Teologia do corpo O plano de Deus para a vida física do homem inclui muito mais do que bem estar, saúde e prazer. Por Christianity Today
Eric Liddell, célebre atleta e missionário britânico dos anos 1920, proferiu uma frase que o cinema imortalizou no filme Carruagens de fogo: ³Eu creio que Deus me criou com um propósito, mas ele também me fez veloz. E, quando eu estou correndo, sinto o seu regozijo´. A afirmação, feita numa época em que a separação entre corpo e alma era uma trincheira praticamente intransponível para os cristãos, provocou espanto pela ousadia ± ainda mais quando se sabe que o mesmo Liddell perdeu um ouro olímpico quase certo nos Jogos de 1924, em Paris (França), simplesmente porque a prova seria realizada num domingo e ele se recusou a profanar o dia do Senhor. Mesmo assim, o pensamento estabelecido há mais de dois mil anos pelo poeta latino Juvenal ± ³Deve-se pedir em oração que a mente seja sã num corpo são´ ± ainda provoca controvérsias. Séculos e séculos de uma pregação cristã que atravessou a Idade Média afirmando a pecaminosidade do corpo físico ainda encontram ecoam nos dias de hoje, apesar do hedonismo e do culto ao bem estar da sociedade contemporânea. O benefício de tais controvérsias é que elas forçam os cristãos a seriamente avaliar e definir o lugar adequado do corpo material, tanto no contexto de suas práticas espirituais quanto da teologia. Afinal, é através deste sensacional sistema que nada mais é que um amontoado de elementos como oxigênio, carbono, nitrogênio e hidrogênio que, segundo a Palavra de Deus, o ser humano glorifica ao Senhor ou afunda-se no pecado. Então, qual o papel do corpo na vida do crente? Deve-se apenas mortificá-lo, como pregavam os ascetas, ou é legítimo cuidar dele com esmero, posto que é o templo do Espírito Santo? É uma discussão que já acontece tardiamente. De certo modo, os evangélicos estão mais interessados no corpo físico hoje como nunca antes. A atenção com a cura física e com as manifestações corporalmente visíveis do Espírito Santo há muito têm prevalecido na vertente carismática da fé cristã. Contudo, em nossos dias, o que se vê é uma revigorada preocupação com a existência corpórea inserindo-se em meio ao movimento mais abrangente. Este florescente interesse nas necessidades e expressões do corpo assume variadas formas. Há que se ver, por exemplo, a renovada ênfase evangélica com respeito às dietas, ou ainda a emergente consciência quanto aos dilemas éticos na produção, distribuição e consumo dos alimentos. Indubitavelmente, nossa atração pelos esportes manifesta a seriedade com a qual se pode desfrutar os prazeres que advêm do vigor físico. Talvez, o mais importante indicador quanto ao interesse dos evangélicos pelo corpo seja o resgate das disciplinas espirituais, com o auxílio de escritores como os americanos Dallas Willard e Donald Whitney. O primeiro, em particular, através de livros comoO espírito das disciplinas(editado no Brasil por Habacuc/Danprewan) eA renovação do coração (Mundo Cristão), tem articulado uma espiritualidade com base nas Escrituras que insere-se em cada parte da pessoa humana. Talvez, esse renovado interesse pelo corpo tem sido mais evidente ± e problemático ± no ensino evangélico sobre sexo e sexualidade. Principiando nos anos 1970, os evangélicos experimentaram o que alguns estudiosos têm descrito como uma revolução sexual protestante. Manuais destinados a maximizar o prazer conjugal entre os crentes inundaram o mercado de livros evangélicos. Procurando justificar o prazer físico em meio a estereótipos de puritanismo e repressão, os crentes passaram a aceitar interpretações literais de trechos bíblicos como Cantares de Salomão que noutros tempos, fariam corar de vergonha pastores e fiéis. O argumento basilar é de que não apenas Deus fez o sexo bom, mas também que os cristãos, mais do que qualquer outro grupo, deveriam desfrutar o sexo de modo mais frequente e prazeroso ± uma espécie de apologética sexual, digamos assim. No mínimo, trata-se de um cristianismo expansivo, que tenta mover-se para fora dos muros da igreja, alcançando todas as áreas da vida do servo de Deus, especialmente o corpo. ABORDAGEM FRAGMENTADA O aspecto adverso é que os evangélicos têm sido, por vezes, desajeitados nos esforços de ver como a Palavra de Deus deveria moldar a carne. Em geral, as abordagens bíblicas quanto ao corpo têm se desenvolvido de um modo um tanto fragmentado. Qualquer que seja a tendência em voga, em determinado momento, os cristãos prontamente reagem com uma versão supostamente ³aprovada por Jesus´. Quando as dietas tornaram-se uma coqueluche, na década de 1980, logo surgiram uma série de regimes voltados aos crentes, alguns até com receitas bíblicas inspiradas no Antigo Testamento ou nos tempos apostólicos, com ênfase no consumo de grãos e carnes magras. Quando a ioga despertou grande interesse no Ocidente, rapidamente apareceram técnicas de relaxamento com base na meditação bíblica e em cânticos espirituais. E, quando a revolução sexual desfralfou suas bandeiras, os cristãos buscaram garantias bíblicas para poder se entregar aos prazeres da carne sem medo de pecar. Embora o cristianismo claramente vá de encontro a cada aspecto da vida física, esta fragmentada abordagem à teologia do corpo apresenta desvantagens significativas. Além da compreensão igualmente fragmentada do corpo que advém de desempenhar apenas
diversas funções e atividades, a ausência de um cenário teológico abrangente ameaça reduzir ensinamentos éticos e cuidados pastorais ao mero legalismo. A Igreja perdeu a noção de que o cristianismo propõe um modo de vida distinto, ao invés de apenas uma lista moralizante do que pode ser feito ou não pelo cristão. Além disso, dividir a teologia do corpo em considerações sobre o sexo, ioga ou outras experiências dá margem a dois riscos adicionais : focar estritamente na Escritura, afirmando apenas o que o texto explicitamente permite, ou priorizar exclusivamente o bem estar físico, cedendo a uma ³espiritualidade´ que busca o prazer independentemente do testemunho bíblico. Fato é que a teologia do corpo é uma das doutrinas evangélicas menos desenvolvidas. A dificuldade de passar da prática para a teologia jamais foi tão clara quanto na abordagem cristã da sexualidade. Culturalmente, o prazer sexual tornou-se um bem inviolável que prevalece sobre qualquer outra consideração; mas uma boa dose de negativismo e medo tem, sem dúvida, desfigurado o ensino evangélico sobre sexualidade. Um veneno adicional para a cobiça de nossa cultura pelo prazer é uma mentalidade atemorizantemente egoísta. O que se diz é que nada deveria privar o crente da satisfação pessoal, exceto a ausência de consentimento mútuo ou a possibilidade de danos físicos (e, por vezes, nem mesmo este último). E muitos evangélicos têm adotado, ainda que às vezes desconfortavelmente, tais atitudes autocentradas. O desafio para uma compreensão evangélica da sexualidade, então, é articular a natureza do prazer e sua relação com a sexualidade de tal modo que não haja espaço para a libertinagem, mas também se evite o puritanismo. Precisamos desenvolver uma abordagem do corpo que evite tratá-lo como um instrumento de prazer pessoal limitado apenas pelo mandamento de não prejudicar o próximo. Caso contrário, acabará se permitindo que atitudes hedonistas e egoístas se infiltrem em nosso ensino e, por fim, solapem o nosso testemunho. ³SACRIFÍCIO
VIVO´
O relacionamento entre Cristo e sua Igreja, tipificado nas passagens mais expressivas dos Cantares e exposto de maneira clara nos ensinos do Novo Testamento tem servido, desde sempre, como modelo do amor conjugal entre homem e mulher. Trata-se, sem dúvida , do relacionamento mais básico de abnegação mútua no coração da criação. Embora a ideia de uma sexualidade ³moldada em Jesus´ possa soar escandalosa, ela aponta o caminho rumo a um Evangelho ideal : o vivido por homens e mulheres que, voluntariamente ± como Cristo se deu pela Igreja ± subordinem sua busca pelo prazer físico em prol de outro. No mínimo, essa expressão das dimensões do corpo contém uma profundidade que nossos manuais sobre sexo e ensinamentos pastorais, por vezes, têm perdido. Quando Paulo expõe o profundo mistério que existe entre maridos e esposas, no capítulo 5 de sua carta aos Efésios, ele nos recorda que sua referência primária é Jesus e seu povo. Tal abordagem igualmente fornece importantes recursos para os jovens crentes e solteiros que sofrem mais quando a sexualidade é reduzida a um mero impulso animal ou um elemento essencial do florescimento humano. Exortados a permanecerem virgens em uma cultura que ridiculariza a castidade como uma auto-imposta sabotagem social e biológica, não causa surpresa o fato de jovens evangélicos lutarem para manter vidas sexualmente corretas. Portanto, uma teologia do corpo calcada na autoentrega da cruz pode dar início a uma reformulação na discussão sobre sexualidade e desenvolvimento pessoal, sugerindo padrões de vida física igualmente compartilhados por casados e solteiros. A exemplo da cena do oleiro descrita pelo profeta Jeremias, os crentes nada mais são que barro nas mãos do Senhor ± porém, podem ser transformados em vasos de honra. Em adição, uma teologia evangélica do corpo ajudaria a conter a espiritualidade piegas cuja crescente popularidade enfraquece sobremaneira a distinção do testemunho cristão. A maneira de minimizar o apelo do culto ao físico como uma prática espiritual é recuperar uma compreensão do corpo que torne a prática que vemos na Escritura mais atraente. Tal teologia poderia, igualmente, assumir um tom mais evangelístico. Isso porque jamais a dignidade e o status do corpo estiveram tão em questão quanto hoje. Assim, os evangélicos dispõem da oportunidade de saudar corpos de todos os tipos, concedendo-lhes uma dignidade e valor intrínsecos que, talvez, eles não encontrem em outro lugar. Quando o apóstolo Paulo exorta os cristãos da igreja em Roma a oferecerem ³seus corpos em ³sacrifício vivo´, ele está recomendando um ato espiritual de adoração. Sim, o Senhor se importa com nosso corpo e com tudo o que fazemos com ele. Nossa estrutura física nos foi dada como um dom, que, à semelhança dos dons espirituais, deve ser novamente disponibilizado para seu serviço. Como evangélicos, o padrão para o nosso sacrifício deve ser o estabelecido pela cruz, e o poder de nossa entrega deve ser o poder da ressurreição. Caso contrário, nossa ética será mero moralismo e a nossa espiritualidade estará desconectada da singular revelação de Deus ao homem ± qual seja, a pessoa encarnada de Jesus Cristo.T(radução: Fernando Cristófalo) Matthew Lee Anderson é graduado peloTorrey Honors Institute, da Universidade de Biola, na Califórnia (EUA) e autor de Earthen Vessels: Why Our Bodies Matter to Our Faith(Vasos terrenos: Por que nossos corpos são importantes para a nossa fé)
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Masculino e feminino Psicóloga cristã defende uma redefinição de papéis entre os gêneros na igreja, como resposta às crises da sociedade.
Tudo bem que a inspiração e as motivações do cantor Pepeu Gomes, ao compor a música Masculino e feminino, podiam ser as mais diversas possíveis. Mas ele acertou na mosca com versos como ³Ser um homem feminino/Não fere o meu lado masculino´ ± ao menos, na opinião da psicóloga clínica Isabelle Ludovico. Francesa, radicada no Brasil desde a juventude, cristã e casada com o pastor Osmar Ludovico, ela tem uma teoria muito clara sobre a questão. ³O princípio feminino é o princípio da vida, do afeto, que é importante tanto para a mulher como para o homem´, defende. ³O homem precisa se dar o direito de ser sensível´. E ela não diz isso para levantar bandeiras feministas e, muito menos, antimachistas. No seu entender, embora Deus tenha criado homem e mulher com papéis sexuais e sociais definidos, a ternura não deve ser perdida jamais. ³Fomos criados para amar. Só que, ao longo da história, sempre se proibiu o homem de desenvolver esse princípio feminino, gerando assim o modelo do machão bruto, amputado de sua afetividade ± um ser incapaz de acolher seus medos e vulnerabilidades.´ Dona de uma formação multidisciplinar, que envolve graduação em economia e especialização em terapia familiar sistêmica, Isabelle conversou com CRISTIANISMO HOJE sobre questões comportamentais e seus desdobramentos sobre a família, a sociedade e a Igreja. Acerca desta, aliás ± que conhece muito bem, já que tem uma longa trajetória evangélica como palestrante, escritora, conselheira e uma das líderes da Comunidade de Jesus, em São Paulo ±, entende que terá muito a ganhar com uma participação feminina efetiva: ³A contribuição das mulheres na liderança é legítima, já que o Espírito distribui os dons conforme lhe apraz e não conforme o sexo´. Confira a entrevista : CRISTIANISMO HOJE ± Em seus trabalhos, a senhora menciona bastante o que chama de princípio feminino. Pode defini-lo? ISABELLE LUDOVICO ± O princípio feminino é o princípio da vida, do afeto, que é importante tano para a mulher como para o homem. A mulher masculinizada de hoje precisa resgatar sua sensibilidade; mas o homem necessita se dar o direito de ser sensível. Acontece que, na nossa cultura, o homem mais sensível é logo taxado de efeminado. No entanto, homem e mulher são chamados a equilibrar emoção e razão, desenvolvendo a famosa inteligência emocional. O princípio feminino faz desabrochar a mulher e propicia uma nova masculinidade. Ele precisa ser resgatado tanto pelos homens quanto pelas mulheres, a fim de tornar o ser humano mais inteiro, mais terno. Deus criou o homem e a mulher iguais em essência, valor e dignidade, mas diferentes na sua sexualidade. Segundo as Escrituras, eles estavam nus, mas não se envergonhavam disso porque havia respeito entre eles e Deus. Repare que o Senhor incumbiu a ambos ± homem e mulher ± de, juntos, governarem a terra. Mas, movidos pela ânsia de poder, pelo desejo de ser, na expressão bíblica, ³como Deus´, eles quebraram a comunhão com o Criador. Assim, escolheram o poder, em vez do amor. Essa ruptura está na srcem dos conflitos entre os gêneros? Sim, porque, com a queda, logo, começaram as acusações mútuas e cada gênero criou seus mecanismos de defesa para se proteger do outro. O homem deu à mulher o nome de Eva ± mãe de todos ±, e tratou de governar sozinho. Dali em diante, as relações humanas foram se esfarelando. A ganância nos levou à beira da destruição pelo esgotamento dos recursos naturais, pela poluição, pelo aumento da disparidade entre ricos e pobres, pela exploração do homem pelo homem, pela violência. Se não houver um resgate do princípio feminino que nos leve à solidariedade, à justiça social, ao desenvolvimento sustentável, à simplicidade e à equidade, estaremos determinando o nosso fim. Esse principio feminino é fundamental, também, para os homens? Todo ser humano tem dentro de si o princípio feminino e o princípio masculinoeros ± e logos, yin e yang, como quisermos denominar essas duas forças. Como diz a filósofa francesa Paule Salomon, ³nascemos num corpo sexuado, mas temos que descobrir que nosso psiquismo é bissexuado. E, quanto mais aceitamos esta bissexualidade, mais evoluímos´. O que se espera é que o princípio dominante esteja em harmonia com a identidade biológica do indivíduo; mas a sociedade, ao longo da história, sempre proibiu aos homens desenvolver esse princípio feminino, gerando assim o modelo do machão bruto, amputado de sua afetividade ± um ser incapaz de acolher seus medos e vulnerabilidades. Fomos criados para amar. Esta é a essência do ser humano. Mas preferimos dar lugar à razão: o famoso dito ³Penso, logo existo´, de Descartes, expressa bem isso. Só que a consequência mais visível desse mundo racional é sua situação hoje, à beira da destruição.
E o tradicional papel bíblico da submissão feminina, como fica no meio de tudo isso? O conceito bíblico é de submissão mútua. O homem e a mulher foram comissionados para, juntos, governarem a terra. A submissão imposta de forma unilateral às mulheres é, também, fruto da queda do gênero humano. Os homens são exortados a amar suas esposas como Cristo amou a Igreja, dando sua vida por ela. Não há submissão maior do que esta! Em Cristo, podemos resgatar o projeto srcinal da criação, pois somos restaurados na nossa unidade e parceria. O que mais me preocupa é a atitude de muitos homens hoje em dia: eles são omissos, irresponsáveis, acomodados, paralisados diante desta mulher poderosa e questionadora. As mulheres estão crescendo e muitos homens encontram-se estagnados. Acontece que, numa cultura machista, o homem tem que ser forte e não pode expor a sua vulnerabilidade, principalmente na área sexual. E as igrejas reforçam este preconceito quando tendem a ser uma galeria de santos, em vez de um hospital de pecadores, de pessoas machucadas e em processo de restauração. Como diz Brennan Manning, somos todos maltrapilhos, mas escondemos nossa condição atrás de títulos e máscaras. Há mais sinceridade numa reunião dos Alcoolicos Anônimos do que na igreja. O que esses homens precisam lembrar é do conselho de Paulo, de que devemos nos gloriar nas nossas fraquezas, porque é nelas que experimentamos o poder de Deus. Quem nega suas falhas está desprezando a cruz e se privando do poder de restauração que se encontra na confissão. Em seu livro O resgate do feminino (Mundo Cristão), a senhora fala que essa inversão de papéis enfraquece as relações familiares. Como isso pode ser percebido? É sabido que as mulheres, hoje, estão dando prioridade à sua carreira profissional. Com isso, o projeto de ter filhos é protelado ± a menos que os filhos sejam entregues aos cuidados de terceiros. Assim, a disponibilidade de tempo e afetividade da mãe em relação aos seus filhos é mínima. Por outro lado, a culpa pela ausência dificulta a colocação de limites saudáveis, o que acarreta o recurso às compensações materiais. Nos dias de hoje, muitos pais estão delegando à escola ± ou à igreja, no caso dos crentes ± a tarefa de educar seus filhos. Então, eles acabam sendo ³educados´ pela TV ou passam muitas horas jogando videogame. O tempo de qualidade em família é raro, pois os pais chegam cansados em casa. Mas isso é resultado de nosso tempo, não? Sim, porque com as conquistas nos campos pessoal e profissional, as mulheres acabaram assumindo múltiplas demandas, uma vez que, de modogeral, ainda não conseguiram dividir as responsabilidades em relação à casa e às crianças com o homem. Assim, elas ficam estressadas e sua relação amorosa é tensionada por tantas cobranças ± e, muitas vezes, acabam sozinhas, pois o homem se ressente dessa dinâmica e tende a se retrair e se fechar. É uma situação muito preocupante. Essa ruptura com os papéis femininos tradicionais não era inevitável, sobretudo depois da revolução sexual dos anos 1960? Durante séculos, a mulher foi limitada ao papel de mãe e dona de casa. Então, para conquistar seu lugar num mundo construído pelos homens, ela quis provar sua capacidade competindo com eles. No entanto, isso a levou ao outro extremo : o de negligenciar seu lado feminino. Muitas mulheres estão até escolhendo não ter filhos em prol da carreira profissional, ou deixam a maternidade para mais tarde. Outras não querem nem saber de entrar numa cozinha. Creio que está na hora de resgatar aquilo que era obrigação e hoje pode ser assumido como escolha livre, o que faz toda a diferença. Mas é injusto que a responsabilidade pela família seja dada exclusivamente às mulheres. A mãe é essencial nos primeiros meses, enquanto amamenta, mas logo a figura paterna se torna muito importante. Os filhos precisam de modelo masculino e feminino. Uma relação prazerosa entre marido e mulher é que gera famílias estruturadas e filhos emocionalmente equilibrados. E onde entra a ação divina nessa mudança de comportamento? O resgate do principio feminino por homens e mulheres tem consequências na qualidade da vida afetiva, inclusive com Deus. Ele desperta capacidades com ade escuta, entrega, paixão, dependência, humildade, discernimento e compaixão.O principio feminino no homem, que Jung chamou deanima, lhe abre o caminho do coração e facilita, inclusive, a sua relação com Deus. Portanto, reintroduzir a dimensão afetiva é hoje uma questão de sobrevivência da espécie humana ± só assim poderemos cumprir nossa missão de abrir a via da interioridade e da intimidade, tornando-nos receptivos ao amor de Deus, que nos fecunda e nos transforma : a de sermos um em à sua imagem. Reconciliar o feminino e o masculino em nós vai nos conduzir a uma unidade além da dicotomia Cristo.
Isso não leva a uma inversão dos papéis tradicionais do homem e da mulher? Não, porque o conceito bíblico é de submissão mútua. O homem e a mulher foram comissionados para, juntos, governarem a terra. A submissão imposta de forma unilateral às mulheres é fruto da queda do gênero humano. Os homens são exortados a amar suas esposas como Cristo amou a Igreja, dando sua vida por ela. Não há submissão maior do que esta! Em Cristo, podemos resgatar o projeto srcinal da criação, pois somos restaurados na nossa unidade e parceria. Que efeitos positivos essa valorização da ênfase feminina pode ter paraIagreja? Como expresso em meu livro, o resgate do principio feminino deveria levar a uma transformação na liderança das igrejas. Não se trata das mulheres ocuparem o lugar dos homens, mas de introduzir uma liderança colegiada, composta por homens e mulheres : um corpo, com diferentes dons. A figura de um pastor único à frente da igreja não é o modelo do Novo Testamento. É uma herança do modelo sacerdotal judaico. A contribuição das mulheres na liderança da Igreja é legítima, já que o Espírito distribui os dons conforme lhe apraz e não conforme o sexo. Mas esta participação precisa levar a uma transformação do modelo de liderança ± de um modelo hierárquico com um líder solitário à frente da igreja, para um modelo de corpo, com um colegiado de pastores e líderes, homens e mulheres, numa igreja onde todos são chamados a contribuir conforme os dons que receberam. Um modelo de rede, mais participativo e descentralizado. De um ano para cá, desde a flexibilização das leis que regem o contrato conjugal, o número de divórcios deu um salto no país. Hoje, em muitos casos, pode-se anular um casamento com uma única ida ao cartório. O que levou a essa banalização? O casamento é visto por muita gente como uma sociedade que pode ser rompida quando alguma cláusula não é cumprida. Todo casal tem conflitos, mas o vínculo é o que a gente faz dele. Quando não se sabe lidar com as diferenças, nem se desenvolvem qualidades como a tolerância na relação, esse vínculo vai se romper. No entanto, amar e ser amado é o anseio maior de todo ser humano ± por isso, acho que a instituição do casamento vai se manter, mesmo que a taxa de divórcios seja grande. Não há estatísticas específicas, mas a observação geral nas igrejas é que os divórcios entre crentes também têm sido mais frequentes. Por que isso acontece? Para nós, cristãos, o matrimônio é uma aliança, um vínculo construído na Rocha, que é Jesus. A união matrimonial, para o crente, é um compromisso pautado na aliança de Cristo com a Igreja. O maior motivo para os divórcios é que as pessoas casam com expectativas irreais do tipo ³ser feliz para sempre´. Os crentes tendem a fugir dos conflitos, a esconder as crises e mascarar os problemas, e assim vão acumulando as decepções até não aguentar mais. Muitos relutam em buscar ajuda e tentam manter uma fachada de felicidade conjugal até o fim, buscando soluções mágicas. Há pouca transparência e as pessoas tendem a se mostrar mais ³perfeitas´ do que são. E as igrejas não abordam muito as questões sexuais, a pornografia, o abuso físico, emocional e sexual. Elas deveriam é incentivar a criação de mais espaços de sigilo e respeito, onde as pessoas pudessem externar sua fragilidade, suas dores e conflitos. Muita gente diz, genericamente, que a³falta de conversão´ está na raiz de tantos conflitos.A senhora concorda? A realidade mostrou que a ³conversão´ não representava, automaticamente, uma mudança de comportamento. Neste ponto, temos que rever nosso conceito de conversão, que significa hoje, basicamente, responder a um apelo e adotar uma declaração de fé. Mas a conversão é apenas o primeiro passo de uma longa caminhada de santificação que dura a vida inteira. É estarrecedor perceber que a taxa de divórcio entre evangélicos é parecida com a taxa nacional. A incidência de abuso físico é a mesma também! A gente fere com o que está ferido em nós. No meio evangélico, ainda se confundem bastante os papéis do pastor, do conselheiro cristão e do profissional de psicologia. Há até pastores e dirigentes evangélicos que fazem cursos simples, na área de psicologia, para "habilitar-se" mais ao trabalho de aconselhamento.O que os psicólogos cristãos pensam a respeito? De fato, a vida espiritual e emocional estão interligadas e ainda há uma tendência a extrapolar a área de atuação de cada um. Não posso falar em nome dos psicólogos, apenas no meu. Acho bom que os pastores se informem sobre psicologia, para aprimorarem sua prática pastoral. A primeira coisa que irão perceber é que aconselhar não significa dar conselhos, mas apenas ajudar a pessoa a enxergar melhor as opções à sua frente. Participo da Comunidade de Jesus em São Paulo, onde não há pastor remunerado pela
igreja e um dos presbíteros é psicanalista. Lá, ele exerce o seu dom na área de ensino e direção espiritual, numa relação de reciprocidade e edificação mútua dentro do Corpo de Cristo. A questão da homossexualidade envolve as mais variadas polêmicas. Uma delas, e talvez das principais, é quanto à sua srcem ± é comum, no meio evangélico, a tese de que ela pode ser revertida para a heterossexualidade, considerada o padrão deDeus para o ser humano.No entanto, grupos de defesa dos direitos dos homossexuais e uma grande parcela dos seus colegas psicólogos dizem que isso é impossível. Para eles, a mudança é apenas comportamento sugestionado ou uma tentativa que, ao fracassar, acarreta sofrimento psicológico. O que a senhora diz? Assim, a própria natureza denuncia a inviabilidade desse tipo de relação. Um casal homossexual não pode se reproduzir. A Bíblia também é clara a respeito do assunto. Tenho acompanhado pessoas que sofriam por terem sido iniciadas sexualmente e de forma abusiva por pessoas do mesmo sexo, o que as colocava em conflito com sua identidade física e com seus valores espirituais. Ao tratar do abuso, essas pessoas puderam se reconciliar consigo mesmas e iniciar uma relação heterossexual prazerosa e duradoura. A sexualidade humana é uma construção biológica e psicosocial. Eu conheço pessoas que se consideravam homossexuais e se tornaram heterossexuais. Mas eu nunca fui procurada por um homossexual que quisesse permanecer nesta condição, e não estaria qualificada para esta demanda.
Como ler e compreender a Bíblia Novas estratégias de interpretação das Escrituras podem aprofundar a vida do fiel com Cristo. Por ser um livro extenso, mesmo os leitores mais cuidadosos podem interpretá-la de muitas maneiras. Por J. Todd Billings
Muitas vozes têm se levantado ± e com razão ± para dizer que uma crise de interpretação bíblica está em curso. Embora a Bíblia Sagrada seja o livro de maior circulação no mundo e os cristãos, estimados em mais de 2,3 bilhões de pessoas, sejam o maior grupo religioso do planeta, é preciso salientar que tal crise não envolve exatamente o declínio do número de leitores que reconhecem a autoridade das Sagradas Escrituras como Palavra de Deus. O problema é de outra natureza, bem mais sutil ± e preocupante. Acontece que muitos que leem e interpretam o livro sagrado da fé instituída por Jesus não o fazem, necessariamente, do ponto de vista cristão. Em tempos de pragmatismo exacerbado em praticamente todas as áreas de atividade humana e de uma crescente importância ao chamado bem estar do indivíduo, mais e mais pessoas têm enxergado a Bíblia como uma espécie de panaceia para todos os males e angústias. Textos e princípios da Palavra de Deus são empregados ao arrepio da boa hermenêutica, no objetivo de estimular, e até mesmo justificar, mesmo as práticas mais mesquinhas. Livros, pregações e palestras de cunho cristão prometem soluções bíblicas para se ter sucesso nas finanças, boa saúde, relacionamentos amorosos bem sucedidos ± vitória, enfim, em todas as áreas. Assim, cada crente é incentivado a ver aplicações práticas de sua fé em vários aspectos da vida, com se a Bíblia fosse um ³livro-resposta´ para toda a sorte de necessidades e problemas. Entretanto, esse tipo de mensagem, centrada no indivíduo e em suas preferências, carece de uma interpretação da Bíblia como um livro que questiona as necessidades essenciais do ser humano ou que aponta para muito além delas. E não são apenas os escritores e preletores bem-intencionados que falham em oferecer uma abordagem bíblica realmente cristã. Vários estudiosos interpretam as Escrituras como parte da História antiga, utilizando-a somente como mais um elemento para responder a questões arqueológicas e sociológicas sobre a Antiguidade. Outros tentam reconstruir o pensamento de um livro ou de um autor específico à luz da modernidade. Há quem seja capaz de escrever profundos ensaios sobre a teologia de Paulo sem considerar, em momento algum, que Deus esteja falando às pessoas de seu tempo por meio dos textos antigos do apóstolo ± sem falar naqueles que procuram fazer uma correlação entre o contexto histórico de uma passagem com o mundo atual, mas, inadvertidamente, sugerem que muitos cristãos não são capazes de entender a Palavra de Deus por não terem a necessária formação acadêmica. Em parte, devido a inadequações tanto na leitura popular quanto acadêmica da Bíblia, um número crescente de estudiosos passou a defender o que chamam de ³interpretação teológica das Escrituras´. Eles incentivam uma leitura do texto bíblico como instrumento de autorrevelação divina e de salvação do homem por meio de Jesus, enredo central de toda a narrativa do Antigo e do Novo Testamento. Esta escola de interpretação inclui uma grande variedade de práticas, mas todas elas visam a promover o conhecimento do Deus Trino e o discipulado cristão por meio das Escrituras.
Quando se examina a interpretação bíblica, é preciso prestar atenção à chamada teologia funcional, ou seja, o fato de que a maneira como se usa a Bíblia reflete as convicções que se têm a respeito dela. Existem, basicamente, duas abordagens comuns para a utilização das Escrituras. Alguns leitores se voltam para a Bíblia como se tivessem em mãos o projeto de construção de um prédio. Em seguida, passam a tentar encaixar passagens isoladas como se fossem os tijolos. Tal prática parte do princípio de que já se sabe o sentido maior das Escrituras ± portanto, a tarefa de interpretação bíblica se torna uma questão apenas de descobrir onde determinada passagem se encaixa no sistema teológico defendido por cada um. Outros preferem uma abordagem do tipo self-service. Nesta ótica, muito empregada hoje em dia, a Palavra de Deus é como um enorme buffet de comida a quilo ± cada um escolhe o que vai consumir à vontade, de acordo com suas preferências teológicas e interesses. Em ambas os casos, tanto o do projeto de construção quanto o do self-service, as Escrituras são usadas no sentido de atender a um propósito pessoal. Quem está no controle é o usuário; ele pode até reconhecer a autoridade bíblica, desde que ela confirme suas ideias preconcebidas ou o abasteça com conselhos divinos acerca de suas necessidades. Os leitores que trazem consigo seu próprio projeto pré-concebido acreditam que não se pode ler as Sagradas Escrituras sem trazer à tona algum entendimento. Já os do tipo self-service acreditam que a Bíblia é um livro pelo qual Deus fala diretamente com eles. ³REGRA DE FÉ´
Uma leitura teológica das Escrituras faz uso das duas suposições, embora de uma forma muito mais profunda e completa. É como se, em vez de fornecer ao leitor um projeto detalhado, a análise teológica da Bíblia trouxesse uma espécie de mapa de viagem. Tal mapa, entretanto, não nos oferece todas as respostas sobre qualquer texto em particular. Em vez disso, a leitura é o começo de uma jornada na qual Deus, através de sua Palavra, vai ao encontro do indivíduo repetidas vezes, trazendo reconfortantes sinais de sua presença e surpresas que podem até confundir, mas também descortinam novas perspectivas. A leitura bíblica, portanto, não tem a ver com a montagem de um quebra-cabeças, mas com a resolução de um mistério. Através das Escrituras, encontramos nada menos que o misterioso Deus Trino, em pessoa. Os primeiros cristãos também ensinavam que os seguidores de Jesus deveriam aproximar-se das Escrituras com uma espécie de mapa teológico básico em mãos. Por volta do segundo século, Irineu falou sobre a ³regra de fé´, como forma de entender os princípios básicos com os quais os crentes ortodoxos (em oposição aos gnósticos) deveriam aproximar-se da Palavra de Deus. Essa regra de fé não foi criação de algum estudioso em particular, mas provinha do Evangelho e da identidade cristã, fundamentada no batismo: quem lia as Escrituras o fazia como seguidor de Jesus, batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Assim, os primeiros credos batismais, ou declarações de fé, tinham um caráter trinitário ± como o Credo Apostólico, por exemplo ± e forneceram o conteúdo básico da regra de fé. Mas por que isso foi e é necessário? A Bíblia é um livro extenso, e mesmo os leitores mais cuidadosos podem interpretá-la de muitas e diferentes maneiras. Contudo, nem todas essas formas de interpretação são, de fato, cristãs, na plena acepção da palavra. Por exemplo, uma pessoa pode ler a Bíblia de modo que veja o Deus de Israel apenas como um juiz, ou seja, uma antítese do Pai gracioso apresentado nos evangelhos. Mas esta não é a leitura cristã nem do Antigo nem do Novo Testamento. Nos primeiros séculos do cristianismo, a regra de fé ajudou a assegurar que os cristãos mantivessem a conexão entre as duas partes das Escrituras, uma visão ampla na qual o Deus da Criação e da Aliança, revelado aos patriarcas e à nação de Israel, é também o Deus revelado em Jesus Cristo. A regra de fé, baseada na crença no Deus Trino, tem sido um elemento crítico para a leitura da Bíblia desde a Igreja Primitiva, passando pela Idade Média e pela Reforma Protestante. Os reformadores enfatizaram que a Escritura (e não a tradição da Igreja) era a única e definitiva regra de fé. Lutero, Calvino e outros confirmaram isso, de forma clara e entusiástica, ao defender uma abordagem das Escrituras com base na Trindade. Ao interpretar o Velho Testamento assim como o Novo, os reformadores buscavam ler as Escrituras à luz de Cristo, como o cumprimento das promessas de Deus na Criação e na Aliança, aplicando esse princípio à Igreja e aos discípulos de Jesus. Segundo muitos estudiosos contemporâneos, essa regra de fé trinitária básica estabelece as bases apropriadas para a interpretação da Bíblia como o livro-texto do cristianismo. A regra de fé, neste sentido, é o que nos dá a percepção do que é central e do que é periférico em termos de interpretação bíblica. Ele não define com antecedência o significado de determinadas passagens; em vez disso, fornece ao leitor uma melhor percepção da esfera em que se dá a jornada da leitura da Bíblia, forjando um caminho para uma comunhão mais profunda com o divino. O novo mundo em que Deus nos coloca por meio das Escrituras é vasto e amplo, mas também tem um caráter específico. É uma jornada pelo caminho de Jesus Cristo, pelo poder do Espírito, uma antecipação do clímax da comunhão final com o Deus Trino.
Mas e a questão da necessidade de conhecimento especializado para a correta interpretação teológica das Escrituras? Ao mesmo tempo que alguns adeptos do movimento da interpretação teológica nos encorajam a um envolvimento maior com comentaristas pré-modernos e com a moderna crítica bíblica, eles também têm grande confiança na capacidade das congregações comuns de se aproximarem das Escrituras como sendo a Palavra de Deus. Duas dinâmicas são, muitas vezes, ignoradas nas interpretações bíblicas contemporâneas, especialmente, aquelas baseadas em suposições histórico-críticas. A primeira é a obra do Espírito de trazer luz à Escritura; a segunda, a interpretação bíblica ³em Cristo´. Congregações cristãs em todo o mundo cultivam uma percepção dessas duas realidades quando oram pela iluminação do Espírito, quando adoram a Deus ou quando aplicam as Escrituras na vida da comunidade em forma de discipulado e testemunho. É claro que essas práticas não são garantia de uma hermenêutica fiel, porém são dinâmicas indispensáveis para interpretar a Bíblia como, de fato, Escritura Sagrada. Isso porque a presença do Espírito em uma comunidade cristã, estabelecida em Jesus, tem a capacidade única de equipar esse grupo para interpretar a Bíblia como Palavra de Deus. IDENTIDADE EM CRISTO Acontece que aproximar-se da Bíblia com tais pressupostos teológicos é considerado anátema para muitos teólogos da atualidade. Eles supõem que as convicções teológicas opõem-se à fiel interpretação bíblica, ao invés de ser sua potencial aliada. Há uma preocupação genuína por trás dessa objeção : a de que a teologia deve ser extraída da Bíblia, e não imposta ao texto escriturístico. Aqueles que fazem esse tipo de objeção, normalmente, partem do pressuposto de que não somos capazes de ser imparciais em nossa interpretação, mas sim, que a Bíblia é que deve dar uma espécie de suporte a nossas conjecturas teológicas. Embora seja correto procurar extrair da Bíblia a nossa teologia (e não o contrário), outros estudiosos observam que as convicções teológicas e as práticas religiosas, como a adoração, tornam a leitura bíblica mais frutífera. Como afirma R.R. Reno, no seu prefácio ao Comentário Brazos, a doutrina teológica ³é um aspecto crucial da pegagogia divina, um agente de esclarecimento para nossas mentes turvadas pelos enganos´. Naturalmente, uma leitura teológica da Escritura pode conter também armadilhas. Mas a solução, definitivamente, não é deixar o estudo da Bíblia somente para os especialistas acadêmicos. Pelo contrário ± é recuperar a perspectiva do lugar das Escrituras em meio à obra de redenção divina e abraçar a tarefa de ler o texto bíblico com abertura suficiente para que Deus possa reformar e remodelar nossa caminhada. Assim, faremos morrer o velho homem e dar espaço a uma nova identidade em Cristo. Devemos também evitar o outro extremo : interpretar a Bíblia sozinhos, sem qualquer ajuda. Em nossos dias, muitos acreditam que o indivíduo pode ser um intérprete ³todo-poderoso´ do texto sagrado ± não haveria necessidade de consultar o que dizem os comentaristas nem tampouco estar integrado a uma comunidade de fé. Apenas o indivíduo, a Bíblia e o Espírito Santo bastariam. Embora, por vezes, o dito reformadoSola Scriptura seja usado para justificar tal procedimento, ele é, na verdade, uma grave distorção desse princípio protestante. Os principais exegetas da Reforma consultaram o que outros escreveram através dos tempos, bem como aprimoraram seus conhecimentos das línguas bíblicas e se aperfeiçoaram em outras habilidades necessárias à correta hermenêutica. O movimento da interpretação teológica das Escrituras busca reunir o que a modernidade dividiu : o discipulado e o estudo bíblico crítico. Agostinho, em sua obra intituladaSobre o ensino cristão, afirma que Jesus Cristo, como o Deus-humano encarnado, é a ³estrada´ para nossa pátria celestial. Assim, toda interpretação da Escritura deve ser necessariamente feita à luz de Jesus Cristo ± e conduzir ao nosso crescimento no amor a Deus e ao próximo. Paralelamente, Agostinho destaca que ter conhecimento do grego e do hebraico é muito importante para a interpretação das Escrituras. Em pleno século 5, Le já dizia que a leitura bíblica agrupa as disciplinas da história, da retórica, da lógica e do que modernamente chamaríamos de antropologia cultural. Assim como Agostinho, o movimento da interpretação teológica tem buscado aproximar o discipulado cristão do estudo acadêmico das Escrituras. Desta maneira, mesmo narrativas extremamente ligadas ao contexto cultural e religioso no qual foram escritas ganham novos contornos. As passagens dos evangelhos que se referem aos fariseus, por exemplo. À primeira vista, as repreensões de Jesus àquele grupo não dizem respeito ao leitor moderno. Mas o estudo histórico tem mostrado que os fariseus não eram apenas legalistas estereotipados ± eles buscavam de fato uma renovação na obediência à Lei da Aliança, a partir das promessas de Deus para Israel. É verdade que pensavam diferente de Jesus e dos primeiros cristãos, mas também é certo que havia aspectos comuns entre eles. Assim, quando pensamos estar livres de quaisquer implicações das duras palavras de Jesus aos fariseus, o raciocínio em perspectiva histórica nos ajuda a, mais uma vez, a aplicar em nossas vidas a mensagem (sempre tão pungente) da Palavra de Deus. Em termos mais gerais, pode-se dizer que o estudo crítico ajuda os leitores a evitarem erros que atrapalhem uma leitura bíblica frutífera. Tais
equívocos podem ser mal-entendidos quanto aos tipos bíblicos ou equívocos de interpretação de natureza linguística ou cultural. Daí a importância do conhecimento das línguas srcinais e de crítica textual. Embora tais elementos não sejam imprescindíveis à apropriação dos conteúdos espirituais da Palavra de Deus, eles fornecem caminhos seguros para uma hermenêutica mais fundamentada. Como Agostinho sugeriu, vários métodos interpretativos são válidos. Entretanto, eles precisam conduzir a uma compreensão da Bíblia como a poderosa Palavra de Deus e a um entendimento da Igreja como uma comunidade de discípulos, que cresce à imagem de Cristo. VIVER PELA PALAVRA Uma característica fundamental de muitos trabalhos na área da interpretação teológica tem sido o renascimento de formas de interpretação bíblica essencialmente simbólica. Sob esse ponto de vista, o Antigo Testamento não tem apenas um sentido histórico ± como querem muitas correntes ±, mas também espiritual, que se estende a Jesus e à sua Igreja nos dias de hoje, na forma de alegorias ou tipologias essenciais à vida cristã. Ao longo dos últimos dois mil anos de cristianismo, raramente os exegetas deixaram a figura de Jesus fora de sua leitura do Antigo Testamento. Assim, a narrativa da primeira parte da Bíblia Sagrada continuou a ter integridade, mesmo quando significados ³espirituais´ referentes a Cristo foram sobrepostos a ela. Esta abordagem do Velho Testamento está baseada no próprio Novo Testamento, que nos dá bons exemplos dela. Para os escritores neotestamentários, não é apenas um salmo ou profecia messiânica ocasional que se aplica a Cristo ± eles leem todas as Escrituras de Israel sob a perspectiva do advento e da obra salvadora do Filho de Deus. Por exemplo, o livro de Hebreus começa com sete citações de textos do Antigo Testamento a partir de diversos contextos (Salmos, Deuteronômio e II Samuel); no entanto, é inegável que todas elas se aplicam a Cristo. Isso não se deve à hermenêutica particular do autor da epístola, mas a seu entendimento de quem é Cristo no plano de salvação de Deus : ³Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o universo. O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser´ (Hebreus 1.1-3, na Nova Versão Internacional). O Filho foi o cumprimento de diferentes passagens do Antigo Testamento. Embora, nas palavras do escritor, ele não tenha sido reconhecido como verdadeiro Messias em seus dias, o Filho é o Criador e também é o ³herdeiro de todas as coisas´ ± e, em Jesus Cristo, deu-se a conhecer na história humana. Isso significa que uma leitura espiritual do Antigo Testamento não pode aniquilar a sua narrativa em si. Quando o Jesus ressurreto abriu o entendimento de seus companheiros no caminho de Emaús ³para entender as Escrituras´, ele não disse que a lei de Moisés, os escritos dos profetas e os Salmos tinham sido descartados, mas sim, que estavam se cumprindo nele (Lucas 24.44-45). Como observa John Webster, teólogo da Universidade de Aberdeen, na Escócia, e um dos maiores defensores da interpretação teológica, a ³leitura das Escrituras é um episódio na história do pecado e de sua superação; e vencer o pecado é a obra única obra de Cristo e do Espírito´. Assim, de acordo com esse raciocínio, a leitura bíblica está inevitavelmente ligado à regeneração. Como tal, lemos a Bíblia esperando receber uma palavra divina ± tanto de conforto, quanto de confronto. A Palavra de Deus nos renova, ao mesmo tempo em que confronta nossos ídolos pessoais e culturais, traz luz ao nosso caminho e nos equipa para nosso serviço neste mundo. Assim, ver a Bíblia como a Palavra de Deus envolve deleitar-se nela, memorizá-la e viver por ela. Quando Jesus foi tentado por Satanás, respondeu com passagens bíblicas que tinha na memória. Paulo, em sua Epístola aos Colossenses, adverte os crentes a deixarem a palavra de Cristo ³habitar´ abundantemente em si.Já o evangelho de João mostra adinâmica trinitária do viver pela palavra do Filho de Deus, quando diz que o Espírito, enviado aos crentes, glorificará Cristo. Deleitar-se e viver pela Palavra de Deus é algo extremamente prático e tem a ver com nossas finanças, família e até mesmo nossos corpos. No entanto, não se deve entrar por tal caminho em busca de sucesso neste mundo, mas, sim, da mortificação de nossa velha criatura e para a nova vida realizada pelo Espírito Santo. Desta forma, podemos ler a Bíblia confiantemente, sabendo que Deus age de forma poderosa através de sua Palavra, por meio da adoração comunitária, em meio à oração, à memorização, ao ensino e ao testemunho. Não temos, necessariamente, que dominar plenamente a Bíblia para, então, torná-la relevante em nossas vidas. Pelo contrário : através das Escrituras, o Senhor nos abre um novo lugar de habitação ± um local de comunhão com Cristo em um caminho que conduz ao amor a Deus e ao próximo. Nossa jornada rumo à santificação não termina nesta vida; assim, também, não é neste mundo que finda nossa jornada de meditação nas Escrituras. Lutamos contra elas, muitas vezes, quando nos diz o que não queremos ouvir. Mas elas também confirmam e edificam nossa nova identidade em Cristo. Em tudo isso, o valor da Palavra de Deus é inesgotável, porque o Espírito
usa a Escritura para testificar de Cristo, que é o Verbo enviado pelo Pai. Quando lemos a Bíblia como Escritura divinamente inspirada, não somos os dominadores, mas os dominados ± e, por meio dela, recebemos do Deus Trino o seu fôlego de vida. (Tradução: ÉlidiMiranda) J. Todd
Billings é professor de teologia reformada do SeminárioTeológico Ocidental em Holland,Michiga (EUA)
O que é ser e vangélico? Determinar a identidade do evangélico brasileiro é difícil tanto para estudiosos quanto para líderes do segmento. Por Alves Filho e Laelie G onçalves
Dizem que, para algumas perguntas, não existe resposta. Ou então, há várias, mas que nenhuma pode ser considerada totalmente correta. Parece ser o caso de uma questão com a qual os brasileiros passaram a lidar com maior frequência nos últimos anos, em : o que significa ser evangélico em nosso país? Não vale a pena apressar-se em grande medida por conta das implicações sociais responder, até porque se trata de um questionamento retórico, que leva a outras indagações. Como definir a pessoa que assim se classifica? E que traços a identificam e distinguem daquela que não se apresenta como tal? Há algumas décadas, uma resposta evidente seria: ³Evangélicos são osbíblias, que andam de terno ou saia longa no domingo e vão à igreja de crentes.´ Reducionista e pejorativa, tal definição, embora comum no passado, já era incapaz de abranger um conceito tão amplo. Mas servia, ao menos, como forma de distinguir os cristãos protestantes, que também eram notados pelo modo de vida frugal e conduta modelar. Sim, ser ³bíblia´ era sinônimo de integridade noutros tempos... Hoje, porém, esse perfil não cabe mais. No que diz respeito a hábitos e estilos, tanto as roupas protocolares quanto a Bíblia de capa austera não constituem mais características dominantes entre os membros e frequentadores de igrejas evangélicas, principalmente no contexto urbano. O estereótipo de que crente é gente pobre caiu por terra há pelo menos uma geração : ao contrário de seus pais, os evangélicos de hoje ± ou melhor, parte significativa deles ± já não têm pudores em acumular bens materiais e almejar a prosperidade neste mundo. Além disso, escândalos recentes envolvendo líderes e denominações, principalmente nas últimas duas décadas, mancharam a imagem de probidade antes atribuída a todos os protestantes. Até em termos de pesquisa (e vem aí um novo Censo) fica difícil determinar se uma pessoa é ou não evangélica. Isso porque, nas pesquisas sobre pertencimento religioso realizadas pelo Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE), o termo é usado para englobar qualquer crença fora do catolicismo que se afirme cristã, o que coloca no mesmo caldo, por exemplo, as testemunhas de Jeová e os mórmons, apesar das profundas diferenças teológicas e doutrinárias desses grupos com o segmento evangélico.Junte-se ainda o fato devárias pessoas se apresentarem como ³evangélicas´ por motivos nada espirituais, como o artista que precisa virar notícia para sair do ostracismo ou o criminoso ± de colarinho branco ou não ± instruído a passar uma imagem de ³gente de bem´ que está sendo injustiçada. Ser evangélico, hoje, já nem significa necessariamente ter ligação visceral com uma igreja, o que costumava ser uma característica fundamental dos crentes. ³O evangélico não praticante já é uma realidade´, opina a pesquisadora Eunice Zillner, do Ministério de Apoio com Informação (MAI). ³Em minhas pesquisas, tenho encontrado pessoas que se dizem evangélicas, mas não praticantes.´ Ou seja, ser evangélico, no país, tornou-se um conceito extremamente vago. ³Não existe uma Igreja Evangélica no Brasil; é simplismo pensar assim´, afirma o pastor Ricardo Gondim, dirigente da Igreja Betesda, em São Paulo. ³Não é possível traçar um perfil, pois o termo µevangélico¶ não possui características que o nomeiem.´ Para exemplificar a fragilidade dessa ideia, Gondim cita o próprio movimento social do país: ³Sempre se acreditou que, à medida que os evangélicos crescessem no Brasil, o país seria afetado. Isso é um pensamento ingênuo, pois conforme um movimento cresce, a tendência é ficar parecido com o meio que está inserido.´ ³Mosaico´
± Essa indefinição faz com que a identidade evangélica permaneça à deriva e, portanto, passível de rotulações. Na opinião do sociólogo cristão Paul Freston, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal de São Carlos e professor de sociologia do Calvin College (EUA), esse fenômeno gerou uma imagem pública do evangélico fortemente associada às igrejas neopentecostais ± denominações cuja pregação e prática difere frontalmente do protestantismo clássico. ³Isso tem implicações negativas nos setores mais intelectualizados da sociedade´, analisa o pesquisador. ³A identidade ficou comprometida. Essa ideia começou com os políticos, quando começou a se eleger bancadas evangélicas. A imagem começou a se prejudicar com a corrupção e o despreparo para a função pública´. A forte presença midiática corrobora esta percepção. ³O neopentecostalismo não tem essa força toda, mas a imagem da mídia ajuda as pessoas a acharem que são todos µfarinha do mesmo saco¶.´
O pastor presbiteriano, teólogo e escritor Augustus Nicodemus Lopes compartilha a opinião de Freston. ³O termo µevangélico¶ passou a designar mais especificamente os neopentecostais, devido ao fato de eles se apresentarem como tal, o que é questionado por vários ramos protestantes´, avalia. Nicodemus diz que a diferença brutal entre eles e o cristianismo histórico não foi percebida pela mídia, que desconhece o assunto, passando a tratá-los por essa designação. O pastor destaca outro fator importante que não pode ser menosprezado por qualquer pessoa que pretenda chegar a uma definição sobre a identidade do crente nacional. ³Sem dúvida, o Brasil é influenciado por outros países. A massa evangélica brasileira pouco tem de srcinal. É moldada por idéias, práticas e costumes oriundos dos Estados Unidos´. A exceção, continua, está justamente no neopentecostalismo. ³A Igreja Universal do Reino de Deus e seus derivados, srcinalmente, são uma produção brasileira, valendo-se das religiões afrobrasileiras para suas estratégias de crescimento. É aqui que talvez resida a identidade própria dos evangélicos brasileiros, no movimento de batalha espiritual e teologia da prosperidade, que reagem mais ao espiritismo e catolicismo.´ Analisado dessa maneira, o fenômeno evangélico nacional ± marcado por multiplicação de igrejas e denominações, ocupação de mais espaços públicos e privados e presença marcante nos meios de comunicação ± tem tanto a ver com religião quanto com outras dimensões sociais, como a política, o mercado de consumo e a mídia. Portanto, não faria mais sentido responder à pergunta : ³O que é ser evangélico?´ apenas sob o ponto de vista da adesão à fé protestante. ³Evangélico deveria ser aquele que assume um compromisso ético e moral com o Evangelho, mas não é isso que vemos hoje´, declara Ricardo Bitun, sociólogo e pastor da Igreja Manaim, na capital paulista. ³Hoje o segmento evangélico é um leque.´ Para ele, não existe mais homogeneidade. ³A gente vivencia um corpo multiforme, com variedade de liturgias contraditórias que não combinam. É uma mistura, um mosaico. Isso impossibilita traçar um perfil do evangélico.´ Conjunção de influências ±Mário Sérgio Cortella, sociólogo e professor titular da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, associa essa imagem multifacetada a um movimento social bastante conhecido no Brasil : a migração. ³O perfil do evangélico baseado nas igrejas neopentecostais é o pertencimento às classes C, D e E, migrante, que trouxe para a cidade grande valores que haviam sido deixados na roça, como a figura do demônio, reformatada pelos neopentecostais para dentro da igreja´, afirma. O estudioso lembra que o Brasil sempre teve uma cultura católica ± todavia, nos últimos quarenta anos, a sociedade passou a ver as práticas cristãs sob uma nova perspectiva. ³O evangélico hoje é alguém que foi católico ou que nasceu na tradição reformada. Da mesma forma, há um aumento no número de pessoas que circulam por várias práticas religiosas, o que também caracteriza o evangélico no Brasil.´ Por força dessa conjunção de influências, a fidelidade à igreja, antes marca reconhecidamente evangélica, também começou a se perder. Na sua avaliação, a falta de identidade religiosa, antes associada aos fiéis do catolicismo, já é uma característica também do segmento evangélico. O sociólogo credita essa tendência à redução na participação comunitária das pessoas nas igrejas ± prática presente nas denominações históricas e que desapareceu nas igrejas de surgimento mais recente : ³Essas igrejas, à semelhança da Católica, possuem um clero centralizado, o que leva ao descompromisso por parte dos membros.´ Para líderes da velha guarda, carece de sentido essa história de evangélico não praticante. ³Ser evangélico é unir-se a uma igreja chamada evangélica. O perfil do evangélico, de acordo com a Bíblia, é aquele que viveu a experiência da conversão, tem certeza dela e segue os ensinamentos da Bíblia, além do batismo e da vida cristã´, enumera, do alto de seus 97 anos de idade, o pastor batista pentecostal Enéas Tognini. ³Para ser evangélico, você deve ser convertido e praticante. O que acontece é que alguns grupos só querem crescer numericamente, mas não ensinam o povo a passar por uma mudança de vida verdadeira´, sentencia. O pastor Sócrates de Oliveira, diretor executivo da Convenção Batista Brasileira (CBB), também se vale da objetividade para determinar o que seria um perfil dos crentes em Jesus : ³São pessoas que tiveram uma experiência pessoal com Deus a partir da leitura da Bíblia. Essa experiência faz com que queiram tornar-se membros de uma igreja, submetendo-se ao batismo, um ato de pública profissão fé espiritual´. Além disso, continua, os evangélicos procuram crescer no conhecimento da vida cristã, buscam anunciar essas verdades a todos ³e têm uma conduta espiritual e moral digna dos valores enunciados na Bíblia´, resume. Apesar disso, Sócrates reconhece que houve uma mudança de paradigmas. ³Acho que atualmente o termo evangélico está completamente desvinculado do que realmente identificava os crentes há cerca de vinte anos. Hoje, existe um grande número de templos que se identificam como igrejas evangélicas. Entretanto, não passam de organizações sem princípios bíblicos ou doutrinários, o que não permite que possam ser consideradas como tais.´ ³Perfil
do Senhor´ ± Há quem não veja motivo para fazer distinção entre o sentido da palavra ³evangélico´ nos dias atuais e em
um suposto passado perdido. É o que pensa, por exemplo, o pastor Jabes Alencar, líder da Assembleia de Deus de Bom Retiro, em São Paulo. ³Para mim, ser evangélico é crer no Evangelho, seja em que tempo for´, sintetiza. Jabes reconhece que, atualmente, muitos cristãos, inclusive líderes, evitam dizer-se evangélicos, já que no sistema religioso também esconde-se gente que com seus
atos depreciam o Evangelho de Jesus. Mas acha que tal postura não faz sentido. ³Daqui a pouco, vão dizer que não são mais brasileiros porque o Brasil tem muita corrupção´, compara. ³Portanto, permaneço sendo evangélico, servo de Deus, cristão, assim como todos os homens de Deus se posicionaram ao longo da história.´ Isso talvez resolva a questão semântica, mas não oferece uma resposta definitiva à pergunta fundamental, qual seja : o que define a identidade evangélica nacional? Se os hábitos e as liturgias das igrejas ± para o bem ou para o mal ± assimilaram e foram assimiladas pelo contexto cultural, o que sobra? Para o pastor Lourenço Stelio Rega, doutor em ciências da religião e diretor geral da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, a ética deveria ser a melhor resposta. ³A questão da ética não é só na transmissão do ensino, mas na vivência real e concreta no cotidiano´, aponta. O professor lembra os primórdios da Igreja, quando a fé era tão impregnada no estilo de vida que os cristãos provocaram uma revolução religiosa e social no ambiente em que estavam inseridos. Segundo Rega, o conceito tornou-se vago pelo distanciamento entre a profissão de fé e a prática dos devotos. ³Para tirar uma identidade própria dessa mistura é preciso conhecer mais profundamente a identidade do que é ser cristão no Novo Testamento e assumir incondicionalmente o Evangelho como modo de vida.´ Mesmo assim, na opinião de vários teólogos e líderes de igrejas, é nessa capacidade de refletir o Reino que transforma o indivíduo e, consequentemente, a sociedade que os evangélicos podem encontrar seu maior traço de distinção. ³Eu diria que o típico evangélico hoje é alguém que conheceu a Palavra de Deus e seu amor sendo pobre e morando na periferia de uma de nossas grandes cidades´, afirma o escritor Valdir Steuernagel, pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana. ³A pessoa evangélica é, muitas vezes, uma mulher sozinha cuidando dos seus vários filhos. Esse perfil me parece significativo porque o encontro dessa pessoa com o Evangelho a transforma e coloca num patamar de dignidade de vida. Ele indica também que o Evangelho de Jesus Cristo tem um jeito fantástico de atingir as pessoas em seus dramas, promovendo-as a cidadãs do amor de Deus.´ Esse perfil, na opinião de Steuernagel, costuma ser contraposto por dois clichês : o do evangélico que quer levar vantagem em tudo que faz e o do crente retrógrado, aquele que nunca está em compasso com a sociedade e sua necessidade por mais justiça, amor e compreensão. ³Esses estereótipos, porém, não são dignos do Evangelho de Jesus Cristo, e não devemos deixar que a nossa identidade seja moldada por eles´, frisa o religioso. ³O nosso perfil deve ser modelado pelo Senhor. E isso deve acontecer em cada lugar e a cada geração. Resgate ± Foi a partir dessa visão que surgiu um termo alternativo para ³evangélico´ : o evangelical. Usada com relativa frequência, principalmente em países em que se fala o inglês, a expressão disseminou-se a partir da Conferência de Lausanne, em 1974, ligada a uma abordagem que se tonnou conhecida como Evangelho integral ± qual seja, aquele que atende o homem na plenitude de suas necessidades, inclusive as físicas e sociais. A palavra serve para distinguir os cristãos nominais ± ou simples frequentadores de igrejas ± daqueles que se dispõem a fazer de sua fé motivo para engajamento e interação com a sociedade. ³Várias pessoas acham que o evangelicalismo é um caso perdido e que os evangélicos históricos devem buscar um outro termo para se denominarem´, diz o bispo anglicano Robinson Cavalcanti, da diocese de Recife (PE). ³Eu não acho. Várias instituições ainda levam o verdadeiro sentido e devemos resgatar o nosso termo.´ Ele sabe, porém, que o trabalho não será fácil. ³As igrejas não ensinam mais ética nem enfatizam questões sociais. Elas transmitem moralismo e legalismo. O resultado é que o povo está despreparado, contaminado pelo mundanismo. Há uma crise de propagação da Palavra.´ Mesmo assim, ser evangélico ainda significa algo. Ainda que não estejam vivendo totalmente de acordo com os ideais defendidos pelas Sagradas Escrituras, eles ± sejam chamados de crentes, bíblias, protestantes ou cristãos ± ainda se fazem notar. ³Alguma diferença existe´, afirma o pastor presbiteriano Elben Lenz Cesar. ³Nem que seja para dizer que o evangélico é menos secularizado, menos blasfemo, menos apático e mais crente, mais leitor da Bíblia, mais cristocêntrico e mais cuidadoso com a sua conduta´, opina. Fé e prática Enquanto líderes e teólogos se esforçam para elaborar uma resposta sobre o que significa ser evangélico no Brasil, os próprios ± isto é, os evangélicos ± preferem não teorizar sobre o que são. Para crentes de diferentes denominações, mais importante do que definir um perfil é identificar a própria fé com a pessoa de Cristo : ³Ser evangélico é ter o Evangelho em si, é seguir as coisas que Jesus ensinou em sua vida. Isso é o puro e simples Evangelho : fazer os outros conhecerem a Jesus.´ Wesley Fiorentini daSilva, 21 anos, estudante, membro daAssembleia deDeus
³Acho que ser evangélico é seguir o que diz a Bíblia, ir sempre à igreja, ouvir a Palavra de Deus e fazer o que o Senhor quer que a gente faça´ Mara Cristina Bastos Ferreira daSilva, 50 anos, dona de casa, membro daIgreja Paz e Vida ³Ser evangélico de verdade é viver o Evangelho de Cristo, ter parâmetros e conceitos de vida baseados no que o Senhor nos ensinou. Mas hoje virou uma máscara ± ser evangélico virou um título´ Sinara Lopes Mota,
22 anos, crente batista e estudante
³Ser evangélico, no sentido real da palavra, é crer e obedecer ao Evangelho de Jesus. Para mim é ser servo, ser feliz, ser livre e fazer : o amor´ a diferença perante a sociedade cumprindo o mandamento maior que Jesus nos deixou Alexandre Soares, assessor de comunicação e assembleiano ³O evangélico é aquele que frequenta uma igreja e obedece à Bíblia, além ser exemplo de vida para os outros, isto é, influencia as pessoas com a sua fé´ Romina Fernandes Valente, 37 anos, comerciante, integrante do Ministério CoraçãoAdorador ³Para um recém-convertido, igual a mim, e devido à vivência que estou tendo hoje, sei que ser evangélico é viver uma guerra constante. Por isso, é necessário estar sempre orando e louvando a Deus, buscando o caminho e a libertação e seguindo a Palavra de Deus, com o auxílio e a orientação dos pastores.´ Denys Pacheco Fernandes, empresário, 33 anos, membro do Ministério Apascentar Em busca de unidade No fim do ano passado, um grupo de noventa líderes evangélicos reuniu-se para tentar dar forma a algo que parece difícil : reunir os crentes brasileiros em torno de uma associação. Representantes de diversas denominações evangélicas, eles se encontraram na sede da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo, no dia 14 de dezembro, para discutir a criação de um organismo evangélico que una igrejas, movimentos e entidades ligadas ao segmento protestante. A ideia não é nova : desde 1903, quando foi fundada a Aliança Evangélica Brasileira ± mais tarde, transformada na Confederação Evangélica Brasileira (CEB) ±, tenta-se algo neste sentido. A iniciativa mais bem sucedida até agora foi a Associação Evangélica Brasileira (AEvB), criada em 1991 e que tinha tudo para dar certo num momento em que os evangélicos voltavam a demonstrar preocupação com seu papel social. Liderada pelo pastor Caio Fábio D¶Araújo Filho, a AEvB conseguiu atrair a adesão de diversos e denominações. O instituição tornou-se referência da Igreja perante setores da imprensa e da política e teve participação destacada em diversos episódios e movimentos sociais, como o Rio, Desarme-se e o Reage, Rio. Contudo, a excessiva personalização da liderança acabou levando a AEvB ao fracasso. Com seu ministério abalado por problemas pessoais, Caio afastou-se da associação, o que provocou seu esvaziamento. A ideia do novo grupo é justamente mudar esse histórico e consolidar algo mais abrangente e descentralizado. Segundo o pastor Valdir Steuernagel, representante da Visão Mundial Internacional e um dos organizadores do encontro, o propósito da foi o de estabelecer uma aliança. ³Queremos buscar a direção de Deus e o discernimento do Corpo de Cristo quanto ao estabelecimento de uma rede por parte de segmentos expressivos da caminhada evangélica brasileira´, afirma. Após mais de quatro horas de reunião, os líderes presentes tomaram várias decisões, como a permanência do grupo de trabalho atuante e sua composição, além da discussão dos principais pontos discutidos naCarta de princípiosdivulgada publicamente antes do evento. A caminhada é longa : ³Reconhecemos a necessidade de continuarmos conversando e de aglutinar mais pessoas em torno da proposta´, encerra Steuernagel.
Cuidado com os ladrões do tempo neste novo ano
Nós temos 525.600 minutos neste ano. Com muita oração, nós podemos começar a remir o tempo, antes que percamos um único e precioso minuto. Por Richard Doebler
Era um daqueles momentos cruciais: um momento de iluminação. Eu tinha dezoito anos e queria entreter meu irmão de cinco anos. Por isso, eu me ofereci para levá-lo para um passeio em um parque de diversões. Com vinte e um dólares na carteira, eu era o típico irmão mais velho. Ao atravessarmos pelo portão de entrada, passamos pela fazendinha, pelos celeiros, pelas barracas de pipoca e cachorro-quente, lojas de doces e roupas. Nós tínhamos uma coisa em nossa mente : as voltas da roda gigante. Os giros da roda gigante haviam marcado nosso destino àquele lugar. Infelizmente, nós não fomos até ela. Uma distração nos tirou do nosso caminho. Após passar pela área de jogos, escutei alguém me chamar. Pelo menos eu acho que escutei. Dei uma olhada ao meu redor para ver se identificava aquele que me chamava, e um homem acenou para mim de dentro de uma cabine. Isso é suficiente para eu dizer que em cinco minutos ele já tinha ganhado boa parte do meu dinheiro, e ainda faltavam cinco pontos para eu ganhar um panda de pelúcia. Foi quando eu me dei conta do que havia acontecido. Eu estava chateado com o vendedor na cabine. Contudo, estava ainda mais chateado comigo mesmo. Eu perdi 17 dólares e muitas voltas na roda gigante com meu irmão. Todavia, aprendi uma lição : distrações podem te levar a perder o foco de seus planos. : ³Portanto, A Bíblia nos orienta a vivermos com prudência, aproveitando as oportunidades e procurando fazer a vontade de Deus vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor´ (Ef:15-17). 5.
Três princípios fundamentais emergem destes versos : 1. Conheça seu destino± Descubra a vontade de Deus e seus propósitos, e você usará seu tempo de forma mais efetiva. Se Deus nos quer em Dallas, é uma perda de tempo estarmos no Grand Canyon ou na face rochosa do monte Ruchmore. Constantemente gastamos meses ou até mesmo anos dirigindo-nos a um lugar quando, na verdade, Deus está claramente nos orientando para outra direção. Discorrer sobre o conhecimento da vontade de Deus é mais fácil do que, de fato, conhecer sua vontade. Isto, porque o conhecimento de sua vontade exige discernimento. Exige oração. Exige insights os de um espiritual e inteligente amigo que nos conhece o suficiente e que reconhece o trabalho de Deus em nós. Agora, diante do começo de um novo ano, separe um tempo para considerar seus destinos e os destinos de seu ministério. Quais suas impressões acerca da direção de Deus para seu ministério? É esta a direção que você tem em mente e pretende seguir? Você está animado com ela? Ela está suficientemente clara em sua mente? Esta é a hora de corrigir seu caminho parcialmente ou de mudá-lo por completo. 2. Aproveite ao máximo cada oportunidade± Bear Bryant, famoso técnico de futebol americano do Alabama falou sobre seus primeiros momentos como treinador do Kentucky. Seu time deixou a bola cair em frente do banco e, no meio da confusão, alguém deu um chute em uma caixa na qual havia outras oito bolas. Como resultado daquele alvoroço, o time do Tennessee estava com a posse de cinco bolas e o do Kentucky com quatro. Os juízes, por isso, deram a posse de bola para o time do Tennessee. Moral da história: quando a bola vier em sua direção, agarre-a. Aproveite as oportunidades quando elas aparecerem. Nós podemos criar oportunidades quando necessário, mas às vezes, quando as criamos, acabamos nos distanciando do que Deus deseja de nós. Se, ao invés disso, estabelecermos como objetivo abraçar as oportunidades que nos aparecem, pouparemos tempo e estaremos mais propensos a fazer a vontade de Deus.
Existem oportunidades que você ou seu ministério falharam ao deixarem de abraçá-la? Quais oportunidades estão diante de você agora, que você ainda não conseguiu enxergar como uma chance de Deus para sua vida? 3. Tome cuidado com a forma pela qual você vive± Por prudência, agora eu não mais me distraio com locutores e vendedores em cabines nos parques de diversão. Contudo, necessidades urgentes ainda tentam me distrair de meus principais propósitos e planos. Muitos pregadores reclamam que pessoas com seus problemas acabam roubando seu tempo de preparo de um sermão e que questões organizacionais os distraem no exercício de seu ministério. Quando organizarmos nosso tempo de forma eficaz, nós trabalharemos sem permitir que as urgências tomem tempo das prioridades. Isso exige de nós capacidade de identificarmos o que é prioritário em nossas vidas e força de vontade para dizermos ³não´ àquilo que nos interrompe e que sabemos não fazer parte dos propósitos divinos. Invista alguns minutos para identificar as tarefas prioritárias em seu ministério. O que você está fazendo para protegê-las e para guardar o tempo que você precisa para cumprir seu chamado? Quem você pode chamar para ajudar-lhe a manter-se focado no que é central? Nós temos 525.600 minutos neste ano. Com muita oração, nós podemos começar a remir o tempo, antes que percamos um único e precioso minuto.
Entre a ação e a oração Precisamos aprender a orar avaliando e considerando as situações, da mesma forma como precisamos aprender a planejar e agir, orando.
Certa vez, ouvi um pastor dizer: ³Um dos pontos fortes de nossa comunidade é o planejamento das mensagens e liturgias com certa :
antecedência. Isso nos proporciona a oportunidade de fazerexcessivo a obra deque Deus com que ele Outro elíder retrucou ³Bem, mas precisamos tomar cuidado com o planejamento nos levaa aexcelência não depender domerece´. Espírito Santo a confiar mais : Devemos ou não planejar? Devemos ou não em nossas próprias ações do que na obra de Deus.´ Diante disso, a dúvida se instalou assumir a responsabilidade pela ação? Ou devemos, simplesmente, orar e confiar que Deus, do seu jeito e a seu tempo, vai fazer a obra? De outra feita, um casal de amigos me disse que estavam orando a Deus e esperando sua resposta acerca de suas próximas férias. Eles queriam muito viajar, tinham recursos e tempo para isso, e sabiam que o momento era oportuno. ³No entanto´, disseram, ³queremos ouvir a Deus sobre esta situação´. Diante da resposta, confesso que fui tomado por certo sentimento de culpa. Será que tive a mesma atitude nas últimas vezes em que tive que tomar decisões como mudar de casa, comprar um carro, ir ou não ao cinema no sábado a noite ou fazer uma viagem de férias? Ou será que, ao agir, deixei de ouvir a voz do Senhor? Até que ponto a oração nos isenta do planejamento e da ação? Por outro lado, a partir de quando esse planejamento e essa ação se caracterizam como uma afronta à oração e, consequentemente, a dependência ao Espírito Santo? Com certeza, nesta reflexão, os extremismos devem ser evitados. Existem aqueles que se perdem numa passividade contemplativa em nome da dependência de Deus, assim como também há os que confundem a necessidade de controle total sobre todos os processos com o desejo de servir a Deus com excelência. Mas como fugir dos extremos? Existiria um ponto de equilíbrio nesta questão? Para mim, as pessoas que insistem em estabelecer esta dicotomia entre oração e ação insistem numa falácia e aqueles que defendem o equilíbrio estão equivocados. Precisamos, sim, aprender a orar avaliando e considerando as situações, da mesma forma como precisamos aprender a planejar e agir, orando. Os dois movimentos não são contraditórios, mas complementares. Logo, a resposta para a questão é a integração entre oração e ação em nossas vidas. Prova disso podemos encontrar na vida e missão de Neemias. Nenhum outro personagem na Bíblia aparece mais vezes orando do que ele. Ao mesmo tempo, pouquíssimos personagens bíblicos demonstram ser tão elaborados em seus planos e determinados em suas ações como ele. Neemias é um exemplo perfeito de como devemos e podemos integrar a oração à ação, bem como a ação à oração. Desde o primeiro momento em que Neemias recebe informações sobre a cidade de Jerusalém, ele passa a orar, conforme o primeiro capítulo de seu livro. Quatro meses depois, na presença do rei, quando questionado sobre a preocupação que transparecia em seu semblante, Neemias ora e apresenta um detalhado plano de ação ao rei. O que Neemias havia feito durante os quatro meses anteriores? Ele havia orado, avaliando e considerando possibilidades.
Por outro lado, quando Neemias já se encontra no meio da execução do plano de reconstrução dos muros, ele se depara com adversidades. Mais uma vez, busca alternativas que conciliavam a oração com a ação (Neemias 4.9). Diante das escolhas a serem feitas e das necessidades que apareciam, Neemias procura sempre considerar as possibilidades e tomar as melhores decisões ± sem, no entanto, deixar de reconhecer sua dependência de Deus (Neemias 4.13-14). Sendo assim, a confiança no cuidado e no amor do Senhor por nós não deve nos isentar da responsabilidade de considerarmos os caminhos que temos diante de nossos olhos, avaliarmos com critério as possibilidades de cada um deles e tomarmos a decisão que nos parece mais coerente com um coração disposto a viver nos valores de Deus e com uma vida desejosa de honrá-lo a todo tempo. A certeza de que o Senhor está no controle de todas as coisas e de que nossa capacitação vem dele não pode nos conduzir a uma atitude de passividade para com as decisões e ações em nossas vidas. Parte da capacitação que Deus nos concede está relacionada à percepção da realidade que nos cerca, à avaliação das possibilidades vinculadas aos nosso valores e princípios e à elaboração de ações planejadas a partir de tal capacidade.
Tempo é tempo; dinheiro é dinheiro Faz sentido guardar dinheiro para um futuro mais tranquilo, mas guardar tempo é impossível. Repense como você utiliza seu tempo.
Tempo é dinheiro. Quantas vezes já ouvimos isso? E quantas vezes acreditamos em tal afirmação? Ultimamente, estou em uma fase do tipo ³sem tempo para nada´: a caixa de entrada de e-mails virou uma avalanche de ansiedade, não consigo falar com todos que quero e nem dar retorno como gostaria. Há ainda os telefonemas, as chamadas pelo Facebook, as mensagens por Twitter... : acreditar que Tamanho excesso de atividades me fez pensar um pouco mais sobre o tempo. Em primeiro lugar, deixemos claro tempo é dinheiro é uma baboseira que só serve para manter a insanidade da relação humana com o passar do dito cujo. Aceitar que tempo é dinheiro implica reconhecer no tempo as mesmas características do dinheiro e trazer para sua utilização as mesmas culpas judaico-cristãs no trato com o chamado vil metal. A sociedade moderna considera que o gasto do dinheiro tem de ser excessivamente ponderado ± então, seu desperdício deve ser sumariamente condenado. Se tempo é dinheiro, o mesmo seria verdade com o gasto do tempo. No entanto, existe uma grande diferença entre os dois.
O dinheiro pode ser armazenado, e podemos controlar seu fluxo. Já o tempo é um fluir contínuo e incontrolável ± ele será gasto, quer queiramos ou não. Se aceitarmos que tempo é dinheiro, a simples decisão equivocada de optar por uma rota com mais trânsito nos traria uma ansiedade insuportável, pois então estaríamos perdendo uns trocados enquanto parados no engarrafamento. A escolha de um projeto, curso ou atividade que não dê grandes retornos, então, seria o mesmo que torrar uma pequena fortuna. Mas temos de nos lembrar que o tempo não teria parado de acordo com nossas escolhas mais acertadas : ele teria passado de qualquer jeito e, de uma forma ou outra, teríamos de usá-lo para alguma coisa. Além disso, aprendemos com as nossas experiências. Utilizar o tempo em algo que não dê o resultado que esperamos é bem diferente que empregar dinheiro em algo errado ou inútil. Outro ponto a se considerar é que, se tempo é dinheiro, faz todo o sentido guardarmos tempo para o futuro. Ou seja, deveríamos fazer uma previdência privadade tempo, deixando de utilizá-lo agora para dispor dele no futuro. Só que , como tempo não é dinheiro e nem pode ser armazenado, essapoupança é inteiramente inútil . Mesmo assim, quantas pessoas deixam as férias sempre para depois? E aquela viagem dos sonhos? ³Ah! Quando eu me aposentar´, respondem alguns. E por que não reduzir o ritmo absurdo de trabalho? ³Ah, porque temos de aproveitar o momento´, diriam outros. Nada mais néscio, para usar uma linguagem bíblica. Em primeiro lugar, há o risco de morrermos sem termos conseguido nos aposentar. Porém, mesmo que alcancemos a velhice, talvez já não tenhamos condições físicas para executar os projetos tantas vezes postergados. Mais uma vez, temos de lembrar que o tempo flui como um rio; não há como armazená-lo para uso posterior. Então, por que não empreenderagora mesmo a viagem sonhada ou começar imediatamenteaquele curso que tanto queremos fazer?Faz sentido guardar dinheiro para um futuro mais tranquilo, mas guardar tempo é impossível. Finalmente, vale lembrar que tempo e dinheiro são tão diferentes que as pessoas com mais tempo são justamente aquelas mais pobres, e os mais ricos são os que menos têm tempo. Se tempo fosse dinheiro e vice-versa, mendigos e desempregados não hesitariam em trocar tempo por dinheiro, enquanto altos executivos, milionários e líderes mundiais não pensariam duas vezes para comprar tempo. Sim, o tempo é uma riqueza, dada por Deus em quantidades individuais a cada um de nós. Mas ele não pode ser vendido ou comprado. Portanto, repense como você utiliza seu tempo e deixe de acreditar que ele é dinheiro. E não se sinta culpado pelos momentos em que você não faz nada. Você não está jogando dinheiro fora; apenas usando o seu tempo de uma forma que lhe
agrada e lhe dá prazer. E mesmo aquele tempo aparentemente perdido no trânsito, na internet lenta ou atendendo a operadora de telemarketing não é dinheiro jogado fora.É tempo que poderia ser usado para outras coisas, é verdade; masprocure usar este tempo para refletir e pensar em vez de apenas ficar irritado com a fictícia perda financeira porque tempo seria dinheiro. Como disse um dos maiores poetas brasileiros, ³o tempo não para´. E tomarmos consciência disto é uma grande libertação.
Pela credibilidade da vocação Muitos líderes não entenderam o significado da encarnação e do sofrimento de Jesus. Por Nelson Bomilcar
Pastores, evangelistas e líderes estão hoje na alça de mira da sociedade em geral e na comunidade da fé, seja em igrejas históricas reformadas, pentecostais ou neopentecostais. Há muita crítica, muito escândalo, muito desgaste e muita falta de credibilidade ± e tudo prejudica aqueles que estão à frente de comunidades cristãs ou instituições eclesiásticas. Temos visto algo triste, contundente e recorrente: a figura equivocada do pastor ou líder que exerce uma representatividade espiritual esvaziada e uma ação pastoral desvirtuada e desfocada, que machucaram e decepcionaram muitos. Esta é uma das razões do crescimento dos chamados desigrejados e do esvaziamento de suas comunidades. São pastores que, provavelmente, se perderam do caminho que deveriam trilhar em relação à vocação e ação pastoral. Deixaram de lado a nobre tarefa de cuidar e servir ao Senhor e seu rebanho com amor, paixão, dedicação e perseverança. São líderes que perderam o senso de sua vocação, da missão da Igreja e do discipulado; ou então, dirigentes eclesiáticos que foram impostos na comunidade da fé sem uma avaliação criteriosa de suas qualificações bíblicas para o exercício responsável da vocação. Por isso, é cada vez mais raro encontrar os que têm inegável vocação e dons reconhecidos para o trabalho pastoral. Muitos começam suas igrejas ou estruturas religiosas e logo se tornam proprietários do que fundaram, delegando funções de acordo com seus interesses e indicando seus auxiliares e futuros líderes na condução dos ajuntamentos. Para esses, a comunidade da fé e a igreja local são simplesmente público consumidor dosprodutos oferecidos em nome da fé. Essa tragédia ganha contornos maiores quando se vê aqueles que vivem das benesses e recursos oriundos do ministério, explorando pessoas simples ± os mesmos que aspiram obter vantagens político-partidárias em nome da chamada ³representatividade evangélica´. A maioria dos que estão nas casas legislativas em nome dos evangélicos não têm noção de cidadania, não fazem política para o bem comum, não buscam a justiça, não pautam suas ações com responsabilidade civil pessoal e comunitária. Eles confundem o poder de Deus com o poder humano, corrompem-se em meio à degeneração geral e buscam o enriquecimento, negando-se a um testemunho corajoso pela verdade e transparência. São pastores e líderes que não vivem ou anunciam o Evangelho da graça de Deus em toda a sua extensão, o Evangelho que repercute em todas as áreas da vida, trazendo salvação pessoal e transformação comunitária. Um Evangelho que, através da pregação, da educação na fé e do cuidado pastoral, inevitavelmente teria repercussões práticas e proféticas perante o mundo. Infelizmente muitos destes líderes não entenderam a encarnação de Jesus, não perceberam o significado de seus sofrimentos e das dores que ele viveu por amor aos homens. Eles não parecem levar a sério a própria humanidade, ignorando a inclinação que têm de fazer aquilo que não agrada a Deus. Parecem desprovidos de amor ou temor ao Senhor, esquecendo-se de que certamente prestarão contas a ele um dia. Muitos parecem nem mesmo conhecê-lo através de uma experiência pessoal de arrependimento e consciência de pecado, justiça e juízo. Sem dúvida, é necessária a busca da recuperação da credibilidade da função pastoral e da recuperação das possibilidades da vocação. Uma ação que encoraje e estimule os discípulos do Senhor a manter sua integridade e compromisso responsável, trazendo esperança e ânimo a outros que os têm como referenciais a perseverarem na fé, na experiência comunitária e numa vida de serviço abnegado a Deus e ao próximo. Essa credibilidade será igualmente recuperada através de um testemunho coerente, verdadeiro, radical e perseverante em meio às limitações da humanidade de cada um; credibilidade que é consequência de quem não despreza o conhecimento e intimidade com o Pai no cultivo das disciplinas espirituais. Credibilidade que é conseguida numa vida de simplicidade e prática das bemaventuranças recomendadas e ensinadas por Jesus. Credibilidade que é fruto de dependência da graça de Deus e da multidão de conselhos e amigos sinceros, que amam também ao Senhor.
Felizmente, temos ainda bons referenciais de fé e ação pastoral espalhados pelo nosso amado Brasil. Portanto, que nossas orações sejam no sentido de que mais pastores e líderes sejam coerentes com o Evangelho e que, nas mais diversas realidades, seu bom testemunho traga muitos frutos para o Rei e para o Reino.
Gula alimentar e outras gulas Como cristãos sinceros, somos advertidos a buscar uma vida com equilíbrio em todos os aspectos. Por Esther Carrenho
A gula é um assunto de que pouco se fala. Sermões, palestras e estudos sobre os mais variados assuntos são ministrados, mas é difícil ouvir num domingo, em nossas igrejas, alguma mensagem sobre o pecado da gula. E todos nós, de alguma forma, estamos praticando algum tipo de gula. A tendência, quando se fala em gula, é pensar logo na ingestão exagerada de alimentos. No entanto, a modalidade alimentar é apenas um dos tipos de gula, aquele que mais se percebe ± ou porque vemos a gula no ato, ou porque a consequência do descontrole à mesa é o visível aumento de peso. A gula alimentar é característica de pessoas que são incapazes de desfrutar cada alimento que ingerem. Comem e bebem sem perceber o sabor, a textura, o aroma dos alimentos. Muitas vezes, tal comportamento acontece como resultados de maus costumes adquiridos e da ignorância a respeito da qualidade e da quantidade de alimentos necessários e saudáveis ao corpo. Outras vezes, a ingestão compulsiva acontece quando o indivíduo come para saciar alguma coisa que não tem nada a ver com a fome física. Aliás, a fome é o que menos importa para o glutão; o que ele quer mesmo é acalmar um apetite voraz, que parece não tem fim. Muitos profissionais que se dizem especialistas no assunto de transtornos alimentares relacionam a gula com a ansiedade. Então, quanto mais ansiosa, mais uma pessoa se comportaria de maneira compulsiva à mesa. Assim, a gula dá uma sensação falsa de alívio, porque a agonia pelo real problema, além de continuar intocável, ainda é acrescida pela angústia de se ter ingerido mais alimentos do que o necessário. E a gula não aparece só por alimentos. Ela pode se manifestar em várias áreas da vida. E há ainda casos de pessoas que conseguem controlar os alimentos, mas não vencem a gula ± apenas transferem o apetite para outra área. São os exemplos de pessoas que deixar de comer exageradamente, mas passam a fumar ou a praticar sexo de maneira descontrolada. A raiz do problema continua, dando srcem a diversas outras ramificações e gerando comportamentos também nocivos. Lembro-me de uma garota obesa, que vou chamar de Nina, que resolveu perder o peso excedente. Ela conseguiu alcançar o objetivo, através de dietas, exercícios e uma nova conduta alimentar; todavia, percebeu que começou a buscar relacionamentos sexuais de uma forma frenética e exagerada, coisa que ela não queria, por saber de todos os riscos e consequências de um comportamento desse tipo. Então, tomou consciência de que precisava mudar as ações que lhe traziam prejuízo ± mas o que Nina necessitava, mesmo, mais do que qualquer outra coisa, era atacar o mal pela raiz. Ninguém melhor do que a própria pessoa para descobrir de onde vem sua real necessidade. Algumas perguntas podem ajudar : ³O que estou sentindo quando a µfome¶ ataca? Qual é o momento do ataque? O que aconteceu antes, que pode ter relação com a ansiedade? E o que acontece se esta µfome¶ não for saciada?´. Nina fez essas perguntas para si mesma, e depois de alguns questionamentos, encontrou a resposta. Ela descobriu que tinha uma ³fome´ desesperada por prazer. Uma vez que descobriu qual era, na verdade, sua fome, tentou encontrar outros caminhos que também são fontes de prazer e que, usados com equilíbrio, e não fazem mal a ninguém. Qual é a fome que você tenta matar com a gula? É medo? Angústia? Solidão? Culpa? Carência afetiva? Sensação de desamparo? Inadequação? Necessidade de aceitação? Ou outra? Necessitamos de alimentos. Podemos comer e desfrutar deliciosamente deles. Mas, como cristãos sinceros, somos advertidos a buscar uma vida com equilíbrio em todos os aspectos. Cristo nos alerta a olharmos bem de onde vêm as coisas nocivas que podem acarretar comportamentos prejudiciais. Quando alguns religiosos, no tempo de Jesus, criticaram os atos praticados pelos discípulos e pelo próprio Cristo, quebrando leis judaicas ± como o ato de comer sem lavar as mãos ±, o Filho de Deus deixou claro que o mal pode estar dentro do coração de cada pessoa : ³É do interior do coração dos homens que vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez. Todos estes males vêm de dentro´, conforme Marcos 7.
Sim, é o que vem de dentro do nosso ser que pode nos arruinar. Se enxergarmos claramente onde está a nossa gula e qual a sua causa, teremos mais facilidade para vivermos com temperança.
Cristo na cidade O Senhor estará na cidade na medida em que seus habitantes sinalizem pelo testemunho a busca ou a presença de Deus. Por Carlos Queiroz A vida urbana é uma construção humana em busca da sobrevivência social, política e econômica. A formação das cidades é a experiência resultante dessa busca de sobrevivência atrativa. Nas últimas décadas, a formação de grandes cidades é um processo acelerado e irreversível em todo o mundo. São milhões de pessoas vivendo em áreas relativamente reduzidas, uma forma de convivência repleta de complexidade. De um lado, o encanto da modernidade: arranha-céus com tecnologia inteligente, meios de transporte de alta velocidade, gigantescos shopping-centers, serviços de todo tipo. De outro lado, o espaço urbano trouxe consigo o acúmulo de lixo, os engarrafamentos, a violência, o abismo entre ricos e pobres. Novos atores sociais surgiram com a urbanização, como o traficante, o flanelinha, o trombadinha. O mundo urbano, formado como resultado da industrialização e do incremento das tecnologias, gerou uma forma de convivência individualista: cada ser humano busca uma maneira de existir sem que os outros lhe perturbem. A automatização limita os diálogos; as grades separam vizinhos; a janela do carro permanece fechada. Nas cidades, as relações humanas são fundamentadas na produtividade, no lucro, na competitividade. A sociedade urbana divide-se entre os que possuem poder de compra e os outros, que vivem à margem do sistema econômico e que a dinâmica do processo encarregou-se de empurrar para as periferias. O crescimento das cidades levou ao fenômeno da coletivização. Já não há espaço para individualidades o que existe é a massa, a galera. Acontece que, em qualquer lugar, as pessoas sempre buscarão uma experiência religiosa. Onde estiver um ser humano, ali há de acontecer um evento religioso. Faz parte da natureza do homem a sensação do vazio que necessita ser preenchido pelo sagrado. Na maioria dos casos, essa relação é apenas uma projeção subjetiva das realidades cotidianas mas, no contexto da polis, ela assume novos matizes. Quando utiliza linguagens, símbolos e imagens, a religiosidade urbana comunica o individualismo, a concorrência, a violência, até. As divindades veneradas são tão egoístas como seus adoradores. De alguma forma, diante da linguagem e da expressão religiosa, será possível se identificar o quanto humano ou desumano é o povo de uma cidade. No Apocalipse, João falou de cidades. Elas são descritas tendo como arquétipo as realidades espirituais conhecidas pelo narrador do texto. Babilônia e Nova Jerusalém apresentam diferentes manifestações de Deus a destruição de um lado, o amor de outro. Babilônia venera o Dragão, um poder maligno que ameaça o povo de Deus. Em Nova Jerusalém, contudo, reina o Cordeiro. Na escatologia do Apocalipse, é possível perceber semelhanças sinais de Babilônia em São Paulo, Nova Iorque, Mumbai, Cairo, Londres. A Babilônia no mundo urbano pode ser a influência de um poder fora da geografia da comunidade que sofre. Uma influência grande, aparentemente irresistível. Pode ser o mercado, a alta tecnologia, o materialismo, a idolatria, a degradação ambiental, a exploração. Como a Besta, eles querem deixar suas marcas nos cidadãos.
Babilônia e Nova Jerusalém são realidades urbanas enfrentadas pela humanidade. A Nova Jerusalém é uma sociedade vinda da parte de Deus, mas sob a ameaça constante do poder político e econômico da Babilônia. Assim, identificar as Babilônias e as divindades de cada época, mantendo a esperança por novas realidades e lutando contra as contradições desumanas na cidade, são o sonho e o projeto dos seguidores de Jesus Cristo. O fenômeno da urbanização, com todas as suas complexidades, é uma oportunidade de serviço oferecida aos cristãos. Erigir a Nova Jerusalém é o sonho possível da presença de Deus no meio urbano. Nesta cidade, não há templos como os que
vemos em nossas ruas e avenidas, pois seu templo é o Senhor, conforme João. É essa aspiração pela presença de Deus que está em evidência. O Senhor estará na cidade na medida em que seus habitantes sinalizem pelo testemunho a busca ou a presença de Deus. O Verbo se fez carne e habitou entre nós; então, há espaço para Jesus nas cidades. Quando Deus se faz presente, manifestam-se os sinais do seu Reino: amor e justiça, graça e paz, alegria e solidariedade. Que esses sinais sejam mais evidentes em nossa realidade urbana.
Entrevista exclusiva com John Piper O autor e teólogo vislumbra a falência do teísmo aberto e destaca a importância da pregação sobre o sacrifício de Cristo.
Adepto de uma teologia ortodoxa, defensor de posições que levam muitos a acusá-lo de fundamentalista e dono de um discurso bastante incisivo, John Stephen Piper é uma figura que se destaca numa época da história do cristianismo em que se tornou charmoso seguir o discurso heterodoxo da Igreja emergente, ostentar a crença no liberalismo teológico, manter um discurso baseado num amor divino água-com-açúcar ou mergulhar de cabeça na teologia da prosperidade. Esse posicionamento levou o pastor da Igreja Batista Bethlehem, em Minneapolis (EUA), a se tornar uma referência para os mais conservadores ± e, simultaneamente, uma figura rejeitada pelos mais liberais, que o acusam de ³não pregar o Evangelho do amor´. Piper tem uma história de vida cheia de marcos dolorosos. Filho de um evangelista ausente, que viajava por todo o país plantando igrejas. Perdeu a mãe numa batida de ônibus. E, aos 60 anos, no dia de seu aniversário, recebeu a notícia de que estava com câncer de próstata ± do qual se recuperou após uma cirurgia. Com 65 anos de idade, é casado com Noël Piper desde 1968, com quem tem quatro filhos, uma filha e um grupo grande de netos. Formado em Teologia pelo Wheaton College em 1968, tornou-se mestre em divindade pelo Fuller Theological Seminary três anos depois. O doutorado veio em 1974, em Estudos do Novo Testamento, na Universidade de Munique, na Alemanha. Seu ministério pastoral começou em 1980, após o que Piper define como ³um chamado irresistível de Deus para pregar´. Por fim, ganhou notoriedade nacional e internacional após a publicação de seu livro Desiring God, srcinalmente chamado no Brasil de Teologia da alegriae posteriormente rebatizado deEm busca deDeus (Shedd Publicações). Em 1994, Piper criou o ministérioDesiring God, que, nas suas palavras, foi idealizado para ³disseminar a paixão pela supremacia de Deus em todas as coisas para a alegria de todos os povos em Jesus Cristo´. A quem segue essa filosofia, Piper cunhou o termo ³hedonista cristão´. Amado ou criticado, o conferencista, poeta e escritor de 37 livros tem sido uma voz que vem ecoando nos quatro cantos do chamado universo evangélico. John Piper concedeu esta entrevista exclusiva a CRISTIANISMO HOJE, onde fala sobre assuntos que têm movimentado os debates teológicos e pastorais dos nossos dias. Temas com teísmo aberto, heterodoxia da fé e os efeitos da modernidade sobre o cristianismo, entre outros. E preferiu não responder a outras questões, como sua reação polêmica ao suposto universalismo do pastor emergente Rob Bell, considerada por muitos como falta de amor cristão. CRISTIANISMO HOJE ± Depois da tragédia noJapão, em março, o senhor declarou que toda calamidade é um chamado de Deus para que os que permaneceram vivos venham a se arrepender. Essa declaração entra em choque direto com o chamado teísmo aberto, que estabelece uma suposta incapacidade de Deus de interferir nessas situações. Qual é exatamente a sua visão sobre essa corrente teológica? JOHN PIPER ± A menos que eu esteja desinformado, o teísmo aberto não teve muita repercussão nos Estados Unidos. Não vejo essa teologia ganhando terreno. As pessoas mais informadas biblicamente enxergam a negação da preciência de Deus como um conceito espiritualmente e intelectualmente repugnante. Elas sabem intuitivamente que Deus não é Senhor se não pode saber tudo o que virá a acontecer no futuro. O caso exegético que Greg Boyd, Clark Pinnockprincipais [ expoentes dessa corrente teológica nos EUA] e outros tentaram estabelecer não convenceu os leitores mais cuidadosos da Bíblia. E quanto às implicações pastorais do teísmo aberto? Essas implicações não são percebidas pela maiora dos cristãos como algo reconfortante ± a saber, o fato de que o mal que você vivencia pode ter surpreendido Deus da mesma forma que surpreendeu você. A maior parte dos crentes em Jesus entende que existe uma esperança bíblica muito maior de conseguirmos alcançar paz ao vivenciarmos o problema do mal por meio da sábia soberania de Deus ± a posição reformada ± ou da concessão do Senhor à autodeterminação humana (posição arminiana). Nenhuma dessas duas visões nega a preciência de Deus do jeito que o teísmo aberto faz.
Presenciei debates entre integrantes da chamada Igreja emergente, em que proponentes da versão brasileira do teísmo aberto ± a chamada teologia relacional ± foram bem ofensivos ao senhor. Cheguei a ouvir um pastor bastante influente entre jovens chamar o senhor publicamente de ³fundamentalista enrustido de neocalvinista ´. Como o senhor lida com esse tipo de reação? Lido com esse tipo de crítica principalmente ao preparar e disponibilizar sermões, livros e artigos sólidos que são basedos o mais explicitamente na Bíblia que sou capaz de fazer. Rótulos desse tipo vão pegar ou não, em longo prazo, em função do que nós dizemos e fazemos e nunca pelo modo como respondemos aos nossos críticos. A pergunta: ao é longo de 30 anos de vida pastoral, de testemunho público e de uma produção literária sólida, a maioria dos cristãos espiritualmente saudáveis é auxiliada ou é ferida pelo que eu faço e digo? Conhecemos a árvore pelos frutos. Eu quero ser bíblico; então, ser ³enrustido´, ³fundamentalista´ ou ³calvinista´ é bastante secundário. Desejo que, no todo, meu ministério seja definido pelas Escrituras. O Corpo de Cristo fará esse julgamento no curto prazo ± e Jesus fará no fim. O senhor já se manifestou criticamente em relação ao fato de o homem fazer planos ± deixando claro que, em sua opinião, Deus não deseja que confiemos em nossos próprios meios. Como fechar a conta de maneira equilibrada, uma vez que a própriaEscritura recomenda o planejamento das atividades humanas? Respondo isso com a Bíblia. ³Prepara-se o cavalo para o dia da batalha, mas o Senhor é que dá a vitória´ (Provérbios 21.31). ³Em seu coração o homem planeja o seu caminho, mas o Senhor determina os seus passos´ (Provérbios 16.9). Deus nos deu vontade e raciocínio. Ele deseja que nós os usemos para discernir sua vontade e realizá-la, conforme Romanos 12.2. E Deus é absolutamente soberano sobre os mais ínfimos aspectos de nossas vidas. ³A sorte é lançada no colo, mas a decisão vem do Senhor´, diz o autor de Provérbios. Assim, Deus deseja que nós decidamos na dependência de sua graça capacitadora, que planejemos na dependência de sua maravilhosa graça e que ajamos na dependência de sua maravilhosa graça. Qual seria a razão para isso? A razão para isso é tamanha que, quando decidimos, planejamos e agimos, Deus recebe a glória por todas as coisas boas que advirão: ³Se alguém serve, faça-o com a força que Deus provê, de forma que em todas as coisas Deus seja glorificado mediante Jesus Cristo, a quem sejam a glória e o poder para todo o sempre (I Pedro 4.11). E de que modo saber queDeus é soberano em todas as nossas ações deve influenciar nossas ações cotidianas? Essa certeza deveria tornar-nos humildes, ousados e prontos para arriscar tudo pela glória do Senhor. Recentemente o senhor tirou um período sabático de oito meses. Qual foi o seu propósito ao se retirar da igreja por um periodo tão extenso? Uma situação de estresse e a avaliação de questões espirituais em três áreas de minha vida me conduziram ao ponto de solicitar esse período de afastamento. Eu queria fazer uma análise em aspectos relacionados à minha alma, à minha família e ao meu ministério. E, quando me refiro a essa análise, estou me referindo a um esforço dedicado a discernir as motivações do meu coração, os padrões adotados em minha vida familiar e o ritmo de meu ministério. Às vezes, a melhor maneira de discernir a natureza de suas motivações é parar de fazer o que você está motivado a fazer. E, às vezes, os motivos de estresse podem ser de tal natureza que a melhor maneira de ver se eles são recompensadores ± e podem ser ± é removê-los. Fico feliz por ter me afastado esses meses. E quais foram os resultados que esse período sabático lhe proporcionou? Vou mencionar apenas um resultado: ao participar dos momentos de louvor em uma igreja irmã, confirmei para minha própria alma que amo Jesus em adoração e não apenas me realizo ao ajudar outras pessoas a amá-lo. Além disso, amei ouvir pregações bíblicas, mesmo quando não era eu o pregador. E também amei cantar junto com o povo de Deus, mesmo quando aquelas pessoas não faziam parte do rebanho que eu discipulo na igreja que pastoreio. Muitos pastores hoje em dia dividem o púlpito das igrejas que lideram com uma série de outras atividades eclesiásticas, além de atuar como escritores e palestrantes ± o que é o seu caso. Essa diversidade não prejudica o chamado intrínseco ao pastorado?
Um ministério mais amplo fora da igreja local pode impedir o pastoreio do rebanho. Afinal, se estou palestrando em uma conferência ou me dedicando a escrever um livro, não estou junto às minhas ovelhas nesses momentos. Logo, minha presença pessoal no pastoreio pessoal é menos frequente. É então que surge a pergunta : será que um pastoreio que segue esse modelo deve ser impedido? Não, desdeque você tenha parceiros no ministério± vocacionados ou não-vocacionados ± que oauxiliam na condução desse trabalho. Há possibilidade de aIgreja contemporânea resgatar a ortodoxia bíblica?Em sua opinião, quando o pêndulo vai se inclinar na direção da fé impoluta? Todas as coisas são possíveis para Deus. Nenhum cronograma escatológico bíblico exige que as coisas se tornem piores no período da História do mundo em que estamos vivendo. Historicamente, Deus provocou reviravoltas espirituais, teológicas e sociais em alguns dos piores momentos da caminhada da humanidade. Não tenho nenhuma percepção clara nem discernimento da parte do Senhor para os nossos dias, tanto no que tange a um possível desdepertamento, a uma depuração ou a uma reforma de sua Igreja. Minha tarefa não é saber o que elevai fazer, mas trabalhar e orar para o que elepode fazer por meio da fidelidade de seus servos. No Brasil, a teologia da prosperidade impregnou os setores da Igreja que estão com mais visibilidade na mídia, importada de ensinamentos de Kenneth Hagin e outros. Isso gerou uma enorme reação negativa da sociedade à Igreja e desvirtuou profundamente a mensagem do E vangelho. De que modo os setores mais ortodoxos daIgreja devem reagir a isso? Parece-me que uma das testemunhas mais claras contra o ³evangelho´ herético da prosperidade é uma Igreja humilde, pronta a se sacrificar e a sofrer pela causa do verdadeiro Evangelho. E, com essa finalidade, nós precisamos de uma teologia bíblica robusta que fale de sofrimento e da soberania de Deus. Então, creio que os pastores deveriam abordar em suas pregações o tema do sofrimento. De que modo? Através de uma abordagem saudável da verdade de que Deus é mais glorificado em nós quando nos contentamos nele. E a grandeza de seu valor brilha mais reluzentemente quando esse contentamento é sustentado por meio do sofrimento e não da prosperidade. Isso redunda em que a glória de Cristo é nosso maior tesouro ± e não riqueza, saúde, família ou mesmo a nossa própria vida. Logo, a pregação deve continuamente mostrar não que Jesus é o caminho para a properidade, mas que ele é melhor que prosperidade. Outro movimento teológico que cresce noBrasil é o dos chamados "cristãos cansados da igreja": pessoas que foram feridas por pastores, membros, hierarquias, liturgias e instituições e que, por isso, defendem o exercício da fé cristã fora das estruturas eclasiásticas tradicionais. Como devemos responder a esse fenômeno, como indivíduos e como comunidade de fé? É impossível seguir o Senhor Jesus sem amar o seu povo. A apóstolo João disse que sabemos que já passamos da morte para a vida porque amamos nossos irmãos ± e que quem não ama, permanece na morte (I João 3.14). O olho não pode dizer para a mão que não precisa dela. Assim, mesmo que uma pessoa abandone uma igreja institucional, o espírito de adoção vai conduzi-la a outros crentes em Jesus. E, mais cedo ou mais tarde, essa comunhão vai desenvolver algo como ³estruturas eclesiásticas´ institucionais. A Bíblia regulamenta a igreja por meio de presbíteros e diáconos, conforme I Timóteo 3. Algo parecido com isso vai surgir, a menos que a referida comunhão se retire da Palavra de Deus e do amor. E qual é a atitude cristã correta em relação a esses que se afastaram? Deveríamos nos arrepender em amor dos pecados que eventualmente tenham afastado essas pessoas e estabelecer reformas que removam todos os tropeços antibíblicos. E, então, deveríamos, com toda humildade, tentar trazê-los de volta. O tráfego de informações e influências por meio da internet tem feito as paredes denominacionais, doutrinárias e teológicas cairem de modo inédito na história do cristianismo. Isso ocorre pela ação de blogs, redes sociais, sites de transmissão de vídeos e similares, essenciamente. O senhor consegue enxergar, em médio e longo prazos, que efeitos esse fenômeno trará para a Igreja, em especial no processo de formação de conceitos na mente de cada cristão? Não, não consigo. É muito cedo para dizer que efeitos advirão disso tudo. É fácil se tornar um profeta do apocalipse e predizer os efeitos que a informação e o entretenimento desenfreados terão sobre nós. Certo é que atualmente andamos mais distraídos.
Dedicamo-nos muito mais a buscar frivolidades na internet. Também estamos mais facilmente em contato com material que pode nos corromper, como pornografia ou imbecilidades que anestesiam a nossa alma. Porém, nada disso é irreversível. E as possibilidades de colocar à disposição materiais positivos para uma quantidade cada vez maior de pessoas devem superar os problemas. É por isso que devemos orar ± e é nesse sentido que devemos trabalhar.
Cuidado com os ladrões do tempo neste novo ano Nós temos 525.600 minutos neste ano. Com muita oração, nós podemos começar a remir o tempo, antes que percamos um único e precioso minuto. Por Richard Doebler
Era um daqueles momentos cruciais: um momento de iluminação. Eu tinha dezoito anos e queria entreter meu irmão de cinco anos. Por isso, eu me ofereci para levá-lo para um passeio em um parque de diversões. Com vinte e um dólares na carteira, eu era o típico irmão mais velho. Ao atravessarmos pelo portão de entrada, passamos pela fazendinha, pelos celeiros, pelas barracas de pipoca e cachorro-quente, lojas de doces e roupas. Nós tínhamos uma coisa em nossa mente : as voltas da roda gigante. Os giros da roda gigante haviam marcado nosso destino àquele lugar. Infelizmente, nós não fomos até ela. Uma distração nos tirou do nosso caminho. Após passar pela área de jogos, escutei alguém me chamar. Pelo menos eu acho que escutei. Dei uma olhada ao meu redor para ver se identificava aquele que me chamava, e um homem acenou para mim de dentro de uma cabine. Isso é suficiente para eu dizer que em cinco minutos ele já tinha ganhado boa parte do meu dinheiro, e ainda faltavam cinco pontos para eu ganhar um panda de pelúcia. Foi quando eu me dei conta do que havia acontecido. Eu estava chateado com o vendedor na cabine. Contudo, estava ainda mais chateado comigo mesmo. Eu perdi 17 dólares e muitas voltas na roda gigante com meu irmão. Todavia, aprendi uma lição : distrações podem te levar a perder o foco de seus planos. : ³Portanto, A Bíblia nos orienta a vivermos com prudência, aproveitando as oportunidades e procurando fazer a vontade de Deus vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor´ (Ef:15-17). 5.
Três princípios fundamentais emergem destes versos : 1. Conheça seu destino± Descubra a vontade de Deus e seus propósitos, e você usará seu tempo de forma mais efetiva. Se Deus nos quer em Dallas, é uma perda de tempo estarmos no Grand Canyon ou na face rochosa do monte Ruchmore. Constantemente gastamos meses ou até mesmo anos dirigindo-nos a um lugar quando, na verdade, Deus está claramente nos orientando para outra direção. Discorrer sobre o conhecimento da vontade de Deus é mais fácil do que, de fato, conhecer sua vontade. Isto, porque o conhecimento de sua vontade exige discernimento. Exige oração. Exige insights os de um espiritual e inteligente amigo que nos conhece o suficiente e que reconhece o trabalho de Deus em nós. Agora, diante do começo de um novo ano, separe um tempo para considerar seus destinos e os destinos de seu ministério. Quais suas impressões acerca da direção de Deus para seu ministério? É esta a direção que você tem em mente e pretende seguir? Você está animado com ela? Ela está suficientemente clara em sua mente? Esta é a hora de corrigir seu caminho parcialmente ou de mudá-lo por completo. 2. Aproveite ao máximo cada oportunidade± Bear Bryant, famoso técnico de futebol americano do Alabama falou sobre seus primeiros momentos como treinador do Kentucky. Seu time deixou a bola cair em frente do banco e, no meio da confusão, alguém deu um chute em uma caixa na qual havia outras oito bolas. Como resultado daquele alvoroço, o time do Tennessee estava com a
posse de cinco bolas e o do Kentucky com quatro. Os juízes, por isso, deram a posse de bola para o time do Tennessee. Moral da história: quando a bola vier em sua direção, agarre-a. Aproveite as oportunidades quando elas aparecerem. Nós podemos criar oportunidades quando necessário, mas às vezes, quando as criamos, acabamos nos distanciando do que Deus deseja de nós. Se, ao invés disso, estabelecermos como objetivo abraçar as oportunidades que nos aparecem, pouparemos tempo e estaremos mais propensos a fazer a vontade de Deus. Existem oportunidades que você ou seu ministério falharam ao deixarem de abraçá-la? Quais oportunidades estão diante de você agora, que você ainda não conseguiu enxergar como uma chance de Deus para sua vida? 3. Tome cuidado com a forma pela qual você vive± Por prudência, agora eu não mais me distraio com locutores e vendedores em cabines nos parques de diversão. Contudo, necessidades urgentes ainda tentam me distrair de meus principais propósitos e planos. Muitos pregadores reclamam que pessoas com seus problemas acabam roubando seu tempo de preparo de um sermão e que questões organizacionais os distraem no exercício de seu ministério. Quando organizarmos nosso tempo de forma eficaz, nós trabalharemos sem permitir que as urgências tomem tempo das prioridades. Isso exige de nós capacidade de identificarmos o que é prioritário em nossas vidas e força de vontade para dizermos ³não´ àquilo que nos interrompe e que sabemos não fazer parte dos propósitos divinos. Invista alguns minutos para identificar as tarefas prioritárias em seu ministério. O que você está fazendo para protegê-las e para guardar o tempo que você precisa para cumprir seu chamado? Quem você pode chamar para ajudar-lhe a manter-se focado no que é central? Nós temos 525.600 minutos neste ano. Com muita oração, nós podemos começar a remir o tempo, antes que percamos um único e precioso minuto.
Decisões para um novo ano Embora pareça assustador, quando você assumir o risco, verá Deus trabalhando através de você de uma forma emocionante! Por Susan Alexander Yates
Este ano eu prometo... eu realmente quero...Oh, meu Deus, talvez eu não deva fazer qualquer decisão de ano novo, afinal eu nunca as cumpro, de qualquer forma. É simplesmente muito difícil! Você já se sentiu assim? Eu já, muitas vezes. Mas eu também aprendi que o ano novo é uma boa época para reavaliar a influência que minhas ações e atitudes têm sobre o desenvolvimento do caráter dos meus filhos. Eis aqui cinco decisões que eu sei que preciso manter neste ano: 1. Alcançar alguém que não conheça Cristo ±Talvez, assim como eu, você seja tentado a gastar todo o seu tempo com amigos cristãos ± pessoas como você. Afinal, se você quer que seus filhos cresçam na fé, você precisa colocá-los em contato com pessoas de fé! Mas, ao mesmo tempo, Deus nos ordena a sermos sal da terra e luz do mundo (Mateus:13-16); 5 o que não acontecerá se passarmos todo o nosso tempo com outros crentes. Nossos filhos estarão dispostos a alcançar não-crentes quando crescerem? Aposto que sim, se eles virem isto em você, como um modelo para suas vidas. Por exemplo, minha amiga Sandy criou um grande interesse por uma vizinha chamada Carol. Sandy convidou Carol para almoçar e levou-a em uma feira de artesanatos. Embora Carol e seu marido não tivessem filhos, Sandy a incluiu em atividades que ela faria com seus filhos. Carol e seu marido não eram crentes e não iam à igreja, mas, por curiosidade, eles logo começaram a freqüentar junto com seus novos amigos. Depois de um tempo, Carol e seu marido tornaram-se crentes. Tudo começou porque Sandy teve a intenção de desenvolver uma amizade genuína com não crentes, e seus filhos viram o resultado.
Este ano resolva ser amigo de alguém que não é crente. Pode ser uma colega de trabalho, uma vizinha, uma professora de seus filhos ou mesmo a sua cabeleireira. Embora pareça assustador, quando você assumir o risco, verá Deus trabalhando através de você de uma forma emocionante! 2. Tornar-me uma pessoa grata ±Eu costumava acordar de manhã pensando em todas as coisas que eu tinha que fazer e em todas as pessoas que precisavam de mim. Ficava deprimida antes mesmo de sair da cama! Eu percebi que precisava ajustar minhas atitudes. Então comecei a meditar sobre um dos traços do caráter de Deus na hora de acordar. Enquanto eu estava deitada tranqüilamente em minha cama, pensando como Deus é incrível, a minha perspectiva sobre o meu dia mudava drasticamente! Ninguém gosta de estar cercado por crianças choronas. Mas quando elas são gratas, é delicioso. Da mesma maneira, quando agradecemos a Deus, isto emociona o Seu coração. Minha amiga Elaine diz: ³A prática da gratidão é a disciplina que nos ensina a experimentar o amor de Deus´. Lembre-se de que seus filhos captam as suas atitudes. Se você se queixa, eles estarão mais propensos a se queixarem. Se você sempre vê as coisas pelo lado negativo, seus filhos vão se concentrar no que estiver faltando. A sua disposição permeia a atmosfera da sua casa. Você quer criar filhos positivos? Então resolva tornar-se uma mulher grata. Você causará um impacto positivo sobre as gerações vindouras. 3. Passar mais tempo de qualidade com meu marido ±Meu marido, John, e eu tínhamos um maravilhoso pé de framboesa. Nos primeiros anos eu cuidava dele e ele produzia bastante. Então eu comecei a ficar ocupada com muitos compromissos e, quando me dei conta, as ervas daninhas haviam crescido, e o meu pé de framboesa morreu. Um casamento pode se tornar como o meu pé de framboesa. Nos tornamos ocupadas com crianças, carreira, igreja, pais idosos e trabalhos voluntários. Nós pensamos que vamos passar mais tempo com nossos maridos quando a vida se acalmar. O problema é que a vida nunca se acalma. Não permita que as ervas daninhas das ³outras coisas importantes´, mesmo que sejam os seus filhos, sufoquem o seu casamento. Resolva nutri-lo. Este ano, pergunte o que você pode fazer para ajudar a seu marido e você a crescerem juntos. Pode ser marcando um encontro semanal ± uma noite, um café da manhã ou uma tarde. Tenha em mente que o senso de segurança de seus filhos é construído sobre a certeza de que você os ama, mas é ainda mais forte quando eles sabem que você ama o pai deles. Você está criando futuros maridos e esposas que precisam saber que um casamento feliz toma tempo. Se eles os virem nutrindo o de vocês, eles aprenderão uma tremenda lição. 4. Dizer ³não´ para algumas coisas! ±Ok, todos nós sabemos que existem muitas demandas, muitas escolhas e pouco tempo. Mas parte do amadurecimento significa aprender a adiar algo que você realmente gostaria de fazer agora para uma outra época da vida, para se concentrar em algo ainda mais importante. Talvez seja aquela oportunidade na carreira, então você terá mais tempo com seus filhos, ou aquele passeio com seus amigos, então você estará por perto quando seus adolescentes receberem seus amigos em casa. Talvez você precise dizer ³não´ para que seus filhos entrem em mais um time e, então, sua família poderá ter um jantar especial. Pergunte a si mesma: em dez anos o que terá sido mais importante : você ter trocado a companhia de seu filho por outra atividade ou ter dito ³não´ e ter jantado com sua família? Ter participado de outro compromisso ou ter dito ³não´ e então ter passado mais tempo com seu marido? 5. Seguir a Cristo com mais vigor ±Você, às vezes, sente que seu relacionamento com Cristo anda frio? Eu, certamente, sinto. Mas quando isto acontece comigo, eu faço a oração do rei Davi : ³Devolve-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito pronto a obedecer´. (Salmos 51 :12) Enquanto este novo ano começa, resolva resgatar aquela alegria. Varie as coisas que você normalmente faz durante o seu tempo a sós com Deus. Determine um tópico novo para leitura da Bíblia. Comece um novo blog! Se você fizer algumas mudanças e ainda se sentir fraco, peça a Deus que lhe mostre o motivo. Existe algum pecado em sua vida que você está ignorando? Um relacionamento errado, autopiedade, ciúme? O autor de Hebreus nos encoraja dizendo ³livremo-nos de
tudo que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta. Tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé´. Esta é uma decisão que você não pode se permitir recuar! Susan
Alexander Yates é autora de diversos livros, incluindoHow to Like the Ones You Love: Building Family Friendships for
Life (Baker Books).
Jovens com uma paixão Após completar 50 anos, Jocum continua fiel ao ideal de fazer Cristo conhecido em todas as nações. Por John W. Kennedy
Julho de 2010. Enquanto as chuvas de monções inundam o Paquistão, o mundo se mobiliza para socorrer os mais de 20 milhões de vítimas entre mortos, feridos e desabrigados. As enchentes do último verão foram apenas mais uma tragédia num país já vitimado pela miséria e pela instabilidade política e econômica. Um quinto de todo o território paquistanês ficou debaixo d¶água, trazendo à imensa população do país riscos imediatos como a fome e a disseminação de doenças. Em meio a diversas entidades internacionais de apoio humanitário, organizações não-governamentais, grupos civis e instituições religiosas que foram para lá, centenas de estudantes evangélicos mobilizam-se para prestar socorro. Eles são alunos da Escola de Treinamento e Discipulado (Eted) de Karachi, a capital do país. Aspirantes a missionários, aprenderam desde cedo que, para fazer Cristo conhecido pelos povos, é preciso legitimar a pregação com ações concretas em favor do próximo ± exatamente como o próprio Filho de Deus ensinou enquanto andou por este mundo. Corta para o passado. Num belo dia no ano de 1960, um certo Loren Cunningham também ficou interessado em dar algum sentido à sua vida espiritual além dos cultos de domingo. Contando com dois amigos crentes e um mimeógrafo usado, montou na garagem de sua casa, em Los Angeles (EUA), um escritório missionário. A ideia inicial era incentivar outros jovens evangélicos a usar um pouco de seu tempo para anunciar a Palavra de Deus e fazer algo útil a alguém. Os voluntários deveriam estar conscientes de sua responsabilidade espiritual perante os perdidos e ser capazes de prover o próprio sustento, fosse com recursos pessoais ou através de doadores. A coisa cresceu, mais e mais pessoas foram se envolvendo e o projeto de Cunningham se transformou numa das mais bem sucedidas iniciativas missionárias de todos os tempos. Uma verdadeira multinacional da fé. Os dois episódios estão separados por 50 anos, mas fazem parte do mesmo contexto. Jovens com uma Missão (Jocum), a entidade fundada por Cunningham, é a mesma que prestou socorro ao povo do Paquistão e hoje atua em mais 170 países, sob o lema ³conhecer a Cristo e fazê-lo conhecido´ ± inclusive no Brasil, onde o ministério foi instalado em 1975 pelo casal de missionários Jim e Pamela Stier. Os jocumeiros, como os membros da missão são chamados, dão conta de um leque enorme de ministérios : cuidam de refugiados chechenos que vivem na Polônia; reconstroem vilas birmanesas depois da passagem do devastador ciclone Nargys; compartilham o Evangelho em grandes eventos como a Copa do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos; abrigam filhos de prostitutas na Índia; ensinam populações africanas a melhorar a produção rural com técnicas simples; montam ambulatórios médicos em regiões conflagradas, das zonas de guerra no Oriente Médio aos morros do Rio de Janeiro; distribuem bíblias em regiões tão diversas como a periferia do Cairo, no Egito, e a Patagônia, extremo sul do continente americano. A isso, soma-se um sem-número de atividades, os chamados impactos evangelísticos, e variadas ações missionárias no contexto urbano, através de apresentações artísticas e muita criatividade. O resultado disso tudo vai além da pescaria de almas para Cristo, promovendo também mudanças sociais significativas. ³Nós estamos trazendo a mensagem de que Deus os ama e de que queremos ajudá-los´, resume Liz Cochrane, missionária de ascendência suíça que acionou seus contatos com empresários americanos a fim de levantar fundos para a compra de 100 mil filtros para contornar a falta da água potável para os refugiados paquistaneses. Aos 48 anos de idade, ela tem o perfil do jocumeiro típico, que não se detém diante de riscos e desconfortos para fazer a obra. Em 1985, ela chegou a ser presa no Nepal por pregar o Evangelho, então proibido no pequeno país asiático. Para ela, assim como para os cerca de 4 milhões de pessoas que já atuaram na Jocum neste meio século, o maior perigo é ficar longe do centro da vontade de Deus. Responsabilidade e inovação ±Evangelismo, preparação e misericórdia são os três pilares da atuação da Jocum nos cinco continentes.Com força de trabalho da ordem de 17 mil missionários ativos ± mais de 50%, não-ocidentais ±, um dos maiores desafios da Jocum é prover treinamento e discipulado a toda essa gente. Cada aspirante, independente da nacionalidade, denominação ou idade, deve frequentar um curso obrigatório de seis meses nas Escolas de Treinamento e Discipulado, oferecido nas mais de 1,2 mil bases da missão em todo o mundover ( abaixo). Depois disso, os estudos podem ser estendidos em bacharelado
e mestrado na Universidade das Nações, uma escola nada convencional. A instituição usa o sistema modular, oferecendo foco intensivo em um tópico, seguido pela prática experimental no campo. Ciente de que os novos rumos da obra missionária demandam mão de obra especializada, inclusive para furar o bloqueio legal à entrada de cristãos em pelo menos um terço dos lugares onde atua, a Jocum forma ³fazedores de tendas´. É gente que, à semelhança do apóstolo Paulo, desenvolve uma atividade profissional paralela ao trabalho evangelístico. Cursos dos mais variados, nas áreas de saúde, tecnologia, aconselhamento, magistério e linguística, entre dezenas de outros, são ministrados paralelamente ao ensino bíblico e teológico. Tudo para que o obreiro possa aproveitar todas as oportunidades de falar do amor de Cristo a toda criatura. Viagens missionárias de curta duração durante o verão, blitzen evangelísticas em grandes eventos e assistência médica através de navios-hospitais só algumas das ações criadas pela Jocum. ³Quanto mais inovador o ministério, melhor´, diz David Joel Hamilton, vice-presidente de Estratégias da missão. Descentralização é mesmo a palavra de ordem, e embora exista um conselho chamado Equipe de Liderança Global (GLT, na sigla em inglês) formado por 45 líderes regionais e internacionais, cada base nacional da Jocum tem autonomia administrativa e financeira, planejando suas viagens ao campo, bem como programas de treinamento, recrutamento de obreiros, captação de recursos e determinação de prioridades ministeriais. Enxugar a maquina, reduzindo os cargos administrativos ao mínimo indispensável, foi a maneira encontrada para que a quase totalidade dos recursos disponíveis seja usada nos projetos e impactos. Ninguém é assalariado; cada missionário levanta a sua rede pessoal de mantenedores e assume a responsabilidade pelo próprio sustento. Atualmente, o presidente internacional da missão é o neozelandês John Dawson. Aos 75 anos de idade, Cunningham permanece ativo, embora não exerça mais a liderança formal da obra. Extremamente respeitado pelo seu legado, ele comemorou os 50 anos de ministério com um tour global, ao lado de Darlene, sua mulher e companheira de missões. Eles participaram de mais de quarenta celebrações regionais, incluindo o Nepal e a Mongólia, onde o trabalho cristão enfrenta sérias barreiras legais e culturais. A festa do cinquentenário culminou no quartel-general da Jocum, em Kailua-Kona, no estado americano do Havaí, no fim de novembro. ³Não conheço mais ninguém que, como ele, tenha perseguido o escopo da grande comissão indo a cada país do mundo´, elogia Steve Douglass, presidente de campo da Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo Internacional, instituição parceira de Jovens com uma Missão. Cunningham continua levando avante seu sonho de ver milhões de jovens evangelistas vindos dos quatro cantos do globo e invadindo pela fé as nações. Na Universidade das Nações do Havaí, ele é um professor acessível a todos os alunos que desejam abraçá-lo e bater um papo. ³Ele é um excelente contador de histórias e sempre deixa a mente dos jovens fascinada, capturando sua atenção´, diz Don Stephens, que serviu como líder sênior na Jocum por três décadas. Quem não conhece sua trajetória não acreditaria nos perigos que Cunningham já enfrentou para levar o Evangelho, desde um avião sem combustível caindo numa floresta do Togo a doenças endêmicas em regiões afetadas por surtos de hepatite e malária ± sem falar num acidente de carro, logo no início do ministério, do qual Darlene saiu praticamente morta e recobrou o fôlego após uma oração desesperada do marido. Desde então, o fundador nunca mais perdeu a sua profunda confiança em Deus, a qual, garante, é o que lhe sustenta. ³Compartilhamos
sonhos´ ± ³Estou há 20 anos na Jocum e minha motivação para participar desse ministério foi a forma como
a organização encara os desafios missionários´, diz Vida, uma jocumeira brasileira. O nome é fictício, já que, na nação onde ela atualmente trabalha, os evangelistas correm risco real de vida se suas atividades forem descobertas. A obreira conta histórias que mais parecem enredo de filme de ação, mas o que realmente a empolga é seguir o chamado. ³A paixão de todo jocumeiro é realmente conhecer mais a Deus e fazê-lo conhecido´, recita. Para Vida, a paixão pelas almas e o desafio de sempre caminhar por fé é o que leva as pessoas a se integrarem a Jovens com uma Missão. ³Temos acesso a excelentes cursos ligados à Universidade das Nações, que treinam e qualificam o missionário para o ministério´, descreve. As diferentes escolas e cursos de treinamentos normalmente funcionam nas bases da Jocum e, paralelamente ao aprendizado, diversos projetos são desenvolvidos. Os de maior visibilidade são os impactos evangelísticos em datas específicas como réveillon e carnaval, além de celebrações religiosas como o Círio de Nazaré, em Belém (PA) e as romarias em honra à santa católica Senhora de Aparecida, no interior de São Paulo. É possível envolver-se apenas por determinado período, como as férias escolares. Tudo isso faz com que a passagem pela missão marque para sempre a vida espiritual dos jocumeiros. ³Aprendemos a viver em comunidade; trabalhamos e estudamos juntos, compartilhando sonhos´, comenta Vida. O paraibano Pedro Bezerra de Souza, carinhosamente chamado de Tio Pedro, é outro evangelista entusiasmado. Desde 1991, ele é o diretor de eventos de impacto na base de Contagem (MG). ³O amor pelos perdidos e o desejo de levar outros a ter a mesma experiência de salvação é que me trouxe para cá´, conta. Na sua região, ele coordena atividades sociais e evangelísticas que incluem
a evangelização de adeptos do candomblé na festa anual de Iemanjá, na Lagoa da Pampulha, e de turistas no Festival de Inverno de Ouro Preto. ³Também organizamos almoços e palestras para as profissionais do sexo que fazem ponto na zona boêmia de Belo Horizonte´, conta. Incansável, Pedro tem se empenhado ultimamente em ajudar a levantar fundos para socorrer igrejas afetadas pelo terremoto no Haiti. O presidente nacional, Wellington Oliveira, resume o espírito que norteia o trabalho : ³Somos um organismo, e não uma organização. Uma família de ministérios cujo maior patrimônio são as pessoas´. Na Jocum há 28 anos, ele diz que a missão é um grupo que está atento às mudanças e tem adequado suas estratégias de acordo com as demandas. Foi assim, por exemplo, que obreiros ligados à entidade encabeçaram um movimento contra o infanticídio praticado por alguns povos indígenas, bem como na mobilização nacional contra a pedofilia. ³Também apoiamos trabalhos desenvolvidos por igrejas locais´, diz o dirigente. Wellington admite que a ênfase dada a missões perdeu sua intensidade nos últimos anos, mas acredita que a vocação ministerial da juventude cristã não arrefeceu totalmente: ³O crescimento do número de jovens que nos procuram é a prova disso´. É preciso, segundo ele, estar atento às mudanças de foco. ³Como somos um mundo predominantemente urbano, é natural que, principalmente no Brasil, tenhamos as estratégias da juventude majoritariamente com esta ênfase.´ Multinacional da fé 171 países têm alguma atividade da Jocum em andamento 17 mil é o número aproximado de obreiros ativos hoje 4 milhões de pessoas já atuaram na missão 50 mil alunos passam todos os anos pela Universidade das Nações 1,2 mil centros de atividades missionárias estão em funcionamento no mundo 13% é a taxa anual de crescimento médio da quantidade de missionários 1,3 mildos obreiros em atividade na Jocum são brasileiros 53 são os escritórios e centros de treinamento missionário no Brasil 100 países contam com o trabalho jocumeiros brasileiros
Comunhão portenha Pastores da Grande Buenos Aires fazem de seu Conselho um instrumento inovador de evangelização, ação social e socorro mútuo. Por Jeremy Weber
Aquele último culto, num domingo de 2007, foi marcado pela desolação dos membros. Às vésperas de fechar as portas, o líder da pequena igreja pentecostal escreveu um e-mail para o colega Norberto Saracco pedindo oração. A congregação perderia seu templo em Buenos Aires, a capital argentina, a menos que pagasse o equivalente a 25 mil dólares para resolver um processo legal de longa data em relação à propriedade. Parecia não haver saída, pois o valor equivalia a quase um ano de arrecadação da igreja. Saracco, da Igreja Boas Novas e integrante do Conselho de Pastores da cidade, fez as orações pedidas e algo mais. Ele enviou a seguinte resposta : ³Não podemos permitir que uma igreja feche em Buenos Aires´. Dois dias depois, pastores de várias denominações haviam doado o dinheiro necessário. ³Quando dizemos que há somente uma Igreja em Buenos Aires, estas são as consequências´, explica Saracco. ³Se queremos uma Igreja forte na cidade, cada igreja local tem que ser forte também´. As palavras do religioso expressam o espírito daquela que é hoje, talvez, a maior experiência de unificação de igrejas de uma grande cidade em todo o mundo. Em um país sem forte tradição evangélica, a Igreja argentina tem visto uma iniciativa pouco comum : uma tentativa de unificação.
Não se pretende montar uma única megaigreja onde todos congreguem, mas sim, resgatar um conceito bíblico simples, o da unidade em Cristo. ³Toda vez que o Novo Testamento fala da igreja em uma cidade, como Éfeso ou Corinto, é sempre no singular, não no plural´, diz Carlos Mraida, pastor da Primeira Igreja Batista do Centro de Buenos Aires. ³Entretanto, quando o Novo Testamento fala de liderança em uma cidade, é sempre no plural. A igreja é singular, mas a liderança é plural´. Pluralidade tem sido mesmo a palavra de ordem entre cerca de 150 igrejas evangélicas da Grande Buenos Aires, um aglomerado urbano com 13 milhões de habitantes. Desde que foi montada, a entidade tem atraído cada vez mais líderes. Os pastores reúnem-se mensalmente para orar, confraternizar, traçar planos de ação comum e, se for o caso, socorrer-se mutuamente. Não é preciso abrir mão das próprias convicções, nem existe qualquer patrulhamento teológico. Pentecostais convivem com históricos na maior harmonia. ³Estamos de acordo apenas sobre os elementos centrais, como a Trindade, a morte de Jesus na cruz e sua segunda vinda, por exemplo´, explica Juan Pablo Bongorrá, pastor da Igreja Portas Abertas. Os quase 200 membros do Conselho de Pastores de Buenos Aires continuam a divergir sobre temas como o divórcio, batismo pelo Espírito Santo e formas de realizar o culto. ³Aceitamos a diferença como uma riqueza. Seria ruim se todas as igrejas fossem iguais. Imagine se Deus tivesse criado apenas um tipo de flor, como isso seria chato´, compara. Ao invés disso, as igrejas ligadas ao órgão estão fazendo trocas importantes. ³Hoje, as igrejas mais tradicionais estão ajudando as congregações avivadas a fazer mais trabalhos sociais, e estas incentivam aquelas a realizar mais trabalhos evangelísticos´, explica o pastor, que é um dos cinco dirigentes do Conselho. O resultado é uma força conjunta capaz de influenciar mais a sociedade argentina, já que conselhos semelhantes têm se reproduzido em outras regiões do país. Foi assim em novembro do ano passado, quando os evangélicos uniram-se para confrontar o governo e o legislativo na questão do casamento gay, e na recente crise econômica do país. ³O mais importante é a mentalidade de que a unidade é um processo contínuo, não um evento´, acredita Mraida. Reconciliação ±Inicialmente, os crentes portenhos ± como são conhecidos os moradores da cidade ± tentaram iniciar um movimento de unidade após a cruzada que o evangelista americano Billy Graham realizou ali, em 1962. Anos depois, outra cruzada, desta vez do pregador Luis Palau, em 1977, encetou algumas iniciativas naquela direção, mas sem sucesso. Não que houvesse contenda entre os crentes ± ³as igrejas aqui nunca foram hostis ou competitivas´, garante o pastor Bongorrá ±, mas cada igreja estabelecia e perseguia seus próprios objetivos. Um novo espírito de unidade surgiu no início dos anos 1980, quando centenas de cidades formaram conselhos de pastores, alguns com mais de mil membros. O de Buenos Aires foi montado em 1982 por Bongorrá, Saracco e Mraida, junto com o carismático pastor Jorge Himitián e o ministro batista Pablo Medeiros. ³O ponto de partida foi criar e desenvolver a amizade entre os pastores´, diz Saracco, ³já que é mais fácil unir pessoas do que denominações´. Uma das primeiras ações do grupo foi a reconciliação sobre os erros do passado recente. A Argentina engatinhava na redemocratização, após a sangrenta Guerra Suja da década anterior, período em que os militares governaram o país com mão de ferro, e o trauma do conflito contra o Reino Unido pela posse das ilhas Malvinas. ³O tumulto político no país criou uma profunda divisão entre as igrejas que defendiam os direitos humanos e aquelas que permaneceram em silêncio´, diz Saracco. O ponto alto foi um grande evento no qual o Conselho pediu aos dois lados para perdoarem um ao outro em frente aos 250 mil congregados. O ato teve um efeito purificador. Quando ficou claro que uma estrutura formalizada, com cargos tradicionais e instâncias administrativas, levaria o grupo à inação, os pastores optaram por outra tática. ³Mudamos a mentalidade´, lembra Bongorrá. ³Resolvemos trabalhar como igreja e nos concentrar nos dons espirituais´. O movimento de unidade logo mudou o foco da ideia de uma simples comunhão entre pastores para o conceito de ³igrejas ajudando igrejas´. Quando uma Igreja Anglicana foi forçada a encerrar seu programa de Escola Dominical em 2008 por falta de professores, levando a um êxodo de famílias, a congregação pentecostal liderada por Saracco enviou quatro voluntários para executar um programa de educação bíblica. Noutra ocasião, um pastor do subúrbio pediu socorro porque o colégio que a igreja mantinha estava na bancarrota. Em resposta, o Conselho uniu-se para pagar dívidas com impostos e salários dos professores. A estrutura flexível é considerada uma das chaves para o sucesso. Outra é ter algo para fazer em unidade. ³Durante muitos anos, não tínhamos um projeto comum´, diz Bongarrá. ³Agora, os pastores estão se juntando cada vez mais a nós ± porque é bom orar juntos e ter um bom tempo de comunhão ±, mas, também, porque as pessoas estão mais felizes por terem algo para fazer em unidade, um objetivo comum´. O trabalho do Conselho da capital tem chamado a atenção. A Aliança Cristã de Igrejas Evangélicas da República Argentina (Aciera) fez uma convocação para que todos os conselhos de pastores de outras cidades e províncias do país comparecessem a um evento no Seminário Batista de Buenos Aires em abril. Ali, os pastores portenhos falaram de sua experiência. ³Paradigma
bíblico´ ± Mas o desafio é grande. Embora num ritmo bem menor que o brasileiro, as igrejas também estão
crescendo numericamente na Argentina. Hoje, a quantidade de evangélicos do país chega a 3 milhões de pessoas (pouco menos de 10% da população), a maioria, pentecostais. ³Apesar disso, o Reino de Deus não tem sido estabelecido´, preocupa-se o pastor Carlos Mraida. ³A cidade fora dos muros da igreja está muito pior em quase todos os quesitos espirituais e seculares´, reconhece. Ele conta que, ao longo de seus 24 anos de ministério, viu que, quando cada um cuida de fazer só o próprio trabalho, o avanço é modesto. ³Jesus disse que uma única exigência para vermos o avivamento é que sejamos um, a fim de que o mundo creia, conforme João 17. Temos que voltar a um paradigma bíblico.´ Nos últimos quatro anos, Mraida tem convidado pastores de diferentes denominações para servir mensalmente a Ceia do Senhor na sua congregação. Ele mesmo já foi beneficiário da mutualidade que ajuda a fomentar. Quando a Igreja Batista que dirige estava construindo um novo santuário, a Igreja Visão do Futuro, do pastor Omar Cabrera, localizada a apenas 10 quarteirões, contribuiu com 70 mil pesos (cerca de R$ 35 mil em valores de hoje) para compra de cimento. ³Indagaram-me porque estávamos ajudando a construir outra igreja tão perto de nós´, lembra Cabrera. ³Respondi simplesmente que estávamos no mesmo time´. Ultimamente, as prioridades do Conselho de Pastores têm sido a oração e a evangelização. Em junho de 2008, a entidade organizou a primeira campanha de 40 dias de oração, encerrada com uma vigília de três noites ao ar livre, em frente ao Congresso do país. Ano passado, a coisa se repetiu, e em 2010 estendeu-se para cinquenta dias, a partir da Páscoa. Agora, está em pleno andamento uma mobilização para que os crentes portenhos assumam uma responsabilidade espiritual por sua cidade. Voluntários concordaram em orar por cada um dos 12 mil quarteirões da Região Metropolitana. Periodicamente, eles percorrem as ruas distribuindo folhetos e falando de Jesus aos moradores. Hoje, o Conselho já possui sete mil quarteirões cobertos por voluntários de 100 igrejas locais, e os pastores estão confiantes de que, até o fim do ano, toda a Grande Buenos Aires estará debaixo de oração e ação evangelística. Outra campanha promove os valores cristãos através da veiculação de mensagens temáticas, tendo como base o slogan ³A Argentina que Deus quer é possível com Jesus Cristo´. A cada duas semanas, as mensagens são divulgadas através de jornais, rádios, outdoors e panfletos. Muitos pastores reforçam os anúncios atrelando seus sermões ao tema de cada semana. Os custos são cobertos por um pool de igrejas dirigidas pelos pastores do Conselho.As congregações têm sido tãoentusiastas que as ofertas para o órgão ± normalmente inferiores a dois mil pesos por mês ± totalizaram a espantosa quantia de 750 mil pesos (R$ 375 mil) em cinco meses. Originalidade ± O último exemplo de evangelização unificada de toda a cidade foi o envio, em fevereiro deste ano, de missionários para a África do Norte, representando toda a Igreja de Buenos Aires. Trata-se de uma outra inovação, já que até então os obreiros transculturais eram enviados por igrejas locais ou agências missionárias. ³Esse envio unificado é um modelo para viabilizar a obra missionária e torná-la possível para a realidade econômica da América Latina´, elogia o presidente internacional da Cooperação Missionária Iberoamericana (Comibam), David Ruiz. ³O sucesso em Buenos Aires vem em um momento em que os grupos tradicionais de unidade da América Latina ± como a Confraternidade Evangélica Latinoamericana e o Conselho Latinoamerican o de Igrejas ± estão em vias de extinção ou perda de relevância.´
Atual diretor-adjunto Comissão de Aliança Missionária Evangélica Mundial, Ruiz acredita que o Conselho de Buenos Aires é um órgão muito srcinal. ³A maioria das alianças evangélicas estão enfrentando uma crise de identidade, e esta entidade está trazendo uma alternativa para a unidade da Igreja no continente´. O líder teológico René Padilla, presidente emérito da Fundação Kairós de Buenos Aires, diz que a iniciativa representa o novo. Embora reconheça a importância do trabalho, ele observa que sua influência ainda não se faz sentir fora da cidade. ³Ainda existem grandes divisões entre os grupos de igrejas principais e conservadoras´, aponta. ³Há sinais encorajadores de pessoas se relacionando entre as denominações, mas ainda há um longo caminho a percorrer´. Contudo, Norberto Saracco e seus companheiros de ministério parecem não ter pressa. ³A nossa visão e nossa tarefa são uma questão de fé. Estamos conscientes das nossas diferenças hoje, e sabemos que possivelmente não veremos o fim delas durante a nossa vida Talvez isso demore cem, duzentos ou 300 anos, não sabemos. Mas Abraão foi o pai da fé porque acreditou, não porque viu´, observa.
Anjos caídos Avanço das drogas na sociedade bate à porta da igreja e jovens evangélicos já fazem parte de estatísticas do vício. Por Marcos Stefano
Tudo começou com um punhado de anfetaminas e o desejo desenfreado de vencer no ciclismo. Mas logo vieram o ecstasy, a cocaína, o crack, as brigas com a família e os roubos para manter o vício que acabara de se instalar. A cada capítulo, o drama vivido por Danilo Gouveia, personagem interpretado pelo ator Cauã Reymond na novela Passione, da Rede Globo, mexe com os telespectadores e choca a sociedade com a dura realidade das drogas. Não é o primeiro sucesso do showbiz macional em cima do assunto. Há pouco tempo, o longaMeu nome não é Johnny, baseado no livro do jornalista Guilherme Fiuza, ganhou as telas dos cinemas ao revelar as desventuras de João Guilherme Estrella, um jovem que tinha tudo na vida, menos limites, pelo mundo das drogas. Em comum, histórias como as de Gouveia e Estrella alertam dramaticamente que ninguém está livre desse perigo ± nem mesmo aqueles que estão aparentemente nas situações mais seguras, aos olhos dos homens. Johnnatan Wagner Richele Guardian, hoje com 25 anos, sabe muito bem o que isso significa. Nascido numa família de pastores, Johnnatan cresceu dentro de uma congregação da Igreja do Evangelho Quadrangular, numa pacata cidade do interior das Minas Gerais. Na adolescência, envolveu-se com o grupo de mocidade e começou a tocar nos cultos. Tinha talento e um futuro promissor. Mas trocou tudo pela bebida e pela droga. A ponto de terminar traficando cocaína e crack nas ruas da cidade de São Paulo. Tornara-se um dependente. Para quem observa hoje o trabalho e o envolvimento do obreiro Johnnatan com a juventude da Igreja Internacional da Graça de Deus, onde se prepara para o pastorado, é até difícil imaginar o que pode ter acontecido para um moço aparentemente tão fervoroso espiritualmente ter se esfriado tanto. ³As pessoas sempre me viam nos cultos, mas não sabiam o que se passava comigo´, conta. Repetindo o que acontece com tantoa garotos que crescem numa aparente segurança espiritual dentro das igrejas, ele estava longe da fé fervorosa da avó, que sempre o levava aos cultos. ³Eu achava tudo muito careta e, influenciado por alguns amigos, pensava que ser crente era viver escondido atrás de uma Bíblia´. Aos 19 anos, o rapaz deixou a igreja. Com a ³ajuda´ daqueles mesmos amigos, começou a beber. Dali para as drogas, foi um passo. A família, no entanto, não desconfiava de nada. Só veio a descobrir a verdade quando Jonathan foi morar com a mãe, na capital paulista. Como o que ganhava já não era suficiente para comprar tóxicos, começou a vender coisas de casa até ser flagrado pela mãe. Já estava dominado pelo vício. Nos anos seguintes, não foram poucas as tentativas de deixar as drogas, mas elas sempre terminavam em fracasso. Bastava uma discussão que o deixasse mais nervoso para Johnnatan mergulhar novamente naquele : µPor que você não se mata? Jogue-se da mundo. ³Quando ficava desempregado ou o dinheiro acabava, vinham as vozes no ouvido ponte!¶. Era terrível´, recorda. Conseguiu sobreviver até que um de seus patrões o levou de volta à igreja, onde recebeu a Cristo como Salvador. Logo foi incentivado a largar o vício. Essa decisão, assim como a de romper com velhas amizades e até mesmo um namoro, foram decisivas para que ele tivesse êxito. Histórias de crentes que enfrentam o pesadelo das drogas chegam a soar muitas vezes quase como surreais. Porém, o que mais impressiona não são experiências sobrenaturais ou as misérias enfrentadas quando a pessoa chega ao fundo do poço, mas perceber que esses casos se multiplicam. Por si só os números que envolvem as drogas têm dimensões infinitamente maiores do que qualquer das pragas descritas no Apocalipse. Estima-se que, em todo mundo, mais de 210 milhões de pessoas usem algum tipo de droga ilegal. Dessas, de acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas, 26 milhões enfrentam problemas sérios, como a dependência de substâncias mais pesadas, especialmente nos grandes centros urbanos. É um problema de saúde pública, inclusive no Brasil, onde estima-se que haja quase 900 mil usuários. Mas, quando se pensa que uma parte desse contingente é formado por jovens filhos de crentes ou desviados das igrejas, a preocupação é ainda maior. O pastor Cilas, dirigente de uma igreja pentecostal do Rio de Janeiro, pede que a reportagem omita seu sobrenome e o nome de seu filho mais novo, de 22 anos. Mas não esconde que vive esse drama : ³Eu prego a libertação que há em Jesus no púlpito, mas esse processo ainda não aconteceu na minha casa´, lamenta o religioso. No fim da adolescência, o filho, que desde bebê acostumou-se a ouvir cânticos e mensagens de fé na congregação frequentada pela família, deixou de ir aos cultos. Alegava que queria ficar em casa e assistir televisão aos domingos, mas quando se via sozinho, saía furtivamente. ³Pensamos que era aquela coisa de adolescente rebelde, que um belo dia vai ter uma experiência com Cristo e mudar de vida´, diz Cilas. O problema era muito maior ± o garoto já andava com outros rapazes mais velhos, que o iniciaram nas drogas. Passo seguinte, abandonou os estudos e agora pouco aparece em casa, para desespero dos pais. ³Às vezes, fico semanas sem vê-lo, sem nem mesmo saber se está vivo ou morto´, entristece-se o pastor, que admite a própria culpa. ³Tinha tanto interesse em buscar as almas perdidas que não percebi que tinha um perdido sob meu teto.´
RELAÇÃO PERIGOSA Não existem pesquisas nem números que quantifiquem de fato essa relação perigosa dos jovens evangélicos com as drogas. Mas basta analisar o perfil dos pacientes internados nas muitas casas de recuperação para dependentes químicos espalhadas pelo Brasil para perceber que vários deles têm ou tiveram alguma relação anterior com o Evangelho. Essa constatação se repete nas ruas. No Rio de Janeiro, missionários que trabalham nas favelas costumam relatar encontros em que traficantes pedem orações. ³Cansei de conhecer traficantes filhos de crentes´, confirma o missionário Pedro Rocha Júnior, de Jovens com uma Missão, a Jocum. Atualmente no Cairo (Egito), ele passou mais de uma década pregando o Evangelho e prestando serviços sociais no Morro do Borel, zona norte da capital carioca, num tempo em que a comunidade era dominada pelo narcotráfico. ³Muitos dos traficantes tinham nomes bíblicos, como Ezequiel, Davi, Josué. Gente criada na igreja, mas que depois pulou fora e caiu no vício.´ Em São Paulo, na chamada Cracolândia ± área da região central da cidade que ganhou fama pelo tráfico de drogas e pela prostituição, além dos delitos praticados a céu aberto e em plena luz do dia ±, meninos e meninas que um dia cantaram em corais juvenis de igrejas agora não passam de moribundos que vagam pelos becos alucinados pela próxima dose. ³É assustador ver que tanta gente com quem trabalhamos saiu de igrejas e provêm de famílias evangélicas. Seja por terem uma religião apenas nominal ou por experimentarem alguma frustração com o sistema, foram presas fáceis para a tentação das drogas´, explica a advogada e missionária Selma Maria de Oliveira, de 33 anos. Ela integra a Missão Cena, organização interdenominacional que trabalha na região da Cracolândia. Sua sede, localizada próximo dali, é um refúgio para quem já não pode contar com mais nada nem ninguém. A cada terça-feira, centenas de moradores de rua e viciados dirigem-se à base para comer, tomar banho, cortar o cabelo e trocar de roupa. Lá, encontram abrigo temporário, mas que pode se transformar em permanente : após passar por uma triagem, os usuários de drogas têm a possibilidade de conseguir tratamento na Fazenda Nova Aurora, centro de recuperação que a missão mantém em Juquitiba, no interior paulista. A impressão dessa alta presença de ex-crentes entre os viciados foi partilhada pelo repórter de CRISTIANISMO HOJE. A revistaacompanhou na região central de São Paulo o trabalho de uma equipe de obreiros da Cena. Conversando com usuários de drogas como o crack, é possível perceber a srcem e formação evangélica de diversos deles, como um rapaz que falava da Bíblia para moradores de rua. Antes, líder do louvor numa igreja pentecostal, ele agora se tornou traficante. Mesmo pedindo para não ser identificado, falou um pouco sobre sua história. Ainda guarda do Evangelho a certeza de que há perdão e restauração em Cristo, mas, por enquanto, diz não ter forças para sai do fundo do poço. ³Tenho esperança de que um dia voltarei para os caminhos do Senhor´, diz. Mesmo assim, garante, fala do amor de Jesus aos outros. ³Até ensino o pessoal a cantar alguns hinos´, diz, sorrindo. ³Há pelo menos quatro fatores que podem explicar o vício entre os jovens : o físico, o psicológico ou emocional, o social ± e também o espiritual´, explica a psicóloga Gisele Aleluia, professora do Instituto de Integração da Família (Inif) e de pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Coautora do livro Drogas.sem (Editora BestSeller), em que orienta como ajudar alguém que pretende deixar o vício, ela diz que os adolescentes são presas fáceis quando buscam reconhecimento entre os amigos e acham que as drogas os ajudarão a ser mais populares ou vencer a timidez na hora de namorar. Já outros, na ponta oposta, são por demais curiosos e autossuficientes para achar que correm riscos. ³A mesma falta de perspectivas pode ser encontrada entre aqueles inseguros, que vão atrás de alívio para seus problemas´, aponta. Pesquisa recente mostrou que um em cada quatro estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública brasileira já experimentou algum tipo de droga, além do cigarro e das bebidas alcoólicas. Num desafio ao bom senso, experimentam esse tipo de substância cada vez mais cedo. Há dez anos, a média de idade para o primeiro contato era de 14 anos. Agora, não passa de onze. As pesquisas também revelam que, devido à exibição na televisão dos efeitos devastadores dos entorpecentes na vida de viciados e às campanhas de prevenção, a juventude brasileira sabe o tamanho desse problema. Ainda assim, boa parte dela não consegue ficar longe de um baseado de maconha ou um papelote de cocaína. ³No meio evangélico, some-se a tudo isso o ambiente repressor de muitas igrejas. Ao sair desse sistema, o jovem está vulnerável e despreparado´, continua a psicóloga Gisele. ³Justamente por conta dessa tolerância para com os de fora e intolerância para os de dentro, a igreja tem facilidade para lidar com quem pede ajuda e dificuldade para auxiliar alguém já recuperado que recai´, diz. Membro do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), ela lembra o caso de um de seus pacientes. Filho de pastor, hoje, ele luta contra o vício. ³A pessoa quer mostrar sua rebeldia usando tóxicos. No caso desse rapaz, ele me confessou que seu pai o havia prendido a vida inteira. Finalmente, quando conseguiu sair, saiu demais.´
ESPIRITUALIDADE TERAPÊUTICA Do ponto de vista da ciência, as drogas são uma doença. Um problema sério, capaz de acabar com relacionamentos e inviabilizar o estudo e o trabalho ± e que precisa do devido acompanhamento e de soluções à altura. Mesmo assim, até na área médica já existe um consenso de que a espiritualidade tem um papel muito importante para prevenir e tratar a dependência química. No mais amplo estudo realizado no Brasil sobre o tema, de autoria de pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp), mais de 16 mil estudantes foram envolvidos. A conclusão foi de que a religiosidade é fator importante de prevenção ao vício. Essa também é a opinião dos órgãos governamentais responsáveis pela política nacional de combate às drogas. ³As instituições religiosas são fundamentais para minimizar o impacto do uso das drogas na população. Ter fé auxilia no enfrentamento do estresse e de situações difíceis na vida, que são fatores de risco para o uso dessas substâncias´, defende Paulina Duarte, secretária adjunta da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). Dentro da estratégia de priorizar a prevenção, um dos principais projetos da instituição é o curso Fé na Prevenção, desenvolvido para capacitar os religiosos a trabalhar na área. O objetivo era chegar ao fim de 2010 com 200 mil pessoas treinadas. ³Valores espirituais protegem a pessoa das drogas. Por isso, torna-se tão importante falar a língua do jovem´, faz coro Gisela. Acontece que normalmente famílias e igrejas que enfrentam o perigo das drogas com seus jovens têm dificuldade para fazer a pressão na medida certa e ao mesmo tempo manter o mínimo de diálogo. Na lacuna, quem entra com força são os centros especializados no acolhimento e tratamento a viciados. Não por acaso, a maior parte das casas de recuperação são evangélicas ou católicas, sendo procuradas também por quem não tem religião. Mas a demanda é grande demais, inclusive por parte das igrejas e famílias evangélicas que as veem como última esperança. Só a Federação de Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil (Feteb) representa cerca de 300 instituições do gênero no Brasil. Quem atua no setor quer fazer mais. ³Para prestar um serviço relevante à sociedade precisamos nos qualificar, mas também melhorar nossa estrutura física´, diz o presidente da entidade, pastor Wellington Vieira. ³Um primeiro passo é o reconhecimento dos governos federal, estaduais e municipais ao nosso serviço e parcerias que nos permitam adaptar-nos às exigências da Vigilância Sanitária para o funcionamento das clínicas´, reivindica. A fé, contudo, não faz milagres sozinha. ³Não adianta somente se dizer evangélico. Se a família que frequenta a igreja é disfuncional, a chance de seus filhos pararem nas drogas é alta´, constata o pastor Carlos Roberto Pereira da Silva, do Desafio Jovem de Rio Claro (SP). Desde 1998, a casa é a representante oficial do Ministério Desafio Jovem Internacional, criado quarenta anos antes nos Estados Unidos pelo pastor David Wilkerson, cuja história está registrada no best-seller A cruz e o punhal(Editora Betânia). Na época, Wilkerson, pastor de uma Assembleia de Deus no interior do país, mudou-se para Nova Iorque a fim de evangelizar gangues que disputavam o poder nas ruas da metrópole. ³O tratamento é melhor estruturado e mais complexo agora´, destaca Carlos, ³mas, ainda hoje, a filosofia de trabalho permanece a mesma. Temos uma das melhores porcentagens de recuperados no país, com mais de 70% de sucesso. Nos Estados Unidos, o índice chega a 86%´. Ele é parte dessa estatística, já que, no passado, foi viciado e chegou a roubar e traficar drogas. Com conhecimento de sobra, o pastor não tem ilusões em relação ao assunto. ³Infelizmente, muitas igrejas querem lidar com viciados sem o mínimo de estrutura. Não se tira alguém das drogas com uma simples oração ou unção com óleo´. Mas sabe que o Evangelho de Jesus continua tendo poder de mudar vidas. ³Acredito que a Igreja brasileira continua sendo um lugar terapêutico, mas é preciso voltar a tocar a trombeta do despertamento.´ Johnnatan, o futuro pastor que abre a reportagem, tem feito isso. Exceção à regra, ele superou o vício sem precisar ser internado em uma casa de recuperação. Mas sabe que precisa vigiar. As recaídas são das maiores ameaças a ex-viciados, e ele já passou pela experiência. ³E não quero repetir nunca mais´, afirma. Consciente da situação, hoje Johnnatan ajuda a tirar outros jovens do submundo das drogas. Quase toda semana, visita instituições de atendimento, onde testemunha e encoraja os internos a continuarem o tratamento. ³Se eu consegui, você também consegue´, costuma repetir para rapazes e moças ± muitos dos quais, como ele, deixaram para trás os tempos de comunhão com o Senhor e os irmãos para entrar num caminho nem sempre com retorno. Pesadelo global Segundo a ONU,210 milhões de pessoas no mundo usam substâncias ilegais Destas, 26 milhões são seriamente viciados em drogas pesadas No Brasil, usuários frequentes e viciados chegam a900 mil
Há dez anos, a idade média do primeiro contato era 14 anos. Hoje, é de 11 anos 1 em cada 4 estudantes brasileiros de ensino fundamental e médio já experimentaram Solução
arriscada
A última conferência da Comissão de Entorpecentes da ONU, realizada em Viena, Áustria, em 2008, foi palco para surpresas desagradáveis. A primeira foi o trágico balanço da luta contra as drogas. A proposta de criar ³um mundo livre das drogas´, slogan aprovado pela entidade dez anos antes, foi um fracasso retumbante. A segunda, a ressurreição das vozes que clamam pela legalização do uso de substâncias consideradas ilícitas. Mesmo derrotada, a proposta é cada vez mais forte no mundo moderno. Historicamente, a legalização das drogas trouxe mais males do que benefícios. Há cem anos, a China só conseguiu conter o crescimento do consumo de ópio quando passou a combatê-lo. Com isso, evitou uma catástrofe nacional, já que 25% da população era viciada. Em países como a Holanda, que liberou a compra de até cinco gramas de maconha em lojas, criou-se um ³turismo da droga´ ± além disso, bairros inteiros da capital Amsterdã se degradaram. Blindagem familiar São muitos os caminhos, as oportunidades e as necessidades que levam o jovem às drogas. Mas a família não deve encarar o pesadelo como inevitável ou definitivo : · Diálogo constantee compreensão namedida certa, com demarcação delimites claros, continuam sendo as melhores opções para manter os filhos longe do vício · A fuga para as drogas geralmente ésintoma de que algo não vai bem em casa. Os pais precisamexercitar a autocrítica o tempo todo · O filho deve ser conscientizado, desde cedo, que é o principal responsável porseus atos ± e a principal vítima de suas eventuais consequências ruins · Famílias acomodadascorrem mais riscos de serem surpreendidospelas drogas. Os pais devem acompanhar a rotina, fiscalizar companhias e programas dos filhos e, sobretudo, ganhar sua confiaça · O drama das drogas muitas vezesnão se resolve e pode levar o filho à ruína pessoal e à morte. A família não deve minimizar o uso de substâncias entorpecentes ou considerar que a prática é coisa normal do processo de formação e amadurecimento do jovem · Repetidos estudos têm mostrado a importância da prática religiosa comoforma de prevenção ao vício. Pais crentes devem incentivar o desenvolvimento da vida espiritual dos filhos e seu engajamento numa congregação
Fontes: Desafio Jovem e Clube 700 (adaptado)