Capa: Armando Vilas-Boas Ilustração: Edgar Rêgo Vilas-Boas Fotografia do autor: Isabel Rêgo
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ARMANDO VILAS BOAS
ARMANDO VILAS-BOAS é Professor de Cultura Visual e Design Visual no IADE e investigador da UNIDCOM. É doutorado pela Universidade do Porto, com uma tese sobre cultura visual desportiva. As suas áreas de investigação são a cultura visual e o design visual. A sua produção escrita tem-se repartido por livros, artigos e comunicações em congressos. Sobre cultura visual publicou dois livros: A Cultura Visual Desportiva (2006) e O Estudo da Cultura Visual Desportiva (2009).
O que é a Cultura Visual?
Este livro foi inicialmente pensado como um manual para alunos de Mestrado, nomeadamente de Cultura Visual e de Design Visual, mas tentou entretanto evoluir no sentido de poder cativar também os profissionais e os estudantes da área visual, ou simplesmente quem se interesse pela temática da cultura visual contemporânea. A obra procura responder à pergunta que lhe dá título, de um modo simples porém abrangente, com exaustividade suficiente mas não excessiva.
ARMANDO VILAS-BOAS
O que é a
Cultura Visual?
livro - 19 x 12,7 cm:Layout 1 7/7/12 16:50 Page 1
O que é a Cultura Visual? Armando Vilas-Boas
O que é a Cultura Visual? Armando Vilas-Boas
Design e paginação do autor Impressão Multitema isbn 978-972-99876-5-6 Dep. legal 311125/10 © AVB, Porto, 2010 www.culturavisual.eu
Sumário
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 A função da teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Cultura visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Visualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Alfabetos icónicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 Signos alfabéticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Escopofilia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 Produção de significado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Literacia visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Percepção visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 O olhar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 A mercantilização da cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 Corpos falantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 O mito da verdade fotográfica . . . . . . . . . . . . . . . . 116 O canto da sereia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 Índice onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 Índice de figuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Imagens de Eden, diaporama do autor.
Introdução Não há muito tempo, o conhecimento era um bem precioso: não havia disseminação global do conhecimento através da Internet e os mass media, como é seu costume, deformavam mais do que informavam. Os livros eram a fonte primordial de aquisição de conhecimento especializado, mas os circuitos de distribuição estavam geralmente pouco oleados e as obras eram muitas vezes onerosas. No nosso país, por falta de interesse popular as bibliotecas públicas nunca foram verdadeiramente fomentadas. Por tudo isto, o acesso ao conhecimento tendia a ser restrito. Mesmo depois da implantação global da Internet, podemos ainda pensar que o acesso à informação de qualidade é restrito: quem a tem ou a produz tenta rentabilizá-la ao máximo. Mas a informação disponibilizada gratuitamente já não é só a de fraca qualidade. Com algum risco, pode-se hoje em dia afirmar que qualquer pessoa alfabetizada e com um mínimo de acesso à informação (em livro ou na Internet) poderá com relativa facilidade informar-se sobre qualquer tipo de assunto. O que não implica que, por termos acesso a tanta informação, saibamos o que fazer com ela.
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O campo da cultura visual é, neste âmbito, um pouco paradoxal. Os estudos de cultura visual, sendo uma área que é tudo menos nova (noutras realidades que não a portuguesa), carecem ainda de uma expansão que a ubiquidade do seu objecto de estudo justifica. Ou seja, se desde que nascemos somos inundados de estímulos visuais, porque é que as pessoas não se interessam mais pelo estudo da cultura visual? Tais estudos tendem a restringir-se a uma meia dúzia de periódicos, de carácter mais ou menos académico e de difusão controlada, bem como a umas dezenas de livros (que circulam livremente no mercado). Textos qualitativos foram já escritos sobre o assunto, o que significa que não escasseia produção literária de bom nível. Porém, os estudos de cultura visual parecem continuar a enfrentar resistência daqueles que deveriam ser os mais interessados pela área: os profissionais que produzem diariamente parte substancial dessa mesma cultura. Enquanto investigador e professor na área da cultura visual, a ideia que tenho é a de que pouca gente se interessa pela validade dos estudos de cultura visual. Fotógrafos, designers, arquitectos, críticos de arte, realizadores de cinema, publicitários — em suma, toda a gama de pensadores visuais responsável pelo nosso mundo crescentemente visual —, parecem não
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achar necessária outra sistematização cultural do fenómeno para além daquela que eles próprios efectuam individualmente. No fundo, a atitude geral destes profissionais quase se resume à noção do senso comum com que muitas vezes me tenho confrontado: se cada pessoa tem o dom da visão, para que serve alguém sistematizar um fenómeno cuja descodificação aparece perante os nossos olhos clara como água? Em certa medida, o senso comum até tem razão. De facto, não se pode ensinar cultura visual a pessoas que colhem uma enormidade de estímulos visuais em cada dia das suas vidas. Mas ainda que não possamos dizer-lhes o que elas vêem, podemos sensibilizá-las sobre como ver, guiando-as pela profusão de mensagens visuais quotidianas, na tentativa de desenvolver um espírito crítico criterioso, característico de cidadãos plenamente formados. O estudo da cultura visual não ensina, mas confirma. Não se adquire só conhecimento, mas antes reconhecimento. Se para qualquer cidadão esta é uma questão de formação cultural, no caso dos profissionais da área eu diria mesmo que se trata de uma necessidade de consubstanciação cultural: sobreviver no mercado é sempre possível, mas uma maturação cultural apurada será tanto mais eficaz e consistente quanto melhor conseguirmos sistematizar o panorama visual que
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nos rodeia. É o início dessa viagem que este livro pretende instigar cada um a fazer. As citações frequentes de outros autores, traduzidas para português e devidamente referenciadas, visam precisamente indicar fontes alternativas, que complementarão e enriquecerão grandemente a abordagem à cultura visual, que este livro apenas introduz.
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A FUNÇÃO DA TEORIA Há muitas justificações — sobretudo no campo da filosofia — para a necessidade de se teorizar. Walker e Chaplin (p. 58) afirmam que «em primeiro lugar, a teoria é crucial e incontornável, porque sem teorias e hipóteses seríamos esmagados por uma massa de impressões, por quantidades imensas de dados empíricos [...] Em segundo lugar, o discurso verbal e escrito sobre cultura visual contém muitos conceitos e termos especializados/técnicos que colocam questões de definição, possuem múltiplos significados e têm histórias de uso». A teorização é algo de cultural e duas culturas distintas não formulam necessariamente teorias idênticas. Walker e Chaplin entendem que não é possível dispensarmos a teoria, mas que não será por isso que qualquer teoria serve, referindo que «a multidisciplinaridade típica dos estudos de cultura visual implica que muitos académicos adoptem uma atitude ecléctica e pragmática em relação às teorias — pedem emprestados conceitos e métodos de um espectro de disciplinas» (p. 60), sublinhando que as teorias geradas pelos praticantes devem ser tidas tão em linha de conta quanto as outras, uma vez que, por exemplo em relação à
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arte, não só há teorias sobre a arte, como teorias para a arte, arte moldada pela teoria e mesmo teorias como arte (p. 62). O objectivo último de toda a pesquisa será o de ajudar a (melhor) compreender o mundo. O Homem é curioso e guerreiro por necessidade, tendo por conseguinte de entender, dissecar e se possível dominar a sua envolvência. Que haverá de mais envolvente do que a visualidade, a miríade de estímulos visuais que nos rodeia quotidianamente? O objectivo deste livro não poderia portanto deixar de ser o de ajudar a ver o mundo e entender a forma como o vemos. A ideia é que este livro se revista de interesse para a comunidade visual, por via do fornecimento de ferramentas de interpretação da cultura visual e do fomento de um mais profundo entendimento do que é a cultura visual, através da caracterização e da exemplificação. Um estudo no âmbito da cultura visual elege tipicamente a sua temática de três formas possíveis: — limitando-se a uma forma ou tipo específico de cultura visual (por exemplo, logótipos); — seleccionando os melhores exemplos de uma expressão ou suporte artísticos (por exemplo, as “obras-primas” da pintura);
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— escolhendo exemplos típicos ou representativos. Walker e Chaplin afirmam que «a questão do significado da cultura visual […] é complexa e problemática [e] extrair significado pode envolver considerável esforço mental e destreza interpretativa» (p. 143). Como os autores notam, no entanto, o público não aplica conscientemente os métodos analíticos, sem que não cesse por isso de colher significados a partir de todos os signos com que é confrontado. O ser humano tem uma profunda necessidade de significado e a busca do mesmo cumpre uma função vital na nossa espécie. A interpretação de signos é crucial para o ser humano, e compreender a forma como as pessoas os interpretam é fundamental para se estudar a cultura visual formada a partir dos mesmos. Porém, por vezes (como vários autores têm defendido), a obsessão da interpretação pode levar a que o intelecto se sobreponha a algo que remete predominantemente para a afectividade, correndo-se o risco de assim turvarmos a nossa sensibilidade. Por uma questão de sistematização, é necessário possuir-se uma estratégia de abordagem ao assunto da cultura visual. Daí que tenham sido desenvolvidas várias modalidades de análise, pelos teóricos da cultura visual, algumas das quais se
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centram na estrutura interna dos artefactos culturais, enquanto outras são comparativas, colocando frente a frente espécimes de teor similar. As modalidades de análise podem ser divididas em dois géneros estruturantes: — as que se centram no conteúdo; — as que se centram na forma. Existem duas fontes principais de conteúdo: eventos, cenas e pessoas reais (conteúdos factuais) e conteúdos produzidos pela imaginação humana (conteúdos ficcionais). A mistura dos dois, não sendo integralmente real, terá de ser considerada ao nível da ficção. Esta bipolarização é, desde sempre, controversa, mas tem a virtude de catalogar todo o tipo de imagens. Vários analistas distinguem entre conteúdo manifesto e conteúdo latente. O primeiro refere-se à representação de objectos facilmente reconhecíveis, enquanto o segundo designa os significados menos imediatos que um objecto possa espoletar. São, no fundo, a denotação (percepção literal, de primeira ordem) e a conotação (percepção associativa, de segunda ordem). Vejamos, de seguida, as modalidades de análise de artefactos visuais mais utilizadas:
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a) análise de conteúdo: operação quantitativa que envolve medida e contagem (procedimento empírico e quase científico, implantado por exemplo na análise dos mass media). Os resultados deste processo são unidades contáveis, identificáveis, que outros investigadores podem usar para verificar a validade das conclusões. Os resultados da análise de conteúdo confirmam frequentemente a intuição, mas para Fiske são «objectos», precisos e verificáveis, podendo revelar contrastes entre a representação nos media e a realidade; b) iconografia e iconologia: a escrita das imagens e a ciência das imagens (a primeira é descritiva e classificativa e a segunda interpretativa). Enquanto a iconografia baseia o seu funcionamento nos moldes mais ou menos pragmáticos que podemos conferir no diagrama da página 14, a iconologia consiste na descoberta e interpretação dos valores simbólicos contidos nas imagens (sejam eles intencionalidade do autor ou não), recorrendo a várias disciplinas para a compreensão do significado e função social que os signos visuais tinham para o público na altura em que foram produzidos. Walker & Chaplin (pp. 131–132) baseiam-se nas teorias de Panof-
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Estruturação da análise iconográfica (Panofsky, adaptado por Walker e Chaplin, pp. 131–132 — diagrama do autor).
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sky para caracterizar a análise iconográfica (ver diagrama na página à esquerda); c) análise de género e tipo: agrupamento de artefactos visuais de acordo com certos elementos iconográficos, temas e convenções estilísticas, capaz de providenciar um contexto dentro do qual as imagens possam ser entendidas e comparadas. Os géneros ocorrem em muitas modalidades de produção visual, como a pintura (retrato, paisagem, etc.), o cinema (musical, comédia, etc.); d) análise de forma e estilo: baseia-se no estudo das características formais dos artefactos culturais (materiais, cores, iluminação, estrutura, texturas, composição, etc.), pressupondo que o conteúdo ou o conceito criativo determinam a forma, e que a mesma é evolutiva em consequência de mutações sociais e/ou tecnológicas. Esta abordagem assume também que há valores que interpretamos, nas imagens, que são directamente derivados de realidades do mecanismo de percepção visual. A análise de estilo encara este conceito muito complexo como sendo um conjunto de características formais, uma combinação específica de forma e conteúdo, ou ainda uma força espiritual (os estilos podem ser ideologias visuais);
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e) semiótica: tem uma abrangência mais ampla do que outras formas de análise, na medida em que estuda a vida de todos os signos visuais na sociedade, assumindo que qualquer processo comunicacional ou experiência de significado envolve signos. Consequentemente, a pesquisa semiótica aborda fenómenos tão díspares quanto gestos e expressões faciais, vestuário, diagramas, banda desenhada, fotografia, cinema, arquitectura, etc.
Sinais para WC. Exercícios académicos de Pedro Afonso, Raquel Neves, Isabel Alcobia, Ana Paquete, Joaquina Faisco e Elsa Inácio, respectivamente (2010).
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Os signos são os elementos significantes estruturantes na comunicação visual. Na definição de Peirce, «um signo é qualquer coisa que substitui algo, sob qualquer relação ou a qualquer título»; na acepção de Humberto Eco, «tudo» é um signo. Para Foucault, um signo é um elemento cultural, porque «é no interior do conhecimento que o signo começará a significar» (1991, pp. 113–114). Se um semáforo ou um sinal de trânsito são signos rotineiros no nosso quotidiano, também um plátano ou uma rosa poderão sê-lo. Quando falamos de signos não nos referimos só àqueles criados pelo Homem, mas também aos que a Natureza gerou, porque todos possuem uma carga significante. Os signos naturais poderão estar arredados da vivência urbana, mas hoje em dia a maioria das pessoas reconhece, por exemplo, o signo ► como significando «play» (tocar, arrancar, accionar, desencadear, activar, etc.), fruto da convivência com o mesmo, devido à sua estandardização e proliferação. Este é um exemplo de um signo pragmático, mas signos há que se ligam directamente a atitudes ideológicas. Martine Joly define os tipos de sinais com que somos confrontados e a forma como os interpretamos, no diagrama seguinte:
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◀ Intencionalidade e produção de significado dos sinais (Joly, 2005, pp. 39–40). Diagrama do autor.
Joly propõe uma tripartição do signo (2005, p. 46) em significado (o conceito), significante (a face material e perceptível) e referente (a realidade psíquica ou conceptual). Para a autora, esta classificação é «extremamente célebre, ainda que cheia de imperfeições [mas] continua contudo a ser muito útil para a análise e melhor compreensão do impacto de certas imagens, na condição de não ser aplicada cegamente». Quanto à classificação de signos, e tomando como modelo a proposta de Peirce, vastamente aceite, vejamos a descrição dos três conceitos: — ícone: relação de similaridade entre o significante e o referente (por exemplo, um retrato de alguém em que as feições dessa pessoa sejam representadas “tal e qual” como são), no que Mollerup define como uma relação de semelhança (p. 85); — índice: relação de causalidade e contiguidade física com o que representa (por exemplo, pegadas na areia, indiciando a passagem de alguém pelo local); Mollerup chama-lhe relação física (idem);
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— símbolo: relação arbitrária e convencional (por exemplo, a bandeira de um país, que se compõe de formas que por si sós não representam nem indiciam).
Exemplos de tipos de signos: um ícone (retrato ‘tipo passe’), um índice (pegadas na areia) e um símbolo (a bandeira de Portugal). Arquivo do autor.
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CULTURA VISUAL Importa clarificar a abrangência do conceito cultura, no âmbito deste livro. Sturken & Cartwright (p. 4) definem cultura como «um processo, não um conjunto fixo de práticas ou interpretações [...] um processo fluído e interactivo — fundado em práticas sociais, não somente em imagens, textos ou interpretações». Esta definição não parece compadecer-se com estratificações rígidas de níveis culturais, no que concordam com Lupton & Abbott Miller (p. 157), que afirmam que «Não podemos simplesmente traçar uma linha entre baixa e alta, ou entre o interior e o exterior da cultura, ou entre as experiências públicas e privadas dos mass media. Baixa e alta é um padrão, uma concha conceptual, cujo valor se desloca de situação para situação. O que é alta num contexto é baixa noutro». A globalização cultural é uma das características do tempo presente, ainda que não seja uma novidade, como refere Alexandre Melo, que caracteriza o processo de globalização cultural como «uma tendência notória da evolução em curso e não [...] uma situação final, fechada e totalizada» (p. 38).
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O autor acrescenta que «A dinâmica da globalização cultural produz, ao mesmo tempo, mais uniformidade e mais diversidade» (p. 42), explicando: «A globalização não é um processo de supressão das diferenças — segmentação, hierarquização — mas sim de reprodução, reestruturação e sobredeterminação dessas mesmas diferenças. É um processo dúplice de simultânea revelação/anulação de diferenças, diferenciação/homogeneização e democratização/hegemonização cultural» (p. 39). Miguel Furones, Worldwide Chief Creative Officer da Leo Burnett, acredita que estejamos na terceira geração da globalização (sendo a primeira tecnológica e a segunda económica): a globalização dos sentimentos e das emoções, afirmando que «A emoção foi convertida num vírus que navega através da rede» (Pincas & Loiseau, p. 313). Outra marca cultural da contemporaneidade é a esteticização, que Bragança de Miranda (p. 202) define como a transformação do mundo «em imagem, em aparelho produtor de imagens, que visam um enformar total da matéria numa imagem total». Mario Perniola (p. 32) caracteriza a sociedade actual como sociedade do sentir, afirmando que é daí que a nossa época pode ser definida como estética: «não por ter uma relação privilegiada e directa
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com as artes, mas mais essencialmente porque o seu campo estratégico não é o cognitivo, nem o prático, mas o do sentir, o da aisthesis» (p. 11). Assim, o autor considera que o sentir antes reprimido pela «ética burocrática», que o suspendia (p. 50), tornou vão o «primado da actividade intelectual» (p. 99). Para Perniola, o pensar converteu-se em sentir, tornando-se este último quase num poder (p. 16). Mas este sentir é, segundo o autor, um sentir em segunda mão: «os objectos, as pessoas, os acontecimentos apresentam-se como algo já sentido, que vem ocupar-nos com uma tonalidade sensorial, emotiva, espiritual já determinada» (p. 12). Este fenómeno é assim caracterizado: «É como se a experiência do sentir em primeira instância fosse deslocada para fora de nós, para aquilo que reflectimos, tacteamos, ecoamos, enquanto para nós estaria reservado um sentir substituto e que vem a seguir, reflexo, retoque e eco do primeiro» (p. 20). Falar-se de cultura visual não é, no entanto, elaborar sobre um conceito imediatamente perceptível ou sequer consensual na sua acepção. O nazi Hermann Göring dizia, nos anos 1930, que assim que ouvia alguém falar de cultura pegava logo no seu revólver. Barbara Kruger anunciava num dos seus
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trabalhos de sátira cultural dos anos 1980, que sempre que ouvia a palavra ‘cultura’ pegava no seu livro de cheques. Göring parecia interpretar a cultura como um empecilho, algo capaz de estorvar os desígnios mais elevados do pragmatismo. O que Göring fingia não saber é que a noção de sociedade na qual as actividades produtivas são essenciais e a produção cultural dispensável (por eventualmente não gerar retorno financeiro) está desactualizada (e já o estava nos anos 1930): a produção cultural é uma indústria de direito próprio, sendo não só geradora de riqueza como cada vez mais responsável por moldar paradigmas vivenciais ou estéticos que influenciam eles próprios o mundo “produtivo”, condicionando a sua actividade e talhando o seu rumo. Ainda que os produtores de objectos possam determinar os hábitos dos consumidores, há um desvio crescente do poder para o lado do consumidor, cada vez mais empossado no livre arbítrio das suas escolhas, muitas vezes baseado em factores estéticos. A cultura é algo que nos é intrínseco e não um casaco que vestimos e tiramos — e o mundo económico sabe disso.
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«O desejo de visualizar é fundamental na maneira como pensamos e vivenciamos» (Walker e Chaplin, p. 208). Sturken & Cartwright (pp. 2–3), afirmam que «Os estudos culturais, no campo interdisciplinar que emergiu no final dos anos 1970, têm oferecido muitas formas de pensar sobre o estudo, quer da cultura popular quer do aparentemente uso mundano das imagens nas nossas vidas diárias. Um dos objectivos dos estudos culturais é fornecer aos observadores, cidadãos e consumidores, as ferramentas para obterem um melhor entendimento de como os meios visuais nos ajudam a compreender a nossa sociedade». No início da década de 1970 gerou-se um interesse crescente pelo que veio a chamar-se cultura visual. Desde logo, foram abertas linhas de investigação um pouco por França e Inglaterra, ao que se seguiu rapidamente a integração dos estudos de cultura visual nos currículos universitários, o que veio a originar a criação de cursos de cultura visual. Os intuitos dos estudos de cultura visual ficaram definidos desde o início: nas palavras de W.J.T. Mitchel, «o objectivo de um curso de cultura visual [...] seria fornecer aos alunos um conjunto de ferramentas críticas para a investigação da visualidade humana, e não transmitir um conjunto específico
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de informações e valores” (citado por Walker e Chaplin, p. 1). Os estudos em cultura visual autonomizaram-se dos estudos culturais em geral, bem como dos estudos dos media, em face da sua especificidade, a qual foi tornada numa evidência pela crescente visualidade da civilização contemporânea. A concepção de cultura visual parte da constatação que diferentes formas de comunicação partilham características comuns. Por exemplo, um filme e um romance podem partilhar o mesmo enredo (muitas vezes o primeiro é criado a partir do segundo), mas se contarmos o enredo a alguém — o qual pode ser exactamente igual em ambos os casos —, essa pessoa não saberá através de que forma essa história chegou ao nosso conhecimento, se pela forma escrita da literatura ou audiovisual do cinema. A partir de um certo ponto, os teóricos da comunicação e da cultura aperceberam-se de que uma história é tudo menos igual quando é transmitida em diferentes media. No caso vertente, as características audiovisuais do filme são sobremaneira importantes: ainda que as possamos ter imaginado ao ler o romance, agora estamos perante elas, e essa presença introduz uma variedade de factores na equação interpretativa. Teremos também de ter
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em consideração que toda a matéria escrita, para além da imagem mental que dela criamos, possui também uma imagem material quando a lemos no papel ou no ecrã. Como dizem Walker e Chaplin, «a cultura visual é agora tão importante em termos de economia, negócios e nova tecnologia, e uma parte tão vital da experiência diária de todos, que tanto os produtores quanto os consumidores beneficiariam em estudá-la de forma objectiva» (p. 3). De facto, os estudos em cultura visual cresceram assim que assimilaram a “cultura de massas”, o que teve como consequências: — a componente visual dos mass media passou a merecer um estudo sério e sistematizado; — o carácter único das artes passou a ser relativizado, porque os teóricos assinalavam que todas as formas de cultura visual, mesmo as mais “vernaculares” possuem características estéticas, e assim as fronteiras e interdependências entre as belas artes e os mass media, junto com os seus valores comparativos, tornaram-se objecto de pesquisa e reflexão teórica. Prossegui até agora a definição estereotipada de ‘cultura’, que vulgarmente se refere ao universo das actividades ditas culturais. Esse tipo de cul-
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tura foi outrora sinal distintivo de uma classe pensadora privilegiada, mas actualmente o termo ‘cultura’ passou a ser empregue englobando qualquer faceta da vida quotidiana que se relacione com um determinado contexto social, tornando-se assim um conceito inclusivo que ajuda a explicar e caracterizar as mudanças contemporâneas. Mesmo aceitando a cultura como uma característica transversal a toda a sociedade, persiste ainda assim a distinção, na literatura ou no senso comum, entre vários níveis de cultura. Bourdieu afirma que as diversas classes sociais definem outros tantos níveis de gosto, e que a fruição da arte se origina na vontade das classes mais elevadas de marcarem a distância em relação aos níveis “inferiores”. Walker e Chaplin (p. 157) esclarecem que o apreço pela arte moderna tende a ser limitado à elite intelectual e que o gosto popular se rege ainda por ideais renascentistas. Evidentemente que se trata de uma formulação global que, como os autores admitem, é rude e não faz justiça à complexidade da sociedade contemporânea. É lacunar, no entanto, devido a ignorar as culturas alternativas, a vanguarda, a contracultura, por ser estática, por estratificar as pessoas de acordo com o seu estatuto social e não com as suas
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preferências, por não tomar em conta a desproporcionalidade mutável entre as classes, para além de outros factores. Esta estratificação anterior ignora a questão das transferências entre níveis culturais (pressupondo que estes existem). Assim, como justificar a euforia colectiva que rodeou a campanha da selecção portuguesa de futebol no Euro 2008, a qual, em certa medida, se havia verificado já dois anos antes, no Mundial da Alemanha e, em 2004, no Euro português? A mobilização social em torno do Euro 2008 foi enorme. De tal forma a insistência da imprensa e da máquina publicitária se fez sentir, que mesmo quem não se interessava pelo evento teve de ficar a conhecer o perfil dos nossos «heróis», o resultado dos jogos e todos os pormenores dos bastidores da competição. Estas manifestações de “baixa cultura” tornam-se apetecíveis, pela sua amplitude, para os estudos de cultura visual. O alargamento do espectro que estes acontecimentos proporcionam, em relação à “alta cultura” habitualmente estudada e analisada no passado, é imenso e culturalmente revelador. Esta noção expandida de cultura gera um campo de análise tão vasto que nenhum estudioso consegue abarcá-lo sozinho. Daí o surgimento de ramifica-
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ções que se debruçam particularmente sobre fenómenos específicos, como lentamente vão surgindo. Mathew Rampley define a cultura visual como «o conjunto de ideias, crenças e usos de uma sociedade e as formas como lhes é dada expressão visual» (p. 12). Walker e Chaplin definem, grosso modo, a cultura visual como «aqueles artefactos materiais, edifícios e imagens, mais os media temporais e as performances, produzidos pelo labor e imaginação humanos, que servem fins estéticos, simbólicos, rituais ou ideológico-políticos, e/ou funções práticas, e que se dirigem ao sentido da visão numa medida relevante» (p. 3). Sendo, como os próprios indicam, uma definição preliminar, é um ponto de partida para começarmos a moldar uma percepção desta área do saber. Os mesmos autores fornecem-nos uma listagem exaustiva das disciplinas que contribuem para o estudo da cultura visual, no esquema da página ao lado. Sendo a cultura visual um fenómeno simultaneamente endógeno e exógeno em relação ao ser humano, deveremos estudá-la tendo em conta a sua existência material (fora de nós) bem como o seu impacto óptico, cognitivo e emocional (dentro de nós). Em relação à existência material, consubstanciada nos artefactos culturais que são a maté-
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Antropologia Arqueologia Crítica de Arte Crítica Literária Desconstrução Economia Política Estética Estruturalismo Estudos Culturais Estudos do Património Estudo dos Media Estudos Étnicos Estudos Fotográficos Estudos e Teoria do Cinema Feminismo Fenomenologia Filosofia Formalismo Russo História e Teoria da Arquitectura História da Arte História do Design História Social Linguística Marxismo Psicanálise Psicologia da Percepção Pós-Estruturalismo Semiótica Sociologia Teoria Crítica Teoria da Recepção
Objecto de contemplação ESTUDOS DE CULTURA VISUAL
Objecto de estudo
Áreas que contribuem para os estudos de cultura visual. Diagrama adaptado de Walker & Chaplin (p. 3).
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ria-prima da cultura visual (sendo um desses artefactos o corpo humano), Walker e Chaplin (p. 65) entendem que a cultura visual se integra no campo mais vasto da produção cultural, o qual por seu turno integra um campo de fabricação geral, associado a uma forma particular e histórica de produção: a forma capitalista. Cada retrato que se faça desta área do conhecimento será sempre caduco. Na figura da página ao lado podemos observar a constituição do campo da cultura visual, segundo Walker e Chaplin. Os autores ressalvam que «um diagrama mostrando o estado da cultura visual na Europa em 1500 incluiria, evidentemente, muito menos itens» (p. 31). Pela heresia que parecia configurar contra a cultura verbal, a cultura visual foi desde logo atacada por defensores da literatura, sobretudo em países de crítica fácil, como a França e a Inglaterra. Passado o impacto inicial, e assimilada que foi a importância dos estudos de cultura visual na descodificação da profusão de estímulos visuais com que a nossa sociedade nos confronta, a disciplina começou a assumir a sua vertente mais social e “popular”, secundarizando a importância conferida às artes visuais e alargando o espectro das suas preocupações à história social da arte, dos
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negócios e do comércio em geral. Os factores económicos, sociais e institucionais tornaram-se tanto mais relevantes para o estudo da cultura visual quanto mais crescia o seu impacto colectivo, sendo pilares não só da formação da contemporaneidade como também da compreensão da mesma.
O campo da cultura visual, segundo Walker & Chaplin (p. 33).
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VISUALIDADE A tendência para uma comunicação cada vez mais baseada nas imagens (fotográficas) faz-se sentir acutilantemente na publicidade. Jonathan Cranin (Wiedemann, 2005, p. 262) confirma que «As revistas estão cheias de anúncios de poucas palavras e grandes imagens» e explica porquê: «É possível que as imagens não captem as emoções tão bem quanto as palavras, mas é certo que o fazem mais rapidamente. Assim, à medida que a publicidade se tornou mais emocional também a imagem aumentou a sua importância». O director criativo mundial da McCann vai mais longe e atribui às imagens um papel fundamental: «o facto de a publicidade impressa depender cada vez mais de imagens arrojadas ajudou a cimentar a importância das imagens […] Os leitores passaram a contar com afirmações visuais nos seus anúncios» (ibidem). Mas há também quem desconsidere as imagens: o director de criatividade da Euro rscg de Londres, Gerry Moira, é peremptório ao classificar o uso de imagens como chamariz sem conteúdo: «no fundo, não é mais do que uma estratégia tipo ‘tiro e queda’, uma espécie de grafito comercial» (ibidem, p. 378), acrescentando que a esmagadora maioria da publicidade tem falta de qualidade.
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Factores convergentes como a globalização, a intensificação das deslocações internacionais e o fortalecimento das regras de segurança, têm vindo progressivamente a implementar uma linguagem sinalizadora de cunho pictográfico. Essa linguagem icónica tem caminhado no sentido de se autonomizar da linguagem verbal, o que é possível graças ao aumento da cultura visual dos cidadãos. A capacidade de descodificar pictogramas é hoje estimulada desde tenra idade. Paralelamente aos processos de estandardização e divulgação deste tipo de linguagem visual, a proliferação tecnológica e o natural apelo humano pela imagem têm-nos conduzido a uma civilização que cultiva as imagens por vezes quase como forma de estar na vida. A tendência de afirmação da imagem como linguagem alternativa (e talvez progressivamente dominante) é subscrita por vários autores. Philip Meggs é peremptório: «Num revês histórico relevante, o texto torna-se frequentemente numa mensagem de suporte para conotar e avivar a imagem» (p. 41). James Elkins considera que «É chegada a altura de considerar a possibilidade de a literacia poder ser atingida através das imagens, tal como através do texto e dos números» (2008, pp. 4–5).
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David Crow examinou a evolução de uma cultura letrada para uma cultura iconográfica. O autor defende que o processamento da linguagem verbal é feito no lado esquerdo do cérebro (mais linear e racional, tipicamente masculino), enquanto o da linguagem visual é levado a cabo no lado direito (não linear, emotivo, tipicamente feminino). O autor considera a cultura visual como sendo um domínio eminentemente feminino e advoga que a literacia subjuga as mulheres aos homens desde que o alfabeto foi criado (p. 17). Crow baseia-se no princípio simplificado de que o lado esquerdo do cérebro lê e o direito vê imagens (p. 10). James Elkins (2001) clarifica esta noção, afirmando que qualquer olhar suficientemente próximo sobre um artefacto visual revela uma mescla de ler e ver, e que a leitura e a visão quotidianas (por exemplo, ler uma página e ver imagens na televisão) não são actos puros e portanto a sua “oposição” não pode englobar um par binário. Acrescenta que qualquer acto de leitura se apoia num número finito de hábitos e estratégias e estes entram frequentemente em acção no acto de ver. Crow afirma ainda que «A capacidade de as imagens comunicarem através de fronteiras linguísticas oferece um nível de consistência difícil de
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atingir doutra forma [...] As possibilidades ideológicas de uma linguagem pictórica são evidentes» (pp. 19–20). Admitindo que as novas gerações adquiriram já uma forma iconográfica de comunicar, o autor afirma que «O desvio do uso convencional do alfabeto como a nossa principal ferramenta de comunicação desafiou muitas das nossas instituições culturais e aqueles que podemos chamar de “language makers”. Artistas, designers, autores, editores, escolas e universidades, todos tiveram de reformular a sua abordagem à linguagem e encontrar novas formas de falar para uma geração que tem uma nova forma de ler» (p. 19), sustentando esta sua convicção na constatação de que «Num cenário pós-moderno onde o mundo do comércio e o mundo do design emprestam e trocam ideias um com o outro, há um indício evidente de que tudo isto empurra a nossa cultura visual crescentemente em direcção à imagem» (p. 21). Ellen Lupton (p. 74) desmente que os ícones sejam um modo de comunicação mais universal do que o texto, afirmando que estes são fulcrais nos interfaces gráficos dos computadores mas sublinhando que o texto pode frequentemente constituir uma pista mais específica e compreensível do que uma figura (como o prova a sinalização de trânsito nos eua):
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«Os ícones na realidade não simplificam a tradução do conteúdo para múltiplas línguas, porque eles requerem explicação em múltiplas línguas». A autora defende que a quantidade infinita de ícones usados nos ambientes digitais serve mais para reforçar a identidade visual dos produtores do que para permitir acessibilidade, realçando que: «No século XX, os designers modernos louvaram as imagens como uma linguagem “universal”, porém na era do código o texto tornou-se um denominador mais comum do que as imagens». Vandendorpe (p. 144) parece concordar: «não nos enganemos: a leitura de uma imagem, no verdadeiro sentido do termo, não providenciará uma sensação de conclusão e de necessidade senão na medida em que ela se exerça sobre uma sequência narrativa ou sobre a relação com uma legenda evocativa». Porém, em relação ao futuro, o autor deixa-nos a sua convicção: «Não é de todo certo que as próximas gerações, enfrentando ambientes mistos, lerão primeiro o texto como nós temos tão frequentemente tendência a fazer» (p. 152). David Crow atesta que a primazia da imagem sobre o texto se havia iniciado já na década de 1950, devido ao acréscimo de cultura visual que tinha sido aportado pela televisão. O autor justifica a
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progressiva sintetização do texto em favor da imagem: «requer confiança do anunciante no facto de a audiência ter adquirido uma literacia visual que lhe permita dispensar parágrafos de informação» (2006, p. 35), advogando que, desta forma, «O anúncio não invoca uma decisão racional sobre porque é que o observador deveria comprar o produto, mas funciona muito mais à volta do desejo» (idem), operando através do que Scott Lash descreve como a inversão do espectador no investimento relativamente não mediado do seu desejo no objecto cultural. Crow entende que a nossa evolução, no sentido de nos basearmos tendencialmente numa linguagem visual como meio predilecto de comunicação comunitária, teve origem na televisão. Ele defende que foi pela acção dos jovens que cresceram com a televisão que os meios visuais vieram a estabelecer-se como «meios básicos nos media de consumo» (p. 35). Tanto assim que mesmo a música, a mais imaterial das artes, não resistiu à necessidade de visualização que os seus fãs tinham e a partir dos anos 1970 iniciou-se a produção de videoclips, a qual veio a causar o surgimento da MTV (Music Television). Hoje em dia, consumir música é um festim visual e os videoclips abundam em muitos
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canais televisivos, tendo-se tornado já um meio de expressão de direito próprio. Para Crow, os designers gráficos passaram a assumir um certo nível de literacia visual da parte da sua audiência, o que lhes terá dado confiança para começarem a recorrer a «signos abertos». Steven Heller, referindo-se à publicidade, define a década de 1970 como aquela onde se operou a viragem da primazia da linguagem verbal para a icónica, na comunicação visual. No seu entender, o primado da imagem originou-se na afirmação da televisão como meio de comunicação (e publicitário) por excelência: «conscientemente ou não, o ecrã de raios catódicos, e não a página impressa, tornou-se o novo paradigma do design, e a curta atenção da sua audiência tornou-se a do novo leitor […] a sofisticação tipográfica estava num nível elevado, mas depressa a imprensa se tornou uma mistura das sensibilidades editorial e da TV» (p. 4). Para o autor (2006, p. 5) esta década marcou também a passagem para uma iconografia de menor requinte, prejudicada pelo ritmo de sucessão de imagens que a TV impunha, apesar de se manter a prática da década de 1960 de imagens inventivas (frequentemente surreais). O objectivo era, para
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Heller, «agarrar a atenção fosse por que meios fosse […] transmitindo uma mensagem positiva» (idem). A comunicação visual impressa inspirava-se na iconografia televisiva («nos anos 1970, a arte dos anúncios televisivos foi brilhantemente afinada» — Myerson & Vickers, p. 15), usando enquadramentos muito próximos para causar impacto no observador e «nos anos 1970 fotografias de página inteira enchiam a página e os títulos eram pousados minuciosamente sobre as imagens» (Heller, 2006, p. 5). Nessa aurora de uma nova prática comunicacional, Heller insiste que a criatividade escasseava e que poucos nomes, como George Lois, «retiveram suficiente influência criativa para superar o embrutecimento massivo com os produtos com que lidavam» (ibidem). Se olharmos retrospectivamente para a década de 1970, parece existir um fosso imenso em relação à nossa era. Fruto das evoluções técnicas, as imagens de então surgem-nos toscas; consequência da progressão cultural, os conceitos e as mensagens parecem-nos quase pueris. A comunicação visual ancorava-se ainda bastante nas referências verbais, e muitas vezes a imagem mais não fazia do que ilustrar literalmente o texto ou o slogan.
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Para Crow, a partir dessa época as revistas baseadas na imagem começaram a tornar-se comuns, e as denominadas revistas de «estilo de vida» ofereciam aos leitores a possibilidade de adoptar uma identidade guiada pela imagem e ancorada na música, moda, interiores e cinema, tendo a separação entre conteúdo editorial e publicidade, bem como entre economia e cultura, sofrido um esbatimento progressivo (p. 40). Esta evolução terá vindo a desembocar na sensibilidade pós-moderna. Scott Lash defende que esta é uma sensibilidade visual, em vez de literária, que não se ocupa de assuntos formais e celebra os significantes do quotidiano. Crow (p. 45) caracteriza a sensibilidade contemporânea como sendo «iconográfica» (representada pela fotografia) e opõe-na à sensibilidade modernista, cujos signos eram compostos por significado, significante e referente. Na sua acepção, o pós-moderno torna o referente no significante e atribui-lhe um significado: «neste regime não há pesquisa de significados ocultos, nenhuma razão de ser, só uma imersão no momento. Podemos simplesmente apreciar a sensação de uma resposta estética à experiência». Bragança de Miranda (p. 11) sugere que a sensibilidade pós-moderna é um «abismo», baseada «em algumas afec-
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ções simpáticas, nuns hibridismos, e muito “pluralismo”. Nada que nos salve, nem que nos leve à perdição. Tudo minúsculas agitações que dissimulam algo mais essencial». Vimos já que a televisão amplificou grandemente o poder das imagens e, como resultado, a informação alfabética foi suplantada por outros tipos de informação simbólica e icónica como força dominante. Tal como a televisão, os designers de hoje reinventam o quotidiano e constroem novas relações a partir de amostras do que já existia, usando o software para criar espaços virtuais alucinogénicos, cujas representações hiper-realistas infalíveis esbatem a fronteira entre a realidade e a ficção. Esse poder está agora também na mão dos amadores. A prová-lo estão as gravações de imagens feitas com recurso a telemóveis, que ilustram os telejornais sempre que algo de importante sucede sem que um operador de câmara profissional esteja no local. O “cidadão tornado repórter” fica assim empossado pelo poder que a tecnologia lhe confere (a qual cabe dentro do bolso). Como Crow refere, «A adição de uma câmara ao telemóvel tem tido um gigantesco efeito na disponibilidade das imagens. Tem-nos oferecido uma ferramenta para a produção das nossas identidades que tem todos os sinais de criativi-
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dade mas está impecavelmente embrulhada numa cultura de consumo pós-moderna» (p. 168). A clivagem em direcção às imagens pode ser entendida como tendo tido origem em duas fontes inteiramente diferentes, as quais originaram diferentes tipos de imagens, cuja distinção jaz nas sensibilidades subjacentes. Assim temos, por um lado, o legado do modernismo, que moldou uma actividade publicitária que nos transmitia mensagens claras e inequívocas, idealmente monossémicas, que se constituíam como exemplos de linearidade na prática da leitura de imagens. À medida que a indústria publicitária atingiu a maturidade, cresceu o volume de imagens para consumo do público e, «como a nova percepção do mundo é direccionada tanto para uma (maioritariamente fotográfica) representação do mesmo como para a própria realidade, tornámo-nos crescentemente sensíveis a questionar o que é a realidade» (Crow, p. 180). Esta tendência analítica das imagens produzidas pela inspiração modernista, guiou-nos na necessidade de encontrar território linguístico comum e, assim, contribuiu para ajudar a moldar o mundo da comunicação visual tal como o conhecemos, tornando a «aldeia global» mais viável.
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Por outro lado, temos a imagem sensorial que nos é trazida pela abordagem pós-moderna, encarando a vida como uma rede de significantes. A sua sensibilidade advêm de «uma geração que sempre conheceu a vida com a televisão, o computador pessoal, a consola de jogos e o telemóvel. Eles testemunharam uma crescente fluidez entre estas tecnologias e reconhecem o ecrã, por pequeno que seja, como uma janela na qual o mundo se joga em RGB» (Crow, p. 182). A tecnologia digital veio por conseguinte reforçar a democratização da cultura, ao mesmo tempo que ajudou a baralhar a nossa noção de realidade, quer porque é cada vez mais uma fatia importante da nossa realidade, quer porque cada vez mais a realidade nos chega através da tecnologia (Lash). Tanto assim que há quem defenda, no mundo do marketing, que os noticiários são a nova forma de publicidade, contrariando vozes convictas de que hoje já não é possível enganar-se eficazmente o público quando este não quer ser enganado (ainda que por vezes a questão resida exactamente em nós querermos ser enganados: cada vez menos parece interessar-nos o que é verosímil, em prol do que é entusiasmante). É precisamente esta necessidade de lazer e divertimento, essa cultura da cons-
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tante excitação, que nos leva a privilegiar a emoção do momento e a aceitar tudo o que seja espectacular como válido. A proliferação de imagens, causada pela democratização dos meios tecnológicos, molda a cultura visual. Cada indivíduo é um produtor de imagens, o que tem obrigado artistas e designers a reequacionarem o seu papel e a sua abordagem visual. Muitos artistas têm tomado como matéria-prima a plêiade de imagens disponível. Devemos desenvolver um entendimento histórico e crítico das tecnologias contemporâneas. O bombardeamento diário de material visual efémero poderá vir a diminuir seriamente a nossa capacidade de apreensão e compreensão e corremos o perigo de perder o deslumbramento estético. As tecnologias contemporâneas esfumam o encantamento com o que nos rodeia e as pequenas coisas do quotidiano, tornando-nos impacientes. A televisão e a publicidade cada vez mais saturam os nossos sentidos, emitindo vários tipos de informação em simultâneo. Como consequência, ou a nossa competência visual entra em retrocesso, devido a um esvaziamento da percepção, ou habituar-nos-emos a processar fluxos mais rápidos de imagens, tornando antiquadas formas anteriores de cultura visual.
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Duna, fotografia do autor: a polissemia e o poder evocativo fazem-nos ignorar a “manipulação”.
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ALFABETOS ICÓNICOS Têm existido diferentes tentativas ocidentais de se estabelecer linguagens visuais (escritas iconográficas) capazes de eventualmente (ou pretensamente) substituírem a escrita alfabética tal como a conhecemos. Já no século XVII, o filósofo Gottfried Wilhelm von Leibniz sonhou com um sistema de escrita em que as imagens pudessem ser usadas para descrever todas as comunicações humanas. Apesar de todos os sistemas deste tipo virem a padecer de insuficiente eficácia, a sua abordagem torna-se consequente não só pelo que os mesmos revelam da cultura que lhes subjaz, mas também pelas possibilidades que auguram de efectiva comunicação iconográfica (através da forma como os seus signos são construídos). David Crow mostra-se céptico quanto à eficácia destes sistemas: «A abordagem linguística aceite é a de que aos pictogramas falta algo e que esse algo é o som. Os signos são de facto demasiado “abertos”. A justificação diz que eles são imprecisos e que lhes falta claridade e detalhe. A sua interpretação é deixada à sensibilidade e ao passado cultural do leitor e consequentemente o seu significado é susceptível de mudar de leitor para leitor» (p. 58).
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A primeira tentativa de começar a definir uma linguagem iconográfica, em termos coerentes e devidamente implementados, foi levada a cabo pelo austríaco Otto Neurath, que em 1941 fundou em Oxford o Isotype (International System of Typographic Picture Education) Institute . O próprio nome e a vocação internacional da sua grafia inglesa revelavam bem as intenções de Neurath: mais do que criar uma linguagem autónoma, o filósofo e cientista social vienense pretendia antes de mais promover a educação visual, especialmente dirigida às crianças e aos países subdesenvolvidos. Para esse efeito, «os designers do Isotype removeram qualquer referência às sensibilidades antigas do ofício e qualquer traço de dialecto cultural individual. Isto reafirmou a democracia e a natureza internacional da sua abordagem» (Crow, p. 70). O Isotype Institute construiu uma colecção de símbolos de pessoas, locais, objectos e acções que foram usados para enriquecer manuais, cartazes e outro material educacional. A convicção subjacente era a de que as palavras dividem mas as imagens unem: «Otto Neurath ofereceu ao mundo uma linguagem pictórica que era utópica no seu desejo de abolir hierarquias, as quais são inerentes
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ao uso da linguagem escrita e falada. O Isotype era um antídoto à escrita: uma alternativa ou um suplemento à comunicação verbal que iria evidenciar os nossos pontos em comum em detrimento das diferenças» (idem, p. 65). Um exemplo expressivo pode ser encontrado na figura abaixo. Em termos de composição, o Isotype era um sistema linear, seguindo as convenções formais da escrita na maneira como o significado é formado.
Signos para as cinco raças humanas, segundo o Isotype Institute (imagens do Isotype Society Archive, Reading University, Inglaterra). Composição de Crow, p. 71.
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Neurath compreendia a importância dos signos icónicos e simbólicos que estivessem o mais profundamente possível enraizados na nossa consciência colectiva. Talvez por isso, o Isotype recorria massivamente a registos fotográficos como base de criação dos seus signos, em consequência da capacidade que a fotografia teria de constituir um signo sintético e expressivo. Infelizmente, e como consequência do carácter excessivamente figurativo dos signos, a intenção de Neurath de que os mesmos não se desactualizassem saiu gorada: muitos deles estão agora quase imperceptíveis, quer como consequência de alterações formais de vulto nos objectos que lhes deram origem, quer devido à alteração dos hábitos e práticas sociais que os signos retratam. Esta é uma consequência possível, quando se recorre à linguagem visual como único meio de comunicação, devido ao facto de a contextualização (neste caso, cronológica) ser uma característica intrínseca, em maior ou menor grau, ao mundo das imagens. Outras mentes se dedicaram a propor sistemas visuais alternativos à linguagem escrita, como Karl Kasier Blitz (Bliss), que criou o BCI (Blissymbolics Communication International), tendo chegado a ser nomeado para Prémio Nobel da Paz em conse-
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quência disso. Adrian Frutiger foi outro autor, ainda que só tenha desenvolvido uma linha de pesquisa pessoal nesse sentido, a qual nunca quis implementar como um sistema autónomo. Não obstante, em 1962 produziu uma série de xilogravuras que publicou sob o título de Genesis, criando assim uma espécie de sistema universal de escrita. Imediatamente a seguir, Frutiger publicou Partages, uma selecção de 26 xilogravuras que, ao contrário da obra anterior, não continha quaisquer palavras, sendo um conjunto de signos de interpretação livre. «Muita da nossa vida quotidiana é», diz David Crow (p. 146), «guiada e estruturada através do uso de pictogramas que funcionam como orientações, ordens, avisos, proibições ou instruções». Para tal, de há décadas para cá tem proliferado a linguagem dos pictogramas, signos visuais com forte capacidade de síntese e eventual descodificação internacional. A linguagem Isotype, de Otto Neurath, foi para os pictogramas em geral o que os pictogramas de Otl Aicher para os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972 (ver figura na página 54) foram para os pictogramas desportivos desde então, estabelecendo cada um no seu campo princípios fundadores que vigoram ainda hoje.
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O trabalho do Isotype Institute firmou, de acordo com Crow, «um conjunto de princípios orientadores que continuam a ser a base dos signos industriais de hoje» (p. 146), como por exemplo os sinais de trânsito, que são uma linguagem própria cujos fins são altamente pragmáticos. Este sistema de signos, definido em 1949 através de uma convenção da Organização das Nações Unidas, tem uma codificação compreensivelmente rigorosa. Basta olharmos à nossa volta para constatarmos que estamos rodeados de pictogramas. Os nossos computadores estão recheados deles. Seja qual for o sistema operativo que possuamos, os pictogramas estão abundantemente presentes e são nalguns casos o mais evidente interface visual na relação com o computador. O mesmo sucede na Internet, onde a rapidez dos processos, a economia de espaço e a internacionalização, levam a que nas páginas abundem pictogramas, muitos dos quais praticamente estandardizados, tanto assim que o que seriam signos ilógicos (um envelope para significar correio electrónico, por exemplo) estão hoje perfeitamente assimilados. Os pictogramas são económicos, mesmo no sentido literal: basta vermos como algumas embalagens e sistemas de distribuição de produtos usam picto-
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Pictogramas dos Jogos Olímpicos de Munique, criados por Otl Aicher.
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gramas para não terem de traduzir uma série de instruções ou especificações em múltiplas línguas. O mesmo sucede com uma variedade de máquinas e aparelhos e, por vezes, até com os respectivos manuais de instruções (vejam-se os manuais de montagem da IKEA, por exemplo). Até o recrudescimento da linguagem escrita, em formato de notas, através das SMS, emprega uma notação icónica: os smileys, caracteres que, alinhados de determinada forma “desenham” expressões faciais como sorrisos, piscares de olho, tristeza, etc. De certo modo, esta abordagem “iconográfica” parece ser a resposta da linguagem predominantemente visual da juventude à restrição tecnológica dos telemóveis. Atentos a esta realidade, os fabricantes rapidamente começaram a integrar na paleta de caracteres dos seus telefones uma gama de smileys, que dispensam sequer o uso de teclas alfanuméricas.
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SIGNOS ALFABÉTICOS A partir do início da década de 1990, a tecnologia digital já estava a ser usada por qualquer utilizador de computadores como forma de expressão pessoal, e o software de criação e manipulação tipográfica inaugurou novas capacidades expressivas. Como afirma Crow, «o design tipográfico tornou-se numa arena para jovens designers se expressarem, manipulando o software para produzir marcas autográficas altamente pessoais ou criar constructos conceptuais de linguagem, de um modo que devia muito à ascensão da imagem e ao crescente interesse na teoria pós-moderna que se seguiu [...] Um novo plano estava a ser formado para a tipografia através da revisão das relações no cerne da linguagem» (pp. 20–21). No entanto, havia sido na Inglaterra de finais dos anos 1970 que a tipografia começara a ser fortemente questionada na sua aparente rigidez formal, sendo “atacada” e convertida num instrumento de expressividade pictórica. A responsabilidade foi do movimento Punk e da nova geração de designers que aí iniciou o seu trabalho tipográfico. O carácter efémero que o Punk veio trazer à cultura foi um sopro libertador, e nomes como Neville Brody, Malcolm Garrett, Peter Saville ou Vaughan
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Oliver definiram aí as suas tendências estéticas. Na década de 1980 gerou-se uma espécie de estética “industrial”, em que os mecanismos de produção eram exibidos e claramente evidenciados, sendo a tecnologia explorada de formas inesperadas e nas suas mais variadas vertentes. Com o advento do computador pessoal, perdeu-se o carácter manual da construção do texto como imagem, mas ganhou-se uma flexibilidade que permitiu aos designers questionarem a própria noção de legibilidade, levando-a a extremos ou pura e simplesmente ignorando-a, dando primazia a composições tipográficas de forte cariz imagético, usando a tecnologia como instrumento de expressão artística pessoal e arma de arremesso contra a anterior lógica objectiva do modernismo. Apesar desta revolução tipográfica, cujo princípio fundador (apoiado na tecnologia digital) era quebrar as barreiras da materialidade, pretendendo converter o texto em imagem, o panorama actual fica aquém desse entusiasmo. Após todo o experimentalismo tipográfico dos anos 1990, que foi rapidamente absorvido pelo mainstream («contorções tipográficas que desafiavam a convenção, originadas em media alternativos, tornaram-se rapidamente códigos visuais que os marketers usaram para atingir um público jovem» — Heller, 2002,
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pp. 206–207), vemos hoje proliferar a criação tipográfica mais no sentido do rigor tecnicista do que em direcção à experimentação artística. Há, ainda assim, uma inquestionável evolução no trabalho tipográfico, e a tecnologia digital pesou decisivamente nesse desenvolvimento de um discurso tipográfico menos impessoal, mais “personalizado”: hoje em dia é fácil podermos escolher entre centenas de famílias de tipos possíveis para compormos um livro de texto, tendo cada uma delas não só excelentes características de legibilidade (e flexibilidade no escalonamento em tamanho), como uma “voz” própria e peculiar. O que creio que de algum modo se perdeu (apesar de não se ter desperdiçado, porque essa aprendizagem foi incorporada na cultura mainstream) foi o uso da tipografia como imagem. Ela subsiste, no mundo globalizado, em nichos como as revistas e os sites de actividades desportivas “radicais” como o surf, o BTT ou o skating, onde esse tipo de linguagem visual é instigado pelo carácter “subversivo” das actividades. Genericamente, no entanto, a imagem parece ter ganho ascendente sobre o texto, relegando assim um estudo tipográfico sério mais para os meios experimentalistas. Em termos de comunicação de massas, foi curiosamente também nos anos 1990 que anunciantes como a Nike sintetiza-
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ram toda a sua comunicação textual ao máximo (por vezes suprimindo-a por completo).
Contraste e Manifestação, exercícios tipográficos académicos de Rodrigo Feijão e João Gama Campos, 2009.
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ESCOPOFILIA O voyeurismo é um componente importante na cultura visual de hoje, nomeadamente através da fotografia, pelo seu carácter de representação “fiel” da realidade. O fenómeno Big Brother não é de todo novo, na medida em que os seus pressupostos (espreitar a vida dos outros, ansiando nela ver todos os pecados), se manifestam desde há décadas em fenómenos como a existência dos paparazzi, ou, mais recentemente, e com uma validade cultural conferida por editoras de prestígio, o fenómeno da «photo trouvée». O termo refere-se à recolha de fotografias “encontradas” (de preferência em sítios onde se depositem os escolhos anónimos, como contentores de lixo), que são seleccionadas para determinada exposição ou obra impressa por comissários ou editores imbuídos de uma determinada carga cultural e com interesses conjunturais. Em termos artísticos, o pretexto da actividade é o de encontrar imagens que, totalmente descontextualizadas da sua génese, remetam inequivocamente para a mesma, ou, por oposição, permitam leituras plenamente abertas. Seja qual for o pressuposto, inevitável é que, no caso de fotografias efectivamente anóni-
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mas e de autoria alheia, estamos perante uma manifestação de voyeurismo. O voyeurismo é o prazer de olhar sem ser visto. Opõe-se ao exibicionismo, que é o prazer de ser visto e confunde-se com a escopofilia, que é a vontade de olhar e o prazer geral de ver. Aumont (p. 57) afirma: «Reconhecer o mundo numa imagem [pode] gerar um prazer específico. É indubitavelmente verdadeiro que uma das razões principais para o desenvolvimento da arte figurativa, mais ou menos naturalista, é a satisfação psicológica decorrente de reencontrar uma experiência visual numa imagem, numa forma que é simultaneamente repetível, condensada e capaz de ser dominada». Para Sturken & Cartwright (pp. 72–73), a teoria psicanalítica é a que melhor explica o prazer que temos em ver imagens, ligando os nossos desejos ao nosso mundo visual: «podemos ter relações intensas com as imagens precisamente por causa do poder que elas têm tanto de nos dar prazer como de nos permitirem articular os nossos desejos através da observação». A etapa infantil denominada de «fase do espelho» (quando as crianças se apercebem de que são seres autónomos), fornece a base da alienação, que nos permitirá entender o grande valor que atribuimos
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às imagens, encarando-as como ideais (idem, p. 75). Cada imagem coloca o observador num determinado ponto de vista (que poderá ser fixo ou mutável, consoante o tipo de imagem). Como as imagens existem para ser vistas, ou nos são dadas a ver, o facto de as observarmos à nossa vontade, sem que sejamos observados, contribui para o apelo dos meios visuais. A nossa posição de voyeurs de imagens permite-nos relacionarmo-nos com as mesmas de forma muito intensa, colocando-nos numa posição crítica de superioridade, vendo nelas o que os outros vêem e mesmo o que os personagens retratados nas mesmas observam, criticando-os à vontade sem que sejamos criticados. Esta é a sedução, por exemplo, das revistas ditas «masculinas», onde habitualmente proliferam mulheres seminuas e atracções tecnológicas. Neste caso em concreto, a posição em que o observador é colocado pelas imagens é claramente orientada pelo género, mas poderia sê-lo por uma determinada religião, pela gulodice ou pela fé numa marca; actividades como a publicidade usam e abusam desta abordagem voyeurista, dirigindo o mais inequivocamente a construção de uma determinada imagem para uma categoria almejada de voyeurs. Em suma, «De algo que mediava a nossa relação
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com o que nos escapava, a imagem alcança uma ontologia absoluta, tudo remetendo para si própria» (Bragança de Miranda, p. 165). A visão, sendo o mais valorizado dos nossos sentidos, reveste-se de uma importância transversal. A inevitabilidade da visualização a isso obriga — a necessidade que temos, não só de interagir de forma predominantemente visual com tudo o que nos rodeia, como também a nossa tendência para consumir imagens onde quer que estejamos: «A vida moderna desenrola-se no ecrã [...] ver é mais importante do que crer. Não é uma mera parte da vida quotidiana, mas sim a vida quotidiana em si mesma» (Mirzoeff, p. 17). Alexandre Melo considera que estamos «emersos numa permanente orgia visual, ao ponto de já não nos apercebermos sequer da natureza da matéria que nos rodeia e envolve. A esse respeito sejamos claros: são imagens. Imagens que são concebidas, produzidas e postas em circulação e que, na dinâmica da sua circulação, dão forma aos nossos modos de imaginar, conceber, produzir, circular e ser» (p. 60). Melo refere ainda que «estas matérias-primas são necessárias para vermos a própria realidade em que vivemos, já que não há visão da realidade que possa ser independente da adopção
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de um determinado dispositivo de visão» (p. 73). Walker & Chaplin (p. 147) consideram o prazer como uma parte crucial do usufruto da visualidade (p. 150): «A cultura visual providencia prazer estético e vários outros tipos de satisfação. Os humanos não lhe prestariam qualquer atenção, ou sequer a produziriam, se assim não fosse (ocorrendo também desprazer quando [por exemplo] encontramos filmes grosseiros e muito mal concebidos)». Segundo estes autores, a população é compelida a sentir prazer através da acção de dois vectores: as indústrias cultural, de lazer e de turismo baseiam a sua viabilidade no prazer e, para além disso, muitos trabalhadores não apreciam o seu trabalho, buscando por isso satisfação no consumo dos tempos de lazer. Para Walker & Chaplin, a mais relevante experiência de prazer é a colectiva, como a que sucede em eventos desportivos ou concertos de música Rock. A justificação reside no facto de as emoções serem contagiantes em situações colectivas: «a sensação de fusão com outros que desejam o mesmo desfecho pode ser um escape bem-vindo do confinamento de si próprio» (p. 149).
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Questão relevante é como se manifesta o prazer estético. Os autores advogam que «Alguns sinais de prazer estético são fisiológicos: um arrepio na espinha, pele de galinha, pêlos eriçados. Há também agitação mental, uma sensação de refinado entusiasmo desencadeada pela convicção de estarmos na presença de um artefacto ou performance de grande valor artístico e significado» (p. 152). A imagem fotográfica (fixa ou sequenciada) pode transmitir fielmente o prazer estético da realidade. A fotografia, enquanto suporte comunicacional, é propícia a um dos mais cativantes esquemas de fomento do prazer visual: a estranheza ou «desfamiliarização», como lhe chamam Walker & Chaplin (p. 156): «à medida que vivemos o dia-a-dia o mundo à nossa volta torna-se muito conhecido; consequentemente, perdemos o nosso olhar inocente e sentido de deslumbramento». Os autores defendem que a nossa percepção do mundo é renovada sempre que o vemos sob novos prismas. A imagem fotográfica (fixa ou sequenciada), aceite como uma representação verídica do que nos rodeia, tem a capacidade de atrair a nossa curiosidade ao mostrar-nos pontos de vista inusitados. Pode também adulterar o tempo, dando-nos a conhecer, através da aceleração ou desaceleração extremas,
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fenómenos físicos que nos são imperceptíveis a olho nu. Para além de nos proporcionarem uma visão renovada do que nos rodeia, estes processos podem tornar os seus motivos irreconhecíveis, criando um lapso temporal entre a percepção e a descodificação dos mesmos e assim estimulando o prazer intelectual do observador. Um exemplo de contracção temporal é o cinema, em cujos filmes «tudo é comprimido e intensificado, a vida é acelerada» (Walker & Chaplin, p. 157), proporcionando espectáculo, emoção e escapismo.
Atelier, fotografia do autor sobre a «desfamiliarização».
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PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO A cultura visual alicerça-se no que vemos. «Conhecer as imagens que nos rodeiam significa também alargar as possibilidades de contacto com a realidade; significa ver mais e perceber mais» (Munari, pp. 19–20). Ou, como afirmou o dramaturgo florentino Feo Balcari em 1449: «O olho é a primeira das portas / por onde o espírito pode aprender e provar» (citado por Le Goff & Truong, p. 155). Atentemos na fotografia seguinte: o que vemos lá representado?
Texturas, fotografia do autor.
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A resposta mais provável será: ‘árvores’. Ou ‘arvoredo’. Ou ‘floresta’, ou algo similar. Pelo menos esta será a interpretação, normalmente expectável, da pessoa urbana e informada que se supõe estar a ler este livro. Nenhuma destas descrições estará factualmente errada. No entanto, assim como uma fotografia de um relvado de futebol não nos mostra um jardim mas sim um recinto de jogo, um observador conhecedor faria uma descrição precisa da fotografia e, em vez de englobar todas as árvores sob um mesmo epíteto, nomeá-las-ia uma por uma, como quem indica o nome dos seus parentes num retrato familiar. A cultura visual não consiste só no que vemos, mas também no que sabemos. Ver algo implica descodificar esse algo, o que fazemos contextualizando-o. Esse contexto é proporcionado pelo nosso conhecimento prévio: como dizia Bruno Munari, «Cada um vê aquilo que sabe» (p. 19). Assim, a nossa cultura visual constrói-se com base não só na nossa capacidade de ver, mas também apoiando-se no nosso saber. Na nossa mente, os estímulos visuais geram uma imagem mental, a qual ou tem origem no universo visual ou para ele remete. O conceito subjacente é o de que a cultura visual pode ser um processo mais cultural e menos visual, ou seja,
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pode ser mais consequência de um enquadramento cultural do que resultado directo dos estímulos visuais que lhe dão corpo. Se, num determinado contexto, virmos a cor vermelha (ou simplesmente a ouvirmos ser pronunciada ou pensarmos nela), poderemos associá-la ao Sport Lisboa e Benfica. Esta é uma imagem mental, resultante da nossa cultura. No entanto, ‘vermelho’ por si só não é um significado possível do SL Benfica, mas somente um estímulo cromático (portanto, da ordem do visual) que remete para o clube. Daqui decorre que uma parte importante dos estudos de cultura visual recai sobre os aspectos estritamente culturais (a percentagem em que isso sucede varia consoante os autores, dependendo da sua formação, sensibilidade e interesses). A questão relevante neste ponto acaba por ser a tradicional dicotomia forma/conteúdo, na qual se vê a forma e se conhece o conteúdo. A cultura visual é mais do que um conjunto de formas visíveis: é um processo que conjuga forma e conteúdo e cujo carácter ora remete mais para a ordem do visual, ora para o cultural, ora para ambos. Sturken & Cartwright (p. 2) entendem que «é importante considerar a cultura visual como um todo complexo e ricamente variado por uma razão
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importante [...] As nossas experiências visuais não decorrem isoladamente; elas são enriquecidas por memórias e imagens provenientes de muitos aspectos diferentes das nossas vidas», acrescentando: «O mundo que habitamos está cheio de imagens visuais. Elas são nucleares na forma como representamos, produzimos significado e comunicamos no mundo que nos rodeia [...] Os nossos valores, opiniões e crenças têm sido crescentemente moldados de modos poderosos pelas muitas formas de cultura visual que encontramos na nossa vida quotidiana» (p. 1). As imagens fotográficas são, por exemplo, fulcrais no estabelecimento de cânones corporais, os quais são interiorizados por cidadãos que partilham ideologias sociais e que desejam estar integrados e cingir-se à norma, o que sucede porque existe uma vastidão homogénea de imagens nos mass media que produz «o olhar perfeito, o corpo perfeito e a pose perfeita. Porque nós enquanto observadores de imagens publicitárias muitas vezes não pensamos nos modos através das quais elas operam como textos ideológicos, estas imagens têm frequentemente o poder de afectar a nossa auto-imagem» (Sturken & Cartwright, p. 98). As imagens mediatizadas, como as fotográficas, ganham im-
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pacto social através da sua reprodutibilidade. A produção de significado, resultante do acto de ver, origina-se em sistemas de representação (pintura, cinema, fotografia, televisão, etc.), os quais se fundam em convenções. Sturken & Cartwright (p. 12) referem que, ao longo da história, se tem debatido se estes sistemas de representação reflectem o mundo tal como ele é, ou se de facto concebemos o mundo e o seu significado através dos sistemas de representação que usamos. Concluem que construímos o significado do mundo material através destes sistemas, os quais «organizam, constroem e medeiam o nosso entendimento da realidade, emoção e imaginação» (p. 13). A análise de imagens considerada neste livro está direccionada para o significado intencional das mesmas: a forma como se dirigem a um observador ideal, sendo recebidas por um observador real. Importa clarificar este princípio, porque uma só imagem pode servir uma multiplicidade de propósitos, surgir numa variedade de enquadramentos e significar coisas distintas para diferentes pessoas. O significado das imagens não lhe é intrínseco, sendo produzido também pela interpretação e discussão: «O significado não reside nas imagens, sendo antes produzido no momento em que as
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mesmas são consumidas» (Sturken & Cartwright, p. 7). Em relação à fotografia, Jeanloup Sieff (p. 11) declara que «Não existem bons ou maus motivos, existe apenas a qualidade da observação», justificando: «É a qualidade do sujeito e do olhar que prevalece, em vez de informação propriamente dita. Por outro lado, as imagens mais emocionantes são, frequentemente, as desprovidas de informação ou que não nos dizem nada». O significado de uma imagem nunca é unívoco, devendo ter-se em conta não só o significado dominante ou partilhado, mas também outros significados. Em vez de se dirigir globalmente, «uma imagem “fala” para conjuntos específicos de observadores que acontece estarem sintonizados em algum aspecto da imagem, tal como estilo, conteúdo, o ambiente que ela define ou as questões que levanta. Quando dizemos que uma imagem fala connosco, podemos também dizer que nos reconhecemos no grupo cultural ou público imaginado pela imagem. Tal como os observadores extraem significado de imagens, as imagens também erigem públicos» (Sturken & Cartwright, p. 45). Stuart Hall (citado por Sturken & Cartwright, p. 57) defende que existem três posturas possíveis para um observador, na recepção de uma imagem:
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IMAGEM Informação em bruto O significado não é intrínseco, mas antes produzido no acto
CONTEXTO Panorama cultural Influencia a imagem e a percepção do observador
OBSERVADOR Visão, memória e emoção Projecta-se na imagem mas também é instruído por ela
Esquema de produção de significado das imagens.
— interpretação dominante/hegemónica: alinhando pela posição hegemónica e recebendo a mensagem sem questionar; — interpretação negociada: negociando uma interpretação pessoal da imagem com a interpretação dominante; — interpretação opositiva: assumindo uma posição antagónica, quer pelo desacordo total com a posição ideológica da imagem, quer rejeitando a imagem de todo (por exemplo, ignorando-a).
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A produção de significado reside numa interacção complexa entre imagem, contexto e observador. Decifrar uma imagem é um acto simultaneamente consciente e inconsciente, evocando memórias, conhecimento e enquadramento cultural, para além das características da própria imagem e dos significados dominantes que lhe estão associados.
O Grito (detalhe): esta minha fotografia tem colhido as mais inesperadas interpretações, fruto da variação de contextos e observadores.
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LITERACIA VISUAL Aparentemente, a noção de ler uma imagem poderá parecer desadequada: a leitura habitualmente pressupõe a interpretação de uma sequência de signos alfabéticos para a obtenção de significado, e tradicionalmente acreditamos abarcar toda uma imagem com um só olhar, o que a tornaria “não legível”. Porém, a banda desenhada, a fotonovela, o filme ou o diaporama, solicitam um processo mental temporal semelhante à leitura de um texto, e mesmo uma imagem fixa constrói o seu significado só depois de um trajecto do olhar pela mesma, numa sucessão de esgares que acumulam a descodificação dos diferentes signos visuais que a compõem. A leitura linear é aqui dispensada, porque as imagens podem apresentar ligações espaciais simultâneas em qualquer direcção. Kress & van Leeuwen entendem que «a comunicação visual está a tornar-se cada vez menos o domínio de especialistas e cada vez mais crucial nos domínios da comunicação pública. Inevitavelmente, isto conduzirá a novas e mais regras e a um ensino normativo mais formal. Não ser “visualmente letrado” começará a suscitar sanções sociais. A “literacia visual” começará a ser uma
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questão de sobrevivência, especialmente no local de trabalho» (p. 3). Apesar de haver países, como a Inglaterra, em que os respectivos ministérios da educação pretendem ensinar a ler imagens, não são ainda visíveis resultados, e a convicção generalizada mantém que a leitura de imagens, por ser inata, dispensa aprendizagem. Sempre que se opõe a literacia verbal à visual, as posições extremam-se e há autores, no universo da comunicação visual, que quase chegam a afirmar que a nossa sociedade sobreviveria sem a linguagem verbal mas não sem a linguagem visual. Walker & Chaplin resumem a contenda: «não é na realidade uma questão de privilegiar um ou outro, porque uma vez que as formas dominantes de comunicação são multimedia, é adequado estudá-las em conjunto» (p. 113). O conhecimento do contexto em que uma imagem é representada é fundamental para a sua descodificação. Ainda que algumas imagens, como as fotografias, sejam de percepção imediata em termos quase “universais” (muito mais facilmente do que as seis mil línguas existentes), tal não significa que o observador consiga entender o significado de uma imagem só porque consegue vê-la,
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uma vez que «códigos, convenções e símbolos são usados na leitura de artefactos visuais, que podem não ser conhecidos dos observadores, e porque aos observadores pode faltar o conhecimento contextual — cultural e histórico — que é geralmente requerido antes que o assunto e conteúdo das imagens possa ser apreendido» (Walker & Chaplin, p. 113). Estes autores (pp. 114–115), defendem inequivocamente o ensino para a literacia visual (evolutiva ao longo da vida, à medida que os criadores visuais questionam códigos e convenções), nomeadamente pela explicação de códigos, simbolismos, montagem, edição e retórica imagética. Segundo os mesmos, tais conhecimentos tornariam, por exemplo, «todos os observadores cépticos em relação às reivindicações de veracidade das fotografias de imprensa e de documentários filmados em noticiários televisivos» (p. 115). Citam Paul Messaris para alinhar quatro pontos de vista essenciais sobre literacia visual (p. 114): — a literacia visual é geralmente considerada como sendo um pré-requisito para a compreensão dos meios visuais; paradoxalmente, ela é normalmente adquirida através da exposição cumulativa aos meios visuais;
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— acredita-se que a melhoria da literacia visual aumente as capacidades cognitivas gerais das crianças, ajudando-as assim a resolver outras tarefas intelectuais; — melhorar a literacia visual deveria aumentar a compreensão dos alunos sobre os mecanismos de manipulação mental e emocional através dos meios visuais, tornando-os assim mais resistentes ao poder persuasivo da propaganda política e da publicidade comercial; — melhorar a literacia visual deveria aprofundar a apreciação estética; apesar de o conhecimento de como certos efeitos visuais são conseguidos poder dispersar o seu mistério, tal conhecimento é claramente essencial se se deseja avaliar a habilidade artística envolvida. «Temos que constatar que se misturam, quotidianamente, nos écrans do planeta, as imagens da informação, com as da publicidade e as da ficção, cujos tratamentos e finalidade não são idênticos, pelo menos em princípio, mas que criam, sob os nossos olhos, um universo relativamente homogéneo na sua diversidade» (Augé, p. 39). Nos tempos que correm, é grande a tentação de tudo querer saber e de se estar sempre em cima do acontecimento, dominando a actualidade. Rapidamente se constata que muitas vezes os soundbytes
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(como é corrente dizer-se agora nos meios que produzem esses mesmos soundbytes) por vezes pouco mais fazem do que distrair a mente. Comentando a vida moderna, James Elkins sustenta que, sendo a nossa noção de nós mesmos, individual e colectivamente, produzida no carácter visual e através do mesmo, «é fundamentalmente importante aprender a compreender as imagens como construções sociais e não como reflexões da realidade» (2008, p. 7). Alan Fletcher complementa: «Cegos pelo hábito, nós divagamos com o olhar em vez de olharmos com acuidade. De facto, o olho dorme até que a mente o acorde com uma questão» (p. 178). O cinema de Hollywood é, para Glyn Davis, «um império sedutor de visualidade. Os filmes produzidos pelos estúdios mais importantes constroem um mundo simulado, imaginário, baseado noutros filmes, um mundo reconhecível de outros filmes porém muito afastado do “normal” ou “quotidiano”. Este domínio simulado de experiência pode consumir a “verdadeira”, suplantando-a, afectando directamente as nossas vivências dos acontecimentos reais» (p. 220). Esta é uma das consequências do que Bragança de Miranda apelida de «natureza psicotrópica da cultura» (p. 194): «Independentemente de qualquer decisão sobre a
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lógica do aparelhamento estético, tudo indica que o seu funcionamento remete para uma nova estrutura do “alucinatório”, sem por isso ter de se entender nada de psicológico. A alucinação actual identifica-se com o próprio “real”, tal como se cristalizou historicamente, baseada numa confiança que permitia distinguir real e ficção, imaginação e existência, sonho e realidade».
Morte súbita, exercício académico de Nuno Dias, 2009.
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PERCEPÇÃO VISUAL Jacques Aumont (p. 241), apesar de admitir que «Podemos por vezes até ter a impressão na nossa vida diária de que as imagens nos invadiram», defende que este sentimento «nos impede de reconhecer que esta proliferação de imagens é só um epifenómeno de uma convulsão mais profunda». Aumont esclarece que ao longo dos séculos o estatuto das imagens se tem alterado de espiritual para visual, ou seja, hoje as imagens perderam o poder de transcendência e foram reduzidas a simples registos (ainda que expressivos) de aparências: «Hoje em dia, a multiplicação massiva de imagens pode parecer assinalar um retorno da imagem, mas a nossa civilização permanece, quer gostemos quer não, uma civilização de linguagem». Muitas imagens são ricas em efeito e pobres em sentido: «Enquanto o sentido é um produto do sistema cognitivo, o efeito é mais vivenciado como uma transformação de estado sofrida por um sujeito: o primeiro é activo, o segundo é passivo» (Vandendorpe, p. 79). A rotina de contemplação que a imparável proliferação de imagens acarreta é uma de enorme velocidade e insaciável apetite, o que faz com que os
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fotógrafos considerem natural apresentar centenas de imagens sobre um mesmo assunto, passando o ónus da triagem para o observador, na convicção de que este não só não se importa de ser inundado com imagens como também o deseja, de modo a poder exercer o seu olhar predador. Os fáceis meios de divulgação electrónica, imediatos e quase grátis, como “galerias” on-line, e-mail, telemóvel, instant messengers, entre outros, facilitam a tarefa e estimulam emissores e receptores. Não deixa de ser intrigante como a comercialização da música, a mais abstracta das artes, depende hoje em dia tanto das imagens que lhe conferem visibilidade. Na indústria Pop, sobretudo, os videoclips são instrumentos simultaneamente de visualização e de promoção. São declarações de estilo que, para Sturken & Cartwright, representam uma afirmação primordial do estilo pós-moderno, «com a sua mistura de elementos narrativos variados, muitas vezes desconexos, as suas combinações de diferentes tipos de imagens e o seu estatuto simultaneamente de anúncios publicitários e textos televisivos» (p. 259). Um terço do nosso cérebro é dedicado ao processamento de estímulos visuais, que representam 70% da informação que nos chega do exterior
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(Walker & Chaplin, pp. 18–20). Este indicador dá-nos a medida da importância que o nosso organismo atribui à comunicação visual. Sabendo isso, artistas e designers têm adquirido conhecimentos específicos sobre o funcionamento da visão e do processamento dos sinais visuais, e muitos produtos visuais têm reflectido esse estudo. O carácter visual do nosso imaginário, no entanto, extrapola largamente o mecanismo visual: há uma imensidão de imagens mentais que se formam no cérebro sem que tenham origem num estímulo visual directo. Bragança de Miranda (p. 81) define o imaginário do seguinte modo: «De forma ainda preliminar e, de algum modo, brutal, diremos que “imaginário” é o arquivo das imagens e dos procedimentos da sua agilização, tendo a ver com a transformação “incorporal” do existente, ou seja, com o facto de que, para além do fabrico de objectos ou de sujeitos, se fabricam “relações”, com que se ligam e desligam os “fragmentos” que mobilam o mundo, que povoam a existência». É o caso dos sonhos e das alucinações, mas também da memória e da imaginação. Daí que existam noções populares contraditórias como «ver para crer» (a visão não engana) e «as aparências iludem» (a visão engana).
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Nenhum destes extractos de sabedoria popular é inteiramente verdadeiro. Tanto assim, que o mecanismo da visão está ancorado num processo psicológico: como Walker & Chaplin apontam, «a visão é condicionada pelos vários interesses e desejos do observador e pelas relações sociais existentes entre este e o observado» (p. 22). Os autores citam, como exemplo, as diferentes formas pelas quais uma jovem camponesa (que se ocupasse do gado na Inglaterra de finais do século XIX) teria sido percepcionada por diferentes observadores, como turistas, antropólogos, o pintor Paul Gauguin, etnólogos, o seu apaixonado, os seus pais, os amigos, o empregador e os colegas de trabalho. E, se neste caso de visão «não mediada» (o termo com que alguns autores designam a recepção de comunicação não intencional), poderia haver tantas interpretações da camponesa quantos os observadores, imagine-se a acção que teria uma visão «não mediada» de alguém como Paul Gauguin, ou ainda Vincent Van Gogh. Se há pouco mais de 100 anos a observação directa de uma camponesa ainda era fácil, tal como era fácil ter-se um conhecimento vasto do trabalho do campo, hoje em dia uma tal visão só se torna possível, em muitas urbes do planeta, com a intermediação dos mass media, os quais nos moldam cada vez mais a percepção do mundo “real”.
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No mundo actual, as actividades como a lavoura ou o pastoreio são provavelmente encaradas ora com mera nostalgia ecológica, ora com um aroma poético. Não estranhas a este fenómeno serão as sensações como o odor ou o paladar de alimentos naturais, que contribuirão activamente para definir a nossa percepção de um retrato campestre. De facto, a nossa cultura visual é frequentemente influenciada também pela acção dos outros órgãos dos sentidos: as sensações tácteis (toque, textura, contorno) são relevantes, bem como as cinéticas (o movimento ou o esforço muscular ou dos tendões). Estas sensações tácteis são hoje em dia novamente valorizadas, desta feita celebrando o retorno a um carácter orgânico há muito perdido na nossa civilização, na qual não plantamos os vegetais que ingerimos e onde, asfixiados dentro de urbes de betão, temos no desporto uma das poucas vivências “físicas” que ainda nos são possíveis, ao corrermos nos subúrbios das cidades onde, como diz uma anedota, deitaram as árvores abaixo e atribuíram às ruas os nomes delas. Neste cenário de afastamento da vida mais orgânica de outrora, rodeamo-nos de “molduras digitais” que afixam em alternância imagens de uma natureza longínqua, e de serviços de pratos ilustrados com cenas bucólicas de antanho, ao mesmo
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tempo que apreciamos o prazer de manusear um papel áspero, rugoso e irregular de fabrico manual. Como dizem Fiell & Fiell (p. 18), «A tactilidade inata de [certas] formas é profundamente persuasiva, mesmo ao nível do subconsciente».
Relevos, fotografia “quase táctil” de Isabel Rêgo.
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O OLHAR Talvez somente as imagens de nós mesmos num espelho estejam esvaziadas do potencial voyeurista, na medida em que acusam a nossa própria presença e o nosso envolvimento. Mas, como referem Walker & Chaplin, sempre que «encontramos um olho numa imagem ou filme sentimos um efeito de espelho e somos lembrados que os nossos próprios olhos estão empenhados no acto de olhar» (p. 104). Daí a importância que o olhar dos retratados possui: na contemplação de uma imagem sentimos que o mesmo se dirige a nós, e só a nós, e podemos ainda pensar narcisicamente que aquele é o olhar que devolvemos a nós mesmos, o que nos conferiria algum poder sobre o personagem retratado. Os olhares domesticados são o prato forte nas imagens que pretendem cativar-nos, seja para nos oferecer a contemplação de uma mulher em biquíni numa revista ou para nos convencer a comprar um novo dentífrico. Como sucede em muitos anúncios “sensuais”, uma mulher que é abraçada por um homem não olha para ele mas para o observador, como que dizendo «É a ti que eu prefiro». A programação televisiva está cheia de olhares domesticados, que são aqueles com que os(as) apresentado-
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res(as) nos contemplam e que pretendem dizer «És bem-vindo e este programa é para ti». São olhares que não questionam nem ferem, são inócuos na sua passividade e esvaziados de emoções negativas. São olhares que nos transmitem de forma imediata e inequívoca a segurança de sermos “bem tratados”. É também por isso que modelos e manequins resultam bem neste papel: a maior parte das vezes muitos deles conseguem afixar um olhar tão esvaziado de pensamento e atitude (sobretudo quando estão concentrados no teleponto), que, junto com um corpo minimamente invejável, se tornam de imediato transmissores cristalinos, capazes de nos ligar facilmente aos conteúdos que estão a ser divulgados. Basta pensarmos no que sucederia se um apresentador que fala para a câmara mantivesse os olhos fechados, para pensarmos no embaraço que isso nos causaria (Sontag, pp. 37–38): nem mais nem menos que a angústia e indeterminação de olharmos para os olhos de um cego. Para nos evitar esse embaraço, os apresentadores olham directamente para a objectiva da câmara e os invisuais usam óculos de sol. O olhar domesticado não nos perturba na nossa condição de voyeurs — ele autoriza-nos esse mesmo estatuto. O olhar rebelde, pelo contrário,
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afirma-se na sua individualidade e questiona frontalmente a nossa condição de observadores. Confrontados com ele, nós próprios passamos a ser postos em causa, e um profundo incómodo ou um intenso fascínio poderão surgir. Como o resultado é inseguro, actividades de sedução como a moda e a publicidade preferem não arriscar e adoptam olhares domesticados. O mesmo já não sucede na arte, onde a comoção gerada por pinturas como Olympia (1863), de Manet, reside precisamente no facto de uma personagem — neste caso, a principal e que deu nome ao quadro (uma mulher nua deitada) — nos contemplar frontalmente com um olhar rebelde, um olhar que revela uma postura de inconformidade com a situação passiva de modelo dócil destinada ao agrado erótico dos observadores masculinos. No caso de Olympia, a mulher parece querer deixar bem claro que encara a sua profissão como um ofício mundano, sem emotividade, e que se não o transmite pela pose expressa-o pelo olhar. No limite extremo do olhar rebelde (que não se importa com o que pensamos dele) encontramos o olhar imperativo, aquele tipo de olhar que se impõe sobre nós vigilantemente. É o caso dos retratos de ditadores, massivamente produzidos e distribuídos por todos os edifícios públicos e lares, e que Fou-
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1. O olhar de artistas e fotógrafos e suas câmaras, em direcção ao motivo ou cena a serem registados
2. Os olhares trocados pelos personagens retratados dentro das fotografias ou filmes
3. O olhar do espectador em direcção à imagem
4. Os olhares trocados entre os personagens retratados e os espectadores
Os olhares nas imagens, descritos por Walker & Chaplin (p. 98) e ilustrados pelo autor. cault considerou prefigurarem um sistema de vigilância, o qual seria eventualmente interiorizado pelos cidadãos até que estes se tornassem os supervisores de si mesmos. O acto de olhar nunca é inocente, seja da parte do observador seja da parte dos representados. A sua importância no contexto da cultura visual é grande, na medida em que, sendo um meio primitivo e universal de comunicação
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animal, carrega consigo uma série de implicações e conotações que são relevantes no estudo das mensagens visuais e do tipo de cultura em que estas se inserem.
Os olhares domesticados e sedutores típicos das fotografias de banco de imagens (Dreamstime.com).
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A MERCANTILIZAÇÃO DA CULTURA A cultura visual baseia-se na existência de artefactos visuais, os quais podem ir da materialidade de um automóvel até à imaterialidade de um spot de vídeo. A avaliação de artefactos visuais é uma componente importante na cultura visual, não só pela parte dos analistas, mas também (e sobretudo) pela parte do público que usufrui desses artefactos visuais. A avaliação molda toda a produção cultural (objectos mal recebidos são descartados pelos seus produtores), definindo a mediania que a maioria do público aceita mais facilmente. Não obstante, há diferentes tipos de valor, de seguida explicados por Walker & Chaplin (p. 165): — valor artístico: refere-se ao apreço do valor qualitativo, ao nível da qualidade estética e do conteúdo significante; — valor de uso: avaliação da performance funcional de um objecto ou da função de um artefacto imaterial (decorativa, simbólica, memorial, ideológica ou política); — valor pessoal ou sentimental: medida do papel desempenhado na vida privada, biográfica ou emotiva de um indivíduo;
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— valor monetário ou de troca: cálculo extremamente variável, que reflecte o preço que uma quantidade de indivíduos estará disposta a pagar pelo objecto. Este último valor é o mais mundano de todos, mas eventualmente o mais pragmático, e reflecte a influência dos três anteriores. Provas da variabilidade do valor monetário de um objecto, edifício ou artefacto cultural abundam, e não se passa muito tempo sem que mais uma obra de arte atinja um novo recorde num leilão, marcando o paradigma da relação objectividade/subjectividade na fixação de preços, naquele que será eventualmente o tema comercial mais subjectivo de todos — a arte. Walker & Chaplin referem Andy Warhol, que, segundo eles, apesar de ter sido influente e significativo, produzia pinturas e filmes de fraca qualidade (p. 167). Mas poderíamos acrescentar um exemplo como o de Van Gogh, que, sendo um pintor singular, só obteve reconhecimento póstumo (o que é uma das perversidades do funcionamento da máquina crítica que avalia o valor artístico, o qual serve de base para o cálculo do valor monetário). Os artefactos culturais assim criados poderão facilmente inserir-se num sistema de valoração artística, adquirindo o estatuto de obras de arte,
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objectos clássicos e de culto, tal como os definem Walker & Chaplin (p. 171): — o artefacto tem de ser suficientemente robusto e felizardo para resistir ao tempo (o que implica cuidado e preservação); — tem de ser suficientemente complexo e denso para poder ser visto repetidamente, suscitando uma variedade de interpretações através do tempo e de várias culturas; — um juízo firme sobre as suas qualidades estéticas terá de ser feito por líderes de gosto como artistas, críticos, historiadores, académicos, comissários, arquivistas e fãs; — esse juízo terá de ser aceite por uma parte substancial da sociedade; — o juízo terá de ser reproduzido insistentemente e aceite por gerações subsequentes; — por último, o artefacto terá de exercer uma influência notória no trabalho de outros artistas, através dos tempos, sendo copiado e reproduzido. Daqui se verifica que são os artefactos visuais que passam por este processo de “consagração”, aqueles em que mais facilmente a cultura visual colectiva tem tendência a fundar-se. Walker & Chaplin (p. 180) debruçam-se desassombradamente sobre as relações entre a cultura vi-
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sual e o comércio. Citam Bernard Miège, quando este afirma que «nas sociedades capitalistas estamos a assistir, por um lado, à promoção da cultura pelo comércio e, pelo outro, à promoção do comércio pela cultura». Esta tendência, que poderá ter sido cristalizada pela corrente Pop norte-americana, a qual ajudou a misturar cultura e comércio, encontra justificação na opinião de Robert Hewison (citado por Walker & Chaplin, p. 180): «Nos finais do século xx a actividade económica tornou-se a forma principal de expressão humana. O empenho cultural é interpretado como consumo cultural, e efectivamente a cultura é vista cada vez mais como um produto como qualquer outro. Infelizmente, devido ao funcionamento da cultura de empresa, a longa frente da cultura tornou-se um supermercado de estilos». A este processo os autores chamam mercantilização da cultura. Citam Marx e o seu conceito de «fetichismo do objecto de consumo», para referir que o carácter social do labor humano se estampa no produto desse labor, o que leva a que as relações sociais entre as pessoas sejam deslocadas, tornando-se relações entre coisas (p. 182), um conceito desenvolvido por Kerckhove. Alegam que o mundo comercial esconde o trabalho árduo que está por
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detrás dos objectos que adquirimos. O fetichismo é gerado pela alienação dos trabalhadores, causada pelo facto de a produção em série os tornar apêndices de máquinas. Vários pensadores englobam a arte no mundo da produção comercial, afirmando que a crença de que a arte é uma actividade não económica não passa de um mito. O mundo da arte tem, de resto, uma economia muito própria. Alexandre Melo esclarece que «Em termos gerais, o estatuto de produção e circulação das obras de arte tem de ser perspectivado à luz de uma definição genérica de mercadoria e dos modos de produção e circulação das mercadorias nas sociedades contemporâneas desenvolvidas» (p. 76). O que a actividade comercial vai buscar à esfera cultural é geralmente bem identificável: credibilização, criatividade, novidade e inovação. É por isso frequente que manobras culturais vanguardistas acabem por ser assimiladas pela voragem comercial: no panorama actual, qualquer artefacto ou manifestação cultural que solicite interesse se torna candidata a ser digerida pelo mercado, quer através do patrocínio, quer através da compra pura e simples, ou ainda pelo uso como referência credibilizadora. Esta apropriação foi tornada possível
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pelo acesso generalizado aos meios de comunicação social, o que democratizou a cultura, reforçando o imaginário social colectivo e tornando-o mutável à velocidade da televisão ou da Internet. A imediaticidade e a disponibilidade dos meios de comunicação visual de massas têm duas facetas perversas: tendem a homogeneizar o gosto e a tornar a procura dependente da oferta. Por exemplo, como deixa implícito o produtor cinematográfico Lawrence Bender, a indústria cinematográfica, molda o gosto popular de acordo com objectivos de maior popularidade: «A forma como os comités [da indústria] fazem filmes é antecipando o que as audiências desejam ver. Não há nenhuma pessoa lá com uma paixão por filmes — dizendo o que o filme deveria ser, eles dizem habitualmente ‘penso que precisamos de um final acelerado aqui, um pouco de interesse amoroso ali’. É deixar o marketing criar o filme, em vez de ser o filme a criar o marketing» (citado por Walker & Chaplin, p. 188). Mero entretenimento significa consumo passivo, o que resulta numa perda de integridade ideológica. Vivemos num mundo fortemente consumista e uma parte substancial da nossa cultura visual está imbuída de interesses comerciais. Cada vez mais o
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design é um instrumento de intuitos comerciais, ao mesmo tempo que reforça o seu peso cultural na sociedade, o qual Rick Poynor resume desta forma: «Não é exagero nenhum afirmar que os designers estão empenhados em nada menos do que o fabrico da realidade contemporânea» (2001, p. 136). Steven Heller considera que o design gráfico tem importância cultural, ainda que esta dependa da contribuição de designers «talentosos» (2002, p. xiii), acrescentando que esses designers são «uma conduta através da qual mito e realidade são passados para o público» (p. 211). O mesmo se poderá dizer sobre o design industrial. Mau & Leonard comentam o crescente poder do design da seguinte forma: «O design está a evoluir da sua posição de relativa insignificância dentro das empresas (e o espectro mais largo da Natureza), para se tornar o maior projecto de todos. Até a própria vida cedeu (ou vai cedendo) ao poder e possibilidade do design» (p. 16). Fiell & Fiell (p. 11) acrescentam que «o design se tornou um fenómeno verdadeiramente global», garantindo que «os produtos do design dão forma a uma cultura material mundial e influenciam a qualidade do nosso ambiente e o nosso quotidiano. A importância do design não pode, por isso, ser subestimada».
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O parisiense Philippe Starck afiança que «o século xxi será imaterial e humano» (citado por Fiell & Fiell, p. 278), acrescentando que o problema da indústria não deverá ser produzir para vender mais, mas sim saber quais os novos produtos que importa serem criados. No campo do design gráfico, o debate ético existe também, levado a cabo sobretudo pelos académicos e pelos designers que dispensam clientes comerciais e se dedicam a áreas como a solidariedade social. A questão deslocou-se entretanto do como para o porquê: o debate ético já não se centra tanto nos meios que são utilizados para passar a mensagem mas mais nas causas que a originam. Colectivos de comunicadores visuais como o que em 1963 outorgou o First Things First Manifesto, ou como o que em 1999 o reiterou, defendem acima de tudo que todo o processo deverá ser socialmente responsável, desde a causa que é defendida, passando pelos processos produtivos envolvidos, bem como pela ausência de manipulação da consciência dos receptores. Para este propósito, uma análise da cultura visual necessita sempre de ter em conta ambas as faces da moeda: a perspectiva dos criadores visuais, mas também o contexto em que a comunicação visual
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é produzida. É importante analisarmos todos os signos visuais, inseridos no seu enquadramento histórico. Não podemos centrar-nos somente nas questões visuais, negligenciando as dimensões contextuais, sendo também relevante o estudo empírico idóneo dos efeitos da comunicação visual na audiência efectiva. A contextualização desempenha um papel central nos estudos de cultura visual, por forma a integrar a história e as funções sociopolíticas da cultura visual.
Sexos. A interpretação de figuras simbólicas como esta pode inserir-se numa variedade de contextos (científico, sexual, humorístico...) Imagem do autor.
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CORPOS FALANTES O nosso corpo sempre foi um elemento primordial na comunicação interpessoal e no estabelecimento do nosso lugar na sociedade. A cultura visual reflecte essa mesma realidade, conferindo um lugar de destaque à representação de pessoas. Nesse sentido, a contemporaneidade invade-nos o olhar com uma profusão de rostos e corpos, muitos deles modelares, que servem interesses comerciais e promovem estereótipos culturais amplamente difundidos. Se falarmos por exemplo de Gisele Bündchen como sendo um corpo modelar, não poderemos ao mesmo tempo esquecer-nos de que há muitas outras “Giseles”, que só não são consideradas modelares porque vivem no anonimato, sem os holofotes da ribalta. O inverso é também verdade. Poderia elencar dezenas de casos conhecidos de fisionomias comuns e triviais com projecção planetária, como a cantora e empresária Jennifer Lopez, que são premiados precisamente pela sua vulgaridade, ou seja, por representarem fielmente um certo estereótipo que agrada no momento a um determinado público. Hoje em dia não podemos falar portanto num culto único de figuras verda-
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deiramente excepcionais, mas sim predominantemente no culto da vulgaridade, “gente como nós” que conseguiu chegar ao estrelato, por fugaz que ele possa ser, precisamente por representarem um denominador comum num dado grupo. A infindável sucessão de programas televisivos recreativos portugueses (e não só) mostra-nos precisamente isso: um alinhamento de pessoas vulgares em frente às câmaras, que promovem a sua tipologia ordinária e indistinta em todos os media a que conseguem chegar. É já um lugar-comum dizer-se que vivemos numa sociedade individualista. Em termos individuais, a tecnologia e o relativo desafogo económico contemporâneos permitem mimarmo-nos mais. Todo o aparelhamento tecnológico à nossa disposição nos conduz progressivamente para dentro de nós mesmos, fechando-nos sobre as nossas personalidades. O «home cinema» mantém-nos em casa, com condições técnicas que tentam imitar as das salas de cinema; o ar condicionado doméstico encerra as janelas, e os vidros duplos e o isolamento nas paredes impedem que ouçamos o que se passa na rua; os leitores de mp3 portáteis dão-nos o prazer individual da música; uma televisão em cada
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quarto da casa faz com que cada membro da família veja, sozinho, os programas de que mais gosta. A televisão, outrora elemento aglutinador, começa a transformar-se, como forma de responder à perda de predominância, a qual vai transitando para a Internet e os suportes videográficos. Este contexto civilizacional leva a que cada um de nós se assuma como uma entidade destacada das restantes. A forma mais evidente dessa manifestação é o nosso corpo. Nesse âmbito, muito se tem escrito nos últimos anos, e é uma área para a qual converge uma multiplicidade de saberes, desde a medicina à moda, passando pelas artes e a filosofia. Sendo uma manifestação visual da nossa unicidade, o corpo é encarado como um bem pessoal precioso e como cartão de visita. À medida que a precariedade do emprego aumenta em toda a parte e que, cada vez mais, todos os profissionais se vão tornando trabalhadores por conta própria (ainda que trabalhem dentro de organizações), é natural que a preocupação individual com a aparência aumente, porque disso depende a nossa aceitação social. Nos tempos comunitários de antigamente a situação era diferente. Não só os estereótipos culturais ligados ao corpo se faziam sentir com menos in-
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tensidade, como os paradigmas antropomórficos se baseavam em considerações que hoje nos soam estranhas: por exemplo, a gordura ser formosura. Enquanto o expoente máximo da nossa admiração vai oscilando entre a anorexia e as curvas arredondadas de mais uma supermodel, os conceitos mudam de forma cíclica mas sem que se alterem substancialmente. Há, hoje em dia, mais espaço para paradigmas alternativos, e eventualmente existirão quase tantos paradigmas quanto indivíduos, mas verificam-se tendências vincadas, que nos permitem aferir da validade do nosso próprio corpo por comparação com os paradigmas. A imagem corporal do indivíduo «inclui elementos perceptuais, cognitivos e afectivos de como representamos internamente os nossos próprios corpos e os dos outros [...] Essas representações são, talvez, primeiramente visuais, mas abrangem influências sinestésicas, tácteis e outras construções sensoriais» (Norton & Olds, p. 233). Os autores (p. 243) afirmam que a percepção do nosso próprio corpo é moldada pelos corpos «exemplares» propagados pelos meios de comunicação de massas. Na opinião de Norton & Olds, as pessoas são fortemente influenciadas por ideais corporais ex-
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tremos, como os divulgados pelos modelos e pelos desportistas. Segundo os autores, é precisamente o género feminino que tem tendência a regular a sua auto-estima pela imagem corporal de si mesma, de forma mais vincada do que os homens (p. 246). Estes autores crêem que ambos os sexos estão enganados em relação à preferência do sexo oposto: «As mulheres acreditam que os homens preferem mulheres de estrutura mais magra do que eles realmente preferem. Os homens acreditam que as mulheres preferem homens de físico mais musculoso do que elas realmente preferem» (p. 240). Importa debruçarmo-nos sobre a caracterização dos corpos reais, apesar de Mirzoeff (p. 170) considerar que já não existem corpos puros: «Em face de todos os meios mediante os quais se pode manipular o corpo, desde a dieta e o culturismo até à cirurgia laser e às alterações farmacológicas na química do cérebro, nenhum de nós habita um corpo puramente natural». Iremos considerar como corpo real aquele que não é potenciado para a sedução. Se queremos observar e analisar corpos reais — ou, pelo menos, tão reais quanto possível (na medida em que menos influenciados pela
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pressão dos media na modelação corporal) —, basta durante o Verão visitarmos uma praia fluvial do interior do país ou uma praia litoral “popular”, onde possamos encontrar as classes tipicamente na base da pirâmide social, as quais, por falta de condições ou de interesse, não se obrigam a cuidados obsessivos com a figura. Socialmente, o mundo da moda tem funcionado como um dos ex-líbris dos corpos referenciais. A tendência dos seus protagonistas (modelos e manequins) tem sido a de controlar o seu corpo, de maneira a moldá-lo aos estereótipos da época. Um dos recursos é o controlo do peso, tal como as discussões sobre a anorexia na classe dos manequins têm trazido ao de cima nos últimos anos. É uma questão controversa, sobre a qual nem os criadores de moda nem os costureiros se entendem. Rick Poynor defende que as revistas actuais são viciantes e que, como experiência de imersão num mar de iconografia, não há como visitarmos uma loja de revistas (2006, p. 31). Comentando o uso de faces e corpos modelares nas capas, Poynor considera que poucos leitores possuirão beleza física semelhante — ou forma de a conseguir —, e que mesmo as raparigas pré-adolescentes, ainda emocionalmente imaturas, são já encorajadas a compa-
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rar-se com uma atracção física que poderá ser inatingível (idem, p. 36). O poder normativo destas imagens é imenso, porque «pertencem a todo um sistema de imagens semelhantes, veiculadas pela televisão e publicidade e isso aumenta o seu semblante de normalidade» (idem, p. 37). Para Poynor, torna-se cada vez mais claro que os seres humanos, na sua componente biológica, serão o expoente máximo do design: «a remodelação pessoal tornou-se a nossa mais fundamental tarefa de design» (ibidem, p. 187). Otl Aicher afirmou (p. 38): «Antes dizia-se: saber é poder. Muito antes pôde dizer-se: poder fazer é poder. Hoje poder-se-á dizer: a beleza é poder. Só quem oferece beleza tem esperança de dominar o mercado. Só quem adopta uma existência estética tem qualidades de dirigente». Definindo o conceito de beleza, Eco fá-lo assentar essencialmente numa prática de contemplação: «É belo aquilo que, se fosse nosso, nos faria felizes, mas que continua a sê-lo, apesar de pertencer a qualquer outro» (p. 10). Segundo o autor, a história da beleza é feita documentando-nos em obras de arte, na medida em que «foram os artistas, os poetas, os romancistas que nos contaram através dos séculos o que consideravam belo e nos deixa-
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ram exemplos disso» (idem). Mas o próprio admite que «à medida que nos aproximamos da modernidade, poderemos dispor também de documentos que não têm fins artísticos, de mero entretenimento, de promoção comercial ou de satisfação de pulsões eróticas, como imagens que nos chegam do cinema de massas, da televisão e da publicidade» (p. 12), acrescentando que não só obras de arte reconhecidas como também objectos sem valor artístico são válidos para definir o ideal de beleza num dado momento. Sobre a eterna questão da preferência por corpos femininos como veículo de sedução, John Berger (pp. 45–46) afirma que a presença social da mulher «é diferente em género da de um homem. A presença do homem depende da promessa de poder que ele personifica [...] O poder prometido pode ser moral, físico, temperamental, económico, social, sexual — mas o seu objecto é sempre exterior ao homem. A presença de um homem indicia o que ele é capaz de lhe fazer a si ou de fazer por si. A sua presença pode ser forjada, no sentido em que ele possa fingir ser capaz do que não é. Mas a presença é sempre em face de um poder que ele exerce sobre os outros. Ao invés, a presença de uma mulher expressa a sua atitude consigo
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mesma, e define o que pode ou não ser-lhe feito. A sua presença manifesta-se nos seus gestos, voz, opiniões, expressões, roupas, envolvência escolhida, gosto — de facto, não há nada que ela possa fazer que não contribua para a sua presença. A presença, para uma mulher, é tão intrínseca à sua pessoa que os homens tendem a pensar nisso como uma emanação quase física, uma espécie de calor ou odor ou aura». Berger resume: «os homens agem e as mulheres estão presentes. Os homens olham para as mulheres. As mulheres observam-se a si próprias a serem vistas. Isto determina não só a maioria das relações entre homens e mulheres mas também a relação das mulheres consigo mesmas. O controlador da mulher dentro de si própria é masculino: a mulher vigiada. Assim, ela torna-se num objecto — e mais especificamente um objecto do olhar: uma visão» (p. 47). Volvidos 38 anos sobre a publicação destas palavras, poderíamos pensar que este discurso está desactualizado, sobretudo depois dos movimentos tendentes à promoção da equidade entre os géneros, bem como das ondas de androginia que se foram manifestando na cultura ocidental. A nossa cultura parece ter vindo a promover uma “efemi-
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nização” dos homens e uma “masculinização” das mulheres, nos termos em que Berger define o estatuto de ambos. Sturken & Cartwright (p. 83), afirmam que as mulheres são objecto de escopofilia, mas que com o baralhar dos papéis de género os homens exibem hoje poses outrora femininas. Mas actualmente não é só na escolha entre os géneros que o conceito de beleza se divide. Os corpos digitais vão manifestando a sua presença e baralhando cada vez mais os nossos cânones. De facto, a noção de corpo tem «aplicação muito mais lata do que a sua redução ao “orgânico”» (Bragança de Miranda, p. 172). O autor esclarece que «o corpo como categoria de base da experiência» está a entrar em crise (p. 101) e que «A fronteira entre o bios e a techné está posta em causa» (p. 42). Os corpos reais, apesar de sustentarem ainda um paradigma de beleza, já não são o único meio de o estabelecer. Em culturas como a nipónica, as personagens digitais adquiriram um estatuto que por vezes ultrapassa o das de carne e osso. No Japão, mesmo indústrias tradicionalmente conservadoras como a automóvel, aderiram já ao culto das figuras digitais. Estas belezas digitais representam um ideal estético, assumido pelos seus criadores (em muitos
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casos em função de imperativos comerciais) e servem «para contar histórias, entreter e excitar» (Wiedemann, 2001, p. 10). Apesar de não passarem de um conjunto de pixels, podemos considerar estas imagens de síntese como uma representação genuína das idealizações do corpo, em virtude de serem moldadas com uma facilidade de manipulação que nenhuma outra tecnologia permite. Sturken & Cartwright encaram as tecnologias visuais como sendo um produto de contextos sociais e históricos específicos (p. 116). A tecnologia imagética é crucial na nossa experiência da cultura visual, uma vez que é através dela que recebemos uma grande percentagem das imagens. A tecnologia é relevante na forma através da qual actividades criativas, como a fotografia, contribuem para a cultura visual: «O surgimento da imagética electrónica no final do século XX, com a fotografia digital, a Internet e a World Wide Web, alterou radicalmente a distribuição e o significado social das imagens. Daí que, tanto as convenções imagéticas como os conceitos do visual se tenham alterado através da história» (idem, p. 109). Por oposição à virtualidade dos corpos digitais, o corpo desportivo é uma referência na contemporaneidade. A virilidade física é um dos principais
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motores da sociedade do espectáculo e as estratégias de afirmação social passam pela exibição do corpo, com o apoio das indústrias da corporalidade (como a cirurgia plástica), num contexto em que o health club é o altar e os corpos são tendencialmente higiénicos, pendendo para uma homogeneização sedosa e depilada. Comentando o corpo atlético, Huard & Wong afirmam que «os desportos não têm por fim o aperfeiçoamento físico e moral do corpo humano […] A sua verdadeira natureza é opor os homens em competições brutais, por via das quais eles são submetidos a esforços antinaturais, implicando por vezes o uso de excitantes e tóxicos (p. 65). Desportos como o pólo aquático, a natação sincronizada ou o ténis têm fornecido modelos para o mundo da moda, do cinema e da televisão, por serem modalidades que proporcionam uma modelação corporal agradável e apelativa, visualmente harmoniosa. A observação e análise de corpos desportivos de alto rendimento leva-nos a verificar que os mesmos são moldados por um princípio modernista do design: a função determina a forma. Nesse sentido, os corpos de alta competição são agora mais construídos do que alguma vez foram, e consegui-
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mos encontrar neles, mesmo a olho nu (uma análise especializada revelaria muito mais) a consequência directa do tipo de solicitações musculares e nutrição a que os mesmos estão sujeitos (de forma dinâmica e variável). A sociedade procede da mesma forma, ao instigar ideais de beleza que muitos corpos se esforçam por cumprir. A moda sujeita os seus modelos e manequins a uma preocupação física similar à dos atletas de alta competição, só que no sentido visual e não do rendimento físico. Com a proliferação das migrações entre desporto, moda e media, não será surpreendente que possam surgir corpos híbridos, que misturem com sucesso a componente visual e a do rendimento físico, estando igualmente à vontade a saltar à vara ou a desfilar numa passerelle. Tudo dependerá da capacidade de o mundo dos media aproximar o seu cânone estético aos corpos desportivos, e destes trabalharem a sua modelação menos no sentido do rendimento físico e mais na direcção dos paradigmas de beleza. Alguns atletas possuem, nos dias de hoje, a aura de vedetas cinematográficas. Na sua obra In Praise of Athletic Beauty, Hans Ulrich Gumbrecht, um académico que combina a reflexão sobre o desporto com uma paixão por vedetas desportivas, escla-
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rece-nos, de forma simples, que toda a adoração pelos atletas se baseia numa forte emotividade. Para a explicar e justificar, Gumbrecht define os atletas de culto como semideuses, cujos corpos são invejáveis, movendo-se admiravelmente e criando momentos de concentração de energia, estática ou dinâmica, que nos fascinam. Lendo esta narração, apercebemo-nos de que descrição similar se poderia aplicar às estrelas de cinema. Neste mix mediático, a marca desportiva Nike marca pontos em todas as frentes, com as suas superestrelas, as criaturas que, segundo Naomi Klein, mostram «uma capacidade única para alcançarem voo na era das sinergias: foram feitas para serem promovidas em todas as áreas» (p. 79). A autora explica que cantores podem fazer filmes e actores desfilar nas passerelles, mas nenhum deles é capaz de ganhar uma medalha olímpica, enquanto que para um atleta de proa é mais fácil escrever livros e protagonizar filmes ou programas de televisão: «Só os personagens de desenhos animados [...] são mais versáteis do que as estrelas desportivas no jogo das sinergias» (idem).
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Mergulho. Nesta imagem usei a polivalência de um corpo desportivo com um propósito expressivo.
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O MITO DA VERDADE FOTOGRÁFICA Moholy-Nagy achava que «um conhecimento da fotografia é tão importante quanto o do alfabeto» (p. 95). Comentando a relevância cultural da fotografia, Nicholas Mirzoeff afirma: «Se a cultura visual é o produto do encontro da modernidade com a vida quotidiana, a fotografia é o exemplo clássico deste processo» (p. 101). Barthes (p. 161), afirmou que a fotografia se legitima como meio de comunicação visual por iniciativa da sociedade (que pretende conferir-lhe seriedade), através de duas vias: fazendo da fotografia uma arte («Daí a insistência do fotógrafo em rivalizar com o artista, submetendo-se à retórica do quadro e ao seu modo sublimado de exposição») e generalizando, gregarizando, banalizando a fotografia, esmagando «com a sua tirania as outras imagens» (p. 162). Koetzle acrescenta: «Enquanto a televisão, o vídeo ou a Internet produzem, quando muito, um impulso visual, a imagem fotográfica convencional — enquanto “vitória da abstracção” — é única na sua capacidade de se enraizar na nossa memória e produzir algo semelhante a uma recordação» (pp. 6–7). Vilém Flusser constata que «O carácter aparentemente não simbólico, objectivo, das imagens téc-
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nicas faz com que o seu observador as olhe como se fossem janelas e não imagens. O observador confia nas imagens técnicas tanto quanto confia nos seus próprios olhos. Quando critica as imagens técnicas (se é que as critica), não o faz enquanto imagens, mas enquanto visões do mundo» (p. 34). Reflectindo sobre esta aparência de verdade da fotografia, Mirzoeff declara: «a fotografia já não é um referente da realidade. Tal como os seus companheiros pertencentes aos meios visuais de comunicação pós-modernos, da televisão ao computador, é algo virtual» (p. 131). Martine Joly acrescenta: «a expectativa de “verdade” é uma das expectativas mais repetidas da imagem» (2003, p. 121). Sturken & Cartwright complementam: «apesar de as fotografias serem simultaneamente ícones e índices, o seu significado cultural origina-se em grande parte a partir do seu significado como índices que são rastos da realidade» (p. 140). Susan Sontag (p. 23) esclarece que a fotografia se tornou «um dos principais dispositivos para se experienciar algo, para dar uma aparência de participação» (p. 10). Para André Bazin, as fotografias possuem um poder irracional que varre a nossa fé junto com elas. Bazin apresenta uma teoria sobre a “veracidade”
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das fotografias, defendendo que se a imagem fotográfica é credível é por ser completamente objectiva, mas que só a consideramos assim devido a uma ideologia artística que atribui à fotografia a função de representar e em última análise expressar o real e nada mais. A aura de objectividade maquinal cola-se às imagens mecânicas e electrónicas, devido à herança da crença. «Esta combinação do subjectivo e do objectivo é uma tensão central nas imagens geradas por câmaras» (Sturken & Cartwright, p. 16), sendo pior na imagem digital, a qual para as autoras desgastou a crença popular na veracidade da imagem (p. 20). Acrescentam que «é um paradoxo que [...] muito do poder da fotografia ainda resida na crença partilhada de que as fotografias são registos verídicos de acontecimentos» (p. 17). Martine Joly (2003, p. 123) propõe como explicação da expectativa de verdade das imagens fotográficas «o desejo contagiante de tomar qualquer imagem por um vestígio daquilo que ela representa, qualquer coisa de consubstancial com o que ela representa, mais do que como imitação. Devendo o visual, como “colheita”, ou “amostra” do mundo, ser absolutamente credível, ou seja, verdadeiro», e acrescenta que «Uma imagem é, com
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efeito, considerada “verdadeira” ou “falsa” não por causa daquilo que ela representa, mas por causa daquilo que nos é dito ou escrito acerca do que ela representa» (1999, p. 120). A fotografia recorre à perspectiva como sistema de representação, o que contribui para a credibilidade. Pelo uso da perspectiva, a fotografia coloca o observador numa posição privilegiada. Desse modo, a fotografia regista a localização espacial do fotógrafo, que o observador percepciona como sendo a sua, sentindo-se como que um «“deus” cujo ponto de vista é a posição definidora a partir da qual se deve olhar uma cena» (Sturken & Cartwright, p. 113). A assumida veracidade das imagens fotográficas pode criar leituras duplas que, ao mesmo tempo que revelam realidades dissimuladas, nos levam a questionar imagens verdadeiras. Ponto de vista, exercício académico de Joana Costa, 2007.
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O CANTO DA SEREIA «A publicidade é a cultura da sociedade de consumo» (Berger, p. 139). O autor acrescenta: «A publicidade torna-se numa espécie de sistema filosófico. Ela explica tudo nos seus próprios termos. Ela interpreta o mundo» (idem, p. 149). Apesar de a função da publicidade ser, segundo Steven Heller (2006, p. 6), vender, o autor aceita que em certos momentos da história, «devido à força criativa de pessoas orientadas e brilhantemente artísticas, a publicidade tem definido a Gestalt cultural tão apuradamente quanto a música, o cinema e a literatura». Jelly Halm, professor de publicidade e ex-director criativo da agência de publicidade Wieden+Kennedy, explica a função da publicidade: «O objectivo da publicidade, é claro, é fazê-lo querer algo. Criar desejo. Isso começa tornando-o infeliz com o que actualmente tem ou não tem. A publicidade alarga o fosso entre o que você tem e o que você deseja. Querer comprar algo é, então, uma resposta aos sentimentos de insatisfação, inveja e súplica» (cit. por Poynor, 2001, pp. 146–147). Para Baudrillard, a profusão de objectos é o traço descritivo mais evidente da nossa civilização (p. 16).
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John Berger, reflectindo sobre o impacto cultural da publicidade, esclarece que a publicidade «não é meramente um compêndio de mensagens concorrentes: é uma linguagem em si mesma que está constantemente a ser usada para fazer sempre a mesma proposta genérica» (p. 131). Berger esclarece: «A publicidade trata de relações sociais, não objectos. A sua promessa não é de prazer, mas de felicidade: felicidade tal como julgada a partir do exterior, pelos outros. A felicidade de ser invejado é o glamour» (p. 132), e complementa afirmando que a imagem publicitária rouba ao consumidor a sua auto-estima e lha devolve pelo preço do produto que vende (p. 134). A publicidade torna-se assim a vida da cultura capitalista, porque sem ela esta cultura não sobreviveria, nas condições em que o faz: forçando a maioria a estreitar ao máximo os seus interesses, através da imposição de uma falsa convicção do que é ou não é desejável (idem, p. 154). Sendo o veículo privilegiado para propagar o fetichismo consumista, a publicidade atribui aos produtos significados extrínsecos, colando-lhes atributos complexos e emocionais; ou seja: atribui-lhes uma aura.
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Parte da eficácia das mensagens publicitárias advém do facto de as mesmas interpelarem o observador. A forma mais eficiente de o fazer é convencendo-nos a consumir signos em vez de produtos, estabelecendo relações específicas entre o objecto em si e uma série de conotações e significados culturais na nossa mente. O uso da imagem fotográfica fixa ou sequenciada é uma peça-chave neste processo, pela sua capacidade de veicular significados dúbios e múltiplos: tendo agarrado a si o mito da verdade fotográfica, a imagem fotográfica é também admirada pela sua capacidade de instigar fantasia, desencadeando emoções no observador. Berger (p. 146) argumenta que a publicidade só mantém a credibilidade necessária para exercer a sua influência porque a sua veracidade não é julgada através do cumprimento das suas promessas, mas sim pela relevância das suas fantasias, projectadas na mente do consumidor, reportando-se assim não à realidade mas à fantasia pessoal do consumidor, sugerindo-lhe que ele ainda não é invejável mas que poderá vir a sê-lo (p. 149). O autor complementa: «as condições sociais existentes fazem o indivíduo sentir-se impotente. Ele vive na contradição entre o que é e o que gostaria de ser. Ou ele toma plena consciência da contradi-
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ção e suas causas [...] ou ele vive continuamente sujeito a uma inveja que, junto com a sua sensação de impotência, se dissolve em fantasias recorrentes. É isto que torna possível entender porque é que a publicidade permanece credível» (p. 148). A publicidade é hoje em dia uma linguagem autónoma. Não só a publicidade possui códigos audiovisuais específicos e endógenos, como, pelo seu historial, criou já um universo de referências culturais que servem de bitola ao publicitário e de estímulo à audiência. A acumulação destes estímulos é de tal forma grande (sobretudo em países como os EUA e o Japão), que ela constitui parte fundamental do imaginário colectivo e individual: a criatividade publicitária «ilumina a nossa vida com histórias, que apesar de serem muitas vezes comerciais, ainda têm o poder de nos tocar e tornar-nos conscientes do mundo à nossa volta» (Wiedemann, 2005, p. 639). Não obstante, a publicidade não criou um público global único. Ao invés, os anúncios são dirigidos a faixas da população, já não (só) numa base geográfica, mas divididas por idade, nível cultural, género e classe. Se outrora a abrangência colectiva era o fio condutor da história da publicidade, hoje em dia a situação alterou-se profundamente e o marketing dita que se apontem baterias ao indivíduo.
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Para Jean Baudrillard (pp. 88–89), a publicidade fabrica as diferenças entre os indivíduos, fazendo-os sentirem-se únicos (e eles mesmos) ao adoptarem um modelo comportamental que lhes é imposto: «diferenciar-se consiste precisamente em adoptar determinado modelo, em qualificar-se pela referência a um modelo abstracto, em renunciar assim a toda a diferença real e a toda a singularidade, a qual só pode ocorrer na relação concreta e conflitual com os outros e com o mundo».
Desporto, exercício académico de Bruno Góis, 2010, na abordagem típica da publicidade contemporânea.
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Índice onomástico Afonso, Pedro — 16 Aicher, Otl — 52, 54 Alcobia, Isabel — 16 Balcari, Feo — 67 bci — 51 Bender, Lawrence — 97 Big Brother — 60 Bliss — 51 Blitz, Karl Kasier — 51 Brody, Neville — 56 Bündchen, Gisele — 101 Campos, João Gama — 59 Costa, Joana — 119 Cranin, Jonathan — 34 Dias, Nuno — 80 Dreamstime.com — 91 eua — 37, 123 Euro 2004 — 29 Euro 2008 — 29 Euro rscg — 34 Europa — 32 Faisco, Joaquina — 16 Feijão, Rodrigo — 59 First Things First Manifesto — 99 França — 25, 32 Frutiger, Adrian — 52 Furones, Miguel — 22 Garrett, Malcolm — 56 Gauguin, Paul — 84 Genesis — 52
Góis, Bruno — 124 Göring, Hermann — 23, 24 Hall, Stuart — 72 Halm, Jerry — 120 Hewison, Robert — 95 Hollywood — 79 ikea — 55 Inácio, Elsa — 16 Inglaterra — 25, 32, 50, 56, 76, 84 Isotype — 49, 50, 51, 52, 53 Japão — 110, 123 J.O. de Munique — 52, 54 Kruger, Barbara — 23 Leo Burnett — 22 Lois, George — 41 Lopez, Jennifer — 101 Manet, Claude — 89 Marx, Karl — 95 McCann — 34 Messaris, Paul — 77 Miège, Bernard — 95 Mitchel, W.J.T. — 25 Moira, Gerry — 34 mtv — 39 Mundial de Futebol 2006 — 29 Neurath, Otto — 49, 51, 52 Neves, Raquel — 16 Nike — 58, 114 Nobel da Paz — 51 Oliver, Vaughan — 56
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Índice de figuras Olympia — 89 onu — 53 Oxford — 49 Panofsky, Erwin — 13, 14 Paquete, Ana — 16 Partages — 52 Peirce, Charles S. — 18, 19 Pop — 82, 95 Punk — 56 Reading University — 50 Rêgo, Isabel — 86 Saville, Peter — 56 Sebeok, Thomas — 18 sl Benfica — 69 Starck, Philippe — 99 van Gogh, Vincent — 84, 93 Vilas-Boas, Armando — 1, 4, 47, 66, 67, 74, 90, 100, 115, 132 von Leibniz, Gottfried Wilhelm — 48 Warhol, Andy — 93 Wieden + Kennedy — 120
Áreas da cultura visual — 31 Atelier — 66 Contraste — 59 Desporto — 124 Duna — 47 Eden — 4 Análise iconográfica — 14 Índice I — 1 Índice II — 132 Manifestação — 59 Mergulho — 115 Morte súbita — 80 O campo da cultura visual — 33 O Grito — 74 Olhares “domesticados” — 91 Olhares nas imagens — 90 Pictogramas J.O. 1972 — 54 Ponto de vista — 119 Produção de significado das imagens — 73 Relevos — 86 Sexos — 100 Signos para as raças humanas — 50 Sinais: intencionalidade e significação — 18 Sinais para wc — 16 Texturas — 67 Tipos de signos — 20
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Agradeço a cedência de imagens aos alunos Ana Paquete (iade, 09–10) Bruno Góis (ismt, 09–10) Elsa Inácio (iade, 09–10) Isabel Alcobia (iade, 09–10) Joana Costa (ipca, 07–08) João G. Campos (ipca, 08–09) Joaquina Faisco (iade, 09–10) Nuno Dias (ipca, 08–09) Pedro Afonso (iade, 09–10) Raquel Neves (iade, 09–10) Rodrigo Feijão (ismt, 09–10)
livro - 19 x 12,7 cm:Layout 1 7/7/12 16:50 Page 132
Capa: Armando Vilas-Boas Ilustração: Edgar Rêgo Vilas-Boas Fotografia do autor: Isabel Rêgo
www.culturavisual.eu
ARMANDO VILAS BOAS
ARMANDO VILAS-BOAS é Professor de Cultura Visual e Design Visual no IADE e investigador da UNIDCOM. É doutorado pela Universidade do Porto, com uma tese sobre cultura visual desportiva. As suas áreas de investigação são a cultura visual e o design visual. A sua produção escrita tem-se repartido por livros, artigos e comunicações em congressos. Sobre cultura visual publicou dois livros: A Cultura Visual Desportiva (2006) e O Estudo da Cultura Visual Desportiva (2009).
O que é a Cultura Visual?
Este livro foi inicialmente pensado como um manual para alunos de Mestrado, nomeadamente de Cultura Visual e de Design Visual, mas tentou entretanto evoluir no sentido de poder cativar também os profissionais e os estudantes da área visual, ou simplesmente quem se interesse pela temática da cultura visual contemporânea. A obra procura responder à pergunta que lhe dá título, de um modo simples porém abrangente, com exaustividade suficiente mas não excessiva.
ARMANDO VILAS-BOAS
O que é a
Cultura Visual?