conseguir-se a concordância dos interesses privados de um grande número, nem por isso assim se estará atendendo ao interesse comum" 3. Encontra-se aí o cerne do pensamento de Rousseau, aquilo que o faz reconhecer no homem um ser superior capaz de autonomia e liberdade, entendida esta como a superação de toda arbitrariedade, pois é a submis são a uma lei que o homem ergue acima de si mesmo. Q homem é livre na medida em que dá o livre consentimento à lei. E consente por considerá-la válida e necessária. "Aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o for çarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão a pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal."
(Ex traí do do l i v r o Filosofando, de M a r i a Lúcia A.Aranha e Maria Helena P. L.Martins, Editora Moderna, São Paulo, 1987.)
A cultura popular Maria Cristina da Silva
A cultura popular, que sempre foi definida das mais va riadas formas pelos antropólo gos, tem suas duas definições mais constantes. Falamos de uma cultura popular romântica, que trata a cultura como sendo uma herança dos antepassa dos e, ai, encontramos: comidas, procissões, danças, carnaval etc, ou seja, é o que alguns autores definem como sendo nos so folclore. Outra definição é que cultura popular é uma forma de resistência contra a dominação de classes; essa seria a definição não-romântica da cultura. Há também a cultura que se adquire na escola através dos meios de comunicação. Essa cultura tem como fim deixar as pessoas "cultas". E 6 baseado nessas definições de cultura, que deve.mos parar e analisar o que realmente vem sendo transmitido para o povo, sob o rótulo do cultura popular. Intelectuais raramente falam sobre cultura popular porque ela não é muito bem definida, o que a torna um termo versátil, de muita valia para a classe dominante e para os políticos, pois o populismo e o paternalismo já a usaram para difundir suas Ideologias. Hoje a cultura popular também é usada pelos meios da comunicação, pelas escolas, Igrejas etc..., para difundir, en tre a população, valores que não são realmente seus e sim da classe dominante. Mas para que o "povo" (dominados) aceite esses valores sem questioná-los, eles precisam ser catequiza dos; para que permaneça sempre inculto, é afastado dele a cultura para que permaneça inconsciente, pois, assim, não questionará sua situação de dominado. É aí que entra a função da escola atual, que foi reduzida a simples instrumento do Estado, para propagar sua ideologia. O Estado educa o educa dor que fará do seu educando uma pessoa inconsciente, logo um ser omisso na sociedade. Ensina-se ao povo o não-questionamento, não se deve questionar religião nem política, pois esses assuntos dependem do gosto de cada um, "por Isso Jamais se chegará a uma conclusão de qual partido político é o melhor, ou qual é a religião cer ta" além do mai s. nossas Igrejas são católicas e o nosso governo, democrático .
Notamos claramente nesses exemplos como a elite domi nante usa a cultura para se sobrepor aos dominados, e ainda, consegue isso com a nossa aprovação, colocando sobre nós uma gama de falsos valores. Uma falsa cultura, que faz com que nós, dominados, acreditemos em uma homogeneidade so cial, que na verdade não existe. O preconceito racial é algo tão vivo e eles querem nos fazer acreditar que ele não existe. Enquanto valores de igualdade são pregados, ao analisar a sociedade vemos a discrepância presente entre os trabalha dores manuais e os intelectuais; essa diferença é tão grande que na nossa cultura já está dito que: Se vemos um indivíduo de terno c gravata, já podemos pensar em valorizá-lo, pois se trata de um intelectual, enquanto que um indivíduo de maca cão já pode ser classificado como um trabalhador manual, o que não exige tanto respeito como o primeiro. "Nossa" cultu ra definiu que a roupa é uma questão de status; por isso, cada um deve ser mantido no seu lugar, porque nesse mundo "uns vieram para mandar e outros para serem mandados" (ideologia capitalista). Essa diferença entre o fazer é o sabor, que é in ferior quando comparado ao intelectual, surgiu para atender
com diferenças acentuadas entre si. Para tentar cobrir essas diferenças, a classe dominante joga sobre a sociedade a cul tura popular como sendo um objet o "so luc ion ado r". Só que a essa cultura, que eles chamam de popular, não ó nada mais que uma cultura útil à elite. Ex.: o Estado patrocina grupos populares de teatro, que deixam sua própria cultura, para re produzir no meio da população a cultura que o Estado enco mendou, onde já vem contida a ideologia do sistema, que ó transmitida ao espectador. Tudo que ocorre na sociedade ó devido à sua cultura. Essa cultura não ó estátic a, co mo faz parec er a elit e, ela é dinâmica, muda de acordo com o contexto em que se encon tra, pois um mesmo objeto é visto de diferentes modos pelos diferentes grupos sociais. Porque cada grupo possui seus con ceitos, seus valores sociais e seus interesses políticos. Até mesmo a economia ó feita de acordo com a cultura, pois cada povo tem por costume consumir determinados produtos. Os processos culturais devem ser estudados dentro do contexto em que se encontram , por que hoje cultura po pular é definida como sendo o "produto de homens reais, que arti culam, em situações particulares, pontos de vista a respeito de problemas colocados pela estrutura de sua sociedade" Porque mesmo em sociedades homogêneas diferentes idéias e pontos de vista podem ser articulados por diferentes camadas sociais. Somente em pequenas comunidades, onde não existe diferença de classes, é que a cultura ó vista e in terpretada, da mesma maneira pelos individuos, pois esses realizam um intercâmbio de impressões. Um bom exemplo da imposição da cultura da classe do minante sobre o restante da população são os museus, onde se encontram os heróis da elite, que ela quer que os domina dos também passem a admirá-los, através da ideologia prega da pelo Estado, que tenta dominar desde as idéias econômi cas até as espirituais. Só que notamos que isso é difícil, é só ir ver nos domingos, como que o "povão" usa os jardins des ses museus, em pique-niques, namoros, bate-papos, enfim, transformam o lugar sagrado dos ídolos da elite em simples áreas de lazer. Isso mostra como cada indivíduo vê as coisas de acordo com o contexto em que ele se encontra, porque o "povão" vive em um contexto completamente diferente do con texto burguês, com valores diferentes, É "a força transforma dora do uso efetivo, sobre as imposições restritas dos regu lamentos". As impressões e as idéias do povo deveriam ser ouvidas, mas isso não ocorre. Quando as camadas sociais mais infe riores resolvem fazer um teatro seu, com suas próprias histó rias, seus problemas e soluções, seu trabalho é desincentivado e taxado do ruim; são postas barreiras para que não continuem a conscientizar (representar a peça) a população; em seguida, o grupo é reprimido pelo poder e acaba se desmanchando. Baseado no fato de que o homem culto tem participação ativa na sociedade, foram criados também clubes de serviço, entre eles Rotary e Lions, para que, em conjunto, esses ho mens cultos pudessem servir e atuar melhor na comunidade. Só que, com o tempo, os membros desses clubes passaram a usar a cultura popular para se sobressaírem na sociedade a que pertenciam. Os clubos foram se tornando cada vez mais elitistas e cada vez mais deixando o povo de lado; promoviam festas que nada tinham em comum com o lugar, ou seja, subs tituíram as festas populares por exposições, palestras e teatros profissionais para oferecer distração à elite. Hoje, esses clubes são restritos a simples jantares burgueses, onde a elite se distrai nas horas vagas. Sabemos que cultura popular é a união da comunidade politizada, ativa, quo compartilha informações e opiniões de um modo consciente e homogêneo; hoje, olhando para a co munidade em que vivemos, notamos que ela toda esta frag mentada e cheia de racismo; onde ouvimos sempre: "cada um
no seu lugar", branco com branco, preto com preto, nada de misturas. Como vemos, nosso povo não tem acesso a sua cultura porque ela lhe mostraria o quanto é grande sou poder e seus direitos. Isso só não acontece porque a elite segura toda essa cultura, que, se fosse difundida, seria forte o bastante para tirar os dominantes do poder. Então, a cultura popular con tinua sendo Instrumento de repressão e de dominação, para que, através dela, a elite consiga permanecer no poder. (Extraído da revista Educação e Sociedade, Cedes/Cortez, São Pau10, agosto de 1984).
CAPÍTULO 6
ESTADO E MOVIMENTOS SOCIAIS (3ª UNIDADE)
Os temas e conteúdos que compõem a terceira Unidade desta proposta de curso de Sociologia Geral para o 2º grau são os seguintes: Teoria do Estado (Tópico 1) A) Definição do Estado na concepção liberal B) Definição do Estado na concepção crítica C) Democracia e autoritarismo Movimentos sociais urbanos e rurais (Tópico 2) A) Definição, relação com as classes e com o Estado B) A produção de uma política pública de ensino a partir da relação Estado-movimentos sociais Aspectos teóricos Nesta unidade pretende-se refletir a relação existente entre o econômico e o político em nossa sociedade contemporânea, ressaltando o estudo
das formas de poder presentes no Estado
e
nos movimentos sociais. 0 objetivo é perceber até que ponto a or ganização popular pode redefinir o papel do Estado nesta socieda de: trata-se de buscar una definição do conceito de sociedade ci vil, tomando como ponto de partida a caracterização da institui ção Estado. 0 Estado pode ser concebido,inicialmente,a partir de duas teorias sociológicas . Uma delas defino o Estado como o "c£ rebro social", isto é, como aquela instituição que, por estar acima dos interesses das classes sociais, e a instituição políti ca responsável pelo aperfeiçoamento do corpo social no seu con junto. Esta é a concepção de Estado da corrente funcionalista . A
outra teoria sociológica define o Estado como uma institui
ção política que é controlada por uma classe social,, dominante, e que representa ,portanto, a hegemonia, o predomínio dos interes_ ses dessa classe sobre o conjunto da sociedade, embora estes se apresentem como interesses universais, de toda a sociedade. É a concepção ligada à corrente histórico-crítica. Essas duas perspectivas diferentes levam a diferentes 114.
Apresentação
.
5
Capítulo 1: A Sociologia na construção da cidadania
7
0 curso de Sociolo gia predominante hoje
10
Breve histór ia da disciplina
10
Tendências do ensino de Sociologia
12
Capítulo 2: Uma proposta de conteúdo ..
.. 15
As unidades , o programa ..
16
Justificativa do conteúdo . . . . . . . . . . Capítulo 3: Sobre a metodo logia de ensino
18
.
. 22
Problemat ização - teorização ....•
23
Aula expositiva ou dinâmica de grupo?
24
Uso ou não do livro didático? ..... .
27
Capítulo 4: A humaniza ção da naturez a (1º Uni dad e) .....
Aspectos teóricos »•
30
...... 31
Métodos de ensino
34
Textos de apoio
37
Capítulo 5: A sociedade capitalista (2ª Unid ade)
Aspectos teóricos ••••
..
Métodos de ensino Texto s de apoio ..
. 59
.
60 63 .... 68
Capítulo 6: Estado e movimentos sociais(3ª Uni da de ). .. . 113 Aspectos teóricos
114
Métodos de ensino
116
Textos de apoio
118
Capítulo 7: Família e Escola (4ª Unida de)
„ 144
Aspectos teór icos .... ..
145
Métodos de ensino
147
Textos de apoio •
149
Bibliografia
1C9
concepções sobre o papel do Estado na sociedade. Nesta Unidade, o aluno refletirá sobre elas e, em seguida, sobre as diversas formas que essa instituição política assume no decorrer da his tória. É momento de um estudo preliminar sobre os regimes polí ticos democrático e_ autoritário. A discussão em torno do regime democrático deverá cara£ terizar inicialmente a idéia liberal de democracia representati va , que se redefine com o advento da Revolução Francesa (1789) . Em seguida, e possível chegar à idéia de democracia como um pro jeto a ser construído pela ação política das classes populares. 0 conceito de autoritarismo, por sua ve z, pode ser analisado como um desdobramento do regime democrático representativo, como uma reação conservadora, contra um possível avanço popular. Aqui, já é possível caracterizar um regime político autoritário de base civil e outro de base militar. Sobre essa base teórica desenvolvida até aqui, e possível elaborar um rápido esboço
do
desenvolvimento do Estado brasileiro, caracterizando o predomí nio do regime autoritário sobre o democrático-liberal.
É importante evitar, desde o início, a idéia de que o Estado e representante unicamente da classe dominante. Na verdade, trata-se de uma instituição que pode se redefinir a partir de uma ação popular organizada. Por isso encaminha-se o curso para a caracterização dos movimentos sociais. Tais movimentos são concecebidos
aqui não só como movimentos de resistência ao capita
lismo mas também como movimentos que podem inaugurar uma nova situação histórica(pois pressupõem, mesmo que de modo impreciso, a apropriação e redefinição do processo de direção da sociedade). Essa análise permite portanto que se defina o Estado como uma instituição política ligada aos interesses de uma classe dominan te mas que, ao relacionar-se com os movimentos sociais, em de terminados momentos históricos pode reelaborar o seu papel, para incorporar os interesses da classe popular. Para entender melhor a relação entre Estado e movimentos
desces movimentos e a sua relação com as classes sociai soc iais. s. De tal tal modo que se chegue a defini-los não so como expressão da classe trabalhadora fabril mas também como expressão dos mais diversos agentes sociais que compõem as cla3sea populares. Para atingir esse esse nível de analise dos movimentos socia s ociais, is, sugere-se neste mo mo_ mento a realização de um estudo de caso, priorizando o movimento estudantil de "maio de 1968", ou um dos vários "movimentos popu lares de bairro na luta pela democratização do ensino brasileiro". 0 estudo estudo de caso possibilitará aos alunos uma melhor melho r
percep per cep
ção sobre como o Estado redefine sua política de ensino em sua relação com os movimentos sociais . Este Es te tipo de reflexão é funda mental para que o cidadão passe passe a se perceber como possível agente transformador da política pública de ensino. Métodos de ensino ensino Propomos que se dediquem seis aulas ao desenvolvimento do tópico "Teoria do Estado". Ao contrário contrário do que sugerimos nas unidades unidades anteriores
,
propomos que esta comece por uma aula expositiva, na qual o pro fessor tentará definir o Estado através de duas perspectivas di ferentes: concepção liberal e a concepção histórico-crítica, A segunda aula será destinada então para leitura e análianál ise de textos, com o objetivo de aprofundar questões levantadas no decorrer da exposição. No final dessa aula, o professor prepa rará junto com os alunos uma atividade de problematização, para a aula seguinte. Essa atividade atividade pode ser, por exemplo, um "júri simulado". simulado". Nele, dois dois alunos terão terão a incumbênc incumbência ia de, em dez dez mi nutos, nuto s, apresentar ao restante da classe uma uma definição do que que
é
Estado na concepção liberal e na concepção crítica. Outros dois alunos deverão preparar uma pequena exposição de dez minutos, na qual usarão todos os argumentos possíveis a favor da interpreta ção liberal do Estado. 0utro3 dois ficarão responsáveis por apresentar, também em dez minutos, todos os argumentos possíveis 116.
/
contra a interpretação liberal, defendendo assim, a interpreta ção histórico-crítica do Estado. Na terceira aula terá lugar o "júri simulado": as três duplas utilizarão um total de trinta minutos para a apresentação de seus diferentes argumentos. Os vinte minutos restantes serão dedicados dedicados à intervenção intervenção do restante dos alunos, alun os, para que coloquem suas dúvidas ou opiniões sobre o assunto. Propomos que outra atividade de problematização seja o eixo da quarta aula. Nela o professor incentivará os alunos a discutirem sobre as formas pelas quais o Estado age em nosso co tidiano. Essa atividade pode 3e iniciar com um debate sobre as seguintes indagações: "Quais são os documentos que possuímos? Quais são os órgãos que emitiram esses documentos e com que fina lidade? Qual é o objetivo da arrecadação do Imposto de Renda?
0
que é Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM)? De que for ma são elaboradas as leis? De que forma participamos da elabora ção das leis?...?" Ha quinta aula, uma exposição do professor poderá alinha var as questões debatidas na aula anterior. ante rior. Caberá a ela caractecaracterizar os regimes políticos de base democrática e autoritária. Es te e o momento para construir o conceito de sociedade civil, aproveitando as questões levantadas para clarificar a relação indivíduo-clas divíduo-classe se social-Estado. social-E stado. Por fim, a sexta aula poderá desenvolver-se com com a leitura e análise de textos ou
com a resolução
de exercícios propostos pelo professor. 0 desenvolvimento do tópico "Movimentos Sociais Urbanos e Rurais" poderá desdobrar-se em seis aulas. Numa primeira primeira aula, aul a, propomos que que o professor convide a l gum líder comunitário ou sindical para que faça um depoimento aos alunos. Durante o depoimento, os alunos poderão questioná-lo so bre sua experiência em relação a organização e dinâmica de algum movimento social. Se isso não for possível, o professor poderá substituir essa atividade por uma de análise análise de artigos ar tigos de jor-
nais que tratem do mesmo assunto. • Na seq uênc ia, a segund segundaa au la co n s i st i rá de um uma ex po si ção do professor, que poderá teorizar sobre os movimentos socia is, relacionando-os com as classes sociais e o Estado. No final dessa aula, pode-se propor a um grupo de alunos que preparem pa ra a aula seguinte uma pequena representação teatral cujo tema gi r e en torn o de algu algum m fa to que que envolva movim movimen ento toss s o c i a i s . Ge isso for pos sív el, a te rc ei ra aula ini ci ar -s e- á com a a present a ção do que foi preparado pelos alunos. Em seguida, abre-se o de bate para toda a classe, para que professor e alunos discutam sobre a possível relação entre a representação teatral e os aspec tos teóricos desenvolvidos na aula anterior. Prop Propom omos os que que a qu ar ta a u l a s e ja dedi cad a a exp osi ção do professor, tentando abordar a produção de uma política pública de ensino ensino a pa rt i r da da rela ção Estado-mov Estado-moviment imentos os s o c i a i s . 0 obje tivo é o de reafirmar que a cidadania e algo conquistado pela ação política, exemplificando tal idéia a partir da questão educa cional. A quinta e sexta aulas poderão ser reservadas, respecti vamente, para leitura de textos e desenvolvimento de exercícios propostos pelo professor. Textos de apoio Seguem cinco fragmentos de textos, de diferentes autores, que que subsidiam as d iscus sões pr op os ta s nes ta Unidade.
Estado e relações políticas: o liberalismo Maria Lúcia de A. Aranha e Maria Helena P. Martins Hobbes e o absolutismo Thomas Hobbes (1588-1679), ínglês de família pobre, conviveu com a nobreza, de quem recebeu apoio e condições para estudar, e defendeu ferre nhamente o direito absoluto dos reis, ameaçado pelas novas tendências libe rais. Teve contato com Descartes, Francis Bacon e Galileu. Preocupou-se, entre outras coisas, com o problema do conhecimento, tema básico das re flexões do século XVIÍ, e também escreveu sobre política: De cive e Leviatã. O que ocorria no século XVII, época em que Hobbes viveu? O absolutismo, atingindo o apogeu, encontra-se em vias de ser ultra passado, enfrentando inúmeros movimentos de oposição, baseados em idéias liberais. Se numa primeira fase (Inglaterra de Isabel e França de Luís XIV) o absolutismo é o corolário normal do mercantilismo, pois as indústrias nas centes são protegidas pelo governo, numa segunda fase o desenvolvimento do capitalismo comercial contribuí para miná-lo, já que a burguesia ascen dente agora aspira ao poder. Continua a laicização do pensamento, a partir de um sentimento de independência em relação ao papado e de uma crítica a teoria do direito divino dos reis. A vida política é agitada por movimentos revolucionários; na França, terminada a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), rebenta a Fronda; na Inglaterra, Cromwell, comandando a Revolução Puritana, destrona e exe cuta o rei Carlos I (1649). As teorias contratualistas
A partir da tendência de seeularização do pensamento político, os fílósofos do século XVII estão preocupados em justificar racionalmente e legitimar o poder do Estado sem recorrer à intervenção divina ou a qualquer explicação religiosa. Daí a preocupação com a origem do listado. £ bom lembrar que não se trata de uma visão histórica, de modo que seria ingenuidade concluir que a "origem" do Estado se refere à preocupação com o seu "começo": o termo deve ser entendido no seu sentido lógico, e não cronológico, como "princípio" do Estado, ou seja, sua "raison d'êlre" (razão de ser). O ponto crucial não é a história, mas a validade da ordem social e política, a base legal do Estado. Essa temática aparece em Hobbes e, posteriormente, em Locke e Rousseau, se bem que a partir de variáveis que às vezes se contrapõem e com resultados e propostas diferentes. O que há de comum entre esses filósofos c que eles partem da análise do homem em estado de natureza, isto é, antes de qualquer sociabilidade, quando desfruto ria de todas as coisas, realizaria todos os seus desejos c seria dono de um poder ilimitado. O que faria o homem abandonar esse estado para se submeter ao Estado instituído por um pacto, por um contrato? O estado de natureza segundo Hobbes A situação dos homens deixados a si próprios é de anarquia, geradora de insegurança, angústia e medo. Os interesses egoístas predominam, e o homem se torna um lobo para o outro homem ("homo homini lupus"). As disputas geram a guerra de todos contra todos ("bellum omnium contra omites"), c as conseqüências desse estado de coisas é o prejuízo para a Indústria, a agricultura, a navegação, e para a ciência c o conforto dos homens.
O contrato O homem, não sendo sociável por natureza, o será por artifício, por pacto. É o medo e o desejo de paz que o levam a fundar um estado social e a autoridade política, abdicando dos seus direitos em favor do soberano, que por sua vez terá um poder absoluto, A transmissão do poder deve ser tolal, caso contrário, se se conservar um pouco que seja da liberdade natural do homem, instaura-se de novo a guerra. Esse poder se exerce ainda pela força, pois só a iminência do castigo pode atemorizar os homens. "Os pactos sem a espada [sword] não são mais que palavras [words]." Cabe ao sobe rano julgar sobre o bem e o mal, sobre o justo e o injusto; ninguém pode discordar, pois tudo o que o soberano faz é resultado do investimento da autoridade consentida peio súdito. Hobbes usa a figura bíblica de um monstro, o Leviatâ. que representa um animal monstruoso e cruel, mas que de certa forma defende os peixes menores de serem engolidos pelos mais fortes. E essa figura que representa o Estado, um gigante cuja carne é a mesma de todos os que a ele delegaram o cuidado de os defender. Investido de poder, o soberano não pode ser destituído, punido ou morto. Tem o poder de prescrever as leis, de julgar, de fazer a guerra c a paz, de recompensar e punir, de escolher os conselheiros. Hobbes preconiza ainda a censura, já que o soberano é juiz das opiniões c doutrinas contrárias à paz. E quando, afinal, pergunta se não é muito miserável a condição de súdito diante de tantas restrições, conclui que nada se compara às misérias que acompanham a guerra civil ou ã condição dissoluta de homens sem senhor. Características burguesas do pensamento hobbesiano E inadequado e simplista opor Hobbes a Locke (que veremos a seguir), considerando-os representantes, respectivamente, da teoria absolutista e do liber alism o. Embora, o pensamento hobbesiano seja realmente aut ori tár io, permeiam-no elementos que denotam interesses burgueses. Assim, por exem plo, a doutrina do direito natural do homem é uma arma apropriada para ser utilizada contra os direitos tradicionais da classe dominante, ou seja, a nobreza. Além disso, o Estado surge de um contrato, o que revela o Caráter mercantil, comercial, das relações sociais burguesas. Esse contrato surge a partir de uma visão individualista do homem, pois o. indivíduo preexiste ao Estado (se não cronológica, pelo menos logicamente), e o pacto visa garantir os interesses dos indivíduos, sua conservação e sua propriedade. Se no estado de natureza "não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o leu", no Estado de soberania perfeita a liberdade dos súditos está na quelas coisa:, que o soberano permitiu, "como a liberdade de comprar e vender, ou de outro modo realizar contratos mútuos; de cada um escolher sua residência, sua alimentação, sua profissão, e instruir seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes". Portanto, o Estado se reduz à garantia do conjunto dos interesses particulares. O contrato também surge como decorrência da atribuição de uma qua lidade possessiva ao homem, o qual, por natureza, tem medo da morte, anseia pelo viver confortável e pela segurança e é movido pelo instinto de posse e desejo de acumulação. Segundo Macpherson, a qualidade possessiva do individualismo do século XVII "se encontra na sua concepção do indivíduo como sendo essen cialmente o proprietário de sua própria pessoa e de suas próprias capacida des, nada devendo à sociedade por elas. O indivíduo não era visto nem como um todo moral, nem como parte de um lodo social mais amplo, mas como proprietário de si mesmo. A relação de propriedade, havendo-se tor nado para um número cada vez maior de pessoas a relação fundamental mente importante, que lhes determinava a liberdade real e a perspectiva real de realizarem suas plenas potencialidades, era vista na natureza do indi víduo. Achava-se que o indivíduo é livre na medida cm que e proprietário de sua pessoa e de suas capacidades. A essência humana é ser livre da depen dência das vontades alheias, e a liberdade existe como exercício da posse. A sociedade torna-se uma porção de indivíduos livres c iguais, relacionados entre si como proprietários de suas próprias capacidades e do que adquiri ram mediante a prática dessas capacidades. A sociedade consiste de relações
de troca entre proprietários. A sociedade política torna-se um artifício cal culado para a proteção dessa propriedade e para a manutenção de um ordeiro relacionamento de trocas" 3 . Como vemos, mesmo que Hobbes defenda o absolutismo, já se perce bem no seu discurso os elementos que marcarão o pensamento burguês e liberal daí em diante; o individualismo, a garantia da propriedade e a pre servação da paz e segurança indispensáveis para os negócios.
O liberalismo No século X V I I , enquanto o absolutismo triunfa na França, a Inglaterra sofre revoluções lideradas pela burguesia, visando limitar a autoridade dos reis. O primeiro movimento revolucionário foi a chamada Revolução Puri tana, em meados do século em questão, culminando com a execução do rei Carlos I e a ascensão de Cromwell. Mas a liquidação do absolutismo se dá mesmo com a Revolução Gloriosa, em 1688, quando Guilherme III é pro clamado rei, após ter aceito a Declaração de Direitos, que limitava muito sua autoridade e dava mais poderes ao parlamento. Fica, portanto, o poder executivo subordinado ao legislativo. Essas conquistas burguesas exigem do rei a convocação regular do par lamento, sem o qual ele não pode fazer leis ou revogá-las, cobrar impostos ou manter um exército. Institui-se ainda o habeas-corpus a fim de evitar as prisões arbitrárias, e assim nenhum cidadão pode ficar preso indefinida mente sem ser acusado diante dos tribunais, por meio de uma denúncia bem definida. O pensamento liberal em Locke lohn Locke (1632-1704). filósofo inglês, descendia de uma família de burgueses comerciantes. Esteve refugiado por um tempo na Holanda, por ter-se envolvido com pessoas acusadas de fazer movimentos contra o rei Carlos I I . Retornou à Inglaterra no mesmo navio em que viajava Guilher me de Orange, símbolo da consolidação da monarquia parlamentar inglesa. Locke teve papel importante na discussão sobre a teoria do conheci mento, tema privilegiado do pensamento moderno, a partir de Descartes. A respeito desse assunto escreveu Ensaio sobre o entendimento humano. J á tratamos disso no Capítulo 15, item 1. Mas também se destacou em política com a obra Dois tratados sobre o governo civil, tornando-se o teórico da revolução liberal inglesa, cujas idéias irão fecundar todo o século X V I I I , dando fundamento filosófico às revoluções ocorridas não só na Europa como nas Américas. O estado de natureza e o contrato Assim como Hobbes, Locke considera que apenas o pacto torna legí timo o poder do Estado. Mas, diferentemente de seu antecessor, não vê no estado de natureza uma situação de guerra e egoísmo; ao contrário, os homens são livres, iguais e independentes. O que os faz abandonar essa situação delegando o poder a outrem? Para Locke, no estado natural cada um é juiz em causa própria; portanto, os riscos das paixões c da parciali dade são muito grandes c podem desestabilizar as relações entre os homens. Por isso, visando a segurança c tranqüilidade necessárias ao gozo da pro priedade, as pessoas consentem cm instituir o corno político. O ponto crucial do pensamento de Locke é que os direitos naturais dos homens não desapa recem em conseqüência desse consentimento, mas subsistem para limitar o poder do soberano, justificando, em última instância, o direito à insurreição: o poder é um trust, um depósito confiado aos governantes — trata-se de uma relação de confiança —, e, se estes não visarem o bem público, é per mitido aos governados retirá-lo e confiá-lo a outrem. Sociedade política e sociedade civil: a institucionalização do poder Um dos aspectos progressistas do pensamento liberal é a exigência da origem democrática, parlamentar, d o poder político. Na Idade Média, trans
do rei, do conde, do marquês, recebia não só os bens como também o poder sobre os homens que viviam nas terras herdadas. Locke vai estabelecer a distinção entre a sociedade política e a sociedade civil, entre o público e o privado, que devem ser regidos por leis diferentes. Assim, o poder político não deve, em tese, ser determinado pelas condições de nascimento, bem como o Estado não deve intervir, mas sim garantir e tutelar o livre exercício da propriedade, da palavra e da iniciativa econômica. O conceito de propriedade Locke usa conceito de propriedade num sentido muito amplo: "tudo o que pertence" a cada indivíduo, ou seja, sua vida, sua liberdade e seus bens, Como já observamos em Hobbes, encontra-se também em Locke uma característica que Macpherson chama de "individualismo possessivo", pelo qual "a essência humana é ser livre da dependência das vontades alheias, e a liberdade existe como exercício de posse". Assim, a primeira coisa que o homem possui é o seu corpo; todo homem é proprietário de si mesmo e de suas capacidades. O trabalho do seu corpo é propriamente dele; portanto, o trabalho dá início ao direito de propriedade em sentido estrito (bens, pa trimônio). Isso significa que, na concepção de Locke, todos são proprietá rios: mesmo quem não possui bens é proprietário de sua vida, de seu corpo, de seu trabalho. Entretanto, essa colocação ampla feita por Locke leva a certas contra dições, pois o direito à ilimitada acumulação de propriedade produz logica mente um desequilíbrio na sociedade, criando um estado de classes que Locke dissimula — involuntariamente, é verdade — num discurso quo se apresenta com um caráter universal. Quando se refere a todos os cidadãos, considerando-os igualmente proprietários, o discurso contém uma ambigüi dade que não se resolve, pois ora identifica a propriedade à vida, liberdade c posses, ora a bens. e fortuna especificamente, E o que se conclui é que, se todos, tendo bens ou não, são considerados membros da sociedade civil, apenas os que têm fortuna podem ter plena cidadania, por duas razões: "apenas esses [os de fortuna] têm pleno interesse na preservação da pro priedade, e apenas esses são integralmente capazes de vida racional — aquele compromisso voluntário para com a lei da razão — que é a base necessária par:t a plena participação na sociedade civil. A classe operária, não tendo fortunas, está submetida à sociedade civil, mas dela não- faz parte. (...) A ambigüidade com relação a quem é membro da sociedade civil em virtude do suposto contrato original permite que Locke considere todos os homens como sendo membros, com a finalidade de serem governa dos, e apenas os homens de fortuna para a finalidade de governar" '. Ressalta-se aí o elitismo presente na raiz do liberalismo, já que a igual dade defendida é de natureza abstrata, geral e puramente formal; não há igualdade real, uma vez que só os proprietários têm plena cidadania.
O liberalismo democrático (séc. XIX) Introdução No próximo capítulo, ainda abordaremos o século XVIII na expressão do pensamento de Rousseau, mus por questões didáticas vamos completar a exposição iniciada com a teoria lockeana, a fim de mostrar os desdobramentos posteriores da ideologia liberal nascente. A primeira diferença entre os pensadores políticos do século XV11I e 05 do século XIX é que estes se defrontam com uma situação configurada, com fatos, e não mais com uma teoria ou a instauração de um novo poder. Não se trata mais de defender um ideal, mas de descobrir os meios para colocá-lo em prática. Os principais teóricos foram: na Inglaterra, Jeremy Bentham, James Mill e seu filho John Stuart Mill; na França, Tocqueville; nos Estados Unidos, Thomas Jefferson e Thomas Paine. Sob o Impacto da Revolução Comercial, o Estado secular sacudiu a tutela da Igreja, e as relações feudais começaram a ser substituídas por outras baseadas na noção de contrato. A partir daí, as relações entre os co merciantes passaram a exigir novas instituições que ampliassem a partici pação democrática no poder. 122
No século XIX, as exigências democráticas não eram apenas da nova classe dos burgueses, mas também dos operários, cujo número crescia consi deravelmente, já que a Revolução Industrial determinara o aumento da concentração urbana. Os operários, organizados, em sindicatos e influencia dos por idéias socialistas, exigiam melhores condições de trabalho. Tais formas de organização de massa determinaram a tônica do pensamento polí tico do século XIX, que passa a se configurar como um liberalismo demo crático. O enfoque da liberdade baseada na propriedade — característica do liberalismo elitista dos séculos anteriores —é desviado para a noção de igualdade, procurando atingir a liberdade de um número cada vez maior de pessoas por meio de uma legislação e de garantias jurídicas. Jeremy Bentham (1748-1832) é o fundador de uma escola chamada utililarismo. Sofrendo a influência empirista, essa teoria pretende ser um instrumento de renovação social, a partir de um método rigorosamente cien tífico. Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade: o cidadão só deve obedecer ao Estado quando a obediência contribui para a felicidade geral. Critica as formas liberais que levam ao egoísmo. Aliás, para ele, o objetivo da moral é o controle do egoísmo, e a virtude é o que amplia os prazeres e diminuí as dores, donde resulta uma "aritmética moral": é preciso fazer um cálculo entre duas ações para saber qual delas reúne maior número de prazeres e menor quantidade de dores. Da mesma forma, o governo deve concordar com o princípio de utilidade, e sua finalidade é alcançar a felicidade para um número maior de pessoas. Por isso os objetivos do governo são: prover a subsistência, produzir a abundância, favorecer a igualdade e manter a segurança. Para isso é necessário que haja eleições periódicas, sufrágio livre e universal, liberdade de contrato. John Stuart Mill (1806-1873) segue inicialmente a corrente utilitarista, na qual foi iniciado por seu pai, James Mill, mas a modifica profundamente, já que sofreu outras influências, desde o positivismo de Comte ao socialismo de Saint-Simon. Daí sua preocupação com o destino das massas oprimidas e a sugestão de Co-participação na indústria e representação proporcional. Acirrado defensor da absoluta liberdade de expressão, participa da fundação da primeira sociedade defensora do direito de voto para as mulheres. As contradições do século XIX
Apesar dessas idéias "democráticas", permanecem sem solução questões econômicas e sociais que afligem a crescente massa de operários: pobreza, jornada de trabalho de quatorze a dezesseis horas, concorrência da mão-deobra das mulheres e crianças. Da mesma forma, a expansão do capitalismo determina idéias imperia listas que justificam a colonização da África e da Ásia. Os países europeus "democráticos" não querem abrir mão do controle econômico e político sobre suas colônias. O próprio Stuart Mill argumenta que a idéia de governo democrático se ajusta apenas aos hábitos dos povos avançados, sobretudo os br an co s.
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A contrapartida do discurso liberal se acha nas teorias socialistas ini cialmente nas dos chamados socialistas utópicos e, depois, nas do socialismo científico de Marx e Engels, que publicaram, em 1848 o Manifesto comu nista. Do mesmo modo, as Internacionais Operárias (a primeira e de 1864) e a Comuna de Paris (1871) já são reflexo da busca de uma nova ordem, distinta da ordem estabelecida, e de um discurso que contenha a critica ao Estado burguês.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu cm Genebra (Suíça) e viveu a partir de 1742 cm Paris, onde fervilhavam as idéias liberais que culmina riam na Revolução Francesa (1789). Aliás, desde o primeiro momento cm que se faz conhecer à intelectuali dade francesa, Rousseau surpreende: ganha o prêmio oferecido pela Acade mia de Dijon ao discorrer sobre o lema O restabelecimento das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar os costumes?, respondendo pela negativa. Esta posição é, no mínimo, polêmica, se lembrarmos que Rousseau vive em pleno lluminismo e, portanto, entre homens confiantes no poder da razão humana para construir um mundo melhor (ver Cap. 15, item 2). Fez amizade com Diderot, filósofo do grupo iluminista do qual faziam parte Voltaire, D'Alembert. D'Holbach e que se tornaram conhecidos como enciclopedistas pelo fato de elaborarem uma Enciclopédia que divulgava os novos ideais: tolerância religiosa, confiança na razão livre, oposição à auto ridade excessiva, naturalismo, entusiasmo pelas técnicas e pelo progresso. Rousseau foi convidado a escrever os verbetes sobre música (sua paixão anterior à filosofia), mas sempre foi elemento destoante, pois divergia em muito aspectos do pensamento iluminista, e teve, inclusive, sérios atritos com Voltaire. Precursor do romantismo, Rousseau valorizava demasiadamente o sen timento, num ambiente sobremaneira racionalista. Também não via com oti mismo o desenvolvimento da técnica e do progresso, contrapondo à civiliza ção o Ideal do bom selvagem. Rousseau sempre foi um apaixonado, e a forma como expõe suas idéias revela a carga emocional derivada de uma sensibilidade exacerbada. Seus leitores deixavam-se contagiar por esse espirito agitado, e entre seus admi radores encontrava-se Robespierre, representante do setor mais radical e de mocrático da Revolução Francesa. Espirito contraditório, elaborou as bases de uma moderna pedagogia com Emílio e A nova Heloísa, mas abandonou à orfandade os próprios filhos. Suas principais idéias estão nas obras Discurso sobre a origem da desi gualdade entre os homens e Do contrato social.
Rousseau O estado de natureza Assim como seus antecessores Hobbes e Locke, Rousseau desenvolve seu pensamento a partir da hipótese do homem em estado de natureza e procura resolver a questão da legitimidade do poder nascido do contrato social. No entanto, sua posição é, num aspecto, inovadora, na medida em que distingue os conceitos de soberano e governo, atribuindo ao povo a sobera nia inalienável, o que veremos adiante. "Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, en quanto se limitaram a costurar com espinhos ou com cerdas suas roupas de peles, a enfeitar-se com plumas e conchas, a pintar o corpo com várias cores, a aperfeiçoar ou embelezar seus arcos e flechas, a cortar com pedras agudas algumas canoas de pescador ou alguns instrumentos grosseiros de música — em uma palavra: enquanto só se dedicavam a obras que um único homem podia criar e a artes que não solicitavam o concurso de várias mãos, viveram tão livres, sadios, bons c felizes quanto o poderiam ser por sua natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de um comercio independente; mas, desde o instante em que um homem sentiu necessidade do socorro de outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tor nou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se cm campos aprazí veis que se impôs regar com o suor dos homens c nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinarem c crescerem com as colheitas." Rousseau parece demonstrar uma extrema nostalgia desse estado feliz em que vive o bom selvagem. Mas a propriedade não reduz a desigualdade entre os homens, a diferenciação entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo, até a predominância da lei do mais forte. O
violência. Trata-se de um falso contrato, que coloca os homens sob grilhões. Há que se considerar a possibilidade de um contrato verdadeiro e legítimo, pelo qual o povo esteja reunido sob uma só vontade. O contrato social O contrato social, para ser legítimo, deve se originar do consentimento necessariamente unânime. Cada associado se aliena totalmente, ou seja, abdica sem reserva de todos os seus direitos em favor da comunidade. Mas, como todos abdicam igualmente, na verdade cada um nada perde, pois "este ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada con tratante, um corpo moral c coletivo composto de tantos membros quantos são os votos da assembléia e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade" 2 . Em outras palavras, pelo pacto o homem abdica de sua liberdade, mas sendo ele próprio parte integrante e ativa do todo social, ao obedecer à lei, obedece a si mesmo e, portanto, é livre: "a obediência à lei que se estatuiu a si mesma é liberdade". Isso significa que, para Rousseau, o contrato não faz o indivíduo perder sua soberania, pois este não cría um Estado separado de si mesmo. Como isso é possível? Soberano e governo O ato pelo qual o povo institui um governo não o submete a ele. Ao contrário, não há um "superior" ao povo, pois os depositários do poder não são os senhores do povo, mas seus oficiais, e o povo pode elegê-los e desti tuí-los quanto lhe aprouver. Os magistrados que constituem o governo ape nas executam as leis, estando subordinados ao poder de decisão do soberano. O soberano é o povo incorporado, é o corpo coletivo que expressa, através da lei, a vontade geral. A soberania do povo, manifesta pelo legisla tivo, é inalienável, ou seja, ela não pode ser representada. A democracia rousseauniana critica o regime representativo, pois considera que Ioda lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula. Daí preconizar a democracia participativa ou direta. Só se mantém a soberania do povo através de assem bléias freqüentes de todos os cidadãos. É evidente que, para o próprio Rousseau, tal projeto só é possível cm uma sociedade de reduzidas propor ções. Além de inalienável, a soberania é também indivisível, pois não se pode tomar os poderes separadamente. Aqui Rousseau critica a autonomia dos poderes, cuja discussão começa com Locke e se explicita com Montesquieu (executivo, legislativo e judiciário). Enquanto soberano, o povo é ativo c considerado cidadão. Mas há também uma soberania passiva, assumida pelo povo enquanto súdito. Então, o mesmo homem, enquanto faz a lei, é um cidadão e, enquanto a ela obe dece e se submete, é um súdito. A vontade geral O soberano é o povo incorporado e dita a vontade geral, cuja expres são é a lei. O que vem a ser a vontade geral? £ preciso antes fazer distinção entre pessoa pública (cidadão ou súdito) c pessoa privada. Esta tem uma vontade individual, que geralmente visa o interesse egoísta e a gestão de seus bens particulares. Mas, ao mesmo tempo, esse homem particular per tence a um espaço público, 6 parle de um corpo coletivo que tem interesses comuns, expressos pela vontade geral. Nem sempre o interesse de um coin cide com o de outro, pois muitas vezes o que beneficia a pessoa privada pode ser prejudicial ao coletivo. Por isso, também não se pode confundir a vontade da maioria com a vontade geral, pois a somatória dos interesses pri vados pode ter outra natureza que o interesse comum. Explicando melhor: "o interesse comum não é o interesse de todos, no sentido de uma confluên cia dos interesses particulares, mas o interesse de todos e de cada um enquanto componentes do corpo coletivo e exclusivamente nesta qualidade.
Daí o perigo de predominar o interesse da maioria, pois se é sempre possível
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para o caráter Ideológico do sistema carcerário e dos hospícios. Na sua His tória da loucura, crítica a moderna concepção de loucura, mostrando como ela foi elaborada a partir do século XVII. Há também os trabalhos teóricos e práticos de psiquiatras como o italiano Basaglia e os ingleses Laing e Cooper, com as propostas da antipsiquiatria *, Tais discussões controvertidas têm sido sujeitas a um debate fermenta do que, supomos, deverá pôr em questão concepções tradicionais a respeito desse assunto. (Extraído do livro Filosofando, de Maria Lúcia A. Aranha e Maria Helena P„ Martins, Editora Moderna, São Paulo, 1987)
O Estado na concepção histórico-crítica Priedrich Engels Já estudamos, uma a uma, as três formas principais do como o Estado se erigiu sobre as ruínas da gens. Atenas apre senta a forma que podemos considerar mais pura, mais clássica: ali, o Estado nasceu direta e fundamentalmente dos antago nismos de classes que se desenvolviam no seio mesmo da so ciedade gentílica. Em Roma, a sociedade gentílica se converteu numa aristocracia fechada, em meio a uma plebe numerosa e mantida à parte, sem direitos mas com deveres; a vitória da plebe destruiu a antiga constituição da gens, e sobre os escom bros instituiu o Estado, onde não tardaram a se confundir a aristocracia gentílica e a plebe. Entre os germanos, por fim, vencedores do império romano, o Estado surgiu em função di reta da conquista de vastos territórios estrangeiros que o regime gentilico era impotente para dominar. Como, porém, a essa conquista não correspondia uma luta séria com a antiga popu lação, nem uma divisão de trabalho mais avançada; como o grau! de desenvolvimento econômico de vencidos e vencedores era quase o mesmo — e por conseguinte persistia a antiga base econômica da sociedade — a gens pôde manter-se ainda por muitos séculos, sob uma forma modificada, territorial, na cons tituição da marca, e até rejuvenescer durante certo tempo, sob uma forma atenuada, nas famílias nobres e patrícias dos anos posteriores, e mesmo em famílias camponesas, como em Dithmarschen, x O Estado não é pois, de modo algum, um poder quo so impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é "a reali dade da idéia moral", nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. E antes um produto da sociedade, qua ndo esta "chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a inantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado. Distinguindo-se da antiga organização gentílica, o Estado caracteriza-se, em primeiro lugar, pelo agrupamento dos seus súditos de acordo com uma divisão territorial. As velhas asso ciações gentílicas, constituídas e sustentadas por vínculos de sangue, tinham chegado a ser, como vimos, insuficientes em grande parte, porque supunham a ligação de seus membros a um determinado território, o que deixara de acontecer há bas tante tempo. O território permanecera, mas os homens se ha viam tornado móveis. Tomada a divisão territorial como ponto de partida, deixou-se aos cidadãos o exercício dos seus direitos e deveres sociais onde estivessem estabelecidos, independente mente das gens c das tribos. Essa organização dos súditos do Estado conforme o território é comum a todos os Estados. Por isso nos parece natural;, mas, em capítulos anteriores vimos como foram necessárias renhidas e longas lutas antes que em Atenas e Roma ela pudesse substituir a antiga organização gentílica. O segundo traço característico 6 a instituição de uma força pública, que já não mais se identifica com o povo em armas. A necessidade dessa força pública especial deriva da
divisão da sociedade cm classes, qu e impossibilita qu al qu er or ganização armada espontâ nea da popul ação . Os escravos inte gravam, também, a população; os 90 000 cidadãos de Atenas só constituíam uma classe privilegiada em confronto com os 365 000 escravos. O exército popul ar da democ rocia at enie nse era uma força pública aristocrática contra os escravos, quo mantinha submissos; todavia, pura manter a ordem entre os cidadãos, foi preciso também criar uma força de polícia, como falamos anter iormen te. Esta força públ ica existe em todo Es tado; é formada não só de homens armados como, ainda, de acessórios materiais, os cárceres e as instituições coercitivas de todo gênero, desconhe cidos pela socie dade da gens. Ela pode ser pouco importante e até quase nula nas sociedades em que ainda não se desenvolveram os antagonismos de classe, ou em lugares distantes, como sucedeu em certas regiões e em certas época s nos Esta dos Unidos da Amér ica. Mas se forta lece na medida em que exacerbam os antagonismos de classe dentro do Estado e na medida em que os Estados contíguos crescem e aum ent am de populaçã o. Basta-nos obser var a Euro pa de hoje, onde a luta de classes e a rivalidade nas conquistas le varam a força pública a um tal grau de crescimento que da ameaça engolir a sociedade inteira e o próprio Estado. Para sustentar essa força pública, são exigidas contribuições por par te dos cidadã os do Esta do: os impostos. A sociedade gentílica não teve idéia deles, mas nós os conhecemos muito bem . E, com os progressos da civilização, os impostos, inclu sive, chegaram a ser poucos; o Estado emite letras sobre o futuro, contrai empréstimos, contrai dívidas do Estado. A velha Europa está em condições de nos falar, por experiência própria, também disso. Donos da força pública e do direito de recolher os im postos, os funcionários, como órgãos da sociedade, põem-se então acima dela. O respeito livre e voluntariamente tributado aos órgãos da constituição gentílica já não lhes basta, mesmo que pudessem conquistá-lo; veículos de um poder que se tinha tomado estranho á sociedade, precisam impor respeito através de leis de exceção, em virtude das quais gozam de uma santi da de e uma inviol abilidade especiais. O mais reles dos beleguins do Estado civilizado tem mais "autoridade" do que todos os órgãos da sociedade gentílica juntos; no entanto, o príncipe mais poderoso, o maior homem público, ou general, da civili zação pode invejar o mais modesto dos chefes de gens, pelo respeito espontâneo e indiscutido que lhe profe ssavam . Est e existia dentro mesmo da sociedade, aqueles vêem-se compe lidos a pretender representar algo que está fora e acima dela. Como o Estado nasceu da necessidade de conter o anta gonismo das classes, c como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderesa, da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio dele, se converte também em classe politi camente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploraç ão da classe oprim ida. Assim, o Esta do antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de que se valeu a nobreza para manter a sujeição dos servos e campo neses dependentes; e o moderno Estado representativo é o ins trumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado. Entr etan to, por exceção, há perío dos em que as lutas de classes se equilibram de tal modo que o Poder do Estado, como mediador aparente, adquire certa independência mom entâ nea em face das classes- Nesta situação, achava -se a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII, que contro lava a balança entre a nobreza c os cidadãos; de igual ma neira, o bonapartisrno do primeiro império francês, e princi
espécie, em que opressores e oprimidos aparecem igualmente ridículos, é o do novo império alemão da nação bismarckiana: aqui, capitalistas e trabalhadores são postos na balança uns contra os outros e são igualmente ludibriados para proveito exclusivo dos degenerados "junkers" prussianos. Além disso, na maior parte dos Estados históricos, os di reitos concedidos aos cidadãos são regulados de acordo com as posses dos referidos cidadãos, pelo que se evidencia ser o Estado um organismo para a proteção dos que possuem contra os que não possuem. Foi o que vimos em Atenas e cm Roma, onde a classificação da população era estabelecida pelo mon tante dos bens. O mesmo acontece no Estado feudal da Ida de Média, onde o poder político era distribuído conforme a im portância da propriedade territorial. E é o que podemos ver no censo eleitoral dos modernos Estados representativos. En tretanto, esse reconhecimento político das diferenças de for tuna não tem nada de essencial; pelo contrário, revela até um grau inferior de desenvolvimento do Estado. A república de mocrática— a mais elevada das formas de Estado, e que, em nossas atuais condições sociais, vai aparecendo como uma necessidade cada vez mais iniludível, e é a única forma de Estado sob a qual pode ser travada a última e definitiva batalha entre o proletariado e a burguesia — não mais reco nhece oficialmente as diferenças de fortuna. Nela, a riquez a exerce seu poder de modo indiret o, embora mais seguro. De um lado, sob a forma de corrupção direta dos funcionários do Estado, e na América vamos encontrar o exemplo clássico; de outro lado, sob a forma de aliança entre o governo e a Bolsa. Tal aliança se concretiza com facilidade tanto mai or quanto mais cresçam as dívidas do Estado e quanto mais as sociedades por ações concentrem em suas mãos, além do transporte; a própria produção, fazendo da Bolsa o seu centro. Tanto quanto a América, a nova república francesa ó um exemplo muito claro disso, e a boa e velha Suíça também traz a sua contribuição nesse terreno. Mas, que a r epública • democrática não é imprescindivel para essa fraternal união entre Bolsa e governo, prova-o, além da Inglaterra,,o novo império alemão, onde não se pode dizer quem o sufrágio universal elevou mais alto, se Bismarck,. se Bleichroder. E, por último, é diretamente através do sufrágio universal que a classe possuidora domina. Enqu anto a classe oprimida — em nosso caso, o proletariado — não está madura para promover ela mesma a sua emancipação, a maioria dos seus membros considera a ordem social existente como a única possível e, politicamente, forma a cauda da classe capitalista, sua ala da extrema esquerda. Na medida, entretanto, em que vai ama durecendo para a auto-emancipação, constitui-se como um partido independente e elege seus próprios representantes e não os dos capitalistas. O sufrágio universal é, assim, o ín dice do amadurecimento da classe operária. No Estado atual , não pode, nem poderá jamais, ir além disso; mas é o suficiente. No dia em que o termômetro do sufrágio universal registrar para os trabalhadores o ponto de ebulição, eles saberão — tanto quanto os capitalistas — o que lhes cabe fazer. Portanto, o Estado não tem existido eternamente. Houve sociedades que se organizaram sem ele, não tiveram a menor noção do Estado ou de seu poder. Ao chegar a certa fase de desenvolvimento econômico, que estava necessariamente ligada à divisão da sociedade cm classes, essa divisão tornou o Estado uma necessidade. Estamos agora nos aproximando,
com rapidez, de uma fase de desenvolvimento da produção em que a existência dessas classes não apenas deixou de ser uma necessidade, mas até so converteu num obstáculo à pro dução mesma. As classes vão desaparecer, e de maneira tão inevitável como no passado surgiram. Com o desaparecimento das classes, desaparecerá inevitavelmente o Estado . A socie dade, reorganizando do uma forma nova a produção, na base de uma associação livre de produtores iguais, mandará toda a máquina do Estado para o lugar que lhe há de correspon der: o museu do antigüidades, ao lado da roca de fiar o do machado do bronze, (Extraído do livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels, Editora Civilização Brasi leira, Rio de Janeiro, 1981)
pitalista. Percorridas essas etapas, ao se iniciar a terceira u nidade, provavelmente o aluno estará em condições de refletir ' sobre as relações sociais que envolvem o exercício) do poder
em
nossa sociedade. Nesse momento, priviligia-se a compreensão
da
noção de participação política do cidadão: a relação existente' entre sociedade civil e Estado. Desse modo, na última unidade será possível compreender as instituições sociais família e es cola, percebendo-as como elementos históricos integrantes da totalidade social. Vale salientar que o conteúdo aqui proposto é amplo, porem, está longe de esgotar as principais preocupações teóricas da ciência sociológica. Tendo consciência de que esta discipli na será ministrada durante um ano e com duas aulas semanais
na
série inicial do curso de 2º grau, não tivemos a intenção de or ganizar um conteúdo quo levasse o aluno a uma erudição en Sociologia, o que seria mesmo impraticável e indesejável nesta fase. Temos consciência também de que vários aspectos da realidade so cial foram deixados de lado nesta proposta. Ao priorizarmos certas questões, optamos claramente por um caminho para o aprendi zado de sociologia, deixando outros, possíveis, de l a d o — a ci ência, enfim, não é neutra. No entanto temos certeza de que, do minando o conteúdo aqui proposto, o aluno será capaz de superar a própria limitação deste conteúdo. Ao aprender essas noções bá sicas, movido por interesse próprio, ele será capaz de prosse guir com estudos mais aprofundados em Sociologia. Por fim, ressaltamos quo a organização do conteúdo foi feita com a preocupação de, ao contribuir para a construção
do
direito à cidadania, fornecer ao aluno elementos para que ele se ja capaz de: • estabelecer a diferença entre o seu conhecimento de sen so comum com o conhecimento cientifico; em outra3 palavras, per ceber que os fatos isolados do seu cotidiano (prática) podem ser associados, melhor entendidos e re-elaborados em decorrência
do
_Os conceitos d e democracia e autoritarismo Maria Inicia de Arruda Aranha e Maria .Helena Pires Martins Uma reflexão sobre a democracia A palavra democracia vem do grego demos (povo) e kratia, de krátos (governo, poder, autoridade). Historicamente, consideramos os atenienses o primeiro povo a elaborar o ideal democrático, dando ao cidadão a capaci dade de decidir os destinos da pólis (cidade-estado grega) Povo habituado ao discurso, encontra na agora (praça pública) o espaço social para o debate e o exercício da persuasão. Entretanto, esse ideal de democracia direta, que não se faz por intermé dio de representantes, mas pelo exercício do poder não alienado, nunca se cumpriu de fato. O ideal democrático reaparece na história, com roupas diferentes, ora no liberalismo, ora exaltado na utopia rousseauniana, ora nos ideais socialis tas e anarquistas. Nunca foi possível evitar que, em nome da democracia, conceito abstra to, valores que na verdade pertenciam a uma classe apenas fossem conside rados universais. A Revolução Francesa se fez sob o lema "Igualdade, Liber dade, Fraternidade'', c sabemos que foi uma revolução que visava interesses burgueses, e não populares. No mundo contemporâneo, tanto os EUA como a URSS se consideram governos democráticos. Não pretendemos aqui discutir esse assunto, mas apenas a questão: Se a política significa o que se refere ao poder, na democracia, onde é o lugar do poder? Comecemos examinando onde a democracia não está. A personalização do poder O que caracteriza os governos não democráticos é que o poder é inves tido numa pessoa que pretende exercê-lo durante toda sua vida, como se dele fosse proprietário. O faraó do Egito, o césar romano, o rei cristão me dieval, em virtude de privilégios, se apropriam do poder, identificando-o com o seu próprio corpo. É a pessoa do príncipe que se torna o intermediário entre os homens e Deus, ou o intérprete humano da suprema Razão. identificado com determinada pessoa ou grupo, o poder personalizado é um poder de fato, e não de direito, pois não é legitimado pelo consenti mento da maioria, mas depende do prestígio e da força dos que o possuem. Trata-se de uma usurpação do poder, que perde o seu lugar público quando é incorporado na figura do príncipe. Que tipo de unidade decorre desse poder? Como não se funda na expressão da maioria, ele precisa estar sempre vigiando e controlando o surgimento de divergências que poderão abalá-lo. Busca então a uniformiza ção das crenças, das opiniões, dos costumes, evitando o pensamento diver gente e destruindo a oposição. Eis aí o risco do totalitarismo, quando o poder é incorporado ao partido único, representado por um homem todo-poderoso. O filósofo político con temporâneo Claude Lefort' diz que o escritor soviético dissidente Soljenitsin costumava se referir a Stálin como sendo o Egocrata (que significa o poder personalizado; etimologicamente, "poder do eu"). O Egocrata é o ser todopoderoso que faz apagar a distinção entre a esfera do Estado e a da socieda de civil: o partido, onipresente, se Incumbe de difundir a ideologia dominan te por todos os setores de atividades, a todos unificando, o que permite a
A institucionalização do poder A Idade Moderna promove uma profunda mudança na maneira de pensar medieval, que era predominantemente religiosa. Ocorre a seeularização da consciência, ou seja, o abandono das explicações religiosas, para se usar o recurso da razão, Essa transformação se verifica nas artes, nas ciências na política. A tese de que todo poder emana de Deus, se contrapõe a origem social do pacto feito pelo consentimento dos homens. A legitimação do poder se encontra no próprio homem que o institui. Com a emergência da burguesia no panorama político, dá-se a criação do Estado como organismo distinto da sociedade civil. Em outras palavras, na Idade Média, o poder político pertencia ao senhor feudal, dono das terras, e era transmitido como herança juntamente com seus bens; com as revôluções burguesas, essas duas esferas dissociam-se: o poder não é herdado, mas conquistado pelo voto. Assim, separa-se o público do privado. O espírito da democracia está em descobrir o valor da coisa publica, separada dos interes ses particulares. Desse modo, ocorre a institucionalização do puder, que não mais se identifica com aquele que o detém, pois este é mero depositário da soberania popular. O poder se torna um poder de direito, e sua legitimidade repousa, não no privilégio, não no uso da violência, mas do mandato popular. O súdito, na verdade, torna-se cidadão, já que participa da comunidade cívica. Não havendo privilégios, todos são iguais e têm os mesmos direitos e deveres. Isto se torna possível pela criação de instituições baseadas na plurali dade de opiniões e na elaboração de leis para orientar a ação dos cidadãos, garantindo seus direitos e evitando o arbítrio. A institucionalização implica a elaboração de uma Constituição, que é a lei magna. Portanto, o poder torna-se legítimo porque emana do povo e se faz em conformidade com a lei. Retomando a pergunta "Onde é o lugar do poder na democracia?", respondemos que é o lugar do vazio, ou seja, é o poder com o qual ninguém pode se identificar e que cera exercido transitoriamente por quem for escolhido para tal. No entanto, como já dissemos, a democracia burguesa se mostrou defi ciente no exercício desse ideal, pois redundou em uma forma elitista, privi legiando os segmentos da sociedade que possuem propriedades e excluindo do acesso ao poder a grande maioria. Com a ajuda da ideologia , as classes privilegiadas dissimulam a divisão e mostram a sociedade como uma. harmônica e iguali tária. Asseguram, assim, a tranqüilidade e o "progresso". Entretanto, a outra parte da sociedade se acha reduzida ao silêncio e à incapacidade de pensar a sua própria condição. Como seria o exercício da verdadeira democracia? Segundo Marilena Chauí 2 , as determinações, constitutivas do conceito de democracia são as idéias de conflito, abertura e rotatividade. • O conflito — se a democracia supõe o pensamento divergente, isto é, os múltiplos discursos, ela tem de admitir uma heterogeneidade essencial. Então, o conflito é inevitável. A palavra conflito sempre teve sentido pejorativo, de algo que devesse ser evitado a qualquer custo. Ao contrário, divergir é inerente a uma sociedade pluralista. O que a sociedade demo crática deve fazer com o conflito é trabalhá-lo, de modo que, a partir da discussão, do confronto, os próprios homens encontrem a possibilidade de superá-lo. E assim que a verdadeira história se faz, nesta aventura em que 0 homem se lança em busca do possível, a partir dos imprevistos. Se os conflitos existem, evitá-los é permitir que persistam, degenerem em mera oposição ou sejam camuflados. • A abertura •— significa que na democracia a informação circula livremen te, e a cultura não é privilégio de poucos. Essa circulação não se reduz ao mero consumo de informação e cultura, mas significa produção de cultura, que se enriquece nesse processo. • A rotatividade — significa tornar o poder na democracia realmente o lugar vazio por excelência, sem privilégio de um grupo ou classe. E permi tir que todos os setores da sociedade possam ser legitimamente represen tados.
A fragilidade da democracia
Se fosse possível preencher os requisitos indispensáveis à constituição da verdadeira democracia, poderíamos atingir a sociedade em que a relação entre us pessoas se define pela amizade, quo é a recusa do servir, No entanto, essa é uma tarefa difícil, devido à incompletude essencial da democracia. Não havendo modelos a seguir, esta se autoproduz no seu percurso, c a árdua tarefa em que todos se empenham esta sujeita aos riscos dos enganos e dos desvios. Por isso, a democracia é frágil e não há como evitar o que faz parte da sua própria natureza. O principal risco é a emergência do totalitarismo, representado nos grupos que sucumbem à sedução do absoluto e desejam restabelecer a "ordem" e a hierarquia. A condição do fortalecimento da democracia encontra-se na politização das pessoas, que devem deixar o hábito (ou vício?) da cidadania passiva, do individualismo, para se tornarem mais participantes e conscientes da coisa pública.
O autoritarismo Os países latino-americanos têm uma longa tradição de governos ditato riais. As obras literárias de Gabriel Garcia Márquez, Manuel Scorza, |. ]. Veiga, registram os sucessivos golpes de Estado que colocaram estes países à mercê dos caudilhos. Os regimes chamados autoritários não devem ser confundidos com os totalitários, conforme foram descritos anteriormente. Ambos cerceiam as liberdades individuais em nome da segurança nacional, usam formas de propaganda política, exercem a censura e têm um aparelho repressivo. Nos regimes autoritários, contudo, não há uma ideologia de base que serve "para a construção de uma nova sociedade" ,e não há uma mobilização popular que lhes dê suporte. Ao contrário, ao invés da doutrinação política e do incentivo ao engajamento ativista (ainda que dirigido), há uma despolitização que leva à apatia política. O clima de repressão violenta gera o medo, que desestimula a ação política efetiva. Permanece, sempre que possí vel, uma aparência de democracia: pode haver vários partidos, e mesmo que a oposição efetiva desapareça, ela existe como oposição formal. E o partido do governo 0 um mero apêndice do poder executivo. O governo autoritário pode também utilizar os militares na burocracia estatui, c a elite econômica tem, nos postos chaves, oficiais das forças arma das. Os militares saem da caserna para se tornarem a instituição política mais importante da nação.
(Extraído do l i v r o Fi lo so fa nd o, de Maria Lúcia A. Aranha e ria Helena P. Martins, Editora Moderna , São Paulo, 1987)
Descrição da dinâmica de um movimento social Paulo Meksenaa Na Zona Leste da cidade de São Paulo, moram aproximada mente 3 milhões de pessoas, na sua grande maioria trabalhadores pobres dos setores da indústria, comércio ou serviços. São mais de vinte bairros formados de casas precárias: Ermelino Matarazzo, Ponte Rasa, Itaim, São Miguel Paulista, Nitro-Operária, Cidade Líder, Itaquera, Vila Curuçá e muitos outros. Além disso, cada bairro se divide em localidades menores e mais distantes: Jardim das Oliveiras, Pedro Nunes, Monte Santo, E. Carvalho, Cangaíba. É o que poderíamos chamar de: a periferia da periferia de São Paulo. A região é carente de serviços básicos como água, luz, asfalto, transporte, saúde e escola. A situação de extrema miséria desses bairros faz com que a sua população se reúna em organizações como Sociedades Amigos do Bairro, Grupos de Mães, Comunida des Eclesiais de Base ou Grupos de Juventude, para discutir ques tões referentes à vida, aos problemas e à fé de cada um. O que muitas vezes dá origem a movimentos sociais que vão lutar não só pela melhoria do padrão de vida como também pelo direito de participação política na sociedade. Isto porque o processo de orga nização das populações carentes deságua naturalmente numa dinâ-" mica de conscientização que leva cada um a refletir não só sobre a sua vida cotidiana, mas sobre toda a estrutura e funcionamento
da sociedade capitalista. Foi o que aconteceu com o "Movimento de Educação da Zona Leste" que se originou das discussões de um Grupo de Mães. A)
O INICIO DO MOVIMENTO: O PROBLEMA DA TAXA DA APM
O Grupo de Mães de Monte Santo se reuniu no início de 1980 para discutir os problemas do bairro e, no meio de conversa informal, os participantes descobriram que a matrícula de seus fi lhos em escolas públicas estaduais estava ameaçada pela exigência de pagamento da taxa de APM. Esta exigência partia da direção das escolas, a taxa era alta para o nível de renda daquela popula ção pobre. Muitas mães não conseguiam matricular seus filhos. Entretanto, o que vem a ser na realidade essa taxa da APM? A APM (Associação de Pais e Mestres) foi oficialmente criada pela lei n. 12.983 de 15-12-1978. Segundo a legislação, objetiva aumentar a união entre pais e professores para ajudar no bom fun cionamento da escola ou na sua organização, visando sobretudo aos alunos carentes. Para atingir tais objetivos, a APM pode realizar uma coleta de fundos; esta porém não é obrigatória e só se pode fazer após o término do período de matrículas. As escolas públicas da periferia são normalmente abandonadas pelo Estado., A situação de muitas delas é degradante: faltam vidros, carteiras escolares, muros, iluminação e em alguns casos até água
falia. Diante dos problemas e sabendo da ambigüidade da lei e da falia de informação da população, alguns diretores obrigam os pais dos alunos, no momento da matrícula, a que paguem uma importân cia em dinheiro que corresponderia à taxa da APM. Com esses re cursos financeiros, tentam remediar os problemas da escola. O que nunca devemos esquecer é que a manutenção da escola pública deve ser garantida pelo Estado e não através das taxas de APM, cobradas ilegalmente da população carente, No Grupo de Mães de Monte Santo, as reuniões do início de 1980 já estavam se tornando um lamento dessa injustiça. Ou paga vam a taxa, ou seus filhos não estudariam. Como o problema parecia não ter solução, resolveram discuti-lo com outros Grupos de Mães da Zona Leste. Resultado: em pouco tempo todos os Grupos de Mães da região estavam discutindo não só o problema da taxa da APM como também todos os outros problemas que afli giam a educação escolar da região: prédios escolares desmoronando, falta de higiene, falta de segurança, falta de professores, baixo nível de ensino. Nesse processo de discussão, descobriram também que não era obrigatório o pagamento da taxa da APM. A partir daí, foi possível, no dia 14 de setembro de 1980, a organização de uma assembléia aberta à participação dos moradores interessados em discutir os problemas educacionais da região. Nes sa assembléia, determinou-se: a) Imprimir folhetos alertando o restante da população sobre a não-obrigatoriedade do pagamento da taxa da APM. b) Editar mensalmente um boletim informativo denominado "Falta de Educação" paro denunciar os problemas ou irre gularidades das escolas da região e ainda para ajudar na organização do Movimento de Educação que estava nas cendo naquele momento. c) Organizar um abaixo-assinado que chegou posteriormente a 14 mil assinaturas de pessoas que exigiam que a contribui ção da APM fosse espontânea. Os primeiros frutos dessa organização amadureceram: conse guir que os diretores das escolas públicas da região não obrigassem mais ao pagamento da taxa da APM. Esta questão tinha levado a população a descobrir os outros problemas que as escolas enfrenta vam e assim o Movimento continuou com as suas reivindicações. B)
O MOVIMENTO CRESCE: O PROBLEMA DO CURSO NOTURNO
Sentindo que a luta pela melhoria das condições de ensino nas escolas da região necessitava que a população se armasse de bons argumentos, os integrantes do Movimento organizaram uma pesquisa; tentativa de conhecer melhor a situação escolar da região para, quando reivindicassem melhorias, apresentarem um quadro fiel da realidade. Após várias reuniões, prepararam um questionário através do qual tentariam entrevistar pelo menos 500 moradores para conhe cer de perto quais seriam, agora, as exigências mais importantes. Com essa pesquisa percebeu-se a necessidade que vários jovens
sentiam de cursar o 2.° grau, que não cursavam devido à necessi dade de trabalhar, o que implicaria a obrigatoriedade de estudar à noite. Na região as escolas só funcionavam durante o dia. Realizaram uma segunda pesquisa que agora consistiria na visita às escolas para conversar com os diretores sobre o motivo do nãofuncionamento das escolas no período noturno. Estes, por sua vez, alegaram falta de segurança e de infra-estrutura. Mas os moradores que realizaram a visita às escolas percebiam claramente que, além desses problemas, os diretores não queriam mesmo era ter mais tra balho e responsabilidade. Os participantes do "Movimento de Educação" entenderam que teriam de recorrer ao secretário da Educação do Estado de São Paulo, com os números de jovens sem escola, com o número das escolas que só tinham o curso de 1.° grau, enfim, com o resultado da pesquisa, No período de 1981 a 1984, organizaram-se várias caravanas com centenas de moradores da Zona Leste que se dirigiam à Se cretaria de Educação do Estado de São Paulo para exigir a solução desse problema. Agora, o Movimento de Educação da Zona Leste da Cidade de São Paulo era amplo e contava com a participação não só dos Grupos de Mães como também com o apoio dos Grupos de Jovens e de outros setores da sociedade. Depois de três anos de manifestações, o Movimento (que enfrentou sérios momentos de desânimo e enfraquecimento), conseguiu final mente em 9 de novembro de 1984 que o secretário da Educação editasse uma resolução pela qual se determinava que toda escola pública de 1.° grau do Estado de São Paulo poderia utilizar suas salas de aula ociosas no período noturno, para a implantação de cursos de 2° grau. Junto com a resolução estava a proposta de criação em 13 escolas da Região Leste de cursos noturnos que esta riam funcionando a partir de 1985. Foi a segunda grande vitória do Movimento de Educação da Zona Leste da Cidade de São Paulo. No entanto, a implantação destes cursos não foi assim tão fá cil: vários diretores de escolas da região ainda se opunham ao projeto de implantação do curso noturno de 2° grau, pois sabiam que isto lhes traria maior trabalho e responsabilidade. A partir daí, esses diretores de escola tentavam impedir a consolidação desses cursos, não aceitando matrículas de alunos, evitando assim a forma ção de novas classes. Os moradores que integravam o Movimento decidiram encami nhar nova queixa ao secretário da Educação. Com o que os mo radores de Pedro Nunes conseguiram autorização para que eles mesmo passassem a organizar as matrículas necessárias para o fun cionamento dos cursos noturnos. Essa autorização logo chegou para as outras vilas da região também.
FALTA DE ESCOLAS TORNA O 2º GRAU RESTRITO À MINORIA Dos 13,5 milhões de jovens brasileiros na faixa etária dos 15 aos 19 anos, cerca de 6 milhões concluíram os estudos do 1º grau e apenas 1,9 milhão freqüentam escolas secundárias. A estimativa, elaborada por técnicos do Ministério da Educa ção, vem confirmar uma situação já conhecida e denunciada
plano inferior e se restringe a uma minoria. À grande massa dos adolescentes não resta outra perspectiva a não ser engros sar as fileiras da mão-de-obra desqualificada para o mercado de trabalho. EVASÃO EM MASSA Soma-se à falta de escolas outro problema: os altos índi ces de evasão dos alunos dos cursos noturnos, abrangendo 50% dos matriculados no 2º grau. Obrigados a trabalhar para sus tento próprio c da família, exaustos da maratona diária e des motivados pela baixa qualidade d o ensino, muitos adolescen tes desistem dos estudos sem completar o curso secundário. Essa situação, que até há pouco verificava-se somente na rede oficial, estende-se hoje às escolas particulares, que sen tem os reflexos da crise econômica e social. Segundo Chafic Jábali, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de En sino do Estado de São Paulo, a evasão nos cursos noturnos vem aumentando nos últimos três anos, com uma agravante: os alunos que saem de uma escola não se transferem para ou tra mais barata ou para a rede estadual: simplesmente abando nam os estudos. Há, no entanto, alguns sintomas de mudança. O confor mismo com que, durante décadas, a população sofreu todo o tipo de problema começa a ser substituído por uma ação or ganizada. Em São Paulo, moradores de bairros periféricos da zona Leste estão desenvolvendo uma intensa mobilização pa ra obter da Secretaria da Educação do Estado mais escolas de 2º grau na região. E, entre as metas da Secretaria e do MEC para 85, figuram alguns projetos especiais para o 2º } grau. NUMEROSOS CRÍTICOS Um levantamento feito em 1982, por pesquisadores da Fundação Carlos Chagas, revelou um quadro bastante nega tivo no município de São Paulo. De uma população de 732.039 jovens (dos 15 aos 19 anos), apenas 35 % estavam matricula dos no 29 grau. Esta defasagem se tornava mais acentuada nos bairros periféricos, atingindo o máximo na zona sul (Ca-. pela do Socorro e Parelhciros), onde apenas 0,5% dos ado lescentes cursava o secundário. Novas escolas foram criadas, mas não acompanharam o crescimento demográfico da cidade e não atendem à deman da. Analisando-se os dados de 1984 da Secretaria da Educa ção, é possível verificar o desequilíbrio da distribuição das es colas do 2º grau na Grande São Paulo: DRECAP (Divisão Regional de Ensino da Capital); as ou tras quatro DREs abrangem os demais municípios da Grande São Paulo. EEPSG (Escola Estadual de lº e 2º Graus). EESG Escola Estadual de 2º Gr au ). DRECAP EEPSG EESG 47 7 — 1 56 17 — 2 — 3 77 18 DRE/Norte 30 —1 DRE/Leste 20 DRE/Sul 48 2 DRE/Oeste 49 — Tot al:
327
45
Esses números tornara-se mais absurdos quando se cons tata que, enquanto alguns bairros, como o Tucuruví, contam com 13 escolas de 2º grau, outros como Ermelino Matarazzo
e Itapevi possuem uma única escola secundária. A projeção ocorre também no interior, onde há um total de 833 escolas de 2º grau, incluídas no calculo as 32 escolas agrícolas e as 82 escolas técnicas mantidas pela rede estadual. PROJETOS PARA 1985 Reiterando a intenção de dar prioridade ao atendimento ao 2º grau em 1985, o secretário da Educação do Estado, Pau lo Renato Cosia Souza, definiu alguns dos projetos que serão postos em prática: aumentar as vagas nas regiões mais caren tes, criar centros de formação para o magistério em todas as regionais; reorganizar a divisão de ensino técnico, para admi nistrar as escolas técnicas; dar um apoio especial aos cursos noturnos c, durante o ano, estudar a reformulação curricular. Está prevista para o 2º grau cm 1985 uma verba de Cr$ 227.530.744.000, que será repassada pelo Tesouro do Es tado e pelo FUNDESP (Fundo de Desenvolvimento da Educa ção em São Paulo). Paulo Renato considera igualmente' importantes as escolas secundárias de formação geral e as profissionalizantes: "As pesquisas que temos feito mostram que grande parte dos jo vens que ingressam no 2º grau quer entrar na universidade. Por isso, é fundamental reformular o ensino. Quanto às esco las técnicas, devem ser fortalecidas, pois apenas dão treina mento básico para a profissão. Em nosso sistema capitalista, a formação profissional se dá nas próprias empresas". Em nível nacional, o MEC também pretende dar maior aten ção ao 2º grau, ao qual destinará Cr$ 234,2 bilhões (4,7% do orçamento total da Educação — sem contar os recursos previstos pela emenda Calmon). Entre as recomendações re passadas às secretarias estaduais de Educação, o MEC inclui a oferta alternada de estudos profissionalizantes assegurada por entidades públicas ou privadas; alternativas curriculares vol tadas para o estímulo a criatividade e iniciativa dos estudan tes; criação de modalidades não-convencionais de ensino re gular aos alunos que trabalham. A MARATONA DOS QUE TRABALHAM E FREQÜENTAM AS AULAS À NOITE Luiz Carlos Quaresma Novais tem dezoito anos e mora no Jardim Santa Maria (Vila Matilde, zona Leste). Todos os dias levanta às 5h30min e enfrenta uma viagem de ônibus de duas horas até o centro da cidade. Às 7h40min começa a trabalhar numa grande loja da rua 24 de Maio, onde fica até 18h30min. Corre então até o Parque D. Pedro IL pe ga o ônibus e vai até a EEPSG Afonso Pena Júnior (estrada de Itaquera), onde cursa a lª série do 2º grau. Nunca chega a tempo de assistir à primeira aula, que começa às 19h30min, Às 23 horas vai a pé para casa, janta, toma banho e cai na cama, exausto. Estudar? Quando dá, aproveita o intervalo de duas horas que tem para o almoço. ''Faço todo esse esforço porque acho importante termi nar o 2º grau — diz ele. Só com o curso secundário comple to há chances de um emprego melhor e, enquanto eu puder dar conta do trabalho e dos estudos, vou em frente. Adoro matemática, c pretendo fazer um curso superior de economia ou administração." A maratona de José Roberto Arruda, 22 anos, é seme lhante: mora em São Miguel Paulista (periferia da zona Les te), trabalha numa grande loja do centro, das 9 às 18 horas, pega ônibus c metrô, dá uma passadinha em casa e engole um lanche, corre para a Escola Cruzeiro do Sul (particular, men salidade de Cr$ 35.000,00), onde freqüenta a 2ª série do suple tivo regular de 2º grau, com aulas das 19h45min às 23 horas. "É difícil, mas pretendo continuar a luta — afirma. Não pen so cm seguir a universidade, mas o 2º grau me dará chances de uma carreira melhor, bom banco, por exemplo. Co
Com apenas 16 anos, moradora cm Ermelino Matarazzo (também na periferia da zona Leste), Sônia Penha Simões Cou to é uma das coordenadoras do movimento por mais escolas de 2º grau na região e sente na pele o problema: "Estou ter minando a 8ª série e, se não abrirem novas escolas, não terei chances de fazer o 2º grau. A única escola secundária do bairro é tão concorrida que os candidatos "são obrigados a pres tar vestibulinho (exame de seleção) e a maioria não conse gue vaga". Sônia trabalha o dia inteiro com as crianças da favela do Jardim Verônica, no Programa OSEM (Orientação Sócio-Eco nômica do Menor), e estuda à noite. Não alimenta esperan ças de fazer um curso superior, observando: "Universidade é só para uma minoria. . . Eu gostaria de fazer o 2º grau — especialmente o curso de Magistério (antigo Normal), não tan to pelo mercado de trabalho, mas para estudar mais. A gen te só pode pensar em mudança entendendo melhor as coisas e o país". Orientados pela Pastoral das Comunidades e Grupo de Mulheres de Ermelino Matarazo, moradores da periferia da zona Leste apresentaram na semana passada à Secretaria da Educação do Estado um projeto minucioso, que possibilitará a implantação de cursos de 2º grau na região, apenas utilizan do classes e períodos ociosos nas escolas da rede oficial. Neyde Maria de Freitas, uma das mães que coordena o movimen to, resumiu a opinião geral: "O Estado é que deveria estar nos bairros, discutindo os problemas, e não a população tendo de se organizar, fazer os planos, faltar ao trabalho e trazê-los à Secretaria. Nossa geração é ignorante, não teve estudos, mas queremos um futuro melhor para nossos filhos. Vamos lutar para que eles possam estudar". C)
OS NOVOS RUMOS DA EDUCAÇÃO NA REGlÃO LESTE DA CIDADE DE SÃO PAULO
Uma outra realização dessa experiência de organização escolar foi conseguir também que a região contasse com a implementação de cursos supletivos de 1.° grau e que passaram a funcionar regular mente a partir de agosto de 1985, atingindo adultos que haviam um dia sido excluídos da escola e que agora teriam uma nova chance de voltar a estudar. Em seguida, o "Movimento de Educação" iniciou uma cam panha para distribuição gratuita de material escolar e, em 1987, iniciou a discussão em torno da possibilidade da criação de uma universidade popular para a classe trabalhadora. Com essas lições, podemos aprender que a construção de uma escola pública democrática não se dá apenas como pensava Karl Mannheim (capítulo 3) através da ação de cientistas, parlamentares ou do Estado e sim através da força dos movimentos populares que, com a sua organização conseguem alterar a política pública, forçando-a a levar em conta os interesses da população pobre das periferias deste país. Devemos levar em consideração também o fato de que todo esse processo de organização e luta popular pela democratização da escola foi um processo EDUCATIVO, pois fez com que a popu lação aprendesse a realizar assembléias, elaborar discursos, organi zar jornais e a conhecer o funcionamento do Estado e da socie dade de modo crítico. Os participantes do "Movimento de Educação da Zona Leste" da Cidade de São Paulo aprenderam e, agora, nos ensinam alguns os caminhos para a construção de uma nova escola em nossa sociedade, (Extraído do livro Sociologia da Educação: Uma Introdução ao Estudo da Escola no Processo de Transformação Social, de Paulo Meksenas, Edições Loyola, São Paulo, 1 988.)
A relação Estado-movimentos sociais; pública de ensino Marília Pontes Spósito Uma história diferente acaba de ser escrita. Uma história de lutas subterrâ neas, miúdas, cotidianas, que não constam nos documentos oficiais e nos livros. Uma história que apenas come çou a ser contada e que está sendo, ao mesmo tempo, construída coletivamen te, com seus avanços, recuos e impas ses. Seus protagonistas — jovens, mu lheres, trabalhadores e crianças — te cem os fios de uma luta invisível que, ao ser reconstruída, permite desmistifi car certas idéias que consideram o mo vimento da História realizando-se so mente a partir do Estado, dos detento res do poder, dos portadores das gran des idéias e da ação de grupos minori tários. O percurso das lutas sociais em nos sa terra precisa ser reconstituído para evidenciar que certas conquistas es senciais em termos de direitos têm, em sua raiz, as demandas das classes tra balhadoras e as formas de articulação que as expressam. Este percurso evi dencia também a violência diária a que estão submetidos os setores populares, as forças que tentam impedir a sua or ganização e o encaminhamento de suas lutas. A luta pela educação ê uma dentre as várias que o povo tem travado para efe tivar direitos que, embora reconhecidos na lei, lhe são negados na prática. Mas essas lutas não visam só a concretiza ção de direitos já reconhecidos; muitas vezes, elas ultrapassam os limites per mitidos pelo Estado e elites dominan tes, conquistando novas esferas de le gitimidade que, mais tarde, acabam por ser reconhecidas oficialmente. A histó ria recente da educação brasileira reve la a importância desses seus atores, protagonistas de lutas locais, que, ul trapassando os resultados imediatos de suas conquistas, alcançam direitos mais amplos, interferem na orientação das políticas públicas. A luta pelo acesso à escola não é uma novidade. Há várias décadas, os habitantes das periferias das grandes cidades têm se organizado para conse guir uma unidade escolar, um prédio no vo ou a ampliação de salas de aula. Co tidianamente, estão defendendo seus Interesses ao exigir vagas nas escolas públicas, cursos noturnos para aqueles que trabalham durante o dia, educação para as crianças fora da idade escolar considerada como obrigatoriedade do Estado.
a produção de uma nova,política
Por que o povo luta pela escola? Toda a vontade de escolarização encerra um desejo de melhoria das condi ções de existência, é virtualmente uma recusa da condição de vida imposta por uma sociedade desigual. Como diz o padre ficão, as pessoas que lutam pela escola tem uma marca muito forte do sofrimento, sofrem suas péssimas con dições de vida, o subemprego e os bai xos salários. A vontade de estudar vem carregada da ilusão de que o estudo [io de resolver os pr ob lem as da vida Mas, diz ele, "o falo deles relacionarem sua exclusão das oportunidades Educacionais ao lugar que ocupam na sociedade não deixa de revelar uma sabedoria". Assim, quando o povo luta pula possibi lidade de ir à escola, ele luta também contra as injustiças que estão na base dessa sociedade. Mais do que isso, o povo quando lula pela escola afirma seu direito de so nhar, de ler seus planos, ainda que car regados de ilusões. Mas a ilusão sem pre acena com a esperança e essa con duz à ação. A esperança não imobiliza, ela encerra a vontade de mudar, o so nho de ver o mundo diferente c, assim, pode levar á participação e à organiza ção. Nesse momento, o sonho se trans forma em projeto, em proposta coletiva. O Movimento do Educação da Zona Leste nos ensina essas lições de um modo claro. Seus integrantes estão em penhados na luta pelo direito de acesso à escola de 1º grau, já garantido pela lei mas, na prática, negado para o povo da periferia das grandes cidades e para os que vivem no campo. Para eles, ainda é preciso lutar por uma vaga na escola. Contudo, o Movimento lutou por novos direitos: exigiu que o Estado abrisse as escolas para os adultos instalando cur sos supletivos, exigiu a criação de es colas de educação infantil para atender às crianças pequenas e cursos notur nos de 2.° grau para os jove ns trabalha dores. Essas são demandas que cami nham no sentido de ampliar o limite dos direitos reconhecidos como dever do Estado. Suas lutas envolvem, também, um conceito substantivo e novo da gra tuidade do ensino: exigem material es colar para que os alunos possam acom panhar as atividades em sala de aula e recusam o boicote à educação gratuita resultante da cobrança de taxas para manter as escolas em funcionamento. Não é possível, no bojo da luta social, separar a luta pelo acesso à escola da luta pela melhoria do ensino. Os grupos populares que estão nessa caminhada mostram, claramente, que o povo quer escolas de boa qualidade. Para os movi mentos, no interior de uma reivindica ção por uma nova escola, já está pre sente a expectativa de que este ensino será de melhor qualid ade se rea lm en te estiver mais aberto a classe trabalhado ra. A reivindicação pelo acesso, para os
esperança de mudança real na postura de técnicos, assessores e educadores, desde às escolas até as instâncias mais centrais. Os educadores realmen te comprometidos buscaram aprofun dar sua organização junto ás suas enti dades de classe e com isso estar ao lado das plataformas defendidas pelo movimento popular. Aos grupos populares se faz necessá ria a apropriação de novas formas de lu ta, de novas estratégias de organiza ção, de acesso a informações que lhes permitam enfrentar mecanismos mais sutis que repõem a dominaç ão obscu recida por uma conjuntura onde se levan ta a bandeira da democracia de uma for ma muito vaga e abstrata. Por outro la do, a esses movimentos compete tam bém rever práticas que reforçam a dis tância entre direções e bases e que, em última instância, reproduzem os mes mos mecanismos de dominação prevalecentes na sociedade.
As mobilizações em torno da demo cratização das oportunidades de aces so à escola têm conseguido, na prática, a realização de direitos reconhecidos, só formalmente e a ampliação da faixa de responsabilidades do listado em ma téria de educação pública. Hoje, a reivindicação pela expansão da pré-escola e do 2º grau constituem, no processo social concreto, um alargamento dos direitos mínimos consagrados pela le gislação para a grande maioria da população. No conjunto das demandas po pulares, a Implantação dos cursos su pletivos públicos cria uma nova esfera de intervenção do Estado que poderá gerar outras concepções sobre o direito à escolarização básica, envolvendo também os trabalhadores adultos precocemente excluídos do sistema de en sino regular. Contudo, fica uma pergunta a nos In comodar: o que o povo ganha quando conquista a escola? O direito de ser ex cluído logo depois? As experiências acumuladas indicam que existe um ca minho difícil a ser percorrido depois da conquista de uma vaga na escola. A prática de alguns grupos popula res, como a do Movimento de Educação da Zona Leste, mostra que esses movi mentos estão criando também condi ções para exercer o controle e a fiscali zação do bem público, exigindo, na práti ca, que a escola seja de todos e não ter ritório onde poucos decidem sobre o destino de muitos. Esta nova concep
movimentos que estão empenhados na transformação da sociedade. Mas os movimentos populares por educação terão apenas um papel reivindicatlvo? Sua função principal será a de estabelecer formas de pressão frente ao poder público para conquistar al guns benefícios na área da educação? Eles terão apenas atribuições fiscalizadoras quanto ao uso de verbas públicas tendo em vista a manutenção e amplia ção da rede de ensino? Seria possível o desdobramento da organização popular na direção da proposta de um novo mo delo de escolarização, popular e demo crático, que responda melhor aos Inte resses dos trabalhadores, do povo? As respostas a essas questões não são simples. Entretanto, a experiência desses movimentos revela, em toda sua trajetória, que há um saber que se recria e se transforma no desenvolvimento e no amadurecimento das lutas por edu cação. A luta social educa. O modo co mo são conduzidas todas as etapas, seus erros e acertos geram uma nova pedagogia que impõe aos movimentos, de forma cada vez mais profunda, a ne cessidade do confronto dessa prática com a educação que se recebe na esco la. A possibilidade de discutir a sua condição de classe, a experiência de participação democrática, a luta coti diana contra relações humanas desi guais, a descoberta do outro como com panheiro de caminhada, o respeito ao seu modo de ser e a experiência com partilhada ensinam muito. Ensinam a descobrir um modo diverso de conceber o existir, o educar e o saber. Estes são os germes de uma nova concepção edu cativa que nega, em profundidade, a prática dominante nas escolas, que dis crimina os trabalhadores, os pobres e os marginalizados. A luta pela educa ção também ensina a criticar a escola conduzindo à negação dela na forma em que existe hoje. Quando mais pro funda a reflexão, quanto maiores as possibilidades de discutir a própria vi da, quanto maior a densidade da organização popular e seu amadurecimento, mais diferenciada será a luta por esco las. Torna-se cada vez mais claro que não é essa a escola que se deseja e In corpora-se o desejo da transformação. Assim, da vontade de ir á escola, nasce o projeto de Ir até ela para negá-la e, com essa negação, criar um novo modo de se fazer educação. Nessa trajetória, os movimentos populares que lutam pe la transformação da escola descobrem que ela só será possfvel junto com a transformação de toda a sociedade.
(Extraído da revista Cadernos do Cedi, nº 15, São Paulo, 1 986) 143.
CAPÍTULO 7
FAMÍLIA E ESCOLA (4ª UNIDADE)
Selecionamos dois núcleos centrais para o desenvolvimento desta Unidade: a família e a escola. Através deles procuraremos desen volver uma melhor compreensão dos alunos sobre a articulação en tre a sociedade civil (e suas instituições) e o Estado (e suas instituições).
A instituição família (Tópico 1) A) Modelos familiares da sociedade industrial em confronto com modelos familiares de outras sociedades B) Modelo familiar ideologicamente dominante na socieda de urbano- industrial A instituição escola (Tópico 2) A) Organização e formas de poder presentes na escola B) Relação da escola com o Estado e com os movimentos so ciais
Aspectos teóricos
A reflexão 3obre a dinâmica das instituições sociais não se prende a buscar uma única e generalizante definição do que são instituições sociais. Ao contráriof a partir do estudo parti cular de algumas das instituições presentes em nossa sociedade , procura-se construir o conceito de instituição
social ao longo
do trabalho proposto para esta Unidade. Quando enfatizamos o estudo particular de algumas insti tuições, optamos pela reflexão sobre a família e a escola. Esta opção deveu-se ao limito de tempo que a grade curricular nos im põe e também ao fato de essas duas instituições fazerem parte do um cotidiano geralmente muito vivido e pouco refletido sistematicamente. Por outro lado, en vários momentos do desenvolvimento desse curso, o professor poderá fazer referência a outras insti tuições sociais, como a Igreja, os Partidos Políticos ou as For ças Armadas; quando lidar, por exemplo, com as questões propos tas na terceira unidade (teoria do Estado e movimentos soc iais). Para o es tudo da instituição família, propomos que a aná-
lise parta de um estudo preliminar da organização familiar na história. Isto para que o aluno perceba que civilizações diferetes produzem instituições familiares diferentes e que essas di ferenças são dadas pelos diversos modos possíveis de humanizar a natureza. Com esse objetivo propusemos o estudo da família numa sociedade tribal. Pode-se nesse caso, fazer uma referência à or ganização das nações indígenas ainda existentes no Brasil contemporâneo. Passamos então à discussão da organização da família
na
sociedade capitalista, para que se perceba que nessa sociedade encontramos diferentes modelos familiares, mesmo que ao nível da ideologia predomine a noção de família burguesa. Nesse momento é interessante fazer uma rápida referência aos aspectos a produ ção e reprodução da concepção de modelo familiar
dos
. In-
teressante e também possível e a breve reflexão sobre a ação das mulheres como forma de resistência às condições de dominação a que estão submetidas. E ainda, se o professor preferir, uma breve discussão em torno da dominação sobre a criança ou jovem. Quanto à instituição escola, não propomos um estudo aprofundado, uma vez que ela será objeto de estudo de uma disciplina específica:
a Sociologia da Educação. Cabe aqui iniciar as dis
cussões em torno da dinâmica dessa instituição, para que o aluno perceba que ela aparece revestida de formas diferentes em civilizações diferentes. Em seguida, propõe-se a reflexão sobre a erga nização escolar na sociedade industrial. Para essa reflexão pode -se partir da caracterização dos agentes presentes na escola (alunos, professores, funcionários) e do modo como atuara fronte
à
hierarquia, disciplina e regras dessa instituição.Isto, por sua vez, possibilitará uma análise introdutória das formas de poder presentes na escola. Por fim, consideramos necessário discutir a escola
em
nossa sociedade industrial não só como instituição reprodutora de ideologia, mas como espaço institucional aberto também aos in-
146.
teresses das classes populares —desde que estas se organizem na defesa dos seus direitos. É possível, nesse caso, uma referência direta às preocupações levantadas na Unidade
3
desta proposta
de curso. Métodos de ensino Para trabalhar o primeiro tópico, "A instituição família", sugerimos que se dediquem seis aulas. 0 início deste trabalho pode ser feito por uma atividade de problematização do conteúdo. Por exemplo, com a leitura e análise de um texto que retrate a organização e dinâmica da vida familiar em uma sociedade substancialmente diferente da nossa:
as
nações indígenas. Assim os alunos se defrontarão com uma série de informações que demonstram a multiplicidade de possibilidades de organização familiar, o que lhes permitirá uma reflexão sobre a família em nossa sociedade em comparação com a família tribal. Se o professor encontrar dificuldades para localizar um texto com essas características, poderá utilizar um dos fragmentos que oferecemos adiante, em "Textos de apoio". Após a leitura pelos alunos, o professor poderá iniciar um pequeno debate, encerrando a primeira aula. A segunda aula será dedicada à realização de uma exposi ção, em que o professor discutirá o conceito de família, ressal tando a diversidade de formas
de organização que essa institui
ção assume de fato em nossa sociedade urbano-industrial. Ao fi nal pode-se pedir aos aluno3 que tragam na aula seguinte livros de Estudos Sociais utilizados nas 3ª e 4ª séries do 1º grau, ou então textos de Educação "oral e cívica. Propomos que na terceira aula o professor distribua
os
livros didáticos entre os grupos de alunos, assegurando que cada um deles observe fatos, desenhos e textos dessas publicações, atentando especialmente para as definições de família. Em seguida,
obtidas nus aulas anteriores de Sociologia. A partir desce con fronto propõe-se um debate em classe, a partir das seguintes questões: " Qual é a realidade familiar apr sentada nos livros a nalisados? Com quais atribuições aparece a mulher? Com quais atribuições aparece a criança? Qual a relação existente entre
o
nosso cotidiano familiar com o modelo que aparece nos livros?...
Uma exposição do professor para a discussão da dimensão conflitiva das relações familiares dará continuidade ao traba lho, na quarta aula. A introdução a essa exposição pode partir da recordação das conclusões do debate da aula anterior. Isso feito, propomos que a quinta e sexta aula fiquem para leitura de textos e a realização de exercícios ,respectivamente. 0 desenvolvimento do segundo tópico, "A instituição, esco la", foi planejado em seis aulas. Propomos que a problematização do conteúdo parta da vi vencia escolar dos alunos. Para tanto, o professor deverá organizar os alunos em grupos, pedindo-lhes que façam uma redação con junta sobre tudo o que aprendem na escola: as disciplinas, os assuntos abordados por professores e alunos, os valores sociais aí cultivados, a forma como as aulas são dadas, a forma como o trabalho de professores, alunos e funcionários está organizado
etc .
Na segunda aula já haverá condições para o início do de bate, a partir da leitura das conclusões obtidas com as redações elaboradas na aula anterior. Em meio a essa atividade, o profes sor poderá discutir alguns aspectos da relação entre os agentes que atuam na escola, as classes sociais e o Estado. Propomos que a terceira aula se inicie com algumas inda gações do professor à classe: "Os alunos já criaram ou organiza ram alguma atividade cultural na escola em que estudam? 0 que se ria e qual a função exerceria um centro cívico ou grêmio livre?
A seguir, aproveitando as discussões e reflexões dos alu-
Vale salientar que iodo esse processo, além de levar milhares de anos, não atingiu um indivíduo isoladamente, mas todos. Essas conquistas se deram dentro de um processo educativo coletivo, no qual os seres humanos aprenderam juntos a sobreviver. Foi esse enfrentamento coletivo com a natureza que possibilitou o desenvol vimento da linguagem. De posse das formas de expressão e comunicação que a lin guagem possibilitou e, através do uso de novas ferramentas, os seres humanos aperfeiçoaram seus hábitos alimentares, o que im plicou um maior desenvolvimento do seu modo de viver e de pensar. Assim, com o passar do tempo, o gênero humano começa a utilizar o fogo, a roda, os metais, novos tipos de alimentos... O trabalho leva o ser humano a seguir o caminho da civili zação: a partir do momento em que transforma a natureza, o homem também se transforma. A natureza, por sua vez, passa a trazer as marcas da ação humana. Passando a viver em lugares fixos através de atividades agrí colas e pastoris, foi possível ao homem organizar-se em tribos. As tribos evoluem, as atividades ligadas ao trabalho .se dividem, nasce a especialização das funções: enquanto alguns caçam, outros plantam ou ainda fabricam cestos. Aparecem as regras de convi vência, as crenças, as tradições, o desejo de domínio de uma tribo sobre outra. As lutas entre tribos rivais levou às primeiras formas de exploração do homem pelo homem. Nascem as primeiras formas de escravidão. É em meio à divisão social do trabalho e à escravidão que vão aparecendo as primeiras cidades. O início da vida urbana traz novas atividades como o comércio, a navegação, o artesanato. A cidade institui nova forma de viver; a troca de idéias passa a ser maior. Surgem novas formas de organizar a vida: as normas se tornam leis e as leis, por sua vez, fixam costumes, tradições e maneiras de agir que são tidas como convenientes pelo grupo social. Nasce assim a sociedade: uma vida em grupo que se carac teriza por apresentar relações sociais complexas onde, segundo Durkheim, o interesse coletivo impõe regras às condutas individuais. As primeiras grandes organizações sociais complexas aparecem entre 4000 e 2000 a.C. São as civilizações do Egito, Mesopotâ mia, Fenícia, índia, China, Grécia e as civilizações americanas pré-colombianas.
nos
o professor Poderá fazer uma exposição sobro alguns aspec
tos do movimento estudantil no Brasil. A quarta e quinta aulas serão reservadas para leitura, e a sexta, para desenvolvimento de exercícios a serem propostos pelo professor. Textos de apoio
Cs três fragmentos de textos, a seguir, propõem-se a co: tribuir para o desenvolvimento dos conteúdos desta Unidade.
O casamento na sociedade indígena Alcida Rita Ramos O estabelecimento de regras de casamento dentro do. sistema de parentesco pode dar a impressão de que as opções individuais são mínimas ou inexistentes e que, pri sioneiras de regras sociais rígidas, as pessoas são compe lidas a se casar até com quem não querem. Na realidade, não é assim. Em primeiro lugar, em sistemas de relações, onde o código social estabelece que certas categorias de parentes são os cônjuges preferenciais, uma pessoa não está limitada a apenas um ou dois desses parentes. Há, na reali dade, uma categoria bastante ampla de cônjuges poten ciais. No âmbito da categoria de pessoas casáveis há, pois, uma boa probabilidade de um homem e uma mulher se interessarem um pelo outro sexual ou matrimonialmente. Por outro lado, não é fora do comum dois primos distantes se casarem, ou um "tio" e uma "sobrinha", ou até mesmo pessoas terminologicamente relacionadas como "mãe" e "filho", naturalmente em grau de parentesco genealógico distante. O grau de desaprovação dessas uniões depende da extensão do tabu do incesto e das sanções aplicadas à sua quebra. Embora se ouça, às vezes, os planos de uma mãe ou de um pai sobre os futuros consortes de seus filhos pe quenos dentre os parentes casáveis destes, e embora as crianças possam, eventualmente, vir a se casar como foi previsto, isso não significa, necessariamente, imposição da vontade dos pais sobre a vontade dos filhos; revela, isso sim, a expectativa de casamentos ideais, dentro das normas preferidas. E sendo os casamentos em geral facilmente desfeitos, novas uniões poderão ou não seguir a norma do casamento ideal. Na nossa sociedade há uma regra que diz taxativa mente com quem não se pode casar (os parentes vedados pelo tabu do incesto), e não há nenhuma que diga com que categoria de pessoa se pode casar; essa aparente es colha ilimitada de cônjuges é, de fato, exatamente isso: apenas aparente. Uma série de fatores contribui para di minuir consideravelmente as opções matrimoniais: etnia, educação, classe social, religião, poder aquisitivo etc. Em bora não havendo regras explícitas, há, sem dúvida, nor mas implícitas que regulam o casamento entre nós. Já nas sociedades indígenas (muitas delas) existem regras explí citas tanto proibindo o casamento com certas pessoas como estabelecendo a categoria de cônjuges preferenciais. No entanto essas regras não representam uma camisa-de-força; há, na realidade, uma considerável margem de escolha individual. As pessoas não são simples escravos do seu sistema social. O que tudo isso significa é que a estrutura
Casando-se ou não com a "mulher certa", um indi víduo terá que optar por onde morar com ela. Em muitos casos, a prática tradicional auxilia na escolha; cm outros, fatores específicos circunstanciais influem na decisão. De modo geral, nas sociedades indígenas cuja norma de resi dência não foi drasticamente modificada pela influencia do contato com os brancos, é muito raro encontrar famí lias nucleares vivendo em casas separadas, como ocorre comumente entre nós. Ao contrário, a família nuclear tende a se diluir numa rede de parentes mais abrangente. As modalidades mais conhecidas de residência após o casamento são a patrilocal e a matrilocal. Na primeira, o marido traz a esposa para morar na casa de seus pais; na segunda, o marido muda-se para a casa dos sogros. No regime matrilocal 6 comum exigir-se do marido que trabalhe para os sogros, caçando, pescando, cuidando da roça, durante um certo período de tempo; é o chamado serviço da noiva. Esse período varia de sociedade para sociedade e até de família para família. Associado, muitas vezes, a esse arranjo residencial está o costume da evitação; genro e sogra e/ou sogro não se olham, não se falam, muito menos se tocam, numa demonstração de respeito, deferência, humildade, embaraço, tensão, ou qualquer outro sentimento ou conjunto de sentimentos que existe entre essas pessoas em cada sociedade específica. Essa evitação pode durar a vida inteira ou pode ir se atenuando con forme o casal novo vai tendo filhos e amadurecendo, pas sando, em tempo hábil, a ocupar o lugar dos velhos sogros.
O casamento pode realizar-se entre membros de uma mesma aldeia, que é a alternativa preferida (endogamia de aldeia), ou entre pessoas de aldeias diferentes {exogamia de aldeia). Ele pode ser o fator mais importante no esta belecimento de alianças entre comunidades diversas, resul tando na formação de uma rede de aldeias aliadas que se unem em caso de conflito com outras, ou pode ser apenas uma ligação entre famílias, sem maiores repercussões político-militares. De qualquer maneira, tanto nas sociedades indígenas como na nossa, o matrimônio envolve direitos e obrigações que transcendem os interesses imediatos dos cônjuges — trocas de serviços ou bens, obrigações rituais, promessas de outros casamentos futuros — e que mantêm duas ou mais famílias em constante interação. A prática da poliginia — o casamento simultâneo de um homem com mais de uma mulher — é comum, porém é bem menos freqüente do que a monogamia. O que ocorre em muitas sociedades indígenas são casamen tos em série, tanto do ponto de vista dos homens como do das mulheres. Na sociedade Sanumá, por exemplo, rara mente uma genealogia apresenta casos de membros que se casaram apenas uma vez. O divórcio é comum, como também o são os casamentos subseqüentes. Nos casos de separação, os filhos tendem a ficar com. a mãe, princi palmente se ainda são muito pequenos. (Extraído do livro Sociedades Indígenas. de Alcida Rita Ramos, Editora Ática, São Paulo, 1986) 151.
A instituição família Danta Prado O quo é família? A história da humanidade, assim como os estu dos antrop ológico s sobre os povos e culturas distan tes de nós (no espaço e no tempo), esclarece-nos sobre o que é a família, como existiu e existe. Mostra-nos como foram e são hoje ainda variadas as formas sob as quais as famílias evoluem, se modificam, assim como são diversas as concepções do significado social dos laços estabelecidos entre os Indivíduos de uma sociedade dada. Ninguém tem por hábito perguntar; "Você sabe o que é uma família?" A palavra FAMÍLIA, no sentido popular e nos dicionários, significa pessoas aparentadas que vivem em geral na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos. Ou ainda, pessoas de mesmo sangue, ascendência, linhagem, estirpe ou admitidos por adoção. Paradoxalmente, todos sabem o que é uma família já que todos nós somos parte integrante de alguma família. £ uma entidade por assim dizer óbvia para tod os. No ent ant o, para qualquer pessoa é difícil definir esta palavra e mais exatamente o conceito que a engloba, que vai além das definições livrescas. A maioria das pessoas, por isso, quando aborda questões familiares, refere-se espontaneamente a uma realidade bem próxima, partindo do conhe cimento da própria família, realidade que crêem semelhante para todos, e daí acabarem genera lizando ao falar das famílias em abstrato. Os tipos de família variam muito, como veremos no decorrer destas reflexões, embora a forma mais conhecida e valorizada de nossos dias seja a família composta de pai, mãe e filhos, chamada família "nuclear", "normal" etc. Este é o nosso modelo, que desde criança vemos nos livros escolares, nos filmes, na televisão, mesmo que em nossa própria casa vivamos um esquema diverso. As famílias, apesar de todos os seus momentos de crise e evolução, manifestam até hoje uma grande capacidade de sobrevivência e também, por que não dizê-lo, de adaptação, uma vez que ela subsiste sob múltiplas formas. Jamais encontramos através da História uma sociedade que tenha vivido à margem de alguma noção de família. Isto é, de alguma forma de relação institucional entre pessoas de mesmo sangue. Nem mesmo nas sociedades que tentaram novas experiências, como a China com o questionamento da família tradicional, ou Israel com os kibutzim,
Entre o indivíduo e o conjunto da sociedade existem os vários grupos profissionais, de identi dade, ideológicos, religiosos, raciais, educacionais etc. Estes não englobam, no entanto, os indivíduos enquanto indivíduos, em toda a sua história de vida pessoal. Não incluem necessariamente, como na família, os recém-nascidos a os anciãos, o deficiente e o "normal". São grupos delimitados e temporários, no tempo e no espaço, com objetivos definidos. A natureza das relações dentro de uma família vai se modificando, através do tempo. O aspecto mais problemático da evolução da família está sem dúvida alguma ligado ao questionamento da posição das crianças como "propriedade" dos pais e à posição econômica das mulheres dentro da família. Inclui-se aí o questionamento da distribuição dos papéis ditos especificamente masculinos, ou femininos, e esse é um problemachave para o surgimento de uma nova estrutura social. De fato, não se poderá mudar a instituição familiar sem que toda a sociedade mude também. Podemos afirmar ainda que qualquer modificação na organização familiar implicará também uma modificação dos rígidos papéis de esposa, mãe ou prostituta, os únicos atribuídos às mulheres. Quanto ás crianças, há algum tempo já o Estado intervém entre os pais e filhos, sendo que na Suécia desde há pouco os pais são passíveis de denúncia pelos vizinhos, caso punam fisicamente seus filhos. Através da escola, do controle sobre os meios de comunicação, de médicos e psicólogos, o poder dominante de cada sociedade mais ou menos sutilmente impõe normas educacionais, sendo difícil aos familiares contrariá-las. De uma maneira geral, no entanto, cabe ainda aos pais grande parcela de poder de decisão sobre seus filhos menores. Parcela essa cada vez mais contes tada. A esse poder eqüivalem, por parte dos filhos, direitos legais em relação a seus pais, em particular no sistema capitalista. Direitos á assistência, educação, manutenção e participação em seus bens e proventos. Ao inverso do que comumente pensamos, segundo o tipo de sociedade e a época vivida ou estudada, varia a composição dessa unidade social, a família, assim como seu modelo ideal. Cada família varia também a sua composição durante sua trajetória vital e diversos tipos de família podem coexistir numa mesma época e local. Por exemplo: casais que viveram numa família extensa, com mais de duas gerações dentro de casa, tornam-se nucleares pela morte dos mem bros mais velhos e, quando os filhos saem de casa, voltam a viver como uma família conjugal (somente um casal). Paralelamente, podem existir famílias naturais em virtude de fatores diversos, isto i, mu lheres que não quiseram ou não puderam viver com um homem do qual tiveram um filho. Ainda nesse caso, a história individual pode levar essa mulher a casar-se num outro momento e compor uma família nuclear. Uma mãe com filhos sem designação de um pai não constitui uma FAMÍLIA, mas sim uma FAMÍLIA NATURAL, ou INCOMPLETA, na c!assificação de sociólogos e demógrafos.
Há ainda os fatores culturais que determinam o predomínio do um tipo de família nuclear, como é o caso hoje em dia, por ser esse o modelo veicu lado por determinada cultura, coexistindo com várias famílias que por fatores sócio-econômicos apresentam grande variedade em sua estrutura. Assim, nos Estados Unidos encontramos os mem bros da seita Mórmon que admitem a poligamia, o que é inadmissível para os outros grupos religiosos do país. Há famílias famíli as muçulmanas que que desej desejam am emigrar com destino a países onde a poligamia período da infância e da adolescência. Talvez porque os laços de sangue (ou de adoção equivalente) criem um sentimento de dever, ninguém pode se sentir feliz se lhe faltar comple tamente a referência familiar. Além dos laços de sangue, há os compromissos assumidos, como aqueles existentes entre marido e mulher. E também, porque não abordarmos isso aqui, entre uma criança e um pai "provável". Sabemos que só a mãe pode confirmar a pater nidade exata de seu filho. Por parte do homem, limita-se a um "ato de fé" naquela mulher, ou em normas legais que lhe atribuem qualquer criança nascida na vigência de um casamento.
Família Famíliass alternativas Hoje em dia, há diversas experiências substitu tivas da família. Entre outras, as COMUNIDADES, que correspondem a tentativas para resolver os problemas enfrentados pela redução das famílias contemporâneas, por sua mobilidade, por suas dificuldades em geral em se relacionarem com outras de modo mo do estável. Vale a pena refletirmos sobre essas experiências. Tratam-se de, podemos dizer, fenômenos sociais cuja extrema variedade impede que sejam assimi lados às outras formas de família. Pode-se dizer que uma comunidade nasce da união de alguns indivíduos adultos decididos a viver num grupo social auto-suficiente. Entre as inúmeras razões que levam a essa escolha, existe a tentativa de reencontrar um tipo de relações existente ou idealizado através da família extensa, educando coletivamente as crianças e integrando os deficientes de qualquer idade. Ou seja, a recusa do isolamento em que vive a família nuclear. Há também uma origem mística ou religiosa, nessas comunidades, em particular naquelas que so formaram em tempos remotos. No mundo contemporâneo, notam-se certas motivações de caráter político ou ideológico, que se impõem como uma tentativa revolucionária de recusa aos sistemas sócio-econômicos e morais em vigência, assim como às formas de produção e ao consumo, No século passado, no Brasil, tivemos uma comunidade anarquista, chamada Colônia Cecília, romanceada por Afonso Schmidt, composta de imigrantes imigrantes italianos. Mais recentemente, temos os casos das comuni
comunicação divulgaram somente aspectos pejora tivos. As comunidades viriam muito em sua composição e regras de vida. Em algumas, mantém-se a monogamia como forma de ligação entre os casais/membros. Em outras, há experiên cias de amor livre ou de "monogamias sucessivas" entre todos os elementos do grupo, inclusive entre pessoas do mesmo sexo. As formas de relacionamento sexual diverso da fidelidade tradicional constituem uma aventura difícil, pois as relações afetivas entre os indivíduos se intensificam, e, em nossa cultura, fomos condicionados a um agudo senso de propriedade em relação a nossos parceiros sexuais. Além disso, os membros de algumas dessas comunidades são obrigados a viver clandestina mente na maioria dos países (disfarçando o fato de não viverem como casais estabelecidos), pois são passíveis de vários delitos segundo o Direito vigente. A repressão se torna particularmente grave com a presença de crianças, que por motivos ideológicos não freqüentam o sistema escolar institucional, e quando as infrações aos costumes locais forem muito drásticas. Assim, nos casos de vínculos homossexuais, da prática de amor livre por parte de menores etc. Em termos econômicos, ora cada indivíduo tem suas próprias fontes de subsistência ora dedi cam-se coletivamente a atividades cooperativas, como agricultura, artesanato e outros. Todas essas formas já existiram em outras sociedades. Entre os gregos, por exemplo, a mono gamia só era legalmente exigida por parte das esposas. O marido podia ter uma ou mais concubinas e mesmo manter relações homossexuais. Hoje ainda, entre os Baruya da Nova Guiné, os casais são monogâmicoç em relação à reprodução e a determinados serviços prestados pelas mulheres aos maridos e vice-versa. Assim, cada marido entrega à sua esposa, e a ela somente, algumas partes da caça, enquanto ela cozinha somente para ele. Mas a moradia de ambos os sexos, mesmo após o casamento, é separada. As mulheres moram com filhos (os meninos só até a puberdade), a vida afetiva e sexual entre indivíduos do mesmo sexo sendo tolerada. O relacionamento sexual da mulher com o marido realiza-se cercado de inúmeros rituais e tabus, o que distancia sua ocorrência. Nas ilhas Marquesas (Oceania), a esposa presta serviços sexuais ao marido e aos outros homens de seu grupo de residência, mas os filhos nascidos pertencem todos ao marido. Entre os esquimós persiste a monog&.nia, mas a esposa presta serviços sexuais aos hóspedes do marido. E assim por diante. A família POLIGÂMICA existe ainda hoje, de forma institucionalizada, em várias culturas. Um homem, nesse caso, vive maritalmente com várias mulheres ao mesmo tempo, que lhe prestam os mais variados serviços, além de dar-lhe filhos. Esse direito a ter várias esposas nunca foi um direito de todos os indivíduos numa sociedade dada. Uma simples razão é que o número de mulheres nunca foi muito maior do que o de homens, exceto em casos de guerra ou emigração
maciça. Nas regiões agrícolas africanas, ao sul do Saara, 1/3 da população masculina teve ou tem mais de uma mulher. Os restantes 2/3 vivem com uma só ou, o u, em alguns casos casos,, nem se casam. Em geral, a poligamia institucional só é acessível ao homem pertencente ao grupo dominante, aquele que usufrui de prestígio e/ou poder econô mico. A primeira esposa quase sempre tem uma posição hierárquica superior à segunda, e, de modo geral, cada esposa e os respectivos filhos moram numa unidade residencial separada. O trabalho dessas mulheres no campo, que não é remunerado pelo marido, permite a este explorar inúmeros lotes de terra, assim enriquecendo. Com o avanço da industrialização em todas as regiões, é hoje comum encontrar um casal, numa grande cidade africana, que aparenta viver o modelo ocidental de família nuclear; em realidade eles mantém-se às custas de suas várias outras esposas que ficaram no campo. E isto passa-se sob o abrigo da legislação local. Além das experiências de vida em comunidades, existem ainda outras formas de famílias que são chamadas, mesmo pelos estudiosos, de "originais" porque não cabem nos conceitos clássicos de família. Essas tentativas têm surgido e se desen volvido nas sociedades mais adiantadas do mundo moderno, e portanto mais tolerantes, que se enriquecem com essas novas formas. São indicati vas de experiências ou de abordagens científicas do comportamento humano e influem diretamente na evolução e na transformação dos costumes. Seria difícil tentarmos aqui distinguir as principais características que as diferenciam das formas tradicionais. Destacaremos algumas: a) A família criada em torno a um casamento dito "de participação" - trata-se aí de ultrapassar os papéis sexuais tradicionais. O marido e a mulher participando das mesmas tarefas caseiras e externas, e permitindo às mulheres os mesmos direitos e oportunidades que aos maridos. Esta é uma das reivindicações dos movimentos femi nistas mundiais. No entanto, realizá-la na prática é ainda muito difícil, pois por um lado a partici pação do marido nos trabalhos domésticos conti nua sendo apenas uma ajuda insuficiente, e por outro a mulher não encontra com facilidade uma atividade profissional economicamente rentável. Seja que ela ganhe em regime de meio período de trabalho, já que o critério geral é que que "a mulher deve estar em casa cuidando da vida doméstica", seja que só encontre emprego em áreas ditas "femininas", mal remuneradas. Os postos mais interessantes são dados por definição aos homens, pois na filosofia da nossa sociedade é ele o provedor, do lar. Seria, em realidade, necessário um projeto de revisão de toda a organização social e do sistema patriarcal vigente, para que se generalizasse com sucesso essa "participação" integral de marido e mulher. . b) O casame casamento nto dito dit o "exper "ex per imenta ime ntal" l" - que que consiste na coabitação durante algum tempo, só legalizando essa situação após o nascimento do primeiro filho. Esse tipo de, relacionamento, que não constitui em sua primeira fase uma "família", redundará para o casal e seus filhos mais tarde numa família nuclear.
Encontram-se muitos exemplos desses hábitos no passado. De certa forma, pode-se justificar esse costume para evitar o desperdício de uma cerimônia nupcial, ou um caso de infertilidade no casal. O casamento diante do "fato concreto" da gravidez é também utilizado pelos jovens quando não têm ainda condições econômicas para sustentar uma família. Nos Estados Unidos e na Europa tal fórmula, da coabitação durante longo período na fase estudan til, por exemplo, ou até que decidam ter filhos, tem-se generalizado cada vez mais. Os dados estatísticos mostram que, em 1963, 40% das mulheres finlandesas estavam grávidas antes de seu casamento, 90% das norueguesas. Isso em relação às menores de idade. A mesma tendência se encontra entre mulheres jovens da Alemanha Ocidental e da Suécia.' Esses dados e afirmações podem parecer con traditórios, pois que justamente nesses países existe, de poucos anos para cá, o direito ao aborto, Mas sabemos, por outro lado, que não basta uma lei para modificar comportamentos arraigados há séculos, e assim ultrapassar tabus e precon ceitos. c) Outra forma de família seria àquela baseada na "união livre". Em alguns aspectos, é semelhante á escolha anterior, mas caracteriza-se pela intenção de recusar a formalização religiosa e a legalização civil, mesmo com a presença de filhos. A união livre pode ser um casamento monogâmico cuja interpretação da continuidade diverge da forma tradicional: antes, a união por definição tinha como objetivo ligar duas pessoas "para toda a vida". Só seria questionada em caso de desavenças ou conflitos graves, quando haveria o recurso ao divórcio. Neste novo tipo, a permanência da união estaria vinculada á duração de um afeto e interesse real e vivo, entre o casal. Ambos estariam preparados, ao menos materialmente, para terminar a relação que se tornou insatisfatória no decorrer do tempo. Certos tipos de família são vistos como caracte rísticos de países não industrializados, reproduzindo-se com grande freqüência na América Latina. Mais comum nas camadas de baixa renda, é o casamento "de fato", e não o "de direito", que é a família juridicamente constituída segundo as leis vigentes em cada sociedade. Surge mais como uma "estratégia de sobrevivência" do que como uma inovação contestatária a costumes antigos, como no caso da fórmula acima referida de "u ni ão livr e". Isto por que , não tendo bens a transmitir aos herdeiros, ou tendo somente a casa onde vivem, não recebendo do Estado uma ajuda substancial, nada justifica o recurso à legalização deste relacionamento. Nesse nível de subsistência, em realidade ora o homem abandona a mulher, mesmo grávida ou com fil hos , ora ela não que r susten tar um hom em que não tem perspectivas de .trazer-lhe alguma vantagem social ou econômica. Essa união sem compromissos facilitar-lhe-á uniões sucessivas, sempre em busca de um companheiro que divida
será o modelo do futuro, única forma de salvar o casamento monogâmico, adaptando-o á época atual. A simplificação das medidas para obtenção do divórcio vai ao encontro deste tipo de união livre, a partir da dissolução de um casamento anterior. d) A família homossexual, quando duas pessoas de mesmo sexo vivem juntas, com crianças adotivas ou resultantes de uniões anteriores. Ou ainda, no caso de duas mulheres, com filhos por insemi nação artificial. Isto vem se tornando possível nos países onde tal opção de vida deixou de ser obstáculo legal à convivência com crianças; como nos Estados Unidos. Uma família é não só um tecido fundamental de relações mas também um conjunto de papéis socialmente definidos. A organização da vida familiar depende do que a sociedade através de seus usos e costumes espera de um pai, de uma mãe, dos filhos, de todos seus membros, enfim. Nem sempre, porém, a opinião geral é unânime, o que resulta em formas diversas de família além do modelo social preconizado e valorizado. Ê através da família — menor célula organizada da sociedade — que o Estado pode exercer um controle sobre os indivíduos, impondo-lhes diferentes responsabilidades conforme cada momento histórico. Sem dúvida, nossa instituição familiar é patriarcal, autoritária e monogâmica. Mas cabe a cada um encontrar os subterfúgios, os "modus vivendi", dentro das normas em vigor. A atuação do Estado se exerce também indire tamente, pois tem o controle de todos os meca nismos sociais existentes. Assim, durante uma guerra, as mulheres são estimuladas a sair de seus lares e a trabalhar, dada a ausência da mão-de-obra masculina. Uma série de medidas é posta em prática para poder liberar as mulheres casadas de suas responsabilidades tradicionais junto aos filhos e à casa. Surgem creches, os salários melhoram, os empregos "masculinos" tornam-se acessíveis a elas etc. No fim da guerra, modifica-se novamente a ideologia e todas as formas são postas em jogo para motivar o retorno das mulheres ao lar. Serão assim liberados empregos que garantirão a reinserção social dos maridos, que por sua vez estimulá-las-ão a ter novos filhos, para repor as baixas de guerra etc. Em certas épocas acentua-se a importância da proximidade permanente da mãe junto aos filhos para garantir o equilíbrio emocional deles. Em outros períodos, valoriza-se a educação coletiva das crianças (Israel). Dentro de um mesmo Estado há também interesses opostos. 0 setor industrial pode necessitar de mão-de-obra feminina, pois que assim aumentará o padrão de consumo de produtos industrializados, com o acréscimo na renda familiar, enquanto o setor social pode recear o desemprego masculino decorrente desse fluxo de mão-de-obra feminina no mercado de trabalho. A mulher, uma vez inserida num casamento e constituída sua família, torna-se a garantia da existência de uma infra-estrutura. Ê esta infra-estrutura que permite não só a reprodução da força de trabalho masculina (função de esposa), mas também a reprodução de futuras mãos-de-oora (função de mãe).
Isto é fundamental numa sociedade onde o sistema social não assume cada indivíduo com suas necessidades coletivas. A família serve também de válvula de segurança cas revoltas e conflitos sociais. Se por um lado o homem, em virtude de seu maior contato com o exterior através de seu trabalho, adquire mais consciência política, a mulher conhece mais de perto as necessidades da casa e dos filhos. Para manter o equilíbrio da célula familiar, ela servirá de contenção às revoltas dele, e com freqüência de "bode expiatório" para suas frustrações, angústias e conflitos irresolvidos no mundo exterior ao lar. Interessa portanto ao Estado canalizar todas as energias individuais ou coletivas para a esfera doméstica, desviando-as da contestação e de reivindicações sociais.
Algumas perspectivas sobre o futuro da instituição familiar Um dos primeiros objetivos na evolução da instituição familiar seria transformá-la. numa célula mais aberta para o exterior e capaz de partilhar com outras famílias uma parte das tarefas domésticas e educativas. Esta, aliás, como vimos acima, é uma das razões pelas quais se organizam as comunidades. Para atender a esse aspecto positivo, contor nando o risco do autofechamento desse grupo, existiria a tentativa de revitalizar certas funções familiares baseadas na solidariedade da vizinhança. Através de creches ou do encaminhamento das crianças ás escolas, através da compra coletiva de aparelhos eletrodomésticos e de limpeza, uma relativa coletivização seria alcançada, que não implicaria viverem todos sob o mesmo teto, mas mantendo, cada unidade familiar, sua moradia própria. A família hoje em dia está arriscada a se tornar uma engrenagem funcional cada vez mais dependente do Estado. Hoje, os laços entre os membros da família nuclear se enfraquecem, porque a responsabilidade coletiva da família enquanto núcleo através do qual se realizam projetos em comum diminui cada vez mais. E também porque cada um de seus membros é cada vez mais absorvido por suas atividades próprias e num meio ambiente especí fico. Por exemplo: o das crianças, dos jovens, dos casais etc. Colônias de férias, saídas coletivas em fins de semana, vão substituindo as reuniões dominicais com os parentes, ou férias familiares. As decisões relativas ao futuro e ás condições de vida das famílias são tomadas num nível tecnocrático apoiado numa rede de informações eletrônicas que aumentam a eficiência dos dispositivos do Estado, para um controle individual e familiar. Segundo certos autores,2 "a família contempo rânea caminha para o desconhecido e sem rumo. Pode orientar-se em três diferentes direções, e até hoje sem precedente histórico:
1}à ruptura definitiva dos laços que uniam as velhas gerações às mais novas: a indiferença que manifestam os adolescentes pela identidade familiar e pelo que ela possa representar e defender e que se rompe na discontinuidade dos valores entre pais e filhos; 2) à maior instabilidade dos Jovens casais que se reflete no aumento vertical da curva de divórcios; 3) à destruição sistemática, através da 'liberação' da mulher, do conceito 'lar/ninho' em torno do qual foi construída a vida da família nuclear." Paralelamente a esse avanço dos poderes de uma sociedade tecnocrática, que ainda não atingiu o Brasil, mas que para cá se dirige com a necessidade de expansão dos mercados consumidores dessa moderna tecnologia, surge uma nova corrente de pensamento: aquela que pensa que a família poderá se constituir numa tentativa para reinventar espaços de livre escolha. Reinventar espaços de livre escolha nos quais a célula familiar possa atuar em níveis variados, como desde a simples busca de maior tempo livre e com mais recursos para utilizá-lo até a diminuição do controle social. Ou ainda, a reivindicação de exercer livremente sua sexualidade; a liberdade de educar as crianças como cada um bem entender etc. Esta grande reivindicação de autonomia e de controle de seu próprio espaço social por parte das famílias pode assumir uma forma, diríamos, "coletivista". Nesta, dar-se-ia ênfase a organização e a um importante desenvolvimento de serviços coletivos, de redes associativas mas descentrali zadas, permitindo assim uma autogestão por parte dos próprios usuários. Ou também as famílias poderiam assumir uma forma que chamaríamos de "anarquista", com a extensão das formas familiares comunitárias, incluindo ás vezes a autoprodução de bens de consumo, mas baseada essencialmente nas relações de tipo informal, com um mínimo de recurso ás estruturas administrativas.
Expectativa em relação ao futuro da família Para os jovens de hoje, segundo pesquisas feitas, vemos que no tocante à família e na maneira como eles gostariam que esta evoluísse, temos as seguintes afirmações: a) a instituição familiar está ultrapassada, há uma necessidade de modificá-la em seus preceitos codificados pelo legislador (Código Civil). Mas ultrapassada não significa a negação da família e sim a negação da legalização do casamento; a denúncia das dificuldades em obter um divórcio ou separação; dos problemas decorrentes dos regimens de bens; da burocracia legal relativa aos filhos menores etc; b)a denúncia da redução dos membros da família, com um poder centrado nos pais. Cada vez mais, cada membro da família deseja sua autonomia e independência, e a noção de comunidade familiar cede lugar a um individualismo absoluto,
c) reivindicam a transformação das relações da educação, sobretudo no plano da autoridade. Começam pelo questionamento da autoridade do pai, que para os jovens é ressentida mais como um autoritarismo e não simplesmente como uma autoridade própria decorrente da relação hierár quica. Alguns já consideram que os país atuais, graças à influência dos meios do comunicação e da necessidade de manter unido afetivamente o núcleo familiar, procuram evoluir e compreender ou pelo menos aceitar novos comportamentos e valores. Já para os adultos, os aspectos que deveriam evoluir a respeito da instituição familiar são outros. De um lado, tentar romper a relação dominador/ dominado que rege fundamentalmente, tanto do ponto de vista moral, material como legal, a relação entre um homem e uma mulher que vivem maritalmente juntos. De outro, criar um intercâmbio de papéis no seio da própria família, intercâmbio esse para o que a legislação mu ito poderia cont rib uir, modi ficando certas leis que discriminam as mulheres e que datam do Código de Napoleão. Para alguns, e sobretudo para as feministas, não é a situação atual da família que é inaceitável mas sua própria existência. E o que existe de funda mental neste questionamento, segundo elas, é que a situação das mulheres se deteriora cada dia mais, assim como a do assalariado. Segundo as feministas, é a decadência do sistema patriarcal e do sistema capitalista que faz aparecer as infra-estruturas que impediam a visão e a compreensão de todos esses problemas em pro fundidade. Até então, ficaram fortemente entre laçados. Cada dia torna-se mais difícil para a sociedade e para o Poder estabelecido impor a forma e a legalização das relações sexuais, assim como as regras sociais sobre a procriação, numa época em que o sexo foi transformado em bem de consumo. Jamais poderá existir uma igualdade concreta entre homens e mulheres, que permita uma transformação total das relações sociais, enquanto seguirmos vivendo numa sociedade patriarcal e portanto discriminativa das mulheres (sexista) e dividida em classes. Será que a análise das pesquisas de opinião permitiria de forma mais objetiva conjecturar sobre o futuro da instituição familiar? Pensamos que obviamente não, }á que as m o d i ficações e a evolução da mesma não são o simples resultado de projetos elaborados conscientemente ou de acordo com planos e escolhas racionais. O que se poderia tentar buscar através de tais sondagens seriam as diferenças existentes entre os diversos modelos familiares e quais dentre eles estariam evoluindo de forma dominante. Ou ainda: buscar quais as condições atualmente favoráveis ou desfavoráveis em cada extrato social para a evolução ou transformação da família. As estatísticas tem registrado certos fenômenos, de maneira mais ou menos acentuada em todos
sem filhos, ou quando estes já são considerados semi-auto-suficientes; as taxas de natalidade que estão em franca diminuição. Se pusermos lado a lado essas afirmações esta tísticas universalmente mais evidentes, as reivin dicações dos jovens e das mulheres, assim como as tentativas de formas alternativas elaboradas por homens e mulheres (comunidades, famílias "or igi nai s" e tc ), veremos que há certa coinci dência nas suas formulações. Seria fácil concluir, após as premissas acima, que caminhamos nessa direção. Ora, deixamos de lado justamente aquelas correntes de pensa mento que detêm um grande poder nas sociedades atuais, as crenças religiosas e suas respectivas igrejas. Um dos campos de atuação fundamental de suas doutrinas é o da normalização das relações entre os sexos, a "moral" Para essas, as propostas que alinhamos no decorrer deste trabalho, e que tentam manter os laços familiares com seus aspectos positivos, são ju st am en te os aspectos mais condenáveis das experiências modernas. Acusam-nos como sendo os sintomas de "crise" na família, de sua "deca dência". Representam as forças tradicionais. Defendem a manutenção de uma estrutura rígida, com papéis definidos para homens e mulheres, ignorando os fatos objetivos, isto é, a grave insatisfação existencial das sociedades contem porâneas. Confundem causas e conseqüências. Afinal, esse modelo de família centralizado na autorida de paterna vigorou por tem po suficiente para ser avaliado. Exemplo disso é a fuga dos jovens através do co ns um o de tóx icos , fa to esse presente em todas as famílias, inclusive naquelas que procuram manter-se, contra ventos e marés, numa hierarquia autoritária, em que o poder de escolha, de decisão, de orientação cabe sempre aos mais velhos. Não se pode negar também as verdades estatis ticam ente co mpro vada s, em relação' às mulher es. Os índices de suicídio atingem as casadas com muito maior freqüência do que as celibatárias, fenômeno constatado desde o século XIX. A necessidade de consumo de tranqüilizantes, de antidepressivos e ansiolíticos é também maior entre elas. Isso reflete, sem dúvida, uma passiva revolta contra sua não inserção social adequada. Ora, a família constitui o objetivo prioritário da educação das mulheres, para afirmar-se socialmente.' Por outro lado, a História recente nos demonstra que um dos pontos de apoio de filosofias e regimes autoritários sempre foi a rigidez dogmática de usos e costumes referentes ao inter-relacionamento entre homens e mulheres. Stalin fez retroceder nos anos 30, com o decreto de 1940, o caminho de uma estrutura familiar liberal que germinava nos ideais da revolução soviética. Hitler preconizava a teoria dos três Ks— "Kinder, Küche, Kirche" (crianças, cozinha, Igreja) — como único destino das mulheres patriotas, na Alemanha nazista. O integralismo e o fascismo fundamentam na constituição da família sua força, assim como assistimos às lutas de um islamismo obscurantista, no Irã, que pune hoje com a morte uma infidelidade conjugai, que retirou as mulheres das universidades etc.
As formas alternativas de vida familiar expostas neste texto, que se confundem com novas atitudes em relação à produção e ao consumo, não são talvez mais do que os indícios precursores de uma transformação profunda da vida cotidiana, única estratégia, sem dúvida alguma, para sabotar, a longo prazo, formas arcaicas e perigosas de organização social. (Extraído do livro O que é Família, de siliense, São Paulo, 1985)
Danta Prado, Editora Bra
O professor e as classes sociais Perseu Abramo
O primeiro ponto é uma tentativa de identificar o professorado. Quem é o professor brasileiro e, particularmente, de São Paulo, em termos da estrutura de classes so ciais? Hoje, creio que o conjunto dos professores prin cipalmente de 1." e 2° graus, provém de duas vertentes da estrutura de classes.. Na primeira dessas vertentes, o professor ainda é uma pessoa que de certa forma sofreu um processo de mobilidade social vertical descendente. Não só porque foi proletarizado, nas condições de trabalho, mas tam bém porque foi proletarizado na sua cultura e na sua relação com as demais classes. Ele ainda se origina de famílias de certas camadas da burguesia, ou das altas classes médias, que, por várias circunstâncias econômi cas, políticas, culturais e sociais, nas últimas décadas, vêm decaindo de status. Hoje em dia, esse professor não consegue manter muitos dos privilégios sociais que sua figura tinha há algumas décadas. Resta-lhe apenas, como saída profissional e como saída de inserção na vida social, ser professor, preferencialmente de 1.º e de 2.° graus, e, quando possível, professor da Univer sidade. A segunda vertente de formação social do mo derno magistério origina-se no processo de massificação escolar inegável nessas últimas duas ou três décadas, A massificação, como se sabe, não significou a demo cratização do ensino ou da educação, mas gerou uma ampliação da rede de escolas que, por sua vez, aumen tou as oportunidades de obtenção da qualificação esco lar formal. E isso fez com que a outra parte do profes sorado se constituísse por caminho inverso ao da pri meira. Essa segunda parte, através de um processo de mobilidade social, vertical ascendente, provém de ca madas realmente populares, ou de camadas de classe média baixa. Com muitos esforços e descaminhos, e processos às vezes discutíveis, essa pessoa chega hoje à condição de professor. Essa segunda camada — para quem ser professor significa quase o apogeu na escala de ascen são social — passa a ter, diante dos problemas da educação e dos problemas da sua corporação profis sional, uma atitude bastante diferente da primeira, que se proletarizou no trabalho. A segunda camada, que talvez hoje, em certos centros urbanos do país, consti tua a maioria, tem-se mostrado, de certa forma, con servadora e pouco afeita à luta por modificações e
apesar de todas as críticas que se possa fazer hoje cm dia àquele projeto de diretrizes, a campanha consti tuiu-se num marco intelectual e político importante, e contou com a participação ativa de grandes setores do magistério, na época, primário e secundário. Ao enga jarem-se na campanha, os professores indicavam esta rem preocupados com a sua proletarização e sua queda nos estratos sociais. Mas, também, demonstravam estar extremamente preocupados com os rumos da educação e com aquilo que poderia ocorrer no sistema educacio nal brasileiro e na formação ideológica do alunado num momento de transição muito intenso. Sc, naquela época, os fatos ocorriam dessa manei ra, hoje, ao contrário, a grande maioria do professorado de 1.° e 2.º graus se vê obrigada a lutar muito mais apenas por reivindicações corporativistas do que por ações inovadoras na educação e na sociedade. Todos devem ter acompanhado as dificuldades dos professores no início da ditadura de 64. E as dificul dades de reestruturação das entidades representativas da categoria e dos órgãos de representação de cada escola. Foi difícil reagrupar as entidades gerais do pro fessorado, como a APEOESP ou como o Centro do Professorado Paulista, ou como a UDEMO (União dos Diretores do Ensino Médio Oficial). Hoje, quando se fala em APEOESP fala-se em disputas eleitorais com várias chapas, auditórios lotados com milhares.de pes soas. Mas, nas primeiras eleições da APEOESP pós-64, compareciam escassas dezenas de pessoas. Em outras palavras, o professorado foi drastica mente afastado das possibilidades e da disposição de realizar luta política e, muito menos, lutas culturais e intelectuais. Foi com enorme esforço — do qual parti ciparam professores de várias posturas ideológicas —' que, pouco a pouco, o magistério conseguiu reorgani zar-se novamente. E é isso que talvez explique o fato de que, hoje, o professor é mais um corporativista do que um reformulador. O próprio professorado não tem uma clara cons ciência da sua posição na estrutura social. Não que seja imprescindível rotular as pessoas com a sua posição de classe. Mas é importante, sim, saber qual é o pro jeto histórico desse conjunto de cidadãos que têm a função de transmitir conhecimentos e idéias para mi lhões de alunos. Os professores de 1.º e 2.º graus, muitas vezes, têm salários e condições materiais de vida que se situam abaixo de certas camadas da classe operária. Mas a sua postura ideológica, cultural e política é típica da classe média-média ou da classe média-alta, sempre muito mais disposta a ser cooptada pelos valores ideológicos da burguesia do que a se igualar ou solidarizar-se com os do proletariado. Refiro-me, é claro, ao conjunto da classe e não aos setores combativos da categoria e que constituem a sua vanguarda política. Ê por isso talvez que, hoje, — quando uma "tran sição transada" transformou a velha ditadura militar numa república que pretende ser nova c diferente —
a sociedade brasileira, na qual se abrem algumas opor tunidades de mudança, não encontra, por parte dos professores, a demanda por uma reforma educacional. Por menos importante que pudesse ser uma refor ma educacional, ela não se encontra nem pronta, e, pro vavelmente, nem cm elaboração. Não há - pelo menos de maneira democrática e explícita para o conjunto da sociedade — um projeto de educação nova. E isso por que uma boa parte dos legítimos esforços culturais e intelectuais dos professores, nestas últimas décadas, fo ram canalizados para a imprescindível conquista de po sições corporativistas. Aponto esse fato não como defei to do professor, mas como circunstância decorrente de uma estrutura econômica e social e de um regime polí tico tão opressivos e repressivos que o magistério se sentiu acuado, empurrado contra a parede, e não teve outra saída senão se defender da exploração e da opres são, gastando nessa defesa muito da sua energia cria tiva, e deixando de propor alternativas educacionais para a sociedade. Para alguns outros professores, a saída foi a de tentar as famosas propostas pedagógicas, miniexperiências educacionais, capazes de servir a meia dúzia de famílias da alta burguesia, como se essas fossem, na verdade, soluções para o problema educacional. O Brasil é um país de 130 milhões de habitantes, e, nele, a educação tem que ser vista como um. proble ma de massa, um problema coletivo, que exige soluções coletivas e democráticas. Na década de 50 havia, pelo menos, uma referên cia: tratava-se de defender a escola pública contra a tentativa de hegemonia de uma escola privada e arcai ca, fundamentada em privilégios ainda quase coloniais. Mas hoje, qual é o ponto de referência educacional? Não há. Talvez esteja sendo concebido na cabeça de cada um, talvez esteja sendo discutido nos gabinetes oficiais ou nas Faculdades de Educação. Provavelmente está sendo mais discutido em sindicatos e em partidos políticos do que propriamente nas Faculdades de Edu cação. Muitas dessas também cometeram seu grande pecado de omissão durante todo esse tempo e não se puseram à frente de projetos de renovação educacional, como seria lícito esperar que o fizessem. Dessa situação toda, decorrem vários problemas para os professores, inclusive o extremo grau de con tradição vivido por ele no seu dia-a-dia O professor da rede oficial muitas vezes quer ter postura crítica cm relação ao regime vigente mas, no cotidiano, ele tende a ser um agente inconsciente do regime. Ele ainda vive um período em que a maneira de se conceber o sistema e o processo educacionais é alienada e burocratizada e distante dá participação de mocrática da sociedade. Muitas vezes, por isso, o pro fessor é autoritário na sala de aula, é autoritário em relação aos pais dos alunos, principalmente na periferia. Os professores da rede oficial deixaram passar a oportunidade oferecida pela existência das APMs de criar núcleos de conselhos comunitários, populares, ca pazes de, pela base, implodir o sistema educacional
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vigente. Geralmente a APM apresenta, para o profes sor, uma forma de arrecadar recursos que o Estado deveria fornecer mas não fornece. O professor, por outro lado, tende a menosprezar a contribuição que setores populares podem dar ao processo educacional. Os pais dos alunos são chamados para colaborar nas festinhas de São João, dar o dinheiro para fazer o muro da escola ou pagar um guarda para tomar conta do trânsito: não vai muito além disso o famoso "entrosa mento entre a escola e a comunidade". Pode-se dizer que o responsável por isso foi o regime, isto é, a sociedade brasileira e seu governo ditatorial. Ê verdade, mas nessa sociedade outras cate gorias profissionais tiveram atitudes diferentes. É o caso, por exemplo, dos médicos sanitaristas — de composição social não muito diferente dos professores e formação universitária também semelhante — mas com capacidade de utilizar-se dos Centros de Saúde e dos Conselhos Populares nascidos da motivação das pes soas, mães, pais, famílias, para criar uma mentalidade reivindicatória e, aí sim, verdadeiramente moderna, no sentido das relações entre as populações da periferia e os organismos do Estado. Não ocorreu nada parecido na Educação. As ve zes, há uma ligação entre o professorado e a sociedade, no momento das greves, em que o professor é obrigado a convencer o pai do aluno da justiça de suas reivindi cações. Mas não parece dar-se o processo inverso. Ê fundamental tomar consciência desses fatos e tentar saber porque o professorado brasileiro está tão atrasado em relação a um projeto de reforma educa cional que seja vinculado a um projeto de reforma da sociedade. Algumas pessoas da própria estrutura oficial do ensino que tentaram conseguir algumas mudanças nesses últimos anos encontraram resistência muito grande, por parte de professores. No momento em que discutiam formas novas de entender educação, e quan do certos privilégios funcionais deixariam, enfim, de existir, houve resistência. Talvez o que falta ao profes sor seja assumir sua consciência de classe. Como diz o professor Florestan Fernandes, qualquer ) dança ou renovação tem fundamentalmente caráter político. Por isso mesmo, o professorado brasileiro tem que fazer uma clara opção política e de classe. Quem são os pro fessores? Agentes da burguesia cooptados para confor mar e enquadrar as novas gerações? Ou parte da classe trabalhadora e, portanto, devendo assumir como seus os valores da classe trabalhadora e não os daqueles que nos oprimem?
CAPÍTULO 5
A SOCIEDADE CAPITALISTA (23 UNIDADE)
Enquanto cada um de nós não for capaz de fazer essa opção de classe — que passa por opções associa tivas, sindicais, partidárias, políticas, ideológicas —, continuaremos ocupando postos privilegiados dentro da sociedade, um pouco às custas e um pouco sobre as costas da parte mais explorada e reprimida dessa mesma sociedade. t
(Extraído do livro Universidade, Escola e Formação de Professores, Editora Brasiliense, São Paulo, 1986)
BIBLIOGRAFIA
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torno do conceito de ideologia, de modo que, na terceira aula se possa oferecer aos grupos de alunos um pequeno conjunto de ar tigos de jornais onde estejam reproduzidas as opiniões de diver sos setores da sociedade
(Igreja,
Exército,
sindicatos
etc. etc.) sobre un mesmo tema. Caberá a cada grupo escrever uma pequena conclusão sobre o significado desea diversidade de opiniõos en torno de um mesmo assunto. Ao final da aula, a conclusão de cada grupo deve ser apresentada ao restante da classe. Assim procedendo, a quarta aula poderá ser reservada pa ra leitura e análise de textos. É fundamental que o professor acompanhe os alunos nessa atividade, ajudando-os a superar suas dúvidas. Ao final da aula, pode-se pedir aos alunos que tragam para a aula seguinte letras de músicas, poesias, objetos, fotos etc. que retratem o modo de viver do3 habitantes da região. Na quinta aula, a partir do material que os alunos trou xeram, pode se organizar uma pequena mostra cultural na sala, pa ra que todos os alunos tenham a oportunidade de observar e con versar sobre as características da região em que vivem. A sexta aula ficará então reservada para a realização de uma exposição pelo professor sobre os possíveis significados da cultura popu lar, aproveitando os acontecimentos ocorridos durante a mostra cultural» A sétima aula
poderá ser usada para leitura e análise
de texto ou para a realização de exercícios propostos pelo pro fessor. Ou ainda, se for preferível, para uma avaliação dos as pectos positivos e negativos do curso de Sociologia desenvolvi do ate então. Textos de apoio Seguem sete fragmentos de textos de diferentes autores, ,
para subsidiar o trabalho com os conteúdos desta Unidade.
A Concepção Funcionalista de Sociedade; O Positívísmos de Emile Durkheim Paulo Me ks en as 1.
EMI LE DUR KHE IM: VIDA E OBRA
Em 15 de abril de 1858, nasce Emile Durkheim na pequena cidade francesa conhecida pelo nome de Épinal. Descendente de uma família de rabinos, os valores de seu lar eram muito tradicionais: respeito e obediência às ordens do chefe da família eram leis sagradas. Perdeu seu pai quando ainda era garoto. Tal acontecimento iria influir muito em sua vida, pois, como filho mais velho, tor nou-se ele o chefe da família. É preocupado com sua nova res ponsabilidade e com as questões financeiras da família que se prepara para o concurso de entrada na Escola Normal. Vivendo numa época de mudanças, onde a nascente socie dade capitalista acabava de destruir as velhas instituições feudais e impunha os novos valores burgueses, Durkheim afirmará sua preocupação com o estabelecimento da nova ordem social. A época em que iniciou seus estudos na universidade é tam bém a época em que se começ am a ensi nar as Ciências Natu rais (Biologia, Física e Química). Tendo amplo conhecimento dessas disciplinas, passa a enxergar a sociedade de uma forma peculiar: para ele, a sociedade 6 como um imenso corpo bioló gico que precisa ser bem observado, para, em seguida conhecer•se sua anatomia e aí descobrir as causas e as curas de suas doenças. Durkheim foi muito influenciado pelas obras de Augusto Comte e Herbert Spencer, que foram os iniciadores do Positi-. vismo. Recém-formado, começa a dar aulas na universidade de Bordéus, lecionando Ciência Social e Pedagogia; é, porém, em 1902, aos 41 anos de idade, que começa a lecionar numa das. mais importantes universidades da França e de toda a Europa: a Sorbonne. E será ainda como professor da Sorbonne que fundará a Cadeira Universitária de Sociologia; assim, é através de Durkheim que a Sociologia torna-se disciplina obrigatória no ensino de Ciências Humanas nos cursos universitários. Ao longo de sua vida, Durkheim formou vários discípulos, quo continuariam sua obra, sendo que, em 1897, foi o respon sável pela criação da revista "L'Anné Sociologique", uma das primeiras publicações especializadas na área de Sociologia e que reunia em torno de si famosos cientistas sociais. Durkheim sempre lutou para provar que a Sociologia é uma ciência e que, por isso, deve ser NEUTRA diante dos fatos sociais, isto é, que a Sociologia não deve envolver-se com a Política. Assim, para Durkheim, toda reforma social deve estar baseada primeiramente no conhecimento prévio e científico da sociedade, e não na ação política.
Quando criança, Durkheim presenciou um Movimento dos Trabalhadores que íicou conhecido como "A COMUNA DE PARIS"; isso foi em 1871, quando os trabalhadores uniram-se contra a exploração que sofriam nas fábricas e tomaram conta da cidade de Paris. Foi instituído o primeiro governo dos tra balhadores e a primeira tentativa de implantação do socialismo (sociedade sem classes). No entanto, passadas algumas semanas, a Comuna de Paris foi massacrada pelos burgueses. Milhares de trabalhadores que lutavam por seus direitos foram mortos. Isso fez com que Durkheim acreditasse que através da violência não se combate a violência e nem se pode criar uma nova so ciedade. Para ele, os problemas sociais entre trabalhadores e empresários teriam que ser resolvidos dentro da ordem e do progresso. Um outro conflito social que abalou muito a Durkheim foi a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Ele tinha, então, 56 anos, e era um sociólogo mundialmente famoso. A morte de seu filho, na guerra, e a de seus melhores amigos fizeram com que ficasse emocionalmente muito abalado. A 15 de dezembro de 1917, Durkheim veio a falecer na cidade francesa de Fontainebleau. Principais obras:
— A Divisão do Trabalho Social, 1893 — As Regras do Método Sociológico, 1895 — O Suicídio, 1897 — As Formas Elementares da Vida Religiosa, 1912 — Lições de Sociologia — Educação e Sociologia — Educação Moral.
2.
OS CONCEITOS BÁSICOS DO POSIT IVIS MO
A Sociologia desenvolvida por Durkheim tenta compreender o capitalismo; para conseguir isso, Durkheim desenvolve uma série de conceitos ou, dizendo de outra maneira, uma teoria. E o que seria um CONCEITO? PODEMOS DEFINIR CONCEITO COMO SENDO UM CON JUNTO DE IDÉIAS DESENVOLVIDAS A PARTIR DA NOSSA INTELIGÊNCIA E QUE TEM POR OBJETIVO EXPLICAR UM FENÔMENO QUALQUER.
Assim sendo, quando afirmamos que Durkheim desenvolve sua teoria a partir de certos conceitos, isso quer dizer que, ao observar, classificar e entender um fenômeno (no caso, a socie dade capitalista), Durkheim acaba por desenvolver ura conjunto de idéias a respeito desse fenômeno, idéias contidas dentro de um ou vários conceitos. Por isso, ao conhecer a teoria de Durkheim, vamos conhecer um conjunto de palavras novas que foram criadas por ele para explicar o capitalismo. Essas palavras criadas por Durkheim são os conceitos que formam sua teoria. E quais são estes conceitos? São eles: CONSCIÊNCIA COLETIVA, DIVISÃO DO TRABALHO SO CIAL, SOLIDARIEDADE MECÂNICA, SOLIDARIEDADE ORGÂNICA, CASO PATOLÓGICO E ANOMIA.
A partir deste momento, vamos discutir cada um desses conceitos e ver como, a partir deles, Durkheim tenta compreender o capitalismo.
Consciência coletiva: Por esse termo, Durkheim traduz a idéia do que seja o Psíquico Social. Cada indivíduo tem uma "psique", isto é, um je it o de pe ns ar e agir, de en te nd er a vida. Assim, ca da um de nós possui uma CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL que faz parte de nossa personalidade. Esta, porém, não é a única forma de cons ciência: existe também aquela formada pelas idéias comuns que estão presentes em todas as consciências individuais de uma sociedade. Essas idéias comuns formam a base para urna consciência de sociedade: uma primeira consciência que determina a nossa conduta e que não é individual, mas social e geral, denominada por Durkheim de Consciência Coletiva. S COMO ESSA CONSCIÊNCIA COLETIVA APARECE NA SOCIEDADE? COMO ELA SE MANIFESTA EM NOSSAS VIDAS?
Podemos responder a esta questão afirmando que a cons ciência coletiva é OBJETIVA, isto é, ela não vem de uma só pessoa ou grupo, mas está difusa (espalhada) em toda a socie dade, e, por isso, ela é EXTERIOR AO INDIVÍDUO, quer dizer, a consciência coletiva não é o que um indivíduo pensa, mas é o que a "soci edade pe nsa ". Por i sso, a consci ência coletiva age sobre o indivíduo de forma COERCITIVA, isto é, exerce uma autoridade sobre o modo de como o indivíduo deve agir no seu meio social. Vemos com isso que a consciência individual não determina as ações de uma pessoa; ao contrário, será a consciência coleti va que Irá impor as REGRAS SOCIAIS de uma sociedade; isto, porque, ao nascer, o indivíduo Já encontra a sociedade pronta 8 constituída em suas leis. Assim, o Direito, os costumes, as crenças religiosas, o sistema financeiro não são criados pelo indivíduo, mas peias gerações passadas, sendo transmitidas às novas através do processo da educação. Por exemplo: na socie dade em que vivemos, se alguém sair à rua sem roupas Irá provocar imediatamente uma reação da sociedade contra si, pois, a partir desse momento, poderá ser taxado de maníaco e até ser preso; isso, devido à ação da consciência coletiva que, presente em nossa sociedade, proíbe-nos de andar nus. Durkheim nos oferece vários outros exemplos neste sentido: "(...) não sou obrigado a falar o mesmo idioma que meus companheiros de pátria, nem empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outra man eira. Minha tentativa fraca ssari a lamentavelmente se procurasse escapar desta sociedade. Se sou industrial, nada me proíbe de trabalhar utilizando processos técnicos do século passado; mas, se o fizer, terei a ruína como resultado inevitável. Mesmo quando, posso realmente libertar-me destas regras e violá-las com sucesso, vejo-me obrigado a lutar contra elas (...)" (in As Regras do Método Sociológico). Vimos acima.vários exemplos do controle que a consciência exerce sobre o indivíduo. TENTE, INDIVIDUALMENTE, DES COBRIU OUTROS EXEMPLOS DE COMO A CONSCIÊNCIA COLETIVA EXERCE UM CONTROLE SOBRE AS NOSSAS VI DAS. Pense um pouco o você Irá descobrir vários exemplos do nosso dia-a-dia. Divisão do trabalho social Outro conceito importante para entendermos a teoria de Durkheim; ele definia este termo como sendo a especialização
O Positivismo tenta entender o funcionamento da sociedade capitalista da mesma forma que a Biologia entende o funcio name nto de um corp o animal, isto é, Dur khe im acha va que ao descnvolver--.;e, a sociedade ia multiplicando-se em atividades a serem reali7.adas; a partir dai, cada indivíduo teria uma função a cumprir, a qual seria importante para o funcionamento de todo o corpo social. Em suas palavras " ( . . . ) as funções polí ticas, administrativas, judiciárias, especializam-se cada vez mais. O mesmo acontece com as funções art íst ica s e cie ntífi cas" • (in A Divisão do. Trabalho Social). De aco rdo com Durkh eim, cada me mb ro da "sociedade, de senvolvendo uma atividade útil e especializada, PASSA Á DE PENDER CADA VEZ MAIS DOS OUTROS INDIVÍDUOS, isto é, com a sociedade progredindo, surgem novas atividades; estas, por sua vez, tornam-se divididas. Por exemplo, o marceneiro, para fazer uma mesa, depende do lenhador que corta a árvore, depende do motorista que transporta a madeira, depende dó operário que prepara o verniz, depende daqueles que fabricam pregos, marte los e serro tes etc. Assim, ta mb ém o músi co que depende daquele que faz seu instrumento, depende daquele que faz o teatro para o público que assiste a ele, e assim por diante. Com isso, o efeito mais importante da DIVISÃO DO TRA BALHO SOCIAL não é apenas seu aspecto econômico (aumento da produtividade), mas também tornar possível a união e a SOLIDARIEDADE entre as pessoas de uma mesma sociedade. Da solidariedade mecânica à solidariedade orgânica Durkheim acentuava que nas sociedades anteriores ao ca pitalismo, isto é, nas sociedades tribais e feudal, a divisão do trabalho social era pouco desenvolvida, não havia um grande núm ero de especializações da s ativ idades • sociais. • Na sociedade feudal, por exemplo, vimos que a produ ção dos bens de consumo era realizada pelo trabalho artesanal e isso implicava o fato de que uma só pessoa fizesse aquilo de que necessitava, sem depender de outras pessoas. Ao fazer uma mesa, o servo só dependia de seu trabalho individual e isolado. Ao contrário, na sociedade capitalista, as atividades são muito divididas, sendo que para fazer uma mesa o marceneiro depende do trabalho de outras pessoas. Nas sociedades tribais e feudal, as pessoas não se unem porque uma depende do trabalho da outra, e, sim, são unidas por uma religião, tradição ou sentimento comum a todos. ESTA UNIÃO DAS PESSOAS A PARTIR DA SEMELHAN ÇA NA RELIGIÃO, TRADIÇÃO, OU SENTIMENTO É O QUE DURKHEIM CHAMA DE SOLIDARIEDADE MECÂ NICA. A SOLIDARIEDADE ORGÂNICA, ao contrário, aparece quan do a divisão do trabalho social aumenta, e aí, como vimos, o que torna as pessoas unidas não é uma crença comum a todos, mas uma interdependência das funções sociais. A UNIÃO DAS PESSOAS A PARTIR DA DEPENDÊNCIA QUE UMA TEM DA OUTRA PARA REALIZAR ALGUMA ATIVIDADE SOCIAL É O QUE DURKHEIM CHAMA DE SOLIDARIEDADE ORGÂNICA.
Podemos tornar estes conceitos mais fáceis de serem entendidos a partir de um exemplo: imaginemos um professor que necessite formar grupos para desenvolver o tema da aula. O pro fessor pode querer a formação dos grupos a partir de dois critérios: ele pode pedir nos alunos que formem grupos livre mente, a partir da AMIZADE existente entre eles. Uma segunda
opção é pedir aos alunos pura formarem grupos de forma que em cada um dos grupos fique uma pessoa que saiba DATILO GRAFIA, uma outra que saiba DESENHAR, outra quo tenha experiência de REDAÇÃO, e, por fim, uma que domine bem o conteúdo das aulas 9 que seja o COORDENADOR do grupo. No primeiro caso, o que uniu os alunos no grupo foi um SENTIMENTO, a Amizade, de onde teríamos a SOLIDARIEDA DE MECÂNICA. No segundo caso, o que uniu os alunos em grupo foi a dependência que cada um tinha da atividade do outro: a união foi dada pela especialização das funções, de onde teríamos a SOLIDARIEDADE ORGÂNICA.
DURKHEIM ADMITE QUE A SOLIDARIEDADE ORGÂNI CA É SUPERIOR A MECÂNICA, POIS AO SE ESPECIALIZAREM AS FUNÇÕES, A INDIVIDUALIDADE. DE CERTO MODO, E RESSALTADA, PERMITINDO MAIOR LIBERDA DE DE AÇÃO. O que significa afirmar que a solidariedade orgânica dá liberdade ao indivíduo? Vimos, anteriormente, que a nossa conduta na sociedade é orientada pela CONSCIÊNCIA COLETIVA, isto é, não fazemos o que queremos e, sim, o que as normas sociais permitem. Desta forma, a consciência coletiva c coercitiva. No entanto, a partir do momento em que as atividades sociais são muito divididas, as pessoas passam a depender uma das outras e ao mesmo tem po, cada uma, ao especializar-se na atividade que realiza, passa a desenvolver a sua individualidade. Nas palavras de Durkheim, "( . . . ) é preciso que a consciên cia coletiva deixe descoberta uma parte da consciência indivi dual, para quo, nesta parte, se estabeleçam os funções que ela (consciência coletiva) não pode regulamentar ( . . . ) De fato (com a divisão do trabalho social) cada um depende tanto mais estreitamente da sociedade quanto mais dividido for o traba lho; por outro lado, a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais ela for especializada" (in Divisão do Trabalho Social). Voltemos ao exemplo do professor que forma grupos de pesquisa em sala de aula: no grupo formado por amigos, pode acontecer que um elemento discorde muito das opiniões de outro; este fato pode trazer um conflito que põe em risco a existência do grupo. Nesse caso, os elementos devem agir do acordo com as idéias comuns do grupo, o não a partir das suas próprias idéias. Já no grupo onde a união dá-se pela atividade especializada, a individualidade ê ressaltada, pois, dentro da sua atividade, cada um age como bem entende, e aí a divergência de opiniões não põe em causa a existência do grupo. A sociologia diante do caso patológico e da anomia Como já foi dito, Durkheim viveu numa época de grandes conflitos sociais entre a classe dos empresários e a classe dos trabalhadoras. É também uma época em que surgem novos pro blemas sociais como favelas, suicídios, poluição, desemprego etc. No entanto, o crescente desenvolvimento da indústria e tecno logia fez com que Durkheim tivesse uma visão otimista sobre o futuro cio capitalismo. Ele pensava que todo o progresso de sencadeado pelo capitalismo traria um aumento generalizado da divisão do trabalho social e, por conseqüência, da solidariedade orgânica, a ponto do fazer com que a sociedade chegasse a um estágio sem conflitos e problemas-sociais. Com isso, Durkheim admitia que o capitalismo é a sociedade perfeita; trata-se apenas de conhecer os seus problemas e de
buscar uma solução cientifica para eles. Em outras palavras, a sociedade é boa, sendo necessário, apenas, "curar as suas doenças". Tal forma de pensar o progresso de um jeito positivo fez com que Durkheim concluísse que os problemas sociais entre empresários e trabalhadores não se resolveriam dentro de uma LUTA POLÍTICA, e, sim, através da CIENCIA, ou melhor, da SOCIOLOGIA. Esta seria, então, a tarefa da SOCIOLOGIA: COMPREENDER O FUNCIONAMENTO DA SOCIEDADE CAPITALISTA DE MODO OBJETIVO PARA OBSERVAR, COMPREENDER E CLASSIFICAR AS LEIS SOCIAIS, DES COBRIR AS QUE SÃO FALHAS E CORRIGI-LAS POR. OUTRAS MAIS EFICIENTES.
Assim, Durkheim acreditava que a sociedade, funcionando através de leis e regras já determinadas, faria com que os pro blemas sociais não tivessem sua origem na Economia (forma pe la qual as pessoas trabalham), mas sim numa CRISE MORAL,
Isto é
NUM ESTADO SOCIAL EM QUE VÁRIAS CONDUTA NÃO ESTÃO FUNCIONANDO.
REGRAS
DE
Por exemplo: se a criminalidade aumenta a cada dia é porque as leis que regulamentam o combate ao crime estão falhando, por serem mal formuladas. A este estado de crise social onde as leis nã o estão funcionando, Durk hei m denom in a CASO PATOLÓGICO. PO R outro lado, os problemas sociais podem ter sua origem também na AUSÊNCIA DE REGRAS, o que por sua vez se ca racterizaria como ANOMIA.
Frente ao CASO PATOLÓGICO (regras sociais falhas), cabe à Sociologia capt ar s uas causas , pr ocu ran do evitar a ANOMIA (crise total), através da criação de uma NOVA MORAL SOCIAL QUE SUPERE A VELHA MORAL DEFICIENTE. Por ter essa confiança de que num futuro breve a sociedade capitalista eliminaria, através da ciência, dentro da ordem e do progresso, todos os seus problemas, sua forma de pensar era CONSERVADORA. O que significa uma pessoa ser conservadora? E ACREDITAR QUE A SOCIEDADE ATUAL NÃO DEVE SER MUDADA, QUE AS COISAS DEVEM PERMANECER COM ESTÃO. Ê TER RECEIO DE QUALQUER TRANSFOR MAÇÃO SOCIAL. POR FIM, É ADMITIR QUE OS PROBLE MAS SOCIAIS CRIADOS PELO CAPITALISMO SERÃO RESOLVIDOS DENTRO DO PRÓPRIO CAPITALISMO.
E pelo fato de Durkheim ser uma pessoa conservadora é que vamos encontrar na sua teoria um certo apoio à sociedade capitalista. A sociologia e o Estado "(...) O Estado é um órgão especial, encarregado de ela borar certas representações que valem para a coletividade. Estas, representações se distinguem das outras representações coletivas por grau mais alto de consciência e de reflexão. (...) O Estado é, para falar com rigor, o órgão mesmo do pensamento social. Nas condições presentes, esse pensamento está voltado para um fim prático (...) O Estado, ao menos em geral, não pensa por pensar, para constiuir sistemas de doutrinas, e, sim, para dirigir a conduta coletiva" (in Lições de Sociologia).
Homo interpretar esta definição de Estado? Partindo do ápio de que a sociedade capitalista foi concebida por Durn como um corpo que, às vezes, fica doente, esse corpo, funcionar bem, depende de que todas as suas partes estefuncionando harmonicamente. A responsabilidade de desen;r o funcionamento harmônico de todas as partes da sociecabe ao Estado. Em outras palavras, E A SOCIEDADE E O CORPO, O ESTADO É O SEU CÉREBRO E POR ISSO TEM A FUNÇÃO DE ORGANIZAR ESSA SOCIEDADE, REELABORANDO ASPECTOS DA CONSCIÊNCIA COLETIVA.
Vimos quo a sociedade capitalista esta cheia de problemas. heim admitia que o Estado é uma Instituição que tem o r do e labor ar leis qu e corr lja m os casos patológ icos da dade. Em resumo: S CABE A SOCIOLOGIA OBSERVAR, ENTENDER E CLASSIFICAR OS CASOS PATOLÓGICOS, PROCURANDO RIAR UMA NOVA MORAL SOCIAL, CABE AO ESTADO OLOCAR EM PRATICA OS PRINCÍPIOS DESSA NOVA ORAL. Neste contexto, a Sociologia e o E stad o comple mentam- se organização da sociedade para, na prática, evitarem os pro as sociais. Isso levou Durkheim a acreditar que os sociódevessem ter uma participação direta dentro do Estado. raído do livro Aprendendo Sociologia: A Paixão de Conhecer a a,de Paulo Meksenas, Edições Loyola, São Paulo, 1985)
A concepção crítica da sociedade: o materialismo histórico de Kar l Marx Paul Singer Produção simples de mercadorias e capitalismo O produtor simples de mercadorias é um possuidor de meios de produção que os utiliza para ganhar a vida. Ele produz mercadorias (M) que vende e, com o dinheiro (D), compra outras mercadorias (M) para consumir e continuar produzindo. O seu ciclo de produção toma a forma M-D-M, cm que o M final difere do M inicial em forma, mas não cm valor. Ao final do ciclo, o produtor cumpriu seu propósito — satisfazer as necessidades de consumo próprias e de sua família —, mas não se tornou mais rico do que era no início. O capitalista é um possuidor de meios de produção que emprega trabalhadores para movimentá-los. Vende a produção assim obtida e compara a soma de dinheiro recebida com a que investiu no início. A sua finalidade é que aquela soma seja maior; a diferença entre o seu 'capital inicia] e o final constitui o lucro. Toda sua atividade visa o maior lucro em relação ao capital inicial. Sendo a relação lucro/capital a "taxa de lucro" cm determinado período (geralmente em um ano), pode-se dizer que seu objetivo é maximizar a taxa de lucro, isto é, obter o maior lucro anual possível por cada milhão de cruzados investidos em determinado negócio. O seu ciclo de produção tem a forma D-M-D': D é o seu capital inicial, que toma necessariamente a forma mo netária (capital-dinheiro); M é o capital transformado em meios de produção e força de tra balho (capital-mercadoria); no processo de produção, os trabalhadores transformam os meios de produtos em produtos que são vendidos; D' é a receita da venda, que reconstitui o capital-dinheiro inicial (D) acrescido de sua valorização, isto é, de seu lucro (A D). Por isso, D' é, via de regra, maior do que D, sendo D'=D + AD, ou seja, o capital no final do ciclo de produção é igual ao capital inicial acrescido do lucro. Ilustremos o contraste entre produtor simples de mercadorias e capitalista, mediante um exemplo. Suponhamos que o produtor simples de mercadorias seja um motorista de táxi, dono de seu carro. Este carro, com o seu tanque cheio de combustível, é seu meio de produção M, o qual ele usa para prestar serviços de transporte. No fim do mês, ele ganhou uma soma de dinheiro D que ele utiliza de duas maneiras: 1. para comprar combustível, pneus e outras peças de reposição e pagar serviços de reparação, além de tributos e amortizar o valor do carro; 2. para comprar mantimentos, pagar serviços (aluguel, luz, gás etc.) e fazer outras despesas de consumo para si e seus dependentes. O primeiro tipo de despesa reproduz o seu carro, ou seja, o seu meio de produção; o segundo tipo reproduz ele próprio e sua descen dência. No ciclo M-D-M as condições de produção são normalmente' re postas; ao fim de um mês, um ano ou uma vida, sempre ressurge um motorista de táxi e seu carro, com o tanque cheio de combustível. No caso do capitalista, suponhamos que se trate do dono de uma frota de táxis. Êste senhor possui de início uma soma de dinheiro sufi ciente para comprar os carros, o combustível para eles e para assalariar um número correspondente de motoristas, além de fiscal, contador, se cretária etc. O seu dinheiro também deve cobrir gastos com garagem,
licenciamento dos carros etc. Este é o seu capital inicial D. Na medida em que a frota opera, a venda de corridas gera uma receita. Convém observar que no processo de produção de corridas, o trabalho dos moloristas transforma os carros + combustível (capital-mercadoria) em produto que, neste caso, é passageiros/quilômetros trunsportados (tam bém capital-mercadoria). Neste processo de produção, que podemos re presentar por M. . .M' ocorre uma mudança de valor: o total de pas sageiros/quilômetros transportados vale mais do que o seu custo, isto é, a soma dos salários pagos aos motoristas + desgaste dos carros + com bustível + gastos improdutivos (ordenados do fiscal, contador etc. + garagem + tributos). Esta mudança de valor é essencial para o funcionamento do capital. No valor das corridas de táxi produzidas, o valor dos meios de produção) — do carro e seus consertos, reposição de pneus etc. e do combustível — reaparece por inteiro mas não aumentado, O que au menta é o valor criado pelos trabalhadores assalariados, no caso os motoristas, em relação ao que sua força de trabalho custa ao capitalis ta, isto é, os salários que ele lhe paga. Digamos que um motorista ga nhe 3 salários mínimos por mês e que ele transforme meios de produção (carro + combustível) em produto (corridas) no valor de outros 3 salários mínimos por mês. Isso quer dizer que cada motorista "custa" ao nosso dono de frota 6 salários mínimos por mês. Ora, é óbvio que nosso herói só dará emprego a motoristas que forem capazes de lhe entregar mensalmente uma féria superior a 6 salários mínimos, sendo a diferença suficiente para, somados os lucros brutos de todos motoristas da frota, pagar os gastos improdutivos (ordenados, aluguel, tributos) e ainda sobrar um lucro líquido proporcional ao capital investido. Temos portanto para o dono da frota de táxis um ciclo de pro dução que pode ser representado por: D-M. . .M'-D\ Ao fim de um ano, ele terá uma frota de carros com seus tanques cheios de gasolina e uma soma de dinheiro D'. Ao fazer seu balanço, ele apurará seu lucro da seguinte forma: A D = D' + valor dos carros com combustível, depreciados por um ano de uso-D (valor do capital inicial). Sc D' acrescido do valor da frota depreciada for maior,que o ca pital inicial D, A O será positivo, isto e, houve realmente lucro. Mas isso ainda não satisfará nosso capitalista. Ele quererá saber se o seu lucro foi suficiente. Para tanto ele calculará a taxa de lucro A D/D. Suponhamos que o capital inicial tenha sido de 10.000 salários mínimos e que o lucro anual tenha sido de 1.Ü00 salários mínimos. Neste caso. a taxa de lucro foi 1.000/10.000 ou 0,1 ou 10%. Então ele tratará de comparar esta taxa com as que outros capitalistas obti veram em frotas de táxis ou em outras linhas de negócio. O nosso capitalista só continuará mantendo seu capital nesta atividade se se convencer que com um capital de 10.000 salários mínimos ele dificil mente obterá um lucro anual superior a 1.000 salários mínimos em outro ramo de negócio. Se ele achar que o plantio de café ou a produ ção de microcomputadores proporcionam taxas mais elevadas de lucro, ele sem dúvida porá sua frota à venda e transferirá seu capital a uma dessas atividades.
A especificidade do capital como relação de exploração E possível que nesta comparação entre a produção simples de mercadorias e o capitalismo surja a seguinte dúvida: mas por que não podemos chamar de "capital" o carro do motorista proprietário (com o tanque cheio de combustível)? Quem nos garante que sua receita D seja apenas suficiente para seus gastos de reprodução? Não poderá ele economizar algo todo mês e ao cabo de certo (empo comprar um segundo carro para entregá-lo a um motorista assalariado? Desse jeito.
o produtor simples de mercadorias pode acabar como dono duma frota de táxis, porque ele já era dono de capital desde o início, embora pe queno. Neste caso, a diferença entre o motorista proprietário e o dono de frota é apenas de grau: ambos são afinal "capitalistas" de tamanhos diferentes. ' O erro nesta apreciação está cm considerar os agentes individual mente e não como membros de classes sociais. Ê óbvio que deve haver casos em que motoristas proprietários se tornaram donos de frotas, só que estes casos constituem exceções e não regra.- Se considerarmos os milhares de taxistas proprietários que trabalham em nossas cidades, é claro que a grande maioria se esfalfa para conseguir, a muito custo, unicamente se reproduzir, pagar as prestações do carro e ao fim de determinado período comprar outro. Por isso, o seu carro não é "ca pital", embora eles até possam achar que é. Os meios de produção do produtor simples de mercadorias não são capital porque eles não. se valorizam, ou seja, não proporcionam lucro. E os produtores simples de mercadorias não obtêm lucro porque a competição entre eles deter mina um_ valor para seus produtos que só lhes permite se reproduzir. Eles, na" verdade, soem ser pobres, seu padrão de vida dificilmente é melhor que o de um trabalhador assalariado com qualificação seme lhante. Há exceções, por exemplo, entre os chamados profissionais li berais — médicos, advogados, dentistas etc. —, mas é bom lembrar que para cada profissional rico há muitos que mal conseguem ganhar a vida. A discussão desta dúvida permite especificar melhor o que 6 capi tal. O capital é sempre uma soma de riqueza que, para se valorizar, tem de sofrer as seguintes metamorfoses: de capital-dinheiro tem de passar a capital-mercadoria, formado por meios de produção e força de trabalho; este capital-mercadoria tem de ser transformado, mediante o trabalho de trabalhadores assalariados cm produto, outra forma de ca pital-mercadoria; e este último tem de ser realizado, ou seja, transfor mado novamente, mediante a venda do produto, em capital-dinheiro. Capital não é, portanto, apenas riqueza, mas valor que se valoriza, ri queza que é investida para engendrar mais riqueza para seu possuidor. Um bilhão de cruzados colocado num cofre ou numa conta bancária não é capital, embora possa vir a sê-lo numa sociedade capitalista. É, portanto, apenas capital virtual. Isso é fácil de entender se imaginarmos o que faríamos com um bilhão de cruzados numa ilha deserta ou se vivêssemos numa sociedade não-capitalista, por exemplo, numa tribo de índios ou em Cuba. Em tais situações, nosso bilhão não poderia funcionar como capital. Na ilha deserta, o enterraríamos até sermos resgatados. Entre os índios, poderíamos talvez usar uma pequena parte do dinheiro para comprar objetos com os quais faríamos presentes tendo em vista obter presentes em troca. Em Cuba poderíamos depositar o bilhão num banco e Obter um juro modesto. Em nenhuma destas circunstâncias, o bilhão de cru zados pode ser considerado capital. Para que determinada soma de riqueza seja de fato capital, ela deve poder ser submetida às metamorfoses acima especificadas. Isso significa que tem que haver as seguintes condições: 1. dinheiro funcionando como equivalente geral da riqueza mer cantil: sem dinheiro, a riqueza não pode assumir a forma de capital monetário para funcionar como meio de compra de meios de produção e de força de trabalho; 2. meios de produção colocados à venda, como mercadorias: se os meios de produção não forem propriedade privada mas coletiva ou estatal, o capital-dinheiro não pode se transformar em capital produtivo e, portanto, não pode se valorizar. Em economias centralmente plane jadas, como a cubana, por exemplo, dinheiro acumulado só pode ser emprestado ao Estado, o qual paga algum juro, mas isso não o torna capitai;
3. força de trabal ho como merc adori a, ou seja, é preciso que uma parte significativa dos trabalhadores não possua meios de produção e por isso eles só tenham acesso à produção social mediante alienação de sua força de trabalho. Se todos os motoristas tivessem seu próprio táxi, não poderia haver frotas operando com motoristas assalariados. Ora, estas condições especificam o capitalismo. Uma sociedade em que o dinheiro é o representante geral da riqueza, em que os meios de produção são produzidos e alienados como mercadorias e em que os trabalhadores, em boa parte, vendem sua força de trabalho para sobre viver é uma sociedade capitalista. E é só cm sociedades com estas ca racterísticas que somas de valor podem ser e tendem a ser capital. O que c então capital? Uma soma de dinheiro? Meios de produção sendo movidos pelo trabalho de assalariados? Produtos de trabalho assalariado postos à venda? Capital é tudo isso c, sobretudo, c tudo isso cm relação. Capital é a continua transformação do valor através do processo de produção e de circulação. Na produção, o valor-capital se valoriza; na circulação, o capital-valor já prenhe do mais-valor, da mais-valia, se realiza, É por isso que a melhor maneira de entender o que é capital é entendê-lo como relação social. No fundo, capital é uma forma específica de rela cionamento entre homens em sociedade, na qual proprietários de ri queza empregam o trabalho de não-proprietários para produzir mais riqueza. Capital é portanto uma relação social que se materializa em obje tos: em dinheiro, em meios de produção, em trabalho pago por salário, em produtos vendidos em mercados. É claro que cada forma material do capital corporifica relações específicas que, em seu conjunto, fornam a relação-capital. Dinheiro corporifica a relação entre quem paga e quem recebe. Mercadorias corporificam a relação entre quem compra e quem vende. Destas relações específicas, a que é essencial ao capital é a de compra e venda de força de trabalho. Porque é através desta relação que o capital se valoriza, O lucro é trabalho não pago. é pro duto da exploração do trabalhador assalariado. A relação-capital é es sencialmente uma relação de exploração.
Valor, valor de uso e valor de troca Vejamos agora mais de perto o que é valor numa economia de mercado. O valor é um atributo da mercadoria que tem duas dimensões; uma é que cada mercadoria pode ser consumida, ou seja, há "alguém" que se dispõe a pagar para poder usá-la. Esta dimensão recebe o nome de valor de uso. Meios de produção são usados para produzir outras mercadorias, isto é, servem para consumo produtivo. Bens finais são usados por indivíduos e famílias, isto é, servem para o consumo indi vidual. Qualquer que seja o consumo — produtivo ou individual — ele tem por efeito destruir a mercadoria, O consumo produtivo do carro e do combustível os destroem enquanto formas físicas, fazendo surgir em seu lugar o produto "transporte de passageiros". O consumo indi vidual duma mesa e duma porção de feijão destrói igualmente suas formas físicas, nada surgindo em seu lugar a não ser uma sensação no consumidor, que podemos chamar de "satisfação" ou "saciedade". O consumo do carro e da mesa é paulatino e leva tem po; o do combu stí vel e do feijão é imediato e instantâneo. O valor de uso da mercadoria revela que ela é produzida para ser consumida (destruída) e que o consumidor se dispõe a pagar o suficiente para que a produção seja retornada. Mas mercadorias não são apenas compradas para serem consumi das, mas também para serem revendidas. Cada mercadoria oferece ao seu possuidor a possibilidade de — mediante venda e compra — obter outra mercadoria. Esta dimensão do valor é o chamado valor de troca.
mercadorias não é comparável. Os partidários da teoria do valor-utilidade não entendem assim c sustentam que o valor de troca é expressão direta do valor de uso ou "utilidade" da mercadoria. Explicam que se o valor de troca de um anel de brilhantes é mil vezes maior do que o de uni par de sapatos 6 porque o primeiro é mil vezes mais "útil" aos consumidores do que o segundo. Como a utilidade é subjetiva, variando de indivíduos a indivíduo, esta explicação é tautológica, isto é, ela só nos informa que, se o anel encontra compradores dispostos a pagar por ele mil vezes mais do que pelo par de sapatos, o anel deve ser mil vezes mais "útil" do que o par de sapatos. Que as diferenças de utilidade sejam refletidas pelos preços é apenas presumido e é uma presunção improvável, pois os preços são em geral fixados pelos vendedores, ca bendo aos compradores decidir se desejam adquirir cada mercadoria a este preço c (em caso positivo) em que quantidade. O valor de uma mercadoria resulta do seu valor de uso e do seu valor de troca. Ele exprime o fato de que a mercadoria resulta sempre de uma ação humana deliberada — a produção dum bem ou serviço — que visa o intercâmbio por dinheiro, a venda. O valor é a razão de ser da mercadoria para quem a suscita. Para o produtor simples de mercadorias ou para o capitalista, a forma física da mercadoria é indiferente; o que ele visa é a receita monetária que ele obtém com sua venda. Neste sentido, a mercadoria é tão-somente a materialização do valor. Para o capitalista tanto faz que seu capital assuma a forma de corridas de táxi, café ou microcom putadores. O que lhe interessa é D', o valor destes produtos, que, comparado com o seu capital inicial D, permite-lhe saber quanto lucrou.
Valor e lucro Mas se a mercadoria não passa economicamente de uma portado ra de valor, o que origina este valor? Para responder esta questão, temos que proceder por etapas. A origem do valor de uma mercadoria é o seu custo de produção, acrescido de uma margem de lucro. O valor de uma corrida de táxi de uma hora é a soma do salário do motorista (por hora de trabalho), da depreciação do carro, do valor do combus tível consumido etc. e do lucro do dono da frota. A questão passa a ser: qual a origem do lucro do capitalista? A resposta imediata é a existência do seu capital, o monopólio que a classe capitalista detém da riqueza social e especificamente dos meios de produção. A quanti dade de lucro contida no valor de uma mercadoria específica (uma corrida de táxi) decorre do valor do capital aplicado (a frota de táxis, combustível etc.) e da taxa de lucro aplicada a este capital. Em outras palavras, o capitalista calcula o preço da sua mercadoria, de tal modo que ele cubra os custos e obtenha um lucro tal que, multiplicado pela quantidade de mercadorias vendidas durante o ano, proporcione a taxa de lúcio almejada. No exemplo anterior supusemos que o dono da frota tenha obtido um lucro anual de 1.000 salários mínimos. Imaginemos que a sua frota faça 250 000 horas de corrida por ano. Então, logicamente, o preço de 1 uma corrida de uma hora inclui de salário minimo de lucr o. Com 250 esta margem de lucro, o capitalista alcança uma taxa de lucro de 10% sobre o seu capital. Mas vimos que cada capitalista procura obter a maior taxa de lucro possível. O que impede o nosso dono de frota de incluir no preço 2 3 uma margem maior de lucr o, digamos de ou mesmo de sa250 250 lário mínimo, para obter unia taxa de lucro de 20 ou 30%7 l . É a concorrência. O nosso capitalista não 6 o único a possuir táxis. Ele 1 Estamos abstraindo aqui que as tarifas de taxi são controladas pelo governo
2. do valor da força de trabalho total, ou seja, da soma de todos os salários pagos, que chamaremos de V (de capital variável); 3. do valor do lucro total, soma dos lucros de todos os capitais indivi duais, e que chamaremos de M (de mais-valia). A classe capitalista começou o ano com seu capital inicial D = C + V, isto é, meios de produção e força de trabalho c chega ao fim do ano com D'= C + V + M, tendo lucrado D*— D = M. Qual a origem de M? Só pode ser o trabalho dos assalariados, graças ao qual foram produzidas as mercadorias que compõem M' e que são vendidas por D*. Como se demonstra isso? Simplesmente perguntando qual é a ori gem de toda.riqueza da classe capitalista. Ora, esta riqueza é composta por mercadorias, que são produto de trabalho assalariado. Cada corrida de táxi, cada quilo de café, cada microcomputador surge na posse da classe capitalista graças à atividade da classe dos trabalhadores assa lariados. Há uma relação evidente de causa e efeito entre o volume de trabalho realizado pela classe trabalhadora e a quantidade de mercado rias, de formas físicas portadoras de valor. A classe trabalhadora recebe como salários um valor V menor do que o valor total criado pelo seu trabalho, que é V -+- M. O valor C dos meios de produção consumidos no processo de produção só reapa rece no valor M' do capital-mercadoria. Por isso o denominamos de capital constante, pois no processo de produção o seu valor não varia. Mas o capital aplicado na compra de força de trabalho V tem o seu valor alterado. A classe capitalista paga V de salário para obter mer cadorias no valor de V + M, que é o novo valor, criado durante o ano. Por isso chamamos o capital gasto na aquisição de força de trabalho de variável. Esta parte do capital aumenta de valor, a força de trabalho cm funcionamento cria mais valor do que ela custa à classe capitalista. Este valor a mais constitui o lucro e é por isso que o denominamos de mais-valia.
Os conflitos pela apropriação do valor Demos uma volta muito grande para chegar a uma conclusão que não estava contida em nossas premissas. Será que não? Vejamos. Co meçamos por demonstrar que a mercadoria, que é o elemento da ri queza capitalista, tem um atributo, o valor, que constitui sua verdadeira razão de ser. No capitalismo, quem suscita a produção de todas as mercadorias é a classe capitalista. £ ela que toma as decisões que tornam esta produção possível. Em cada empresa, o capitalista decide o que é produzido e em que quantidade. Ora, a classe capitalista toma concorre com outros donos de frota e com motoristas autônomos. Se ele cobrar demais, seus carros rodarão vazios, os consumidores darão preferencia a seus competidores. Ainda não resolvemos o problema. Explicamos o valor, sob a forma de preço, pelos custos mais a margem de lucro e a margem de lucro pela taxa de lucro, condicionada pela concorrência. Mas a con corrência só iguala os preços das mesmas mercadorias e, portanto, em princípio, a taxa de lucro. Cada capitalista tem de cobrar o mesmo preço e, se os custos forem semelhantes, as taxas de lucro também o serão. Não só cm cada mercado, como em todos os mercados, pois o capital é móvel c passa dos mercados em que a taxa de lucro é menor aos cm que ela é maior. Mas, no mercado de que o capital sai, a oferta de mercadorias cai, o que faz subir o seu preço, portanto a margem e a taxa de lucro. No mercado em que o capital entra, acontece o oposto: a oferta de mercadorias aumenta, o que faz o preço diminuir, reduzindo a margem c a taxa de lucro. O incessante vaivém de capitais individuais entre os diversos mercados faz com que flutuem a produção, os preços, as margens de lucro c as taxas de lucro. Neste movimento, os capitais individuais elevam a taxa de lucro nos mercados em que ela estava mais baixa c a reduzem nos mercados cm que ela estava mais alta. Não dá para dizer que as taxas de lucro de todos os capitais tornam-se iguais, mas a concorrência entre os capitais tende a aproximá-las. Po
A origem do lucro Chegamos agora ao âmago do problema: o que origina a taxa ge ral de lucro, que pode ser concebida como a relação entre o lucro anual de todos os capitais individuais c o valor somado dos mesmos? A taxa geral de lucro nos permite visualizar o capitalismo como ele realmente funciona. Temos de um lado o capital total, riqueza conjunta da classe capitalista, que aparece subdividido em inúmeros capitais individuais. De outro lado temos a classe dos trabalhadores assalariados, que transformam o capital produtivo total (M) em pro duto total (M'). Êste se compõe de uma miriade de mercadorias dife rentes, que são vendidas, ou seja, transformadas num capital monetário total (D). Examinemos agora o valor do capital total D'. Ele se Compõe de 3 parcelas: 1. do valor dos meios de produção consumidos na produção de M ', que denominaremos de C (de capital constante); estas decisões visando o lucro, ou seja, o valor a ser ganho com a venda das mercadorias. O lucro decorre da diferença entre o valor da produ ção e o custo da produção. Esta diferença é incluída no preço de cada mercadoria e o mais difícil é explicar o que a determina. Se cada capitalista pudesse determinar unilateralmcnte o lucro que irá ganhar, on preços seriam cada vez rnais altos, impulsionados por margens crescentes de lucro. Obviamente, a vontade ilimitada de lucrar de cada capitalista frustrar-se-ia porque os preços de uns* são os custos de outros. O superlucro do fabricante de carros ou de combustível es magaria o lucro do dono da frota. Este naturalmente aumentaria ainda mais o preço da corrida, Teríamos uma inflação galopante, coisa que ocorre realmente quando certos preços disparam, causando a elevação dos outros. Se deixarmos momentaneamente de lado nosso capitalista indivi dual, obcecado em lucrar ao máximo, poderemos entender melhor o que se passa. Quando os capitalistas elevam os preços uns contra os outros, o máximo que eles fazem é redistribuir entre si o mesmo lucro total. Mas eles podem efetivamente aumentar o seu lucro total se au mentarem os seus preços contra os outros participantes do jogo do mercado, Entre estes outros, o mais importante é a classe dos trabalha dores assalariados. Se os capitalistas elevarem os preços das mercado rias consumidas pelos trabalhadores sem alterar o valor dos salários que lhes pagam, a margem de lucro total se eleva na mesma medida em que a parcela do valor novo consumido pelos trabalhadores cai. Este tipo de inflação aumenta M, o lucro total, em detrimento de V, e como o capital total continua o mesmo, a taxa geral de iucro também aumenta. Através da concorrência, o aumento da taxa geral de lucro permite que as taxas de lucro de muitos capitais individuais aumentem, embora as dos capitais que produzem mercadorias especificamente para o consumo operário possam diminuir. £ claro que a classe dos trabalhadores assalariados, ao perceber que a subida dos preços deteriora seus salários, irá reagir exigindo o reajustamento dos mesmos. Conform e a força de seus sindica tos, terá mais ou menos êxito, O que essa discussão mostra é que por mais do minante que a classe capitalista seja, ela não determina sozinha a mar gem de lucr o total nem a taxa geral de lucr o Estas magnitudes são determinadas no confronto de classes, na luta diuturna entre capitalistas e trabalhadores. E o mesmo confronto se verifica entre a classe capitalista e o Es tado, que lhe extrai uma parte do lucro total sob a forma de tributos.
A inflação dos preços capitalistas desvaloriza a receita tributária, acar retando o déficit público, que os porta-vozes da classe capitalista vão atribuir â ineficiência e à corrupção na administração pública. A re partição do lucro total (ou excedente' social) entre a classe capitalista e o aparelho de Estado dá lugar a variados conflitos políticos e ideoló gicos, dos quais, por falta de espaço, não nos ocuparemos aqui. E apenas mencionaremos os conflitos distributivos que se produzem entre a classe capitalista e os produtores simples de mercadorias (que cons tituem a pequena burguesia) e entre as classes capitalistas de diferentes nações. Em todos estes conflitos, preços são esgrimidos como armas, acarretando contínuas mudanças na apropriação do valor embutido nas mercadorias. Cumpre notar que os conflitos pela apropriação do valor gerado na produção das mercadorias assume forma de inflação. frcqüentemen : te, mas esta não é sua única forma. Os mesmos conflitos podem ser travados mediante a baixa de alguns preços e a alta de outros, de tal modo que a média dos preços se mantenha constante, o que significa ausência de inflação.
A lógica do capital: aparência e realidade O capitalista individual tem uma consciência muito imperfeita de que pertence a uma classe e que o seu capital não passa de uma parcela do capital total. Envolvido na concorrência com outros capitalistas, ele mal entrevê que a taxa de lucro que logra é determinada, em boa me dida, pela taxa geral de lucro. E os seus interesses o cegam totalmente perante o fato de que o lucro é valor criado pelo trabalho assalariado que não é pago pelos salários. Não obstante, as regras de jogo da economia capitalista o coagem a atuar conforme a lógica do capital. Estas regras se manifestam através da concorrência. Para subsistir como capitalista, o empresário tem de acumular capital, isto é, tem de reinvestir grande parte do lucro para modernizar seu equipamento, tendo em vista elevar a produtividade do trabalho como meio de reduzir seus custos. Na luta concorrencial, o lucro é fim e meio. E fim porque uma "boa" taxa de lucro é o atestado do êxito em presarial, de que a empresa foi competentemente conduzida. A honra e o prestígio da empresa e de quem se encontra à sua frente decorrem de seu balanço anual, particularmente sua conta de "lucros e perdas". Uma empresa com prejuízo é rapidamente abandonada pelos credores, que passam a considerá-la um mau risco. Os investidores naturalmente fazem o mesmo. Perdendo o acesso a capital novo, a empresa fica im pedida de continuar na corrida tecnológica e em breve pode se encon trar falida. Uma empresa bastante lucrativa recebe tratamento oposto: é cortejada por credores e investidores, o prestígio dos seus produtos cresce no mercado. Ter ou não ter lucro é, portanto, uma questão de vida ou morte para o capital individual. Mas o lucro também é meio, pois constitui a principal fonte de acumulação do capital. O lucro não tem por finalidade principal pro porcionar ao seu detentor um elevado padrão de consumo. Este acaba sendo um subproduto, de importância secundária. Não é que o capi talista enquanto pessoa não goste de luxo e pompa. Ele até que gosta, mas não tem tempo para se dedicar a eles. O verdadeiro requinte exige esforço e dedicação de quem deseja desfrutá-lo. É um apanágio das classes ociosas, no capitalismo, dos que vivem de rendas de proprie dades, herdeiros de grandes fortunas, com tempo de se devotar ao me cenato ou à filantropia. O verdadeiro capitalista dedica todo o sea tempo à atividade empresarial e pouco lhe importa a fatia do lucro que usa para o seu consumo pessoal. Em empresas de porte medio e grande esta fatia é desprezível, a não ser que haja grande número de herdeiros. No fundo, o usufruto parasitário do capital como fonte de renda é con trário à lógica do capital c leva à ruína empresas antigas, cujo lucro é
O lucro tem de ser acumulado, ou seja, transformado em novo capital. O nosso dono da frota de táxis pode consumir um terço ou um quarto do seu lucro anual de 1.000 salários mínimos. O restante ele tem de usar pura ampliar a frota ou, digamos, instalar rádios nos carros, transformando sua empresa cm uma empresa de radiotáxis. Se não o fizer, seus concorrentes o ultrapassarão e, possivelmente, no uno seguinte seu lucro cairá, podendo até se tornar prejuízo. O capitalista não imagina que o lucro provenha do trabalho de seus empregados, Ele pensa, ao contrário, que por "dar-lhes" emprego é ele, capitalista, quem os sustenta. Ocasionalmente ele proclama (so bretudo para obter favores do poder público) que de sua empresa de pendem x trabalhadores e suas famílias. Mas a realidade logo lhe ensina que us classes existem c se confrontam, Os trabalhadores se sindicalizam c apresentam reivindicações na negociação do contrato coletivo de trabalho. Estas reivindicações podem até lhe parecer justas, mas Infeliz mente elas sempre elevam os custos e portanto ameaçam o sacrossanto lucro da empresa. Portanto, ele se opõe a elas com toda a força, aliando-se a seus concorrentes para impedir que os salários sejam aumen tados, que a jornada de trabalho seja reduzida ou que a segurança no trabalho seja reforçada. Ao agir, unidos, os capitalistas confirmam que efetivamente os lucros de cada um são parcelas do lucro total, fruto da exploração da classe trabalhadora pela classe capitalista. A lógica do capital não se impõe apenas aos capitalistas, mas tam bém aos trabalhadores. Como vendedores individuais de força de trabalho,'encontram-se à mercê do capital, que trata de fomentar a con corrência entre eles. Dentro da empresa, os trabalhadores são escalonados cm níveis hierárquicos de mérito e responsabilidade, cm grande medida artificiais. Esta hierarquia salarial tem por fim oferecer ao trabalhador um simu lacro de carreira. A grande maioria deles encontra-se na base da pirâ mide e deve conformar-se com salários baixos em troca da perspectiva de ascender no futuro a níveis mais altos. As promoções por mérito devem induzir os trabalhadores a se esforçarem ao máximo na produ ção e a se submeterem à disciplina da empresa. Mas os trabalhadores logo descobrem que, unidos, eles ganham poder e podem conquistar concessões do capital. Organizados em sindicato, usam a paralisação coletiva do trabalho para conquistar o aumento dos salários mais bai xos, achatando a pirâmide e destruindo o incentivo à competição entre eles. A solidariedade de classe se impõe como imperativo ético e como meio prático de lula. Em lugar de se submeterem às chefias, os trabalhadores se protegem mutuamente (ocultundo, por exemplo, da direção da empresa a identidade de seus lideres) e assim conseguem se apro priar de uma parcela maior do valor criado pelo seu trabalho. A lógica do capital desemboca na luta de classes e esta passa do plano econômico ao social c político. Como veremos adiante, a luta de classes põe em perigo as bases institucionais do capitalismo. Viver pe rigosamente parece ser a sina histórica do capital. (Extraído do livro Capitalismo;a sua Evolução : a sua Lógica e a sua Dinâmica, de Paul Singer, Editora Moderna, São Paulo, 198 7)
A 5 de maio de 1818 nasce Karl Marx, na pequena cidade alemã conhecida pelo nome de Troves. Seu pai, Hirschel Marx, advogado judeu, pôde proporcionar à sua família uma vida nos •padrões de classe média. Sua juventude foi parecida com a de Durkheim: muitos estudos e uma vida tranqüila dentro da cultura burguesa euro péia. No entanto, como veremos adiante, ao terminar os estudos na Universidade sua vida se transformaria radicalmente. Na cidade natal, quando ainda era jovem, ficou amigo de um barão, o qual lhe falara sobro o Socialismo Utópico. É a primeira vez na vida que Marx ouve falar na possibilidade de uma futura sociedade sem classes e sem exploração. Conhece a filha desse barão, Jenny; namoram por mais de sete anos; casando-se com Jenny Marx terá vários filhos. Começou seus estudos universitários em Bonn, onde preo cupa-se com Direito, História, Filosofia, Arte e Literatura. Será na Universidade de Berlim, contudo, que concluirá seus estudos superiores. Era essa a melhor Universidade de toda a Alemanha. A pretensão de Marx era tornar-se professor de alguma universidade alemã e prosseguir com suas pesquisas sociais. Entretanto, quando diplomou-se, era simpatizante da obra de um filósofo que tinha falecido poucos anos antes: Hegel. Marx foi um crítico das teses de Hegel; no entanto, havia um aspecto no seu método que Marx admirava muito. Tal aspecto metodo lógico permitia fazer uma crítica ao governo alemão que, repre sentado por Frederico IV, começava a perseguir todos os sim patizantes de Hegel, proibindo-os, inclusive, de dar aulas. Com isso, Marx inicia o ano de 1842 como professor, proibido de pôr os pés numa universidade, estando, portanto, desempre gado. Para sobreviver, toma-se jornalista. Seu primeiro artigo era um comentário contra a censura e, infelizmente, não pôde ser publicado: foi censurado. Devido à sua capacidade, em pouco tempo já era diretor do jornal "Gazeta Renana". Foi como diretor desse jornal que patrocinou um estudo sobre a vida de camponeses que roubavam madeira pertencente ao Estado, vendendo-a em seguida. Esse estudo provou que os camponeses recebiam um salário tão baixo, que passavam fome, e, por conseqüência, roubavam a madeira. Para resolver esse problema de criminalidade, Marx propôs que se aumentassem os salários dos camponeses ao invés de prendê-los. O governo alemão não gostou da sugestão, e, por isso, fechou o jornal. Diante desse acontecimento, Marx muda-se para a França, onde, em Paris, organiza uma revista ("Os Anais Franco-Alemães") que denuncia a repressão do governo alemão contra a cultura e contra os trabalhadores. Essa revista entra clandesti namente na Alemanha; mesmo assim, em pouco tempo chega às mãos do Estado alemão que, por sua vez, pressiona o Estado francês, que acaba por expulsar Marx da França. Novamente, por motivos políticos, Marx muda-se para outro país: a Bélgica. No tempo em que viveu na França, Marx começou a inte ressar-se pelo movimento dos trabalhadores. Diante de tanta exploração e miséria, a única coisa a ser feita é o trabalhador unir-se e lutar pelos seus direitos. Com essa idéia, Marx passa a se dedicar k ajuda aos trabalhadores para sua organização: tudo o que escreve, artigos e livros, passa a ser com o objetivo de mostrar o quanto a sociedade capitalista produz de injusti ça; para acabar com os problemas sociais, seria necessário acabar com o capitalismo e começar a construir uma nova socie dade onde todos os que trabalhassem recebessem o suficiente para viver bem. Onde todas as decisões fossem tomadas demo craticamente pela maioria das pessoas. Uma sociedade onde não extistissem nem ricos, nem pobres; enfim, lutar pela criação da sociedade socialista.
E é lutando junto com os trabalhadores pela Instauração do socialismo que Marx escreve os seus livros, que explicam a sociedade em que vivia, ou seja, a capitalista. No ano de 1848, o movimento operário preparou um Con gresso em Londres: Marx é convidado para expor suas idéias sobre como deve ser uma sociedade sem exploração; é quando escreve e apresenta ao público seu artigo "Manifesto Comu nista". Expulso pelo governo da Bélgica, Marx instala-se definitiva mente na Inglaterra. Sua vida foi a de um peregrino que lutou em defesa dos trabalhadores, e isso fez com que passasse por momentos difíceis na vida. Uma carta que Marx escreveu a seu amigo Engels, em 8 de setembro de 1852, dá uma idéia da pobreza em que se encontrava: "(...) minha mulher está doente. Minha filha, Jenny, está doente. Heleninha está com uma espécie de febre nervosa. Não pude e nem posso chamar o médico por falta de dinheiro para os remédios. Há oito dias que alimento minha família unica mente com pão e batatas. E não sei se ainda vou poder comprar pão e batatas para hoje" (in Leonardo Konder, Marx — Vida e Obra, p. 96). Karl Marx veio a falecer no dia 14 de março de 1883, devido a uma infecção na garganta e muito abalado com a morte de sua mulher e de sua filha mais velha. Somou-se a tudo isso a repressão policial ao movimento dos trabalhadores, que tam bém o abalou bastante. Sua obra é muito grande, e, durante a vida, Marx não pôde ver as conseqüências do que tinha escrito. Morreu sendo pouco conhecido, a não ser pelos trabalhadores. No entanto, com o passar dos anos, principalmente nesses últimos oitenta anos, seus livros tornaram-se mundialmente famosos, inspirando os mais diversos movimentos de libertação da humanidade. Principais obras: — Manuscritos econômico-filosóficos, 1844. — A Ideologia alemã, 1845 (escrito em colaboração com Engels). — A Miséria da Filosofia, 1847. — Manifesto comunista, 1848. — As lutas de classe na França entre 1848 e 1850. — O 18 brumário de Luis Bonaparte. — Contribuição a crítica da Economia Política, 1857. — O Capital, 1867.
(Extraído do livro Aprendendo Sociologia: A Paixão de Conhecer a Vida, de Paulo Meksenas, Edições Loyola, São Paulo, 198 5)
O co nce ito de
cla sse s
Theotonio
Santos
dos
so c ia is
O conceito do classe social não foi uma criação do marxismo. Doada a antiguidade grega, por exemplo (pudemos mesmo encontrar documentos egípcios em que se fala da existêncía de clubes na sociedade), Aristóteles divide a sociedade em escravos e homens livres. Além disso, na Política, divide os cidadãos em pobres, classe média e ricos. Nesta mesma obra, Aris tóteles estabelece relações entre formas de governo e predomínio de certas classes sociais. Também entre os patriarcas da Igreja, segundo Ossowsky', era bastante viva a consciência de uma sociedade escravista que existia junto com a idéia da igualdade social. Os Atos dos Apóstolos e o Novo Testamento estão cheios de referenciai às classes sociais, sempre observadas do ponto de vista da relação pobres e ricos ou das rela ções escravistas. Santo Tomás dividia a sociedade em ordens sociais bastante rígidas, quo refletiam a cristalização da hie rarquia feudal na alta idade média. O mesmo fato se poderia verificar, certamente, ao estudar a tradição cul tural do Oriente e do Mundo Árabe. Nus vésperas da Revolução Francesa, a percepção da existêncla de classes sociais era bem viva. A represen tação das três ordens sociais se tornou um elemento bastante claro da consciência social. Em Babeuf, en contramos uma representação muito clara da luta de classes como fator determinante da luta política. Sua interpretação da Revolução Francesa, das constituições por ela promulgadas e sua visão da sociedade futura estiveram profundamente marcadas pela noção da luta de classes. A economia burguesa com Adam Smith elaborou uma visão clara das classes fundamentais da sociedade bur guesa baseada em sua função econômica. As classes agrária, industrial e assalariada tinham sua origem nas fontes básicas da renda: a terra, o capital e o trabalho. Saint-Simon via a sociedade dividida em duas classes: a classe industrial e a classe ociosa. E Proudhon chegou claramente a Idéia da propriedade como origem da divisão da sociedade em classes. Idéia que também existia do modo mais impreciso em Rousseau. Como se pode notar, no século XIX o conceito de classe se identifica com o próprio funcionamento da sociedade. O que Karl Marx vai fazer é exatamente dar no conceito do classe não só uma dimensão cientifica, mas também atribuir-lhe o papel de base de explicação da sociedade e de sua história. Contudo, apesar da importância fundamental do conceito de classes sociais na obra de Marx, não há de receber o tratamento sistemático e rigoroso que deu a outros conceitos. Sua obra-prima, O Capitai, ficou interrompida precisamente no capítulo em que começava a tratar das classes sociais, Além disso, em muitas obras anteriores, Marx emprega este conceito, às vezes sem muito rigor, o que deu origem a uma
sador, desenvolveu este conceito ao longo de suas investigações, o que implica que ele o foi sistematizando progressivamente. Todos estes fatos deram origem a grande número de confusões acerca deste conceito, confusões que, em geral, estão vinculadas a interpretação do próprio pen samento marxista. Selecionamos duas criticas que se fundamentam no caráter contraditório que o conceito de classe tinha em Marx. Cremos que a tarefa de esclarecer estas aparentes contradições é fundamental para so poder chegar a um conceito cientifico das clas ses sociais. Primeiro nivel: o modo de produção O primeiro nível em que devemos situar o conceito de classes é a analise do modo de produção. O con ceito de classes aparece como resultado da análise das forças produtivas (nivel tecnológico dos meios do pro dução e organização da força de trabalho) e das rela ções de produção (relações que os homens estabele cem entre si no processo da produção social). Estas forças produtivas e estas relações de produção assu mem certos modos possíveis de relação na história. Estes modos possíveis de relação são essencialmente contraditórios quando as relações de produção se cons tituem em base da propriedade privada. Este caráter contraditório define as leis gerais do funcionamento e desenvolvimento dos modos de produção classistas. Desta forma, a análise do modo de produção supõe uma ceria dinâmica própria deste modo de produção cujos componentes são antagônicos. As classes sociais são uma expressão fundamental dessas relações anta gônicas. Em conseqüência, o conceito de classes sociais se constitui teoricamente dentro do conceito de luta do classes. A luta de classes é pois o conceito-chave para se compreender as classes sociais. Por esse mo tivo, o conceito de classes impõe uma análise essen cialmente dialógica. A luta de classes está relacionada diretamente com a superação de uma determinada formação social (modo de produção, mas político e cultural). Deste modo, só se pode compreender o conceito no contexto das contradições e leis de desenvolvimento interno de um determinado modo de produção e de uma deter minada formação social. Neste nível da análise se in tegra o conceito de consciência de classe. O conceito de consciência, de classe no marxismo não corresponde à ldéia vulgar empírica da consciência que têm os Indivíduos de sua condição de classe. Uma das con quistas básicas da ciência social marxista se define na frase do prólogo do Contribuição à Crítica da Eco nomia Política: "Assim como não podemos tampouco Julgar estas épocas de revolução por sua consciência, mas, ao contrário, deve-se explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito exis tente entre as forças produtivas sociais e as relações do produção..." Cumpro mostrar as possíveis formas antagônicas do consciência que correspondem a deter minados modos de produção. Não se trata do que os homens pensam num determinado momento. Trata-se de descrever teoricamente as formas possíveis de cons ciência. A consciência empírica ou psicológica dos homens pode estar mais ou menos próxima delas.
Existe um conjunto de textos marxistas que refor çam esta interpretação, desde o prólogo de Contribui ção à Crítica da Economia Política, citado, até à tipo logia no Socialismo Utópico e Científico de Engels. Também se apresenta nos textos sobro a acumulação de capital e em vários outros textos de O Capital. Importa estudar as classes e a consciência de classe a nivel altamente abstrato e ao mesmo tempo com referência a uma formação histórica concreta. A cons ciência de classe não pode ser estudada independente mente das formas históricas concretas' de produção. Essas formas concretas são estudadas em sua pureza essencial, quer dizer, são submetidas a condições quase de laboratório. Condições estas criadas por abstração, que isola dos fenômenos todos os aspectos secundários, específicos de formas particulares, para destacar tudo o que é principal, específico do mundo de produção que se pretende estudar. A chave do conceito de classes e de consciência de classe a este nível teórico se encontra no prólogo da primeira edição de O Capital. "Nesta obra, as figuras do capitalista e do proprietário de terras não aparecem pintadas, nem multo menos corde-rosa. Mas note-se: aqui só nos referimos às pessoas enquanto personificações de cateaorias econômicas, como representantes de determinados interesses e relações de classe".
A perícia com que Marx associa as relações econô micas com as relações culturais em O Capital e em outras obras é decorrente de sua concepção da eco nomia. Para Marx, a economia política não estuda rela ções entre coisas nem entre homens e coisas. A eco nomia política estuda relações entre homens que apa recem na consciência dos homens como relações entre coisas. Exemplo: a troca de mercadorias é aparente mente uma troca entre coisas, mas só é objeto da economia política marxista enquanto é uma troca entre produtos do trabalho humano, quer dizer, uma forma de relação entre os homens. Dessa forma, as categorias econômicas do marxismo, ao contrário das categorias empíricas da ciência social vulgar,' ult rap ass am a apa rência mágica dos fenômenos sociais para ir à sua essência: as relações entre os homens, estudadas sob a forma de relações específicas, de modos determina dos de relação entre eles. Nestes modos de relação se inscrevem as classes sociais como a personificação em grandes grupos humanos destas relações que os indi víduos em geral desconhecem, ou percebem sob formas acidentais, desconexas, caóticas, não determinadas, não científicas. Esta visão do marxismo não o reduziria a uma espécie de idealismo empírico em que se substitui a observação da realidade por categorias teóricas que criam a realidade? Uma visão desse tipo, por outro lado, não o transformaria numa teoria formal que serve de instrumento para a observação empírica, isto é, para uma espécie de tipo ideal? Nem uma coisa nem outra. Em primeiro lugar, estas categorias da análise mar xista não nascem das condições possíveis da percep ção da realidade social (idealismo transcendental), mas da expressão teórica da prática social. O processo que permite chegar às categorias básicas explicativas da realidade social é o da abstração das
Em segundo lugar, não se trata de categorias ope racionais instituídas por premissas mais ou menos arbitrárias ou livres (tipo ideal), mas de categorias "essenciais", quer dizer, categorias que são constituí das pela própria realidade e que dela derivam. Em terceiro lugar, não são de modo algum catego rias formais, pois não representam relações possíveis abstratamento estabelecidas, mas, ao contrario, relações reais qua oferecem as condições possíveis de abstra ção. Quer dizer, são ubstraçôes de modos reais de produção e não categorias universais aplicáveis o rea lidades não historicamente determinadas. 12 a própria realidade histórica que constitui as possibilidades das categorias teóricas. Contudo, a realidade social não se esgota nos modos de seu movimento. Muito, mais que isso, a realidade tem um movimento concreto que 'entra em contradi ção com os modo s possíveis d esta movi mento , pois a realidade concreta inclui outros elementos muito mais complexos do que a abstração das condições de seu movimento. Segunda nivel: a estrutura social Uma sociedade concreta, historicamente dada, não pode corresponder de forma direta a categories abstra tos. Como dissemos, o marxismo não usa a abstração de maneira formal. Quando elabora o conceito abstra tamente, nega-o em seguida, ao mostrar as limitações deste nivel do conceito. Dal a necessidade de passar a níveis mais con cretos de ab stra ção . Numa sociedade concreta: 1.' O desenvolvimento do modo de pr odução e de suas contradições coloca situações sociais historica mente especificas (por exemplo: o modo capitalista de produção passa, no fim do século XIX, a uma forma imperialista e esta forma assume hoje um caráter Inte grado mundialmente, etc); 2. O desenvolvimento do modo de produção desen volve novas formas especificas de relação entre seus componentes e cria novos componentes (exemplo: o desenvolvimento do sindicato limita as relações assa lariadas, o surgimento de novos setores sociais como a chamada "aristocracia operária" ou "as novas clas ses médias", muda a distribuição da mais-valia no sis tema u afeta as formas de realização da mais-valia, etc); 3. Num nivel ainda mais concreto, numa sociedade coexistem formas sociais diferentes em antagonismo com a formação dominante e limitando-a, mas for mando situações de equilíbrio historicamente delimi tadas (por exemplo: a luta entre as classes dominan tes o dominadas de modos de produção antagônicos — capitalismo vs. feudalismo —; o surgimento de classes intermédias em vias de desaparecimento, ou classes em formação; o caso da contradição campo/ cidade, etc). A este nivel, a análise deve concretizar-se mediante a descrição ainda teórica dos modos de relação pos síveis numa determinada sociedade, quer dizer, numa estrutura social determinada.' A diferença do nivel anterior ó quo agora a análise tem que referir-se a um universo histórico e geograficamente situado, no qual se distingue o nível de desenvolvimento de uma determinada formação social e suas relações com outras formações sociais. É preciso trabalhar sobre dado s empíricos de c. . . . históri co, demográfico, so ciológico, etc, a fim de compor o quadro das rela-
ções básicas e de sua dinâmica. A este nivel, a cons ciência de classe deve ser tratada sob a forma de Interesses sociais definidos teoricamente. Quer dizer, por consciência de classe so entenderão as formas pos síveis de consciência nas condições especificas de urna dada estrutura social. A análise será muito mais con creta e matizada, mas ainda não se relaciona com o que as pessoas ou grupos sociais empiricamente pensam. Terceiro nivel: situação social A este nivel, a análise se aproxima da descrição de uma sociedade concreta. Contudo, essa descrição não será meramente empírica mas científica porque co nhece as determinações que explicam esta realidade imediata ou "aparente". Dispondo de um instrumento teórico do tipo descrito, não confundiremos a estrutura das classes com a estratificação social, como fazem alguns sociólogos, nem as elites dirigentes com a classe dominante, nem a psicologia das classes com sua cons ciência de classe, etc. Vemos assim que, ao diferenciarmos internamente a estrutura, encontramos uma série de fenômenos corre lacionados e dependentes da estrutura de classes. Um desses fenômenos é a estratificação social, que intro duz um elemento de hierarquização dos indivíduos da sociedade não só por sua posição de classe mas tam bém por diferenças de rendimentos, profissionais, cul turais, políticas, etc. Vemos que, neste momento, o enfoque pode separar-se das categorias sociais puras para procurar classificar os indivíduos' dentro destas categorias de formas às vezes particulares e não pre visíveis teoricamente... Os indivíduos deixam de ser a personificação de categorias sociais para serem pes soas e podem eles mesmos constituir categorias pelo conjunto de aspectos sociais que se entrecruzam em sua pessoa; não é necessário levar este passo da aná lise a uma concreção empírica tão grande. Pode-se ana lisar ainda as relações das estruturas de classe com estes sistemas de estratificação em geral. Outro elemento que entra neste nível é a projeção de sistemas de estratificação de formações sociais dife rentes num novo sistema de estratificação (como, por exemplo, a projeção da estratificação senhoria rur al na estratificação racional urbana, nos países latino americanos), o que forma uma realidade concreta muito mais complexa. É um problema muito comum na psi cologia das classes de transição ou recém-constituídas. Neste nível, trabalhamos com valores socialmente dados em que a estrutura de classe enfrenta determi nações muito diversas, produto da especificidade de uma dada situação social. Neste nível não podemos estudar a consciência de classe (quer dizer, as condi ções e modos pobres de expressar os interesses das classes) mas ao nível daquilo que Lukács chamou a psicologia de classes. Por psicologia de classes se en tendem as formas de pensar e sentir das classes so ciais situadas historicamente. Neste nível surgem rele vantes problemas de contradições entre os interesses de classe de uma classe e seus interesses imediatos; as contradições entre seus interesses de classe e suas origens históricas; entre sua mentalidade condicionada pela estrutura existente, os valores da estratificação
A riqueza analítica do método dialético surge aqui com toda sua força. Contra a realidade unilincar e clara do empirismo se opõe uma multiplicação de planos de contradições, de possibilidades de análise do comportamento humano. E surge também a con dição dramática da realidade social, as contradições entre os indivíduos e sua realidade objetiva e psico lógica. Surgem os elementos trágicos, grotescos ou cômicos da existência humana. A ciência se encontra assim com a política real, a literatura, a arte e a existência diária dos homens. Torna-se vida. Esta é a força concreta do marxismo, ainda não completa mente desenvolvida: sua capacidade de ligar o mais absoluto rigor teórico abstrato às mais cotidianas rea lidades do homem. Quarto nível: a conjuntura Por fim, a análise se torna ainda mais rica e mais diferenciada quando introduzimos o efeito de certas conjunturas específicas no estudo do fenômeno. A es trutura de classes há de sofrer profundas modificações conforme seja a conjuntura em que se desenvolvem suas contradições. Nos momentos de ascensão do ciclo capitalista, por exemplo, o comportamento e a psicologia das classes se apresenta de forma completamente diversa das si tuações de crise ou revolucionárias. Nas situações de crise a psicologia e a consciência de classes tendem a se confundir numa só realidade. Quer dizer, apresentase com mais clareza aos homens reais suas condições de existência. Outra é a situação nos momentos de as censão ou de equilíbrio quando a psicologia e a cons ciência de classe tendem a separar-se e as formas ime diatas dos fenômenos tendem a obscurecer seus modos reais de existência. A ciência empirista, por sua supervalorização do dado sobre as determinações, substitui a totalidade pelos aspectos ou formas de sua manifestação. Por isso tende a confundir a dinâmica da realidade com a dinâmica aparente de certos períodos históricos. Nos anos de 18901900, em que o capitalismo se mostrava ascendente e sem crise, surgiu a teoria de Bernstein para negar a necessidade da crise capitalista, teoria que a guerra de 1914 e a crise de 29 negaram redon damente. Em nossos dias, estas tendências a negar a crise capitalista se consolidam outra vez devido ao desenvolvimento capitalista mais ou menos firme nos últimos anos. As formas de consumo de massa tendem a obscurecer as relações de classe na sociedade: os empiristas substituem a sociedade de massas pela so ciedade de classes, etc. Algumas conclusões Podemos chegar a algumas formulações de conjunto neste momento. As diversas classes sociais que Marx descobriu, bem como os enfoques aparentemente dife rentes do fenômeno de classes não correspondem a uma superposição de enfoques diferentes mas a um sistema relacionado de planos de abstração que vão desde o mais concreto ao mais abstrato e desde o
Representar o concreto sem estas determinações não é aind a trab alho científico mas de obser vação siste mática. A ciência começa quando a descrição se torna determinação, se torna "concreto-determinado" ou, ao contrário, "universal-concreto". Certas conjunturas de terminadas tendem a acentuar as contradições entre a aparência dos fenômenos e seus modos de ser, quer dizer, sua "essência"; outras conjunturas, contudo, par ticularmente as revolucionárias, fazem "aparecer" os as pectos essenciais da realidade na experiência imediata. A ciência total empirista absolutiza o imediato, pois não pode mostrar suas relações com os modos de ser ou as condições que o determinam e portanto não é ciência. É codificação de métodos de observação (as pectos positivos) e ideologização de relações existentes (aspectos negativos).
(Extraído do livro 0 Conceito de Classes Sociais, de Theotonio dos Santos, Editora Vozes, Petrópolis, 1982.)
O camponês na relação cidade-campo Margarida Maria Moura Quem é camponês Vivendo na terra e do que ela produz, plantando e colhendo o alimento que vai para sua mesa e para a do príncipe, do tecelão e do soldado, o camponês é o trabalhador que se envolve mais diretamente com os se gredos da natureza. A céu aberto, é um observador dos astros e dos elementos. Sabe de onde sopra o vento, quando virá a primeira chuva, que insetos podem amea çar seus cultivos, quantas horas deverão ser dedicadas a determinada tarefa. Seu conhecimento do tempo c do espaço é profundo e já existia antes daquilo que con vencionamos chamar de ciência. Habituado igualmente a trocar aquilo que a terra produz, seus contatos sociais podem ocorrer tanto den tro da pequena localidade cm que vive, como se estender a habitantes distantes, mais especificamente à população das cidades. Houve um tempo em que a maioria da humanidade já não vivia exclusivamente da caça e coleta. A agricul tura passara a ser a atividade dominante em inúmeras sociedades humanas. O cultivo da terra marcara de modo decisivo as formas de organizar a vida social. Os funda mentos dessa organização ligavam-se material e simbolica mente à fecundação da terra. As sociedades assim orga nizadas foram denominadas agrárias. No passado, eram imensos impérios ou conglomerados humanos unidos, pelo princípio da obediência, a um príncipe e por crité rios de identidade etnossocial determinados. Em tais so ciedades havia uma população trabalhadora capaz de pro duzir alimentos e artesanatos para a própria sobrevivência e em benefício daqueles que os subordinavam. As cidades, além de centros cerimoniais, eram nú cleos de atividades intelectual, comercial e política. As castas ou os estamentos que formavam esses núcleos depen diam física e socialmente do campesinato. Era preciso co mer. Era preciso guerrear. Era preciso trocar. Era preciso explicar o mundo. Surgiram ofícios exclusivos, como os de poeta, profeta e sacerdote. Tudo e todos tomavam o camponês a base indispensável da reprodução social. Formas de coerção política e econômica foram ge radas para assegurar o fluxo contínuo de bens e de tra balhadores para o exercício material das práticas sociais. Tais coerções são a base através da qual é possível en tender a oposição entre dominantes e dominados, entre opressores e oprimidos. O campesinato é sempre um pólo oprimido de qualquer sociedade. Em qualquer tempo e lugar a posição do camponês é marcada pela subordina ção aos donos da terra c do poder, que dele extraem dife rentes tipos de renda: renda em produto, renda em traba lho, renda em dinheiro. As formas de se valer do trabalho camponês eram asseguradas por sistemas que envolviam obrigações distin
e sua aldeia; na segunda, abastecia a igreja e os sacer dotes; na terceira, produzia um quantum que era arma zenado nos celeiros do príncipe e ali guardado para gra dativa redistribuição, Em outras sociedades, a aldeia camponesa fora separada das terras do senhor. O cam ponês cultivava a terra aldeã, de onde tirava seu susten to e o de sua família, c trabalhava as terras senhoriais. Os senhores da terra retribuíam o trabalho camponês com bens materiais c procedimentos simbólicos, capazes de re novar continuamente os laços de dependência e os meca nismos de coerção. Tais procedimentos tanto davam sentido ao conjunto da vida social como esmaeciam a relação de dominação que unia camponês e senhor na diferença de propósitos c na oposição de interesses, salva guardando as punes reveladas c secretas da relação social. A esses princípios deve ser acrescentado o do mer cado. Mercado e lugar de mercado são realidades distin tas e não devem ser confundid os. O lugar de mercado — espaço onde este ocorre — é parte vital da existência cam ponesa. Aq ui o camponês adquire mercadorias de outr o cultivador, recebe informações sobre a vida pública e privada da comunidade a que pertence e de outras mais longínquas. Podem ocorrer trocas mercantis simples, rea lizadas entre camponeses, que mutuamente lhes possibi litam novas aquisições. Mas nesse mesmo lugar ocorrem lambem complexas trocas mercantis, que transcendem o universo imediato da sobrevivência camponesa, geram lucros comerciais para intermediários e terminam colo cando o produto, a preços elevados, nas mãos de con sumidores distantes. O mercado, no sentido moderno da palavra, não co loca, fuce a face, dominantes e dominados, produtores e consumidores. Seu conteúdo transcende a realidade física do dinheiro como mediador privilegiado das transações mercantis. O mercado revoluc iona a existência campo nesa porque 6 revolucionado por novas lógicas de pro dução, que consistem basicamente na transformação da terra c da própria força de trabalho do camponês tam bém em mercadoria, como ocorre nas formações capi talistas. Elos longos e assimétricos, como os que ligam uma aldeia, ou aldeias, a algum lugar distante, elos próximos e igualitários, como os que caracterizam a troca de bens ou de trabalho entre camponeses, sempre envolvem o parentesco e os poderes polític o e jurídico. Tais estrut u ras c que são capazes de movimentar economias e socie dades através da criação de princípios de organização, explicação c submissão dos grupos humanos a rotinas de trabalho e de exercício ritual.
Suas faces várias Podemos descrever o camponês de diferentes ma neiras. Uma delas é defini -lo como cultivad or de peque nas extensões de terra, as quais controla diretamente com sua família . Esta visão c bastante difundid a nos livros de ciências sociais, e tem por objetivo identificar a con dição camponesa com o controle direto sobre a terra onde habita c produz. Tal control e pode advir do cos tume ou da propriedade privada garantida peio código civil. Alguns autores denominam esse pequeno proprietário rural do camponês parcelar.
Num contexto de terras livres, assim entendidas as que ainda não foram privadamente apropriadas, os cam poneses que aí residem, juridicamente"denominados pos seiros, trabalham apenas para seu próprio sustento. Se comparados àqueles que sofrem a exploração do senhor da terra, os posseiros dedicam à lavoura um tempo de trabalho menor. Além disso, vivem isolados e comerciali zam sua produção apenas eventualmente. No entanto, nada disso lhes retira a condição de lavradores e de subalternos. Outra forma de definir o camponês, também en contrada nos livros de ciências sociais, 6 a de concei tuá-lo como o cultivador que trabalha a terra, opondo-o àquele que dirige o empreendimento rural. Aqui, o con ceito é estendido a todos os cultivadores que, através do seu trabalho e do de sua família, se dedicam a plantar e transferir os excedentes de suas colheitas aos que não trabalham a terra. Ao mesmo tempo que integra um grupo de trabalho familiar, que produz para sobreviver, algum tipo de engrenagem política e econômica encarrega-se de extrair-lhe compulsóriamente os excedentes gerados por sua produção, que garantem a existência de outros grupos sociais não-produtores. Assim, o camponês é um produ tor que se define por oposição ao não-produtor, não im portanto se planta a terra ou se pesca no mar, conceituação esta defendida por antropólogos. Situando a questão da subordinação na extração da renda em trabalho, renda em produto e renda em dinheiro, tal conceito aparece em Marx. Há autores que distinguem camponês de pequeno produtor. Enquanto para eles o conceito de camponês é vago e indefinido, os de pequeno produtor e pequena produção se inserem de modo imediato na polêmica so bre os modos de produção. Argumentam que o pequeno produtor é o ator fundamental da produção mercantil simples, que precede a produção mercantil ampliada; esta, por sua vez, caracteriza o capitalismo. Optar por um dos conceitos não é tão simples quanto possa parecer à primeira vista. Camponês e campesinato são conceitos de grande vitalidade, de grande força his tórica, tanto teórica quanto empiricamente, o mesmo ocorrendo com o conceito de burguesia. Campesinato e burguesia são termos repletos de conteúdos culturais, tanto no plano social como no político. Assim como não se pode declinar do conceito de burguesia para falar tão-somente em capitalistas, não é possível preterir o con ceito de camponês para falar apenas em pequeno pro dutor. Deve-se acrescentar, cm primeiro lugar, que o cam pesinato é constituído de cultivadores que se definem cm oposição à cidade; esta, por sua característica de sede de poder político, subordina os trabalhadores da terra, No entanto, a distinção campo/cidade é problemática porque inúmeras sociedades antigas tiveram conglomerados arqui tetônicos destinados a abrigar atividades sociais de tipo religioso, político e esportivo, que dificilmente se enqua dram no conceito de cidade que se aplica à Roma antiga ou à São Paulo contemporânea, É O caso dos centros cerimoniais dos maias, que periodicamente recebiam a população circundante cm busca das atividades sociais citadas acima, mas que não se constituíam cm locais de moradia. Em segundo lugar, é fundamentalmente no próprio campo que o camponês vivência a exploração exercida sobre ele, seja através da apropriação de parte do que produz, sob forma de tributos entregues ao dono
da terra, seja através dos preços depreciados que o comer ciante comprador de sua colheita impõe, ou ainda pela expropriação de sua terra pelo grande proprietário. Por outro lado, a cidade não está habitada somente por uma casta rica ou por uma classe dominante, mas ali estão representados, em grande número, os seus opri midos: nas formações anteriores ao capitalismo, os serviçais domésticos, os artesãos c os mendigos; na sociedade industrial, o proletariado fabril, os empregados mais hu mildes do setor de serviços e os desempregados. Por essas razões, não 6 a cidade que, por oposição, define o campo c seus habitantes, mas sim o Estado. Este dispõe de ins trumentos de natureza jurídica c política que disciplinam o camponês na obrigação de pagar impostos, na obediência a códigos escritos que impõem uma verdade legal à pro priedade da terra, ao matrimônio e ao contrato, garan tindo o fluxo contínuo c estável das rendas camponesas as classes rurais c urbanas com poder econômico. Desse modo, é possível afastar a ambigüidade que pode advir da observação de uma sociedade primitiva onde seus membros são cultivadores da terra, mas não canalizam excedentes para não-trabalhadores. Esses povos são agricultores, mas não camponeses. Assim também se torna mais pertinente a distinção entre camponês c traba lhador rural proletarizado. Este, desapossado da terra e de seus instrumentos de trabalho, cm suma, dos meios de produção, não mais dispõe da autonomia social mínima dos cultivadores, fundada no controle costumeiro ou ju rídico da terra.
Um modo de vida O trabalho familiar caracteriza o vínculo social do camponês com a terra. Nuclear ou extensa, a família camponesa se envolve nas diversas tarefas produtivas, vi sando à reprodução física e social deste grupo de pessoas. Em geral, cabe ao chefe da família a direção e o desem penho de atividades de derrubada e limpa das áreas des tinadas ao plantio e à colheita nas roças. É igualmente de sua responsabilidade o trato com os animais domés ticos de grande porte, cujo número e qualidade é sempre comparativamente inferior aos encontrados nas proprie dades de um grande fazendeiro ou de uma empresa agro pecuária. A mulher pode estar presente nas tarefas de produ ção, ou ausente cm grande número delas, restringindo-se a tarefas que executa no interior de sua própria casa e no terreiro que lhe é contíguo. Há no campesinato for mas muito variadas de se valer do trabalho feminino, que atua complementarmente às tarefas masculinas em todos os níveis. Em certas áreas do Brasil rural, a mulher do sitiante não vai à roça trabalhar; em outras, o trabalho fe minino inclui a participação no plantio c na colheita, ati vidades que acumula com as tarefas desempenhadas no corpo da casa e no quintal contíguo. Sabe-se que peque nas parcelas da roça podem estar sob controle feminino, e que o produto nelas obtido visa assegurar às mulheres condições de convertê-lo, pela venda, em bens para uso próprio. O mesmo pode-se dar com o trabalho infantil. Ele está presente na ajuda às tarefas domésticas e às propria mente agrícolas. Se comparada a participação ativa de
da cidade, nascida numa família de classe media, são no táveis as diferenças tanto no que se refere à idade em que é iniciada cm tarefas que demandam esses predicados, quan to ao volume de trabalho a ela atribuído. Esta obser vação comparativa é tão verdadeira para a Inglaterra do século XVIII quanto para o Brasil contemporâneo. Nem mesmo nas áreas agrárias do mundo capitalista mais rico é possível dizer que entre a criança do campo c a da cidade Inexistem diferenças quanto à socialização, instrução e in corporação à esfera do trabalho. O trabalho familiar camponês abastece a casa de mo rada, alimenta seus membros, mas também é destinado a lugares e pessoas exteriores a esta realidade. É grande a variedade de formas pelas quais parte da produção cam ponesa escapa ao controle de quem a produziu. Rara s são, hoje; as unidades camponesas que visam ao auto-sustento quase completo, reduzindo ao mínimo, ou le vando à inexistência, as relações sociais calcadas na ces são de um tributo ou na reserva de uma parcela do produto colhido para ser vendido à feira. No passado, isso ocorria, por exemplo, na zadruga iugoslava e na so ciedade caipira brasileira do século XVII, ambas bastante auto-suficientes no sentido acima mencionado. Os pagamentos da renda em produto e de uma renda em trabalho estão entre as formas adotadas .no sistema feudal para ligar o camponês servo a seu senhor. Consta que num domínio inglês medieval o acordo entre as duas partes previa a cessão pelo camponês, ao senhor feudal, de três dias de trabalho por semana nas terras deste, de dias de trabalho gratuito no tempo da colheita, de ovos e fran gos; previa, também, o pagamento de um shilling ao senhor quando a filha do camponês se casasse. Esta forma de se valer do trabalho camponês estava praticamente extinta no século XVIII, quando já não era mais possível falar num campesinato inglês. Num contexto historicamente diverso do feudalismo, sabe-se que no Brasil rural a fórmula político-social en contrada pela sociedade agrária para imobilizar o cam ponês no interior da grande propriedade territorial con sistia na obrigação de ceder quartas, terças e até meias de suas plantações ao dono da terra. Outras obrigações incluíam o trabalho gratuito de limpa do mato que crescia junto às cercas, a capina de estradas e caminhos. As re tribuições patronais vinham sob a forma de leite para ali mentar as crianças, remédios para os doentes e doação de pequenos animais para consumo nas festas. A bateção dos pastos e a drenagem das várzeas podiam ser remune radas com pequenas parcelas de alimentos, tais como fru tas, toucinho ou fubá. Não era rara a obrigação de a mu lher do camponês arcar com o serviço doméstico da sede da fazenda, sem remuneração monetária direta. Com a expansão do capitalismo no campo, arranjos desse tipo desapareceram em certas regiões, já que o cam ponês morador foi expulso da fazenda. Tais arranjos foram substituídos pelas empreitadas e diárias pagas ao trabalhador que vem ao grande empreendimento por de terminado número de dias, ainda que subsistam cm ou tras regiões, redefinidos e mesclados à lógica do lucro mo netário puro e simples. A transferência de uma parte da produção camponesa para a feira da cidade próxima é outro exemplo do modo
pelo qual essa produção circula. Ela tanto ocorre com o camponês parcelar quanto com o que mora nas fazendas. Um camponês poderá levar arroz para.vender, enquanto outro levará feijão; ambos se interessam cm negociar. O dinheiro obtido na venda de uma determinada quantidade do cereal oferece ao camponês a possibilidade de adqui rir tecidos, panelas, remédios.
A estranha classe A transição do sistema de produção mercantil simples para o capitalista não teria sido possível sem uma acumu lação preliminar às custas da produção camponesa. Tal transição teria ocorrido num ritmo lento, se a acumulação adicional às custas da pequena produção não houvesse sido mantida, ao mesmo tempo que se dava a acumulação capi talista graças à força de trabalho do proletariado. Re sumindo, a ampliação do capitalismo enquanto sistema de produção pressupõe não só a extração do sobretrabalho do operário, mas a captação do sobretrabalho camponês, processo que sempre se baseia na violência política e mi litar. O fato de o capitalismo não ter liquidado com a produção camponesa pode ser explicado através de um caso concreto. Digamos que o pequeno produtor se de dique à cultura de produtos que oferecem um nível de renda pouco atraente para o empreendimento capitalista, por não gerarem uma taxa de lucro condizente com a taxa efetiva de lucro vigente na economia como um todo. Em casos assim, torna-se necessário entender igualmente como se dá a ação do Estado. Se este subsidia fortemente a produção realizada em bases capitalistas, aumenta as con dições favoráveis a tal tipo de produção, enquanto as sub trai da pequena produção camponesa. O campo brasileiro oferece inúmeros exemplos de como se dá esse contraditório movimento de manter o camponês, ainda que empobrecendo-o. Ao somar a essas constatações aquelas já feitas em outros capítulos deste livro, onde se nota que o próprio campesinato também luta de diversas formas pela manutenção do seu perfil social, temos aqui o ponto de partida para futuras ava liações da magnitude das forças internas e externas que agem no sentido de exterminar ou conservar o camponês. Pode-se dizer que o camponês é alvo inevitável dessa contraditória vivência do meio agrário. A agricultura, ao mesmo tempo que recebe estímulos à capitalização, en frenta permanentemente a questão de produzir alimentos a custo mais baixo, missão desempenhada, ainda que não com exclusividade, pela produção camponesa. Este papel conferido ao camponês e à sua família tem íntima relação com a manutenção de relações não especificamente capi talistas na agricultura, concretizadas no trabalho campo nês, seja na sua parcela de terra, no interior de um grande empreendimento, ou mesmo em terras ainda livres. A extensão do capitalismo no campo não se dá sim plesmente pelo advento de relações de produção baseadas na compra c venda da força de trabalho — portanto, na expropriação dos meios de produção do camponês. Na ver dade, o capitalismo se estende ao campo quando se institui a propriedade capitalista da terra. A renda territorial capita
rias ou mesmo de trabalhador para o capital industrial, mesmo que continue habitando sua parcela de terra. Essa transformação não torna a sociedade rural ho mogênea, muito menos transforma os camponeses cm massa indiferenciada submetida às leis do capital. Como as práticas sociais se dão cm sociedades concretas, carac terizadas por diferentes tipos de trabalhadores, aí incluí das as frações camponesas, essa nova subordinação se concretiza de diversas formas, cada uma delas demandando uma explicação que se some à construção da totalidade do sistema social.
Lavradores "livres" e "cativos" £ exato afirmar que não há no Brasil uma economia camponesa à qual se sobrepõe uma aristocracia territorial, que se apropria do sobretrabalho camponês através de coerções que subordinam e servilizam sua pessoa. Não se trata aqui de uma relação feudal, mas da fazenda que surgiu no século XVI voltada para a lavoura comercial, trabalhada pelo escravo, e que perdura através dos sé culos com ó rótulo genérico de latifúndio. No entanto, não se esgotam aí as formas de produção que existiram ou existem no campo brasileiro. Entendendo o camponês como sitiante, ou seja, inte grante de uma família que cultiva uma parcela, de terra, sua presença e atividade podem ser detectadas não so mente no Sul do país, mas também no Nordeste, no Su deste, na Amazônia. Estendendo mais esse conceito, diz-se que camponês também é o colono, morador ou par ceiro, isto é, o cultivador que possui uma roça dentro da grande propriedade. Há também os posseiros, habitantes das chamadas terras livres, que embora palco de numero sas: lutas sociais pela manutenção da posse da terra, não têm impedido que eles produzam para auto-subsistência e, eventualmente, para mercados em diversos pontos do país. Essas observações se prestam também, por oposição ou semelhança, para compreender o que ocorre em outras sociedades rurais. Na América hispânica, a realidade e conceituação do camponês foram ressaltadas em inúmeras análises. Países marcados por processos civilizatórios muito complexos, como o Peru com o Império Inca, e o México e a Guate mala com as sociedades asteca e maia, respectivamente, vivenciaram a permanência e transformação das aldeias camponesas pré-colombianas em reservatórios de mão-de-obra para as minas e haciendas, sem que o perfil campo nês das comunidades desaparecesse, tanto do ponto de vista étnico quanto econômico. Nesses países, pareceu mais coerente falar em camponês: camponês peruano, camponês mexicano. Por outro lado, falar de um camponês brasileiro en volvia fortes ambigüidades semânticas, decorrentes do choque de interpretação do que tem sido nossa estrutura agrária até o presente. No Brasil, as formas econômico-sociais que podem ser denominadas camponesas resultam de distintos movimentos históricos que se produzem em nossa estrutura agrária. Pode-se dar essa denominação aos lavradores que
própria roça. Tal campesinato se subordinava aos movimentos de sístole e diástole da vida econômica da grande lavoura. Quando esta se expandia, passava a ne cessitar de um número maior de braços e também das terras que os próprios camponeses controlavam. Quando se retraía, o camponês era menos solicitado, e a sua terra menos assediada por uma estratégia de concentração do latifúndio. No Brasil colonial, a terra era meio de produção abun dante, sendo preciso imobilizar a mão-de-obra pelo regime de escravidão, para assegurar seu suprimento à grande la voura. Caso contrário, essa mão-de-obra poderia disper sar-se e constituir um campesinato independente. Não se deve, no entanto, tomar essa explicação como absoluta. As formas de ocupação autônoma da terra pelos camponeses não se limitaram à periferia das grandes la vouras, mas surgiram também à maior distância destas, constituindo-se em sítios. A pesquisa histórica sobre esses camponeses está ainda começando, mas há dados sobre sua existência no agreste e sertão nordestinos, cm São Paulo e Minas, já no século XVIII. Não se trata de uma ocupação estástica e acabada da terra, mas de um cam pesinato cuja condição independente podia atravessar in cólume longos períodos, mas que ficava ameaçada sempre que fazendeiros avançavam sobre terras livres, regidas por códigos costumeiros de ocupação, e começavam a fincar limites, erguendo cercas e submetendo o camponês ao pa gamento de rendas. O marco jurídico resultante de mudanças político-econômicas importantes na sociedade brasileira é a lei de terras de 1850, que ao tornar a terra objeto de compra e venda no mercado, concede aos ricos o monopólio de negociá-la. Esta mesma medida impede que inúmeros cul tivadores pobres, sem recursos monetários, tenham acesso à terra ou que seus descendentes possam tê-lo. No en tanto, muitos camponeses já no século XIX estavam mu nidos de títulos definitivos de propriedade da parcela de terra cm que habitavam, constituindo-se um campesinato parcelar, que se autodenomina sitiante em algumas regiões do Brasil. Nos períodos de crises econômicas, foi comum imen sas fazendas serem divididas entre vários herdeiros ou ven didas a terceiros sob a forma de patrimônios menores. Estas conjunturas também foram responsáveis pelo apare cimento de vários sítios, cm geral voltados para a pro dução de alimentos, onde antes havia uma grande fazenda dedicada a uma lavoura nobre, como a do açúcar c do café, ou a outras combinações de atividades agropastoris.. O impulso dado à apropriação privada da terra pela lei de 1850 não impediu que restassem extensões de terras livres, nas quais uma luta entre pequenos e grandes inte resses se tomou constante, até atingir sua expressão mais aguda na expropriação do posseiro da Amazônia peias grandes empresas.
Lutas camponesas no Brasil Sc as lutas camponesas no alvorecer da grande revo lução social do mundo contemporâneo —- França e In glaterra — e da Revolução Russa integraram as contesta ções da ordem feudal, no Brasil o quadro foi bastante dis tinto, tanto do ponto de vista analítico como político. A luta camponesa no Brasil tem sido freqüentemente
ignorada, o que torna muitos ativistas e pensadores polí ticos uma espécie de observadores envergonhados do cam pesinato brasileiro. À observação envergonhada corre s ponde uma forma específica de avaliar a natureza da participação camponesa nas lutas sociais: inferior, pré-política, acomodada. A exclusão conceituai c política do camponês 6 tão marcante que importantes acontecimentos políticos da his tória brasileira são relegados a um plano secundário nas análises acadêmicas e partidárias. Segundo José de Souza Martins, ainda são poucos os que sabem que a maior guerra popular da história contemporânea do Brasil foi a Revolta do Contestado, que durou de 1912 a 1916. Abrangeu vinte mil rebeldes, envolveu metade dos efetivos do Exér cito brasileiro cm 1914, mais uma tropa de mil vaqueanos, que eram combatentes irregulares. Deixou um saldo de pelo menos três mil mortos. Pouco antes, em 189 6-97, a Revolta de Canudos, que durou cerca de um ano, tam bém envolvera metade do Exército e milhares de campo neses; fizera cerca de cinco mil mortos entre estes, impondo severas derrotas às forças militares. A Revolta do F or moso, que por mais de uma década, entre 1950-60, plan tou um território livre dominado por camponeses no Es tado de Goiás, permanece assunto pouco conhecido. As lutas de posseiros que vêm sendo travadas no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, são pratica mente, desconhecidas no próprio Estado. Há municípios onde dezenas de famílias resistem à ocupação de vastas áreas de terras devolutas por indivíduos que querem su bordiná-las à sua autoridade econômica e política. Afir mando o direito de permanecerem nas terras como ocupan tes das mesmas, na condição de camponeses, essas famílias recusam política e juridicamente a sua transformação em agregados daqueles que se dizem proprietários dessas vastas áreas. Nestes, como em outros casos, a luta pelo erguimento e derrubada de cercas é uma constante no meio rural bra sileiro e fornece rica etnografia sobre um encarniçado de bate de concepções e práticas de classe opostas sobre a apropriação da terra no Brasil. A porteira pôde estar sendo fechada pelos poderosos, mas, por outro lado, as cercas podem ser e são derrubadas, a cada dia, pelos su balternos e expropriados. Peias mesmas razões por que o camponês foi consi derado marginal e residual na produção, a avaliação de suas representações c ações na análise política sempre foi minimizada. A minoridade conferida à ação política do camponês está presente em diversas tendências de inter pretação sobre o meio rural brasileiro. £ ilustrativo re lembrar as análises que explicavam o comportamento po lítico do camponês como patológico ou certas concepções da esquerda que julgam o camponês um indivíduo preso a ficções alienantes, cabendo aos ativistas a tarefa ma gistral de "ensiná-lo". O etnocentrismo que rege essa última abordagem con siste na visão do educador como portador do verdadeiro conhecimento, num óbvio esquecimento de que nenhuma sociedade ou grupo social detém o monopólio da visão crí tica sobre o que é poder, o que é dominação e o que é bom para o futuro da humanidade. Uma das representa ções mais marcantes do camponês brasileiro é a consciên
visão global da sua condição subalterna está também pre sente nas representações de outras classes sociais e não deve ser tomada como uma espécie de traço natural da consciência conservadora camponesa. A contrapartida dessas concepções tem sido, freqüen temente, uma glorificação do proletariado urbano e às vezes também rural como classe redentora da ordem so cial injusta. O uso abusivo e formalista de conceitos, como classe fundamental, por exemplo, tem servido, muitas vezes, para atribuir aos operários ideologias e práticas .sociais que concretamente não desempenham, mas que utopicamente deseja-se que venham a desempenhar. Essa conduta tem cegado muita gente para a percepção do que ocorre no meio rural brasileiro, principalmente no que toca ao camponês e ao seu papel econômico e político. A classe bárbara, na verdade vitima da barbárie do capitalismo, do socialismo autoritário c da indefinição dos partidos políticos, vem há algum tempo pondo as coisas no lugar. O aumento significativo do número de sindicatos do trabalhadores rurais, o crescimento das ações que che gam aos tribunais da justiça comum c trabalhista, movidas por lavradores, os movimentos sindicais que resultam em contratos coletivos de trabalho, envolvendo diferentes fra ções do campesinato brasileiro, tais como pequenos sitian tes, posseiros e parceiros, são indícios de um forte ímpeto na luta por uma autentica cidadania. E esta vem adquirindo substância processualmente, isto é, através da luta pelo comtrato de trabalho e, principalmente, da luta pela terra. Esses fatos se ampliam e se somam à importância da arti culação jurídica c política das ligas camponesas que se gostaram no Nordeste a partir de 1955. A violência que desceu sobre seus líderes e seguidores não foí capaz de destruir por completo a capacidade de remobilização po lítica de camponeses e assalariados rurais. (Extraído do livro Camponeses de Margarida Maria Moura, Editora Ática, São Paulo, 1986)
_Os conceitos de alienação e ideologia Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins
3. O que é alienação? Há vário:, sentidos pura o conceito de alienação. Juridicamente, signi fica a perda do usufruto ou posse de um bem ou um direito pela venda, hipoteco etc. Nas esquinas vemos cartazes de marreteiros para os motoristas: "Compramos seu carro, mesmo alienado", Em outro contexto, referimo-nos a alguém como "alienado mental", querendo, com isso, dizer que tal pessoa é louca. Aliás, alienista é o médico de loucos. A alienação religiosa aparece nos fenômenos da idolatria, quando um povo "constrói" ídolos c passa a se submeter a eles. Rousseau diz que a soberania do povo é inalienável, isto é, pertence ao povo, que não deve outorgá-la a nenhum representante, mas deve ele pró prio exercê-la. Na vida diária, chamamos alguém de alienado quando o percebemos desinteressado de assuntos considerados importantes, tais como as questões políticas e sociais. Em todos esses sentidos, há algo em comum: no sentido jurídico, per de-se a posse de um bem, na loucura perde-se a razão, e o louco perde o controle de si; na idolatria perde-se a autonomia; na concepção de Rousseau, o povo não deve perder o poder; o homem comum alienado perde a com preensão do mundo em que vive e torna alheio á sua consciência um seg mento importante da realidade cm que se acha inserido. Etimologicamente a palavra alienação vem do latim alienare, alienus, que signiíica "que pertence a um outro". E outro é alias. Alienar, portanto, é tornar alheio, é transferir para outrem o que é seu. Retomando a discussão anterior, vimos que o surgimento do capitalis mo determina a intensificação da procura do lucro e confina o operário à fábrica, retirando dele a posse do produto. Mas não é apenas o produto que não mais lhe pertence. Ele próprio deixa de ser o centro de si mesmo. Não escolhe seu salário — embora isso apareça ficticiamente como um contrato livre — n ã o escolhe o horário, nem o ritmo de traba lho, passa a ser coman dado de fora, por forças estranhas a ele. Ocorre o que se chama f etichismo l da mercadoria, pois esta assume valor, superior ao homem. Assume formas abstratas (o dinheiro, o capital) que, em vez de serem intermediários entre indivíduos, convertem-se em realidades soberanas e tirânicas. Em conse qüência, a "humanização" da mercadoria leva à desumanização do homem, à sua coisificação, à reificação (res, "coisa"), sendo ele próprio transformado em mercadoria (sua força de trabalho tem um preço no mercado). Portanto, a alienação não é meramente teórica, mas se manifesta na vida real do homem, nu maneira pela qual, a partir da divisão do trabalho, o produto do seu trabalho deixa de lhe pertencer. Todo o resto é decorrência disso.
Alienação na produção Nos sistemas domésticos de manufatura, era comum o trabalhador conhecer todas as etapas da produção, inclusive a de projeto do produto. A partir da implantação do sistema fabril, no entanto, isso não será mais possível, devido ã crescente complexidade resultante da divisão do trabalho. Chamamos dicotomia concepção-execução do trabalho justamente ao pro cesso pelo qual um grupo de pessoas concebe, cria, inventa o que vai ser produzido, inclusive a maneira como vai ser produzido, e outro grupo é Obrigado à simples execução do trabalho, sempre parcelado, pois a cada um cabe uma parte do processo. Essa divisão foi intensificada no início do século XX, quando Henry Ford introduziu o sistema de linha de montagem
na indústria automobilística. O homem, reduzido a gestos mecânicos, tor nado "esquizofrênico" pelo parcelamento das tarefas, foi retratado em Tem pos modernos, filme clássico de Charles Chaplin, o popular Carlitos. A expressão teórica desse processo de trabalho parcelado é levada a efeito por Frederick Taylor (1856-1915), no livro Princípios de administração cientifica, onde estabelece os parâmetros de um método científico de racionalização da produção — daí em diante conhecido como t aylorismo — e que visa aumentar a produtividade, economizando tempo, suprimindo ges tos desnecessários " comportamentos supérfluos no interior do processo produtivo. Esse sistema foi implantado com sucesso no início do século nos EUA e logo extrapolou os domínios da fábrica, atingindo outros tipos de empresa, os esportes, a medicina, a escola e até a atividade da dona-de-casa. Por exemplo, um ferro de passar deve ser fabricado de acordo com os critérios de economia de tempo, de gasto de energia (de eletricidade e da dona-decasa, por que não?); a localização da pia e do fogão deve favorecer a mobilidade; os produtos de limpeza devem ser eficazes num piscar de olhos. Taylor parte do princípio de que o trabalhador é indolente, gosta de "fazer cera" e usa os movimentos de forma inadequada. Observando esses gestos, determina a simplificação deles, de tal forma que a devida coloca ção do corpo, dos pés, das mãos, possa aumentar a produtividade. Também a divisão e parcelamento do trabalho se mostra importante para a simpli ficação e maior rapidez do processo. São criados cargos de gerentes espe cializados em treinar operários, usando cronômetros e depois vigiando-os no desempenho de suas funções. Os bons funcionários são estimulados com recompensas, os indolentes, sujeitos a punições. Taylor tentava convencer os operários de que tudo isso era para o bem deles, pois, em última análise, o aumento da produção reverteria em benefícios também para eles, gerando a sociedade da opulência. Esse sistema faz com que o setor de planejamento se desenvolva, tendo em vista a necessidade de sofisticar as formas de controle da execução do trabalho. A necessidade de planejamento desenvolve uma intensa burocratização. Os burocratas são especialistas na administração de coisas e de homens, esta belecendo e justificando a hierarquia e a impessoalidade das normas. A buro cracia e o planejamento se apresentam com uma imagem de neutralidade e eficácia da organização, baseando-se num saber objetivo, .competente, desin teressado. Mas é apenas uma imagem, que mascara o conteúdo ideológico (ver Cap. 7) eminentemente político: na verdade, trata-se de uma técnica social de dominação. Vejamos por quê. Não é fácil submeter o operário a um trabalho rotineiro, irreflexivo, repetitivo, em que o próprio homem se encontra reduzido a gestos estereoti pados. Se não compreendemos o sentido da nossa ação e se o produto do tra balho não é nosso, é bem difícil dedicar-nos com empenho a essa tarefa. O taylorismo substitui as formas de coação visíveis, de violência direta, pes soal, de um "feitor de escravos", por exemplo, por formas sofisticadas e sutis que tornam o operário dócil e submisso. Impessoaliza a ordem, que não aparece mais com a face de um chefe que oprime, mas a dilui nas ordens de serviço vindas do "setor de planejamento". Esse processo retira toda iniciativa do operário, que cumpre ordens, modelando seu corpo segun do critérios exteriores, "científicos", c criando a possibilidade da interiori zação da norma, que culmina com a figura do operário-padrão. O que ocorre é a desarticulação do operário, a fim de impedir sua agre gação com outros companheiros, dificultando a solidariedade entre eles. Estimula a competição por níveis cada vez maiores de produção com a dis tribuição de prêmios, gratificações c promoções. Isso gera uma "caça" aos postos mais elevados. A fragmentação que ocorre nas fábricas facilita ao capitalista ser o único
As "pessoas" que aparecem nas fichas do setor de pessoal são vistas sem amor nem ódio, de modo impessoal. O burocrata-diretor é "profissio nal" e manipula as pessoas como se fossem cifras ou coisas. Ê interessante, no entanto, mostrar que esse processo não é exclusivo do capitalismo, pois a "racionalização" da produção também foi introduzida na URSS por Lênin, com a justificativa de que o sistema não seria utilizado para . a exploração do trabalhador, mas para sua libertação. O produto do trabalho não seria apropriado pelo "capitalista", já que a propriedade privada dos meios de produção fora eliminada. O que resulta disso não é a empresa burocratizada, mas o próprio Estado burocrático. Não faltaram críticas de grupos anarquistas, intelectuais, acusando Lênin de ter esquecido o princi pio da realização do socialismo a partir de organizações de base, ao intro duzir relações hierárquicas de poder. Com isso, chegamos a um impasse que nos deixa perplexos diante de uma técnica apresentada de início como libertadora e que se mostra, afinal, geradora de uma ordem tecnocrática que oprime. Enquanto prevalecerem as funções divididas do homem que pensa e do homem -que só executa, será impossível evitar a dominação, pois sempre existirá a idéia de que só alguns sabem e são competentes e portanto deci dem, e a maioria nada sabe, é incompetente c obedece. Não queremos assumir a posição ingênua de crítica à técnica, mas é preciso preocupar-se com a absolutização do "cs.p(rito" da técnica. Onde a técnica se torna o princípio motor, o homem se encontra mutilado, porque é reduzido ao anonimato, às "funções" que desempenha, e nunca é um fim, mas sempre meio para qualquer coisa que se acha fora dele. Por isso, a questão que se coloca é a da necessidade de uma reflexão moral que levante o problema dos fins a que a técnica se destina, a fim de observar em que medida ela está a serviço do homem ou da sua exploração.
O que é ideologia? Introdução conceitual Há vários sentidos para a palavra ideologia. Em sentido amplo, é o conjunto de idéias, concepções ou opiniões sobre algum ponto sujeito a discussão. Quando perguntamos qual é a ideologia de um determinado pensador, podemos estar nos referindo à sua doutrina, ao corpo sistemático de suas idéias e ao seu posicionamento interpretativo diante de determinados fatos. Podemos ainda estar nos referindo à teoria, como organização sistemá tica dos conhecimentos destinados a orientar a prática, a ação efetiva. Nesse sentido, já ouvimos a expressão "atestado ideológico", que é a declaração exigida a um indivíduo sobre sua filiação partidária e idéias que orientam sua ação política. No Brasil, por exemplo, durante o recrudescimento do poder autoritário, órgãos como o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) exigiam em certas circunstâncias que as pessoas apresen tassem atestados desse tipo, a fim de controlar a adesão às ideologias marxis tas, consideradas perigosas ã segurança nacional. Em sentido pejorativo, ideologia é o conjunto de idéias e concepções sem fundamento, mera análise ou discussão oca de idéias abstratas que não correspondem a fatos reais. Há outros sentidos mais específicos, elaborados por autores como Destutt de Tracy, Comte, Durkheim. Aqui, no entanto, não usaremos o conceito de ideologia cm nenhum desses sentidos. Vejamos então !. "A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de represen tações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar c como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) c prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros
de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as dife renças sociais, políticas c culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produ ção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como de classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identi dade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado." 2 Fundamentalmente, a ideologia é um corpo sistemá tico de representação e de normas que nos "ensinam" a conhecer e a agir. A ideologia tem como função assegurar uma determinada relação dos homens entre si e com suas condições de existência, adaptando os indiví duos às tarefas prefixadas pela sociedade. Portanto, a ideologia assegura a coesão dos homens e a aceitação sem críticas das tarefas mais penosos e pouco recompen:adoras, em nome da "vontade de Deus" ou do "dever mo ral" ou simplesmente como decorrente da "ordem natural das coisas". É interessante observar que não se trata de uma "mentira" que os indi víduos da classe dominante "inventam" para subjugar a classe dominada. Também eles sofrem a influência da ideologia, o que lhes permite exercer como natural sua dominação, aceitando como universais os valores especí ficos de sua classe. Os missionários que acompanhavam os colonizadores às terras conquistadas, certamente não percebiam o caráter ideológico da sua ação ao querer implantar uma religião e uma moral estranhas ao do povo dominado. ' Essa universalidade das idéias e dos valores é abstrata porque na reali dade concreta o que há são classes particulares com interesses divergentes, e a ideologia de uma "sociedade harmoniosa e una" oculta a divisão de classes. Portanto, a universalização e a abstração supõem uma lacuna ou o ocultamento de alguma coisa que não pode ser explicitada sob pena de desmascaramento da ideologia. Isto é, sob o aparecer da ideologia existe uma realidade concreta que precisa ser descoberta pela análise da gênese do pro cesso, ou seja, pela verificação de como a realidade foi produzida. Por exemplo, quando se diz que "o trabalho dignifica o homem", esta mos diante de um conceito ideológico, na medida em que se trata: • de uma abstração, já que o trabalho se apresenta como uma "idéia de tra balho", e a análise da situação concreta e particular da realidade histó rico-social em que os operários realizam seu trabalho mostra exatamente o contrário: o cmbrutecimento e reificação ("coisificação") do homem, e não a sua dignidade. • de uma lacuna, pois, analisando a gênese do trabalho assalariado, desco brimos a mais-valia e, portanto, o componente que leva à alienação do homem e à diferença de condição de vida das pessoas na "comunidade". Outro exemplo: "A educação é um direito de todos" (e até um dever, já que há obrigatoriedade legal de se completar o curso primário). Essa afir mação é abstrata e lacunar, pois apresenta como universal um valor que beneficia apenas uma classe. Quando observamos as estatísticas que mostram evasão e o baixo índice de freqüência escolar por parle das classes desfavo recidas, são comuns as "explicações" em função das dificuldades de adapta ção, do mercado de trabalho e até do desinteresse ou preguiça. O que está oculto aí é que na sociedade de classes há uma contradição entre os que produzem a riqueza material e cultural com seu trabalho e os que usufruem essas riquezas, excluindo delas os produtores. Assim, a educação é um dos bens a serem usufruídos pelos componentes da classe dominante. A educa ção aparece como um direito de todos, mas, analisando a gênese da produ ção e usufruto dos bens, descobre-se que de fato a educação está restrita a uma classe. Além disso, a ideologia mostra uma realidade invertida, ou seja, o que seria a origem da realidade é posto como produto e vice-versa. Por exemplo, a ideologia burguesa afirma que existem nos homens diferenças individuais c que estas determinam a desigualdade social: a desigualdade natural seria
Presidente da República Federativa do Brasil
José Sarney Ministro da Educação
Carlos Sant'Anna
Secretário-Geral
Ubirajara Pereira de Brito Secretário de Ensino de 2? Grau
João Ferreira Azevedo Secretário Adjunto
Célio da Cunha Coordenador de Articulação com Estados e Municípios
Nabiha Gebrim de Souza
Subsídios para SOCIOLOGIA GERAL
Autor: Paulo Meksenas
"Falo somente do que falo: Do seco e
de suas pais agens,
Nordestes, debaixo de um sol Ali do mais quente vinagre: Que reduz tudo ao espinhaço, Cresta o simplesmente folhagem, Folha prolixa, folharada, Onde possa esconder-se a fraude. Falo somente por quem falo: Por quem existe nesses climas Condicionados pelo sol, Pelo gavião e outras rapinas: E onde estão os solos inertes De tantas condições caatinga Em que só cate cultivar 0 que é sinônimo da míngua.
Falo somente para quem falo: Quem padece sono de morto E precisa um despertador Acre, como o sol sobre o olho:
Que é, quando o sol é estridente, A contra-pêlo, imperioso, E bate nas pálpebras como Ge bate numa porta a socos"
(João Cabral do Melo. Neto, "Graciliano Ramos", Poesias Completas)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Bate trabalho é parte do Projeto "Revisão Curricular da Habilita ção Magistério — Núcleo Comum e Disciplinas Profissionalizantes", patrocinado pala Secretaria de Ensino de 2º Grau do Ministério
da
Educação (SESG/MEC), em convênio com a Pontifícia Universidade
Ca-
télica de São Paulo (PUC-SP ). Destina-se, portanto, aos professores do Núcleo Comum do 2º grau, buscando oferecer-lhes subsídios
para
o desenvolvimento dos conteúdos das diferentes disciplinas — no ca so, Sociologia Geral. Este texto é uma proposta de curso para a disciplina Sociologia Geral, pertencente ao Núcleo Comum do currículo que compõe a escola de 2º grau no Brasil. Em linhas gorais, a proposta apresen ta-se dividida e articulada em torno de cinco aspectos:
conteúdos
mínimos, metodologia de ensino, sugestão de métodos de ensino, textos de apoio e bibliografia complementar. Em relação aos conteúdos mininos, é importante ressaltar que foram estabelecidos a partir de duas preocupações distintas: organizar uma soma de conhecimentos socialmente importantes, quo contribuam para a construção da cidadania do aluno, e distribuir os conhecimentos de forma viável, para que possam ser desenvolvi dos durante o prazo de um ano, com duas aulas semanais. As questões contidas na parte de metodologia do ensino pre tendem oferecer um pequeno subsídio para orientar o professor/lei tor no desenvolvimento de uma concepção de ensino que facilite
a
abordagem do conteúdo proposto. Para cada uma das unidades que com põem a proposta de conteúdo apresenta-se também uma sugestão de técnicas didáticas (ou métodos de ensino). 0 professor/leitor po derá ou não utilizar essas sugestões, dependendo de sua prática profissional. Cada unidade da proposta de conteúdo traz ainda pequena seleção de textos, que consistem em fragmentos da obra
uma de
vários autores. Além de constituírem apoio teórico para o desenvol vimento do curso de Sociologia, esses textos podem ser utilizados com os alunos, uma vez que um dos critérios para sua seleção foi o de apresentarem linguagem acessível. Por fim, há uma indicação
bi-
bliográfica complementar à seleção de textos oferecida. Por ser uma proposta de curso quo tenta ser completa,
em
vários momentos da reflexão sobre esse material o professor/leitor
utilizadas. Isto se deve à linguagem direta com que o texto é apre sentado, pois pretendemos atingir o professor/leitor provocando-o para uma tomada de decisão frente ao material que tem em mãos.
Sa-
bemos, porém, que se esta proposta limitada for somada à prática docente de cada um, é certo que se alcançará o objetivo de apontar um caminho possível para o aprendizado de Sociologia, que ainda precisa ser re-feito.
CAPÍTULO 1
A SOCIOLOGIA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
O termo cidadania tem muitas conotações. Preliminarmente podería mos entender que ser cidadão e ter assegurado o direito à partici_ pação social de modo consciente — o que, por sua ve z, só é possf vel quando o ser humano tem garantido o direito ao trabalho. Em outras palavras, a cidadania aqui definida não tem o mesmo senti do que lhe é atribuído pela concepção liberal, na qual a noção vincula-se à criação dos meios que assegurem ao indivíduo o direito à propriedade. Pelo contrário, admitimos aqui que o exercício da cidadania ocorre quando os invidíduos têm acesso às riquezas sociais que, através do trabalho, ajudam a construir. Isso não sig_ nifica,
por outro lado, entender a cidadania como direito a
uma
profissionalização na escola secundária, nem me3mo como preparo ao vestibular. Bem diferente disso, o direito ao trabalho deve ser entendido como a possibilidade de o indivíduo compreender
as
relações, sociais que organizam essa atividade em nossa sociedade brasileira
contemporânea. De tal modo que essa compreensão con
tribua nas formulações que esse indivíduo elabora para participar das riquezas sociais. Diante dessas primeiras considerações, pode-se indagar en tão qual o papel da sociologia no processo de construção do direi to à cidadania. Em outras palavras: seria importante para um alu no do curso de 2º grau ter o domínio de um conteúdo de Sociologia, para conquistar a sua cidadania? Provavelmente, nossa primeira tendência seria responder sim, encerrando a discussão. Entretan to, devemos relativizar essa resposta afirmativa. Isto porque
a
Sociologia só será importante para a formação da cidadania se contiver uma perspectiva crítica. O que pode significar isto? Quando tratada como mera soma de conhecimentos complementares entre si e que definem a sociedade contemporânea como una e indivisível, a Sociologia não contribui para que o indivíduo te nha uma visão social que possa influir na re-elaboração de sua prática social. Portanto quando se dá importância ao conteúdo so ciológico para a construção da cidadania,deve-se primeiro responder
à pergunta: que conteúdo sociológico? Definimos preliminarmente um conteúdo sociológico crítico como aquele que possibilite entender a totalidade social não como um fenômeno uno
e, sim, como um fenômeno contraditório. Um conte
lido que se paute pelo princípio da contradição, no qual a dinâmi ca da sociedade é conpreendida como resultado de relações sociais que, ao mesmo tempo, são complementares o também antagônicas. Com preender criticamente é, por exemplo, perceber as relações soci ais presentes na instituição escola como relações contraditórias: ao mesmo tempo que podem possibilitar a alfabetização e a afirma ção da cidadania, possibilitam também a evasão (exclusão,) e a no gação desse direito. Somente um conteúdo sociológico crítico con tribuirá para que o indivíduo compreenda a dinâmica das relações sociais e se perceba nelas como um elemento ativo — para, a par tir daí, conceber sua cidadania como prática transformadora. Um conteúdo sociológico pensado nesses termos pode ser útil na
con
quista da cidadania, porque será capaz de mobilizar o indivíduo não só para uma reflexão "descomprometida" com a realidade,
mas
também para uma reflexão transformadora dessa realidade. Pensemos, por exemplo,
na prática profissional dos pro
fessores que atuam na escola de 12 grau, relacionando-a com a no ção do cidadania. Esses professores desenvolvem parte de sua prá tica dentro do uma instituição, a e3cola, que, na sociedade indus trial contemporânea, tem se caracterizado por privá-los cada vez mais de sua capacidade de decisão. A aula deixa de ser atividade criadora, na qual o professor desempenha um papel ativo, de orga nização do processo educativo, para tornar-se apenas um
momento
de reprodução de saberes muitas vezes pré-científicos. Podemos
a
té afirmar quo o professor não é mais o "proprietário" de sua au la pois, inserido numa organização burocrática, perdeu sua autono mia do escolha sobro o que e como
ensinar.
Perdeu, portanto,
ma dat; dimensões quo compõem sua cidadania. No entanto, começa a refletir
li
quando
sobre o significado dessa situação, esse profis
sional passa a buscar alternativas possíveis para superá-la. Nes
levem a refletir sobro a possibilidade de recuperar sua capacida de de decisão em sua prática social, instrumentos
que lhe
permi
tam relacionar sua prática com a organização social mais ampla, pa ra que ele possa definir-se como um agente ativo na tentativa
de
construção de uma nova sociedade.
0 curso da Sociologia predominante hoje
Há duas grandes tendências nos cursos de Sociologia trados atualmente no 22 grau. Mas, antes de analisá-las, ramos importante retomar historicamente
minis
conside
a intermitente introdução
da Sociologia nas escolas secundárias brasileiras. Breve história da disciplina As preocupações em torno da implantação da mo disciplina obrigatória nos currículos das
Sociologia
co_
escolas brasileiras
vem de longa data. Já em 1890, Benjamim Constant, com forte
influ
ência nas decisões do então Ministério da Instrução Bíblica e
dos
Correios e Telégrafos, propôs uma reforma do ensino na qual
So-
ciologia era introduzida como
a
disciplina obrigatória não só
nos
cursos superiores, como também nos cursos secundários. No entanto, devido à morte de Benjamim Constant na época da implantação desses novos currículos, a questão do ensino de Sociologia foi posta de lado.
Em 1925, com a reforma Rocha Vaz , a disciplina foi,.na prá
tica, introduzida em escolas secundárias do Brasil. No curso de 28 grau, Habilitação para o Magistério (antigo curso Normal), a Sócio logia passa a ser ministrada a partir de 1 928 . Ratificando a permanência da disciplina, a cisco
Campos
reforma
Fran
(1931) fez com que ela fosse ministrada ininterrup-
tamente até 1942, quando a
chamada Reforma Capanema (Leis Orgâ -
nicas do Ensino) retira a obrigatoriedade do ensino de Sociologia na escola secundária. A partir dal e principalmente tecimentos
políticos ocorridos no país pós-64-, a
com os acon -
Sociologia
foi
sendo posta de lado: nesse período foi ministrada apenas nos cur sos de Habilitação para o Magistério. É só com a recente promulgação da Lei 7 044/82 que a So ciologia e demais ciências humanas lentamente começada ser reabi litadas dentro dos programas curriculares. Isto porque a tônica dada à profissionalização pela Lei anterior (5 692/71) cede lu gar para uma concepção de educação mais abrangente, permitindo pensarmos uma escola de 2º grau voltada para a contribuição na construção do direito à c ida dan ia — uma das fontes de revitaliza ção da importância da Sociologia. No entanto, se ao nivel legal essa revalorização e recen te, vale salientar que a intelectualidade brasileira vem há mui to tempo insistindo na importância da Sociologia no3 cursos se cundários. Em 1949, participando de um simpósio sobre "0 Ensino de Sociologia e Etnologia", Antonio Cândido, desenvolve o tema "Sociologia: ensino o estudo" o alerta para a necessidade do essa disciplina fazer parte do currículo da escola secundária, por con tribuir para oferecer ao indivíduo uma visão mais integrada da to talidade social, superando a visão de senso comum.' Em 1955, é a vez de Florestan Fernandes discutir o papel da disciplina, na apresentação do tema "0 Ensino da Sociologia na Escola Secundária Brasileira", durante o Congresso Nacional de Sociologia. É preciso destacar também que, a partir do início da déca da de 1980, várias entidades de classe do Brasil vêm se manifes tando favoráveis à inclusão da disciplina no 2º grau. Ho caso
do
Estado de São Paulo, por exemplo, a Associação dos Sociólogos (ASESP) desempenhou papel importante na mobilização da categoria em, torno do "Dia Estadual de Luta pela Volta da Sociologia ao 2º Grau", realizado em 27 de outubro de 1983. Naquela ocasião foi en tregue ao então Secretario da Educação do Estado, Paulo de Tarso, um documento demonstrando a necessidade da Sociologia na formação do cidadãos. Essa mobilização levou órgãos governamentais ligados à educação pública a oferecerem, em 198 4/85,
cursos de atualiza
abril de 1986 , concurso para ingresso de professores de Sociolo gia na rede pública de ensino. Tendências do ensino de Sociologia 0 curso de Sociologia no Brasil voltou a ser ministrado na escola de 2º grau e a ser definido como fundamental na constru ção do direito à cidadania. Ma s, o fato de ter sido mantida forado currículos escolares por mais de duas décadas além de ter cau sado danos irreparáveis às gerações que frequentaram o 2º grau nesse período, leva a que a re-introdução da Sociologia seja um tanto problemática. Um dos grandes desafios da política educacio nal de hoje e' tornar a disciplina obrigatória na escola de 2º grau, uma vez que, como optativa, não é ministrada em todas as escolas Com isso, o número de aulas de Sociologia ainda 4 infinitamente menor que o das outras disciplinas, o que a leva a ser vista por muitos como um conjunto de aulas complementares para professores com outras habilitações que não Ciências Sociais. Além disso, em grande parte das escolas, a Sociologia não
ê ministrada por licenciados em Ciências Sociais, o que leva a que o conteúdo não seja desenvolvido em sua especificidade. Se e' 'mi nistrada, por exemplo, por licenciados em História ou Pedagogia há o risco de que, no desenvolvimento do conteú do, o peso maior recaia em uma concepção histórica ou pedagógica das relações so ciais. Para garantir sua especificidade é necessário que a disci plina Sociologia seja ministrada por um
especialista da área o
que requer, entre outras coisas, que ela se torne obrigatória no currículo da escola de 2º grau. Quanto à forma com que o curso vem sendo ministrado nesses últimos anos, parece que os professores, em sua quase totalidade, pretendem desenvolver a disciplina de modo a propiciar uma leitu ra crítica da vida social. Por isso
o para isso, ressaltam a im
portância de partir da realidade e dos interesses vividos pelos a lunos.Ao analisarmos a prática docente, porém, percebemos que nem 12.
sempre esse objetivo e alcançado. Isto porque, alem dos pro"Dle mas já levantados, a grande maioria dos professores de hoje foi formada sob a reforma universitária (5 5 40 /6 8), numa época de extrema desvalorização da disciplina no cenário educacional. Por isso, falta a esses profissionais uma maior clareza quanto ao que seria o conteúdo e método para o ensino de Sociologia no 2º grau. Dentro desse quadro, percebemos que, em linhas gerais prevalecem dois tipos de cursos de Sociologia, que classificaria mos simplificadamente por: tendência conceituai linear
e ten
dência temática fragmentada. A primeira se caracteriza por
um
programa centrado em conceitos apreendidos de modo isolado, co mo entidades que, por si sós, definiriam as partes da qual a sociedade se compõe,
A visão de totalidade nesta tendência con
sistiria na soma dos conceitos — o que resulta em uma visão li near na qual as relações sociais aparecem
como não-contraditó-
rias. A segunda tendência se caracteriza por um curso temático no qual, no lugar das "palavras-chaves", elenca-se uma série de temas considerados básicos
cujas partes, também somadas, ori
ginariam uma pretensa totalidade social. Tanto uma como outra dessas tendências apresentam graves problemas e, portanto, de vem ser evitadas na estruturação de um curso de Sociologia que se pretenda crítico. Isto porque, ao valorizar a apreensão iso lada do significado de um conceito ou de um tema, acaba-se por desvinculá-lo da realidade histórica em que foi produzido —
o
que leva obrigatoriamente o aluno a uma postura de mera memori zação dos conteúdos. Cursos assim, desordenados e fragmentados, reproduzem o senso comum que vê a Sociologia como uma ciência na qual o conhecimento é adquirido (e mesmo produzidos) de for ma evolutiva, através da :..era soma de palavras ou temas apreen didos pelos alunos. São cursos em que os conceitos ou temas non sempre aparecem sistematizados a partir de uma concepção histó rica, nem me3mo relacionados entre si numa sequência lógica, o
tes diferentes entre si. Ao contrário, a totalidade que pretendemos atingir por meio da nossa proposta deve ser entendida como processo em contradição — o que não significa uma soma das par tes mas, antes, uma inter-relação entre elas, na qual uma das partes ao explicar a outra, pode também negá-la. A proposta de conteúdo que apresentamos pretende basear um curso de Sociologia em que os conceitos e temas formem uma rede de relações, ou melhor, um processo, no qual a compreensão de um conceito ou tema deve ser mediada pela compreensão do conteú do subsequente. Assim, não é possível a supressão de uma de suas partes, nem a sua fragmentação em uma lista de palavras ou concetos a serem apresentados aos alunos. A proposta de curso apresentada na seqüência, deve contribuir para que tanto professores como alunos percebam o desenvolvimento social como um processo
em
contradição, não necessariamente ligado ao equilíbrio e à harmo nia. Tentamos sempre que possível não "naturalizar" a realidade social. Ao contrário, procuramos mostrá-la como produto de uma a ção civilizadora, resultado de um longo processo histórico con flitivo, no qual grupos humanos se complementam e, em situações históricas determinadas, ao mesmo tempo se antagonizam.
CAPÍTULO 2 UMA PROPOSTA DE CONTEÚDO
Trataremos, a seguir,do conteúdo fundamental selecionado e doa eixos artículadores de nossa proposta para um curso de Sociologia no 2º grau. As Unidades, o programa
0 conteúdo a ser proposto se distribui em quatro unidades consideradas fundamentais que , de modo conciso, podem ser enten didos como: 1) 0 processo de humanização da natureza; nesta unidade o aluno irá refletir sobre a importância do trabalho e da cultu ra na organização e desenvolvimento da civilização humana, carac terizando também nesse processo as diferentes formas de saber. 2) Organização e_ dinâmica das relações sociais da socie dade contemporânea: nesta unidade o aluno refletirá sobre as d i ferentes maneiras pelas quais a Sociologia interpreta a socieda de capitalista, caracterizando também as formas de produção e re produção do saber. 3) Organização e_ dinâmica das relações políticas da socie dade contemporânea;unidade a partir da qual o aluno irá refletir sobre as relações de poder que se manifestam no Estado e nos m o vimentos sociais, caracterizando também as políticas públicas de ensino na sociedade! contemporânea. 4) Organização e_ dinâmica das instituições sociais da so ciedade contemporânea;unidade na qual o aluno refletirá sobre as relações de poder que aparecem na família e na escola, confrontan do-as entre si e com as questões levantadas nas unidades anteriores.
Detalhando um programa para essas quatro unidades, temos: Unidade 1: A humanização da natureza 0 conceito de trabalho e cultura (Tópico 1) A) 0 processo de transformação da natureza e o excedente econômico: da sociedade tribal à escravista
B) O processo de representação da natureza e a cultura C) A consciência mítica 0 momento da civilização (Tópico 2) A) A organização social complexa: agricultura, cidade e comércio (B) A organização social complexa: a escrita, a lei e as primeiras formas de organização do Estado C) A consciência filosófica A Sociedade industrial (Tópico 3) A) Manufatura, fábrica e mundo urbano B) A questão da propriedade dos meios de produção C) A consciência científica . D) 0 nascimento da Sociologia: as tendências teóricas Unidade 2: A sociedade capitalista A organização social capitalista na concepção funcionalista (Tópico 1) A) Moral social e divisão do trabalho social B) A produção da solidariedade orgânica C) Os problemas sociais e o papel da Sociologia A organização social capitalista na concepção histórico-crítica (Tópico 2) A) A produção de mercadorias e a formação do capital B) Classes sociais: o econômico e o político C) Cidade-campo: a integração contraditória 0 processo de controle social (Tópico 3) A) Hierarquia, disciplina e regra B) 0 processo de alienação C) Trabalho manual e intelectual: o monopólio do saber Sociedade capitalista: reprodução e resistência (Tópico 4) A) 0 conceito de ideologia B) A cultura popular
Unidade 3:Estado e movimentos sociais Teoria do Estado (Tópico 1) A ) A d e f i n i ç ã o d o E s t a d o na c o n c e p ç ã o l i b e r a l B ) A d e f i n i ç ã o d o E s t a d o n a c o nc ep ç ão h i s t ó r i c o - c r í t i c a C ) D e m oc r a ci a e a u t o r i t a r i s m o M ov im en to s s o c i a i s u r b a n o s e r u r a i s ( T ó p i c o 2 ) A) D efi niç ão, r el a çã o con as cl as se s e com o Est ado B) A produção de uma política pública do ensino a partir d a r e l a ç ã o E s t a d o - m o v im e n to s s o c i a i s Unidade 4: Família e escola A instituição família (Tópico 1) A ) M od el os f a m i l i a r e s d a s o c i e d a d e i n d u s t r i a l " e m c o n f r o n t o com m o d el o s f a m i l i a r e s d e o u t r a s s o c i e d a d e s B ) M od el o f a m i l i a r i d e o l o g i c a m e n t e d o m i n a n t e n a s o c i e d a de
urbano-industrial
A instituição escola (Tópico 2) A) Organ izaçã o e formas de poder pr es en te s na es co la B) Relação da escola com o Estado e com os movimentos ao
Justificativa do conteúdo A concepção que orienta a proposta de conteúdo deste pro _ j e t o a r t i c u l a - s e a p a r t i r das n o ç õ e s d e t r a b a l h o e co nh ecim ent o. Partimos da noção de trabalho porque este é o elemento o r g a n i z a d o r d a v i d a s o c i a l , p o i s o a ú n i c a a t i v i d a d e q ue p e r m i t e ao se r humano des env olv er uma ação — re fl ex ão s obr e a na tu re za a ponto de transformá-la segundo suas necessidades. Sendo o trabaI h o u m a a t i v i d a d e c o l e t i v a , p od em os p e r c e b e r o s s e r e s h uman os a t u a n d o u ns com o u t r o s , t e c e n d o a s s i m a s r e l a ç õ e s s o c i a i s . Partimos também do conhecimento porque este é uma dimensão do pr óp ri o ato de t r a b a l h a r : nos dução da sua
existência, de
gestos
da prod ução e repro-
in d iv íd uo s org ani zam e acumulam expe-
riências, desenvolvem uma reflexão (sistematizada ou não) que lhes permite aperfeiçoarem suas vidas. 0 conhecimento também
é
portanto, expressão de um determinado modo de organização social. Elaborar um conteúdo de
Sociologia que tenha como refe
rência as noções de trabalho e conhecimento é contribuir direta mente na construção do direito à cidadania do aluno. Como defi nimos anteriormente, ser cidadão 6 ter direito ao trabalho e à par ticipação consciente nas riquezas sociais que, com seu trabalho, o indivíduo ajuda a construir. 0 que só é possível plenamente quando o sujeito compreende a organização do trabalho e do conhe_ cimento na sociedade contemporânea em que ele vive e atua. É preciso, portanto, partir das noções de conhecimento e trabalho para compreender a sociedade contemporânea como uma to talidade histórica em contradição. Isto é, para perceber que es ta sociedade se fundamenta em relações sociais ao mesmo tempo complementares e antagônicas, que emergem de um contexto histórico. Assim será possível contrapor-se à visão a-crítica, que ex plica a sociedade como uma mera soma de diferentes instituições, cujo resultado é um corpo harmônico. Ao contrario, admitimos que a essência da sociedade nem sempre tende ao equilíbrio, mas ao conflito. Somente se incorporarmos as noções de trabalho e conhe_ cimento como elementos teóricos básicos de compreensão do social é possível compreender a real dinâmica da sociedade contemporâne_ a. Admitindo a importância de partir das noções de conheci mento e trabalho como pilares teóricos da proposta de conteúdo sociológico para os cursos de 2º grau, não é possível ignorar uma dificuldade: a dificuldade de iniciarmos o curso com essa or dem de reflexão em face do grau de complexidade da realidade so cial brasileira contemporânea. Com essa preocupação em vista, propusemos a primeira unidade como uma introdução pela qual o aluno comece a discutir a importância do trabalho e do conheclmento na evolução do ser humano. So então, já na segunda unidade, o
sua. relação com a totalidade socia1 (teoria); .desenvolver uma percepção crítica da realidade social que o cerca, ou seja, entender que um mesmo fenômeno social pode ser apreendido através de perspectivas diferentes; .incrementar sua noção de participação social; em outras palavras, ao perceber a sociedade como um processo em movimento constante, que ele entenda sua ação individual como uma ação que também pode influir nos rumos desse movimento. Acreditamos que esses três objetivos são fundamentais para o exercício consciente da cidadania. Acreditamos ainda que > através desta proposta de conteúdo, é possível uma contribuição no desenvolvimento desses objetivos; isto porque norteamo-nos por uma concepção que tenta negar as teorias a-críticas, basea das nos princípios de estática, linearidade, harmonia. Procura mos fornecer questões teóricas que se articulem pelos princípi os de movimento,contradição,
conflito, possibilitando ao aluno
estabelecer a diferença entre o conhecimento de senso comum e o conhecimento cientifico, desenvolver sua percepção critica
da
realidade e incrementar sua participação social. Temos consciência de que, isolada das preocupações com uma metodologia de ensino, esta proposta de conteúdo corre o ris co de tornar-se também um conhecimento estático, linear, harmo nioso. Por isso, no capítulo seguinte levantamos algumas ques tões básicas, para a constituição de um processo no qual o alu no possa assimilar esse conteúdo de modo crítico e dinâmico. Is_ to terá que ser garantido por uma metodologia de ensino que articule pelo princípio da problematização-teorização.
se
CAPÍTULO 3
SOBRE A METODOLOGIA DE ENSINO
O desenvolvimento inadequado de um conteúdo sociológico crítico pode ter como conseqüência a reprodução de valores pré-científicos. Por isso se fazem necessárias algumas considerações método lógicas para auxiliar no desenvolvimento do conteúdo,de tal for ma que se assegure o real conhecimento., Para garantir que isto ocorra, ressaltamos a necessidade de o conteúdo ser desenvolvi do a partir de um movimento contínuo de problematização-teoriza ção. Devemos entretanto esclarecer o significado desse movimento.
Problematizacão-teorização A problematização de questões do senso comum, presentes em todos nós, deve ser sempre o primeiro momento, o ponto de par tida da3 atividades. Alertamos que essa problematização não
de
ve ser confundida com um simples levantamento dos acontecimentos ocorridos em nossas vidas» Ao contrário, problematizar significa criar uma situação que desperte no aluno a necessidade de enten der os fenômenos de seu cotidiano sob outra perspectiva, que não a do senso comum. Em outras palavras, significa mobilizar o alu no para que perceba nos fenômenos sociais particulares uma dimen são geral (teórica).
É comum entender que um curso de Sociologia torna-se cri tico porque lida con o cotidiano do aluno. Algunas tendências pe_ dagógicas da atualidade têm enfatizado na importância de partir da realidade vivida pelo aluno; nesse sentido, admite-se que o conteúdo é algo que vai se construindo no decorrer do ano letivo, através das questões que o aluno coloca ao professor. Não temos a pretensão de negar a importância dessas tendências pedagógicas, mas e fundamental não nos limitarmos à percepção de que o conteú do e algo que parte apenas do aluno: não podemos negar a existência uma soma de conhecimentos que diferem das concepções de sen
Devemos Devemos ter cuidado cuidado com me topologias de ensino que afi a firm rmam am partir partir da da realidade realidade do aluno aluno mas, ma s, que, na verdade, verda de, apenas justifi cam a atitude de lidar com noções de senso comum, negando sutilmente aos alunos o direito ao saber científico. Não devemos negar o saber cotidi cotidiano ano do aluno, aluno , não devemos, devem os, porém, reduzir a Sociolo gia a uma pura catalogação catalogação e reprodução rep rodução desse desse saber sab er de senso co co mum» Quando nos referimos à problematização, afirmamos que o co tidiano tidiano vivido pelo pelo aluno é importante no aprendizado da Sociologia, mas não devemos atuar apenas nessa instância do conhecimen to o Devemos, Devem os, sim, utilizá-la para para motivar e despertar no aluno
a
necessidade para uma reflexão rigorosa e sistematizada sobre a vida social. social . A problematização, problematizaçã o, assim assi m defini definida, da,é é o ponto de partida para chegar à teorização das relações sociais. Assim procedendo , poderemo poderemos s contribuir contribuir para para o surgimento de uma nova prática soc i al.
Entendemos que determinados momentos do desenvolvimento de cada sub-item do programa são destinados à problematização
do
conteúdo, para que o aluno sinta a necessidade de conhecê-lo mais profundamente para entender melhor a sua vida. Essa problematiza ção do conteúdo poderá ser desenvolvida através de determinadas técnicas. Em outro momento, o conteúdo poderá ser desenvolvido na perspectiva perspectiva teórica. Esgotado esse momento
de teorização, teorizaçã o, abreabr e-
se terreno para uma nova problematização de outro aspecto do con teúdo ainda não desenvolvido, e assim por diante. Aula expositiva ou dinâmica de grupo? Para o desenvolvimento de uma metodologia de ensino que vise garantir garantir a apreensão apreensão do conteúdo por parte parte do aluno al uno, , o profes sor tem tem um papel papel fundamental. Ele não é apenas um orientador, é organizador organizador e transmisso transmissor r do conhecimento conhecimento crítico. crítico . 0 aluno, alun o, por sua vez, também também é um organizador organizador e transmissor transmissor do conhecimento.Es se conhecimento, porem, muitas vezes apresenta-se desordenado
e
permeado permeado por noções do senso comum, calcados na experiência experiê ncia cotico ti-
24.
diana diana do aluno. aluno . É um conheciment conhecimento o que que não pode ser desprezado, uma vez que consiste na matéria-prima a ser trabalhada pelo professor. Mas, Mas , se partimos do princípio princípio que a pura catologação catologação do saber
de
senso senso comum comum explica a dinâmica da sociedade contemporânea, co ntemporânea, a So So ciologia ciologia passa a ser uma ciência supérfl su pérflua. ua. Por isso a aula de So So_ ciologia não deve resumir-se resumir- se a um espaço para a troca de concep conc ep ções ções não refletidas criticamente, criticam ente, A tarefa primordial do professor e' portanto a de ser o agente que relaciona o conhecimento de senso comum ao conhecimento científico, capacitado que que está por uma uma carga maior maio r de leituras , pelo pelo acesso acesso às regras de reflexão sistematizada etc. Foi nesse sentido sentido que que negamos o papel do professor professor como como mero orientador, ori entador, afirmando firmando-o -o como como um agente agente sistematizador do conhecimento: conhecime nto: aquele que que deve deve ser capaz de de
indicar a diversidade de pensamentos possí
veis ve is, , justamente justamente no momento em que se imagina existir um único pensar.
Com base nessas considerações, afirmamos a aula expositi va como um recurso Importante no desenvolvimento de um curso de Sociologia, pois é o momento quo possibilita a sistematização sistematização dos conhecim conhecimento entos s o 0 aluno, alun o, por si so, so , dificilmente dificilmente desenvolverá
um
método de estudo, pois lhe falta a base de informações que inte gram o conteúd conteúdo» o» Por isso isso a figura do professor é importante:
em
sua exposição, ele coloca dados e argumentos teóricos a serem re fletidos fletidos pelo pelo aluno. No entanto, ent anto, uma uma aula expositiva mal prepara da pode levar esse professor a uma reprodução disfarçada do senso comum. Isso significa que o professor necessita cada vez mais se defini definir r também também como como produtor de conhecimentos, conheciment os, o que, que , em Sociolo gia, significa estar em permanente contato com livros, elaborar pequenos textos a partir de suaa leituras, participar da discussão da experiênci experiências as de outros outros professores. A tal tal ponto de, de , no momento em que que prepara prepara a sua sua aula, ser capaz de re-produzir re-pr oduzir os vários "pontos de vista" existentes sobre aquele conteúdo. A aula expositiva represei,ta um dos momentos do processo
ao aluno um conjunto de informações organizadas de tal maneira que o torne capaz de entender e de refletir sobre o conteúdo. En tendimento e reflexão que levem o aluno a perceber que vários de seus pré-conceitos sobre as relações sociais não são sinônimo da realidade realidade social. Ao fornecer informações informações novas ao aluno a aula' expositiva pode ser o momento de demonstrar que a sociedade organiza também através das aparências
se
E que, que , para chegarmos à
sua essência, e necessária uma uma reflexão reflexão diferente diferente da que realiza mos quando estamos diante das questões práticas do nosso cotidia no.
Por outro lado, as aulas expositivas devem ser intercala das por dinâmicas de grupo» Se a exposição do professor pode ga rantir o desenvolvimento do do conteúdo, conteú do, as dinâmicas de grupo
têm
por objetivo ajudar no questionamento questio namento das concepções do senso co_ mum, motivando motivando e despertand despertando o o aluno para a importância importância de rela rel a cionar os fatos"isolado3"do seu cotidiano com a totalidade soci al. Essas dinâmicas podem contribuir também para despertar a necessidade de refletir teoricamente sobre o que é proposto pelo conteúdo. Por último, as dinâmicas de grupo são importantes tam bém porque um curso de Sociologia desenvolvido apenas através de exposições do professor corre o risco de apresentar o conteúdo como algo distante da realidade vivida pelo aluno. alun o. As dinâmicas de grupo representam então o momento para uma reflexão mais li vre, vre , criadora criadora e motivadora motivadora no qual, através de algumas algumas técnicas, o professor possibilita que o aluno construa aspectos do conhecimento a sarem sarem re-elaborados re-elaborados nas aulas expositivas. Em resumo, as dinâmicas de grupo constituem momentos que dão sentido ao desen volvimento do conteúdo proposto. As dinâmicas de grupo podem ser organizadas e desenv desenvolv olvi. i. das das das mais diversas formas formas possívei pos síveis, s, cabendo ao professor a tarefa de sua elaboração, elaboraç ão, bem como como a escolha do melhor momento
de
sua aplicação. Neste projeto sugerimos apenas que em cada unidade deva existir um certo número de aulas destinadas a e3sas ativida des. Mesmo ficando a critério da criatividade do professor, a tí26.
tulo de ilustração, sugerimos que se recorra a dinâmicas de grupo em que o aluno tenha chance de lidar com imagens (fotos, desenhos), com diversas modalidades de texto (artigos de jornal, poesias)
e
também com sons (mensagens gravadas, músicas),, Isto possibilita que as dinâmicas de grupo assumam também a forma de debates
nos
quais o aluno fica livre para colocar as questões que deseja, ca bendo ao professor, nesse caso, o papel de orientador da ativida de, de modo a relacioná-la con o conteúdo proposto. Com as dinâmicas de grupo de un lado e, com as aulas expositivas de outro, estaremos na prática possibilitando a existên cia do movimento problematização-teorização. Uso ou não do livro didático? Os professores que atuam na escola brasileira cada vez mais têm organizado suas aulas a partir das informações contidas nos livros didáticos. Esta é uma prática comum tanto entre os pro fessores da escola primaria quanto entre os que lidam com o 2º gra.No
caso especifico da Sociologia, a quase
inexistência
de
textos didáticos obriga muitos docentes a uma prática altamente criativa de elaboração dos seus próprios textos, a partir da leitu ra que realizam de livros não-didáticos. De qualquer modo; essa prática criativa é ainda minoritá ria devido à baixa remuneração a que o professor está sujeito, uma jornada de trabalho extenuante,
a
a qual se agregam dificulda
des de locomoção de um estabelecimento de ensino a outro. Esses , dentre outros problemas, fazem com que a grande maioria dos pro fessores que lecionam Sociologia no 2º grau também se apeguem
à
utilização doe poucos livros didáticos existentes, como se esses textos fossem a "tábua de salvação" para as precárias condições de elaboração do seu curso. Muitos teóricos, ao analisarem recen temente as informações dadas pelos livros didáticos, acabaram por perceber e denunciar os graves problemas que acompanham
tip
mento das relações sociais fundamentais; apresentam os conceitos fora do contexto histórico em que foram ou são produzidos; a no ção de evolução social é tratada linearmente; a sociedade define-se como um corpo homogêneo, tendente ao equilíbrio e à harmonia; os problemas sociai3, quando aparecem, são tratados como "doen ças passageiras" dessa sociedade, cujas causas são atribuídas
a
condutas individuais ditas desviantes. Por essas e outras razões, são livros que valorizam uma visão de mundo a-critica. Cabe, porém, lembrar que esses livros didáticos não apre_ sentam informações falsas. Ao contrário, estruturam-se até com certo rigor científico . No entanto, são textos que explicam a realidade social sob o ponto de vista da classe dominante. Por isso, o professor que os adota
na maioria das vezes acaba repro
duzindo esse ponto de vista particular como se fosse realidade universal. 0 livro didático, nessa situação, desempenha um papel puramente ideológico: apresenta a visão de mundo de uma classe como a única visão possível. Assim, passa a ser um instrumento e_ ficaz de educação sob os padrões e interesses da classe dominan te. Diante dessa realidade surgem as questões:adotar
ou não
o
livro didático? Criar um novo livro didático, substancialmente diferente? Teria o professor disponibilidade para isso? Temos claro que abandonar o livro didático não é uma atitude simples. So várias regiões do Brasil esse tipo de texto acabá sendo o único livro a que a população tem acesso. Por outro lado, as dificuldaues com que o professor se defronta constante mente, acabam
por limitá-lo a tal ponto que a utilização do li
vro didático passa a ser o unico meio eficaz de preparar sua au la. Surge o dilema: até que ponto é possível, na realidade edu cacional que vivemos, prescindir do livro didático de que dispo mos atualmente? Se abandonar o livro didático é difícil, por que não co meçarmos a refletir sobre o melhor uso que se pode fazer desse ti po de texto? Talvez o mais importante
neste momento não seja tro-
car o livro adotado e, sim, mudar substancialmente o modp como o
28.
estamos utilizando o Para realizar um bom curso de Sociologia cindir do livro didático
não basta pres
Antes, é necessário que o professor mu
de a sua postura frente a forma como vem utilizando esse recurso. 0 primeiro passo é não confundir as informações do livro com o conteúdo de seu curso de Sociologia. Nenhum livro didático, por mais completo que possa ser, deve substituir um conteúdo previa mente programado pelo professor. Na situação atual, o mais inte ssante talvez fosse o professor organizar os alunos em grupos, in dicando diferentes livros, de tal modo que na sala de aula exis tisse confrontação entre as informações existentes nos diversos textos. Diferentes pontos de vista sobre uma mesma realidade so cial podem contribuir para que as informações úteis ao desenvol vimento do conteúdo proposto co ressaltem frente a informações li_ mitadas. Procedendo desta forma, o professor passa a ter um dis tanciamento crítico frente ao texto, passa a desenvolver um méto do de utilização do livro que permite até aproveitar bem ura texto considerado deficiente. Esse distanciamento crítico se constrói também quando o professor adota uma postura questionadora frente as informações que o livro contém, confrontando-as com a realidade vivida pelos alunos. Algumas perguntas fundamentais
devem acompanhar o profes
sor no decorrer do ano letivo: Qual é a realidade apresentada pe lo livro didático? Quem vive essa realidade? Haveria uma outra realidade? Qual ? Por que o texto não a apresente.?
Com essas preo_
cupações em mente, concluímos afirmando que não é impossível asso ciar a proposta de conteúdo apresentada neste projeto com a utili zação de livros didáticos. Essa é uma possibilidade que depende, Como vimos, de como utilizarmos o livro. Depende do distanciamen to critico quo tenhamos frente ao texto, não confundindo o conteú do
curso com ao informações contidas no livro. Por último, de
pendo de confrontarmos a realidade apresentada no texto com a rea1idade vivida pelos alunos.
CAPÍTULO 4
HUMANIZAÇÃO DA NATUREZA (1ª UNIDADE)
Os conteúdos selecionados no início do trabalho, nesta primeira Unidade do curso, de Sociologia para o 2º grau,são os seguintes: 0 conceito de trabalho e cultura (Tópico 1) A) 0 processo de transformação da natureza e o exceden te econômico: da sociedade tribal à escravista D) 0 processo de representação da natureza e a cultura C) A consciência mítica 0 momento da civilização (Tópico 2) A) A organização social complexa; agricultura, cidade e comercio B) A organização social complexa: a escrita, a lei e. as primeiras formas de organização do Estado C) A consciência filosófica A sociedade industrial (Tópico 3) A) Manufatura, fábrica e mundo urbano B) A questão da propriedade dos meios de produção C) A consciência científica D) 0 nascimento da Sociologia: as tendências teóricas Aspectos teóricos Esta unidade tem como objetivo levar o aluno a conceber o trabalho como atividade humana criadora, a partir da qual
as
pessoas, ao transformarem a natureza, transformam-se a si mes mas: ao fazer, o homem se faz. Com isso, podemos perceber a cul tura como o resultado desse processo, isto é, como momento
da
natureza humanizada. Trabalho e cultura são portanto atividades que interagem, permitindo a construção do mundo civilizado, cujo significado
e
dado pela produção do ser humano cultivado, enxertado. 0 homem é um ser que enxerta a si mesmo (produz-se), cora o objetivo de produ zir frutos mais "nutritivos e saborosos". Nesse sentido, a civi lização 6 o momento da elaboração das invenções e descobertas
mais independente em face das forças naturais. A civilização ga rante o aperfeiçoamento da vida, ao mesmo tempo que ajuda a tornála mais bela e significativa. Civilizar é, portanto, aumentar
a
humanidade do homem nesse mundo ao mesmo tempo real e imaginário. A relação homem-natureza-cultura é
garantida pelo trabalho. Tra
balho que é ação e reflexão sobre essa ação e que, no mesmo movi mento, garante a produção da vida e garante também a sua civili zação» A importância de começar um curso de Sociologia Geral
pe-
los conceitos de trabalho e cultura reside no fato de que estas' são as atividades humanas que fundam a sociedade (civilização) . Por outro lado, é muito importante também questionar a noção
de
que civilizar não é um movimento linear e unificado. Bem diferente disso, a civilização é um movimento contraditório, pois,
ao
mesmo tempo que liberta o homem das forças naturais opressivas , o escraviza a outros semelhantes.
Ê necessário, portanto, captar a dupla dialética do tra balho e da cultura: atividades que , ao civilizarem, trazem consigo elementos que podem negar essa civilização. Os primeiros po vos organizados — q u e construíram cidades, desenvolveram o comer cio e atividades agrícolas baseadas em técnicas, criaram e d omi naram a escrita assim como uma arte complexa e estabeleceram
as
primeiras formas de Estado— esses povos floreceram sobre o tra balho escravo e criaram uma cultura que legitimava essa socieda de de base escravocrata. Foi com base no escravismo que se desenvolveram a Mesopotâmia, o Egito, a Grécia, Roma e as civiliza ções pré-colombianas. Todos esses aspectos citados acima podem ser abordados simplificadanente através dos conceitos de divisão social do tra balho e de excedente econômico: a partir do momento que as atividades humanas se especializam e se tornam mais complexas, permi tem que uma dada sociedade produza mais do que consome. Daí a pergunta: quem e como se apropria dessa riqueza, desse excedente que foi produzido naquela sociedade? 32.
Consideramos importante, num curso de Sociologia Geral, abordar de modo Conciso e rápido a dinâmica das sociedades tri bal e escravista como uma introdução às formas de produção das sociedades que antecedem à nossa. Ao mesmo tempo essas socieda des permitem a reflexão sobre as relações de igualdade - desigual dade e dominação - libertação na construção da civilização huma na. No entanto, não é obrigatório nesse momento um estudo das so_ ciedades do passado. É possível compreender a dinâmica de uma so ciedade tribal por meio de um estudo introdutório das nações in dígenas no Brasil de hoje, relacionando-as com a nossa sociedade urbano-industrial, para que os alunos percebam alguns dos confli_ tos que resultam dessa relaçãoPor outro lado, também e fundamental vincular o conceito de saber a esse processo. 0 saber esta ligado não apenas à repro dução da sociedade, mas esta intimamente ligado à produção dessa mesma sociedade. Compreendendo o saber dessa maneira, é possível relacioná-lo ao tempo histórico e, a partir daí, caracterizar as suas diferentes formas: a consciência mítica, a consciência filo sófica e a consciência científica. Leve-se evitar o erro de con ceber essas diferentes formas de saber de modo linear, como se u ma antecedesse a outra, como se houvesse uma progressão, de esta dos inferiores a estágios superiores, do mítico ao científico. Ao contrário, trata-se de demonstrar que tanto a consciência mí tica, como a filosófica e a científica possuem uma lógica própri a, o que impossibilita determinar qual delas é a concepção de mundo mais elaborada. Em outras palavras, as três concepções
de
mundo são possíveis, estão presentes na sociedade contemporânea, e devem ser aceitas e analisadas. Todas essas questões e conceitos devem ser refletidos nas primeiras aulas de Sociologia Geral. Bem trabalhados, eles permitem que os alunos comecem a compreender que o movimento con traditório da civilização possibilitou o desenvolvimento da oociedade industrial na qual estamos inseridos. E3te é um dos objeti
industrial é resultado de um movimento civilizador que mantém dentro de si a contradição entre dominantes e dominados, não mais na mesma dimensão da sociedade escravista. Aquela contradi ção é agora mediatizada pela fábrica e por um saber muitas vezes utilitário» Deve-se enfim tentar estabelecer os diferentes modos com que o ser humano se apropria da natureza e a representa, com o objetivo de captar a especificidade do trabalho e da cultura sob a sociedade industrial, ainda que de modo introdutório. Por último, ainda nesta Unidade, é possível fazer uma breve referência ao surgimento da Sociologia. 0 desenvolvimento contraditório que possibilitou a afirmação da sociedade industri al criou também condições para o desenvolvimento de uma ciência preocupada em entender, analisar e interferir nessa ordem social: a Sociologia. Convém lembrar que, apesar de surgir como ciência voltada à tentativa de restauração do equilíbrio da sociedade, a Sociologia se desenvolve também por meio de teorias que apon tam para um caminho inverso: a necessidade de superação desse mo delo social do qual ela, a Sociologia, é fruto. Métodos de ensino Para o primeiro tópico, "0 conceito de trabalho e cultura", sugerimos quo se dediquem cinco aulas. Propomos que a primeira aula seja reservada para um con tato inicial com os alunos, procurando indagar deles o que enten dem por Sociologia. Anotando no quadro-negro as mais diversas opiniões, cabe ao professor
buscar uma definição simplificada e
provisória da disciplina. Num segundo momento dessa aula, o pro fessor pode apresentar uma visão geral da sua proposta de conteú do e método para o ano letivo, fornecendo dados para que os alu nos comecem, aos poucos, a ampliar seu conceito de Sociologia. A segunda aula dará início ao trabalho com o conteúdo, a partir de uma atividade de problematização. Sugerimos que o pro fessor comece a aula dividindo os alunos em grupos e pedindo-lhes
34.
que tentem definir, a partir de suas experiências pessoais, o que e cultura e trabalho. Num segundo momento, cada grupo deve a presentar o resultado de suas reflexões para o restante da clas se.
Na terceira aula, o professor relembrará junto aos alu nos as principais conclusões da aula anterior, colocando-as sin teticamente no quadro-negro. A partir daí, cabe ao professor questionar essas conclusões, mostrar suas limitações, aperfeiçoá-las e transmitir principalmente informações novas. Eis um momen to para uma aula expositiva na qual,a partir das primeiras refle xões dos alunos sobre trabalho e cultura, o professor acrescenta ra um conhecimento sistematizado, desenvolvendo os itens a, b, c deste primeiro tópico. Uma quarta aula pode ser dedicada à leitura e análise de texto. É o momento da utilização do livro didático ou de qualquer outro texto que trate dos aspectos propostos no conteúdo. 0 obje tivo dessa aula e colocar o aluno diante de questões un pouco mais complexas, a partir da analise do texto. Note-se que o alu no irá se defrontar com um texto que poderá apresentar dificulda des de compreensão; irá lidar,porém, com temas que já lhe são fa miliares, pois começaram a ser desenvolvidos nas três aulas ante riores. Cabe ao professor orientar essa leitura de tal modo que o aluno seja capaz de prosseguir com seus estudos também em ca sa.
Uma pequena avaliação do que foi apreendido e re-elabora do pelos alunos será a atividade central da quinta aula. Pode ser um exercício simples: uma pequena redação, a confecção de um desenho, uma comparação de pequenos textos etc. Para desenvolver o segundo tópico,"0 momento da civiliza ção", sugerimos que se dediquem quatro aulas. A técnica de problematização será realizada a partir
de
um questionamento e debate, Se possível, o professor proporá aos
notar o desenrolar da aula. Lançará aos demais as seguintes inda gações: a violência pode ser considerada uma manifestação cultural? Por quê? O que caracteriza a nossa cultura atual? 0 tratalho sempre foi,como vimos, fonte de riqueza; como explicar então uma situação de pobreza
numa sociedade escravista do passado?
Qual a possível relação das leis com o trabalho? ...? A partir dessas e de outras perguntas, o professor coor denará um debate em sala de aula, ao fim do qual recolherá o re latório produzidos pelos dois alunos que secretariaram essa ati vidade, Ê importante lembrar que essa dinâmica de grupo não visa esgotar o assunto proposto; deve ser realizada com o objetivo de motivar e levantar mais dúvidas do que respostas em torno do con teúdo. Numa segunda aula, o professor colocará no quadro-negro alguns aspectos contidos no relatório sobre o debate da aula anterior para, a partir daí, acrescentar a essas questões uma sé rie de informações novas, que seriam os desdobramentos dos itens a, b, c. Será mais um momento de aula expositiva. Para continuar o desenvolvimento desse tópico, o profes sor reservara a terceira aula para leitura e análise de textos. Na quarta aula, a atividade central poderá ser a de discutir
as
dúvidas de leitura ou a aplicação de exercícios, como a produção de uma redação, de um desenho ou de um poema a partir de um dos aspectos teóricos desenvolvidos nas aulas anteriores. 0 terceiro tópico, "A sociedade industrial", será desen volvido ao longo de seis aulas. Para o desenvolvimento da primeira aula deste terceiro tópico, o profesor deve pedir, com antecedência, que um pequeno grupo de alunos organize e apresente uma pequena e simples representação teatral, na qual se reproduza uma situação de trabalho comum na região, togo a seguir, aproveitando os fatos contidos nessa representação teatral., o professor conduzirá um debate. Na aula seguinte,
relembrando
junto aos alunos as con-
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clusões clusões obtidas obtidas no debate da aula anterior, o professor fará uma exposição na qual' trará para os alunos informações sistematiza das referentes ao itens a e b deste tópico. A exposição (momento de teorização) deverá estender-se a té a terceira terceira aula, aul a, na qual o professor desenvolverá os itens itens c e d deste deste tópico. Nesta aula, a partir da conceituação conceituação de ciên cia, o professor professor poderá situar historicamente historicamente a origem da Socio logia e a sua preocupação com com a interpretação e intervenção
no
social. Num segun segundo do momento, mome nto, o professor relembrará a definição definição dada à Sociologia na primeira aula do curso, cu rso, para confrontá-la confrontá- la com essas novas informações e aperfeiçoar essa conceituação. A quarta e quinta aulas serão- reservadas respectivamente para leitura de texto e desenvolvimento de alguns exercícios Note-se que esta sugestão de métodos de ensino apresenta a leitura como uma atividade que aparece sempre sempre após a aula
de
problematização e da exposição do professor. Assim o aluno terá subsídios para uma uma compreensão mais rigorosa rigoros a do texto. Por
outro
lado, também é importante realizar parte da leitura em sala de aula, porque porque assim o aluno poderá ser orientado pelo pelo professor. A sexta aula será reservada para desenvolver algum aspecto teórico que não tenha ficado muito claro para os alunos. Ou a inda para uma uma avaliação das aula au las, s, por meio de uma discussão en tre tre professor professor e alunos sobre sobre a validade dos métodos, méto dos, dos conteú dos, da das aulas aulas. . etc. Textos de apoio Seguem alguns textos para o trabalho trabalho com esta primeira U nidade.
O processo de humanização da natureza, Paulo Meksenas
A)
PEQUENO ESBOÇO DA EVOLUÇÃO DO SER HUMANO
A existência do planeta Terra é superior a quatro bilhões de anos, segundo pesquisas geológicas. A vida também é antiga, pois os biólogos acreditam que as primeiras células vivas datam de três bilhões de anos. Entretanto, o aparecimento dos animais superiores, aqueles que possuem uma anatomia complexa, é recente: datam de setenta milhões de anos. O ser humano, mamífero des cendente de um ramo dos primatas, se desenvolve há três milhões de anos. Até nossos dias, a evolução do ser humano esteve condicio nada por uma série de mudanças na espécie, que só foram possí veis devido a sua capacidade de pensar e lutar pela superação .de suas necessidades. Foi enfrentando com o raciocínio necessi dades como alimentação, vestuário ou moradia que o gênero hu mano se desenvolveu. Nesse processo de evolução, a utilização das mãos foi decisiva. A partir do momento que um grupo específico de primatas conse guiu adotar uma postura ereta, as mãos começaram a ser usadas como ferramentas para pegar e segurar objetos. Ao contrário de outros mamíferos, quando o homem passou a utilizar apenas os pés para se locomover., deixando as mãos livres, pôde fabricar outras ferramentas que o ajudaram a enfrentar o meio em que vivia. Nasce assim o trabalho: atividade que exige do gênero humano o uso constante das capacidades mentais e físicas na construção dos meios que possibilitem a sobrevivência.
B) QUANDO A EDUCAÇÃO SE DÁ ATRAVÉS DO MITO
Ao mesmo tempo cm que o gênero humano evoluiu, transfor mando u natureza através do trabalho, o ser humano também desenvolveu idéias, valores e crenças sobre seu modo de vida. As pessoas não so trabalham, também refletem e representam o mundo em que vivem. Esse fato faz com que o ser humano se preocupe em transmitir suas experiências cotidianas a seus seme lhantes. Aquilo que se aprende na prática é veiculado para outras pessoas, o que possibilita que o conhecimento humano sobre a natureza não se perca, mas se acumule de geração em geração. Os maís velhos ensinam aos mais jovens os segredos da sobrevi vência e as formas possíveis de entender o mundo em que vive mos. Nasce assim a educação: maneiras de transmitir e assegurar a outras pessoas o conhecimento de crenças, técnicas e hábitos que um grupo social já desenvolveu a partir de suas experiências de sobrevivência. Com isso. podemos afirmar que a educação também é dimen são essencial na evolução do ser humano, pois cm cada conquista rumo a civilização também se faz presente a necessidade de trans missão aos semelhantes. A educação nasce como meio de garantir a outras pessoas aquilo que um determinado grupo aprendeu. A princípio, a educação é informal, nasce de modo espontâ neo, sem necessitar de professores ou escolas, está em todo lugar c atinge a todos em meio a suas atividades cotidianas. Onde um sabe, faz c ensina; outro não sabe, observa e aprende. Nas educação aprendem as irmãs
palavras do antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, a aparece numa sociedade indígena quando: "As meninas com as companheiras de idade, com as mães. as avós, mais velhas, os velhos sábios da tribo, com esta, ou
aquela especialista em algum tipo de magia ou artesanato. Os me ninos aprendem entre jogos e brincadeiras de seus grupos de idade, aprendem com os pais, os irmãos-da-mãe, os avós, os guerreiros, com algum xamã (mago, feiticeiro), com os velhos cm volta das fogueiras. Todos os agentes desta educação de aldeia criam de parte a parte situações que, direta ou indiretamente, forçam inicia tivas de aprendizagem e treinamento. Elas existem misturadas com a vida en momentos de trabalho, de lazer, de camaradagem ou de amor. Quase sempre não são impostos e não é raro que sejam os aprendizes os que tomam a seu cargo procurar pessoas e situações: de troca que lhes possam trazer algum aprendizado". ' Vemos que a educação nasce como processo comunitário de ensinar c aprender, ligado com as necessidades de cada grupo so cial. Essas formas primárias de socialização estão presentes, não só nas sociedades do passado, nem só nas sociedades indígenas, mas também fazem parte da nossa sociedade urbano-industrial. pois, nus dias de hoje, mesmo existindo uma instituição especiali zada em educar (a escola), vemos também a existência de toda uma rede de relações educativas informais na família, no trabalho ou no lazer. Podemos também afirmar que essa educação se dá através do mito. O que isso significa? Podemos definir simplificadamentc o mito como conjunto de estórias, tendas, crenças, religiões ou ritos que compõem a vida de qualquer povo. Us mitos carregam mensagens que se traduzem nos costumes e na tradição de um povo, são uma maneira pos sível de explicar um modo de vida. Se a filosofia ou a ciência explicam o mundo através da razão, um mito o explica pela fé (crença sem necessidade de provas). Podemos afirmar que o ser humano não se caracterizou sem pre por entender o mundo através das provas que o raciocínio lógico 'lhe oferece. Antes de explicá-lo racionalmente, o ser hu mano sente o meio em que vive (tem medo, coragem, ansiedade); o mito fez com que o ser humano procurasse entender o mundo através do sentimento e buscando a ordem das coisas. Por isso o mito é educativo; traz mensagem ou normas que podem criar um tipo de comportamento no indivíduo necessário para a vida em grupo. I. Carlos Rodrigues Brandão, O que é educação, Ed. Brasilien se (Primeiros Passos), São Paulo, 1981, p. 19.
Por exemplo, há um mito muito difundido entre alguns índios do Brasil, no qual a origem da noite é atribuída à atitude de um grupo que, não obedecendo às tradições do seu povo. quebrou um coco proibido. Dali fugiu a noite, escurecendo toda a mata. Os deuses, sentindo piedade dos demais índios, devolveram-lhes a claridade do dia, mas com a condição de que agora seria sempre intercalada com um período noturno, para que todos se lembrassem do ocorrido. Não nos preocupando em saber se realmente a existência da noite pode ser explicada por esse mito ou pela idéia científica do movimento do globo terrestre, o que importa é saber que esse mito acaba sendo educativo, porque ele fixa uma norma social: os peri gos que podem aparecer a um grupo quando não se respeitam certas tradições ou o cuidado que devemos ter com o desconhecido. . . £ importante salientar que o mito não é algo do passado apenas; em nossa sociedade urbano-industrial, também vivemos ligados aos mitos: o carnaval ou o futebol são, por exemplo, ativi dades que nos fornecem mitos que dão origem a modelos e pa drões de comportamentos sociais. Em relação ao passado, a dife rença é que não possuímos apenas a consciência mítica, temos tam bém a consciência filosófica e a consciência científica, formas ra cionais de explicar o mundo. Na época das primeiras civilizações, o conhecimento humano ainda estava nas primeiras etapas de desenvolvimento e por isso existia apenas a consciência mítica: esta era a única forma possível de pensar. Será apenas com o desenvol vimento da civilização grega clássica (aproximadamente 300 a.C.) que o ser humano ocidental começa a entender aquilo que ocorre no mundo, não só pela emoção, mas racionalmente. É nesse mo mento que nasce a filosofia. C) A CONSCIÊNCIA MÍTICA E A CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA
O gênero humano desenvolve de tal modo sua consciência no tempo que chega um momento onde não basta sentir o mundo
criando valores (mitos) sobre o mundo. Surge o desejo de descobrir as leis que regem o nosso mundo, a querer entender o mundo de modo racional. Nesse sentido, podemos afirmar que a filosofia se opõe ao mito, pois a consciência filosófica não se limita a sentir o mundo. É sua ambição interprctá-Io de modo racional para, em seguida, questionar a realidade. Enquanto o mito, através de estórias e crenças, contribuía para o ser humano aceitar o mundo e se adaptar, a filosofia luta por descobrir o porquê das coisas e a possibilidade de lhes modificar a ordem. Daí a importância da antiga civilização grega clássica (it 300 a.C); é a primeira vez que um grupo humano deixa de se guiar apenas pela consciência mítica para ter uma consciência crítica da realidade. Pitágoras foi quem pela primeira vez forjou a palavra filosofia, que pode ser traduzida como sendo a atitude de "amor à sabedoria". Nesse sentido, podemos dizer que a consciência filo sófica é um modo de pensar que pretende sempre buscar a ver dade. Para isso, a postura básica é duvidar de todo conhecimento já instituído. Um dos mais importantes filósofos da Grécia, Sócrates, afir mava que não existe no mundo conhecimento pronto, acabado e que se desejamos chegar à raiz do conhecimento, devemos — em primeiro lugar — criticar o que já conhecemos. O método socrático de buscar a verdade constitui-se em duas etapas fundamentais: a ironia e a maiêutica. Na primeira etapa, devemos desenvolver perguntas sobre aquilo que já é tido como o conhecimento verdadeiro. Perguntas bem-formuladas nos levariam a duvidar daquilo que já conhecemos para, na segunda etapa, po dermos construir um conhecimento novo que no futuro, seria de novo questionado, dando origem a outro dado do conhecimento, c assim por diante. Nesse sentido, afirmamos que a filosofia é uma tentativa de entender o mundo racionalmente, contribuindo para o desenvolvi mento de uma postura que procura sempre questionar as certezas antigas na busca de novas certezas. Interessa muito relembrar que a consciência filosófica se de senvolve no seio duma sociedade (Grécia) já dividida entre escra vos e senhores. Isso implica a divisão entre aqueles que produ zem e aqueles que usufruem o produzido; aqueles que organizam e dirigem e aqueles que são dirigidos. Por isso, a filosofia não será atividade criativa ao alcance de todos: as mulheres gregas e
os escravos estarão dela excluídos. Nasce a hierarquização do saber: isto é, a sociedade se divide entre aqueles que podem saber muito (os senhores que eram filósofos), aqueles que podem saber um pouco (apenas senhores) e aqueles que não devem saber quase nada (mulheres e escravos). Se na sociedade tribal o saber é comunitário, isto é, todos aprendem e ensinam, nas primeiras sociedades complexas e ainda hoje o saber é o privilégio de alguns. Percebemos que quanto mais se desenvolvem as sociedades, maior é a divisão entre os que po dem aprender e aqueles que não podem. £ nesse momento que a educação passa a não ser a mesma para todos; teremos de um lado a educação do senhor, que o levará a ser dominador e. de outro, a educação do escravo, que o levará a ser dominado. Aqui a educação se altera profundamente, pois deixa de ser meio de fazer com que todos tenham acesso ao mesmo saber e a uma vida comunitária, para legitimar e aumentar as desigualdades. D)
A CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA E A CONSCIÊNCIA CIENTIFICA
A partir do século XVII (1601-1700 d.C), nova alteração ocorre no mundo ocidental, a partir do continente europeu. Começa nova era em que tanto a organização do trabalho como o .conheci mento sofrem modificações. O ser humano deixa de apenas expli car ou questionar racionalmente a natureza, para se preocupar com a questão de como utilizá-la melhor. Nasce assim a ciência, um modo de interpretar o mundo com fins técnicos; pois agora não se trata apenas de entender a raiz das coisas, o importante consiste em saber usar melhor a natureza para nosso maior pro gresso e conforto. Na Grécia Antiga (= 500 a. C), o filósofo se perguntava o porquê da existência das coisas, o cientista do século XVII se pergunta como utilizar melhor as coisas.
Com essa alteração, o conhecimento, Ínformação sobre o mun do, se toma muito grande, surgem novos inventos como o teles cópio, a bússola, o microscópio, balanças de precisão. Por fim, o próprio conhecimento se fragmenta; ao contrário do filósofo, que se preocupa com a totalidade do saber, o cientista se torna o especialista de um só aspecto desse conhecimento. Nascem as ciências particulares: a biologia, que estuda os seres vivos: a quí mica, que estuda as substâncias dos elementos; a física, que se preocupa com o movimento dos elementos; a história, que estuda o desenvolvimento das relações sociais; a geografia, que estuda a ocupação humana do espaço e assim por diante. Essa divisão vem de que a ciência esteja preocupada em entender a natureza com muito rigor: é a busca de um conheci mento exato sobre a realidade para que se possa agir sobre ela, tirando-se o máximo proveito. A ciência dá origem a uma lingua gem objetiva, que tenta evitar ao máximo as idéias e conclusões ambíguas e, com isso, teremos as pesquisas seguindo um método rigoroso através dessas etapas: 1. Observação dos fatos, que dá origem a uma hipótese (per gunta cuja resposta exige a investigação do cientista). 2. Decomposição dos fatos em partes (análise), que dá ori gem à experimentação atividade prática que visa verificar a hipó tese. 3. A reordenação dos fatos (síntese) que dá origem às leis da ciência (é a hipótese confirmada e generalizada para explicar outros fatos semelhantes). Para exemplificar, observemos as palavras de Otaviano Pe reira, que narra as etapas citadas anteriormente no caso específico da invenção da vacina contra a varíola, desenvolvida na Inglaterra por um cientista chamado Jcnner: 1. "MOMENTO DA OBSERVAÇÃO: Jenner observou que num rebanho de vacas atacadas pela varíola, as que já haviam sofri do anteriormente a varíola branca (varicela) se salvaram, ao passo que as outras morriam. Por qué? Porque as vacas ata cadas com varicela não pegam varíola? 2. HIPÓTESE: surgiu-lhe a idéia de relacionar os dois tem pos da doença. Desconfiou que algo se formava no organismo das vacas após a primeira enfermidade. Presumiu que prova velmente o organísmo do animal proporciona uma defesa, uma Imunização natural (hoje chamamos de anticorpos).
3. EXPERIMENTAÇÃO: Jenner Imaginou que poderia ten tar uma imunização artificial, inoculando no organismo do ani mal gérmens da doença, apenas de forma débil. É o momento da pratica, da aplicação da 'vacina'. Ao extrair um pouco da ma téria contaminada das vacas doentes e injetando em vacas sãs. Estas, então, sofriam apenas levemente de varíola e, após cura das, ficavam Imunizadas contra a doença. 4. GENERALIZAÇÃO OU LEI; ai Jenner conclui que os gérmens patógenos (isto é, que produzem a doença) Injetados nas vacas sãs provocam, no seu organismo, a produção de anticor pos que combatiam qualquer gérmen da 2doença. Isto passa en tão a ter validade para todos os casos". Conclui-se que o estudo aprofundado de uma realidade qual quer, para ser considerado como ciência, precisa seguir inicialmente as etapas citadas: observação, hipótese, experimentação e lei. Um conjunto de leis dá origem a uma teoria e, várias teorias formam uma doutrina científica. Um dos primeiros cientistas do século XVII a seguir esse mé todo foi Galileu Galilei (1564-1642), que conseguiu, entre outras coisas, estabelecer a lei da queda dos corpos, medir o espaço e o tempo que um corpo usa para atingir um plano e ainda con firmou que o nosso sistema solar é heliocêntrico, isto é, a Terra e demais planetas giram em torno do Sol... E)
A ORIGEM DA SOCIEDADE CAPITALISTA
Daquilo que foi discutido até aqui, ficam algumas dúvidas: de que modo a sociedade se altera a ponto de fazer com que, ao lado da consciência filosófica, apareça agora uma outra consciên cia: a científica? Como se apresenta a sociedade contemporânea, 2. Otaviano Pereira, O que é teoria, Ed. Brasiliense (Primeiros Passos), São Paulo, 1982, pp. 41-42
que tanto valoriza a ciência? Como se dá a educação nesse novo período da evolução do ser humano? Para responder a tais questões, é importante inicialmente nos fixar na Europa dos séculos IV a XIV (301-400 a 1501-1400 d.C), pois foi esse período que deu origem a nossa sociedade atual. Sabemos que no período citado, a Europa era um continente onde a organização econômica principal girava em tomo da terra e da propriedade da terra. O modo de vida era ligado ao trabalho rural: principal fonte de organização social. Por ser a terra fonte de riquezas é que os seus poucos pro prietários se tornavam poderosos: a camada dominante dos senho res feudais, que compreendia a nobreza e o alto clero. Por outro lado, existia uma imensa maioria de pessoas forçadas a trabalhar nas terras da nobreza feudal para sobreviver, pagando pelo uso dessa terra vários tributos: a camada dos servos que compreen dia uma imensa população de trabalhadores pobres. Nessa sociedade de base agrária, o modo de vida era comple tamente diferente do que é hoje em dia: pouco comércio, cidades quase não existiam, eram pouco mais que pequenas aldeias, o pensamento religioso moldava a vida da maioria das pessoas. A partir do século XIV, esse mundo começará a se transfor mar rapidamente. E essa transformação que nos interessa, pois, de mundo agrário, a Europa caminhou para o mundo urbano -industrial. Essa mudança não ocorreu em pouco tempo, foram pre cisos no mínimo três séculos para que ela se completasse. No en tanto, como foi uma mudança social radical, muitos a chamaram de revolução. Essa revolução que levou a Europa do feudalismo ao capita lismo teve muitas dimensões e momentos: Em primeiro lugar, foi uma revolução econômica, pois a orga nização do trabalho se alterou profundamente: da sociedade estra tificada em apenas dois grandes estamentos, surgiu novo grupo social muito importante, a camada dos comerciantes e artesãos li vres: pessoas que, a partir do século XIV, já não dependiam mais da terra, e sim de atividades puramente urbanas. Dos artesãos e comerciantes mais poderosos, surgem aqueles que passam a investir grandes somas de riquezas cm manufaturas. Essas manufaturas, na verdade, .eram as primeiras indústrias, ainda primitivas, mas que já se caracterizavam pela divisão interna de funções, o trabalho
parcelado em inúmeras atividades a partir da introdução de novas e melhores máquinas e técnicas. Cada operador de máquinas já não elabora o produto por inteiro, mas apenas uma peça que, somada às peças de outros operadores isolados, dá origem ao produto final. Ê a divisão social do trabalho. Assim, ao entrarmos nos séculos XVIII e XIX, teremos as fases da Revolução Industrial que foi a dimensão econômica da revolução que deu origem ao capitalismo. Esse modo de produção que se originou do comércio e da manufatura foi o responsável pelo desenvolvimento de novas in venções, técnicas, aumento das atividades produtivas, dando origem à moderna indústria. A intensa urbanização do nosso século é fruto desse processo e o aparecimento de classes sociais também o é. Agora, sob a sociedade capitalista, a fonte de riquezas não é mais a terra, mas sim a propriedade de fábricas, máquinas, bancos, isto é, a propriedade dos meios de produção. Assim, os poucos proprietários dos meios de produção se constituem na classe em presarial (burguesia) enquanto que uma imensa maioria de pessoas não-proprietárias se constituem na classe trabalhadora (proletaria do), que, para sobreviver, troca sua capacidade de trabalho por salário. Em segundo lugar, foi uma revolução política, pois a antiga nobreza feudal acaba por perder o domínio para a classe burguesa, economicamente mais forte. Enquanto no feudalismo persistiu uma política que representava os interesses dos senhores feudais e do clero, serão agora os empresários que passarão a organizar a política e, a partir daí, nasce o Estado moderno, isto é, nascem as formas de governo eleitas pelo voto e regidas por uma Constituição. Nasce o parlamento e o poder do Estado se divide em executivo, judi ciário e legislativo. Todas essas novas dimensões da política bur guesa devem dar a aparência de que o Estado, acima dos inte resses de classe, vem organizar democraticamente a sociedade. Nasce assim a democracia burguesa. Em terceiro lugar, foi uma revolução ideológica e científica, pois a visão de mundo sob o capitalismo se alterou: a idéia de progresso se propaga, como também a idéia de enriquecimento. A vida, dinâmica e competitiva, faz nascer o sentimento de indi vidualismo. A ciência, como já aprendemos, se origina a partir de novos métodos de interpretação da natureza. A partir da observa ção dos fatos, decomposição cm panes (análise) e de sua reordenação (síntese) se interpreta uma natureza regida por leis. Isso pos-
sibilita, com uma série de novos inventos, grande domínio do ser humano sobre a natureza, nunca visto antes na história da civi lização. F)
A ESCOLA E A SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA
Nessa nova sociedade, a cultura capitalista põe a ciência em destaque, mostrando que a vida moderna só pode ser entendida pela ótica dos métodos científicos e, com isso, a educação deixa de refletir apenas os valores religiosos como no tempo da sociedade feudal para ter a ciência como base. Será nesse contexto ideológico da nascente sociedade industrial que nasce uma nova instituição responsável por essa educação: a escola. Percebemos que uma das características da revolução ideo lógica capitalista foi transportar uma educação que durante o feudalismo ocorria na família e na Igreja para a instituição escola. Nasce assim a escola: uma instituição com normas específicas, agen tes próprios (diretores, professores, alunos, orientadores pedagógicos etc.) e toda uma hierarquia. A escola se propõe o objetivo de pre parar os indivíduos para a vida em sociedade ao mesmo tempo que desenvolve suas aptidões pessoais. Com isso, nasce também nova estrutura de ensino: muitas salas de aula, muitos alunos numa só sala, provas, notas, porcentagens de freqüência, carteiras em filas, diplomas. Tudo com o objetivo de educar massa cada vez maior de indivíduos, tentando adaptá-los aos valores dessa nova sociedade capitalista do século XVIII.
A escola que conhecemos hoje é, portanto,, produto dos séculos XVIII e XIX, período em que aparece a idéia da necessidade de educação pública e obrigatória para todas as pessoas. Já em. 1619 encontramos na Alemanha, Escócia e Holanda uma educação que se dava através de escolas garantidas pelo Estado para crianças de 6 a 12 anos. Será, porém, a partir da Revolução Francesa, em 1789, que se expande por toda a Europa e América a necessidade de instaurar o ensino público e científico para todos. Entretanto, a nova organização social do capitalismo teve um desenvolvimento contraditório, pois enquanto uns poucos se enri queciam — proprietários dos meios de produção —, a maioria em pobrecia. A fábrica, que redimensionava o avanço da ciência e o desenvolvimento de novas formas políticas, pagava salários baixís simos, forçava a migração da massa rural para as cidades e ainda trazia desemprego. A técnica trazia novas curas para doenças Outrora incuráveis, mas também o desenvolvimento da indústria bélica. Numa sociedade com progresso contraditório, o capitalismo sempre passou por períodos de crises econômicas, desequilíbrios po líticos e inúmeros conflitos. Ê nessa época que nasce a Sociolo gia: ciência inicialmente preocupada em restabelecer a ordem per dida do capitalismo. Com isso, percebemos que a Sociologia não é fruto do trabalho de um só pensador, mas de uma época, de uma nova organização social que trouxe problemas para ser interpreta dos e, nesse sentido, são muitos os que passam a desenvolver estu dos com a preocupação única de tentar entender essa nova ordem social. Dentre eles, podemos citar aqueles que são considerados clássicos na sociologia: Emile Durkheim (1858-1917), Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920). Esses três pensadores são considerados os clássicos, pois desenvolveram três teorias que acaba ram se tornando as bases de interpretação da sociedade capitalista: a Sociologia funcionalista, a crítica e a compreensiva. Os sociólogos contemporâneos como Dewey, Mannheim, Establet, Baudelot, Snyders e outros, se orientaram pelos autores clássicos.
Ê importante ressaltar que a educação como questão nunca deixou de ser analisada, porque se constitui numa parte integrante da sociedade. Mesmo se breves, em alguns casos, as referências dos sociólogos clássicos à educação acabam por ser contribuições teóricas muito importantes para que os sociólogos contemporâneos possam se especializar no estudo da educação e criar aquilo que poderíamos chamar de Sociologia da Educação. (Extraído do livro Sociologia da Educação; Introdução ao Estudo da Escola no Processo de Transformação Social, de Paulo Meksenas', Ediçãa Loyola, li edição, São Paulo, 1988)
A manufatura, a fábrica e o mundo urbano A economia de mercado anterior ao capitalismo A economia de mercado é muito antiga. Desde os pródromos da história, diferentes sociedades organizaram sua vida econômica sob a forma de produção especializada de bens que eram inlercambiados em feiras sazonais ou mercados permanentes. Nas formações sociais an teriores ao capitalismo, a economia de mercado soía coexistir com uma economia de subsistência mais ou menos extensa. Alguns bens eram produzidos como mercadorias, e muitos outros eram produzidos como valores de uso, para o consumo dos próprios produtores ou de outros membros de seu círculo doméstico, O camponês medieval, por exemplo, produzia sua alimentação, manufaturava seus instrumentos de trabalho, construía sua casa, estábulo, celeiro etc. Não poucas vezes produzia fibras vegetais e animais, que fiava e tecia, fabricando vestuário, roupa de cama, sacaria etc. Os nobres, naturalmente, não faziam nada disso, mas tinham, em seus domínios, servos que lhes forneciam diretamente, sem contrapartida, isto é, como valores de uso, alimentos e muitos objetos. A produção mercantil soía concentrar-se em objetos de luxo (jóias, armas, carrua gens, arreios, vestuário de luxo etc.) para o consumo, sobretudo, da minoria privilegiada. No Brasil, a economia de mercado se achava sitiada por amplo setor de subsistência praticamente até o começo do atual século. Na fazenda dístínguía-se a produção para o mercado (o cultivo de café, cacau, cana, algodão ou a criação de gado) da ampla e diversificada produção de subsistência. Alem de horta, pomar, plantações de cereais, criação de pequenos animais, a fazenda contava com oficinas em que se trabalhava madeira, couro, fibras, metais, barro etc. O consumo de mercadorias, na fazenda, era muito limitado, reduzido a materiais não encontrados localmente e a objetos sofisticados, em geral impor tados. Nas choupanas dos caboclos e nas vilas do interior, a presença da economia de mercado ainda era mais restrita. A economia de mercado ocupava um espaço maior nas grandes cidades, mas, mesmo aí, era comum que a maioria das famílias criasse galinhas, cultivasse árvores frutíferas e fabricasse, em casa, vestuário, roupa de cama e mesa, conservas etc. A vida das pessoas dependia apenas parcialmente do mercado; seu consumo básico estava ligado à economia doméstica. Em conse qüência, os padrões de consumo eram bastante rígidos em quantidade e qualidade. O dinheiro era importante sobretudo para adquirir bens de ostentação. Ele estava longe ainda de representar a riqueza em geral. Para a grande massa do povo, as necessidades a serem satisfeitas mediante o dinheiro eram limitadas e, por isso, a necessidade de di nheiro também o era. Para muitos, um trabalho remunerado ocasional bastava. O tempo dedicado a ganhar dinheiro devia ser menor do que o dedicado à produção para o autoconsumo e a atividades nãoeconômicas de cunho religioso, recreativo etc. A produção para o mercado era artesanal, realizada cm unidades pequenas, em geral por um número reduzido de pessoas, muitas vezes ligadas por laços de parentesco. Os regimes de mercado eram muito diversos, mas o mais comum era que, cm cada cidade ou região, os produtores do mesmo tipo de produto se organizassem em corporações de ofício, para evitar concorrência mútua. A corporação limitava o volume de producto, fixando o número de unidades de produção e o número máximo de trabalhadores por unidade. A limitação da oferta se destinava a sustentar um "preço justo" dos artigos, impedindo que um excesso de oferta o aviltasse. A corporação justificava sua utilidade para os consumidores, velando pela qualidade dos produtos. Sob este
pretexto proibia inovações técnicas, pois estas tendiam a favorecer determinados mestres em detrimento dos demais. E pelo mesmo motivo proibia o lançamento de novos produtos, cuja qualidade não era com parável aos demais. A organização corporativa era avessa a mudanças, valorizava a tradição e a defesa das vantagens adquiridas no passado. Esta economia de mercado, característica da Idade Media, mas que sobrevive nas regiões intocadas pelo capitalismo até o presente, apresenta um dinamismo muito limitado. É possível demonstrar que ela também sofre transformações, geralmente por efeito de catástrofes — guerras externas on intestinas. secas, terremotos, enchentes, epide mias —, mas seu potencial intrínseco de mudança é extraordináriamente pequeno.
O capitalismo manufatureiro O capitalismo é uma economia de mercado também, mas do índole completamente diferente, Ele surge, no século XVI, como fruto da formação do mercado mundial, resultante das Grandes Navegações. Estas estabeleceram a interligação marítima de todos os continentes e elevaram o comércio a longa distância a um novo patamar. Acima dos mercados locais e regionais segmentados, surge um mercado mundial para produtos de grande densidade de valor, como o ouro c a prata, a pimenta e o açúcar, tecidos de algodão e seda, tabaco, perfumes, pérolas etc. O grande capital comercial e usurário se lança na expansão deste mercado mundial, levando de roldão as limitações corporativas preexistentes, O capital, que até então se limitava à circulação de mercadorias e valores, penetra na produção, tornando-se manufatureira. Surgem, na Europa, empresários capitalistas que empregam grande número de artesãos e produzem cm massa para mercados que crescem sobretudo pela destruição de barreiras que separavam os mercados locais e regionais. Ê claro que o desenvolvimento da navegação marítima e, por conseqüência, da navegação fluvial, lacustre e de canais construídos pelo homem foi condição necessária para esta unificação de mercados, que constituiu a base do capitalismo manufatureiro. Mas esta condição não era suficiente. O capital manufatureiro necessitava não só do acesso físico aos mercados mas também do acesso econômico, ou seja, da possibilidade de penetrar neles de fora para vender e comprar. E este direito feria, obviamente, os interesses dos mestres c comerciantes locais, protegidos pelas regulações corporativas. O período de desen volvimento do capitalismo manufatureiro, do século XVI ao 6éculo XVIII, assiste ao embate entre o capital manufatureiro (apoiado, cm vários países, pelas monarquias absolutas) e as corporações, muitas vezes aliadas à nobreza local. Deste embate surgem as nações moder nas, politicamente dominadas pelo poder nacional e economicamente unificadas pela abolição das barreiras ao comércio interno e pela abolição das moedas c medidas locais. Os símbolos da nação mo derna são, ao lado da bandeira nacional, a moeda nacional de curso forçado c um sistema unico de pesos c medidas, que atualmente tende a ser o sistema métrico decimal. No Brasil, a luta pela unificação dos mercados foi levada a cabo pela metrópole portuguesa nos limites do Pacto Colonial, que propu nha o monopólio metropolitano do comércio com a colônia. Um epi sódio desta luta fui a proibição da manufatura de panos, no Brasil, em 1785. A medida se destinava a favorecer a importação de tecidos britânicos por capitais comerciais portugueses. Deste modo. o capital manufatureiro britânico, mediante os bons ofícios da diplomacia de Sua Majestade, que tinha feito com Portugal o Tratado de Methuen, ampliava o seu mercado mundial. Por este Tratado, o mercado portu guês se abria aos tecidos britânicos, c o da Grã-Bretanha aos vinhos portugueses. Obviamente, não bastava ao capital manufatureiro bri
Foi também mediante o colonialismo que o grande mercado da índia foi incorporado ao mercado mundial do capital manufatureira britânico. A índia possuía uniu tecelagem de alto padrão, cujos pro dutos tinham larga aceitação na Europa. O governo colonial inglês conseguiu destruir esta manufatura, assegurando tanto o mercado eu ropeu quanto o da própria índia aos tecidos britânicos. De uma forma geral, o avanço do capitalismo manufatureiro foi lento e desigual, muito dependente do apoio político de que podia dispor e das vicissitudes das lutas entre as diferentes nações européias pelo domínio das vias marítimas e dos mercados coloniais. No século XVIII, sucessivas guerras resultaram no triunfo da Grã-Bretanha sobre o seu maior rival, a França. Em conseqüência, o capitalismo manufa tureira alcançou maior desenvolvimento na Grã-Bretanha, criando as condições pura a Revolução Industrial, que teve lugar logo a seguir, O capitalismo manufatureiro foi capaz de explorar, em certa medida, a possibilidade de aumentar a produtividade mediante a pro dução em grande escala. Reunindo numerosos trabalhadores sob o mesmo teto, o capitalista manufatureiro pôde criar uma divisão técnica de trabalho dentro da manufatura, o que lhe permitiu alcançar maior produtividade do trabalho. Em lugar de cada trabalhador rea lizar todas as operações, cada operação passava a ser tarefa de um grupo específico de trabalhadores. Esta nova divisão do trabalho proporcionava três formas de au mento da produtividade: a) poupava o tempo que o operador perde quando passa duma tarefa a outra; b) aumentava a destreza do operador, que passava a se especia lizar num único tipo de trabalho; c) ensejava a invenção de ferramentas especialmente adaptadas a cada tipo de trabalho. A manufatura capitalista conseguiu, deste modo, reduzir os custos de produção, barateando seus artigos, que começaram a se tornar competitivos com a produção doméstica. A economia de mercado, ao se tornar capitalista, começou a se expandir pela incorporação de atividades até então integradas à eco nomia de subsistência. E o que acontece, na Inglaterra, com a agri cultura, que se torna, ao mesmo tempo, mercantil e capitalista. Uma grande parte dos trabalhadores é expulsa da terra e, na medida em que consegue alienar sua força de trabalho ao capital manufatureiro, passa a adquirir sua comida no mercado. Surge assim um mercado de bens para assalariados como corolário do surgimento de uma classe de proletários puros, totalmente dependentes do mercado para sua subsistência.
O capitalismo industrial A dinamização da economia de mercado pelo capitalismo ganha impulso enorme com a Revolução Industrial, que tem início na GrãBretanha, no último quartel do século XV1I1. Ela consiste essencial mente na invenção de máquinas capazes de realizar tarefas que antes requeriam a mão do homem. Na manufatura, a operação é realizada pelo trabalhador com o auxílio da ferramenta. Na maquinofatura, a ferramenta é engastada numa máquina, que substitui o trabalhador na realização da tarefa. O trabalhador em vez de produzir passa a ser necessário apenas para regular, carregar e acionar a máquina c depois para desligá-la, descarregá-la e pô-la novamente em condições de funejonar. De produtor, o operário é literalmente reduzido a ser vente de um mecanismo, com cuja força, regularidade e velocidade ele não pode competir.
A máquina é mais "produtiva" do que O homem porque supera facilmente os limites físicos do organismo humano. Movida por força hidráulica e pouco depois pela energia do vapor, a máquina pode dar conta de trabalhos para os 'quais o homem c fraco demais. O movimento da máquina 6 muito mais uniforme do que o do corpo humano, para o qual a monotonia aumenta a fadiga. Na pro dução, em grande escala, de objetos iguais, a máquina é muito superior ao homem. Além disso, ela pode ser acelerada, atingindo velocidades de movimento inalcançáveis para o homem. Por tudo isso, a substituição do homem pela máquina apresenta vantagens inegáveis para o capital, pela redução do custo de produção que proporciona. Com a Revolução Industrial, nasce o capitalismo industrial que difere do capitalismo manufatureíro não só pela técnica de produção mas pela postura que assume perante a economia de mercado. O capitalismo manufatureira inspira o mercantilismo: sua estra tégia de expansão requer a unificação do merendo nacional (inclusive o das colônias) e sua dominação mediante o monopólio político. Ele necessita da intervenção do Estado nacional para eliminar seus rivais do mercado, sejam estes artesãos locais ou manufatureiros estrangeiros. Segundo a doutrina mercantilista, cabe ao Estado promover as expor tações e limitar as importações, de modo a maximizar o saldo comer cial e deste modo promover a entrada de dinheiro (ouro ou prata) no país, para reforçar o Tesouro real. O capitalismo industrial por sua vez inspira o liberalismo: sua estratégia de expansão requer a unificação de todos, os mercados, lo cais e nacionais, sendo a competição livre para todos. Rejeita, portanto, a intervenção do Estado no mercado, mesmo que seja cm seu favor. Sua superioridade produtiva dá-lhe confiança de poder vencer a com petição, sem precisar da proteção estatal. O liberalismo econômico é parte de uma doutrina maíor, com desdobramento no nível político. Ele propugna a liberdade do indiví duo, enquanto cidadão, produtor e consumidor. A famosa palavra de ordem fisiocrata "laissez faire, laissez passer" (deixai fazer, deixai passai) proclama o direito de cada um produzir o que deseja e de comprar e vender em qualquer mercado. Este direito, no plano eco nômico, se conjuga com o direito de livre expressão do pensamento, de reunião e manifestação e de participação (mediante o voto) na escolha dos governantes. Estes direitos implicam o controle do governo pelos cidadãos ou seus representantes eleitos, cumprindo notar que o direito de votar e ser votado estava restrito aos indivíduos detentores de um mínimo de propriedade ou renda. Não se supunha quê a cida dania se estendesse aos pobres. O liberalismo é o estandarte sob o qual a burguesia luta e con quista a hegemonia econômica e política.'Na época-do capitalismo manufatureiro, a classe capitalista procura um lugar ao sol sob a tutela do'Estado monárquico, que ela não pode encarar como seu. A luta principal se trava entre a realeza e a nobreza, a primeira procurando centralizar o poder e eliminar os particularismos locais. Nesta luta, a burguesia usurária, comercial e manufatureira não passa de aliada da monarquia, de cujos propósitos unificadores se aproveita para se ex pandir. Com o triunfo do absolutismo e a constituição dos grandes impérios coloniais, a relação de forças muda. A burguesia, agora industrial, se torna imensamente rica e passa a enxergar no Estado absolutista um rival na disputa pelo excedente. Já no fim do século XVIII. Adam Smith, o grande clássico do liberalismo, deblatera contra o parasítismo do aparelho de Estado, contra os elevados gastos mili tares e contra a interferência reguladora do governo no funcionamento do mercado. A burguesia quer agora um Estado "seu", sóbrio nos
O fim do século XVIII é marcado pela Revolução Industrial na Inglaterra c pela Revolução Francesa. Ambas abrem caminho ao triun fo do liberalismo, no século seguinte,, primeiro, a seguir, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos; na Rússia, no Japão e cm diversos países da América Latina. No Brasil, o liberalismo tem seu primeiro êxito em 1808, quando D. João VI decreta a abertura dos portos brasileiros às "nações ami gas". Com a Independência, em 1822, o Brasil se torna uma monarquia constitucional, nos moldes do parlamentarismo britânico. Mas a estru tura sócio-econômica do país era completamente diferente, baseada ainda no escravismo colonial. Durante o século XIX, o liberalismo serviu, no Brasil, pa-ra con ciliar a unidade nacional, representada pelo governo imperial no Rio de Janeiro, com a dominação local da oligarquia escravocrata, O verdadeiro liberalismo era representado pelos abolicionistas, cuja vitó ria final, em 1888, criou finalmente no Brasil condições para a im plantação e expansão do capitalismo industrial.
A economia de mercado se torna capitalista A partir da Revolução Industrial, num país após o outro, o capitalismo passa a dominar a economia de mercado e esta passa a abarcar a maior parte das atividades econômicas. A ofensiva capita lista tem como motor o desenvolvimento das forças produtivas e a eliminação das barreiras institucionais à livre concorrência. O capitalismo industrial acelera o desenvolvimento das forças pro dutivas mediante o progresso das ciências fisicas e a sistemática apli cação dos seus resultados na atividade produtiva. A pesquisa científica é realizada em escala crescente, em universidades e instituições pú blicas e privadas, contando com amplo financiamento, proveniente, em parte, do orçamento governamental e, em parte, de doações privadas, estas últimas em geral estimulada? por generosas isenções fiscais. Pra tica-se tanto a pesquisa pura, que visa o conhecimento em si, como a pesquisa aplicada, que trata de encontrar conhecimentos necessários para desenvolver novos produtos ou aperfeiçoar os processos produ tivos. £ interessante observar como o ensino científico foi transformado em função das necessidades do novo modo de produção. "Até meados do século XIX, o ensino universitário da ciência na Grã-Bretanha não eslava orientado para os interesses dos industriais, que tinham ganho a liderança da sociedade britânica. Antes daquela data, o ensino universitário da ciência estava inspirado pelos mercantilistas de um período anterior ao desenvolvimento social da Grã-Bretanha. Sob sua influência, a astronomia era o ramo da ciência física de maior prestí gio, porque a segurança da navegação dependia do conhecimento as tronômico e o sucesso do comércio marítimo dependia da segurança da navegação. O prestígio da física nas universidades britânicas não ultrapassou o da astronomia até que a importância do industrialismo ultrapassou a do mercantilismo. A manufatura de máquinas, de motores a vapor e, mais tarde, de máquinas elétricas tornou o conhecimento exato das propriedades da matéria necessário ao progresso social. (...) Thomson e seu amigo Tait, que fora nomeado professor de filosofia natural em Edlmburgo, decidiram escrever um Tratado de Filosofia Natural, em que expunham a física matemática de forma adequada à demanda contemporânea. Eles expuseram a ciência da mecânica inconscientemente, do ponto de vista de um engenheiro ideal que fosse um mestre de física matemáti ca. (...) Thomson e Tait realizaram, para os líderes cultos da burgue sia industrial, a conquista e a assimilação da cultura físico-matemática
da classe mercantilista. A influência do resultado desta luta de classes numa das regiões mais elevadas do empenho humano fêz-se sentir em nível inferior, no ensino da matemática elementar. Os discípulos de Thomson, Ayrton e Perry, lideraram o movimento pelo ensino da 'matemática prática'. Eles explicaram que a nova classe de técnicos, criada pela indústria mecânica, queria um conhecimento matemálico que fosse de utilidade prática em suas tarefas." (Crowther, British scientists of the nineteenth century, citado em Hogben, 1940, p. 729.) O extraordinário desenvolvimento das forças produtivas alcançado pelo capitalismo industrial resulta tanto do fomento da atividade cien tífica como da estreita interligação dos laboratórios com as fabricas, estas recebendo, com rapidez, os resultados das pesquisas e os aplican do à produção e enviando de volta com igual rapidez os novos pro blemas suscitados pelo avanço técnico, E o que explica o continuo crescimento da produtividade e o consequente barateamento das mer cadorias produzidas pelo capital industrial. bem ao contrário da eco nomia de mercadoria anterior, em que os preços eram mantidos deliberadamente constantes, a capitalista fomenta a sistemática redução de custos e de preços. Nestas condições, a produção não-capitalista de mercadorias, operada em pequenas unidades de caráter familiar, difi cilmente poderia resistir ao avanço da produção capitalista. A partir da Revolução Industrial, a indústria de transformação, o transporte de passageiros e de carga e as comunicações se tornaram capitalistas nos vários países que se industrializaram. Na agricultura, o capital se apo derou da maior parte das plantações e da criação em grande escala. No comércio, aconteceu o mesmo com o atacado e o varejo operado em grandes unidades, como os supermercados e as lojas de departamentos. E nos serviços, o capital explora cadeias de hotéis, de lanchonetes (locais cm que so servem refeições ligeiras) além de hospitais e clinicas, escolas em todos os níveis, sem falar da rede cada vez mais extensa e diversificada de intermediação financeira (bancos, financeiras, segura doras etc), que desde sempre tiveram caráter capitalista. No fim do século passado, muitos observadores estavam convictos de que a produção simples de mercadorias estava fadada a desaparecer cm conseqüência dos ganhos de produtividade, que a utilização da ciência proporcionava ao capital. Um século depois, verifica-se que em diversos ramos da produção mercantil, a superioridade tecnológica do capital em face da produção familiar é pequena ou mesmo inexistente. Nestes ramos, a produção simples de mercadorias não só persiste mas inclusive se desenvolve. Ê o que ocorre na maior parte da agricultura, em que a combinação de plantio com a criação de pequenos animais não permite a mecanização de toda a atividade nem o rotinização da maioria das tarefas. Nestas circunstâncias, o trabalho do produtor autônomo tende a ser tão ou mais produtívg que o do assalariado. Outros casos são os serviços de reparação, o comércio varejista em pequena escala (particularmente de artigos caros: joalharias, butiques), certos serviços pessoais (tinturarias, cabeleireiros, salões de beleza), o transporte por caminhão etc. Apesar de a produção simples de merca dorias mostrar capacidade de resistir à concorrência do capitai em determinados ramos, é inegável que este domina a maior pa_rte da economia de mercado. A hegemonia do capital é conseqüência da livre concorrência, que esta longe de ser uma condição natural do mercado, A livre concor rência foi imposta em conseqüência do triunfo do liberalismo em pra ticamente todos os países capitalistas desenvolvidos. Mas este triunfo quase nunca é completo, no sentido de uma exclusão total do Estado da vida econômica. O liberalismo se impôs em medida suficiente para con verter em concorrenciais a maioria dos mercados, mas em determinadas áreas da produção a massa de pequenos operadores logra quase sempre obter alguma proteção do Estado. A agricultura, por exemplo, em que
gida da concorrência dos produtos importados. Outros tipos de peque nas e médias empresas também têm obtido favores da política econô mica: crédito a juros baixos assistência técnica, isenções fiscais. Estes lipos de ação estatal têm sido, no entanto, suficientemente limitados para não estreitar significativamente a área de acumulação de capital, a qual soe abranger a maior parte da economia de mercado. E esta, impulsionada pelo desenvolvimento capitalista das forças produtivas, tem se expandido mediante a criação de novos produtos, que suscitam c atendem a novas necessidades ou substituem bens e serviços produzidos no âmbito doméstico. São exemplos os alimentos cm conserva ou semiprocessados, vestuário, roupa de cama e mesa, o cuidado de crianças em idade pré-escolar, de pessoas idosas ou inváli das. Nota-se a progressiva atrofia da produção para o autoconsumo, à medida que o capital oferece bens e serviços análogos a preços acessí veis. E muitas atividades que continuam a fazer parte da economia doméstica passam a ser realizadas com instrumentos produzidos pelo capital (máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, aspirador de pó, liqüidificador, geladeira etc). Desta maneira, a economia capitalista de mercado está sempre se diversificando e atraindo parcelas crescen tes da população — inclusive cada vez mais mulheres casadas — ao mercado de trabalho. A oferta de novos produtos suscita novas neces sidades, cuja satisfação requer elevação da renda familiar. O assalaria mento da dona-de-casa resolve freqüentemente este problema, mas não deixa de suscitar outros, particularmente o de aliviar o peso das tarefas domésticas. Mas para estes o capital apresenta também soluções, sob a forma de mais bens c serviços postos à venda.. Desta maneira, o capital vai criando para si mesmo novas oportu nidades de inversão, o que lhe garante expansão perene. O seu destino parece ser o de crescer sempre, transformando tendencialmcntc todos os membros da sociedade em vendedores de força de trabalho e compra dores de suas mercadorias. A força expansiva do capital tende a ho mogeneizar a sociedade, tornando-a puramente capitalista. Há contratendencias, como vimos acima. Além disso, o dinamismo do capital apresenta contradições, que explodem em geral sob a forma de crises. Isso indica que a expansão do capital tem limites históricos, mas que, em países ainda pouco desenvolvidos, estão longe de ser visíveis. (Extraído do livro 0 Capitalismo;, sua Evolução_,_ sua Lógica e sua
Dinâmica, de Paul Singer, Editora Moderna, São Paulo, 1907)
São os seguintes os conteúdos e temas que compõem a segunda Uni dade desta proposta de programa para o curso de Sociologia Geral: A organização social capitalista na concepção funcionalista (Tó pico 1) A) Moral social e divisão do trabalho social B) A produção da solidariedade orgânica C) Os problemas sociais e o papel da Sociologia A organização social capitalista na concepção histórico-crítica (Tópico 2) A) A produção de mercadorias e a formação do capital B) Classes sociais: e econômico e o político C) Cidade-campo: a integração contraditória
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0 processo de controle social (Tópico 3) A) Hierarquia, disciplina e regra B) 0 processo de alienação C) Trabalho manual e intelectual: o monopólio do saber Sociedade capitalista: reprodução e resistência (Tópico 4) A) 0 conceito de ideologia B) A cultura popular Aspectos teóricos Nesta Unidade começa-se a refletir sobre o objeto ospecífico da Sociologia Geral: as diferentes maneiras de interpretar e interferir nas dinâmicas das relações sociais presentes na so ciedade industrial e contemporânea» Por isso, esta Unidade está organizada de modo a contrapor concepções teóricas diferentes que, entretanto, explicam a mesma realidade social. 0 primeiro tópico aborda alguns dos conceitos da corren te sociológica funcionalista, na qual a dinâmica social e expli cada a partir da noção de uma moral organizadora das condutas in dividuais inseridas na vida em grupo. 0 funcionalismo pensa as a ções individuais relacionadas a uma determinada consciência colo tiva cujo objetivo é organizar a vida social. 0 conceito de divi 6O.
são do trabalho social é entendido por essa corrente como elemento integrador do indivíduo à sociedade: os indivíduos ,ao se espe_ cializarem nas mais diversas atividades sociais, criam laços
de
dependência funcional, o que caracteriza uma situação de solida riedade orgânica. Nessa concepção sociológica, o funcionamento da sociedade é interpretado segundo a ótica do equilíbrio-linearidade-harmonia. Os problemas sociais são definidos portanto como doenças" passíveis de serem "curadas" pela intervenção da sociolo gia, combinada à do Estado. No segundo tópico são abordados alguns dos conceitos da corrente sociológica crítica, na qual a dinâmica social é inter pretada a partir da organização contraditória do trabalho. Nesse caso, a interpretação sociológica baseia-se no prisma do movimento-contradição-conflito e a superação dos problemas sociais pressupõe uma ação politica. Por isso, este segundo tópico inicia-se pela tentativa de compreensão do processo de formação do capital , para que o aluno perceba que a característica do trabalho em nossa sociedade atual e a de produzir mercadorias, de tal modo que confere à própria força de trabalho o estatuto de mercadoria. Dentro desta concepção, o capital não e uma mera somo de dinhei ro ou de bens de produção; e um conceito que desvenda uma deter minada maneira na qual os homens se relacionam socialmente, produção desses bens. A realização do capital
na
pressupõe a conver
são da força-de-trabalho em mercadoria, o que, por sua vez, pressupõe a análise das relações entre compradores e vendedores des sa força de trabalho. Com essas discussões e possível chegar
ao
conceito de lucro: a força-de-trabalho se caracteriza por produ zir mais do que necessita para a sua manutenção e reprodução,
o
que garante a produção do excedente econômico quo e apropriado pelo comprador dessa força-de-trabalho. Com o que foi afirmado até aqui, é possível conceber
a
tes em nossa sociedade deve-se evitar a redução dessa caracteri zação à sua dimensão econômica. É claro que a questão da próprio dade dos meios de produção delimita as classes consideradas fun damentais, É preciso perceber, porém, o conceito de classes so ciais na sua dimensão política: as classes também se originam das ações sociais de grupos que se relacionam em busca da hegemonia política, nas diversas formas en que o poder se estrutura
e
so exerce na sociedade. A dimensão política do conceito de clas ses sociais pode ser apreendida nesta Unidade pela análise de al gum conflito social presente na atualidade. Caracterizar o capital como uma relação social de produção e as classes sociais nas suas dimensões econômica e políti ca é um dos eixos centrais desta Unidade,, Em seguida, propõe-se a analise,ainda que introdutória , da relação urbano-rural na nossa sociedade. 0 objetivo é fazer os alunos perceberem até que ponto o urbano/fabril subordina e re-define o rural; por outro lado, que analisem as relações ru rais que ainda se mantêm tradicionais em face do processo de ca pitalização do campo. Essas questões permitem entender a lógica da sociedade brasileira, que é essencialmente capitalista mas que ainda reproduz relações sociais tradicionais. No entanto, a ên fase na realidade rural ou urbana será dada pelo professor da disciplina em função da realidade social a que os seus alunos estão submetidos. Ro tópico seguinte, procura-se compreender que todo o pro cesso descrito acima reproduz-se pela produção do controle social sobre a classe popular, controle este que se da por meio
da
hierarquização, disciplina e normatização das relações sociais Isto implica no aparecimento do fenômeno da alienação, que reduz a civilização a uma situação de reificação: a humanidade das ações sociais é objetivada através de uma "relação entre coisas". Com base nesta compreensão pode-se analisar o trabalho e:a nossa Sociedade como uma atividade que deixou de ser criadora, pois en
racteriza-se como uma soma de gestos mecânicos ou não-refletidos, na qual
perdemos o direito de decidir sobre o que e como pro
duzir, A compreensão do processo de alienação permitirá então compreender a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manu al
existente em nossa so ci ed ade— da qual surge o monopólio
do
saber, também uma possível forma de controle social, na qual
se
privilegia um tipo de saber em detrimento de outros. Este é o campo da ideologia. Discutir essas questões é refletir sobre o papel do sa ber em nossa atual so ciedade— assunto fundamental não para
a
formação de futuros docentes que pretendem atuar no magistério de 1º grau, mas também para todos aqueles que desejam desenvol ver o seu direito à cidadania em nossa sociedade, No entanto,se o sabor predominante é reprodutor da sociedade, não devemos re duzi-lo somente a isso, É importante discutir a possibilidade de formulação de um novo caber, também presente em nossa socie dade, que possui dimensão transformadora. Esse novo saber pode ser captado através do estudo preliminar da prática educativa presente nos movimentos de resistência, A análise desses movi mentos de resistência liga-se ao desenvolvimento do conceito de cultura popular, que se origina num processo de recuperação identidade, que ocorre em certos grupos sociais através de
da vá
rias práticas de caráter cultural. Com esses aspectos teóricos a serem desenvolvidos nessa segunda Unidade, propomos uma organização do curso que possibilite ao aluno a reflexão sobre a vida social com base em perspectivas teóricas diferentes, que não devem ser somadas, mas contra postas, até para que se expliquem os diferentes discursos dos diversos agentes
sociais presentes na atualidade.
Métodos de ensino Quanto ao primeiro tópico ,"A organização social capitalista na concepção funcionalista", sugerimos que se dediquem a ele
seis aulas. Para a primeira aula, propomos uma técnica de problematização do conteúdo. 0 professor organiza os alunos em grupos, dindo-lhes para responderem à seguinte questão: 'Imaginando a sociedade onde vivemos o semelhante ao corpo humano, descri como seria essa sociedade". Num segundo momento dessa aula, cada grupo apresentará o resultado de suas reflexões para o restante da classe. Na segunda aula,relembrando aspectos da aula anterior, o professor fará uma exposição em que colocara a possibilidade de se definir a sociedade como um corpo; enfatizará quo, na con cepção funcionalista, a sociedade é percebida como um corpo, uma totalidade em harmonia. Aqui será importante uma introdução
aos
principais conceitos dessa teoria sociológica: a moral social (consciência coletiva), a divisão do trabalho social, a produção da solidariedade orgânica etc... Para a terceira aula, propomos uma nova prolematizaç ão de conteúdo: um debate no qual o professor lança as seguintes questões :"Poderíamos afirmar que existem certas regras para a convivência em sociedade? Por que? Quais seriam algumas dessas regras que a sociedade nos impõe? Poderíamos admitir essas re gras sociais como siendo a moral de uma determinada sociedade? I quo difere a moral da nossa sociedade urbano-industrial da moral de una sociedade indígena?...?" A quarta aula será dedicada a continuidade da exposição do professor. Nelaa o professor demonstrara que a concepção fun cionalista, apesar de definir a sociedade
como um corpo com ten-
dência ao equilíbrio, esta sujeita aos problemas sociais. Este é o momento para a caracterização desses problemas sociais, suas causas c sua prevenção, destacando-se nesse processo
o |
Sociologia, Propõe-se então que a quinta e sexta aulas sejam di ca da s respectivamente para a leitura de textos e desenvolvimento de exercícios. Sugerimos que o segundo tópico, "A organização social cara-
talista no concepção histórico-crítica", seja trabalhado durante dez aulas. Na primeira aula, o professor proporá como técnica de problematização a realização de um debate. Se possível, organiza rá os alunos em círculo na sala de aula, escolhendo um ou dois estudantes para secretariar o debate, em torno das seguintes questões: "o que torna um objeto mercadoria? Quais as mercadorias que conhecemos? Seria possível definir a capacidade humana de trabalho como uma mercadoria? O que determina o valor de uma mor cadoria? O que é capital? Qual a diferença entre dinheiro e capital?...?"
A segunda aula será expositiva: nela o professor deve co locar no quadro-negro alguns aspectos dos relatórios feitos na aula anterior questionando conclusões, mostrando suas limitações, procurando aperfeiçoá-las. Cabe ao professor, neste momento, a tarefa primordial
de transmitir informações novas sobre o signi
ficado do conceito de mercadoria e sobre o processo de circula ção simples de mercadorias, terminando com uma explicitação
do
processo de formação do capital, para que o aluno, reflita sobre a origem do lucro (apropriação da riqueza) em nossa sociedade. Na terceira aula, o professor continuará a sua exposição, para definir o conceito de classes sociais em sua dimensão econô mica: a questão da propriedade dos meio3 de produção. Ac final da aula poderá pedir aos alunos uma primeira tentativa de definir a posição de classe social de alguns moradores; da região. Para a quarta aula, o professor deverá selecionar artigos de jornal que tratem de alguma greve ou manifestação política po_ pular. Com a classe dividida em grupos e cada grupo dispondo de um dos artigos, pedirá aos alunos que analisem o fato noticiado, destacando os diferentes objetivos de cada classe social envolvi da no conflito. Se isso não for possível, o professor poderá se utilizar da representação teatral como técnica de problematização "a aula seguinte, depois de ouvir as conclusões a que os
alunos chegaram com a técnica desenvolvida na aula anterior,
o
professor discutirá as limitações de se definir as classes soci ais apenas em sua dimensão econômica. Em sua exposição mostrará então a possibilidade de acrescentar a essa dimensão econômica o aspecto político, também importante para a formação das classes sociais e para a compreensão de sua dinâmica. A sexta aula será reservada para leitura e análise do texto com o professor acompanhando de perto os alu nos, para ti rar suas dúvidas de interpretação e para ressaltar as informações mai3 importantes, dando-lhes assim condições para que continuem a leitura em casa. E a sétima aula será
destinadaà realização
de exercícios: o professor pode sugerir algun3 temas para que os alunos escolham um,para desenvolver na forma de redação. Ao in vés disso, se for preferível e se houver condições, o professor pode oferecer aos alunos uma poesia que retrate um dos aspectos teóricos já desenvolvidos, propondo que os alunos a analisem. Um novo debate pode ser o eixo de trabalho da oitava au la; o professor proporá questões sobre a da organização cultural e econômica, mais próximas da realidade do aluno: "qual a profis são dos alunos presentes ou de seus pais? que tipo de trabalho predomina na
região?Qual a relação do trabalho da região com
indústria ou agricultura?
Quais e como são as festas típicas
a da
região? Há letras de música que retratam o cotidiano do trabalho na região? .. .? " Na penúltima aula destinada ao desenvolvimento deste tó pico, o professor reproduzirá no quadro-negro alguns dos aspectos teóricos sobre as relações existentes entre o mundo urbano o mun do rural. Finalmente, na décima aula, os alunos poderão fazer no vas leituras ou resolver exercícios propostos pelo professor. Para desenvolver o terceiro tópico, "0 processo de con trole social", sugerimos que se dediquem três aulas. Uma das melhores formas de problematizar a proposta
de
conteúdo contida nesse tópico seria a projeção, seguida de deba66.
de um dos seguintes filmes: Tempos Modernos de Charlie Chaplin,
ou 0 Homem que Virou Suco, de João Batista de Andrade. No
entanto, se houver dificuldades para o desenvolvimento dessa atividade, ela pode ser substituída por outra. Neste caso, o professor organizará os alunos em círculo, pedindo que alguns repre_ sentem, por mímica, os gestos que fazem parte de alguma atividade profissional predominante na região. Em seguida, professor
e
alunos discutirão o sentido dos gestos, a questão da meca nização do corpo, os gestos socialmente permitidos e os proibidos, a relação desses gestos com as regras estipuladas pelas pes_ soas que ocupam cargos superiores etc. Na segunda aula, através de uma exposição, o professor aprofundará o que foi debatido na aula anterior, propondo uma discussão sobre disciplina, hierarquia e regra na organização do trabalho na sociedade
capitalista.Um pequeno debate sobre as di
ferença entre trabalho manual e trabalho intelectual será a atividade central da terceira aula. A partir das colocações dos alu nos, o professor fará uma breve exposição sobre a questão do mo nopólio do saber, que será discutida na seqüência do curso. 0 tópico "Sociedade capitalista: reprodução e resistên cia" merecerá sete aulas r,a nossa proposta» A primeira aula será dedicada à problematização do con ceito de ideologia., Para isso, o professor escreverá no quadronegro alguns ditos populares: "Vence na vida quem diz sim", "Que se dane o mundo, que eu não me chamo Raimundo", "Em casa que mulher manda, ate o galo canta fino"
etc. Em seguida, pedirá aos
unos que escrevam outros ditos populares, aumentando assim
a
lista de frases no quadro-negro. Em seguida, abrirá o debate pa ra que se discuta o significado desses ditos populares. Cabe
ao
professor indagar também a quem servem as idéias passadas por es ses ditos, que grupos sociais poderiam ser discriminados por es sas idéias, e,ainda, que tipo de postura esses ditos populares nos incentivam a ter... segunda aula, propomos uma exposição do professor
c::.
torno do conceito de ideologia, de modo que, na terceira aula se possa oferecer aos grupos de alunos um pequeno conjunto de ar tigos de jornais onde estejam reproduzidas as opiniões de diver sos setores da sociedade
(Igreja,
Exército,
sindicatos
etc. etc.) sobre un mesmo tema. Caberá a cada grupo escrever uma pequena conclusão sobre o significado desea diversidade de opiniõos en torno de um mesmo assunto. Ao final da aula, a conclusão de cada grupo deve ser apresentada ao restante da classe. Assim procedendo, a quarta aula poderá ser reservada pa ra leitura e análise de textos. É fundamental que o professor acompanhe os alunos nessa atividade, ajudando-os a superar suas dúvidas. Ao final da aula, pode-se pedir aos alunos que tragam para a aula seguinte letras de músicas, poesias, objetos, fotos etc. que retratem o modo de viver do3 habitantes da região. Na quinta aula, a partir do material que os alunos trou xeram, pode se organizar uma pequena mostra cultural na sala, pa ra que todos os alunos tenham a oportunidade de observar e con versar sobre as características da região em que vivem. A sexta aula ficará então reservada para a realização de uma exposição pelo professor sobre os possíveis significados da cultura popu lar, aproveitando os acontecimentos ocorridos durante a mostra cultural» A sétima aula
poderá ser usada para leitura e análise
de texto ou para a realização de exercícios propostos pelo pro fessor. Ou ainda, se for preferível, para uma avaliação dos as pectos positivos e negativos do curso de Sociologia desenvolvi do ate então. Textos de apoio Seguem sete fragmentos de textos de diferentes autores, ,
para subsidiar o trabalho com os conteúdos desta Unidade.