“ Orali Oralid dade ade e Cultu Cultura ra Esc Escrrita em emPlatão atão:: Para pen pensar sar a Hist Hi stóri ória a Oral” Oral” Gustavo Esteves Lopes (Núcleo de Estudos em História Oral-USP)
Apresentação O presente seminário propõe apresentar o debate entre a chamada escola de Tübingen-Milano e a historiografia tradicional sobre a doutrina platônica. Mais precisamente, questões acerca da oralidade e escrita em Platão se fazem discutíveis do ponto de vista da História Oral, uma vez que os estudos clássicos são de interesse epistemológico para com a necessidade de si mesma constituir um estatuto autônomo diante das diversas disciplinas de ciências humanas correlatas. Franco Trabattoni, da Università degli Studi di Milano – crítico do paradigma proposto por Giovanni Reale da Università Catolica di Milano à luz de Hans Krämer e Konrad Gaiser da Tübingen Universität – publicou no Brasil em 2003 suas conferências realizadas na Universidade de Brasília em 1999. Este livro é o cerne da discussão, porque dele partiu a provocação no sentido de abalar a interpretação da escola Tübingen-Milano, fundamentada na “Estrutura das Revoluções Científicas” de Thomas S. Kuhn, a partir da qual se reflete o legado de um “Platão oral” como mestre doutrinador da ψύκαγογια (educação da alma), em detrimento do limitado alcance filosófico da escritura na busca da verdade que existe somente na imortalidade da alma. * * * A escola de Tübingen-Milano e a crítica de Franco Trabattoni O debate historiográfico, entre Trabattoni e a escola de Tübingen-Milano, têm como fontes certos excertos dos Diálogos, principalmente em Fedro (274d-275b), e na Carta Sétima (344c-344d), pelas críticas à cultura escrita, feitas por Platão (nas palavras de Sócrates e suas também, denominadas autotestemunhos) 1 .
No sentido de estabelecer um debate historiográfico, Cf., TRABATTONI , Franco. Oralidade e Escrita em (Trad. Roberto Bolzani Filho, Fernando Eduardo de Barros Rey Puente). São Paulo: Discurso EALE. Giovanni. Para uma nova interpretação de Platão: Releitura da Editorial; Ilhéus: Editus. 2003. R EALE metafísica dos grandes diálogos à luz das doutrinas não escritas. (Trad. Marcelo Perine). São Paulo: Loyola, 14ª ed. 1991. Como “fontes documentais escritas”, devem ser feitas referências a: PLATON . Phèdre; in: Œuvres Complètes. (Trad. Leon Robin). Paris: Les Belles Lettres, T. IV, P. 3, 4ème ed. 1954._______. Lettres; in: Op. Cit. (Trad. Joseph Souilhé). Paris: Belles Lettres. T. XIII, P.1. 1949. 1
Platão.
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A leitura dos testemunhos da tradição indireta de Platão (Aristóteles, Teofrasto entre outros) também é de grande relevância para entender as “Doutrinas Não Escritas” na Academia, e a formulação do paradigma de um Platão da “oralidade dialética”, como defende a escola de Tübingen-Milano. Mas Trabattoni tenta deslocar a análise destas “Doutrinas Não Escritas” de perspectiva aristotelizante para um retorno à tradição formalista Schleiermacheriana de H. Cherniss, que valoriza o legado escrito platônico – ainda que os autotestemunhos de Platão e os testemunhos da tradição indireta refutem a escrita como solução para a memória. Deste modo Trabattoni desconsidera .o caráter esotérico da comunidade acadêmica, sem que haja desmerecimento da primazia da comunicação oral. Entende-a como reformuladora da antiga educação grega baseada na poesia, no mito, em sua plena oralidade, para “ater-se ao λόγος e a tudo o que, de algum modo, tem a capacidade de demover e ‘conduzir’ a alma”. Na perspectiva de Giovanni Reale, o paradigma hermenêutico para estudos sobre Platão, sob a alternativa da
teoria das revoluções científicas de
Thomas S.
Kuhn 2 , deve reler os Diálogos à luz das “Doutrinas Não Escritas” (άγραφα δόγματα), apoiado também na tradição indireta, como testemunhada por Aristóteles em Física (209b14-15), e na Metafísica (I, Cap. VI, 987a29- 988a17), na qual ratificava convívio de Platão em sua juventude com doutrinas pitagóricas e heraclitianas. Compreender Platão com o conhecimento de sua tradição indireta reforça o valor dos autotestemunhos que deduzem o comprometimento do mestre que confia à oralidade a prioridade do ensinamento filosófico das doutrinas das Idéias, porque considerava reduzida a forma da escritura para o estabelecimento dos mais sérios conteúdos filosóficos, ao passo que a oralidade faz como código de linguagem (forma) mais próximo do ideal. 3 Para Trabattoni, a escola de Tübingen-Milano é equivocada ao não receber as críticas de que se para Platão, nestas mesmas doutrinas das Idéias, o saber permanece na alma e é intraduzível em palavras a verdade (αληθέια), portanto as comunicações ou discursos seriam imperfeitos sejam em oralidades, sejam em escrituras. E Cf. K UHN, Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago, London: University of Chicago Press, 2nd ed. 1970. ________. The Essential Tension: Selected Studies in Scientific Tradition and Change. Chicago: University of Chicago Press. 1977. TRABATTONI, F.. Op. Cit. pp. 65-70. R EALE, G. Op. Cit. pp. 3-53. 3 Cf. ARISTOTLE . Physics, in: Works of Aristotle translated into English. (Trad. R. P. Hardie, R.K. Gaye). Oxford. 1930. ________. The Metaphysics, I-IX. Cambrigde, London: Harvard University Press. 1933. 2
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tratando-se de que a escritura é o legado histórico da tradição platônica, deve-se valorizar a afinidade – a natureza congênere ao objeto –, para além da facilidade de aprender e rememorar o λόγος. Quanto à oralidade, indubitavelmente, é mais valiosa pela sua capacidade de persuadir por meio da intuição, atualizando o saber em sua multiplicidade. Da reflexão de Trabattoni pode-se entender que à escritura ficou reservado o ensinamento de valor menor destinado à multidão, aos desprovidos do saber filosófico imanente nos que rememoram a verdade contida na “imortalidade da alma”; e à oralidade, o saber mais íntimo, passível da persuasão e do éros, ainda que sua perfeição resida apenas no Ente, em Idéia. E os passos socráticos da omissão surgiriam como método em que não responder ou não solucionar diálogos conduziria a alma de seu interlocutor a questionar suas próprias verdades que conhecia de modo imanente. Se os paradigmas se estabelecem na comunhão de conceitos, a escola Tübingen-Milano estaria passando por seu momento de “ciência normal” (não mais “extraordinária”) ao refutar (ou menosprezar no debate) a possibilidade da alternativa hermenêutica ser criticada pelas respectivas tendências de Isnardi Parente, Cornélia Vogel, que retornam a Scheleierrmacher, e defendem a supremacia dos Diálogos em seu conjunto, ao invés de autotestemunhos e testemunhos indiretos. Trabattoni, em suma, põe em xeque a própria postura alternativa da escola Tübingen-Milano ao evidenciar o caráter de “ciência normal” deste paradigma hermenêutico que sobrepõe oralidade à escritura em Platão, posto que Giovanni Reale e Szlelack fogem do debate após anos de diálogos frustrantes entre os schleiermacherianos (defensores da supremacia dos Diálogos) e não-schleirermacherianos (defensores da tradição indireta e dos autotestemunhos). Para Trabattoni, a escola de Tübingen-Milano se contradiz dentro da perspectiva kuhniana, não somente pela dificuldade em transportá-la da História da Ciência para os estudos clássicos, mas pela insuntentabilidade metodológica do próprio paradigma. 4 A crítica platônica à cultura escrita em Fedro Platão apresenta o Diálogo “Fedro” com o conceito de éros, e discorrendo sobre a importância da Retórica na persuasão filosófic.; e sobre o modo correto de compor discursos, ao final do texto, por meio de seu “porta-voz” (Sócrates), pode-se
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R EALE, G. Idem. pp. 23-53.TRABATTONI, F. Idem, pp. 37-101.
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identificar um autotestemunho de crítica à escrita como mediação dialética para a transmissão do saber eficaz e filosófico às outras almas, a qual não tem o valor persuasivo que por meio oralidade a ψύκαγογια se realiza, constituída em si mesma . No diálogo, Sócrates narra a Fedro o mito do diálogo entre o rei do Egito Tamos e o deus de artes e ofícios Theuth, no qual o segundo apresenta sua nova invenção ao rei, que o surpreende reprovando-o. Era um sistema de caracteres lingüísticos ao qual chamou de escrita, e que serviria como um remédio à memória. E o rei o surpreendeu ao rebater que não para a memória, mas para a falta de memória havia descoberto o remédio. Seria pois um paliativo que confiaria na exterioridade o exercício da rememoração, que causaria o esquecimento na alma, afastando-a da verdade que existe apenas perfeitamente no domínio das Idéias. Pois, por meio da oralidade, o conhecimento flui com vivacidade da alma para outra alma. 5 A Carta Sétima Os autotestemunhos são considerados pelos mais críticos estudiosos schleiermacherianos leituras duvidosas, no que concerne à interpretação de qual a verdadeira imagem de Platão. Dentre estes registros, composto principalmente por cartas, o mais aceitável aos schleiermacherianos é a Carta Sétima. A Carta Sétima é endereçada aos familiares e amigos de Dion, um discípulo siracusano de Platão morto pelo acadêmico Calipo após conseguir tomar o poder do tiranete Dionísio II e não realizar um bom governo. Platão fizera com frustração duas viagens a Siracura para intervir no governo de Dionísio II, ansioso em receber os ensinamentos platônicos. Ao final destes acontecimentos Platão redigiu tal carta, que também pode ser entendida como uma autodefesa perante a opinião pública ateniense, pela experiência de se envolver com governos tirânicos, sendo que em
Górgias e na República Platão evidencia o mau-caráter dos tiranos. Na chegada em Siracusa pela segunda vez, Platão mais uma vez testou a capacidade de Dionísio II para receber seus ensinamentos. Dionísio II foi reprovado
Fèdre, in: Op. Cit. . pp. 88-9. Assim dissera Theuth a Thamus: “(…) Não para a memória, mas para falta de memória descobriste o reméd.io(...).” (275b4-5). Cf. R EALE, G. Idem. pp. 545
PLATON.
67.TRABATONI, F. pp. 137-159. Deve-se considerar o quanto são significativos os exercícios historiográficos contemporâneos acessíveis, que discutem sobre questões de oralidade e cultura escrita. Dentre estas: Cf., HARTOG, François. História de Homero a Agostinho. Belo Horizonte: UFMG. 2001. Neste manual o autor descreve a trajetória da tradição historiográfica à luz dos autores clássicos.
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com veemência, confiou seu aprendizado em anotações “filosóficas”, não buscando com sua própria alma a verdade. Dentre as numerosas críticas ao pretendente aluno tirano, Platão afirmou que, para todos aqueles que escreveram ou escreverão e se pretendem competentes sobre o objeto de suas preocupações, é impossível que tenham compreendido qualquer assunto, pois não existe e não terá jamais nenhuma obra escrita sobre estes assuntos. Os não-schleiermacherianos, da escola de Tübingen-Milano, têm especial interesse na Carta Sétima de Platão, em especial no excerto 341 b. Neste excerto, Platão é severo com qualquer que escreva sobre suas preocupações esotéricas, porque estas são incomensuravelmente mais importantes do que aquelas acessíveis ao público, como os Diálogos. Adverte que quem compreender corretamente seus ensinamentos sabe por conseguinte que ainda não conhece verdadeiramente os princípios. Na perspetiva da escola Tübingen-Milano, ainda que Platão tenha sido o que mais escreveu dentre os filósofos de sua geração, por outro lado não escrever sobre questões essenciais era um comportamento aristocrático de sua parte direcionado ao meio filosófico: um comportamento que sentia as mudanças políticas e pedagógicas atenienses do final do século V a.C., que pode ser considerado um ato de defesa intelectual contra governos tirânicos e outras correntes filosóficas e retóricas coexistentes à Academia.6 A Tradição Indireta: O testemunho aristotélico Platão era crítico do próprio ato de escrever, que causa a limitação dos princípios verdadeiros, existentes somente em idéia. Mas discípulos como Aristóteles, cientes que registrar os estudos em textos escritos era uma necessidade da época, mesmo que sob advertência de Platão, construíram a tradição indireta das “doutrinas não escritas”. Aristóteles fez comentários sobre Platão em Metafísica (903a; 987a-988a;1078b) e Física (209b). No livro I de Metafísica, Aristóteles relatou, como tentativa de uma História da Filosofia, que Platão recebeu de Sócrates a exigência de definir os princípios das meta-idéias, os quais são inapreensíveis em formas sensíveis. No livro IV (987a-88 a) como relatado acima no texto, Aristóteles
“(...)É necessário tirar disto [da crítica à Dioniso II] esta simples conclusão: quando vemos uma composição escrita seja pelo legislador sobre as leis, seja outro não importa sobre qual assunto, dizemos que o autor não tomou nada disto a sério, e se este é sério mesmo(...).”(344c 1-8). Cf. R EALE, G. Idem. pp. 68-80. TRABATTONI, F. Idem. pp. 161-82. 6
PLATON. Lettres, Op. Cit. pp. 54-5. Platão afirmou em sua sétima epístola:
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ratificou a aproximação de Platão das doutrinas pitagóricas e heraclitianas. No livro XIII (1078b), expôs a definição platônica de “idéia” como compreensão dos “universais abstratos”. Em Física (II, 209b), Aristóteles fez referência explicitamente às chamadas “doutrinas não escritas”, no caso, sobre a unicidade entre matéria e espacialidade, mas que abarcaria as diversas questões acima levantadas. A importância do testemunho de Aristóteles, evidenciada pelo debate entre Trabattoni e a escola de Tübingen-Milano, é a celeuma: as “doutrinas não escritas” poderiam não tratar dos assuntos relatados pelos testemunhos da tradição indireta; estes testemunhos romperam com a exigência platônica esotérica e divulgaram os ensinamentos até então restritos à Academia; ou esses testemunhos ampliaram pela correta interpretação os “socorros” que os escritos platônicos requerem. 7 Compreensão do conjunto de excertos platônicos e da tradição indireta aristotélica Na busca da “teoria dos Princípios”, o conhecimento puro, alcançado apenas pela alma desencarnada, uma, segundo Platão, jamais seria verdadeiramente apreendido por meio da cultura escrita, se na condição de que entes universais estão presos à imperfeita condição humana. Pois, esta teoria ratifica o semi-criacionismo pitagórico, de que, anterior à existência de uma idéia, pressupõe-se a existência de uma protoidéia. Os ensinamentos platônicos esotéricos transmitidos por meio da oralidade teriam sido comentados e registrados por escrito juntamente com a produção material dos Diálogos através da tradição indireta, ou são ensinamentos que se mantiveram relativamente ilesos aos interessados em reproduzi-los por meio da cultura escrita? Deste questionamento é possível discutir sobre a complexidade na transmissão do conhecimento até então corrente em oralidade, para ser registrado em cultura escrita. A oralidade é um código de linguagem que demonstra a harmonia do ser com a própria alma, porque mais do que se constituir como expressão da memória, por meio deste se alcança a “educação da alma” (ψύκαγογια); ao passo que por meio da cultura escrita se exterioriza o conhecimento, de modo a ser apreendido como algo sensível, e que particulariza em matéria a forma de um assunto que sua definição somente pode existir verdadeiramente em idéia. 7
ARISTOTLE . Physics. ______. The Metaphysics. pp. 40-3.
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Aristóteles, fundamental integrante da tradição indireta platônica, escreve não em função da idéia em si de escrita, mas porque esta é uma experiência que conduz os seres humanos ao saber. Tanto que desvia da doutrina platônica inclusive no ato de redigir seus estudos esotéricos, todavia maioria de seus estudos abertos ao público tenha se perdido. Mais preocupado com a “filosofia primeira” que “reconhecer a unidade na multiplicidade do ser”, como Platão entendia, Aristóteles no início de “Metafísica” (I, 980a) afirma: “Todos seres humanos aspiram por natureza ao saber.” O “saber técnico” era reservado à condição mortal humana, como pensava Platão, e este pode ser aproximado da definição de “poiético” dada por Aristóteles, em sua incompleta obra, a “Poética”. A partir da reflexão de Aristóteles categorização da “poiética”, entende-se, pois, que esta seria algum saber que passa pelo processo de produção, de atualização, de ser feito. A oralidade e a cultura escrita, não importa se em verso ou prosa, devem ser “poiéticas”. Na perspectiva aristotelizante, a oralidade e a cultura escrita seriam como alicerces de complexo “poiético”; pois compreendia a poética (a poesia), em sua plenitude, inserida em uma representação teatral trágica . 8 Para pensar a História Oral O interesse que se faz presente à História Oral, em se inserir nas searas dos estudos clássicos, vem no sentido de investigar seus pressupostos teóricos, pois os conceitos de oralidade e cultura escrita são essenciais a si mesma. Estudar Platão é necessário para compreender as relações entre conhecimento, saber, memória, oralidade, cultura escrita. Conhecer é necessário ao próprio ser; o saber significa conservar o conhecimento que aprendeu; a memória, um ente que se explica pelos mitos cosmogônicos; a oralidade, meio imediato de transmissão do conhecimento, proveniente da memória; a cultura escrita, um remédio à falta de memória, que, todavia, não aproxima o ser da verdade, porque preso ao sensível. Pode-se supor que a História Oral não se resolve inteiramente se tentar encontrar “puramente” seus pressupostos em Platão. Se entendê-la como conhecimento, esta possivelmente caminharia à tangente, nas searas filosóficas, pois um levantamento doxográfico demonstraria que História nunca foi privilegiada, como narrativa, salvo
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Aristotle. The Metaphysics. pp. 2. Aristote. Poiètique; in: Œuvres Complètes. (trad. J. Hardy). Paris: Belles Lettres, 2ème ed. 1952. pp.41-2. Para Aristóteles o historiador e o poeta se distinguem, respectivamente, em que: “um relata os eventos que aconteceram; o outro, o que poderia acontecer”. (1451b 5-7).
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nos argumentos de retores. Saber fatos históricos está limitado à condição humana, alheio à “educação da alma”, pois que em sua morada (a memória) a alma despreza o sensível, mesmo que transmitido por meio da oralidade. Mesmo a oralidade, código mais apropriado na exteriorização do conhecimento contido na alma, não consegue também verdadeiramente dar formas perfeitas às idéias, ainda que o conhecimento esteja em movimento, vivo, em meio a planos teóricos e sensíveis. A cultura escrita, mesmo ao ser que mais faz “poiética” por meio deste código de linguagem, permanece incomensuravelmente longe da verdade, porque impede o fluir das idéias. Interpretar literalmente as exposições e críticas conceituais de Platão conduziria a História Oral a discussões aporéticas, se perpetradas na complexa seara da epistemologia. Mas a leitura de Platão,
sine qua non,
ensina: como formalizar um
debate filosófico (por meio do diálogo, mâeutico); a importância dos ensinamentos esotéricos (teoria dos Princípios); saber o que falar, o que escreve; a tomar com seriedade a filosofia. Pois como afirma Aristóteles no início de Metafísica: “Todos os serem humanos aspiram por natureza ao saber” (980a). Platão ensina o porquê do ideal filosófico; Aristóteles, da natural condição humana de saber. História Oral, como a própria definição de História, é observação do que aconteceu, depende do sensível para ser narrada, relatada. 9 Principalmente entre os antigos – Heródoto, Tucídides – o saber histórico se fazia por meio de relatos orais, para ser forjado em cultura escrita, e que pudesse ser transmitido também oralmente. A História Oral para ser operada deve passar por desafios filosóficos dos quais não se pode furtar; deve saber ouvir para saber o que relatar (mediação pela entrevista); saber como transportar para a cultura escrita o conhecimento em movimento até então por meio da oralidade (transcriação); reconhecer os limites e possibilidades metodológicas (devolução pública da pesquisa). Tanto quanto os estudos mais atualizados em técnicas e metodologias de pesquisa, a leitura e a compreensão de Platão, apoiados em Aristóteles e outros autores clássicos, servem ao pesquisador uma segurança intelectual (que pode ser o entendimento atualizado de “educação da alma”), à medida que ele percebe que suas preocupações intelectuais são pré-existentes; que houve esforço de gerações e gerações na investigação do tema pesquisado. Se não existe “verdade” ao modo 9
ARISTOTE. Op. Cit., pp.41-2. Para Aristóteles o historiador e o poeta se distinguem, respectivamente, em que: “umrelata os eventos que aconteceram; o outro, o que poderia acontecer”. (1451b 5-7).
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platônico na transmissão do saber, mesmo com o apoio de gravações eletrônicas audiovisuais, é preciso que o debate sobre as relações entre oralidade e cultura escrita se arrole, para que se estabeleçam quais são os conceitos que compreendem a História Oral no campo epistemológico. 10
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Para uma leitura que evidencie as principais referências bibliográficas da História Oral, sobre as relações entre oralidade e cultura escrita, recomendam-se: MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola. 5ª ed. 2005. THOMPSON, Paul. A Voz do Passado. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1992.
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