Rafael Massunari Maenosono
Sistemas Adesivos Aplicações clínicas das evidências científicas 1ª Edição
Bauru - SP Edição do Autor 2017
Rafael Massunari Maenosono
Sistemas Adesivos Aplicações clínicas das evidências científicas 1ª Edição
Bauru - SP Edição do Autor 2017
1ª Edição Versão e-book ISBN 978-85-922353-1-4 978-85-922353-1-4
© 2017 by Rafael Maenosono Direitos reservados ao autor. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida reproduzida ou usada de qualquer qualquer forma ou qualquer meio eletrônico ou mecânico, sem a permissão do autor.
Rafael Maenosono
Al. Dr. Octávio Pinheiro Brisolla, 6-65 - Vila Santa Tereza 17012-901 - Bauru - SP Tel: (14) 3206 6563
[email protected] [email protected] / www.rafaelmaenosono.klick www.rafaelmaenosono.klickpages.com.br pages.com.br
SUMÁRIO
Introdução
6
Nortes da odontologia odontologia contemporânea contemporânea
8
Longevidade clínica das restaurações adesivas
11
Adesão aos diferentes substratos dentários
14
Classificação dos sistemas adesivos
18
Mecanismos de degradação da camada híbrida
21
Técnica de aplicação dos sistemas adesivos convencionais
29
Técnica de aplicação dos sistemas adesivos autocondicionantes
34
Conclusão
36
Referências bibliográficas
37
Sobre o autor
40
Introdução O
desenvolvimento
dos
sistemas
adesivos
proporcionou verdadeira revolução nos procedimentos restauradores, permitindo a realização de preparos biomecânicos mais conservativos e resultados estéticos extraordinários. No entanto, para a obtenção de sucesso à longo prazo (comprovado por pesquisas), as etapas de aplicação dos sistemas adesivos devem ser seguidas sistematicamente, já que um único passo inadequado pode
levar
à
uma
falha
restaurações.
6
bastante
precoce
das
O objetivo deste livro é guiar o cirurgião-dentista quanto à seleção e à aplicação dos sistemas adesivos para obtenção de resultados mais satisfatórios, utilizando conceitos baseados em evidências científicas de alto impacto publicadas nas principais revistas da área, no entanto trazidos de forma clara e objetiva para imediata compreensão e prática no consultório odontológico
7
Nortes da odontologia contemporânea
A utilização de sistemas restauradores que se aderem à estrutura dentária difundiu-se amplamente pois segue dois princípios que norteiam a odontologia contemporânea: a máxima preservação da estrutura dentária sadia, e a busca por resultados estéticos de excelência. O primeiro princípio advém da compreensão de que, nenhuma restauração, seja ela direta ou indireta, metálica, cerâmica ou polimérica, será eterna. Em algum momento da vida do indivíduo essas restaurações irão falhar, e existe a tendência de que a cavidade realizada para tratar as restaurações insatisfatórias sejam sempre mais invasivas que as cavidades prévias, determinando assim um ciclo restaurador que pode levar à completa destruição dos dentes. Desta forma, o ideal é que as cavidades confeccionadas para o tratamento de lesões cariosas (primárias ou de recidiva) sempre proporcionem o mínimo de desgaste de estrutura dentária sadia.
No passado, a confecção de cavidades mais conservativas era impraticável, uma vez que o amálgama, material restaurador disponível na época, não apresentava adesão à estrutura dentária, sendo portanto necessária a confecção de um preparo biomecânico com paredes retentivas, capazes de reter o material dentro da cavidade após sua cristalização (forma de retenção). Além disso o amálgama não oferece resistência suficiente para suportar os esforços mastigatórios caso apresente uma espessura inferior a 2mm (forma de resistência).
Neste
caso,
cavidades
rasas
eram
aprofundadas para determinar forma de resistência ao preparo, contribuindo assim para um maior desgaste de estrutura dentária. Com o advento dos sistemas adesivos e das resinas compostas, este paradigma pôde ser alterado, uma vez que este material restaurador apresenta adesão à estrutura dentária, e portanto não necessita mais de paredes convergentes para oclusal para se manter na cavidade. Também devido à adesão, e às propriedades mecânicas da resina composta, este material também pode ser utilizado em espessuras menores sem que se 9
frature, fatores que contribuíram para a redução do tamanho das cavidades, fazendo com que a odontologia restauradora se tornasse mais conservativa. O segundo princípio abordado neste capítulo é a busca por tratamentos restauradores estéticos, e neste contexto o advento da adesão foi preponderante para os avanços atingidos atualmente. Independente da técnica restauradora, direta com resinas compostas, ou indireta com as cerâmicas odontológicas, o desenvolvimento de satisfatória adesão à estrutura dentária permitiu que o cirurgião-dentista realizasse com sucesso tratamentos estéticos
como
fechamento
de
diastemas,
reanatomização de incisivos laterais conóides, facetas diretas e indiretas convencionais e minimamente invasivas, entre outros. Há quem acredite ser supérflua a realização de um tratamento restaurador estético, no entanto, para um indivíduo que tem dificuldade ou vergonha de sorrir e se socializar, estes tratamentos podem verdadeiramente transformar a vida do paciente, curando-o num contexto emocional e social.
10
Longevidade clínica das restaurações adesivas
Quem nunca ouviu alguns colegas dizerem “resina composta não presta, na minha boca só amálgama” ? Com certeza muitos profissionais e até muitos professores já disseram isso, e de certa forma com razão. Se verificarmos hoje a qualidade média das restaurações de resina composta que encontramos no dia a dia percebemos que, de fato, o amálgama apresenta comportamento superior em termos de longevidade clínica. No entanto, quando procuramos dados científicos da literatura especializada, como na revisão sistemática
conduzida
por
Ástvaldsdóttir
A.
e
colaboradores,1 publicada no Journal of Dentistry em 2015 (uma das revistas de maior impacto na odontologia, qualis A1 - CAPES), é possível observar que a taxa de sobrevivência das resinas compostas em dentes posteriores é de 89% após seis anos, e 86% após doze anos. Ainda mais surpreendentemente, em um ensaio 11
clínico controlado e randomizado conduzido por Ulla Pallesen e Jan W. V. van Dijken,2 publicado no Dental Materials em 2015 (também qualis A1 - CAPES) foi verificado que a taxa de sobrevivência das restaurações de classe II de resina composta foi de 66,3% (quase dois terços) após trinta anos, isso mesmo, TRINTA ANOS. Outro estudo que chama atenção é um conduzido por Opdam NJM e colaboradores3 em 2007 (publicado na Dental Materials), em que foram avaliadas mais de 900 restaurações de amálgama e mais de 1900 restaurações de resina composta. Neste estudo, a porcentagem de restaurações satisfatórias no último recall foi de 79,2% para amálgama e 82,2% para resina compostas (sem diferenças
estatísticas),
ou
seja,
os
materiais
apresentaram comportamento clínico semelhante. Após conhecer esses dados científicos, fica a grande pergunta: por que será que nós vemos tantas falhas em restaurações de resina composta no dia a dia? A resposta provavelmente está na sensibilidade da técnica. Ao confeccionar uma restauração de amálgama, mesmo com um pouco de umidade e alguns pequenos erros, o material apresenta comportamento satisfatório 12
(técnica menos sensível), por outro lado, se não respeitarmos corretamente e sistematicamente todas as etapas clínicas, desde o condicionamento com ácido fosfórico até a fotoativação do último incremento de resina composta, este material pode sofrer sérios problemas, o que em parte explica o grande número de resinas compostas insatisfatórias que encontradas diariamente. Nas pesquisas científicas, geralmente os operadores são sistematicamente treinados para que não ocorram falhas durante o procedimento restaurador, o que possivelmente explica o motivo pelo qual as resinas compostas apresentam comportamento mais satisfatório em pesquisas. Para compreender adequadamente como deve ser realizada cada etapa da aplicação dos sistemas adesivos, é extremamente relevante conhecer como foi obtida a adesão ao esmalte e à dentina.
13
Adesão aos diferentes substratos dentários
A adesão acontece de forma diferente no esmalte e na dentina, por isso é extremamente importante compreender essas diferenças para correta utilização dos sistemas adesivos. Os primeiros indícios de adesão em esmalte são de 1955, nos estudos de Buonocore4 em que o autor utilizou ácido fosfórico para condicionamento do esmalte, seguido da aplicação de resina. Para se ter uma idéia, a adesão era medida em horas (quanto tempo demorava para as resinas cairem dos dentes), e no artigo o autor descreve que, “até o momento nenhuma das resinas se soltaram quando o condicionamento ácido fora realizado”. Posteriormente descobriu-se através de avaliações com microscopia eletrônica de varredura que o ácido fosfórico criava micro-retenções no esmalte (pequenas fendas) por onde as resinas se infiltravam e, ao se polimerizarem, aderiam-se fortemente à esta 14
estrutura dentária. Para melhorar a infiltração das resinas nessas micro-retenções atualmente utilizamos os sistemas adesivos, cuja composição inicial é semelhante à das resinas compostas, no entanto sem cargas e com baixa viscosidade (mais fluido) para aumentar sua penetração no esmalte condicionado. Vale salientar portanto que, para melhor penetração do adesivo nas micro-retenções, idealmente o esmalte deve estar seco. Este mecanismo de adesão ao esmalte é ainda utilizado atualmente e pode ser considerado bastante confiável e duradouro, e isso acontece porque os principais mecanismos de degradação da interface dente e resina composta não acontecem neste substrato, no entanto antes de falar da degradação, é necessário compreender como ocorre a adesão à dentina. A adesão à dentina é um processo bem mais complexo,
principalmente
devido
à
maior
heterogeneidade do substrato. Como apresenta grandes quantidades
de
fibras
de
colágeno,
o
mesmo
condicionamento com ácido fosfórico seguido de secagem do substrato não proporciona adesão entre dentina e resina. Observou-se que o condicionamento 15
ácido proporcionava desmineralização da matriz de hidroxiapatita, mas causava a exposição das fibras de colágeno que se colabavam ao serem ressecadas, impedindo a penetração dos sistemas adesivos. Verificou-se posteriormente que era possível evitar o colabamento das fibrilas de colágeno mantendo-se a umidade do substrato dentinário, no entanto, os sistemas adesivos desenvolvidos até o momento eram totalmente hidrofóbicos (assim como óleo, não se mistura com a água) e não tinham a capacidade de penetrar na dentina úmida. Foi somente em 1982, com as pesquisas de Nakabayashi,5 que foi desenvolvido um primer hidrofílico, um agente de união capaz de penetrar nas fibras de colágeno úmidas (e não colabadas), e em seguida polimerizar-se com uma segunda camada de adesivo hidrofóbico. Neste momento surgiu o termo “camada híbrida” que se refere à camada de dentina úmida infiltrada pelo agente hidrofílico. Pela primeira vez obteve-se uma efetiva adesão à dentina, e o método para a obtenção é até hoje reconhecido como “padrão ouro”, e consiste em três passos: condicionamento da 16
dentina com ácido fosfórico 37% por 15s, lavagem abundante,
aplicação
do primer hidrofílico,
posteriormente aplicação do adesivo hidrofóbico.
17
e
Classificação dos sistemas adesivos Após a obtenção da adesão em dentina, surgiram os sistemas adesivos atualmente classificados como sistemas adesivos convencionais de três passos. Inicialmente os sistemas adesivos foram classificados em gerações ao passo que a indústria incorporava novas soluções (que serão discutidas nesse capítulo), no entanto esta classificação não favorecia a didática e gerava muitas dúvidas, portanto foi substituída pela classificação de Van Meerbeek 6 de 1998. Nesta classificação, o termo “convencionais” ( etch-and-rinse em inglês) significa que é um tipo de sistema adesivo que necessita da utilização do ácido fosfórico para desmineralizar tanto esmalte quanto dentina para que ocorra sua penetração no substrato. O termo “três passos” é referente ao número de passos para se obter a adesão: 1º Condicionamento com ácido fosfórico 37%, 2º Aplicação do primer hidrofílico, 3º Aplicação do adesivo hidrofóbico.
18
Com o objetivo de reduzir as etapas de aplicação dos sistemas adesivos, a indústria desenvolveu sistemas simplificados, onde o primer hidrofílico e o adesivo hidrofóbico ficam contidos no mesmo frasco. Desta forma surgiram os sistemas adesivos convencionais de dois passos: 1º Condicionamento com Ácido Fosfórico 37%, 2º Aplicação do adesivo de frasco único. Este sistema adesivo teve grande difusão no mercado odontológico brasileiro e atualmente é o mais utilizado no país, no entanto, apresenta algumas deficiências que serão mais bem discutidas no próximo capítulo (mecanismos de degradação da camada híbrida). Outra solução da indústria para reduzir o número de passos foi incorporar o ácido ao primer, criando os sistemas adesivos autocondicionantes, em que não seria mais necessária a aplicação do ácido fosfórico para desmineralização do esmalte e dentina. Primeiramente surgiram os sistemas adesivos autocondicionantes de dois passos: 1º Primer ácido, 2º Adesivo hidrofóbico. Esta solução advém da indústria japonesa e teve pouca difusão no mercado odontológico brasileiro, no entanto no oriente e na europa é um dos sistemas mais utilizados. 19
Vale ressaltar que consiste em uma das melhores soluções em termos de longevidade clínica da adesão, mas este tópico também será mais discutido no próximo capítulo. Por
fim,
surgiram
os
sistemas
adesivos
autocondicionantes de passo único, em que, no mesmo frasco,
estão
contidos
um
agente
ácido
que
desmineraliza esmalte e dentina, um primer hidrofílico e o adesivo hidrofóbico. Assim que surgiram estes sistemas adesivos apresentavam composição bastante complexa e instável, portanto apresentavam curto prazo de validade, além de proporcionarem os piores resultados em pesquisas clínicas e laboratoriais. No entanto, novas formulações estão atualmente disponíveis no mercado odontológico e os resultados recentes mostram-se bastante promissores.7
20
Mecanismos de degradação da camada híbrida
De uma maneira geral a “simplificação” dos sistemas adesivos, ou a redução do número de etapas clínicas não favoreceu a longevidade das restaurações adesivas, por isso atualmente ainda são considerados padrão ouro os sistemas adesivos não simplificados: convencional de três passos e autocondicionante de dois passos (em termos de pesquisa, considera-se um adesivo simplificado quando o primer hidrofílico e o agente hidrofóbico estão no mesmo frasco). Neste capítulo serão discutidos os mecanismos de degradação da camada híbrida que são os responsáveis por determinar estas características. O primeiro mecanismo, e o principal deles, consiste na hidrólise ou degradação hidrolítica. A própria água é capaz de plastificar os polímeros gerando fendas na interface, movimentação de líquidos, e grande redução nos valores de resistência de união (a resistência 21
de união é o valor atribuído à força necessária para romper a ligação adesiva entre dente e resina composta. Este valor é obtido principalmente por meio de um teste chamado microtração, desenvolvido por Sano 8 em 1994 e atualmente é o teste mais aceito pela literatura internacional para prever os resultados clínicos). Quando compreendemos que a água é o principal causador da degradação da camada híbrida, dois aspectos são cruciais no momento da confecção das restaurações adesivas. Primeiro, a umidade deve ser controlada. Não é à toa que até hoje, nos cursos de graduação em odontologia, os professores de dentística ainda exigem a utilização do dique de borracha para isolamento absoluto do campo operatório. Reconheço que há alguns casos em que é possível um bom controle da umidade mesmo sob isolamento relativo caso o cirurgião-dentista já apresente grande habilidade, no entanto, no meu ponto de vista, a restauração de uma cavidade de classe II em molares inferiores é impossível de ser realizada em boas condições sem o isolamento absoluto. Uma única gota de saliva que entre na cavidade após a aplicação do sistema adesivo é 22
suficiente para acelerar significantemente a degradação hidrolítica e causar falhas precoces nas restaurações. O segundo fator que rapidamente vem em mente consiste na manutenção da umidade da dentina para que o processo adesivo aconteça. Vale relembrar que caso a dentina esteja ressecada, ocorre o colabamento das fibrilas de colágeno e o sistema adesivo perde a capacidade de penetração no substrato dentinário. Por isso que, após a aplicação do primer hidrofílico, ou do próprio adesivo, deve-se tentar remover o máximo de água possível do remanescente (já que neste momento o adesivo já penetrou no colágeno). Existem até algumas pesquisas que demonstraram que a simples utilização de ar aquecido é capaz de aumentar os valores de resistência de união.9 Esta questão é tão importante que os fabricantes incorporaram solventes nos sistemas adesivos para favorecer a evaporação, como etanol e acetona, que apresentam uma pressão de vapor maior que a da água (evaporam mais rápido). A acetona apresenta pressão de vapor muito maior, no entanto foi demonstrado que, apesar da sua própria evaporação acontecer mais rápida, 23
ela não acelera a evaporação da água do remanescente dentário. O etanol, por outro lado, faz ligações de pontes de hidrogênio com a água do remanescente dentinário (processo denominado azeotropia), o que favorece a remoção de água do substrato e consequentemente maior penetração do adesivo, determinando menor passagem de água pela camada híbrida e, portanto, menores índices de degradação hidrolítica da camada híbrida. 10 A degradação hidrolítica também é o fenômeno que explica porque os sistemas adesivos não simplificados ( primer e adesivo em frascos separados) apresentam resultados de longevidade clínica superiores aos adesivos simplificados ( primer e adesivo no mesmo frasco). Quando os agentes estão em frascos separados, existe a possibilidade de aplicação de um adesivo verdadeiramente hidrofóbico, que impede a passagem de água pela camada híbrida. Num sistema adesivo simplificado, o conjunto deve ser hidrofílico para que consiga penetrar na dentina úmida, no entanto mesmo após a polimerização o conjunto se mantém hidrofílico, o que permite maior passagem de água pela interface acelerando o processo de degradação hidrolítica. Estudos 24
de Franklin Tay11 de 2004 comprovam por meio de microscopia eletrônica de transmissão que os adesivos simplificados são como membranas permeáveis que permitem a passagem de água em meio à camada híbrida (processo denominado water trees devido ao formato semelhantes a árvores observadas em microscópio). Além da degradação hidrolítica existe um outro processo que compromete as ligações adesivas e é chamado de degradação enzimática. Algumas enzimas presentes na dentina (chamadas de metaloproteinases de matriz, ou MMPs) são capazes de clivar o colágeno da dentina exposto pelo condicionamento com ácido fosfórico. Diversas soluções estão sendo pesquisadas para tentar inativar estas enzimas, como por exemplo a aplicação de clorexidina após o condicionamento com ácido fosfórico (a clorexidina, além de antimicrobiano, é um agente inibidor de MMPs).12 No entanto, até agora foi possível apenas postergar ou atrasar esse processo de degradação enzimática, mas sua completa inibição não foi totalmente alcançada. Neste contexto, uma das formas atualmente consideradas mais eficientes de evitar o processo de 25
degradação enzimática consiste na utilização de sistemas adesivos autocondicionantes em dentina, principalmente aqueles que apresentam pH menos ácido. Esses adesivos têm a capacidade de desmineralizar a dentina superficialmente, e toda a região desmineralizada é infiltrada pelos monômeros resinosos. Quando utilizamse
sistemas
adesivos
convencionais,
a
região
desmineralizada é sempre maior do que a região infiltrada pelos sistemas adesivos, permitindo maior atividade das MMPs. Além disso, um dos pesquisadores de maior renome internacional, Van Meerbeek 13, sugere que, devido à menor acidez dos sistemas adesivos autocondicionantes, as fibrilas de colágeno não ficam totalmente expostas (uma camada de hidroxiapatita continua protegendo essas fibrilas), o que reduz a atividade de degradação das MMPs. Outro ponto favorável para os sistemas adesivos autocondicionantes é uma substância presente nesses adesivos, o methacryloyloxi-decyl-dihydrogen-phosphate (MDP-10), que segundo alguns pesquisadores é capaz de fazer ligação química com a hidroxiapatita. Este tipo de ligação apresenta uma estabilidade muito superior à 26
retenção micromecânica obtida normalmente com os sistemas adesivos e tem sido atribuído também à esta ligação química os excelentes resultados clínicos obtidos com sistemas adesivos autocondicionantes de dois passos.14 Após conhecer os principais mecanismos de degradação da camada híbrida, fica mais clara a compreensão do motivo pelo qual existe maior estabilidade da adesão em esmalte. Primeiramente a degradação hidrolítica é bastante reduzida, já que após o condicionamento com ácido fosfórico, é possível infiltrar um adesivo hidrofóbico em que a água não é capaz de penetrar (relembrando que na técnica ideal o esmalte deve estar seco para receber o sistema adesivo). Outro aspecto ainda referente à degradação hidrolítica consiste na menor transmissão de fluidos em esmalte, comparado com a permeabilidade que a dentina apresenta principalmente
devido
a
presença
dos
túbulos
dentinários. Por fim, o esmalte não apresenta fibras de colágeno para serem degradadas pelas MMPs. Portanto a adesão em esmalte é, desde 1955, uma adesão muito confiável
e
duradoura. 27
Atualmente,
até
como
recomendação clínica, se as margens das cavidades apresentarem-se
em
esmalte,
os
procedimentos
restauradores adesivos podem ser executados de maneira muito mais segura. Talvez o maior cuidado que deve ser tomado para a adesão em esmalte é a aplicação do ácido fosfórico, em toda extensão, além das margens da cavidade, pelo tempo adequado com lavagem abundante para remoção dos sais resultantes da reação entre ácido fosfórico e hidroxiapatita. Vale ressaltar que, utilizando os sistemas adesivos autocondicionantes, devido à menor acidez, os resultados em esmalte são prejudicados. Por isso a atual recomendação clínica é que, mesmo utilizando sistemas adesivos autocondicionantes, é recomendável a realização do condicionamento seletivo do esmalte com ácido fosfórico por 30s.
28
Técnica de aplicação dos sistemas adesivos convencionais
Agora que já foram compreendidos os principais mecanismos de degradação da interface adesiva, neste capítulo será descrito passo a passo como são utilizados os sistemas adesivos convencionais. Em esmalte, deve ser realizado condicionamento com ácido fosfórico 35 a 37%, por 30 segundos. Esta é a etapa mais importante do processo e deve ser realizada com cautela, garantindo que toda a margem das cavidades sejam adequadamente condicionadas pelo ácido. O ideal é que o ácido fosfórico ultrapasse o ângulo cavo-superficial de 1 a 2mm, sempre protegendo os dentes vizinhos com uma tira de poliéster. Após o tempo de aplicação o esmalte deve ser lavado virogosamente com água. A reação entre ácido fosfórico e a hidroxiapatita forma sais que comprometem a adesão caso estejam presentes na interface, portanto o dente deve ser lavado com água por pelo menos 20s. Caso a 29
cavidade apresente-se somente em esmalte, esta pode ser completamente ressecada com jatos de ar, e nos sistemas adesivos de três passos, o primer não precisa ser utilizado em esmalte, apenas o terceiro passo, que contém o adesivo hidrofóbico. A aplicação do adesivo também deve seguir algumas recomendações. Utilizam-se micropincéis descartáveis, e com eles deve-se tomar o cuidado de aplicar o adesivo em toda a extensão da cavidade. Em seguida, deve-se remover o excesso de adesivo do micropincel e com o mesmo deve-se remover os excessos de adesivo da cavidade. Caso o adesivo selecionado seja um convencional de dois passos ( primer e adesivo no mesmo frasco), deve-se acrescentar a etapa de evaporação dos solventes, que é realizada com jatos de ar da seringa tríplice à uma distância de 10cm, por 20s. É importante ressaltar que não é recomendável a remoção do excesso de adesivo com os jatos de ar devido ao risco de incorporação de bolhas na interface. O próximo passo é a fotoativação do adesivo, o qual deve ser realizada com fonte de luz azul (lampada halógena ou LED), por pelo menos 20s. O principal 30
cuidado nesta etapa é com o posicionamento da fonte de luz. Esta deve estar o mais próximo possível da cavidade (à cada 1cm de distância perde-se 50% da quantidade de energia entregue), e em especial deve-se verificar se a direção da luz é capaz de fotoativar todo o sistema adesivo. Uma falha comum acontece na caixa proximal da face mesial dos molares, que devido à inclinação do aparelho,
muitas
vezes
não
é
fotoativada
adequadamente. Para a utilização dos sistemas adesivos convencionais em dentina, após adequada proteção do complexo dentino-pulpar, deve ser realizado o condicionamento
com
ácido
fosfórico
por
15s
(clinicamente, aplica-se o ácido fosfórico em esmalte, aguarda-se 15s, aplica-se o ácido em dentina, e aguardase mais 15s, totalizando 30s em esmalte e 15s em dentina), a mesma lavagem abundante com água é necessária. Com o objetivo de conservar a umidade da dentina, recomendo a utilização de uma bolinha de algodão já umedecida. Posicione-a dentro da cavidade, segure-a com uma pinça, e remova o excesso de água do dente e do dique de borracha com fortes jatos de ar da 31
seringa tríplice (especialmente abaixo do grampo de isolamento, e nas regiões interproximais dos dentes), posicionando ainda uma gaze no fundo do dique de borracha para absorver a umidade. Com isso, todo o dique de borracha estará novamente limpo e seco, assim como o esmalte, e ao se remover a bolinha de algodão, a dentina estará úmida, e em ótimas condições para receber o primer hidrofílico. O primer pode ser aplicado somente em dentina, no entanto não há prejuízos caso encontre as paredes de esmalte. Após aplicação, é imprescindível a etapa de evaporação de água e solventes com jato de ar à distância por 20s. Em seguida é aplicado o terceiro passo (adesivo hidrofóbico), em todas as paredes, removendo-se os excessos e fazendo adequada fotoativação por 20s. Caso o adesivo seja convencional de dois passos, recomenda-se a aplicação em toda a extensão da cavidade, remoção dos excessos, evaporação dos solventes, e em seguida, antes da fotoativação,
uma
aplicação
de
nova
camada,
removendo-se novamente os excessos e procedendo novamente com a etapa de evaporação dos solventes, para posterior fotoativação por 20s. Esta dupla aplicação 32
permite melhor penetração dos sistemas adesivos simplificados e reduz a probabilidade de falhas. Vale ressaltar que, apesar de duas aplicações, a camada de adesivo deve apresentar sempre a mínima espessura possível.
33
Técnica de aplicação dos sistemas adesivos autocondicionantes
A técnica para a utilização dos sistemas adesivos autocondicionantes em esmalte é similar à técnica utilizada para os sistemas adesivos convencionais. Apesar de ser contraintuitivo utilizar um ácido fosfórico para um adesivo autocondicionante, pesquisas mostram maior longevidade clínica quando o condicionamento ácido é feito seletivamente no esmalte, mesmo para esta categoria de sistemas adesivos. Em dentina, a etapa de condicionamento com ácido
fosfórico
deve
ser
evitada.
Após
o
condicionamento do esmalte, e lavagem abundante, a dentina deve ser mantida umedecida com bolinha de algodão (técnica de lavagem e secagem semelhante à dos sistemas adesivos convencionais). A manutenção da umidade da dentina é necessária pois favorece a ionização
dos
ácidos
presentes
no
primer
autocondicionante, e permitem melhor penetração do 34
mesmo na dentina. O primer deve ser aplicado ativamente por 20s com um micropincel, e deve ser realizada a etapa de evaporação dos solventes com jato de ar à distância por 20s. Em seguida é aplicado o adesivo hidrofóbico em toda a extensão da cavidade, e realizada a remoção dos excessos, mantendo a camada mais fina de adesivo possível, para posterior fotoativação do conjunto. Caso seja utilizado um adesivo de passo único, o mesmo deve ser aplicado ativamente em toda extensão de esmalte e dentina, e posteriormente são seguidos os mesmos passos de remoção dos excessos, evaporação dos solventes e fotoativação por 20s. A cavidade estará pronta para ser restaurada com resinas compostas, ou com cerâmicas odontológicas cimentadas com cimento resinoso.
35
Conclusão
A odontologia restauradora foi revolucionada pelo desenvolvimento da adesão em esmalte e dentina, e atualmente
observamos
índices
satisfatórios
de
longevidade clínica das restaurações adesivas, no entanto, a técnica é ainda bastante sensível e, muitas vezes a falta de acesso à informação pode estar levando clínicos a cometerem erros que determinam muitas das falhas precoces das restaurações adesivas. Espero verdadeiramente que este livro tenha contribuído para sua prática clínica, alavancando a qualidade de suas restaurações, proporcionando por fim maior conforto aos seus pacientes. É claro que existe muito mais conhecimento relacionado à este tema e eu recomendo que sempre continue estudando, mas o objetivo deste livro realmente foi trazer informação clara, objetiva e mesmo assim baseada em evidências científicas para proporcionar
melhores
resultados
restaurações adesivas.
36
clínicos
nas
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2015
Sobre o Autor
Rafael
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mestrado
em
Dentística pela Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo (FOB - USP). Atualmente é doutorando em Dentística (FOB - USP) e Professor Titular de Dentística da Fundação Municipal de Educação e Cultura de Santa Fé do Sul (FUNEC). É coordenador dos cursos de Extensão em Dentística I e II (FUNEC) e participa como professor convidado dos cursos de especialização em Dentística do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC - USP) e do curso de especialização em Reabilitação Oral (FOB - USP), além de diversos cursos de aperfeiçoamento e
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atualização. Possui mais de 20 artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais. Mais importante que a própria formação acadêmica, o autor acredita que é possível valorizar a profissão de cirurgião-dentista melhorando a formação dos mesmos. Por isso, cria conteúdos bastante objetivos para maior divulgação e leitura, no entanto sempre baseado em evidências científicas com alto fator de impacto na literatura internacional. Além de livros e artigos, o autor disponibiliza conteúdo didático também em fotos e vídeos. Acompanhe nas redes sociais: Facebook: www.facebook.com/rmaenosono YouTube: Rafael Maenosono
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