Coleção ELOS Dirigida por J. Guinsburg
ANA AN A TOL ROSENFEL D
Estrutura e Problemas da Obra Literária SISBI/UFU
1000195349
10 anos de Equipe de realização — Revisão: Alice Kyoko Miyashiro; Capa: A. Lizárraga.
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EDITORA EDITORA PERSPECTIVA PERSPECTIVA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ....................... .................................... ......................... ......................... ......................... ................
7
A ESTRUTURA DA OBRA LITERÁRIA ................................
9
I.
A Crítica e seu Objeto ....................... .................................... ......................... .................. ......
9
II.
AEstru AEstrutura tura da Obra Obra de A r t e ....................... ................................... ...................... ..........
10
1. Os atos de apreciação ............... ........................ ........... ......................... ............
10
2. O ser do objeto ..................... ................................ ....................... ....................... ................. ......
13
............................................... ........................... ... 3. A definição definição de Hegel .......................
15
................................... .................. ...... AEstrutura AEstrutura da Obra Literária .......................
16
1.
Abstenção da intenção valorizadora ........... ..............
16
2.
As camadas camadas da obra lite rá ria ........................ .................................... ................ ....
18
camada sonora .......... ............. ............ ............ ............
19
A camad camada a das das unidades unidades signif icativ as......................
20
III.
Direitos reservados à EDITORA PERSPECTIVA S. A. Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025 01401 — São Paulo Paulo — Brasil Brasil Telefone: 288-8388 1976
3. 4.
A
5. Excurso: Excurso: a lógica da ficção
........................ ............................... .......
24
6. ; As unidades significativas e oscontextos os contextos objetos . .
26
7.
A camada camada das objetualidades objetualidades ....................................
29
8.
Os aspectos esquematizados ....................... ................................... ................ ....
32
9.
As camadas mais profundas ....................................
34
IV.
O Problema dos Valores ....................................................
36
V.
Conclusão Conclusão ....................... .................................. ...................... ........................ ........................ .................... .........
37
DISCUSSÃO ........................ .................................... ......................... ........................... ........................... ...................... .........
41
PROBLEMAS LITERÁRIOS ...................... ........... ........................ ......................... ..................... .........
53
I.
Essência e Função da Literatura Literatura ....................................
53
II.
Literatura Literatura e Sociedade ........................ .................................... ....................... ................. ......
56
III. III .
.................................... ........................ ................... ....... Literatur Literaturaa e Ideologia ........................
58
IV.
Crítica, Teoria e Histórias Literárias .............................
63
V.
.................................... ........................ ........................ .............. O Papel da Crítica ........................
65
A P R E S E N T A Ç Ã O
Neste Nest e livro reunimos reunim os dois trabalh tra balhos os de Anato An atoll RosenRose nfeld. O primeiro, apresentado aprese ntado no Segundo Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária de Assis em 1961, realizado sob os auspícios da Faculdade de Filosofia, Ciên cias e Letras de Assis, vem acompanhado, inclusive, dos debates que suscitou suscitou na ocasião. Trata-se, Trata-s e, sem dúvida ne nhuma, de importante contribuição para o estudo da teo ria da literatura e da estrutura da obra literária. Quanto ao segundo, depoimento publicado no “Su plemento plem ento Literá Lit erário rio”” n.° 495 de O Estado de S. Paulo, Paulo, sin tetiza de forma notável alguns dos principais aspectos e posições de Rosenfeld Rose nfeld no campo cam po da crítica críti ca e das artes. Nem é preciso prec iso acrescent acres centar ar de quão atuais são os dois escritos, fato este que representa, a nosso ver, a maior homenagem que se pode prestar ao pensamento e à pro dução do Autor. Por outro lado, a escolha dos dois trabalhos de Ana tol Rosenfeld, para abertura da Coleção ELOS, diz por si só do sentido e do âmbito que a Editora Perspectiva pre tende imprimir nessas publicações. J. G u i n s b u r g
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A ESTRUTURA ESTRU TURA DA OBRA OB RA LITERÁ LIT ERÁRIA RIA I. A CRÍTICA CRÍTICA E SEU OBJETO
E. R. Curtius confessa, em qualquer parte, que a valorização, o juízo de valor, o ato fundamental da Crí tica dependem, em última análise, de um “contato irracio nal” . De fato, o indicador imediato do valor estético po sitivo é uma emoção — um prazer, fascínio ou gozo es pecíficos, mais ou menos intensos. intensos . Se o prazer pra zer estético estétic o fosse um prazer hedonístico a Crítica consistiria na aná lise dessa dessa experiência subjetiva. Chegaríamos então à verdade acaciana de que os gostos não se discutem. No entanto, o prazer estético é rigorosamente referido ao ob jeto, jeto , à obra; obra ; é nela que reside resid e o valor que suscita suscit a a nossa valorização. Se a Crítica é a tentativa tentati va de motivar e “justif/car” essa valorização, ela consistirá essencialmente na «riálise e na interpretação do objeto em que reside o valor. O conhecimento da estrutura fundamental desse objeto parece, parec e, pois, imprescindível impres cindível ao crítico crític o para par a que possa exercer a sua sua função de modo consciencioso consciencioso.. É este o
sentido da afirmação de T. S. Eliot de que não é digno de ser lido o crítico cuja análise não se move entre estas questões polares: “Que é a poesia em geral?” e “Este poem a será bom?” bom ?” Contudo, Cont udo, a indagaçã inda gaçãoo sobre a “poesia “poes ia em geral” leva ao problema do ser específico da obra literária. Somente a análise da sua estrutura estrut ura fundamental pode pod e determi dete rminar nar — sem imposição impos ição de normas norm as — os mo mentos que imprimem a determinadas obras literárias ó traço distintivo de obras de arte literárias. No entanto, tal investigação leva, por sua vez, à indagação sobre o ser específico da obra de arte em geral. Vê-se, portanto, que a motivação conscienciosa do prazer praz er irraciona irrac ionall que sentimos ao ler um pequeno peque no poem a nos conduz necessariamente aos problemas fundamentais da estética. A Crítica não formulará em geral esses pro blemas blema s de modo explícito. Entre En tretan tanto, to, não há, há , de fato, fato , nenhuma Crítica digna de ser chamada assim, cujo hori zonte mais amplo não envolva tais indagações, ainda que elas não sejam focalizadas e tematizadas. II. A ESTRU TURA DA OBRA DE ARTE 1.
OS ATOS DE APRECIAÇ ÃO
Os adeptos da fenomenologia, antes de dirigirem a sua atenção à própria obra de arte, dedicaram-se durante várias décadas à análise dos atos de apreciação da obra. Recorrendo em certa medida a essas pesquisas, Nicolai Hartm ann1 destaca o entrelaçamento entrelaçamento íntimo de de vários atos que constituem a unidade total da apreciação estética. 1.
Ha h t m a n n,
Nicolai,
Aesthe tik. Berlim,
1953.
Deve-se discernir a percepção propriamente dita — que na apreciação da obra literária é de importância secun dária, já que se refere em geral apenas aos sinais tipográ ficos — e a imediata autotranscendência da percepção por obra obr a de atos de preenchim preen chimento, ento, complement compl ementação, ação, uni uni ficação, etc., — atos que ultrapassam o sensivelmente dado em direção a algo que não é propriamente dado, mas apenas sugerido sugerido ou “co-dado” . Trata-se Trata -se de uma es pécie de “olhar “o lhar através” atra vés” do dad dadoo sensível. Tal autotranscendência da percepção verifica-se tam bém na experiência experiê ncia não-estétic não-es tética, a, por po r exemplo, ao “ver “ver mos” a ira de uma pessoa que cerra os punhos. Na ex periência periê ncia estética, estétic a, porém, porém , essa visão “através “atr avés de” de ” reves te-se de determina das peculiaridades. De certo modo, ela torna-se essencial, mas sem que perca o contato com os dados sensíveis. sensíveis. Através deles se “revela”, como na visão comum, um ser que não é sensivelmente dado. Mas esta revelação é tão intimamente ligada à percepção, que se pode falar fala r da “imediatid “imed iatidade ade do mediado med iado”. ”. Enqua En quanto nto na experiência cotidiana, devido à orientação “interessada” e à imposição de valores práticos e vitais, a nossa visão passa pass a através atrav és do sensível quase sem notá-lo, notá-l o, dirigindo-se dirigindo- se ao que “interessa”, por exemplo, à realidade psíquica de uma pessoa (seu caráter, sua desconfiança, sua ira, etc.), ao valor útil de um bosque (quando se trata de um ne gociante de madeira) ou à topografia deste mesmo bos que (quando se trata de um engenheiro de estradas de ferro), verifica-se na experiência estética, como tal “de sinteressada”, uma espécie de repouso na totalidade do objeto, na unidad e do sensível sensível e do não-sensível. não-sensível. O dado sensível não é mera passagem quase não percebida, mas detém nossa visão (ou audição), impõe a sua presença, devido à organização e à seleção peculiares de seus ele
mentos e à direção especial que imprime à nossa atenção. Por isso não é muito feliz a expressão de N. Hartmann, ao falar da “transparê ncia” da camada sensível sensível.. Desta forma prende-se intimamente à “superfície” sensível ou ao que aparece através dela. Esta Es ta superfície, na expe riência cotidiana apenas mero meio sem função destacada, torna-se na experiência estética parte integrante da visão total. À unidade dos atos de apreensão estética associa-se o prazer especificamente estético, o prazer “desinteressa do”, segundo a expressão de Kan Kantt Este prazer, embora inteiramente subjetivo, indica algo objetivo, já que se re fere, enquanto estético, rigorosamente à obra, associado como está aos aos atos de apreensão. No contexto desses atos, o estado mais ou menos prazenteiro é o momento indicador do valor, a forma primária e imediata da cons ciência da qualidade (o u falta de qualidade) estética. Sem este momento não se estabeleceria propriamente contato com a esfera estética. estética. É precisamente na “motivação poster pos terior” ior” desse prazer praz er ou desprazer, despr azer, através atrav és da análise e da interpretação do objeto estético, que consiste, em essência, a Crítica. Merece ainda destaque o fato de que na experiência estética o homem volta, de certo modo, a uma visão ar caica do mundo; a experiência é acompanhada de fortes tonalidades emocionais, dir-se-ia míticas, como na expe riência da criança: os sons e as cores, o uivar do vento no palco, a sombra da floresta num quadro revestem-se de caráter emocional, são carregados de Stimmung, mood, disposições anímicas; são “ameaçadores”, “majestosos”, “serenos”, etc. Mas tais emoções emoções têm apenas caráter “simbólico”. Não nos sentimos sentimos realmente ameaçados. ameaçados. Sabemos que tudo é “ficção”, “mimese” — não-reali-
dade. Apesar de retroceder retrocede r de certo modo a um estado mais primitivo, o apreciador mantém plenamente a posição da consciência “civilizada”. Em bora de certa forma identificado com o objeto, sabe-se distanciado dele. Não há a famosa famo sa “ilusão” “ilu são” da realidade, reali dade, nem mesmo no teatro, pelo menos no caso do apreciador adequado, que sabe perfeitamente que está diante de um mundo lúdico, “emoldurado”, isto é, separado do mundo empírico como qualquer campo de futebol. futebol. Por mais intenso que seja o prazer, por maior que seja a identificação comovida com o objeto, a distância da contemplação, a consciência do sujeito de estar em face face de um objeto, nunca são eli minadas. No prazer estético verifica-se uma síntese que supera a contradição de distância e envolvimento emocio nal. A distância é “suspensa” no sentido hegeliano: ela permanece perm anece e é “elevada” “ele vada” a um estado estad o Superior Superio r de síntese entre a contemplação serena e participação emocional. 2. O SER DO OBJETO
A análise dos atos de apreciação conduz necessa riamente à análise do objeto. De fato, o prazer deixa de ser estético no momento em que se separa do objeto c se perde no autogozo do próprio estado subjetivo, como ocorre particularmente a muitos amantes hedonísticos da música que utilizam a obra apenas como ponto de partida dns suas divagações. Sc a apreensão estética se constitui de atos de percopçflo e de atos que transcendem a mera percepção, pa rece necessário atribuir-se ao objeto estético um modo dc ser heterogêneo. Realme Rea lmente nte dada é somente a super-
fície sensível (objeto da percepção propriamente dita); somente esta esta camada tem tem autonomia ôntica. ôntica. No entanto, através dessa camada real real transparecem outras camadas que não têm autonomia ôntica ôntica.. Estas camadas camadas não têm o modo de ser ideal plenamente autônomo, de um triân gulo, por exemplo. Não lhes cabe o caráter intem poral dos seres matemáticos ou das estruturas lógicas, já que toda obra de arte é criada em certo momento temporal. Mas tampouco lhes cabe o modo de ser real, visto de pendere pen derem m da presença pres ença do apreciad apre ciador or adequado adeq uado e se atu a lizarem somente por graça dos seus atos intencionais. Contudo ainda menos podem ser confundidas com os atos do apreciador. O ser específico dessas camadas não pode ser reduzido ao ser real de processos psíquicos. psíquicos. Realidade Realidad e psíquica psíq uica tem apenas apena s os atos mediante med iante os quais o aprecia apreci a dor apreende o objeto, bem como as vivências que acom pan ham esses atos. Esses atos, porém, porém , visam ao objeto objet o estético que não tem ser psíquico. Qualquer red ução psicologizante da obra de arte a processos psíquicos do apre ciador ou autor é completamente excluída. A obra é uma e a mesma, por mais variados que sejam os atos de apre ciação, as atualizações e concretizações dos apreciadores. Isso já se evidencia no fato de que consideramos algumas atualizações como mais adequadas do que outras. Ade quadas a quê? Evidentemente à obra. Devemos, portanto, considerar a obra de arte como um ser estratificado em várias camadas, cabendo à pri meira, à “camada de frente” — tela, cor, sons como su cessão meramente acústica, mármore, os atores de uma peça peç a — o modo mod o de ser real, real , ao passo que as camadas cama das que através da primeira “transparecem” e que precisam ser atualizadas pelo apreciador têm um modo de ser que, para pa ra abreviar abrev iar a indagação, indaga ção, podemos podem os cham ar de “irreal “irr eal”. ”.
A camada real existe “em si”, as camadas irreais somente “para nós”. Esta estrutura de camadas heterogêneas cabe, aliás, a todas as objetivações espirituais — a instrumentos, pré dios de residência, bandeiras, documentos quaisquer. No entanto, nestes, o “espírito” objetivado no material sen sível aparece em geral de uma forma pouco distinta e inexpressiva. inexpressiva. Quando se trata trat a de um documento literário qualquer, a relação entre a camada quase-sensível das palavras palavra s (ou sensível quan quando do o texto text o é lido de viva voz voz)) c o significado das palavras é puramente casual, conven cional, de modo que a intenção passa, quase sem notar essa essa camada, diretamente diretamente ao “sentido”. Na obra de arte, além de ela constituir a manifestação sensível mais pode rosa do espírito nela fixada, a relação entre as camadas é menos convencional, apresenta necessidade interna e é de grande firmeza. Em casos extremos, a mais ligeira ligeira mo dificação da camada mais exterior destrói o significado de toda a obra. obra. Exemplo corriqueiro corriqueiro é o problema da tradução. 1. A DEFINIÇÃ O DE HEGEL
Assim podemos de certo modo concordar com a ex pressão press ão de Hegel de que a obra obr a de arte se afigura afigu ra como o “luzir sensível da idéia” (mais exatamente: o “parecer” »cnsívcl da idéia), na medida em que Hegel quer signifiCUf que os planos de fundo — os mais espirituais — se ligam nu obra de arte de um modo indissolúvel à sua singular. É sem formu dc aparecer concreta, individual, singular. (JÚvidu u isso que se refere Croce ao usar o termo “intulçflo". tulçflo". Essa íntima ligação é, é, por si só, só, um critério de
valor estético. De fato, o prazer estético não se refere à “idéia” que aparece, como pensaram Platão e, em grau menor, o próprio Hegel, devido ao seu preconceito intelectualista. Tampouco Tam pouco se liga apenas à camada sensível, sensível, que nem chega a ser propriamente “forma”, já que é preciso preci so transp tra nsp ortar ort ar a pura pu ra percepção perc epção para pa ra chegar-se chegar- se a algo que se poderia chamar “form a”. O prazer refere-se, ao contrário, à totalidade do objeto ou, mais de perto, ao modo de aparecer da “idéia” (o termo “idéia” natural mente não deve ser entendido apenas no seu sentido meta físico, mas abrange todo o mundo imaginário e as pró prias estrutur estr uturas, as, tensões, harm onias oni as e relações relaçõ es dinâmicas dinâm icas que aparecem através da camada sensível). A obra de arte é, portanto, um objeto que reúne dois modos de ser profundamente heterogêneos: um ser real (plano de frente) e camadas irreais que aparecem apenas ao apreciador, mas que, ainda assim, se ligam rigorosa mente à camada real. Apesar dessa heterogeneidade, o objeto se apresenta na experiência estética como unidade e totalidade. É precisamente a experiência dessa harmo harm o nia polifônica que é valorizada no prazer estético. III. A ESTRUTURA DA OBRA LITERÁRIA 1.
ABSTENÇÃO DA INTENÇÃO INTENÇÃO VALORIZADORA
Na obra de Roma Ro mann Ingarden2, Ingard en2, a estrut est rutura ura da obra obr a literária é analisada, aliás cerca de duas décadas antes de aparecer a Estética Estética de N. Hartmann, segundo uma teoria semelhante de camadas. Todavia Toda via o autor esforça-se 2.
I n g a b d e n , Roman. Das Literari sche Kunstwe rk.
Tübingen, 1960.
( 2.a ed.),
para pa ra pôr em parêntes parê ntesee a enfocação enfoc ação valorizado valor izadora, ra, abstenabste ndo-se da intentio intentio propriamente estética. estética. A crítica que que René Wellek3 lhe dirigiu, embora se apóie em larga medida em Ingarden, não parece inteiramente justificada. Wellek afirma, com razão, que não podemos “compreen der e analisar qualquer obra de arte sem referência a va lores. lores. O próprio fato de eu reconhecer reconhecer certa estrutura como uma ‘obra de arte’ implica um juízo de valor. . . Esse erro de análise vicia o penetrante livro de Roman Ingarden que tenta analisar a obra de arte sem referência a valores”. No entant ent antoo o fato é que Ingard Ing arden en se propõe pro põe a tarefa tare fa de apresentar uma ontologia geral de toda obra escrita ou composta de palavras e orações, para dentro deste continente descobrir o país das “belas-letras” em geral, onde nasce tanto o romance de aventuras de qualidade ínfima como como um soneto de Camões ou Petrarca. E é muito curioso que a própria análise geográfica e geoló gica deste país leva ao esboço dos limites da pequena província prov íncia onde com alta probabil prob abilidad idadee se devem situar situa r as minas de ouro. Com efeito, efeito, a obr a de Ingarden mos tra, passo a passo, na análise da estratificação ôntica da obra literária, as zonas onde podem encontrar-se os va lores estéticos; o horizonte estético serve sempre de ponto de referência, embora a intenção fundamental seja somen te a de uma “anatomia essencial” das “belas-letras” e mesmo das obras literárias no sentido mais amplo, in cluindo cartas, obras científicas, memórias, etc. Neste sentido, trata-se também de descobrir as diferenças fun damentais entre não-ficção e ficção — se tomarmos o W e l l e k , René e W a h r e n , Austin. Theory of Literature. 3. Nova York York,, 1949. (Especialmente (Espec ialmente Cap. XII, “The mode of existence of a literary work of art”).
termo “ficção” na acepção mais lata, incluindo todos os gêneros da arte literária ou da literatura imaginativa, não apenas o gênero narrativo. 2. AS CAM ADAS DA OBRA LITERAR LITERARIA IA
Se pusermos de lado a camada dos sinais tipográficos impressos no papel — que na obra literária, no entanto, é a única camada real e a única realmente perce bida, bida , a não ser que a obra obr a seja reci tada tad a ou apre apr e sentada no palco — encontramos como camadas já “irreais”: 1) a dos fonemas ou sonoridades sonoridades verbais verbais e das configurações sonoras de ordem superior (ora ções) que se se baseiam nos nos primeiros; primeiros; 2) a das uni dades significativas de vários graus; 3) a dos múltiplos “aspectos esquem atizados” (que, quando quando^^ especialmente “preparados”, determinam as concretizações do leitor); 4) a das “objetualidades” representadas, isto é, do con texto de objetos representados pelas unidades significati vas ou, mais de perto, pelos correlatos intencionais das orações, os chamados Sachverhalte, Sachverhalte, termo que talvez se possa poss a traduz tra duzir ir por “contextos “conte xtos objetuais obje tuais”, ”, os quais são “projetados” pelas unidades significativas das orações. São esses “contextos objetuais” que determinam nos tra ços mais gerais as “objetualidades”, por exemplo, o mun do imaginário de um poema. A estas camadas devem ser acrescentadas várias outras, as dos significados espi rituais mais profundos que transparecem através das ca madas anteriores, principalmente através da camada do mundo imaginário de um romance, poema ou peça tea tral. Isto é, o mundo representado representado torna-se por sua vez vez representativo para algo além dele.
3. A CAMADA SONORA
Na descrição descri ção do material mat erial sonoro, sonoro , dos fonemas fonem as e da inter-relação entre fonemas e significados, é dedicada par ticular atenção à qualificação das palavras que desem penham penh am pap papel el preferenc prefe rencial ial na obra ob ra de arte literári lite rária, a, mercê merc ê da sua função expressiva, caracterizadora e representa tiva. Do tipo das palavras empregadas depende o caráter peculiar pecu liar da camada cam ada sonora sono ra de determi dete rminada nada obra, obr a, sonori sono ri dade que e co-dada e “percebida” pelo ouvido interno na leitura da obra impressa. impressa. O tipo desta desta sonoridade determinará o modo como a camada puramente lingüís tica desempenha seu papel em face das outras camadas da obra. Talvez se possa dizer — como já foi sugerido sugerido antes — que a riqueza dessa camada tende a prender o raio da atenção em certo grau a esse aspecto mais sensí vel da vel da obra de arte literária, ao passo que na obra literária em geral essa camada nem sequer é percebida, servindo apenas para suscitar a passagem direta aos objetos vi sados. A primeira unidade autônoma da obra literária na turalmente não é a palavra e sim a oração, de modo que um novo estudo deve ser aplicado às “configurações so noras” constituídas pelas orações e, concomitantemente, ao ritmo ritmo e ao “tempo” daí decorrentes. decorrentes. A seleção seleção e or dem específicas dos fonemas determina as qualidades rít micas da oração e do texto, impondo certos “imperati vos” ao eventual recitador recitad or e mesmo ao leitor. leitor. Os diversos diversos ritmos produzem o “tempo” imanente, imanente, velocidade ou len tidão, leveza, peso ou inércia do texto, — momentos que naturalmente independem da velocidade variável da reci tação ou leitura individuais individuais no tempo empírico. Acres centam-se ainda as qualidades melódicas produzidas prin-
2432 cipalmente pela sucessão das vogais; depois o mood, a atmosfera e disposição anímica que, embora já não de ordem puramente sonora, se “fundam” em parte nas qua lidades sonoras: caracteres como “triste”, “melancólico”, “vivaz”, “alegre”, etc., os quais, certamente condiciona dos em parte pelos significados, podem, contudo, em certa medida, ter origem sonora. Notamos a presença de tais qualidades emocionais na própria camada sonora precisa mente nos casos em que tais qualidades não não afinam ou se chocam com as qualidades emocionais que se mani festam nas outras camadas da obra; o que tanto pode re sultar em deficiência estética como em recurso de frisson, paródi par ódiaa ou deformaçã defor maçãoo grotesca. A camada sonora é parte importante da polifonia em que as várias camadas entram nas mais variadas re lações de harmonia, tensão e dissonância. Ela não é apenas meio para par a a revelação das outras camadas. Sua falta implicaria uma modificação considerável da obra. Ontologicamente, ela sustenta as outras camadas (se não tomarmos em consideração os sinais tipográficos), em bora bor a a camada cam ada propriam prop riam ente constitut cons titutiva iva seja a das uni dades significat significativas. ivas. É graças à função função constituinte da camada camad a significativa significativa que a tradução é possível. possível. Mas a impossibilidade de uma tradução inteiramente adequada, em se tratando de uma obra de arte literária, mostra a função importante da camada sonora. 4. A CA MA DA DAS UNIDADES UNIDADES SIGNIFICATIVAS
É impossível abordar aqui, mesmo apenas resumida mente, as análises minuciosas dos significados dos vários tipos de palavras. De interesse peculiar é contudo nos
substantivos o momento da caracterização existencial e o momento da posição existencial. A caracterização caracterização exis tencial dos significados “a capital do Brasil” e Ham let, por po r exemplo, é a da realidad real idadee e não da idealidade ideal idade de um triângulo. A posição posição existencial de Ham let, let, no entanto, é que ele não existe de fato, sua existência é apenas fic tícia; mas se existisse, o seu modo de ser seria o da rea lidade. Já “a “ a capital do Brasil” contém em geral a in tenção de ser o fato e realidade existente. Mas se ela aparece num romance ou numa fita narrativa, a sua po sição sição existencial se modifica. No contexto fictício, ela se torna também ficção ficção e desempenha desempenha um papel. papel. Ainda assim, ela conserva a caracterização caracterização de um ser real e não ideal. No entanto enta nto,, é só na oração oraç ão que se configuram config uram as unidades significativas superiores, com suas várias funções de expressão, comunicação, representação e influenciação, — funções funçõe s que foram fora m analisadas analis adas por Husserl, Huss erl, Biihler Biihle r e muitos outros pensadores. A qualidade específica da ora ção reside na sua função total: graças a esta é projetado um correlato da oração, um contexto objetual ( Sach Sach-verhalt). Este contexto objetual é transcendente ao mero mero conteúdo significativo da oração, mas encontra nele seu fundam ento ôntico. O correlato objetual, projetando projetan do por exemplo na oração “Maria é loira”, deve ser rigorosa mente diferenciado da “loira Maria” que pode existir in dependentemente da oração, numa esfera ôntica autôno ma. A oração como tal projeta um contexto objetual, ou seja, um correlato puramente intencional intencional que tanto pode visar a Maria real como a Maria imaginária. imaginária. O contexto objetual puramente intencional é projetado mercê de vá rios atos ou mercê de uma oração que encerra em si o ato puramente intencional intencional do autor. É nestes nestes atos — ou
orações — que tais contextos objetuais puramente inten cionais têm a sua origem, não importando se eles se re ferem a seres onticamente autônomos ou não. Quando seres autônomos se tornam alvo de um ato tornam-se objetos “também intencionais” intencionais” (e não puramente inten cionais), já que não existem por graça do ato e têm plena autonomia, mesmo quando se tornam alvo de um ato de percepção perce pção ou representa repre sentação. ção. A diferença fundamental entre a obra de ficção em sentido lato e qualquer outro texto reside, evidentemente, no fato de que na primeira as orações projetam contextos objetuais e, através destes, seres e mundos puramente intencionais que não se referem, a não ser de um modo muito indireto, a seres “também intencionais”, isto é, on ticamente autônomos, ou seja, a realidades que indepen dem da obra literária. literária. Na obra de ficção, ficção, o raio da in tenção detém-se nestes seres puramente intencionais, so mente se referindo em eventuais atos posteriores ou mar ginais a qualquer tipo de realidade extraliterá ria. Já nas orações de outros escritos, por exemplo, da obra de um historiador, os contextos objetuais puramente intencionais não têm, por si só, nenhum “peso” ou densidade: o raio da intenção passa através deles diretamente aos seres “também intencionais” , isto é, é, à realidade histórica. Os contextos objetuais puramente intencionais, contidos nas orações de uma obra científica ou mesmo de uma notícia de jornal, de uma carta, reportagem, etc., constituem juí zos; isto é, as objetualidades puramente intencionais por eles projetadas pretend pret endem em corresponder exatamente aos seres reais ( ou ideais) a que se referem. Há, nestas ora ções, enquanto juízos, a intenção da “verdade” o que lhes confere uma “seriedade” específica.
Todavia a estrutura lógica lógica das orações da ficção pa rece ser a mesma das obras científicas. científicas. As orações de um romance parecem ser juízos da mesma forma como as da obra de um historiador. Nas orações como como tais não parece haver nenhuma indicação revelando se o raio da intenção deve deter-se nos seres puramente intencio nais ou se, passando através deles, deve visar a seres “também “també m intencionais”. As orações não revelam na sua estrutura, ao que parece, a intenção do autor, a não ser que esta própria intenção, ou seja, o respectivo ato psí quico, sé transforme por sua vez em objeto, através de palavras palav ras como “rom ance” anc e”,, “dram “dr ama” a” , “nov “novela” ela” , etc., co locadas locadas na capa do livro. livro. Tal indicação transforma os juízos da obra obr a em “qu “quase-juí ase-juízos” zos”,, isto é, em juízos fictí cios. cios. Sabemos agora que as orações não têm “intenç ão séria”. O autor convida o leitor a deter o raio da inten ção na imagem dá lçtira Maria, sem buscar correspondên cias exatas com qualquer-personalidade real deste mesmo nome. Sem dúvida, ainda assim a imagem terá algum sentido “mimético”, referir-se-á a algum tipo de realidade. Mas essa referência será indireta e não poderá ser com parad par adaa à do juízo “sério” “sér io”.. Evidentemente, ao lermos uma obra ficcional costu mamos saber isso, mesmo sem que a intenção fictícia seja indicada na capa do Íivror-AÉ paradoxalmente a inr tensa tensa “a par ênc ia^d a realidadâ ou ao menos a força de convicção do mundo imaginário, isto é, dos seres pura mente intencionais, o vigor dos detalhes, a veracidade dos momentos concretos e particularizadores que revelam a intenção fictícia. Através de tais caracteres constituía-se a verossimilhança, coerência interna e força de convicção do texto fictício e esses caracteres serão parte importante da análise análise crític crí tica. a. Sabemos que se se trata tra ta de ficção quando
lemos uma oração como esta: “Enquanto Alexandre fa lava estas palavras, fitando o céu que escurecia lenta mente, Aristóteles esboçava um sorriso fino”. fino” . Nenhuma Nenhum a obra histórica poderia conter orações semelhantes, preci samente por causa dos detalhes demasiado “reais”. Mas, tais diferenças não parecem atingir a estrutura lógica da oração. 5. EXCURSO: A LÚGICA DA FICÇÃO
Káte Ham burger4 tentou encontrar critérios critérios ima nentes, logicamente relevantes que revelassem a estrutura ficcional de uma obra literária, em face de outra, de ca ráter não ficcional ficcional.. A autora consegue consegue demonstrar até certo ponto que o narrar épico é, categorialmente, de ou tra ordem que o enunciar do historiador, do correspon dente de um jornal e de outros autores de enunciados sobre seres reais. O momento estrutural estrut ural que constituiria a própria essência da ficção é o desaparecimento do Eu enunciador real das orações, Eu real que, situado no ponto zero do sistema de coordenadas espácio-temporal, projeta, por po r exemplo no caso de um historia hist oriador, dor, a partir par tir deste ponto pon to zero o mundo mund o pas sado sad o histórico, histó rico, através atra vés de pre térito plenamente plenamente “real”. Ao desaparecer, desaparecer, na ficção ficção nar rativa, o enunciador real, o sistema de coordenadas es pácio-tem páci o-tem poral pora l é identificado identif icado com uma um a das personagens person agens fictícias. Tal Ta l fato explica orações peculiares que nunca poderia pod eriam m oco ocorrer rrer em enunciados enunc iados reais reai s ou juízos de histo histo riadores riadore s ou outros cientistas. Por exemplo: “Ela enfei 4 .
Kâte. Di e Logi k der Dichtu ng. Stuttgart, Lógic a da Criação Literári a, São Paulo, Ed.
H a m b u r g e r ,
1957. Trad. bras.: A Perspectiva, 1975.)
tava a árvore; amanhã e ra N atal”; “ . . .and of course he was coming to her party tonight” (Virgínia Woolf, Mrs. oito horas”. Dalloway)-, “A manobra de ontem durara oito Obviamente, advérbios como ontem, hoje, amanhã, etc., somente têm sentido quando empregados a partir do pon to zero da orientaçã orie ntaçãoo de quem está falando. faland o. Qua Quando ndo usados num texto literário, indicam que este ponto zero se deslocou do autor para as personagens — o que só pode ocorrer ocorr er na ficção. A oração oraç ão “Am anh anhãã era Na tal ” só é possível porque o “amanhã” é enunciado ou pensado a partir do presente da personagem que enfeita a árvore. Concomitantemente o pretérito perde a sua função real de pretérito, mas é mantido como substrato fictício da narração. Num contexto contexto real, a oração “A manobra de ontem durara oito horas” exigiria exigiria o verbo “durou”. No contexto fictício impõe-se um mais-que-perfeito fictício, já que o advérbio advérb io “ontem” “onte m” requer req uer o perfeito. perfeit o. Somente o historiador poderia usar o mais-que-perfeito num sen tido real, mas ele teria de substituir “manobra de on tem . . . ” pela express expressão ão “manobra do dia anterior”. Pelo exposto segue que não há na ficção um narrador real face a um campo de seres seres autônomos. Este campo existe somente graças ao ato narrativo. narrativ o. O narrador narrado r da ficção não é sujeito real de enunciados; é manipulador da função funçã o narrativa, narrativa, como o pintor é manipulador do pincel pince l e da cor; não narra, nar ra, portan por tanto, to, de de pessoas e de coi sas, mas narra pessoas e coisas. A teoria de Hamburger apóia-se, em última análise, na verificação de que as personagens, ao se tornarem ponto pon to zero de orientaçã orien tação, o, deixam deixa m de ser “objetos” “obj etos” , pas sando a ser “sujeitos”, isto é, seres que sabem dizer “Eu”. “A rainha se lembrava neste momento das palavras que ela dissera ao rei” — tal oração não pode ocorrer no
escrito de um historiador, já que este, nos seus juízos, somente pode referir-se a objetos. As teses da obra de Hamburger são apíesentadas com grande sagacidade. No entanto, a aplicação das suas teorias a certos tipos de romances modernos, narrados na voz do presente e apresentando as personagens como objetos, é bem difícil. difícil. Mais complica da se revela a apli cação à literatura dramática que, com razão, considera igualmente ficção. ficção. No entanto, entant o, exclui do campo ficcional a poesia lírica e os romances e novelas narrados na forma do Eu. Na poesia lírica tratar-se-ia tratar-se-ia de enunciados enunciados sobre sobre realidades (embora bem subjetivos), enfim de enuncia dos “existenciais” “existenciais” emanando de um sujeito real. Na nar nar ração em forma de Eu o pretérito seria autêntico, exis tencial, e os objetos referidos não seriam, como na ficção, não-realidades e sim sim realidades “fingidas”. Na ficção, (incluindo o drama), teríamos “mimese da realidade”; na poesia, poesia , “enunciad “enu nciados os sobre a realida rea lidade” de” ; e nos romances roman ces em formas de Eu “mimese de enunciados sobre a reali dade”. Por mais sutil que seja a argumentação argumentação da autora, as suas teorias se afiguram extremamente artificiais e, em alguns casos, sumamente duvidosos. 6. AS UNIDAD ES SIGNIFICA TIVAS E OS CONTEXTOS OBJETUAIS
Voltando às unidades significativas, constituídas pelas orações, orações , verifica-se verifica-s e que estas unidades unid ades são funda fun da mento ôntico dos contextos objetuais e através deles, de objetualidades (Gegenstaenalichkeiten ( Gegenstaenalichkeiten ) e, eventualmente, de seres imaginários. As orações têm duas funções no todo da obra: 1) projetam e particularizam, particularizam, através através das unidades significativas e dos contextos objetuais corres
pondentes, ponden tes, as outras out ras camadas cama das da obra ob ra literári lite rária; a; 2) repre rep re sentam ao mesmo tempo uma voz específica na polifonia total da obra de arte literária, mercê das suas qualidades peculiares. peculiar es. No que se refere refe re ao prim eiro pon ponto, to, as unidades unid ades sig nificativas “produzem” o mundo imaginário, literalmente. Se a oração “Maria era loira” apresenta a moça pela prim eira vez, Maria Ma ria — graças à sua função funçã o específica específic a de sujeito da oração — torna-se portadora da qualidade a ela atribuída em virtude da função significativa da ora ção. A oração desdobra o objeto como “existente”, pro jeta-o jeta -o como “indepen “in dependente dente”. ”. E isso a tal pon ponto to que a oração sugere que Maria já era loira antes que a oração assinalasse esse “fato” . Ao se seguirem seguirem as próximas ora ções: “E la gostava de brincar. De quando em vez ia à praia pr aia ”, M aria ari a já se emancipou eman cipou a tal pon ponto to que os con textos objetuais sucessivamente desenvolvidos, embora constituam e produzam Maria pouco a pouco, parecem ao contrário apenas revelar pormenores de um ser autô nomo. Cabe, portan to, aos contextos objetuais projetados projetado s pelas orações a função funç ão de produzir prod uzir o mundo mun do imaginário, imagin ário, mas esse mundo, uma vez estabelecido, parece apenas revelar-se através desses contextos objetuais, como se não fosse ele constituído pelos contextos, mas como se ele, ao contrário, os constituísse. constituísse. E isso a ponto de o mundo imaginário se apresentar como um contínuo embora os contextos objetuais naturalmente sejam discretos e des contínuos como os os fotogramas de uma fita. fita. Em essência, os contextos objetuais projetam certos esquemas que sao preenchidos preen chidos pelos atos do leitor. Mas este não cria, ape nas atualiza o que tem seu fundamento ôntico na obra. Na N a leitura leit ura,, os contextos contexto s objetuais objetu ais geralment geral mentee não são apreendidos como tais, não se tornam temáticos; o
raio da intenção passa através deles aos seres imaginários representa dos pelos contextos. Apesar Apesa r disso exercem im porta po rtante nte função funç ão na direção direç ão dos atos do leitor. É uma coisa ler “O quarto era triste” e outra “O quarto parecia triste”; é uma coisa ler “O pão era saboroso”, outra “O pão sabia bem”. bem ”. Nos dois casos, os “mesmos” “mesm os” objetos são apresentados por contextos objetuais diversos. diversos. Nota mos que nos vários exemplos varia o foco narrativo; uma vez parece haver um narrador objetivo, onisciente, da ou tra vez já intervém um foco narrativo mais subjetivo, ao fim, o foco parece ter passado para dentro da pessoa que saboreia o pão. O exame do do modo como ou através de de que tipo de contextos objetuais — a obra produz os seres imaginários afigura-se de grande importância para a crí tica. O “mesmo” acontecimento (ou objeto s) pode ser “projetado” por contextos objetuais concretos ou mais abstratos e de uma imensa variedade de formas. É, pois, de grande relevância o exame crítico desta camada, por menos que ela seja tematicamente notada, já que a atenção se dirige para aquilo que, através dela, transparece. Ainda assim, esta camada pouco nota da é “co-dada” “co-d ada”.. Sua atuação modifica o que se apresenta te maticamente. Sua presença faz que a obra literári a nunca possa ser uma configuração config uração “irracio “irr acional” nal” ; na apreensã apre ensãoo da obra temos de passar por essa camada “racional”, temos de “entender” “enten der” as palavras e orações. E nisso se revelam valores próprios, como os da maior ou menor “clareza” que se liga à estrutura das orações, à sua maior ou menor “transparência”, “ambigüidade”, “opacidade”, “simplici dade”, “sinuosidade”, “leveza”, “densidade”, etc., enfim aquela multiplicidade de elementos que constituem o que se costuma chamar o “estilo” do auto r. A oraçã o mais
clara pode ser mais bela, mas talvez mais fria, ao passo que a oração mais opaca ou ambígua pode ser mais exci tante, produzindo certo frisso n ao deter o raio da atenção. A falta de caráter desta camada, sem dúvida, representa grave deficiência na obra de arte literária, embora essa mesma falta possa constituir, numa obra científica, certo valor. 7. A CAMA DA DAS OBJETUALIDADES OBJETUALIDADES
Através das orações, suas unidades significativas e seus contextos objetuais, se constitui, ao fim, a camada das “objetualidades”, termo que, em se tratando da obra de ficção em sentido lato, pode ser traduzido por “seres ima ginários”. Numa obra histórica ou geográfica, por exem plo, essas objetualida objetu alidades des se referem refer em rigorosam rigor osamente ente a reali real i dades e não têm têm valor próprio. próprio. De certo modo parece parece que as camadas anteriores só servem para constituir esta; de fato, a atenção do leitor atravessa em geral as camadas antes descritas, visando a esta como ao ao seu alvo. alvo. Este mundo imaginário é um mundo puramente intencional, fundado em última análise nas orações. orações. O que de fato é apresentado, é só um recorte ou uma série de recortes, mas a partir dele ou deles se projeta o horizonte ou plano de fundo mais ou menos nítido, mais ou menos coerente de um mundo maior, mesmo em se tratando de um poema minúsculo. Os obietos imaginários — seres hum anos, animais, países, paisagens, sentimentos, casas, cidades, etc. — geralmente geralm ente têm o hábit há bit o exterior exter ior dê realidadêsT reali dadêsT Iiábito Iiábi to que não é levado totalmente a sério pelo leitor conivente e mancomunado com o autor com quem entrou no jogo combinado da flcçãcT Mas déntrõdõssêEabiTõ,~dèrifro do
seu ser irreal, o mundo imaginário se reveste de certo ca ráter existencial, certo tipo de reivindicação de realidade, tipo de ser que freqüentemente se chama de aparência de realidade. Este termo, porém, não é dos mais felizes, felizes, já que parece implicar algum modo de engano ou fingimento, o que não descreve corretamente o caráter da ficção, ape sar do famoso poema de F. Pessoa. Max Scheler, por exemplo, diz que todos os valores estéticos são “essencial mente valores: 1) de objetos; 2) de objetos cuja posição real é, de alguma forma, suspensa e que, portanto, estão presentes pres entes como ‘aparên apa rência cia’’, ainda que, por exemplo, no drama histórico o fenômeno da realidade seja conteúdo parcial parc ial do objeto objet o aparent apa rentee que se dá em forma form a imagina ima gina tiva . . . ” — descrição que está longe longe de de caracterizar com com exatidão a complexa situação de que se trata. Quanto ao espaço irreal do mundo imaginário, apro xima-se do espaço perceptual percep tual de orientação. O texto de termina recortes espaciais, sugerindo assim uma continui dade espacial fora dos recortes, por exemplo, fora de uma sala descrita. descrita. Os espaços explicitamente apresentados são separados como por fendas, lugares indeterminados que o leitor preenche. O ponto zero de orientação encontra-se dentro dentro do próprio mundo imaginário, por exemplo, no Eu de um narrado r fictício. fictício. Se não houver tal foco explícito, explícito, pode encontra enco ntrar-se r-se em pontos pont os variados vari ados fora dos seres apre apr e sentados ou dentro de uma ou várias várias personagen personagens. s. A ha bilidade bilid ade com que o autor aut or maneja man eja este problem prob lemaa contribui contr ibui para pa ra levar o leitor leito r para pa ra den dentro tro do mundo mu ndo imaginário, imagin ário, fa fa zendo-o colocar-se dentro do ponto zero, por exemplo, de uma personagem. personagem. Para a análise análise e interpretação de uma obra encontram-se nestes momentos importantes critérios, já que a densidade, densid ade, coerência coerên cia e imposição impo sição dependem depen dem em
parte par te da manipula man ipulação ção exata exat a da perspectiv persp ectivaa espacial. Na poesia poesi a lírica, líric a, o foco encontra enco ntra-se -se geralmente geral mente den tro do Eu lírico fictício, no drama o centro de orientação é o espec tador fictício fictício que faz parte do mundo imaginário. Este, por assim dizer, se apresent apre sentaa a ele. Isso, Isso , porém, poré m, é proble pro ble mático; há tipos de drama em que a situação se afigura bem mais complexa. Quanto ao tempo irreal da obra literária, podemos aproximá-lo do tempo concreto, intersubjetivo e subjetivo, cujos ritmos dependem do conteúdo vivido e do modo como esses conteúdos são “vivenciados”. Há, também, neste tempo irreal, passado, presente e futuro, mas essas fases não dependem, como na realidade, do fato de se de finirem em relação ao autêntico in actu esse esse do presente. Devido a isso, o presente não goza na ficção do caráter preferenci prefe rencial al que lhe cabe na realidade reali dade.. H á certa ce rta homoge homog e neidade de todas as fases apresentadas, o que se exprime caracteristicamente no pretérito narrativo, mas esta homo geneidade se manifesta também, embora em menor grau, na ficção que recorre à voz do presente, particularmente no drama. O contínuo contínuo do tempo tempo real naturalmente não pode ser reproduz repr oduzido ido adequada adeq uadamen mente te por po r orações oraçõe s descon desco n tínuas que apresentam apenas determinadas fases tempo rais. O leitor preenche as lacunas, mas apenas no sentido de atribuir aos intervalos continuidade, sem porém en chê-los de conteúdos. É impossível entrar aqui no pro pro blema blem a atualíssim atual íssimoo da perspecti persp ectiva va tem poral por al na ficção, isto é, do ponto zero da orientação que, na realidade, é o mo mento presente em constante deslocação, mas que na fic ção pode ser manipulado com extrema variedade e arte, já que o tempo fictício fictíc io é de uma docilidade docilid ade infinita, infinit a, ao passo que o tempo tem po real é irreversív irrev ersível. el.
8. OS ASPECTOS ESQUEMATIZADOS ESQUEMATIZADOS
Particular atenção deve ser dedicada à camada dos aspectos esquematizados, um dos momentos essenciais da obra literária enqua nto obra de arte. As unidades signifi signifi cativas e os contextos objetuais, como tais, apenas “põem à disposição” do nosso olhar interno, apenas constituem de um modo bem geral as objetualidades ou o mundo imaginário, mas não o preparam para a verdadeira apreen são “intuitiva” ou “sensível”. A obra de arte literária recorre a fatores especiais para preparar esta representa ção “sensível”. “sensível”. Para tal fim, as as orações esboçam deter minados esquemas de “aspectos” dos objetos representa dos, quer do seu lado físico, quer do seu lado psíquico. Estes esquemas — que devem ser preenchidos pelo leitor — constituem const ituem uma um a camada cam ada importan imp ortantíss tíssima ima na obra obr a lite rária rár ia enquanto arte. A teoria dos “aspectos” , mercê dos quais as coisas se revelam à nossa percepção, baseia-se nas pesquisas pesqui sas minuciosas minuc iosas de Husserl. Husserl . Tais aspectos podem surgir na obra somente como esquemas. Mas na oração podem pode m encontrar enco ntrar-se -se fatores fato res “desenca “des encadeado deadores” res” que im põem ao leitor leito r determi dete rminad nadaa atualizaç atua lização ão e concretizaçã concre tização, o, determinad o preenchimento dos esquemas. esquemas. Entre Ent re os os inú meros recursos a que o autor recorre, encontram-se as imagens, símiles, metáforas, através dos quais se projetam outros objetos além dos que são atualmente representa dos, precisamente com o fito de fazer aparecer “sensivel mente” estes estes últimos últimos.. Para tal prepara ção desencadeadora desencadeadora contribuem não só as unidades significativas e os contex tos objetuais correspondentes das orações, mas também a camada sonora, a melodia, o ritmo das orações, isto é, a camad a mais sensível sensível da obra literária. Para Pa ra que tais tais “aspectos” possam ser impostos ao leitor, devem prevale
cer na camada sonora palavras intensas da língua viva, de forte poder expressivo, palavras que, graças ao seu em prego preg o em situações situaçõ es vitais concretas, conc retas, levam consigo asso ciações e aspectos firmes de várias espécies. São tais detalhes que detêm o raio da intenção do apreciador, fa zendo que repouse na própria contemplação da totalidade polifônica polifôni ca da obra. Não Nã o é preciso preci so salienta sali entarr que essa camada cam ada dos “ aspec tos preparados” tem sido um dos campos prediletos da crítica literária. São esses esses aspectos que permitem apr een der concretamente as objetualidades. Têm eles suas pró prias qualidades qualid ades estéticas estética s que resultam resu ltam em enriquecime enriqu ecimento nto da obra. Se faltassem, os objetos projetados projetado s só poderiam ser “mentados” ou “pensados” de um modo vazio, pres supondo-se um leitor leal que realmente se sujeita ao texto e não constrói seu próprio mundo imaginário. Os objetos representados seriam então apenas esquemas conceituais vazios, não dando a impressão de uma “realidade” viva. A concretude, a rigorosa individualidade e encarnação in tensa, só podem decorrer da atualização desses aspectos prepara prep arados. dos. A famosa famo sa busca busc a da palavr pal avraa certa cer ta e insubstit insu bstituí uí vel, graças ao seu significado, som, valor expressivo, ambi güidade, capacidade vibratória das suas zonas semânticas marginais, ao seu “halo” e “nimbo” — essa busca é, afinal, nada senão o esforço de “preparar aspectos”, de munir as orações de qualidades específicas capazes de imporem a “visão” particular do autor. A análise dessa camada, em conjunto com a da ca mada das unidades significativas, indica as preferências por aspectos visuais, auditivos, auditivo s, táteis, tátei s, etc., — preferênci prefe rências as que podem dar nascimento a mundos inéditos, insólitos. O estado psíquico de uma personagem pode ser sugerido por aspectos do compor com portam tamento ento físico ou por aspectos aspect os ín
timos; por aspectos vistos rigorosamente de um ou de vá rios focos ou por meio de focos flutuantes que produzem no leitor uma impressão instável, opalizante ou mesmo caótica. Isso pode corresponder em certos casos à inten ção inerente à obra. Essa camada, enfim, é quase consti tutiva para a obra literária enquanto enquanto arte. É exatamente esse sentido da palavra de Hegel, segundo a qual as belas-letras seriam “aquela arte onde a arte ao mesmo tempo começa a dissolver-se e se coloca. . . no po ponto nto de transi trans i ção. ção . . . p ara a prosa do pensamento científico”. Com efeito, visto que a língua é o material comum da manifes tação tanto do pensamento científico como da imaginação poétic poé ticaa (e além disso do falar fal ar cotidiano cotid iano,, etc. et c.), ), há sempre o perigo de a obra de arte literária se tornar simplesmente obra literária. É precisamente a camada dos “aspectos “aspectos prepar pre parado ados” s” que, em conjunto conju nto com a riqueza riqu eza das outras, outra s, exerce poderosa função na constituição da obra literária como obra de arte, tornando um poema em “discurso to talmente sensível”. É quase um lugar-comum, aliás não muito bem bem formulado (devido à dicotomia de forma e conteúdo novamente posta em circulação), quando Oskar Walzel diz que “toda a literatura não se diferencia da ciência enquanto enquan to se limita à palavra palavr a conceituai. Ela se torna arte na medida em que apresenta os seus conteúdos cognoscitivos, voluntativos e emocionais com eficácia sen sível, na medida em que transforma estes conteúdos em Gestalt, Gestalt, isto é, em configuração sensível”. O que resulta, em essência, na fórmula da “intuição” de Croce. 9. AS CA MADAS MAIS PROFUNDAS PROFUNDAS
O interesse da maioria dos leitores se dirige, sem dúvida, para a camada dos objetos representados, princi
palmente palm ente das personagens, person agens, qua quando ndo se tra ta de ficção nar na r rativa ou dramática, ^p sta camada, por sua vez, assume assume para pa ra a maioria mai oria dos leitores leitor es uma um a função fun ção represen repr esentati tativa va com relação à realidade exterior à obra. Isso é perfeitamente legítimo legítimo.. É evidente evidente que a obra de arte literária tem uma referência mais ou menos direta à realidade. No entanto se o raio da atenção se dirige de modo unilateral ao mun do dos objetos representados, tomando-o, por sua vez, na sua função representativa do mundo exterior à obra, há o perigo de se deformar e empobrecer a apreensão da totalidade literáriajt Além disso, tende-se desta forma a não dar suficiente atenção ao fato de que a camada “ima ginária” abre acesso a camadas mais profundas da própria obra de arte, nas quais se revela um contexto de valores cognoscitivos, religiosos, morais, político-sociais, enfim uma interpretação mais profunda da realidade e da vida humana que ultrapassa os dados da realidade empírica e cotidiana. Talvez se deva falar de uma um a camada ainda mais profunda, presente nas maiores obras: a das situações-limite em que se revelam com intensidade os aspectos trágicos, sublimes, terríveis, demoníacos, grotescos ou lu minosos do mundo e da vida humana. São momentos su premos premo s e, à sua maneira, mane ira, perfeitos. perfeit os. A realidad real idadee empírica empí rica não costuma manifestar esses aspectos significativos e pro fundos. É graças à direção específica, específica, orientada orientad a pelas pelas ca madas mais “exteriores” e o entrejogo entre elas e as mais profundas, que se revela este plano que alguns talvez se inclinem inclinem a chamar de metafísico. Talvez seja este plano que, se não determina a perfeição estética de uma obra, ao menos é indicador da sua grandeza. grandeza. Graças a ele o leitor vive vive e ao mesmo tempo contempla contempla as possi bilidades, bilidade s, as quais a sua vida pessoal pessoa l — que consiste nu nu ma crescente redução de possibilidades — dificilmente
lhe permite viver e contemplar. Com efeito, quem real mente vivesse esses momentos extremos, não poderia con templá-los por estar demasiado envolvido neles. E se os contemplasse, através de uma obra filosófica por exemplo, não os viveria. É precisamente a obra de ar te que possi bilita viver e ao mesmo tempo temp o contempla conte mplarr essas possibi lidades, graças ao modo de ser irreal das suas camadas profunda prof undass e ao modo mod o de aparecer apar ecer deste mundo mu ndo imaginário imagin ário na camada exterior, quase sensível. sensível. Em virtu de desta es trutura que, como já foi exposto antes, permite a profun da participação emocional e, ao mesmo tempo, a distância desinteressada da contemplação, a obra de arte literária enriquece de uma forma extraordinária a nossa experiên cia humana. IV. IV. O PRO BLEM A DOS VALO RES
A contemplação e vivência estéticas adequadas da obra, a que se associa prazer estético, como indicador es pontâneo pont âneo do valor específico, natural nat uralmen mente te não se verifi cam de modo isolado. isolado. A apreciação estética, em parti part i cular de uma obra de arte literária, é ligada a outras emo ções valorizadoras, de ordem religiosa, moral, político-social, vital, hedonístico, etc. Devemos entender e sentir tais valores para poder apreciar o valor estético de obras como Antíg An tígone one,, Guerra e Paz, Ham let, let, etc. Isto é, é, de vemos ser plenamente entes humanos para sentir e valo rizar toda a gama de valores que se manifesta no objeto literário. Só “nas costas” desses valores podem aparecer os valores estéticos, isto é, os valores que realmente cons tituem a obra como obra de arte. arte. Em Antíg An tígone one os valores religiosos, morais e político-sociais são realmente “fundantes” para o valor estético, mas é este — e só este —
isto é, o modo de como aparecem os outros valores — que decide sobre o valor da obra como obra de arte. Este valor estético revela-se no vigor cênico, na plástica das personagens, dos conflitos e tensões, no encadeamento da intriga, na intensificação e solução, na linguagem, en fim na polifonia das camadas e na organização das partes.— No entanto, entan to, deve ser acentuad acen tuadoo que os valores religiosos ou morais apenas “fundam” o valor estético, são apenas “condição” dele, mas não o constituem ou determinam. Este é autônomo e se constitui a partir dos elementos sui generis generis apontados no decurso deste relato, quer se trate de uma heroína sublime como Antígone, quer de um monstro como Macbeth. Os valores morais subalternos de uma comédia não diminuem em nada seu valor estético. Esses valores “anestéticos”, quer sublimes, quer medío cres, quer mesmo negativos, são mera condição do apare cimento de valores estéticos como o “trágico”, “gracioso”, “cômico” , “humorístico ” “sublime” , “grotesco”, “grotesco” , etc. En tre as análises fenomenológicas, que mal foram iniciadas, encontram-se as que determinariam a “localização” prefe rencial de tais valores em determinada camada ou a sua constituição através do jogo inter-relacional das camadas. V. CO NC LU SÃ O
T. S. Eliot disse certa vez, com o bom senso que cos tumam ter os anglo-saxões, mesmo quando poetas, que o objetivo da crítica é fomentar a compreensão da litera tura e o prazer no contato com ela. ela. De fato, se a apre ciação de uma obra de arte literária não for acompanhada antes de tudo de prazer, ela não terá alcançado o seu fim básico bás ico.. Tam bém a leitura leit ura de textos texto s críticos, críticos , na medida medid a
em que se destinam ao público de periódicos literários e jornais, jorn ais, deveria deveri a ser um prazer praz er (intel (in telect ectual ual), ), pois, se a arte é uma esfera lúdica, a crítica da arte não deveria arrogar-se uma dignidade maior do que a do seu seu objeto. De certa forma, a crítica deveria ser um jogo intelectual com o jogo artístico, artíst ico, um divertiment divert imentoo com o divertim ento. Claro Cla ro que em ambos os casos se trata de um “jogo sério”, para usar a palavra de Goethe. Goethe. Para que se trate de um “jogo” o crítico, enquanto escritor, deveria esquecer completa mente a fenomenologi fenomenologiaa da obra de arte literária. Mas para pa ra que o jogo seja “sério” “séri o”,, ele deve ter estudado estu dado a fundo a estrutura da obra de arte literária, mesmo porque não poderá poder á esquecê-la se não a tiver estudado. De algu ma forma, os seus erros de julgamento se beneficiarão desse estudo; serão, por assim dizer, erros mais bem fun damentados, erros mais ricos, mais fecundos e, provavel mente, mais bem pagos pelos pelos redatores e editores. Não há nada mais difícil do que errar bem e com argumentos irrefutáveis. Tais erros podem ser de imensa produtivi produtivi dade, em particular num ambiente literário animado, já que provocarão a resposta dos adversários.
O que importa é compreender e fazer compreender a função das partes e camadas até os mínimos detalhes de som, ritmo, melodia, palavra, oração, estilo, perspectiva, atmosfera; para mostrar a eficácia e o sentido dos elemen tos no todo da obra, a cooperação das partes e camadas na organização total. A interpreta ção move-se constante mente entre os elementos e o todo, o todo e as partes e camadas. camadas. Ela descobrirá na substantivação substantivação de um verbo o sentido da totalidade e o sentido dessa totalidade a guia rá na descoberta de outros detalh es significativos significativos.. No próprio próp rio processo proces so da análise e interpre inte rpre tação taçã o revelar-serevelar-s e- ão as rupturas, as partes que não funcionam dentro do todo ou se opõem a ele; notar-se-ão as camadas sem vida, sem caráter ou, ao contrário, as camadas que afinam ou des toam da polifonia total. Hoje, evidentemente, é preciso ser muito cauteloso no julgamento das dissonâncias. A paródi par ódiaa e o grotesco, grotesco , que implicam impli cam choques e desarmo desa rmo nias, desempenham papel importante na arte atual. Sa bemos que as grandes grand es obras obra s de arte são, muitas muita s vezes, a afinação quase impossível de violentas tensões, um todo de dissonâncias cuja consonância se mantém no fio da navalha.
A fenomenologia da obra de arte, embora pareça fragmentá-la em camadas heterogêneas, considera-a, antes de tudo, tudo, como uma totalidade. totalidade. Diante da estrutura com plexa plex a da obra, obra , a oposição oposiç ão entre entr e form a e conteúdo conte údo perde per de seu sentido. sentido. O valor estético da obra decorre não só da organização das suas partes, na dimensão “horizontal”, isto é, na sucessão de um poema ou na simultaneidade de um quadro, mas também da organização das camadas, na dimensão “vertical” . A interpretação esforça-se por tornar visível e transparente a estrutura dessa totalidade, no sentido das partes horizontais e das camadas verticais.
A fenomenologia não pretende estabelecer normas absolutas pelas quais se pretende medir e valorizar a obra individual, na suposição de que ela tenha de adequar-se a tais normasfl^t) que ela sugere é que cada obra literária traz, de certa forma, a sua poética e os seus critérios den tro da sua própria estrutura peculiar. peculiar. Ela deve ser ser valo rizada segundo alcançou ou não alcançou o ideal e a intenção que nela mesma se revelam, segundo realizou ou não as aspirações inerentes à obra. E naturalmen te a crítica deve discutir e apreciar este ideal e estas aspira
r ções imanentes à obra. Precisam ente por isso isso — sugere a fenomenologia — o crítico deve conhecer a estrutura fundamental da obra literária e da obra de arte literária. Somente sabendo o que ela no fundo é o crítico pode vislumbrar o que ela é capaz de ser.
DISCUSSÃO
Posto em discussão o Relatório, pede a palavra Haroldo de Campos:
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HAR OLD O DE CAMPOS. Depois de salientar que a escassez de tempo para a devida penetração no texto im pedia pedi a comentári come ntárioo à altura alt ura da tese exposta, expost a, H. C. chama a atenção para a afirmação na tese de que “o modo da obra de arte é um modo heterogêneo” o que poderia car rear consigo um resíduo da distinção entre forma e con teúdo, distinção essa que está muito justamente posta de margem na conclusão. Insiste H. C. que, em suas pala vras, não há divergência da visão do autor, mas antes é um ponto de vista que visa eliminar a dicotomia clássica entre forma e conteúdo. Em seguida, levanta o aparteante objeção à posição crítica assumida por A. R. no que se refere à minimização do aspecto tipográfico da obra de arte escrita, dentro da linha estética de Nicolai Hartmann que empresta à per cepção exterior da obra literária, isto é, aos sinais tipo gráficos, uma importân cia secundária. Situado em dife rente posição estética, H. C. chama a atenção para a im
portân por tância cia da planifica plan ificação ção espacial espacia l contida cont ida na poesia de vários poetas contemporâneos estrangeiros, insistindo em que a chamada materialidade tipográfica não pode ser deixada de lado, uma vez que ela vem-se mostrando de fundamental importância na renovação da poesia contem porânea, porâ nea, a parti pa rtirr da obra obr a de Mallarmé Mall armé,, cuja poesia ganhou especial ênfase devido ao aspecto visual oferecido pela disposição e tipos de letras. Finaliza H. C. cumprim en tando o autor da tese pela importância dos problemas propostos. propo stos. DÉCIO PIGN ATA RI. Tomando a palavra, D. P. ape nas reforça as objeções levantadas por H. C., lembrando que as performanc perfor mances es espaciais são importantes não só na poesia, mas também tam bém na prosa, pros a, e cita vários vário s prosadores prosa dores de renome que utilizam recursos tipográficos em suas obras. ANA TOL ROSENFEL D. A. R., agradece agradecendo ndo o interes se dos aparteantes pelo seu relatório, manifesta-se de acordo com H. C. quanto à impossibilidade de uma dico tomia entre forma e conteúdo, uma vez que concebe a obra literária estruturada em várias camadas, conforme foi amplamente destacado em seu trabalho. Com referência aos sinais tipográficos, confessa o autor não haver levado suficientemente em consideração a poesia concreta, que quanto a isso propõe problemas de ordem ontológica. ontológica. Entretant Entr etanto, o, salienta que, pelo me nos segundo a estética tradicional, será necessário na crítica recorrer-se às unidades significativas; pois, se, por exemplo, as sonoridades constituíssem realmente a obra de arte literária, haveria múltiplas visões de uma só obra. Assim, Guerra e Paz Paz seria lida diferentemente no Sul e no Norte da Rússia, devido às diferenças de dialetos, caso
fosse lida em voz alta. De forma mais aguda ainda, acre dita o relator, se propõe esse problema quando se quer constituir a obra de arte baseada ontologicamente nos sinais tipográficos, porque então cada livro seria diferente do outro, pois, por mais exata que seja a reprodução tipo gráfica, haverá sempre uma outra variação, tal como: ta manho de margens, cor da tinta, etc. Assim, se um poema concreto se baseia nos sinais tipográficos, teremos tantos poemas poem as quan quantos tos exemplares exempl ares diferentes diferen tes foram publicados. public ados. Aceitando a seriedade e importância do problema levantado, esclarece o autor ainda que neste seu trabalho não poderia ter focalizado a questão de poesia e prosa, uma vez que se trata aqui de um estudo acerca da obra de arte em geral, e aquela questão é por demais impor tante para caber no âmbito de um pequeno relatório. HAR OLD O DE CAMPOS. H. C., agradecendo agradecendo a defe rência do relator pela atenção dada às suas observações, salienta que estas não foram feitas no sentido de objeções, mas sim no de contribuir para um debate que poderá ter seu momento no Congresso; acrescentando ainda que a questão visual está excluída dos propósitos de toda a poe sia, e não particularmente da poesia concreta, pois, pa rece-lhe, por exemplo, que o texto de Mallarmé, em qual quer de suas edições, com ou sem a inovação da cor é, tipologicamente, sempre o mesmo, pois o que resta é que a forma visual constitui um dado efetivo para a percepção. Destaca ainda H. C. outro ponto da tese que considerou importante: “a oração considerada em si como unidade básica bási ca da obra obr a de arte” art e” parecendo pare cendo-lhe -lhe que se tra ta aqui de um pouco de submissão da parte estética ao conceito lógico.
JONAS JONA S SPEY ER. Pedindo a palavra, J. S. S. sugere sugere a apreciação da importância dos sinais visuais nos ideogra mas da poesia arcaica chinesa, pois esta obedece a uma estética visual apura da na sua composição gráfica. Isso explicaria, para nós, um fenômeno quase incompreensí vel — o de que os japoneses, antes de criar uma poesia autônoma, usaram e abusaram desse sistema da poesia chinesa, na sua forma gráfica original, mas, nas transpo sições, a sonoridade, todos os valores sonoros do poema chinês desapareceram; fato que talvez tenha interesse den tro de um estudo da obra literária universal. AUGU STO DE CAMPOS. CAMPOS. A propósito do aparte de J. S., lembrou A. C. que o problema dos ideogramas chi neses encontraria particular interesse no estudo da esté tica moderna, em face de sua reformulação e do seu apro veitamento na própria obra de arte contemporânea, atra vés de um nome ainda não citado: Ezra Pound, autor de um longo poema épico, no qual aproveita em grande parte pa rte a visualidade visual idade do ideograma ideog rama chinês. Sendo que o estudo sugerido encontraria maior pertinência quando se tivesse em conta a própria incorporação do ideograma chinês na poesia moderna. CARLOS BURLAMÁ QUI KOPKE. Tomando a pala vra, C. B. K. K. solicita a A. R. três esclarecimentos: 1.°) Se as três camadas “irreais” citadas na tese (“a dos fone mas ou sonoridades verbais e das configurações de ordem superior (orações), que se baseiam nos primeiros”, “a das unidades significativas de vários graus” e “a dos múl tiplos aspectos esquematizados, que, quando especialmen
te preparados, determinam as concretizações do leitor”) não podem ser reduzidas a duas, com a junção em uma só das “unidades significativas e configurações sonoras representadas pela oração”; 29) Se não seria possível mu dar os valores da frase que fala em tipo imanente imanente da pa lavra, dando a entender que por ele se compreende tam bém o tipo tip o psíquico psíqu ico propri pro priame amente nte dito; pois, segundo segun do o aparteante, não se pode dizer que do caráter peculiar da camada sonora de determinada obra depende o tipo da palavra, pala vra, como seu tipo imanente ima nente e, portan por tanto, to, o seu pró prio tipo tip o psíquico; psíqu ico; 3?) Se o auto r pode poderia ria esclarecer esclare cer sua afirmação de que “a primeira unidade autônoma da obra literária não é a palavra e sim a oração”. ANA TOL R OSENF ELD. Respondendo a C. B. K., A. R. admitiu que há uma conexão muito íntima entre as unidades sonoras e as unidades significativas, mas que estas devem ser separadas, para não haver choques, pois são na verdade camadas diferentes. diferentes. O sentido da frase pode pod e ser alegre e a sonoridade sonor idade pod podee ter atmosfera atmo sfera triste , melancólica, pode ser composta de vogais escuras, que suscitam disposições anímicas também melancólicas. Quanto ao tipo imanente, imanente, julga o autor que não pode ser confundido com o tipo psicológico; psicológico; pois o primeiro, referido pelo texto, é aquele dado pelos vocábulos, pelas palavras, palav ras, pelas pela s orações curtas curt as ou longas e evidentemen eviden temente te não é o tipo psíquico. Acrescenta ainda ainda que não há nada psíquico psíq uico na obra ob ra literári lite rária, a, pois o psíquico psíqui co é um ser real. O tipo psíquico existe no leitor quando este faz a leitura do texto e isso pode variar de leitor para leitor, de recitador para recitador, dependendo do ritmo da leitura. Pergunta, então, C. B. K. se, no autor, não há um tipo psíquico que suscita as palavras importantes e caracterizadoras da frase.
Respondendo, aceita A. R. que o autor é um ser humano que iem seu psiquismo, mas que é na oração que ele deposita suas intenções, e até certo ponto, seu tipo psíquico. O tipo imanent ima nentee está, pois, nessas orações, nelas e no texto literário não há nada psíquico; o texto é autônomo e não depende do autor ou do escritor ou das concretizações do leitor. Se assim assim fosse, fosse, lembra A. R., teríamos milhares de visualizações de uma obra de arte, segundo a visão de cada leitor, o que é impossível, pois seria a destruição da unidade e a obra de arte é uma só. No caso da literatu lite ratu ra há uma objetivação objeti vação visual que se concentra nas páginas, através dos sinais tipográficos, mas que não tem ser psíquico. Pergunta C. B. K. se c autor da presente tese não acredita no poder catártico da palavra; e, diante da afir mação positiva de A. R., acrescenta que, se esse poder existe, então existe também o tipo psíquico do autor pro jetado jeta do na palavr pal avraa e que se esquecêssemos isso, é certo que não haveria o monólogo interior; não haveria, nos hospitais de psiquiatria, a necessidade de se fazer o pa ciente falar, para livrá-lo de uma carga. É necessário pois pois que esse tipo psíquico do autor, seja escritor ou não, se projete pro jete na palavra. pala vra. Essa Ess a palavra, pala vra, lembra lem bra o apartea apa rteante nte,, é o semantema que representa a carga, que deve ser valo rizada tanto quanto a oração, como unidade rítmica. Concorda A. R. com o aparteante, no fato de que o autor se projeta na obra de uma forma indireta; con corda também que pode haver uma comunicação muito tênue entre o autor e o leitor, leitor, o observador. Mas acredit a que isso não significa que o ponto de comunicação da obra de arte como tal depende inteiramente dos diversos psiquismos psiquis mos mencionados; menci onados; pois o autor aut or não nã o põe tod o seu
psiquismo psiqui smo na obra. Nela Nel a aparece apa rece apenas apena s alguma algum a coisa, alguma parte de seu ser e assim mesmo muito transfigu rado. Assim, não se deve transferi r, sem mais nem me nos, o psiquismo do autor para a obra; esta, como tal, não tem ser orgânico que a sustente. Esclarec e ainda que tratou, em sua tese, do problema ontológico, onde o pro blema blem a do pode poderr catártic catá rticoo da obra obr a se coloca coloc a de maneira man eira diferente daquela que assume na crítica psicológica e que, quanto ao mais, estava de acordo com o ilustre professor aparteante. WILSON MART INS. Tomando a palavra W. M. M. manifesta-se de acordo com o relatório de A. R., porém pro põe o reestudo rees tudo da idéia de que “a unidade uni dade da obra ob ra de arte se contrapõe à pluralidade necessária das diversas obras de arte que existem para par a cada leitor”. Julga W. M. que em história literária e em estética deve-se admitir uma certa margem de incoerências ou uma simultânea existência de coisas contrárias, pois uma coisa é a unidade da obra de arte em si e outra é a idéia de que o prazer estético reside no leitor ao apreciar a obra. Apon ta como como exemplo a existência de tantas Guerras e Paz Paz de Tolstoi quantos certos grupos grupos de leitores, de acordo com a men talidade, a formação, a sensibilidade e mesmo o país. Lembrando que nós, psicologicamente, e historicamente, diferentes dos russos, dificilmente teremos diante daquele texto as mesmas reações. Concluindo, lembra ainda que se a obra de arte literária fosse mesmo uma unidade, to dos os leitores do mundo deveriam ter admiração pelos mesmos autores, e no entanto existem inimigos mortais de Shakespeare, de Sartre, etc. Isto resulta daquela mar ma r gem de variação apontada.
ANA TOL ROSENFEL D. Agradece A. R. as as observa ções e afirma que a contradição apontada não existe, o que existe é um prazer que se resolve no autogozo deste própri pró prioo prazer praz er subjetivo. subjetivo . Aqui, Aqui , embora emb ora pode podendo ndo dizer-se talvez que “os gostos não se discutem”, aceita o autor a legitimidade da discussão do Gosto, porque o prazer estético, embora totalmente subjetivo, não se resume nisto, a crítica deve referir-se ao objeto. WILSON MARTINS. Esclarece Esclarece W. W. M. que que ele ele não está confundindo gosto gosto com prazer estético. estético. Gostamos da tra gédia, diz ele, e sentimos nela um prazer estético, mas este tem outro sentido; e pede que não se tomem as suas palavras pala vras num sentido sentid o absoluto, absolu to, que seria indefensável, indefensáv el, de que as várias focalizações possíveis da obra literária se jam outras out ras tantas tan tas obras de arte. O que pretende pret ende dizer, afirma ele, é que as coordenadas dentro das quais cada um lê são reações diferentes para cada grupo de leitores. Lembrando ainda que no seu próprio relatório observa de passagem passag em que em países cultos é possível estabelecer, estabe lecer, den den tro de certos níveis de cultura, sensibilidade e educação, um público ideal de Montesquieu ou Shakespeare. ANAT OL ROSENFE LD. Discordando, Discordando, A. R. põe em dúvida que o prazer estético decorra da desgraça da tra gédia, sendo possível que brote de outra causa. Por outro lado, aceita que os vários grupos de leitores de uma obra de arte se choquem em suas opiniões, mas está certo de que é possível a avaliação do julgamento desses grupos no que se refere à sua adequação à obra de arte a que se referem. E, nessa avaliação, estar-se-á focalizando esses julgamentos julgam entos como algo uno, algo que transcen tran scende de a va riações. Lem bra ainda o Sr. Sr. A. Rosenfeld que lemos lemos me
nos adequadamente Guerra e Paz Paz aos 15 anos do que aos 30 ou aos 40, e se achamos que a leitura é mais ou menos adequada estamos pensando evidentemente em sua rela ção com a obra de arte. ANTÔN IO CÂNDIDO. A esta esta altura dos debates, A. C. intervém, procurando chamar a atenção dos aparteante"S para o fato de estar havendo um pequeno desfoque do problema discutido. Pois, uma vez que o relato r se coloca claramente numa posição ontológica diante da crí tica, toda discussão que se afastar desse ângulo de visão estará fugindo ao âmbito do tema. Lembra, portanto, A. C. que o autor está colocando o problema crítico no sentido de saber quais os compo nentes e realidades realidades da obra no seu momento como um ab soluto, e que mesmo que esse absoluto não possa ser cap tado na experiência literária, há claramente um esforço crítico nesse sentido. Assim, analisa o aparteado, dentro dessa posição perm aneceu anece u H. C., discutindo discut indo a legitimidade legitim idade de se disso ciar um ou outro desses desses elementos. elementos. Ainda a intervenção de J. S. procurando contribuir para um alargamento de visão do problema discutido, continuou dentro da reali dade ontológica ontológica da obra. obra. Entretanto, quando foi foi abor dada a questão do catártico catártico ou quando se passou para pa ra o p roblem rob lemaa das nossas reações diante da obra, obra, saiu-se do plano em que o relator se colocou e passamos para outros tipos de enfoque, pois dentro da visão crítica psi cológica e sociológica o ponto de vista já é outro. WILT ON CARDOSO. À apreciação de A. C., suge sugere re W. C. que não lhe parece haver propriamente um desvio total do ponto de vista ontológico no enfoque da obra
de arte, quando esta é apreciada em relação ao seu des tino. Lembra, Lem bra, nesse nesse sentido, as teorias dos sinais lin güísticos, güísticos, segundo os quais a palavra palavra não significa a coisa, mas a idéia idéia da coisa; que uma cadeia sonora sonora não repre senta uma coisa, coisa, uma realidade, realidade, mas uma idéia idéia desta coisa dentro d a realidade. Assim, conclui ele, ele, se o sinal lin güístico, pela sua estrutura, exprime apenas a idéia da coisa, isto é, a coisa no plano da memória memória conforme a experiência de cada um, ainda dentro da conceituação ontológica da obra de arte admite-se essa plurificação plurific ação da próp pr ópria ria obra. obra . ANA TOL ROSEN FELD. A esta esta observação, observação, lembra o relator que aquela visão crítica da obra de arte já consta de seu trabalho com outra terminologia, do que se des culpa W. C., pois tendo recebido a tese há momentos não pudera fazer uma leitura integral. Conclui A. R. que a objeção é certa, mas que o problem prob lem a é ainda aind a mais complexo comple xo do que a simples pala pal a vra, idéia ou coisa e que foi o que procurou abordar no texto. HAR OLD O DE CAMPOS. CAMPOS. Deixando de lado outras dúvidas não pertinentes ao problema enfocado, H. C. chama a atenção para a importância daqueles dois pro blemas blema s que não nã o foram fora m desenvolvidos desenvolvido s pela pel a tese, pois com porta po rtaria riam m um trabal tra balho ho à parte pa rte:: a função funç ão catárt cat ártica ica da obra e a consciência de que a obra de arte possa ser entendida como atividade atividade lúdica. E, sem intuito de de bate, bat e, expõe H. C. o seu ponto pont o de vista vist a que aceita acei ta a função crítica da obra de arte, pois como existe uma Beleza para a contemplação, existe também uma Beleza para pa ra a ação; den dentro tro assim da linha linh a de Ezra Ez ra Pound Pou nd que
considerava a missão do artista como antenas de raça e fusão de responsabilidades perante a linguagem, onde não entra evidentemente apenas o plano lúdico. AN ATO L ROSEN FELD. Esclarece A. R. que em sua tese há um pequeno capítulo dedicado à função fun ção da obra de arte, em que dá a esta apenas a função catártica, como se fosse apenas uma forte solicitação da inteligência. RO BER TO SCHWARZ. Solicita Solicita R. S. um esclareci esclareci mento do ponto de vista de trabalho. Relembra que a comunicação procura estabelecer bem a distinção dos dois níveis: o real e o imaginário, imaginário, colocando este ao nível da experiência vivida, mas funcionando autonomamente e oferecendo todos os critérios para o seu julgamento. Se assim é, pergunta o aparteante de que maneira pode ríamos pensar em distinção entre romance realista e sur realista, ramos que se prendem, que têm intenção mimética, se não escrevemos a gênese do imaginário imaginário para a experiência vivida. Como se poderia fixar fixar aquela dis tinção sem recurso à experiência vivida, exterior ao nível imaginário? AN ATO L ROSE NFEL D. Respondendo à solici solicitação tação,, esclarece A. R. que ao contrário do que acontece na crí tica da realidade empírica, aqui se faz uma diferenciação muito forte e aguda entre o mundo imaginário e a reali dade. Da mesma maneira, é claramente estabelecida uma nítida diferenciação entre ficção e obra científica: na pri meira não há juízos, juízos, como como os há na segunda segunda.. Dentro da ficção ficção se estabelece o mundo imaginário que não tem, passo pass o a passo, passo , referênc refe rência ia com a realidade real idade,, entret ent retant antoo esta fica no horizonte da crítica, embora posta em termos diferentes, uma vez que se refere a seres e objetos esteti camente autônomos.
Lembra ainda A. R. que a realidade, na obra ficcio nal, não é a mesma que aparece na científica ou na ter minologia filológica mas, ainda que seja diferente, sua presenç pre sençaa é indispensável indispe nsável na referênc refe rência ia à obra, obr a, a fim de que possamos distinguir nitidamente uma obra imaginá ria de outra literária, mas que não é imaginária, não é ficção. Assim, conclui o relator, é perfeitamente possível estabelecer-se, na visão crítica, a diferenciação entre uma obra realista e outra surrealista ou expressionista, futu rista, etc., porque haverá sempre a possibilidade de um ponto pon to de referência referê ncia da realidade. realid ade. MANU EL CER QUE IRA LEIT E. A esta esta altura, altura, M. C. L. solicita do autor uma pequena modificação no texto, na passagem do item “A Definição de Hegel”, em que a visão hegeliana da obra de arte está, de passagem, relacionada com o termo “intuição”, na acepção de Croce. Entende M. C. L. que, tal como está redigido o texto, pode pod e dar da r a impressão impr essão de que Croce Cro ce está est á como dependent depe ndentee de Hegel, coisa com a qual ele absolutamente não con corda.
PROBLEMAS LITERÁRIOS1 I. ESSÊN CIA E FUNÇÃO DA LITERATURA LITERATURA
ANA TOL ROSENFEL D. Sem prolongar o debate, pro pôs-se a discutir discu tir mais tarde tar de com o apartea apa rtea nte esse porme por me nor do tema da “intuição” de Croce, em que ele sente, todavia, certa filiação hegeliana.
A obra de arte literária é a organização verbal sig nificativa da experiência interna e externa, ampliada e enriquecida pela imaginação e por ela manipulada para sugerir as virtualidades desta experiência. experiência. A modalidade específica do discurso literário, emocional, imaginativo, ambíguo, irônico, paradoxal, alusivo, metafórico, etc., tende a fazer da obra uma estrutura de significados autô noma que diverge profundamente do discurso científico, referencial, racional, cognoscitivo e puramente instrumen tal. A meta do discurso literário é a comunicação intensa, vivida, da experiência que nele se se organizou. Neste pro cesso é fundamental o papel da língua que não só medeia
PRESID ENT E. Dando por encerrado o debate, o Pre sidente passa a palavra novamente a Anatol Rosenfeld, que como relator passa à exposição da tese de Antônio José Saraiva, A Obra Literária Literár ia com o significante.
1. Esta exposição reproduz, nos pontos fundamentais, apesar de muitos cortes, acréscimos e modificações, o texto de um depoi mento solicitado pelo Sr. Eliston Altmann e publicado no Suple mento Literário de O Estado de São Paulo (n ° 49 5). As ques ques tões focalizadas foram foram formuladas pelo redator mencionado. ( Nota de A. R.)
a experiência, experiência, mas em certa medida a constitui. Todavia, a língua representa só um dos planos da obra literária, embora seja ela que projete os outros planos, tais como enredo, personagens, relações e conflitos conflitos de valores. É a totalidade desses planos que transmite a experiência e interpretação da realidade, graças à organização e com posição posiçã o específicas, no sentido vertical verti cal e horizontal horiz ontal,, da obra. Para transmitir uma experiência ao nível da cons ciência atual é de relevância uma linguagem ao nível da consciência atual. Uma das funções fundamentais da lite ratura contemporânea é, portanto, a renovação da lingua gem, das próprias palavras e dos seus contextos, para li bertá-los bertá -los dos clichês e mistificações mistifica ções que carregam carr egam consigo através das décadas, na medida em que se tornam con chas esvaziadas da vida que antigamente talvez tenham abrigado. O familiar e gasto — e isto é um princípio de toda a arte — deve ser rompido através do insólito e estranho a fim de que uma nova experiência nos atinja intensamente e se torne nova experiência nossa, verdadei ra “inform ação estética”. Cabe ao autor aplicar este mes mo trabalho à composição literária em geral — ao estilo, às metáforas, ao jogo imaginativo, à simbolização, enfim, à estrutura estru tura geral da obra. Os novos problemas, as novas concepções não existem como tais, em termos estéticos, enquanto não se manifestarem, de forma adequada, ple namente assimila assimilados dos à estrutura da obra. O autor con temporâneo cumpre a sua função ao oferecer a experiên cia assim entendida a leitores de quem exige não apenas o consumo passivo — como ocorre quase sempre no caso das indústrias culturais (cinema, tv, rádio, imprensa) — mas a co-produção, ao nível da consciência alcançada pelo texto proposto.
De um modo geral, a literatura amplia e enriquece a nossa visão da realidade de um modo específi específico. co. Per mite ao leitor a vivência intensa e ao mesmo tempo a contemplação crítica das condições e possibilidades da existência humana. Nem a nossa vida pessoal, nem a ciência ou filosofia permitem em geral esta experiência ao mesmo tempo una e dupla. No primeiro caso estamos estamos demasiado envolvidos para ter distância contemplativa, no segundo estamos demasiado distanciados para viver inten samente o conhecimento transmitido. A literatura é o lu gar privilegiado em que a experiência “vivida” e a con templação crítica coincidem num conhecimento singular, cujo critério não é exatamente a “verdade” e sim a “va lidade” de uma interpretação profunda da realidade tor nada em experiência. Na fruição da obra de arte literária podemos assimilar assimila r tal interpr inte rpretaç etação ão com prazer pra zer (viven (vive n do-a e contemplando-a criticamente), mesmo no caso de ela, no campo da vida real, se nos afigurar avessa às nossas convicções convicções e tendências. Em bora não transmitind o nenhum conhecimento preciso, capaz de ser reduzido a conceitos exatos, a obra suscita uma poderosa animação da nossa sensibilidade, da nossa imaginação e do nosso entendimento que resulta prazenteira, como toda fruição estética. Este prazer pra zer pode integrar, através da empatia com as situações fictícias, emoções veementes, sofrimen tos e choques dolorosos, sem que deixe de ser prazer, já que tudo decorre deco rre em nível simbólico-fictício. simbólico-fict ício. En tretan tre tan to, talvez se deva admitir, na arte atual, momentos em que o campo estético-lúdico é invadido por uma “cruel dade” que suspende, em certa medida, o prazer ao im pacto pac to da reali re ali dade da de..
II. LITERATUR A E SOCIEDA DE
Desde Vico, Herder, Hegel, Taine é lugar-comum realçar as relações entre art e e sociedade. sociedade. Herder, Herde r, por exemplo, tentou demonstrar, através da obra de Shakes peare, pea re, que a estrutu estr utura ra da sua drama dra matur turgia gia tinha tin ha de ser di ferente daquela dos gregos por ter a sua raiz numa so ciedade inteiramente diversa da grega. grega. Semelhante con cepção é uma das razões fundamentais do surto romântico, dirigido contra as “regras eternas”, acadêmicas, do clas sicismo que não encarava a literatura como instituição histórica, dependente, portanto, em ampla medida, das variações e mudanças sociais. sociais. A partir parti r daí não se reco nhecem mais “regras eternas”, fato que abriu o processo da incessante renovação das vanguardas. Seria ridículo querer negar hoje que o fato literário se relacione com condições socioculturais gerais, com a posição posiçã o social específica do autor aut or e com a interdep inte rdependê endên n cia entre o autor e os gostos dos variados públicos a que cada autor se dirige, estes por sua vez socialmente con dicionados. Todos esses fatores se manifestam de algum modo na obra. Racine, ápice do classicismo classicismo francês, é condicionado pelo absolutismo, pela etiqueta da corte e pelo gosto da aristocr aris tocracia acia a que se dirigia dirigi a e a que se es forçava por agradar. Fatos como a difusão de periódicos periódicos (relacionada com desenvolvimentos socioculturais) contri buíram buír am para pa ra a constituiçã consti tuiçãoo de novos gêneros (conto, (con to, crô crô nica), a introdução das estradas de ferro, trazendo novas camadas populares populare s às cidades, estimulou a criação de novos tipos de espetáculos teatrais e, assim, de novas formas de dramaturgia. dramatu rgia. Tudo isso sem mencionar que o livro é, entre outras coisas, também uma mercadoria
sujeita a processos processos econômicos. econômicos. Este fato não deixa de influir na produção, no feitio literário, na difusão e no êxito êxito da obra literária. literária. Sobretudo Sobretudo a própria língua é um fato sociocultural, refletindo no seu vocabulário e na sua sintaxe, em certa medida, a estrutura da sociedade e a maneira de como esta interpreta a realidade. Se tais condicionamentos se manifestam na obra, esta por sua vez influi nos respectivos respecti vos públicos, públicos , moldando-lhes moldand o-lhes,, dentro de certos limites, o gosto, as divagações, a ima ginação, a sensibilidade, as atitudes, as valorizações e o comportame nto. Esta influência, evidentemente, é hoje mais poderosa e ampla no caso das indústrias culturais, verdadeiras fábricas de consciências. consciências. Tais indústrias, po rém, baseiam-se parcialmente em elementos literários ou subliterários. Todos esses esses problemas têm sido estudados apenas precariament e segundo critérios científicos. científicos. To davia, não deixa de ser interessante mencionar que histo riadores sérios afirmem dever-se ao teatro jesuíta o fato de a Áustria ter permanecido católica, depois da ampla expansão inicial inicial do protestantismo . Hoje, tal função iria ser exercida, naturalmente, pela tevê e pelo cinema. * Posto tudo isso, é preciso realçar que a relação entre a obra literária e a sociedade é extremamente mediada*' Qualquer simplificação neste terreno desvirtua os fenô menos. menos. De modo algum a obra de arte literári a pode ser reduzida reduzida a condicionamentos sociais. sociais. Nã o pode ser explicada, como um todo estético valioso a partir deles, por mais que estes fatores fato res tenham tenh am influído influí do nela e se ma ma nifestem nos seus vários planos. No processo da criação interferem intensamente elaborações imaginativas e obses sões pessoais que particularizam radicalmente os momen tos socioculturais. A própria própri a obra impõe certos impera tivos estéticos que não podem ser derivados, sem mais
nada, do momento histórico-social, visto decorrerem, ao menos parcialmente, da tradição autônoma de cada gê nero. Esta, embora em bora tenha por sua vez raízes sociais, sociais, não pode pod e ser reduzid red uzidaa a elas e é reelab ree labora orada da de um modo complexo e pessoal, embora sob a influência de novas situações histórico-sociais. Antes de tudo, porém, é preciso frisar que o valor estético de uma obra não pode ser explicado à base de outros fatores. Ele consiste precisamente na integração coerente e significativa dos mesmos num todo que trans cende todos os elementos de que se compõe e todas as condições de que depende. depende. O todo da obra, visando a realçar o essencial, impõe à multiplicidade dos elementos coerentemente integrados uma unidade e força que se co munica através de largos espaços de tempo e em socie dades muito diversas daquela em que a obra surgiu. III III. LITER ATU RA E IDEOLO GIA
Atribui-se ou nega-se muitas vezes à literatura exer cício de funções ideológicas. ideológicas. Se entendemos po r “função ideológica” a decomposição de uma idéia, isto é, o seu uso para justificar determinado estado de coisas precário ou a propagação ou defesa de um sistema espiritual que exprime e racionaliza os interesses estabelecidos de deter minada parte da sociedade, mascarando-lhes a negatividade subjacente, é claro que se deve considerar tal função como contrária con trária à essência essência da literatura . Idéias em si si sublimes como a da justiça social (socialismo), por exem plo, ou as da democrac demo cracia ia e da liberdad libe rdadee (idéias (idéi as funda fun da mentais da burguesia na luta contra o feudalismo e abso lutismo) podem perverter-se a ponto de serem usadas para
encobrir a negação da justiça social ou, no segundo caso, para pa ra mascara mas cararr não só a negação nega ção da justiça justi ça social mas até a supressão da própria liberdade e de outros direitos humanos. A grande obra de arte, assim parece, repele, pela sua própri pró priaa estrutu estr utura, ra, semelhante semelh ante função; função ; ela parece pare ce ser incapaz de pôr-se a serviço da corrupção de idéias. Ela pode apresentar ou mesmo exaltar valores corruptos, mas ao mesmo tempo lhes revelará o cerne íntegro e lhes desvendará o lado corrupto. corrupto. A grande obra literária sem pre pr e revela reve la e nunc nuncaa encobre encob re como a ideologia, no sentido definido. Só o Kitsch, Kitsch, a pseudo-arte, falsifica e é tão cheio de mendacidade como a ideologia. ideologia. A literatura é uma empresa digna digna e humana. humana. É profunda a nossa fé fé de que a grande obra, mesmo se o seu autor por quaisquer obses sões sucumbir a enganos, resiste à função corruptora da ideologia, sendo até capaz de, a despeito do autor, des nudar a sua falsidade para restituir à humanidade a idéia pura pu ra e original de que a ideologia ideolo gia é a perversão. perve rsão. A gran gra n de obra a desmascara pelo menos até o ponto mais avan çado atingido pela consciência de cada época. É caracte rístico que um dramaturgo extraordinário como Calderón, apesar de aprovar o “pundonor” do Homo Ho mo hispanicus, hispanicus , valor cuja perversão se liga à ideologia aristocrático-feudal, não consegue evitar que as suas obras questionem e mesmo, em breves momentos, revelem agudamente a fal sidade e desumanidade desse valor e das atitudes envol vidas. Ao afirmar o poder revelador da obra literária, já se atribui a ela uma função “ideológica” em outra acep ção, no sentido de ela ser manifestação de idéias, de uma “filosofia”, de concepções do mundo ou da sociedade, de exprimir ou mesmo empenhar-se por valores políticos, so ciais, morais ou vitais — embora tal empenho nunca deva
ser exigido exigido ou imposto. Parece que as obras em geral contêm tais momentos, pelo simples fato de manipularem palavras, palav ras, exprimindo exprim indo ao menos (ainda (ai nda que seja sem em penho específico) especí fico) experiências experiê ncias e interpre inte rpretaçõe taçõess da reali real i dade, e lidarem com seres humanos e seus interesses, sen timentos, reflexões, atitudes, conflitos e decisões, sempre ligados a valorizações valorizações e idéias. É inevitável, inevitável, por isso, que à obra se associem associem valores e idéias. A presença deles, a preponderância de uns sobre outros e a maneira de como são organizados, decorre de determinada visão do mundo, também do mundo social (visão religiosa, bur guesa, marxista, etc.) e, em última análise, de determi nada opção prévia, de determinada atitude valorativa em face do mundo, atitude não necessariamente raciocinada e que, na obra, certamente não se reveste de dogmatismo. Roland Barthes tem razão ao dizer que a grande obra repele os dogmatismos. Tais atitudes fundamentais — ideológicas no segun do sentido — tendem a manifestar-se desde logo, para não falar da temática, na escolha de certas palavras, na sintaxe, na metafórica, no estilo, no jogo imaginativo, no impulso rítmico, em toda a estrut ura enfim. enfim. No hexâmetro, no alexandrino e nos seus variados usos e transfor mações através da história, no soneto e nas suas variações históricas ou num poema concreto se externam atitudes e concepções diversas (é característico que Brecht haja desistido da sua tentativa de pôr o sistema marxista em hexâmetros: o resultado teria sido cômico). cômic o). E se alguém, hoje em dia, escreve alexandrinos ou sonetos, exprime com isso — se houver alguma relevância no seu fazer e não apenas um exercício ocasional — uma atitude fun damental, de raízes em última análise “filosóficas” e mes mo “políticas”. Pois os valores políticos, entendidos num
sentido amplo e elevado, fazem parte do mundo humano e nenhuma nenhum a visão humanista human ista pode pô-los pô-los de lado. Goethe, na segunda parte de Fausto, Fausto, usou o alexandrino num sentido bem ideológico: para parodiar o mundo antiqua do do imperador. O que foi dito, refere-se em grau mais acentuado aos gêneros. A epopéia grega exprime exprime uma um a visão mítica do universo e o surgir do drama grego, embora este assimile em parte a visão mítica, importa numa ruptura com a unidade do espírito anterior. É agora que surge, surge, como elemento fundamental, fundame ntal, o diálogo, isto é, é, o “dia-logos”, o logos fragmentado. Essa divisão do espírito é a verda deira origem do drama. É por isso isso mesmo que, que, na tra gédia, surgem pela primeira vez situações radicais em que o homem se vê colocado entre dois valores igualmen te válidos, igualmente sagrados, devendo optar por um deles: matar, por exemplo, a mãe, pois seria pecado não vingar o pai assassinado por ela, ou não matá-la, pois seria pecado igual mata r a mãe. No drama cristaliza-se uma nova interpretação do universo a da posição do ho mem no no universo. universo. Interp retação retaç ão que, poucas décadas de pois, levará leva rá à crítica crít ica aos deuses. Em tud o isso se define uma atitude “ideológica”, política até, ligada ao desen volvimento da Polis Polis ateniense, ao surgir de horizontes mais amplos, de valores diferenciados e em choque. No início da drama dra matur turgia gia européia euro péia encontra enco ntramos mos a obra de Ésquilo. Ésquilo. Logo a primeira peça que veio a nós, Os Persas, Persas, aborda um tema da atualidade política de en tão, a ponto de o herói, Xerxes, ainda ter vivido quando a peça foi foi apresentada em Atenas. De um lado trata-se de uma obra patriótica, festejando a vitória grega sobre os persas. Essa vitória, porém, é focalizada a partir part ir da perspectiva perspe ctiva da derrota derr ota persa, persa , mostran mos trando do o sofrimento sofrim ento que
decorre da hybris, hybris, da soberbia e da ambição de poder desmedida de Xerxes. A peça é, portan to, de outro lado, e nitidamente, uma advertência política dirigida aos com patriota patr iotas. s. É a cond condenaç enação ão da política polí tica imperiali impe rialista sta dos gregos que iria trazer-lhes sofrimentos iguais aos que se abateram sobre os persas. persas. Igualmente política política é a Oréstia em que a própria deusa Atená dirige uma alocução “ideo lógica” ao povo ateniense, de maneira bem brechtiana. Tampouco há hoje dúvidas de que peças como Êdipo e Antíg An tígone one,, de Sófocles, têm teor político, visando a Péricles. cles. Nem é preciso falar de Aristófanes, o maior de todos os comediógrafos, tão político que alguns chama riam este adepto da direita festiva festiva de demagógico. Ideoló gicos em alto grau são algumas peças de Lope de Vega e Calderón, incitando o rei contra os desmandos da aristo cracia. Ent retanto retan to não é preciso multiplicar os exemplos. O que foi exposto, evidentemente não visa a exaltar uma crítica que busca encontrar em todas as obras, com técnicas microscópicas, os momentos ideológicos, embora tal crítica tenha o seu interesse. Tudo que foi dito não preten pre tende de propor pro por os valores valore s ideológicos como os únicos e mais importantes, para não falar do absurdo de querer reduzir uma obra de arte literária a eles. eles. Não é preciso salientar que tais valores somente obtêm relevância esté tica quando assimilados e absorvidos na organização lite rária total da obra. O critério critério de julgamento terá de ser o estético (e não o ideológico), isto é, a riqueza, com plexidade, plexi dade, consistência consis tência e coerência coerênc ia associadas associa das ao poder expressivo da obra como um todo, assim como a função estética que tais valores — anestéticos quando fora da obra — exercem quando integrados nela. É dessa integração profunda no todo que depende a sobrevivência sobrevivência da obr a. Ela depende, por isso mesmo,
da assimilação e elaboração do teor ideológico, apesar da sua peculiaridade histórica, num nível suficientemente essencial e universal para que possa ultrapassar o momen to histórico de que decorre essa peculiaridade. Já não veneramos os deuses de Antígone. Compreendemos, po rém, os valores que representam. E ainda hoje veneramos o heroísmo com que resistiu ao tirano para defender esses valores. IV. IV. CRITICA, TEO RIA E HISTÓRIA LITERÁ RIAS
A crítica, a teoria e a história literárias são discipli nas interdependentes. É impossível separá-las. É impos sível dedicar-se alguém exclusivamente a uma dessas dis ciplinas, sem lidar com as outras de um modo mais ou menos intenso. intenso. Cada Cad a uma delas baseia-se nas outras, nu ma inter-rela ção indissolúvel. indissolúvel. É, em tese, tese, um empreendi empreen di mento válido criticar, digamos, um poema barroco, tirando-o do seu contexto histórico e aplicando critérios atuais. Todavia, é preciso referi-lo, ao menos subsidiariamente, à Poética e às obras da época barroca. barroc a. Uma crítica, por mais radicalmente “sincrônica” que seja, timbrando em focalizar textos do passado a partir de concepções esté ticas atuais, abordando-os como entidades fechadas, auto-suficientes e “simultâneas” no “reino eterno e atemporal” da grande arte, ainda assim tem de manter aberto um horizonte “diacrônico”, pondo em referência (ao menos em parênteses) a visão inerente à época em que a obra surgiu. surgiu. Ela não pode deixar de trabalhar, portanto, com duas consciên consciências cias — a atual e a histórica da obra anali sada, na medida em que tal empatia histórica é possível. Toda crítica séria, ao analisar um texto, pressupõe
— além da visão históric hist óricaa — certos princípios princ ípios gerais, isto é, uma Poética. A mais ligeira descrição ou caracte caracte rização de um texto — mesmo o simples review review — só é possível à base de certa concepção literária geral (mes mo não plenamente conceituada), já que, para salientar tais e tais elementos em detrimento de outros, é preciso ter princípios princ ípios de seleção que natu ralm ente ent e incluem valoravalo rações estéticas. estéticas. A Poética, que procura procu ra sistema tizar tais princípios princ ípios (e nisso natural nat uralme mente nte depende, depen de, por sua vez, da crítica de obras individuais) é parte central da Teoria da Literatura. Sem entrar na confusão confusão terminológica terminológica que reina neste campo, é possível afirmar que a Poética é a parte pa rte que liga a Teoria Teo ria da Liter Li teratu atura ra à Estétic Est éticaa e à Filo Fil o sofia sofia em geral. geral. Ora, não há uma Poética razoável razoável que que não tome em conta a dimensão histórica. E não há uma crítica razoável que não pressuponha uma Poética que tome em conta a dimensão histórica, enquanto a História da Literatura por sua vez pressupõe a crítica de obras in dividuais e princípios acerca do que seja a literatura. Já na Poética Poética de Aristóteles encontramos reunidos a crítica, a história e, naturalmente, os princípios gerais. A sua Poética, no caso a teoria dramática, pressupõe a crítica de obras individuais e a visão ampla da tradição histórica. A crítica e seleção histórica dos dramaturg os nos quais sobretudo se apóia na elaboração da teoria pressupõem pressu põem,, por po r sua vez, princípios princ ípios que decorrem decor rem em parte par te da sua filosofia geral (incluindo (incl uindo a política polít ica é ética) éti ca) e particularmente de certas concepções estéticas gerais (mimese, catarse, verossimilhança, ação concatenada e una, organização, coerência, etc.), isto é, de uma teoria da literatura (e da arte em geral). A crítica de Aristóteles é, de certo modo, “sincrônic a”. Com efeito, o filósofo filósofo parte par te em certa cer ta medida medid a de critérios critér ios contemp cont emporâne orâneos os (do
século IV a.C.) que aplica a uma arte, então já vetusta, do século século V. Mas ao mesmo tempo põe em referência referência a tradição histórica, os juízos críticos da época em que as grandes tragédias surgiram e a estrutura dessas obras modelares. V. O PA PE L DA CR ÍTICA ÍTI CA
Pondo de lado a crítica teórica que se abeira da Poética, fazendo indagações sobre a natureza da litera tura, o papel da crítica literária prática ou militante — quaisquer que sejam os seus variados métodos — é o da mediação. Ela exerce a função mercurial mercu rial do comércio espiritual. Essa função afigura-se de grande importância. Graças a ela, valores elevados de uma cultura são cons ciencializados, postos em circulação e providos de uma acústica sensível sensível e nuançada. nuançad a. O crítico medeia entre a obra individual e o público e entre a obra e o autor — através da análise, interpretação, caracterização e valori zação desta obra. Localiza-a historicam ente, integra-a numa tradiçã o ou a diferencia dela. O crítico medeia, ade mais, entre as concepções estéticas gerais (como vimos antes) antes ) e a obra literária individual. Medeia ainda entre o passado e o presente, caracterizando e selecionando obras do passado em termos atuais, por exemplo, do exis tencialismo, da psicologia moderna, da sociologia, da es tética e da teoria dos nossos dias, sem deixar de tomar em consideração a visão da época em que a obra surgiu. E medeia, enfim, entre o presente e o futuro, particular mente quando, sendo ao mesmo tempo poeta, romancista, dramaturgo, propõe e se empenha por novas soluções, novos estilos, novas técnicas.
Embora hoje não se admita mais a crítica normativa que propõe modelos eternos e embora se procure, tanto quanto possível, respeitar a intenção estética inerente a cada obra (não a aferindo segundo modelos externos), é inevitável que cada crítico se oriente por uma imagem subjacente subjacente da literatura e da sua natureza essencial essencial.. O crítico recebeu esta imagem, nos seus traços fundamentais, da tradiçã o ddoo passado. Cabe-lhe manter mant er esta imagem por po r assim dizer abert ab ertaa e incompleta incom pleta,, não a preenchen preen chendo do em todos os pormenores, para poder abrir-se ao futuro.
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