Ainda em torno d’ O Labirinto da Saudade , de Eduardo Lourenço
Ana Mendes e Land
A obra O Labirinto da Saudade (LS) (1), de Eduardo Lourenço, é constituída por um conjunto de nove textos ensaísticos, o primeiro dos quais foi dado à estampa na revista Raiz & Utopia, no mesmo ano da publicação da obra de que faz parte: 1978. Chamava-se “Psicanálise Mítica do Destino Português” e o autor tê-lo-ia escolhido como título se, à imagem de O Labirinto da Solidão , do mexicano Octávio Paz, não se tivesse decidido por um outro labirinto, português, o da saudade. Mas, apesar de dar nome à obra, E. Lourenço afirma não existir neste livro tematização da saudade (2), conceito que define como “une façon de recuperer ce qui est irrecuperable. C’est un rapport au temps passé, au temps passé heureux. Le temps malheureux ne suscite pas la ‘saudade’. C’est ce qui reste quand tout meurt. Et tout meurt.” (3) De fact facto, o, tudo tudo mo morre rre,, difí difíci cill é acei aceita tarr a perd perdaa do temp tempoo feli felizz sem sem nos nos deixarmos deixarmos envolver envolver numa busca incessa incessante nte de um passado passado irrecuper irrecuperável ável.. Esta foi a obsessão secular de um povo, que se acreditou eleito e que se perdeu num labirinto de temp tempos os áure áureos os,, mas mas pret pretér érit itos os:: “Nas “Nas rela relaçõ ções es cons consig igoo mesm mesmos os os Po Port rtug ugue uese sess exemplificam um comportamento que só parece ter analogia com o povo judaico. Tudo se passa como se Portugal fosse para os portugueses como a Jerusalém para o povo judaico. Com uma diferença: Portugal não espera o Messias, o Messias é o seu próprio passado, convertido na mais consistente e obsessiva referência do seu presente, podendo substituir-se-lhe substituir-se-lhe nos momentos de maior dúvida sobre si ou constituindo constituindo até o horizonte mítico do seu futuro.” (4) Quatro anos após a queda do Império, a par do fim do Estado Novo, E. Lourenço pensou ser o momento adequado para publicar esta obra, com a intenção de: -
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apela apelarr à presença presença port portugu uguesa esa na na própri própriaa realid realidade ade (LS, (LS, p. 65), 65), como como nos nos diz o auto autorr em “Rep “Repen ensa sarr Po Port rtug ugal al”. ”. Um apel apeloo que que perp perpas assa sa todo todo este este text texto, o, sobretudo dirigido à massa anónima do povo português, se não toda, pelo menos a sua parte escolarizada, aquela que num estado democrático se espera que exerça um papel activo, consciente e crítico na vida / realidade nacional. “repen “repensar sar (…) a totalid totalidade ade da (…) avent aventura ura histó históric ricaa [portugu [portuguesa esa], ], não apena apenass em função das imagens e contra-imagens mais actuantes da (…) herança cultural [portuguesa] (…) sobretudo de origem estético-literária” (LS, p. 70), mas também em função de campos como a sociologia, a macro e microeconomia ou a psicologia social. 1
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question questionar ar “as vária váriass versões versões dos dos discurs discursos os sobre sobre Portugal Portugal”” (5), entre entre as quais quais a, na altura ainda recente, “descolonização exemplar” (6), ou a produzida pelo sala salaza zari rism smo, o, “uma “uma ideo ideolo logi giaa em torn tornoo da port portug ugal alid idad adee e da expa expans nsão ão ultramarina, da família e da religião católica” (7) e que, como nos diz E. Lourenço, “servia de justificação ideológica, histórica e política, as guerras inconfessadas inconfessadas e inconfessáveis da África, tanto como ao regime que as levava a cabo sem as assumir”. Ainda na voz do autor: “A ‘cegueira’ africana não fora uma peripécia entre outras, tinha uma tradição e convidava a rever o nosso presente nesse instante mágico em que com o fim do Império uma certa venda nos caía dos olhos. Nós podíamos, pensava (…) [E. Lourenço] então, dizer-nos a verdade sobre nós mesmos, ou pelo menos, tentar perceber como o duplo desastre africano, militar e ético, não era apenas uma aberração ligada a uma certa ideologia, mas a conclusão de um itinerário que merecia ser revisitado.” (8)
Não só merecia ser revisitado, como se mostrava necessário e urgente fazê-lo num momento de mudança histórica em que “a atmosfera e a realidade da sociedade portuguesa iam entrar numa fase nova de ‘europeização’ ou ‘mundialização’, nas quais a sempre viva questão da (…) imagem [portuguesa] mais do que da (…) identidade ia sofrer uma verdadeira metamorfose” (9). A questão da imagem, e sua transformação, é precisamente um dos principais aspectos a legitimar a emergência desta obra, como o autor nos explica no introdutório “Breve esclarecimento”: “exumar uma boa parte das condições deste novo livro prende-se (…) à circunstância aleatória da leitura recente de livros de índole diversa, mas todos exprimindo uma vontade de renovação da ‘imagerie’ habitual da realidade portuguesa” (LS, p. 12). Em torno de uma “imagologia , quer dizer, um discurso crítico sobre as imagens que de nós mesmos temos forjado” (LS, pp. 11 e 12), se articula este livro, nas palavras de E. Lourenço, “na linha de Oliveira Martins, o primeiro mitólogo português, quer dizer, o primeiro que integrou a ‘História de Portugal’ o imaginário com que os seus actores a fizeram, em suma, os mitos que incarnaram ou desejaram incarnar” (10). Sublinhemos que estão pois em foco n’ O Labirinto da Saudade , as imagens, os mitos, os disc discur urso soss iden identi titá tári rios os,, não não send sendoo inte intenç nção ão do auto autorr ques questi tion onar ar a iden identi tida dade de portuguesa, mas de a pensar, tendo em vista este livro “explicita ou implicitamente os diversos tipos de ‘discurso identitário’ que acerca de Portugal existiam” (11). Na época em que que foi foi publ public icad ado, o, “aca “acabo bouu por por ser ser perc perceb ebid ido, o, tamb também ém,, como como um disc discur urso so identitário”, leitura que segundo E. Lourenço, “mais do que paradoxal, (…) é contrária à intenção do autor que era, quer na ordem hermenêutica, quer na ordem ideológica e política, a de problematizar e, se possível, substituir os mais conhecidos discursos 2
identitários que têm Portugal como objecto, por um outro que os explicasse sem ter a pretensão, por sua vez, de ser ‘a verdade’ sobre o que nós somos ou não somos”. (12) Porquê O Labir Labirint into o da Saudad Saudadee foi tomado como um discurso identitário em si, afantando-se do propósito do autor, não o discutiremos aqui. Com o ensaio que abre a obra, “Psicanálise Mítica do Destino Português”, E. Lourenço começa pois a pensar os vários tipos de “discurso identitário”, à luz de moment momentos os decis decisivo ivoss para para a sua formaç formação, ão, os chama chamados dos “trau “traumat matis ismos mos”” da nossa nossa existência histórica: a formação do país, o domínio espanhol, o Ultimato e o fim de um Império e de um imperialismo questionáveis. Estão aqui já reunidos grande parte dos momentos históricos-chave e respectivos discursos identitários tratados ao longo desta obra, necessários para realizarmos uma “autêntica psicanálise do nosso comportamento global, um exame sem complacências que nos devolva ao nosso ser profundo ou para ele nos encaminhe ao arrancar-nos as máscaras que nós confundimos com o rosto verdadeiro” (LS, p. 18). Essas máscaras que nos desviaram de nós mesmos foram os discursos que, querendo-se identitários, nem sempre contribuíram para o confronto do povo português com a sua realidade nacional e, nesta medida, com a identidade real. Nos séculos XIX e XX, destacamos: o patriotismo republicano, o salazarismo e o movimento da filosofia portuguesa. Sobre este último explica-nos o autor que “a exalta exaltação ção cultu cultural ralist istaa da im image agem m de Portu Portugal gal [feit [feitaa pelos pelos repres represen enta tante ntess daquel daquelee movimento] só pôde ter esse perfil [“de hiperbolizar o que no regime ia no sentido do culto patológico da ‘lusitanidade’ ”] precisamente em função da realidade e da vocação ‘imperiais’ que durante quinhentos anos fizeram parte da nossa actividade histórica, e cuja lembrança, mais ou menos intermitente, mas nunca de todo apagada, ‘constituiu durante esse período o núcleo da imagem de Portugal’ que interiormente nos definiu” (LS, p. 37). Chegamos agora a uma das ideias-chave deste livro: essa realidade e vocação “imper “imperia iais” is”,, Portug Portugal al associ associado ado à ideia ideia de Impéri Império, o, um im impér pério io-má -másca scara ra que nos distraiu de nós mesmos, portugueses, do nosso espaço continental, porque tínhamos dificuldade em aceitarmo-nos como realmente éramos, sem os territórios que um dia pensámos possuir (se algum dia podemos considerar, à luz da democracia e do direito à auto-d auto-dete etermi rminaç nação ão dos dos povos, povos, nos terem terem perte pertenci ncido) do) e onde, onde, refug refugian iandodo-no nos, s, nos tentámos prolongar, fugindo do nosso atraso numa Europa que não conseguimos acompa acompanha nharr e que que acolhe acolheuu tanto tantoss dos nossos nossos emigra emigrante ntes. s. O tema tema da emigra emigraçã çãoo é abordado por E. Lorenço em “A emigração como mito e os mitos da emigração”, a partir das comemorações na Guarda do 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões, escritor que desde os cortejos de 1880 integraria definitivamente definitivamente o imaginário nacional. nacional. Contrapõe E. Lourenço a uma emigração que Camões simboliza, associada ao conceito de expansão, uma outra, a moderna “emigração dolorosa” (LS, p. 125), distanciadas no 3
tempo e pelas características que assumiram, esta última seguindo a natural tendência para se fundir no contexto em que se integrou (LS, p. 127). Foi essa Europa não peninsular que em 1890 alimentou a insatisfação popular, possibilitando em grande parte à patriótica causa republicana em 1910 implantar a República, o desejo de mudança/renovação que há muito se fazia sentir. Com o Ultimato, foi então demonstrado o nosso papel subalterno, o qual continuámos durante tanto tempo a insistir em não ver, mesmo quando caíram todas as máscaras e fomos deixados como somos: uma pequena faixa atlântica no NO peninsular, país católico com um regime absolutista até ao século XIX e sérios atrasos / dificuldades nos campos da indú indúst stri riaa e econ econom omia ia.. Fo Foii cont contra ra esta esta im imag agem em de um Po Port rtug ugal al deca decade dent ntee povo povo peninsular, peninsular, fraco e impotente na sombra da Europa “civilizada”, “civilizada”, outrora grandioso n’ Os Lusíadas, que se insurgiram, nos séculos XIX e XX, inúmeros pensadores, escritores e movimentos literários, pertencentes à história moderna da autognose portuguesa. De salientar a importância que, como nos diz o autor “por gosto, por vocação, mas também por decisão intelectual fundamentada” (LS, p. 12), assumem nesta obra “as imagens de origem origem lite literária rária”, ”, especial especialment mentee as da época época moderna. moderna. Não só a figura figura de Fernando Fernando Pessoa inquieta aqui E. Lourenço. Vejamos que outras. Depois Depois do caso caso ímp ímpar ar de Camões Camões (cuja (cuja imagem imagem-pá -pátri triaa E. Louren Lourenço ço não considera ainda “um indivíduo político-social”), o autor dá especial atenção a: a) Alex Alexan andr dree Herc Hercul ulan anoo e Alme Almeid idaa Garr Garret ett, t, escr escrit itor ores es repr repres esen enta tati tivo voss do Romantis Romantismo mo em Portugal Portugal,, o últi último mo dos quais inicia com o seu “Camões” “Camões” o processo processo da autogno autognose se portugue portuguesa, sa, estabele estabelecend cendo-se o-se uma relação relação escritor escritor- pátria pátria / realidad realidadee nacional nacional.. Com as obras de ambos, a ênfase ênfase é colocada colocada na História do próprio país, pano de fundo (real) ao serviço da ficção: “Portugal, enquanto enquanto realidad realidadee histórico histórico-mora -moral,l, constitu constituirá irá o núcleo núcleo da pulsão pulsão literári literáriaa determinante” determinante” (LS, p. 80). b) Eça de Queirós, Queirós, Antero de Quental, Quental, Teófilo Teófilo Braga e Oliveira Martins, Martins, todos eles setentistas e assinantes do programa das conferências democráticas do Casino. Neste programa, publicado em Maio de 1871 n’A Revolução de Setembro, manifestava-se uma preocupação com “a transformação social, moral e política dos povos” e pretendia-se “agitar na opinião pública as grandes questões da filoso filosofia fia e da ciênc ciência ia modern moderna”, a”, contr contrib ibuin uindo do para para “ligar “ligar Portug Portugal al com o movimento moderno, fazendo assim nutrir-se dos elementos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada” c) Ferna Fernando ndo Pessoa Pessoa e a mo moder derna na geração geração de Orpheu, Orpheu, “os novos” novos” que desejar desejaram am “ser não apenas invenção e recriação de uma nova sensibilidade e visão da realidade (…), mas igualmente uma metamorfose total da imagem, ser e destino 4
de Portugal” (LS, p. 79). Com Pessoa Super-Camões e a “Mensagem” (“um Anti-Lusí Anti-Lusíada adas, s, epopeia epopeia elegíac elegíacaa da autodiss autodissoluç olução ão da nossa nossa particul particularida aridade de histórica empírica como caminho, ascensão e transenção [sic] de todas as par parti ticu cula lari rida dade des, s, suic suicíd ídio io subl sublim imee da pers person onal alid idad adee na era era de um umaa impersonalidade impersonalidade realmente universal e fraterna”; LS, p. 108) termina o processo da autognose portuguesa, com a desnacionalização e o cosmopolitismo que permitem a Pessoa esperar tudo do Portugal nauta de si mesmo. Todos estes escritores, escolas, movimentos pretenderam, em certa medida e no contexto da época, transformar e lutar contra imagens (reais) de um país (sonhado), uns desej desejand andoo recriá recriá-lo -lo à imagem imagem de nações nações europe europeia iass forte fortes, s, out outros ros anunc anuncia iando ndo o renascimento do Império com a vinda de um Desejado. Os discursos identitários por eles criados constituem o nosso património cultural, formaram aquilo que chamamos o Ser Português e, ao tentar transformá-lo (transformar-nos), também serviram para o (nos) definir e enriquecer o património mítico que tão bem o (nos) caracteriza. Foram estas estas nossa nossass (dos (dos portu portugue gueses ses leito leitorr e autor autor)) im image agens ns (reai (reaiss ou ilu ilusór sória ias) s) que E. Lourenço se propôs discutir / problematizar neste “Portugal revisitado” marcado por uma tónica (filosófico-literária) existencialista que, como nos dizem Óscar Lopes e António José Saraiva na sua História da Literatura Portuguesa, “aflora a ontologia heideggeriana numa reflexão original sobre peculiaridades e os mitos diferenciais da história e da cultura portuguesa”. Este retrato, este “discurso crítico sobre as imagens que de nós mesmos temos [tínhamos] forjado” foi, como nos disse o autor, um livro de emergência, mas de uma emergência intemporal pois o “crescimento” das nações dá-se com o questionamento incessante da identidade, de forma racional e centrada no momento presente, não com “a reconstituição em ‘moldes análogos’ da imagem ‘camoniana’ de nós mesmos” (LS, p. 48) nem caminhando à imagem do outro, sim, aprendendo com ele a dar passos grandes com as próprias pernas dentro de um labirinto que já não o será, muito menos o da saudade, nem nós os mesmos.
********************************************************************** Notas e referencias bibliograficas bibliograficas (1) LOUREN LOURENÇO, ÇO, Eduard Eduardo, o, O Labiri Labirint nto o da Saudad Saudadee – Psican Psicanáli álise se Mític Mítica a do Destino Português, Publicações D. Quixote, 3a ed., Lisboa, 1988. (2) O estudo sobre a saudade saudade surgirá surgirá com a obra Portugal como Destino seguido de 5
Mitologia da Saudade , contando com os
ensaios: Tempo Português; Melancolia
e Saudad Saudade; e; Da saudad saudadee como como melanc melancoli olia a feliz feliz;; Clari Clarimun mundo: do: simbo simbolog logia ia imperial e saudade; Sebastianismo: imagens e miragens; Romantismo, Camões e a saudade; Tempo e melancolia em Fernando Pessoa; Dois Príncipes da melancolia: melancolia: Fernando Pessoa e Luís da Baviera .
(3) LOURENÇO, Eduardo, Hebdo, 26 de Abril de 2001 in http://www.bibliomonde.net/pages/fiche-livre.php3?id_ouvrage=878 (4) LOURENÇO, LOURENÇO, Eduardo, Eduardo, Nós e a Europa ou as duas razões , Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1990. (5) in http://www.ciberkiosk.pt/arquivo/ciberkiosk3/entrevistas/elourenco.htm (6) FERREIRA, FERREIRA, José José Medeiro Medeiros, s, História de Portugal , Editorial Estampa. (7) idem idem ibide ibidem. m. (8) in http://www.ciberkiosk.pt/arquivo/ciberkiosk3/entrevistas/elourenco.htm (9) idem idem ibide ibidem. m. (10) in http://www.ciberkiosk.pt/arquivo/ciberkiosk3/entrevistas/elourenco.htm (11) idem, ibidem (12) idem, ibidem
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