TRA TRATADO DE HOMEOP HOM EOPA ATIA Autor: Pierre Cornillot (organizador) Professeur dês universités, biologiste dês hôspitaux de Paris (biochimie), CHU de Bobigny (Université Paris Nord) Tradução:
Jeni Wolf Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: Gerson Vitor Mairensse
Médico formafo em Medicina pela UFRGS Estágio de 1600 horas sob supervisão do Dr. Voltaire Voltaire Fróes e da Dra. Zeila Fróes, 3ª geração de discípulos do Dr. David de Castro Curso de formação de Especialistas em Homeopatia para Médicos do Centro de Estudos, Pesquisa e Aperfeiçoamento em Homeopatia. Especialista em Acupuntura pelo Colégio Médico de Acupuntura e Associação Médica Brasileira. Jorge Carlos Pereira Jotz
Médico formado em Medicina pela UFRGS. Especialista em Homeopatia pela AMBH. Professor Assistente Assistente do Curso de d e Medicina da Ulbra. ARTMED 2005 ------------------------------------------Editora Artmed 616 páginas Concebida há dois séculos por Hahnemann, a Homeopatia coloca em jogo um processo terapêutico original apoiado em uma abordagem tanto derivada da experiência quanto conceitual da doença, de sua integração na personalização do doente e de seu tratamento.
Tratado de Homeopatia H omeopatia visa oferecer aos médicos, homeopatas ou
não, bem como aos demais interessados no assunto, uma informação confiável, crítica e atual. Renomados profissionais foram aqui reunidos, oferecendo ao leitor uma visão aprofundada do tema e de sua aplicação. O livro está dividido em: • • •
História e fundamentos conceituais da Homeopatia A Homeopatia Homeopatia à luz das ciências e das técnicas Prática clínica da Homeopatia
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Introdução Pierre Cornillot
A Homeopatia Homeopatia é uma prática médica única em seu gênero. Concebida, há dois séculos, por Samuel Hahnemann, ela coloca em jogo um processo terapêutico original apoiado numa abordagem tanto empírica quanto conceitual da doença, de sua integração na personalização do doente e de seu tratamento. Não pode, de modo algum, resumir-se à simples prescrição de alguns grânulos por um médico carente de originalidade, tampouco ao conselho arbitrário de um farmacêutico convencido pelo interesse de dispor, em suas reservas, de medicamentos totalmente inofensivos. Do mesmo modo, conceber um tratado de Homeoparia neste final de século não podia limitar-se à exploração e à apresentação exaustiva dos conhecimentos e das práticas em curso. Era necessário trazer a dimensão de um verdadeiro debate a fim de contribuir eficazmente para uma clarificação das idéias num terreno controverso da Medicina. Gostaríamos, à guisa de introdução a este empreendimento coletivo, sublinhar primeiramente o quanto as idéias e a obra de Samuel Hahnemann contribuem para a reflexão sobre a Medicina. Samuel Hahnemann, o homem de uma época
É difícil dar à Homeopatia todo o seu significado se não situarmos seu fundador no contexto da época, uma época especialmente movimentada, tanto na Alemanha como na França; na Medicina como nas Ciências ou na Filosofia; F ilosofia; na Política como na Arte, na Música ou na Literatura. Samuel Hahnemann inscreve-se nessa engrenagem de renovação: está a par das novas ciências, pois traduziu, durante seus estudos, textos de Química, de Física e de Fisiologia. E quando pára momentaneamente de exercer a Medicina, em 1790, é por insatisfação, por revolta contra os meios terapêuticos de seu tempo e contra o discurso que os justificava. “Sangrias, remédios para febre, banhos tépidos, bebidas ameaçadoras, dieta enfraquecedora, limpeza do sangue e eternos aperitivos e clisteres formam o círculo em que o médico alemão repete-se continuamente” (Hahnemann, 1790, in Dantas, 1994). “[...] meu senso do dever não me permitia ocupar-me do estado patológico desconhecido de meus irmãos que sofrem com a ajuda de medicamentos desconhecidos [...]. A idéia de transformar-me assim em assassino ou em malfeitor, tratandose da vida de meus companheiros, era terrível para mim, tão espantosa e inquietante que deixei toda a minha prática de lado durante meus primeiros anos de recém-casado...” (Hahnemann, 1808, in Dantas, 1994). “É preferível não ter nenhum médico nem medicamento do que deixar-se tratar à maneira da escola antiga”. (Hahnemann, in Baur, 1993).
Mas sua pausa também foi para pensar, informar-se, conhecer. Mantendo simultaneamente uma produção científica pessoal, especialmente em Química, ele traduz obras que refletem suas ordens de preocupações: As pesquisas sobre a tísica pulmonar, de M. Ryan, A advertência às mulheres, de J. Greigg, a Matéria médica, de Cullen, o Tratado de química médica de farmacêutica, de D. Monro, as Observações sobre o açúcar, de E.Ringby, o Ensaio sobre o ar puro e sobre as diferentes espécies de ar, de De La Métheri9e, etc. A “aposentadoria” que ele se impôs por vários anos para não continuar a utilizar métodos em que já não acreditava levou-o a uma reflexão aprofundada sobre o próprio fundamento do saber médico de sua época e das práticas terapêuticas. Nesse aspecto, ele vai ao encontro de numerosos
pensadores insatisfeitos daquele final do século XVIII. É nesse contexto que nasceu na mente de Samuel Hahnemann a busca de outra coisa, ainda inteiramente aureolada de pronunciada fé no poder divino e em sua capacidade de finalizar os empreendimentos humanos: “Não, há um Deus que é a bondade, a própria sabedoria, deve também haver um meio criado por Ele de curar as doenças, com certeza [...]. Por que este meio não foi encontrado em vinte séculos em que há homens que se dizem médicos? É porque estava muito próximo de nós e muito fácil, porque, para conseguí-lo, não eram necessários brilhantes sofismas nem hipóteses sedutoras. Bem! [...] Eu pensava: deves observar a maneira pela qual os medicamentos agem sobre o corpo do homem quando ele se acha no tranqüilo equilíbrio da saúde. As mudanças que eles então determinam não ocorrem em vão e devem certamente significar algo; pois, sem isto, por que se operariam?... (Hahnemann, Carta sobre a urgência de uma reforma em medicina, 1805, traduzida em Estudos de medicina homeopática, v. I, Paris, 1855, citado por L Simon, Nota histórica e médica sobre a vida e as obras de Samuel Hahnemann, 4. ed. fr. De O Organon da arte de curar; Exposição da doutrina médica homeopática, publicada em
Paris por J. B. Baillière, em 1865, a partir da 5. ed. original) (Hahnemann, 1834, trad, fr f r., 1856).
Esta busca de outro meio de curar as doenças e, mais amplamente, de dar outro sentido à doença e ao seu tratamento, inscreve-se perfeitamente, como dissemos, dentro do movimento surpreendentemente vigoroso cultivado pelo pensamento europeu no final do século XVIII, ruptura epistemológica, se houvesse, com os fundamentos teístas que geravam de facto os saberes humanos e até a ordem do pensamento e da sociedade. Curiosamente, a medicina marca passo quando se comparam seus avanços com os da filosofia ou das ciências. Enquanto que a química e a física fazem com que a indústria transponha etapas decisivas, enquanto e nquanto a eletricidade, a fotografia e a máquina a vapor vão revolucionar as sociedades, a biologia está apenas em seu início, e a medicina continua enredada em seus conflitos, suas teorias nebulosas, seus capitais de situação e suas querelas de distinção. Alguns Alguns nomes evocadores de etapas, de combates e às vezes também de nomadismo já se incorporam, sempre em busca de um novo saber: Réaumur, Réaumur, Spallanzani, Pinel, Lavoisier, Bichat, Broussais,
Dupuytren, Laennec e Magendie, que lançará as bases b ases da fisiologia moderna. Julgamos que o caráter profundamente inovador da trajtória de Samuel Hahnemann em sua época, e ainda hoje, reside na combinação de algumas idéias-força; - um medicamento não age diretamente sobre o agente mórbido, e sim sobre os desarranjos que este introduziu na harmonia vital, expressa pela boa saúde, “quando a força vital instintiva, automática e incapaz de raciocínio foi levada pela doença d oença a reações anormais...”(Hahnemann, anormais...”(Hahnemann, 1834, trad. fr. 1856, Introdução); - um medicamento age tanto naquele que goza de boa saúde quanto no doente, e é a observação de seus efeitos no sujeito sadio que permite deduzir seu uso terapêutico; - na aplicação do tratamento pelos similares (Similia similibus curantur ) e em seguida do princípio de similitude, o médico deve buscar a dose mais fraca de medicamento capaz de provocar uma reação salvadora do organismo, “por meio de um poder morbífico capaz de produzir sintomas semelhantes e um pouco mais fortes...” (Hahnemann, 1834, trad. fr., fr., 1856); - a experimentação dos medicamentos em si mesmo permite ao médico conhecer, pela experiência pessoal, os distúrbios gerados por cada um deles em dose elevada. É uma atitude de alto valor ético e que confere ao profissional um real conhecimento doi produto prescrito. As idéias-força são hoje defendidas através dos três princípios da Homeopatia atual – similitude, infinitesimalidade e globalidade – e a experiência individual das patogenesias. Curiosamente, oi princípio de vitalidade ou de força vital parece ter-se apagado um pouco da memória coletiva em favor da globalidade, embora representasse, e ainda represente, um espinho irritante para os organicistas,mecanicistas e materialistas, sendo ele, sem dúvida, o principal agente do pensamento p ensamento hahnemanniano. (Lembraremos esta dimensão do debate científico na segunda parte do tratado, dedicado à pesquisa: P. Cornillot, “Os Paradoxos da Homeopatia”, Capítulo VI.1.) Particularmente, o princípio de globalidade encontra sua verdadeira dimensão, como explica com muita clareza M. Guermonprez em seu artigo “Globalidade” (Capítulo III.3), apenas quando assume aquela noção essencial, de
onde resultará, por encadeamento lógico, a idéia da reatividade própria de um sujeito como expressão dessa energia interna que abre, ela mesma, um amplo campo de reflexão e de observação em torno da idéia de “terreno” e onde vão inscrever-se as múltiplas tentativas de valorização e de hierarquização dos sintomas, de racionalização das afecções crônicas, de sistematização e tipagem dos indivíduos, que marcam a trajetória da Homeopatia até hoje. Por ter o discurso de Samuel Hahnemann se oposto frontalmente às idéias recebidas, a Homeopatia desenvolveu-se sem grande concessão aos discursos triunfalistas de uma medicina acadêmica, incapaz de exercer sobre si a crítica e a censura que tão bem sabia prodigalizar a seus oponentes. O talento de polemista do fundador da Homeopatia não lhe deu só amigos; a virulência e a perfídia dos ataques de seus adversários foram muitas vezes alimentadas por seus escritos sem amenidade: “Meus pontos de vista elevam-se bem b em acima da rotina mecânica, que faz tão pouco caso da vida tão preciosa dos homens, tomando como guia coleções de receitas, cujo número crescente a cada dia prova a que ponto ainda está, infelizmente, disseminando o uso que delas é feito. Deixo este escândalo à ralé do povo médico e ocupo-me apenas da medicina reinante, que pensa que sua antigüidade lhe dá realmente o caráter de uma ciência. “Esta velha medicina vangloria-se de ser a única que merece o título de racional, porque pensa ser a única que se s e empenha em pesquisar e afastar as causas da doença, a única também que segue os rastros da natureza no tratamento das doenças. “Tolle causam! Exclama ela continuamente, mas se atém a
esse vão clamor. Pensa poder encontrar a causa da doença, mas na verdade não a encontra de modo algum...” (Hahbemann, 1834, trad. fr f r. 1856).
O indiscutível êxito do recurso à Homeopatia durante as epidemias de cólera que se abateram sobre a Europa no século XIX valeu-lhe o título de excelência na opinião pública. Porém a distância exigida por Samuel Hahnemann em relação à alopatia, suas firmes posições em favor de uma concepção vitalista da doença e da saúde e, portanto, do modo de ação dos medicamentos, são outras tantas razões para explicar por que a Homeopatia tem estado, até hoje, no centro de polêmicas academicistas e profissionais do melhor resultado.
Os termos de um debate essencial da maior atualidade
As concepções do fundador da Homeopatia sobre o papel da “energia vital” são freqüentemente referidas com o intuito de mostrar uma possível inclinação ou aproximação com o animismo e o espiritismo da época – representados, entre outros, por Swedenborg e seus adeptos –, com co m a medicina hermética de Paracelso ou com outras medicinas esotéricas. Taxando-o de obscurantista, mesmo alguns de nossos contemporâneos não hesitaram, nestes últimos anos, a denunciar as relações suspeitas da Homeopatia e a condená-la, sob pretexto de que um alto dignitário nazista inaugurara um dia um congresso de homeopatas alemães (mais ou menos como se os jogos olímpicos ou a prática do esporte se tivessem tornado suspeitos após os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936). Com algum retrocesso no tempo, vemos que as coisas não são tão simples, merecendo, portanto, que nos detenhamos um pouco. Especificamente, a obstinação de alguns em ridicularizar a Homeopatia e desconsiderar todos aqueles que se esforçam para validar ou verificar alguns de seus princípios (cf. a polêmica polê mica em torno da memória da água e as tentativas, sustentadas especialmente pela revista britânica Nature, para fazer J. Benveniste cair na armadilha sobre a realidade dos efeitos biológicos das altas diluições de anticorpos anti-IgE) expressa principalmente a grande irritação dos defensores de uma certa medicina, com dominância bio-organo-mecanicista, hoje muito cortejada, contrapondo-se a qualquer pensamento discordante, oscilando entre um terrorismo intelectual e profissional insidioso e destrutivo e um pseudo-ecletismo simplório, mostrado com raro brilho no último livro de nosso colega J.J. Aulas (Aulas, 1993). Na verdade, esse empenho e essa e ssa irritação duram há mais de 150 anos, e a cegueira das paixões é tamanha que às vezes encontramos, nos escritos de mentes brilhantes atuais, argumentos expostos há um século e meio. Intelectualmente, só podemos regozijar-nos pela existência dessa polêmica, que dá mostras da vitalidade v italidade e acuidade das idéias; mas os avanços de nossos nos sos conhecimentos em medicina, em biologia e psicologia, assim como em física e química, foram tão importantes nos dois últimos séculos que não podemos pode mos deixar de pedir a cada um que aguce sua pena ao contato com conhecimentos modernos antes de procurar injuriar o outro. Compreender e formular, formular, hoje, em termos aceitáveis, as
concepções que embasam o processo terapêutico homeopático, ou rejeitá-las, obriga-nos a levar em consideração conhecimentos e resultados provenientes de áreas tão variadas quanto a imunologia, a biologia molecular, a enzimologia e também o efeito das radiações eletromagnéticas sobre os organismos vivos. Nesse sentido, os trabalhos e as contribuições de M. Bastide (“Homeopatia e Imunidade”, capítulo IV.3) IV.3) e de B. Poitevin (“Os grandes rumos da pesquisa em Homeopatia”, Capítulo IC.1) abrem-nos perspectivas importantes e incontornáveis. Nessa mesma linha, como não integrar à nossa reflexão K. Popper e seu discurso sobre a relatividade das verdades científicas, M. Feigenbaum e a teoria do caos, E. Lorenz e o efeitoi borboleta? Para ilustrar o sentido de tais contribuições, não resistimos ao prazer de transcrever aqui a antiga endecha citada por p or James Gleick em seu livro A teoria do caos (Gleick, 1987, tra. fr., 1989) e que tão bem se aplica à concepção homeopática das doenças e de seu tratamento: “Por falta de prego, perdeuse a ferradura; “Por falta de ferradura, perdeu-se o cavalo; “Por falta de cavalo, perdeu-se o cavaleiro; “Por falta de cavaleiro, perdeuse a batalha; “Por falta de batalha, perdeuso o reino!” “Reler os fundamentos da Homeopatia, procurar experimentá-los e validá-los através dos conhecimentos atuais é de imperiosa necessidade para a sobrevivência da disciplina. Sabemos que daí resultará uma melhor interação entre as exigências do presente e os conhecimentos do passado. A Homeopatia, por expressar uma abordagem conceitual original da doença, do doente e do tratamento, só pode enriquecer e enriquecer-se com esta participação nos modernos debates sobre a medicina.