O QUE LITERA LITER ATURA - TERRY EAGLETON EAGLETO N A literatura é imaginativa
Se a teoria literária existe é porque deve haver algo a que se chame de literatura. Mas o que é literatura? É possível defni-la, por exemplo, como a escrita imaginativa. orém, esse critério n!o é muito válido, pois a literatura ingles inglesa a do séc século ulo "#$$ "#$$ inclui inclui Sha%e Sha%espe spear are, e, mas tam&ém tam&ém os esc escrit ritos os de 'rancis (acon e eventualmente o )eviat! de *o&&es. + distin!o entre ato e fc!o n!o parecer ser muito til. or exemplo, n!o é possível alar da dierena de /verdade hist0rica1 e /verdade literária1 nas sagas islandesas. 2a $nglaterra do século "$", a palavra /novel1 era usada de orma ampla, tanto para romances quando em notícias de 3ornal. Mesmo as notícias de 3ornal n!o eram totalmente atuais, e os romances n!o eram totalmente fccionais. Simplesmente n!o se a4ia essa distin!o como a a4emos ho3e. *o3e, alguns textos dessa época podem ser lidos como ato por alguns e como fc!o por outros. 5 mesmo o que é considerado fc!o, como as hist hist0r 0rias ias do super super-h -hom omem em e os roma romanc nces es de Mills Mills e (oon (oon 6roma 6romanc nces es escapistas, lo7-&ro7 e ormulaic8 n!o s!o considerados literatura. 9 ato de literatura ser imaginativa torna outras áreas do sa&er n!o criativas e sem imagina!o? A literatura é tal porque emprega a linguagem de forma peuliar
:alve4 :alve4 o que torne literatura literatura se3a o emprego da linguagem de orma peculiar. + literatura transorma e intensifca a linguagem comum, aastando-a do cotidiano. + estrutura, o ritmo, a resson;ncia das palavras supe superam ram o se seu u sign signif ifca cado do a&st a&stra rato to,, há uma uma desc descon onor ormid midad ade e entr entre e signifcante e signifcado. É uma linguagem que mostra seu lado material. 5ssa oi a defni!o do que é literário pelos ormalistas russos, entre os quais >@ >>@ e ora oram m ca cala lado doss pelo pelo stal stalin inis ismo mo nos nos anos anos ABC. ABC. 5les 5les re3ei e3eita tara ram m dout doutri rinas nas sim& sim&ol olis ista tass que que inDu inDuen enci ciar aram am a crít crític ica a literá literária ria e atuar atuaram am segundo um espírito prático e científco. ara eles, a tarea da crítica era dissociar mistério e arte e mostrar a orma pela qual os textos literários eram construídos e uncionavamE literatura tem uma organi4a!o particular da lingua linguagem gem,, com lei leiss especí específca fcas, s, estrut estrutura urass e mecani mecanismo smoss que n!o deveriam ser redu4idos a outras coisas. + literatura n!o era um veículo ideol0gico ou reDex!o so&re a realidade social. É um ato material que devia ser analisado. 5ra eita de palavras e era um erro considera-la express!o do pensamento do autor. autor. 9 ormalismo oi a aplica!o da linguística linguística a literatura. literatura. + linguística linguística estava preocupada com a orma da linguagem e n!o com que poderia di4er. +ssim, os ormalistas se dedicaram ao estudo da orma literária. 5, ao invés de cons co nsid idera erare rem m a orm orma a co como mo expr expres ess! s!o o do co cont nte edo do,, eles eles inve invete tera ram m a rela!oE o contedo era apenas o pretexto para a orma, para um exercício ormal. Fom quixote n!o era so&re Fom Guixote, mas Fom Guixote era um pretexto para o livro como estrutura linguística e ormal. 9s ormalistas n!o negavam a rela!o com a realidade social, mas consideravam que esse n!o era o o&3etivo de análise da crítica.
9s ormalistas comearam considerando a o&ra literária como uma con3uga!o, de orma ar&itrária, de /artiícios1. S0 mais tarde consideraram que os artiícios estavam ligados entre si em uma redeE eram /unHes1 dentro de um sistema glo&al. 5sses artiícios eram som, imagem, rima, ritmo, sintaxe, métrica, em suma, todos os elementos literários ormais. 9 que esses elementos tinham em comum era o estranhamento e desamiliari4a!o da linguagem. 5les deormavam o discurso, ampliavam e intensifcavam a linguagem comum. +ssim, todo o mundo cotidiano se transormavaE com a linguagem comum as coisas fcavam apagadas, mas com o estranhamento, a linguagem aliena a ala comum e, paradoxalmente, agua a percep!o da experiIncia. or exemplo, uma hist0ria que se interrompe e recomea, muda os níveis narrativos, etc, nos chama mais aten!o e talve4 desperte mais o nosso interesse. + hist0ria usa artiícios, como entraves e retardamentos para nos manter atentos. ortanto, os ormalistas consideravam a linguagem literária com um desvio da norma. Mas para reconhecer um desvio é preciso haver norma. 9 pro&lema é que n!o existe uma linguagem uniorme que sirva como norma. + norma, o comum, para Minas Jerais é dierente do comum para S!o aulo. Mesmo em outras perspectivas, ainda há pro&lemasE o texto mais prosaico do século "# pode parecer poético devido a linguagem arcaica. Se encontrássemos textos de civili4aHes desaparecidas, n!o sa&eríamos di4er o que era desvio ou n!o. Mesmo que se comprovasse com um estudo dos textos o que era desvio, n!o haveria como afrmar que eram textos poéticos, dois nem todos os desvios s!o poéticos. + gíria, por exemplo é um desvio n!o poético. 2!o é que os ormalistas n!o sou&essem disso, eles reconheciam que as normas e desvios mudavam em rela!o ao local e ao tempoK mas para eles o caráter literário vinha da rela!o dierencial entre discursos. 9u se3a, da estranhe4a de um determinado discurso, em uma época e local, para o que era considerado linguisticamente normativo. 5les n!o queriam defnir o que era literatura, mas o que era literaturidade ou literariedade. Guem acredita que a literatura possa ser defnida por usos especiais da linguagem, deve encarar o ato de que a linguagem comum e cotidiana contém inmeros artiícios literários, como metáora, símile, metonímia, sinédoque, litote, etc. O e!tran"amento omo e!!#nia do ar$ter liter$rio
Mesmo assim, para os ormalistas, a essIncia do caráter literário era o estranhamento. 5les relativi4avam esse uso da linguagem, entendendo-o como uma quest!o de contraste entre dois tipos de discurso. orém, se eu ouvisse uma rase como /5ssa caligrafa é exu&eranteL1 como sa&eria se é literário? 2a verdade, é literária porque oi tirada de um romance de nut *amsun, mas sem especifcar o contexto como literário n!o haveria como sa&er, pois n!o há nada de distintivo na linguagem dessa rase. ensar em literatura como os ormalistas é pensar em poesia. Fe ato, quando trataram da prosa, apenas estenderam os conceitos usados para a poesia. orém, há muito mais que poesia em literatura, como o&ras realistas e naturalistas que n!o pHe a linguagem em primeiro plano. +lém disso, há slogans, propagandas, rerHes de torcidas que s!o linguisticamente exu&erantes mas n!o constituem poesia.
9utro pro&lema é com o argumento da estranhe4a. Gualquer tipo de escrita pode ser considerado estranho se tra&alhado com engenhosidade. or exemplo, a rase do metrN /Oachorros devem ser carregados na escada rolante1 signifca que temos de carregar um cachorro na escada rolante? Seremos impedidos de usá-la se n!o acharmos um cachorro para carregar? Fe outra orma, poderíamos tam&ém considerar essa rase como poética, se prestássemos aten!o no ritmo staccato das primeiras palavras 6O+-cho<
ret0ricas, sua produ!o 3á nem seria considerada literatura, apenas qualquer coisa que osse n!o-literatura. Literatura omo e!rita altamente valori%ada
+ sugest!o de que a literatura é um tipo de escrita considerada de valor tem consequIncias muito proundas. odemos a&andonar a no!o de que literatura é o&3etiva, algo imutável. Gualquer coisa pode ser literatura e qualquer coisa que se3a literatura pode deixar de sI-lo. +lguns tipos de fc!o n!o s!o literaturaK a literatura é em parte fccional e parte n!o. + literatura pode se preocupar consigo mesma em termos de linguagemK mas muitos textos retoricamente ela&orados n!o s!o literatura. 9 motivo pelo qual a literatura como escrita valorativa n!o é uma entidade estável, é em parte a nature4a mutável dos 3uí4os de valor. 9 conceito do p&lico so&re escrita de valor pode mudar. (em como as ra4Hes que determinam que algo se3a de valor podem mudar. 2!o signifca que o /c;none literário1, a /tradi!o literária1, a /literatura nacional1 se3am apenas construtos eitos por determinadas pessoas, com determinados critérios, em determinado local e em determinada época e este3am limitados a essa circunst;ncia. + quest!o é que, ocorrendo uma grande transorma!o em nossa hist0ria, podemos deixar de considerar algo como literário, pois n!o o consideraremos mais como de valor. or exemplo, podemos deixar de considerar Sha%espeare relevante, achando seus textos estranhos e limitados. odemos ver que valori4amos determinadas o&ras porque estávamos muito echados na interpreta!o de acordo com nossos interesses e, quando essa interpreta!o tornou-se menos possível, o texto deixou de ter signifcado para n0s. 9 ato de sempre interpretarmos as o&ras literárias pelos nossos interesses e a nossa incapacidade de interpretá-las de outra orma, parece ser um dos motivos pelos quais certos textos conservam seu valor através dos séculos. É possível que ainda mantenhamos certas interpretaHes muito inerentes a o&ra, da mesma orma que é possível que 3á n!o interpretemos mais a /mesma1 o&ra. 9 Sha%espeare de ho3e n!o é mesmo Sha%espeare rom;ntico, neoclássico ou dos contempor;neos do autor. Fierentes períodos hist0ricos 6e sociedades8 interpretam os textos de acordo com seus dierentes interesses, escolhendo dierentemente o que valori4ar ou desvalori4ar. Oom o valor é tam&ém introdu4ida uma dimens!o política. :odas as o&ras literárias s!o reescritas, mesmo inconscientemente, pelas sociedades que as leem. 2!o há releitura sem reescritura. 5ssas s!o algumas das ra4Hes pelas quais la!!i&ar algo omo literatura é algo e'tremamente in!t$vel(
2!o é instável porque os 3uí4os de valor s!o su&3etivos. Mas porque mesmo as inormaHes consideradas o&3etivas tem critérios su&3etivos su&3acentes. 2!o que elas se3am su&3etivas como um 3uí4o de valor so&re a &ele4a da arquitetura &arroca, como em /5sta catedral é um exemplo magnífco da arquitetura &arroca1. Mas porque as afrmaHes so&re os atos s!o afrmaHes que pressupHe 3uí4os questionáveis comoE quem está alando é mesmo a pessoa mais adequada para isso? + maneira como está alando é
a maneira mais adequada para isso? Guem está ouvindo é a pessoa mais adequada para isso? Se o&tém algo til com essa inorma!o? 5tc. 2!o há possi&ilidade de a4er uma o&serva!o desinteressada. 2!o é que exista algo realmente actual que possa ser deormado por 3uí4os de valor e interesses, em&ora isso se3a possível. Mas é que sem interesses particulares, su&3etivos, n!o teríamos conhecimento, pois n!o teríamos motiva!o para adquirir tal conhecimento e n!o teríamos nada a di4er uns aos outros. 9s interesses, assim, s!o constitutivos do conhecimento, e n!o preconceitos que o colocam em risco. A preten!)o de que o on"eimento deve !er livre de *u+%o! de valor *$ é um *u+%o de valor.
ara exemplifcar melhor, pode acontecer que a preerIncia de uma pessoa por morangos se3a apenas particular. Mas, se é eita uma análise exaustiva das preerIncias dessa pessoa por determinadas comidas e outras n!o, seria possível revelar a relev;ncia que essas preerIncias tIm na rela!o dessa pessoa com os pais, os irm!os, os amigos, com experiIncias ormativas da in;ncia, com outros atores culturais que s!o sociais e /n!osu&3etivos1. $sso é muito mais válido no que se reere Q estrutura de crenas e interesses que envolve uma pessoa desde o nascimento em uma determinada sociedade. 20s temos certas maneiras proundas e su&3acentes de ver e valori4ar que est!o ligadas a nossa vida social, que quando modifcadas tam&ém modifcariam essa vida. 5ssa estrutura de valores, em grande parte oculta, que inorma nossas afrmaHes o&3etivas e actuais é parte do que entendemos por ideologia. $deologia no sentido de como aquilo em que acreditamos e aquilo que alamos se relaciona com a estrutura do poder e as relaHes de poder na sociedade. 2!o necessariamente todas as categorias su&3acentes ser!o ideol0gicas, pois, a ideologia é mais algo so&re os modos de sentir, avaliar, perce&er e acreditar que se relacionam com a manuten!o e reprodu!o do poder social 6e nem todas as categorias su&3acentes se relacionariam a essa manuten!o e reprodu!o8. Pm exemplo literárioE um proessor de Oam&ridge, $. +.
sociais. Se reerem, n!o apenas ao gosto particular, mas aos pressupostos pelos quais certos grupos sociais predominam so&re outros.