenvolver traços anatômicos e comportamentais específicos que limitam as possibilidades. Genes modernos e antigos sugerem que, se os humanos modernos e os neandertais cruzavam, isso não acontecia com freqüência, e propomos que as diferenças comportamentais forneceram o mecanismo de isolamento. Nem todos concordam com isso, e como contraprova alguns mencionam o esqueleto do Paleolítico Superior recentemente descoberto em Lagar Velho, que se acredita represente um híbrido entre os neandertais e os Cro-Magnons. Em novembro novembro de 1998, João Mauríci Maurícioo e Pedro Souto, Souto, da Sociedade Espeleológica e Arqueológica Arqueológica de Torres Novas, Portugal, estavam pesquisando arte em pedra no estreito vale de calcário de Lapedo, no centro-oeste de Portugal. Passaram pelo abrigo de pedra de Lagar Velho, cujo conteúdo tinha sido amplamente trabalhado por uma máquina de terraplenagem durante a construção de uma estrada seis anos antes. Um coelho cavara uma toca no depósito que restou, e quando Maurício entrou nela encontrou o antebraço esquerdo e os ossos da mão de uma criança. A inspeção mostrou que a maior parte do resto de um esqueleto ainda estava enterrada, embora a máquina de terraplenagem tivesse quebrado e espalhado o crânio e algumas outras partes. O arqueólogo João Zilhão, do Instituto Português de Arqueologia, e sua colega Cidália Duarte, antropóloga física, imediatamente montaram uma escavação para recuperar o que restava. Zilhão e Duarte ficaram intrigados, pois o esqueleto parecia datar do Paleolítico Superior, tendo parcialm parcia lment entee como como base b ase a estimada estimada profundidade profundidade de 2m da superfície original original do depósito e em parte a massa de matéria avermelhada que o cercava. Tanto os neandertais quanto os Cro-Magnons procuravam obter o ocre vermelho da natureza (óxido de ferro), e alguns arqueólogos especularam que os neandertais utilizavam-no para pintar o corpo. As alternativas mais bem aceitas são que eles a empregavam para tingir a pele ou pintar as superfícies de artefatos de madeira. Por outro lado, os Cro-Magnons pulverizavam com freqüência freqüência o ocre para fazer pigm pigmentos entos para a pint pi ntura ura de paredes e, diferentem diferentement entee dos neandertais, quase sempre espalhavam grandes quantidades nos túmulos. Em Lagar Velho, a escassa concentração de pigmento em volta do esqueleto sugeria que o corpo tinha sido enterrado de costas, com o tronco e a cabeça ligeiramente voltados em direção à parede do abrigo de pedra. As pernas estavam estendidas, e os pés, cruzados. O único artefato encontrado na escavação de resgate foi um pingente de concha perfurada, mas um exame cuidadoso dos depósitos redistribuídos pela máquina de terraplenagem descobriu três caninos de cervo vermelho perfurados, juntamente com alguns outros fragmentos de esqueleto. A disposição do corpo, a pintura em vermelho, a concha perfurada e os dentes sugeriram a Zilhão que a criança pertencia à cultura gravetiana do Paleolítico Superior, que, como observamos previamente, havia se espalhado pela Europa entre mais ou menos 28 mil e 22 mil anos atrás. A posterior datação por radiocarbono do carvão vegetal e dos ossos de animais associados mostrou que o esqueleto tinha aproximadamente 24.500 anos de idade, confirmando a suspeita de Zilhão. Duarte e seus colegas convidaram o paleontólogo Erik Trinkaus, da Universidade de Washington, para analisar o esqueleto com eles. el es. O estado da dentição dentição indicava que a criança tinh tinha mais ou menos
quatro anos de idade quando morreu, e sob quase todos os aspectos os ossos assemelhavam-se de perto aos de um menino de quatro anos moderno. Isso não foi surpresa alguma, já que a datação era do período gravetiano. No entanto, Trinkaus e os cientistas portugueses também detectaram o que acreditavam ser dois traços neandertais: a inclinação para trás abaixo dos dentes incisivos na parte frontal da mandíbula inferior e especialmente a tíbia pequena com relação ao fêmur. Como já dissemos, tíbias curtas são uma característica típica dos neandertais e uma importante razão de eles serem tão bem adaptados ao frio. Em unho de 1999 Duarte, Trinkaus e seus colegas publicaram as descobertas na Proceedings na Proceedings of the National Nati onal cademy of Sciences, Sciences, concluindo que a criança de Lagar Velho demonstrava que os neandertais e os humanos modernos cruzavam entre si. Num Num coment comentário ário ao texto, texto, os ant a ntropólogos ropólogos Ian Tatt Tattersall ersall,, do Museu Americano Americano de História Natural, Natural, e Jeffrey Schwartz, da Universidade de Pittsburgh, demonstravam-se céticos. Ressaltavam que a anatomia da criança era absolutamente moderna e que o esqueleto não mostrara nenhuma característica que fosse única dos neandertais. Além disso, defendiam que só uma primeira ou segunda geração de híbridos revelaria uma mistura clara de traços neandertais e modernos, enquanto a criança de Lagar Velho tinha vivido e morrido pelo menos 200 gerações depois que os últimos neandertais habitaram Portugal e a Espanha. Desse modo, concluíam que o suposto híbrido era “simplesmente uma criança gravetiana atarracada, um descendente dos modernos invasores que tinham expulsado os neandertais da península Ibérica alguns milênios antes”. Não houve uma pesquisa formal entre os antropólogos sobre essa questão, mas muito provavelmente eles aceitariam essa conclusão. O DNA poderia pode ria fornecer fornecer maiores inform informações, ações, caso pudesse ser extraído dos ossos da criança; mas a chance disso ocorrer é pequena, pois os ossos não preservam preserva m resíduos de proteína original. original. Outra prova da ocorrência de híbridos entre homens modernos e neandertais é ainda mais duvidosa, mas os primeiros Cro-Magnons em geral eram muito robustos, e nesse sentido algumas vezes lembram os neandertais. Os povos aurignacianos que moraram perto de Mladec, na República Tcheca, são exemplos cabais disso; mas Günter Bräuer, da Universidade de Hamburgo, e seu colega Helmut Broeg recentemente examinaram os crânios desses humanos e não conseguiram detectar um único traço neandertal. Nem tampouco encontraram traços em crânios tchecos ligeiramente mais jovens. Com exceção talvez da criança de Lagar Velho, tal como os genes dos seres humanos vivos, os restos dos esqueletos do início do Paleolítico Superior sugerem que, se houve cruzamento entre Cro-Magnons e neandertais, ele provavelmente provavelmente se deu em escala muito muito pequena. pequena.
MESMO QUE OS PRIMEIROS Cro-Magnons e os neandertais não tenham trocado genes, certamente viram uns aos outros, e algum contato teria sido inevitável. Na Europa, os artefatos superam bastante em número os fósseis humanos, e poderíamos perguntar se isso sugeriria uma interação. A resposta é não. Na maior parte dos sítios que contêm camadas camadas moustierenses oustierenses e camadas camadas do Paleolítico Paleolí tico Superior, Superior, estas últim últimas as se sobrepõem às primeiras sem nenhuma prova de contato entre as duas populações ou de um intervalo substancial em termos temporais. Tudo isso sugere que os Cro-Magnons substituíram os neandertais num piscar de olhos geológico, geológico, e pensamos pensamos que na na maior maior parte par te das regiões foi foi exatam exatament entee o que aconteceu aconteceu.. Há contudo exceções ocasionais – os sítios inusitados de mistura de artefatos moustierenses com outros do Paleolítico Superior, que não podem ser explicados simplesmente pela escavação de baixa qualidade. Esses sítios existem inquestionavelmente e são um grande espinho para os que afirmam que os neandertais eram biologicamente incapazes de se comportar de uma maneira humana moderna. Os principais sítios ocorrem numa área restrita do norte da Espanha, do oeste e da região central da França (oeste do rio Ródano), onde os arqueólogos os atribuem à indústria ou cultura chatelperroniana (Figura 6.8). 6.8). Em depósitos profundamente estratificados, as camadas chatelperronianas se sobrepõem
diretamente às moustierenses e são cobertas sucessivamente por camadas com artefatos da primeira cultura aurignaciana do Paleolítico Superior. Todos os fósseis humanos aurignacianos conhecidos, inclusive os do sítio Mladec, representam Cro-Magnons completamente modernos, e mesmo os conjuntos de artefatos aurignacianos mais antigos contêm indiscutíveis e muitas vezes espetaculares objetos de arte e utensílios de ossos muito bem-feitos. A datação por radiocarbono do carvão vegetal incorporado nos pigmentos mostrou que os povos daquele período também pintavam nas paredes das cavernas. As datas das camadas chatelperronianas e das primeiras aurignacianas se sobrepõem significativamente, e a diferença de tempo entre as duas pode ter sido muito curta para se medir com os métodos correntes. No momento, uma inferência razoável é que a cultura chatelperroniana começou há mais ou menos 45 mil anos e perdurou até talvez 36 mil anos atrás, quando a cultura aurignaciana já tinha aparecido por perto. Restos humanos de cavernas em Saint-Césaire e Arcy-sur-Cure, na França, mostram que os humanos que produziram a cultura chatelperroniana eram neandertais. Em ambos os sítios, as ocupações chatelperronianas são as últimas conhecidas, e os povos eram provavelmente os últimos neandertalenses.
Figura 6.8 Distribuição geográfica da antiga cultura aurignaciana do Paleolítico Superior e das culturas chatelperroniana, uluzziana e Szeletiana/Jerzmanowiciana precedentes.
Figura 6.9 Artefatos chatelperronianos da Gruta do Veado, em Arcy-sur-Cure, na França. Em geral só os Cro-Magnons do Paleolítico Superior fabricavam buris, artefatos de ossos e pingentes bem-feitos, mas o povo que deixou esses artefatos nas camadas chatelperronianas da Gruta do Veado parece ter sido neandertal.
Se somente se tratasse de artefatos de pedra, a cultura chatelperroniana poderia ser considerada simplesmente um tipo de indústria moustierense final, e a parte inicial da tradição chatelperroniana, antes de 37 mil a 38 mil anos atrás, pode não ter sido mais que isso. Em Arcy-sur-Cure, no entanto, os povos não só produziram uma mistura de objetos moustierenses com tipos de artefatos de pedra do Paleolítico Superior, como também manufaturaram fantásticas ferramentas de ossos e ornamentos pessoais do Paleolítico Superior (Figura 6.9). As camadas chatelperronianas forneceram 142 utensílios de ossos, incluindo alguns que parecem ter sido decorados, 36 dentes de animais e pedaços de marfim, ossos ou conchas que foram perfuradas ou entalhadas para ser usadas como contas ou pingentes. Dentes perfurados quase idênticos também foram encontrados nas camadas chatelperronianas da caverna de Quinçay, na França. Francesco d’Errico mostrou que os chatelperronianos de Arcy fabricaram seus artefatos de ossos e ornamentos nos locais onde foram encontrados, e que empregavam suas próprias técnicas especiais. Em Arcy, os chatelperronianos também modificaram suas moradias num nível comum apenas no Paleolítico Superior. As camadas chatelperronianas contêm traços de muitas “plataformas de cabanas”, das quais a mais bem preservada constitui um círculo grosseiro de 11 covas de suporte em uma área de 3m a 4m de extensão, parcialmente coberta com placas de calcário. O pólen recuperado dos depósitos de Arcy indica que a madeira era rara nas cercanias, e as covas de suporte provavelmente apoiavam presas de mamutes – mais numerosas no sítio de Arcy que em qualquer outra caverna paleolítica.
João Zilhão e Francesco d’Errico argumentaram que os neandertais inventaram independentemente a cultura chatelperroniana, mas os elementos do Paleolítico Superior mais convincentes aparecem apenas perto do fim desse grupo. Isso sugere que os povos que produziram a indústria chatelperroniana utilizaram-se dos conceitos subjacentes ao início da cultura aurignaciana dos seus vizinhos Cro-Magnons. A análise cuidadosa de todas as datas disponíveis feita por Zilhão e d’Errico indica que a cultura aurignaciana penetrou na Europa central e ocidental há 36 mil ou 37 mil anos, quando o último período chatelperroniano floresceu. Esse período não sobreviveu por muito tempo, e por volta de 35 mil anos atrás apenas a cultura aurignaciana sobreviveu. Os arqueólogos da Itália e da Europa central propuseram culturas chamadas ulluzzianas e szeletianas/jerzmanowicianas, que pensam poder refletir também uma influência do período inicial do Paleolítico Superior sobre os neandertais (Figura 6.8). E a pesquisa futura pode mostrar que uma ou ambas são tão convincentes quanto a chatelperroniana. Ainda assim, mesmo que a indústria chatelperroniana permaneça única, ela nos apresenta um problema: se os neandertais podiam imitar a cultura do Paleolítico Superior, eles não eram biologicamente incapazes de se comportar como os povos que produziram esse período. E se, como acreditamos, a cultura do Paleolítico Superior foi “superior” (no sentido mínimo de que promoveu populações humanas maiores), os neandertais deveriam ter sido aculturados mais amplamente, e poderíamos esperar que seus traços anatômicos e seus genes fossem mais óbvios nas últimas gerações. Em suma, vemos a questão da cultura chatelperroniana como o maior obstáculo às nossas idéias a respeito de como e por que os neandertais desapareceram.
NO CAPÍTULO 1 OBSERVAMOS que um marco comportamental-chave – a arte em forma de adereços – apareceu na África oriental antes de 40 mil anos atrás, e acabamos de mencionar que a arte e outras formas modernas de comportamento apareceram na Europa central e ocidental apenas de 37 mil a 36 mil anos atrás. Isso é certamente uma diferença esperável, se considerarmos que os africanos anatomicamente modernos tiveram de desenvolver um comportamento moderno antes de poderem se expandir para a Europa. Contudo ainda podemos perguntar com que rapidez os invasores humanos modernos substituíram os neandertais. Estes conseguiram sobreviver por mais tempo em alguns lugares que em outros? E isso poderia implicar que subestimamos sua aptidão comportamental? Se a existência dos humanos modernos e dos neandertais coincidiu durante muito tempo em algumas regiões, isso não aumentaria a probabilidade de eles terem cruzado ou pelos menos realizado intercâmbio em termos culturais? A questão do tempo poderia parecer simples, mas é na verdade bastante complexa. O problema central é a dificuldade de obter datas confiáveis entre 60 mil e 30 mil anos atrás. Quase todos concordam que no período anterior a 60 mil anos atrás os neandertais viviam sozinhos na Europa, e que após o período de 30 mil anos atrás eles desapareceram. O famoso método do radiocarbono é até hoje a principal técnica disponível para a datação do desaparecimento dos neandertais. O químico Willard Libby e seus colegas desenvolveram esse método na Universidade de Chicago nos últimos anos da década de 1940, e não é exagero dizer que sua ampla aplicação revolucionou a arqueologia. Em reconhecimento à criação, Libby recebeu um Prêmio Nobel. O raciocínio que está por trás do método é elegante e bem definido. O elemento carbono (C), abundante, ocorre naturalmente em três variedades ou isótopos – 12C, 13C e 14C. Para os propósitos presentes, podemos ignorar o 13C e nos concentrar no 12C, que é de longe o mais abundante dos três isótopos, e no 14C, muito mais raro. Diferentemente do 12C, o 14C é radioativo e se decompõe com meia-vida de aproximadamente 5.730 anos – o que significa que após 5.730 anos qualquer soma dada será reduzida à metade (pela decomposição para nitrogênio 14 ou 14 N). Essa meia-vida pode parecer longa, mas é muito curta em comparação à de muitos outros isótopos radioativos, inclusive o radiopotássio, ou 40K , cuja
meia-vida é de aproximadamente 1 bilhão e 300 milhões de anos. A técnica de datação do potássio/argônio depende do 40K , e sua taxa lenta de decomposição explica por que o potássio/argônio é útil para datar rochas vulcânicas antigas, como os sítios dos australopitecos da África oriental, com milhões de anos de idade. O 14C seria inútil para esse propósito, pois mesmo que o material apropriado estivesse disponível, a meia-vida curta do 14C significa que, após poucas dezenas de milhares de anos – talvez cem mil no máximo –, ele será muito escassamente representado para se fazer uma medição precisa. O 14C essencialmente desapareceria do planeta, a não ser que a interação entre os raios cósmicos e o 14 N criasse constantemente um novo suprimento na atmosfera superior. Em geral as plantas obtêm o carbono de que precisam diretamente da atmosfera (do dióxido de carbono), e os animais, pela ingestão de plantas ou outros animais. Estes geralmente não diferenciam o 14C do 12C quando constroem seus tecidos, o que significa que a razão 14C/12C na matéria orgânica antiga – como o pedaço de carvão vegetal ou a proteína degradada (colágeno) extraída do osso – pode ser usada para estimar quando o organismo morreu, seja ele árvore ou animal. Na prática o método do radiocarbono apresenta inúmeras complicações, inclusive a variação bem documentada no conteúdo atmosférico do 14C ao longo do tempo, provavelmente causada pelas flutuações na intensidade dos raios cósmicos. No contexto do problema da datação dos últimos neandertais, o maior desafio provém da meia-vida curta do 14C e da possibilidade de um pedaço de matéria orgânica antiga ter adquirido parte de seu carbono no solo, após ter sido enterrado. Ácidos húmicos (matéria orgânica vegetal em decomposição) que passam para baixo da superfície são provavelmente a fonte mais freqüente de tal “contaminação”, e seu impacto será especialmente grande sobre objetos com mais de 20 mil a 25 mil anos de idade. Tais objetos irão reter muito pouco do 14C original, e mesmo o acréscimo de uma pequena quantidade de carbono mais recente irá aumentar seu conteúdo de 14C de modo significativo, produzindo uma idade de radiocarbono muito recente. Pode-se provar matematicamente que o acréscimo de apenas 1% de carbono moderno a uma amostra que tenha realmente 67 mil anos de idade fará com que a amostra pareça ter apenas 37 mil anos, e nenhum laboratório pode garantir que consegue retirar quantidades tão pequenas de contaminadores. É particularmente provável que a contaminação afete a proteína óssea degenerada, e menos provável que afete o carvão vegetal. Infelizmente o carvão vegetal é relativamente raro em sítios com mais de 25 mil anos, e as datas dos ossos predominam fortemente. O ponto principal é que, com base apenas no radiocarbono, raramente se pode dizer que um sítio datado de 30 mil anos atrás não tenha realmente 5 mil, 10 mil ou mesmo 20 mil anos mais. E é aqui que nos defrontamos com o problema de datar os últimos neandertais. O método do radiocarbono foi aplicado diretamente aos ossos neandertais da caverna de Mezmaiskaya (Rússia) e de Vindija (Croácia), que citamos por terem fornecido o DNA neandertal. Na primeira, o resultado do radiocarbono indica que uma criança morreu há aproximadamente 29 mil anos, enquanto em Vindija sugere que os neandertais perduraram no local até 29 mil ou 28 mil anos atrás. Se essas datas de Mezmaiskaya e Vindija forem consideradas, os neandertais coexistiram com os primeiros povos do Paleolítico Superior nessas regiões durante pelo menos 6 mil a 7 mil anos, e podemos concluir que os neandertais eram geralmente bem-sucedidos no confronto com os invasores Cro-Magnons. Por outro lado, se os ossos de ambos os sítios estavam apenas minimamente contaminados por carbono muito mais recente, poderiam ser facilmente 8 mil a 10 mil anos mais antigos, e não precisaríamos inferir qualquer superposição com os Cro-Magnons. Dado o potencial sempre presente de contaminação, particularmente na proteína óssea, muitos especialistas rotineiramente consideram as datas do radiocarbono mais antigas que 25 mil ou 30 mil anos como idades mínimas, o que significa que os espécimes datados poderiam ter a idade afirmada ou ser muito mais velhos. Quando se considera uma contaminação em potencial, a regra empírica útil é que onde as datas se afastam de uma ordem estratigráfica dentro de um sítio (isto é, quando as datas de uma mesma camada diferem ou quando não
conseguem se tornar mais antigas com a profundidade), as datas mais antigas provavelmente aproximamse mais da verdadeira idade. A caverna Mezmaiskaya ilustra esse aspecto, pois forneceu uma datação radiocarbônica de 32 mil anos no carvão vegetal de madeira de uma camada do Paleolítico Superior, estratificada acima da camada da criança neandertal. A implicação de tudo isso é que a criança deve realmente ter mais de 32 mil anos. Assim, Mezmaiskaya não mostra que os neandertais e os homens modernos tenham coexistido durante milhares de anos no sul da Rússia. Considerando o sempre presente problema de contaminação, parece que a melhor estimativa para a data em que os neandertais sucumbiram não corresponde às datas mais novas moustierenses, e sim às mais antigas do Paleolítico Superior. A análise abrangente de João Zilhão e Francesco d’Errico indica que a cultura aurignaciana do Paleolítico Superior introduziu-se no Ocidente e na Europa central há mais ou menos 37 mil ou 36 mil anos. E na maioria dos lugares, os sítios estratigráficos indicam que qualquer que seja a data, os Cro-Magnons primitivos do Paleolítico Superior rapidamente substituíram a cultura moustierense e os neandertais provavelmente dentro de séculos ou de um milênio. Reforçamos aqui a expressão “maioria dos lugares” porque há uma exceção famosa e bem conhecida. A exceção à rápida substituição envolve o beco sem saída ibérico, ou seja, a região ao sul dos rios Ebro e Tagus, em Portugal e na Espanha. Três sítios espanhóis ao norte do Ebro forneceram datas aurignacianas precoces próximas de 40 mil anos atrás. Mas Zilhão e d’Errico acreditam que em todos eles o material datado associava-se aos artefatos moustierenses mais antigos, ou talvez aos artefatos chatelperronianos, e eles situam o primeiro aurignaciano local próximo a 37 mil anos atrás. Mesmo assim, ele seria 7 mil a 8 mil anos mais antigo que qualquer outro do Paleolítico Superior ao sul do Ebro e do Tagus. Igualmente importante é que alguns sítios moustierenses do sul de Portugal e da Espanha produziram datas radiocarbônicas anteriores a 30 mil anos. As datas mais notáveis são da caverna de Zafarraya, obtidas diretamente dos ossos neandertais. Para Zilhão, d’Errico e outros, tudo isso significa que os neandertais encontraram refúgio na península Ibérica muito depois que os humanos modernos os expulsaram dos outros pontos da Europa. Há uma interpretação alternativa, no entanto. Primeiro, as datas da cultura moustierense/neandertal ibérica posterior são ainda poucas; e, como sempre, é possível que sejam apenas estimativas de idade mínima. Segundo, a ausência do Paleolítico Superior antes do período de 30 mil anos atrás pode significar apenas que boa parte da península Ibérica foi esparsamente povoada ou mesmo abandonada no período de 37 mil a 30 mil anos atrás ou mais tarde ainda em razão do clima adverso. As camadas arqueológicas classificadas inequivocamente entre 40 mil e 20 mil anos são raras ou ausentes no noroeste da África, bem diante do estreito de Gibraltar, possivelmente pela aridez extrema e persistente da região. A questão a respeito de quanto tempo os neandertais sobreviveram na península Ibérica difere do problema da cultura chatelperroniana, pois pode ser resolvida por pesquisas adicionais. esse meio-tempo, não vemos qualquer razão convincente para supor que os neandertais tenham perdurado em algum lugar da Europa muito após o aparecimento dos humanos modernos.
OS NEANDERTAIS SÃO FASCINANTES porque eram muito parecidos conosco e ao mesmo tempo muito diferentes. Antes de os abandonarmos por completo, queremos nos ater a uma especulação bem conhecida sobre a explicação dessa diferença: a possibilidade de que eles tivessem capacidade limitada de falar, isto é, de produzir o tipo de discurso fonêmico e falado rapidamente que caracterizou todos os povos históricos. As culturas históricas podem variar bastante no que diz respeito à sua complexidade, mas as línguas históricas não. Todas são igualmente sofisticadas e podem ser traduzidas de uma para a outra, ou seja, qualquer delas pode ser utilizada para expressar todo tipo de idéia, por mais complexa que seja. E a língua neandertal? A verdade é que não sabemos. Podemos apenas imaginar que os neandertais
tivessem um sistema muito mais complexo que os dos chimpanzés ou dos australopitecos, do Homo ergaster e provavelmente até mesmo que o do Homo heidelbergensis. Mas isso significa que fosse um sistema tão sofisticado quanto as línguas modernas? Uma explicação pode ser a posição da caixa vocal (ou laringe), crucial para a produção da enorme gama de sons que todas as línguas modernas exigem. Nos macacos e nos seres humanos recém-nascidos, a caixa vocal está localizada na parte alta da garganta, restringindo a gama de sons possíveis. A grande vantagem dessa posição é permitir aos macacos e aos bebês engolir e respirar ao mesmo tempo, reduzindo o risco de sufocação. A caixa vocal começa a descer nos seres humanos entre um ano e meio e dois anos; como isso aumenta significativamente o risco de engasgo, deve haver um benefício seletivo compensatório natural. O mais óbvio é a capacidade recentemente criada de produzir todos os sons essenciais ao discurso fonêmico, e ninguém duvida do benefício da fala. A posição da caixa de voz está relacionada à forma da base do crânio – chata nos macacos e nos bebês humanos modernos e arqueada para cima ou curva nos humanos adultos modernos. os três crânios neandertais preservados, a base do crânio parece ser chata, o que pode significar que eles não conseguiam reproduzir a fala tal como nós a conhecemos. Em oposição a isso, contudo, devemos considerar o osso da língua (ou hióide), que fornece um bom apoio para a caixa de voz e que difere significativamente quanto à forma entre os macacos e os seres humanos modernos. Só um osso da língua é conhecido entre os neandertais, mas ele é muito semelhante ao dos seres humanos modernos. E devemos considerar também os contemporâneos africanos dos neandertais – os povos modernos ou semimodernos que, ao contrário dos neandertalenses, incluíam nossos ancestrais. Eles apresentavam bases cranianas curvas, mas veremos que quase sob todos os aspectos arqueológicos detectáveis não eram mais modernos que os homens de Neandertal. Portanto, se eles podiam falar de uma maneira completamente moderna, essa capacidade não parece ter estimulado um comportamento moderno completo – o despertar da cultura ao qual o título deste livro se refere. Uma capacidade recém-adquirida de produzir a linguagem pode ter incitado o comportamento completamente moderno, mas então essa capacidade deve ter se originado de uma mudança no cérebro. Vamos analisar mais adiante que essa mudança é a explicação mais simples da razão do comportamento humano moderno ter surgido e se expandido de forma tão abrupta.
7 O corpo antes do comportamento
R AYMOND DART ESTIMULOU a busca das origens humanas na África quando anunciou a descoberta do crânio da criança Taung, em 1925, mas esse não foi o primeiro fóssil humano significativo que surgiu na África. Já em 1921, mineradores de chumbo e zinco tinham recuperado o crânio notável de uma caverna na mina de Broken Hill, no norte da Rodésia. O crânio exibia uma testa chata, recuada, acima de uma arcada superciliar grossa e rosto grande. Mas os dentes eram tipicamente humanos, e a caixa cerebral assemelhava-se às de hoje em termos de tamanho. Os dentes eram incríveis, principalmente pelo avançado processo de deterioração, associado a uma infecção (abscesso) que penetrava no osso da mandíbula. A disseminação da infecção antes da morte possivelmente produziu uma perfuração parcialmente curada na parede do crânio. A companhia mineradora enviou o crânio para Londres, e em 1922 o eminente anatomista Arthur Smith Woodward apresentou-o numa reunião da Sociedade de Anatomia. Dart estava presente, e mais tarde recordou: “Foi uma visão assombrosa ver um crânio indiscutivelmente humano com arcadas superciliares salientes mais grossas que as do homem de Neandertal e um focinho grande como o de um gorila. Mas os dentes eram semelhantes aos de qualquer homem moderno e o cérebro bastante grande (1.280cm3).” O crânio foi muitas vezes equiparado ao dos neandertais, embora diferisse em numerosos aspectos, incluindo a largura avantajada perto da base, o tamanho relativamente grande do processo mastóide e a ausência da depressão oval logo acima do limite superior da fixação dos músculos do pescoço (Figura 7.1). Woodward atribuiu o crânio à espécie Homo rhodesiensis, que a imprensa popular rapidamente traduziu como “o homem da Rodésia”. Esse espécime ainda está em Londres, mas em 1964 o norte da Rodésia tornou-se independente e passou a chamar-se Zâmbia. Broken Hill tomou o nome de Kabue (Figura 7.2), o fóssil é hoje geralmente conhecido como crânio de Kabue.
Figura 7.1 Crânio humano fóssil de Kabue, na Zâmbia, comparado ao crânio de um neandertal de La Ferrassie, na França.
O crânio de Kabue exemplifica um paradoxo bastante freqüente em paleoantropologia – sem a intensa atividade comercial, talvez nunca tivesse sido encontrado, mas ela apagou informações estratigráficas básicas. Os mineradores recuperaram ossos de animais e alguns outros restos humanos menos significativos na mesma caverna, porém não sabemos quais deles se encontravam na mesma camada do crânio. Também não sabemos se havia artefatos por perto, mas parece provável que sim. Na opinião dos paleoantropólogos havia artefatos e espécies animais associados a muitos propósitos, mas nenhum deles indicou a idade relativa de fósseis humanos importantes. Não é preciso dizer que os fósseis perdem muito do seu valor quando não podem ser classificados no tempo. As circunstâncias do descobrimento em Kabue impossibilitam uma datação segura, contudo os mineiros recuperaram ossos de algumas espécies arcaicas de mamíferos. Se supusermos que junto aos ossos havia um crânio, temos uma idade sugerida entre 700 mil e 400 mil anos. Nesse caso, ele seria mais ou menos contemporâneo de três espécimes semelhantes encontrados mais recentemente na África. Espécimes vindos de Bodo, no vale do Médio Awash, na Etiópia; do lago Ndutu, próximo à extremidade oeste do principal desfiladeiro de Olduvai, no norte da Tanzânia; e de Elandsfontein (também conhecido como Hopefield ou Saldanha), na província do Cabo Ocidental, na África do Sul. Em cada sítio, a idade aproximada foi estimada sobretudo por datação de espécies associadas de mamíferos, da posição estratigráfica, ou de ambos, e confirmada em Bodo por uma datação que utilizou o método do potássio/argônio e registrou uma idade aproximada de 600 mil anos.
Figura 7.2 Localizações dos sítios mencionados neste capítulo.
O crânio de Kabue e seus prováveis contemporâneos combinam características primitivas do Homo ergaster e do Homo erectus com aspectos avançados que tipificam tanto os neandertais quanto os humanos modernos. Os traços primitivos incluem grandes arcadas de sobrancelha, testa baixa e achatada, grande largura na base do crânio e paredes cranianas grossas. Os traços avançados mais surpreendentes dizem respeito ao tamanho (em média, mais de 1.200cm3, em comparação com os 1.000cm3 do erectus clássico) e uma tendência a ser relativamente larga na frente, expandida nas laterais e arredondada atrás. Em Bodo, no lago Ndutu e em Elandsfontein, os crânios estão associados a machados de mão acheulianos posteriores, e os povos podem estar relacionados aos africanos cujos descendentes levaram a tradição acheuliana para a Europa há mais ou menos 500 mil anos. Um movimento de saída da África nessa época poderia explicar por que os crânios africanos são semelhantes aos das espécies européias, provavelmente da mesma idade ou um pouco mais novos. Por questão de conveniência, ligamos as populações africanas e européias ao Homo heidelbergensis e sugerimos que este foi o último ancestral comum dos neandertais e dos humanos modernos. O ponto mais importante aqui é que tanto na forma quanto na idade geológica provável os crânios de Kabue, Bodo, lago Ndutu e Elandsfontein incluem um elo plausível entre o Homo ergaster , antes do período de 600 mil anos atrás, e os africanos de aparência mais moderna, após o período de 400 mil anos.
UMA DÉCADA DEPOIS de Woodward ter acrescentado o homem da Rodésia ao registro dos humanos antigos, o zoólogo T.F. Dreyer foi garimpar fósseis na nascente de água quente de Florisbad, cerca de 50km a noroeste de Bloemfontein, na África do Sul. O proprietário da nascente tinha encontrado fósseis animais e ferramentas de pedra quando resolveu aumentar o tamanho dos banhos para construir um spa,
mas temia perder seu investimento se os banhos fossem temporariamente drenados. Portanto, Dreyer teve de fazer sua busca de ossos tateando pela água. Segundo consta, sua mão ficou presa nos depósitos da fonte quando ele puxou para fora parte de um crânio humano – seus dedos ficaram enfiados na cavidade ocular. O crânio de Florisbad inclui o lado direito do rosto, a maior parte da testa, partes do topo e das paredes laterais e um dente de siso isolado do lado superior direito (terceiro molar), que provavelmente faz parte do conjunto. Esse crânio traz marcas de dentes de uma hiena ou de outro carnívoro de grande porte, que pode ter sido a causa da morte. Conforme parâmetros modernos, as paredes cranianas são muito grossas e o rosto é excessivamente largo (Figura 7.3). Contudo, apesar do engrossamento evidente acima das cavidades oculares, não há qualquer arcada superciliar (nenhuma interrupção ou curvatura entre a região imediatamente acima das órbitas e a testa), a testa é relativamente escarpada e o rosto é curto, chato e voltado para dentro abaixo da parte frontal da caixa cerebral. Quanto a esses últimos aspectos importantes, o crânio de Florisbad difere não só do de Kabue e seus aliados como também do crânio dos neandertais, e aproxima-se do tipo encontrado nos humanos modernos. O único dente associado ao crânio de Florisbad foi datado de aproximadamente 260 mil anos pelo método de ressonância elétrica de giro (ESR). Notamos previamente que essa técnica muitas vezes fornece apenas resultados experimentais, principalmente porque depende de suposições específicas feitas no sítio sobre a história da assimilação e perda de urânio num dente. Ainda assim, mesmo que o resultado da aplicação desse método ao crânio de Florisbad fosse descartado, o contexto geológico e as espécies de mamíferos associadas indicam que o crânio é muito mais novo do que os de Elandsfontein, do lago dutu e de Bodo, e que é mais velho que os fósseis mais completamente modernos conhecidos dos sítios africanos posteriores ao período de 130 mil anos atrás. Os sítios de Singa, Sudão e Irhoud, no Marrocos, forneceram crânios fósseis que provavelmente pertencem à mesma época do de Florisbad, de cerca de 300 mil a 130 mil anos atrás, e os espécimes exibem uma mistura semelhante de caracteres primitivos e essencialmente modernos. Portanto, em conjunto, os crânios de Florisbad, Singa e Irhoud documentam a transição na África do homem mais arcaico ao moderno, da mesma maneira que os fósseis de Sima de los Huesos documentam a transição na Europa dos humanos mais arcaicos aos neandertais.
Figura 7.3 Crânio parcial de Florisbad, na África do Sul.
PELO MENOS 17 SÍTIOS do Marrocos e da Líbia, ao norte, até o cabo da Boa Esperança, ao sul, forneceram fósseis humanos que quase certamente ou possivelmente datam da mesma época que os neandertais clássicos, entre cerca de 130 mil a 50 mil até 40 mil anos atrás. Os sítios representativos, conhecidos em especial pela perfeição dos fósseis, pela segurança das datações ou por essas duas
razões, incluem: a caverna 2 de Dar es Soltan, no Marrocos Atlântico; o sítio à margem do rio OmoKibish, no sul da Etiópia; e o complexo da caverna na embocadura do rio Klasies, na costa sul da África do Sul (Figura 7.2). Aos sítios africanos podemos acrescentar também as famosas cavernas de Skhul e Qafzeh, em Israel. Para explicar essa inclusão, realçamos dois fatos. Primeiro, qualquer povo que migrasse da África para o sudoeste da Ásia encontraria primeiro Israel, que se encontra fora da África apenas por definições técnicas, históricas e geopolíticas. Segundo, recordemos que durante o grande espaço de tempo em que ocorreu a evolução humana, o clima global variou repetidas vezes entre intervalos glaciais e interglaciais. Em média, os intervalos glaciais eram não só mais frios como também mais secos, enquanto os intervalos interglaciais tendiam a ser mais quentes e úmidos. As mudanças da temperatura e da precipitação ocasionaram freqüentes redistribuições de plantas e animais. O zoólogo Eitan Tchernov, da Universidade Hebraica de Jerusalém, mostrou que as condições climáticas durante períodos interglaciais passados permitiram que os animais africanos se expandissem em direção à região conhecida hoje como Israel. Durante a primeira parte do último período interglacial especialmente quente, cerca de 125 mil a 90 mil anos atrás, os invasores africanos incluíam os primeiros homens modernos. Os fósseis de Israel são de fato os mais numerosos e completos espécimes dos antigos homens modernos já descobertos. Os fósseis africanos de 130 mil a 50 mil anos atrás são em sua maioria dentes isolados e fragmentos, mas mesmo esse pequeno material é capaz de mostrar com propriedade que os humanos não eram neandertais, e deixam bem claro que estes últimos nunca entraram na África. As mandíbulas inferiores encontradas são às vezes grandes e irregulares, mas as partes apropriadamente preservadas não possuem espaços retromolares (o espaço vazio que as mandíbulas neandertais têm entre o terceiro molar e a parte da mandíbula que sobe para articular-se com o crânio), e em geral os queixos são bem definidos como os dos humanos atuais. Junto a outros ossos faciais, as mandíbulas inferiores mostram que, ao contrário dos neandertais, o rosto dos seus contemporâneos africanos era geralmente curto e chato, com aparência moderna. Os crânios conhecidos aparecem às vezes com uma construção irregular, mas as caixas cerebrais tendem a ser curtas e altas como nos seres humanos vivos, e não compridas e baixas como nos neandertais (Figura 7.4). A capacidade interna das caixas cerebrais varia entre aproximadamente 1.370cm3 e 1.510cm3, bem dentro dos limites dos neandertais e dos humanos vivos. Os ossos dos membros mostram que, como os neandertais, seus contemporâneos africanos eram bem musculosos. Porém os ossos especialmente abundantes das cavernas de Skhul e Qafzeh revelam também que os africanos não tinham a forma corporal atarracada e os membros curtos, marca dos neandertais (Figura 7.5). Ao contrário, eram altos e longilíneos, como a maior parte dos humanos históricos que viviam perto do Equador. Considerando que tanto os primeiros africanos modernos quanto os neandertais eram caçadores-coletores altamente nômades, a diferença das proporções corporais provavelmente não reflete uma diferença significativa dos níveis de atividade e reforça a conclusão de que a forma corporal dos neandertais foi basicamente uma adaptação ao clima frio. Essa adaptação foi extrema para padrões modernos, quase certamente porque foi menos bem mediada pela cultura ou pela tecnologia.
Figura 7.4 Crânio moderno ou semimoderno da caverna de Qafzeh, em Israel, comparado a um crânio neandertal da caverna de Shanidar, no Iraque.
Figura 7.5 Contraste entre as proporções corporais dos primeiros africanos modernos e as de um neandertal.
É possível enfatizar ao máximo a modernidade dos africanos após o período de 130 mil anos atrás, e os fósseis variam significativamente entre os sítios e dentro deles. Como grupo, os crânios de SkhulQafzeh são bastante variáveis quanto ao queixo, às testas elevadas e até mesmo à forma básica da caixa craniana. Sob alguns aspectos – como as arcadas superciliares bem desenvolvidas, os dentes grandes e a tendência de as mandíbulas se projetarem para a frente – esses crânios muitas vezes lembram antes os humanos mais arcaicos. Os fósseis da embocadura do rio Klasies, muito menos numerosos e mais fragmentados, datando basicamente do mesmo intervalo entre 120 mil e 90 mil anos atrás, diferem dos fósseis de Skhul-Qafzeh em detalhes e são também muito variáveis entre si. Uma das mandíbulas inferiores da embocadura do rio Klasies está entre os menores espécimes humanos já encontrados (Figura 7.6), e alguns dentes isolados sugerem que outras mandíbulas eram igualmente pequenas. Ao mesmo tempo, os fósseis da embocadura do rio Klasies incluem mandíbulas e outros ossos de povos significativamente maiores, e o grau de variação de tamanho é surpreendente. Isso talvez indique um nível de diferença sexual (dimorfismo) que nunca foi documentado em nenhuma outra população “moderna”.
Figura 7.6 Mandíbulas inferiores do sítio da embocadura do rio Klasies, na África do Sul. Note-se o contraste em tamanho. O espécime número 16424 está entre as menores mandíbulas de humanos adultos já registradas.
O ponto principal é que as pessoas de Skhul-Qafzeh e seus contemporâneos da embocadura do rio Klasies são talvez mais bem caracterizados como “semimodernos”. É provável que nenhum grupo tenha sido ancestral de outro após o período de 50 mil anos atrás, considerando que cada um provavelmente
desapareceu muito antes disso. Ao que parece, o povo de Skhul-Qafzeh foi substituído por neandertais quando o clima se tornou mais frio, após o período de 80 mil anos atrás, enquanto a população da embocadura do rio Klasies e outros africanos semimodernos do sul desapareceram, quando o sul da África tornou-se muito seco na metade do último período de glaciação, há mais ou menos 60 mil anos. Levando em conta todos esses fatos, os fósseis da embocadura do rio Klasies e os de Skhul-Qafzeh são significativos, não por representarem os ancestrais lineares dos povos modernos posteriores (é quase certo que não representam), mas porque apontam a África como o lugar onde a anatomia moderna evoluiu. O local de nascimento preciso dos humanos modernos posteriores é incerto, mas a partir das evidências presentes provavelmente encontra-se na região equatorial do leste da África. As condições climáticas locais permaneceram favoráveis para a ocupação humana ao longo dos últimos 130 mil anos, e a África oriental forneceu algumas das provas mais antigas do avanço comportamental que permitiu aos africanos modernos expandir-se pela Eurásia.
VOLTAMO-NOS AGORA PARA uma curiosa discrepância que identificamos no início deste livro: os povos que viveram na África entre o período de 130 mil e 50 mil anos atrás podem ter sido modernos ou semimodernos quanto à forma, mas quanto ao comportamento eram semelhantes aos neandertais. Como estes últimos, eles também produziam artefatos de pedra lascada ou lâminas mais alongadas a partir de um núcleo cuidadosamente preparado de antemão; em geral coletavam pigmentos da natureza, talvez por se sentirem atraídos pelas cores; aparentemente construíam fogueiras à vontade; enterravam seus mortos pelo menos em algumas ocasiões; e caçavam rotineiramente mamíferos de grande porte para se alimentar. Sob esses aspectos, e provavelmente alguns outros, eles podem ter sido avançados em relação a seus predecessores. Porém, em comum com as populações mais antigas e os neandertais contemporâneos, eles manufaturaram um número relativamente pequeno de tipos reconhecíveis de ferramentas de pedra; seus conjuntos de artefatos variaram muito pouco ao longo do tempo e do espaço (apesar da grande variação ambiental); obtiveram matéria-prima de pedra sobretudo de fontes locais (sugerindo que os lares não se estendiam muito ou que havia uma rede social muito simples); raramente ou jamais utilizaram osso, marfim ou concha para produzir artefatos; enterraram seus mortos sem objetos tumulares ou qualquer outra evidência convincente da existência de rituais ou cerimônias; deixaram pouco ou nenhuma prova de estruturas ou alguma outra modificação formal de seus acampamentos; eram caçadores-coletores relativamente ineficientes e não sabiam pescar; suas populações eram aparentemente muito esparsas, mesmo para padrões de caça e coleta históricas; e não deixaram qualquer prova convincente de manifestação artística ou decorativa. Os arqueólogos geralmente atribuem os conjuntos africanos de artefatos à Idade da Pedra Média (IPM). No entanto, esse período se assemelha de perto à tradição (cultura) moustierense da Europa e do oeste da Ásia, e a variação dos artefatos é maior dentro da tradição moustierense e da IPM do que é entre elas. A diferença de nomenclatura reflete sobretudo a distância geográfica e as tradições arqueológicas separadas. A IPM e a tradição moustierense diferiram da tradição acheuliana precedente, especialmente no que diz respeito à ausência de machados de mão e outras ferramentas bilaterais de grande porte; e substituíram a tradição acheuliana mais ou menos na mesma época, entre 250 mil e 200 mil anos atrás (Figura 7.7). Ambas foram por sua vez substituídas após o período de 50 mil anos atrás por novos complexos de cultura que diferiram muito mais dos da IPM e da tradição moustierense que qualquer uma das duas diferiu com relação à acheuliana precedente. Na Europa, o novo complexo foi o Paleolítico Superior, que descrevemos no capítulo anterior. Os arqueólogos chamam o novo complexo da África de Idade da Pedra Posterior.
Figura 7.7 Principais complexos de artefatos (“culturas” ou “unidades estratigráficas de cultura”) analisados no texto. Os artefatos individuais não estão desenhados em escala.
A Idade da Pedra Posterior divergiu do período precedente (IPM) na África exatamente em termos dos mesmos traços fundamentais que distinguiram o Paleolítico Superior da tradição moustierense na Europa. Portanto, a Idade da Pedra Posterior tendia a manufaturar uma variedade mais ampla de tipos de ferramentas de pedra de fácil reconhecimento; seus conjuntos de artefatos variaram muito mais através do tempo e do espaço; os povos desse período produziram rotineiramente arte e artefatos de osso padronizados; cavavam túmulos elaborados, o que implicava indubitavelmente rituais de sepultamento; eram caçadores-coletores mais eficientes, e suas densidades populacionais se aproximavam das de seus sucessores históricos em ambientes semelhantes. Juntos, os resíduos materiais da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior são os que mais se assemelham aos dos caçadores-coletores históricos sob todos os aspectos detectáveis; são, portanto, os mais antigos objetos a partir dos quais podemos inferir sem ambigüidade que foram produzidos por povos de comportamento moderno. Os conjuntos de artefatos da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior diferiram em aspectos específicos desde o começo, e as lâminas e os buris que marcam o Paleolítico Superior são muito mais raros na Idade da Pedra Posterior. Em seu lugar vêem-se pequenos raspadores de pedra e outros pequenos pedaços do mesmo material, sem corte numa borda, provavelmente para facilitar a fixação de cabos de madeira ou osso (Figura 7.8). As diferenças detalhadas entre a Idade da Pedra Posterior e o Paleolítico Superior contrastam vivamente com as semelhanças igualmente detalhadas entre as precedentes Idade da Pedra Média e cultura moustierense, e servem para realçar o aumento
significativo da variabilidade geográfica que se seguiu ao aparecimento da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior. Se maior variedade de tipos de artefato, maior complexidade dos túmulos, e especialmente arte e ornamentação da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior marcam o despertar da cultura no sentido completamente moderno, então o grande aumento na diversidade dos artefatos ao longo do tempo e do espaço fornece a indicação concreta mais antiga para a existência de “culturas” etnográficas ou grupos étnicos com consciência de identidade.
Figura 7.8 Artefatos típicos da Idade da Pedra Média e da Idade da Pedra Posterior.
Como os do período moustierense posterior, os últimos objetos da Idade da Pedra Média são difíceis de datar, pois se situam além do período de 25 mil anos atrás, num intervalo em que mesmo uma quantidade recente, minúscula e indetectável de contaminação por carbono pode fazer uma amostra datada pelo método do radiocarbono parecer de 20 mil a 30 mil anos mais nova do que realmente é. Já salientamos que outros métodos, como a luminescência e a ressonância elétrica de giro, que poderiam ser utilizados como substitutos, comumente exigem hipóteses específicas a respeito dos sítios que se mostram de difícil verificação, e sua exatidão é quase sempre questionável. O problema de datar os últimos objetos do período da Idade da Pedra Média é exacerbado no sul da África, onde muitos sítios foram abandonados entre 60 mil e 30 mil anos atrás, provavelmente por conta da extrema aridez ocorrida na metade do último período glacial. Até o momento, as datas mais informativas vêm da África oriental, onde indicam que a Idade da Pedra Posterior começou provavelmente entre 50 mil e 45 mil anos atrás. O sítio mais importante é Enkapune Ya Muto (“Caverna do Crepúsculo”), no vale central da Fenda, no
Quênia, escavado por Stanley Ambrose, da Universidade de Illinois. Enkapune Ya Muto forneceu contas de casca de ovo de avestruz que estão entre os ornamentos pessoais mais antigos até hoje encontrados, e suas implicações comportamentais modernas são enfatizadas no capítulo 1. Aqui enfatizamos que Enkapune Ya Muto e outros sítios da África oriental situam a Idade da Pedra Posterior na África antes do Paleolítico Superior na Europa. As origens precisas do Paleolítico Superior permanecem pouco claras, mas um número pequeno de datas sugere que apareceu na Ásia ocidental entre 45 mil e 43 mil anos atrás, talvez pouco depois da emergência da Idade da Pedra Posterior – presente na Europa oriental entre 40 mil e 38 mil anos atrás e que alcançou a Europa central e ocidental por último, aproximadamente entre 38 mil e 37 mil anos atrás (Figura 7.9). Essa configuração é a esperada caso as populações que disseminaram o Paleolítico Superior tiveram suas raízes na África, em última análise. Deixando de lado rótulos e datas precisas, o aspecto básico é que as populações da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior são as primeiras a que podemos atribuir a capacidade plenamente moderna de produzir cultura, ou talvez, com maior precisão, a aptidão completamente moderna de inovar. Foi com certeza essa capacidade que permitiu que os povos da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior se dispersassem à custa dos seus contemporâneos mais primitivos, começando entre 50 mil e 40 mil anos atrás. As inovações do Paleolítico Superior incluíram casas solidamente construídas, roupas costuradas, fogueiras mais eficientes e uma nova tecnologia de caça que permitiu aos Cro-Magnons do Paleolítico Superior deslocar seus predecessores, ajudando-os também a colonizar as partes mais continentais e inóspitas da Eurásia, onde ninguém havia vivido antes. Há 25 mil anos as populações do Paleolítico Superior tinham se espalhado pela Sibéria central, e há 14 mil tinham alcançado a região nordeste dessa área mais afastada. Isso ocorreu na fase final do último período de glaciação, quando o nível do mar ainda estava baixo, por causa da água presa nas grandes geleiras continentais, e quando uma ampla ponte de terra ligou o nordeste da Sibéria ao Alasca. Em algum momento entre o período de 14 mil e 12 mil anos atrás, o povo do Paleolítico Superior da Sibéria fez a jornada relativamente pequena de travessia dessa região. Há 11.500 anos eles tinham se espalhado na direção sul, pelas Américas, e se tornaram os paleoíndios, como eram conhecidos pelos arqueólogos.
Figura 7.9 Organização cronológica aproximada de várias culturas e tipos físicos humanos na Europa, Ásia ocidental, Ásia oriental e África, de 190 mil anos atrás ao presente histórico.
UM MODO IMPORTANTE pelo qual as populações da Idade da Pedra Posterior diferiram das suas predecessoras foi sua capacidade de caçar e coletar de forma mais eficiente. Só isso poderia explicar como esses povos (ou os seus descendentes do Paleolítico Superior) conseguiram espalhar-se de modo tão amplo e rápido. A prova do avanço alcançado na caça e na coleta vem principalmente das costas sul e oeste da África do Sul, onde os arqueólogos vêm escavando sistematicamente, há décadas, sítios ricos pertencentes à Idade da Pedra Média e à Idade da Pedra Posterior. Alguns desses sítios, como o principal complexo de cavernas da embocadura do rio Klasies, da caverna de Blombos e da caverna de Die Kelders 1, contêm camadas de ocupação tanto da Idade da Pedra Média quanto da Idade da Pedra Posterior. As comparações mais convincentes estão entre as camadas da Idade da Pedra Média, que datam das partes mais quentes do último período glacial, situado aproximadamente entre 125 mil e 80 mil anos atrás, e as camadas da Idade da Pedra Posterior, que datam do período interglacial presente ou holoceno, entre 12 mil anos atrás e o presente histórico. Isso ocorreu porque as condições climáticas eram semelhantes durante esses dois intervalos de tempo. Qualquer contraste observado entre a Idade da Pedra Média e a Idade da Pedra Posterior pode portanto refletir uma diferença comportamental humana em oposição a uma diferença ambiental. Até o momento, análises de restos de animais sugerem quatro contrastes principais, apresentados no capítulo 1, que iremos resumir aqui brevemente. Primeiro, os sítios costeiros do período interglacial presente, que pertencem à Idade da Pedra
Posterior (caverna de Elands, na baía de Elands, caverna de Die Kelders 1, caverna de Blombos, caverna da baía de Nelson, o sítio principal da embocadura do rio Klasies e outros) contêm muito mais ossos de peixe e pássaros que os da Idade da Pedra Média, do último período interglacial (caverna de Blombos e o sítio principal da embocadura do rio Klasies). Só os sítios da Idade da Pedra Posterior contêm “goelas de peixe” (lascas de osso polidas com duas pontas do tamanho de palitos), perfuradores de rede de pedra entalhada e outros implementos que lembram acessórios etnograficamente registrados de pesca e caça de aves selvagens. A prova arqueológica, portanto, reforça a conclusão de que só as populações da Idade da Pedra Posterior pescavam e caçavam aves rotineiramente. A maior habilidade para pescar e caçar típica desse período decerto teria propiciado um maior contingente populacional. Segundo, em sítios da Idade da Pedra Posterior do período interglacial presente (a caverna da baía de Nelson, a de Byneskranskop 1 e outros), os búfalos e porcos selvagens superam em número os antílopes, mostrando grosso modo a abundância de búfalos e porcos selvagens no ambiente histórico. Por outro lado, em sítios do último período interglacial da Idade da Pedra Média (o sítio principal da embocadura do rio Klasies e a caverna de Blombos), os antílopes superam em muito os búfalos e porcos, ainda que observações históricas indiquem que eles eram provavelmente muito mais raros nas proximidades. O domínio do antílope continua nas camadas da Idade da Pedra Média que datam da última parte do último período glacial (o sítio principal da embocadura do rio Klasies e a caverna de Die Kelders 1), o que aumenta a probabilidade de esse domínio refletir o comportamento da Idade da Pedra Média, e não algum fator ambiental não detectado. Como o antílope é uma caça muito menos perigosa que o búfalo e o porco selvagem, e como os sítios da Idade da Pedra Posterior não possuem uma evidência firme da existência de armas de impulsão (projéteis), essa preferência no período da Idade da Pedra Média pode na verdade refletir uma relutância em atacar espécies que provavelmente deixariam os caçadores feridos. As populações da Idade da Pedra Posterior certamente tinham armas de impulsão, inclusive talvez até mesmo arco e flecha de 20 mil anos atrás, podendo portanto aproximar-se silenciosamente dos búfalos e porcos selvagens com risco pessoal bastante reduzido. Se essa dedução for correta, e os búfalos e porcos fossem mais comuns que os antílopes próximo aos sítios da Idade da Pedra Média e da Idade da Pedra Posterior, as populações teriam obtido muito mais animais em geral, mesmo que as caçadas fossem quase sempre malsucedidas. Mais uma vez, o provável resultado seria o aparecimento de populações maiores na Idade da Pedra Posterior. Terceiro, as tartarugas, os mariscos ou ambos tendem a ser muito maiores nos sítios da Idade da Pedra Média (da embocadura do rio Klasies, da caverna de Blombos, da Die Kelders 1, de Ysterfontein, de Hoedjies Punt, de Sea Harvest e de Boegoeberg 2) do que nos sítios da Idade da Pedra Posterior (caverna da baía de Nelson, caverna de Die Kelders 1, caverna de Byneskranskop 1, Kasteelberg A e B, caverna da baía de Elands e outros), que foram ocupados sob condições ambientais semelhantes. Como tartarugas e mariscos podem ser apanhados com uma tecnologia limitada e um risco mínimo, a média menor do tamanho desses animais nos sítios da Idade da Pedra Posterior quase com certeza reflete um recolhimento mais intenso nesse período, que logicamente acabou com os espécimes maiores primeiro. A explicação mais plausível para isso é que na Idade da Pedra Posterior havia um número maior de coletores e caçadores com capacidade de pescar e caçar de maneira mais eficiente. Quarto, as idades das focas peludas nos sítios da Idade da Pedra Posterior (caverna da baía de Elands, Kasteelberg A e B, Die Kelders 1, baía de Nelson e outros) sugerem que os povos programavam suas investidas na costa entre agosto e outubro, quando as focas de nove a dez meses de idade podiam ser apanhadas na areia e quando os recursos do interior estavam provavelmente esgotados. As idades das focas peludas da Idade da Pedra Média sugerem que as populações do período permaneciam na costa mais ou menos durante todo o ano, mesmo quando os recursos eram provavelmente mais abundantes no interior. Essa diferença é a menos documentada das quatro listadas aqui, já que apenas o sítio principal da embocadura do rio Klasies apresentou uma amostra de focas da Idade da Pedra Média grande o
bastante para a comparação numérica com as da Idade da Pedra Posterior. Se novas amostras da Idade da Pedra Média confirmarem um contraste provável entre a Idade da Pedra Média e a Posterior em termos de mobilidade sazonal, uma explicação razoável é que as populações da Idade da Pedra Média não conseguiam transportar água de maneira eficiente. Até o momento, só os sítios da Idade da Pedra Posterior forneceram prova segura da existência de recipientes de água, na forma de cantis de casca de ovo de avestruz. Em resumo, os sítios da África do Sul sugerem que os avanços tecnológicos da Idade da Pedra Posterior contribuíram diretamente para que se desenvolvesse uma maior habilidade para a caça e para a coleta, e que isso, por outro lado, desenvolveu populações humanas maiores. Infelizmente ainda não é possível mostrar que o avanço nas técnicas de caça e coleta tenha ocorrido de modo abrupto no início da Idade da Pedra Posterior, experimentalmente datada entre 50 mil e 40 mil anos atrás, e não de forma mais gradual e mais tarde. Esse problema terá que ser abordado, em última análise, fora das regiões costeiras da África do Sul, uma vez que essas áreas foram abandonadas entre 60 mil e 30 mil anos atrás, provavelmente por causa da aridez regional a que nos referimos. Embora estejamos esperando o resultado de pesquisas mais recentes realizadas em outros locais, as evidências da África do Sul são decerto suficientes para afirmar que os restos animais da Idade da Pedra Média, assim como os artefatos, implicam um comportamento não de todo moderno. Se aceitarmos que as populações da Idade da Pedra Média eram anatomicamente modernas ou semimodernas, os artefatos e os restos animais sugerem que a anatomia moderna atrasou-se com relação ao comportamento moderno em pelo menos 50 mil anos; e que foi a evolução do comportamento moderno, entre 50 mil e 40 mil anos atrás, que permitiu às populações anatomicamente modernas expandirem-se para fora da África.
NEM TODOS OS ARQUEÓLOGOS concordam com a nossa perspectiva sobre as origens do comportamento humano moderno. Alguns afirmaram que se exageraram as diferenças comportamentais entre as populações da Idade da Pedra Média e da Idade da Pedra Posterior. Quem mais defende essa visão são Hillary Deacon, da Universidade de Stellenbosch, Sally McBrearty, da Universidade de Connecticut, e Alison Brooks, da Universidade George Washington. Na opinião delas, o avanço real em direção ao comportamento moderno ocorreu com a aparição da Idade da Pedra Média. Essa conclusão elimina a necessidade de explicar por que o comportamento moderno atrasou-se com relação à anatomia moderna, á que tanto o comportamento quanto a anatomia teriam aparecidos juntos, entre 250 mil e 200 mil anos atrás. Mas essa visão não consegue responder ao problema igualmente complexo do motivo que levou ao atraso da expansão dos humanos modernos para a Eurásia com relação à anatomia moderna em 50 mil anos ou mais. A idéia de que as populações da Idade da Pedra Média eram modernas em termos de comportamento fundamenta-se sobretudo em duas observações. A primeira é que as populações da Idade da Pedra Média e da Idade da Pedra Posterior apresentavam comportamentos evoluídos proeminentes, tais como capacidade sofisticada de produzir e burilar lascas e lâminas afiadas de pedra; caça regular de mamíferos de grande porte para alimentação; interesse em coletar e modificar massas de pigmentos naturais (ocre); e a aptidão para construir fogueiras de modo rotineiro. A segunda é que as populações da Idade da Pedra Média apresentavam de modo esporádico alguns comportamentos avançados iguais aos que caracterizavam os povos do período da Idade da Pedra Posterior, em especial a manufatura de artefatos padronizados de osso polido ou moído. Concordamos que as populações da Idade da Pedra Média e da Idade da Pedra Posterior compartilharam muitos comportamentos evoluídos e absolutamente humanos, tais como o uso de pigmentos naturais e a construção rotineira de fogueiras. Contudo, as populações moustierenses da
Europa também apresentavam essas características, e pesquisas futuras talvez mostrem que o mesmo ocorria com os povos acheulianos posteriores. Nesse caso, as populações moustierenses da Europa e as da Idade da Pedra Média na África podem ter herdado os comportamentos de seu último ancestral comum, e a pergunta-chave é se eles não apresentavam outros comportamentos que só as populações da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior compartilhavam com os caçadores-coletores históricos. Se assim for, é razoável concluir, como concluímos, que as populações da Idade da Pedra Média e da tradição moustierense eram evoluídas em termos de comportamento, mas ainda não tinham se tornado completamente modernas. A comprovação de que as populações da Idade da Pedra Média manufaturaram vez por outra artefatos de osso sofisticados depende em suma de descobertas em dois locais: os sítios às margens do rio Katanda, na República Democrática do Congo, e a caverna de Blombos, na África do Sul. Em Katanda as datações com ressonância elétrica de giro dos dentes de hipopótamos e com o método de luminescência da areia de cobertura incluem na mesma categoria: ossos de peixe e ossos de mamíferos; artefatos de pedra não diagnosticados que podiam ter pertencido ao período da Idade da Pedra Média ou ao da Idade da Pedra Posterior; oito instrumentos pontudos e farpados de osso, completos ou parciais (“arpões”) (Figura 7.10); e mais quatro artefatos simétricos de osso, datados de 150 mil a 90 mil anos atrás. Na caverna de Blombos, as datações que o método de luminescência estabeleceu para a areia de cobertura indicam que numerosos ossos de mamíferos e conchas, ossos de peixe ocasionais, artefatos de pedra clássicos da Idade da Pedra Média, dois ou três instrumentos pontudos de ossos simétricos, polidos, inteiros ou fragmentados, e mais ou menos 25 artefatos de ossos menos regulares foram acumulados antes do período de 70 mil anos atrás. As descobertas de Katanda e Blombos não podem ser sumariamente descartadas, mas exigem maior fundamentação antes que a Idade da Pedra Média seja radicalmente reinterpretada. Em Katanda, o aspecto que precisa ser mais bem esclarecido é a razão dos artefatos de osso parecerem relativamente novos, enquanto os ossos de mamíferos associados são muito desgastados e curvos, como se tivessem sido transportados numa torrente. A explicação poderia ser que os artefatos se amontoaram depois dos ossos, e que a idade dos primeiros foi significativamente superestimada. Essa possibilidade poderia ser verificada determinando se os artefatos de osso e os ossos de animais diferem em conteúdo geoquímico, ou aplicando uma datação radiocarbônica direta dos artefatos. Em outros lugares da África, as datações radiocarbônicas apresentam quase sempre idade inferior a 12 mil anos. Na caverna de Blombos os instrumentos de osso polido se originam de uma parte do depósito em que as datações pelo método do radiocarbono indicam a mistura de depósitos da Idade da Pedra Média e dos primeiros da Idade da Pedra Posterior. Na composição química, os instrumentos de ponta assemelham-se mais aos ossos da Idade da Pedra Média que aos ossos da Idade da Pedra Posterior. Porém a preservação de ossos varia na superfície, na caverna de Blombos, e os ossos da Idade da Pedra Média originaram-se dos mesmos depósitos misturados que os instrumentos de ponta. Estes também produziram ossos de peixe em quantidades, conhecidos apenas nas camadas da Idade da Pedra Posterior. Por outro lado, nas partes da escavação de Blombos onde a mistura pode ser descartada, as camadas da Idade da Pedra Média contêm muito menos ossos de peixe, os quais provêm, sobretudo, de grandes espécimes isolados que podiam ter sido jogados na areia pela maré.
Figura 7.10 Instrumentos pontudos e farpados de osso de Katanda, República Democrática do Congo.
Se os sofisticados artefatos de osso de Katanda e Blombos estiverem corretamente datados, os arqueólogos devem explicar por que o comportamento avançado que eles significam permaneceu isolado por dezenas de milhares de anos antes de se tornarem lugar-comum em outros locais da Idade da Pedra Posterior. Essa é uma pergunta muito difícil de responder se, como parece provável, esses artefatos de ossos representaram uma vantagem de adaptação, pois eram usados para tarefas que os instrumentos de pedra não podiam executar ou não podiam executar tão bem. Desse ponto de vista, é difícil compreender por que os ocupantes da caverna de Blombos na Idade da Pedra Média teriam produzido instrumentos de ossos polidos ou moídos quando seus contemporâneos da caverna de Die Kelders 1, da caverna de Boomplaas, da embocadura do rio Klasies e de outros sítios não os produziram. O contraste provavelmente não reflete diferenças no tamanho das amostras, pois os outros sítios forneceram muito mais ossos de animais da Idade da Pedra Média que a caverna de Blombos, enquanto os conjuntos de ossos da Idade da Pedra Posterior, menores que os conjuntos de Blombos, com freqüência contêm muito mais artefatos de ossos simétricos. Eles têm também restos provenientes da manufatura de ossos e peças intermediárias incompletas (pré-simétricas), inexistentes na caverna de Blombos. A resposta talvez seja que os instrumentos de ponta polidos encontrados em Blombos na verdade derivam de camadas sobrejacentes da Idade da Pedra Posterior. O caso de Blombos levanta a questão de que sempre haverá alguma prova do comportamento da Idade da Pedra Posterior/Paleolítico Superior em contextos moustierenses ou da Idade da Pedra Média, talvez porque nem mesmo as escavações mais cuidadosas possam detectar intromissões ocasionais da Idade da Pedra Posterior/Paleolítico Superior nas camadas moustierenses/Idade da Pedra Média. Os arqueólogos devem decidir, então, se as exceções esporádicas, quase sempre envolvendo um número
pequeno de peças, contradizem de fato um padrão amplamente disseminado. Até que as exceções se repitam várias vezes e formem um padrão próprio, com certeza é lícito adotar uma postura negativa. Por ora somos de opinião que a Idade da Pedra Posterior/Paleolítico Superior representa um avanço qualitativo sobre o período da Idade da Pedra Média/Cultura Moustierense – e que esse avanço explica por que as populações da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior tornaram-se muito mais bem-sucedidas.
A ESSA ALTURA O LEITOR pode perguntar se há observações razoáveis fora da África que contradigam nossa visão de que a capacidade completamente moderna de produzir cultura só apareceu nesse continente entre o período de 50 mil e 40 mil anos atrás, e que isso fundamentou a expansão subseqüente dos africanos modernos para a Eurásia. É claro que a resposta depende parcialmente da pessoa a quem se pergunta, mas a nosso ver existe apenas um conjunto de observações em desenvolvimento que poderia desafiar seriamente nossa posição. Essas observações vêm de uma região bastante inesperada: a ilha continental da Austrália, e dizem respeito à época em que os primeiros australianos lá chegaram. Para começar, é preciso enfatizar que, apesar de seu isolamento geográfico, a Austrália quase sempre teve um papel central nas discussões sobre as origens do homem moderno. Isso deve-se principalmente a antropólogos como Milford Wolpoff, da Universidade de Michigan, e Alan Thorne, da Universidade acional da Austrália, que apresentaram vários estudos a respeito de um elo evolutivo entre o antigo omo erectus da Indonésia e os aborígines históricos da Austrália, com base em semelhanças percebidas no formato do crânio. As análises genéticas atuais mostram contudo que as semelhanças percebidas não implicam a existência desse elo, uma vez que, após uma década de análise intensiva, nenhuma população da Ásia oriental ou de qualquer outro lugar fora da África mostrou possuir um gene que não esteja ligado a um ancestral africano recente. A conseqüência disso é que todos os seres humanos vivos compartilharam esse ancestral. E que o Homo erectus e outras populações eurasiáticas não-modernas contribuíram com poucos genes, ou nenhum, para a formação dos seres humanos vivos. Uma pesquisa sobre o cromossomo Y publicada na revista Science de maio de 2001 é particularmente significativa. Os autores examinaram os cromossomos Y de 12.127 homens, representando 163 populações históricas asiáticas, inclusive os aborígines australianos, e mostraram que a variabilidade desse cromossomo pode remontar a um único tipo “que se originou na África por volta de 35 mil a 89 mil anos atrás”. Prosseguem afirmando que “os dados não sustentam nem mesmo uma contribuição hominídea mínima in situ na origem dos humanos anatomicamente modernos da Ásia oriental”. Um dos mais antigos fósseis humanos da Austrália – o esqueleto Mungo 3 – realmente possuía um tipo de DNA mitocondrial (mtDNA) desconhecido em qualquer lugar hoje, mas está apenas por um triz fora do âmbito dos seres humanos vivos. Já reforçamos previamente a grande diferença entre o mtDNA recuperado de três indivíduos neandertalenses e o mtDNA de pessoas vivas. O mtDNA do esqueleto Mungo 3 assemelha-se muito mais ao das pessoas vivas e representa apenas um tipo que se tornou extinto após a expansão dos homens modernos para fora da África.
Figura 7.11 Austrália e sudeste da Ásia, com os sítios arqueológicos mencionados no texto. As massas de terra atuais estão contornadas em preto. Outras terras, que seriam expostas pela queda no nível do mar em 200 metros, estão apresentadas em branco.
A história da colonização inicial da Austrália levanta questões mais difíceis. Durante períodos glaciais, quando grandes quantidades de água estavam presas às calotas de gelo, o nível do mar caiu em cem metros ou mais, e Nova Guiné, Tasmânia e Austrália reuniram-se numa massa de terra batizada como a Austrália Maior (ou Sahul Land) (Figura 7.11). Contudo, a Austrália nunca esteve ligada ao sudeste da Ásia (Sunda Land), pois mesmo com o nível do mar mais baixo, os recém-chegados à Austrália teriam de ter cruzado pelo menos 80km em mar aberto. Possivelmente só as populações modernas poderiam ter inventado embarcações navegáveis o bastante, e se a saída da África deu-se apenas depois do período de 50 mil anos atrás, a Austrália não poderia ter sido colonizada antes dessa época. Até o início da década de 1990 pensava-se que os primeiros australianos eram completamente modernos, haviam chegado entre 40 mil e 30 mil anos atrás, trazendo práticas de sepultamento complexas, tecnologia de pesca, arte e quase certamente outros símbolos do comportamento moderno. Hoje dois conjuntos de datações sugerem que os humanos alcançaram a Austrália há 60 mil anos ou até mesmo antes. O primeiro conjunto são as demarcações por luminescência entre 60 mil e 50 mil anos atrás em areias de quartzo que envolvem artefatos de pedra em Malakunanja II e Nauwalabila I, no norte da Austrália. O segundo é uma série de urânio (ou U-) e datações por ressonância elétrica de giro, que atribuem uma idade de 62 mil anos em média aos elementos do esqueleto humano número 3 do sítio do lago Mungo, no sudeste da Austrália. Bert Roberts, da Universidade La Trobe (Melbourne), e seus colegas apresentaram as idades de Malakunanja II e de Nauwalabila I, enquanto Rainer Grün, da Universidade Nacional da Austrália (Canberra), e seus colegas forneceram as datações do lago Mungo. A idade de 62 mil anos atribuída ao Mungo 3 é particularmente significativa, pois o esqueleto representa
um ser humano completamente moderno, que se encontrava num túmulo que lembra muitos exemplos do Paleolítico Superior da Europa quanto à disposição do corpo e à abundância de pigmento vermelho ocre em pó. Também se sugere o comportamento semelhante ao do Paleolítico Superior na Europa (completamente moderno), talvez pela necessidade de importar o ocre de lugares que ficavam a 200km de distância. Já apresentamos os princípios que estão por trás dos métodos de datação da luminescência e da ressonância elétrica de giro. O método da série U- depende da observação de que o urânio ocorre naturalmente em pequenas quantidades em quase todos os lugares, e que é solúvel em água, enquanto os produtos do seu decaimento radioativo, o tório e o protactínio, não são. Assim, quando o urânio se precipita das águas subterrâneas, como por exemplo numa estalagmite recém-formada, a estalagmite não conterá inicialmente nenhum subproduto, mas eles irão depois se acumular por dentro a uma taxa diretamente proporcional àquela na qual o urânio decai. As razões entre os subprodutos e o urânio podem portanto ser utilizadas para estimar a época em que o urânio se precipitou da água subterrânea, significando, no caso de uma estalagmite, o tempo em que ela se formou. A datação pela série U- é mais confiável quando aplicada a estalagmites ou substâncias semelhantes que depois permaneceram fechadas à adição ou subtração de urânio. Em teoria pode ser aplicada a ossos fósseis, já que os ossos frescos contêm pouco ou nenhum urânio, e o urânio num fóssil deve ter sido adsorvido da água subterrânea após o sepultamento. A época em que se deu a adsorção e a taxa em que ela ocorreu, no entanto, em geral são desconhecidas, e a adsorção pode até mesmo alternar-se com a perda (lixiviação). Não há por conseguinte qualquer modo de colocar o relógio no ponto zero para determinar quando o osso foi enterrado. As datações da série U- feitas em ossos de uma única camada com freqüência se dispersam bastante, e datas diferentes foram obtidas em partes distintas do mesmo osso. A ocupação da Austrália por seres humanos modernos há 60 mil anos (ou antes) não só iria contra uma mudança de comportamento radical entre 50 mil e 40 mil anos atrás. Também exigiria modificações na hipótese mais fundamental de que os seres humanos modernos se originaram na África. No mínimo imporia a idéia de duas expansões separadas de africanos modernos. Uma delas anterior, talvez pela extremidade sul do mar Vermelho em direção ao sul da Ásia e a partir daí para a Austrália; e outra mais tardia, talvez pelo deserto de Sinai, no Egito, em direção ao oeste da Ásia e a partir daí para a Europa. Isso poderia também significar que a expansão do homem moderno para a Austrália desviou-se próximo à Indonésia, pois, como ressaltamos no capítulo 4, as datações feitas pelo método da ressonância elétrica de giro em dentes de animais associados sugerem que os famosos fósseis humanos de Ngandong (ou rio Solo) datam de 50 mil anos atrás ou antes. Os fósseis de Ngandong não representam absolutamente as populações modernas e foram atribuídos a uma variedade evoluída de Homo erectus. As datas australianas mais antigas são revolucionárias se estiverem corretas, mas encontram um sério ceticismo. O arqueólogo Jim O’Connell, da Universidade de Utah, e Jim Allen, da Universidade de La Trobe, questionaram as datações feitas pelo método da luminescência em Malakunanja II, pois as areias em que se baseiam situavam-se menos de 50cm abaixo de uma camada datada de 22 mil a 20 mil anos atrás pelo método do radiocarbono. Isso implica que as areias se acumularam muito devagar, entre mais ou menos 60 mil e 20 mil anos atrás, o que levanta a possibilidade de que a bioturbação (a atividade de organismos vivos no solo) tenha deslocado artefatos muito mais novos para baixo. Os cupins, comuns na região, são conhecidos por produzir deslocamentos significativos para baixo em outros lugares. Em auwalabila I, a inconsistência estratigráfica nas datações radiocarbônicas disponíveis ressalta a possibilidade de o processo de bioturbação ter causado o movimento para baixo. Bert Roberts discordou da validade da datação de 62 mil anos para Mungo 3, embora essa idade sustentasse amplamente as datações que resultaram da aplicação do método de luminescência em
Malakunanja II e Nauwalabila I, pelas quais ele foi o principal responsável. O problema em lago Mungo é o mesmo – possibilidade ou mesmo probabilidade de os ossos humanos terem passado por uma história complexa de adsorção e perda de urânio após terem sido enterrados. Isso não só confundiria as datações feitas a partir da série U-, como também poderia desorientar a ressonância elétrica de giro, que depende intimamente do mesmo indício de urânio. O geomorfologista Jim Bowler, da Universidade de Melbourne, que descobriu o esqueleto de Mungo 3 em 1974, apresentou uma objeção ainda mais fundamental. As datas por luminescência e outras resultantes do exame de amostras cuidadosamente selecionadas no campo indicam que Mungo 3 foi enterrado em sedimentos que se acumularam num intervalo entre 46 mil e 40 mil anos atrás. Portanto, o esqueleto não poderia ser mais antigo que isso. Em resumo, a chegada do homem à Austrália antes do período de 50 mil anos está longe de apresentar uma datação conclusiva, provada e recente. A Austrália não fornece uma razão convincente para que se repense a época em que a Idade da Pedra Posterior apareceu, nem para que se modifiquem outros aspectos importantes da hipótese “fora da África”.
SE ACREDITARMOS QUE os primeiros australianos descenderam de africanos que tinham alcançado um nível completamente moderno de competência para caçar e colher, sua chegada à Austrália poderia ter sido catastrófica para a fauna local. Bert Roberts e seus colegas publicaram recentemente datações sugerindo que muitos marsupiais e répteis australianos de grande porte desapareceram abruptamente por volta de 46 mil anos atrás. Eles afirmam que é mais provável que isso tenha ocorrido pela ação humana do que por razões climáticas, pois o clima era relativamente estável na época. A chegada inicial de humanos foi também responsável pela onda semelhante de extinções de animais de grande porte ocorrida nas Américas, entre 12 mil e 10 mil anos atrás. O caso americano é ainda mais complicado que o australiano, pois as extinções coincidiram com o período de mudança climática abrupta, da última glaciação ao período interglacial presente. Ainda assim as espécies extintas tinham sobrevivido a transições glaciais/interglaciais mais antigas, e o papel do homem nessa questão parece ter sido determinante, dadas as avançadas habilidades de caçar e colher que os primeiros americanos certamente trouxeram da Ásia. Finalmente os caçadores-coletores avançados do período da Idade da Pedra Posterior e do Paleolítico Superior poderiam ter precipitado o desaparecimento de algumas espécies mamíferas de grande porte na Eurásia e na África entre 12 mil e 10 mil anos atrás. Como nas Américas, a mudança climática adversa pode ter contribuído, mas as espécies em extinção tinham sobrevivido a mudanças semelhantes antes, e a única diferença patente há 12 mil anos foi a presença de caçadores muito mais sofisticados. Um número muito menor de espécies foi extinto na Eurásia e na África do que nas Américas e na Austrália, pois as faunas africanas e eurasiáticas tinham evoluído junto com os humanos, e por isso eram certamente muito menos ingênuas. Se as populações do último Paleolítico na Austrália, nas Américas e na Eurásia reduziram a diversidade de espécies como os elementos sugerem, então o despertar da cultura humana não representa apenas uma transição comportamental ou sociocultural profunda. Marca também a transformação da humanidade, de membros da fauna dos mamíferos de grande porte relativamente raros e insignificantes, para uma força geológica com poder de empobrecer a natureza. Em suma, desde os primórdios a aptidão humana moderna para inovar pode ter sido tanto uma bênção quanto uma maldição.
O
CASO AUSTRALIANO é
uma forte advertência de que uma teoria abrangente das origens modernas do
homem deve também englobar o Extremo Oriente (Ásia oriental). A genética e sobretudo o já mencionado estudo do cromossomo Y demonstram de maneira clara que os habitantes atuais do Extremo Oriente compartilham um ancestral africano recente com todos os outros seres humanos vivos. Mas os registros fósseis e arqueológicos dessa região fornecem uma base menor a esse respeito. O problema não é eles apresentarem evidência contrária, mas muito pouca evidência. Já fizemos um resumo dos fósseis e das datações que sugerem a persistência do Homo erectus na Indonésia até talvez há 50 mil anos. As datas são questionáveis porque foram obtidas pelo método da ressonância elétrica de giro. Porém, se forem confirmadas por pesquisas futuras, serão claramente compatíveis com a origem africana recente dos habitantes do sudeste asiático. A parte continental do leste asiático forneceu poucos fósseis posteriores ao erectus clássico, depois de 500 mil a 400 mil anos atrás. Os espécimes mais importantes incluem os crânios dos sítios chineses de Dali, Yinkou (Jinnuishan) e Maba, que foram datados de maneira experimental entre 200 mil e 100 mil anos atrás. Os crânios combinam arcadas superciliares imponentes, testas baixas, chatas e recuadas e outros traços primitivos que marcam o erectus, com caixas cerebrais mais arredondadas, rostos menores e outros traços avançados que marcam o Homo sapiens (Figura 7.12). Os crânios chineses diferem tanto dos crânios neandertais da Europa, seus contemporâneos, quanto dos primeiros crânios modernos ou semimodernos da África. Mas na mistura de traços arcaicos e derivados lembram os fósseis africanos e europeus de 600 mil a 400 mil anos de idade, que havíamos atribuído previamente ao Homo heidelbergensis. Isso poderia implicar que o heidelbergensis extenue seus domínios até a China após ter desaparecido no oeste, ou que o erectus chinês e o heidelbergensis africano e europeu evoluíram para traços semelhantes independentemente. Defendemos a evolução independente (paralela), pois os registros arqueológicos chineses não revelam qualquer evidência de uma incursão populacional como a que levou os machados de mão acheulianos da África para a Europa. Já foi anteriormente sugerido que esses instrumentos podem marcar a expansão do heidelbergensis. Além disso, os fósseis chineses posteriores tendem a assemelhar-se ao erectus chinês sob vários aspectos, tais como mandíbula superior pequena, achatamento e orientação horizontal dos ossos da bochecha, grande largura da ponte do nariz, a forma de pá dos dentes incisivos superiores e terceiros molares pequenos. Se a hipótese da evolução independente for aceita, então o erectus da China e da Indonésia seguiram trajetórias evolutivas separadas, e o erectus chinês teria de ser atribuído a uma espécie separada. O ponto mais importante aqui é que os registros fósseis chineses são por si sós muito escassos para confirmar ou rejeitar uma origem africana dos modernos asiáticos do leste.
Figura 7.12 Crânio humano de Yinkou (Jinniushan), nordeste da China.
O registro arqueológico chinês é ainda mais esparso, e o da Indonésia inexiste. Acreditamos que, quando as observações se tornarem mais abundantes no leste da Ásia, elas irão revelar a mesma ruptura entre 50 mil e 37 mil anos atrás que observamos na África e na Europa, envolvendo o primeiro aparecimento de arte, artefatos de osso, marfim e concha bem-feitos, túmulos complexos e outros traços comportamentais modernos. Nesse ínterim, com exceção mais uma vez da genética, o padrão das origens humanas modernas deve ser decidido quase exclusivamente através de evidências vindas do Extremo Ocidente. As décadas de pesquisa deixaram poucas dúvidas a respeito da ruptura, mas ainda é preciso que se explique por que essa ruptura ocorreu.
8 Natureza ou evolução antes do despertar?
UMA SEMANA ANTES do Natal de 1994, três exploradores de cavernas desceram por um dos desfiladeiros íngremes recortados num platô de calcário na região de Ardèche, no centro-sul da França. Jean-Marie Chauvet, Éliette Brunel Deschamps e Christian Hillaire tinham crescido juntos nessa região seca e rochosa, e passado as últimas duas décadas pesquisando seus vastos mistérios subterrâneos. Muitas vezes escavaram a terra socada e o cascalho e enfiaram-se pelas frestas assim criadas, mas não encontraram nada. Outras vezes seus esforços foram recompensados com a visão de cavernas luminosas moldadas pela água, por minerais e pela passagem lenta do tempo. Naquela noite os exploradores seriam as primeiras pessoas a ver uma coisa ainda mais fantástica: imagens criadas na mente de homens que viveram há mais de 30 mil anos. Seguindo um antigo caminho de mulas em direção a uma borda estreita do penhasco na abertura de um labirinto de desfiladeiros, a equipe percebeu no penhasco uma entrada de cerca de 80cm de altura e 30cm de largura. Eles deslizaram para dentro do buraco, um de cada vez, e saíram numa câmara onde o teto de pedra ficava logo acima de suas cabeças. Uma brisa soprou naquela direção, sugerindo que havia uma abertura maior atrás de uma pilha de pedras que bloqueava o caminho. Os três retiraram as pedras até conseguirem espaço suficiente para seguir adiante. Deschamps foi na frente, e depois de uns três metros de caminhada a luz da lamparina revelou uma queda de dez metros até o chão de uma galeria que ficava abaixo. Eles gritaram e pelo eco ressonante perceberam que o interior da caverna ainda oferecia muito mais a ser explorado. Primeiro teriam de pedir carona de volta até onde haviam deixado a caminhonete e arranjar uma escada flexível. A noite caíra e eles sentiam-se exaustos, então pensaram em voltar para casa e retornar uma semana depois. Mas a curiosidade a respeito do interior daquele penhasco superou a fadiga de todos.
Figura 8.1 Principais sítios de arte do Paleolítico Superior da Europa Ocidental.
De volta à caverna, a equipe colocou a escada e desceu até uma galeria com cheiro de argila molhada, onde reluzentes cortinas de calcita e estalactite penduravam-se do teto a uma altura de 15 metros. Uma câmara muito maior assomava adiante, e àquela altura os exploradores souberam que a caverna era mais extensa que qualquer uma das que tinham visto nos desfiladeiros de Ardèche. Perceberam ossos de ursos e dentes espalhados na caverna, além de ninhos de hibernação que os animais tinham enterrado no solo de argila. Ao entrar em outra galeria mais estreita, Deschamps gritou quando o feixe de luz da lanterna mostrou duas linhas curtas de vermelho ocre na parede. Olhando para o alto a equipe avistou um desenho de mamute em vermelho numa espora de rocha pendurada ao teto. Novos mamíferos logo se materializaram nas paredes: ursos, cavalos selvagens, leões, rinocerontes e renas. O local foi batizado como caverna Chauvet em homenagem a Jean-Marie Chauvet, e a exploração continuada mostrou que havia lá dentro quatro câmaras de galerias em uma extensão de cerca de 500 metros. Juntas, as quatro câmaras continham mais de 260 animais pintados e gravados, juntamente com pontos, padrões geométricos e gravações a mão por meio de estêncil. Na maior parte das cavernas decoradas previamente conhecidas, como Lascaux, Les Trois-Frères e Niaux, no sudoeste da França, e Altamira, no norte da Espanha (Figura 8.1), os artistas mostravam sobretudo cavalos, bisões, gado selvagem, cervos ou bodes selvagens (íbex). Raramente retratavam mamutes, rinocerontes, leões e ursos. Contudo, esses artistas de Chauvet concentraram-se nessas espécies, lançando mão de um sutil sombreado e perspectiva para retratar seus objetos em poses naturalistas. O inspetor-geral francês de cavernas decoradas, o arqueólogo Jean Clottes, líder de uma equipe que hoje estuda Chauvet, acredita que um único artista, um Leonardo da Vinci pré-histórico, produziu a maior parte das imagens em carvão vegetal. Os rinocerontes, dos quais existem mais de 40, com freqüência apresentam chifres exagerados e orelhas especialmente curvas, como se tivessem sido pintados pela mesma mão habilidosa. O maior friso individual da caverna mostra uma dúzia de rinocerontes em vários ângulos, mas no mesmo estilo particular.
AVANÇOS NO MÉTODO DO RADIOCARBONO tornam hoje possível datar fragmentos de carvão vegetal do tamanho de um alfinete (meio miligrama). Menos de um ano após o descobrimento da caverna Chauvet, amostras mínimas de três imagens de carvão vegetal – um par de rinocerontes em combate e um bisão – mostraram que as pinturas tinham sido criadas entre 32 mil e 31 mil anos atrás. Os artistas, devem ter vivido no início do Paleolítico Superior, pertencentes à cultura aurignaciana, cujos ancestrais tinham substituído os neandertais (cultura moustierense) na França alguns milhares de anos antes. As pinturas de Chauvet precedem os exemplos próximos e mais antigos datados pelo método do radiocarbono, de 5 mil a 10 mil anos, e são pelo menos 15 mil anos mais velhas do que as famosas pinturas de Lascaux, Niaux e Altamira. Ainda assim, não são os únicos exemplos da arte espetacular do despertar da cultura humana na Europa. As primeiras camadas aurignacianas das cavernas de Vogelherd (Stetten), Geissenklösterle e Hohlenstein-Stadel, no sudoeste da Alemanha (Figura 8.1) forneceram 17 estatuetas de marfim espetaculares, tão antigas ou mais antigas ainda que as pinturas mencionadas. Essas estatuetas tendem a retratar as mesmas “perigosas” espécies animais que foram pintadas e gravadas em Chauvet, e uma estatueta alta, de 30cm, de Hohlenstein-Stadel mostra uma figura fantástica com uma cabeça de leão plantada inequivocamente num corpo humano (Figura 8.2). Em Galgenberg Hill, perto de Krems, na Áustria, um artista aurignaciano, que trabalhou há 32 mil anos, transformou uma pequena placa de pedra serpentina verde numa notável figura de 7cm de altura, com a mão esquerda no ar, braço e mão direita sobre os quadris e peito esquerdo projetado em perfil (Figura 8.3). Finalmente, alguns sítios aurignacianos antigos contêm numerosos ornamentos pessoais, em especial contas de marfim, todos cuidadosamente moldados por um processo meticuloso e demorado que descreveremos em seguida.
Figura 8.2 Estatueta de marfim de mamute retratando um “homem-leão”, encontrada numa camada aurignaciana em Hohlenstein-Stadel, sudoeste da Alemanha.
Figura 8.3 Estatueta feminina em rocha serpentina encontrada numa camada aurignaciana em Galgenberg Hill, Áustria.
A tradição moustierense precedente não forneceu nada que se comparasse às pinturas, gravuras, estatuetas e contas aurignacianas. Com um aumento na diversidade e na padronização das ferramentas de pedra, e o aparecimento da primeira manufatura habitual de artefatos padronizados de osso, marfim e chifre, a arte e os ornamentos reforçaram o grande abismo que separava até mesmo as populações do primeiro Paleolítico Superior dos moustierenses precedentes. O contraste torna-se ainda mais violento quando consideramos a incrível monotonia da cultura moustierense ao longo de milhares ou mesmo dezenas de milhares de anos, e quando a comparamos à rápida diversificação, em tipos de artefatos utilitários e não-utilitários, ocorrida a partir do período aurignaciano. No ritmo em que a cultura material mudou e se diversificou, só o Paleolítico Superior lembra o último período da pré-história e da história registrada. Assim como as tradições culturais ainda mais antigas, no seu conservadorismo, a cultura moustierense sugere um sistema para o qual não temos qualquer analogia histórica. Não somos os primeiros a enfatizar o contraste entre o Paleolítico Superior e tudo o que o precedeu, e onde falamos de “despertar da cultura humana”, outros se referem a “revolução humana”, “explosão criativa”, “grande pulo à frente” ou “big-bang sociocultural”. Muitas autoridades ressaltam os achados europeus, mas nós reforçamos provas ainda mais antigas do “despertar” na África. Os elementos africanos são menos abundantes e espetaculares, ao menos em parte, porque os caprichos da preservação deixaram menos sítios africanos relevantes e houve menos arqueólogos para procurá-los. Como relação a isso os arqueólogos vêm acumulando evidências relevantes na Europa desde 1860, enquanto as observações básicas africanas são todas posteriores a 1965. Porém, o “despertar” é tão real na África quanto na Europa e, igualmente importante, ocorreu lá primeiro. Por mais espetacular que seja, o Paleolítico Superior europeu, começando por volta de 40 mil anos atrás, foi simplesmente um resultado da mudança comportamental ocorrida na África talvez 5 mil anos antes. Dito isso, devemos agora proceder à pergunta mais difícil de todas: qual foi a causa do “despertar”? A resposta, como veremos, é
controversa, e talvez se mantenha assim para sempre.
MUITOS ARQUEÓLOGOS que tentaram explicar o “despertar” defendem uma causa estritamente social, tecnológica ou demográfica. Uma pequena minoria, da qual talvez sejamos a maioria, defende uma causa biológica. Apresentaremos primeiro duas interpretações sociais ou tecnológicas características, e em seguida explicaremos por que consideramos nossa explicação biológica preferível. Salientamos no início que, ao contrário do “despertar” em si, sua explicação é mais uma questão de gosto ou de filosofia que de provas. O arqueólogo Randall White, da Universidade de Nova York, é especialista no estudo da arte portátil do Paleolítico Superior (do tipo que se encontra no solo), e acredita que as contas de marfim, as conchas perfuradas, os dentes furados de animais e outros ornamentos ou objetos de arte portáteis são tão simbólicos quanto os rinocerontes de carvão vegetal desenhados pelos artistas aurignacianos do início do Paleolítico Superior nas paredes da caverna Chauvet, ou o bisão multicor pintado pelos magdalenianos no final do Paleolítico, no teto da caverna de Altamira. As populações do Paleolítico Superior quase sempre retratavam os animais que caçavam ou comiam, a julgar pelos fragmentos de comida encontrados nos sítios. Mas também mostravam comumente espécies que pouco caçavam e deviam ser raras na paisagem. Portanto, a escolha dos temas das pinturas era arbitrária, e provavelmente ligava-se às crenças locais sobre a forma de a natureza se organizar ou sobre a relação entre a natureza e a sociedade. White ressalta que as populações do Paleolítico Superior eram igualmente arbitrárias ao produzir ornamentos ou objetos de arte portáteis, e a escolha variava amplamente ao longo do tempo e no espaço. No primeiro intervalo aurignaciano, antes do período de 30 mil anos atrás, os povos produziam contas de marfim e colares de dentes de animais sobretudo na França e na Rússia; perfuravam conchas para pendurá-las em áreas que hoje compreendem a Espanha, a França e a Itália; produziam esculturas tridimensionais de animais, essencialmente na Europa central; e gravavam em blocos de calcário apenas numa área pequena do sudoeste da França. Já que nenhum dos objetos era utilitário, a escolha do que produzir estava quase com certeza enraizada nas variadas crenças locais sobre a ordem natural ou social. A pesquisa de White mostra que a produção de contas dos primeiros aurignacianos exigia tempo e esforço extraordinários, o que ressalta a possibilidade de terem um sentido simbólico. O processo de manufatura envolvia passos múltiplos, a saber: modelar uma haste em marfim ou em pedra macia, buscando um formato semelhante ao de um lápis; inserir sulcos ou ranhuras com a distância de um a dois centímetros entre elas em volta da haste; aplicar pressão para quebrar as pré-formas cilíndricas de contas entre os sulcos; criar um furo para que elas pudessem ser penduradas, seja com o ato de goivar cada préforma no interior a partir das extremidades, ou seja com o método de perfuração rotativa; e, finalmente, usar um abrasivo natural para tornar as contas uniformes, raspando-as para que adquirissem um formato padronizado. Os experimentos de White mostram que uma única concha geralmente exigia de uma a três horas de trabalho, mas alguns sítios do Paleolítico Superior contêm centenas ou até mesmo milhares de conchas. O exemplo mais espetacular é de Sungir, na Rússia, um sítio a céu aberto que foi ocupado há mais ou menos 29 mil anos. Sungir encontra-se 210km a nordeste de Moscou, numa região que nunca havia sido ocupada antes do Paleolítico Superior, e sua localização marca uma capacidade humana recém-desenvolvida de adaptação a circunstâncias especialmente adversas. O povo de Sungir certamente investia muito tempo na busca de alimentos e na melhor forma de manter-se aquecido, mas mesmo assim conseguiu produzir nada menos que 13 mil contas, três mil delas encontradas no túmulo de um adulto do sexo masculino e dez mil igualmente divididas entre os corpos de duas crianças enterradas lado a lado numa segunda sepultura comum. As contas aparecem em cordões que provavelmente eram presos na roupa de couro, e são
acompanhadas de outros objetos de arte que sugerem um ritual de sepultamento e a preocupação ou respeito pelos mortos que os humanos vivos compartilham em geral. Os túmulos de Sungir estão entre os mais antigos aos quais esse ritual e respeito podem ser atribuídos sem incertezas, mas White vai mais além. As dez mil contas no túmulo das crianças exigiram mais de dez mil horas de trabalho para serem produzidas, e sua abundância pode significar que as crianças ocupavam uma posição ou status especial na sociedade de Sungir. No capítulo 1 descrevemos como a troca de contas de casca de ovo de avestruz promoveu a coesão social entre caçadores-coletores históricos do sul da África. Com observações etnográficas como esta em mente, White afirma que “a rápida emergência de ornamentação pessoal [no Paleolítico Superior] pode ter marcado, não uma diferença no que diz respeito à capacidade mental entre Cro-Magnons e neandertais, mas sim uma emergência de novas formas de organização social, que facilitaram e exigiram a comunicação e o registro de idéias complexas”. Na sua opinião, tanto o aumento na densidade populacional quanto a maior tendência de os humanos se juntarem em grandes grupos pode ter precipitado a transformação social subjacente. O arqueólogo Ofer Bar-Yosef, da Universidade Harvard, oferece uma hipótese diferente, mas complementar. Bar-Yosef é especialista em arqueologia do sudoeste da Ásia (Oriente Próximo) e investigou a origem dos seres humanos modernos e a origem da agricultura, que ocorreu cerca de 30 mil anos mais tarde. Ele se refere a esses dois eventos como “revoluções”, e acredita que foram dirigidos por forças semelhantes. Há aproximadamente 11 mil anos, os caçadores-coletores que viviam na margem leste do mar Mediterrâneo seguiam uma dieta baseada em cereais selvagens (trigo, cevada e centeio) e outros vegetais, em grande parte como os seus antepassados do milênio precedente. Sua adaptação foi estável e permitiu um certo grau de vida sedentária – aldeotas permanentes ou semipermanentes onde as pessoas podiam explorar um número abundante de plantas selvagens e um suprimento de gazelas e outros animais selvagens. Então, a partir de mais ou menos 11 mil anos atrás, o clima tornou-se de repente muito mais frio e seco, e a queda de temperatura e de umidade persistiu por 1.300 anos, período que os paleoclimatologistas chamam de Younger Dryas. Os cereais selvagens e outros vegetais básicos para a alimentação tornaram-se muito mais escassos, e Bar-Yosef e outros arqueólogos acreditam que os povos reagiram plantando-os nos campos próximos. Para produzir a próxima colheita, eles naturalmente selecionavam sementes das plantas individuais que cresciam melhor sob seus cuidados, e nesse processo transformaram espécies selvagens que podiam crescer sozinhas em espécies cultivadas pelo homem. Há 9.500 anos eles tinham acrescentado animais (ovelhas, cabras, gado e porcos) ao repertório das espécies cultivadas e se tornaram fazendeiros bem desenvolvidos. A transformação econômica encorajou o crescimento das populações humanas, e só por essa razão também promoveu mudanças nas relações econômicas e sociais. À medida que a densidade populacional aumentou e o clima do mundo melhorou, após o período de 9.000 anos atrás, grupos dissidentes separaram-se em busca de novas terras, e com o tempo espalharam o novo sistema de vida baseado na agricultura na direção oeste, para a Espanha, e na direção leste, para o Paquistão. Bar-Yosef sugere que assim como a revolução da agricultura, a ocorrência muito anterior, que chamamos de “despertar da cultura humana”, envolveu a invenção de novas formas de obter alimentos, o que resultou no crescimento populacional e em novos modos de organização econômica e social. Grupos dissidentes teriam mais uma vez levado à nova adaptação do núcleo central, dessa vez provavelmente para a África oriental. Como White e Bar-Yosef, outros arqueólogos propuseram modelos onde o “despertar” teria sido o resultado natural de um avanço tecnológico, uma mudança nas relações sociais, ou ambos. Essas explicações são bem recebidas, em parte porque contam com o mesmo tipo de forças que os
historiadores e arqueólogos usam rotineiramente para explicar mudanças sociais e culturais muito mais recentes. Com relação ao “despertar”, contudo, apresentam uma falha comum: não conseguem explicar por que a tecnologia ou a organização social mudou de forma tão repentina e fundamental. O crescimento populacional é uma razão inadequada, primeiro porque também teria que ser explicado, segundo porque não há nenhuma prova de que a população estava crescendo em algum lugar logo antes do “despertar”. ós mostramos que os africanos que viveram pouco antes do “despertar” produziram artefatos da Idade da Pedra Média, enquanto aqueles que viveram em seguida criaram conjuntos pertencentes à Idade da Pedra Posterior. No sul e no norte da África, o intervalo de 60 mil a 30 mil anos atrás que abrange a transição da Idade da Pedra Média para a Idade da Pedra Posterior parece ter sido muito árido, e as populações humanas eram tão reduzidas que são quase invisíveis para a arqueologia. As condições para a ocupação humana permaneceram mais favoráveis na África oriental, mas até o momento as escavações e pesquisas nessa região tampouco conseguem sugerir um aumento de população na última parte da Idade da Pedra Média. Nem o número de sítios nem a densidade de restos de ocupação que eles contêm aumentam visivelmente em direção à Idade da Pedra Posterior, que começou entre 50 mil e 40 mil anos atrás. E na Europa as populações cresceram apenas após a chegada do “despertar”, e não antes. Talvez o impulso tenha sido um evento climático como o Younger Dryas de 11 mil anos atrás, mas o “despertar” ocorreu durante um extenso intervalo de clima flutuante, que de acordo com as provas presentes não incluiu um episódio comparavelmente importante. Mesmo que isso seja mais tarde detectado, será difícil explicar por que suscitou uma reação em termos de comportamento com tão amplas proporções, quando em épocas anteriores mudanças climáticas ainda mais radicais não o fizeram. A mudança climática precedente mais notável foi um período com duração de um milênio, marcado por um frio intenso, que se seguiu à violenta erupção vulcânica do monte Toba, em Sumatra, na Indonésia, há mais ou menos 73.500 anos. Essa erupção foi a mais potente dos últimos dois milhões de anos, e talvez dos últimos 450 milhões de anos. Para que se possa ter uma idéia, Toba expeliu cerca de quatro mil vezes mais material que o monte St. Helens (no estado de Washington), em 1981, e cerca de mais ou menos 40 vezes mais que o monte Tambora (ilha de Sumbawa, na Indonésia), em 1815. A erupção de Tambora foi a maior da era histórica, e os aerossóis dela provenientes reduziram a luz do sol e as temperaturas globais a tal ponto que o ano de 1816 tornou-se conhecido como “o ano sem verão”, quando nevou na Nova Inglaterra em julho e agosto. Os aerossóis de mais longo alcance de Toba produziram um “inverno vulcânico” semelhante ao “inverno nuclear”, que alguns consideraram que se seguiria a uma nova guerra mundial, e o efeito foi acentuado e prolongado por uma tendência global a um clima mais frio na primeira parte do último período glacial. As populações de animais e de plantas devem ter declinado muito em quase todo lugar, e o impacto sobre as populações humanas foi provavelmente catastrófico. Ainda assim, o resultado do monte Toba é notável precisamente porque não provocou uma resposta cultural revolucionária. A falta dessa resposta fundamenta a evidência de que as pessoas possuíam capacidade limitada de inovar antes do período de 50 mil anos atrás. Finalmente, não há provas de que o “despertar” tenha sido suscitado por uma inovação técnica comparável à invenção da agricultura. A arqueologia não consegue revelar essa inovação e ainda sugere que o “despertar” representa de fato o início da capacidade humana de produzir essas inovações marcantes. Portanto, de uma perspectiva arqueológica, o “despertar” não foi simplesmente a primeira de uma série de “revoluções” menos espaçadas no tempo, começando pela agricultura e chegando à urbanização, à indústria, aos computadores e aos genomas; foi a revolução seminal sem a qual nenhuma outra poderia ter ocorrido. Isso nos faz retornar ao que pensamos ser a mudança-chave que a explica.
A NOSSO VER, A EXPLICAÇÃO mais simples e mais econômica é que o “despertar” originou-se de uma
mutação fortuita que produziu o cérebro humano completamente moderno. Nossa afirmativa fundamentase basicamente em três observações circunstanciais extraídas da nossa pesquisa precedente a respeito da evolução humana. A primeira é que a seleção natural que promoveu cérebros mais eficientes orientou em grande parte as fases iniciais da evolução humana. A base neural do comportamento moderno não existiu sempre; o comportamento evoluiu e estamos meramente usando as evidências comportamentais disponíveis para sugerir quando isso ocorreu. A segunda observação é que o aumento dos cérebros e provavelmente também as mudanças da organização cerebral acompanharam transformações comportamentais e ecológicas muito anteriores. Essas transformações incluem em especial o aparecimento inicial de artefatos de pedra no período de 2,6 a 2,5 milhões de anos atrás; o surgimento dos machados de mão e a simultânea expansão humana para ambientes abertos, em grande parte sem árvores, de 1,8 a 1,6 milhão de anos atrás; possivelmente produziu também o advento dos machados de mão mais sofisticados e a primeira ocupação permanente da Europa por volta de 600 mil a 500 mil anos atrás. Nossa terceira e última observação é que a relação entre transformação anatômica e comportamental mudou abruptamente há cerca de 50 mil anos. Antes dessa época, a anatomia e o comportamento parecem ter evoluído mais ou menos no mesmo compasso e de forma muito lenta, mas após esse período a anatomia permaneceu relativamente estável, enquanto a mudança comportamental (cultural) se acelerou rapidamente. O que explicaria melhor esse fato do que a mudança neural que promoveu a capacidade humana extraordinariamente moderna de inovar? Isso não quer dizer que os neandertais e seus contemporâneos não-modernos tivessem cérebros semelhantes aos dos macacos, ou que fossem tão primitivos em termos biológicos ou comportamentais quanto os seres humanos ainda mais antigos. Estamos apenas sugerindo que um reconhecido elo genético entre a anatomia e o comportamento de povos ainda mais antigos perdurou até a aparição de espécimes completamente modernos; e que a postulada mudança genética ocorrida há 50 mil anos promoveu uma capacidade moderna inigualável de adaptação a uma grande gama de circunstâncias naturais e sociais com pouca ou nenhuma mudança fisiológica. É questionável se a última mudança neural básica promoveu a capacidade moderna de produzir a linguagem fonêmica falada com rapidez, ou o que os antropólogos Duane Quiatt e Richard Milo chamaram de “linguagem completamente vocal, fonêmica, sintática e infinitamente aberta e produtiva”. Em 4 de outubro de 2001 a revista Nature publicou um artigo de uma equipe de geneticistas liderada por Cecilia Lai, da Universidade de Oxford, que indiretamente fundamentava essa idéia ao identificar um único gene que é quase com certeza “envolvido no processo de desenvolvimento que culmina na fala e na linguagem”. Os indivíduos que apresentam uma cópia defeituosa desse gene têm grande dificuldade de reconhecer sons básicos da fala, aprender regras gramaticais e entender frases. Não são necessariamente prejudicados em outros aspectos, e em geral são normais no que diz respeito à inteligência não-verbal. Em resumo, a nova descoberta mostra que uma única mutação poderia sustentar a capacidade completamente moderna de exprimir-se pela fala. Ainda assim, conforme salientamos antes, não há qualquer evidência anatômica convincente da evolução da linguagem; e a sugestão de que seu desenvolvimento final esteve por trás do “despertar” vem sobretudo da ligação de linguagem e cultura entre os seres humanos. A linguagem é usada não só para a comunicação, mas também para criar modelos mentais e fazer perguntas do tipo “e se?”, o que possibilita a capacidade única que o homem moderno tem de inovar. E, a nosso ver, é acima de tudo um avanço quantitativo da capacidade humana de inovar que marca o “despertar” da cultura humana. A objeção mais forte à hipótese neural é que ela não pode ser testada nos fósseis. A conexão entre mudança comportamental e neural no primeiro período da evolução humana é inferida a partir de aumentos visíveis do cérebro, mas os seres humanos de quase todo o mundo tinham chegado a esse
tamanho cerebral moderno ou semimoderno havia 200 mil anos. Portanto, qualquer mudança neural ocorrida há 50 mil anos teria sido estritamente organizacional, e os crânios fósseis até o momento fornecem apenas provas especulativas da estrutura cerebral. Os crânios neandertais, por exemplo, diferem vivamente do formato dos crânios modernos, mas eram tão grandes ou maiores, e com base nas evidências presentes não está claro se a diferença de formato implica uma diferença significativa de função. Não há nada em especial no crânio que mostre que os neandertais ou seus contemporâneos não possuíam a capacidade plenamente moderna da linguagem.
ASSIM, DEVEMOS CONCLUIR de forma parcialmente inconclusiva. Desde a década de 1910, as provas fósseis e arqueológicas sugeriram que os invasores completamente modernos (homens de Cro-Magnon) substituíram os neandertais na Europa. O fundamento fóssil e arqueológico de uma substituição abrupta tornou-se mais forte nas décadas subseqüentes, mas em particular convincente na segunda metade da década de 1980, com o desenvolvimento de três linhas de provas novas e cruciais. Primeiro, as novas datações mostraram que os seres humanos modernos ou semimodernos habitaram a África entre 120 mil e 50 mil anos atrás, quando apenas os neandertais viviam na Europa. Segundo, os novos fósseis (sobretudo de Sima de los Huesos, em Atapuerca, Espanha) mostraram que os neandertais evoluíram na Europa entre mais ou menos 400 mil e 130 mil anos atrás. E terceiro, as análises genéticas cada vez mais sofisticadas mostraram que os neandertais se desviaram dos seres humanos vivos muito antes de os grupos humanos vivos se desviarem entre si. Algumas das provas novas (e antigas) são ambíguas, circunstanciais ou até mesmo contraditórias, mas isso é inevitável na ciência histórica, que tem mais em comum com um ulgamento criminal do que com uma experiência física. Nossos leitores, fazendo o papel de jurados, devem chegar a um veredicto. Se nosso ponto de vista foi apresentado com propriedade, eles concordarão que os africanos modernos em termos anatômicos tornaram-se modernos em termos de comportamento há mais ou menos 50 mil anos; e que isso permitiu que eles se expandissem para a Europa, onde rapidamente substituíram os neandertais. Os leitores provavelmente aceitarão também como provável que o comportamento moderno tenha permitido que os seres humanos modernos de descendência africana substituíssem os povos não-modernos do Extremo Oriente. Mas nesse caso, nós, como promotores desse fator judicial, entenderíamos perfeitamente se os leitores pedissem mais provas. A única reserva séria, de certa forma semelhante a uma dúvida razoável no sistema legal, pode relacionar-se à nossa argumentação a respeito do que suscitou a emergência do comportamento humano moderno, por volta de 50 mil anos atrás. A essência aqui é a lógica e a parcimônia, e não a evidência. E no que diz respeito ao alcance completo da evolução humana, agradeceríamos um retorno quanto à capacidade persuasiva da nossa lógica.
APÊNDICE Localizando os sítios antigos no tempo
PARA OS OBSERVADORES LEIGOS, pode parecer que os fósseis e artefatos humanos são os fatos principais da evolução humana – e obviamente eles são vitais. Mas perderiam muito do seu valor se não pudessem ser situados no tempo ou “datados”. Nos capítulos precedentes apresentamos técnicas básicas de datação em pontos relevantes. Mas dada a importância do tema, voltamos a ele neste breve apêndice. Os métodos podem ser divididos grosso modo em “relativos” e “absolutos” (ou numéricos). Métodos relativos são aqueles que permitem que os objetos sejam organizados da idade menor à maior (ou vice-versa), sem especificar precisamente a idade do objeto em questão. O método relativo de datação mais óbvio é o princípio da superposição estratigráfica. Ele afirma que, se não houver diferenças, quanto mais profunda a camada de rocha onde um objeto aparece, mais antigo é esse objeto. Quando tal princípio é cuidadosamente aplicado no campo, permite que os especialistas construam as seqüências de comunidades animais e conjuntos de artefatos que existiram ao longo do tempo dentro de uma dada região. Os fósseis animais ou artefatos podem então ser usados para determinar a antigüidade de um sítio com respeito a outros, mesmo se ele contiver uma única camada. Portanto, na África, a espécie particular de elefantes, cavalos (zebras) ou porcos que aparecem em dois sítios arqueológicos com fósseis humanos antigos em geral são suficientes para determinar se um sítio é mais antigo, mais novo, ou talvez da mesma idade que o outro. Na África oriental, as extensões de tempo das espécies fósseis ou de grupos de espécies foram muitas vezes determinadas em anos, o que permitiu estimar idades em anos de australopitecos significativos em outros sítios no sul da África, onde as mesmas espécies ou grupos de espécies ocorreram. O uso de espécies fósseis para organizar os sítios no tempo e, em alguns casos, para estimar a idade de cada um em anos é freqüentemente conhecido como “datação fauniana”, e é de longe o método relativo de datação mais amplamente aplicado em paleoantropologia.
Figura A.1 Extensões de tempo cobertas pelos métodos absolutos de datação (ou numéricos) importantes para a paleoantropologia.
Métodos de datação absoluta são aqueles que fornecem uma estimativa de idade em anos. Como os sítios datados em anos são automaticamente organizados no tempo com relação a outros, tais métodos podem ser considerados variantes especialmente precisas da datação relativa. Em paleoantropologia, os métodos absolutos mais importantes contam com a deterioração dos isótopos radioativos que ocorrem naturalmente (variedades de elementos). Até o momento, os dois métodos mais informativos e confiáveis são baseados na deterioração de radiocarbono (carbono-14) e radiopotássio (potássio-40). O radiopotássio deteriora-se em argônio, por isso o método é comumente conhecido como técnica de potássio/argônio. As técnicas de potássio/argônio e de radiocarbono foram mencionadas nos capítulos 2 e 6, respectivamente. A Figura A.1 apresenta a extensão aproximada de tempo que cada método cobre e os materiais nos quais são rotineiramente aplicados. A aplicação em cada caso é limitada, em parte pela ausência de materiais adequados em muitos sítios, em parte pela possibilidade de contaminação de materiais mais antigos ou mais novos introduzidos num sítio durante ou após terem sido enterrados. A ausência de materiais vulcânicos, por exemplo, impede o uso da datação pelo método de potássio/argônio nos sítios antigos do sul da África; e a possibilidade de quantidades diminutas de carbono mais recente terem contaminado muitas amostras antigas torna difícil obter idades de radiocarbono confiáveis além do período de 25 mil a 30 mil anos atrás, mesmo quando estão presentes os materiais adequados para datações. A não ser em circunstâncias inusitadas, o método do potássio/argônio não pode produzir idades confiáveis anteriores a cerca de 200 mil anos, e o método do radiocarbono limita-se, grosso modo, aos últimos 50 mil anos. Na prática, portanto, há uma lacuna de tempo de aproximadamente 150 mil anos que os dois métodos não podem cobrir (Figura A.1). O método mais seguro para preencher esse vácuo é o da série de urânio (U-), descrito no capítulo 7. Essa técnica baseia-se na deterioração radioativa do urânio e seus subprodutos, como o tório (Th) e o protactínio (Pa), mas sua aplicabilidade é limitada pela raridade de materiais-alvo adequados em sítios humanos antigos. Os métodos de ressonância elétrica de giro e de luminescência, que apresentamos nos capítulos 4 e 5, respectivamente, são mais amplamente aplicáveis, forneceram idades muito interessantes e quase sempre mencionadas. Contudo, em geral os resultados de cada método dependem muito de suposições específicas pouco verificáveis, feitas nos sítios, sobre a história da radioatividade no ambiente em que o objeto apareceu enterrado ou no próprio objeto datado, e em muitos casos sua confiabilidade é questionável. Finalmente, às vezes é possível usar a história conhecida de mudanças passadas na direção do campo magnético terrestre para estimar a idade de um sítio no qual os depósitos registram uma ou mais mudanças na direção passada. Essa datação paleomagnética foi apresentada no capítulo 3. Do mesmo modo, os especialistas podem fornecer às vezes uma estimativa de idade comparando a seqüência de alternâncias das eras glaciais/interglaciais que um sítio registra à seqüência datada que foi firmemente estabelecida a partir de depósitos no fundo do mar. Esse método funciona melhor em sítios formados nos últimos 700 mil anos e em geral exige depósitos que foram acumulados continuamente (sem rupturas maiores) e parcialmente datados por outro método, como o de potássio/argônio ou de radiocarbono. Essa “datação climática” é particularmente eficaz para determinar se um sítio foi formado durante o último período interglacial, aproximadamente entre 127 mil e 71 mil anos atrás, ou durante o último período glacial, entre cerca de 71 mil e 12 mil anos atrás.
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Fontes e créditos das ilustrações
Figura 2.2. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe com base em fotografias e moldes. Copyright © 2002, Kathryn Cruz-Uribe. Figura 2.4. Acima, figuras redesenhadas com base em D.C. Johanson e M.E. Edey, Lucy: The Beginnings of Humankind , Nova York, Simon and Schuster, 1981, p.367; abaixo, com base em T.D. White et al. South African Journal of Science 77, 1981, fig. 9. Figura 2.5. Redesenhado com base em F.C. Howell. Evolution of African Mammals, Harvard University Press, Cambridge, 1978, fig. 10.7. Figura 2.6. Redesenhados com base em M.G. Leakey, National Geographic 190, 1995, p. 45. Figura 2.7. À esquerda, desenhado com base em fotografia em M.H. Day, Guide to Fossil Man, Chicago, University of Chicago Press, 1986, p.250; à direita, desenhado com base em K.F. Weaver, National Geo graphic 168, 1985, p. 564. Figura 2.8. Redesenhado com base em D.C. Johanson e M.E. Edey, Lucy: The Beginnings o Humankind , Nova York, Simon and Schuster, 1981, p.157. Figura 2.9. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe com base em fotografias. Copyright © 2002, Kathryn Cruz-Uribe. Figura 2.10. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe com base em fotografias. Copyright © 2002, Kathryn Cruz-Uribe. Figura 3.2. Redesenhado segundo S. Semaw, Journal of Archaeological Science 27, 2000, fig. 8. Figura 3.4. Redesenhado segundo originais de Isaac e J. Ogden in N. Toth, Journal of Archaeological Science 12, 1985, fig. 1. Figura 3.6. Redesenhado segundo R.L. Susman, Science 265, 1994, fig.3. Figura 3.7. Redesenhado segundo F.C. Howell, em Evolution of African Mammals, Harvard University Press, Cambridge, 1978, fig. 10.9. Figura 3.8. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografias. Figura 4.1. Redesenhado segundo C.B. Ruff, Evolutionary Anthropology 2, 1993, p.55. Figura 4.2. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografias e amostras. Copyright © 2002, Kathryn Cruz-Uribe. Figura 4.4. Acima, redesenhado conforme K. Kuman, Journal of Human Evolution 27, 1994, fig. 6; abaixo, desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir do original. Figura 4.5. Acima, redesenhado conforme K. Kuman, Journal of Human Evolution 27, 1994, fig. 6; abaixo, desenhado por T.P. Volman a partir do original. Figura 4.6. Redesenhado conforme F.H. Bordes, Science 134, 1961, fig. 4. Figura 4.8. Redesenhado parcialmente por Kathryn Cruz-Uribe a partir de originais de Janis Cirulis, in W.W. Howells, Mankind in the Making , Nova York, Doubleday, 1997, p.156-69.
Figura 4.9. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografias. Copyright © 2002, Kathryn CruzUribe. Figura 4.10. Acima, redesenhado por Kathryn Cruz-Uribe basicamente a partir de originais de Janis Cirulis, in W.W. Howells, Mankind in the Making , Nova York, Doubleday, 1967, p.160; abaixo, redesenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografias. Figura 5.2. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografias. Copyright © 2002, Kathryn CruzUribe. Figura 5.3. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografias. Copyright © 2002, Kathryn CruzUribe. Figura 5.4. Redesenhado conforme J.J. Wymer, Lower Palaeolithic Archaeology in Britain, Londres, John Baker, 1968, p.147. Figura 5.6. Acima, desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de uma fotografia; abaixo, a partir de uma amostra. Figura 5.7. Redesenhado conforme H. Thieme, Archäologisches Korrespondenzblatt 26, 1996, fig. 9. Figura 6.1. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografias. Copyright © 2002, Kathryn CruzUribe. Figura 6.2. Redesenhado conforme A.P. Santa Luca, Journal of Human Evolution 7, 1978, p.623. Figura 6.4. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de modelos. Figura 6.5. Redesenhado conforme J.-T. Hublin, Pour la Science, 1999, 255, p.115. Figura 6.7. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografia. Figura 6.8. Redesenhado conforme P.A. Mellars, The Origin of Modern Humans and the Impact o Chronometric Dating , Nova Jersey, Princeton University Press, 1993, fig. 1. Figura 7.1. Redesenhado conforme A.P. Santa Luca, Journal of Human Evolution 7, 1978, p.622-626. Figura 7.3. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de uma fotografia. Copyright © 2002, Kathryn Cruz-Uribe. Figura 7.4. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de amostras e fotografias. Copyright © 2002, Kathryn Cruz-Uribe. Figura 7.5. Redesenhado conforme O.M. Pearson, Evolutionary Anthropology 9, 2000, p. 241. Figura 7.6. Desenhado por Kathryn-Cruz Uribe a partir de amostras. Copyright © 2002, Kathryn CruzUribe. Figura 7.8. Acima, redesenhados conforme J. Deacon, British Archaeological Reports, International Series 213, 1984, p.198, 244; abaixo, redesenhados conforme T.P. Volman, The Middle Stone Age in the Southern Cape, tese de doutoramento, Universidade de Chicago, 1981, p.229, 232 e 238. Figura 7.10. Redesenhado conforme J.E. Yellen, African Archaeological Review 15, 1988, p.189. Figura 7.12. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de uma fotografia. Copyright © 2002, Kathryn Cruz-Uribe. Figura 8.2. Redesenhado conforme original de J. Hahn em J. Clottes, Antiquity 70, 1996, p.280. Figura 8.3. Desenhado por Kathryn Cruz-Uribe a partir de fotografia. Direitos reservados a Kathryn Cruz-Uribe. Obs.: Copyright © 2002, Richard Klein, das figuras cujos direitos não estão especificados.
Índice remissivo
Abbeville, sítio, 1 aborígines australianos, origens, 1-2 acheuliana, cultur a/indústria artefatos, 1, 2, 3-4, 5-6 criadores de ferr amentas, 1-2, 3, 4, 5 “Adão africano”, 1 Allen, Jim, 1 Allia, sítio da baía da, 1 Altamira, caverna de, 1 Ambrona, sítio de, 1, 2 Ambrose, Stanley, 1-2, 3 Andersson, J.G., 1 ângulo valgo, 1 animais marinhos da Idade da Pedra Media, 1 Arago, caver na de, 1-2 Aramis, sítio de (médio rio Awash), 1-2 arcada super ciliar (definição), 1, 2 Arco e flecha, antigüidade, 1, 2 Arcy-sur-Cure, sítio de, 1-2 rdipithecus ramidus, 1, 2 armas de impulsão, 1, 2, 3, 4 Ver também lanças Arsuaga, Juan-Luis, 1, 2 arte, a mais antiga que se conhece, 1-2, 3, 4, 5, 6 artefatos de osso, formas mais antigas, 1, 2, 3-4 Asfaw, Berhane, 1, 2 Atapuerca. Ver Gran Dolina, sítio, Sima de los Huesos atirador de lanças, o mais antigo conhecido, 1 Atlatl. Ver atirador de lanças aurignaciana, indústria/cultura, 1, 2-3, 4, 5, 6 australopitecinos (definição), 1, 2 australopitecos (definição), 1
australopitecos robustos, 1, 2, 3, 4 Ver também Paranthropus (espécie) ustralopithecus afarensis, 1-2, 3, 4 ustralopithecus africanus, 1-2, 3 ustralopithecus anamensis, 1-2 ustralopithecus boisei. Ver Paranthropus boisei ustralopithecus garhi, 1-2, 3 ustralopithecus ramidus. Ver Ardipithecus ramidus ustralopithecus robustus. Ver Paranthropus robustus Awash, vale do médio rio, 1, 2 Bar-Yosef, Ofer, 1-2 Berekhat Ram, sítio e figuras, 1-2 Berger, Thomas, 1 Biface. Ver machado Bilzingsleben, sítio, 1 bipedestação e anatomia, 1, 2, 3, 4 e seleção natural, 1-2 Black, Davidson, 1 Blombos, caverna, 1-2, 3, 4-5 Bodo, sítio e crânio (médio rio Awash), 1 Boegeberg, caverna de, 1 bonobos (chimpanzés pigmeus), 1 Ver também Kanzi Boomplaas, caverna de, 1 Border, caverna de, 1 Bouri, localidade (médio rio Awash), 1, 2 Bowler, Jim, 1 Boxgrove, sítio de, 1 Brain, C.K., 1 Bräuer, Günter, 1 breccia, depósitos, 1 Broeg, Helmut, 1 Broken Hill, mina de, 1 Ver também Kabwe, crânio Brooks, Allison, 1, 2 Broom, Robert, 1-2
Buia, sítio de, 1 bulbo de impacto, 1 buril (artefato de pedra), 1 Byneskranskop, caverna de, 1-2 caçadores, os primeiros humanos, 1, 2, 3-4, 5, 6 canibalismo pré-histórico, 1, 2, 3-4 Cann, Rebecca, 1 carne na alimentação, humanos mais antigos, 1, 2 casas, as mais antigas conhecidas, 1, 2, 3-4 caverna das Lareiras, 1 Ceprano, sítio de e crânio, 1-2 cérebro, tamanho australopitecos, 1, 2 e clima, 1-2 e inteligência, 1, 2 e seleção natural, 1-2 no Homo erectus, 1 no Homo ergaster , 1, 2 no Homo habilis, 1 no Homo heidelbergensis, 1, 2, 3 no Homo sapiens totalmente moderno, 1, 2, 3 nos chimpanzés, 1 nos neandertais, 1, 2 nos primeiros africanos modernos, 1 nos primeiros Homos, 1, 2 Ver também encefalização (nos australopitecos) Chaplin, George, 1 chatelperroniana, indústria/cultura, 1-2 Chauvet, caverna de, 1-2 Chauvet, Jean-Marie, 1 Chemeron, sítio de, 1 Chenjiawo, sítio de (Lantian), 1 chimpanzés, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 Churchill, Steven, 1, 2 Clacton, sítio de, 1 Clarence Darrow, 1 climas glaciais e evolução humana, 1-2, 3 Clottes, Jean, 1 coleta de conchas, entre os humanos mais antigos, 1
consumo de carcaça pelos povos primitivos, 1 Coppens, Yves, 1 corpo, tamanho e proporções em relação ao clima, 1, 2, 3 no Homo ergaster , 1-2, 3-4 no Homo habilis, 1 nos australopitecos, 1, 2, 3, 4 nos neandertais, 1-2 cozinha. Ver fogo “Crânio Negro”, 1-2 Ver também Paranthropus aethiopicus crista justamastóide (definição), 1 crista sagital, 1 Cro-Magnon, povo (definição), 1 Cromossomo Y e origens dos humanos modernos, 1, 2 Curtis, Garniss, 1, 2 cutelo (artefato de pedra, definição), 1 Dali, crânio, 1 Dar es Soltan, caverna, 1 Dart, Raymond, 1-2, 3 Darwin, Charles, 1, 2, 3 “datação climática”, 1, 2 de Perthes, Boucher, 1 Deacon, Hilary, 1, 2 Defleur, Alban, 1 densidade populacional, humanos pré-históricos, 1-2, 3, 4 dentes caninos e evolução humana, 1, 2 d’Errico, Francesco, 1, 2, 3, 4 Deschamps, Éliette Brunel, 1 Die Kelders, caverna, 1-2, 3 dimorfismo sexual nos australopitecos no Homo ergaster , 1 no Homo habilis, 1 nos fósseis da foz do rio Klasies, 1 Divje-Babe, caverna, 1-2 Dmanisi, sítio, 1-2 DNA. Ver genética DNA mitocondrial e origens dos modernos humanos, 1-2
domesticação de plantas e animais, 1 Dreyer, T.F., 1 Drimolen, caverna, 1, 2, 3 Duarte, Cidália, 1 Dubois, Eugène, 1-2 Duinefontein, sítio, 1-2 Elands, sítio da baía de, 1, 2 Elandsfontein, sítio, 1, 2, 3 Eldredge, Niles, 1-2 encefalização (definição), 1, 2 Engis, caverna, 1 Enkapune Ya Muto, sítio, 1-2, 3 esmalte dentário, espessura e dieta, 1 espaço retromolar (definição), 1, 2 ESR . Ver ressonância elétrica de giro, método de datação estratigráfico, método de datação, 1 etnicidade, indicações mais antigas, 1-2 Eurásia, primeiras ocupações humanas,1-2, 3-4 “Eva africana”, 1 eventos marcantes na evolução humana, 1, 2, 3, 4 Evernden, Jack, 1 extinções de animais pré-históricos, 1, 2 de fósseis humanos, 1, 2 fauna, datação, 1, 2 Feldhofer, Grotto, 1, 2 Fenda Oriental, vale da grande, e origens humanas, 1 figuras, as mais antigas, 1-2, 3-4 FLKI, sítio (=FLK-Zinj, sítio), Olduvai, 1 Florisbad, sítio, 1, 2-3 fogo, uso inaugural, 1, 2-3 Ver também fogueiras fogueiras e uso do fogo, 1, 2, 3 “Fora da África”, hipótese, 1-2, 3-4 forame magno e bipedestação, 1 formas nucleares (artefatos de pedra, definição), 1 formato dos dentes e dieta, 1
Frere, John, 1, 2 Fulrott, Johann, 1 Galgenberg, colina de, 1, 2 genética e as origens dos modernos humanos, 1-2, 3-4 e as origens humanas, 1 geofatos (definição), 1 Gladysvale, caverna, 1, 2 Gleissenklösterle, caverna, 1, 2 Gona, sítio e artefatos, 1-2, 3 Gongwangling, sítio (Lantian), 1 Goodwin, William, 1 Goren-Inbar, Na’ama, 1 gorilas, 1, 2 Gorjanovic-Kramberger, Dragutin, 1 Gould, Stephen Jay, 1-2 Gran Dolina, sítio, 1, 2, 3-4 gravettiana, indústria/cultura, 1, 2 Grün, Rainer, 1 Hadar, sítio, 1, 2, 3, 4-5 Haile Selassié, Yohannes, 1, 2 Harris, Jack, 1 Hay, Richard, 1 Hexian, sítio Ver Lontandong, caverna Hillaire, Christian, 1 hipótese da interrupção do equilíbrio, 1-2 Hoedjies Punt, sítio, 1 Hohlenstein-Stadel, caverna, 1 Holliday, Trent, 1 “Homem de Pequim” Ver Sinanthropus pekinensis “Homem rodesiano”, 1 Ver também Kabwe, crânio hominídeos (humanos em sentido amplo), 1, 2 omo antecessor , 1 omo erectus, 1-2
chinês, 1-2, 3-4 indonésio posterior, 1-2 indonésio primitivo, 1-2 omo ergaster , 1-2 omo habilis, 1-2, 3 omo heildelbergensis, 1, 2-3, 4, 5, 6, 7 omo neanderthalensis, 1, 2 Ver também neandertais omo rhodesiensis, Ver também Kabwe, crânio omo rudolfensis, 1-2 omo sapiens, 1, 2, 3, 4 Ver também primeiros africanos modernos, Cro-Magnon, omo, origens, 1-2, 3 Howell, Clark, 1 Hoxne, sítio, 1 Huxley, Thomas, 1 hxaro, sistema de troca de presentes entre os, 1, 2 Idade da Pedra Média, 1 Idade da Pedra Posterior, 1-2 Indústria, arqueológica (definição), 1 instrumentos musicais, os mais antigos conhecidos, 1-2 Irhoud, caverna, 1 Isaac, Glynn, 1 Isimila, sítio, 1 isótopos de carbono e reconstituição da dieta, 1 isótopos de nitrogênio e dieta, 1 Isturitz, caverna, 1 Jablonski, Nina, 1 Jebel Irhoud. Ver Irhoud, caverna Jerison, Harry, 1 Jinnuishan. Ver Yinkou Johanson, Donald, 1, 2, 3 óias, as mais antigas conhecidas, 1-2, 3, 4 Kabue, crânio, 1-2 Kanapoi, sítio, 1
Kanzi (bonobo criador de ferramentas), 1-2 Karari, escarpas de, 1 Katanda, sítios, 1-2 Kathu Pan, sítio, 1 Kebara, caverna, 1 Kenyanthropus platyops, 1, 2, 3 Kimbel, William, 1 Kimeu, Kamoya, 1 King, William, 1 Kisese II, abrigo na rocha, 1 Klasies, foz do rio, conjunto de sítios, 1-2, 3, 4-5, 6-7 Kohn, Marek, 1 Konso, sítio, artefatos e fósseis, 1 Koobi Fora, sítios, 1, 2, 3, 4 Krapina, abrigo na rocha, 1 Krings, Mathias, 1 Kromdraai, caverna, 1, 2 !Kung San, povo (deserto de Kalahari), 1 La Chapelle-aux-Saints, caverna, 1 La Ferrassie, caverna, 1, 2 Laetoli, sítio, 1, 2, 3, 4 Lagar Velho, sítio e esqueleto, 1-2 Lai, Cecilia, 1 lanças, as mais antigas conhecidas, 1, 2-3, 4 Langebaanweg, depósito de fósseis, 1 Lantian, sítios, 1 Ver também Chenjiawo e Gongwangling Larson, Gary, 1 lascas (artefatos de pedra, definição), 1 lascas bilaterais (definição), 1 lascas unilaterais (definição), 1 Lascaux, caverna, 1 Le Moustier, abrigo na rocha, 1 Leakey, Louis, 1, 2, 3-4 Leakey, Mary, 1, 2, 3, 4, 5 Leakey, Meave, 1, 2, 3, 4, 5 Leakey, Richard, 1, 2, 3, 4
Lee-Thorp, Julia, 1 Lehringen, sítio, 1 Les Trois-Frères, caverna, 1 Lespugue, “Vênus” de, 1 levallois, técnica de lascar a pedra, 1 Libby, Willard, 1 língua e evolução humana, 1, 2, 3-4, 5-6 Lokalalei, sítio, 1 Longghu-shan, 1 Ver também Zhoukoudian, localidade Lontandong, caverna (Hexian), 1 “Lucy”, 1, 2, 3 Ver também Australopithecus afarensis luminescência, método de datação, 1, 2 Maba, crânio, 1 machado (definição), 1, 2 Ver também acheuliana, cultura/indústria machado, função do, 1 magdaleniana, indústria/cultura, 1 Makapansgat, caverna de rocha calcária, 1, 2, 3 Malakunanja II, sítio, 1-2, 3 manufatura de artefatos de pedra, a mais antiga, 1, 2-3 mão, forma da, e manufatura de utensílios, 1-2 marcas de corte (em ossos de animais), 1, 2-3, 4, 5, 6, 7 Marillac, caverna, 1 Martínez, Ignacio, 1 mastóide (descrição), 1 Mauer, areal de, e mandíbula fóssil, 1, 2 Maurício, João, 1 McBrearty, Sally, 1 Média Idade da Pedra, 1-2 Melka Kunturé, sítio, 1 Mellars, Paul, 1 Menez-Dregan, sítio, 1 “Menino de Turkana”, 1-2, 3-4 Ver também Homo ergaster Mezmaiskaya, caverna, 1, 2
Milo, Richard, 1, 2 Mithen, Steven, 1 Mladee, sítio, 1 Mojokerto, depósito fóssil e datas, 1, 2-3 Montagu, caverna, 1 Moula-Guercy, abrigo na rocha, 1-2 moustierense, indústria/cultura, Ver também neandertais, 1-2 Movius, Hallam, 1 Movius, linha de, 1 mudanças climáticas e evolução humana, 1, 2-3 Mumba, abrigo na rocha, 1 Mungo, lago, sítio, 1-2, 3 Nanjing, sítio. Ver Tangshan, sítio apier, John, 1 ariokotome, sítio, 1, 2 Ver também “Menino de Turkana” nariz proeminente, origem, 1 nativos norte-americanos, origens. Ver paleoíndios auwalabila I, sítio, 1-2, 3 dutu, lago, sítio e crânio, 1-2 neandertais Ver também Homo neanderthalensis anatomia, 1-2 arte, 1-2 artefatos, 1 caça, 1-2 comparados aos primeiros africanos modernos, 1 canibalismo, 1-2 contato com Cro-Magnons, 1-2 descoberta, 1-2 destino evolutivo, 1-2 DNA mitocondrial, 1-2 linguagem, 1, 2 origens evolutivas, 1-2 túmulos, 1-2 elson, baya de, sítio, 1, 2, 3 gandong, localidade, 1, 2 iaux, caverna, 1 ihewan, bacia de, sítios, 109 Nowell, April, 1
O’Connell, Jim, 1, 2 ocre (pigmento mineral), 1 ocupação sazonal de sítios, evidências mais antigas, 1, 2-3 Oldowan, indústria/cultura de, artefatos, 1-2, 3 criadores humanos, 1-2 Olduvai, desfiladeiro de, 1, 2, 3, 4-5, 6 Olorgesailie, sítio, 1-2 Omo, vale do, primeiros artefatos, 1 Omo-Kibish, sítio, 1 organização social no Homo ergaster , 1 nos australopitecos, 1 nos chimpanzés, 1 nos primeiros Homo, 1 origens comportamentais dos humanos modernos explicação climática, 1 explicação neurológica, 1, 2, 3 explicações sociais, 1-2 Orrorin tugenensis, 1 ovos de avestruz, 1-2, 3 as mais antigas contas feitas de casca de, 1, 2 os mais antigos cantis feitos de, 1, 2 Pääbo, Svante, 1-2 paleoíndios, 1 Paleolítico Inferior (definição), 1 Paleolítico Médio (definição), 1 Paleolítico Superior (definição), 1-2, 3 paleomagnetismo e datação, 1-2, 3-4, 5 Paranthropus aethiopicus, 1 Ver também “Crânio Negro” Paranthropus boisei, 1, 2 Paranthropus robustus, 1-2, 3-4 pedras-martelo (artefato, definição), 1 pegadas, fóssil humano, 1 pêlos do corpo e sua perda nos humanos, 1 Peninj, sítio (artefatos e fósseis), 1 pescadores, os primeiros humanos, 1, 2
Petralona, caverna e crânio humano, 1 Piltdown, a mistificação de, 1 pinturas de cavernas, mais antigas, 1 pinturas rupestres, as mais antigas conhecidas, 1 Pithecanthropus erectus, 1 Ver também Homo erectus, indonésio primitivo plataforma de choque (definição), 1 polegar metacarpial, forma e fabricação de utensílios, 1-2 potássio/argônio, método de datação, 1, 2, 3 Prestwich, Joseph, 1 “Primeira Família”, 1 Ver também Australopithecus afarensis primeiros africanos modernos aparência física, 1-2 artefatos e comportamento, 1-2 caça e coleta, 1-2 protoneandertais, 1 Ver também Homo heilderbergensis Qafzeh, caverna e fósseis humanos, 1-2 Qizianshan, colina de (Yiyuan), 1 Quiatt, Duane, 1 Quyuankekou, sítio (Yunxian), 1 raças, origens evolucionárias, 1 radiocarbono, método de datação, 1-2, 3-4 raspador (utensílio de pedra), 1 rastreamento de fissão, método de datação, 1 ressonância elétrica de giro (ESR), método de datação, 1, 2 retoque em utensílios de pedra (definição), 1, 2 Rigollot, dr., 1 Roberts, Bert, 1, 2 Rockshelter, 1 Roebroeks, Wil, 1 Ronen, Avraham, 1 roupas, as mais antigas conhecidas, 1, 2 Ruff, Chris, 1 Saint-Césaire, caverna, 1
Saldanha, crânio. Ver Elandsfontein, sítio Sambungmacan, sítio de fósseis, 1, 2 Sangiran, depósito de fósseis e datas, 1, 2 Savage-Rumbaugh, Sue, 1 Schaffhausen, Hermann, 1 Schick, Kathy, 1 Schöningen, mina de carvão, 1-2 Schwartz, Jeffrey, 1 Scladina, caverna, 1 seleção sexual e evolução dos neandertais, 1 Semaw, Sileshi, 1 sepultamentos. Ver neandertais, túmulos série de urânio, método de datação, 1, 2 Shanidar, caverna, 1, 2 Shea, John, 1, 2 Sima de los Huesos, 1, 2-3, 4 símbolo e simbolismo, indicações mais antigas, 1-2 Singa, sítio e crânio, 1 Singer, Ronald, 1 sítios arqueológicos, os mais antigos, 1 Skhul, caverna e fósseis humanos, 1-2 Solecki, Ralph, 1 Solo (rio), sítio. Ver Ngandong, localidade solutriana, cultura/indústria, 1 Souto, Pedro, 1 Spy, caverna, 1, 2 St. Acheul, sítio, 1 Steinheim, sítio e crânio, 1 Sterkfontein, caverna, 1, 2 Stoneking, Mark, 1 Sungir, sítio, 1 Susman, Randall, 1-2 Suwa, Gen, 1, 2 Swanscombe, sítio e crânio, 1 Swartkrans, caverna, 1, 2, 3, 4, 5-6, 7 Swisher, Carl, 1 szeletiana/jersmanowiciana,indústria/cultura, 1
Taieb, Maurice, 1 talhador (artefato de pedra, definição), 1 Tangshan, sítio (Nanjing), 1 Tatersall, Ian, 1 Taung, caverna, 1-2 Ver também Australopithecus africanus Tchernov, Eitan, 1 TD6. Ver Gran Dolina, sítio térmitas como alimento dos primeiros humanos, 1 Terra Amata, sítio, 1 Thieme, Hartmut, 1, 2 Thorne, Alan, 1 Tobias, Phillip, 1 Torralba, sítio, 1, 2 Toth, Nicholas, 1-2, 3 Trinil, localidade fóssil, 1 Trinkhaus, Eric, 1, 2, 3 Tugen, colinas de (localidade fóssil), 1 Turk, Ivan, 1 Turkana ocidental, sítios. Ver “Crânio Negro”, “Menino de Turkana” Ubeidiya, sítio, 1 uluzziana, indústria/cultura, 1 Umm El Tiel, sítio, 1 Uraha, sítio, 1 Vértesszöllös, sítio, 1 Vindija, caverna, 1, 2, 3 Vogelherd, caverna (Stetten), 1 von Koenigswald, G.H.R., 1 Walker, Alan, 1, 2, 3, 4 Weidenreich, Franz, 1, 2 White, Randall, 1-2 White, Tim, 1, 2, 3, 4 Wilson, Alan, 1 Wolpoff, Milford, 1 Woodward, Arthur Smith, 1, 2 Wymer, John, 1