O P AI DA TRADIÇÃO GNÓSTICA: SIMÃO, O M AGO EXCERTO DA APOSTILA DO CURSO DE FILOSOFIA OCULTA
Fernando Liguori
s raízes das doutrinas que conhecemos como gnósticas foram profundamente influenciadas pelo dualismo masdeísta iraniano que vimos anteriormente. As escolas gnósticas, das mais famosas as menos expressivas, foram formadas a partir da filosofia, teologia e mitologia de outras tradições, sendo a egípcia, o judaísmo, o masdeísmo, o platonismo, as religiões de mistérios e o cristianismo que emergia em franca ascensão. Os gnósticos como uma herança direta do masdeísmo acreditavam que o mundo físico é obra de uma criatura maligna, um espírito das sombras. Para eles a matéria ou a corporeidade é um ato maligno, uma consequência direta das ações de um deus tirano. As fundações da tradição gnóstica e suas muitas escolas ocorreram nos dois primeiros séculos de nossa era. Suas maiores personalidades ou representantes celebrados foram Simão, o mago de Simaria (falecido por volta 65 d.C. em Roma); Basilides (falecido por volta de 140 d.C.) que ensinou em Alexandria e nos seus arredores; Marcião de Sinope (85-160 d.C.) que foi excomungado da Igreja por criar uma teologia chamada marcionismo, que propunha dois deuses distintos, distintos, um do Velho e o outro do Novo Testamento; e Valentim (100-160 d.C.), considerado o teóglogo gnóstico de maior envergadura. Ele teria sido candidato a Bispo pela Igreja de Roma em Chipre, mas quando outro foi escolhido em seu lugar decidiu iniciar um trabalho independente, propondo sua interpretação gnóstica. Muitas eram as escolas gnósticas e seus sistemas eram similares, embora distintos em muitos aspectos. As mais conhecidas eram as escolas dos cainitas, considerada herética por venerar Caim como a primeira vítima do Demiurgo e uma entidade superior àquela que teria dado a vida a seu irmão, Abel; havia a escola dos barbelos, nome que designa inúmeras seitas gnósticas de grupos setianos menores que acreditavam na existência de um espírito primordial, Barbelo, um éon revelado pelo Pai Inominável. Este éon seria o primeiro de uma série de éons que se manifestavam em luz. Embora não declaradamente, mas implicitamente, Barbelo como uma entidade feminina resgata o conceito de Grande Deusa ou deusa primordial dos Cultos a Ísis,
A
Ishtar, Cibelis, Afrodite, Astarté, Asherah etc.; os ofitas eram outro conjunto de escolas gnósticas que escolheram a serpente do G ENESIS como um símbolo para a gnose. Eles acreditavam que Jeová tivera aprisionado a humanidade que deveria se libertar pelos ensinamentos do Cristo, a emanação primeira de Abraxas. Essas inúmeras escolas, seitas, grupos e subgrupos gnósticos com doutrinas diversas, antagônicas e divergentes, assim existiam em harmonia porque não houve a tentativa de sistematizar o gnosticismo em uma doutrina ortodoxa. Ao contrário, eles encorajavam a criação de novas escolas e o pensamento diverso. E esse é um dos maiores obstáculo no estudo das tradições gnósticas. Essa diversidade de pensamento e a criação de inúmeras escolas fazia parte do processo de iniciação. Os estudantes eram encorajados a se tornarem líderes de seus próprios grupos, originando inúmeras seitas. No entanto, todos esses grupos e subgrupos aderiam à visão estreitamente dualista, a dicotomia entre o reino espiritual – ou Bem - e o reino material – maligno e regido por arcontes. Para os gnósticos a transcendência absoluta de Deus, quer dizer, o Pai do Espírito , não é maculado por nenhuma degradação material. A salvação da Alma na tradição gnóstica ocorre na profunda experiência espiritual de união com Deus, a experiência direta com Ele ou o Conhecimento dela advindo, quer dizer, a gnose. Não se trata de um conhecimento intelectual, mas o Conhecimento da própria transcendência de Deus. Ser um gnóstico é ser um eleito, um homem chamado pela fonte da luz transcendente além da ordem natural cósmica. Para retornar a essa fonte de luz, o gnóstico deve transpor uma série de Aiôns, ciclos existenciais que atuam como paredões entre o mundo m undo e os reinos de luz e perfeição. Essas características comuns são compartilhadas por toas as escolas, além de outras influências neoplatônicas e estoicas. Quando contrastada com a tradição judaica-semita, a interpretação do LIVRO DO GÊNESIS muda completamente. Os gnósticos acreditavam que Jeová (Yahweh Elohim), o criador deste mundo, era o Maligno. Chamado por muitos gnósticos de Ialdabaoth, ele teria criado o mundo e os homens que o habitam, mantendo toda humanidade escravizada e separada da luz transcendentes de Deus. O Salvador da humanidade é uma Serpente ( nachash) que se estendia como uma ponte de luz que atravessava todo o cosmos. Estes gnósticos dos primeiros séculos, principalmente os ofitas e os naassenos, eram a versão na Antiguidade do que hoje conhecemos como magistas de mão esquerda. Seu objetivo era tornarem-se deuses em vida mantendo suas personalidades enquanto perpassavam todos os aiôns até chegarem à fonte da luz. Essa seria, portanto, a verdadeira iniciação cristã. Simão, o Mago é considerado por muitos como o pai do pensamento gnóstico. Muito do que sabemos de seus ensinamentos nos foi legado pelas obras dos primeiros pensadores cristãos que não aceitavam o ponto de vista dos gnósticos. Mas os relatos de sua vida são bem precisos, uma vez que tudo o que disseram foi posteriormente confirmado pelos próprios textos gnósticos. Os relatos de guerras mágicas entre os magos ( magoi | goēs) com
os apóstolos de Jesus tratam-se propaganda sectária. A história de Simão, o Mago, é amplamente conhecida por seu relato nos A TOS DOS APÓSTOLOS. Simão nasceu e viveu em Samaria, uma região onde eclodiu inúmeros movimentos inconformistas com os pontos de vista dos judeus. Ele era filho de uma feiticeira judia, mas foi educado na Alexandria. Se tornou discípulo de um mago árabe chamado Dositheus, que muitos acreditam ter sido seguidor de João Batista e o autor de um papiro gnóstico conhecido como A S TRÊS ESTELAS DE SET ou A REVELAÇÃO DE DOSITHEUS. Os pesquisadores concordam que Simão fez muitas viagens e absorveu a cultura espiritual de muitos povos, da Pérsia a Arábia e o Egito. Quando Dositheus morreu, por volta de 29 a.C., Simão assumiu seus discípulos que antes eram conhecidos pela alcunha de dositianos, mas depois passaram a ser conhecidos como simonitas. Dositheus possuía uma discípula cujo nome era Helena. Ela era uma prostituta de Tiro se tornou discípula e amante de Simão após a morte de Dositheus. Alguns pesquisadores sustentam que a Helena discípula de Dositheus não era a mesma Helena discípula e amante de Simão. Seja como for, sua concubina era uma prostituta a qual se deitava com ele em operações mágicas que envolviam o coito sexual e a utilização de secreções como sêmen e menstruação. A história conta que Simão morreu em Roma na ocasião de uma guerra mágica com os apóstolos Pedro e Paulo. Um relato diz que ele morreu tentando alcançar o céu enquanto Pedro orava para que ele falhasse. Outro relato diz que ele morreu queimado, tendo falhado em se ressuscitar. É muito provável que Simão tenha sido iniciado em uma Escola de Mistérios iraniana, daí o nome de mago que ele sustentava. Essa Escola Sacerdotal de Mistérios teria sido muito famosa e badalada por toda Mesopotâmia e Ásia Menor. Mas a importância de Simão é seu legado as ideias e pontos de vista que mais tarde inflamaram o coração de muitos gnósticos. Ele foi professor do famoso Menander, que realizava o banho da imortalidade , onde era dito descer do céu um fogo celestial que pairava sobre as águas e infundia poderes miraculosos no mago. Menander foi o professor de Saturnino e Basilides, importantes professores gnósticos. O pensamento cosmológico aplicado por Simão era uma mistura de gnosticismo e neoplatonismo e que mais tarde seria uma característica forte e presente em muitos núcleos gnósticos que se formaram depois de sua morte. Ele insistia que a Criação não tem nada a ver com a Mente Universal (nous), o verdadeiro e único Deus e que essa Mente Universal nem fazia ideia da existência do plano material. O mundo, dessa maneira, não se tratava de uma criação divina, mas uma criação maligna, fruto da demência de um demiurgo maldoso que os judeus chamavam de Deus Criador: Yahweh Elohim. Portanto, todas as Leis desse Deus Criador seguidas pelos judeus deveriam ser evitadas, pois se tratava de uma série de dogmas inventados para escravizar a alma humana. Dessa maneira Simão, o Mago ensinava uma doutrina libertária e antinomiana, uma prática que quebrava todos os códigos norma-
tivos para obtenção de salvação espiritual, uma típica doutrina de mão esquerda gnóstica dos primeiros séculos da era cristã. 1 No sistema de iniciação proposto por Simão, o Mago, a primeira emanação celeste ou aiôn conhecido como Sophia descia através de todos os aiôns e encarnava em um corpo humano. Essa emanação passava de corpo a corpo com o passar dos anos, transfigurando-se de mulher para mulher. Somente os governantes escolhidos de cada época podiam possuir essa mulher que carregava a primeira emanação celeste. Ela teria sido Helena de Tróia e Simão acreditava que no período em que ele esteve vivo a sua consorte, Helena, a prostituta de Tiro, era a própria encarnação de Sophia. Na mente de Simão isso somente era possível porque ele mesmo era a encarnação do próprio Deus Único. Na teologia de Simão, portanto, o Nous redimia Sophia. Os gnósticos praticavam teurgia. Não se tratava de uma prática de magia para infundir qualquer mudança na natureza, pois isso seria fonte de mais ignorância no mundo. Toda prática espiritual dos gnósticos envolvia o único objetivo de se aperfeiçoarem espiritualmente na vida, um treinamento para Alma conquistar direito a Luz após a morte do corpo físico. Isso envolvia o conhecimento de nomes de bárbaros poder que a Alma utilizava para penetrar nos aiôns. Estes nomes bárbaros de poder foram amplamente difundidos na Antiguidade através dos PAPIROS MÁGICOS GRECO-EGÍPCIOS. Esses papiros como estamos estudando em nossas lições, foram também amplamente condenados como o que de pior a cultura grego-romana-egípcia produziu. No entanto, eles têm profunda influência gnóstica e foram diversamente usados por gnósticos. Isso prova que a cultura grego-egípcia da magia fazia parte do cotidiano diário de muitos cristãos primitivos dos primeiros séculos e autoridades como Jesus, seus apóstolos e Simão, o Mago eram magistas genuínos dotados de poder e envergadura espiritual. Neste ponto nós chegamos ao nosso último interregno:2 o título de ma go dado a Simão era funcional ou difamante? Na Antiguidade a palavra ma geia era utilizada em dois contextos distintos: ele designava o exercício da astrologia, oniromancia, predição ou cura, um significado que conecta o termo a função sacerdotal dos paidagogos persas, como vimos na seção anterior. Outra designação, dessa vez negativa e pejorativa, era a atividade charlatã de feitiçaria e comércio com espíritos, um significado que conecta o termo a goécia ( goēteia) e seus feiticeiros ( goēs). Calisteno por volta do Séc. IV a.C. em sua obra A VIDA DE ALEXANDRE MAGNO, imputa a Nectanebo (que faleceu por volta de 343 a.C.) rei do Egito, a seguinte declaração: Eu sou um profeta egípcio, mago e astrólogo . E em sua obra D E VITA MOSIS, Fílon de Alexandria (falecido por volta de 25 a.C.), falando sobre Barac, diz que ele recebia um espírito profético e que tal proeza não poderia ser praticada por uma Alma 1 O termo
tradição de mão esquerda ou mago de mão esquerda é uma invenção moderna, a tentativa de resignir esignificar uma doutrina tântrica que já existia bem documentada desde o Séc. IV d.C., embora fosse vastamente mais antiga. 2 Veja Lição 1 do Curso de Filosofia Oculta : MAGEIA & GOĒTEIA #1. Essa seção sobre Simão, o Mago é uma continuação deste texto.
inferior, praticante de feitiçaria. Dessa maneira, embora haja essa dicotomia entre o significado real e o pejorativo, mageia tratava-se do conhecimento das leis invariáveis que governam a natureza e seus ciclos, os seres humanos e a demiurgia dos deuses. O que os magos queriam era unir à ciência uma compreensão das forças divinas. Como vimos anteriormente na Lição 1, Hipócrates, um dos personagens mais badalados da medicina, não lhes perdoa por isso. Em seu S OBRE A DOENÇA SAGRADA , um texto sobre epilepsia, 3 ele diz: Com esse discurso e esses artifícios eles pretendiam possuir um saber superior, e enganam o mundo, prescrevendo expiações e purificações . Em seu ALEXANDRE OU O FALSO PROFETA , Luciano de Samósata (120-192 d.C.) diz que mageia
trata-se da arte de lançar sortilégios e fazer feitiços. Já Filóstrato em seu A VIDA DE APOLÔNIO DE TIANA condena o uso pejorativo da palavra magia e Plutarco em seu A VIDA DE ALEXANDRE defende positivamente a prática da magia como uma arte sacerdotal ensinada a príncipes e reis. Fílon chega a defender os magos como pessoas de alta cultura e os feiticeiros ele acuas serem charlatões.4 O magoi do primeiro século é uma figura importante e proeminente das práticas religiosas e medicinais, embora controverso. Como vimos anteriormente, deles se falava mal e seus poderes e práticas eram detestadas, pois já naquela época as fontes da sabedoria por eles transmitida eram deveras obscuras, comprometendo sua aceitação, sempre tidos com desconfiança. Carregar a alcunha de mago, portanto, podia levantar controversas disputas teológicas e religiosas. Teólogos gregos e latinos, padres e bispos da Igreja de Roma não se privavam de usar a palavra mageia como um rótulo sulfuroso. Lucas descreve outro mago, um judeu chamado de Bar-Jesus ou Elimas, que significa sábio, de falso profeta. A Simão Lucas imputa o título de feiticeiro usando a palavra magoi (e seria mais adequada a palavra goēs). Ao analisar OS ATOS DOS APÓSTOLOS nota-se que não existe uma diferença real entre o mago taumaturgo e o evangelista cristão. Isso é claramente observado pelo vocabulário que se usa: Simão deixa os samaritanos maravilhados com seus atos de magia. Filipe, o evangelista, realisa prodígios e poderosos milagres que deixam Simão maravilhado .5 Disso perguntamos: qual a diferença entre a mageia de Simão e a semeia de Filipe? Lucas não fornece nenhuma informação sobre o que seria a mageia de Simão, embora descreva semeia como um
ato de cura. Nada nos impede, portanto, de tentar encontrar uma equivalência entre as palavras, uma vez que elas descrevem prodígios sobrenaturais 3 Nesse
trabalho hipocrático do Séc. V a.C. é refutada a tese de que a epilepsia teria origens espirituais: Os pri-
meiros a declarar sagrada essa doença foram, em minha opinião, o que hoje são os magos, os expiadores, os sacerdotes mendicantes e os charlatões, todos aqueles que exibem piedade e conhecimentos superiores. Vestindo, pois, a divindade como um manto e como um pretexto para disfarçar a sua impotência em providenciar algo de útil, eles afirmam que aquela doença era sagrada, a fim de que a sua ignorância não se tornasse manifesta.
(6.354s). 4
Ninguém pode ser elevado ao trono deste país [i.e. a Pérsia] sem ter frequentado a grande família dos magos. Mas desta magia existe uma falsa imitação que é, a bem dizer, a arte de fazer o mal: é aquela cultivada pelos sacerdotes mendigos, charlatões e uma corja de mulheres e escravos que prometem exorcismo e curas de quebranto [...]. Eles se ligam as almas tristes e ingênuas que eles enganam, aliciando-as até que suas vítimas atraiam sobre si as maiores desgraças . Fílon de Alexandria, citado por Daniel Marguerat em A PRIMEIRA HISTÓRIA DO CRIS-
TIANISMO, p. 146. 5 ATOS DOS APÓSTOLOS, 8:9-13.
(taumaturgia).6 O uso do termo nos três versículos 7 chama a atenção e coloca Simão e Filipe, de certa maneira, em equivalência de poder sobrenatural . Então outra questão nos surge: qual é de verdade a linha que separa a taumaturgia dos magos dos milagres dos evangelistas? O que fica bem claro é que Lucas trata distintamente os casos de Simão e de Bar-Jesus. Com o primeiro ele lida com a questão do poder espiritual, com o segundo a questão do poder da palavra. A história de Simão se desenvolve da seguinte maneira nos A TOS DOS APÓSTOLOS (Cap. 8):
Versículos 9-11: os atos de taumaturgia de Simão lhe conferem desta-
que entre os samaritanos, maravilhados por Simão. Versículos 12-13: com a chegada de Filipe, o evangelista, Simão perde destaque e prestígio; no entanto, o próprio Simão dá crédito a Filipe, que de tão admirado, se deixou ser batizado . 24: a intervenção de Pedro, considerado superior a Fili Versículos 18- 24
pe na arte do batismo e transmissão do Espírito, leva Simão a propor a compra do poder de transmitir o Espírito. O que une essas três passagens, o fio condutor entre elas, é a graduação de transmissão de poder espiritual: Simão fora grande como Filipe até a chegada de Pedro, que era um gigante perante os dois. A proposta de Simão, por fim, comprava que seu interesse não era genuinamente espiritual, demonstrando sua busca por poder apenas. Simão teria sido o fundador do simonianismo, um movimento gnóstico que cresceu tanto no Séc. I d.C. que levou os padres da Igreja como Irineu de Lião, o pacificador (140-202 d.C.), bispo e teólogo, a considerar Simão o pai da gnose. Mas nos ATOS DOS APÓSTOLOS Simão aparece como um magoi com poderes mágicos,8 não um gnóstico. Simão tanto se denominava quanto era aceito como uma encarnação divina, um theios anèr . Mas Irineu acusa Simão de fingir ter fé e ter se enganado pensando que os apóstolos operavam milagres por meio da magia como ele. Para os padres da época Simão era um hipócrita. E mesmo não sendo possível averiguar a profundidade de sua fé e a envergadura espiritual de seu batismo, era altamente questionável sua busca por poder e sua fixação nos prodígios e milagres produzidos por Filipe. No entanto, mesmo tendo sido batizado a cruz do passado de Simão levoulhe a tentar comprar a transmissão do Espírito. Diante de suas ações, Pedro excomunga e amaldiçoa Simão. É possível pensar que Simão foi um produto de seu tempo: no Séc. I d.C. a região de Samaria abrigava uma ecumênica confluência de tradições espirituais pagãs, semitas, gnósticas, neoplatônicas e cristãs, favorecendo o sincretismo que vemos nos PAPIROS MÁGICOS GRECO-EGÍPCIOS. A pena sofrida por 6 Veja ATOS DOS APÓSTOLOS, 2:7-12; 9,21; 10:45; 12:16. 7 ATOS DOS APÓSTOLOS, 8:9, 11 e 13. 8 ATOS DOS APÓSTOLOS, 8:10.
Simão representava um alerta a comunidade cristã, pois em um amalgama como esse o Evangelho não tem parte e nem direito .9 Se não é nítida em primeira análise uma distinção entre a magia de Simão e os milagres de Filipe, não podemos deixar de considerar que Lucas queria estabelecer uma diferença de caráter, não de poder espiritual. Em ATOS DOS APÓSTOLOS Lucas esboça (8:5-8) a imagem do evangelista cristão. Com isso ele prepara o leitor que, ao ler seu relato sobre Simão, já possui conhecimento para discernir entre um mago e um evangelista. E quando avaliamos todo o relato sobre Simão de uma perspectiva mais ampla, podemos destacar: 1. Simão se engrandecia ao declarar-se grande (8:9) e Filipe fazia tudo em nome de Cristo (8:5). Plutarco em OBRAS MORAS (539a) diz: Falar aos outros sobre si mesmo como alguém importante ou poderoso, todos declaram enfaticamente que isso é insuportável e grosseiro. Como elo giar a si mesmo sem suscitar suscitar inveja?
2. Simão fala de si mesmo enquanto que Filipe fala do Reino e em Nome de Outro. 3. Simão pretende adquirir poder e carisma espiritual através de dinheiro. Pedro, no entanto, fala sobre um dom espiritual . Simão queria fazer de um dom outorgado pela liberdade de Deus uma mercadoria. Dessa maneira, por não aceitar verdadeiramente a boa nova do Reino de Deus e do nome do Senhor Jesus Cristo (8:12), Simão deixa a cruz de sua velha vida lhe consumir. Então o que fica evidente é a crítica que Lucas constrói: os dons espirituais que são dádivas de Deus não podem ser instrumentalizados instrumentalizados para lucro pessoal ou ganho de poder; tão pouco a fé pode ser usada como objeto de engrandecimento e autoafirmação. Como temos enfaticamente enunciado em nossos estudos, a distinção entre um teurgo ou o que o cristianismo chama de evangelista de um feiticeiro taumaturgo é seu código de ética. Simão é desacreditado não por suas proezas taumatúrgicas, mas por causa de suas intenções escusas mais profundas como apego ao poder (8:9-11) e sua deontologia, quer dizer o uso de dinheiro para comprar um dom espiritual (8:18-20). Quando Pedro entrou em cena a discrepância ética, moral e espiritual entre eles mostrou-se gigantesca. Assim, do ponto de vista do Evangelho, o que desqualifica um mago é sua postura perante Deus. Quando Pedro exorta Simão a exercitar a metanoia (8:22), este responde: Rogai vós (8:24). Com essas palavras Simão não está mesmos ao Senhor em meu favor (8:24). reconhecendo o poder apostólico de Pedro, mas ao invés disso, trata-se de uma manobra para tentar obter o perdão através da representatividade de alguém moralmente e espiritualmente superior. Os duelos e guerras mágicas que ocorriam nas fundações do cristianismo no Séc. I d.C. são o reflexo de uma dicotomia entre a prática da magia e o exercício da religião popular. Longe de ser novo, como temos enunciado, a 9 ATOS DOS APÓSTOLOS, 8:21.
magia esteve sempre a margem da polis desde o Séc. V a.C. e se primeiro a magia era denegrida em detrimento da religião grega popular e da visão mística dos filósofos, o mesmo ocorreu entre os praticantes pagãos de magia e a prática do cristianismo no período Imperial. A partir de fontes mais antigas nós sabemos que a magia sempre esteve presente no desenvolvimento da consciência humana. Desde a Palestina e todo território do Mediterrâneo na Antuguidade clássica, média e tardia, a magia esteve presente no dia-adia das pessoas, dos santuários nas casas aos templos dedicados aos deuses. No tempo em que Jesus viveu e no período que acompanhou sua morte (e ressurreição), cristãos acusavam judeus e pagãos de praticar magia e os pagãos e judeus acusavam os cristãos de praticar feitiçaria. Judeus acusavam pagãos e cristãos. Pagãos e cristãos acusavam os judeus. E mais interessante, os cristãos acusavam outros cristãos de praticarem magia. Seja como for, é muito fácil reconhecer nas ações de Jesus os atos e métodos de cura e exorcismo de um mago e se a tradição diz que o mago tem controle sobre as criaturas da natureza, daimones de todos os tipos, Jesus possuía autoridade sobre todas essas mesmas criaturas espirituais, mais tarde reconhecidas na cristandade pelo nome de demônios. E além disso parece ingenuidade pensar que Jesus não fosse um homem de sua cultura, local de nascimento e tempo, um tempo onde a magia fazia parte do cotidiano de todas as pessoas. Vamos nos lembrar que um homem que transcende sua cultura e ao mesmo tempo faz uso de sua linguagem e métodos trata-se de uma idealização teológica e não tem relação direta com os fatos. Esse é um dos motivos do cristianismo ter causado tanta aversão aos filósofos de seu tempo: a teologia era algo que eles já haviam inventado bem antes da cristandade e por isso conheciam seu poder. Nós votaremos a esse tema, magia vs religião , ao abordarmos a influência cristã e semita na Tradição Hermética de Mistérios.
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Sobre o Autor: Fernando Autor: Fernando Liguori é hermetista praticante e escritor interessado em Cristianismo, Neoplatonismo, Tradição Salomônica, Magia na Antiguidade, Filosofia, Yoga, Tantra, Āyurveda, Xamanismo e Cabala Crioula. É Patriarca e líder fundador da Igreja da Luz Hermética (Ecclesiae Lvx Hermeticae), uma Igreja Cristã Neoplatônica de Ciências Ocultas que inclui o Colegiado da Luz Hermética , uma Escola Neoplatônica de Iniciação nos Mistérios e treinamento sacerdotal. Nós celebramos os Mistérios & Arcanos da Iniciação através do conhecimento inspirado transmitido por Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino, Jâmblico, Dionísio, o Areopagita, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e Marsílio Ficino. Somos uma comunidade cristã, teúrgica e cumênica fundada na cidade de Juiz de Fora (MG). Nós nos esforçamos para nos engajar na veneração do divino e alcançar o autoconhecimento celestial.
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