O que é a desconstrução?
O QUE QUE É A DES DESCO CON NSTRUÇÃO? TRUÇÃO? What ’ s deco deconst nstrr ucti ucti on? Jo José Antoni Antonio o Vas Vasco conce ncelo loss1
Resumo E ste ar a rtigo b u sca de dellin ear um a com co m p reen são d a descon d escon stru ção co comm o estratég égiia articu cullad adaa à filo sof sofiia ddee Jacq acquu es D er errrid a. N ess essee sent sentiid o , cum cu m p re ddest estacar algu n s ex exem em p lo s d e co comm o a at atiivid ad adee ddescon escon stru cio n ista trab abal alh a,em espe especi ciala ddescon esconsstru ção q u e D err errid a ffaz az da d a argu argu m en enttação d e Lévi Lé vi-Strau ausss em to rn o d o s m ito s. P o rfim ,cum p re tam tam b ém esclarecer arecer algu n s equ ívocos vo cos em to rn o d a ddescon esconsstru ção ção,,q u e m u itas vezes é ut u tilizad zadaa com o con concei ceito ou m étod o de anál análiise, do m est esticand candoo as asssim com p letam en entte seu p o ten enci cial de abal abalar ar as estru tu ras do p en sam ent en to lloo go cên cênttrico. co . Palavras-chave: D esco esconn stru ção ; P ó s-estru tu ralism o ; D errid a.
Abstract Abstract T h is art article aim s to o u tlin e an u n d ers ersttand an d in g o f d eco n stru ctio n as a strat ateg egyy ar artticu cullat ated ed to th e p h ilo sop h y o f Jacq acquu es D er errrid a. In th is task, it is im p o rtant an t to d iscuss so so m e ex exam am p les of o f h o w d eco econn stru ctio n w o rk s,an andd especi esp ecial ally th e d eco n stru ctio n D errid a o p erates on o n Le Levi vi--St Strrau auss ss’ ’ar arggu m en ts oonn m yt ythh s. In th e en d it is also im p o rtan anttto clari arify so somm e m isun sundd erst erstand an d in gs abo ab o u td eco econn stru ctio n ,w h ich is freq u en enttly u sed as a con co n cep to r m et ethh o d o f an anal alysi ysis,fo r th is do m est estiicat cates es its po po ten tial o f u n d erm in in g tthh e stru ct ctuu res of o f lo go ce cenn tric th o u gh t. Keywords: D eco eco n stru cti ctio n ; P o st stru ctu ralism ; D err erriid a.
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D ou tor em H istória p ela U nicam nicam p e p rofess ofessor or da U niver niversi sidad e T uiut uiutii d o Paraná E m ail ail :. h isto ricism o @ h o tm ail ail.com co m
Revista de Filoso ilosofi fia, a, Curitiba, Curitiba, v. 15 n.17, p. 73-78, jul./ jul./dez. dez. 2003.
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Introdução O pós-estruturalism o tem freqüentem ente sido colocado com o instância crítica frente às pretensões de objetividade nas pesquisas em ciências hum anas. N a verdade, quanto m ais nos aprofundam os na literatura sobre o pós-estruturalism o, m ais podem os perceber o quanto este se apresenta com o um fenôm eno com plexo e confuso.Em prim eiro lugar,o próprio prefixo “ pós”pressupõe um a com preensão do estruturalism o que o precedeu,e que, devem os adm itir, é bastante problem ática. B asta dizer que o term o “ estruturalista”tem sido m uitas vezes usado com referência a autores de áreas e p erspectivas diversas e, por vezes,irreconciliáveis.U m a lista de autores estruturalistas incluindo os nom es de Ferdinand de Saussure, Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel,W ladm irPropp e M ichelFoucault,porexem plo,já seria o suficiente p ara dar um a noção do que quero dizer. Em segundo lugar, m esm o que tenham os definido, grosso m odo, o que entendem os por estruturalism o, nos caberia form ular um a definição de “ pós-estruturalism o”que fosse tão sim ples e direta quanto possível, de m odo que pudesse servir de princípio para um estudo m ais aprofundado, e, ao m esm o tem po, tão abrangente quanto possível, de m odo a abarcar todos os autores e escritos classificados sob esta rubrica. Por fim , para com plicar ainda m ais este cenário, tal lista de autores e obras pósestruturalistas sim plesm ente não existe. Jacques Lacan,Louis Althusser e M ichelFoucault,por exem plo, figuram em alguns com entadores com o estruturalistas e em outros com o pós-estruturalistas, sem que haja consenso definitivo a esse respeito. O m esm o pode serdito de R oland B arthes,pois m uitos de seus livros e ensaios apresentam aspectos pós-estruturalistas sobre um pano de fundo estruturalista bastante tradicional. O estudo de um a tendência tão vaga e difusa, portanto, soaria desanim ador não fosse p ela im pressionante repercussão dos escritos de Jacques D errida,um autorinequivocam ente associado ao pósestruturalism o, e cujas idéias nos servirão de roteiro para a com preensão desta corrente teórica. O pós-estruturalism o utiliza a teoria estruturalista para questionar e tornar problem áticas –m as não negar –as prem issas do próprio estruturalism o. N esse sentido, o pós-estruturalism o, em relação a seu predecessor, poderia ser m etaforicam ente com parado a alguém que avança num a piscina cada vez m ais funda até que seus pés não m ais possam tocar o chão. Q uando o estruturalism o “ perde o chão” , penetram os no dom ínio pós-estruturalista. Em bora essa im agem , em virtude de sua própria sim plicida-
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de,obviam ente não p ossa esgotar um fenôm eno tão rico e, ao m esm o tem po, tão indefinido quanto o pensam ento pós-estruturalista, ela é útilpara ilustrar o efeito produzido pela desconstrução,um a estratégia para a leitura de textos desenvolvida por D errida, a qual, ainda que inadequadam ente, tem sido freqüentem ente associada ao em preendim ento pós-estruturalista com o um todo.
Desconstrução: um conceito? Por m ais tentador que isso pareça ser, a desconstrução não pod e, de acordo com D errida, ser entendida com o um conceito ou com o um m étod o, sob pena de absolutam ente não entenderm os a no vidad e do pensam ento desconstrucion ista, que tenta sub verter as próprias noções de conceito e m étodo. Eis porque D errida (1975, P.5354),em certas passagens,ao escrever sobre a d esco nstrução, prefere u tilizar o term o “ estratégia” : O que m e interessava naquele m om ento [da escrita de La dissemination, La double séance e La mythologie blanche],o que ten to continuar agora sob outras vias,é, a par de um a “ eco nom ia geral” , um a espécie de estratégi a geral da desconstrução. [...]É, pois necessário antecipar um du plo gesto, segund o u m a unidade sim ultaneam ente sistem ática e com o q ue afastada de sim esm a,um a escrita desdobrada,isto é m ultiplicada por siprópria,aquilo a que chaLa double séance,um a dupla ciência: m eiem “ por um lado, atravessar um a fase de derrubamento.[...]aceitar essa necessidad e é reconhecer que,num a oposição filosófica clássica,não tratam os com um a coexistência pacífica de um vis-a-vis,m as com um a hierarquia violenta.U m dos dois term os dom ina o outro (axiologicam ente, logicam ente, etc.),ocupa o cim o.D escon struir a oposição é p rim eiro,num determ inad o m om ento, derrubar a hierarquia.
Para D errida,o pensam ento m etafísico tradicional,por ele cham ado de logocêntrico,jam ais se desvinculou de um a abordagem que identifica pares de oposições –razão e sensação,espírito e m atéria, identidade e diferença, lógica e retórica,m asculino e fem inino etc., m as, sobretudo, fala e escrita –, estabelecendo a prim azia do prim eiro sobre o segundo term o da oposição.Esta hierarquização das relações opositivas nos rem ete a um a categoria fundam ental, a presença,a partir da qual podem os exp licar a realidade em geral. Segundo D errida:
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A história d a m etafísica, com o a h istória d o O ciden te, seria a história dessas m etáforas e dessas m etoním ias [os diferentes nom es que utilizam os para nos referir a um centro ou fundam ento estávela partir do qual possam os pensar a totalidade de um a estrutura ou m esm o da realidade em geral].A sua form a m atricial seria – espero que m e perdoem po r ser tão po uco dem onstrativo e tão elítico,m as é p ara chegar m ais depressa ao m eu tem a principal–a determ inação do sercom o presença em todos os sentidos desta palavra.Poder-se-ia m ostrar que todos os nom es do fundam ento,do princípio,ou do centro, sem pre designaram o invariante de um a presença (eidos, arquê, telos, energeia, ousia (essência,existência,substância,sujeito) alehteia, transcendentalidade,consciência,D eus,hom em , etc.) (1995, p. 231).
N um prim eiro m om ento, a desconstrução visa a inverter a hierarquia dos conceitos,procurando pensar o segundo term o com o principal e originário.N a relação entre causa e efeito,por exem plo, este é tradicionalm ente entendido com o secundário e derivado daquela.M as,em nossa experiência,prim eiram ente constatam os a m anifestação do efeito, para então rem ontarm os a suas causas.A ssim concebido,o efeito é que deveria ser tido com o originário, pois é por causa dele que um fenôm eno pode ser concebido com o causa. Em outras palavras, num a perspectiva desconstrucionista, o efeito é entendido com o a causa de sua p rópria causa.2 O utro exem plo: a condição m asculina só é concebível em sua relação àquilo que ela não é. A idéia de homem só pode ser pensada enquanto tal na m edida em que estiver em oposição às idéias de mulher ou gay . O O utro, portanto, é essencial à com preensão de Si M esm o, e,em função disso,não pode serconsiderado com o algo m eram ente acidentale secundário. Pensaro term o inferiorcom o principal,produzir o derrubamento da hierarquia, com o sugere D errida, constitui, deste m odo, o primeir o passo na dinâm ica de um a abo rdagem desconstrucionista. Contudo, perm anecendo sim plesm ente neste m om ento de inversão, continuarem os ainda presos a um a perspectiva logocêntrica.U m a oposição hierárquica, m esm o sendo invertida, continua sendo hierárquica. N esse sentido, e isto o próprio D errida o reconhece,esta fase de derrubam ento seria análoga à clássica oposição entre tese e antítese proposta pela lógica hegeliana. Em Posições, D errida afirm a: . “ A diferância [tradução portuguesa de différance, um conceito derridiano nesse texto associado à desconstrução] deve assinar (num ponto de proximidade
quase absoluta com Hegel [...]),o ponto de ruptura com a Aufhebung e da dialética especulativa” (D ERRID A ,1975, p.56).A prática da desconstrução, portanto, consiste em inverter a hierarquia tradicionalm ente estabelecida entre um conceito e seu oposto correlato, para em seguida estabelecer, não a redução de um conceito a outro, com o postularia a filosofia de H egel,m as sim o jogo,a incessante alternância de prim azia de um term o sobre o outro, produzindo, assim , um a situação de constante indecisão. Vejam os com o D errida apresenta essa passagem do derrubam ento ao jogo,contrastando sua abordagem com a de H egel: A partir daí, para m arcar este d esvio [isto é, a prática da desconstrução seguind o o m om ento de inversão das hierarquias][...]foipreciso an alisar, fazer trabalhar algum as m arcas, tanto no texto da h istória da filosofia com o no texto “ literário”[...], m arcas essas [...]a que cham ei por analogia (sub linho-o) indefiníveis, isto é, unidades de sim ulacro, “ falsas”propriedades verbais, nom inais ou sem ânticas, que já não se deixam com preender na oposição filosófica (binária) e que, todavia a habitam ,lhe resistem ,a desorganizam ,m as sem nunca constituírem um terceiro term o, sem nunca darem um a solução na form a dialéctica especulativa [...].D e facto,é contra a reap ropriação incessante desse trabalho de sim ulacro num a dialéctica de tipo hegeliano (que chega a idealizar e a “ sem antizar” trabalho este valor de ) que m e esforço por levar a operação crítica, já que o idealism o hegeliano consiste justam ente em sup erar as op osições binárias do idealism o clássico,em resolver sua con tradição nu m terceiro term o que vem “ aufheben ” , negar sup erando, idealizando, sublim ando num a interioridad e anam nésica (Errrinerung), internando a diferença num a presença-a-si(1975, pp. 55-56).
O term o “ jogo” , em pregado por D errida com relação a esta segunda fase da desconstrução, foi proposto a princípio num a palestra –“ Estrutura, signo e jogo no discurso das ciências hum anas”– , apresentada na U niversidade de Johns H opkins,em 1966, e posteriorm ente publicada num a coletânea intitulada A escritura e a diferença. N a verdade,nesse texto D errida som ente se refere ao jogo de m aneira indireta, sem explicar em qualquer m om ento o que é o jogo,em que este consiste.E isso em função de um princípio fundam ental da filosofia derridiana: o de que não existe princípio, fundam ento ou conceito que seja anterior ou esteja fora do jogo de diferenças que operam em qualquer discurso.D este
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m odo, afirm ar que “ o jogo é isto”ou “ o jogo é aquilo”seria red uzir essa noção ao sistem a de oposições que ela visa subverter.“ O jogo” ,de acordo com D errida,“ é sem pre um jogo de ausência e presença, m as se o quiserm os pensar radicalm ente, é preciso pen sá-lo antes da alternativa da p resença e da ausência; é preciso pensar o ser com o presença ou ausência a partir da p ossibilidade d o jogo,e não inversam ente”(D ERRID A ,1971,p.248).
A Desconstrução em ação U m a das principais características da abordagem desconstrucionista, tal com o praticada por D errida, é a apropriação e utilização de conceitos derivados de um sistem a de p ensam ento para, ao final, m ostrar com o esse sistem a não funciona. Voltando ao exem plo a que m e referianteriorm ente, se afirm arm os que o efeito é a causa que faz com que a causa possa ser concebida enquanto tal, nós estarem os lançando m ão de um conceito –o de causa – para questionar o próprio sistem a –o da causalidade –no qual este conceito se fundam enta. D e acordo com Jonathan Culler (1994),teórico do estruturalism o e pós-estruturalism o literários,“ este duplo procedim ento de sistem aticam ente em pregar os conceitos ou prem issas que se está solapando, coloca o crítico num a posição,não de distanciam ento cético, m as de um envolvim ento sem garantias, afirm ando que a causalidade é indispensávelao m esm o tem po em que se nega a esta qualquer justificação rigorosa” .E acrescenta: “ este é um aspecto da desconstrução que m uitos acham difícil de entender e aceitar” (p.87-88). Para que possam os perceber m elhor essa característica da abordagem desconstrucionista, vam os tom ar com o exem plo o texto “ Estrutura,signo e jogo no discurso das ciências hum anas” .N ele,D errida parte de um a oposição binária entre o dentro e o fora do centro num a estrutura.D e acordo com D errida, “ a estrutura, ou m elhor, a estruturalidade da estrutura,em bora tenha sem pre estado em ação,sem pre se viu neutralizada, reduzida: por um gesto que consistia em dar-lhe um centro,em relacioná-la a um ponto de presença,a um a origem fixa”(1971,p.230). Esse centro seria então um a condição necessária para a substituição dos elem entos no interior de um a estrutura, m as, ao m esm o tem po, um elem ento dessa estrutura que não se presta à substituição.N esse sentido, podem os dizer que, paradoxalm ente, o centro está, ao m esm o tem po, dentro da estrutura e fora dela. Isso perm ite a D errida afirm ar que o “ conceito
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de estrutura centrada –em bora represente a própria coerência,a condição da episteme com o filosofia ou com o ciência – é co n traditoriam en te coerente” .(Ibidem ,p.230).N a prática da descontrução, portanto, não se trata de reduzir o exterior ao interior, nem de celebrar anarquicam ente o predom ínio do conceito de fora sobre o de dentro,m as,a partir dessa oposição, procurar pensar o jogo que a antecede e a torna possível. Esta prim eira oposição,na verdade, constituium preâm bulo,a partir do qual D errida dá início a um a discussão sobre o em preendim ento estruturalista, e, em particular, aquela versão de estruturalism o representada pela obra de Claude Lévi-Strauss. Tam bém nas teorias desse autor, D errida identifica pares de conceitos opostos que são subm etidos à crítica desconstrucionista: etnocentrism o e descentram ento,pensam ento conceitual e pensam ento m ítico,engenheiro e bricoleur ,e,relacionados a estes, ainda os conceitos de significante e significado,e de sensível e inteligível. Para ilustrar a estratégia desconstrucionista utilizada porD errida,tom em os a oposição entre conceito e m ito e observem os com o ela se torna problem ática na obra de Lévi-Strauss. Este, de acordo com D errida,reconhece que “ o discurso sobre esta estrutura a-cêntrica que é o m ito não pode ele próprio ter sujeito e centro absolutos. D eve, para apreender a form a e o m ovim ento do m ito,evitar a violência que consistiria em centrar um a linguagem descritiva de um a estrutura a-cêntrica” . D esse m odo, som os levados à conclusão de que “ Por oposição ao discurso epistêmico, o discurso estrutural sobre os m itos, o discurso mito-lógico deve ser ele p róprio mitomorfo” .(Ibidem ,p.241) Por isso é que, em Le cru et le Cui t ,Lévi-Strauss chega a adm itir que “ será acertado considerá-lo [seu livro] com o um m ito: de qualquer m odo, o m ito da m itologia”(LÉV I-STR A U SS apud D ERRID A , p. 242). Esta prim eira fase de derrubam ento,de inversão de um a hierarquia previam ente estabelecida por um a perspectiva etnocêntrica, que afirm ava a prioridade do p ensam ento conceitual sobre o p ensam ento m ítico,do raciocínio lógico sobre a bricola gem,e que é levada a cabo pelo próprio Lévi-Strauss, nos força a pensar o m ito com o um a form a de pensam ento original, irredutível à lógica e até m esm o com o condição da próp ria episteme.M as a desconstrução derridiana vai além , questionando, em prim eiro lugar, o alcance de um a abordagem que pretende ultrapassar os lim ites colocados pela m etafísica tradicional, e que, ao m esm o tem po, utiliza um a linguagem derivada dessa m esm a tradição.
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N ão tem nenhum sentido abando nar os conceitos da m etafísica p ara ab alar a m etafísica; não dispo m os de nenhum a linguagem –de nen hu m a sintaxe e de nenhu m léxico –qu e seja estranho a essa história; não podem os enunciar nenhum a proposição destruidora que n ão se ten ha já visto obrigada a escorregar para a form a, para a lógica e p ara as postulações im plícitas daquilo m esm o que gostaria de co ntestar” . (D ERRID A , 1971, p. 233).
tem ente visto com o um teórico niilista,dando avalà livre interpretação,destituída de qualquer rigor crítico. Christopher N orris, discutindo a desconstrução em D errida,contrapõe-se com insistência a esse ponto de vista, argum entando que “ tratar a desconstrução com o um convite aberto a form as novas e m ais aventurosas de crítica interpretativa é claram ente equivocar-se com relação àquilo que é m ais distintivo e exigente nos textos de D errida”(N O RRIS, 1987, p. 20). E ainda:
Sendo assim , diante de um gesto que faria sucum bir a noção de conceito –e,deste m odo, toda a Filosofia, tal com o a en tendem os, sob a prim azia do m ito, D errida faz um a pausa, colocand o o seguinte questionam ento: Con tudo, se nos rend erm os à necessidade do gesto de Lévi-Strauss, não podem os ignorar os seus riscos.Se a m ito-lógica é m ito-m órfica,será que todos os discursos sobre os m itos se equivalem ? D ever-se-á abandonar toda exigên cia ep istem ológica perm itindo distinguir en tre várias qualidades do discurso sob re o m ito?Q uestão clássica, m as inevitável. N ão podem os responder a ela –e creio que Lévi-Strauss não lhe responde –enquanto não tiver sido expressam ente exposto o problem a das relações entre o filosofem a ou o teorem a de u m lado,e o m item a ou m itop oem a do o utro (Ibidem , p. 242).
O ra, se há relação entre filosofem a e m item a,e se sabem os que estes ocupam lugares op ostos, é porque um a distinção pode e deve ser feita entre esses dois conceitos, para que, ao invés de reduzirm os um ao outro, possam os pensar o jogo existente entre am bos. Sem esta segunda fase, a desconstrução p erm aneceria incom pleta. A o que, D errida acrescenta:“ O que p retendo acentuar é apenas que a passagem para além da Filosofia não consiste em virar a página da Filosofia,(o que finalm ente acaba sendo filosofar m al) m as em continuar a ler de uma certa maneira os filósofos”(Ibidem ,p.243). Com o podem os perceber,portanto, a desconstrução derridiana não tem por objetivo negar, sim plesm ente e levianam ente, o valor da tradição filosófica ocidental,ou negar qualquer distinção entre conceito e m ito,ou entre Filosofia e Literatura. O que D errida busca realizar, em todos os seus escritos,é um questionam ento, um a crítica rigorosa dos lim ites de um a filosofia da rep resentação, para que possam os vislum brar a possibilidade de um a form a de pensam ento que esteja além –ou aquém –desses lim ites. M as o fato, é que D errida tem sido freqüen-
A ên fase de D errida sob re a textualidade e a escrita não é, em qu alqu er sentido , um a rup tura com a filosofia, ou um a declaração de liberdades interpretativas até então não sonhadas sob a severa lei rep ressiva d a clareza e verdade conceituais.Q ue esta im pressão esteja tão divu lgada é parcialm en te o resultado de qu e os filósofos tenham m ostrado pou ca vontade em ler D errida, m as um zelo incom um em denun ciá-lo com base em conhecim ento de segund a m ão de seu trabalho . [...] C om o eu já argu m entei –e argu m en tarei novam ente –, a descon strução é m al servida por aqueles fan áticos de um a “ liberdad e”textual ilim itada, que rejeitam as próprias noções de p ensam ento rigo roso o u de crítica conceitual (Ibidem , p. 21, 27).
Q uando N orris usa os term os “ filósofos”e “ fanáticos” ,devem os entender,respectivam ente,um a tendência m ajoritária nos estudos filosóficos norteam erican os, de orien tação analítica, cuja recep ção de D errida se faz por interm édio dos departam entos de Literatura,ao lado de um a corrente da Teoria Literária am ericana que interpreta as idéias de D errida, m uitas vezes tendo apenas um a com preensão superficial da tradição m etafísica que ele critica. Segu ndo Jonathan C ulller,essa tendência da Teoria Literária constitui, de fato, um novo gênero nos estudos literários, o qual geralm ente cham am os de “ teoria” . M as,ao m esm o tem po,Culler observa q ue os “ estudantes de teoria lêem Freud sem se perguntarem se a p esquisa posterior em Psicologia p ossa ter contradito suas form ulações; eles lêem D errida sem ter dom inado a tradição filosófica; eles lêem M arx sem estudar descrições alternativas de situações políticas e econôm icas”(C U LLER, 1994, p. 9). N ão que, segundo C uller,isso seja necessariam ente ruim . Pelo contrário, em seu entender a leitura de textos “ canônicos”fora de sua m atriz disciplinar pode contribuir para a produção de sign ificados novos e inusitados. C ontudo, perm anece o fato de que a estratégia d esconstrucionista, tal com o é levada a
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efeito por D errida,não pode ser tom ada com o equivalente à p rática da desconstrução do m odo com o é realizada por seus seguidores no cam po da Teoria Literária.
na busca de um a Presença que o próp rio pós-estruturalism o coloca sob suspeita.M as não podem os ignorar que,transform ando a desconstrução num conceito ou num m étodo de análise,acabam os dom esticando seu potencial de abalar as estruturas do pensam ento logocêntrico.
Desconstrução: usos e abusos
Nota
N a verdade, o term o “ descon strução”é apenas um entre os inúm eros neologism os cunhados por D errida, tais com o fonocentrism o,logocentrism o ou différrance.E m ais:em seus escritos,D errida não confere a esse term o tanto destaque quanto é dado não só por m uitos de seus adm iradores,m as tam bém , e talvez principalm ente, pela m aioria de seus opositores. M as o fato é que a palavra “ desconstrução”ganhou espaço e tornou-se um jargão corrente na Teoria Literária,em especialnos Estados U nidos.É interessante notar que a difusão das idéias de D errida na A m érica do N orte, dando-se a p artir dos departam entos de Teoria Literária, m ais do que dos próprios departam entos de Filosofia,é um fenôm eno observado por vários com entadores. Em bora a desconstrução enquanto m étodo, conceito ou categoria de análise tenha se tornado um a prática corrente no estudo da literatura,principalm ente nos Estados U nidos,e em bora o próprio D errida tenha adm itido que seu interesse pela literatura precedeu e dirigiu suas preocupações filosóficas,devem os lem brar que sua filosofia desenvolveuse, sobretudo, enquanto crítica ao estruturalism o, e em especialao m odelo lingüístico –e não literário – proposto prim eiram ente por Ferdinand de Saussure. D evem os lem brar tam bém que, apesar da im ensa receptividade de suas idéias no m eio acadêm ico norteam ericano,D errida revela um a certa reserva quanto a certos aspectos do desconstrucionism o na A m érica. Christopher N orris, ao abordar o tem a da desconstrução, observa: às vezes D errida se exim e de toda respo nsabilidad e por tais leituras equivo cad as [que interpretam a desconstrução com o se esta fosse um ‘ m étod o’ , um a ‘ técnica’ou um a espécie d e crítica], tom ando-as com o um tipo de déformation pr ofessionelle,o resultado de se enxertar a descon strução num a atividade com suas próprias necessidades e pré-requisitos”(N O RRIS, 1987, p. 18).
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N ão pretendo, com essas considerações, fazer um a ap ologia do “ verdadeiro”D errida ou de um a descontrução “ autêntica” , pois isto im plicaria
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2 Em bo ra o exem plo d a relação causa/efeito aq ui utilizado não tenha sido p rop osto p rop riam ente por D errida, m as sim por N ietzsche, ele é apresentado, acertadam ente, acredito, por Jonathan Culler, com o um exem plo de desconstrução característica da ab ordagem pós-estruturalista (CU LLER, 1994, p. 86-88).
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Recebido em 23/10/2003 Aprovado em 21/11/2003
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