UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ FACULDADE DE DIREITO
Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado – Dir. Público) Aluno: Carlos Alexandre de Azevedo Campos Disciplina: Direito Constitucional Financeiro e Tributário Professor: Ricardo Lodi Ribeiro
Princípios da Proteção da Confiança Legítima e da Boa-Fé Objetiva no Direito Tributário
Carlos Alexandre de Azevedo Campos
Mestrando em Direito Público – UERJ
Trabalho
de
conclusão
da
disciplina
eletiva
Direito
Constitucional Financeiro e Tributário, do Programa de PósGraduação em Direito – Mestrado em Direito Público, 2010.2, a cargo do Professor Ricardo Lodi Ribeiro.
Rio de Janeiro
2011
Introdução
A constante evolução do Estado de Direito se confunde com a própria busca pela limitação ao exercício do poder. O princípio da legalidade e o controle da legalidade dos atos do Poder Administrativo pelo Judiciário representaram uma grande vitória do Estado Liberal e um largo passo na caminhada evolutiva do Estado de Direito; neste atual momento histórico, com a vigência da supremacia da Constituição e a declaração feita por esta dos direitos humanos pré-existentes ao próprio Estado, passou-se a controlar os atos do próprio legislador por meio do controle de constitucionalidade das leis e assegurou-se o cumprimento de mais uma etapa evolutiva do Estado de Direito: a etapa da proteção dos direitos fundamentais e da contenção da inteira liberdade que possuía o legislador. Faz parte também desta evolução de conteúdo do Estado de Direito a ponderação do princípio da legalidade com os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva 1 . A proteção da confiança legítima surge na Alemanha, na jurisprudência do
Tribunal Administrativo Federal (final da década de 50), impedindo o cancelamento de pensão ilegal concedida à viúva sob condições cuja satisfação havia provocado mudanças profundas na vida da beneficiária. Desde já, portanto, o princípio surge como norma a ser ponderada com a legalidade: é a segurança em seu aspecto objetivo ponderada com a segurança sob a sua perspectiva individual (subjetiva) 2 . Trata-se assim da possibilidade excepcional da manutenção de situações ilícitas em homenagem à dimensão subjetiva da segurança jurídica, e também em função de uma idéia de justiça no caso concreto. Com efeito, tanto os atos jurídicos do Poder Público de caráter geral e abstrato quanto aqueles de caráter individual e concreto, quando realizados, podem criar legítimas expectativas no cidadão que devem ser protegidas em nome da segurança jurídica 3 e da própria ideia de Justiça 4 . E essa afirmação é particularmente correta em se tratando da dinâmica da legislação e imposição tributárias, sendo assim ampla e relevante a aplicação dos princípios da tutela da confiança legítima e da boa-fé objetiva em matéria tributária. Nossa pretensão é demonstrar o conteúdo e a aplicação destes princípios especificamente no 1
NABAIS, José Casalta Nabais. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 2004, pp. 403/404: “(...) a provocação retroactiva de efeitos jurídicos põe em causa principalmente a proteção da confiança e a segurança jurídica enquanto expressão do princípio do estado de direito”. 2 RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade, Não-surpresa e Proteção á Confiança Legítima, 2008, p. 227; NABAIS, José Casalta Nabais. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 2004, p. 395: “(...) a idéia de protecção da confiança não é senão o princípio da segurança jurídica na perspectiva do indivíduo (...).” 3 Ibidem, pp. 227/228: “Se hoje é amplamente reconhecido r econhecido que a normatização não é monopólio do legislador, a proteção que a segurança jurídica oferece em relação à aplicação retroativa do Direito não pode estar restrita à alteração da lei em sentido formal.” 4 Ibidem, p. 235: o autor fala em “justiça material no presente”. 1
Introdução
A constante evolução do Estado de Direito se confunde com a própria busca pela limitação ao exercício do poder. O princípio da legalidade e o controle da legalidade dos atos do Poder Administrativo pelo Judiciário representaram uma grande vitória do Estado Liberal e um largo passo na caminhada evolutiva do Estado de Direito; neste atual momento histórico, com a vigência da supremacia da Constituição e a declaração feita por esta dos direitos humanos pré-existentes ao próprio Estado, passou-se a controlar os atos do próprio legislador por meio do controle de constitucionalidade das leis e assegurou-se o cumprimento de mais uma etapa evolutiva do Estado de Direito: a etapa da proteção dos direitos fundamentais e da contenção da inteira liberdade que possuía o legislador. Faz parte também desta evolução de conteúdo do Estado de Direito a ponderação do princípio da legalidade com os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva 1 . A proteção da confiança legítima surge na Alemanha, na jurisprudência do
Tribunal Administrativo Federal (final da década de 50), impedindo o cancelamento de pensão ilegal concedida à viúva sob condições cuja satisfação havia provocado mudanças profundas na vida da beneficiária. Desde já, portanto, o princípio surge como norma a ser ponderada com a legalidade: é a segurança em seu aspecto objetivo ponderada com a segurança sob a sua perspectiva individual (subjetiva) 2 . Trata-se assim da possibilidade excepcional da manutenção de situações ilícitas em homenagem à dimensão subjetiva da segurança jurídica, e também em função de uma idéia de justiça no caso concreto. Com efeito, tanto os atos jurídicos do Poder Público de caráter geral e abstrato quanto aqueles de caráter individual e concreto, quando realizados, podem criar legítimas expectativas no cidadão que devem ser protegidas em nome da segurança jurídica 3 e da própria ideia de Justiça 4 . E essa afirmação é particularmente correta em se tratando da dinâmica da legislação e imposição tributárias, sendo assim ampla e relevante a aplicação dos princípios da tutela da confiança legítima e da boa-fé objetiva em matéria tributária. Nossa pretensão é demonstrar o conteúdo e a aplicação destes princípios especificamente no 1
NABAIS, José Casalta Nabais. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 2004, pp. 403/404: “(...) a provocação retroactiva de efeitos jurídicos põe em causa principalmente a proteção da confiança e a segurança jurídica enquanto expressão do princípio do estado de direito”. 2 RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade, Não-surpresa e Proteção á Confiança Legítima, 2008, p. 227; NABAIS, José Casalta Nabais. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 2004, p. 395: “(...) a idéia de protecção da confiança não é senão o princípio da segurança jurídica na perspectiva do indivíduo (...).” 3 Ibidem, pp. 227/228: “Se hoje é amplamente reconhecido r econhecido que a normatização não é monopólio do legislador, a proteção que a segurança jurídica oferece em relação à aplicação retroativa do Direito não pode estar restrita à alteração da lei em sentido formal.” 4 Ibidem, p. 235: o autor fala em “justiça material no presente”. 1
campo tributário, analisando situações que afrontam os referidos princípios e que, por esta razão, exigem uma ponderação de modo a relativizar a aplicação da legalidade e assegurar a justiça no caso concreto.
O presente trabalho é dividido em duas grandes partes: na primeira parte, subdividida em dois pontos, primeiro avaliaremos sob uma perspectiva geral a tributação no âmbito do vigente Estado Democrático de Direito e da moderação do poder tributário diante dos direitos fundamentais, e a seguir a tributação conforme os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva. Na segunda parte vamos examinar algumas situações que suscitam a aplicação desses princípios no Direito Tributário, com o apontamento das soluções que vêm sendo dadas por nossos Tribunais Superiores. Parte I – Abordagem teórica
1.
Os direitos fundamentais dos contribuintes no Estado Democrático de Direito
Era comum afirmar-se que o Estado de Direito é aquele em que o Estado, sobretudo o Poder Administrativo, submete-se ao império da lei como produto da atuação do Poder Legislativo; porém, tal concepção, sem nenhum desprezo ao tão importante princípio da legalidade, representa amesquinhamento do verdadeiro alcance e significado do primado do Direito caracterizador deste modelo de Estado, não permitindo a percepção da completude
do seu conteúdo. Conceber o Estado de Direito como o Estado submetido meramente à lei stricto sensu consiste em ato de ignorância à supremacia da Constituição e em especial à normatividade de seus princípios , pois entrega ao Legislativo superioridade que não condiz
com os postulados básicos de um legítimo Estado de Direito, contemplando a prevalência de um Estado Legal em detrimento do Estado de Direito em sua concepção máxima: o de Estado Constitucional 5. Na vigente era da supremacia da Constituição, do pós-positivismo e da normatividade dos princípios, encontramos um Estado Democrático de Direito que se traduz como Estado submetido a uma Carta Política que representa a expressão máxima da vontade popular, onde o Poder Público deve respeitar os direitos fundamentais e a causa da 5
CANOTILHO afirma ser o Estado de Direito um verdadeiro Estado Constitucional porque é “na supremacia normativa da lei constitucional que o <
> do estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão.” ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2000, p. 245); portanto, a ideia de Estado de Direito como Estado limitado pelo Direito é antes de tudo a ideia do Estado limitado pela Constituição. 2
humanidade 6 , bem como assegurar que os particulares façam o mesmo 7 . Neste cenário, revela-se determinante para a nova hermenêutica jurídica e aplicação do Direito a normatividade dos princípios constitucionais que asseguram os direitos fundamentais do cidadão. Na presente era, com a reaproximação entre a Ética e o Direito ( virada kantiana ), com a superação do positivismo formalista, importa mais na Constituição sua parte que recepciona, sob a forma de princípios explícitos e implícitos, os valores prestigiados por toda a comunidade 8 : a segurança jurídica, as liberdades fundamentais, a igualdade, a dignidade humana e o respeito ao mínimo existencial, os direitos sociais e o direito ao meioambiente sadio. No Estado Democrático de Direito, o fim maior do Estado é a proteção dos direitos humanos , positivados ou não e que preexistem ao Estado, pois são direitos anteriores à
própria Constituição, que apenas os declara 9; direitos humanos que, conforme evoluem as gerações de direitos fundamentais , têm seu conteúdo aumentado, não se restringindo mais
aos tradicionais direitos de índole liberal e social. O conteúdo material do Estado de Direito, assegurado pela supremacia da Constituição, é, portanto, a limitação e o controle do Poder do Estado em favor dos direitos fundamentais; mas não basta a previsão abstrata dos direitos fundamentais e a ideia destes como direitos inalienáveis – embora admitida restrições plenamente justificadas –, mas deve o Estado exercer concretamente seu fundamental papel de assegurar plenamente a concreção destes valores. As circunstâncias acima apontadas ganham relevo em matéria tributária, principalmente diante do conteúdo amplo de nossa Constituição Tributária . Com efeito, a natureza e conteúdo da relação tributária ganharam, durante os últimos três séculos, incluindo o atual, diversas concepções devidamente defendidas pelos mais prestigiosos doutrinadores de cada época. Com referência apenas às mais importantes teorias, temos que (i) após a relação tributária ter sido vista como mera relação de poder, similar ao poder de polícia 10 , (ii)
6
BARROSO, Luís Roberto. Prefácio. In: BINEMBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira – legitimidade democrática e instrumentos de realização , 2004. 7 STF – Pleno, RE 201.819, Min. Gilmar Ferreira Mendes, Inf. STF nº 405. 8 Cf. ZAGREBELSKY. Gustavo. Il diritto mitte, 2005, p. 146. 9 TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia . In: Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. III, 1999, pp. 85/86. 10 MAYER, Otto. Derecho Administativo Alemán, Tomo II, 1982, pp. 185 e ss. 3
acabou por transitar para o conceito de relação jurídica tributária de natureza obrigacional 11 e, (iii) logo depois, por forte influência da doutrina italiana, também foi concebida como uma relação procedimental com ênfase na atividade administrativa de imposição tributária 12 Ao contrário do que pretendia OTTO MAYER, no âmbito do Estado Democrático de Direito nunca poderíamos aceitar a relação tributária como mera relação de poder, como um mero reflexo da soberania estatal; quanto às ideias da relação tributária como relação obrigacional e como procedimento, que encontram, respectivamente, seus fundamentos simplesmente na lei de imposição tributária e na função administrativa, conforme construção da doutrina tributária positivista da época (BLUMENSTEIN, HENSEL, GIANNINI, MICHELI, etc.), a despeito da importância histórica de cada uma, hoje representam teorias insuficientes e que não exprimem os ideais do estágio atual de nosso Estado Democrático de Direito. Nos dias atuais – a época da normatividade dos princípios que expressam valores e da reaproximação do Direito e da Ética – a leitura a ser feita do sistema normativo tributário deve passar primeiro pelos direitos fundamentais dos contribuintes incorporados à Constituição
material,
que
acabam
por
vincular
todo
o
sistema
normativo
infraconstitucional, de modo que não basta a Administração Tributária exigir o tributo exatamente como previsto em lei para se atestar positivamente a legitimidade da imposição, mas deve primeiro esta imposição passar pelo teste de compatibilidade com a ordem objetiva de valores incorporada à Constituição. Como observa RICARDO LOBO TORRES 13 , a relação jurídica tributária é totalmente vinculada aos direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição, verdadeiros instrumentos de proteção individual e coletiva em face da possibilidade do arbítrio estatal, o que, de certa forma, neutraliza a superioridade do Estado, tanto no que se refere à produção das leis quanto no momento de concretizá-las. Acompanhando tendência mundial, nossa Constituição positivou os princípios que exprimem valores de segurança jurídica e de justiça material, inclusive em matéria 11
HENSEL, Albert. Derecho Tributario, 2004, pp. 141 e ss.; GIANNINI, Achille Donato. Il rapporto giuridico d’imposta, 1937, pp. 22 e ss., em especial p. 26, que contém a teoria da relação jurídica tributária de conteúdo “complesso” para a qual a inspiração de GIANNINI foi o conceito firmado por CHIOVENDA quanto à relação processual também de estrutura complexa; cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di Diritto Processuale Civile, 1919, p. 91. 12 MICHELI, Gian Antonio. Corso di Diritto Tributario, 1981, pp. 110 e ss.; PEREZ DE AYALA, José Luis. Dinamica de la Relación Jurídica Tributaria en el Derecho Español, 1997. Não se pode deixar de notar que a base desta construção doutrinária é a obra pioneira de ENRICO ALLORIO: Diritto Processuale Tributário, 1962, pp. 33/35. 13 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário, p. 199. 4
tributária; porém, como observou GERALDO ATALIBA 14, a nossa Constituição foi além das demais constituições modernas, pois criou um verdadeiro subsistema constitucional exaustivo no trato da matéria tributária, estipulando regras de competência tributária (regras de estrutura), regras e princípios limitadores do exercício de imposição tributária e regras acerca da partilha do produto da arrecadação dos tributos. Em países em que a Constituição, embora rígida, não detalha a matéria tributária, o Sistema Tributário é substancialmente construído pelo legislador infraconstitucional, consistindo assim em um sistema normativo tributário flexível. No Brasil, esta flexibilidade é muito relativa, haja vista a estrutura de nosso Sistema Constitucional Tributário , portador de posição de supremacia hierárquica em nosso ordenamento e consistente em um conjunto de regras e princípios constitucionais veiculadores de direitos e garantias fundamentais dos contribuintes que restringem a liberdade de conformação do legislador ordinário tributário. Por meio destas regras e princípios a Constituição protege o cidadão tanto em relação à previsão de leis tributárias arbitrárias quanto em relação a atos administrativos arbitrários, ou seja, estas normas jurídicas consistem em verdadeiras “limitações constitucionais ao poder de tributar” (ALIOMAR BALEEIRO), no sentido de representarem verdadeiras restrições ao exercício da competência tributária, por meio das quais a Constituição protege valores subjacentes que são tidos por altamente relevantes e meritórios de proteção, como a justiça, a igualdade, a segurança jurídica e a liberdade. Entre as limitações impostas ao Estado pela Constituição, no que se refere tanto à produção quanto à aplicação das leis tributárias, temos os princípios da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade, da igualdade, da capacidade contributiva e também os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva dos contribuintes como expressões do valor segurança jurídica e, portanto, princípios implícitos extraídos diretamente do sobreprincípio do Estado de Direito. 2.1.
14
O princípio da legalidade tributária
ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, 1968, p. 21: “Em matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que aperfeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo.” O professor SACHA CALMON chamou este quadro de “constitucionalização do Direito Tributário brasileiro” (Comentários à Constituição de 1988. Sistema Tributário, p. 03). 5
O princípio da legalidade consiste em princípio formal de imposição tributária que vincula o modo do Estado criar os tributos 15. Princípios desta natureza nada dizem quanto ao conteúdo da imposição, mas sim quanto ao modo de sua criação, vigência e eficácia. Nos termos do art. 150, I, da CF/88, os tributos só podem ser criados ou majorados por lei, observadas as exceções feitas no art. 153, §1º; não estão sujeitas ao princípio da legalidade a fixação do vencimento das prestações tributárias e a sua correção monetária 16, mas, por outro lado, a instituição de sanções em face do descumprimento das obrigações principal e acessória está inexoravelmente sujeita à legalidade estrita 17 . O princípio da legalidade tributária, portanto, é expressão da segurança jurídica, do próprio Estado de Direito18. Em nossa doutrina, majoritariamente positivista-formalista, vigora a ideia do dever de a lei prescrever, de modo exaustivo, todos os aspectos da obrigação tributária. Neste sentido, a lei formal consistiria na fonte exclusiva de criação e majoração dos tributos, nada restando a ser implementado pelo chefe do Executivo, ou pela Administração Pública, no âmbito do exercício do seu poder regulamentar, devendo limitar-se a aplicar o direito posto nas leis. Nos dizeres de ALBERTO XAVIER, “o princípio da legalidade da tributação ( nullum tributum sine lege) não pode caracterizar-se apenas pelo recurso ao conceito de ‘reserva de lei’ (…) Vai mais além, exigindo uma lei revestida de especiais características. Não basta a lei; é necessária uma ‘lei qualificada’. Esta ‘qualificação’ da lei pode ser designada como ‘reserva absoluta de lei’, o que faz com que o princípio da legalidade da tributação se exprima como um princípio da tipicidade da tributação.” 19
Pelo princípio da tipicidade tributária, o legislador está adstrito a
uma rigorosa prescrição dos elementos do tributo, a estabelecer taxativamente todos os aspectos da imposição tributária.
15
MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da tributação na Constituição de 1988, pp. 17/56; LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios Constitucionais Tributários, pp. 45/75. 16 STF – Pleno, RE 172.394. Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 15/09/1995. 17 STF – 1ª T., RE 100.919. Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 04/03/1988. 18 “O princípio da legalidade, outrossim, é a forma de preservação da segurança , tem-se que o ser instituído em lei garante maior grau de segurança nas relações jurídicas. O princípio da legalidade, todavia, não quer dizer apenas que a relação de tributação é jurídica. Quer dizer que essa relação, no que tem de essencial, há de ser regulada em lei. Não em qualquer norma jurídica, mas em lei, no seu sentido específico.” (MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da tributação na Constituição de 1988, pp. 17/18. (itálico nosso) 19 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva, 2001, p. 17. 6
Por outro lado, estas ideias de reserva absoluta da lei e de tipicidade fechada devem ser revistas, de modo que se reconheça, necessariamente, certo grau de criatividade à atuação reguladora do Poder Executivo e da Administração Pública, inclusive em matéria tributária. A construção desta conclusão deve passar primeiro pela ideia de que a dinâmica do fenômeno jurídico de incidência normativa desenvolve-se por meio da passagem de uma norma geral e abstrata em direção a uma norma individual e concreta (KELSEN). Esta passagem de nível de normação pressupõe sempre uma atividade criativa do intérprete/aplicador, trata-se de “preencher um vazio, respeitando os limites traçados pelas normas de grau superior” 20. A margem de apreciação criativa do intérprete administrativo decorre da própria impossibilidade da norma legal prever todas as circunstâncias vinculadas à situação disciplinada, não podendo se cogitar de uma normação legal completa, mas nem tampouco de uma liberdade absoluta do intérprete. Partindo desta premissa, todo e qualquer regulamento possui, ao mesmo tempo e em diferentes graus, caráter executivo e criativo, isto é, sejam executivos ou independentes, as diferentes espécies de regulamento cumprem a mesma função e possuem o mesmo fundamento: a realização da lei. O poder regulamentar é principalmente exercido em favor da harmonia na aplicação da lei. O regulamento cumpre importante papel ao minimizar a discricionariedade dos agentes públicos na aplicação da lei, impedindo que cada agente público realize um juízo normativo próprio para cada caso concreto, evitando assim o arbítrio e privilegiando os valores constitucionais da segurança jurídica e da igualdade. Ocorre que, o grau do caráter criativo do ato regulador é diretamente proporcional à abertura da densidade normativa legal, ou seja, depende da medida do uso de cláusulas abertas, conceitos indeterminados, princípios e finalidades a serem alcançadas pela aplicação da lei. E o uso destes conceitos indeterminados, princípios e finalidades se faz cada vez mais presente nas leis contemporâneas, muito mais como uma necessidade do que como um modismo. Portanto, não há como negar que o poder regulamentar é em certa medida um poder discricionário de editar normas gerais e abstratas a ser exercido dentro dos limites emoldurados pelo legislador democrático. Mas isso não significa que a lei tributária deve limitar-se a estabelecer princípios e finalidades a serem preenchidos pelo pode regulamentar. Com efeito, não se pode negar que certas matérias, como a tributária e a penal, não podem ser disciplinadas por leis que se limitem a estabelecer princípios e valores a serem alcançados, sob pena de violação da 20
ARAGÃO, Alexandre Santos de. A concepção pós-positivista do princípio da legalidade. In : RDA vol. 236, 2004, p. 56. 7
própria Constituição. Ainda que não se possa cogitar de uma reserva absoluta da lei penal ou tributária, haja vista o natural caráter de abertura semântica das leis e de sua aplicação concreta ensejar certo grau de criatividade do intérprete regulador ou aplicador, o certo é que a definição legal de crimes e tributos não pode se dar pela previsão genérica e abstrata de finalidades a serem alcançadas, mas a lei deverá definir o fato gerador dos mesmos, ainda que certa margem de apreciação sempre reste em poder do intérprete. Portanto, a reserva de lei no direito tributário é relativa, e não absoluta, o que não significa deixar os tributos para a livre criação do poder regulamentar ainda que dentro dos fins estabelecidos pelo legislador; a lei poderá delegar os poderes normativos ao poder regulamentar sobre estas matérias, mas desde que o faça por meio do estabelecimento do desenho normativo mínimo capaz de evitar o arbítrio da autoridade delegada, e nestes casos, o desenho normativo mínimo é estabelecer os elementos da obrigação tributária, ainda que por meio de conceitos jurídicos indeterminados. Como observa LOBO TORRES, “a expressão reserva absoluta é empregada no direito tributário para expressar a possibilidade de pleno fechamento dos conceitos jurídicos e para restringir a competência da Administração no exercício do poder regulamentar”,
21
mas sabemos que o pleno fechamento dos conceitos jurídicos é algo impossível de se realizar, e nem sequer se mostra salutar em um ambiente institucional marcado pela harmonia e igualdade entre os três poderes. A ideia de reserva absoluta da lei é incompatível com a realidade dos conceitos indeterminados e das cláusulas gerais utilizadas em larga escala tanto no direito tributário, quanto no direito penal, como em outros tantos ramos do Direito, não se podendo aceitar a ideia da lei como fechamento completo dos seus conceitos e tipos, sendo sempre inadvertidamente necessária a atividade de complementação pelo poder regulamentar. Isso significa que, dependendo da matéria a ser regulada, exige-se uma densidade normativa mais ou menos aberta, uma liberdade de conformação do poder regulamentar maior ou menor, mas sempre estando presentes as ideias de reserva relativa de lei e atividade executiva e criativa do poder regulamentar. O regulamento concretizaria a norma legal em homenagem à atuação harmônica e isonômica da lei. Ao poder regulamentar competiria “concretizar a linha de valoração iniciada pela lei formal” (TIPKE). Esta renovada visão da legalidade tributária envolve a questão da disciplina legal da contribuição ao SAT e encontrou abrigo na posição do STF quanto à constitucionalidade da exação. A contribuição ao SAT foi estabelecida pelo art. 22, II, da Lei 8.212/91, que 21
TORRES, Ricardo Lobo. A legalidade tributária e os seus subprincípios constitucionais. In: RFDT nº 03, 2003, p. 74. 8
prescreve que o fato gerador da mesma é o ato de remuneração aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, enquanto a base de cálculo é o total destas remunerações pagas ou creditadas no decorrer do mês. Esta contribuição destina-se ao financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho. As alíquotas foram previstas nas alíneas a, b e c deste inciso II, com os percentuais respectivos de 1%, 2% e 3%; o critério de aplicação destas alíquotas é o de “grau de risco de acidente de trabalho” presente na atividade preponderante do contribuinte, ou seja, a alíquota de 1% seria aplicada para a hipótese de risco ambiental leve de trabalho, 2% para o risco médio e 3% para o risco grave. Porém, a lei não definiu o que seriam riscos leve, médio ou grave, nem tampouco realizou o enquadramento dos diversos segmentos empresariais nesta escala de riscos, de modo que a definição destes conceitos indeterminados e o enquadramento legal correspondente, com a consequente determinação da alíquota aplicável, ficaram a cargo do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. A presente delegação decorre da atenção à maior capacidade institucional deste órgão para verificar, em concreto, dados estatísticos que permitem o enquadramento que corresponde à realidade ambiental subjacente. Sem embargo, considerando a configuração da contribuição pelo art. 22, II, da Lei 8.212/91, a definição dos conceitos indeterminados de risco leve, médio e grave é indispensável para a determinação da incidência concreta da contribuição, em especial das alíquotas a serem aplicadas para cada caso concreto. Esta circunstância levou grande parte da doutrina a afirmar a inconstitucionalidade do art. 22, II, da Lei 8.212/91, haja vista ter admitido que a definição dos conceitos vagos de riscos leve, médio e grave, como elementos essenciais à configuração da hipótese de imposição do tributo, pudesse ser feita por atos normativos infralegais a serem expedidos pelo Poder Executivo ou por seus órgãos. Como o citado dispositivo legal apenas fixa os percentuais máximos ou mínimos incidentes sobre o total das remunerações dos segurados empregados e trabalhadores avulsos, sem, contudo, explicitar os critérios para definir-se o que deve ser considerada atividade preponderante de risco leve, médio ou grave, cogitou-se então da violação do princípio da legalidade e da tipicidade tributária. Porém, o STF, ao apreciar a constitucionalidade do SAT, admitiu que o Poder Executivo, por meio de delegação legal, pode expedir atos normativos que completem o tipo tributário quando este procedimento for indispensável para a fiel execução das leis. Isto é, expedir ato normativo infralegal, de caráter regulamentar, que não se limite a explicitar os 9
comandos normativos da lei, mas sim desenvolver a “linha de valoração” iniciada pelo legislador, complementando o tipo tributário, atuando de forma secundária, mas de forma constitutiva, na criação de direitos e obrigações. Não se pode então cogitar de mero decreto de execução dentro da sistemática do pensamento tradicional, mas sim de exercício criativo do poder regulamentar com o fim de permitir a atuação concreta da lei. Esta decisão do Supremo, longe de admitir a delegação pura e simples da competência tributária, reflete exigência moderna de validade dos regulamentos concretizadores de normas 22, na qual o Executivo, mais próximo da realidade dos fatos, procede à tipificação complementar do fato gerador, encerrando a valoração da realidade iniciada na lei e buscando melhor realizar a igualdade e a justiça material. Portanto, para o STF, o Poder Executivo pode complementar a normatividade da lei, no âmbito do poder regulamentar, a partir da interpretação dos conceitos indeterminados, standards e finalidades estabelecidas legalmente, reconhecendo então que estes modelos legais abertos compõem a realidade normativa atual e que a atuação da Administração Pública, para que seja adequada à dinâmica da vida moderna, deve incorporar tarefas normativas que vão muito além de funcionar como mera “correia de transmissão” das disposições legais. Esta decisão do STF representa avanço na flexibilização do princípio da legalidade em favor da maior tecnicidade de certos agentes públicos, de modo que mesmo a configuração normativa definitiva de tributos pode ocorrer com a participação mais criativa desta burocracia técnica se isto se mostrar necessário para melhor atender as finalidades previstas na lei, sem que isso represente qualquer violação do princípio da legalidade tributária do art. 150, I, da CF/88, mas sim a sua leitura com os olhos voltados para o equilíbrio entre direitos fundamentais dos contribuintes e exigências técnicas e concretas de uma tributação mais efetiva sob o ponto de vista da isonomia tributária. 2.2.
Igualdade e capacidade contributiva.
O princípio da capacidade contributiva, como princípio de justa repartição das cargas públicas entre os cidadãos, desde ADAM SMITH, foi desenvolvido pela Ciência das Finanças 23, sendo assim considerado como um princípio econômico. 22
STF – Pleno, RE 343.446/SC. Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 04/04/2003; cf. TORRES, Ricardo Lobo. Legalidad tributaria y armonía entre los poderes del Estado . In: Estudios de Derecho Tributário constitucional e internacional. Homenage a Victor Uckmar. Buenos Aires: Abáco, pp. 254/260. 23 WAGNER, Adolfo. La Scienza delle Finanze. Torino: UTET, 1891, pp. 882/947; LEROY-BEAULIEU, Trattato di Scienza delle Finanze. Torino: UTET, 1906, pp. 223/305; RICCA SALERMO, Giuseppe. Scienza delle Finanze. Firenze: G. Barbèra, 1890, pp. 40/83; SHIRRAS, G. Findlay. The Scienze of Public Finance. Londres: Macmillam & Co., 1924, pp. 121/149. 10
Com efeito, a ausência de positivação do princípio o enfraquecia. Na Itália, por exemplo, antes da Constituição de 1947, doutrina autorizada o entendia como mero princípio de “norma de vida”, que, por sua abstração, não consistia em norma obrigatória, sendo os requisitos de igualdade e proporcionalidade apenas oportunas diretivas ao legislador, não possuindo estes princípios nenhum significado para o estudo do ordenamento jurídico 24 . Pensavam também que um juízo sobre a idoneidade de determinado fato constituir ou não um índice de capacidade contributiva seria um juízo reservado unicamente ao legislador, sendo o princípio, portanto, um concetto paragiuridico , que interessaria ao economista, mas não ao jurista. 25 Posteriormente, o reconhecimento nas Constituições modernas deste princípio e de seu papel na fixação da medida da tributação , da estrutura e do conteúdo do sistema normativo tributário, embora não tenha resolvido por completo a questão quanto ao seu conteúdo próprio, confirmou seu caráter de direito fundamental: direito a uma tributação justa (justa repartição da carga tributária), entendida como aquela que se baseia em critérios de justiça material e de igualdade, na impossibilidade de incidência sobre fatos que não denotem riqueza, na generalidade com respeito à imunidade do mínimo existencial, na progressividade e na mais completa vedação de privilégios odiosos. Como observado por FRANCESCO MOSCHETTI 26, a Constituição italiana de 1947 não se limitou a afirmar o tradicional princípio da legalidade (art. 23 da CI), mas também interveio no plano substancial da imposição tributária, ou seja, não estabeleceu apenas princípios formais vinculadores da forma de criação dos tributos, mas também princípios materiais que vinculam a estrutura e conteúdo dos tributos (art. 53 da CI). A partir do Texto Constitucional, a doutrina italiana oscila em enxergar o princípio da capacidade contributiva ora como decorrência do princípio geral da igualdade
27
, ora como fundamento de
tributação 28 , como critério de justiça e coerência da tributação 29 , como decorrente dos
24
GIANNINI, Achille Donato. Il rapporto giuridico d’imposta, 1937, pp. 4/5. BERLIRI, Antonio. Principi di Diritto Tributaio, vol. I, 1952, pp. 255/256, nota 2. 26 MOSCHETTI, Francesco. La Capacita Contributiva, Profili Generali. In: La Capacità Contributiva, org. Francesco Moschetti, 1998, pp. 3/4. 27 ABBAMONTE, Giuseppe, Principi di Diritto Finanziario, pp. 71/86 e 213/216; FALSITA, Gaspare. Corso Istituzionale di Diritto Tributário, 2003, pp. 56/73. 28 GIARDINA, Emilio. Le basi teoriche del principio della capacità contributiva, 1961, p. 118; BERLIRI, Antonio. L’obbligo di contribuire in proporzione della capacità contributiva come limite alla potestà tributaria. In: Scritti Scelti di Diritto Tributário, 1990, pp. 491/535, este último Autor, neste estudo, modificou entendimento anterior que não reconhecia relevância ao princípio; DE MITA, Enrico. Il principio di capacità contributiva. In: Interesse Fiscale e Tutela del Contribuinte, 2000, pp. 79/104. 29 Cf. os estudos de GRIZIOTTI que caracterizam a capacidade contributiva como causa da tributação que se reflete pela percepção de serviços públicos: “Intorno al concetto di causa nel diritto finanziario” e “ Il 11 25
deveres de solidariedade 30 , como princípio autônomo 31 e até mesmo integrando estes conceitos para definir o conteúdo pesquisado 32. O mesmo ocorre com a Constituição espanhola, onde também há princípios formais (art. 31.3) e materiais (art. 31.1) 33, como a capacidade contributiva. Ambas as Constituições vinculam então o legislador a observar o princípio da capacidade contributiva e a construir um sistema tributário progressivo. A Constituição alemã vigente, diferentemente da anterior, não prescreve nenhum princípio material específico em matéria tributária, mas nem por isso o legislador tributário alemão está livre no momento de criação dos tributos; tanto a doutrina 34 quanto o Tribunal Constitucional reconhecem o princípio da tributação conforme a capacidade contributiva ( Besteuerung nach der Steuerfähigkeit, Leistungsfähigkeitsprinzip) como princípio fundamental de justiça impositiva (Steuergerechtigkeit ) e de critério adequado de medida da igualdade tributária, a partir do próprio princípio do Estado de Direito , do direito de propriedade e do princípio da igualdade jurídica material previsto no art. 3º, alínea 1, da Grundgesetz (“ Alle Menschen sind vor dem Gesetz gleich ”).
Nossa Constituição também prevê o princípio da capacidade contributiva 35, embora formalmente exija sua aplicação apenas aos impostos pessoais 36 (art. 145, §1º, CF/88); mas, na realidade, este se aplica, em maior ou menor medida, a todos os tributos, por decorrência do ideal do Estado de Direito e da tributação conforme a justiça material, da igualdade, do direito de propriedade, da dignidade humana e da imunidade do mínimo existencial, da principio della capacità contributiva e sue applicazioni”, ambos In: Saggi sul rinnivamento dello studio della scienza delle finanze e del diritto finanziario, 1953, pp. 295/317 e 347/369. 30 MOSCHETTI, Francesco. El principio de capacitad contributiva, 1980; VANONI, Ezio. Natura e interpretazione delle legge tributaria. In: Opere Giuridiche, vol. I, 1961, p. 69. 31 D’AMATI, Nicola. Diritto Tributario. Teoria e Pratica, 1985, pp. 78/85. 32 TESAURO, Francesco. Istituzioni di Diritto Tributario, vol. I. 8ª ed., pp. 64/79; AMATUCCI, Andréa. L’ordinamento giuridicco della finanza pubblica, 2004, pp. 62/68; POTITO, Enrico. L’ordinamento tributario italiano, 1978, pp. 18/23. 33 Cf. TABOADA, Carlo Palao. Apogeo y crisis del principio de capacidad contributiva. In: Estúdios Jurídicos em Homenaje al professor Federico de Castro , vol. II, 1976, pp. 377/426; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Temas Generales de Derecho Tributario , In: Hacienda y Derecho, vol. III, cap. III, 1963, pp. 181/289; OLLERO, Gabriel Casado. El principio de capacidad y el control constitucional de la imposición indirecta (II). In: REDF, 1982, pp. 185/235; AYALA, Jose Luiz Perez de. e GONZALEZ, Eusébio. Curso de Derecho Tributario, I, pp. 185/193; MOLINA, Pedro Manuel Herrera. Capacidad Económica y Sistema Fiscal. Análisis Del ordenamiento español a la luz Del Derecho alemán, 1998; BEREIJO, Álvaro Rodríguez. Jurisprudencia Constitucional y Princípios de la Imposición . In: Garantias Constitucionales del Contribuyente, pp. 127/180. 34 TIPKE, Klaus/LANG, Joachin. Steuerrecht . 18ª ed. Colônia: Otto Schmidt, 2005, pp. 77/83. 35 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Valores e Princípios Constitucionais Tributários. In: Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II, 2005, pp. 288/329; Idem, Direitos Humanos e Tributação. In: Derechos Humanos y Tributación, Anais da XX Jornadas do ILADT. Brasil: ABDF, pp. 26/31; ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, 2004, pp. 317/375; MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da tributação na Constituição de 1988, pp. 57/85. LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios Constitucionais Tributários, pp. 27/44. 12
liberdade de exercício de profissões e de atividades econômicas e até mesmo da própria condição de cidadania. O princípio da capacidade contributiva consiste em norma fundamental de justiça tributária, pois, com seu conteúdo indeterminado, porém determinável, ele pode ser interpretado e aplicado a partir de todos os princípios que justificam um Estado de Direito, que tem por conteúdo material a plenitude dos direitos fundamentais; assim, o presente princípio pode ser tido por justificativa do dever fundamental de contribuição e ao mesmo tempo medida dela, garantia de liberdade enquanto limite de imposição, e também critério de proteção do mínimo existencial. 2.3.
Anterioridade e Irretroatividade
O princípio da irretroatividade impõe ao legislador criar tributos que alcancem apenas os fatos futuros (art. 150, III, a, da CF/88); o princípio da anterioridade geral veda a exigência de tributos no mesmo exercício financeiro em que foi publicada a lei que os instituiu ou majorou (art. 150, III, b, da CF/88), enquanto a nonagesimal veda a exigência de tributos no prazo de noventa dias contados da publicação da lei que os instituiu ou majorou (art. 150, III, c, e art. 195, §6º, ambos da CF/88) 37. Os princípios da irretroatividade e da anterioridade são extraídos do próprio Estado de Direito e do corolário valor segurança jurídica e, portanto, como veremos, diretamente do princípio da proteção da confiança legítima; com a irretroatividade, ao vedar-se a tributação de fatos passados, a segurança interage com a justiça material, pois atende também à atualidade da capacidade contributiva 38; enquanto a anterioridade faz interagir a segurança com a liberdade do exercício das atividades econômicas, uma vez que estabelece o dever de previsibilidade da tributação. 2.4.
A proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva.
O Estado Democrático de Direito possui como conteúdo material a realização dos direitos fundamentais, ao passo que a normatização dos princípios, que possuem em seu conteúdo estes direitos fundamentais, impõe a observância dos mesmos como condição de idoneidade de todos os atos jurídicos – gerais e abstratos, individuais e concretos. A tutela das liberdades fundamentais, como realização da ideia do Estado de Direito, deve ser plena, com destaque, cada mais evidenciado, do papel desempenhado pelo 36
STF – Pleno, RE 199.281/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 12/03/1999. Cf. STF – Pleno, RE 138.284/CE. Rel, Min. Carlos Velloso, DJ 28/08/1992; RE 232.896, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 01/10/1999; RE 96.000, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ 29/04/1983. 38 TESAURO, Francesco. Istituzioni di Diritto Tributario, p. 72. 13 37
princípio jurídico da proteção da confiança legítima e pelo princípio da boa-fé objetiva
como critérios de legitimidade da ação estatal. Com efeito, os atos estatais podem gerar expectativas para os indivíduos que, acreditando na realização e validade destes atos, pautam suas condutas no sentido indicado por eles, ou seja, comportam-se conforme as expectativas legitimamente criadas. Em nome do próprio Estado de Direito, estas condutas precisam ser imunizadas face aos atos contraditórios supervenientes do Poder Público e até mesmo à posterior declaração de nulidade destes atos estatais. Os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva cumprem decisivo papel na proteção das expectativas legítimas dos particulares contra estas mudanças de orientação do Poder Público: (i) na hipótese de a expectativa ter sido criada por norma geral e abstrata, esta será protegida pelo princípio da proteção da confiança legítima; mas, (ii) na hipótese da expectativa ter sido produzida a partir de norma individual e concreta, entra em jogo o princípio da boa-fé objetiva 39. Para HUMBERTO ÁVILA 40, os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva “estabelecem o dever de buscar um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuação do Poder Público”, sendo “ limitações implícitas, decorrentes dos sobreprincípios do Estado de Direito e da segurança jurídica,
sendo todas elas limitações materiais , na medida em que impõem ao Poder Público a adoção de comportamentos necessários à preservação ou busca dos ideais de estabilidade e previsibilidade normativa”. Por decorrência dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa fé objetiva, deverá a Administração deixar de exercer certo direito se este exercício representar uma conduta contraditória com o seu anterior comportamento que, ao seu tempo, influiu objetivamente nos atos do administrado ( Nulli conceditur venire contra factum proprium ) ou se a omissão continuada quanto ao exercício deste direito tornar objetivamente previsível o seu não exercício posterior, a ponto de, inadvertidamente, o exercício atrasado representar um ato de intolerável deslealdade ( Verwirkung )41. 39
Deve-se aqui desde já afastar qualquer argumento no sentido de serem estes princípios estranhos entre si. Ambos os princípios, como será demonstrado, possuem os mesmos fundamentos – segurança jurídica e justiça material – e têm no estado de confiança um elemento comum, enquanto que a forma como este estado é originado serve para os diferenciar: (i) se o estado de confiança é criado por norma geral e abstrata, estamos diante de tutela jurídica pelo princípio da proteção da confiança legítima, mas se (ii) na hipótese do estado de confiança ser produzido por norma individual e concreta, entra em jogo o princípio da boa-fé objetiva, onde o estado de confiança é mais denso justamente por ser um estado individualmente produzido por meio de atos direcionados ao particular; sendo estes princípios, na verdade, dois lados da mesma moeda. 40 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, 2004, p. 311. 41 Sobre a aplicação da Verwirkung no Direito Privado (traduzida como suppressio), cf. CORDEIRO, Antonio Manoel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil, 2001, pp. 797 e ss; o professor DÍEZ-PICAZO a 14
Os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva consistem em princípios ético-jurídicos que, dotados de plena eficácia normativa, possuem ampla vocação para colidir com a legalidade estrita e, em nome da proteção das expectativas legítimas, relativizar a aplicação desta legalidade no caso concreto , assegurando assim a justiça do caso concreto por meio da realização da segurança como valor sobrejacente.
Atuam estes princípios como elos entre a Justiça e a Segurança ; sem embargo, considerando o caráter finalístico e a função definitória dos princípios em relação aos valores que lhes são sobrejacentes, conclui-se que é investigando a relação existente entre os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva com os valores Segurança Jurídica e Justiça Material que podemos definir a extensão do conteúdo dos primeiros.
Na verdade, na hipótese de ocorrerem conflitos entre princípios, que se resolvem com a busca de pontos intermediários entre estes ou até mesmo com o afastamento completo de um deles no caso concreto ( ponderação ), a solução se dá, em última análise, pelo equilíbrio entre os valores sobrejacentes, pois é da harmonia destes que depende a realização do Estado de Direito. Ou será que podemos cogitar acerca de legitimidade na Segurança do Injusto ou na Justiça a qualquer preço!?! Será em LARENZ que encontramos melhor o conteúdo jurídico destes princípios: são princípios de Direito Justo, princípios de conteúdo ético-jurídico, de aproximação do Direito à Ética, originados da própria ideia de Estado de Direito 42, voltados a assegurar os direitos fundamentais e que vinculam o Poder Público a agir com previsibilidade, honestidade, moralidade, coerência, lealdade e fidelidade. 3. Conteúdo e alcance dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva.
O Mestre alemão KARL LARENZ
43
adverte que o princípio da proteção da
confiança legítima possui um elemento de Ética Jurídica e outro que se dirige à Segurança Jurídica, e estes elementos não podem se separar quando da atuação deste princípio, ou seja, ele não realiza a Segurança Jurídica formal, mas a Segurança Jurídica como Valor Ético . traduz para a língua espanhola como “ el retraso desleal” no Prólogo de WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fé, 1982, pp. 21/22. 42 O Tribunal Constitucional de Portugal dá ênfase a esta teoria utilizando expressões como “ o princípio da protecção da confiança, enquanto princípio imanente do princípio constitucional do Estado de Direito” ou “ínsito na idea de Estado de Direito”. (Ac. 410/95, de 16/11/1996). 43 LARENZ, Karl. Derecho Justo. Fundamentos de Ética Jurídica. Madrid: Civitas, 1985, pp. 90/98; O Mestre alemão, deixando claro o papel constante de vínculo existente entre a Segurança e a Justiça que cumprem estes princípios, afirma que os mesmos têm um elemento componente de Ética jurídica e outro que se orienta em direção à Segurança das relações, e que um e outro elementos não podem se separar. (Ibidem, p. 95). 15
O princípio é assim entendido, portanto, como emanado da própria ideia daquele Direito reaproximado da Ética, pois concretiza a Segurança Jurídica como equivalente da própria Justiça Material – é a Segurança do Justo por meio da realização da Equidade, da Justiça do caso concreto. Como dito antes, os atos estatais podem gerar expectativas para os indivíduos e estes, acreditando na validade e na estabilidade destes atos, pautam suas condutas no conteúdo destes atos; por razões ético-jurídicas, em um autêntico Estado de Direito, estas condutas, pautadas pelo estado de confiança , precisam estar imunes aos atos contraditórios supervenientes do Poder Público ( nulli conceditur venire contra factum proprium); o papel dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva é
justamente conferir esta imunidade e, assim atuando, derivam do princípio do Estado de Direito. Os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva exigem que o legislador atue com previsibilidade e clareza, a administração tributária e os contribuintes atuem com honestidade, lealdade e coerência e que as decisões judiciais tenham o mínimo de estabilidade; exigem também o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada; enfim, concretizam a segurança jurídica em seu sentido formal, como realização da justiça retrospectiva. Porém, como dito, este modo de atuação não revela toda a extensão do conteúdo destes princípios, pois os mesmos também permitem que a segurança jurídica e a justiça material gozem, no caso concreto e na mesma medida, como nos ensina LARENZ, de
plenitude e eficácia e, assim, excluem a máxima do positivismo formalista de que “uma injustiça grave se justifica se for em nome da segurança”. Deste modo, estes princípios também provocam a concreção da própria justiça prospectiva e até mesmo às custas da legalidade estrita, ou seja, é um princípio apto a afastar a legalidade estrita quando com esta colide, após ponderados os intereses em jogo e atribuído maior peso à confiança legítima. Portanto, os princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva podem proteger, além do direito adquirido, também a expectativa de adquirir direitos , pois não se preocupam apenas com os fatos passados, mas
também com o futuro e, enfim, não realizam a segurança jurídica apenas como medida de justiça retrospectiva, mas também como medida de justiça prospectiva, de eqüidade, de justiça do caso concreto. Esta aplicação tem sido revelada em importantes julgados do Supremo Tribunal Federal, que tem afastado a incidência da legalidade estrita em favor da proteção da 16
confiança legítima. 44 Nestes julgados, o STF diferencia – e isso é o essencial – os efeitos da decisão de inconstitucionalidade no plano normativo dos efeitos no plano das relações individuais acobertadas pela boa-fé objetiva (eqüidade); com isso o STF demonstra toda a extensão do conteúdo ético-jurídico dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva, a sua realização em medida máxima e, portanto, a sua aptidão para afastar a legalidade estrita se esta importar em lesão à justiça material. O princípio da proteção da confiança legítima, assegurando a justiça do caso concreto e a segurança como valor ético sobrejacente, acaba por legitimar determinada
situação jurídica, mesmo em afronta à previsão legal aplicável, nas hipóteses de um comportamento precedente do Poder Público criar um estado de confiança que consubstancia esta específica situação digna de tutela jurídica. Assim, estes princípios podem servir de fatores de relativização da legalidade estrita. 3.1.
Atuação dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva
no Direito Tributário.
A atuação dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva, no Direito Tributário, vinculam tanto o Poder Público quanto os contribuintes e se concretiza no âmbito de uma cadeia de situações jurídicas implicadas entre si , todas ligadas por um vínculo de causalidade 45: (i) primeiro, uma situação objetiva do Fisco , que consiste no seu
comportamento que inspira a confiança e as expectativas no contribuinte (enunciados normativos de caráter geral e abstrato ou individual e concreto, ou ainda as práticas reiteradas da administração, etc.); (ii) em seguida, temos uma situação jurídica subjetiva do contribuinte que consiste justamente na confiança legítima provocada pelas ações do Poder
Público; e por decorrência, (iii) uma situação jurídica objetiva do contribuinte que é justamente a conduta realizada segundo a confiança legítima; (iv) por fim, temos uma nova situação jurídica objetiva do Fisco , que vem a ser contraditória com a primeira situação
jurídica objetiva (a revogação ou alteração de uma lei, a mudança de interpretação que havia sido expressa em dispositivo de caráter geral e abstrato, etc.).
44
STF – 2ª T., AgR em RE 217.141/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, INF. STF nº 431: a 2ª Turma do STF deu provimento a agravo regimental – e a recurso extraordinário – interposto por servidora estadual aposentada que tivera seus proventos reduzidos em decorrência da declaração de inconstitucionalidade, com efeitos ex tunc, da LC paulista 317/83 que havia promovido transposição de cargos públicos, restabelecendo os proventos da mesma e realizando a eqüidade e a justiça Prospectiva, permitindo que a segurança jurídica e a justiça material sejam realizadas de modo pleno e eficaz, na mesma medida e ao mesmo tempo no caso concreto, aplicando o conteúdo do princípio da proteção da confiança legítima, em sua faceta de “boa-fé objetiva”, em sua medida máxima, afastando a legalidade estrita no caso concreto. 17
No âmbito desta cadeia de situações jurídicas, o princípio da proteção da confiança legítima atua justamente prestigiando a situação subjetiva do contribuinte – o estado de confiança – com a imunidade de sua situação objetiva – a conduta pautada na confiança –
contra as mudanças imprevisíveis da situação objetiva do Poder Público, impedindo que estas alterações não previstas venham a surtir efeitos prejudiciais às condutas dos contribuintes pautadas no estado de confiança. A irreversibilidade do ato de lançamento por modificação dos critérios de interpretação (art. 146, do CTN) e por erro de direito ou de valoração dos fatos (art. 149, VIII, do CTN), o caráter vinculante das informações das autoridades financeiras feitas aos obrigados tributários (art. 100, § ún., CTN) e a proibição de revogação de isenções onerosas 46 de que trata o art. 178, do CTN, são exemplos 47 de aplicação dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva. A proibição de retroatividade das leis que agravam a imposição tributária, em países que, ao contrário do nosso, não possuem uma regra de irretroatividade expressa em suas Constituições, é extraída do princípio da proteção da confiança legítima
48
, enquanto as
regras constitucionais da anterioridade geral e nonagesimal (art. 150, III, b e c, da CF/88) – também são positivações do princípio da proteção da confiança legítima do contribuinte, no sentido de exigência de uma certa constância da lei 49. A exclusão ou redução de multas em certos casos e a proibição de analogia na fixação do tipo tributário são outras hipóteses dentre todas as diversas manifestações destes princípios no Direito Tributário que, pela escassez de espaço, não é possível neste trabalho monográfico elencar.
45
Sobre a relação de causalidade e outros requisitos de aplicação do princípio, cf. TIPKE, Klaus. Steuerrecht, p. 825; e ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, 2004, pp. 475/476. 46 STF – 2ª Turma, RE 186.264-5, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17/04/1998; STF – 1ª Turma, RE 218.160-3, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 06/03/1998. 47 Sobre outras hipóteses de aplicação do princípio da proteção da confiança legítima, cf.: DERZI, Misabel Abreu Machado. Buena Fe en el Derecho Tributario. In: Estudios de Derecho Tributário constitucional e internacional. Homenaje latinoamericana a Victor Uckmar . Coord. Pasquale Pistone e Heleno Taveira Tôrres, 2005, p. 268; TORRES, Ricardo Lobo. Valores e Princípios Constitucionais Tributários. In: Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II, 2005, p. 571. 48 Na Alemanha: TIPKE, Klaus. Steuerrecht, p. 825; na Espanha: PUIGCERVER, Vicente Fenellós. El Estatuto Del Contribuyente. Valencia: Ediciones TRO, 1998, p. 90, e as seguintes decisões: STC 006/1983, 126/1987 e 197/1992; em Portugal: NABAIS, José Casalta. Direito Fiscal, 2005, pp148/152; Idem. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 2004, pp. 394 e ss., nesta obra, o autor cita a decisão do TC no Ac. 410/95, de 16/11/1996. 18
Parte II – Abordagem prática
4. Hipóteses controvertidas de aplicação dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva no Direito Tributário.
Devemos agora apresentar alguns casos difíceis que exigem o uso dos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva. 4.1.
Benefícios fiscais de legalidade não confirmada.
A presente hipótese enquadra-se no quadro amplo da revogação de benefícios seja porque a lei concessiva foi declarada inconstitucional, seja porque foi originariamente prevista em medida provisória depois não convertida em lei. Fenômeno comum nos dias de hoje é a criação de leis estaduais concessivas de isenção de ICMS sem prévio Convênio, em clara afronta ao art. 155, XII, g, da CF/88, bem como de medidas provisórias concessivas de parcelamentos sob certas condições a encargo dos contribuintes, como foi o caso da MP 38/02; gozando da presunção de durabilidade e de constitucionalidade, estes diplomas legais criam expectativas nos contribuintes, que orientam suas condutas no sentido de realizar sacrifícios voltados para o gozo destes benefícios. Porém, a questão que se levanta é a seguinte: e na hipótese de serem julgadas inconstitucionais estas leis, ou não ser convertida em lei a medida provisória, podem ser cobrados retroativamente os tributos antes isentos? Revoga-se o parcelamento concedido sob o pálio de medida provisória não convertida? Evidente que estamos diante da necessidade de se ponderarem os princípios da proteção da confiança legítima e da legalidade, sendo certo que este último “não é nem o único e nem o mais importante princípio constitucional”, devendo ser harmonizado com o princípio da proteção da confiança legítima 50. Aqui temos duas situações distintas, em que a condição de “confiança digna de ser protegida” 51 cumpre papel decisivo. Deve-se investigar até que ponto essas normas, tendo em vista o conteúdo das mesmas, promove o estado de confiança ou requer do contribuinte uma cautela que beira a uma própria desconfiança.
49
Cf. NABAIS, José Casalta. Direito Fiscal, 2008, p. 150. ÁVILA, Humberto. Benefícios inválidos e a legítima expectativa dos contribuintes . RTFP nº 42. RT, p. 100. 51 Cf. RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade, Não-surpresa e Proteção á Confiança Legítima, 2008, p. 233. 19 50
A confiança que um contribuinte deposita em leis estaduais concessivas de benefícios fiscais no âmbito do ICMS sem a previsão prévia em convênios é a típica hipótese de confiança indigna de ser protegida. De longa data que o Supremo Tribunal Federal vem julgando inconstitucionais tais leis, de modo que é mais do que razoável que o contribuinte saiba que ao aderir a programas de benefícios fiscais da espécie, estará, na verdade, assumindo riscos mais do que calculáveis. 52 Aqui, nem mesmo a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc se justificaria. Situação totalmente distinta é o da concessão de parcelamentos “condicionais” por meio de medidas provisórias não convertidas em lei, como foi o caso da MP 38/2002. Esta medida provisória exigiu que os contribuintes, como condição para o gozo do parcelamento, desistissem de ações judiciais e recursos administrativos e ainda renunciassem ao direito que fundava suas defesas. Dentro do prazo em que vigorou a medida provisória, muitos contribuintes cumpriram estas condições, praticando atos definitivos que resultaram em renúncia definitiva de defesa no caso concreto. A media provisória não foi convertida em lei, tendo perdido sua eficácia desde a data de sua edição. Com isso, a administração tributária federal passou a exigir os saldos devedores, sem que fosse possível o restabelecimento dos processos judiciais e administrativos diante da irreversibilidade das desistências e renúncias praticadas. Sem embargo, os parcelamentos concedidos com base na MP 38/02, que vigorou por cento e vinte dias com força de lei, devem ser mantidos, pois, embora os atos de concessão não estejam mais protegidos pela legalidade, estão pela tutela da confiança legítima do contribuinte. Permitir que os parcelamentos sejam revogados equipara-se a impor uma aplicação retroativa da norma. Privilegiando-se assim a justiça no caso concreto, todos os atos praticados pelos contribuintes, durante a vigência da referida medida provisória, devem ser reputados como eficazes, mesmo que posteriormente este diploma legal tenha perdido sua eficácia, ainda mais se estes atos envolveram também renúncia ao exercício de direitos fundamentais, como foi o caso da renúncia ao exercício da ampla defesa. 4.2.
Mudanças na legislação do PAES.
O PAES foi instituído pela Lei nº 10.684/2003 e os incisos I e II do § 3 o do art. 1º desta lei tratam do regime jurídico geral do PAES, aplicável para as empresas em geral; porém o próprio inciso I prevê um regime de exceção, pois excluiu de sua aplicação as 52
No mesmo sentido: cf. RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte: Legalidade, Nãosurpresa e Proteção á Confiança Legítima, 2008, p. 248. 20
microempresas e pequenas empresas; para estas, aplica-se exclusivamente o regime jurídico previsto no § 4º do mesmo artigo. Regulamentando a presente lei, a Port. Conj. PGFN/SRF nº 1, de 25/06/2003, prescreveu, em seu art. 4º, §6º, que, no caso do regime de exceção de que trata o § 4º do art. 1º da Lei 10.684/03, “o quantitativo total de parcelas poderá exceder a cento e oitenta, quando o valor da prestação, calculado com base na receita bruta, não for suficiente para liquidar o parcelamento naquele número de parcelas”. Como a presente Portaria foi publicada antes do fim do prazo de ingresso no PAES, criou-se uma expectativa, para as microempresas e pequenas empresas de um número de parcelas superior a cento e oitenta; por outro lado, para ingressar no PAES, o contribuinte deveria cumprir certas condições: desistência de recursos administrativos ou de ação judicial referentes ao débito, renúncia a qualquer direito em que se fundava a ação, etc., ou seja, o PAES consiste em benefício oneroso. Assim, depositando confiança na referida interpretação administrativa do §4º do art. 1º da Lei 10.684/03, as microempresas e empresas de pequeno porte desistiram de seus recursos administrativos e ações judiciais para, mesmo não possuindo condições de efetuar o pagamento do débito em cento e oitenta parcelas, ingressarem no PAES com a certeza de um prazo maior de pagamento. Por outro lado, mais de um ano após o início do PAES, o Poder Público “mudou as regras do jogo” em clara afronta ao princípio da boa-fé objetiva dos contribuintes e à moralidade pública 53: a Administração revogou o art. 4º, § 6º da Port. Conj. PGFN/SRF nº
1/2003 por meio do art. 18 da Port. Conj. PGFN/SRF nº 3 de 25/08/2004, que, ainda em seu art. 4º, dispôs: “O quantitativo total das prestações não poderá exceder a cento e oitenta, devendo o sujeito passivo, até o vencimento da última parcela, liquidar o total do débito sob pena de rescisão”. A situação é extrema: como fica o contribuinte que não pode efetuar o pagamento em cento e oitenta parcelas, mas desistiu de seus recursos administrativos, de ações judiciais, confessou de modo irretratável sua dívida e renunciou a direitos para ingressar no PAES acreditando em um prazo maior de pagamento porque assim o fez acreditar a Administração Tributária quando do ingresso no aludido programa? 53
Em Itália, ENRICO DE MITA, após vincular o princípio da boa fé ao espírito de leal colaboração que deve haver entre o Fisco e o contribuinte, bem como a razões de justiça e do princípio da honestidade, acaba por extraí-lo do art. 97, § 1º da CI, ou seja, do “ principio del buon andamento della Publica Amministrazione” (moralidade pública). (DE MITA, Enrico. La buona fede in Diritto Tributario. In: Interesse Fiscale e Tutela del Contribuinte, 2000, pp. 272/277). 21
Com efeito, diante da incerteza objetiva sobre o regime jurídico do PAES relativo às ME e EPP, a Administração Tributária, primeiramente, entendeu que estas empresas não estavam sujeitas ao limite de cento e oitenta parcelas; porém, posteriormente, após as ME e EPP terem ingressado no parcelamento, como que mudando as regras do jogo durante o jogo, a Administração Tributária passou a entender que existe tal limite de parcelas.
Aconteceu aqui uma cadeia de situações jurídicas implicadas da seguinte forma: (i) a Port. Conj. PGFN/SRF nº 1, de 25/06/2003, que vigorava no ato de ingresso do PAES, gerou a confiança legítima acerca da inexistência do limite de 180 (cento e oitenta) parcelas para as ME e EPP; (ii) as ME e EPP, mesmo sem condições de quitar seus débitos em cento e oitenta vezes, mas confiando na declarada inexistência do limite de parcelas, ingressaram no PAES após desisitirem dos seus recursos administrativos e das suas ações judiciais que versavam sobre os débitos parcelados; (iii) após um ano de vigência do PAES e da primeira interpretação, de modo imprevisível e totalmente contraditório, ocorreu a virada de orientação da Administração Tributária, materializada na Port. Conj. PGFN/SRF nº 3 de 25/08/2004, no sentido da existência do limite de 180 (cento e oitenta) parcelas também para as ME e EPP. No caso concreto, estamos evidentemente diante de injustificada afronta ao princípio da proteção da confiança legítima. A Port. Conj. PGFN/SRF nº 1/03 consiste em diploma normativo, de caráter geral e abstrato, dirigido a todos como disciplina do PAES e que, portanto, possuía ampla eficácia externa e plena aptidão para gerar confiança legítima quanto ao seu conteúdo à época da adesão ao PAES, gerando a solidez das expectativas dos
contribuintes diante da clareza da interpretação formulada. O princípio da proteção da confiança legítima prescreve uma norma de comportamento para a Administração Tributária, de modo que esta não pode trair as expectativas legítimas dos contribuintes que foram geradas por seu (da Administração Tributária) próprio comportamento precedente; neste sentido, leciona SOREN SCHONBERG, que “a liberdade de uma autoridade pública agir no interesse público é limitada na medida em que cause dano a particulares. Se uma autoridade pública induziu uma pessoa a confiar em seus argumentos ou em sua conduta, compreendendo-se que tal confiança era uma possibilidade real, ela está sob um dever prima facie de agir de modo que a confiança não seja danosa ao administrado”. 54
54
SCHONBERG, Soren. Legitimate Expectations in Administrative Law, 2000, p. 10. 22
O contribuinte, no âmbito de liberdade de ação sobre seu patrimônio jurídico, precisa ter um certo grau de planejamento e segurança em suas decisões e, por esta razão, o princípio da proteção da confiança legítima estabelece a estabilidade da vigência dos atos administrativos, vinculando a Administração Tributária às suas próprias promessas. O comportamento do contribuinte tutelado pelo princípio da proteção da confiança legítima é também aquele que se substancia na coerência do comportamento da Administração Pública com suas precedentes determinações. É perfeitamente admissível que a Administração Tributária mude sua interpretação sobre determinado dispositivo legal, porém, apenas em casos extremos pode-se admitir que esta mudança de orientação, quando mais gravosa para o contribuinte, possa alcançar situações jurídicas já consolidadas no passado. Nestas hipóteses, deve-se realizar uma ponderação de bens jurídicos e decidir, no caso concreto, se é legítima a retroatividade dos efeitos de uma modificação de orientação interpretativa pré-fixada, ou se deve ser prestigiada a confiança legítima do contribuinte. Pois bem. Em nosso caso concreto, valorando os interesses em jogo – de um lado, a legalidade estrita aplicada nos moldes da nova interpretação e, do outro, a confiança legítima do contribuinte – não temos dúvida em afirmar que inexiste interesse tutelado por nossa Constituição que justifique o sacrifício ao princípio da proteção da confiança legítima decorrente da aplicação da interpretação exarada na Port. Conj. PGFN/SRF nº 3/04. Em primeiro lugar, não se pode arguir a aplicação irrestrita da legalidade estrita ao caso concreto, como corolário da Segurança Jurídica, sob o argumento da impossibilidade sintática ou sistêmica da primeira interpretação. E assim é por mais de uma razão. A primeira delas é que, se assim for, estaremos a realizar a Segurança Jurídica apenas em seu sentido formal, ignorando o seu conteúdo ético. A segunda razão é que não se pode falar em impossibilidade sintática ou sistêmica da primeira interpretação, pois é mais do que evidente que o art. 1º, § 4º, da Lei 10.684/03, criou uma dubiedade interpretativa, sendo a interpretação no sentido da não existência do limite de cento e oitenta parcelas perfeitamente possível diante da estrutura redacional do dispositivo interpretado; caso contrário, elevaríamos o exercício regulamentar pela Administração Tributária a um nível absurdo de ineficiência. Por outro lado, em homenagem à Segurança Jurídica como equivalente da Justiça Material, não importa, neste momento, saber qual seria a interpretação correta, pois mesmo que a segunda interpretação seja a correta, a legalidade estrita deverá ceder à proteção da confiança legítima, tendo em vista a intangibilidade das situações que se consolidaram sob a 23
égide da interpretação anterior, isto é, sob a égide do estado de confiança proporcionado pela interpretação anterior. Alguns poderiam até arguir, inicialmente, lesão à isonomia, tendo em vista que as ME e EPP acabam tendo um tratamento mais favorecido nos moldes da primeira interpretação, se comparadas às demais empresas; porém, o argumento da isonomia não só não legitima a arbitrária mudança de interpretação, como, pelo contrário, serve de fundamento para a primeira interpretação, pois tanto a nossa ordem constitucional tributária quanto a econômica possuem, como princípio, o tratamento favorecido às ME e EPP, ou seja, a primeira interpretação se legitima pela ordem de princípios que nossa Carta Maior reservou para estas espécies de empresas. Por fim, a mudança das regras do jogo, mais de um ano após o início do PAES, representa verdadeira afronta à própria moralidade pública, pois estava a Administração vinculada à sua própria interpretação, sendo-lhe vedada venire contra factum proprium , especialmente porque o PAES consiste em benefício condicionado, ou seja, benefício que ingressou no patrimônio do contribuinte às custas de sacrifícios e renúncias de direitos. Em suma, em respeito ao princípio da proteção da confiança legítima, não tem qualquer aplicabilidade a modificação da interpretação administrativa, no tocante ao regime jurídico do PAES para as ME e EPP, realizada pela Port. Conj. PGFN/SRF nº 3/04, devendo prevalecer a interpretação anterior, estabelecida na Port. Conj. PGFN/SRF nº 1/03, no sentido de inexistência de limites de parcelas no PAES para as ME e EPP. 4.3.
Revogação da isenção gratuita de ICMS e anterioridade.
Questão difícil é aquela relativa aos efeitos da revogação da lei concessiva de isenção. Com efeito, toda norma de isenção pode ser revogada a qualquer tempo, sob pena de limitação inaceitável da discricionariedade política do legislador. 55 Por sua vez, situar no tempo os efeitos da revogação não é tão fácil, tendo em vista as expectativas legitimamente criadas pelas normas do benefício. O art. 178 do CTN permite a revogação a qualquer tempo da lei que concede isenção gratuita e por prazo indeterminado, mas sujeita a revogação ao disposto no inciso III do art. 104 do mesmo Código; este último dispositivo estabelece que a presente revogação tem seus efeitos limitados pela observância do princípio da anterioridade, porém restringe sua aplicação aos impostos sobre o patrimônio e a renda. 55
STF – 2ª Turma, RE 116.880/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12/02/1993. 24
Esta restrição se deu por ter sido o CTN criado tendo a EC 18/65 como pano de fundo; neste sistema normativo constitucional, apenas os impostos sobre o patrimônio e a renda eram sujeitos à anterioridade (anualidade). Hoje a situação é oposta, pois, além de a CF/88, como já havia feito a Constituição de 1967, vincular os demais tributos, e não só os demais impostos, ao princípio da anterioridade, com exceção do disposto no §1º do art. 150, o ideal de Estado Democrático de Direito, tão presente no conjunto normativo e axiológico da Carta vigente, também não tolera restrições desta envergadura. Ocorre que, esquecendo-se das bases constitucionais sobre as quais foi construído o art. 104 do CTN, o STF ignorou o moderno conteúdo e alcance do princípio constitucional da anterioridade tributária e vem decidindo que a revogação da isenção do ICM(S) não está sujeita a este princípio (Súmula 615) 56. Doutrina autorizada, partindo da premissa de a isenção ser uma biqualificação normativa, isto é, de ser resultado da interação da norma de imposição com a própria norma de isenção, em que esta última impede que a primeira surta “certos efeitos” como o de qualificar o fato como “tributado”(!!!), aplaude o posicionamento do STF, concluindo que, uma vez afastada a norma de isenção, retira-se o impedimento à plena incidência da norma de tributação, não ocorrendo aplicação da anterioridade por não se tratar de uma nova incidência .57
De todo lamentável é a decisão do STF, que, em nome de um positivismo formalista e desmedido, acaba por interpretar um princípio positivado na Carta Magna a partir da norma infraconstitucional, quando deveria ser o oposto. Com SAINZ DE BUJANDA 58 , entendemos que os efeitos da norma de isenção situam-se no plano da incidência da norma impositiva, tendo a primeira como efeito tornar débeis os efeitos da segunda, ou seja, resulta precisamente em uma supressão ou anulação dos efeitos da norma de imposição no que respeita às hipóteses contempladas como isentas. Sendo assim, a norma de isenção não cria o fato gerador nem permite a continuidade da qualificação do fato como “tributado”, mas, sim, procede a formular uma nova definição: a do fato isento . A teoria acima, por si só, presta para afastar a tese da inexistência de “nova incidência” a justificar a não aplicação da anterioridade, pois, uma vez revogada a isenção, 56
Súmula 615 – “O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF) não se aplica à revogação de isenção do ICM”. (DJU 29/10/84); STF – 1ª Turma, RE 102.593-0, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ 12/06/1984. 57 GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Benefícios Fiscais – Isenções, Convênios, Imunidades – Produtos SemiElaborados. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (org). Curso de Direito Tributário, 2000, p. 602. 58 SAINZ DE BUJANDA, Fernando. “Teoria Jurídica de la Exencion Tributaria”, in Hacienda y Derecho, vol. III, cap. IV, ob.cit., pp. 447/451. 25
restauram-se os efeitos da norma de imposição, o que equivale a uma nova incidência tributária; porém, o principal a ser discutido, a fim de se efetuar uma completa revisão da posição do STF, inclusive com a revogação da Súmula 615, é a lesão às expectativas legítimas dos contribuintes .
Ora, se o contribuinte acredita na palavra da lei que outorga a isenção, seja esta condicionada ou não, tal como acredita na lei que fixa uma determinada alíquota para um determinado imposto, e pauta suas condutas por esta confiança, dirigindo seus atos negociais no sentido objetivamente figurado pela lei, projetando-os para pelo menos um exercício financeiro, resta evidente que esta confiança legítima deve ser protegida contra a revogação inesperada das isenções, tal como as expectativas são protegidas contra a majoração de alíquotas. Portanto, o conteúdo jurídico da proteção da confiança legítima dos contribuintes, além da própria previsão normativa atual da anterioridade, exige uma mudança de orientação de nosso STF, devendo a revogação das isenções gratuitas de todos os tributos, inclusive o ICMS e exclusive os mencionados no § 1º do art. 150 da CF/88, sujeitar-se ao princípio da anterioridade. 4.4.
Revogação de isenção onerosa.
Menos problemática que a revogação das isenções gratuitas e da aplicação da anterioridade, a impossibilidade de revogação das isenções onerosas e a termo encontra porto seguro no STF 59, até mesmo por conta do art. 178 do CTN. Prevalece aqui a tese, que com razão não se estende às isenções gratuitas, dos derechos tributarios adquiridos (SAINZ DE BUJANDA). Evidente que aqui se trata de homenagear a segurança jurídica e preservar a expectativa legítima do contribuinte, fazendo justiça no caso concreto. Porém, qual é o alcance possível desta proteção? Se a Administração, por meio de despacho competente, outorga a isenção onerosa por ter o contribuinte atendido às condições da lei, estamos diante de um ato jurídico perfeito, sendo a impossibilidade de exclusão desta isenção, antes de encerrado o prazo
predeterminado e mesmo na hipótese de revogação da lei de isenção, uma exigência do princípio da boa-fé objetiva como decorrência do próprio Estado de Direito e de sua
positivação no art. 5º, XXXVI, da CF/88. 59
STF – 2ª Turma, RE 186.264-5, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17/04/1998 e RE 169.880-2, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 19/12/1996; STF – 1ª Turma, RE 218.160-3, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 06/03/1998. 26
Por sua vez, e se contribuinte, já tendo preenchido todos os requisitos para o gozo da isenção onerosa quando da revogação da lei de isenção, ainda não tem a seu favor o despacho de que trata o caput do art. 179 do CTN? Existe direito adquirido a ser protegido e a legitimar a concessão da isenção? A proteção da boa-fé objetiva, sendo ponderada com o princípio da legalidade, autoriza a concessão da isenção no caso concreto? Claro que sim. Uma vez atendidos os requisitos dentro do prazo de vigência da lei de isenção, estaremos diante de um direito adquirido, embora a ausência do despacho administrativo não nos permita falar de ato jurídico perfeito; sendo assim, merecem proteção as expectativas legítimas e a conduta do contribuinte pautada na confiança no legislador, devendo a isenção, como medida de Direito Justo e em nome da proteção da boa-fé objetiva sob o modelo positivado no art. 5º, XXXVI, da CF/88, ser concedida e respeitada até seu termo final. Questão muito mais complexa é a de o contribuinte, ao tempo da revogação da lei concessiva de isenção onerosa e de prazo determinado, não ter ainda atendido a todos os requisitos para dela usufruir, mas, pautando sua conduta pela confiança depositada na lei e no prazo nela fixado para aquisição e gozo da isenção, ter planejado seus negócios e realizado diversos investimentos e gastos voltados a preencher os requisitos legais da isenção, tudo, repete-se, em função da confiança depositada nas palavras da lei. Por certo que não se trata de direito adquirido, mas de mera expectativa de direito; mas a questão é: esta expectativa criada pela lei, na qual o contribuinte depositou confiança e planejou seus negócios, merece ser tutelada? E se merece, como? O Direito Positivo é insuficiente para proteger as expectativas legítimas nestas hipóteses, devendo o intérprete buscar a solução na própria concepção de Estado de Direito, nos fundamentos de Direito Justo, na interpretação do princípio da proteção da confiança legítima como princípio jurídico de conteúdo ético que impõe ao Estado uma atuação “segundo a moralidade e a eqüidade”. 60 Com efeito, todo o Poder Estatal, inclusive o legislador constituinte derivado, está vinculado ao Direito, assim entendido como aquele cujo conteúdo exprime valores morais e éticos aceitos pela sociedade e pela Constituição material. Assim, ainda que o contribuinte não atenda às condições da isenção quando da revogação da lei que a concedia, deve-se valorizar sua conduta durante a vigência da lei concessiva, quando ele, firme em suas expectativas legitimamente fixadas a partir da confiança depositada na lei, empregou 60
TORRES, Ricardo Lobo. Valores e Princípios Constitucionais Tributários . In: Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II, 2005, p. 570. 27
esforços e sacrifícios voltados ao preenchimento das condições, chegando a estar em via de alcançá-los; a proteção da confiança legítima no caso concreto, ponderada com a legalidade, autoriza, ao menos, que os esforços do contribuinte sejam devidamente indenizados, haja vista os prejuízos causados pela inesperada revogação legal.
61
4.5. Mudança de Jurisprudência
As reiteradas alterações da jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, especialmente a do STF, têm provocado a discussão quanto à possibilidade e necessidade de se modular no tempo os efeitos destas mudanças interpretativas, tendo em vista os seus inevitáveis danos à confiança do jurisdicionado. Com efeito, nossos mais prestigiados autores 62 têm argumentado, com fundamento no princípio da segurança jurídica, em favor da irretroatividade das decisões judiciais que representem verdadeiras alterações de entendimentos jurisprudenciais (antes) consolidados. Como se sabe, é inegável a importância de uma jurisprudência uniforme e sólida para a geração de um ambiente de confiança em favor dos jurisdicionados, de modo que os cidadãos possam pautar suas condutas de acordo com esta jurisprudência e assim estarem convencidos e seguros de que agiram da melhor maneira para evitar problemas jurídicos futuros em face de fatos passados e presentes; ademais, as exigências de uniformidade e solidez não se consubstanciam apenas como imperativos de segurança, mas também de justiça, na medida em que permitem a realização da isonomia no processo de interpretação/aplicação judicial do ordenamento jurídico. Porém, isto não representa, especialmente nos sistemas de civil law, uma proibição aos Tribunais de superarem suas próprias ideias, de corrigirem as suas interpretações anteriores e modificarem suas conclusões passadas, pois do contrário, além de maléfica para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de todo o sistema jurídico, tal petrificação judicial representaria amesquinhamento da independência e da autonomia dos Tribunais; neste sentido, afirmou acertadamente CÉSAR GARCÍA NOVOA “que los cambios de jurisprudencia deban ser excepcionales no supone más que um canon de prudencia, que em
61
Em sentido semelhante, referindo-se às expectativas causadas por uma resposta a processo de consulta, cf. STF – 2ª T., RE 131.741, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 09/04/1996, DJ 24/05/1996: TRIBUTÁRIO - CONSULTA - INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS. Ocorrendo resposta a consulta feita pelo contribuinte e vindo a administração pública, via o fisco, a evoluir, impõe-se-lhe a responsabilidade por danos provocados pela observancia do primitivo enfoque. 62 DERZI, Misabel Abreu Machado. A imprevisibilidade das decisões judiciais e suas conseqüências. In Princípios de Direito Financeiro e Tributário. Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 961/992; BARROSO, Luís Roberto. Mudança da Jurisprudência do Supremo 28
ningún caso afecta a la independencia de criterio de los tribunales que les legitima a autocorregirse y a modificar sus anteriores interpretaciones ”.63
Sem embargo, pensamos realmente que as exigências de uniformidade e solidez da interpretação judicial, fundamentadas na segurança jurídica e na isonomia, não devem servir de óbices ao estabelecimento de novos critérios interpretativos pelos Tribunais sempre que tais viradas interpretativas possam ser justificadas racionalmente. Contudo, se é verdade que não se deve cogitar de uma petrificação interpretativa depois de configurado certo grau de solidez de algum entendimento jurisprudencial, também é verdade, e em mesma medida, que “o impacto da alteração de um entendimento jurisprudencial sobre a segurança jurídica (previsibilidade e confiança) [pode] ser bastante intenso”
64
, a ponto de ser necessário
romper com velhos dogmas e realizar a modulação temporal dos efeitos destas decisões em favor da confiança despertada durante a vigência do entendimento modificado. Não se trata, portanto, de restringir a possibilidade de mudanças interpretativas, mas sim, de restringir seus efeitos sobre fatos passados e, em certa medida, sobre fatos futuros; trata-se aqui da técnica que os norte-americanos denominam de prospective overruling, isto é, a pronúncia de um novo critério jurisprudencial com efeitos apenas prospectivos (ex nunc). Segundo esta doutrina, as reviravoltas jurisprudenciais ou correções de rumos
interpretativos ensejam a limitação temporal dos efeitos da nova decisão sempre (e apenas) quando a preservação da segurança jurídica e da estabilidade institucional assim justifique, de modo que estes efeitos se projetem apenas pro futuro. O tema tem grande repercussão para o Direito Tributário, mesmo porque talvez em nenhum outro campo do Direito as relações jurídicas sejam tão litigiosas, do que decorre a significativa relevância das interpretações judiciais como pautas condutoras do comportamento dos contribuintes, a ponto de se poder afirmar, sem medo de errar, que os contribuintes depositam tanta confiança nas resoluções judiciais dos Tribunais Superiores quanto nos atos do Legislativo e do Executivo. Com freqüência, é no âmbito das jurisdições superiores do STJ e do STF onde são definidas e formatadas as principais condutas dos contribuintes. A estes aspectos deve-se ainda acrescentar que a jurisprudência constitucional tributária, com recente frequência, tem sofrido alterações sem que isso decorresse de mudanças do quadro fático ou do Direito vigente, mas sim da substancial alteração da Tribunal Federal em Matéria Tributária. Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos Temporais das Decisões Judiciais. RDE nº 2, 2006, pp. 261/288. 63 NOVOA, César Garcia. El principio de seguridad jurídica en materia tributaria, 2000, pp. 205/206. 64 BARCELLOS, Ana Paula de. Direito Constitucional (Retrospectiva 2006). RDE nº 5, 2007, p. 18. 29
composição da Alta Corte nos últimos anos, possibilitando assim a virada de votos antes vencidos e que, por sua eficácia retroativa, causam especial impacto sobre as relações sócioeconômicas do país, suscitando assim os questionamentos acerca da modulação temporal desta eficácia. Pensamos que três importantes pontos podem justificar a modulação: (i) o não reducionismo das fontes do Direito e o reconhecimento do papel criativo do intérprete judicial na construção da ordem jurídica (criação judicial do Direito); (ii) o atual estágio de nosso sistema de controle de constitucionalidade segundo a Lei 9.868/99 e as novas técnicas de decisão desenvolvidas pelo STF, e a importância dos precedentes em nosso sistema jurídico a partir do fenômeno denominado por LUÍS ROBERTO BARROSO 65 de “rota de progressiva aproximação” entre os sistemas common law e civil law; e (iii) o papel do princípio da proteção da confiança legítima, como corolário da segurança jurídica, na equação valorativa sobre os efeitos das reformas dos precedentes judiciais ( overruling ). Contudo, a prática da modulação temporal dos efeitos das decisões do STF revela que a Corte não tem ainda empregado critérios uniformes. No complexo caso da “fidelidade partidária” (MS 26.603/DF) 66, onde o Supremo construiu uma regra, a partir do art. 14, §3º, V c/c art. 45, caput, ambos da Constituição, punindo o parlamentar com a perda do seu mandato em favor do partido político pelo qual se elegeu na hipótese de abandono da agremiação durante a vigência do mesmo, configurou-se hipótese de radical mudança de orientação interpretativa da Corte, haja vista os precedentes de longa data em sentido diametralmente contrário. Por esta razão, e em nome da segurança jurídica e da proteção da confiança dos exercentes de cargo eletivo, o Supremo modulou os efeitos de sua nova decisão. Ocorre que, este mesmo critério não tem sido adotado para o Direito Tributário. O primeiro julgado que demonstra isso é o caso “Monsanto”. Neste julgado 67 , o Supremo julgou constitucional a exigência de lei estadual determinando o estorno proporcional de créditos de ICMS nas hipóteses de vendas com redução da base de cálculo do imposto, sob o fundamento de equiparar a redução da base de cálculo à isenção parcial, para efeito de aplicação do art. 155, §2º, II, b, CF/88. Esta posição importou em mudança de entendimento
65
BARROSO, Luís Roberto. Mudança da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em Matéria Tributária. Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos Temporais das Decisões Judiciais . RDE nº 2, 2006, p. 270. 66 STF – Pleno, MS 26.603/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19/12/2008. 67 STF – Pleno, RE 174.478/SP, Rel. (p/ac) Min. Cezar Peluso, DJ 30/09/2005. 30
que havia sido firmado há longo tempo (RE nº 161.031, de 24/03/1997) 68 , sem que se cogitasse de modulação temporal dos efeitos da decisão. Caso mais polêmico foi o da modificação da jurisprudência da Corte em relação à possibilidade dos contribuintes de IPI apropriarem-se de créditos na aquisição de matériasprimas, insumos e produtos intermediários sujeitos à isenção do imposto. No RE 212.484, de 27/11/1998, o STF havia reconhecido este direito de crédito, com trânsito em julgado em 10/12/1998. 69 Muito tempo depois, o STF, nos RREE 353.657 e 370.682 70 , dirigiu-se à mudança de sua orientação ao negar o creditamento nas hipóteses de alíquota zero e NT e a modulação por falta de trânsito em julgado de qualquer ação que tratasse especificamente destas hipóteses. É certo que as decisões tomadas nestes recursos, em razão da fundamentação exposta, sinalizam sem dúvida para superação do precedente quanto ao crédito na hipótese de isenção também, porém, para este último caso, não se pode deixar de levar em conta a diferença quanto à incidência do princípio da proteção da confiança legítima. Realmente não havia decisões transitadas em julgado reconhecendo o crédito de IPI na hipótese de aquisição de insumos sujeitos à alíquota zero ou NT, mas havia decisão da espécie para a hipótese de isenção, e isso faz toda a diferença em favor da possibilidade de modulação temporal. Porém, o STF tem tomado a mesma posição para estas situações distintas. Nos AgRg nos RREE 550.218 e 444.267
71
,
o STF negou a modulação
indistintamente para as três hipóteses, sem se atentar para a diferença apontada em favor das hipóteses de isenção. Acreditamos que o Supremo não agiu corretamente nestes dois casos, haja vista que estava configurado um estado de confiança digno de proteção, mas pensamos que agiu
68
“ICMS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MERCADORIA USADA - BASE DE INCIDÊNCIA MENOR - PROIBIÇÃO DE CRÉDITO - INCONSTITUCIONALIDADE. Conflita com o princípio da não- cumulatividade norma vedadora da compensação do valor recolhido na operação anterior. O fato de ter-se a diminuição valorativa da base de incidência não autoriza, sob o ângulo constitucional, tal proibição. Os preceitos das alíneas "a" e "b" do inciso II do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo, institutos inconfundíveis com o benefício fiscal em questão. (STF – Pleno, RE 161.031, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 06/06/1997). 69 EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO INCIDENTE SOBRE INSUMOS. DIREITO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção. Recurso não conhecido. (STF – Pleno, RE 212.484, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Rel. (p/ac.) Min. NELSON JOBIM, DJ 27/11/1998). 70 STF – Pleno, RE 353.657/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 06/03/2008; STF – Pleno, RE 370.682/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 18/12/2007. 71 STF – 2ª T., AgRg no RE 550.218/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 28/05/2009; STF – 2ª T., AgRg no RE 444.267/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 28/02/2008. 31
corretamente ao negar a modulação no que é considerado o mais importante de todos caso: a questão da revogação isenção da Cofins das sociedades profissionais. Saber se uma lei ordinária poderia modificar a disciplina das contribuições de seguridade social, cujas materialidades são definidas pelo próprio Texto Constitucional, não é matéria nova para o Supremo Tribunal Federal. A Corte sempre deixou claro que a questão envolvia matéria constitucional 72, e também sempre decidiu pela desnecessidade de lei complementar para tratar de tal matéria. Daí que, as decisões da Corte a partir do RE 377.457 73 , consolidando a posição favorável à revogação da isenção da Cofins das sociedades profissionais por lei ordinária, não importaram em nenhuma novidade quanto aos seus fundamentos. Por isso, afirmar que a Súmula 276 do STJ, que reconhecia a impossibilidade de revogação da isenção por lei ordinária, era o suficiente para configurar um estado de confiança digno de tutela é ignorar este histórico de decisões e fundamentações do Supremo. É ignorar que o contexto requeria muita cautela, e não confiança absoluta.
Conclusões
Como modo de realização do conteúdo material do Estado Democrático de Direito, temos em nossa ordem jurídica normas que especificam e asseguram os direitos fundamentais dos indivíduos e da sociedade, as liberdades fundamentais, a igualdade, a dignidade humana e os direitos sociais; na otimização da tutela destes direitos fundamentais, cumprem papel altamente relevante os princípios jurídicos da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva .
Os princípios jurídicos da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva são princípios de Direito Justo (LARENZ), princípios de conteúdo ético-jurídico que protegem e asseguram as expectativas legítimas; são princípios originados da própria ideia de Estado de Direito e que atuam como elo entre a Justiça e a Segurança , vinculando o Poder Público e os particulares a agirem com Ética, moralidade, coerência, lealdade e fidelidade.
72
Como exemplo desse tipo de fundamentação, cf. STF – 2ª T., AgRg no RE 228.339, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJE de 28-5-2010: “Nem toda contraposição entre lei ordinária e lei complementar se resolve no plano constitucional. Dentre outras hipóteses, a discussão será de alçada constitucional se o ponto a ser resolvido, direta ou incidentalmente, referir-se à existência ou inexistência de reserva de lei complementar para instituir o tributo ou estabelecer normas gerais em matéria tributária, pois é a Constituição que estabelece os campos materiais para o rito de processo legislativo adequado.” 73 STF – Pleno, RE 377.457/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 19/12/2008. 32