FOL HA EXPL ICA
GUIMARÃES ROSA WAL NICE NOGUEIRA GAL VÃO
GUIMARÃES ROSA
GUIMARÃES ROSA
CONSELHO EDITORIAL
Alcino Leite Neto Ana Luisa Astiz Antonio Manuel Teixeira Mendes Arthur Nestrovski Carlos Heitor Cony Gilson Schwartz Marcelo Coelho Marcelo Leite Otávio Frias Filho Paula Cesarino Costa
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FOLHA EXPLICA
GUIMARÃES ROSA
WALNICE NOGUEIRA GALVÃO
© 2000 Publifolha - Divisão de Publicações da Empresa Folha da Manhã S.A. © 2000 Walnice Nogueira Galvão
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permissão expressa e por escrito da Publifolha - Divisão de Publicações da Empresa Folha da Manhã S.A. Editor Arthur Nestrovski Assistência editorial Paulo Nascimento Verano Capa e projeto gráfico Silvia Ribeiro Coordenação de produção gráfica Marcio Soares Revisão Mário Vilela Fotos Folha Imagem Editoração eletrônica Picture studio & fotolito Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Galvâo, Walnice Nogueira Guimarães Rosa /Walnice Nogueira Galvão. -São Paulo : Publifolha, 2000. – (Folha explica) Bibliografia. ISBN 85-7402-225-X 1, Ficção brasileira 2. Rosa, Guimarães, 1908-1907 -Crítica e interpretação I. Título. II. Série. 00-2870
CDD-869.9309 índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura brasileira : História e crítica
PUBLIFOLHA
869.9309
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................... 7 1. O LUGAR DE GUIMARÃES ROSA NA LITERATURA BRASILEIRA ....................... 13 2. GRANDE SERTÃO: VEREDAS .......................... 27 3. DOS PRIMÓRDIOS AOS PÓSTUMOS .............. 51 4. TRAÇOS BIOGRÁFICOS ................................. 65 CONCLUSÃO........................................................ 69 BIBLIOGRAFIA ..................................................... 73
INTRODUÇÃO
Quando
Guimarães
Rosa
publicou
seu
primeiro
livro,
Sagarana, em 1946, duas vertentes assinalavam o panorama da ficção brasileira: o regionalismo e a reação espiritualista. Sua obra vai representar uma síntese feliz das duas vertentes. Como os regionalistas, volta-se para os interiores do país, pondo em cena personagens plebéias e "típicas", a exemplo dos jagunços sertanejos. Leva a sério a função da literatura como documento, ao ponto de reproduzir a linguagem característica daquelas paragens. Porém, como os autores da reação espiritualista, descortinando largo sopro
metafísico,
costeando
o
sobrenatural,
em
demanda
da
transcendência. No que superou a ambas, distanciando-se, foi no apuro formal, no caráter experimentalista da linguagem, na erudição poliglótica, no trato com a literatura universal de seu tempo, de que nenhuma das vertentes dispunha, ou a que não atribuíam importância. E o fato de escrever prosa como quem escreve poesia — ou seja, palavra por palavra, ou até fonema por fonema. Nesse sentido, Guimarães Rosa é único na literatura brasileira: foi em sua pena que nossa língua literária alcançou seu mais alto patamar. Nunca antes, nem depois, a língua foi desenvolvida assim em todas as suas virtualidades. A tal ponto que, na formulação de um de seus primeiros e melhores críticos, Cavalcanti Proença,
1
ele chega a se
confundir com a língua, colocando-se em seu ponto inaugural e, a exemplo dela, criando incessantemente. Assim, por exemplo, toma a liberdade de trocar um sufixo por outro (prefere "abominoso" a abominável). Ou deriva um adjetivo, até então inexistente, de um substantivo; ou o contrário. Ou ainda inventa um verbo, a partir da enumeração das vogais ("o vento aeiouava"). Ou cunha um nome próprio, juntando o pronome de primeira pessoa em 1
M. Cavalcanti Proença, Trilhais no Grande Sertão. Rio de Janeiro:
MEC.1958.
várias
línguas
—
que,
pronunciados
à
brasileira,
se
tornam
irreconhecíveis — para batizar a personagem Moimeichego (moi, me, ich,
ego). E assim por diante. O escritor está reproduzindo os processos de criação da própria língua. Dedicou-se incansavelmente a atacar o lugar-comum, que jamais utilizava, a menos que fosse para criar um análogo, antes escrevendo "antenasal de mim a palmo" que "a um palmo diante do nariz". Esse propósito de inovação lingüística manifesta-se a todo momento em sua obra; e ele também se pronunciou a respeito em entrevistas e declarações. Outra razão pela qual a leitura de Guimarães Rosa é uma experiência imperativa reside em sua capacidade de fabulação. Raramente houve na literatura brasileira um autor tão prolífico em diferentes enredos, com suma capacidade de inventar tramas e personagens. Dentre estas, ao se concentrar nas que elegeu, o escritor como que dignifica o sertanejo pobre, mostrando como o mais papudo dos catrumanos dos cafundós pode aspirar às transcendências e se entregar a especulações metafísicas sem precisar sequer saber ler. Este livro tem por objetivo apresentar a obra do escritor, examinando-a de diferentes perspectivas. Um primeiro Capítulo cuida de determinar o lugar que ocupa na literatura brasileira, mostrando como
sua
originalidade
o
torna
incomparável,
embora
tenha
precursores. O capítulo 2 se concentra em esmiuçar o mais importante de seus livros, e único romance, Grande Sertões: Veredas (1956), assumindo que todos os grandes achados de sua ficção se encontram ali sintetizados.O terceiro capítulo é dedicado ao restante da obra de Guimarães Rosa, analisando desde Sagarana (1946), passando por Corpo de Baile (1954), Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia - Terceiras Estórias (1967), até seus dois livros póstumos. Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970). O capítulo seguinte fornece os traços biográficos do escritor. E a conclusão faz um balanço de seu papel em nossa cultura.. Completa este livro uma biografia de e sobre o autor, em que se
procurou selecionar o que é, de fato, tanto indispensável quanto ilustrativo do amplo espectro teórico e crítico que essa obra suscitou.
1. O L UGAR DE GUIMARÃES ROSA NA L ITERATURA BRASIL EIRA
REGIONALISMO, REGIONALISMOS
O regionalismo
2
foi uma manifestação literária que em parte
se opunha ao que ocorria nas matrizes européias, por isso reivindicando a representação da realidade local, e em parte as prolongava, ao aceitar normas que de lá emanavam. Passou por várias metamorfoses, como se verá a seguir. No início, ao aparecer como nativismo, finca raízes na descrição da especificidade da nova terra, dando ênfase àquilo que lhe é característico, para efeito de propaganda, como o fizeram os cronistas coloniais. Daí uma predominância do pitoresco, que se revela nas enumerações de animais e frutas estranhos, com nomes também estranhos. O advento do romantismo, coincidindo com a independência política, só viria a acentuar tais traços. Se essa escola redescobre o folclore, pesquisando os contos e cantos do povo na Europa, vinha a calhar para os escritores nacionais a valorização da cultura popular no país. Sua principal personagem seria o índio, escolhido como emblema da nacionalidade para marcar a diferença com relação ao colonizador português. Número considerável de patriotas, nesses meados do século 19, trocou seus patronímicos castiços por nomes indígenas, numa verdadeira moda. Repetindo o movimento habitual, o índio das Américas adquiriu estatura de protagonista antes na França, com Chateaubriand, para só depois se tornar nosso primeiro herói literário, assinalando a modalidade nativa de romantismo, ou seja, o indianismo de José de Alencar e Gonçalves Dias. 2
Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins,
1959. José Aderaldo Castello, A Literatura Brasileira. São Paulo: Edusp, 1999. Ligia Chiappini Moraes Leite, "Velha Praga? Regionalismo Literário Brasileiro". Em: Ana Pizarro (org.), América Latina - Palavra, Literatura, Cultura. Campinas: Unicamp, 1994, v. II.
O desenvolvimento das letras tendo por foco a Corte, posição que o Rio de Janeiro ocupou como capital do país durante dois séculos, até a transferência para Brasília em 1960, suscitaria reações localistas, tanto no sul quanto no norte do país.Tais reações acusam a literatura da Corte daquilo que hoje chamaríamos etnocentrismo, opinando que o Brasil autêntico fica no interior e não no litoral deslumbrado pela Europa, a quem macaqueia. E reivindicam uma expressão tanto própria quanto autônoma de sua peculiaridade. Assim nasceu aquilo que se conhece como o primeiro
regionalismo, subproduto do romantismo. Foi também chamado de sertanismo, porque trouxe o sertão para dentro da ficção, onde teria longa vida. Manifestando-se entretanto com contornos pouco precisos, pode-se dizer que sua vigência recobre bem meio século, pelo menos desde quando já ia avançado o romantismo, passando pelo naturalismo até atingir o limiar do modernismo. Nesse amplo guarda-chuva cabem pioneiros como Bernardo Guimarães, Taunay e Franklin Távora. O próprio Alencar, de importância seminal em nossas letras, entre as muitas obras que escreveu procurando realizar sua ambição de cobrir o país no tempo e no espaço, é autor de vários livros regionalistas. Para todos, o interesse central estava no pitoresco, na cor local, nos tipos humanos das diferentes regiões e províncias. Anos depois surgiria um segundo regionalismo, sob o influxo do naturalismo, em reação ao romantismo, rejeitando vários de seus achados e propondo outras sondagens. Destacam-se Inglês de Sousa, Oliveira Paiva, Rodolfo Teófilo, Afonso Arinos, Domingos Olímpio. A reação contra o romantismo precedente implicou em busca de descrição desapaixonada dos fatos, preocupação com os determinismos e com a ciência, frio diagnóstico, pessimismo e fatalismo. Generalização entretanto injusta para com alguns livros que, ao alcançar um nível mais alto de elaboração literária, escapam parcialmente ao bitolamento naturalista, como Dona Guidinha do Poço, de Oliveira Paiva, e Pelo
Sertão, de Afonso Arinos. Pode-se ainda afiliar a esse segundo regionalismo de recorte naturalista alguns tardios, já pré-modernistas, sobretudo paulistas, focalizando a cultura caipira, como Monteiro Lobato e Valdomiro Silveira. Contemporâneo deles é um gaúcho dedicado às histórias e às figuras de seus pagos, Simões Lopes Neto. A relevância de sua reduzida obra, embora com resultado diverso, é algo que partilha com Valdomiro Silveira, e reside prioritariamente na criação de uma "fala" própria em primeira pessoa e em sua atenção à mimese da oralidade. A essa altura, entre a primeira e a segunda leva regionalista, já estavam completados, e foi tarefa levada a cabo com empenho e escrúpulo por pelo menos duas gerações de escritores, tanto o mapeamento da paisagem e das condições sociais, quanto o inventário dos tipos humanos que se espalhavam pela desconhecida vastidão do país: o caipira, o bandido, o jagunço, o caboclo, o cangaceiro, o vaqueiro, o beato, o tropeiro, o capanga, o garimpeiro, o retirante. Não se pode minimizar na seqüência dos regionalismos o impacto da publicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha, em 1902. Certamente filiado aos padrões estéticos do naturalismo, embora matizado de parnasianismo e até de romantismo, sua sombra pairou sobre a literatura brasileira com uma intensidade que excedeu de muito a seu tempo. No entanto, o filão regionalista mostrava-se tão rico que ainda não se esgotara e voltaria com forças renovadas após o modernismo dos anos 20. Este, no seu afã de desprovincianizar-se e alçar-se ao patamar das vanguardas européias, apesar de todo o seu nacionalismo torcera o nariz para o regionalismo e o decretara de má qualidade estética, bem como inteiramente equivocado quanto aos propósitos de dar a conhecer o Brasil. O melhor exemplo é Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, teórico e principal artista da escola, que esboça o panorama do Brasil em sua totalidade mas deliberadamente confunde as diferentes regiões e
aquilo
que
as
"desgeograficação".
caracteriza,
praticando
o
que
chamava
de
O REGIONALISMO DE 30 E O ROMANCE
SOCIAL NORTE-AMERICANO
Se para o primeiro regionalismo a inspiração tinha provindo do romantismo e para o segundo do naturalismo, o terceiro, que se tornaria conhecido como "regionalismo de 30" 3, beberia em outras fontes. No período entre as duas guerras mundiais, de 1918 a 1939, viveu-se intensa polarização política. Solicitados por crises sociais sem precedentes, ainda em pleno rescaldo daquela que foi a primeira guerra total, envolvendo o planeta por inteiro numa globalização armada até então inédita — e às voltas com uma escalada de conflitos que prenunciava a próxima guerra, mais cruel ainda —, intelectuais e artistas no mundo todo, bem como no Brasil, se arregimentavam à direita ou à esquerda. De preferência, à esquerda. Um período que assistiu à ascensão dos totalitarismos por toda parte — fascismo na Itália, Espanha e Portugal, nazismo na Alemanha, peronismo na Argentina, ditadura e Estado Novo de Getúlio Vargas no Brasil, para não falar no integralismo de Plínio Salgado — só podia mesmo convocar os intelectuais a uma maior participação na luta contra os regimes de exceção. Como não podia deixar de ser, essa arregimentação deixou marcas nas artes e na literatura um pouco por toda parte. Uma das realizações mais interessantes dela, à esquerda, foi o romance social norte-americano. Nas décadas de 20 e 30, exatamente nesse período entreguerras que estamos recortando, surge com pujança uma novidade literária, constituindo uma espécie de neonaturalismo em seu empenho de denúncia da injustiça, da iniqüidade, do preconceito sob todas as suas
formas — de classe, de raça etc. Em sua preocupação social, seu mestre é o francês Emile Zola (1840-1902), principal ficcionista do naturalismo, com vasta obra que traça o painel dos males da sociedade francesa da
belle époque. Com berço nos Estados Unidos, teve como pano de fundo a Grande Depressão, cujo pináculo foi o craque da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. A crise só viria a ser estancada pela prosperidade trazida pelos investimentos industriais em armamentos e outros equipamentos bélicos, já preparando a Segunda Guerra Mundial. Os principais nomes da nova tendência são Theodore Dreiser, Upton Sinclair, Sherwood Anderson, Michael Gold, Erskine Caldwell, John Steinbeck, Sinclair Lewis, John dos Passos. E ela acabará atingindo pelo menos os inícios do jovem Hemingway, também ele jornalista, também de esquerda, também crítico da sociedade americana. Embora seja injusto deixar de lado o maior deles, William Faulkner, com o qual acontece o que sempre acontece com os muito grandes: não cabe muito bem nessa nem em qualquer classificação. Os três primeiros surgiram ainda antes do período acima definido. Destacam-se como pioneiros, todos eles socialistas e acusadores impiedosos da sociedade norte-americana, principalmente pelo culto ao dinheiro acima de tudo, com seu poder de corrupção e degradação
moral.
Aliás,
um
bom
número
desses
escritores
neonaturalistas era jornalista de profissão e socialista por convicção. Como se pode verificar no que escreveram, a busca de uma prosa desataviada, bem próxima da escrita para periódico, caracteriza a todos eles — novamente, exceto Faulkner. Hoje em dia não dá para imaginar a influência que exerceram, entre nós, em toda a América Latina e na Europa. E, principalmente, a escala em que eram lidos, pois tornaram-se best-sellers em seu próprio país e pelo mundo afora. No Brasil foram muito divulgados por várias editoras, destacando-se entre elas a Globo, de Porto Alegre, que os publicou a todos. Como vimos, os autores do romance social norte-americano são 3
Antonio Candido A Revolução de 1930 e a Cultura". Em: A Educação Pela Noite
de esquerda e, se não revolucionários, ao menos reformistas. Praticando uma literatura empenhada, tiveram enorme divulgação e repercussão em seu tempo, em seu próprio país e além fronteiras, inclusive na exigente Europa. Faziam uma literatura mais fácil de ler do que aquela das vanguardas (por exemplo, James Joyce), nisso já pressagiando a indústria cultural. Esta optaria sempre em favor do mais fácil, do simplificado, relegando a alta literatura - aquela cuja forma é esteticamente informativa — a um pequeno círculo de leitores sofisticados, cada vez mais exíguo. Sintonizavam com pelo menos parte do público à época, na tomada de consciência quanto à miséria. Reivindicavam reformas que minorassem os sofrimentos dos pobres e oprimidos. Acusavam os ricos e poderosos das condições iníquas da sociedade. Mostravam-se mais despreocupados com a forma e mais preocupados com os conteúdos. O impacto que causaram pode ser medido pelo número de prêmios Nobel que conquistaram. Sinclair Lewis (1930) foi o primeiro norte-americano a ser agraciado com esse galardão, que depois coube a Faulkner (1949), Hemingway (1954), Stembeck (1962). Com os quais, se juntarmos em registro parcialmente diferente e para cima o notável dramaturgo Eugene 0'Neill (1936) e em plano inteiramente diferente e para baixo a romancista popular Pearl S. Buck (1938), teremos uma boa avaliação do peso das letras dessa nacionalidade no período. Depois dessa constelação, a premiação americana minguará outra vez. Foi a primeira vez que a cultura norte-americana suplantou a européia em nosso país. E nunca mais a Europa retomaria sua ascendência perdida. Quanto aos nossos autores, hoje é quase dispensável apresentálos, tal a hegemonia exercida durante longo tempo pelo regionalismo de 30, desde que se tornou a vertente dominante na prosa brasileira. O afã ao mesmo tempo cosmopolita e nacionalista do modernismo, que afinal se encenara todo no eixo São Paulo-Rio, somado a sua altíssima qualidade estética, fora incapaz de impedir um novo surto regionalista. Ao contrário do modernismo, que privilegiava a poesia, a voga em
ascensão investe tudo no romance, gênero certamente mais popular, mais impermeável a vanguardismos e menos requintado. Com instrumentos mais aguçados que os regionalismos anteriores, tinha todo o ar, devido a sua simultaneidade, impressionante volume e ineditismo, de ser propriamente uma escola, e vinda dos estados do Nordeste.4 Historiadores e críticos são concordes em considerar como marco inaugural A Bagaceira (1928),de José Américo de Almeida, da Paraíba. Ali já se notam certas coordenadas que se farão recorrentes, desde o entrecho que expõe um drama humano local, até a presença de coronéis, de retirantes, da seca, da paisagem característica e das relações sociais. Em rápida seqüência, estrearão e dominarão com seus romances a cena literária por vários decênios, com apogeu nos anos 30 e 40, Rachel de Queiroz, do Ceará, José Lins do Rego, da Paraíba, Graciliano Ramos, de Alagoas, e Jorge Amado, da Bahia, afora uma verdadeira plêiade de autores menores. Seria injusto, por não ser nordestino e pouco ter de rural, ao contrário erigindo romance após romance um painel da pequena burguesia urbana gaúcha, bem como uma saga da colonização do extremo sul arrancando do campo, deixar de citar Erico Veríssimo. O fato é que essa safra de ficção ao rés-do-chão, aspirando ao documentário, constituiu um cânone ainda vigente em nossos dias, impondo a norma à literatura brasileira, impedindo por longos períodos que houvesse percepção estética de autores que não atuassem dentro de seus ditames. E, porque coincidiu com a formação de um mercado editorial e de um público leitor, também explica em parte a persistência das ramificações do naturalismo como principal programa estético-literário entre nós.
4
Sérgio Miceli, Intelectuais e Classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979
A OUTRA FACE DA MOEDA: A "REAÇÃO ESPIRITUALISTA"
5
Entretanto, nem tudo era regionalismo no panorama literário brasileiro. Uma outra linha, certamente recessiva e abafada pelo estrondoso sucesso, inclusive de vendas, dos regionalistas, tenazmente produzia, mesmo que com menos estardalhaço. E viria, a seu tempo, a gestar pelo menos um escritor extraordinário na pessoa de Clarice Lispector, embora essa gestação implicasse num salto qualitativo e numa espécie de superação tanto da negligência com o burilamento formal quanto da fragilidade de estruturação. Nessa outra face da moeda, o documento a que aspirava o romance regionalista passa longe. Nada de documental nem de engajamento, tampouco. Esses escritores, cada um à sua maneira, voltam as costas ao social e à militância, para embrenhar-se nas entranhas da subjetividade. Muito interessante é que suas afinidades eletivas provenham de outras paragens que não aquelas para as quais se voltava o romance regionalista: da França, sobretudo. A grande sombra fecundante que paira sobre a ficção introspectiva é o romance católico francês de entreguerras, prolongando-se pelos anos 40 e 50. Lidas, relidas, assimiladas e depuradas são as obras de romancistas como Georges Bernanos, François Mauriac, Julien Green, e a doutrinação de Jacques Maritain. Esse romance quase nunca é rural nem propriamente urbano, porém de matéria provinciana ou interiorana, de pequenas cidades; ou, mesmo quando rural, a discussão se entabula no plano dos problemas urbanos. Compraz-se na decadência e na degradação moral de fim de raça. 5
Comparecem
incestos,
aleijões
psíquicos
resultantes
de
Alceu Amoroso Lima, "A Reação Espiritualista". Em: Afrânio Coutinho (org.), Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986, v. IV, 3. ed., revista e atualizada.
endogamia e consangüinidade, patriarcalismo incontrastado com opressão de filhos e mulheres, estados mórbidos, crimes, taras e perversões, mostrando-se afim ao naturalismo. Os
romances
dos
discípulos
desses
autores,
além
de
reivindicarem com ênfase uma espiritualidade que supunham perdida ou pelo menos extraviada no panorama artístico nacional, apregoavam o Mistério, assim com letra maiúscula. Suspensos entre o pecado e a graça,escrevendo aborda do inefável,sustentando que os problemas materiais — miséria, injustiça, opressão -nada significam quando comparados à salvação ou perdição da alma, esses escritores e seus escritos operam por dentro de uma introspecção levada ao limite. Tudo se passa como se quisessem perquirir uma imensa problemática espiritual, encenando-se no íntimo de cada um, enquanto recuperavam a dimensão da subjetividade — mas uma subjetividade bem singular, vivendo o drama católico. Em suas obras vamos nos deparar com os embates entre o Bem e o Mal, a escuridão da alma, a obsessão com a transcendência, o senso do enigma latente na existência, a onipresença do pecado em meio à demanda desesperada da perfeição, confrontada com a abolição dos limites. De um lado, o confinamento na problemática cristã resulta no ensimesmamento trazido por uma busca incansável do sobrenatural. De outro, desemboca na angústia da cisão entre o apelo místico e o aprisionamento na vileza da carne. Tudo isso num clima de pesadelo, facultando os vários rótulos atribuídos a essa linha literária, como os de romance de atmosfera, ou intimista, ou introspectivo, ou de sondagem interior. Seja como for, certamente encarna com vigor uma reação contra a particularização do regionalismo: esse romance é universalizante. Por isso, seus autores manifestam horror à cor local, ao pitoresco, à exuberância dos trópicos, ao típico, à imanência de um mundo sem Deus. Nisso, dessolidarizam-se dos regionalistas de 30 no que estes têm de ateus ou agnósticos, abstendo-se de tocar em assunto religioso, a não ser para zombar abertamente do caráter interesseiro do
clero e da beatice dos fiéis, denunciando a cumplicidade da hierarquia da Igreja com os opressores. É de se notar que, enquanto o modernismo se dá como um fenômeno primordialmente paulista, passando-se em São Paulo entre escritores paulistas, e o regionalismo de 30 é coisa de nordestinos, como vimos, já essa outra face da moeda do romance de entreguerras tem seu chão no Rio de Janeiro, seja entre os nascidos ali mesmo, como Octavio de Faria, ou perto, como Cornelio Pena em Petrópolis, migrados de Minas, como Lúcio Cardoso, ou da Bahia, como Adonias Filho. Na capital do país, aproximam-se todos do grupo católico liderado por Tristão de Athayde, pseudônimo do influente crítico e teórico Alceu Amoroso Lima, que organizou o ideário e escreveu sobre o romance espiritualista, e pelo pensador católico Jackson de Figueiredo, criador, em 1922 — ano da Semana de Arte Moderna e da fundação do Partido Comunista —, do Centro Dom Vital, no Rio, de reavivamento católico. Quando Jackson de Figueiredo morre em 1928,Tristão de Athayde coincidentemente se converte e assume a direção daquele Centro. Todos gravitavam na órbita da revista católica A Ordem. Esse caldo de cultura, muito influente à época, também produziu, além dos romancistas, importante poesia e ensaio. Os citados são apenas os autores de maior renome, havendo um número respeitável de escritores à época que se pautavam pelo mesmo ideário. Em doses diversas, e variando conforme a personalidade artística de cada um, percebem-se todavia elementos comuns na obra de todos eles. Uma certa vivência exasperada da derrocada, meditação torturante da subjetividade, preocupação com a fatalidade, religiosidade assumida ou negada que eclode em obsessão com o pecado, uma busca da transcendência e até do sobrenatural na ficção. A reação espiritualista no romance, a exemplo do regionalismo, tampouco se desprende de todo do naturalismo, no fatalismo com que abre espaço às forças atávicas e hereditárias, aos instintos, à irracionalidade. Contribuem para esse efeito a escavação introspectiva e o aprofundamento de certas técnicas literárias típicas do século 20,
como o monólogo interior, o fluxo da consciência, e tudo o que desagregasse o discurso, que assim pretendia ser fiel e colado ao que se postulava como o verdadeiro funcionamento da psique. Nem sempre é fácil distinguir com clareza uma e outra face da moeda, havendo de permeio um território de transição que muitos autores perlongaram, e em que alguns perderam o rumo. E, se Lúcio Cardoso começou pelo regionalismo, com Maleita, também Caetés e ainda mais Angústia, de Graciliano Ramos, assim como parte da obra de José Lins do Rego, por exemplo, têm um inegável ar de parentesco com esse romance de atmosfera e de indagação interior. E bem mais se pensarmos na busca de uma transcendência sem Deus. É
nesse
panorama
literário,
basicamente
bipartido,
que
Guimarães Rosa vai fazer sua aparição, operando como que uma síntese das características definidoras de ambas as vertentes: algo assim como um regionalismo com introspecção, um espiritualismo em roupagens sertanejas.
2. GRANDE SERTÃO: VEREDAS
Quando
Grande Sertão: Veredas é lançado, em 1956, já foi
precedido por Sagarana em 1946 e por Corpo de Baile igualmente em 1956. Até então conhecido por narrativas mais curtas — os contos do primeiro livro e as novelas do segundo —, Guimarães Rosa surpreendeu os leitores ao brindá-los com um alentado romance de quase 600 páginas. A reação da crítica foi instantânea e, após as polêmicas iniciais, acabou por proclamar seu romance uma obra-prima. Os estudos se multiplicaram imediatamente, os críticos mais reputados dedicando-se a analisar e interpretar o novo livro. Aqui finalmente se encontrava a verdadeira saga do sertão, como o próprio título indica. Não é só Grande Sertão: Veredas, mas toda a obra de Guimarães Rosa, de fato, que começa e acaba no sertão. Para sempre identificado ao sertão, esse é seu universo, seu horizonte, seu ponto de partida e de chegada.
O SERTÃO
Mas que sertão é esse? Geograficamente, não é o do Nordeste, do Polígono das Secas. É outro, bem menos conhecido e explorado artisticamente, seja pela literatura, seja pelo cinema: é o sertão do estado de Minas Gerais. É importante precisar essa distinção, porque, diferentemente do sertão calcinado e trilhado pelos retirantes de, por exemplo, Vidas
Secas, de Graciliano Ramos, este é um sertão caracterizado por aquilo que se chama localmente os campos gerais, com suas pastagens boas para gado, a perder de vista. E — pasmem — pela abundância de água, tantos são os rios que o cortam, dos quais o principal é o grande São Francisco, com seus numerosos afluentes. O leitor de Guimarães Rosa deve, portanto, habituar-se à idéia de um sertão que não é pardo nem
árido. A bela oposição entre seco e úmido, uma das mais assentadas na literatura de todos os tempos — a se fazer notar desde a Bíblia — , desempenha um papel de primeiro plano na obra de nosso escritor, que soube reconhecê-lo ao intitular seu único romance como Grande Sertão:
Veredas. Nesse título, armado em antítese, a palavra "vereda" não tem o sentido corrente de "caminho" ou "via", mas sim o significado local e regional, que só adquire lá mesmo nos campos gerais, de "regato" ou "riozinho". O grande sertão, ou espaço circundante abrangente e presumivelmente árido, é recortado por mil e um desses riachinhos, como a própria obra rosiana não se cansa de explicar em várias passagens. Não se pode, tampouco, ignorar o significado simbólico que se superpõe a esse, literal: o de um espaço amplo e perigoso, cheio de percalços e armadilhas, verdadeiro labirinto existencial, mas que admite brechas levando a saídas, vias de comunicação — talvez vias de salvação. Superpondo-se ainda a esse, mas com ele coincidindo, encontramos um sertão mítico, onde em jogo está a salvação ou perdição do ser humano, mero peão na eterna batalha entre Deus e o Diabo. Esse é o espaço ao mesmo tempo geográfico, simbólico e mítico onde se desenrola a obra de Guimarães Rosa. Ao escrever o romance, marcado pelo signo da ambigüidade,
6
Guimarães Rosa mitifica esse grande espaço interior do Brasil que é o sertão, recolhendo as sagas dos guerreiros que o habitaram. Um espaço sem fronteiras interiores nem exteriores, tendo por pontos de fuga no horizonte, aludidos mas nunca mostrados, a cidade e o mar. Um espaço onde o maravilhoso e o fantástico fazem parte da vida cotidiana.
6
Walnice Nogueira Galvão, As Formas do Falso — um Estudo Sobre a Ambigüidade no Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Perspectiva, 1972.
OS JAGUNÇOS
Desde a descoberta do país, o sertão fixou-se nos escritos dos cronistas e viajantes - nossos primeiros historiadores —, mas também na ficção em prosa e na poesia, como um território desconhecido, palco de violência e de ausência da lei. Apoiando-se sobre a tradição oral, o romance de Guimarães Rosa não podia deixar de ser uma história de bandos e de bandidos. O bandido que o habita — o jagunço — ocupa tanto o imaginário popular quanto o literário. Nesse caso, cabe-lhe um lugar central nas reflexões de Riobaldo, o narrador-protagonista, ele mesmo jagunço e outrora chefe de bando, ora praticando a autobiografia para um interlocutor empático. Do que se sabe a seu respeito na história de nosso país, o jagunço não é um criminoso vulgar. Seus crimes revelam um laço com a honra e com a vingança. O jagunço não age isolado, mas sempre coletivamente: não é um assassino nem um ladrão, mas um soldado em guerra que devasta e saqueia. Nas palavras de Riobaldo, ao advogar a absolvição de Zé Bebelo: "Que crime? Veio guerrear, como nós também [...]. Crime que sei, é fazer traição, ser ladrão de cavalos ou gado... não cumprir a palavra..." (p. 252). Esse romance mantém vivas as duas faces do jagunço: a das proezas cavalheirescas de justiceiros prontos a defender a causa dos oprimidos (cujo modelo é Robin Hood) e aquela dos atos de crueldade gratuita. Basta lembrar as dificuldades enfrentadas por Euclides da Cunha ao escrever Os Sertões. Dilacerado entre a admiração que sentia pela resistência heróica dos homens de Canudos e o asco que suscitava nele essa horda de "fanáticos" ignorantes e supersticiosos, recorre às antinomias e antíteses, em busca de uma síntese que incessantemente lhe escapa.
Grande Sertão: Veredas mostra como num país imenso, de território quase infinito, o exercício privado e organizado da violência a
serviço dos poderosos sempre constituiu a regra, e não a exceção. Aí radica um dos fundamentos de uma sociedade sem par em sua iniqüidade. Outros fatores, como a escravidão, por exemplo, só concorreriam para agravar esse quadro. A presença de uma força armada a serviço de um proprietário de terras, dentro de sua fazenda, desempenha um papel ao mesmo tempo defensivo e ofensivo: "todos donos de agregados valentes, turmas de cabras no trabuco e na carabina escopetada!" (p. 107). Esses sem-terra alugados do patrão servem para várias coisas: garantir os limites da propriedade, sem cessar contestados; grilar terras; eliminar adversários; organizar eleições, recorrendo à fraude e à intimidação, mobilizando os eleitores "de cabresto"; desencadear contendas ou reprimi-las. Na pertinência de suas análises, o romance expõe aos olhos do leitor, como a literatura sempre fez, a concretude dos fenômenos históricos, encarnados em personagens. Os estudiosos chamaram e chamam nossa atenção para o caráter rotineiro das diversas manifestações
de
violência
no
Brasil,
que
causaram
não
só
perturbações eleitorais no passado, mas também insurreições, rebeliões e golpes de Estado. Basta pensar em quão poucos anos de democracia resulta o saldo do século 20 entre nós, em sua maior parte dominado por ditaduras e estados de sítio. Isso deriva de um regime autoritário de dominação, onde todo poder emana do alto, de um lado, e de outro lado há uma ausência quase total de instituições de autodefesa do povo. Nesse ponto, a instituição da escravidão com mão-de-obra trazida da África foi decisiva. Toda atividade produtiva se concentrava nas unidades rurais, as fazendas, onde o trabalho compulsório era feito pelos escravos, submetidos a um só patrão, o proprietário. A margem dessa equação senhor/escravo, foi-se constituindo uma enorme população de homens livres, destituídos de todo poder econômico e político, dependente da boa vontade do proprietário para sua subsistência. Inteiramente ao abandono, sem quaisquer direitos civis, essa população por sua própria natureza inútil acabava por ser utilizada pelo fazendeiro para as mencionadas operações defensivas e ofensivas.
Cada fazenda, desde os primeiros tempos da colonização, contava com um verdadeiro exército particular. Com o passar dos anos, o caráter privado do poder efetivo vai-se transportar tal qual para os partidos políticos, desde o nível municipal até o do estado e da nação, de tal modo que o jagunço surge no próprio núcleo da organização social, econômica e política: não como um acidente, mas como uma necessidade histórica.
OS HOMENS E OS BOIS Recapitulando: o "sertão" designa uma zona vasta do interior do Brasil, o coração do país. Suas características físicas são variáveis, embora as associações de seca e de aridez sejam predominantes, e a vegetação típica a caatinga. Mas há ali também, como se mencionou, muitas pastagens naturais, ao longo das margens luxuriantes dos rios e das veredas que recortam o sertão mineiro. Numa tal diversidade, a unidade é fornecida pela presença constante do gado e pela prática da pecuária extensiva, com os animais criados soltos em largas extensões de território desabitado: "Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, ar-redado do arrocho de autoridade" (p. 9). E assim que o gado constitui o pano de fundo para o entrecho. E raro que apareça em primeiro piano, mas está ali para assegurar a continuidade do espaço, pontilhando-o com uma presença tão discreta quanto infalível. Os bois se fazem presentes na linguagem, indo desde os acontecimentos relatados até as imagens e as metáforas. Lá estão eles nos topônimos (Curralinho, Vereda-da-Vaca-Mansa-de-Santa-Rita,
Vau das Vacas — versão sertaneja de Oxford —, 7 Ribeirão Gado Bravo, Currais-do-Padre, Bambual-do-Boi, Lugar-do-Touro, Cachoeira-dosBois e muitos mais), nos nomes de guerra dos jagunços (Marruaz, João Vaqueiro, Carro-de-Boi), nas toadas que cantam (a Moda-do-Boi, "Meu boi preto mocangueiro", "meu boi mocho baetão" na cantiga de Siruiz), nos objetos de uso cotidiano feitos de couro e de chifre, reveladores de um modo de vida rústico. Enquanto excursionam, em sua vida errante, os jagunços cruzam freqüentemente com vaqueiros e boiadas. Os bois são indicadores preciosos para a sinalização: se ariscos, infere-se ausência de seres humanos; se gordos e prósperos, é porque os recursos naturais da área são propícios. E assim por diante. O
narrador-protagonista,
em
seu
discurso
campesino
e
sentencioso, profere provérbios que se referem ao gado: "Todo boi, enquanto vivo, pasta" (p. 422); ou "De graça berra é o boi, tirante a vaca" (p. 552). O gado vai também servir de material para a construção de imagens e metáforas referentes aos jagunços. Coletivamente, eles são assimilados a uma boiada. Só os chefes são comparados a bois individuais. E apenas os líderes supremos, capazes de agregar vários chefes com seus bandos, são comparados a touros. As figuras de estilo respeitam a hierarquia. A presença difusa e constante do bovino recria o universo da pecuária extensiva, onde o gado é criado solto e não estabulado. A origem dessa maneira de criar gado remonta aos tempos coloniais, quando a atividade econômica prioritária se resumia às plantações, às quais se reservavam as terras mais férteis e mais próximas do litoral, para minimizar os custos do envio da mercadoria para a metrópole. Espécie de parente pobre da economia colonial, a criação de gado dispensava investimentos e se contentava com um mínimo de mão-deobra. Era, todavia, indispensável, pois alimentava todos aqueles envolvidos na agroindústria, primeiro de cana-de-açúcar e mais tarde de café. Socialmente, era uma atividade atraente, pois reservava-se aos 7
Oxford" vem de ox (boi) e fora (passagem, vau, trecho raso do rio).
homens livres, porque os distinguia do trabalho manual dos escravos. Ainda mais, o cavalo é sinal de prestígio nessa sociedade rústica: "O pobre sozinho, sem um cavalo, fica no seu, permanece, feito numa croa ou ilha, em sua beira de vereda. Homem a pé, esses Gerais comem" (p. 351).
A PLEBE RURAL
Em nosso passado, esses homens livres, nem proprietários nem escravos, aumentaram tanto que chegaram a formar a massa da população brasileira, sempre à margem do processo produtivo principal. E aumentaram de duas maneiras. Primeiro, de modo vegetativo; segundo, quando do encerramento de um ciclo econômico. Foi o que ocorreu quando cessaram as bandeiras; quando as minas de ouro se esgotaram; quando o cativeiro foi abolido. Todas as administrações durante a Colônia, o Império e a República dão mostras de inquietação constante para com essa massa de gente potencialmente sediciosa, sempre alerta ao primeiro brado de insubordinação. Esses sem-terra, como eram carentes de tudo, de propriedade, de bens, de tradição, de raízes, de qualificação profissional, seu único meio de vida era colocar-se sob a proteção de um poderoso, alojando-se "de favor" em suas propriedades. Vêm daí as designações correntes de moradores ou agregados, prontos a remunerar o patrão com qualquer espécie de serviço. Desse modo, eles podiam ser, e foram invariavelmente, convocados todas as vezes que o exercício da violência era necessário à defesa dos interesses do senhor. Sem laços, sem raízes, desde então sem terra, como agora: em decorrência,
uma
extrema
mobilidade
horizontal.
Sempre
em
movimento, ao léu do destino e do arbítrio do patrão, como aparece claramente nas reminiscências de Riobaldo: "Quem é pobre, pouco se
apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: Zé-Zim, por que é que você não cria galinhasd'angola, como todo mundo faz?'" (p.41-2). A resposta vem na formulação magistral de Guimarães Rosa para a condição da plebe rural brasileira: '"Quero criar nada não...' — me deu resposta...'Eu gosto muito de mudar...'" (p. 41-2). Donde um individualismo avançado até o último grau. Frente à ausência de toda forma de organização para a defesa de seus direitos, à beira da anomia, seu bem mais importante reside em sua valentia, que compensa todas as carências. Como diz Riobaldo: "jagunço não é muito de conversa continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e desmisturam, de acaso, mas cada um é feito um por si" (p.29). Ou, comentando mais laconicamente essa mesma ordem de relações sociais: "Em jagunço com jagunço, o poder seco da pessoa é que vale" (p. 79). Todas as sutilezas do código jagunço exigem que Riobaldo, em seu percurso iniciático, dedique a elas o melhor de sua perspicácia. O que ele faz por etapas. Observa, de saída, que existem diversos chefes e muitos homens a eles submetidos. Pouco a pouco, percebe que, quando os chefes não são ligados por laços de sangue, o são por sua posição social e por sua riqueza. Deslancham, nessa condição, uma guerra privada, impelidos exclusivamente por motivos pessoais, aos quais seus subordinados não têm acesso. Um tal poder social e econômico repercute, evidentemente, em poder político, havendo dois grupos de alianças contrários um ao outro em cada município, o grupo da situação e o da oposição. Riobaldo, e com ele o leitor, fica ciente de que, no aparente caos de aglutinações e divisões, reina o processo de uma dessas alianças formadas para se opor à outra então eventualmente no governo. Pouco a pouco, Riobaldo descobre aquilo que vai enfim determinar toda a sua vida e seu destino pessoal: "Política! Tudo política e potentes chefias!" (p. 107).
A PERSPECTIVA FEUDAL
É corriqueiro que tanto a literatura quanto a historiografia brasileiras assinalem a equivalência entre a Idade Média e o universo do sertão. É uma maneira de dar foros de nobreza a um estilo de vida brutal,justificando
a
título
de
heroísmo
crimes
bárbaros
com
refinamentos de crueldade que um tal espaço difunde. Robin Hood, o Cid, Carlos Magno ou Parsifal são nomes convocados a todo instante. Se a representação medieval do sertão é corrente na literatura culta, nem por isso deixará de freqüentar igualmente a tradição popular. Seja na oralidade dos causos e das cantorias, seja na literatura de cordel: as camadas cronológicas se misturam, e o mais recente dos eventos se desenrola com toda a naturalidade em paralelo com aquele de outrora. Com a mesma profundidade histórica, acotovelam-se Roldão, Getúlio Vargas, Lampião, o presidente Kennedy, o padre Cícero, o Diabo, Genoveva de Brabante e outros. Um livro em particular constitui a fonte de uma enorme quantidade de cantigas, de folhetos de cordel, de figuras de folclore e até mesmo de nomes próprios. Trata-se da versão portuguesa de uma novela de cavalaria francesa, História do Imperador Carlos Magno e dos
Doze Pares de França. Constituída por um número incalculável de episódios finitos, estes se prestam à pinçagem e versão independente, a partir da leitura em voz alta feita para um auditório integrado pela família e pelos próximos. Romances e livros de memória testemunham a presença desse livro singular nos lares sertanejos. Mesmo não sendo citado pelo título, esse livro reponta a cada momento em Grande Sertão: Veredas.Jocz Ramiro é cognominado "parde-frança". Riobaldo se põe na pele de Gui de Borgonha, herói da novela de cavalaria e amado da princesa Floripes. Um dos dois traidores, Ricardão, é chamado de Almirante Balão, o vilão da novela. Ainda mais,
o estilo do romance se esforça por assimilar o modelo, dando foros de aventuras cavaleirescas às peripécias dos jagunços. Coroa o processo o apelo feito intermitentemente a um vocabulário arcaizante, advindo da literatura medieval: justas, torneios, ginetes e corcéis aparecem acoplados a abstrações da mesma proveniência, como honra, justiça, lealdade, palavra dada etc.
8
Se o modelo literário imita a Idade Média, já o jogo dos tempos permite uma grande flexibilidade de datação. Deliberadamente, os limites temporais se esfumam.Todas as vezes que aparece um documento comprobatório de um evento histórico bem preciso, o narrador recorre à fórmula coloquial "e tantos". Quando o romance se decide a apresentar,já em suas últimas páginas, a certidão de batismo de Diadorim, é para diluir a precisão da data em todo um século: "Registrado assim: num 11 de setembro de 1800 e tantos..." (p. 566). A soma das alusões, porém, mesmo que vagas; o nome de Diadorim, dentre os tantos Deodoros e Deodoras que se batizaram em homenagem ao marechal Deodoro da Fonseca após a queda da Monarquia; uma referência à passagem da Coluna Prestes etc, tudo isso define os contornos da República Velha, ou Primeira República (18891930). Se o sertão é o espaço, essa é a época do romance.
ZÉ BEBELO E A CENTRALIZAÇÃO REPUBLICANA
Enquanto durou essa época, que se concentrou na criação e consolidação das instituições republicanas, o país assistiu a constantes insurreições, que por vezes atingiram as raias da guerra civil. Foi a era da implantação do princípio da centralização nacional, à custa do princípio
federalista
ou
regionalista
representado
pelos
chefes
particulares com seus bandos armados. É o que se observa no entrecho 8
M. Cavalcanti Proença, op. cit.
do romance, um de seus maiores achados sendo encarnar em personagens esse processo histórico. Entre os chefes de jagunços estão aqueles do bom lado, como Joca Ramiro, ou do mau, como o arquivilão Hermógenes e seu aliado Ricardão: todos fazem parte da habitual aliança privada para a dominação local. Todos, salvo um, Zé Bebelo, o qual, juntamente com Riobaldo e Diadorim, constitui o trio central do romance. Zé Bebelo encarna o princípio da centralização nacional e a divisa da República,"Ordem e Progresso". A bem da ordem, almejando submeter a jagunçagem e pacificar o sertão: "Sei haja de se anuir que sempre haja vergonheira de jagunços, a sobre-corja ? Deixa, que, daqui a uns meses, neste nosso Norte não se vai ver mais um qualquer chefe encomendar para as eleições as turmas de sacripantes, desentrando da justiça, só para tudo destruírem, do civilizado e do legal!" (p. 125). A bem do progresso, visando a introduzir ali as benesses da civilização: "Dizendo que, depois, estável que abolisse o jaguncismo, e deputado fosse, então reluzia perfeito o Norte, botando pontes, baseando fábricas, remediando a saúde de todos, preenchendo a pobreza, estreando mil escolas" (p. 126). Coerentemente, fecha suas cartas com: "Ordem e Progresso, viva a Paz e a Constituição da Lei!"(p. 312). Embora não se contente em ser apenas altruísta e espere tirar proveito pessoal, inclusive uma cadeira de deputado, Zé Bebelo, ao arvorar-se em militante da modernização, conserva em mente os ideais da nação: "Agora, temos de render este serviço à pátria... tudo é nacional!" (p. 125). A tal ponto que Zé Bebelo vem a ser a única personagem capaz de raciocinar em termos que não os da tradição, ou de laços de sangue, ou de alianças privadas para dominação, mas de República e de canais democráticos.Tem por hábito, mesmo em meio ao fogo cruzado dos combates, fazer comícios políticos nos arraiais por onde passa e, como se não bastasse, incita Riobaldo a discursar também: "Ao que Zé Bebelo elogiou a lei, deu viva ao governo, para perto futuro prometeu muita coisa republicana. Depois, enxeriu que eu
falasse discurso também. Tive de. 'Você deve citar mais é em meu nome, o que por meu recato não versei. E falar muito nacional...'" (p. 128). Seu empenho na imposição da lei e na pacificação do sertão é tão acentuado que ele o manifesta aos berros mesmo enquanto atira nos outros. Seus gritos de guerra mais usados são "Viva a lei!" e "Paz!". Já os tendo ouvido, um trêmulo veredeiro se joga a seus pés e implora: "Não faz viva lei em mim não, môr-de-Deus, seu Zebebel, por perdão..."(p. 75). Ao que o chefe imediatamente aquiesce e o toma na garupa para levá-lo a jantar com o bando. Os traços positivos definidores dessa personagem introduzem a modernidade no contexto histórico de República Velha do romance: inteligência, sede de instrução, visão nacional.Todavia, como tudo nesse livro, ele próprio é ambíguo e sofre o peso de traços tradicionais negativos: a valentia acima de tudo, a ambição de poder pessoal, a utilização de jagunços para acabar com a jagunçagem. Finda por dobrar-se à lei do sertão, assumindo o comando de um bando que ele próprio antes combatera, e, como se não bastasse, tendo por alvo a execução de uma vingança privada sem qualquer ideal "nacional". Jamais conseguirá ser deputado. Já que não morreu pelas armas, à maneira tradicional, seu destino é degradar-se em mero comerciante. Tudo isso faz de Zé Bebelo uma personagem que se destaca entre os diversos chefes do romance. Enquanto os outros pairam num plano mítico, nebuloso e grandioso, ele renuncia a ganhar a admiração do leitor e do narrador por ser demasiado humano e muito ele mesmo com suas manias: seu apito de comando, suas interjeições — "Maximé!" — e xingamentos, sua tagarelice e suas veleidades de ser deputado. Até mesmo suas ligações com o governo central, que lhe fornece armas e financia seu bando, com o fito de acabar com a jagunçagem, colocam-no numa esfera diferente daquela dos demais chefes, todos pertencentes às alianças privadas de dominação.
A MATÉRIA DO SERTÃO
Afora as linhas mestras do corte cronológico que delimita a época do romance, as crônicas do sertão, especialmente aquelas da região do rio São Francisco, são o celeiro onde o anedótico se abastece. O entrecho se apresenta como um prolongamento ficcional das proezas sangrentas dos poderosos latifundiários do sertão, que preencheram os tempos do Império e o começo da República, e que hoje, ocupado o sertão, avançaram para novas fronteiras, a oeste e a norte. No romance, a todo momento surgem catálogos onde os nomes próprios e os topônimos das fazendas ou arraiais são fornecidos ao leitor, extraídos dessas crônicas. Por isso, o relato pulula de alusões a pessoas da região, de comprovada existência histórica, como "Domingos Touro, no Alambiques, Major Urbano no "Macaçá, os Silva Salles na Crondeúba, no Vau-Vau dona Próspera Blaziana" (p. 107). Até mesmo alguns de nome ainda mais improvável que os constantes nesse catálogo, como Rotílio Manduca e Antônio Dó, são pessoas históricas. Da matéria do sertão — termo usado aqui como se diz que tal novela de cavalaria pertence à "matéria da Bretanha"— a narrativa aproveita muitos outros elementos. Era costume que os jagunços de um bando assumissem coletivamente, como substantivo comum, o nome de seu chefe. Tal ocorreu com os feitosas, os brilhantes, os antunes, como no romance com os ramiros, os zebebelos, os hermógenes, os riobaldos. Do mesmo modo, o jagunço assumia um nome de guerra; e mesmo os mais célebres, como Lampião, estavam nesse caso Virgulino Ferreira recebeu a alcunha de Lampião porque atirava com tal rapidez que tudo clareava em volta. Seu irmão adotou o nome de Ponto Fino porque seus tiros costuravam cerrado — o que vai ao encontro do primeiro apelido de Riobaldo, o Cerzidor. Este receberá mais um apelido, o de Tatarana, "lagarta de fogo", antes de atingir a culminância da chefia e de um cognome ilustre como o de Urutu Branco, serpente das mais venenosas.Três vezes renominado, persiste a alusão à
excelência do tiro: primeiro como costureiro, depois como bicho que queima e enfim pela precisão do bote letal. O Liso do Sussuarão, definido como "o raso pior havente" (p. 34), se baseia no Raso da Catarina, no sertão da Bahia, com suas características físicas de extrema agrura, deserto onde Lampião se embrenhava com seu bando para escapar ao assédio das forças legais. Mesmo a utilização do zurro eqüestre como sinal convencionado para ordens de batalha está registrado nas crônicas. Não só pormenores anedóticos, mas o esteio da narrativa, que é a legenda do pacto com o Diabo e do corpo fechado, são das mais caras tradições da região e se aplicaram a todos os jagunços famosos. Assim, a "matéria do sertão" fornece ao romance o substrato que sustenta a fabulação ficcional.
O PAPEL DO NARRADOR-PROTAGONISTA
A situação de narrar que Grande Sertão: Veredas propõe mimetiza o testemunho de um velho jagunço chamado Riobaldo, agora retirado das lides guerreiras e, por artes que aos poucos se esclarecerão, transformado em próspero fazendeiro. Dispõe-se ele a contar a história de sua vida a um interlocutor letrado e urbano, que anota suas palavras: "— Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja" (p. 9). Por essa célebre frase se abre a narrativa, ou seja, por um travessão que é signo de fala, e de uma fala que só se encerra quase 600 páginas depois, sem divisão de capítulos. Esse travessão instaura um monólogo ininterrupto, que é um dos lados de um suposto diálogo, já que em nenhum momento aquele que monologa cede a palavra ao interlocutor. Mas este é postulado desde a primeira frase, pelo travessão e pelo tratamento respeitoso de "o senhor", que se
reitera até o fim. O interlocutor é interpelado, sempre dentro da fala do narrador, através de "respostas" que o narrador dá a suas presumíveis perguntas, em geral sugerindo pedidos de esclarecimento. E também através de alusões a suas características, como o uso de óculos e de uma caderneta de notas, ou a seus gestos, como o escrever e desenhar continuamente ao anotar o que ouve. Os elogios, até cômicos de tão exagerados, que o narrador faz ao interlocutor incluem alusões a sua "carta de doutor", ao fato de vir da cidade grande, a sua instrução e até a sua "suma doutoração" (p. 15). A oportunidade de atender à solicitação do interlocutor, que conhece sua fama de jagunço, se transforma numa verdadeira ocasião, aliás bem aproveitada, de passar a vida a limpo. Ou seja, construindo, com o auxílio do interlocutor, um texto de autobiografia que o ajude a compreender sua vida, segundo ele mesmo caótica, desnorteante. O monólogo funda a opção por um discurso "oral", que se expressa mediante interjeições, cláusulas exclamativas e interrogativas, frases truncadas. A opção pela fala é um feliz achado, pois confere ao romance unidade estilística, abolindo a multiplicação de recursos que obrigaria forçosamente uma variação dos pontos de vista ou focos narrativos. Pela boca de Riobaldo, são todas as personagens do romance que falam. Entretanto, trata-se de um discurso "oral"... que é escrito. Não se pode esquecer que foi a partir do modelo oral da fala sertaneja que Guimarães Rosa criou uma linguagem especial, nutrida de arcaísmos e de elementos eruditos. A verossimilhança de um jagunço dispor de uma tal linguagem reside em conferir-lhe um passado de letrado, do qual Riobaldo se vangloria, embora não tenha ultrapassado as primeiras letras. Foi ao se tornar professor e depois secretário de Zé Bebelo que acabou por entrar no ofício da jagunçagem. Até o fim, Zé Bebelo o chamará com todo o respeito de "Professor" — mas unicamente Zé Bebelo, contrastando com os demais, que utilizam suas três alcunhas de jagunço.
Dando a palavra a um jagunço, o romance ganha outra vantagem, ao eliminar o contraste canhestro, tão praticado pela prosa regionalista, entre uma linguagem pitoresca e folclórica, do sujeito analfabeto, e a norma culta, da classe a que pertence o escritor, que assim exibe ao leitor o exotismo do cangaço.
O PERCURSO DE RIOBALDO
Riobaldo, o narrador-protagonista, numa espécie de exame de consciência feito na velhice, analisa em retrospecto seu duplo destino de jagunço-letrado, por solicitação do interlocutor "mudo" e contando com sua parceria. Nascido pobre e bastardo, guarda uma boa lembrança da mãe, falecida quando o filho mal saía da infância. Rememora com freqüência o evento mais marcante dessa primeira parte de sua vida, a saber o encontro com o Menino, ao qual ele fará subseqüentemente repetidas alusões. Após a morte da mãe, Riobaldo é recolhido pelo padrinho Selorico Mendes — na verdade, o pai ignorado —, em cuja fazenda vai morar. É o padrinho quem o inicia nas artes da guerra e nas letras. O padrinho tinha ilimitada admiração pelos jagunços e gostava de se jactar das relações de amizade que tinha com muitos deles. Nessa ordem de idéias, põe nas mãos do afilhado diversas armas com as quais deve se exercitar. E, contrariado porque o pequeno, analfabeto, não consegue ler os documentos que lhe mostra para atestar sua familiaridade com jagunços célebres, decide enviá-lo à escola da aldeia mais próxima.
Na escola, Riobaldo mostra boa aptidão para os estudos. Mas não se sai tão bem nas tarefas da vida prática, extraindo por isso de seu hospedeiro na aldeia a seguinte observação:"Baldo, você carecia mesmo de estudar e tirar carta-de-doutor, porque para cuidar do trivial você jeito não tem. Você não é habilidoso" (p. 109). O professor, Mestre Lucas, confirma: "É certo. Mas o mais certo de tudo é que um professor de mão-cheia você dava..." (p. 109). A partir daí, Riobaldo passa a assistente de Mestre Lucas, na escolinha de primeiras letras. Ao saber, eventualmente, que seu presumível padrinho é de fato seu pai, Riobaldo foge de casa e arranja um cargo para ensinar numa fazenda por indicação de Mestre Lucas. Até aqui, dois arbítrios da sorte. Primeiro, a jagunçagem o joga nas letras, pois o pai o manda alfabetizar-se ao não conseguir ler os documentos comprobatórios de suas relações com chefes de bando. Depois, as letras o jogam na jagunçagem, o aluno que o aguarda na fazenda sendo ninguém menos que Zé Bebelo, influência maior na definição de seu destino. Devido aos brilhantes dotes do aluno, logo o professor nada mais tem a lhe ensinar. Mas aceitará o oferecimento do posto de secretário, assim permanecendo ao pé de Zé Bebelo. A fazenda deste está em pé de guerra, em meio aos preparativos de arrancada da campanha para acabar com a jagunçagem utilizando jagunços. Riobaldo, sem nada que o prendesse, segue junto, embora apenas como secretário nãocombatente. Mas um dia, presa de desgosto à vista de tanta mortandade, resolve fugir e abandonar aquela vida. O que faz, para melhor ser laçado por outro arbítrio da sorte, tornando-se mais completamente presa do destino. Pois, em meio à fuga, vai topar numa outra fazenda com o Menino, agora o adulto Diadorim, membro importante do bando de Joca Ramiro, que Zé Bebelo justamente combatia. O enredo é emaranhado, e a reflexão de Riobaldo também, pois se percebe joguete de forças que não compreende. Ao reencontrar o Menino, não mais o abandonará, e será ele quem determinará dali em diante seus passos. Passa a fazer parte do bando dos adversários de Zé
Bebelo e se tornará definitivamente um jagunço.
RIOBALDO E DIADORIM
No primeiro encontro entre ambos, ainda na adolescência, Riobaldo recebera do Menino uma lição de coragem quando da travessia do São Francisco numa canoa. No segundo encontro, arrebatado pelo fascínio de Diadorim, vai aprender em sucessivas lições de quanta coragem se precisa para ser jagunço. Sendo Diadorim filho secreto de Joca Ramiro, chefe do bando, estabelece-se entre os dois uma relação de amor e de morte, que se desenrola sob o signo de Deus e do Diabo. Nessa relação, a camaradagem viril se mistura a um desejo dos mais ambíguos, assim como o prazer da amizade entre ambos à guerra incessante em que estão empenhados. Disso resultará, por fim, a morte de Diadorim, da qual Riobaldo se sentirá culpado pelo resto da vida. Riobaldo demora um pouco a perceber que o que sente é amor, e amor por um outro homem. Sua perturbação é enorme, e ele chega a pensar em suicídio. Só saberá, para sua pena e alívio, que se trata de uma mulher disfarçada de homem nas últimas páginas do livro, quando Diadorim mata e morre, num duelo a faca com Hermógenes — assassino de seu pai, Joca Ramiro. Seu corpo vai ser preparado para receber a mortalha, quando também o leitor fica sabendo seu verdadeiro sexo. A essa ambigüidade se acrescentam os problemas inerentes à carreira de jagunço: vencer o medo, provar a destreza nos combates e, sobretudo,
empenhar
lealdade
a
um
chefe.
Tendo
pertencido
sucessivamente a vários bandos, às vezes inimigos uns dos outros, Riobaldo não tem clareza sobre suas próprias motivações. Persistem suas indagações sobre a justiça e sobre as causas últimas. Para obter a confiança de Diadorim, que jurou vingar o assassínio do pai matando o
Hermógenes e exige igual juramento do amigo, Riobaldo acaba por vender a alma ao Diabo em troca de atingir esse objetivo. A partir daí, diluem-se suas dúvidas, ele destitui Zé Bebelo e se torna chefe em seu lugar. Passa a ter apenas um alvo, inexorável: eliminar o Hermógenes. É o que se encontra resumido numa frase que serve de epígrafe ao romance, já na folha de rosto, e que é repetida inúmeras vezes: "O Diabo na rua, no meio do redemoinho". Frase que só se decifra quando Diadorim e Hermógenes afinal se defrontam e se entrematam no meio da rua, rodamoinhando um em torno do outro e levantando poeira. Desaparecidos o amigo e o inimigo, tudo fica sem sentido, e Riobaldo se retira da jagunçagem, para deitar-se na rede e ficar cogitando sobre sua vida, tal como o interlocutor virá encontrá-lo. Para Antônio Cândido, um dos primeiros estudiosos de Grande
Sertão: Veredas, nesse ponto, ao renunciar "aos altos poderes que o elevaram por um instante acima da própria estatura, o homem do sertão se retira na memória e tenta laboriosamente construir a sabedoria
sobre
a
experiência
vivida,
porfiando,
num
esforço
comovedor, em descobrir a lógica das coisas e dos sentimentos". O crítico adverte ainda o leitor de que deve dispor-se a "penetrar nessa atmosfera reversível, onde se cortam o mágico e o lógico, o lendário e o real. Só assim poderá sondar o seu fundo e entrever o intuito fundamental, isto é, o angustiado debate sobre a conduta e os valores que a escoltam" .
9
Assim termina e começa, ou começa e termina, encerrado o colossal percurso de sua narrativa, esse monumento tanto da obra de Guimarães Rosa quanto das letras em língua portuguesa.
9
Antônio Candido/'O Homem dos Avessos". Em: Tese e Antítese. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1964; p. 135 e 139.
3. DOS PRIMÓRDIOS AOS PÓSTUMOS
SAGARANA
Se Grande Sertão: Veredas é a obra-prima, Sagarana assinala o ponto de partida. Foi com ele que o escritor afinou seus instrumentos, sua maneira, sua linguagem, e circunscreveu seu espaço — este último tão decisivo e marcante em toda a sua obra. Inícios tateantes cobriram quatro contos publicados em revistas (três deles mostrando preferência por enredos localizados em países estrangeiros) e um livro de poesia, Magma, o qual, apesar de premiado, nunca obteve permissão do autor para vir à luz, o que só ocorreu décadas após sua morte. Nada tinham a ver com o que futuramente seria sua obra. Entrementes, candidata-se a um concurso literário, o prêmio Humberto de Campos da Editora José Olympio de 1938, com um volume modestamente intitulado Contos, tendo o júri agraciado outro concorrente. Não se sabe se foi a derrota que o desanimou, ou as dificuldades intrínsecas a uma mudança para fora do país, como exigia sua nova profissão, a de diplomata. O certo é que levou quase dez anos preparando o livro para publicação. E com certeza foi nessa lida insana que aprendeu seu ofício, tornando-se não só um escritor, mas um grande, um genial escritor. Sempre é de interesse verificar em que se constituiu essa aprendizagem, que provou ser um verdadeiro rito iniciático. Para começar, podou os escritos sem piedade. O volume foi reduzido quase à metade, passando de perto de 500 páginas para cerca de 300. Além disso, três dos contos foram sumariamente eliminados.
Sagarana finalmente foi publicado em 1946. Seu autor nada mais fez nesse período em termos de literatura, a não ser reescrever sem cessar o livro, agora integrado por nove contos, com extensões que
vão de 20 ("Sarapalha") a 65 páginas ("O Burrinho Pedrês"), todos já em plena "matéria do sertão". Além da matéria do sertão, também a linguagem já é a da maturidade - original, sem dúvida, a mais brilhante e estupenda das linguagens. E já, como sempre seria, baseada na oralidade sertaneja, com aproveitamento de regionalismos e de arcaísmos preservados no sertão, mas também adaptando estrangeirismos e criando neologismos. Essa mistura será a marca registrada de toda a obra do autor. Outro traço que será permanente aparece nesse livro de estréia: a extrema fertilidade em criar enredos. São tantos, tão variados e complexos que jamais se esgotariam e muito ainda renderiam. Mas vale a pena examiná-los mais de perto nesse livro. "O Burrinho Pedrês" conta uma estória (termo que Guimarães Rosa cunhou e divulgou, opondo-o, como em inglês, a "história") de cataclismo, na qual uma boiada e os vaqueiros que a conduzem são tragados pelas águas de um córrego avolumado pelas chuvas, só sobrevivendo um que cavalgava Sete-de-Ouros, o burrinho do título, e outro que se agarrou a sua cauda. "A Volta do Marido Pródigo" narra uma trama picaresca de politicagens eleitorais e introduz as estrepolias de um invulgar protagonista, Lalino Salathiel, que vende a esposa e depois a recupera de graça. "Sarapalha" apresenta dois primos a tiritar de malária e a ajustar velhas contas. Em "Duelo", dois homens se perseguem mutuamente com intuitos assassinos, sem se encontrar, ao azar do destino, que afinal cumprirá por linhas tortas seus desígnios. Em "Minha Gente", uma temporada na fazenda vale por uma aula de política dos coronéis para dois primos, um rapaz e uma moça.
Em "São Marcos", um tenebroso caso de feitiçaria produz cegueira temporária no protagonista, juntando-se a uma reveladora discussão sobre o canto e a plumagem das palavras. Em "Corpo Fechado", valentões se sucedem no arraial com um cômico episódio de fechamento de corpo que dá bom resultado. Em "Conversa de Bois", os animais justiceiros que puxam o carro entabulam diálogo, como nos tempos primordiais em que os bichos falavam, numa viagem que começa com o transporte de um defunto e termina com dois. E em "A Hora e Vez de Augusto Matraga" vamos nos deter um pouco, por se tratar do mais proeminente conto do livro, tendo uma recepção de alcance muito maior do que os restantes. Relata o percurso de um homem que começa mandão e prepotente e, ao perder tudo de uma hora para outra, vê-se vítima de um atentado, sendo jogado como morto de um barranco. Recolhido por um casal de pretos velhos que moram num rancho e por eles tratado, volta à vida e se arrepende dos pecados anteriores, tornando-se um penitente. Chegará às raias do martírio, ao se utilizar novamente da violência que renegara, porém imolando-se em lugar de uma pessoa indefesa. É assim que Matraga vai ao encontro daquilo por que tanto ansiava, sua hora e vez, na morte. Uma última palavra a respeito do título da coletânea. Apresentado ao concurso como Contos, um termo anódino, acabou ganhando outro, que faria história, e que revela um escritor já dono de seus instrumentos e neles confiante, sem temor de inventar um neologismo e uma sonora palavra cheia de aa. Ao somar o germânico "saga"10 ao sufixo tupi "—rana" ("à maneira de"), Guimarães Rosa mostra que está pronto para se dedicar ao restante de sua obra, sabendo o que está fazendo. 10
Saga: conjunto ou série de estórias orais; termo derivado do verbo "dizer",
portanto um índice épico.
Oswaldino Marques, um dos primeiros e mais sutis exegetas de
Sagarana, dedicou-lhe um estudo focalizando sobretudo a linguagem. Ali examina minuciosamente os processos de criação de neologismos, argumentando que eles não são ornamentais nem supérfluos, enquanto procura situar Guimarães Rosa entre os escritores de língua portuguesa: "Compreende-se, assim, que as suas exigências sejam de natureza substancialmente qualitativa, nunca quantitativa [...] A composição realizada [...] acabaria por impugnar toda deliqüescência sentimental, plasmando a maneira peculiar ao escritor segundo um anti-romantismo que é o traço que melhor o diferencia de seus pares, aqui e em Portugal. Não é por mera coincidência que se deve creditar a ele, de direito, a criação da prosa expressionista brasileira".11
CORPO DE BAILE
Mais dez anos sem livro, e em 1956 Guimarães Rosa surge logo com dois, ambos volumosos, tendo Corpo de Baile precedido Grande Sertão: Veredas por poucos meses. Do que foi essa experiência quase enlouquecedora o escritor deixou registro em cartas, ao confessar-se povoado por uma multidão de personagens. Novamente, observa-se não só o pleno domínio de uma linguagem própria, sabiamente manejada, mas, de modo semelhante, a pluralidade de enredos. De porte maior e mais extensas, essas novelas, como as rotulou o autor, são bem mais ambiciosas e de densidade maior que os contos de Sagarana. Para se ter uma idéia, aqui o tamanho das estórias varia entre 68 ("Cara-de-Bronze") e 138 páginas ("A Estória de Lélio e Lina"). 11
Oswaldino Marques, "Canto e Plumagem das Palavras". Em: A Seta e o Alvo.
Rio de Janeiro: MEC/INL, 1957; p. 26-7.
Na primeira edição preenchendo dois grossos volumes, da segunda em diante passariam a ocupar três. "Campo Geral", a primeira novela, tornou-se uma das mais estimadas de suas produções, devido ao encanto do protagonista, o menino Miguilim. É inesquecível o lance no qual, em meio a uma tragédia familiar e às dificuldades de ser criança, dão óculos ao menino, que não se sabia míope, e ele de repente descobre as belezas do mundo. Costuma-se ver nisso a transposição de uma experiência pessoal do escritor, a quem teria acontecido algo idêntico. Em
"Uma
Estória
de
Amor",
depois
republicada
como
"Manuelzão", o protagonista comanda uma festa de consagração da capela que mandou erigir em sua fazenda, ponto culminante de uma vida de trabalhos, no percurso da qual perdeu alguma coisa de espontâneo, o que o torna ressentido e cismado. Em "A Estória de Lélio e Lina", floresce uma amizade entre um moço e uma velha, fonte de iluminações para ambos. Em "O Recado do Morro", assistimos à tortuosa retransmissão de uma suposta mensagem, prevenindo e salvando a vida de uma personagem, enquanto paralelamente se vai compondo uma canção. Em"Lão-Dalalão", o protagonista recebe lições de vida da esposa, ex-prostituta que retirou da zona para com ela se casar, sem que se proíba de ter fortes ciúmes de seu passado, que fazem de seu cotidiano um inferno. Em"Cara-de-Bronze", o fazendeiro a quem cabe essa alcunha fica ancorado em casa e manda seu vaqueiro Grivo fazer o levantamento de tudo o que existe no mundo para vir contar-lhe de volta. Ele está interessado em conhecer "o quem das coisas". Em "Buriti", duas moças da cidade, cunhadas, mantêm-se sob a guarda de poderoso fazendeiro, das quais uma delas é a nora abandonada pelo marido. Outras personagens circulam, como o chefe Zequiel, que sofre de insônia e gasta a vigília a ouvir as vozes da noite. Oswaldino Marques também se manifestou sobre Corpo de Baile num pequeno artigo. Após assinalar novamente a riqueza da linguagem,
mas também a profundidade psicológica das personagens e o aproveitamento da épica dos vaqueiros, saúda "uma obra na iminência de se instalar na memória primigênia de um povo, reconvertendo-se [...] em folclore. A destinação, aliás, de todas as grandes criações do espírito humano é tender para o folclore como um limite".12 O tradutor de Corpo de Baile para o italiano, Edoardo Bizzarri, trocaria extensa correspondência com o autor, discutindo pormenores da tarefa. Depois publicaria as cartas de ambos em volume, elucidando os bastidores da criação rosiana de uma maneira até então inédita. O avanço estético do primeiro para o segundo livro é medido pela observação de que um conto de Sagarana, que anteriormente também traduzira, não passa de um "riachinho montano, nenhum milagre que suas águas permanecessem limpas e claras, borbulhadas de luz". Em contraste, o novo livro é "um bruto de um rio amazônico, cheio de tudo".13 Se por um lado essas novelas mantêm uma unidade, fornecida mais uma vez pelo espaço e pela linguagem, por outro lado seu elenco e suas tramas manifestam a diversidade exigida por uma leitura de alto teor.
PRIMEIRAS ESTÓRIAS Em 1962 vem à luz um volume fino, batizado Primeiras Estórias. Contém 21 contos, que vão de quatro ("Soroco, Sua Mie, Sua Filha") a 14 páginas ("Darandina"). Os contos encolhem enquanto seu número se multiplica. O livro se abre e se fecha com um menino visitando os tios numa cidade em construção — que se presume ser Brasília —, em meio a um 12
A Revolução Guimarães Rosa". Em: Oswaldino Marques, op. cit.; p. 175-6. 13 Edoardo Bizzarri (org.), J. Guimarães Rosa - Correspondência com o Tradutor
Italiano. São Paulo: Instituto Cultural Italo-Brasileiro, s/d; p. 105.
sofrimento infuso, mas permeado por epifanias desencadeadas pela visão de duas aves, um peru no primeiro conto, "As Margens da Alegria", e um tucano no último,"Os Cimos". Entre valentões locais e crianças em estado de graça, além de alguns relatos surpreendentes por seu cunho cômico, encontra-se nesse livro pelo menos uma obra-prima, "A Terceira Margem do Rio". Nesse conto, um homem, enigmaticamente, entra numa canoa e vai viver no meio do rio, sem nunca mais tocar em terra, resistindo aos apelos de sua família para que volte. Na eventualidade, seu filho permanece à beira do rio, mas, quando convocado a substituir o pai, vacila e não corresponde ao apelo, para ficar pelo resto da vida paralisado pelo remorso. Contrapõem-se aí com força duas imagens literárias: o rio, simbolizando a continuidade, e a canoa, a descontinuidade. Ambas se espelham, modificadas, no tempo, que é lentíssimo como o fluir ininterrupto do rio, e na duração de uma vida humana, que é extremamente curta. E uma nova oposição entre a fixidez das margens e o movimento das águas remete a uma terceira margem, que nunca é mencionada a não ser no título e que abre o relato para uma outra dimensão, a da finitude. Os laços de família aparecem aqui com todo o seu peso, acentuados pelo uso do possessivo plural de primeira pessoa: nunca se utiliza o singular, mas sempre se diz "nosso pai", "nossa mãe", "nossa casa" etc. O pai deseja que o filho o substitua na mesma canoa, mas o filho se assusta e refuga, desistindo de cumprir seu papel, por sua vez, de enfrentar a finitude, à qual, como todo vivente, está de qualquer modo condenado. Embora essa seja a mais impressionante, Primeiras Estórias é um livro que merece ser lido por inteiro. Outro autor de estudos clássicos sobre Guimarães Rosa, Benedito Nunes, nele enfatizou, entre outros méritos, a variedade a que é submetido um tema constante em toda a obra do autor, o da viagem: "Há também, a par de muitos périplos, andanças, partidas e chegadas
de Primeiras Estórias, a peregrinação sem horizontes, antecipação da morte, e voluntária provação". Mas por vezes também há o seu contrário: "no assomo de vitalidade [...] do velho de 'Tarantão meu Patrão', que, D. Quixote 'em maluca velhice', ganha o mundo, para pelejar a esmo, em ritmo de farsa, parodiando antigos e gloriosos rasgos dos Roldões e pares de Carlos Magno". 14
TUTAMÉIA - TERCEIRAS ESTÓRIAS
Não desmerecendo sua reputação de original, em 1967 Guimarães Rosa publica um livro com esse título, sem que existisse, como aliás nunca veio a existir, um com "segundas estórias". Acentuando a tendência ao encolhimento da extensão, acoplada à multiplicação do número, esse volume traz 44 textos. São 40 estórias e quatro prefácios, estes não acumulados no início, como seria de esperar, mas distribuindo-se a intervalos regulares. A maioria das estórias conta entre três e quatro páginas, uma ou outra mal chegando a cinco. Os textos maiores são os prefácios: dez páginas para o primeiro,"Aletria e Hermenêutica", e um exagero de 21 páginas para o último, "Sobre a Escova e a Dúvida". A razão — pelo menos a razão material — para a pequena extensão das estórias é o limite do tamanho da seção em que Guimarães Rosa as publicou primeiro, em Pulso, um jornalzinho de médicos. Os quatro prefácios entregam-se com prazer a especulações sobre a linguagem e o ato de narrar. Já as estórias tratam de assuntos variados, e mais uma vez assombra o leitor a capacidade do autor de criar intrigas tão originais e tão diferentes umas das outras, mais 14
Benedito Nunes,"Guimarães Rosa". Em: O Dorso do Tigre. São Paulo: Perspectiva, 1969; p. 177-8.
acentuada nesse caso por se tratar de 40 estórias num livro só. Entre os variadíssimos entrechos desse livro, a maioria deles tendendo para o inesperado, destaca-se "Desenredo", por sua perfeição e malabarismo. Nesse conto temos, em resumo, a estória de um homem que é sistematicamente traído por sua amada, que só é constante na traição. Sempre amante e disposto a recuperar a amada, ele se entrega à paciente operação de reinventar o passado, para desculpá-la e abrir as vias para que ela venha de volta. O conto é escrito com base nas construções fixas e já como que calcificadas ou solidificadas da língua, que vai sistematicamente desmantelando. Não contente de escrever uma estória em que desmente o lugar-comum da tradicional honra masculina que se lava com sangue, o discurso também se dedica a inverter os lugares-comuns da linguagem, um após o outro. Em vez do clichê "num abrir e fechar de olhos", temos "num abrir e não fechar de ouvidos". Em vez de "olhos de mosca morta", temos "olhos de viva mosca". Em vez de "cor de pão de mel", temos "morena mel e pão". O objeto central da inversão acaba por ser o provérbio, fórmula ossificada e conservadora. O narrador afirma que "a bonança nada tem a ver com a tempestade"— quando a sabedoria popular garante que "depois da tempestade vem a bonança"— ou então que "vá-se a camisa, que não o dela dentro" (em vez de "vão-se os anéis e fiquem os dedos" e "o homem feliz não tem camisa"). Negando os provérbios existentes, o conto se esmera em criá-los inéditos, como: "todo abismo é navegável a barquinhos de papel" ou "de sofrer e amar, a gente não se desafaz". Tudo isso para narrar um caso que também é o contrário de um clichê. No fim das contas, Tutaméia — Terceiras Estórias vem a ser o mais minimalista dos livros de Guimarães Rosa. Suas narrativas estão dispostas em ordem alfabética, conforme a inicial do título. Traz dois índices — um de leitura, no início, e outro de releitura, no fim — e os índices também estão em ordem alfabética, exceto numa pequena alteração: quando o G e o R colocam-se fora de ordem, logo em seguida ao J, formando as iniciais do autor.
Dele disse Paulo Rónai: "Estonteado pela multiplicidade dos temas, a polifonia dos tons, o formigar dos caracteres, o fervilhar de motivos o leitor naturalmente há de, no fim do volume, tentar uma classificação das narrativas. É provável que a ordem alfabética de sua colocação dentro do livro seja apenas um despistamento e que a sucessão delas obedeça a intenções ocultas. Uma destas será provavelmente a alternância, pois nunca duas peças semelhantes se seguem. A instantâneos mal esboçados de estados de alma sucedem densas micro-biografias; a patéticos atos de drama rápidas cenas divertidas; incidentes banais do dia-a-dia alternam com episódios lírico-fantásticos".15
OS PÓSTUMOS
Ao morrer em 1967, Guimarães Rosa deixou quase prontos para serem editados dois outros livros, Estas Estórias e Ave, Palavra. Lendo esses volumes, percebe-se serem subprodutos dos extraordinários êxitos anteriores, que o alçaram ao posto de mais importante ficcionista brasileiro, critério partilhado pelos críticos e pelo público.Tornara-se um sucesso editorial, e tudo o que ele fornecesse seria bem-vindo e avidamente comprado. Daí o surgimento desses dois livros, reunindo textos que não mostram a obsessão com a unidade e a coerência que se encontram nos demais. O primeiro deles, Estas Estórias (1969), constitui-se de nove contos, e seu título dá continuidade à tradição das "primeiras" e "terceiras" estórias. Enquanto os anteriores se assinalam pela coesão, o mesmo não 15
Paulo Rónai,"Apêndice - Os Prefácios de Tutaméia - As Estórias de Tutaméia". Em João Guimarães Rosa, Tutaméia -Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967 ;p. 193-201.
ocorre nesse livro, que reúne estórias que o próprio Guimarães Rosa não quis incluir nos outros, porque não combinavam e não alcançavam o mesmo nível. Figuram escritos que antes tinham saído em periódicos, mais um que tinha saído num volume coletivo, e alguns inéditos, entre eles sobras do conjunto de Contos que depois se transformaria em
Sagarana. Mas ainda são, todos, estórias. O que resgata o conjunto é "Meu Tio o Iauaretê", uma de suas obras-primas, relatando a trajetória de um mestiço de índio, caçador de onças no sertão mais bravio e isolado. O entrecho é terrível: de tanto ser maltratado pelos brancos, o onceiro acaba preferindo as onças, vivendo entre elas e se acreditando uma. O feito lingüístico é dos mais notáveis, porque elege uma mistura de três canais de comunicação, a saber: o português, o tupi do índio e as onomatopéias da onça. O segundo livro, Ave, Palavra (1970), traz ainda mais acentuado o cunho de miscelânea. Compõem-no quase exclusivamente recortes de jornais e revistas, incluindo crônicas, pequenas ficções, anotações sobre zoológicos, vários poemas, fragmentos de diários, oratórios etc. São ao todo 54 textos e, o que é mais bizarro, aqui o escritor escapa de seu espaço por assim dizer co-natural, a quase totalidade deles tendo cenário alheio ao sertão. Sem a anuência de Guimarães Rosa, e três décadas após sua morte, veio à luz o livro de poemas que vencera um concurso em 1937,
Magma, e que ele, bom juiz de sua própria obra, sempre se esquivara a publicar.
4. TRAÇOS BIOGRÁFICOS
Guimarães Rosa durante cerimônia de posse na ABL, em 1966
Se
Guimarães Rosa veio a se tornar mais conhecido como
escritor, ocuparam-no todavia outras profissões. Depois de ter aprendido as primeiras letras em sua cidade natal, Cordisburgo, Guimarães Rosa teve que deixá-la para candidatar-se aos benefícios de uma educação propriamente formal. Em 1918, aos dez anos, dirigiu-se inicialmente a São João Del Rei e seu Colégio Santo Antônio e depois a Belo Horizonte. Nessa cidade, pela mão de seu avô e padrinho Luís Guimarães, matriculou-se no Colégio Arnaldo, dos padres alemães, o mais prestigioso da capital, também freqüentado em diferentes fases por Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava e Gustavo Capanema.16 Ao passar para os estudos superiores na mesma cidade, inicia em 1925 e conclui em 1930 o curso de medicina, ano em que se casa com Lígia Cabral Pena. Dois anos antes de se formar, em 1928, obtivera sua primeira colocação, na Secretaria Estadual da Agricultura. De uma maneira ou de outra, tramitará como funcionário público por vários pequenos empregos. Logo em seguida à formatura, começa a trabalhar em 1931 como médico em Itaguara, cidadezinha do interior de Minas Gerais. Ali, nasce-lhe nesse ano a primeira filha, Vilma. No ano seguinte, 1932, é nomeado inspetor de Educação e Saúde, em Itaguara. E, por ocasião da Revolução Constitucionalista de 1932, em que São Paulo, com grupos mineiros e gaúchos, rebelou-se contra o governo federal, apresentou-se como voluntário à Força Pública de seu estado, tendo servido no túnel da serra da Mantiqueira, onde houve uma das mais importantes batalhas da conflagração. Em 1933 presta concurso para a Força Pública, tornando-se oficial-médico, em outra cidade mineira, Barbacena, sendo promovido a 16
Renard Perez,"Perfil de João Guimarães Rosa1'.Em: Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro- José Olympio, 1968.Vicente Guimarães, Joãozito Infância de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: José Olympio/INL, 1972.Vilma Guimarães Rosa, Relembramentos:João Guimarães Rosa, Meu Pai. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
capitão no ano seguinte. Em 1934 nasce Agnes, segunda filha do casal. E de 1933 a 1935 trabalha no Serviço de Proteção ao índio. Na corporação
militar
reencontrou
outro
oficial-médico,
Juscelino
Kubitschek de Oliveira, futuro presidente da República, que conhecera quando ambos estagiavam na Santa Casa de Belo Horizonte e ao qual, muitos anos mais tarde, em 1958, deveria sua promoção a embaixador. Em 1935 ingressa no Itamarati, sendo nomeado cônsul de terceira classe. Sua trajetória naquele ministério está bem registrada, em livro interessante,
17
que traz alguns documentos redigidos por
Guimarães Rosa e submetidos a seu crivo antes de serem selecionados para publicação. Dentre eles se destaca um oficio interno que tem o requinte de limitar-se a palavras iniciadas pela letra c. Os testemunhos convergem para delinear o perfil de um funcionário consciencioso e trabalhador. A carreira de diplomata, como de praxe, implicaria em deslocamentos sucessivos. Cônsul-adjunto em Hamburgo em 1938, ali conheceria Aracy Moebius de Carvalho, sua segunda esposa. Aproveita a oportunidade da estada no exterior para viajar pela Europa. A Segunda Guerra, provocando o rompimento de relações com a Alemanha, leva-o a ser internado por quatro meses em 1942, em Baden-Baden. Nesse ano é nomeado segundo-secretário da embaixada em Bogotá, de onde volta em 1944, para trabalhar na Secretaria de Estado, no Rio. Em 1946 é nomeado chefe de gabinete do ministro João Neves da Fontoura, com o qual desenvolveu calorosa amizade e do qual faria o elogio protocolar ao tomar posse 20 anos depois na Academia Brasileira de Letras, ao sucedê-lo na mesma cadeira. Viaja para Paris nesse ano, para a Conferência de Paz ao término da guerra, como secretário de nossa delegação. Em 1948, a mesmo título, vai à Conferência PanAmericana, em Bogotá. Antes do fim do ano é nomeado secretário da embaixada em Paris, e promovido a conselheiro no ano seguinte, 17
Heloísa Vilhena de Araújo, Guimarães Rosa: Diplomata. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1987.
obtendo o cargo de ministro de segunda classe em 1951, quando reassume seu antigo posto junto a João Neves da Fontoura, no Rio. Dois anos depois passa à chefia da Divisão de Orçamento e em 1958 a ministro de primeira classe, ou embaixador. De 1962 em diante, seria chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras, posto em que viria a falecer, em 1967.
CONCL USÃO
Embora
tenha sido objeto de efêmeras polêmicas quando
surgiu, hoje em dia ninguém mais discute o papel de Guimarães Rosa na literatura e na cultura brasileiras. Recente pesquisa 18 realizada entre nós para eleger os dez melhores romances da literatura universal no século que passou, apontou como o único brasileiro dentre eles Grande
Sertão: Veredas. Por isso, não é de surpreender que tenha gerado um bom número de discípulos, que procuraram e procuram imitar sua maneira inconfundível. Desse ponto de vista, pode-se dizer que fecundou nosso panorama literário de um modo duradouro. Antepõe-se, todavia, a essa estimativa por assim dizer positiva, uma outra, que deixa uma dúvida pairando no ar. Um mestre, Guimarães Rosa esgotou a tal ponto a feliz combinação entre oralidade sertaneja e erudição poliglótica que nossa literatura
como
que
paira
aquém
daquilo
que
ele
realizou.
Provavelmente, as novidades estéticas interessantes virão de outros quadrantes. Mas o mais curioso de tudo é que ele tenha dado frutos onde menos se esperava: na literatura africana. Dentre os mais importantes ficcionistas escrevendo em português no continente, destacam-se o angolano (naturalizado) Luandino Vieira e o moçambicano Mia Couto. Ambos
não
só
incorporam,
com
naturalidade,
descobertas
de
Guimarães Rosa naquilo que escrevem, como até contam em entrevistas a revelação que foi para eles a leitura de um tal autor, quando, até por projeto político, não conseguiam sair do neo-realismo — de influência tanto portuguesa quanto brasileira, através do romance de 30 - que até então praticavam. Entre nós, a influência propriamente literária de Guimarães Rosa tornou-se difusa e ubíqua. Do mesmo modo, estendeu-se a outras áreas da cultura, fazendo-se notar, por exemplo, no cinema. Muito do que escreveu já foi filmado, como Grande Sertão: Veredas; "A Hora e Vez de Augusto Matraga", de Primeiras Estórias; "Buriti", de Corpo de Baile; 18
Mais!", Folha de S.Paulo, 3 jan. 1999; p. 4-8.
"A Terceira Margem do Rio", de Primeiras Estórias etc, com resultados variáveis. Dentre eles, o trabalho de Roberto Santos com "A Hora e Vez de Augusto Matraga" (1965) se destaca pela qualidade. Inúmeras montagens teatrais já foram feitas, e ainda se fazem, adaptando obras suas. Dentre elas, teve grande repercussão aquela dirigida por Antunes Filho sobre Grande Sertão: Veredas. Esse romance foi igualmente objeto de uma minissérie da TV Globo. Guimarães Rosa foi parar de um modo perceptível também na canção popular, cujas letras influenciou fortemente, como se nota em Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mais ou menos inesperada foi uma assinalável — e confessada — absorção de algumas de suas técnicas por humoristas mais cultos e sofisticados, como Millôr Fernandes e Luís Fernando Veríssimo. Um desenvolvimento recente tem sido a recuperação da oralidade de Guimarães Rosa num retorno que o leva de volta a suas raízes, mas depois de ter atravessado o patamar letrado dos livros difíceis. (Os Miguilins, contadores de estórias originários de sua cidade natal, Cordisburgo, estão agora decorando páginas de Guimarães Rosa e declamando-as.) Algo que sempre agradou aos leitores foi sua habilidade para criar palavras, e de fato se notam em toda parte muitas escolas e logradouros públicos batizados com invenções suas. Dentre elas, a mais popular parece ser a palavra "Sagarana", que se encontra disseminada pelo Brasil afora, como rua, praça, centro cultural, colégio. Em suma, uma obra tão vasta e tão rica como essa descortina um amplo futuro pela frente, a respeito do qual se pode prever que ainda muito dinamizará o processo cultural.
BIBL IOGRAFIA
DE GUIMARÃES Sagarana. Rio de Janeiro: Universal, 1946. Corpo de Baile. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, 2 volumes. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962. Tutaméia — Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. Estas Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969. Ave, Palavra. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970. Magma. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
SOBRE GUIMARÃES
Heloísa Vilhena de Araújo, Guimarães Rosa: Diplomata. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1987. Edoardo Bizzarri (org.),_/. Guimarães Rosa — Correspondência com o
Tradutor Italiano. São Paulo: Instituto Cultural Italo-Brasileiro, s/d. Antônio Cândido, "Jagunços Mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa". Em: Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970. _______,"O Homem dos Avessos". Em: Tese e Antítese. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. Eduardo de Faria Coutinho (org.), Guimarães Rosa -Fortuna Crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. Mary L. Daniel, João Guimarães Rosa: Travessia Literária. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.
Diálogo, 8. São Paulo: Sociedade Cultural Nova Crítica, nov. 1957 (número especial sobre Guimarães Rosa). Walnice Nogueira Galvão, As Formas do Falso. São Paulo: Perspectiva, 1972. _______, Mitológica Rosiana. São Paulo: Ática, 1978. _______, "As Listas de Guimarães Rosa". Em: Cecília Almeida Salles (org.), Eclosão do Manuscrito. São Paulo: FFLCH-USP, 1988. _______, "Heteronímia em Guimarães Rosa". Em: Desconversa. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. _______."Metáforas Náuticas". Em: Desconversa. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. _______/'Distinguindo". Em:/ Donzela-Guerreira. São Paulo: Senac,
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Collection Archives, no prelo. Vicente Guimarães, Joãozito — Infância de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro José Olympio/INL, 1972. Oswaldino Marques, "Canto e Plumagem das Palavras" e "A Revolução Guimarães Rosa". Em: A Seta e o Alvo. Rio de Janeiro: MEC/INL, 1957. Benedito Nunes,"Guimarães Rosa". Em: O Dorso do Tigre. São Paulo: Perspectiva, 1969. M. Cavalcanti Proença, Trilhas no Grande Sertão. Rio de Janeiro: MEC, 1958.
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 41. São Paulo: USP, 1996 (número especial sobre Guimarães Rosa).
Revista USP, 36,dez./jan./fev. 1997-8. Dossiê 30Anos Sem Guimarães Rosa. Paulo Rónai, "Apêndice — Os Prefácios de Tutaméia — As Estórias de
Tutaméia".Em:João Guimarães Rosa, Tutaméia — Terceiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. Vilma Guimarães Rosa, Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu
Pai. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. Kathrin Rosenfield, Os (Des)caminhos do Demo. Tradição e Ruptura em Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Edusp, 1992. Heloísa Starling, Lembranças do Brasil — Teoria Política, História e
Ficção em Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Iuperj/Revan, 1999. Francis Utéza, Metafísica do Grande Sertão. São Paulo: Edusp, 1994. [Vários], Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968. Teresinha Souto Ward, O Discurso Oral em Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Duas Cidades/INL, 1984.
Esta obra foi digitalizada e revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a venda deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente. Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras. Se quiser outros títulos nos procure : http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-lo em nosso grupo.
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S O OB B R RE E A A U UT T O OR RA A
Walnice Nogueira Galvão é professora titular de teoria literária e literatura comparada na USP. Palestrante convidada em instituições da Europa, dos Estados Unidos, da Ásia e da África, tem livros publicados sobre Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, crítica da literatura e da cultura. Entre esses, os mais recentes são Correspondência de Euclides da Cunha (Edusp, 1997), Desconversa (UFRJ, 1998), A Donzela-Guerreira (Senac, 1998) e
Le Carnaval de Rio (Chandeigne, 2000).
FOL HA EXPL ICA
Folha Explica é uma série de livros breves, abrangendo todas as áreas do conhecimento e cada um resumindo, em linguagem acessível, o que de mais importante se sabe hoje sobre determinado assunto. Como o nome indica, a série ambiciona explicar os assuntos tratados. E fazê-lo num contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país. Voltada para o leitor geral, a série serve também a quem domina os assuntos, mas tem aqui uma chance de se atualizar. Cada volume é escrito por um autor reconhecido na área, que fala com seu próprio estilo. Essa enciclopédia de temas é, assim, uma enciclopédia de vozes também: as vozes que pensam, hoje, temas de todo o mundo e de todos os tempos, neste momento do Brasil.