Agosto 2015 www.sciam.com.br
9 771676 979006
ISSN 1676-9791
00159
ANO 13 | no 159 | R$ 13,90 | Portugal € 4,90
DO LOBO AO CÃO Novas pistas sobre como o melhor amigo do homem evoluiu a partir de uma espécie feroz e selvagem
MATEMÁTICA
A luta para um teorema gigantesco não se tornar incompreensível
ENERGIA
Substituto do silício promete células solares DäUDßDîDäxx`x³îxä
ASTROFÍSICA
Matéria escura pode ser mais estranha do que físicos imaginam
N A C A PA g
20
ANO 13 | no 159 | R$ 13,90 | Portugal € 4,90
BRASIL
Agosto 2015 | Número 159
DO LOBO AO CÃO Novas p stas sobre como o melhor amigo do homem evoluiu a partir de uma espéc e feroz e selvagem
MATEMÁTICA
A lu a para um teorema gigantesco não se tornar incomp eens vel
ENERGIA
Substituto do si ício promete cé u as solares D ä UDßDîDä x x`x³îxä
ASTROFÍSICA
Matéria escura pode ser mais estranha do que fís cos maginam
Dócil, onívoro e plenamente adaptado ao convívio com os humanos, o Canis familiaris foi a primeira espécie domesticada. Em busca do elo perdido – uma linhagem desconhecida e extinta de lobos – do animal que hoje conhecemos como o melhor amigo do homem, cientistas tentam reconstruir os primeiros passos desse misterioso trajeto evolutivo. Imagens: jhamvirus/Shutterstock. Arte: João Simões
sumário
26
EVOLUÇ Ã O
26
Do lobo ao cão Cientistas correm para desvendar o persistente mistério sobre o carnívoro grande e perigoso que evoluiu para ser nosso melhor amigo. Virginia Morell
35
A STROFÍS IC A
35
Mistérios ocultos do Cosmos Partículas invisíveis da matéria escura que domina o Universo podem ter formas variadas e estranhas. Bogdan A. Dobrescu e Don Lincoln BIOLOGIA
43 43
Vida no portal do inferno Uma descoberta surpreendente está forçando cientistas a reconsiderar se pode existir vida nos lugares mais extremos na Terra e no espaço. Douglas Fox
52
ENERGIA
52
Superando o silício Um material emergente, a perovskita, poderia finalmente produzir células solares mais baratas e eficientes que a tecnologia prevalecente de silício. Varun Sivaram, Samuel D. Stranks e Henry J. Snaith
59
MATEMÁ TIC A
59
O resgate do Teorema Enorme Antes de morrerem, matemáticos correm contra o tempo para as próximas gerações compreenderem as 15 mil páginas de uma misteriosa demonstração. Stephen Ornes
SE Ç ÕE S
5 6
8
Carta do editor Cartas C IÊNC IA EM PAUTA
08
O que importa no uso de embriões Alterar genes com segurança pode prevenir doenças hereditárias. Pelo Conselho de Editores da Scientific American FÓRUM
9
Guerra com as estrelas Superando a discórdia sobre um telescópio em local sagrado no Havaí. Michael West
10
Avanços
17
Memória C IÊNC IA DA S A ÚD E
18
Podemos deter o envelhecimento? Alguns cientistas acreditam que, em breve, poderemos desacelerar ou mesmo deter o cronômetro do organismo – pelo menos por algum tempo. Karen Weintraub
16
TEC NOLOGIA
20
Pesquisa médica com celulares Nossos smartphones podem mudar o cenário das pesquisas dos estudos de saúde – e agora podemos escolher melhor como participar delas. David Pogue OBS ERVATÓRIO
21
As neurociências se reúnem no Brasil Encontro internacional no Rio de Janeiro: uma importante conquista da pesquisa nacional. Jorge A. Quillfeldt D ES A FIOS D O COS MOS & C ÈU D O MÊS
22 23 20
Vinte e seis anos de silêncio Chuva de meteoros Perseidas produz espetáculo Salvador Nogueira C IÊNC IA EM GRÁ FICO
66
O tamanho real da África Mapas planos mais comuns mostram o continente muito menor do que é. Mark Fischetti EDIÇÃO
DIN ESPECIAL
OSSAUR
OS 2
IÇÃO ESPE CIAL DIN
OSSAUR
OS 1
.br
iam.com
www.sc
NAS BANCAS Continua à venda o segundo dos dois volumes de “Dinossauros”, edição especial da Scientific American Brasil. Entre os artigos, há o que demonstra a relação entre as alterações causadas pelo nascimento do Oceano Atlântico e a preservação dos fósseis na região equatorial brasileira. Na Bacia do Araripe, em Pernambuco, as condições de mineralização especialmente favoráveis de espécimes animais têm permitido observar detalhes da paleofauna. Mas a região convive com o comércio clandestino de fósseis que ameaça os esforços de conhecimento. Há também
R OSS SAURO AU S ER O SES VA D O S DBIN EM P R artigos sobre os desafios climáticos enfrentados por dinossauros da Austrália, as descobertas recentes de sangu desses animais e ainda o possível conv vio entre eles e aves. Estudos sobre a evolução das penas e um relato da história da paleontologia no Brasil também fazem parte da edição, que após a circulação em bancas, continuará disponível para venda no site http://www.lojasegmento.com.br mister oso Assassino cova coletiva, produziu es de anos há 70 milhõ rto da em dese Armadilha rva o estilo ocupantes China prese antigos de seus m s questiona os Paradoxo primeiro — veio penas? que o ou suas pássaros ge de rocha emer Sangue teoria sobre e questiona o orgânica a fossilizaçã
Formação
E NORTE SIL CHAS DO EM RO ESTE DO BRA NORD
ntico abriu
2 9 16 95 I SN
Nº 65 R$
espaço
para os
13,90 € 4,50
titãs
do Atlâ
I SN 16 9 22 9
N º 64 R$
13,90 € 4,50
CARTA DO EDITOR $Dùà `¹ 5ùD´ é editor da SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL.
Olhos nos olhos – e 170 anos de Scientific American
O
JHAMVIRUS/SHUTTERSTOCK
sidade Azabu, em Sagaolhar do lobo mihara, Kanagawa, no e do cão foi Japão. A pesquisa se um dos prinbaseou em medidas da cipais aspecconcentração desse hortos considerados pelo mônio em 30 cães e em editor de arte João Marseus donos logo após sescelo Simões para compor sões controladas de interaa ilustração da capa da ção visual. Foi significativo presente edição de Scieno aumento dos níveis da tific American Brasil. O substância nos cachorros contraste entre a assusta(cerca de 130%) e em seus dora íris do lobo e a donos (até 300%). Tal efeiexpressão dócil, quase to não foi observado em carente, do Border collie HÁ CERCA de 10 mil anos um parente do atual Canis lupus foi o ancestral exames semelhantes feitos balizou o trabalho artísti- que adquiriu a habilidade canina de interagir no olhar com humanos. co de nosso colega de redação, que percebera que não há como com lobos domesticados e seus donos. Pesquisas anteriores já haviam apontado a atuação da citoxio selvagem Canis lupus apresentar o que convencionamos na na interação visual de cães com humanos. O estudo de Kikuchamar de “olhar de cachorro abandonado”. A reportagem da jornalista Virginia Morell informa que há sui e seus colegas trouxe evidências conclusivas sobre a semecerca de 10 mil anos os ancestrais do atual Canis familiaris lhança dessa variação de níveis hormonais com a que ocorre desenvolveram habilidades essenciais para se adaptarem à con- também na troca de olhares entre humanos, no estabelecimento vivência com humanos, entre elas a de olhar fixamente nos nos- de vínculos sociais, desde bebês com suas mães a adultos na forsos olhos. “(...) o que aumenta o nível de oxitocina, o hormônio do mação de relações de confiança, inclusive afetivas. 170 anos de Scientific American amor, tanto no cão como no dono”, acrescenta a repórter. Em 28 de agosto de 1845, já no espírito das inovações da ciênEscrita originalmente para a Scientific American norteamericana, a reportagem estava praticamente concluída quando cia e da tecnologia por meio da Revolução Industrial, começou a foi publicado na edição de 17 de abril da revista Science o estudo circular a primeira edição de Scientific American. Editada ori“Oxytocin-gaze positive loop and the coevolution of human-dog ginalmente por Rufus Porter (1792-1884), inventor intinerante e bonds” (Circuito positivo do olhar-citoxina e coevolução dos vín- pintor de paisagens, a revista é hoje a que foi publicada por mais culos entre o homem e o cão), coordenado por Takefuni Kikusui, tempo continuamente nos Estados Unidos, e é editada em 15 do Departamento de Ciência Animal e Biotecnologia da Univer- idiomas. Feliz 170º aniversário!
ALGUNS COLABORADORES
¹mD´ Î ¹Uàyå`ù é pesquisador em física de partículas no Laboratório do Acelerador Nacional Fermi, em Batavia, Illinois. Dÿm 0¹ùy é colunista-âncora do Yahoo Tech e apresentador das minisséries NOVA na PBS. ¹´ "´`¹¨´ é físico sênior no Fermilab onde realiza pesquisas com dados do Grande Colisor de Hádrons, do Cern. ¹ù¨Då ¹ā é jornalista de ciência com trabalhos também publicados em Discover,Esquire,National Geographic e Nature.
y´àĂ Î 3´Dï é professor de física na Universidade de Oxford e principal autoridade Zr§ÜûZD §D r¡µÍrÒD 'ê{«Íf 0«Ü«è«ÜDZÒd fD qual é cofundador.
$`Dy¨ =yåï é diretor do Observatório Maria Mitchell, de Nantucket, e autor de A sky wonderful with stars: 50 years of modern astronomy on Maunakea.
¹ày Î 1ù¨¨y¨mï é neurocientista e divulgador da ciência e professor do Departamento de Biofísica do IB/UFRGS, orientador do Programa de Pós-Graduação em Neurociências do ICBS/UFRGS,.
3D¨ÿDm¹à %¹ùyàD é jornalista de ciência especializado em astronomia e astronáutica.
!Dày´=y´ïàDùU é jornalista freelancer de ciência e saúde,que mora em Cambridge, Massachusetts.Escreve regularmente para o Boston Globe,o USAToday e oThe NewYorkTimes.
3D®ùy¨ Î 3ïàD´§å é fellow no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e explora as aplicações ópticas e eletrônicas de perovskitas. 3ïyÈy´ 'à´yå escreve sobre tópicos de pesquisa em diversas áreas.
www.sciam.com.br 5
CARTAS
[email protected]
CÉREBRO ADOLESCENTE/TAMANHO DAS LETRAS DA REVISTA/ GLÚONS/NOVO FOGUETE ulho 2015 www sciam.com.br
“(...) nossos legisladores nem sequer se dignaram a tentar compreender como a ciência, nesse campo de investigação, poderia contribuir para o tema da maioridade penal .”
ISSN 1676-9791
O
9 771676 979 06
00158
ANO 13 n 158 | R$ 13 90 | Portugal € 4,90
confortável. Desculpe a ousadia, mas parece que os editores só leem as matérias, individualmente, no computador, antes de serem impressas. Sinto informar-lhe que um dos mais fiéis leitores da revista está deixando de acompanhá-la, em função do exposto acima.
espantoso
William Daher, por e-mail
cérebro
adolescente Rápidas mudanças estruturais favorecem agilidade mental e também comportamento arriscado
LUZ ETERNA
¹T¹Dਹå$¹ïïDjȹày®D¨
EDIÇÃO 158
Astrônomos desvendam iluminação tão antiga quanto o Universo
FOGUETE NA BERLINDA
BICHOS CONECTADOS
A polêmica em torno do projeto do novo lançador da Nasa
Animais desenvolvem cooperação por meio de redes de relacionamento
Nota da Redação: Caro professor William Daher, é com muita satisfação que publicamos sua mensagem na mesma edição em que providenciamos o aumento do corpo das letras de nossa revista. Não houve ousadia alguma em sua iniciativa. Na verdade, agradecemos por manifestações como a sua. E é também uma grande satisfação termos leitores fiéis como o senhor. GLÚONS
CÉREBRO ADOLESCENTE
Gostaria muito de ter lido um artigo como “O incrível cérebro adolescente” [ed. 158] há uns dez anos, quando meu filho estava nessa fase de seu desenvolvimento. Fico tranquilo hoje ao constatar que esse conhecimento talvez não teria mudado minhas atitudes, mas certamente teria me dado mais serenidade para compreender as mudanças que ocorrem nessa transição entre a infância e a adolescência. Mas o que é impressionante e assustador em relação a esse assunto das neurociências é o que mostra a carta do editor da Scientific American Brasil: nossos legisladores nem sequer se dignaram a tentar compreender como a ciência, nesse campo de investigação, poderia contribuir para o tema da maioridade penal. Parabéns pela abordagem.
É um bom prenúncio que sua estreia como editor de Scientific American Brasil – Seja bem-vindo! – tenha ocorrido na edição sobre a fronteira da física onde estão os glúons [“A cola que nos une”, ed. 158], no evento em que se acredita no Big Bang como a origem do Universo e se busca a “cola” das partículas na fronteira entre a realidade da física e a atualidade da psíquica, onde o fóton determina a velocidade que separa a massa como “quantidade de consciência”, da massa como “quantidade de matéria”, assim separando os campos onde a velocidade é maior ou menor que a da luz (do fóton), também estabelecendo o limite entre a energia e a matéria “escuras” e as “claras”. O texto dos glúons é daqueles em que se faz uma descoberta em cada releitura. Adinoel Motta Maia, por e-mail
João Carlos Motta, por e-mail NOVO FOGUETE TAMANHO DAS LETRAS
Senhor editor, em primeiro lugar, desejo muito sucesso na editoria da revista Sciam! Sou professor de física e matemática e leitor assíduo, desde o primeiro número no Brasil, há quase 13 anos! Sinto informar-lhe que está ficando complicado acompanhar a edição impressa da prestigiosa revista, pois os tipos (letras) estão cada vez menores, dificultando sobremaneira uma leitura
POR RESTRIÇÃO DE ESPAÇO, A REDAÇÃO TOMA A LIBERDADE DE ABREVIAR CARTAS MAIS EXTENSAS.
6 Scientific American Brasil | Agosto 2015
É bom saber do investimento significativo da Nasa para a retomada das missões espaciais tripuladas, como mostra a reportagem “O nascimento de um foguete” [ed. 158]. Há muito ainda a ser feito para resolver problemas sociais terríveis aqui na Terra, mas essa é uma fronteira que não pode ser abandonada. Paulo Sérgio Baptista, por e-mail
FALE CONOSCO www.sciam.com.br
Brasil
SCIENTIFIC AMERICAN ON-LINE
PRESIDENTE: Edimilson Cardial DIRETORIA: Carolina Martinez, Marcio Cardial, Miriam Cordeiro, Rita Martinez e Rubem Barros ANO 13 – Nº 159 AGOSTO DE 2015 ISSN 1676979-1 DIRETOR EDITORIAL: Rubem Barros EDITOR: Maurício Tuffani EDIÇÃO DE ARTE: João Marcelo Simões COLABORADORES: Luiz Roberto Malta e Maria Stella Valli (revisão); Aracy Mendes da Costa, Aurea Akemi Arata, Marcio G. B. Avellar, Paulo Mathias Manes, Regina Cardeal, Suzana Schindler (tradução) PROCESSAMENTO DE IMAGEM: Paulo Cesar Salgado PRODUÇÃO GRÁFICA: Sidney Luiz dos Santos
Visite nosso site e participe de nossas redes sociais digitais. www.sciam.com.br www.facebook.com/sciambrasil www.twitter.com/sciambrasil REDAÇÃO
Comentários sobre o conteúdo editorial, sugestões, críticas às matérias e releases.
[email protected] Tel: (11) 3039-5600 Fax: (11) 3039-5610 Cartas para a revista 3`y´ï` ®yà`D´ àDå¨i Rua Cunha Gago, 412 – 1o andar São Paulo/SP – CEP 05421-001 Cartas e mensagens devem trazer o nome e endereço do autor. Por razões de espaço ou clareza, elas poderão ser publicadas de forma reduzida. PUBLICIDADE
´ù´`y´D3`y´ï` ®yà`D´ àDå¨yD¨y `¹®¹ÈúU¨`¹®DåÕùD¨`Dm¹m¹ÈD åÎ
[email protected] PUBLICIDADE GERENTE: Almir Lopes
[email protected] ESCRITÓRIOS REGIONAIS: Brasília – Sonia Brandão (61) 3225-0944/ 3321-4304/ 9973-4304
[email protected] Paraná – Marisa Oliveira Tel.: (41) 3027-8490 / (41) 9267-2307
[email protected] TECNOLOGIA GERENTE: Paulo Cordeiro ANALISTA PROGRAMADOR: Diego de Andrade ANALISTA DE SUPORTE: Nildo Silva ANALISTA WEB: Jonatas Moraes Brito DESENVOLVEDORES WEB JR: Lucas Carlos Lacerda e Lucas Alberto da Silva MARKETING DIRETORA: Carolina Martinez GERENTE DE MARKETING DIGITAL E PROJETOS: Fabiana Gama ANALISTA DE MARKETING DIGITAL: Amanda Noronha ANALISTA DE MARKETING CIRCULAÇÃO: Gabriela Fróes COORDENADOR DE CRIAÇÃO E DESIGNER: Gabriel Andrade EVENTOS COORDENADORA: Priscilla Rodrigues ASSISTENTE: Josiane Rodrigues OPERAÇÕES DIRETORA: Miriam Cordeiro GERENTE DE ASSINATURAS: Beatriz Zagoto GERENTE DE CIRCULAÇÃO: Mariana Monné VENDAS AVULSAS: Cinthya Müller EVENTOS ASSINATURAS: Ana Lúcia Souza e Camila Leal
VENDAS GOVERNO: Cláudia Santos CONTAS A PAGAR: Simone Melo FATURAMENTO: Weslley Patrik RECURSOS HUMANOS: Cláudia Barbosa PLANEJAMENTO: Roseli Santos CONTAS A RECEBER: Viviane Carrapato SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina EXECUTIVE EDITOR: Fred Guterl MANAGING EDITOR: Ricki L. Rusting CHIEF NEWS EDITOR: Philip M. Yam SENIOR EDITORS: Mark Fischetti, Christine Gorman, Anna Kuchment, Michael Moyer, George Musser, Gary Stix, Kate Wong DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley PRESIDENT: Steven Inchcoombe EXECUTIVE VICE-PRESIDENT: Michael Florek SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é uma publicação mensal da Editora Segmento, sob licença de Scientific American, Inc. 5'2 3$%5'"5 Î Rua Cunha Gago, 412, 1º andar – Pinheiros São Paulo/SP – CEP 05421-001 Tel. (11) 3039-5600 Edição 159, ISSN 1676979-1. Distribuição nacional DINAP S.A. Rua Doutor Kenkiti Shimomoto, 1678. IMPRESSÃO: Edigráfica
CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR
Para informações sobre sua assinatura, mudança de endereço, renovação, reimpressão de boleto, solicitação de reenvio de exemplares e outros serviços Tel: (11) 3039-5666 De 2ª a 6ª feira, das 8:30 às 18h
[email protected] www.editorasegmento.com.br Novas assinaturas podem ser solicitadas pelo site www.lojasegmento.com.br ou pela Central de Atendimento ao Leitor Números atrasados podem ser solicitados à Central de Atendimento ao Leitor pelo e-mail
[email protected] ou pelo site www.lojasegmento.com.br MARKETING
Informações sobre promoções, eventos, reprints e projetos especiais.
[email protected]
www.sciam.com.br 7
CIÊNCIA EM PAUTA PELOS EDITORES Opinião e análise do Conselho Editorial da 2_w²í_ Ĉ¬wÞ_C²
O que importa no uso de embriões Para livrar famílias de doenças hereditárias, médicos geneticistas sonham em mudar o DNA humano antes do nascimento. No entanto, o sonho também é um pesadelo, pois levanta o espectro de bebês de grife ou a criação de mutações prejudiciais. Agora uma técnica de edição de genoma de precisão conhecida como CRISPR-Cas9 trouxe o sonho e o pesadelo próximos à realidade. A técnica possibilita recortar o DNA problemático do núcleo celular de forma fácil e barata, em comparação com outros métodos. Cientistas vêm testando se ela pode ser usada no tratamento de doenças genéticas, como a fibrose cística e outras, como o HIV, em células humanas maduras. Mas ninguém havia tentado editar células que transmitem o DNA por gerações: as de esperma, óvulos ou embriões em estágio precoce. Elas pertencem ao que é conhecido como linha germinal. Em abril uma equipe da Universidade Sun Yat-sen, na China, revelou ter cruzado essa linha. Boatos sobre esse trabalho já haviam provocado alarme antes. Em março, autores de um editorial amplamente divulgado na Nature solicitaram a suspensão de todas as modificações na linha germinal humana, seja para pesquisa ou uso clínico, assim como fez o Centro para a Genética e a Sociedade, em Berkeley, na Califórnia, mas a proibição total seria um erro. A equipe chinesa usou a CRISPR em embriões em estágio inicial, que transportavam material genético de dois espermatozoides em vez do único habitual. Esses embriões não se desenvolvem normalmente e, portanto, são descartados por clínicas de fertilidade. Cientistas tentaram reparar uma mutação em um gene que provoca uma doença do sangue potencialmente fatal, conhecida como betatalassemia. Os resultados do estudo, publicados na revista Protein & Cell, mostraram que a CRISPR falhou em reparar a mutação-alvo na maioria dos embriões e provocou alterações não intencionais em outro local do genoma. (6FLHQWL¿F$PHULFDQ, Nature e Protein & Cell fazem parte da Springer Nature.) A pesquisa demonstrou que a tecnologia envolve demasiadas incógnitas no momento para justificar quaisquer riscos para a vida humana. Está claro que necessitamos de uma suspensão temporária da modificação do genoma em células germinais destinadas ao estabelecimento de gravidez. Cientistas têm muito a aprender sobre o funcionamento da CRISPR. Mais basicamente, eles ainda sabem muito pouco sobre como os genes interagem entre si e com o ambiente para provocar uma doença. Agências de financiamento não devem apoiar estudos com embriões adequados para implantação no úte8 Scientific American Brasil | Agosto 2015
Ilustração por Steven Hughes
Alterar genes com segurança pode prevenir doenças hereditárias
ro, tampouco revistas devem publicar esse tipo de trabalho. No entanto, cientistas devem ser autorizados a realizar pesquisas básicas sobre a modificação da linha germinal humana, como a Sociedade Internacional para Pesquisas de Células-Tronco e outros grupos têm argumentado. Esse trabalho poderia envolver embriões não viáveis em estágio inicial. E a engenharia pode, em hipótese, conseguir deter doenças genéticas devastadoras, como a de Huntington e a distrofia muscular, antes de elas se iniciarem em descendentes e impedir que o DNA prolifere em mais filhos. O risco, porém, é que alterações não intencionais prejudiciais também sejam repassadas. Pesquisadores precisam conduzir estudos extensivos antes de o uso clínico poder ser contemplado. Atualmente possíveis pais que usam fertilização in vitro podem ter embriões precoces rastreados para certos distúrbios genéticos. Alguns casais, no entanto, podem não ter a capacidade de produzir embriões livres de doença ou ter preocupações éticas sobre produzir mais embriões do que vão usar. A edição da linha germinal poderia, finalmente, ajudá-los. Nos EUA, queremos que o trabalho de base na linha germinal possa ter financiamento federal, pois ele propiciaria mais recursos e maior transparência, mas essas pesquisas terão de obter recursos privados e estatais. Na sequência do estudo da Protein & Cell, os Institutos Nacionais de Saúde reiteraram que não financiarão pesquisas com modificação de embriões humanos, citando proibições legais, além de questões de segurança. Esses problemas mostram que grupos científicos e governamentais devem envolver o público em debates sobre mudanças nas linhas germinais e usar esse diálogo para elaborar novas políticas. A CRISPR é a mais poderosa ferramenta de edição de genoma que os cientistas têm. Precisamos explorar seu potencial para evitar os horrores das doenças genéticas, mas fazê-lo sem comprometer nossos valores nem prejudicar gerações de vidas humanas.
FÓRUM $`Dy¨=yåï é diretor do Observatório Maria Mitchell, de Nantucket, e autor de A sky wonderful with stars: 50 years of modern astronomy on Maunakea, a ser publicado este mês pela editora da Universidade do Havaí.
MICHAEL WEST
Fronteiras da ciência comentadas por especialistas
Guerra com as estrelas “Os antigos havaianos eram astrônomos”, escreveu a rainha Liliuokalani, última monarca do Havaí, em 1897. Os “observadores de estrelas”, ou Kilo hǀknj, estavam entre os mais respeitados membros da sociedade havaiana. Infelizmente nem tudo vai bem ali com a astronomia agora. Há protestos contra a construção do Telescópio de Trinta Metros (TMT), um gigantesco observatório que promete revolucionar a visão do Cosmos para a humanidade. O problema é o local planejado para o TMT, Mauna Kea, um vulcão adormecido reverenciado por alguns havaianos como o piko, “cordão umbilical”, que conecta o arquipélago aos céus. Mas Mauna Kea também abriga alguns dos mais poderosos telescópios do mundo. O pico ergue-se no Oceano Pacífico acima de boa parte da densa atmosfera de nosso planeta, o que permite que os telescópios consigam imagens de clareza insuperável. Isso torna Mauna Kea o principal lugar astronômico do Hemisfério Norte, ou talvez do mundo. Construir o TMT em outra região, como sugerem alguns críticos, seria como grampear as asas do palila, pássaro nativo de Mauna Kea, limitando sua capacidade de voar. A oposição a telescópios em Mauna Kea não é nova. Um pequeno, mas ativo grupo de havaianos e ambientalistas há muito considera a presença dos observatórios como uma profanação à terra sagrada e uma dolorosa lembrança da ocupação do que foi uma nação soberana. Para alguns, apenas o retorno da montanha ao seu estado primitivo é aceitável. Para outros, os telescópios são simplesmente um conveniente para-raios para atiçar a discussão sobre questões sociais mais importantes que afetam os nativos. Pegos de surpresa pela veemência da oposição ao TMT, muitos astrônomos creem sinceramente que atuaram com o engajamento de havaianos no diálogo nos últimos sete anos de planejamento, em mais de 20 audiências públicas e uma contribuição de US$ 1 milhão ao ano para o ensino de ciência e tecnologia no Havaí. O projeto também prevê empregos e dinheiro para a economia local. Parte da responsabilidade pela polêmica cabe aos astrônomos. No afã de construir telescópios maiores, eles se esqueceram de que ciência não é a única forma de descrever o mundo. Nem sempre priorizaram a proteção do frágil ecossistema de Mauna Kea ou seu caráter sagrado para os nativos. A cultura havaiana não é uma relíquia do passado; é uma cultura ativa em pleno renascimento. Mas a ciência também tem uma história cultural, com raízes
Ilustração de Julian Callos
Superando a discórdia sobre um telescópio em local sagrado no Havaí
que remontam ao início da civilização. A mesma curiosidade para descobrir o que havia depois do horizonte que levou os primeiros polinésios ao litoral do Havaí inspira hoje astrônomos a explorarem os céus. Os que pedem que os telescópios em Mauna Kea sejam desmantelados ignoram que, na realidade, tanto a astronomia quanto a cultura havaiana procuram responder a grandes questões sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos. O TMT é a continuidade de uma antiga jornada. A astronomia não estuda apenas planetas, estrelas e galáxias distantes, mas também algo muito próximo – nós. Uma de suas mais profundas descobertas é que somos feitos das cinzas de estrelas extintas tempos atrás. Talvez por isso exploremos os céus, como respondendo ao chamado primordial para conhecermos a nós mesmos e a nossos lares ancestrais. “Você é aquela vasta coisa que vê ao longe, muito longe com grandes telescópios”, escreveu o filósofo Alan Watts. Com espírito de conciliação, os astrônomos mudaram o projeto. A localização do TMT foi alterada para minimizar sua visibilidade em torno da ilha e os impactos arqueológicos e ambientais. Será pago US$ 1 milhão por ano (além de financiar o ensino de ciência e tecnologia) pelo leasing do terreno, com 80% desses recursos destinados à administração da montanha. Para limitar o número de telescópios em Mauna Kea, os antigos serão removidos ao fim de suas vidas úteis e seus locais voltarão ao estado natural. Não há razão para que alguém – havaiano ou não – não seja acolhido em Mauna Kea para abraçar sua herança cultural e estudar as estrelas. Manter o TMT ou outros telescópios como reféns não vai remediar injustiças sofridas no passado pelos havaianos, da mesma forma como concordamos que ainda há trabalho a ser feito nesse front. “O mundo não pode ficar parado”, disse a rainha Liliuokalani. “Precisamos avançar ou recuar.” www.sciam.com.br 9
AVANÇOS Conquistas em ciência, tecnologia e medicina
O crescente preço do telescópio Webb (acima) tornou controversas propostas para observatórios maiores, como o Telescópio Espacial de Alta Definição e outros (à direita). A ST RO N O M I A
Tudo ou nada Qualquer prêmio para o observatório mais produtivo da história certamente iria para o Telescópio Espacial Hubble. Mas seus dias estão contados: seus instrumentos e órbita continuam a se degradar e seu inevitável fim resultará em uma significativa lacuna de coleta de dados para a astrofísica e a cosmologia. Como a atmosfera terrestre filtra, ou elimina a maioria dos comprimentos de onda ultravioleta, elas são acessíveis apenas a partir do espaço, onde vive o Hubble. Nenhum dos observatórios de próxima geração da Nasa, o Telescópio Espacial James Webb, de 6,5 metros, e 10 Scientific American Brasil | Agosto 2015
um satélite espião infravermelho readaptado, chamado WFIRST, de 2,4 metros, preencherão esses vazios de comprimentos de onda. “Quando o Hubble se for, ele terá ido”, resume John Mather, astrofísico laureado com o Prêmio Nobel, do Centro Goddard de Voos Espaciais, da Nasa. “E não temos nada mais preparado que faça o que ele faz.” Mather e outros astrônomos estão propondo um sucessor supergigante com um espelho de 10 a 12 metros de diâmetro, ou seja, quatro a cinco vezes maior que o do Hubble. Isso seria suficientemente grande para atender a
vários itens de alta prioridade na lista de desejos de astrônomos e revolucionaria os estudos de galáxias muito distantes, observações de planetas fora do Sistema Solar e a busca por vida em exoplanetas parecidos com a Terra. Chamado provisoriamente Telescópio Espacial de Alta Definição, ou HDST, em inglês, o telescópio proposto faria observações ópticas em comprimentos de onda ultravioleta e quase ultravioleta, como faz o Hubble. Fazendo jus ao seu nome, o espelho do HDST poderia detectar estruturas a cerca de 300 anos-luz de distância em galáxias situadas
CORTESIA DE DAVID HIGGINBOTHAM, CENTRO MARSHALL DE VOO ESPACIAL E NASA (acima);CORTESIA DE CENTRO GODDARD DE VOOS ESPACIAIS E NASA (abaixo)
xllDÔøx¸5x§xä`¹Ç¸äÇD`D§øUU§xäxDÇ߸ĀDl¸ de sua vida, astrônomos procuram por um sucessor supergigante para expandir nossa visão cósmica
observatórios da classe de 30 metros, baseados em terra e atualmente em construção, poderiam realizar grande parte das mesmas tarefas científicas por uma fração do custo. Mas essas abordagens provavelmente não fornecerão as respostas que os cientistas estão procurando, salienta Marc Postman, astrônomo e coautor do relatório sobre o HDST no Instituto de Ciência para Telescópios Espaciais. Confinados sob o “mar” de ar que envolve a Terra, até os maiores observatórios baseados em solo serão atrapalhados pela turbulência resultante da distorção de luz estelar e pela tênue luminescência da atmosfera, a fraca luz emitida por reações químicas atmosféricas que podem corromper observações sensíveis. Além disso, nem esses telescópios nem o Webb podem visualizar e investigar diretamente grandes números de exoplanetas, o que reduz as chances de descobrirem quaisquer que sustentem vida. Para algumas questões, somente um grande telescópio espacial de banda larga oferece esperança de respostas. O telescópio ideal poderia viajar rumo ao espaço na década de 2030, preveem os autores do relatório, mas só se a Nasa e outras agências espaciais começarem a planejar isso agora. Um período de incubação tão longo para o HDST pode parecer excessivo, mas na realidade é um avanço em relação ao do Hubble, que começou em 1946 com um relatório visionário do astrônomo Lyman Spitzer. Grandes avanços astrofísicos transformadores como os proporcionados pelo Hubble, e que seu futuro sucessor também poderia possibilitar, exigirão grandes investimentos não só de dinheiro, mas também de tempo, explica Postman. “Você não faz mudanças revolucionárias em nossa compreensão do Cosmos ao dar pequenos passos incrementais.” —Lee Billings
EVOLUÇ Ã O
Teste auditivo xUDîxlx¿ććD³¸ä`xDD¸ Biólogos evolutivos têm se perguntado há tempos por que o tímpano de humanos e outros mamíferos é similar ao de répteis e aves. A capacidade de escutar nesses grupos teria evoluído de um ancestral comum? Ou teria ocorrido de forma independente? Experimentos na Universidade de Tóquio e no Laboratório Riken de Morfologia Evolutiva, ambos no Japão, resolveram essa questão. Os cientistas inibiram geneticamente o desenvolvimento mandibular inferior em fetos de camundongos e de pintainhos. Os primeiros não formaram tímpanos nem canais auditivos. As aves desenvolveram duas mandíbulas superiores, das quais “brotaram” dois conjuntos de tímpanos e canais auditivos. Os resultados, publicados em Nature Communications, `¸³ßDÔøx¸¸øþl¸yl¸`ßxä`xDÇDßîß da mandíbula inferior em mamíferos, mas se desenvolve a partir da mandíbula superior em aves. Tudo isso sustenta a hipótese de que a anatomia similar evoluiu independentemente em mamíferos e em répteis e aves. (A2_x³î_ American faz parte da Springer Nature.) Fósseis de ossos auditivos também sugeriam isso, mas tímpanos não se fossilizam e, por essa razão, não puderam ser examinados diretamente. Escute, escute a genética! —Sarah Lewin www.sciam.com.br 11
RICARDO DIAS Getty Images
no lado oposto do Universo visível, algo útil para entender a formação de estrelas, assim como a natureza da matéria e da energia escuras. Além disso, ele permitiria que astrônomos examinassem de perto dezenas de exoplanetas potencialmente similares à Terra em busca de sinais de vida extraterrestre. O plano foi divulgado neste verão boreal em um relatório da Associação de Universidades para Pesquisa em Astronomia. No entanto, alguns pesquisadores envolvidos com o HDST receiam que, independentemente de quanto um instrumento poderoso como esse possa ser amplamente atraente, qualquer proposta para um telescópio espacial superdimensionado está destinada a nem “decolar”: embora observatórios gigantes sejam astronomicamente úteis para pesquisadores, eles também tendem a ser considerados astronomicamente caros, especialmente nos últimos tempos. “A Nasa ficou mais conservadora desde que iniciamos o Webb”, explica Mather, cientista sênior do projeto Webb. Originalmente, ele estava programado para lançamento em 2011, com custo projetado de US$ 1,6 bilhão, mas de acordo com estimativas atuais o lançamento não deverá ocorrer antes de outubro de 2018, a um custo inflacionado, que agora se situa em quase US$ 9 bilhões. “Depois que o telescópio foi quase cancelado devido à extrapolação de custos, ninguém mais quer pensar ‘grande’”, queixa-se Mather. Nenhum astrônomo envolvido no relatório sobre o HDST quer arriscar publicamente um palpite sobre o orçamento necessário para um telescópio dessa magnitude, além de confirmar que ele seria bem grande. Céticos quanto à viabilidade financeira do HDST, críticos sugerem que um telescópio de banda larga ligeiramente menor, como o Webb, serviria melhor à comunidade. Outros argumentam que uma nova geração de
AVANÇOS T EC NO LO GI A
Hackers espiam ventoinhas Ar quente expelido por computador pode ser usado por novas técnicas de invasão Os computadores mais seguros do mundo não podem “googlar” nada porque estão desconectados da internet e de todas as outras redes. O Exército dos Estados Unidos e a Agência de Segurança Nacional (NSA) dependem dessa medida para prevenção de ataques, conhecida como air-gapping, assim como o The Intercept, o veículo de mídia cofundado por Glenn Greenwald que foi fundamental na revelação do amplo programa de vigilância interna da NSA. Mas onde há determinação, há um jeito: um grupo de doutorandos na Universidade Ben-Gurion do Negev, em Israel, anunciou ser capaz de obter informações de um computador
escondidas no sensor de dados. Um vírus que carregasse o malware poderia infectar a máquina conectada à internet com bastante facilidade, enquanto um dispositivo USB ou outro tipo de hardware seria necessário para invadir a máquina segura, uma façanha que poderia ser bem difícil em locais de alta segurança. Em um cenário em que um hacker procurasse uma senha armazenada no computador seguro, o malware instruiria seu
Pesquisadores podem obter informações de um computador seguro ao lerem mensagens codificadas no calor que emana de seus processadores como sinais de fumaça. seguro ao ler mensagens codificadas no calor que emana, como sinais de fumaça, de seus processadores. Todos os computadores têm sensores térmicos embutidos que detectam o calor produzido por processadores e que ativam a rotação de ventoinhas para evitar danos a componentes. Para conseguirem invadir uma rede em um ambiente de escritório, bisbilhoteiros mal-intencionados infectariam dois PCs de mesa adjacentes, um protegido por uma “parede de ar” e o outro conectado à internet, com malware capaz de assumir o controle das máquinas, permitindo que eles decodifiquem mensagens 12 Scientific American Brasil | Agosto 2015
processador central a executar seu trabalho em um padrão de atividade que revelasse esses caracteres. Cada episódio de grande atividade produziria uma lufada de ar quente que viajaria até o computador conectado, onde seus sensores térmicos registrariam aquele bit único de informação. Com o tempo, ele chegaria ao conjunto de bits da senha. O computador conectado poderia, então, enviar tal informação ao interessado. Cientistas da computação chamam essa invasão de BitWhisper (cochicho de bits, ao pé da letra]. Se ele soa terrivelmente lento, é porque é. Os computadores afetados só podem
transmitir um máximo de oito bits por hora e não podem estar localizados a mais de 40,5 cm de distância. Mas essa taxa de transferência é suficiente para obter o que você precisa, explica Yisroel Mirsky, um dos coautores da pesquisa a ser apresentada no Simpósio das Fundações sobre Segurança de Computadores do IEEE (Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos), em Verona, na Itália. “Você só precisa de cerca de cinco bits” para uma mensagem simples, como um comando do computador conectado ao desconectado, iniciar um algoritmo destruidor de dados, salienta Mirsky. A estratégia BitWhisper pode parecer excessivamente elaborada; afinal, se é possível infectar um computador com malware através de um dispositivo USB, por que se incomodar com o canal de calor? Mirsky ressalta que essa configuração permite a um hacker controlar um computador seguro sem estar sentado fisicamente diante dele. Além disso, como o aquecimento de um computador não é nada incomum, a invasão poderia passar despercebida, observa Anil Madhavapeddy, que estuda meios não convencionais para transmitir informações na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e não esteve envolvido no estudo. “Em geral, à medida que os computadores ficam mais rápidos e os dados contidos neles mais valiosos, mesmo os canais secretos muito lentos são úteis para atacantes, que podem simplesmente se recostar e deixá-los funcionar durante horas ou até dias para vazar informações importantes enquanto permanecem fora do radar”, explica. É claro que parar um ataque desses é simples: mantenha computadores seguros bem longe de quaisquer outros conectados a uma rede ou insira uma camada isolante entre as máquinas. Dadas todas as condições que a BitWhisper precisaria para funcionar no mundo real, talvez seja bem mais fácil simplesmente encontrar um dedo-duro. —Jesse Emspak Ilustração de Thomas Fuchs
1 INTRODUÇÃO da molécula de INTERCEPT DNA (ou RNA) M E D I C IN A
C IÊNC IA DE MATERIA IS
Transfusões mais seguras
Bateria impressa
Bancos de sangue começam a usar novo método para eliminar patógenos de doações Ainda não há testes de triagem para bancos de sangue detectarem microrganismos que causam algumas doenças tropicais, como dengue e chikungunya. Nos últimos anos, esses patógenos têm se alastrado para os Estados Unidos devido ao aquecimento global. Além de testes para vírus como o HIV e o da hepatite C consumirem tempo precioso, outros agenîxäÇDî¸z³`¸äD³lD³T¸lx³î`Dl¸ä podem estar ocultos em sangue, como aconteceu nos primórdios do HIV. Em dezembro passado, o FDA, o órgão do governo americano que controla alimentos e medicamentos, aprovou o Sistema de Sangue INTERCEPT, tornando-o a primeira tecnologia disponível para livrar plaquetas (os componentes coaguladores l¸äD³øxÊxǧDäDɸøl¸ÊlxÔøDäx todos os agentes infecciosos possíveis. Desenvolvida pela empresa Cerus, a tecnologia mata, ou neutraliza o RNA e o DNA em vírus e bactérias, impedindo que agentes patogênicos se reproduzam no corpo de um receptor. Após adicionar uma molécula capaz de se inserir no DNA ou RNA do sangue, técnicos expõem a mistura à luz ultravioleta ÈJ kÞwíCÉ, que faz com que as moléculas se liguem irreversivelmente aos ácidos nucleicos, impedindo assim a sua replicação. O procedimento não prejudica o plasma ou as plaquetas porque eles não contêm ácidos nucleicos próprios. Até agora, doações de sangue de áreas afetadas por chikungunya e dengue tinham de ser guardadas por dois dias, enquanto os doadores são monitorados. Mas as plaquetas só têm vida útil de cinco dias. Neste verão americano, os bancos de SunCoast, na Flórida, e o de Delmarva, na costa leste dos Estados Unidos, que Ilustração de 5W Infographics
Uma alternativa extrusiva para células convencionais
2 Ativação UV
MOLÉCULA de INTERCEPT se liga irreversivelmente a nucleobases
3 Replicação bloqueada
atende partes dos estados de Delaware, Maryland e Virgínia, foram os primeiros do país a empregar a tecnologia. Os NIH (Institutos Nacionais de Saúde) também assinaram um contrato de fornecimento com a Cerus em maio, e um recente editorial no $wþ²¦C²k·÷Þ²C¦ ·#wk_²w defendeu uma autorização nacional para utilizar um sistema como o INTERCEPT para reduzir os riscos de agentes patogênicos. “Nós, nos Estados Unidos, provavelmente temos o estoque de sangue mais seguro do mundo”, avalia Scott Bush, CEO da SunCoast, “mas essa tecnologia oferece uma camada extra de proteção.” ~4CÞCCw¦¦w
Imprimir baterias é o futuro da energia sustentável, segundo engenheiros da PARC, uma empresa de pesquisa na Califórnia de propriedade da Xerox. Eles estrearam um processo de fabricação mais econômico que, algum dia, poderia produzir todas as partes de uma bateria de uma só vez, como o creme dental listrado que sai do tubo. Atualmente a fabricação de uma bateria exige múltiplas e complexas etapas industriais. O novo método de impressão de bateßDääǧ`DxääxÇ߸`xää¸ÍDUߧjxø encontro da Sociedade de Pesquisa de Materiais, em São Francisco, Corie Cobb, da PARC, apresentou bicos e materiais que permitiriam a produtores imprimir dois terços de uma bateria de uma só vez. O bico de impressão com cabeçote duplo pode produzir simultaneamente um cátodo de lítio-íon e um separador de polímero. Por enquanto, até Cobb descobrir uma combinação de materiais que não se misture durante a impressão, um técnico tem de adicionar manualmente um F³¸l¸lxßDîxÍ$DäÔøD³l¸î¸l¸ä¸äîßzä componentes puderem ser impressos de uma só vez, o processo de listras triplas poderá reduzir os custos de produção em 15%, estima Cobb. De qualquer modo, produtores de baterias já mostraram interesse na versão de listras duplas. As baterias prototípicas funcionam tão bem como as produzidas pelo processo convencional. Baterias menos caras são fundamentais para produzir veículos elétricos economicamente mais acessíveis e permitir que empresas de energia elétrica comprem e armazenem energia adicional de fontes variáveis de energia eólica e solar para estabilizar suas redes de distribuição. A longo prazo, baterias também poderiam ser impressas em formatos customizados para novos tipos de gadgets, ou dispositivos, em vez das formas retangulares e cilíndricas que os atuais designers precisam dar um jeito de acomodar. ~ CíwÞ²w ·÷ÞĄC_ www.sciam.com.br 13
F Í SIC A
Bases da Blitz
FONTES: “1000 DAMS DOWN AND COUNTING”, J. E. O’CONNER ET AL., EM SCIENCE, VOL. 348; 1o DE MAIO DE 2015 (remoção de barragens); “THE REMAINS OF THE DAM: WHAT HAVE WE LEARNED FROM 15 YEARS OF US DAM REMOVALS?”, GORDON E. GRANT E SARAH L. LEWIS, EM ENGINEERING GEOLOGY FOR SOCIETY AND TERRITORY, VOL. 3. EDITADO POR GIORGIO LOLLINO ET AL. SPRINGER, 2015 (liberação de sedimentos)
Lei dos gases pode modelar tática alemã da 2ª Guerra Mundial Em 1939, a Alemanha estreou a “guerra-relâmpago”, ou Blitzkrieg, na Polônia. Essa mortífera ofensiva militar combinava poderosos ataques de fogo pesado para gerar confusão e romper inesperadamente as linhas de defesa de um inimigo. Agora, quase 80 anos depois, físicos russos descobriram que podem modelar essa tática com a teoria cinética dos gases. Com um pouco de raciocínio criativo, os paralelos são suficientemente óbvios. Tanto exércitos como gases têm densidades – soldados (ou tropas) por quilômetro quadrado ou átomos por metro cúbico.
Unidades básicas também têm cortes transversais mensuráveis que definem cobertura territorial, para tropas, alcance médio de armas e, para o alcance orbital de átomos de gás e elétrons. E, para as duas entidades, quando as seções transversais se sobrepõem, ocorrem confrontos. Além disso, no caso de uma Blitzkrieg, a debandada de um pelotão de defensores pode ser vista como sendo similar à ampla dispersão de átomos de um gás. Por isso, os físicos Vladimir Aristov e Oleg Ilyin, da Academia de Ciências da Rússia, tomaram dados militares históricos sobre as forças alemãs e polonesas na Segunda Guerra Mundial – números de soldados, tanques, aviões e artilharia, assim como a velocidade inicial dos veículos – e substituíram cada unidade por moléculas de gás em um modelo matemático baseado na teoria cinética. Átomos ou moléculas de gás, segundo essa teoria, se movem randomicamente e colidem uns com os outros frequentemente, mas é possível impor ordem ao caos por exemplo, forçando o gás a fluir por um tubo ou bocal. No modelo de Aristov e Ilyin, o exército alemão era um fluxo concentrado de átomos de gás, que penetrava rapidamente os átomos de gás amplamente espaçados que representavam o exército polonês.
Segundo os cálculos do modelo, que consideram a desaceleração das velocidades resultante de colisões, os alemães deveriam ter avançado 50 km por dia, precisamente o seu ritmo real durante a marcha de sete dias e 350 km para Varsóvia. Os pesquisadores também executaram cálculos para as guerras-relâmpagos da França, em 1940, e de Stalingrado, em 1941, e constataram que, nesses casos, as previsões do modelo também correspondiam, com precisão, aos movimentos dessas frentes de batalhas históricas. Mas a analogia falhou quando o ataque surpresa inicial terminou e tropas defensoras de átomos passaram a “lutar” com mais eficiência. A pesquisa foi publicada em abril no Physical Review E. Há uma abundância de tentativas de explicar fenômenos sócio-históricos com física. Durante décadas cientistas modelaram eventos como a propagação da Peste Negra, ou peste bubônica, no século 14 com modelos de difusão lenta, que descrevem processos como a deriva randômica de uma gota de tinta em um copo de água. A teoria cinética se aplica melhor a processos mais rápidos e diretos, como uma invasão veloz. De acordo com Ilyin, o modelo deles poderia ser usado para prever as taxas de futuros avanços em frentes de guerra, mas só se os lados opostos respeitarem táticas convencionais, o que é improvável atualmente dada à disponibilidade de armas nucleares e aviões não tripulados, ou drones. —Tim Palucka
EM NÚMEROS
Barragens ao longo das décadas 7YedijhkeZ[]hWdZ[iXWhhW][didei;ijWZeiKd_Zei[ijWdYek [c ]hWdZ[ fWhj[ dW ZYWZW Z[ -&$7]ehW" ck_jWi Z[bWi ie _d[ÒY_[dj[i" f[h_]eiWi ek desnecessárias e precisam ser removidas – processos que geólogos e biólogos acompanharão atentamente para observar como os rios desimpedidos e a vida selvagem que sustentam reagirão. — Sarah Lewin
538
Barragens removidas nos 90 anos anteriores a 2005.
548
Barragens removidas de 2006 a 2014.
14 Scientific American Brasil | Agosto 2015
10 milhões
De metros cúbicos de sedimentos acumulados foram liberados por duas barragens removidas (estruturas de 64 m e 32 m de altura) no estado de Washington no ano passado, a maior liberação do gênero até agora.
Ilustração de Thomas Fuchs
FA Z E N D O N OT Í CI AS
Notas rápidas
CANADÁ %Då`yù ¹ Èà®yà¹UyU{ÚÈà¹mùĆm¹Û`¹®D¦ùmD my ù® ´¹ÿ¹ Èà¹`ym®y´ï¹myyàï¨ĆDcT¹ in vitroÊ<Ë Õùy D`àyå`y Då ®ï¹`»´màDåmy`z¨ù¨Dåï๴`¹Dù® ºÿù¨¹Î ååD DmcT¹ ȹmyDù®y´ïDàDïDāDmyåù`yåå¹mD<Î ïz`´`D ´T¹ yåïE måȹ´ ÿy¨DïùD¨®y´ïy´¹ååïDm¹å7´m¹åÎ
SUÍÇA %yåïyÿyàT¹U¹àyD¨j¹¹àày¹mD3ù cD`¹¨¹`¹ùm๴yå ÈDàDïàDUD¨DàmùàD´ïyù®Èyà ¹m¹yāÈyà®y´ïD¨ÈDàD y´ïàyDmyÈD`¹ïyåÎ'®y容®¹my¨¹myDy๴Dÿy Dùï»´¹®D¦E¹ùï¨ĆDm¹ÈDàDmåïàUùàåùÈà®y´ï¹å ®zm`¹åmyy®yà{´`Dy®¹ùïà¹åÈD åyåj`¹®¹´¹DïÎ
CINGAPURA 'Èà®y๮´åï๠`¹®ÈDà塀ùÈùU¨`D®y´ïy ù®`ºm¹Õùyyå`àyÿyù ÈDàDù®å¹¨ù`¹´Dm¹à Dùï¹®Eï`¹my3ùm¹§ùj àyÿy¨D´m¹å®ù¨ïD´yD®y´ïy Dyāïy´åT¹myåùDå DU¨mDmyåmy Èà¹àD®Dm¹àmy `¹®ÈùïDm¹àÎ
ESTADOS UNIDOS '®D¹àå®ù¨Dm¹à my ùàD`Çyåm¹®ù´m¹ `¹®yc¹ù D åyàïyåïDm¹´D7´ÿyàåmDmy my $D®Î¨y®¹U¨ĆD ÕùDåy À ®¨¨ïà¹åmyEùD`¹® ÿy´ï¹å my Dïz÷À§®ëyzåyåÿyĆyå®D¹à ÕùyÕùD¨Õùyà`¹´ùàDcT¹ yāÈyà®y´ïD¨D´ïyà¹àÎ
AS AMÉRICAS 'àD´ĆDcT¹0D´ ®yà`D´DmD3DúmyyD'àD´ĆDcT¹ $ù´mD¨mD3DúmyD´ù´`DàD®ÕùyDàùUz¹¨Dåy¦ù´ï¹ùK ÿDà ¹¨DyKȹ¨¹®y¨ïy`¹®¹m¹y´cDåyààDm`DmDåmD àyT¹È¹à®y¹myÿD`´DcÇyåy®¨DàDyå`D¨DÎ
LIBÉRIA yº¨¹¹åmyå`¹UààD®Õùyù®DȨD´ïDDà`D´DyåÈ´¹åDÈDày`y`àyå`yà y®EàyDåmy´åDåj`¹UyàïDåmy¹àyåïDåjå¹®y´ïyå¹Uày§®Uyà¨ï¹j ®´yàD¨m¹ÕùD¨zyāïàD mDD®D¹àDm¹åmD®D´ïyåm¹®ù´m¹Î
CONSE RVAÇÃO
Facebook para os ferozes
CORTESIA DE JUSTIN DOWNS, IEF R&D (grade de leões); GK E VICKY HART GETTY IMAGES (cabeça de leão)
Pesquisadores de leões rastreiam felinos com nova tecnologia de reconhecimento facial %x¸ßxlDäx§þD`¸³äxøxxä`DÇDßlDä§x³îxä
¸î¸ßE`Dä estes dias. Em junho, a organização conservacionista Lion Guardians, com sede no Quênia, lançou o programa Rede de Colaboral¸ßxälxlx³î`DcT¸lx"xÆxäÉ"%j³Dä§Dx³§zäÊÍ'UD³`¸ lxlDl¸älxÇxßä§x¸³³¸ä
¸`¸³äîßøl¸`¸¸Çßx߸ä¸
îÿDßx lxßx`¸³x`x³î¸
D`D§xäÇx``Dx³îx`¸³`xUl¸ÇDßDD³D§äDß as fotos das cabeças desses grandes felinos e distingui-los uns dos outros. Com o LINC, a entidade ambientalista e outros pesquisadores de vida selvagem terão à mão um jeito mais fácil de monitorar a localização dos animais. Seus deslocamentos pela África são mal compreendidos, e os esforços de monitoramento vêm acompanhal¸älxøDäyßxlxl`ø§lDlxäiîßD³äää¸ßxälx03äT¸`D߸äj suas baterias se esgotam regularmente a cada período de um a três anos, e eles só podem ser colocados nos animais quando eles estão sedados. Além disso, ao contrário de leopardos, guepardos e tigres, `ø¥DäD³`Däx§äîßDä
D`§îDUDäîD³îxDlx³î`DcT¸j§xÆxäDlø§ tos não têm padrões de pelagem reconhecíveis. Nos próximos meses, cerca de mil leões serão acrescentados ao "%çÔøD³î¸Dä
¸î¸ßDDä
¸ßx³äxßlD䳸ääîxDjDäÇßx `丸ä¸
îÿDßx`DßE³Dlx³î`DcT¸lxø³lþlø¸Í ¸D³îx rem o controle das peregrinações dos felinos, conservacionistas
poderão entender melhor onde os leões encontram companheiras, água e presas, por exemplo, assim como mudanças sutis em sua dinâmica populacional causada pela expansão humana. Não é preciso chegar muito perto e se expor pessoalmente para captar imagens úteis. Instantâneos tirados de uma distância de até 30 metros resolverão tudo, explica Stephanie Dolrenry, cofundadora da Lion Guardians. Tanto “papagaios de piratas” ÈÞC÷ãCkCÆCÞC kw²Þ·CÆCÞw_¬w²í·²wãÆwÞCk·kwC¦÷x¬²·_C¬Æ·kwýãS·kw÷¬C _E¬wÞCÓ÷C²k·ãwíÞC÷¬C·í·Æwãã·C¦É quanto os leões mais ariscos normalmente se viram para olhar para seus perseguidores antes de fugirem. —Millie Kerr
O software LINC escaneia características faciais em busca de padrões que podem combinar uma imagem com um indivíduo.
AVANÇOS P&R
Preparados para Plutão Um sobrevoo há muito esperado se aproxima
Uma concepção comum de Plutão é que ele é uma bola de neve inerte. Por que enviar uma nave para visitá-lo? Agora sabemos que Plutão é um mundo dinâmico. Vimos a intensidade de seu brilho mudar, talvez devido à movimentação de neve; sua pressão superficial triplicou desde o final da década de 80; e sua temperatura está mudando de modos que não entendemos plenamente. Agora também sabemos que Plutão tem um rico sistema de satélites, uma grande lua, Caronte, e pelo menos outras quatro menores, Nix, Hidra, Cérbero e Estige. Não sabemos muita coisa sobre as menores, mas Caronte tem gelo cristalino e hidratos de amônio em sua superfície, que podem estar associados a recentes escoamentos de seu interior. Então Caronte talvez tenha gêiseres. Também temos previsões de que Plutão e Caronte possam compartilhar uma atmosfera comum. Alguns pesquisadores sugerem que um deles ou ambos talvez tenham ou tiveram ocea-
16 Scientific American Brasil | Agosto 2015
Alan Stern (inserção), cientista-chefe na missão da Nasa para Plutão, está esperando há quase três décadas para ver o corpo celeste e suas luas em detalhes.
nos subsolares. Saberemos muito mais assim que os estudarmos de perto. Tendo a pensar em Plutão e suas luas como presentes embaixo de uma árvore de Natal. Eles estão ocultos, e aqui da Terra tudo o que podemos fazer é olhar para “as caixas” para adivinhar se elas são leves ou pesadas, para ver se talvez haja alguma chacoalhando um pouco lá dentro. Estamos vendo coisas intrigantes, mas realmente não sabemos o que há lá dentro. Estou esperando há 26 anos para desembrulhar esses presentes. Este ano, o Natal chegou em julho! O que o sr. espera encontrar? É difícil de responder. Não só por ninguém nunca ter visitado Plutão antes. Ninguém nunca visitou esse tipo de planeta. Começamos a planejar essa missão em 1989, após o encontro da Voyager 2 com Netuno, e àquela época quase ninguém sabia da existência do Cinturão de Kuiper. Essa é uma vasta região povoada por muitos corpos celestes pequenos e alguns pequenos planetas muito exóticos e diversos. A New Horizons não está visitando somente Plutão, mas toda essa região. O que quer que encontre, será um momento sinalizador para a exploração planetária; o coroamento de nosso primeiro reconhecimento dos planetas de nosso Sistema Solar.
O que a sonda fará após o sobrevoo? Encontramos dois pequenos objetos, cada um com cerca de 50 km de diâmetro, para um potencial sobrevoo pós-Plutão em 2019. Os dois estão a aproximadamente 1,6 bilhão de quilômetros além de Plutão, mas em direções diferentes, portanto temos de escolher se viajamos rumo a um ou outro. Esses são blocos de construção primordiais dos planetas do Cinturão de Kuiper e poderíamos vê-los de perto! Estamos ansiosos para redigir uma proposta de missão prolongada no ano que vem para convencer a Nasa a deixar a New Horizons visitar um deles. Além dessa missão, a nave espacial está em ótimo estado e poderia funcionar até meados ou o final da década de 2030. O sr. acha que haverá outra missão a Plutão ou ao Cinturão de Kuiper? Atualmente não existe nenhum plano para isso por parte de qualquer agência espacial. Talvez nunca mais façamos algo como isso novamente. De fato, se voltaremos ou não para lá depende do que a New Horizons encontrar e como isso pode mudar nossas prioridades em ciência planetária. Se o sistema de Plutão for suficientemente atraente, então suponho que veremos propostas de missões para retornar. Você pode voltar daqui a seis meses e me perguntar?
CORTESIA DO LABORATÓRIO DE FÍSICA APLICADA DA UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS E DO INSTITUTO DE PESQUISA SOUTHWEST (Plutão); CORTESIA DE RAYNA TEDFORD (Stern)
Neste mês, a sonda New Horizons (ao lado), da Nasa, a nave espacial mais veloz já lançada, terá chegado a Plutão após uma viagem de cinco bilhões de quilômetros. Em sua aproximação máxima, o conjunto de câmeras, espectrômetros e sensores da New Horizons examinará a superfície e atmosfera do corpo celeste de uma altitude de 12.500 quilômetros. Lee Billings, da Scientific American, e Alan Stern, cientista planetário, discutiram essa missão histórica. A seguir, excertos editados da entrevista.
50, 100 & 150 ANOS DE MEMÓRIA COMPILADO POR DANIEL C. SCHLENOFF Inovações e descobertas narradas pela SCIENTIFIC AMERICAN
Astronomia infravermelha “Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia usaram o telescópio refletor de 2,54 metros de Monte Wilson para medir bandas de absorção de dióxido de carbono na radiação infravermelha refletida de Marte; eles concluíram que a substância é menos abundante que o indicado por medições anteriores menos precisas. Isso sugere que a pressão da atmosfera na superfície de Marte é de cerca de 0,37 libra por polegada quadrada ou 2,5% da pressão da atmosfera da Terra, de 14,7 libras por polegada quadrada no nível do mar. A atmosfera marciana, portanto, pode ser muito rarefeita para sustentar um veículo com asas ou um paraquedas descer com cápsulas de instrumentos.”
Agosto 1915
cinemas não abrir até a tarde seguinte ao momento em que a mesma previsão “A Alemanha, percebendo que seus aparece nos jornais vespertinos.” navios de guerra estavam parados por segurança em seus próprios portos, que sua frota mercante estava sendo varrida do alto-mar e que perdera a comunicaAgosto 1865 ção com a maior parte de seus fornecedores por mar, não tinha senão a guerra Colhendo algodão secreta por minas e submarinos [veja “Desde o fim da guerilustração] como única forma de combara a atenção de muitas te. É com os submarinos que a Alemanha pessoas se voltou ao cultem alcançado seus maiores êxitos.” tivo do algodão com o louvável projeto de novamente estocar o ¬Cw²ãk·_·²í·²·¬CÞk÷ÞC²íwC/Þ¬wÞC mercado e reabrir fábricas, de forma a ÷wÞÞC#÷²kC¦Æ·kw¬ãwÞýãíCãw¬þþþÌ atender à necessidade das pessoas. Evi2_w²í_Ĉ¬wÞ_C²Ì_·¬éC÷õĆ¾é²CýĀ¾³¾ dentemente os antigos métodos de plantar esse produto básico não são adequaClima nos cinemas dos ao espírito que agora orienta as ope“As previsões meteorológicas foram rações. Essa cultura apática e desleixada mostradas pela primeira vez nas telas dos cinemas em Birmingham, Alabama, deverá dar lugar a um modo de negócios em janeiro de 1912. O Serviço Meteoro- energético e metódico, para duas sementes crescerem onde antes nascia apenas uma. lógico planeja fornecer previsões sempre que for requisitado, mas a demanda Máquinas em geral são indispensáveis, mas uma é mais necessária que as é limitada pelo fato de a maioria dos outras. Trata-se da máquina de colher algodão.”
Contra o tifo “Na guerra franco-germânica [18701871] milhares de soldados morreram de febre tifoide. O fato de o presente conflito estar livre dessa doença se deve em parte a uma melhor compreensão dos princípios do saneamento e, em grande medida, ao trabalho de laboratório. Anos de meticulosa pesquisa laboratorial resultaram na vacina contra o tifo, que está salvando os exércitos do mundo das epidemias dessa enfermidade. Em 1911 a vacinação contra o tifo tornou-se compulsória no exército americano. Em 1912 a taxa de mortalidade por febre tifoide nos EUA foi de 16,5 por 100 mil, enquanto no exército a taxa ficou em zero GUERRA SUBMARINA: Um caçador persegue silenciosamente sua presa, 1915 por 100 mil.”
·¦wíCkwÞCã¬w_E²_Cã㸷ÞC¬÷ãCkCã _·¬ã÷_wãã·|ĆC²·ãkwÆ·ãÌ
Aluguel estupidamente alto “Um dos males sociais das grandes cidades é a falta de moradias para pessoas de poucos recursos. Depois de trabalharem duro o dia inteiro no estrondoso barulho das fábricas, os operários precisam de um lar limpo e tranquilo para estarem revigorados para o trabalho no dia seguinte. Mas, em Nova York e na maioria das grandes cidades, isso é algo inacessível. Cada operário que deseja morar confortavelmente paga aluguéis muito superiores aos seus meios; ou se escolher a outra alternativa – um aluguel baixo – os únicos lugares oferecidos são os quartos lotados, bem acima da rua e exalando mau cheiro e pestilência.” www.sciam.com.br 17
SCIENTIFIC AMERICAN, VOL. CXIII, Nº 6; 7 DE AGOSTO DE 1915
Agosto 1965
1a Guerra Mundial no mar
CIÊNCIA DA SAÚDE
por KAREN WEINTRAUB
!Dày´=y´ïàDùUé jornalista freelancer de ciência e saúde, que mora em Cambridge, Massachusetts. Escreve regularmente para o Boston Globe, o USA Today e o The New York Times.
Podemos deter o envelhecimento? Alguns cientistas acreditam que, em breve, poderemos desacelerar ou mesmo parar o cronômetro do organismo – pelo menos por algum tempo A maioria dos americanos mais idosos vive seus últimos anos com pelo menos uma ou duas doenças crônicas, como artrite, diabetes, doença cardíaca ou acidente vascular cerebral. Quanto mais tempo o relógio corporal bate, mais condições incapacitantes enfrentam. Por tradição, médicos e empresas farmacêuticas tratam essas doenças ligadas ao envelhecimento conforme surgem, mas um pequeno grupo de cientistas começou uma abordagem nova e ousada. Eles acreditam que é possível deter ou até mesmo retroceder o cronômetro interno do organismo para que todas essas doenças cheguem mais tarde ou nem mesmo cheguem. Estudos sobre centenários sugerem que a façanha é possível. A maioria dessas pessoas vive tanto tempo porque de alguma forma evitam a maior parte das doenças que sobrecarregam outras pessoas aos 70 e 80 anos, afirma Nir Barzilai, diretor do Instituto para Pesquisas sobre o Envelhecimento do Albert Einstein College of
Medicine. Tampouco a incomum longevidade de um centenário resulta em declínio de fim de vida mais longo que o de outras pessoas. Na verdade, observa Barzilai, pesquisas com centenas de “superidosos” sugerem exatamente o oposto. Para eles, a doença costuma vir mais tarde e chega mais próxima do fim. “Eles vivem, vivem, vivem e depois morrem um dia”, segundo ele. Pesquisadores já desenvolveram várias técnicas para aumentar o tempo de vida de leveduras, vermes, moscas, ratos e símios. Adaptar essas medidas para pessoas parece ser o próximo passo lógico. “Há um consenso emergente de que está na hora de levar o que aprendemos sobre o envelhecimento e começar a traduzir isso em auxílio para humanos”, sugere Brian Kennedy, CEO e presidente do Instituto Buck para Pesquisas sobre o Envelhecimento, um grupo independente em Novato, Califórnia. Nos Estados Unidos estima-se que um em cada cinco habitantes terá mais de 65 anos até 2030 – mais de um em cada sete em 2014. Em 2013, em todo o mundo, cerca de 44 milhões sofriam de demência. Esse número deverá chegar a 76 milhões em 2030 e a 135 milhões em 2050, com insuficiente quantidade de pessoas mais jovens para cuidar deles. EVIDÊNCIAS
Ilustração de Victo Ngai
Entre os tratamentos estudados, três se destacam. Ainda não é claro se os potenciais benefícios superam seus riscos. Em um estudo de 2005, Thomas Rando, diretor do Centro Paul F. Glenn para a Biologia do Envelhecimento, da Universidade Stanford, mostrou que um camundongo idoso, cuja corrente sanguínea foi cirurgicamente ligada a um outro jovem, recuperou seus poderes cicatrizantes juvenis. De alguma forma, as células-tronco do roedor mais velho, responsáveis pela reposição de células velhas ou danificadas, tornaram-se mais eficazes em dar origem a um tecido novo. Bióloga da Universidade Harvard, Amy Wagers, desde então descobriu uma proteína no sangue, a GDF11, que pode ter contribuído para a cicatrização mais rápida. Seus experimentos, publicados na Science em 2014, descobriram que a proteína é mais abundante em camundongos mais jovens que nos mais velhos; quando injetada em roedores mais idosos, a GDF11 aparentou restaurar músculos à sua estrutura jovem e proporcionar mais força. Um novo estudo, em Cell Metabolism, coloca essa descoberta em xeque, sugerindo que a GDF11 aumenta com a ida18 Scientific American Brasil | Agosto 2015
de (e pode até inibir a restauração muscular) e que algum outro fator deve fazer as células agirem de modo mais jovem. A segunda abordagem consiste em examinar cerca de 20 fármacos e suplementos nutricionais atuais em um nível de detalhe que nunca foi possível antes para saber se eles realmente podem afetar o processo de envelhecimento. Por exemplo, pesquisadores da Universidade de Cardiff, no País de Gales, relataram em 2014 que pacientes com diabetes do tipo 2 que tomavam o medicamento metformina viviam em média 15% a mais que um grupo de pessoas saudáveis que não tinham o transtorno metabólico, mas eram semelhantes em quase todos os outros aspectos. Cientistas especulam que a metformina interfere em um processo normal do envelhecimento, a glicação, em que a glicose se combina com proteínas e outras moléculas importantes, resinando suas operações normais. A constatação sobre a metformina é especialmente notável, pois diabéticos, mesmo sob bom controle, normalmente vivem um pouco menos que suas contrapartes saudáveis. Enquanto isso, em um estudo com 218 adultos, publicado no ano passado na Science Translational Medicine, pesquisadores da Novartis mostraram que o everolimus, semelhante à rapamicina (usada para prevenir rejeição em transplantes de rim), melhorou a eficácia da vacina contra gripe em pessoas com mais de 65 anos. Quando as pessoas envelhecem, seus sistemas imunes não criam uma resposta de anticorpos tão forte para o vírus inativado na vacina como no passado; assim, elas ficam mais propensas a adoecerem caso se deparem com um vírus de gripe verdadeiro. Pacientes que no estudo receberam o everolimus mostraram uma concentração mais elevada de anticorpos de combate aos microrganismos no sangue que seus homólogos não tratados. A descoberta foi interpretada como um sinal de que o fármaco, de alguma forma, rejuvenesceu os sistemas imunes dos sujeitos do estudo. Assim como acontece com qualquer fármaco, os efeitos colaterais foram um problema. Membros do grupo tratado eram mais propensos ao desenvolvimento de aftas, o que pode limitar a utilidade geral do medicamento para o tratamento do envelhecimento. O custo pode ser outro fator; o everolimus, aprovado pela FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA) pelas propriedades anticancerígenas, custa mais de US$ 7 mil por mês em doses adequadas. Ainda não se sabe quanto ele custaria e o tempo necessário para ser usado como droga antienvelhecimento. No entanto, resultados sugerem que o envelhecimento pode ser retardado. Na verdade, o everolimus e outros medicamentos semelhantes à rapamicina mostraram estender drasticamente o tempo de vida de camundongos, prevenindo doenças como o câncer e revertendo alterações relacionadas à idade em relação ao sangue, fígado, metabolismo e sistema imune. Uma terceira abordagem envolve a alimentação. Há muito tempo se mostrou que a restrição de consumo de calorias ajuda camundongos a viver mais tempo, mas não está tão claro se a limitação de ingestão de alimentos (sem provocar desnutrição) também beneficia os humanos. Por um lado, muito poucos podem ou querem manter essas dietas de baixa caloria pelas décadas necessárias para provar definitivamente se essa abordagem funciona, mas pode acontecer de essas medidas drásticas serem desnecessá-
rias. Valter Longo, diretor do Instituto de Longevidade da Universidade do Sul da Califórnia, mostrou que pode estender o tempo de vida de camundongos simplesmente limitando sua comida em dias alternados, ou reduzindo a quantidade de proteína consumida. Esse jejum intermitente pode vir a ser mais palatável para as pessoas, embora seus benefícios permaneçam sem comprovação. ADVERTÊNCIAS
Viver mais pode ter suas vantagens. Rejuvenescer células velhas significa que elas se dividirão novamente. A divisão controlada significa juventude, e a descontrolada, câncer. Mas cientistas ainda não têm certeza se conseguem obter uma sem a outra. Descobrir o momento certo para o tratamento também é complicado. Se o objetivo é prevenir as várias doenças do envelhecimento, você iniciaria suas terapias ao primeiro sinal de doença? “Assim que estiver quebrado, é realmente difícil colocar tudo de volta no lugar. É mais fácil manter as pessoas saudáveis”, afirma Kennedy. Então, pode fazer mais sentido começar o tratamento anos mais cedo, durante uma saudável meia-idade, mas pesquisas necessárias para comprovar essa suposição levariam décadas. Se várias doenças podem ser adiadas, a próxima pergunta é por quanto tempo. James Kirkland, que dirige o Centro para o Envelhecimento Robert e Arlene Kogod, da Clínica Mayo, em Rochester, Minnesota, avalia que levará pelo menos mais 20 anos para responder essa pergunta. Cientistas têm estendido com êxito oito vezes a vida de vermes e acrescentado um ano à de ratos de laboratório de três anos de idade. Mas esses avanços permitirão a pessoas viverem cinco ou seis séculos ou mesmo uns 30 anos a mais? Ou ela conseguirá apenas um ano a mais? A extensão na vida das pessoas é propensa a ser mais modesta que em leveduras, vermes, moscas e camundongos, avalia Rando. Pesquisas anteriores sugeriram que animais de ordem inferior se beneficiam ao máximo de iniciativas de longevidade – como as leveduras, por exemplo, ganhando maior benefício em experimentos de restrição calórica que mamíferos. “Quanto mais perto se chega dos humanos, menor o efeito” na expectativa de vida, segundo ele. E que magnitude de benefício alguém precisa para justificar fazer – e pagar – esse tratamento? “Você toma um remédio toda a sua vida na esperança de viver 4% ou 7% a mais?”, questiona Rando. O que, se existe alguma coisa, os próprios cientistas antienvelhecimento podem fazer para tentar retardar seu próprio envelhecimento? A meia dúzia de cientistas entrevistados para este artigo disse que faz esforços balanceados para estender a própria vida. Um era grato pelo diagnóstico de pré-diabetes, que significou uma receita legítima para a metformina. A pesquisa está ficando tão sólida, segundo Kennedy, que ele está tendo dificuldades para convencer a si mesmo a não tomar alguns medicamentos. Todos os especialistas dizem que tentam levar uma vida saudável, além de suportar empregos de muita pressão. Tentam chegar perto de oito horas de sono, comer quantidades moderadas de alimentos nutritivos e fazer bastante exercício. Nenhum deles fuma. A maioria dos americanos, infelizmente, não segue esses hábitos saudáveis. A maior ironia seria descobrir que a pílula não é, afinal, mais eficaz que os hábitos saudáveis que já ignoramos. www.sciam.com.br 19
TECNOLOGIA DAVID POGUE Dÿm 0¹ùy é colunista-âncora do Yahoo Tech e apresentador das minisséries NOVA na PBS.
Pesquisa médica com celulares
Ilustração de Julian Callos
Nossos smartphones podem mudar o cenário dos estudos de saúde – e agora podemos escolher melhor como participar delas
Para um recente estudo de câncer de mama, a epidemiologista Kathryn H. Schmitz, da Universidade da Pensilvânia, enviou 60 mil cartas e conseguiu 351 mulheres. Explicar a papelada para cada participante levou 30 minutos ou mais. Esse método ineficiente para encontrar voluntários era a norma na pesquisa médica. Mas há um tesouro de dados nos bilhões de smartphones e 70 milhões de monitores de saúde que compramos todos os anos. Seus sensores geram terabytes de dados todos os dias sobre nossas atividades, sono e comportamento. Esses dados seriam fantasticamente úteis para pesquisadores se eles conseguissem obtê-los. Pela primeira vez, existe uma maneira. É um software gratuito da Apple, chamado de ResearchKit (kit de pesquisa, em inglês). O ResearchKit permite a pesquisadores construir aplicativos para fazer o recrutamento e a coleta de dados. Você, o participante, sabe exatamente quem recebe essas informações, e pode desistir de qualquer etapa, a qualquer momento. Os dados vão diretamente para a instituição de pesquisa; a Apple não tem acesso a eles. Esses aplicativos podem incorporar tanto os dados relatados pelo próprio indivíduo (“Como estão seus sintomas hoje?”), quanto informações do microfone, câmera, sensor de movimento, GPS e outras ferramentas do telefone. Então, em vez de fornecer atualizações a cada seis meses, você está gerando dados centenas, se não milhares, de vezes ao dia. Antes do lançamento do ResearchKit, em abril, a Apple trabalhou com as principais instituições para desenvolver a primeira onda de cinco aplicativos. O cardiologista Michael McConnell, por exemplo, desenvolveu, junto com uma equipe da Escola de Medici20 Scientific American Brasil | Agosto 2015
na da Universidade Stanford, um aplicativo para monitorar a saúde cardíaca chamado MyHeartCounts. Ele acompanha sua atividade (usando os sensores de movimento do telefone) e pede para o usuário realizar um teste de caminhada a cada três meses. O aplicativo tenta relacionar atividade, aptidão física e fatores de risco com o tempo; por fim, ele lhe dá sugestões personalizadas – algo que estudos tradicionais não costumam fazer. Nas primeiras 24 horas, 10 mil participantes se inscreveram no estudo. “O ResearchKit resolve vários desafios atuais da pesquisa clínica”, disse-me McConnell. Com ele você pode recrutar mais pessoas, reduzir custos e permitir um melhor compartilhamento de dados de pesquisa, explica o pesquisador. Eric Schadt, geneticista da Escola de Medicina Icahn em Mount Sinai, desenvolveu um aplicativo chamado de Asthma Health. Ele faz perguntas diárias sobre suas condições de saúde e relaciona suas respostas com o clima local, a poluição e a contagem de pólen (através do GPS de seu telefone). Em 72 horas, cinco mil indivíduos asmáticos já estavam inscritos – um número, de acordo com Schadt, que lhe custaria anos para reunir no passado. Outros aplicativos desenvolvidos antes da divulgação incluem o GlucoSuccess (para monitorar o diabetes), o mPower (para a doença de Parkinson) e o Share the Journey (para o câncer de mama). Todos são gratuitos. Você pode participar dos últimos três estudos mesmo se não tiver a doença; seus dados são úteis como controle. Tudo pode soar maravilhoso demais, mas o que a Apple ganha com isso? Sua primeira ideia pode ser: “Vender mais iPhones, é claro”. Exceto que essa é a melhor parte: a Apple deixou o ResearchKit como open source. Ele é grátis para qualquer pessoa – até mesmo para rivais da Apple, como Google ou Samsung – usar, modificar ou adquirir. A ideia do ResearchKit parece promissora. Mas vale a pena apontar que o uso de smartphones limita o grupo de participantes a pessoas que têm um aparelho desses. Estudos que requerem exames corporais, amostras de fluidos ou precisão de nível hospitalar também ficam de fora. Mas se comparado a estudos presenciais ou até mesmo a estudos pela Web, esses aplicativos podem ser muito mais difundidos e fáceis de usar, e eles podem gerar mais tipos de dados úteis. Estudos que costumavam ser lentos, pequenos e localizados agora podem ser rápidos, imensos e globais. E isso pode significar mais saúde e vida mais longa para todos nós.
OBSERVATÓRIO JORGEJANEIRO A. QUILLFELDT Céu do POR Mês ¹ày Î1ù¨¨y¨mïé neurocientista e divulgador da ciência. Professor do Departamento de Biofísica do IB/UFRGS, orientador do Programa de Pós-Graduação em Neurociências do ICBS/UFRGS, foi secretário da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC, 2011-14) e da Federação de Associações Latino-americanas e Caribenhas de Neurociências (FALAN, 2012-14), integrando atualmente o Comitê Regional Latino-americano da International Brain Research Organization (IBRO-LARC).
As neurociências se reúnem no Brasil ³`¸³î߸³îxß³D`¸³D§³¸2¸lx D³x߸iøDǸßîD³îx`¸³ÔøäîDlDÇxäÔøäD³D`¸³D§ De 7 a 11 de julho de 2015, neurocientistas de todo o mundo voltaram seu olhar para o Brasil. Realizou-se, no Rio de Janeiro, o 9o Congresso Mundial do Cérebro, encontro quadrienal da Organização Internacional da Pesquisa do Cérebro (IBRO). Esse importante encontro foi realizado pela primeira vez nas Américas, e a escolha do Brasil significa nada menos que o reconhecimento da alta qualidade de nossa pesquisa neurocientífica. Sem dúvida, uma importante conquista para o país. Foram 150 palestrantes de 23 países falando para um público de mais de 2.400 especialistas, do Brasil e do exterior, cobrindo os mais variados assuntos de ponta, da dependência de drogas à epilepsia, células-tronco, estresse, memória, esquecimento, doença de Alzheimer, apreciação musical, envelhecimento, neuroimunologia, modelos computacionais, e os limites da neuroética. As apresentações incluíram conferências, simpósios e sessões de cartazes nas quais pesquisadores, pós-graduandos e estudantes puderam discutir seus achados, interagindo com os melhores em cada especialidade. Muito se fala no crescimento da ciência brasileira, que está entre os mais notáveis entre os assim chamados países do Terceiro Mundo: em 2011 passamos a ser o 13o país em número de artigos publicados, embora, em qualidade (impacto, citações), sejamos apenas o 40o. Superamos Argentina e México, e mesmo Índia em termos de produção científica, e ficamos atrás apenas da China. Nossos números progrediram, mas fica aquela impressão de que não fazem jus ao fato de sermos a oitava economia do planeta. A realidade é que não existe atalho que compense a falta de experiência como aquela acumulada pelas nações mais avançadas. As neurociências no Brasil se desenvolveram ocupando nichos preexistentes nas áreas de fisiologia, anatomia e farmacologia que, por sua vez, são subdivisões históricas das ciências da vida surgidas no século 19. Pode-se sistematizar subdivisões do conhecimento mediante (a) argumentos ontológicos, baseados na natureza em si da categoria (vivo X não vivo, básico X aplicado); (b) razões epistemológicas, que relevam características conceituais (funcional X estrutural, estático X dinâmico) bem como a própria cronologia histórica das disciplinas (a física precedeu a química, que antecedeu a biologia, etc.); ou mesmo (c) aspectos pragmáticos, a conveniência prática de assim classificar (facilidade de agrupamento, financiamento, conveniência didática, razões políticas ou simples modismo).
Áreas recentes da pesquisa como a astrobiologia, as nanociências e as neurociências vieram sacudir a poeira de velhas subdivisões cujas delimitações começaram a diluir-se diante dos avanços tecnológicos e conceituais. No começo, parecia suficiente trabalhar com as divisões clássicas complementadas por adjetivos algo vagos como “interdisciplinar”, “transdisciplinar” e “multidisciplinar”, mas a partir de certo ponto não se pode mais escapar de uma nova classificação. É assim que surgiram novas áreas do conhecimento, disciplinas acadêmicas, departamentos, agremiações profissionais e mesmo títulos de periódicos. Algumas serão problemáticas e não sobreviverão. Mas a história é uma catraca que não para de girar quando se trata de consolidar as reclassificações que aportam vantagens reais e imediatas. Essas considerações são necessárias para entendermos o sucesso das neurociências, que se verifica em todo o mundo, não apenas aqui. Até hoje encontramos posições mais conservadoras que questionam a existência ou não dessa “subárea” a que chamamos neurociências, como se fosse uma classificação arbitrária e meramente oportunista, tão boa em si como, digamos, “cardiociências”, “hepatociências” ou “dermociências” – referências claras a órgãos tão ou mais importantes quanto o encéfalo. Mas se é assim, por que são tão raros os congressos, sociedades ou departamentos com tais nomes? Ou ninguém teve a ideia, ou simplesmente tal agrupamento não traz vantagens óbvias sobre as classificações preexistentes. De fato, a astrobiologia é a única das três neodisciplinas supracitadas que, além de francamente múlti e interdisciplinar, possui hipóteses testáveis singularmente próprias (“existe vida alhures?”), sendo de natureza mais epistemológica que pragmática. As demais mesclam esses dois aspectos. As nanociências não deixam de ser um novo nome para uma porção da velha química, porém revisitada pela física das pequenas dimensões, permitindo enfatizar as novidades que traz – as propriedades “nano” – antes pouco percebidas, especialmente no domínio tecnológico. As neurociências também são múlti e interdisciplinares, reunindo sobretudo as clássicas fisiologia, anatomia e farmacologia “do sistema nervoso”, de longa história, mas devido a sua abrangência, indo do molecular ao celular ao organísmico, ao comportamental, e à complexidade dos problemas não resolvidos pelas abordagens precedentes, o reagrupamento conceitual mostrou-se decisivo, o que explica seu enorme sucesso. Portanto, que vivam as neurociências! www.sciam.com.br 21
DESAFIOS DO COSMOS
de SALVADOR NOGUEIRA
3D¨ÿDm¹à%¹ùyàD é jornalista de ciência especializado em astronomia e astronáutica. É autor de oito livros, dentre eles Rumo ao _dÒd_je0FWiiWZe[\kjkheZWWl[djkhW^kcWdWdWYedgk_ijWZe[ifWe e Extraterrestres: Onde eles estão e como a ciência tenta encontrá-los.
NASA
Vinte e seis anos de silêncio Cygni. Localizada na constelação de Cisne, a 8 mil anos-luz da Terra, ela já foi um dia, há muitos milhões de anos, composta por uma estrela azul, de alta massa, e uma anã amarela um pouco menor que o Sol. Só que estrelas grandes esgotam seu combustível muito mais depressa e então explodem. O resultado é que a maior das duas estrelas já detonou e se transformou num buraco negro. Pela proximidade, passou a sugar parte da massa de sua vizinha de tipo solar, formando um disco de material em torno do astro colapsado. CONCEPÇÃO ARTÍSTICA do despertar Em 1989, o satélite japonês Ginga detectou de raios X do disco de uma intensa e repentina emissão de radiação acreção de um buraco vinda dali – fenômeno conhecido como nova de negro em V404 Cygni raios X –, presumivelmente resultado da súbita violência com que o material acumulado ao Buracos negros são, com toda probabilidade, as mais miste- longo de anos no disco de acreção avançou na direção do riosas entidades do zoológico cósmico. Sua própria natureza é buraco negro, acelerando a velocidades próximas à da luz. Foi debatida acaloradamente há décadas pelos cientistas. Em 1915, uma das mais contundentes evidências de que esses objetos exquando Karl Schwarzschild fez os primeiros cálculos do que tremos previstos pela relatividade geral existem mesmo. E então V404 Cygni aquietou-se. Mas uma olhada em dados seria preciso para uma estrela se tornar um buraco negro, baseado na relatividade geral, até mesmo Einstein achou inte- de arquivos revelou que o astro havia passado por dois picos de ressante, mas um exercício puramente teórico – ele não acredi- atividade anteriormente, em 1938 e em 1956. Era questão de tava que o Universo permitiria a existência de objetos tão bizar- tempo até que ele voltasse à ativa. Aconteceu em 15 de junho de 2015, quando o satélite Swift, da ros, literais rombos no tecido do espaço-tempo. E, no entanto, tudo que conhecemos hoje sobre astrofísica Nasa, detectou uma súbita emissão de raios X vinda de lá. A indica que eles existem mesmo. Estrelas de alta massa, quando es- partir desse primeiro registro, um alerta levou uma esquadra de gotam seu combustível nuclear, detonam violentamente, e o satélites e observatórios espalhados pelo mundo a monitorar o núcleo remanescente colapsa sob seu próprio peso. Se houver objeto, em todas as frequências do espectro eletromagnético. Numa única semana, as explosões em V404 Cygni geraram massa suficiente, o nível de compressão é tão grande que a matéria se degenera completamente, e o resultado é um objeto infinita- mais de 70 “alertas” de atividade no Monitor de Disparos de Raios mente compacto – uma singularidade – da qual, a partir de uma Gama do satélite Fermi, também pertencente à agência espacial determinada distância, nada pode escapar dele. Nem mesmo a luz, dos EUA. A cada um desses alertas, o sistema automaticamente viajando à velocidade máxima permitida no Cosmos, consegue dispara uma série de e-mails aos cientistas responsáveis, o que levou David Yu, um dos cientistas do Fermi, a comentar nas redes vencer a atração gravitacional. Daí o nome “buraco negro”. Estrelas, contudo, são em geral entidades gregárias – a maioria sociais, ecoando a linguagem dos videogames: “Conquista desblodelas vive em duplas ou trios –, e nem todas têm o mesmo tama- queada: Caixa de e-mail sofre spam de buraco negro”. Brincadeiras à parte, a hipótese com que trabalham os ciennho. Um par especialmente intrigante é conhecido pela sigla V404 tistas para esses picos de atividade transitórios é que o material ASTROFOTOGRAFIA “roubado” da estrela vizinha vai se acumulando no disco de 1ærÍ èrÍ ÒæD DÒÜÍ«{«Ü«ÍDD §D 3ZD¡Ã acreção até atingir um valor crítico, e então cai todo de uma ÒZÍrèD µDÍD DÒÜÍ«{«Ü«ÍDDNrfÜ«ÍDÒr¡r§Ü«»Z«¡»OÍ vez, produzindo a explosão de raios X. Os novos dados certaAs fotos precisam ser em alta resolução, com no mínimo 300 dpi, mente ajudarão a testar essa ideia e a compreender ainda para serem publicadas. melhor o intrigante sistema de V404 Cygni. 22 Scientific American Brasil | Agosto 2015
CÉU DO MÊS
AGOSTO
Chuva de meteoros Perseidas produz espetáculo Marte retorna ao céu noturno, e o cometa C/2013 US10 Catalina se oferece à observação no Hemisfério Sul antes do periélio.
O grande evento astronômico do mês de agosto é a chuva de meteoros Perseidas. O nome se refere à constelação de Perseu, onde se localiza o radiante, ou seja, o ponto de onde parecem emanar essas estrelas cadentes. As Perseidas são produzidas por pequenos detritos pertencentes ao cometa 109/P Swift-Tuttle, astro que passa pelas redondezas do Sol a cada 133 anos. Embora ele não esteja por perto no momento, em seu trajeto restam rastros de poeira deixada por suas passagens anteriores pela região interna do sistema. Quando a Terra atravessa a órbita dele, o que acontece todo ano, esses pequenos grãos encontram nossa atmosfera e queimam, produzindo o espetáculo visual. Sendo Perseu uma constelação boreal, o fenômeno acaba sendo mais vistoso no Hemisfério Norte. Ainda assim, também há boa presença de estrelas cadentes nos céus do Sul. O pico acontece no dia 13, favorecido pela Lua pouco luminosa, num fino minguante. O melhor momento para observar é a partir das 3h, até o amanhecer, quando Perseu desponta no horizonte Norte. Contudo, não é necessário olhar na direção do radiante para observar os meteoros – eles aparecem em todas as partes do céu. É bom observar por pelo menos uma hora para contar um bom número de estrelas cadentes. Nas regiões Norte e Nordeste do
FERNANDO R. DE A. V.
FERNANDO R. DE A. V., de Bragança Paulista (SP), registra o encontro Lua-Vênus-Júpiter, ocorrido em junho.
Brasil, pode-se esperar taxas acima de 30 meteoros por hora. Mais ao sul, a frequência diminui para cerca de 15 meteoros por hora. No dia seguinte ao pico das Perseidas, ocorre a aproximação máxima do cometa C/2013 US10 Catalina com a Terra, a pouco mais de 160 milhões de quilômetros de distância. Entre os dias 8 e 17 de agosto, você poderá encontrar esse astro – um cometa de longo período proveniente da nuvem de Oort, em sua primeira visita ao interior do Sistema Solar – na constelação do Pavão, visível durante praticamente toda a noite na direção Sul. O cometa deve realizar seu periélio em novembro para então ir se alojar no céu do Hemisfério Norte, de forma que o melhor momento para observá-lo no Brasil será agora em agosto. Estima-se que ele se afigure com 7,1 magnitudes – além da percepção a olho nu, mas visível com auxílio de binóculos ou pequenos telescópios. Marte faz seu retorno ao céu noturno, após passar por trás do Sol, e pode ser encontrado no horizonte Leste, pouco antes do amanhecer. E Netuno, por sua vez, realiza sua máxima aproximação da Terra, a 4,3 bilhões de quilômetros, e atinge seu brilho máximo: 7,8 magnitudes. Ele estará disponível durante toda a noite, na constelação de Aquário, e pode ser encontrado com binóculos. Bons céus a todos! (S.N.) www.sciam.com.br 23
N
Visibilidade dos planetas MERCÚRIO Inicialmente em Leão e depois em Virgem, visível ao anoitecer na direção do pôr do sol. Em conjunção com Júpiter em 7. Próximo da Lua em 2.
VÊNUS Visível ao anoitecer, na direção do pôr do sol, na primeira quinzena do mês. Em conjunção inferior com o Sol em 15, quando volta a ser visto ao amanhecer, na direção do nascer do sol, em Câncer. Em conjunção com Marte em 29.
MARTE Visível ao amanhecer a leste, antes do nascer do sol, em Gêmeos e depois em Câncer. Próximo da Lua em 13. Em conjunção com Vênus em 29.
8052 Em Leão, visível ao anoitecer na direção do pôr do sol no começo do mês. Em conjunção com Mercúrio em 7 e próximo de Regulus (alfa de Leão). Próximo da Lua em 15. Em conjunção com o Sol em 27.
O
SATURNO Em Libra, visível durante a primeira metade da noite. Estacionário em 2. Próximo da Lua em 22.
URANO Visível a leste durante a madrugada, em Peixes. Próximo da Lua em 5.
NETUNO Em Aquário, visível durante toda a noite. Próximo da Lua em 29. Maior aproximação com a Terra em 31.
DESTAQUES DO Q
Mercúrio em conjunção com Júpiter.
Q
Máximo da chuva de meteoros Perseid
Q
Maior aproximação da Terra do comet
Q
Conjunção inferior de Vênus (planeta n
Q
Conjunção Júpiter com o Sol (planeta
Q
Netuno em máxima aproximação com
S 24 Scientific American Brasil | Agosto 2015
0 33 $'3'"0" 3'%35" /3 ÊRË Câncer de 21/07/2015 a 11/08/2015
DIA
HORA
EVENTO
2
07h58
Lua no perigeu, mínima distância da Terra (362.081 km). Diâmetro angular aparente 33,0’.
2
12h45
Lua passa por Mercúrio
2
15h14
Saturno estacionário. Iniciando movimento direto.
5
05h48
Mercúrio e Vênus em conjunção.
5
06h45
Lua passa a 0,4°S de Urano.
6
23h03
Lua quarto minguante.
7
00h59
Mercúrio a 0,6°N de Júpiter (conjunção).
7
21h54
Lua passa pelo aglomerado estelar aberto de Pleiades (M45), em Touro.
8
20h02
Lua passa por Aldebarã (alfa de Touro).
11
03:54
$r«Í«ZDÒõ«µDÍDèÒæDîDÍ«OÍ«fD5rÍÍDÍrrÜf« na face escura da lua minguante falcada (luz cinérea). O horário refere-se ao nascer da Lua em São Paulo.
12
–
12
23h32
13
–
14
02h30
Cometa C/2013 US10 Catalina mais próximo da Terra, brilho estimado de 7,1 magnitudes.
14
11h54
Lua nova.
15
16h15
Vênus em conjunção inferior com o Sol (planeta entre o Sol e a Terra).
17
23h14
Lua passa por Mercúrio.
17
23h14
Lua no apogeu, máxima distância da Terra (406.935 km). Diâmetro angular aparente 29,1’.
18
17:34
$r«Í«ZDÒõ«µDÍDèÒæDîDÍ«OÍ«fD5rÍÍDÍrrÜf« na face escura da lua crescente falcada (luz cinérea). O horário refere-se ao pôr do sol neste dia, em São Paulo.
19
14h15
Lua passa por Spica (alfa de Virgem).
20
04h02
Marte passa a 0,2°S do aglomerado estelar de Praesepe (M44), em Câncer.
22
12h20
Saturno a 3°S da Lua (conjunção).
22
16h32
Quarto crescente.
24
–
27
05h54
Leão de 11/08/2015 a 17/09/2015 (*) O limite das constelações foi estabelecido pela União Astronômica Internacional em 1930, o que permite estabelecer, com grande precisão, o instante de entrada e saída do Sol de cada uma das 13 constelações que são atravessadas pela trajetória anual aparente do Sol, a eclíptica.
L
Máximo da chuva de meteoros Delta-Aquarídeos Norte. Lua passa por Marte. Máximo da chuva de meteoros Perseidas (cometa 109/P Swift-Tuttle).
Fim da atividade da chuva de meteoros Perseidas (início em 17/07). Júpiter em conjunção com o Sol (Sol entre o planeta e a Terra).
29
02h14
Vênus e Marte em conjunção.
29
15h36
Lua cheia.
29
19h47
Lua passa por Netuno.
30
13h13
Lua no perigeu, mínima distância da Terra (358.282 km). Diâmetro angular aparente 32,8’.
CARTA CELESTE PARA O MÊS
31
07h31
Netuno mais próximo da Terra, 4,3 bilhões de quilômetros.
Mapa mostra céu visível às 22h00 de 1º de agosto, às 21h00 de 15 de agosto e às 20h00 de 30 de agosto a partir da latitude de 23°27’ Sul (Trópico de Capricórnio).
31
09h31
Netuno atinge seu máximo brilho, m = 7,8, não visível a olho nu, mas acessível à observação com binóculos e pequenos telescópios. www.sciam.com.br 25
EVO LU Ç Ã O
DO LOBO Cientistas correm para desvendar o persistente mistério sobre o carnívoro grande e perigoso que evoluiu para ser nosso melhor amigo Virginia Morell 26 Scientific American Brasil | Agosto 2015
AO CÃO Fotografias de Peter Rigaud
www.sciam.com.br 27
<à´D$¹ày¨¨é jornalista freelancer de ciências estabelecida no Oregon. Ela cobre evolução e comportamento animal para a Science e a National Geographic, entre outras publicações. Seu livro mais recente é Animal wise (Crown, 2013) [Não traduzido para o português].
E VOCÊ CUIDOU DE CÃES E LOBOS SELVAGENS DESDE QUE ELES TINHAM POUCO MAIS DE UMA semana de vida, os alimentou com mamadeiras e tratou deles dia e noite, você conhece bem as suas diferenças. Desde 2008, Zsófia Virányi, etóloga no Centro de Ciência do Lobo, na Áustria, e seus colegas vêm criando as duas espécies para descobrir o que faz de um cão, um cão, e de um lobo, um lobo. No centro, os pesquisadores supervisionam e estudam quatro alcateias de lobos e quatro matilhas de cães, contendo, cada uma, de dois a seis animais. Eles treinaram esses animais para obedecer a comandos básicos, andar com coleiras e usarem seus narizes para tocar a tela de um monitor de computador para fazer testes de cognição. Ainda assim, apesar de terem vivido e trabalhado com os cientistas durante sete anos, os lobos mantêm uma independência mental e um comportamento muito diferente do de cães. “Você pode deixar um pedaço de carne sobre uma mesa e dizer a um de nossos cães ‘Não!’, e ele não o pegará”, explica Virányi. “Mas os lobos te ignoram. Eles olharão nos seus olhos e abocanharão a carne”, uma desconcertante conduta de confrontação que ela experimentou em mais de uma ocasião. E quando isso acontece, a cientista sempre volta a se perguntar como o lobo pôde se tornar o cão domesticado. “Você não pode ter um animal, um carnívoro grande, vivendo com você e se comportando desse jeito”, argumenta ela. “Você quer um animal que seja como um cão; um que aceita o comando ‘Não!’” Os pesquisadores do centro descobriram que a compreensão canina do não absoluto pode estar associada à estrutura de suas matilhas, que não são igualitárias como as alcateias de lobos, mas ditatoriais. Lobos podem se alimentar em conjunto, observa Virányi. Mesmo se um animal dominante arreganhar seus dentes e rosnar para um subordinado, o membro hierarquicamente inferior não se afasta. Mas o
mesmo não é verdadeiro em matilhas de cães. “Animais subordinados raramente se alimentarão simultaneamente com o dominante”, explica. “Eles nem ao menos tentam.” Os estudos da equipe também sugerem que, em vez de esperar poderem cooperar em tarefas com humanos, cães simplesmente querem que alguém lhes diga o que fazer. Como o lobo igualitário, de mentalidade independente, se transformou no cão obediente, que aguarda ordens, e que papel humanos primitivos desempenharam para alcançar essa façanha é algo que confunde Virányi: “Tento imaginar como eles fizeram isso, e realmente não consigo”. Virányi não está sozinha em sua perplexidade. Embora pesquisadores tenham determinado com êxito a época, localização e ancestralidade de quase todas as outras espécies domesticadas, de ovelhas a gado, de galinhas a porquinhos-da-índia, eles continuam a debater essas questões no que diz respeito ao nosso melhor amigo, Canis familiaris. Cientistas, de modo geral, tam-
bém sabem por que humanos desenvolveram esses outros animais domesticados — para ter alimentos à mão —, mas eles não sabem o que nos inspirou a permitir que um carnívoro grande e selvagem entrasse na propriedade da família. No entanto, cães foram a primeira espécie animal domesticada; um status que torna o mistério de suas origens muito mais desconcertante. Por mais inescrutável que seja o enigma, cientistas estão juntando as peças do “quebra-cabeça”. Nos últimos anos, eles fizeram várias descobertas. Agora eles podem afirmar com certeza, por exemplo, que, contrariamente à sabedoria convencional, os cães não descendem da espécie de lobo cinzento que persiste até hoje em grande parte do Hemisfério Norte, do Alasca à Sibéria à Arábia Saudita, mas de um lobo desconhecido e extinto. Eles também estão certos de que esse evento de domesticação ocorreu enquanto humanos ainda eram caçadores e coletores e não depois que eles se tornaram agricultores, como alguns pesquisadores haviam proposto.
EM SÍNTESE
' `T¹ ¹ a primeira espécie domesticada. Mas, apesar de anos de pesquisas, cientistas têm lutado para descobrir
28 Scientific American Brasil | Agosto 2015
quando, onde e como isso se originou. 2y`y´ïyå yåïùm¹å my % lançaram nova luz sobre o ancestral lobo do cão e
agora um ambicioso projeto está em andamento para determinar o timing e o local da domesticação do cão.
ååyå ´åïå complementarão pistas sobre como a relação homem-cão mudou nos milênios que se seguiram.
não são os descendentes de lobos cinzentos modernos. Em vez disso, as duas espécies são táxons irmãos, descendentes de um ancestral desconhecido, extinto desde então. “Era uma opinião muito antiga e estabelecida que o lobo cinzento que conhecemos hoje esteve por aí há centenas de milhares de anos e que cães derivaram deles”, observa Robert Wayne, geneticista evolutivo na Universidade da Califórnia em Los Angeles. “Estamos muito surpresos com o fato de não serem.” Wayne liderou os primeiros estudos genéticos que propuseram a relação ancestral-descendente entre as duas espécies e, mais recentemente, foi um dos 30 coautores do mais novo estudo, publicado no periódico PLOS Genetics, que derrubou essa noção. Mais surpresas poderão resultar dos esforços renovados para determinar com precisão o timing e a localização da domesticação do cão. Estudos anteriores deixaram pistas confusas. A primeira análise, realizada em 1997, se concentrou nas diferenSINAIS MISTOS ças gênicas entre cães e lobos Quando humanos modernos cinzentos e concluiu que cães talchegaram à Europa, há talvez 45 vez tenham sido domesticados mil anos, eles encontraram lohá uns 135 mil anos. Um estudo bos cinzentos e de outros tipos, posterior, conduzido por alguns inclusive os da megafauna prémembros do mesmo grupo, indi-histórica, que perseguiam anicou que os animais se originamais de caça grandes, como maram no Oriente Médio. Mas oumutes. Àquela época, lobos já tra análise, que examinou o DNA tinham provado estar entre as de 1.500 cães modernos, publicaespécies mais bem-sucedidas e SENTA E FICA: Um cão no Centro de Ciência do Lobo, nos da em 2009, argumentou que caadaptáveis na família dos caníarredores de Viena, na Áustria, aguarda permissão para se alimentar. Lobos, mesmo os criados por pessoas, não têm esse ninos foram domesticados origideos, tendo se espalhado através respeito pela autoridade humana. nalmente no sul da China há meda Eurásia para o Japão, o Oriennos de 16.300 anos. Então, em te Médio e a América do Norte. Eles não estavam confinados a um único geração. (Desenvolvendo o tema de misci- 2013, uma equipe de cientistas comparou tipo de hábitat, mas prosperaram na tun- genação, ou mistura, pesquisadores divul- os genomas mitocondriais de primitivos dra, em terras de estepes, desertos, flores- garam um artigo na publicação especiali- cães e lobos europeus e americanos com tas, regiões costeiras e até nas altas altitu- zada Current Biology em junho relatando seus congêneres modernos. Esse exame des do planalto tibetano. E eles competiam o sequenciamento do DNA de um fóssil de concluiu que cães se originaram na Europa com os humanos recém-chegados pelas lobo da Sibéria, de 35 mil anos. Essa espé- entre 32 mil e 19 mil anos atrás. mesmas presas: mamutes, cervos, auro- cie parece ter contribuído com seu DNA O biólogo evolutivo Greger Larson, da ques, rinocerontes-lanudos, antílopes e ca- para cães de regiões frias, como Huskies, Universidade de Oxford, um dos líderes do valos. Apesar dessa concorrência, um tipo por meio de miscigenações primitivas.) projeto multidisciplinar de domesticação Analisando genomas inteiros de cães e canina lançado recentemente, salienta que, de lobo, talvez descendente de uma espécie da megafauna, aparentemente começou a lobos vivos, esses geneticistas revelaram embora importantes, os estudos anteriores viver perto de pessoas. Durante muitos que os “Fidos” atuais (referência a um cão têm falhas. Ele critica os estudos de 1997 e anos, com base em pequenas porções do de rua italiano que chamou a atenção pú- 2009 por dependerem exclusivamente de genoma, cientistas estavam de acordo que blica em 1943 devido à sua persistente le- DNA de cães modernos e o último por suas essa espécie seria o lobo cinzento moderno aldade ao seu dono, morto em combate) amostras geograficamente limitadas. Quando e onde (em que localização) lobos se transformaram em cães e se isso foi apenas um evento único são perguntas que uma grande equipe de pesquisa, formada por cientistas antes concorrentes, acaba de começar a investigar. Os pesquisadores estão visitando museus, universidades e outras instituições ao redor do mundo para estudar coleções de fósseis e ossos caninos, e eles estão preparando amostras genéticas de cães e lobos primordiais e modernos para a comparação mais abrangente já feita até hoje. Quando terminarem, eles estarão muito perto de saber quando e onde – se não exatamente como – lobos começaram a trilhar o caminho para se tornarem nossos fiéis companheiros. Respostas a essas perguntas complementarão o crescente volume de evidências de como humanos e cães se influenciaram mutuamente depois que esse relacionamento foi inicialmente estabelecido.
(Canis lupus), e que esse canídeo, sozinho, teria dado origem a cães. Em janeiro passado, porém, geneticistas descobriram que esse “fato”, há muito tido como certo, estava errado. O recorrente cruzamento entre lobos cinzentos e cães, que compartilham 99,9% de seu DNA, havia produzido sinais enganosos em estudos anteriores. Esse tipo de consorciamento entre as duas espécies continua até hoje: lobos com pelagens pretas receberam o gene para essa cor de um cão; cães pastores nas montanhas do Cáucaso da Geórgia se acasalam com tanta frequência com lobos locais que ancestrais híbridos são encontrados nas populações das duas espécies, e entre 2% e 3% dos animais amostrados são híbridos de primeira
www.sciam.com.br 29
que poderiam ter ajudado a identificar onde eles foram domesticados já se perderam há muito tempo. Para turvar ainda mais o quadro, “lobos têm uma distribuição ridiculamente ampla pelo mundo”, acrescenta Larson. Comparativamente, os ancestrais da maioria das outras espécies domesticadas, como ovelhas e galinhas, tinham áreas geográficas de pro-
D E S C O B E R TA S
Uma história complexa Para reconstruir a evolução do cão, Robert Wayne, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e seus colegas sequenciaram os genomas de duas raças caninas primitivas (o Basenji e o Dingo), três variantes regionais do lobo cinzento e do chacal dourado, outro membro da família canídea. Em seguida, eles compararam esses genomas com o da raça Boxer, desenvolvida mais recentemente. Pesquisadores acreditavam há tempos que o lobo cinzento moderno era o ancestral do cão. Mas a nova análise, publicada em janeiro deste ano em /!&2w²wí_ã, derruba essa hipótese e sugere que um tipo extinto de lobo originou o cão antes do início da revolução agrícola, há aproximadamente 12 mil anos. Além disso, o estudo revelou um extensivo øĀ¸z³`¸ßxäø§îD³îxl¸`ßøąDx³î¸ entre esses grupos depois que eles divergiram. Essa miscigenação confundiu tentativas anteriores de discernir a ascendência do cão.
Milhares de anos atrás
Ancestral comum
400
44.200–45.800 (população)
300
Evidência de ùā¹ {´`¹
200
100
20
15
18.700–20.100
9.800–13.000
21.600–30.700
4.700–6.100
1.800–2.100
2.300–2.900
Não calculado*
10
5
0
¹āyà
Basenji
´¹
Lobo chinês
Lobo israelense
Lobo croata
Chacal dourado
* O tamanho da população de cães da raça Boxer não pôde ser estimado com base nos dados disponíveis.
30 Scientific American Brasil | Agosto 2015
pagação muito menores, facilitando muito mais o rastreamento de suas origens. Larson suspeita que várias populações geograficamente díspares das espécies de lobos ancestrais podem ter contribuído para o surgimento do cão moderno. Essa não seria a primeira vez que uma coisa dessas aconteceu: Larson mostrou que porcos foram domesticados duas vezes: uma no Oriente Próximo e outra na Europa. Curiosamente, fósseis enigmáticos da Bélgica, da República Tcheca e do sudoeste da Sibéria que datam de entre 36 mil e 33 mil anos atrás e exibem uma mistura de características de lobos e cães, sugerem a possibilidade de pelo menos três instâncias independentes de tentativas de domesticação de um lobo primitivo. Mas só as características anatômicas desses fósseis não podem responder à pergunta de onde vieram os cães. Para resolver o enigma de sua domesticação, Larson e seus colaboradores estão empregando duas técnicas fundamentais utilizadas no estudo dos porcos. Eles estão fazendo uma análise mais rigorosa de milhares de amostras modernas e primitivas de DNA de cães e lobos, obtidas de exemplares ao redor do globo, e estão aplicando uma técnica relativamente nova para medir ossos. Chamado morfometria geométrica, esse método permite que cientistas quantifiquem certos traços, como as curvas de um crânio, e, desse modo, possam comparar melhor os ossos de indivíduos isolados. Antes disso, pesquisadores se baseavam principalmente no comprimento do focinho de um canídeo e no tamanho dos dentes caninos para distinguir cães de lobos. Focinhos de cães geralmente são mais curtos, seus caninos menores, e sua dentição em geral é mais “apertada” que a de lobos. O novo método deverá identificar outras diferenças, talvez mais reveladoras. Juntas, essas técnicas deverão produzir uma imagem muito mais detalhada da domesticação do cão do que qualquer outra abordagem feita até hoje. CONTATOS PRÓXIMOS
Embora o quando e onde da domesticação de cães permaneçam questões em aberto, cientistas agora têm uma ideia geral de que tipo de sociedade humana foi pioneira em estabelecer uma estreita relação com esses animais. Talvez não seja surpresa que Gráfico de Tiffany Farrant-Gonzalez. Ilustração de Portia Sloan Rollings (cães)
FONTE: “GENOME SEQUENCING HIGHLIGHTS THE DYNAMIC EARLY HISTORY OF DOGS”, ADAM H. FREEDMAN ET AL., EM PLOS GENETICS, VOL. 10, Nº 1, ARTIGO Nº e1004016; 16 DE JANEIRO DE 2014
“Você não pode resolver esse problema usando apenas animais modernos como janelas para o passado”, argumenta Larson. Os estudos de DNA de cães modernos não são suficientemente informativos, explica ele, porque as pessoas moveram e miscigenaram cães inúmeras vezes ao redor do mundo, confundindo sua herança genética. Quaisquer assinaturas regionais
essa questão, também, tenha gerado debates ao longo dos anos. Alguns pesquisadores argumentaram que os primeiros agricultores assentados tiveram essa honra. Afinal, todas as outras espécies de animais domesticados entraram no domínio humano depois que o homem começou a se dedicar ao cultivo e a criar raízes em algum lugar. Outros pesquisadores, porém, atribuíram a caçadores-coletores mais primitivos a distinção de serem os primeiros a ter cães. Wayne diz que o mais recente estudo de DNA realizado por sua equipe pelo menos pôs fim a essa parte do debate. “A domesticação do cão ocorreu antes da revolução agrícola”, garante ele. “Ela aconteceu quando as pessoas ainda eram caçadores-coletores”, em algum momento entre 32 mil e 18,8 mil anos atrás. (Acredita-se que a agricultura tenha começado em grande escala há aproximadamente 12 mil anos no Oriente Médio.) Mas essa constatação remete novamente às perguntas de Virányi e da maioria das pessoas que têm e amam um cão: como esses caçadores-coletores fizeram isso? Ou não fizeram? E se os primeiros cães, que, é importante lembrar, de início teriam sido mais lobos que cães, surgiram por conta própria? O gênero Canis remonta a cerca de sete milhões de anos e, embora alguns membros desse grupo, como os chacais e o lobo etíope, vivessem na África, o berço da humanidade, não há nenhuma evidência de que os primeiros humanos tenham tentado domesticar qualquer uma dessas espécies. Foi somente depois que humanos modernos se dispersaram, migrando da África para a Europa há 45 mil anos, que a tríade lobo-cão-humano começou a se formar. Algumas pistas sobre o incipiente e crescente relacionamento entre canídeos e humanos modernos primitivos vieram dos registros paleontológicos e arqueológicos. Considere as ossadas de canídeos desenterradas entre 1894 e 1930 em PĜedmostí, um assentamento humano de aproximadamente 27 mil anos no Vale do Beþva, no que hoje é a República Tcheca. Para nós, os povos primitivos que viveram e morreram ali são conhecidos como gravetianos, nome
dores ainda têm de explicar por que animais dóceis são constantemente alterados desse jeito. Eles sabem que as raposas prateadas mansas têm glândulas adrenais, ou suprarrenais menores, e níveis de adrenalina muito mais baixos que suas congêneres selvagens. No ano passado, outros cientistas apresentaram uma hipótese testável: animais mansos podem ter menos células da crista neural defeituosas. Essas células embrionárias desempenham um papel-chave no desenvolvimento de dentes, mandíbulas, orelhas e células produtoras de pigmentos (melanócitos), assim como do sistema nervoso, inclusive a reação instintiva de luta ou fuga. Se estiverem certos, então todas essas características domésticas “bonitinhas”, pelagens pintadas, caudas enroladas, orelhas moles e caídas, são um efeito colateral da domesticação. Germonpré suspeita que a aparente domesticação em PĜedmostí foi um evento isolado, que não evoluiu. Ela duvida que esses animais sejam aparentados com os cães atuais. Ainda assim, para ela “eles são cães, cães paleolíticos”. A paleontóloga argumenta que esses animais primitivos provavelmente se pareciam muito com os huskies de hoje, embora tivessem sido maiores, mais ou menos do tamanho de pastores-alemães. Germonpré chama os espécimes de PĜedmostí “cães” devido àquilo que ela interpreta como algum tipo de relacionamento entre os canídeos e os gravetianos. A mandíbula inferior de um cão, por exemplo, foi encontrada perto do esqueleto de uma criança, de acordo com o diário do escavador original. Os cães também eram incluídos em rituais como outras espécies não eram. Em um caso, um gravetiano inseriu o que muito provavelmente é um pedaço de osso de mamute entre os dentes da frente de um dos crânios caninos depois que o animal morreu e dispôs suas mandíbulas de modo que elas se prendessem sobre o osso. Germonpré suspeita que um primitivo caçador de mamutes tenha colocado o osso ali como parte de um ritual relacionado à caça, ou para ajudar a sustentar na morte um animal que o caçador reverenciava, ou ainda
MIETJE GERMONPRÉ Real Instituto Belga de Ciências Naturais (crânio); MARIANA BAZO Reuters (múmia)
FOI SOMENTE DEPOIS QUE OS HUMANOS MODERNOS SE DISPERSARAM, MIGRANDO DA ÁFRICA PARA A EUROPA, HÁ 45 MIL ANOS, QUE A TRÍADE LOBO-CÃOHUMANO COMEÇOU A SE FORMAR derivado de um sítio paleoantropológico com artefatos culturais similares aos encontrados em La Gravette, na França. Os gravetianos tchecos eram caçadores de mamutes, tendo abatido mais de mil dessas grandes criaturas só nesse sítio. Eles consumiam a carne dos gigantes, usavam suas omoplatas para cobrir restos mortais humanos e decoravam suas presas com entalhes. Eles também matavam lobos. Depois de mamutes, canídeos são o tipo de mamífero mais abundante no local e seus restos incluem sete crânios completos. Mas alguns desses crânios canídeos não se parecem exatamente com os de lobos. Três em particular se destacam, conta Mietje Germonpré, paleontóloga do Real Instituto Belga de Ciências Naturais, em Bruxelas. Em comparação com os crânios de lobos encontrados em PĜedmostí, os três exemplares incomuns “têm focinhos mais curtos, caixas cranianas mais largas e dentição grudada, ou apertada”, explica ela. Esses tipos de mudanças anatômicas são os primeiros sinais de domesticação, alegam Germonpré e outros. Mutações similares são encontradas nos crânios de raposas prateadas (Vulpes chama), que são o foco de um famoso experimento, de longo prazo, na Universidade Estatal de Novosibirsk, na Rússia. Ali, pesquisadores têm selecionado raposas por sua mansidão e criado os animais desde 1959. Ao longo das gerações, suas pelagens ficaram malhadas, ou pintadas, as orelhas caídas, as caudas enroladas, e seus focinhos mais curtos e largos, embora os cientistas só as tenham selecionado por seu comportamento. Mudanças similares são observadas em outras espécies domesticadas, inclusive em ratos e visões. Pesquisa-
www.sciam.com.br 31
para permitir que o cão ajudasse um humano na vida após a morte. “Você vê esse tipo de coisa no registro etnográfico”, observa ela, citando, como um exemplo, uma cerimônia fúnebre chukchi, na Sibéria, para uma mulher falecida no início do século 20. Nesse caso, uma rena foi sacrificada, e seu estômago colocado na boca de um cachorro morto, que então foi posicionado para proteger a mulher em sua jornada final. Muitos pesquisadores imaginam que esses povos primitivos começaram a tentar transformar o lobo em cão para ajudá-los a caçar animais de grande porte. Em seu livro The Invaders, publicado pela Harvard University Press no início deste ano, a antropóloga Pat Shipman argumenta que os primeiros cães (ou cãeslobos, como ela os chama), eram como uma tecnologia nova e superior que ajudou os modernos humanos caçadores de mamutes a suplantar os neandertais. Mas tanto ela, como Wayne, Larson e outros acreditam que lobos uniram forças com humanos por conta própria; que os canídeos sagazes e adaptáveis nos identificaram como um novo nicho ecológico que eles podiam explorar. O cenário alternativo, em que pessoas saqueavam ferozmente tocas de lobos para roubar filhotes suficientemente jovens para serem amansados, teria sido um empreendimento perigoso. E criar lobos em assentamentos com crianças pequenas por perto teria constituído outro sério risco. “Não praticamos [domesticação] deliberadamente; não no início”, presume Larson. Em vez disso, lobos muito provavelmente começaram a seguir pessoas pela mesma razão que formigas invadem nossas cozinhas: “para aproveitar um recurso nutricional, nosso lixo”. Com o tempo, alguns desses lobos seguidores de acampamentos [temporários] foram perdendo cada vez mais seu medo de pessoas, e vice-versa, dando origem ao desenvolvimento de um relacionamento mutuamente benéfico. Os cães-lobos farejariam presas para nós, e nós compartilharíamos a carne resultante do abate com eles. (Evidências circunstanciais para esse cenário vêm do experimento com raposas prateadas. Ao selecionarem animais menos medrosos em
A criação de lobos em cativeiro levaria às mudanças anatômicas que Germonpré documentou nos cães de PĜedmostí e poderia até produzir um animal menos medroso e independente, como observado nas raposas prateadas de Novosibirsk. Confinados, espancados, alimentados com uma dieta restrita, os cães em PĜedmostí provavelmente teriam entendido o significado de “Não!”. Mas não há nenhuma evidência em PĜedmostí ou em outros sítios igualmente antigos em que foram recuperadas ossadas de cães que os primitivos caçadores-coletores locais considerassem os caninos como seus amigos, companheiros ou auxiliares de caça, salienta Germonpré. “Esse relacionamento veio mais tarde.”
HÁ CERCA DE 10 MIL ANOS, A PRÁTICA DE ENTERRAR CÃES CRESCEU. NENHUMA OUTRA ESPÉCIE ANIMAL É INCLUÍDA TÃO CONSISTENTEMENTE EM RITUAIS MORTUÁRIOS HUMANOS. AS PESSOAS COMEÇARAM A VER CÃES SOB UMA LUZ DIFERENTE
32 Scientific American Brasil | Agosto 2015
relação a humanos, os pesquisadores de Novosibirsk acabaram desenvolvendo uma raposa prateada que corre para cumprimentar pessoas. A maioria das raposas prateadas em cativeiro se esconde no fundo de seus cercados, ou jaulas.) Só há um problema com esse evento imaginado, pelo menos em PĜedmostí: os cães primitivos de Germonpré não consumiam carne de mamute, embora fosse isso que os humanos fizessem; análises isotópicas dos ossos dos cães paleolíticos indicam que eles se alimentavam de renas, que não eram um alimento preferido pelas pessoas que habitavam o local. Os cães de PĜedmostí também tinham dentes quebrados e severas lesões faciais, muitas das quais tinham sarado/cicatrizado. “Elas poderiam ser sinais de lutas com outros cães”, supõe Germonpré, “ou de pauladas que os atingiram.” Ela imagina que o vínculo homem-cão se desenvolveu através dos rituais canídeos dos caçadores de mamutes. Nesse cenário, os caçadores-coletores teriam levado filhotes para seus acampamentos, talvez depois de matarem os lobos adultos, assim como muitos povos nômades modernos levam animais recém-nascidos ou jovens para seus assentamentos. Os ossos de mamutes no sítio de PĜedmostí não exibem sinais de terem sido roídos por canídeos, o que sugere que eles não eram livres para vaguear e se alimentar de restos deixados por humanos. Em vez disso, humanos provavelmente os amarravam, os alimentavam com o que parecem ter sido alimentos de segunda, já que não eram consumidos por humanos, e até os criavam, tudo para garantir um suprimento contínuo de vítimas para seus sacrifícios ritualísticos.
MUDANÇAS DE SORTE
Se Germonpré estiver certa, então a domesticação de cães pode ter começado bastante cedo e em circunstâncias desfavoráveis para os animais. No entanto, nem todos os cientistas concordam que os cães de Germonpré são de fato cães. Alguns preferem a designação cão-lobo, ou simplesmente “lobo” porque seu status taxonômico não está claro nem do ponto de vista de sua morfologia nem de sua genética. (Larson espera solucionar essa questão ao longo de seu megaprojeto.) O mais antigo cão inquestionável no registro, um espécime de 14 mil anos encontrado em um sítio chamado Bonn-Oberkassel, na Alemanha, conta uma história muito diferente de domesticação e evidencia uma ligação muito mais afetuosa entre humanos e caninos. No início do século 20, arqueólogos que escavavam o local encontraram o esqueleto dele enterrado em um túmulo com os restos mortais de um homem de seus 50 anos e uma mulher de 20 a 25 anos. Quando os pesquisadores veem esses tipos de associações, eles sabem que estão olhando para um animal plenamente domesticado, uma criatura estimada e tão respeitada que também é sepultada, como se ela, também, fosse um membro de sua família humana. O cão de Bonn-Oberkassel não é o único canino primitivo a ter recebido esse tipo de
honraria. Em Israel, em Ain Mallaha, um sítio de caçadores-coletores datado de há 12 mil anos, no alto Vale do [Rio] Jordão, arqueólogos descobriram o que talvez seja o mais famoso sepultamento canino-humano. Ali, o esqueleto de uma pessoa idosa jazia enrodilhado sobre seu lado direito, seu braço esquerdo estendido sob a cabeça, com a mão repousando suavemente sobre um filhote de cachorro. O cão tinha cerca de quatro ou cinco meses de idade e, na opinião de arqueólogos, foi colocado ali para ser um companheiro do falecido. Ao contrário dos cães de PĜedmostí, esse filhote não havia sido fisicamente maltratado; seus restos foram dispostos amorosamente junto a alguém que talvez tenha cuidado dele. Embora cenas tão tocantes de cães e humanos sejam raras nesse período, sepultamentos de cães não são. E, há cerca de 10 mil anos, a prática de enterrar cães cresceu. Nenhuma outra espécie animal é incluída tão consistentemente em rituais mortuários humanos. As pessoas passaram a ver cães em uma luz diferente, e essa mudança de atitude teve um profundo efeito na evolução canina. Talvez tenha sido durante esse período que os cães adquiriram suas habilidades sociais humanas, como a capacidade de
“ler” nossas expressões faciais, entender nossos gestos indicadores e nos olhar fixamente nos olhos (o que aumenta o nível de oxitocina, o hormônio do amor, tanto no cão como no dono). “Sepultamentos de cães ocorrem depois que a caça se afasta das planícies abertas e transita para florestas densas”, explica Angela Perri, zooarqueóloga no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, na Alemanha, e especialista nesses enterros. “Cães em ambientes abertos podem ser úteis para ajudá-lo a transportar carne de mamutes abatidos, mas não o ajudariam necessariamente a caçá-los”, observa ela, salientando que caçadores de elefantes não usam cães. “Mas eles são excelentes para caçar animais menores como cervos e javalis”, que vivem em florestas. Começando há pelo menos 15 mil anos e provavelmente até um pouco mais cedo, caçadores-coletores na Europa, Ásia e nas Américas começaram a depender das habilidades de caça de seus cães para sobreviver, esclarece Perri. Pesquisadores não podem traçar uma linha genética direta desses animais até os nossos cães de estimação; ainda assim garantem que eram, inquestionavelmente, cães. “Bons cães de caça são capazes de farejar e loca-
lizar pistas frescas, conduzir os caçadores às presas, e mantê-las acuadas, a uma distância segura”, resume Perri, que já acompanhou caçadores tradicionais e seus cães no Japão e nos Estados Unidos. “Quando as pessoas começam a usar cães para caçar, você observa uma mudança em como elas veem os animais, e você começa a encontrar sepultamentos de cães ao redor do mundo.” Esses enterros não são ritualísticos ou sacrificais, enfatiza ela. “São sepultamentos de admiração, em que os cães são enterrados com ocre, pontas de lâminas e de pedras; ferramentas masculinas de caça.” Um dos mais elaborados sepultamentos caninos foi descoberto em Skateholm, na Suécia, e data de cerca de sete mil anos. Vários cães foram encontrados enterrados na mesma área com dezenas de humanos. Um deles foi particularmente honrado e recebeu o melhor tratamento ali, tanto entre humanos como entre cães. “O cão foi deitado de lado, com lascas de pedra espalhadas à sua cintura, e chifres de veados-vermelhos e um martelo esculpido de pedra foram depositados perto dele, e ele foi salpicado com ocre vermelho”, relata Perri. Não há nenhuma indicação sobre a razão de esse cão ter sido tão reverenciado,
ESPÍRITOS SELVAGENS: Como, exatamente, o ancestral lupino do cão enveredou inicialmente pelo caminho para se tornar nosso fiel companheiro pode permanecer um mistério.
www.sciam.com.br 33
mas ela suspeita que ele pode ter sido um excelente caçador e seu dono humano teria sentido profundamente sua morte. “Você vê esse relacionamento entre caçadores e seus cães hoje e no registro etnográfico”, acrescenta ela, salientando que no final do século 19 caçadores-coletores tasmanianos foram citados como tendo dito: “Nossos cães são mais importantes que nossos filhos. Sem eles, não poderíamos caçar; nós não sobreviveríamos”. Cães primitivos também prestavam outros serviços importantes. A primeira tentativa conhecida do tipo de seleção intencional que moldou a evolução de C. familiaris provém de um sítio na Dinamarca datado de há oito mil anos. Os primitivos caçadores-coletores ali tinham três tamanhos de cães, possivelmente criados para determinadas tarefas. “Eu não esperava ver algo como raças caninas”, admite Perri, “mas eles tinham cães pequenos, médios e grandes.” Não está claro para o que eles usavam os cães pequenos, mas os animais de médio porte tinham a estrutura física de cães de caça, e os maiores, que eram do tamanho de cães de trenó da Groenlândia (com cerca de 32 kg), muito provavelmente transportavam e puxavam bens. Além disso, com seus latidos de alerta, todos os cães teriam servido como sentinelas de acampamentos. O status do cão despencou quando os povos desenvolveram a agricultura. Em assentamentos agrícolas primitivos, enterros de cães são raros. “A diferença é muito acentuada”, salienta Perri. “Quando as pessoas viviam como caçadores-coletores, há centenas de sepultamentos caninos.” Mas à medida que a agricultura se alastra, os enterros acabam. “Cães não eram mais tão úteis.” Essa perda de favorecimento, no entanto, não os condenou à extinção, longe disso. Em muitos lugares, eles começaram a aparecer na mesa de jantar, proporcionando uma nova razão para manter cães por perto. Mas nem todas as culturas agrícolas destinaram “Fido” ao cardápio. Entre os grupos que cuidavam de animais de criação, cães às vezes eram criados para o pastoreio. Aqueles que provavam seu valor ainda podiam acabar sendo mimados na vida após a morte. Em 2006, arqueólogos descobriram 80 cães mumificados sepul34 Scientific American Brasil | Agosto 2015
tados em túmulos ao lado de seus donos humanos em um cemitério de mil anos, perto de Lima, no Peru. Aqueles cães tinham protegido as lhamas do povo chiribaya e, em troca por seus serviços, eram bem tratados em vida e na morte. Quase 30 deles estavam enrolados em cobertores de lã de lhama finamente tecidos, e ossos de lhamas e peixes haviam sido deposita-
VIDAS DE CÃO: Cães do sítio de Předmostí, de aproximadamente 27 mil anos, na República Tcheca, parecem ter sido criados para sacrifício (crânio, acima); cães criados pelo povo chiribaya, no Peru, há mil anos, eram pastoreadores reverenciados (múmia, abaixo).
dos perto de suas bocas. O clima árido da região mumificou os animais, preservando suas peles e tecidos. Desenroladas, as múmias lembram os pequenos cães de rua que perambulam por Lima hoje, procurando por um humano que os acolha e
lhes diga o que fazer e não fazer. (Independentemente dessa semelhança, os cães de pastoreio dos chiribaya não têm parentesco com os vira-latas modernos de Lima. Também não há qualquer evidência para sustentar reivindicações que liguem qualquer raça da Antiguidade, em qualquer lugar, às modernas raças padrão do Kennel Clube Americano.) Embora os cães dos chiribaya e outros sepultamentos caninos nas Américas sejam naturais do lugar e da época errados para representar os estágios mais primitivos da domesticação, Larson e seus colegas estão medindo animadamente seus ossos e colhendo amostras de seu DNA. Isso se deve ao fato de esses primitivos cães norte-americanos descenderem de antigos cães europeus ou asiáticos; seus ossos e genes ajudarão os cientistas a determinar quantos eventos de domesticação de cães ocorreram e onde eles aconteceram. Em sua tentativa de estudar o maior número possível de canídeos, os pesquisadores analisaram, até agora, mais três mil lobos, cães e outros espécimes que não se encaixam prontamente em nenhum dos dois grupos. Mais de 50 cientistas ao redor do mundo estão ajudando nesse esforço. Eles esperam concluir um artigo científico sobre suas conclusões iniciais até este verão boreal. Será que então finalmente saberemos onde e quando o cão tonou-se um animal domesticado? “Espero que estejamos muito próximos de uma resposta”, antecipa Greger Larson. Mas nem assim saberemos exatamente como algum tipo de lobo há muito extinto conseguiu tornar-se uma criatura que respeita um “Não”.
PA R A C O N H E C E R M A I S
y´¹®yåyÕùy´`´¨ïåïymĂ´D®`yDà¨Ăåï¹àĂ¹m¹åÎAdam H. Freedman et al. em PLOS Genetics, vol. 10, nº 1; 16 de janeiro de 2014. 2yï´§´m¹m¹®yåï`Dï¹´UĂ´ïyàDï´y´yï`åjDà`y¹¨¹ĂjD´mU¹y¹àDÈĂÎGreger Larson et al. em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, vol. 109, nº 23, págs. 8878–8883; 5 de junho de 2012. 0D¨Dy¹¨ï`m¹å§ù¨¨åDïïyàDÿyïïD´0ĝym®¹åï åïyjïyĆy`2yÈùU¨`ÎMietje Germonpré et al. em Journal of Archaeological Science, vol. 39, nº 1, págs. 184–202; janeiro de 2012. D E N OSSO A RQU I VO
¨¹´DÊy´`¹®È¨yïDËm¹®yåï`DcT¹m¹Dï¹Î Carlos A. Driscoll, Juliet Clutton-Brock, Andrew C. Kitchener e Stephen J. O’Brien. Edição 86, julho de 2009.
GALÁXIA DE ANDRÔMEDA, como a maioria das galáxias espirais, está girando mais rápido que deveria se a única responsável por sua ação gravitacional fosse matéria visível. Para explicar essa rotação mais rápida, físicos postulam a presença de matéria escura abundante, invisível.
A ST R O F Í S I C A
MISTÉRIOS DO
OCULTOS COSMOS
Partículas invisíveis de matéria escura que dominam o Universo podem se apresentar de formas variadas e estranhas Bogdan A. Dobrescu e Don Lincoln
EM SÍNTESE
y´ïåïDå åDUy® Õùy myÿy Dÿyà ®Då ®DïzàD ´¹ 7´ÿyàå¹ D¨z® mD Õùy ȹmy®¹å ¹UåyàÿDàÎ ùå`Då Èy¨D ®DïzàD yå`ùàD åy `¹´`y´ïàD® y® ï¹à´¹ my ù®D ú´`D ÈDàï `ù¨D ´ÿå ÿy¨j ®Då mz`DmDå
my yāÈyà®y´ï¹å ´T¹ `¹´åyùàD® my ïy`ïE¨DÎ 0¹ååU¨mDmyå yāºï`Då my ®D ïzàD yå`ùàD ÈDày`y® `DmD ÿyĆ ®Då ȨDùå ÿyåή ÿyĆ my ù®D ú´`D ÈDàï `ù ¨Dj D ®DïzàD yå`ùàD ȹmyàD åyà ¹à®DmD
ȹà ù®D ´´mDmy my ÈDàï `ù¨Då y my ¹àcDå Õùy ´ïyàDy® ®ùï¹ àD`D®y´ïy `¹® D ®DïzàD `¹®ù®Î $DïzàD yå`ùàD `¹®È¨yāD ȹmyàD ¹à®Dà Eï¹®¹å y ®¹¨z`ù¨Då yå`ùàDå y Dïz åy D¨ùï´Dà
ÈDàD ¹à®Dà må`¹å D¨E`ï`¹å yå`ùà¹å Õùy `¹yāåïàD® `¹® ¹å UàDc¹å yåÈàDå mD <D "E`ïyD y my ¹ùïàDå D¨EāDåÎ ā Èyà®y´ï¹å y® D´mD®y´ï¹ Èà¹`ùàD® yÿm{´`Då my ù®D àyT¹ yå`ùàDÎ
www.sciam.com.br 35
¹mD´ ιUàyå`ù é pesquisador teórico em física de partículas no Laboratório do Acelerador Nacional Fermi, em Batavia, Illinois. Recentemente explorou a possibilidade de a matéria escura ser produzida no acelerador principal do Fermilab e depois ser observada por detectores de neutrinos.
MARAVILHOSA GALÁXIA DE ANDRÔMEDA EM FORMA DE CATAVENTO, NOSSA VIZInha mais próxima, é um mistério. Sua alta velocidade de rotação não é explicada quando as leis conhecidas da física são aplicadas à matéria do disco visível. De acordo com a física convencional, devido à gravidade gerada pela massa aparente da galáxia, as estrelas de sua periferia deveriam se deslocar mais lentamente que sua velocidade real. Se tudo o que existisse fosse matéria visível, Andrômeda e praticamente todas as galáxias que giram com altas velocidades simplesmente não existiriam.
Cosmólogos acreditam que algum tipo de matéria invisível – a matéria escura – envolve e permeia Andrômeda e outras galáxias, e contribui com a força gravitacional adicional necessária para mantê-las em rotação. A matéria escura, que aparentemente corresponde a cerca de 25% da massa do Universo, também explicaria outros aspectos do Cosmos, inclusive o movimento de rotação extremamente rápido observado em galáxias no interior de aglomerados galácticos, distribuição de matéria decorrente da colisão de dois aglomerados e observação do efeito gravitacional lenticular – curvatura da luz pela força gravitacional – de galáxias distantes. As teorias mais simples da matéria escura postulam um único tipo de partícula, ainda não descoberto, que contribui para a massa não observada. Mas apesar de décadas de buscas por evidências diretas desse corpúsculo, até agora sua existência não foi comprovada. Além disso, ainda permanecem algumas discrepâncias entre as observações astronômicas e essa simples teoria. Combinadas com o fracasso em detectar essa matéria elusiva, essas discrepâncias residuais levaram alguns cientistas a questionar teorias tradicionais e a imaginar uma forma mais complexa de matéria escura. Em vez de uma única partícula, ela poderia ser constituída por uma variedade mais ampla de espécies escuras. Afinal, do mesmo modo como a matéria comum se apresenta em diferentes formas, talvez a matéria escura também seja complexa. Nos últimos anos, cientistas parecem estar cada vez mais convencidos de que existem diversas variedades de matéria escura e – talvez até de modo mais intrigante – que forças antes desconhecidas interagem fortemente com a matéria escura, mas muito fracamente com a matéria comum. E essas forças po-
36 Scientific American Brasil | Agosto 2015
deriam explicar algumas das discrepâncias entre a observação e o modelo mais simples de matéria escura. Registros recentes de galáxias em colisão poderão fornecer suporte preliminar para essa hipótese. Se existe uma forma complexa de matéria escura, ela deveria formar um Universo mais atraente e intrigante que os cosmólogos normalmente imaginam. MATÉRIA OCULTA
Embora ainda não saibamos a constituição da matéria escura, já conhecemos algumas de suas propriedades baseados em observações sobre como ela afeta a matéria comum e a partir de simulações de seus efeitos gravitacionais. Ela deve se deslocar com velocidade muito menor que a da luz, pois, de outra forma, flutuações de densidade presentes no Universo primordial não teriam formado as estruturas galácticas que observamos atualmente. Como ela não absorve ou emite radiação eletromagnética, deve ser eletricamente neutra. Partículas que a compõem provavelmente são massivas, ou estariam se deslocando praticamente à velocidade da luz, hipótese que dados do Universo primitivo rejeitam. Partículas de matéria escura não podem interagir por meio da força forte, que mantém os núcleos atômicos unidos. Se assim fosse, teríamos observado evidências da interação de matéria escura com partículas carregadas de alta energia chamadas raios cósmicos. Até recentemente, cientistas acreditavam que a matéria escura deveria interagir por meio da força fraca (que provoca o decaimento radioativo), mas novas observações descartam essa hipótese. (Embora a matéria escura possa sofrer interações da força fraca, para serem compatíveis com as observações, essas interações só poderiam ocorrer se houvesse outras partículas, ainda que não detectadas. E independentemente da matéria escura.)
PÁGINAS ANTERIORES: CORTESIA DA NASA, ESA, JULIANNE DALCANTON, B. F. WILLIAMS E L. C. JOHNSON University of Washington, EQUIPE PANCHROMATIC HUBBLE ANDROMEDA TREASURY (PHAT) E ROBERT GENDLER
A
¹´"´`¹¨´é físico sênior no Fermilab onde realiza pesquisas com dados do Grande Colisor de Hádrons, do Cern. É autor de vários livros de divulgação, sendo o mais recente The Large Hadron Collider: The ExjhWehZ_dWhoIjehoe\j^[>_]]i8eiedWdZej^[hijkÿj^Wjm_bbXbemoekh mind, Johns Hopkins University Press, 2014.
CORTESIA DO EXPERIMENTO ATLAS, COPYRIGHT © 2014 CERN
Sabemos também que a matéria escura deve ser estável em escalas de tempo cósmicas. A razão é simples: não existe mecanismo plausível que a produza continuamente. Por isso, ela deve ter se originado nos primórdios do Universo, ou seja, deve ter sido gerada no Big Bang. Afirmar que uma partícula é estável tem implicações profundas. Estabilidade está associada a uma propriedade que é “conservada” – isto é, não pode mudar – e, portanto, impede a partícula de decair. O decaimento contrariaria a propriedade a ser conservada. Podemos ilustrar o significado do termo apelando para a carga elétrica familiar, que garante a estabilidade do elétron. O decaimento é um fenômeno corriqueiro da física que leva partículas a decair em outras, mais leves, a menos que alguma coisa impeça o processo. O elétron possui carga elétrica e as únicas partíCOLISÕES ENTRE PRÓTONS como as do detector ATLAS do Grande culas carregadas estáveis mais leves que ele são eletriColisor de Hádrons do Cern mostram sinais (linhas verdes) consistentes camente neutras: fótons e neutrinos. Configurações de com algumas teorias de fótons escuros. energia deveriam permitir que o elétron decaísse nessas partículas, mas como a conservação da carga proíEssencialmente, no entanto, esses pontos fracos do modelo be o decaimento, ele permanece como é. A maioria das teorias da matéria escura pressupõe que partícu- Wimp abriram as portas para outras formulações pouco conlas escuras conservam uma propriedade chamada paridade, por vencionais sobre a matéria escura. razões históricas: partículas de matéria escura teriam paridade -1 e todas as outras conhecidas teriam paridade +1. Essa properiedade MATÉRIA ESCURA COMPLEXA então impediria que uma partícula do substrato escuro decaísse Em vez de pensar numa única partícula constituinte de toda em matéria comum, porque se partículas escuras desaparecessem a matéria escura, poderíamos imaginar vários tipos de partícue surgissem outras comuns, a paridade não se conservaria. las, e também uma grande variedade de forças que agissem soA teoria mais simples que atende a todas as condições defini- mente sobre a matéria escura. Uma ideia que parece reconciliar das pelos físicos pressupõe uma única partícula correspondente observações e simulações é a possibilidade de haver interação à matéria escura chamada partícula massiva com interação fra- mútua de partículas e matéria escura – ou seja, partículas de ca – ou Wimp (na sigla em inglês). (O termo “fraca” é usado no matéria escura podem “sentir” uma força entre elas que não é sentido genérico e não necessariamente significa força nuclear “sentida” pela matéria comum. Eventualmente, essas partículas fraca.) As Wimps são satisfatórias por várias razões teóricas, poderiam transportar um novo tipo de “carga escura” capaz de mas aparentemente é mais difícil encontrá-las que se imagina- atraí-las ou repeli-las, e ao mesmo tempo mantê-las eletricava. Desde os anos 90 cientistas vêm realizando vários experi- mente neutras, exatamente como partículas comuns eletricamentos com o objetivo de detectar diretamente Wimps por mente carregadas emitem fótons (partículas de luz portadoras meio de suas raras interações com a matéria comum. da força eletromagnética). Partículas com carga escura podePara atingir a sensibilidade necessária, os detectores são res- riam emitir “fótons escuros” – não partículas de luz, mas partífriados a temperaturas extremamente baixas e enterrados a gran- culas que interagissem com a carga escura da mesma forma que des profundidades no solo para blindá-los dos efeitos de raios cós- fótons interagem com a carga elétrica. micos presentes por toda a parte, e que poderiam imitar a assinaNo entanto, esses paralelos com o mundo da matéria comum tura da matéria escura. Apesar de experimentos cada vez mais não podem continuar indefinidamente. E existe uma razão para elaborados, nenhum sinal conclusivo de Wimp foi detectado até isso: suponha que as leis do mundo escuro espelhem exatamenagora. E embora o modelo Wimp explique muitos aspectos do te o nosso. Naquele mundo, átomos escuros formariam e emitiUniverso observado, ele não engloba tudo. Teorias Wimp, por riam fótons escuros com a mesma taxa com que a matéria coexemplo, predizem que deveria haver um número muito maior de mum emite fótons normais. Em nosso mundo visível, a emissão pequenas galáxias satélites orbitando a Via Láctea do que aparen- de fótons permite que a energia seja intercambiada, e é por isso temente há, e que com base nas observações de velocidades de ro- que as galáxias acabam se tornando objetos em forma de disco. tação delas, a matéria escura deveria ser muito mais densa no cen- Nuvens de gás no interior delas irradiam energia eletromagnétitro delas do que aparentemente é. No entanto, a situação está evo- ca. Isso faz com que a matéria no interior das nuvens se aglutiluindo rapidamente – a recente descoberta de mais galáxias ne. A conservação do momentum angular impede, até certo satélites pela colaboração Dark Energy Survey sugere que o pro- ponto, que a matéria se contraia, mas é muito fácil formar uma blema com galáxias anãs da Via Láctea é que muitas ainda preci- estrutura em forma de disco. Se as regras e forças que dominam sam ser encontradas. o comportamento da matéria escura fossem as mesmas de noswww.sciam.com.br 37
P O S S I B I L I D A D E S D E M AT É R I A E S C U R A
Toda a matéria do Universo
MATÉRIA
Além da matéria “bariônica” comum, alguma forma oculta de matéria deve estar espalhada pelo Cosmos, arrastando gravitacionalmente galáxias para mantê-las espiralando com altas velocidades de rotação e mantendo unidos aglomerados de galáxias. No entanto, não existe evidência direta que explique a natureza da matéria escura. O provável responsável é uma espécie de partícula – ou partículas – insensível à força eletromagnética ou às forças fortes Conhecemos um tipo de matéria xjǸßîD³î¸j³T¸xîx¸øßxxîx§øą¸ø quente não bariônica: neutrinos. Essas se liga a núcleos atômicos. partículas abundantes praticamente Entretanto, a forma exata dessas não têm massa e se deslocam quase partículas, ainda é uma questão à velocidade da luz. Já se comprovou a existência de que permanece em aberto. três tipos de neutrinos, mas variedades adicionais “exóticas” também são possíveis.
BARIÔNICA $DïzàD`¹®È¹åïD Èà´`ÈD¨®y´ïyȹà UE๴åÊÈàºï¹´åy ´{ùï๴åËÎ åå¹ ´`¨ù ï¹m¹å ¹å Eï¹®¹åÎ
INFERIDO OBSERVADO
NÃO BARIÔNICA QUENTE %yùïà´¹å `¹å®¹¨º`¹å
D´mmDï¹å K ®DïzàD yå`ùàD
QUENTE 0Dàï `ù¨Då ®ùï¹ ¨yÿyå ¹ù `¹®È¨yïD®y´ïy myåÈà¹ÿmDå my ®DååD Õùy åy my娹`D® `¹® ÿy¨¹`mDmyå Èàºā®Då K mD ¨ùĆÎ āy®È¨¹i ´yùïà´¹ yāºï`¹Î
FRIA 0Dàï `ù¨Då ®DååÿDåj Õùy åy my娹`D® ®Då ¨y´ïD®y´ïyÎ
NÃO AUTOINTERAGENTES Exemplo: Wimps
®DååDï¹ïD¨m¹ 7´ÿyàå¹´`¨ù ®DïzàDUDà»´`Dy yå`ùàDyy´yàD yå`ùàDÕùyyåïT¹ Èà¹ÿ¹`D´m¹D yāÈD´åT¹D`y¨yàDmD m¹¹å®¹åÎ
COMPONENTE DUPLO
AUTOINTERAGENTES Exemplo: átomos escuros
´yàDyå`ùàD $DïzàDUDà»´`D $DïzàD´T¹UDà»´`D
38 Scientific American Brasil | Agosto 2015
Ilustração de Jen Christiansen
Candidatos mais prováveis da matéria escura
QUENTE 3yD®DïzàDyå`ùàD¹ååyUDå`D®y´ïy¹à®DmDȹàÈDàï `ù¨Då`¹®D¨ïDåÿy¨¹`mDmyåjy¨Då´ù´`DmyDàùÈDàD® ¹åù`y´ïyÈDàD¹à®Dà´ùÿy´åyåzà`DåÕùymT¹¹ày®KåD¨EāDåÎ$Dåù®DÈyÕùy´DÈDàïymyï¹mDD®DïzàD yå`ùàDD´mDȹmyàDåyàÕùy´ïyÎ
FRIA 0Dàï `ù¨Dåmy®DïzàDyå`ùàDÕùyåy®¹ÿy®®Då¨y´ïD®y´ïyyāȨ`D®®y¨¹àDåD¨EāDåyDmåïàUùcT¹my ®DïzàD¹UåyàÿDmDȹàï¹m¹¹7´ÿyàå¹Î0y¨¹®y´¹åµÍmD®DïzàDyå`ùàDÈà¹ÿDÿy¨®y´ïyzàDÎ
NÃO AUTOINTERAGENTES ¹à®D®Dåå®È¨yåmyÈDàï `ù¨Dmy ®DïzàDyå`ùàDàDzDÚÈDàï `ù¨D ®DååÿDmy´ïyàDcT¹àD`DÛj¹ù=®Èj ÕùyàDàD®y´ïy¹ù´ù´`D´ïyàDy `¹®¹ùïàDåÈDàï `ù¨DåmyåùDÈàºÈàD yåÈz`y¹ùmy®DïzàD`¹®ù®Î =®ÈååyD¨¹®yàDàD®y®´ùÿy´å yåzà`DåÕùyDïàDàD® àDÿïD`¹´D¨®y´ïy®DïzàDUDà»´`D `¹®ù®ÈDàD¹à®DàD¨EāDåÎ
=®È
D¨EāDmy®DïzàDUDà»´`D
%ùÿy®yåzà`D¹à®DmDȹà=®Èå
AUTOINTERAGENTES
0Dàmy 0Dàmy ï¹®¹yå`ù๠ÈDàï `ù¨DåÈyåDmDå ÈDàï `ù¨Då¨yÿyå 3y®DïzàDyå`ùàD´ïyàDy`¹´å¹ ®yå®DjDå´ïyàDcÇyåmyÿy®¹`¹ààyà ȹà®y¹myD¨ù®D¹àcDyå`ùàDÕùy ´T¹DyïyD®DïzàDUDà»´`DÎååD¹àcD ȹmyåyàù®ïȹmyy¨yï๮D´yï容 5à¹`D my ºï¹´ yå`ù๠$¹ÿ®y´ï¹ yå`ùà¹j¹Õùyàyåù¨ïDàD´DȹååU¨mDmy àyåù¨ïD´ïymy myÈDàï `ù¨Dåyå`ùàDå`¹´ïyày®`DàDå ÈDàï `ù¨Då yå`ùàDåȹåïÿDå¹ù´yDïÿDåy yå`ùàDå ´ïyàDày®ïà¹`D´m¹ÈDàï `ù¨Då ȹàïDm¹àDåmy¹àcD`D®DmDåºï¹´åÎ ¨yï๮D´yï容yå`ùà¹È¹myàD Èyà®ïà®ú¨ïȨ¹åïȹåmyÈDàï `ù¨Då yå`ùàDåD¨ù®DåÈyåDmDåy¹ùïàDåj ¨yÿyåÕùyåyDïàDàD®®ùïùD®y´ïy ¹à®D´m¹yåïàùïùàDååy®y¨D´ïyåD Eï¹®¹åΨDåȹmyàD®¹à®DàDå D¨EāDmy®DïzàDUDà»´`D å`¹my®DïzàDyå`ùàD yåïàùïùàDåmå`¹myåmyD¨EāDåÕùyåy åùÈyàÈÇy®D¹åmå`¹åm¹åUàDc¹å yåÈàDåmy®DïzàDUDà»´`DÎ
COMPONENTE DUPLO $DïzàDyå`ùàDȹmyåyà¹à®DmD ȹàù®D®åïùàDmym¹åïȹåmy ÈDàï `ù¨DåàDåD¨ù®Då´T¹ Dùï¹´ïyàDy´ïyåÊ`¹®¹=®ÈåËy ¹ùïàDåDùï¹´ïyàDy´ïyåÎåå¹ àyåù¨ïDàD´ù®D´ùÿy®yåÈàD¨my =®Èåy®ï¹à´¹mDåD¨EāDåy ´ù®må`¹D`DïDm¹myÈDàï `ù¨Då Dùï¹´ïyàDy´ïyåÎ
D¨EāDmy®DïzàDUDà»´`D
å`¹my®DïzàDyå`ùàD
%ùÿy®yåzà`D¹à®DmDȹà=®Èå
www.sciam.com.br 39
so mundo visível, a emissão de fótons escuros teria o mesmo efeito, isto é, todas as galáxias de matéria escura teriam a forma de discos achatados. No entanto, sabemos que a distribuição da maior parte da matéria escura necessária para explicar nossas galáxias visíveis se assemelha a uma nuvem esférica. Por isso, podemos descartar um mundo de matéria escura que espelhe exatamente o nosso. Entretanto, ainda existem muitas outras alternativas viáveis. É possível, por exemplo, que uma pequena fração de matéria escura espelhe as condições de nosso Universo, enquanto a maior parte se comporta como simples Wimps. Ou, talvez, a carga escura seja efetivamente muito menor que as cargas elétricas de nossos elétrons e prótons, resultando numa emissão reduzida de fótons escuros. Teóricos, inclusive um de nós (Dobrescu), estão propondo muitas hipóteses sobre partículas e forças possíveis na região escura, usando dados existentes para direcionar ideias e restringir especulações. Um dos cenários mais simples – envolvendo apenas dois tipos de partículas de matéria escura – fornece um rápido vislumbre da física que poderia funcionar na matéria escura complexa. FÓTONS ESCUROS
Imagine um mundo escuro onde existem dois tipos de carga escura – uma positiva e outra negativa. Nesse modelo, existe uma forma de eletromagnetismo que leva partículas de matéria escura a emitir e absorver fótons escuros. De acordo com o que foi postulado, como essas partículas são carregadas de forma análoga à do eletromagnetismo comum, quando partículas de matéria escura com cargas positivas e negativas se encontram, podem aniquilar-se e produzir fótons escuros, exatamente como partículas da matéria comum e suas contrapartidas de antimatéria com cargas opostas se aniquilam quando entram em contato, liberando fótons. Podemos tirar algumas conclusões sobre a intensidade dessa força eletromagnética escura e, consequentemente, da frequência de aniquilação da matéria escura, e deduzir como essa força afetaria as galáxias. Lembre-se de que galáxias apresentam uma estrutura achatada porque o eletromagnetismo afeta a matéria comum para liberar energia e acomodá-la num disco. A perda de energia ocorre mesmo sem aniquilação. Como sabemos que a matéria escura tem uma distribuição básica esfericamente em torno da maioria das galáxias e não colapsou num disco, podemos concluir que ela não pode perder energia pela emissão de fótons escuros na mesma proporção que a matéria comum. Num estudo publicado em 2009, Lotty Ackerman, Matthew R. Buckley, Sean M. Carroll e Marc Kamionkowski, todos na época no Instituto de Tecnologia da Califórnia, mostraram que essa conclusão indica que a carga escura deve ser muito pequena, cerca de 1% do valor da carga elétrica comum. No entanto, mesmo com um valor tão baixo, a força ainda existiria e poderia ter efeitos significativos nas galáxias. GALÁXIA ESCURA
Até agora descrevemos uma versão da matéria escura formada por uma partícula escura carregada e sua companheira com 40 Scientific American Brasil | Agosto 2015
carga oposta emitindo fótons escuros. Mas esse cenário ainda continua muito fraco em comparação com a complexidade da matéria comum. Como seria um mundo de matéria escura com várias partículas carregadas diferentes? Existem muitas teorias de matéria escura complexa que incluem duas ou mais partículas escuras hipotéticas. Um exemplo particularmente intrigante foi proposto em 2013 por JiJi Fan, Andrey Katz, Lisa Randall e Matthew Reece, todos, na época, na Universidade Harvard, que se referiam ao seu modelo como “matéria escura de interação parcial”. Eles imaginaram que a maior parte da matéria escura seria formada por Wimps, mas também postularam a existência de um pequeno componente formado por dois tipos de partículas conhecidas como férmions: um pesado e outro leve – ambos portadores de carga escura. (Férmions são partículas com spin quanto-mecânico igual a ½. Nêutrons e quarks que formam nosso mundo visível são exemplos de férmions.) Como férmions escuros seriam portadores de carga escura, eles emitiriam fótons escuros e poderiam atrair-se mutuamente. Embora seja necessário ter muito cuidado para não exagerar na interpretação do paralelismo, a situação proposta é praticamente a mesma que afirmar que um próton, um elétron e um fóton escuros transportam o eletromagnetismo escuro que os mantém unidos. Dependendo de sua massa e carga, férmions escuros poderiam se combinar para criar átomos escuros com sua própria química escura, moléculas escuras e provavelmente até estruturas mais complexas. O conceito de átomos escuros foi explorado em detalhes em 2010 por David E. Kaplan, Gordan Z. Krnjaic, Keith R. Rehermann e Christopher M. Wells, todos, na época, na Universidade Johns Hopkins. Dando prosseguimento à ideia da matéria escura, os físicos de Harvard deduziram um limite superior para a fração de matéria escura que poderia interagir fortemente com fótons escuros, levando em conta as restrições impostas pelas observações astronômicas. Eles determinaram que a massa acumulada de matéria escura seria imensa – equivalente a toda a matéria visível do Universo. Segundo esse modelo, a Via Láctea é formada por uma grande nuvem esférica de partículas iguais a Wimps, que contribui com 70% da matéria total da Galáxia, envolvendo dois discos achatados, cada um contendo 15% de matéria. Um disco é formado por matéria comum, que inclui os braços espirais que podemos visualizar, e o outro é formado por matéria escura com que interage fortemente. Os dois discos não precisam estar exatamente alinhados, mas devem ter orientação similar. Nesse cenário, uma galáxia de matéria escura basicamente coexiste no mesmo espaço que nossa familiar Via Láctea. No entanto, uma ressalva precisa ser feita: a galáxia de matéria escura não inclui estrelas escuras ou grandes planetas porque esses objetos foram observados por meio de efeitos gravitacionais lenticulares na matéria comum. A ideia pode parecer radical, mas o disco adicional de nossa galáxia não afetaria muito o Cosmos de matéria comum no qual coexiste. Afinal, na verdade, qualquer teoria sobre matéria escura precisa ser consistente com observações da matéria visível. Poderíamos estar vivendo em um universo sem sequer conhecê-lo.
Dependendo da massa e da carga dos férmions escuros, eles podem se combinar para criar átomos escuros com sua própria química escura, moléculas escuras e provavelmente estruturas ainda mais complexas. PERSPECTIVAS EXPERIMENTAIS
Cientistas procuram detectar a matéria escura complexa da mesma forma que procuram por Wimps: usando detectores subterrâneos sensíveis. Uma consequência do modelo de matéria escura interagindo em parte com um disco de matéria concentrada, aproximadamente no mesmo plano que a matéria visível da Via Láctea, é que essa forma de matéria escura medida por nossos detectores seria mais densa que a prevista pelos modelos Wimp. E essa maior densidade implicaria uma quantidade de matéria escura superior ao que preveem teorias convencionais. Além de realizar esses experimentos, físicos esperam criar não só matéria escura em aceleradores de partículas, mas também todas as outras partículas exóticas geradas nas reações. Como se conhece muito pouco sobre a interação da matéria escura com a comum – e, consequentemente, que processos específicos internos do acelerador poderão originá-las – cientistas embarcaram num amplo programa de investigação, que estuda uma série de modelos de matéria escura, desde o Wimp simples até uma região escura mais complexa. Algumas hipóteses, no entanto, ainda precisam ser estabelecidas, como a de que a matéria escura interage com matéria comum via força ou forças muito mais fortes que a gravidade (a mais fraca de todas as forças), porém, ainda suficientemente fraca para não ter sido observada até o momento. Essa hipótese é necessária porque se a matéria escura interagir apenas gravitacionalmente, nunca poderá ser criada em qualquer acelerador exequível, nem observada em qualquer pesquisa direta. Essa força seria diferente daquela associada à carga, que permite que a matéria escura interaja consigo mesma.
O Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) do Cern, próximo a Genebra, na Suíça, é o acelerador que produz as energias mais altas do mundo, o que representa uma grande vantagem quando se investigam versões mais pesadas de matéria escura (quanto mais massa tiver uma partícula, mais energia ela precisará para ser produzida num acelerador), e de partículas de matéria escura cujas interações tornam-se cada vez mais frequentes com a elevação da energia. Como já sabemos que a matéria escura deve interagir apenas muito fracamente com a matéria comum, não esperamos observá-la diretamente com um detector construído com matéria comum. Por isso, os cientistas procuram a matéria escura observando colisões com déficit de energia. Dois prótons, por exemplo, ao colidir podem produzir algum tipo de partícula comum ou partículas comuns de um lado da colisão e algumas partículas de matéria escura do outro. Na assinatura desses eventos se observa energia de um lado do detector e nada de outro. Cientistas calculam o número de colisões esperadas com essa configuração surpreendente como se não houvesse matéria escura, e depois observam para conferir se o número de colisões é maior que o calculado. Até o momento, não surgiu nenhum sinal de excesso de colisões no LHC – uma indicação de que interações da matéria escura com a matéria comum devem ser muito raras, se é que ocorrem. Mas uma nova oportunidade de observar sinais de matéria escura surgiu recentemente, com o início da segunda rodada de energia mais alta do LHC nos últimos meses, depois que melhorias foram implementadas no acelerador. Isso significa que a descoberta do século pode estar prestes a ocorrer. Além das tentativas de encontrar matéria escura que acabamos de descrever, que são adequadas para descobrir tanto Wimps, como matéria escura complexa, algumas abordagens visam mais especificamente a complexidade da região escura. Muitas delas estão em busca do fóton escuro. Outras sugerem que fótons escuros podem se transformar continuamente em fótons comuns e voltar a serem novamente fótons escuros, via leis da mecânica quântica, o que pode resultar numa boa oportunidade de observar fótons. Outros modelos sugerem que certos fótons escuros têm massa diferente de zero (nesse caso a palavra “fóton” foi extrapolada, uma vez que eles são diferentes do fóton de luz de massa zero). Se um fóton escuro tiver massa, ele poderá decair em partículas mais leves. E como o fóton escuro pode se transformar temporariamente num fóton comum, www.sciam.com.br 41
existe uma pequena chance de que possa produzir pares de elétrons ou pares de múons (primos dos elétrons) e suas contrapartidas de antimatéria durante o processo de formação. Consequentemente, colaborações experimentais, inclusive um projeto no qual um de nós (Lincoln) participa, procuram colisões que produzam um par elétron-pósitron ou um par múon-antimúon. Esses estudos estão em andamento no LHC e em outros aceleradores, como o projeto KLOE-2 do Instituto Nacional de Física Nuclear do Laboratório Nacional Frascati, na Itália, o experimento Heavy Photon Search, no Acelerador Nacional Thomas Jefferson, em Newport News, Virgínia, e o experimento do detector BaBar do Laboratório Nacional do Centro do Acelerador Linear de Stanford (SLAC, na sigla em inglês) – e cientistas estão até examinando dados de mais de uma década coletados pelo experimento do SLAC conhecido como mQ. Outra abordagem interessante para tentar produzir feixes de partículas de matéria escura utiliza o Laboratório do Acelerador Nacional Fermi (Fermilab), em Batavia, Illinois. Atualmente, esse experimento está gerando feixes intensos de neutrinos que são disparados contra detectores distantes. Neutrinos são partículas subatômicas muito leves que interagem exclusivamente por meio da força nuclear fraca. Se a matéria escura interagir com matéria comum por meio de partículas como fótons escuros, é possível que a matéria escura esteja sendo produzida nos mesmos feixes e, portanto, poderá ser detectada pelos detectores MiniBooNE, MINOS ou NOvA do Fermilab. Finalmente, cientistas também podem procurar sinais astronômicos de matéria escura em interação, como em colisões de galáxias. Nesses cenários, quando a matéria escura de uma galáxia se choca com a de outra, as partículas podem se repelir mutuamente trocando fótons escuros no processo. Vários estudos de colisões entre galáxias não encontraram evidências desse fenômeno, mas observações publicadas há poucos meses sobre o aglomerado Abell 3827, que está particularmente próximo da Terra e com boa orientação, sugerem exatamente esse padrão. Entretanto, mais observações dessa e de outras colisões ainda serão necessárias para confirmar o sinal, mas dados de Abell 3827 obtidos até agora parecem promissores para a modelagem de matéria escura complexa.
nhecidas da física e não corresponde à distribuição de massa observada. Devido a essas discrepâncias, cientistas estão cada vez mais convencidos de que existe alguma forma de matéria escura. No entanto, descobrir a forma dessa matéria está se tornando uma questão cada vez mais controvertida, à medida que nossos experimentos repetidamente não conseguem encontrar evidências para os modelos mais simples de matéria escura. Por essa razão e devido a algumas discrepâncias que permanecem entre previsões do modelo Wimp simples e observações astronômicas, teorias sobre matéria escura complexa estão se tornando cada vez mais atraentes. Esses modelos oferecem aos teóricos mais parâmetros para manipular e assim melhorar a sintonia entre dados experimentais e teoria. Eles também compatibilizam mais profundamente a variabilidade e riqueza da matéria comum. No entanto, essa abordagem pode ser criticada por se preocupar excessivamente em manter viva a hipótese da matéria escura. Esse cenário poderia ser equiparado à desacreditada ideia dos epiciclos, quando no século 16 astrônomos tentaram manter viva a teoria geocêntrica adicionando uma série de parâmetros para ajustar uma teoria fadada ao fracasso? Acreditamos que não, visto que a matéria escura explica vários enigmas astronômicos muito bem e não há razão, a priori, para a matéria escura ser tão simples, como sugere o modelo Wimp. A mensagem real é que estamos diante de um enigma e não sabemos qual será a resposta. Até encontrá-la, devemos estar abertos a uma infinidade de opções, entre elas a possibilidade fascinante de que podemos estar vivendo lado a lado com uma realidade paralela escura. E se houver um pesquisador da matéria escura observando o céu e questionando a nossa existência?
PA R A C O N H E C E R M A I S
5y `¹å®` `¹`§ïD¨i ïàyy ÈDàïå mDৠ®DïïyàÎ Katherine Freese. Princeton University Press, 2014. Dà§å§ 7´ÿyàåyÎ JiJi Fan et al. em Physical Review Letters, vol. 110, no 21, artigo no 211302; 23 de maio de 2013. ï¹®` mDৠ®DïïyàÎ David E. Kaplan et al. em Journal of Cosmology and Astroparticle Physics, vol. 2010, no 5, artigo no 021; 9 de maio de 2010. Dৠ®Dïïyà D´m mDৠàDmDï¹´Î Lotty Ackerman et al. em Physical Review D, vol. 79, no 2, artigo no 023519; 23 de janeiro de 2009.
ENIGMA CÓSMICO D E N OSSOS A RQU I VOS
Não há dúvida de que estamos diante de uma grande incógnita. Em grandes escalas, a matéria comum confinada gravitacionalmente não responde de forma consistente às leis co42 Scientific American Brasil | Agosto 2015
$ù´m¹å yå`ùà¹åÎ Jonathan Feng e Mark Trodden; no 103; dezembro de 2010.
BIOLOGIA
Uma descoberta surpreendente está forçando cientistas a reconsiderar se pode existir vida nos lugares mais extremos na Terra e no espaço Douglas Fox
EM SÍNTESE
® ¦D´yà¹j ¨D`¹¨¹åïDå ÈyàùàDàD® éĈ ®yïà¹å my y¨¹ ´¹ ¨ùDà ¹´my ¹ `¹´ï´y´ ïy D´ïEàï`¹ y´`¹´ïàD ¹ ®DàÎ 7® à¹U» y´ ÿDm¹ ÈDàD UDā¹ Èy¨¹ ¹à `¹ myå`¹Uàù Èyāyå y ¹ùïà¹å D´®Då ÿÿy´m¹ y® DÈy ´Då ÀĈ ®yïà¹å mD EùD ®Dà´Dj D ~Ĉ §®
Ilustração de Bryan Christie
my måïF´`D m¹ ®Dà DUyàï¹ y mD ¨ùĆ å¹¨DàÎ åDUym¹àD `¹´ÿy´`¹´D¨ åùåïy´ïDÿD Õùy yååy ¨ùDà ày®¹ï¹ åyàD ÈàDï`D®y´ïy myåïïù m¹ my ÿmDÎ 0yāyå åy D¨®y´ïD® my ÈyÕùy´¹å D´ ȹmyå Õùyj ȹà åùD ÿyĆj `¹´å¹®y®
®`à¹àD´å®¹åÎ %yååy ¨ùDà 幨Dm¹j ®`à¹àD´å®¹å ïD¨ÿyĆ åy¦D® D¨®y´ ïDm¹å ȹà myïàï¹å Õùy åy Èày`ÈïD® m¹ ¨Dm¹ my UDā¹ m¹ y¨¹j K ®ymmD Õùy y¨y myå¨ĆD ÈDàD my´ï๠mD EùDÎ 3y® ¨ùĆ å¹¨Dà y ¹ï¹åå ´ïyåyj ¹å ®`à¹àD
´å®¹å ¹Uï{® y´yàD myååyå myïàï¹å my ®D´yàDå ´`¹®ù´åÎ myå`¹UyàïD DUày D ȹååU¨mDmy my ÿmD y® ¨ùDàyå ´D 5yààD D´ïyå `¹´åmy àDm¹å ´DUïEÿyå y y® ȨD´yïDå y ¨ùDåj `¹®¹ ùà¹ÈDj Õùy ¹àUïD úÈïyàÎ
www.sciam.com.br 43
O litoral da massa terrestre da Antártida ocidental
¹ù¨Då¹āé jornalista de ciência com trabalhos também publicados em Discover, Esquire, National Geographic e Nature. Suas matérias o levaram à Antártida quatro vezes desde 2007.
Vida oceânica era a última coisa que Robert Zook e cerca de uma dezena de cientistas esperavam ver em janeiro passado, quando empreenderam uma missão de glaciologia à zona basal, ou de aterramento, onde o manto de gelo transita para a Plataforma de Gelo de Ross. Eles haviam viajado para esse lugar remoto para descobrir como a parte inferior da lentamente rastejante camada de gelo da Antártida ocidental estava reagindo a mudanças climáticas. Tinham trazido vários biólogos que estudavam microrganismos rudimentares, mas ninguém que investigasse qualquer coisa maior que isso. 44 Scientific American Brasil | Agosto 2015
Em 16 de janeiro, o grupo se aglomerou ao redor de monitores de vídeo em uma sala escurecida sobre o gelo; um centro de controle improvisado construído dentro de um contêiner metálico de transporte náutico. Durante dias tratores tinham arrastado a caixa abarrotada, montada sobre quatro esquis gigantescos, juntamente com 500 mil toneladas de equipamentos e suprimentos, até esse ponto, a 850 km de distância da margem frontal da plataforma sobre o mar. Eles haviam usado uma perfuratriz de água quente para abrir no gelo um buraco ligeiramente maior que o aro de uma cesta de basquete, penetrando
RACHEL MURRAY
é um dos lugares mais desolados do planeta. Ao longo de mil quilômetros, ele se encontra sepultado sob o manto de gelo da plataforma de gelo da Antártida ocidental, uma série de geleiras interconectadas, do tamanho da Europa ocidental, que desliza lentamente do continente para o mar. À medida que o gelo atravessa a extremidade da terra firme enterrada, ele se transforma em uma plataforma plana de centenas de metros de espessura que se estende centenas de quilômetros mar COMEÇO GELADO: Pesquisadores acampados na Plataforma de Gelo de Ross em janeiro perfuraram 740 metros de gelo para ver o que existia na zona basal, ou de adentro, flutuando sobre a aterramento, muito abaixo. água. Essa plataforma é do tamanho da Espanha [aproximadamente 505 mil km2], tão vasta que poderia levar de três a 10 anos para uma corrente oceânica muito abaixo para um “cisco” de plâncton do mar aberto, onde luz solar e alimentos são abundantes, chegar à distante escuridão proibitiva da linha costeira submersa.
D E S C O B E R TA S até uma profundidade de 740 metros para chegar a uma diminuta área de água abaixo, ao longo da linha costeira enterrada. Em seguida, haviam suspendido por um cabo um ¥D³x߸ÇDääDl¸jÇxäÔøäDl¸ßxä`DßDU¸ÔøDUxßî¸äD¸x³`¸³îßDßx³øx߸ä¸ä robô, chamado Deep SCINI (sigla em inglês peixes e anfípodes (diminutos animais munidos de conchas) vivendo na zona basal, ou para Submersível Capaz de Navegação e de aterramento, da Plataforma de Gelo de Ross, a 850 km de distância do mar aberto e Imageamento sob Gelo), e tinham começado sob 740 metros de gelo acima. Outras criaturas (citadas no mapa abaixo) tinham sido a baixá-lo cuidadosamente pelo estreito encontradas no passado sob as margens frontais de plataformas de gelo, muito mais poço, à medida que uma corda se desenrolapróximas de águas iluminadas por luz solar e muitas vezes penduradas na parte inferior do gelo, em um mundo de ponta-cabeça. va para mantê-lo conectado eletronicamente à sala de controle. Zook havia se apressado para projetar e 0DàymT¹¹ù®Dày®mD construir o Deep SCINI rapidamente para y¨yàDmy2åyà"Dàåy´ resistir ao severo frio e à elevada pressão das Anêmonas profundezas. Mas só tinha tido tempo para Plataforma de Gelo testar em uma piscina o ROV (veículo operaRiiser-Larsen do remotamente, em inglês). A equipe obPlataforma de Gelo ANTÁRTIDA Larsen C servou nervosamente durante 40 minutos
ùàD`¹ myy¨¹my ®yàĂ Plataforma enquanto o estreito robô, de dois metros de Plataforma de Vermes, esponjas de Gelo Gelo de Ronne comprimento, penetrava cada vez mais funde Amery do no vazio. Uma luz em seu “nariz” se refleB¹´DmyDïyààD®y´ï¹my2¹åå tia luminosamente em cada ondulação branPolo Sul Peixes, anfípodes, "D¹<¹å﹧Êå¹U`D®DmDmyy¨¹Ë ca nas paredes geladas do poço, dando a ime outros animais DNA de crustáceos e anêmonas pressão de um buraco de minhoca cósmico conduzindo a outro mundo. "D¹=¨¨D´åÊå¹U`D®DmDmyy¨¹Ë Microrganismos ååùàDmyy¨¹my$`$ùàm¹ Na sala de controle abarrotada, os pesAnêmonas brilhantes Plataforma quisadores respiraram aliviados coletiva ùàD`¹ my y¨¹ my 2¹åå de Gelo mente quando as paredes do buraco subitaAnfípodes, dois peixes de Ross mente deram lugar a uma escuridão vazia. O Estação McMurdo Deep SCINI tinha passado pelo fundo do bu ùàD`¹myy¨¹my¹ù¨®D´ raco no gelo e entrado na pequena abertura Anêmonas, anfípodes de 10 metros de água salina abaixo. Um pedaço de leito oceânico estéril, rochoso e desCírculo Antártico tituído de vida entrou no campo de visão; um leito marinho escuro e frígido que humanos nunca tinham visto antes. Amostras de água que a equipe tinha içado pelo buraco alguns dias antes tinha em estado líquido graças à salinidade e à extrema pressão eram cristalinamente límpidas, desprovidas de qualquer sinal do gelo acima. Pelo rádio, Zook instruiu o operador do guincho óbvio de vida. Ross Powell, geólogo glacial na Universidade do lá fora a descer o robô até o fundo, enquanto os pesquisadores o Norte de Illinois (NIU), que coliderou a expedição, descreveu a reiniciavam. zona de aterramento como “um tanto inóspita” quando converQuando as câmeras de vídeo voltaram a funcionar, alguém samos por telefone via satélite após a coleta das amostras. dentro do gélido contêiner náutico gritou: “Olhem, olhem, O condutor do robô, Justin Burnett, deslizou seus dedos por olhem. Vejam só!”. Todos os olhos se voltaram para a esquerda, um touch pad para guiar o Deep SCINI até a parte inferior da para o monitor da câmera que apontava para baixo. Uma graplataforma flutuante. As luzes do ROV revelaram um “teto” es- ciosa forma fusiforme, afilada da frente para trás, como um curo e irregular de gelo incrustado de sedimentos. Aqui e ali, ponto de exclamação, deslizou seu corpo translúcido azulado, uma partícula de areia se desprendia do teto, brilhando na luz amarronzado e rosado pela tela. Era um peixe, tão comprido à medida que flutuava para baixo, como uma estrela cadente. quanto uma faca de manteiga. A sala irrompeu em arquejos. De vez em quando, uma dessas estrelas cadentes agia estranha- Essa equipe, que estava ali para investigar glaciares, tinha acamente, parecendo precipitar-se de lado. Ninguém podia ter cer- bado de encontrar vida complexa em um dos lugares supostateza, mas no vídeo parecia que algo havia se movido. mente mais inóspitos e inabitáveis da Terra. Burnett começou a direcionar o Deep SCINI, de volta ao funNaquele dia, o ROV permaneceu submerso por seis horas e do do mar, de nariz para baixo, quando a imagem de vídeo subi- encontrou três tipos diferentes de peixes; 20 ou 30 exemplares tamente “congelou”. O robô tinha se desligado para evitar supe- ao todo. Anfípodes parecidos com camarões zanzavam por lá. A raquecimento, o que é irônico nessa água que a -2oC só se man- equipe viu uma medusa (água-viva) de cor marrom e um corpo
Surpresa: Vida sob o gelo
Mapa de XNR Productions
www.sciam.com.br 45
46 Scientific American Brasil | Agosto 2015
RACHEL MURRAY
iridescente nadando acima dela, que poderia ter sido um ctenóforo, uma carambola-do-mar, ou água-viva-de-pente. “Você tinha a impressão de que eles formavam uma comunidade que vivia ali”, Powell me disse pouco depois. “Não foi apenas um evento fortuito.” Constatou-se que as profundezas estéreis sustentavam abundante vida. Todo o escopo da missão mudou em um instante: o imperativo agora era capturar alguns dos animais, se possível, para que pesquisadores pudessem analisá-los mais tarde. Ao longo dos dias seguintes, Zook confeccionou uma armadilha improvisada no Deep SCINI com um pedaço de tela de janela que iscou com carne de peixe. Quando o robô foi novamente baixado ao fundo do mar, sua câmera registrou durante quatro horas dezenas de anfípodes rastejarem pela armadilha como moscas em uma lata de lixo. Quando os operadores de guincho o içaram de volta, a armadilha continha mais de 50 anfípodes. A equipe congelou os minúsculos crustáceos e os enviou por avião à Estação McMurdo, o principal PEIXES! Bob Zook (á esquerda) assiste a um vídeo ao vivo enviado por seu robô, polo logístico dos Estados Unidos na Ansubmerso em um bolsão de água na zona de aterramento. Não esperando nenhum sinal tártida, enquanto Zook e os cientistas se visível de vida, ele ficou chocado ao encontrar três espécies de peixes, alguns deles preparavam para partir. translúcidos e do tamanho de uma “faca de manteiga” (à direita). Descobrir vida complexa em tamanha abundância veio como um profundo choque. As descobertas ainda estão reverberando pela comunida- cientistas não tinham meios de encontrar respostas. de científica, derrubando suposições estabelecidas há muito soUma pista surgiu por acaso em 1975, quando nuvens baixas bre a vida em nosso planeta e o potencial para encontrá-la em forçaram o helicóptero de John Oliver a aterrissar perto de outros mundos. uma fissura próxima no gelo. À época oceanógrafo no Instituto Scripps de Oceanografia em La Jolla, na Califórnia, ele e seu Evidências de vida sob o gelo da Antártida surgiram len- parceiro decidiram mergulhar naquela fenda. Eles desceram tamente. O clima é proibitivamente rigoroso e expedições são por uma parede subaquática de gelo e, 40 metros mais abaixo, caras, especialmente se exigirem perfurar centenas de metros viram algo bem estranho: centenas de anêmonas de um verde de gelo. Por essas razões, as poucas informações que cientistas luminoso e irradiante, enraizadas no gelo. Eles voltaram ao conseguiram reunir vieram das margens frontais de platafor- local um ano depois para colher algumas anêmonas, mas encontraram a água rodopiando com cristais de gelo, forçandomas de gelo perto de águas abertas. Na década de 60, glaciologistas descobriram, por acaso, -os a desistir do planejado mergulho sem colher ou nem mesuma colônia de focas que, de alguma forma, havia sobrevivido mo fotografar os animais. Tudo o que resultou de sua descoapesar de ter ficado ilhada permanentemente na plataforma de berta foi uma única frase inserida no meio do texto de um gelo de McMurdo, a 25 km da margem; longe demais para elas artigo científico sobre glaciares. Em 2003, Yuuki Watanabe, então biólogo na Universidade conseguirem voltar movendo-se desajeitadamente para o mar. Os animais se congregavam perto de uma profunda fenda, ou de Tóquio, estava acampado sobre o fino gelo marinho sazonal fissura, onde a plataforma de gelo se arqueava. Elas mergulha- perto da plataforma de gelo Riiser-Larsen, a três mil quilômevam na fenda para caçar alimentos na água marinha abaixo. Os tros de distância. O gelo, que se forma sobre água ao largo da biólogos se perguntavam de que as focas poderiam estar, possi- margem frontal de plataformas de gelo no inverno, lhe permivelmente, se alimentando nas águas escuras e desoladas. A ra- tiu permanecer em uma cabana e estudar os hábitos alimentazão especial da questão é que elas pareciam ser ainda mais gor- res de focas. Instrumentos que ele havia afixado nos animais redas que suas companheiras que vivem no oceano aberto, e os velaram que eles frequentemente mergulhavam a uma profun-
didade de 150 metros na água, onde Watanabe presumiu que peixes se congregavam. Mas quando prendeu uma câmera em uma das focas, as fotografias revelaram animais com tentáculos oscilantes pendurados de ponta-cabeça do lado inferior da
ta-cabeça, sua barriga raspando, ou “desbastando”, o teto gelado. Essa observação fortuita foi “tão fora de contexto”, comentou Zook. “Havia zero expectativa de que isso acontecesse.” Marymegan Daly, especialista em anêmonas na Universidade Estadual de Ohio, ficou pasma quando viu as primeiras fotografias. “Aquilo me desconcertou. Elas pareciam morcegos pendurados do teto de uma caverna”, compara ela. “Nunca me ocorreu que anêmonas estariam vivendo ali.” Ninguém tinha imaginado um ecossistema de cabeça para baixo na parte inferior de uma plataforma de gelo. Mas cientistas poderiam, pelo menos, justificar sua existência como sendo razoável por meio da sabedoria convencional à época. Biólogos ponderaram que vida complexa abaixo da parte frontal do gelo poderia ser alimentada por água oceânica que penetrasse ali vinda do mar próximo iluminado pelo sol. Mas qualquer forma de vida definharia e desapareceria rapidamente na parte localizada mais atrás sob a plataforma e, portanto, mais distante da luz solar. Organismos cada vez menores consumiriam as minguantes parcelas de alimentos até que não sobrasse nada, marcando o início de uma imensa região habitada apenas por microrganismos que se estenderia por centenas de quilômetros sob as plataformas de gelo, do tamanho de países, rumo à terra firme e terminando na zona basal ou de aterramento. O isolamento de luz solar e fotossíntese nessa zona é profundo. Os trechos mais estéreis e áridos de leito oceânico encontra-
CORTESIA DO PROJETO WISSARD (WHILLANS ICE STREAM SUBGLACIAL ACCESS RESEARCH DRILLING)
Ninguém tinha imaginado um ecossistema de cabeça para baixo na parte inferior de uma plataforma de gelo. (...) O isolamento de luz solar e fotossíntese nessa zona é profundo.
plataforma, o que foi uma grande surpresa. Ele concluiu que as focas mergulhavam sob a protuberância da plataforma para se alimentar de qualquer coisa que estivesse pendurada ali. Poucas pessoas estavam cientes do que Oliver e Watanabe tinham vislumbrado quando Zook foi contratado em 2010 para trazer um ROV a fim de ajudar engenheiros a testar uma perfuratriz de água quente na plataforma de Ross em Coulman High, um local a 10 km de distância de sua margem frontal, onde o gelo tinha 250 metros de espessura. A equipe derreteu um buraco através do gelo, e Zook enviou seu robô para baixo. Enquanto o guiava ao longo do lado inferior do gelo, algo estranho apareceu no monitor de vídeo: tentáculos fantasmagóricos, os braços de milhares de anêmonas-do-mar (cnidários), que normalmente vivem enraizadas no leito marinho. Mas ali elas estavam penduradas de ponta-cabeça, seus talos enterrados no gelo. Vermes habitavam outras “tocas”, ou buracos no gelo. Anfípodes semelhantes a camarões e krill zanzavam pela água. E peixes serpenteavam por ali; um deles também nadava de pon-
dos previamente por humanos são leitos marinhos abissais escuros no meio de vastos oceanos sob 6.000 metros de água. A vida nessas profundidades depende de fragmentos de plâncton morto que filtram, ou se precipitam das águas iluminadas pelo sol muito acima. Na zona de aterramento, não existe nenhuma superfície marinha acima. Stacy Kim, ecologista antártica dos Laboratórios Marinhos de Moss Landing (MLML, na sigla em inglês), na Califórnia, esperava que a zona fosse muitas vezes mais isolada que o abismo, ou zona abissal. Em 2013, o Departamento de Ciências ANDRILL na Universidade de Nebraska-Lincoln, que financiou a viagem de 2010, contratou Zook para construir um ROV mais avançado, aquele que se tornou o Deep SCINI. Ele construiu suas câmerasjanelas, feitas de safiras, e seu corpo, composto por milhões de diminutas esferas ocas de vidro, para resistir a pressões de água de até mil metros de profundidade para que o veículo robótico pudesse fazer explorações sob camadas mais espessas e mais remotas da plataforma de gelo. Depois disso, Zook foi convidawww.sciam.com.br 47
do a trazer o Deep SCINI para a expedição liderada por Powell; um esforço sem paralelo para perfurar a zona de aterramento. Zook, de 53 anos, dificilmente se encaixa no perfil de um explorador científico. Ele nunca se formou no ensino médio e passou alguns anos projetando sistemas primitivos de telefonia sem fio, antes de aceitar um emprego, em 1997, para cuidar da manutenção de torres de retransmissão automática de rádio e faróis de navegação aérea na Estação McMurdo. Durante seis meses, Zook e Burnett, um estudante de graduação em robótica na universidade, se apressaram para concluir a construção do Deep SCINI, trabalhando turnos de 15 horas por dia em um abafado hangar de tijolos em Lincoln, também na Califórnia. O Deep SCINI tinha sido financiado apenas como um protótipo, não para exploração real. Quando eles chegaram ao campo de perfuração em 2 de janeiro de 2015, o robô ainda não tinha um sistema de navegação nem um sistema para gerenciar seu consumo de energia, tornando-o propenso a um superaquecimento. Depois que o Deep SCINI foi içado para fora do buraco e houve a descoberta dos peixes, a equipe baixou um pacote de instrumentos oceanográficos pertencentes a Powell, depositan-
água e crescer. Anfípodes consomem os microrganismos e reciclam seu carbono. Peixes, no topo, se alimentam dos anfípodes. Essa transferência ascendente de carbono, ou energia, pela pirâmide alimentar é ineficiente, explicou John Priscu, ecologista microbiano na Universidade Estadual de Montana um dos líderes da expedição realizada neste ano. São necessários cerca de 100 quilos de microrganismos para sustentar um quilo de peixe.
Mistérios também cercam o milhão de quilômetros quadrados de terras escondidas sob o manto de gelo da Antártida ocidental. Glaciologistas perfuraram alguns buracos no gelo até chegarem à lama abaixo. Ela é rica em conchas microscópicas de diatomáceas que viveram há entre 20 milhões e cinco milhões de anos; evidência de que um mar raso cobria a área em épocas mais quentes. Mapeamentos sísmicos remotos mostram antigas camadas sedimentares de centenas de metros de espessura, que contêm bilhões de toneladas de organismos marinhos em decomposição, que morreram e se precipitaram para o fundo. No início de 2013, a mesma equipe de cientistas que em ja-
do-o no leito marinho por 20 horas. Ali, o dispositivo mediu correntes oceânicas e salinidade; dados que poderiam fornecer pistas sobre a rapidez com que o gelo estava derretendo. O dispositivo também monitorou os níveis de oxigênio e outras substâncias na água, o que de repente havia se tornado crucial em vista da descoberta. Durante todo o tempo que os instrumentos permaneceram na água, peixes e anfípodes visitaram a câmera instalada no “pacote”. No acampamento, as pessoas quebravam suas cabeças durante jantares tardios tentando entender o que fazia sentido sobre os animais. “Temos de perguntar o que eles estão comendo”, sugeriu Brent Christner, microbiólogo na Universidade Estadual da Louisiana, que estudou microrganismos antárticos durante 15 anos. A luz solar estava excessivamente longe demais, e qualquer água da margem frontal da plataforma que derivasse de volta até ali teria sido esvaziada de alimentos durante anos de lenta migração. O mistério foi intensificado pelas extravagantes necessidades energéticas de animais em comparação com microrganismos. Peixes requerem uma pirâmide alimentar multinível. Em sua base, microrganismos usam energia de luz solar ou de substâncias para extrair moléculas de dióxido de carbono da 48 Scientific American Brasil | Agosto 2015
neiro fez uma perfuração até chegar à zona de aterramento também havia perfurado através do manto de gelo 100 km mais para o interior, atingindo um reservatório subglacial chamado Lago Whillans. (Eu os acompanhei nessa expedição.) Carbono orgânico das antigas camadas marinhas compunha até 0,3% da lama lacustre, uma quantidade impressionante, similar à encontrada no solo que nutre savanas desérticas nos Estados Unidos. A equipe também descobriu microrganismos no lago. Sem luz solar e fotossíntese, os microrganismos obtinham energia ao utilizarem oxigênio no lago para “queimar” substâncias como amônia e metano que ascendiam das camadas em decomposição abaixo. Os peixes na zona de aterramento poderiam estar sendo alimentados por uma fonte similar? Quando o Deep SCINI desceu pelo buraco, as paredes vítreas de gelo tornaram-se brevemente opacas e marrons pouco antes de o robô mergulhar na cavidade de água. Os últimos 20 metros de gelo estavam atulhados com os mesmos tipos de detritos ricos em carbono observados no Lago Whillans, um material que congelou e se prendeu à parte inferior da geleira à medida que ela se arrastou por terra firme milhares de anos atrás.
BEN CRANKE Getty Images (plataforma de gelo); CORTESIA DO ESCRITÓRIO ADMINISTRATIVO ANDRILL DE CIÊNCIA, UNIVERSIDADE DE NEBRASKA–LINCOLN (rolinho de ovo e anêmonas-do-mar)
Esses hábitats isolados poderiam estar amplamente disseminados. Mais de 20 mil km de zonas de aterramento escondidas sob gelo flutuante cercam a costa da Antártida.
Fragmentos desses sedimentos se desprenderam do teto de gelo enquanto o Deep SCINI explorava a cavidade oceânica; aquelas partículas cintilantes de sujeira que se precipitavam como estrelas cadentes. Cerca de um milímetro do lado de baixo do gelo derrete todos os dias, liberando as migalhas ricas em nutrientes. Priscu notou que anfípodes zanzavam avidamente ao redor das nuvens de detritos que ascendiam do fundo do buraco depois que as paredes ali foram perturbadas pelo robô. Ele ponderou se o gelo que isolava esse lugar da luz solar também poderia alimentá-lo, ao fornecer detritos orgânicos que sustentam microrganismos na base da pirâmide alimentar. Os peixes “estão obtendo seus alimentos de cima”, concluiu. “Estou quase 100% certo disso.” No entender de Priscu, geleiras que fluem da terra para o mar acima da zona de aterramento constituem uma lenta esteira rolante de gelo rico em detritos que começa a derreter quando entra em contato com água marinha, espalhando seus detritos. O gelo sujo derrete com rapidez suficiente para liberar toda a sua carga até se estender por 40 km sobre o mar. Essa MUNDO DE PONTA-CABEÇA: Criaturas surpreendentes também tinham sido encontradas sob a “chuva” local de sedimenmargem frontal da Plataforma de Gelo de Ross (acima) em 2010. Em vez de enraizadas no leito marinho, tos “pode ajudar a fertilianêmonas (à direita) estavam enraizadas na parte inferior do gelo, crescendo para baixo; outros animais zar a água marinha, o que zanzavam por ali, inclusive uma criatura desconhecida apelidada “egg roll” (“rolinho de ovo”) à esquerda. ajuda a criar [uma] zona habitável” na extremidade traseira da plataforma de gelo, explicou Slawek Tulaczyk, observação antiga parece mais digna de nota agora, que peiglaciologista na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, que xes foram encontrados no ambiente muito mais isolado da zona de aterramento. coliderou a expedição deste ano com Powell e Priscu. Essa visão de vida espalhada sob plataformas de gelo tornaEsses hábitats isolados poderiam estar amplamente disseminados. Mais de 20 mil quilômetros de zonas de aterra- -se ainda mais sedutora. Imagens tiradas recentemente por ramento, escondidas sob gelo flutuante, cercam a costa da An- dares de penetração de gelo instalados em aviões, capazes de tártida. Imagine olhar para esse continente lá do espaço e mapear a estrutura tridimensional das camadas de gelo, mosespiar através do gelo para encontrar um anel de peixes e ou- tram que água derretida do gelo, que é mais leve que água do tros animais, de 40 km de largura, ao redor de toda a linha mar porque contém menos sal, brota da zona de aterramento e costeira, um vasto e próspero ecossistema, não um inferno flui, por centenas de quilômetros, ao longo da parte de baixo da plataforma em “plumas” bem definidas. “Você está falando soescuro, desprovido de vida. Os vastos trechos de oceano escuro sob o gelo entre esse bre um rio de ponta-cabeça”, explica David Holland, oceanógraoásis e a água aberta também podem conter pelo menos al- fo na Universidade de Nova York. Os rios invertidos derretem guns animais. Em 1977, um único buraco foi perfurado através canais no gelo, e podem ter de 500 m a 3.000 m de largura e se da Plataforma de Gelo de Ross, a 475 km de distância do mar estender 200 m para cima dentro do próprio gelo. Se os rios aberto, até atingir uma coluna de água que tinha 240 metros carregam detritos que derreteram e se soltaram do gelo, eles de profundidade. Uma câmera introduzida pela abertura ti- podem alimentar organismos ao longo desses canais. rou várias centenas de fotografias do leito marinho, e duas pareciam mostrar peixes. Anfípodes também foram vistos. “As A sensação de fascínio, ou surpresa, sobre o quanto a pessoas não deram muita atenção”, observa Kim. Mas aquela vida pode ser remota na Terra só se aprofundou à medida que www.sciam.com.br 49
LANÇANDO LUZ: Imagens captadas este ano pelo robô submarino Deep SCINI provam que vida complexa prospera nas águas frígidas, escuras como breu, abaixo das massivas plataformas de gelo penduradas na Antártida.
biólogos examinam as fotografias e os espécimes capturados por Zook, assim como as anêmonas de ponta-cabeça coletadas em 2010 em Coulman High (os dados só foram divulgados em 2013 após um longo atraso). Uma verdade impressionante está despontando: essas espécies, que vivem em lugares tão extremos, são surpreendentemente comuns. “O hábitat é tão bizarro, mas os animais são realmente clássicos, originais”, comenta Daly. As anêmonas, por exemplo, pertencem a uma bem conhecida família que vive em todo o mundo. “Não há nada inesperado sobre elas, anatomicamente”, ressalta a pesquisadora, nenhuma glândula ou outro órgão inédito para explicar como elas se enterram no gelo, e ao mesmo tempo evitam congelar. Talvez elas sobrevivam ao concentrarem sal ao redor de seu corpo, o que poderia agir como anticongelante. Mas Daly notou uma adaptação: seus ovos são extremamente gordurosos, por isso eles flutuam para o teto de gelo acima em vez de afundar até o leito marinho abaixo. Os anfípodes vermelhos, semelhantes a camarões, descobertos em janeiro parecem pertencer a um bem conhecido grupo que habita os leitos oceânicos profundos do mundo, “carniceiros vorazes”, segundo Kathleen Conlan, bióloga marinha no Museu Canadense da Natureza, em Ottawa. Na Antártida, “se houver uma fonte orgânica vinda desses detritos [no gelo acima] e estiver estimulando o crescimento de microrganismos, então os anfípodes poderiam estar se aproveitando disso”, argumenta ela. Os peixes de coloração azul-marrom-rosa também foram reconhecidos em fotografias. Arthur DeVries, ictiólogo na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, que estudou 50 Scientific American Brasil | Agosto 2015
peixes antárticos durante quase 50 anos, os identificou como peixes-prateados-antárticos (Pleuragramma antarcticum), uma das espécies mais abundantes ao redor das águas costeiras do continente. Ironicamente, os peixes são vulneráveis à morte por congelamento. Encontrar criaturas tão comuns em lugares estranhos sugere uma verdade profunda: a de que os ambientes mais remotos e inexplorados da Terra podem não ser tão extremos como julgávamos. “Sempre achamos que temos um bom domínio sobre este planeta”, observa Britney Schmidt, cientista planetária no Instituto de Tecnologia da Geórgia (GeorgiaTech). A descoberta de janeiro “nos diz o quanto somos ingênuos”, resume ela. “Para mim, é aí que está a verdadeira lição.” De fato, vida complexa pode existir em todos os tipos de lugares que descartamos como inabitáveis. Muitas vezes definimos habitabilidade em termos de água líquida, tanto na Terra como em outros planetas e luas. Schmidt vê isso de forma diferente: “Eu procuro por fontes geológicas de energia”, onde placas tectônicas ou geleiras deslizantes, por exemplo, podem trazer carbono há muito enterrado à tona, onde ele pode ser consumido outra vez. “Esses ciclos podem alimentar vida”, resume ela. Outras descobertas recentes reforçam esse modo de pensar. Bandos de vermes foram encontrados no fundo do mar no Golfo do México, em pontos de escape ascendentes de gelo de metano, uma forma exótica e sólida de gás natural que se desenvolve a alta pressão. Apesar de habitarem um lugar tão estranho, os vermes se alimentam de uma dieta típica: bactérias, que por sua vez consomem o gelo de metano. Diferentes vermes foram encontrados em água que gorgoleja através de fraturas de leitos de rocha estratificada a três quilômetros abaixo da superfície da Terra, alimentando-se de microrganismos que consomem minerais no leito rochoso. Alguns microrganismos que vivem em grandes profundidades são até movidos a energia nuclear, em certo sentido, consumindo hidrogênio produzido pelo decaimento de urânio e outros elementos radioativos. Depois há o Lago Vostok, subglacial, localizado na Antártida oriental, a 1.500 km mais para o interior do sítio de perfuração de janeiro. O Vostok se localiza a 3.700 m abaixo do gelo, completamente isolado de ar e luz solar há 15 milhões de anos. Na década de 90, cientistas russos fizeram ali uma perfuração e, sem puncionar o lago em si, colheram gelo que havia se formado ao longo de sua margem superior da água. Prestigiados biólogos polares reagiram com ceticismo e troça em 2013, quando Scott Rogers, biólogo na Universidade Bowling Green State, em Ohio, analisou o DNA contido nesse gelo. Ele relatou ter encontrado evidência de DNA em animais aquáticos que talvez habitassem esse corpo d’água, inclusive anêmonas e crustáceos. “Acredito que é bom manter uma mente aberta” sobre a análise de Rogers, diz Slawek Tulaczyk. Apesar de estar enterrado tão profundamente, o Vostok provavelmente contém quantidades substanciais de oxigênio, injetado no lago à medida que bolhas de ar primordiais se soltam do gelo derretido acima.
ALIMENTO CONGELADO
Detritos de milhões de anos alimentam peixes A massiva plataforma de gelo da Antártida ocidental ÈJwãÓ÷wÞkCÉ libera lentamente terra para o mar, onde se transforma em uma plataforma de x§¸øîøD³îxÈJkÞwíCÉ. O ponto de transição é chamado zona de aterßDx³î¸j¸øą¸³DUDäD§Í lx³äDEøDäD§³DßxøÇDßDDą¸³DlxDîxßßD mento, onde derrete o gelo, criando uma pequena cavidade de água que permanece líquida a -2oC devido à enorme pressão de 740 metros
Plataforma de Gelo de Ross, 850 km de extensão
Plataforma de Gelo da Antártida Ocidental
Poço de perfuração Detritos ricos em carbono
de gelo acima. Cientistas presumiam que a cavidade, escura como breu, estaria praticamente destituída de vida devido à sua distância de 850 km da luz solar, necessária para microrganismos sustentarem uma teia alimentar. Mas, em janeiro, pesquisadores encontraram peixes e outras formas de vida complexa ali, que pareciam alimentar-se de sedimentos que se precipitavam do gelo ȲãwÞbS·iw¬TCÿ·JwãÓ÷wÞkCÉ.
Zona de aterramento Poço de perfuração, 740 m de profundidade
Água mais leve, menos salina ùÈDàD¹àDjmyààyïy´m¹ canais na face inferior do gelo
Água mais densa, mais salina, afunda e desliza ao longo do leito marinho
Mar de Ross
Leito marinho
Água derrete gelo e libera detritos sustentadores de vida na zona de aterramento
Um processo similar poderia existir em Europa, uma lua coberta de gelo que orbita Júpiter e que se acredita abrigar um oceano interno de água líquida sob 10 km a 20 km. Schmidt e outros encontraram evidências de fortes correntes oceânicas dentro de Europa, alimentadas pelas marés gravitacionais e pelo aquecimento friccional de Júpiter. Se essas correntes aquecem e derretem o lado inferior do gelo, isso poderia alimentar um ecossistema similar ao encontrado no Lago Whillans subglacial ou na zona basal ou de aterramento. As correntes quentes poderiam impulsionar um tipo de placas tectônicas, em que o gelo na superfície de Europa é reciclado de volta para o oceano interior, levando consigo um fluxo constante de oxigênio e outros compostos. A descoberta de animais na zona de aterramento levanta muitas questões. Powell quer estimar as correntes oceânicas e o calor que atinge esse lugar, o que revelará a taxa com que gelo em derretimento pode liberar (dispersar) novos alimentos. Uma série de instrumentos que Tulaczyk baixou no buraco de gelo quando ele voltou a fechar e congelar fornecerá mais informações sobre correntes oceânicas, ao monitorar a inclinação variável da plataforma de gelo resultante das marés diárias, transmitindo essas informações de volta semanalmente via link de satélite. Priscu e Christner dissecarão anfípodes e colherão “impressões digitais” do DNA do conteúdo Ilustração de Bryan Christie
de seus intestinos para descobrir de que os animais se alimentam. Eles também pretendem analisar DNA de microrganismos na água e lama para determinar que fonte de energia alimenta essa cadeia, ou redes alimentares – amônia, enxofre ou outras substâncias químicas. Powell espera voltar à zona de aterramento com um ROV maior, capaz de explorar o gelo mais profundamente, gravar vídeos e medir substâncias químicas na água. Zook espera colher alguns peixes e outros animais vivos. Mas, neste momento, ele simplesmente está feliz com o desempenho do Deep SCINI. “A regra de ouro [na Antártida] é que qualquer projeto tecnológico grande e inédito não funciona em seu primeiro ano”, ele me disse enquanto embalava suas coisas em janeiro. O sucesso do Deep SCINI “foi um pequeno milagre”. PA R A C O N H E C E R M A I S
®`à¹UD¨ y`¹åĂåïy® Uy´yDï ïy =yåï ´ïDà`ï` `y 3yyïÎ Brent C. Christner et al. em Nature, Vol. 512, págs. 310–313; 21 de agosto de 2014. Descobertas em curso sobre a vida sob o gelo da Antártida podem ser encontradas no site do Programa de Perfuração de Pesquisa de Acesso Subglacial ao Fluxo de Gelo Whillans: www.wissard.org D E N OSSO A RQU I VO
ÿm{´`Då m¹ myààyï®y´ï¹ D´ïEàï`¹Î Douglas Fox. Edição 123, agosto de 2012.
www.sciam.com.br 51
ELETRODOS DE OURO adornam uma célula solar de perovskita vermelha, do tamanho de um selo postal, porém muito mais fina, produzida pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
superando o silício ENERGIA
Um material emergente, a perovskita, poderia finalmente produzir células solares mais baratas e eficientes que a tecnologia prevalecente de silício Varun Sivaram, Samuel D. Stranks e Henry J. Snaith
Fotografias de Plamen Petkov
www.sciam.com.br 53
3D®ùy¨Î3ïàD´§å é fellow no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e explora as aplicações ópticas e eletrônicas de perovskitas.
y´àĂ Î3´Dïé professor de física na Universidade d 'ê{«ÍfrµÍ§ZµDDæÜ«ÍfDfrZr§ÜûZD§Dr¡µÍrÒD'ê{ Photovoltaics, da qual é cofundador.
ENTADO EM UM BAR MAL ILUMINADO NO JAPÃO, O ENTÃO ESTUDANTE DE GRADUAÇÃO MICHAEL Lee rabiscava em uma bolacha de cerveja ao cair da noite, anotando uma lista de ingredientes químicos antes que os esquecesse. Mais cedo naquele dia, cientistas da Universidade Toin de Yokohama generosamente haviam compartilhado sua inovadora receita para produzir células solares a partir de um novo material, chamado perovskita, em vez do habitual silício. As células tinham eficiência de apenas 3,8% para converter luz solar em eletricidade. Por isso, o mundo não tinha tomado conhecimento delas. Mas Lee estava inspirado. Após a missão de apurar fatos, em 2011, ele voltou ao Laboratório Clarendon, na Universidade de Oxford, na Inglaterra, onde nós três trabalhávamos à época, e fez uma série de ajustes na receita. As mudanças produziram a primeira célula de perovskita a superar a eficiência de 10%. Sua invenção desencadeou uma corrida de energia limpa equivalente à do petróleo, à medida que pesquisadores do mundo inteiro competiam para aumentar ainda mais a eficiência das células de perovskita. O recorde mais recente, de 20,1%, foi estabelecido pelo Instituto de Pesquisa Tecnológica Química da Coreia em novembro de 2014 e marcou um aumento de cinco vezes em eficiência em apenas três anos. Comparativamente, após décadas de desenvolvimento, o estado da arte das células solares de silício estacionou em aproximadamente 25%, um marco que pesquisadores da perovskita como nós temos claramente em vista. Também antecipamos uma estreia comercial, talvez através de uma empresa spin-off, como a Oxford Photovoltaics, que tem um de nós (Snaith) como cofundador. As perovskitas são tentadoras por várias razões. Seus ingredientes são abundantes, e os pesquisadores podem combiná-los facilmente, a preços módicos, a baixa temperatura, para produzir filmes, ou películas finas que têm uma estrutura alta-
mente cristalina, similar à obtida em wafers (bolachas) de silício após um dispendioso processamento a alta temperatura. Algum dia, rolos de filmes de perovskita finos e flexíveis, em vez de wafers de silício espessos e rígidos, poderão ser desbobinados rapidamente por impressoras especiais para produzir lâminas e revestimentos solares leves, maleáveis, e até coloridos. Ainda assim, para desafiar o domínio do silício, as células de perovskita terão de superar alguns obstáculos significativos. Os atuais protótipos têm apenas o tamanho de uma unha; pesquisadores terão de encontrar meios para torná-los muito maiores se a tecnologia tiver de competir com os painéis solares de silício. Eles também precisam melhorar muito a segurança e a estabilidade de longo prazo das células. Ou seja, trata-se de uma batalha difícil.
EM SÍNTESE
' å¨ `¹ vem dominando o mercado de painéis solares há décadas, mas protótipos de células de um material cristalino diferente, a perovskita, estão alcançando rapimD®y´ïy ¹å ®yå®¹å ´ ÿyå my y`{´`DÎ
54 Scientific American Brasil | Agosto 2015
Èyà¹ÿå§ïD pode ser mais barata que o silício. Produzida a temperaturas bem mais baixas, suas células podem ser enroladas ou esticadas e levar a mais variedades de produtos que as de silício, que são rijas.
$Då àD´myå myåD¹å Èyàååïy®Î Por exemplo, são necessárias técnicas para 幨Dà EùD my ¹à®D `¹´Eÿy¨ mD Èyà¹ÿå§ ta para impedir que as células se degradem em poucas horas.
' `ù®U¹, usado em pequenas quantidades nas células, precisa ser selado permanentemente por segurança. As células ïD®Uz® ï{® my `Dà ®ùï¹ ®D¹àyå ÈDàD Dù®y´ïDà åùD y`{´`D y´yàzï`DÎ
PÁGINA 54 E ESTA PÁGINA: AMOSTRAS FORNECIDAS POR MATTHEW T. KLUG Grupo Belcher E ANNA OSHEROV Grupo Bulovi, Instituto de Tecnologia de Massachusetts
da a indústria de painéis solares porque os meios eficazes para A CORRIDA PELA EFICIÊNCIA Hoje, as melhores células de silício têm eficiência de 25,6%. produzir a tecnologia são bem compreendidos. Quando fazem Por que células solares não conseguem converter 100% da ener- perovskitas, porém, pesquisadores podem ajustar à vontade o gia da luz solar? E por que as perovskitas deveriam ser capazes gap de energia ao modificarem ligeiramente a mistura de ingredientes, o que aumenta a perspectiva de exceder os níveis de efide suplantar o recorde do silício? As respostas a essas perguntas são encontradas numa partícu- ciência do silício. Pesquisadores também podem sobrepor pela excitável e errante, o elétron. Quando uma célula solar está no rovskitas diferentes com bandgaps distintos em camadas. Peescuro, os elétrons no material permanecem ligados a seus res- rovskitas de “dois andares” (double-deckers) deveriam ser pectivos átomos. Nenhuma eletricidade flui. Mas quando a luz so- capazes de ultrapassar o teto nominal de 33%; algumas projelar incide sobre uma célula, ela pode libertar alguns desses elé- ções indicam que elas poderiam aproveitar 46% da energia solar trons. Infundidos com energia, os elétrons “excitados” zanzam de- para produzir energia. sorientados pela treliça de cristal da célula até escaparem por uma de suas extremidades, capturados por um eletrodo como NOVOS TRUQUES PARA UM MATERIAL ANTIGO corrente útil, ou colidem com um obstáculo ou uma armadilha, Mineralogistas conhecem as formas naturais da perovskita perdendo sua energia em forma de calor residual. na crosta terrestre desde o século 19. Os cristais ganharam uma Quanto maior (mais pura) a qualidade do cristal, menos de- capa de Scientific American em 1988, quando cientistas julgafeitos existem para “descarrilhar”, ou frustrar a jornada do elé- ram que poderiam formar supercondutores de alta temperatutron. Em geral, células de silício são aquecidas a até 900oC para ra (algum trabalho nesse sentido prossegue até hoje). Durante as duas últimas décadas engenheiros remover defeitos. As perovskitas estambém criaram dispositivos eletrôtão, em grande parte, livres desses nicos experimentais com perovskitas defeitos, embora sejam processadas a produzidas pelo homem, mas não se temperaturas muito mais baixas, em o deram conta do potencial uso desse torno de 100 C. Como resultado, elématerial em células solares. trons excitados pela luz são igualFinalmente, em 2009, um grupo na mente bem-sucedidos em sair de céUniversidade Toin de Yokohama lulas de perovskita, e é improvável transformou em uma célula solar. que percam tanta energia ao longo uma versão feita pelo homem, uma do caminho quando colidem com perovskita à base de haleto de chumobstáculos. Como a potência elétrica bo sintetizada originalmente em 1978. de uma célula corresponde ao produOs pesquisadores dissolveram produto do fluxo de elétrons que saem dela tos químicos selecionados em um (a corrente) e da energia que esses meio líquido e depois centrifugaram e elétrons carregam (a voltagem), a efisecaram essa solução sobre uma lâmiciência das perovskitas pode rivaliFILMES DE PEROVSKITA podem ser multicona de vidro. A secagem depositou um zar com a do silício, com muito meloridos e poderiam ser aplicados a janelas ou parefilme de cristais de perovskita em esnos esforços de processamento. des, criando um matiz além de gerar eletricidade. cala manométrica sobre a lâmina, asMas existe um limite para a quansim como cristais de sal emergem da tidade de energia da luz solar que uma célula fotovoltaica feita de semicondutores como silício e evaporação de poças ou piscinas naturais de marés. Essa película perovskitas pode converter em energia elétrica. Isso se deve prin- gerou elétrons quando absorveu luz solar, mas não muito bem. cipalmente a uma propriedade de semicondutores chamada Por essa razão, os pesquisadores acresceram finas camadas do banda proibida ou gap de energia (bandgap, em inglês), um nível material aos dois lados dos nanocristais de perovskita para ajumínimo de energia necessária para liberar elétrons. A luz solar dá-los a transferir os elétrons para um circuito eléctrico externo, abrange todos os comprimentos de onda de luz, mas somente al- fornecendo energia útil. As primeiras e diminutas células tinham eficiência de apenas guns deles excedem o limite dessa banda proibida. Outros comprimentos de onda simplesmente passarão através do material, 3,8%, e eram altamente instáveis, deteriorando-se em poucas horas. Lee alterou a composição da perovskita e substituiu uma camas sem fazer nada. O gap de energia é diferente para diversos semicondutores, e mada problemática na célula, elevando a eficiência para mais de ele estebelece uma compensação fundamental: quanto mais bai- 10%. Outro grupo de pesquisadores, liderado conjuntamente por xo o bandgap, mais luz do espectro solar uma célula é capaz de Michael Grätzel, do Instituto Federal de Tecnologia Suíço, em absorver para excitar elétrons, porém mais baixa será a energia Lausanne, e Nam-Gyu Park, da Universidade de Sungkyunkwan, que cada elétron terá. Como a energia elétrica depende tanto do em Seul, na Coreia do Sul, fez um avanço similar. A recente progressão para 20% foi impulsionada por algumas número como da energia de elétrons, mesmo uma célula com o inovações engenhosas. Como criar uma película cristalina livre bandgap ideal só pode converter cerca de 33% de energia solar. O silício tem um bandgap fixo que não é ideal, mas ele coman- de defeitos requer métodos complicados de deposição, um grupo www.sciam.com.br 55
COMO FUNCIONA
Dois são melhor que um Em vez de competir comercialmente, as células solares de silício e perovskita poderiam operar em conjunto, convertendo luz solar em energia x§yîß`D`¸D¸ßx`z³`Dl¸ÔøxDäløDä tecnologias conseguem separadamente. Em uma célula em tandem, ou conjugada (à direita), uma camada de perovskita e outra de silício se conectam e geram elétrons com maior voltagem e mais energia do que qualquer um dos materiais criaria por si só. A perovskita e o silício também convertem diferentes comprimentos de onda de luz solar (abaixo), aproveitando efetivamente uma parte maior do espectro.
Espectro solar
Energia
Alta
Energia adicional convertida por célula de perovskita
Um fóton do Sol transfere energia para um elétron,soltando-o de um átomo e deixando um buraco,ou vazio,na estrutura.O elétron e o buraco se movem na direção de eletrodos opostos,criando uma corrente [elétrica].
Fóton de alta energia (comprimento de onda curto) Fóton de baixa energia (comprimento de onda longo) Vidro Selador/ Isolante e barreira de umidade Eletrodo transparente z¨ù¨D my Èyà¹ÿå§ïD
Na junção do túnel, elétrons e vazios (ou buracos) se neutralizam mutuamente, deixando seus parceiros originais escaparem através dos eletrodos.
Energia convertida por célula de silício
Baixa
Junção do túnel z¨ù¨D my å¨ `¹ Eletrodo metálico Selador/ Isolante e barreira de umidade Base, ou camada protetora de polímero
Curto Comprimento de onda Longo
liderado por Sang Il Seok, do Instituto de Pesquisa de Tecnologia Química da Coreia, inventou um processo multifásico que forçou a produção de um filme de cristal mais ordenado resultante da centrifugação da solução. Ao otimizar o processamento, Seok avançou por três recordes consecutivos de eficiência em 2014, saltando de 16,2% para 20,1%. Outros cientistas simplificaram a sobreposição em camadas de materiais acrescidos; as mais novas células de perovskita se parecem mais com uma célula de silício, uma simples pilha de camadas planas. No caso do silício, esse design possibilitou a produção em massa a baixo custo. Recentemente, pesquisadores de perovskita também aqueceram a solução e a lâmina de vidro sobre a qual ela é depositada, o que resultou em cristais que são várias ordens de grandeza maiores que os nas células iniciais; um sinal encorajador de que a cristalinidade ainda está melhorando. Cientistas também estão desenvolvendo algumas características inéditas. Variar a proporção química, por exemplo, pode criar células que têm um suave tom de amarelo ou um toque de carmesim. Depositar perovskita sobre vidro em “ilhas” (porções) em vez de em uma camada fina pode criar películas que são opacas, transparentes ou diversos graus intermediários. Juntas, essas opções, escolhas refrescantes em vez de células de silício rígidas, opacas, preto-azuladas, poderiam ajudar arquitetos a projetar claraboias, janelas e fachadas de edifícios que incorporassem coloridas películas, ou filmes solares de perovskita. Imagine um arranha-céu com janelas coloridas, matizadas, de perovskita que sombreiam o interior do calor da quente luz solar ao convertê-la em eletri56 Scientific American Brasil | Agosto 2015
Não desenhado em escala
cidade, reduzindo a conta de arrefecimento e proporcionando ao mesmo tempo energia elétrica. As perovskitas têm um longo percurso à frente antes de viabilizarem essas visões. Embora pesquisadores coreanos e australianos tenham demonstrado recentemente células imprimíveis que medem 10 cm por 10 cm, grandes o suficiente para produtos comercialmente competitivos, as células mais eficientes ainda são pequenos protótipos. À medida que laboratórios e empresas start-up aprimoram os dispositivos, eles têm de atender a três pré-requisitos para comercialização: garantir que as células sejam suficientemente estáveis para produzir eletricidade durante décadas; desenvolver um produto que clientes sintam ser seguro para colocar em suas casas e edifícios; e convencer críticos que advertem que as alegações sobre os níveis de eficiência da perovskita são infladas. O GRANDE DESAFIO
A estabilidade da célula solar desses novos materiais é, discutivelmente, seu calcanhar de aquiles. As perovskitas podem se deteriorar rapidamente porque são sensíveis a umidade; por isso, precisam ser encerradas em um invólucro vedado, à prova de água. Células fabricadas por nós em uma atmosfera inerte e encapsuladas em epóxi funcionaram estavelmente durante mais de mil horas quando expostas continuamente à luz. Pesquisadores da Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia na China, em colaboração com Grätzel, também atingiram mil horas, mesmo sem encapsulamento, e, em um trabalho publicado recentemente, eles instalaram painéis de teste ao ar livre na Arábia Saudita para mostrar que o design deles funcionará em condições do Ilustração de Jen Christiansen
mundo real. Em um recente encontro da Sociedade para Pesquisa de Materiais, em São Francisco, divulgamos resultados da Oxford Photovoltaics que demonstram que células de perovskita podem gerar uma produção (output) estável de energia por mais de duas mil horas sob plena luz solar. No entanto, a convenção industrial para painéis solares é uma garantia de 25 anos. Isso equivale a aproximadamente 54 mil horas sob constante e brilhante luz solar. Encontrar uma barreira eficiente contra umidade, que funcione por tanto tempo, em uma ampla faixa de temperaturas, é crucial. Resolveram o problema ao laminarem as células de silício entre chapas de vidro. Isso é perfeito para grandes instalações baseadas em solo. Mas como células de perovskita podem ser produzidas em forma de filmes muito mais leves e flexíveis que células sobre vidro, estratégias alternativas de encapsulamento podem ampliar o leque de aplicações, como revestimentos para paredes ou janelas que podem gerar eletricidade. Felizmente, alguns progressos foram alcançados por empresas que tentam comercializar outros materiais solares flexíveis, como o semicondutor feito de seleneto de cobre, índio e gálio (CIGS, na sigla em inglês). As tecnologias de encapsulamento funcionam bem, ainda assim empresas têm batalhado para conquistar uma fatia de mercado do silício porque as células são menos eficientes e custam mais. As perovskitas, que deveriam ter eficiências maiores e custos de processamento menores, talvez possam explorar os avanços de encapsulamento. Tão importante quanto isolar, ou impedir a penetração de umidade, é selar hermeticamente o conteúdo das células, devido às diminutas quantidades de chumbo adicionadas à receita de perovskita. Como o chumbo é tóxico, o mercado exigirá um elevado ônus de prova, ou apresentação de evidências que comprovem que a energia da perovskita é segura. Para se inspirar, pesquisadores podem olhar novamente para um material solar alternativo, o único além do silício que alcançou um sucesso comercial significativo: o telureto de cádmio. Produzidos pela First Solar, painéis de telureto de cádmio foram instalados em todo o mundo e excederam os padrões de segurança apesar da presença de um elemento muito mais tóxico que o chumbo: cádmio. A First Solar convenceu comunidades de que seus painéis são tão bem vedados que nenhum cádmio poderia escapar, nem em um incêndio descontrolado no deserto a 1.000oC. No entanto, esses painéis utilizam um substrato de vidro que exclui a flexibilidade e menor peso prometidos pelas perovskitas. Mas empresas que trabalham com perovskita podem aprender com o sucesso da First Solar em vedar e testar rigorosamente seus produtos. Um desenvolvimento encorajador relacionado a chumbo também emergiu recentemente do Instituto de Tecnologia de Massa-
chusetts (MIT): Angela Belcher e seus colegas demonstraram que baterias chumbo-ácidas de carros podem ser recicladas de forma segura, recuperando-se o conteúdo de chumbo para produzir células de perovskita. Esse resultado poderia ser um bônus ambiental. Belcher estima que o chumbo em uma única bateria de carro poderia permitir a produção de cerca de 700 metros quadrados de células de perovskita, o que, a uma eficiência de 20%, seria suficiente para abastecer de energia elétrica 30 casas em um clima quente, mas ensolarado, como o de Las Vegas. Uma abordagem diferente seria eliminar completamente o chumbo. Tanto o nosso grupo como outro, na Universidade Northwestern, publicaram relatórios preliminares sobre células que usam estanho em vez de chumbo. Mas sua eficiência e sua estabilidade são piores porque o estanho tende a fazer com que a perovskita perca sua estrutura cristalina com o tempo, dificultando ou bloqueando a capacidade de um elétron de sair da célula. Um grande avanço seria necessário para o estanho igualar o desempenho de longo prazo do chumbo. Além dos problemas listados aqui, pesquisadores têm de resolver um obstáculo menor, mais bizarro. Críticos têm alegado que os números de eficiência/rendimento para células de perovskita talvez sejam inflados devido à histerese, uma variação (jitter) na medição provavelmente causada por moléculas carregadas que migram de um lado da célula para o outro, o que poderia gerar a aparência de uma corrente maior. Mas essa migração de íons é muito breve, rápida. Cientistas estão buscando meios para interrompê-la, mas em curto prazo, há uma solução simples: esperar a migração passar e medir a eficiência durante um período mais longo. Na maioria dos casos, esse processo resulta em leituras de eficiência similares a mensurações rápidas, iniciais, mas pesquisadores podem ser tentados a relatar apenas o resultado mais alto das leituras. Estamos trabalhando com cientistas de todo o mundo para padronizar o processo de medição para que nossos resultados atendam a um alto padrão de escrutínio. Por fim, para ter sucesso comercialmente, inovadores de perovskita precisam chegar a uma relação econômica convincente para atrair os dólares de investimentos necessários para aumentar a produção. Embora materiais para perovskitas sejam abundantes e células possam ser processadas (transformadas) a baixas temperaturas em filmes produzidos por equipamentos de baixo custo, empresas de energia solar de perovskita não devem cair na armadilha de competir em pé de igualdade com o silício. Há pouco espaço para reduzir os preços de painéis de silício porque a maior parte do custo de uma instalação não está vinculada aos painéis, mas ao que é chamado de “equilíbrio de sistema”, que inclui materiais de instalação e mão de obra, licenças e inspeções, e outras despesas associadas à instalação do sistema. Em
Para ter sucesso comercialmente, os inovadores da perovskita precisam chegar a uma relação econômica convincente
www.sciam.com.br 57
2014, uma instalação solar residencial média nos Estados Unidos custava US$ 3,48 por watt de capacidade de geração de eletricidade, mas o custo do painel solar era de apenas US$ 0,72 por watt. Mesmo se painéis de perovskita alcançarem o baratíssimo preço de 10 a 20 centavos de dólar por watt, que pesquisadores julgam ser possível, esse avanço só reduziria o preço final instalado em uma pequena porcentagem. Mas empresas de perovskita podem se erguer com base nessas pequenas economias e crescer ao desenvolverem produtos que suplantem a eficiência do silício. Um painel solar altamente eficiente de perovskita reduz o custo instalado total por watt ao requerer menos terreno ou espaço de telhado e, portanto, menos mão de obra e equipamentos. Um exemplo ainda mais imaginativo de mudança de regras seria vender produtos de perovskita para aplicações em que o silício não pode competir, como filmes, ou películas, que pudessem ser integrados diretamente em materiais de construção para paredes, telhados e janelas. SOLUÇÃO HÍBRIDA
SENTIDO INVERSO
A rápida ascensão de células solares de perovskita inspirou cientistas e engenheiros a criar outros tipos de produtos prototípicos que, algum dias talvez também cheguem ao mercado. Trabalhando com nossos colegas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, recentemente criamos diodos emissores de luz (LEDs) e lasers utilizando perovskitas de haletos metálicos, que emitem luz de forma eficiente (em vez de absorvê-la) através de um processo chamado luminescência. Essa reviravolta não é realmente surpreendente: quando operada em sentido inverso, a célula solar mais eficiente do mundo, de arsenieto de gálio, funciona como um LED. Lasers, LEDs baratos e imprimíveis poderiam levar a aplicações interessantes e intrigantes, de iluminação em larga escala a imageamento médico. A pesquisa sobre esses produtos inéditos é incipiente, é claro, mas acreditamos que ela se tornará mais popular. As perovskitas fazem cientistas se sentir como crianças em uma loja de doces; encontramos um material cujas propriedades preenchem quase todos os requisitos em nossa lista de desejos, inclusive alta eficiência, baixo custo, peso leve, flexibilidade e apelo estético. Será preciso um esforço global, orquestrado, por parte de cientistas (acadêmicos), indústrias e governos para entender plenamente o potencial que as perovskitas têm para ir além da era do silício. Mas, em vista da recompensa ou do prêmio — energia barata, limpa e a próxima geração de dispositivos eletrônicos —, acreditamos que perovskitas são uma boa aposta.
Encontramos um material cujas propriedades preenchem quase todos os requisitos em nossa lista de desejos
Por enquanto, a melhor chance de perovskitas chegarem ao mercado talvez seja como aliadas em vez de concorrentes do silício. Perovskitas poderiam literalmente pegar carona no sucesso do silício, conquistando sua entrada num mercado de US$ 50 bilhões. Uma aliança desse tipo poderia ocorrer ao se acrescentar uma camada de perovskita diretamente sobre outra de silício, criando assim uma célula solar em tandem, ou conjugada. Perovskitas são boas em aproveitar as cores mais energéticas da luz solar, como azul e ultravioleta, que o silício não consegue captar, gerando uma voltagem muito maior em elétrons. Pesquisadores da Universidade Stanford e do MIT recentemente colocaram uma célula de perovskita sobre outra, selada, de silício e elevaram a eficiência original do silício de 11% para 17%. Eles também montaram uma célula em tandem ao depositarem perovskita sobre silício não selado, criando uma única estrutura. Essa combinação só atingiu 14% de eficiência, mas esse número certamente poderia melhorar com aprimoramentos de fabricação. Com base nos dois experimentos, os pesquisadores esboçaram um cenário em que uma célula em tandem feita com um componente estado da arte de silício e um dispositivo igualmente estado da arte de perovskita, combinados por engenharia inteligente, poderia ultrapassar 30% de eficiência sem qualquer mudança radical em qualquer uma das tecnologias. Se um painel solar em tandem pudesse alcançar uma eficiência de 30%, o impacto no custo do equilíbrio de sistema poderia ser enorme: somente dois terços (60%) do número de painéis seriam necessários para produzir a mesma quantidade de energia 58 Scientific American Brasil | Agosto 2015
com 20% de eficiência, reduzindo consideravelmente a quantidade de espaço de telhado ou terreno, materiais de instalação, mão de obra e equipamentos. A Oxford Photovoltaics, a empresa spin-off de Snaith, está formando parcerias com produtores tradicionais de células de silício para aumentar a eficiência desse material com um revestimento de perovskita sobre a célula de silício; a companhia visa a produção-piloto das células em tandem este ano ainda. Mais adiante, revestimentos solares baratos integrados em materiais de coberturas ou envidraçamento poderiam transformar toda a estrutura de custo de um edifício alimentado por energia solar.
PA R A C O N H E C E R M A I S
$yïD¨D¨my Èyà¹ÿå§ïyå ¹à ȹï¹ÿ¹¨ïD` D´m ¨ïy®ïï´ myÿ`yåÎ Samuel D. Stranks e Henry J. Snaith em Nature Nanotechnology, vol. 10, págs. 391–402; maio de 2015. ¹®È¹åï¹´D¨ y´´yyà´ ¹ Èyà¹ÿå§ïy ®DïyàD¨å ¹à Èyà¹à®D´`y 幨Dà `y¨¨åÎ Nam Joong Jeon et al. em Nature, vol. 517, págs. 476–480; 22 de janeiro de 2015. 5y y®yày´`y ¹ Èyà¹ÿå§ïy 幨Dà `y¨¨åÎ Martin A. Green, Anita Ho-Baillie e Henry J. Snaith em DWjkh[ F^ejed_Yi, vol. 8, págs. 506–514; julho de 2014.
M AT E M Á T I C A
O resgate do Teorema Enorme Antes de morrerem, matemáticos correm contra o tempo para as próximas gerações compreenderem as 15 mil páginas de uma misteriosa demonstração Stephen Ornes
Foto de Zachary Zavislak
www.sciam.com.br 59
3ïyÈy´'à´yå escreve sobre tópicos de µrÒÂæÒDr¡fèrÍÒDÒñÍrDÒ»3æDO«ÍDDÒ«OÍrD matemática Sophie Germain para jovens foi publicada em 2008. Vive em Nashville, Tennessee
MA VARIEDADE APARENTEMENTE INFINITA DE COMIDA ESTAVA ESPALHADA PELAS várias mesas da casa de Judith L. Baxter e seu marido, o matemático Stephen D. Smith, em Oak Park, Illinois, em uma sexta-feira fria de setembro de 2011. Canapés, almôndegas caseiras, pratos de queijo e camarões grelhados em espetos além de doces, patês, azeitonas, salmão com raminhos de endro e queijo feta envoltos em berinjela. As alternativas de sobremesa incluíam – mas não se limitava a – um bolo de limão com mascarpone e um bolo de abóbora africano. O sol se pôs, a champanhe fluía, e as 60 pessoas, metade delas matemáticos, comiam e bebiam e depois comiam um pouco mais. Aquela festa comemorava uma realização de alcance colossal. Quatro matemáticos no jantar – Smith, Michael Aschbacher, Richard Lyons e Ronald Solomon – tinham acabado de publicar um livro, com mais de 180 anos de preparação, que deu uma visão mais ampla do maior problema de divisão na história da matemática. Esse tratado não estava em nenhuma lista dos mais vendidos, o que era compreensível, dado o seu título: A classificação dos grupos finitos simples. Mas para algebristas, o tomo de 350 páginas foi um marco. Era a versão curta, um guia, dessa classificação universal. A prova plena alcança cerca de 15 mil páginas – alguns dizem que esse número é mais perto de 10 mil – que estão espalhadas por centenas de artigos de mais de 100 autores em periódicos científicos. A afirmação que ele apoia é conhecida, de forma bem adequada, como o Teorema Enorme. (O teorema em si é bastante simples. A prova é que é gigantesca.) A cornucópia na casa de Smith parecia uma forma adequada de honrar esse gigante. Essa é a maior prova de um teorema na história da matemática.
E agora ela está em perigo. Os trabalhos de 2011 apenas a esboçam. O peso incomparável da documentação real a coloca na borda oscilante do bom gerenciamento humano. “Eu não conheço ninguém que tenha lido tudo”, diz Solomon, 66 anos, que estudou a prova por toda a sua carreira. (Ele se aposentou da Universidade Estadual de Ohio há dois anos.) Solomon e os outros três matemáticos homenageados na festa podem ser as únicas pessoas vivas hoje que entendem a prova, e suas idades avançadas têm deixado a todos preocupados. Smith tem 67 anos, Aschbacher tem 71 e Lyons tem 70. “Estamos todos ficando velhos agora, e queremos escrever todas essas ideias antes que seja tarde demais”, diz Smith. “Podemos morrer, ou nos aposentar, ou apenas esquecer.” Essa perda seria, sim, enorme. Em poucas palavras, o trabalho traz ordem para a teoria de grupos, que é o estudo matemático de simetria. A pesquisa em simetria, por sua vez, é essencial para áreas científicas como a física de partículas moderna. O Modelo Padrão – a pedra angular da teoria que estabelece todas as
EM SÍNTESE
®D¹à Èà¹ÿD em matemática apoia a noção de que a simetria no Universo pode ser dividida em quatro categorias.
60 Scientific American Brasil | Agosto 2015
yà`D my À ®¨ ÈE´Då de artigos de mais de cem autores abrangem as referências do chamado o Teorema Enorme.
0¹ù`¹å y ÿy¨¹å yåïùm¹å¹å que entendem essa prova temem que morrerão antes de novas gerações virem a compreendê-la.
$Dïy®Eï`¹å ´`DàD® ù® È๦yï¹ de resgate para racionalizar a prova e salvá-la antes que o conhecimento desapareça.
SIMETRIA DO CUBO
Girar, girar, girar
Estado inicial 90°
90°
180°
Eixo de rotação Face-alvo (pintada)
90° 90°
180°
Faces
Existem três pares de faces opostas. Para cada eixo conectando um par, há três possíveis rotações: 90° para um lado, 90° para outro e uma indo 180°, resultando em nove rotações simétricas.
90° 90°
180°
Para entender a teoria de grupos – e como a simetria faz parte dela – voltemos nossa atenção a um cubo. O cubo tem seis faces, e você pode girar qualquer uma delas e o cubo parecerá o mesmo – ao menos enquanto você não pintar as faces – quando tiver terminado de girar. Há 24 possíveis rotações que preservam a simetria do cubo. O número limitado de rotações torna essa simetria, matematicax³îxjøßøǸ³î¸Í0DßDþxßǸßÔøxxĀäîxö rotações, siga os passos neste diagrama. Para mostrar as rotações, colocamos um eixo imaginário entre cada par de características opostas, ou siméîß`Däjl¸`øU¸i
D`xäjDßxäîDäx`D³î¸äÍ%¸xäîDl¸ inicial, ou posição um, a face-alvo está mais próxima de você. Em seguida, o cubo roda em torno de cada eixo (como mostrado por uma aba dentro do cubo e uma seta) para ilustrar a cada nova posição que o cubo mantém a simetria. Há 23 movimentos que podem ser adicionados ao inicial.
180°
180°
Arestas
180°
Porque o cubo tem 12 arestas, existem seis pares de arestas opostas. Um eixo conectando cada um desses pares pode girar apenas 180° e manter a simetria, produzindo assim seis rotações.
Cantos
O cubo tem oito cantos, por isso há quatro pares opostos. Cada eixo de ligação tem duas possíveis rotações para manter o cubo simétrico: 120° para um lado ou 120° para o outro ¨Dm¹Îåï¹å´`D mais oito rotações.
Ilustração de Nigel Holmes
180°
120°
120°
180°
120°
120°
120°
120°
120° 120°
www.sciam.com.br 61
partículas conhecidas na existência, as já encontradas TIPOS DE SIMETRIA e aquelas a serem ainda encontradas – depende das ferramentas fornecidas pela teoria de grupos. Grandes ideias sobre simetria nas menores escalas ajudaAs simetrias podem ser quebradas em unidades básicas. Conhecidas ram os físicos a descobrir as equações utilizadas em `¸¸ ßøÇ¸ä ³î¸ä äǧxäj x§Dä
ø³`¸³D `¸¸ x§xx³î¸äj ßxø³l¸ä x experimentos que revelariam partículas fundamendiferentes combinações para formar simetrias maiores e mais complicadas. tais exóticas, como os quarks, que se combinam para O Teorema Enorme organiza esses grupos em quatro famílias. Embora sua formar os bem conhecidos prótons e nêutrons. prova seja enorme, o próprio teorema é apenas uma frase que lista todos os A teoria de grupos também levou os físicos à ideia ÔøDî߸i Ù5¸l¸ ßøǸ ³î¸ äǧxä y ``§`¸ x ÇßxßD ¸ßlxj ø ßøǸ D§îxßinquietante de que a própria massa – a quantidade de ³D³îxj ø ßøǸ ³î¸ äǧxä l¸ îǸ lx "xj ¸ø ø l¸ä öé ßøÇ¸ä ³î¸ä ämatéria em um objeto, como esta revista, você e tudo o ples esporádicos”. que você pode segurar e ver – surgiu devido a uma que Ôø xäîE ø Ußxþx ßxäø¸ lxääDä
D§Däi GRUPOS CÍCLICOS estiveram entre os primeiros blocos de construção a serem bra de simetria em algum nível fundamental. Além discategorizados. Vire um pentágono regular em um quinto de um círculo, ou 72o, e so, essa ideia apontou o caminho para a descoberta da ele parecerá inalterado. Gire-o cinco vezes, e você estará de volta no início. Grupartícula mais celebrada nos últimos anos, o bóson de Ǹä ``§`¸ä äx ßxÇxîxÍ 'ä ßøÇ¸ä ³î¸ä äǧxä ``§`¸ä îzj `DlD øj ø Higgs, que pode existir apenas se simetria quebrar nas número primo de elementos. Os grupos cíclicos com mais de dois números pares escalas quânticas. A noção desse corspúsculo nasceu de membros podem ser divididos ainda mais, logo, eles não são simples. da teoria de grupos na década de 1960, mas ele só foi GRUPOS ALTERNANTES vêm da alternância dos membros de um conjunto. descoberto em 2012, depois das experiências no GranUm grupo completo de simetrias contém todas as permutações, ou comutações. de Colisor de Hádrons, perto de Genebra. Mas um grupo alternante contém apenas metade deles – os que têm um número A simetria é o conceito de que certos objetos popar de comutações. Por exemplo, digamos que você tenha um conjunto de três ³ùx߸äi ¿j ö x ðÍ Āäîx äxä
¸ßDä l
xßx³îxä lx xä`ßxþxß xääx `¸³¥ø³î¸i É¿j öj ðÊj dem passar por uma série de transformações – girar, (1, 3, 2), (2, 1, 3), (2, 3, 1), (3, 1, 2) e (3, 2, 1). O grupo alternante contém três delas. Em se dobrar, se refletir, se mover pelo tempo – e, ao final termos de simetria, cada um destes arranjos pode corresponder a uma sequência de todas elas, permanecerem inalterados. Ela está de simetrias (isto é, gire o cubo, em seguida, sobre o seu lado, e assim por diante). em todo o Universo, da configuração do quark ao arGRUPOS DO TIPO LIE, nomeado em homenagem a Sophus Lie, matemátiranjo das galáxias no Cosmos. `¸ l¸ äy`ø§¸ ¿´j `¸xcD D `Dß Dä `¸Ç§`Dl¸äÍ §xä xäîT¸ ßx§D`¸³Dl¸ä O Teorema Enorme demonstra com precisão mate`¸ `¸äDä `DDlDä ßøǸä lx "x ³³î¸äÍ 'ä ßøÇ¸ä ³³î¸ä ³`§øx Dä mática que qualquer tipo de simetria pode ser quebrarotações de um espaço em si que não mudam seu volume. Por exemplo, exisdo e agrupado em uma entre quatro famílias, de acorîx ³³îDä D³xßDä lx ßDß øD ߸äÔø³D äx D§îxßDß D Çß¹ÇßD ߸ä`DÍ 'ä do com características comuns. Para matemáticos deD³E§¸¸ä ³î¸ä lxäîxä ßøÇ¸ä ³³î¸ä äT¸ ¸ä ßøǸä l¸ îǸ "x x ¸øîßDä palavras, a rosquinha em um grupo do tipo de Lie permite apenas um númedicados ao estudo rigoroso da simetria, ou teóricos de ߸ ³î¸ lx ߸îDcÆxäÍ D¸ßD l¸ä ßøÇ¸ä ³î¸ä äǧxä `D ³xääD
D§DÍ grupos, o teorema é uma realização não menos arreba%x ßøǸä lx "x ³³î¸ä ³x ¸ä ßøǸä l¸ îǸ "x xäîT¸ §îDl¸ä Kä ³¸ätadora, importante ou fundamental do que é a tabela sas triviais três dimensões. Pronto para falar sobre as simetrias que surgem periódica dos elementos para os químicos. No futuro, em um espaço de 15 dimensões? Então olhe para os grupos a seguir. ele pode levar a outras descobertas profundas sobre o GRUPOS ESPORÁDICOS compõem a família de “errantes”. Eles incluem 26 tecido do Universo e a natureza da realidade. aberrações que não se alinham perfeitamente com as outras famílias. (ImagiExceto, evidentemente, que ele é uma bagunça: as ne isso como se a tabela periódica dos elementos tivesse uma coluna de “eleequações, corolários e conjecturas da prova estão esmentos hereges”.) O maior desses grupos esporádicos, chamado de o Monspalhados em meio a mais de 500 artigos de revistas, tro, tem mais de 1053 x§xx³î¸ä x Ǹlx äxß ßxÇßxäx³îDl¸ x§x³îx x 196.883 dimensões. É desconcertante e bizarro, e ninguém realmente sabe o alguns enterrados em grossos volumes, cheios de Ôøx ää¸ ä³`Dj Dä y ÇxßîøßUDl¸ß Çx³äDß ä¸Ußx x§xÍ Ù5x³¸ øD
øßîþD uma mistura de grego, latim e outros caracteres utiliesperança, uma esperança sem o apoio de quaisquer fatos ou qualquer evizados na densa linguagem da matemática. Adicione dência”, escreveu o físico Freeman Dyson em 1983, “que em algum momento a isso o caos advindo do fato de que cada colaborador no século 21 os físicos tropeçarão no grupo do Monstro, construído de alguescreve em seu próprio estilo idiossincrático. ma forma insuspeita na estrutura do Universo.” 2Ì &Ì Essa confusão é um problema porque, sem todos os pedaços da prova na posição correta, a totalidade O esboço de 2011 elaborado por Smith, Solomon, Aschbacher treme. Para efeito de comparação, imagine os dois milhões de pedras da grande pirâmide de Gizé espalhados a e Lyons era parte de um ambicioso plano de sobrevivência para esmo em um trecho do Saara, com apenas algumas pessoas que tornar o teorema acessível para a próxima geração de matemátisaibam como elas se encaixam. Sem uma prova acessível do Te- cos. “Até certo ponto, a maioria das pessoas nos dias de hoje traorema Enorme, futuros matemáticos teriam duas alternativas ta o teorema como uma caixa-preta”, lamenta Solomon. O grosmuito perigosas: simplesmente confiar na prova sem saber so desse plano exige uma linha de prova que junta todas as pemuito sobre como ela funciona ou reinventar a roda. Nenhum ças díspares do teorema. O plano foi concebido há mais de 30 matemático jamais estaria confortável com a primeira opção, e anos e está terminado agora apenas pela metade. Se um teorema é importante, sua prova também o é duplaa segunda seria quase impossível.
Quatro famílias enormes
62 Scientific American Brasil | Agosto 2015
mente. Uma prova estabelece a confiabilidade honesta de um teorema e permite que um matemático convença outro, mesmo quando separados da verdade de uma declaração por continentes ou por séculos. Além disso, essas declarações geram novas conjecturas e provas, do mesmo modo que o coração colaborativo da matemática remonta a milênios. Inna Capdeboscq, da Universidade de Warwick, na Inglaterra, é um dos poucos pesquisadores mais jovens a mergulhar no teorema. Aos 44 anos, de fala mansa e confiante, ela se ilumina quando descreve a importância de verdadeiramente compreender como o Teorema Enorme funciona. “O que é uma classificação? O que significa dar-lhe uma lista?”, ela pondera. “Sabemos o que é cada objeto dessa lista? Caso contrário, a lista será apenas um monte de símbolos.” SEGREDOS PROFUNDOS DA REALIDADE
AO RESGATE (a partir da esquerda): Os matemáticos Ronald Solomon, Richard Lyons, Michael Aschbacher e Stephen D. Smith temem que podem ser as últimas pessoas a compreender a prova um tanto sem coerência do Teorema Enorme, a menos que criem uma versão simplificada.
Os matemáticos começaram a sonhar com a prova pelo menos desde a década de 1890, quando um campo novo chamado teoria de grupos tomou forma (ver quadro na página ao lado). Em matemática, a palavra “grupo” se refere a um conjunto de objetos ligados uns aos outros por alguma operação matemática. Se você aplicar essa operação a qualquer membro de um grupo, o resultado ainda será outro membro desse mesmo grupo. Simetrias, ou movimentos que não mudam a aparência de um objeto, se encaixam nessa conta. Considere, como exemplo, que você tenha um cubo com todos os lados pintados da mesma cor. Gire o cubo 90o – ou 180o ou 270o – e o cubo se parecerá exatamente como quando você começou. Vire-o de cima para baixo, e ele ainda parecerá inalterado. Saia do quarto onde você está e deixe um amigo entrar e girar ou jogar o cubo – ou executar qualquer combinação de giros que ele quiser – e quando você voltar, você não saberá o que seu amigo fez com o cubo. Ao todo, existem 24 rotações distintas que deixam um cubo inalterado. Essas 24 rotações formam um grupo finito. Os grupos finitos simples são análogos a átomos. Eles são unidades básicas para a construção de outras coisas, maiores. Grupos finitos simples se combinam para formar grupos finitos maiores e mais complicados. O Teorema Enorme organiza esses grupos da mesma forma que a tabela periódica organiza os elementos. Ele diz que todo grupo finito simples pertence a uma de três famílias – ou a uma quarta família cujos membros exibem comportamentos selvagens. Os maiores desses membros, chamados de monstros, têm mais de 1053 elementos e existem em 196.883 dimensões. (Há ainda todo um campo de pesquisa chamado “monstrologia” em que pesquisadores procuram sinais da besta em outras áreas da matemática e das ciências.) Os primeiros grupos finitos simples foram identificados em 1830, e na década de 1890 matemáticos fizeram novos avanços para encontrar mais desses blocos de construção. Os teóricos também começaram a suspeitar que todos os Ilustração de Stavros Damos
grupos poderiam ser colocados juntos em uma grande lista. Os matemáticos no início do século 20 lançaram as bases para o Teorema Enorme, mas as entranhas da prova não se materializaram até meados daquele século. Entre 1950 e 1980 – um período que o matemático Daniel Gorenstein, da Universidade de Rutgers, chama “Guerra dos Trinta Anos” – o campo da teoria de grupos avançou mais do que nunca, quando encontrados vários grupos finitos simples e agrupando-os em famílias. Esses matemáticos empunhavam manuscritos de 200 páginas como facões algébricos, cortando pequenos resumos para revelar as mais profundas fundações da simetria. (Freeman Dyson, do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, em Nova Jersey, referiu-se a esse período de descoberta dos estranhos e belos grupos como um “magnífico jardim zoológico.”) Aqueles eram tempos inebriantes: Richard Foote, então estudante de pós-graduação na Universidade de Cambridge e agora professor da Universidade de Vermont, uma vez encontrava-se em um escritório inóspito e testemunhou dois teóricos famosos – John Thompson, agora na Universidade da Flórida, e John Conway, hoje na University de Princeton – esmiuçando os detalhes de um grupo particularmente difícil de manejar. “Foi incrível, como dois titãs com relâmpagos saindo de seus cérebros”, recorda Foote. “Eles pareciam nunca se perder em alguma técnica absolutamente maravilhosa e totalmente divertida para fazer alguma coisa. Foi de tirar o fôlego.” Foi durante essas décadas que dois dos maiores marcos da prova ocorreram. Em 1963, um teorema estabelecido pelos matemáticos Walter Feit e John Thompson fornecera uma receita para encontrar mais grupos finitos simples. Após essa descoberta, em 1972, Gorenstein estabelecera um plano de 16 passos para provar o teorema. O enorme projeto colocaria, de uma vez por todas, todos os grupos finitos simples em seu devido lugar. www.sciam.com.br 63
Isso envolvia colocar juntos todos os grupos finitos simples conhecidos, encontrar os que faltavam, depois colocar todas as peças em categorias apropriadas e, finalmente, provar que não poderia haver quaisquer outros. Era grande, ambicioso, indisciplinado e, disseram alguns, implausível. O HOMEM COM O PLANO
TEORIA DE GRUPOS
A matemática das conexões As origens da teoria de grupos estão inextricavelmente ligadas à tragédia. Elas começaram no século 19, com Évariste Galois, um revolucionário francês impulsivo cuja paixão para derrubar a monarquia de seu país era tão grande quanto sua paixão por avançar a matemática o mais longe possível. Em sua adolescência, Galois explorou formas inovadoras de resolver equações, que o levaram a encontrar pontes entre campos distintos da matemática – quando ele não estava na prisão, claro. Galois foi brilhante, mas não teve sorte. Morreu com a idade de 20 anos em 1832, vítima de um tiro no estômago recebido durante um duelo por um interesse amoroso. Os historiadores têm especulado que o duelo pode ter sido uma tentativa de assassinato, ou um suicídio encenado, ou um trágico exemplo dos perigos de um amor não correspondido. Mas estudos recentes sugerem que apenas uma das pistolas estava carregada, e esta não era a empunhada pelo jovem gênio. “Eu morro vítima de uma coquete infame e seus dois tolos”, ele escreveu em uma carta uma noite antes do duelo. Em outra carta escrita naquela mesma noite, ele expôs muitas de suas ideias sobre grupos. Ao longo do próximo século x x¸j D îx¸ßD l¸ ßøǸ ¸ßxä`xø D ÇDßîß lxääDä ù§îDä ÇD§DþßDä lx ø
No entanto, Gorenstein era um algebrista carismático, e sua visão energizou um novo grupo de matemáticos – com ambições nem simples nem finitas – que estavam ansiosos para deixar sua marca. “Ele era uma grande personalidade”, diz Lyons, que está na Rutgers. “Ele era tremendamente agressivo na forma como concebia os problemas e as soluções. E ele era muito persuasivo em convencer outras pessoas a ajudá-lo.” Solomon, que descreve seu primeiro encontro com a teoria de grupos como “amor à primeira vista”, conheceu Gorenstein em 1970. A Fundação Nacional da Ciência estava hospedando um instituto de verão em teoria de grupos no Bowdoin College, e a cada semana matemáticos consagrados eram convidados para o campus para dar uma palestra. Solomon, que na época era estudante de pós-graduação, recorda a visita de Gorenstein vividamente. Aquela celebridade matemática, recém-chegada de sua casa de veraneio em Martha’s Vineyard, era eletrizante na aparência e na mensagem que passava. “Eu nunca tinha visto um matemático em calças cor-de-rosa-vivo antes”, Solomon lembra. Em 1972, diz Solomon, a maioria dos matemáticos pensava que a prova não seria dada antes do final do século 20. Mas no prazo de quatro anos, o fim estava próximo. Gorenstein creditou, em grande parte, os métodos inspiradores e ritmo febril de Aschbacher, que é professor no Instituto de Tecnologia da Califórnia, para acelerar a conclusão da prova. Uma razão pela qual a prova é tão grande é que ele prevê que a sua lista de grupos finitos simples está completa. Isso significa que a lista inclui todos os blocos de construção possíveis, e não há mais nada. Muitas vezes, provar que algo não existe – como provar que não há outros grupos – é mais trabalhoso do que provar que algo existe. Em 1981, Gorenstein declarou que a primeira versão da prova estava terminada, mas sua comemoração foi prematura. Um problema surgiu com um pedaço de 800 páginas, particularmente espinhoso, e foi preciso algum debate para resolvê-lo com sucesso. Ocasionalmente, matemáticos reivindicam terem encontrado outras falhas na prova ou terem encontrado novos grupos que quebrariam as regras. Até agora essas reivindicações falharam em derrubar a prova, e Solomon diz que está bastante confiante de que ela sobreviverá. Gorenstein logo percebeu quão espalhada, emaranhada e desorganizada a documentação do teorema tinha se tornado. Isso foi o produto de uma evolução aleatória. Assim, ele persuadiu Lyons – e em 1982 os dois emboscaram Solomon – a ajudar 64 Scientific American Brasil | Agosto 2015
a moldar uma grande revisão, uma apresentação mais acessível e organizada, que seria a chamada prova de segunda geração. Seus objetivos eram dispor sua lógica e evitar que as futuras gerações tivessem de reinventar os argumentos, diz Lyons. Além disso, o esforço reduziria as 15 mil páginas da prova para algo em torno de 3 mil ou 4 mil. Gorenstein imaginou uma série de livros que recolheriam ordenadamente todas as peças díspares e dinamizaria a lógica ferrenha sobre idiossincrasias além de eliminar as redundâncias. Na década de 1980, a prova era inacessível para todos, exceto para os veteranos que a estavam forjando. Os matemáticos haviam trabalhado nela por décadas, apesar de tudo, e gostariam de compartilhar seu trabalho com as gerações futuras. A prova de segunda geração daria a Gorenstein um caminho para amenizar suas preocupações de que seus esforços seriam perdidos em meio a livros pesados em bibliotecas empoeiradas. Gorenstein não viveu para ver a última peça ser colocada no lugar, muito menos para erguer uma taça na casa de Smith e Baxter. Ele morreu de câncer de pulmão em Martha’s Vineyard em 1992. “Ele nunca parou de trabalhar”, Lyons lembra. “Tivemos três conversas um dia antes de ele morrer, tudo sobre a prova. Não foram despedidas ou nada; tudo era negócio.” PROVANDO NOVAMENTE
O primeiro volume da prova de segunda geração apareceu em 1994. Era um texto mais expositivo do que de matemática padrão e incluía apenas duas das 30 seções propostas que abrangeriam inteiramente o Teorema Enorme. O segundo volume foi publicado em 1996, e os subsequentes continuaram a aparecer – o sexto apareceu em 2005. Foote diz que as peças da segunda geração se encaixam melhor do que os blocos originais. “Os componentes que apareceram estão escritos de forma mais coerente e mais bem organiza-
homem morrendo. Dentro de décadas, tornou-se um campo bem estabelecido. 7 ßøǸj x DîxEî`Dj y øD `¸§xcT¸ ³T¸ xäÇx``DlD lx ¸U¥xî¸ä Ôøx estão ligados por alguma operação. Os números inteiros, por exemplo, fazem um grupo ligado por meio da adição. Rotações de uma forma geométrica que preserva a sua aparência também formam um grupo (ver artigo principal). A química usa a teoria do grupo para descrever simetrias de um cristal ou de uma estrutura molecular, o que é fundamental para a compreensão das propriedades físicas de um material. E a matemática usada em elaboração e quebra de códigos, como os usal¸ä x `ßÇî¸ßDD lx `Dþx ÇùU§`Dj lxÇx³lx lD îx¸ßD lx ßøǸäÍ Após a morte de Galois, os matemáticos correram para construir, desconstruir e estudar grupos. Primeiramente, pode ter parecido um exercício abstrato, mas no início do século 20 a matemática Emmy Noether encontrou uma conexão entre simetria – isto é, teoria de grupos – e as leis de conservação da física. (A energia não pode ser destruída ou criada, por exemplo.) Seu brilhante trabalho pavimentou o caminho para físicos teóricos usarem a teoria de grupos para compreender melhor a simetria subjacente às partículas fundamentais – e para prever a existência de muitas outras que ainda não tinham sido descobertas. A teoria de grupos cresceu além dos limites das coisas misteriosas e se tornou uma ferramenta poderosa para compreender o tecido da realidade.
dos”, diz ele. “Numa perspectiva histórica, é importante ter a prova em um único lugar. Caso contrário, torna-se uma espécie de folclore, em certo sentido. Mesmo se você acreditar que há uma prova, torna-se impossível de verificar.” Solomon e Lyons estão terminando o sétimo livro neste verão, e um pequeno grupo de matemáticos já fez incursões no oitavo e nono. Solomon estima que a prova simplificada terá 10 ou 11 volumes, o que significa que apenas um pouco mais do que metade da prova revisada foi publicada. Solomon observa que os 10 ou 11 volumes ainda não cobrirão totalmente a prova de segunda geração. Mesmo a nova e simplificada versão inclui referências a volumes suplementares e a teoremas anteriores, provados em outros lugares. Em alguns aspectos, é essencialmente a natureza cumulativa da matemática: cada prova é um produto não só de seu tempo, mas de todos os milhares de anos de pensamento que vieram antes. Em um artigo de 2005 na Notices of the American Mathematical Society, o matemático E. Brian Davies, do King’s College London, apontou que a “prova nunca foi escrita em sua totalidade, pode nunca ser escrita, e como se prevê atualmente, não seria compreensível para qualquer pessoa sozinha”. Seu artigo trouxe a ideia desconfortável de que alguns esforços matemáticos podem ser demasiado complexos para serem entendidos por meros mortais. As palavras de Davies levaram Smith e seus três coautores a montar o livro, comparativamente conciso, que foi celebrado na festa em Oak Park. A prova do Teorema Enorme pode estar além do escopo da maioria dos matemáticos – para não falar de amadores curiosos – mas seu princípio organizador fornece uma ferramenta valiosa para o futuro. Os matemáticos têm um hábito de longa data de provar verdades abstratas décadas, se não séculos, antes de elas se tornarem úteis fora do campo da matemática. “Uma coisa que faz com que o futuro seja interessante é
que ele é difícil de prever”, observa Solomon. “Gênios virão juntamente com ideias que ninguém da nossa geração teve. Há essa tentação, esse desejo e sonho, que alguma compreensão mais profunda ainda esteja lá fora.” A PRÓXIMA GERAÇÃO
Essas décadas de pensamento profundo não só avançaram a prova; eles construíram uma comunidade. Judith Baxter – especializada em matemática – diz que essa turma de teóricos forma um grupo social incomum. “As pessoas da teoria de grupos são muitas vezes amigas ao longo da vida inteira”, ela observa. “Você as vê em reuniões, viaja, vai a festas com elas, e é realmente uma comunidade maravilhosa.” Não é de surpreender, que esses matemáticos que viveram a emoção de terminar a primeira iteração da prova estejam ansiosos para preservar suas ideias. Assim, Solomon e Lyons têm recrutado outros matemáticos para ajudá-los a terminarem a nova versão e preservá-la para o futuro. Isso não é fácil: muitos matemáticos mais jovens veem a prova como algo já feito, e eles estão ansiosos por algo diferente. Além disso, trabalhar em reescrever uma prova já estabelecida requer um tipo de entusiasmo imprudente para a teoria de grupos. Solomon encontrou em Capdeboscq uma devota familiar para o campo, uma de um punhado de matemáticos mais jovens carregando a tocha para a conclusão da prova de segunda geração. Ela se encantou pela teoria de grupos depois de assistir a uma aula de Solomon. “Para minha surpresa, eu me lembro de ter lido e feito os exercícios e pensado o quanto tinha adorado. Foi lindo”, diz Capdeboscq. Ela foi “viciada” em trabalhar na prova de segunda geração depois de Solomon pedir sua ajuda para descobrir algumas das peças faltantes que acabariam se tornando parte do sexto volume. Racionalizar a prova, diz ela, permite que matemáticos procurem abordagens mais simples para problemas difíceis. Capdeboscq compara o esforço a refinar um rascunho. Ele, Lyons e Solomon colocaram o plano, mas ela diz que é seu trabalho, e também o de alguns outros jovens, ver todas as peças caírem em seus devidos lugares: “Temos o roteiro, e se o seguirmos, ao final a prova deverá sair.” PA R A C O N H E C E R M A I S
3Ă®®yïàĂ D´m ïy ®¹´åïyài ¹´y ¹ ïy àyDïyåï Õùyåïå ´ ®Dïy®Dï`åÎ Mark Ronan. Oxford University Press, 2006. 5y yÕùDï¹´ ïDï `¹ù¨m´Ýï Uy 幨ÿymi ¹Ā ®Dïy®Dï`D¨ y´ùå må`¹ÿyàym ïy ¨D´ ùDy ¹ åĂ®®yïàĂÎ Mario Livio. Simon & Schuster, 2005. Uày åï¹àĂ ¹ ïy `¨Dåå`Dï¹´ ¹ ïy ´ïy å®È¨y à¹ùÈåÎ Ronald Solomon em Bulletin of the American Mathematical Society, vol. 38, no 3, páginas 315 a 352, 2001. www. ams.org/journals/bull/2001-38-03/S0273-0979-01-00909-0 5y `¨Dåå`Dï¹´ ¹ ïy ´ïy å®È¨y à¹ùÈåi D Èyàå¹´D¨ ¦¹ùà´yĂi ïy yDà¨Ă ĂyDàåÎ Daniel Gorenstein em A Century of Mathematics in America, Parte I. Organizado por Peter Duren, com a assistência de Richard A. Askey e Uta C. Merzbach. American Mathematical Society, 1998. www.ams.org/samplings/math-history/hmath1-gorenstein33.pdf
www.sciam.com.br 65
CIÊNCIA EM GRÁFICO Holanda Suíça Bélgica ¨y®D´D
ïE¨D
àD´cD Portugal
Áustria
Irlanda 2y´¹ 7´m¹
ùà¹ÈD 'ày´ïD¨ ÊÈDà`D¨Ë
åÈD´D
Grécia
åïDm¹å 7´m¹å Ê`¹´ï ù¹åË
´mD
DÈT¹
´D
O tamanho real da África Mapas planos mais comuns mostram o continente muito menor do que é
66 Scientific American Brasil | Agosto 2015
Groenlândia 75°
60° 45° 30°
2
15° Equator
FONTE: KAI KRAUSE
Em um mapa-múndi plano, a Groenlândia parece ser tão grande quanto a África, que na verdade é 14 vezes maior. A distorção surgiu de um método matemático, conhecido como projeção de Mercator, que converte a superfície esférica da Terra em um prático retângulo bidimensional. O resultado é que as áreas das superfícies continentais ficam mais superdimensionadas à medida que se aproximam dos polos. A África deveria ser mostrada como maior do que muitos grandes países juntos. Para corrigir essa distorção, Kai Krause, designer e autor, elaborou um quebra-cabeça para mostrar as verdadeiras relações entre massas continentais (acima). Saber a verdadeira dimensão da África nos ajuda a entender como pode ser difícil resolver os problemas de pobreza e seca desse enorme continente. – Mark Fischetti
Gráfico de Bryan Christie e Kai Krause